a crítica de arte brasileira mário pedrosa
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A crtica de arte brasileira: Mrio Pedrosa, as dcadasde 1950 e 2000 em discusso
Sabrina Parracho SantAnna*
*Sabrina Parracho SantAnna doutora em Sociologia pelo Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Antropologia da UFRJ eprofessora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Este artigo procura discutir a obra de Mrio Pedrosa do ponto de vista de sua
recepo pela crtica de arte contempornea. Busca-se de entender os modos
pelos quais a trajetria de Pedrosa vem sendo atualmente acionada para justificar
diferentes projetos para a arte contempornea.
Mrio Pedrosa, crtica de arte, Ferreira Gullar, Mrcio Doctors
Refletir sobre a obra crtica de Mrio Pedrosa e seu lugar no mundo hoje implica perguntarsobre sua atualidade e olhar para o modo como o autor vem sendo recebido e acionado nosdiscursos da profisso que ajudou a institucionalizar. Para tanto, sugiro que se tome a figurade Mrio Pedrosa como ordenadora de sentido da crtica brasileira em dois momentos dis-tintos. Num primeiro momento, quando Pedrosa exerceu papel fundamental junto s institu-
ies de arte em meados do sculo XX. Num segundo momento, quando, meio sculo maistarde, sua memria acionada para explicar e legitimar o surgimento de novas prticas juntos mesmas e outras instituies.
Entender Mrio Pedrosa implica, antes de mais nada, levar em considerao a multiplicidadede interpretaes que comporta sua trajetria. Se a escritura de biografias (Bourdieu, 1999:74-82) e a definio da unidade de uma obra (Foucault, 2000: 23-34) implicam sempre a con-
struo artificial de um percurso que pressupe recortes e escolhas, vazios deixados de foraem nome da coerncia e da continuidade, a narrativa da vida de Pedrosa implicaria a seleode dados e episdios que, em sendo outra, poderia contar-se como outra vida. Com efeito,recortar a vida de Pedrosa e constituir uma memria implica, sobretudo, lembrar a diversi-dade de tomadas de posio que o acompanhou durante suas atividades pblicas. Mrio, o
trotskista, o fundador do PT, o porta-voz do Grupo Frente, o professor do Pedro II. Cada papel
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exercido no decorrer da trajetria parece ter deixado atrs de si um prisma distinto para con-
struir uma narrativa nica de sua memria.
Em lugar de propor uma viso total do homem Pedrosa, o que sugiro neste artigo , portanto,tomar um recorte da sua vida, do ponto de vista das apropriaes que tm sido feitas hoje por
um grupo que parece vir efetivamente constituindo uma memria coletiva do personagem,
qual seja, a crtica de arte do Rio de Janeiro.
Mrio Pedrosa, a consolidao da profisso e a crtica contempornea
Olhando para o recente discurso sobre a crtica de arte, em sua reflexo sobre o prprio m-tier, Mrio Pedrosa vem sendo recursivamente lembrado como inaugurador de uma nova fasena profisso. Em seminrio intitulado Arte, crtica: imediaes, organizado em 2008 em torno
da obra de Wilson Coutinho no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o nome de MrioPedrosa foi citado diversas vezes como inaugurador de uma tradio de crtica brasileira.
Tambm em anos relativamente recentes, uma srie de livros vem sendo publicados pararetomar sua obra (Pedrosa, 1981; 1986; 1998; 2000) e, ainda num outro movimento, Mrio
Pedrosa vem sendo diversas vezes lembrado no discurso de crticos contemporneos. Em2004, Otlia Arantes publicaria Mrio Pedrosa: itinerrio crtico, livro em que daria conta datrajetria do autor em sua relao com a arte. Do mesmo modo, autores como Aracy Amaral1
e Snia Salzstein2 participariam de livro em homenagem. Em 2006, Glria Ferreira organizariaantologia reunindo a crtica de arte no Brasil e suas temticas contemporneas. A primeiracrtica escolhida para abrir o volume seria o texto de Mrio Pedrosa O destino funcional dapintura. Alm dele, mais cinco textos do autor seriam includos e, na introduo ao livro, Glria
Ferreira enfatizaria sua atuao no deslocamento do debate artstico do terreno ideolgicopara o esttico-formal(Ferreira, 2006: 19).
Ao pensar o papel de Pedrosa na crtica de arte brasileira, a primeira contribuio que vem mente sua fundamental atuao na consolidao da profisso de crtico de arte. Pedrosavinha de uma trajetria de intensa militncia poltica e a partir de meados da dcada de 40que decide efetivamente embarcar na carreira de crtico de arte, dando contribuio funda-mental para a consolidao da profisso.
