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ANAIS DO III ENCONTRO CIENTÍFICO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança em Mediações Educacionais Maio/2013 http://portalanda.org.br/index.php/anais 1 A DANÇA NO CONTEXTO DE LAZER: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS E CONTRIBUIÇÕES NA RELAÇÃO ENSINO- APRENDIZAGEM NO CURSO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA ANA CRISTINA OLIVEIRA MARQUES SILVESTRE (Faculdade Maurício de Nassau/Campus/ PB) ARTHUR MARQUES DE ALMEIDA NETO (UFPB) RESUMO O objetivo deste estudo foi relatar o processo criativo realizado na disciplina de dança no curso superior de Educação Física, e as estratégias utilizadas para sua construção de forma lúdica. Dezesseis alunos responderam sobre suas percepções a respeito da prática da dança nos momentos de lazer: “como você se sente dançando em seus momentos de lazer?”. Agruparam-se as respostas em duas categorias: a primeira abordou percepções negativas; a segunda, as positivas. Identificou-se a ideia de que a dança, mesmo no contexto de lazer, ainda relaciona-se a uma prática em que deve se “saber fazer” e ter “corpos eleitos”. Aponta-se que a pesquisa pôde auxiliar a relação de ensino- aprendizagem, dando suporte ao conhecimento do contexto vivido em dança pelos alunos. PALAVRAS- CHAVE: Dança, Lazer, Percepção, Coreografia, Educação Física. DANCING IN THE CONTEXT OF LEISURE: PERCEPTIONS OF STUDENTS AND CONTRIBUTIONS IN RESPECT EDUCATION - LEARNING COURSE ON TOP OF PHYSICAL EDUCATION ABSTRACT The aim of this study was to describe the creative process conducted in the discipline of dance in college Physical Education, and the strategies used for its construction in a playful manner. Sixteen students were asked about their perceptions regarding the practice of dance in leisure time: "how do you feel dancing in your leisure time?". Responses were grouped into two categories: negative perceptions and positive perceptions. The present study identified the idea that dance, even in the context of leisure, still relates to a practice that should "know how" and have "elected bodies". It is pointed out that the research could help the relationship of teaching and learning, supporting knowledge of context experienced by students in dance. KEYWORDS: Dance, Leisure, Perception, Choreography, Physical Education.

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ANAIS DO III ENCONTRO CIENTÍFICO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA Comitê Dança em Mediações Educacionais – Maio/2013

http://portalanda.org.br/index.php/anais 1

A DANÇA NO CONTEXTO DE LAZER: PERCEPÇÕES DOS ALUNOS E CONTRIBUIÇÕES NA RELAÇÃO ENSINO-

APRENDIZAGEM NO CURSO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

ANA CRISTINA OLIVEIRA MARQUES SILVESTRE (Faculdade Maurício de

Nassau/Campus/ PB)

ARTHUR MARQUES DE ALMEIDA NETO (UFPB)

RESUMO O objetivo deste estudo foi relatar o processo criativo realizado na disciplina de dança no curso superior de Educação Física, e as estratégias utilizadas para sua construção de forma lúdica. Dezesseis alunos responderam sobre suas percepções a respeito da prática da dança nos momentos de lazer: “como você se sente dançando em seus momentos de lazer?”. Agruparam-se as respostas em duas categorias: a primeira abordou percepções negativas; a segunda, as positivas. Identificou-se a ideia de que a dança, mesmo no contexto de lazer, ainda relaciona-se a uma prática em que deve se “saber fazer” e ter “corpos eleitos”. Aponta-se que a pesquisa pôde auxiliar a relação de ensino-aprendizagem, dando suporte ao conhecimento do contexto vivido em dança pelos alunos. PALAVRAS- CHAVE: Dança, Lazer, Percepção, Coreografia, Educação Física.

