a crise do estado
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crise do stado
e · - ;f'ffr'i Rr
w
X ~ l
IBRIS
luis
osenfiel
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Copyright ©
by
Sabino Cassese
Direito desta edição Saberes Editora - 2010
Capa projeto gráfico e editoração
Bruna Mello
Revisão
nna Carolina Garcia de Souza
Tradução
Use Paschoal Moreira
Fernanda Landucci Ortale
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELO
Sistemas de Bibliotecas da UNICAMP /Diretoria de Tratamento da Informação
Bibliotecário: Helena Joana Flipsen - CRB-8ª / 5283
C272c Cassese Sabino.
A crise do Estado / Sabino Cassese ; tradução: Ilse Paschoal Moreira e
Fernanda Landucci Ortale. - Campinas
SP : Saberes Editora 2010.
ISBN 978-85-62844-03-4
1.Direito administrativo .
2
Direito constitucional.
3
Administração pública - Direito
I
Moreira Ilse Paschoal.
II. Ortale Fernanda Landucci. III. Título.
Índices para Catálogo Sistemático
1 Direito administrativo - 341.3
2 Direito constitucional - 341.2
3 Administração pública - Direito - 347.013
Av
Santa Isabel 260 - sala 5
Campinas - SP CEP- 13084-012
Fone: 19 32880013
www.sabereseditora.com.br
DD
- 341.3
- 341.2
- 347.013
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Sabino assese
crise do stado
Tradução
Ilse Paschoal Moreira
Fernanda Landucci Ortale
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PRESENT ÇÃO
A SABERES
EDITORA
em
boa
hora, publica a tradução do
livro a Crisi de o Stato de autoria do Professor italiano Sabino Cassese.
Editado em 2002, logo se esgotou, sendo reimpresso muitas vezes.
O autor, por si só, já revela a excelência da obra. Sabino Cassese é
reconhecidamente um dos grandes publicistas da atualidade,
no
mundo
ocidental. Seus livros e artigos, a par da excelência e contemporanei
dade, expressam pleno domínio tanto dos ordenamentos de inspiração
romanística quanto de inspiração anglo-saxônica inúmeras obras em
língua inglesa são citadas ao longo do livro ora apresentado e de outros
trabalhos). Professor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito
,
de Roma, La Sapienza, sua maestria se estende Teoria do Estado, ao
Direito Internacional, ao Direito da União Européia sobretudo.
Não
é
demais acentuar
uma
das marcas de Sabino Cassese: a vanguarda no
tratamento dos temas, a sintonia
ao
tempo presente
e
mesmo, o aceno
do que virá.
Seu livro, A Crise do Estado, ora publicado em português, bem
reflete a amplitude de seu saber e a visão contemporânea e até futura
dos temas tratados. A obra reúne artigos escritos e publicados entre
1996 e 2001,
com
exceção do primeiro, Crise do Estado e governança,
então inédito.
Os vários estudos se enfeixam no exame de facetas do Estado
ante a realidade vigente nos fins do século
XX
e primórdios do século
XXI,
as
transformações que vem sofrendo e
as
irradiações internas e
externas dessas mudanças.
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No início do primeiro artigo, Cassese menciona que a crise do
Estado é discutida desde o início do século
XX
e dá a seqüência dos sig
nificados da expressão desde aí primeiro, quando surgiram organismos
poderosos, como sindicatos e grupos industriais, que suscitaram dúvi
das quanto soberania interna do Estado; segundo, a crise do Estado
serviu para indicar o crescimento dos poderes públicos internacionais;
depois, a locução passou a indicar a inadequação dos serviços estatais
às
expectativas dos indivíduos e da sociedade; em seguida, foi usada para
significar a crise da própria palavra Estado, por sua polissemia; em quin
to lugar,
com
o sentido de redução da atividade estatal, pela atribuição
aos particulares de entidades antes pertencentes ao Estado. Para Cas
sese, hoje 2002), a crise do.Estado envolve a perda da sua unidade, seja
no âmbito interno seja no externo, continuando a primeira e a segunda
crise, nos significados supra citados.
Nos
artigos subseqüentes, Cassese vai centrar suas considerações
sobre a fragmentação dos ordenamentos estatais, sobre redução
ou
fim
da soberania econômica do Estado, sobre o Estado na rede dos poderes
públicos internacionais e supranacionais.