Nascido em 1900 no Engenho do Sarau, de famlia de usineiros decadentes do Pernambuco,Pedrosa poderia bem considerar-se herdeiro de longnqua sucesso familiar que remontava
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a Amador de Arajo Pereira e s primeiras famlias fundadoras da Provncia. Filho de Pedroda Cunha Pedrosa, juiz e futuro senador da Repblica, neto do capito da Guarda Nacional,
Raimundo da Cunha Pedrosa, Mrio, ao narrar sua trajetria, poderia remontar tanto tradiodo mandonismo brasileiro, quanto s desventuras da elite local em descenso social descritasem Fogo Mortopor Jos Lins do Rgo, de quem, alis, era primo. Os laos com o casaco decouro da Primeira Repblica, herana arcaica da Monarquia seriam, no entanto, raras vezeslembrados e seriam tratados, no esboo de suas memrias inconclusas, como trao longn-quo cujo percurso em direo ao futuro era difcil divisar. Que tem realmente, com efeito, ainfncia a ver com a prpria velhice? perguntaria Mrio. Ao que responderia: nada, real-mente nada (Pedrosa, 1992). De fato, a trajetria poltica do Mrio seria fundamentalmente
marcada por um deliberado afastamento das oligarquias e pelo engajamento no comunismo,depois no trotskismo, no que chamaria posteriormente de socialismo e finalmente na forma-
o do Partido dos Trabalhadores, j na dcada de 1980.
Com consolidada posio na militncia de esquerda, mas passando pelas oscilaes da polti-
ca internacional, seria apenas a partir da dcada de 1940 que ele levaria realmente a srio a
ideia de tornar-se crtico de arte. Seria em Nova York, no perodo do exlio imposto na ditadura
Vargas, que Pedrosa passaria a elaborar as vivncias na imprensa e a erudio cultivada ao
longo do tempo para convert-las em nova profisso. Em 1940, Pedrosa escreveria carta a
Trotsky em que lamentaria os rumos tomados pelo movimento do comunismo internacional
e seria excludo da organizao da IV Internacional. Em 1942, j com quarenta e dois anos,
Pedrosa escreveria, ento, artigo sobre os painis de Portinari na Biblioteca do Congresso em
Washington e em 1943 passaria a trabalhar na seo de cinema do Escritrio do Coordenador
de Negcios Interamericanos em Nova York, ento dirigido por Nelson Rockefeller, tambm
diretor do MoMA nova-iorquino. Em depoimento dado FUNARTE em 1979, Pedrosa identifi-
caria os anos passados em Nova York como os de sua converso: Houve uma grande crise no
movimento trotskista e eu comecei a me interessar no movimento de arte. Fui para o Museu
de Arte Moderna para trabalhar no cinema (FUNARTE, 1979). Ao rememorar os anos de in-
sero na crtica de arte, Pedrosa acionaria o trabalho no MoMA, as exposies organizadas
no museu e o impacto que lhe teriam causado para justificar o interesse na crtica.
De um lado, a exposio de Mir e Dali seria lembrada como o primeiro momento de con-
verso. A recepo da mostra, j ordenada pelo contato com o trotskismo americano de
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Meyer Shapiro e Clement Greenberg e pela relao com Benjamin Perret e os surrealistas
franceses, resultaria na imediata predileo pela forma no figurativa de Mir e em posterior
conversa com Salvador Dali. O encontro entre Pedrosa e o artista, mediado por um coleciona-dor amigo de sua cunhada, Elsie Houston, seria narrado como debate em torno do manifesto
de Breton por uma arte revolucionria. Durante a conversa, descrita pelo crtico em entrevista
FUNARTE, Dali abriria mo de todo o contedo de ruptura e recusaria o texto como brinca-
deira, ou mania de revoluo bretoniana. O encontro entre os dois resultaria na divergncia
profunda que Pedrosa tornaria pblica no artigo Salvador Dali ou a parania dirigida em que,
em suas prprias palavras, esculhambava (FUNARTE, 1979).
De outro lado, Pedrosa encontraria mais uma vez no MoMA marco de ruptura na constitu-io do novo engajamento artstico. Em 1944, a exposio de Calder naquele mesmo museu
seria novamente marco significativo. Pedrosa seria, ento, efetivamente tomado pela arte
abstrata e se tornaria amigo do artista. O tempo passado em Nova York, descrito como in-
tervalo preenchido por biscates, daria a Pedrosa a oportunidade de comear a estudar as
teorias, os museus. Seria o momento de comear efetivamente a dedicar-se nova profisso
e slida construo da autoridade de expertquando a profisso se constitua simplesmente
como gnero de discurso (Dresdner, 2005). Em 1943, publicaria um ensaio crtico no Boletimda Unio Pan-americana. Sob pretexto de tratar da coleo Widener, ento adquirida pela
National Gallery em Washington, Pedrosa faria longa incurso pela Histria da Arte, constru-
indo finalmente para si a imagem do especialista e a autoridade do crtico. Assim, seria con-
vidado por Niomar Moniz Sodr, para escrever como correspondente no Correio da Manh e
publicaria o importante texto sobre Calder que, para ele, definiria o comeo da carreira.