DANCING IN THE CONTEXT OF LEISURE: PERCEPTIONS OF STUDENTS AND CONTRIBUTIONS IN RESPECT EDUCATION -

LEARNING COURSE ON TOP OF PHYSICAL EDUCATION

ABSTRACT The aim of this study was to describe the creative process conducted in the discipline of dance in college Physical Education, and the strategies used for its construction in a playful manner. Sixteen students were asked about their perceptions regarding the practice of dance in leisure time: "how do you feel dancing in your leisure time?". Responses were grouped into two categories: negative perceptions and positive perceptions. The present study identified the idea that dance, even in the context of leisure, still relates to a practice that should "know how" and have "elected bodies". It is pointed out that the research could help the relationship of teaching and learning, supporting knowledge of context experienced by students in dance. KEYWORDS: Dance, Leisure, Perception, Choreography, Physical Education.

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A Proposta da Dança como Lazer no Ensino Superior no Curso de

Bacharelado em Educação Física

A disciplina Dimensões Teórico-Metodológicas da Dança no curso de

bacharelado em Educação Física, em uma instituição privada de ensino

superior da cidade de João Pessoa (PB), tem como ementa a “dança como

forma de manifestação e expressão cultural de uma sociedade. Fundamentos,

dinâmica, metodologia e noções coreográficas”. Desenvolve, como

competência específica, a compreensão do processo evolutivo e histórico da

dança, de forma a elaborar, desenvolver, aplicar e avaliar a dança no campo de

atuação do professor de Educação Física. Além disso, propõe repensar e

valorizar a dança como bem cultural, compreendendo e reconhecendo seu

valor social, filosófico e artístico, de forma a conhecer e identificar os estilos de

dança, com o objetivo de se construir um “Festival de Dança” ao término de

cada semestre.

Desta forma, a disciplina em questão busca formar os alunos de

Educação Física na descoberta da dança como lazer, atividades físicas,

artísticas, condicionamento físico, sendo uma das opções para seu campo de

trabalho. No entanto, o objetivo no final do semestre é a criação de um

“Festival de Dança”, no qual todos deverão compor uma coreografia e

apresentá-la, proposta que nem sempre é “bem vinda” aos alunos, que muitas

vezes se sentem intimidados e incapazes de realizá-la, ou por falta de

interesse pela disciplina, por não possuir experiência com a dança e por ainda

entender que para se dançar é preciso ter um tipo de corpo específico.

Assim, no decorrer da disciplina, propõe-se que a dança seja

desmistificada, utilizando-se de ferramentas como mostra de vídeos de

experiências dos resultados coreográficos dos semestres anteriores, da

realização de aulas práticas que visam abordar a dança / educação, para que

todos possam perceber que a dança é possível de ser praticada por qualquer

pessoa, independente do seu tipo físico ou experiência motora. E que cada

aluno pode contribuir da sua maneira no processo criativo da coreografia,

sendo este priorizado e avaliado a cada aula, de maneira a valorizar as

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escolhas subjetivas e metodológicas em um modo processual e contínuo,

visando não apenas a obtenção do produto estético.

Outra estratégia utilizada foi a escolha de um protocolo tendo como base

o questionamento a respeito da relação do próprio aluno com a dança – gosto

e vivência: para que a dança fosse entendida como uma prática presente em

toda a sociedade, sendo eles parte constituinte da mesma, no primeiro dia de

aula eles responderam se dançavam em seus momentos de lazer e como se

sentiam dançando. Este diagnóstico auxiliou no planejamento da disciplina,

para que fosse possível estabelecer conexões entre a educação

pela/através/na dança e os conteúdos vivenciados pelos alunos em seu

cotidiano de lazer, além de buscar identificar possíveis relações que

mapeassem a dança no contexto social do aluno, como relações de gênero,

reafirmação de identidade cultural, questões estéticas pessoais em relação à

prática da dança, entre outras.

As aulas de dança abordaram sempre uma característica lúdica na sua

realização, buscando elementos trazidos pelos contextos dos alunos,

aproximando a sua realidade com o fazer da dança, fazer considerado para

alguns como uma tarefa inatingível, tanto na sua prática artística quanto

atividade de lazer. A proposta teve como ponto inicial a pesquisa e utilização

de elementos do lazer para criação de composições em grupo, buscando tanto

relacionar os contextos quanto tornar a prática, vivência e experimentação uma

atividade prazerosa. Assim, despertando o gosto e a descoberta de

movimentos através da dança, aos poucos foram sendo construídas

coreografias de forma coletiva.