A União Européia como organização pública composta vem tra
tada no
item
VI.
A seguir realiza profunda análise sóbre novos paradigmas
do Es-
tado, a começar pelas transformações na concepção do binômio Esta
do-cidadão. Usa a locução arena pública para denominar o espaço
no
qual
ocorrem
as atividades públicas e o intercâmbio Estado-sociedade.
E examina a crise ou mudança do paradigma tradicional valendo-se de
quatro situações concretas ocorridas em países europeus.
esperta
grande interesse o relato e os comentários de Cassese
a respeito da implantação dos trens de alta velocidade na Itália TGV),
obra de elevado porte e complexidade, demandando o consenso de
entes locais, a ouvida da população e envolvendo questões de natureza
diversa, como
por
exemplo: ambientais, urbanísticas, paisagísticas, de
proteção do patrimônio. cultural, de transporte; segundo Cassese, um
dos instrumentos para a busca de consenso e conciliação dos inúmeros
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interesses envolvidos foi a conferência de serviços, indicada na lei ita
liana de processo administrativo 1990) e depois prevista de maneira
específica no tocante às decisões sobre o traçado e outras matérias das
obras de TGV; na conferência de serviços reúnem-se os representantes
de todos os órgãos públicos a que interessa a matéria a ser tratada,
podendo-se admitir a presença de particulares, daí emanando decisões,
formuladas mediante acordos
ou
contratos de troca, por exemplo, ante
negociações í
efetuadas; dessa forma, desaparece a seqüencial trami
tação de volumosos papéis pelos diversos órgãos, em geral lentíssima,
sem diálogo frutífero.
ma
das últimas frases deste livro bem retrata seu
fio
condu
tor e a percepção de Cassese, ao lembrar os questionamentos de todas
s noções, temas e problemas clássicos do Direito Público acarretados
pelos novos paradigmas do Estado, desde a natureza do poder público
e seu agir legal-racional, o papel reservado à lei, até as relações público
privado. E complementa: os novos paradigmas demandam mudança
no posicionamento científico em relação ao Direito, pois a doutrina
,
jurídica não
pode
manter fixos os próprios códigos de referência ante a
mudança tão radical do seu objeto. ,
A excelência do autor, a contemporaneidade do tema, o caráter
multidisciplinar, a lucidez no tratamento dos assuntos permitem
profícua leitura deste livro, atual e instigante.
dete edauar
Professora Titular da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo
Professora Visitante da Universidade Paris 1
Panthéon-Sorbonne
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Sumário
I
Crise
do
Estado e governança global
Introdução
2
Uma
divisão internacional
do
trabalho administrativo:
O caso Amadeus
3 A concorrência entre reguladores:
O caso General Electric - Honeywell
4
.
Interesses globais e mercado de direitos:
O protocolo de Quioto
5
Os ordenamentos públicos globais.
II.
Poderes independentes Estados relações Supraestatais
Crise
da
unidade do Estado crise de sua soberania econômica e
ordens supranacionais
2
. A fragmentação dos ordenamentos estatais
3
. Os poderes independentes
4
.
As reações dos ordenamentos
5 A cooperação internacional e supranacional
6
. Reações e consequências da cooperação
III.
O fim da soberania econômica do
stado
a
soberania
do
Estado sobre a economia
à
soberania da
economia sobre o Estado
2 . o
Estado
pedagogo ao Estado regulador
13
14
16
9
24
3
32
33
36
4
43
45
47
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3 .
Da
unidade à fragmentação do controle da economia
4 . Incompletude e correções do novo regime
IV
A
erosão
do Estado:
Um
fato irreversível?
1 Um
problema histórico e culturalmente condicionado
2 . O recuo da soberania
3 . As reações do Estado
V.
Os
Estados
na
rede internacional
dos
poderes públicos
1 . Introdução: além
do
Estado
2
Os
poderes públicos internacionais
3 Os·
poderes públicos supranacionais
4 .
Os
poderes públicos supranacionais e os Estados
5 . A nova ordem dos poderes públicos
VI.
50
51
53
55
59
63
64
66
71
7
A União Européia
como
organização
pública composta
1 Introdução e esquema
76
2
Os
ordenamentos gerais estatais e sua crise
77
3 .