De volta ao Brasil, ainda em 1945, Pedrosa conheceria Almir Mavignier e passaria a frequen-
tar o ateli do Engenho de Dentro no Hospital Psiquitrico Pedro II. Junto com Palatnik, Ivan
Serpa e o prprio Mavignier ficaria de mais a mais convencido de que a plasticidade da forma
estava na arte abstrata (Villas Bas, 2008).
1949 seria, finalmente, ano marcante na carreira de crtico. Seria o ano em que Pedrosa re-
uniria a esparsa produo, publicada em jornais, no livro Arte, Necessidade Vital. Seria tam-
bm o ano em que teria prestgio suficiente para arriscar sua posio na dura crtica ao painel
de Tiradentes de Portinari, ento considerado o grande artista brasileiro. Seria ainda ali que
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passaria a apoiar a fundao da Associao Internacional de Crticos de Arte e que, candi-
datando-se ctedra de Histria da Arte e Esttica, escreveria a tese Da Natureza Afetiva
da Forma. Reunindo a forma artstica e os preceitos da Gestalt, Pedrosa recorreria vivnciados anos passados em Berlim para encontrar na psicologia da forma os elementos que, expli-
cando a percepo como imediata apreenso, pudessem dar conta de entender a arte como
forma em si mesma, em vez de representao mimtica do mundo. A tese seria classificada
em segundo lugar e perderia para o trabalho de Carlos Flexa Ribeiro sobre Velasquez. Em todo
o caso, seria o momento em que Mrio Pedrosa elaboraria os elementos tericos de aprecia-
o da forma abstrata e de consolidao de critrios claros de julgamento crtico. O final da
dcada de 40 marcaria assim tanto a consolidao da carreira pessoal quanto a participao dePedrosa na formao da Associao Internacional de Crtica de Arte e a definio de parmet-ros claros para qualificar a profisso do crtico.
A hiptese fundamental que viria, ento, mente de que a recepo de Pedrosa pela crticahoje deveria ser fundamentalmente ordenada pelo registro desse momento. No entanto, aoolhar as recentes citaes de sua obra, o que vem sendo efetivamente recuperado de suatrajetria so essencialmente outros dois momentos fundamentais.
Um primeiro momento em que o crtico cunhava, nos idos dos anos de 1960, o termo ex-erccio experimental da liberdade. No perodo, Pedrosa seria confrontado pelos problemas
da arte que de mais a mais recusava a forma pura e se envolvia numa guinada conceitual enuma dissoluo de um projeto que se apresentaria como a sucesso de ismos de que tantofalaria. Em face da mercantilizao do mundo, da dominncia da tcnica e do projeto burgus,Pedrosa distinguiria entre duas posies possveis, de um lado a adequao ao mundo domercado e a incorporao acrtica da sociedade de massas, como fariam Warhol, Litchenstein
e a pop arte americana, de outro a permanente crtica da arte e das instituies de arte que sedesdobraria numa eterna busca do novo e do questionamento. Apoiando a segunda posio,Pedrosa aderiria experimentao de Hlio Oiticica e Lgia Clark surgida nos desdobramen-tos mais radicais do movimento neoconcreto. No site de buscas Google, o termo exerc-cio experimental da liberdade, usado para designar a atuao das vanguardas que apoiava,aparece hoje em 22.600 referncias3, sendo tambm citado em inmeras obras recentes.Apenas para dar alguns exemplos, o termo aparece em crticas de Paulo Venncio Filho (2006:431) e Ronaldo Brito (2005: 51). No sem razo, Cildo Meirelles, chega a firmar em recente
entrevista que a expresso teria se tornado moeda corrente nas artes brasileiras.
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O segundo momento diz respeito fase em que ele passa a discutir o que vem se chamandode crise das vanguardas, passando pelo que vem sendo identificado como um desencanta-
mento com a arte moderna. O sentimento de falncia do projeto das vanguardas e a percep-o de que a arte havia chegado ao niilismo da body arte mesmo da automutilao levariamPedrosa a rever posies e a apostar numa radical ruptura com o sentido de desenvolvimentoa que a arte moderna havia chegado. Em 1978, aps o incndio do MAM, Pedrosa formulariaexplicitamente a reviravolta em que guardava o otimismo que lhe havia sido caracterstico.O que considerava o bem-sucedido projeto de Allende para os centros de arte popular noChile, o contato com Darcy Ribeiro e antroplogos no Peru, a retomada da vivncia no Atelino Engenho de Dentro e o conceito da arte virgem, fariam com que Pedrosa propusesse, em
lugar do reerguimento do Museu de Arte Moderna, a fundao de um Museu das Origensem que estariam expostas as principais razes da cultura brasileira. Assim, como as esculturasda arte negra no Trocadro haviam servido em Paris para estruturar o corte fundamental daarte moderna ocidental, tambm o Museu das Origens poderia permitir o reconhecimento deum novo humanismo. Ao fim da vida, Pedrosa efetivamente se dedicaria a repensar as pos-sibilidades de emergncia de uma nova potncia revolucionria para a arte contempornea.O conceito do Museu das Origens, proposta de Pedrosa para reagir ao niilismo das vanguar-das, vem de fato ordenando uma srie de tomadas de posio no mundo da arte. O Museu
Nacional de Belas Artes concretizou finalmente o projeto em 1991 inaugurando a sala MrioPedrosa, e em 2000 a ideia serviu de inspirao para a formulao dos mdulos da mostra doRedescobrimento Brasil 500 anos.