O prazer entende o movimento feito e assumido como fruição de valores estéticos, éticos e afetivos. O movimento é vivido com satisfação, como prazer. Nos movimentos de expressão corporal, de dança ou arte, podemos perceber a ideia do que é o movimento como prazer (SANTIN, 2003: 48).

A prática de composição em dança associando elementos dos contextos

– no caso específico, nos momentos de lazer – buscou, durante todo o

processo, uma forma prazerosa. De acordo com Gutierrez (2001: 13), “o prazer

é uma categoria fundamental para a pesquisa do objeto lazer. Não existe lazer

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sem a expectativa de realizar alguma forma de prazer”. Assim, tanto no

contexto da atividade de lazer quanto na pesquisa coreográfica, a partir de

elementos dos momentos de lazer, o prazer na atividade foi busca e intento.

Sobre o lazer, Silva & Silva (2012) defendem que não devemos abordá-

lo em uma perspectiva funcionalista, em que ele é considerado o tempo de

recuperação da força do trabalho. Concordando com essas autoras,

defendemos a visão de Marcellino (1990), em que o lazer é definido como

cultura, compreendida no seu sentido mais amplo, vivenciada no “tempo

disponível”, possuindo como traço definidor o caráter “desinteressado” desta

vivência, buscando-se a satisfação provocada pela situação.

Este fato parece contraditório, visto que o Festival de Dança proposto

tem caráter obrigatório de participação na disciplina, sendo um elemento

constituinte da avaliação prática, o que dificulta ainda mais o processo criativo

dos alunos por sua imposição, intimidando os alunos. No entanto, na

experiência aqui relatada, traremos resultados positivos nesta proposta de

dança, em que mesmo os alunos mais “resistentes” ao processo coreográfico

conseguiram compor seqüências, e apresentá-las, o que, segundo os relatos

dos mesmos, nunca teriam feito caso a atividade fosse optativa. O processo foi

facilitado pela utilização de elementos já comuns aos alunos em seus

momentos de lazer, tornando-se não agônico e mais prazeroso. Mas,

acreditamos que esta questão avaliativa obrigatória no formato de “Festival”

merece maiores discussões, e aplicação de novas experiências, por exemplo,

situações das quais o aluno só participe caso possua interesse em apresentar-

se em público.

O lazer para Marcellino (2007), citado por Silva & Silva (2012: 22),

possui seis áreas fundamentais: os interesses artísticos, os intelectuais, os

físicos, os manuais, os sociais e os turísticos. Tratamos a dança numa

perspectiva de lazer, porque acreditamos que ela pode ser incluída em várias

destas áreas: para os interesses artísticos a dança se faz presente por tratar-

se, antes de tudo, de uma manifestação que possui um conteúdo estético

específico; para os interesses intelectuais, busca-se o contato com o real,

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dando ênfase ao conhecimento vivido e experimentado. A dança é

conhecimento, e, para adquiri-lo, deve-se vivê-lo e experimentá-lo. Para

interesses corporais, estão todas as atividades que prevalecem o movimento;

para interesses sociais, há uma inclinação para o relacionamento, o que é

proposto pela atividade de dança realizada de forma colaborativa em grupo.

Também é interessante perceber como corpos que se julgam “sem

experiência na dança”, ou “sem jeito para dança” conseguem organizar-se

coletivamente numa criação coreográfica. Ainda mais quando trabalham juntos

na composição com outros corpos que possuem alguma vivência em dança ou

outra atividade esportiva, como voleibol, basquete, halterofilismo, dentre outras,

desenvolvidas pelos alunos no campo da educação física. O trabalho coletivo

proporciona a troca de repertório e vocabulário motor de um para o outro. Essa

atividade levou em consideração a troca de conhecimento, entendendo que

cada corpo faz parte de uma construção cultural, com uma identidade.

[...] é possível discutir o corpo como uma construção cultural, já que cada sociedade se expressa diferentemente por meio de corpos diferentes. Todo homem, mesmo inconsciente desse processo, é portador de especificidades culturais em seu corpo (SILVA & SILVA, 2012: 36).

As autoras Silva e Silva (2012: 38) ainda argumentam que é por meio do

corpo que o homem se apropria dos valores, normas e costumes sociais, num

processo de inCORPOração. Ou seja,

[...] um indivíduo incorpora algum novo comportamento ao conjunto de seus atos, ou uma nova palavra ao seu vocabulário ou, ainda, um novo conhecimento ao seu repertório cognitivo. Mais do que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um conteúdo cultural, que se instala no seu corpo, no conjunto de suas expressões. Em outros termos, o homem aprende a cultura por meio de seu corpo (SILVA & SILVA, 2012: 40).

Assim a construção coreográfica na disciplina de dança, visando a

utilização das experiências motoras de cada aluno, tanto como suas

experiências de lazer, buscou atingir o objetivo principal da sua ementa: a

percepção da dança como forma de manifestação e expressão cultural de uma

sociedade, adquirindo cultura através de sua exploração criativa de

movimentos.

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A cultura, de forma geral, pode ser compreendida como os padrões de comportamento e os hábitos sociais de uma comunidade, partindo de uma tradição ou herança, acumulados e específicos, ou seja, estamos falando do modo de vida característico de um conjunto de indivíduos, determinado por idéias com força normativa e relativamente consensuais (GUTIERREZ, 2001: 15).

Assim, a proposta do “Festival”, mesmo que obrigatória, oportuniza que

os alunos adquiram conhecimento com seu corpo, com o corpo dos colegas do

grupo, e que vivam uma experiência do momento do palco, e o que é mais

relevante, a valorização da sua criação, dos aspectos motores de cada um que

colaborou no processo, e do entendimento que cada corpo é produto da

cultura, com seus significados.

Estratégias Pedagógicas Utilizadas para Criação da Coreografia e Festival

de Dança

Neste tópico abordaremos mais detalhadamente quais as estratégias

pedagógicas utilizadas para a construção das coreografias que foram

apresentadas pelos alunos no formato de “Festival de Dança”, proposta pela

ementa da disciplina, e de que forma utilizamos neste processo os elementos

oferecidos pelos alunos e as suas percepções da dança, vividas em seus

momentos de lazer.

Como abordado anteriormente, para se conhecer como os alunos se

relacionavam com a dança em seu cotidiano de lazer, fizemos a seguinte

questão no primeiro dia de aula da disciplina, para 16 alunos de uma instituição

privada de ensino superior na cidade de João Pessoa (PB): “como você se

sente dançando em seus momentos de lazer?”. A pergunta foi respondida

anonimamente, individualmente, de forma escrita.

Diante das respostas obtidas, as mesmas foram agrupadas em duas

categorias, segundo análise de conteúdo (BARDIN, 2009): A primeira categoria

abordou as percepções negativas dos alunos, correspondendo a 30% os

entrevistados que relataram não ter “jeito” para dançar, com “medo de errar os

passos” e possuírem “vergonha”, acreditando que a dança é para quem “sabe”

dançar. A segunda categoria apontou percepções positivas, e a maioria dos

entrevistados relatou: “esquecer-se dos problemas” - 37%; sentir-se mais

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“livre”-25%; “leve” - 12%;“alegre”- 31%; “desinibido e descontraído” - 31%;

gostar de “ficar junto” com parceiro - 25% no momento da dança. Neste caso,

tratava-se da dança a dois, principalmente o ritmo forró, que foi abordado pelos

alunos como o tipo de dança preferida, ou até mesmo a “única” que se

“conseguia” dançar.