Para entender o modo como esses momentos vm aparecendo na crtica contempornea,proponho a partir de agora uma anlise preliminar de duas distintas narrativas da importnciade Mrio Pedrosa na crtica de arte brasileira e de duas distintas posies junto s mudanaspercebidas da crtica de arte. Trata-se, ento, de uma leitura da crtica contempornea e dos
diferentes usos da crtica de Pedrosa e de anlise de entrevistas concedidas por Ferreira Gullare Mrcio Doctors para o documentrio sobre Mrio Pedrosa a ser lanado em 2010 por NinaGalanternick, com apoio de pesquisa do Ncleo de pesquisa em Sociologia da Cultura da UFRJ.
A questo que se coloca aqui justamente o entendimento do modo como essas narrativasso ordenadas pela percepo do atual papel da crtica contempornea. Como se ver, as duasnarrativas contidas nestes depoimentos sobre Pedrosa parecem, de fato, conter indicaesde dois diferentes modos de receber a obra do crtico e de acionar sua memria, construindo,a partir concepes de tempo distintas, duas formas de se relacionar com a modernidade e
estabelecer projetos para a crtica de arte contempornea.
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Lygia Clark
Caminhando, 1964Proposio
Clark, L. (1980). Lygia Clark.Rio de Janeiro: FUNARTE.
Duas narrativas sobre Mrio Pedrosa
Em entrevista concedida por Ferreira Gullar para a pesquisa sobre a relao de Mrio Pedrosacom os artistas que lhe eram contemporneos, o poeta e crtico de arte, ao rememorar suavivncia, deixa ver uma narrativa do passado prenhe do seu atual entendimento da crtica dearte, da arte moderna e dos projetos de futuro. Com efeito, a narrativa de sua relao comPedrosa, passa inevitavelmente pelo acionar de um discurso que, pressupondo ordenaes
cronolgicas, se faz tambm como construo de uma memria em projeto e ao.
Do ponto de vista da forma, a narrativa do crtico sobre seu contemporneo esbarra numasucesso de tomadas de posio que se anulam e se superam. A continuidade, necessria,marcada pelo sentido de coerncia de um Mrio Pedrosa capaz de sempre incendiar a imag-inao das pessoas aparece ela mesma como causa de uma srie de constantes rupturas que
marcam a histria de vida de Pedrosa do ponto de vista de Gullar. Sua narrativa sobre a tra-jetria do crtico decerto em muito ordenada pela srie de rupturas vivenciadas pelo prprio
entrevistado e que vez por outra eram atribudas ao Pedrosa de seu discurso.
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A adeso de Gullar s regulares reunies na casa de Pedrosa a partir de 1950, sua ruptura
com o movimento construtivo, a redao do manifesto neoconcreto, a decepo com as van-
guardas, sua sada para os Centros Populares de Cultura, e finalmente a posio crtica artecontempornea so constitutivas da autoimagem de Ferreira Gullar. A vivncia experimentada
como personalidade em constante embate com o passado elaborada no discurso sobre o
outro e aparece tambm na imagem que atribui a Mrio Pedrosa. Diria ele explicitamente, a
respeito da Crtica Discurso aos Tupiniquins e Nambs, que a mudana de Pedrosa em direo
busca das origens pode ser efetivamente identificada com a experincia do exlio, e com a
prpria trajetria de Gullar, chamando a ateno para uma compreenso da prpria vida como
sucesso de erros, acertos e correes4.A construo da narrativa, marcada por uma temporalidade de sucessivas mudanas, suc-
esso de rupturas cumulativas, assim marca da prpria vida, mas tambm da construo de
uma coerncia atribuda imagem do outro. A construo da trajetria em mudana iniciada
no momento em que Gullar introduzido por Lucy Teixeira, escritora maranhense, no convvio
da casa de Pedrosa.
Dotada de um sentido de mudanas cumulativas, a descrio em breve se desenrolaria como
discusso sobre as discordncias de Gullar em relao tese de Pedrosa e se desenvolveria
como coerente sucesso de mudanas de posio a aproximar novamente os dois crticos
de arte. Grande parte da longa entrevista concedida estaria centrada na discusso dos rumos
tomados pela arte contempornea e das ltimas tomadas de posio de Pedrosa: seu des-
encantamento com as vanguardas, a ruptura com o projeto construtivo e com o exerccioexperimental da liberdade seriam questes profundamente enfatizadas pelo entrevistado. Ahistria da relao entre os dois passaria, para Gullar, pela ruptura do manifesto neoconcreto,pelo afastamento entre as obras dos dois crticos a partir de uma virada poltica na obra dopoeta e se concluiria na experincia do exlio, ltima ruptura diagnosticada pelo narrador, mo-mento em que Pedrosa finalmente passaria a perceber o fracasso do projeto moderno dasvanguardas e que seria novamente possvel a aproximao dos dois.