Alguns citaram percepções diversas, estando em ambas a categorias. A

dança, mesmo no contexto de lazer, para alguns alunos, ainda relaciona-se a

uma prática em que se deve “saber fazer” e ter “corpos eleitos”, o que foi

identificado como negativo. Sobre este mesmo aspecto, é interessante

perceber também que, no momento da entrevista, muitos alunos,

principalmente do gênero masculino, relataram que, para se dançar, era

preciso “ter coragem”, e que, para se adquirir este estado de ânimo, era

necessária a ingestão de bebidas alcoólicas. Ou seja, a dança ainda é vista

como algo inatingível, algo que não é possível de ser feito em seu estado real

de consciência. Entretanto, a maioria entrevistada demonstrou percepções

positivas em relação à prática da dança em seus momentos de lazer.

Após o diagnóstico, percebeu-se que a maioria entrevistada preferia o

ritmo do forró em suas práticas de dança como lazer, e foi sugerido, pela

professora da disciplina, que o “Festival de Dança” deveria ser composto por

músicas neste mesmo ritmo, sendo escolhidas as de Luiz Gonzaga, que veio a

combinar com o período junino das apresentações, assim como traria uma

homenagem ao centenário do “Gonzagão”. Todos os alunos aprovaram com

unanimidade esta escolha, comentando que já conheciam algumas de suas

composições.

Em relação à criação das seqüências coreográficas, foi proposto que os

alunos se organizassem em grupo, de no máximo seis pessoas, e que

trabalhasse com um dos capítulos do livro disponível em vários exemplares na

biblioteca da instituição em questão, “Os temas de movimento de Rudolf

Laban”, da autora Lenira Rengel (2008), que foram sorteados entre os grupos.

Os capítulos tratam dos modos de aplicação do tema do movimento I, II, III, IV,

V, VI, VII e VIII de Rudolf Laban. Esta escolha foi feita por se tratar de uma

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proposta de dança educativa, na qual cada aluno poderia contribuir de sua

forma no processo coreográfico, de acordo com sua realidade vivida e

experiências motoras. E que, pela dança-educação, defendida por Rudolf

Laban, é possível entender o corpo como processo de natureza e cultura,

juntos:

Se o aluno tem uma movimentação que consideramos “caricata”, “artificial”, “manipulada”, destituída de certo grau de livre arbítrio, de nada adianta criticá-lo e tentar mudar seu movimento [...] É preciso respeitar seus movimentos, aceitar o que este aluno ou colega traz. Ele apresenta o repertório de movimento que tem. Leva um tempo até o corpo (a pessoa) adquirir e implementar novos movimentos e ter consciência de que ele não é “recipiente”, onde tudo é “enfiado” sem processamento, e leva um tempo, também, para ele ter uma visão crítica saudável do que é ficar repetindo movimentos que, na grande maioria, nada tem relação ao próprio corpo (RENGEL, 2008: 12-13).

Cada um dos grupos deveria criar jogos coreográficos entre seus

componentes, baseando-se na improvisação do movimento, de acordo com as

atividades e sugestões propostas pelos temas de movimento sorteado. Em

seguida, o grupo deveria selecionar os movimentos a cada ensaio, criando

pequenas sequências coreográficas, que seriam unidas ao término do período

determinado para criação da coreografia. Foram destinadas quatro aulas, cada

uma com duas horas de duração, para o planejamento, ensaios e criações das

composições, que deveriam conter, no mínimo, 2 minutos no total.

Assim, a cada aula-ensaio, estes alunos seriam avaliados, devendo

trazer as “tarefas” cumpridas do seu processo coreográfico, de forma que a

professora da disciplina pudesse atuar junto a eles auxiliando e orientando na

idealização dos temas a serem tratados, assim como na criação dos

movimentos. Todos os movimentos e gestuais foram criados exclusivamente

pelos alunos, não havendo nenhuma sequência pré-concebida pela professora

em suas coreografias.

Com esta proposta avaliativa visa-se que o aluno perceba que a

montagem coreográfica não se trata apenas de movimentos sequenciados,

mas que suas escolhas, assim como de toda obra final, como figurinos,

músicas, nome da coreografia, dentre outros elementos, devem ter uma

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conexão, de forma a transmitir ao público uma ideia previamente combinada

entre os integrantes do grupo. Pois cada movimento é composto de significado:

Pela expressividade os movimentos se constituem em linguagem. Uma linguagem que identifica o movimento com seu significado. Por exemplo: o movimento de gesto e seu significado são inseparáveis [...] O movimento é uma maneira do homem estar presente, uma presença para si e para os outros (SANTIN, 2003: 47).

Como foi diagnosticado que dançando os alunos se sentiam “alegres”,

“esqueciam-se dos problemas” e se sentiam “leves”, os mesmos foram

estimulados a cada aula-ensaio a criar movimentos e tratar de temáticas que

gerassem estas boas sensações, que fizessem parte da realidade e do

cotidiano de lazer deles, fazendo com que os alunos refletissem a dança como

um caminho possível, e fácil de ser realizado e explorado em sua futura

carreira profissional, e que nem sempre para ser executada precisa-se de

técnica específica ou corpos “eleitos”.

Além da coreografia os alunos foram incentivados a criar um folheto,

folder, ou um material impresso que tratasse sobre sua criação. Essa proposta

buscou que os alunos visualizassem a sua composição coreográfica de outra

forma, fazendo com que, no momento do planejamento gráfico do material,

eles conseguissem atingir uma mesma configuração e planejamento estético

do que seria apresentado, além de se pensar mais objetivamente em sua

temática, fixando-a, em forma de release ou sinopse. Neste material, deveria

estar contido um nome para seu grupo, nome para coreografia, ficha técnica e

um breve comentário sobre a coreografia tratada.

A tarefa da elaboração de um Festival de Dança está como último item

no conteúdo programático da disciplina. Ou seja, antes do processo de criação,

os alunos assistiram aulas teóricas sobre as danças teatrais, folclóricas, dança

de salão, ritmo, história e evolução da dança, além do conteúdo de dança

educação. Neste último foi explicada a Teoria do Movimento de Laban, bem

como seus fatores de movimento. Também houve aulas práticas sobre estes

conteúdos, em que os alunos foram capazes de associar a teoria com o fazer

da dança, o que gerou subsídios para que eles pudessem utilizar em seguida

os temas de movimento de Laban nas suas criações.

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Resultados obtidos no Festival de Dança

No dia do Festival todos os grupos se apresentaram de forma

organizada, de posse dos folders que foram distribuídos entre a platéia

presente. As coreografias foram executadas no auditório da Instituição em

estudo, possuindo nomes que, muitas vezes, se confundiam com os nomes ou

trechos das próprias canções de Luiz Gonzaga escolhidas pelos grupos, como

exemplo: “Andando pelos sertões”; “Cadê minha morena”; “Saudade meu

remédio é cantar”; “O vôo da asa branca”; “A vida do viajante”; “Cheiro da

Carolina”. Ou seja, a escolha da música guiou, na maioria dos grupos, qual a

temática seria tratada na composição coreográfica.

Quanto aos nomes dos grupos criados pelos alunos, expressos em seus

materiais gráficos, encontram-se vários que retratam a descontração entre

seus componentes, e a sua relação com o lazer, com os seus momentos de

descontração fora da instituição, como por exemplo: “Grupo os garotos do

sertão”; “Leleks dos sertões”; “Grupo Sonú Cavaquinho”; “Grupo Pirilampo”;

“Grupo Capote”; “Grupo arrasta pé”.

Em relação aos movimentos criados, os grupos conseguiram trabalhar

de forma coletiva, havendo esforço dos alunos para criação de gestual

baseado nos temas de movimento de Laban, o que deixou as composições

diferenciadas e originais, com características de repertórios motores diversos,

em que cada um dos componentes colaborou de forma significativa. No

entanto, percebe-se também a presença de passos de xaxado, de forró,

cirandas, e também de gestos da “moda”, divulgados em coreografias exposta

na mídia e na cultura de massa.