De fato, o fim da narrativa da trajetria de Pedrosa que efetivamente parece interessar a
Ferreira Gullar. A defesa dos pontos de vista atuais do crtico Gullar passam a se fazer coincidircom as ltimas tomadas de posio de Mrio. Com efeito, a parte final da entrevista, dedicada
percepo do crtico sobre a arte contempornea, parece ser em muito explicativa da nfase
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de Gullar nas ltimas tomadas de posio de Pedrosa. Recuperando discursos j enunciadosem textos anteriores (Gullar, 1999), o crtico se pe a discutir a mais recente produo de arte
e o que chama de a Bienal do vazio Bienal de Internacional de So Paulo, 2009 do pontode vista de um discurso que seria compartilhado por ele e pelo que se poderia chamar de umltimo Mrio.
O discurso sobre a histria da arte moderna, narrado a partir do impressionismo e da difcil
recepo da crtica que lhe era contempornea, se fundaria para Gullar sobre o descompasso
entre as instituies de arte e as posies da vanguarda. Sobretudo, desde Duchamp, as
instituies museicas, assumindo a culpa pela tardia recepo de gnios rejeitados no pas-
sado, assumiria a crtica ao belo como arte possvel, redundando na impossibilidade do juzode gosto e, finalmente, na deliberada aceitao de tudo, ou qualquer coisa, como produo
esttica. Revestida de um carter eminentemente teleolgico, a Histria da Arte parecia estar,
na viso de Gullar, fadada a abandonar a preocupao com a percepo, com o belo, com o
artesanato, e finalmente, com o que h de humano na arte. Atualizando o discurso de fim da
histria da arte moderna (Belting, 2006; Danto, 2006), Gullar parece desembocar no extremo
pessimismo do fim da arte como fim do projeto moderno e associar as posies tomadas por
Mrio Pedrosa no fim de sua vida ao desencantamento que acompanhava sua prpria viso demundo. Recuperando entrevista concedida por Pedrosa em 1977, diz Gullar:
Ele [Pedrosa] diz que as vanguardas no existem e que isso uma coisa que j acabou. E que ele viana arte moderna a possibilidade de desenvolver a capacidade sensorial do homem, e isso em tese uma coisa perfeita, mas a sociedade capitalista no permitiu, liquidou esta experincia. (...) H outrascoisas tambm muito interessantes nesta entrevista, que eu acredito que foi uma das ltimas entre-vistas do Mrio. Ele diz aqui: no me considero mais crtico de arte. No tem sentido ser crtico dearte. A arte precisa de outras experincias e de outras vivncias que um crtico no pode dar 5.
A trajetria de Pedrosa, na narrativa de Ferreira Gullar, estava absolutamente associada a umatomada de posio em face da mais recente produo de arte. No s porque retomava da
obra do crtico a fase mais tardia de sua produo, mas sobretudo porque intercalava no gesto
do discurso mnemnico, exemplos da arte contempornea produzida aqui e agora. Recontar a
histria de vida de Pedrosa seria, com efeito, recuperar a construo de sua prpria biografia e
dar coerncia ao seu prprio projeto moderno contra as posies que taxava como negao
do artesanato, negao do fazer e de uma humanidade que se faz como construo contra
a natureza.
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Com efeito, em face das narrativas da falncia do projeto moderno, Gullar publicaria em 1994
Argumentao contra a morte da arte, livro em que reunia crticas em favor de uma ltimaruptura na trajetria das vanguardas. Argumentando contra a posio vanguardista da artecontempornea, tanto no livro quanto na entrevista, Gullar reivindicaria um retorno lingua-gem e materialidade da arte. Contra o niilismo da originalidade e a arte site specific que sedesmancha no ar, Gullar reivindicaria a permanncia do belo. Contra as consequncias de umprojeto moderno, o crtico proporia na prpria temporalidade caracterstica de sua trajetria,uma ltima ruptura dialtica em nome da modernidade. Anttese da originalidade sem per-
manncia, retorno ao belo.
Na dialtica de erros e acertos, o que parece fazer sentido , numa lgica da modernidade,realizao da ltima ruptura possvel, sntese final a salvar e abrir mo do prprio projeto mod-erno. Se a arte de cultura de massas teria, nos espaos exibitrios, a concretizao da lgicade consumo e a busca incessante da originalidade para saciar o pblico vido de novidade, asBienais aparecem para Gullar como principal espao da falncia do projeto das vanguardas.
Receptculo final da lgica do novo conspcuo.Idia s existe na linguagem. No existe idia no ar. Se no tem linguagem no tem idia. Ento o
cara hoje bota terra dentro de um vidro, uma idia, uma boa idia, Caninha 51, uma boa idia.A o outro coloca estopa pendurada com osso de mamute junto, outra idia. Pode ser qualquer
Grupo Frente, 1954
Cesar Oiticica,Vicent Ibberson,
Ivan Serpa, Eric Baruch,Abraham Palatinik,
Lygia PapeCatlogo dos 40 anos do
Grupo Frente. IBEU, 1994
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coisa. Eu propus uma vez que a Bienal fizesse uma obra minha, nesse estilo, que era o seguinte:500 anes, 40 anes montados em 400 jumentos. uma obra originalssima, ningum nunca pensounisso. Mas como no sou eu que vou comprar os jumentos e nem buscar os anes, a bienal que
faa. Mas em matria de idia de uma originalidade indiscutvel. (...) O que difcil fazer as coisas.No vou colocar um pano de estopa e escrever um artigo do lado, um texto, para explicar um panode estopa. Arte no se explica6.
No caso de Gullar a crtica, ainda revestida de seu fundamental papel de ocupar o espaode opinio pblica, se pe acima das instituies museicas, a pairar como denncia ao atualmundo de niilismo generalizado. Assim, se seu prprio projeto parece romper uma ltima vez como continuidade do paradoxo das vanguardas, apresentando-se como ltima ruptura parasntese possvel , tambm o discurso de Pedrosa em nome do retorno s origens apresen-
tado pelo entrevistado como outra face da dialtica possvel em um mundo que teria abertomo das utopias. Duas snteses possveis para a realizao de uma mesma dialtica.
Assim, tambm a proposta do Museu das Origens se apresentaria aqui como espao alter-
nativo s consequncias ltimas do projeto das vanguardas. Outra sntese a redimir a artecontra o modernismo, contra a cultura de massas, contra o fim das utopias. Pedrosa aparece,portanto, no discurso de Gullar como instrumento do projeto moderno a realizar a sntese finalcontra o prprio movimento que teria se tornado o fim ltimo da modernidade.
Ao olhar a construo da narrativa de Mrio Pedrosa a partir do depoimento de Mrcio Doctors,algumas diferenas em relao entrevista de Gullar saltam imediatamente aos olhos. SeFerreira Gullar, contemporneo da virada de Pedrosa em direo crtica e ao movimentoconcretista, toma a narrativa a partir da longa relao que se estabeleceu entre os dois e seconcentra sobretudo numa trajetria que chega ao fim, como convergncia mxima de valores,Doctors ao contrrio parece se concentrar muito mais no perodo de convivncia entre os doisque iria de 1979, quando Mrio volta do exlio no Chile, at sua morte em 1981. Ento jovem
promissor, Doctors conta que havia sido contratado como secretrio de Pedrosa por interm-dio de Lygia Pape e que conviveria com Pedrosa justamente no perodo final de sua vida.
A nfase no fim da dcada de 1970 e incio de 1980, perodo similar ao salientado por Gullarem seu depoimento, poderia levar a supor uma narrativa em consonncia com a trajetria con-tada pelo poeta. No entanto, os ltimos anos do crtico, em lugar do ponto de chegada, histriateleolgica a justificar tomadas de posio contemporneas, aparece muito mais como pontode partida, de modo que a vivncia compartilhada se impe como experincia a explicar as
tomadas de posio que no foram em verdade testemunhadas pelo crtico.
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A narrativa, iniciada pelo fim, nos ltimos anos de vida de Pedrosa, marcada pela impos-
sibilidade de que o testemunho alcance o sentido total de Pedrosa nas artes plsticas. Os
ltimos anos so, de fato, marcados pela frustrao do jovem aprendiz diante do velho crti-co desinteressado de artes plsticas, mas ainda imerso em uma vida que encompassava o
corte sincrnico e ia para alm do momento em que Mrio se dizia realmente interessado
em poltica7. O Pedrosa experimentado por ele aparece, assim, como incompletude a ser
preenchida por uma personalidade coerente consigo mesma e cuja principal imagem era ba-
sicamente uma pessoa ligada ao sentido profundo da vida, e aos valores da vida. A ruptura
com o niilismo das vanguardas e o sentido construtivo do Grupo Frente aparecem, ento,
como tomadas de posio num mesmo sentido de vida e poder-se-ia pensar em contraes
do espao para a ao numa mesma dure, continuidade manifesta de diferentes maneiras
em cortes sincrnicos distintos.
Expressando as distintas posies de Pedrosa como uma questo de tnica, Doctors
atribuiria o retorno s origens a uma posio em tudo ligada a uma permente busca do sen-
tido da vida8. Tratar-se-ia, segundo ele, de uma reao a movimentos de performance, e
de body art, excessivamente niilistas e, sobretudo, de uma tomada de posio em face da
postura autodestrutiva de artistas como Rudolf Schwarzkogler que, em performance de au-tomutilao, chegara a provocar a prpria morte. A questo da vida categoria recursiva na
obra do crtico seria, assim, capaz de explicar tanto a alegria de viver, alegria de criar da
arte indgena, quanto a expresso do exerccio experimental da liberdade que acompanhara
Pedrosa na defesa de artistas como Antonio Manuel.