As escolhas das organizações espaciais, mesmo com o auxílio e

orientações da professora e do material teórico oferecido, visando a exploração

do espaço, seus diferentes níveis, planos, e direções, lembravam, muitas

vezes, uma quadrilha junina, como também sequências de movimentos que

traziam alusões a uma aula de academia de ginástica, na qual todos se

dispuseram de frente para a plateia, enfileirados ou em grande círculo. O que

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pode ter sido influenciado pela experiência dos mesmos em seus estágios em

academias e por entenderem que a dança deve ser feita apenas “de frente”

para a plateia, principalmente pelo formato do local onde se executaram as

danças, semelhante a um palco italiano, no auditório.

Todos os grupos conseguiram conectar suas temáticas aos movimentos,

músicas, figurinos e materiais impressos criados, o que é de grande relevância

ao entendimento de uma possibilidade (dentre várias que são possíveis) de

como se fazer uma composição em dança, de entender que o resultado final é

fruto de um planejamento, idealização e carece de tempo e criatividade para

sua obtenção, e não é apenas uma mera sequência de passos.

Considerações Finais

Não defendemos, neste estudo, que esta proposta de dança como lazer

para a criação de uma coreografia é a forma “correta” de se construir um

resultado, um produto estético final, mas trazemos uma experiência realizada

na qual se obtiveram resultados positivos na disciplina de dança, que foram

capazes de fazer o aluno refletir sobre seus movimentos, ser criativo, e

desempenhar um papel social naquele momento da sua criação, e adquirir

cultura com seus corpos e com os dos seus colegas, de saber compartilhar

suas escolhas, e conseguir trabalhar de forma coletiva, lúdica e sob a

perspectiva de lazer. Além disso, desmistificou a dança, de forma que o aluno

sai com a idéia de que é capaz compor coreografias ou realizar pesquisas de

movimento baseando-se nos gestuais dos seus alunos, com autonomia, e não

autoridade.

Assim, podemos concluir que a pesquisa auxiliou a relação de ensino-

aprendizagem, dando suporte ao conhecimento do contexto vivido em dança

pelos alunos e desfez, durante a disciplina, o mito de que a dança, tanto como

lazer ou prática artística, não é para todos. Assim, ressalta-se a importância do

diagnóstico realizado no início da disciplina com os alunos no processo

educativo da Dança no âmbito do ensino superior em Educação Física, no qual

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a disciplina alcançou seus objetivos pedagógicos, técnico-estéticos e sociais,

de forma contextual e dialógica.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.

DA SILVA, Cinthia Lopes & SILVA, Tatyane Perna. Lazer e Educação Física: textos didáticos para a formação de profissionais de lazer. Campinas: Papirus, 2012.

GUTIERREZ, Gustavo Luis. Lazer e Prazer: questões metodológicas e alternativas políticas. Campinas: Autores Associados, 2001.

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1990.

RENGEL, Lenira. Os Temas de Movimento de Rudolf Laban (I-II-III-IV-V-VI-VII-VIII): modos de aplicação e referências. São Paulo: Annablume, 2008.

SANTIN, Silvino. Educação Física: uma abordagem filosófica da corporeidade. rev. Ijuí: Unijuí, 2003.

Ana Cristina Oliveira Marques Silvestre Professora do curso de Bacharelado em Educação Física da Faculdade Maurício de Nassau (João Pessoa, PB). Mestre e doutoranda em Educação Física (Programa Associado de Pós-graduação em Educação Física da UPE/UFPB). Especialista em Estudos Contemporâneos em Dança (UFBA). Graduada em Farmácia e Educação Física. Bailarina e coreógrafa. [email protected] Arthur Marques de Almeida Neto Professor Assistente do Departamento de Artes Cênicas do Centro de Comunicação Turismo e Artes da UFPB. Mestre em Dança pela UFBA. Especialista em Estudos Contemporâneos em Dança – UFBA. Licenciado em Dança – FAV-RJ. Bailarino, Pesquisador e Coreógrafo. [email protected]