Ao olhar a narrativa de Mrcio Doctors, o ponto de chegada, o desinteresse das vanguardas se
pe assim como ponto de partida capaz de explicar uma trajetria e uma constituio narrativa
que procura escapar, de um lado, a uma narrativa como sucesso necessria de mudanas aculminar em um fim que invalida o prprio caminhar e, de outro, a cheios e vazios, aos opos-
tos necessrios que fizeram da crtica o espao resguardado da normatividade e dos juzos
da opinio pblica. Associando o momento final de desinteresse pelas vanguardas posio
anterior de apoio ao exerccio experimental da liberdade, Doctors cria a linha de continuidade
que permite pensar o retorno s origens como adeso a novas formas de fazer emergir arte
contempornea e a novas relaes com as instituies museicas. Ao invs de ltima ruptura
dialtica em direo ao fim, mais uma tomada de posio em direo ao novo.
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Assim tambm, Pedrosa aparece em seu discurso sobre a arte contempornea justamente
para justificar tomadas de posio absolutamente avessas s adotadas por Gullar. O jovem
crtico acaba por atualizar as mesmas fases de Pedrosa para justificar a insistncia na crenana mesma Bienal de So Paulo com que Gullar aparece absolutamente desencantado.
Eu acho que essa viso pendular muito perigosa, muito limitadora, porque a gente vai de um ploa outro, e fica trabalhando com esse deslocamento de uma coisa pra outra. (...) Ou como ele diz noprprio livro dele quando ele cita o Althusser, que uma casa se estrutura com as paredes, mas seestrutura com o vazio que a casa contm, que so, a janela, as portas, os espaos entre as paredes.Ento, essa relao entre contedo e continente no uma relao linear e pendular, ao contrrio. muito mais abrangente, no sentido de que uma no pode ser pensada sem a outra. Eu acho queessa percepo do mundo foi que o Mrio passou muito pra mim. Eu acho que to difcil a gente
hoje entender isso! E eu acabei levando isso para a Bienal de So Paulo. Quando fui indicado paraser curador da 28. Bienal de So Paulo, em que um dos ncleos que eu propunha era a questo dovazio, e que acabou se transformando nesse vazio que um nada, porque eu me retirei a tempo, euachei que infelizmente as pessoas no estavam entendendo aonde eu queria chegar. Eu tinha medoque acontecesse exatamente isso o que aconteceu, de transformar a idia de vazio em nada, porqueo vazio ativo.9
Assim, tambm ao olhar a mais recente obra crtica de Doctors e seu discurso sobre ela, a
narrativa da trajetria de Pedrosa parece se encaixar na busca de uma nova crtica capaz de
conciliar, de um lado, opostos que no necessariamente indicam o que chama de um valetudo e, de outro, sincronicidades distintas manifestas numa mesma durao. Assim, no s
a Bienal, deixaria vazios e cheios a sustentar a reflexo sobre o sentido da arte, mas tambm
os recentes projetos de Doctors, propondo intervenes contemporneas sobre colees
consagradas dos cabinets de curiosit de Eva Klabin ou fazendo emergir experincias est-
ticas em espaos no institucionais como os projetos Pedra de Guaratiba e Floresta da Tijuca,
seriam expresso da possvel convivncia no sentido nico de uma mesma dure, e de uma
crtica cujo sentido deixa de ser antever o prximo passo em direo ao fim da histria, maspassa a ser fazer o que chamou em outra ocasio de um exerccio extrativo, fazendo saltar
arte, onde quer que houvesse experincia esttica (Doctors, 2001: 79-81).
Em face das questes sobre o fim da arte, ou o fim da crtica, Mrcio Doctors parece operar a
narrativa sobre Pedrosa no sentido de faz-la convergir com uma nova crtica, em que a obra
e o artista continuam fazendo parte de continuum, mas cujo sentido deixa de ser norteado
por um fim histrico e passa a operar com ambivalncias, paradoxos, e simultaneidades. A
crtica se torna texto literrio, opera com a preocupao com a forma e com frisar palavras
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como se estivssemos tensionando os nervos da sintaxe (Doctors, 2001: 79-81). A narrativa
de Pedrosa, operando num plano de continuidades com mesmo sentido de vida, justifica
tambm a ruptura com os sentidos hierrquicos e faz a crtica operar como outra dobradurano espao da dure.
Mais uma vez, o modo de interpretar o atual sentido da crtica parece ser fundamental no mo-
mento de narrar a trajetria de Pedrosa e de sublinhar dimenses de uma mesma vivncia. Se
Gullar opera com uma temporalidade eminentemente moderna e dialtica, narrando tanto as
suas posies como as de Pedrosa, como anttese da atual fase da histria da arte, Doctors
d pouqussima nfase mudana e o que parece lhe importar uma estrutura homognea
que emerge no tempo simultaneamente como diferena e identidade. Se as vanguardas apa-recem como processo efetivamente datado e historicamente findo, para o jovem crtico
isso no impede a emergncia de nova arte e nem a nova arte incongruente com a volta s
origens de Pedrosa.
Consideraes finais
Ao contrrio da percepo do Pedrosa na dcada de 50 de que a crtica precisava ser institu-
cionalizada, de que era preciso cunhar conceitos que pudessem definir toda a apreciao daarte, o que parece estar hoje em jogo na recuperao de sua obra uma profunda discusso
sobre a possibilidade de manuteno do papel do crtico na elaborao de juzos, em face da
multiplicidade da arte contempornea.
Um momento de mudana no papel da profisso parece vir sendo efetivamente diagnosticado
em mltiplos espaos. Ao lado da proclamao de falncia das metanarrativas (Lyotard, 1998),
da suspeio sobre a teoria (Foucault, 1999), e do questionamento das autoridades (Clifford,
1988), um processo de crtica da crtica10 parece tomar lugar. Com efeito, em 2009, Mauro
Trindade redigiria sua dissertao de mestrado, chamando ateno para um momento de rup-
tura na produo do gnero, que viria se dando a partir da ltima dcada do sculo XX (Trindade,
2008). Em Razes da Crtica, Luiz Camilo Osrio prope que se repense o estatuto da crtica em
face da incerteza ontolgica da arte contempornea e sugere que ela se reinvente (Osrio,
2005: 14-15). As recentes discusses parecem efetivamente centrar-se no que Glria Ferreira
diagnosticou como um deslocamento de uma suposta autonomia, que era a crtica de jornal,
para algo que , no mnimo, uma relao de cumplicidade entre obra e crtica11.
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Ao que tudo indica, aos olhos dos atores sociais que hoje discutem o lugar da crtica, o ltimo
passo na direo do esvaziamento da relevncia social da crtica de arte parece vir sendo aindadado e, ao olhar mais detidamente, os depoimentos de Ferreira Gullar e Mrcio Doctors e
suas distintas apropriaes da obra de Mario Pedrosa, duas posies absolutamente diferen-
tes em face da arte contempornea parecem vir ordenando a recepo do legado do crtico.
De um lado, em nome da ltima ruptura moderna, Ferreira Gullar recupera a memria de
Pedrosa para justificar uma ltima anttese da dialtica da histria da arte, contrapondo, ao
novo da vanguarda, um retorno ao belo e ao artesanato. De outro lado, Mrcio Doctors, em
nome da continuidade com a busca do novo e da pesquisa pela aproximao do pblico e
Antnio Manuel
O corpo a obra, 1970Performance/ MAM, Rio de Janeiro
Manuel, A,(1984). Antnio Manuel. Rio deJaneiro : FUNERTE
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discusso das instituies museicas, recupera o discurso de Pedrosa para dar manter-se no
projeto da arte contempornea. Em face dos diagnsticos de fim da histria da arte, Gullar
adota o tom pessimista e prope a ruptura radical de retorno a valores esquecidos, enquantoDoctors adere a tomadas de posio que encaram o presente como contnuo a fazer conviver
distintas experincias do passado moderno e de um futuro contemporneo. Numa mesma
trajetria, Mrio Pedrosa parece, assim, servir a diferentes narrativas que operam diferentes
projetos para o destino da crtica de arte.
Notas
1 AMARAL, Aracy. Mario Pedrosa: um homem sem preo. In: Marques Neto, Jos Casti lho (org.), Mario Pedrosa e o Brasil. So
Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo, 2001.
2 SALZSTEIN, Snia. Mario Pedrosa: cr tico de arte. In: Marques Neto, Jos Castilho (org .), Mario Pedrosa e o Brasil . So Paulo:
Editora Fundao Perseu Abramo, 2001.
3 Consultado em 13 de agosto de 2009.
4 Galanternick, Nina. Entrevista concedida por Ferreira Gullar para o Projeto Casa Aberta NUSC/FAPERJ. Rio de Janeiro: 13.04.09.
5 Ibid.
6 Ibid.
7 Galanternick, Nina. Entrevista concedida por Marcio Doctors para o Projeto Casa Aberta NUSC/FAPERJ. Rio de Janeiro: 04.05.09.
8 Ibid.
9 Ibid.
10 A expresso originalmente usada por Pedrosa em texto que tomava posio em relao aos critrios de membros da AICA que
buscavam na arte brasileira o exotismo do pas tropical, aparece novamente em 2006, deslocada de seu contexto primeiro, para dar
nome terceira parte do livro de Glria Ferreira e designar textos em que a crtica discute sua crise. A realocao do termo parece sin-
tomtica das descontinuidades nas preocupaes da atual crtica de arte, que deixa de discutir a adequao de determinados critrios
de julgamento, para questionar a prpria validade do juzo.
11 Trindade, Mauro. Crtica em transformao. Entrevista. In: Papel das Artes. Rio de Janeiro: 08/2007, no 1. p. 6-8.
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