As
formas de integração regional e o desenvolvimento das
organizações compostas 78
4 . A União Europeia como organização composta: morfologia
e implicações 80
VII.
A
arena
pública:
Novos paradigmas
para
o
Estado
l.
O
TRADICIONAL BINÔMIO
ESTADO CIDADÃO
E SUA
CRISE
83
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II OS CONTRATOS E NEGOCIAÇÃO PARA A ALTA
VELOCIDADE
/
A disciplina das Conferências de Serviços 92
2
.
A disciplina dos acordos
97
3
A prática das Conferências e dos acordos 99
4
. s aspectos característicos da atividade administrativa para
a alta velocidade 102
5 A mercantização dos poderes públicos 108
III
S
MEDIDAS COMUNITÁRIAS CORRETIVAS PARA
TELECOMUNICAÇÕES
A disciplina comunitária dos abusos de posição dominante e
dos auxílios do Estado O
2 . O caso Omnitel
3
. s aspectos característiç_os das medidas corretivas a favor
da Omnitel 116
4
.
Um
novo triângulo: uma emp'resa nacional e a comissão
Europeia contra o Estado 118
IV A BUSCA E UM DIREITO NACIONAL MAIS FAVORÁVEL
A disciplina comunitária do direito de estabelecimento 122
2 . O casal Bryde e a empresa Centros 123
3 . s aspectos característicos do caso Centros 125
4
. Law shopping 127
5 A disciplina comunitária dos produtos farmacêuticos 128
6 A escolha dos procedimentos e dos Estados 130
7
.
s
aspectos característicos do procedimento descentralizado
de autorização dos fármacos
8 . A arbitragem entre os Estados
9 . A constitucionalização do princípio da melhor tutela
132
134
136
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V
OS NOVOS PARADIGMAS
O
ESTADO
1 O ordenamento jurídico de um dado a uma escolha:
a concorrência entre instituições
2 Do
Estado
à
União: a organização pública multinível
Do
procedimento à negociação
4 Fim da bipolaridade
37
39
142
144
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rise do Estado e governança global
1 Introdução
Desde o início do século XX discute-se sobre a crise do Es
tado . Falou-se primeiramente em crise quando surgiram organismos
potentes, como sindicatos e grupos industriais, que questionaram a
soberania interna do Estado. m seguida, a expressão crise do Es
tado serviu para indicar a
criaÇã ?
dos poderes públicos internacionais,
que são instituídos pelos Estados, mas acabam
por
mantê-los sob con- L
trole. O .terceiro
i s
r e ~ i g n i f i c d o refere-se à inadequação dos 1
s r ~ o s estatais em relação às expectativas dos cidadãos e da sociedade
êm
geral.
Há
ainda outra acepção, mais semântica, que indica a crise da
palavra Estado , que foi se estendendo até definir muitas entidades e
acabou se tornando inútil, como todas as palavras ~ o r fim,
nos últimos anos, a expressão tem sido usadãpãra indicar a diminuição
das atividades estatais, por meio de privatizações e concessão de enti
dades do Estado
1
a sujeitos privados.
Limito-me a citar S. Romano, Lo
Stato
moderno
e
la
sua ciisi
( 1 9 1 0 ) ~ atualmente
em
S.
Romano, Lo
Stato moderno e la
sua
crisi".
Milão: Giuffre, 1969, p. 3;
A. C.
Jemolo,
La
crisi
dei/o
Stato
moderno".
Bari:
Laterza, 1954;
S.
Cassese;
F
Galgano; G Tremonti
e T Treu,
Nazioni senza ricchezza,
ricchezze
senza nazione".
Bolonha: II Mulino, 1993;
S. Cassese, "Foturna e decadenza de a nozjone di Stato , in Scritti in onore di Massimo
Severo Giannini. Milão: Giuffre, 1988, p. 89 e seguintes;
V.
Wright e S. Cassese, La
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Se
essa ·expressão tem diferentes significados, qual deles adota
mos e estudamos aqui? Ou ainda a utilizamos em um sentido diferente?
Atualmente, crise do Estado significa perda de unidade do
maior poder público no contexto interno e perda da soberania em re
lação ao exterior. Nesse sentido, a expressão representa a continuação
da primeira e da segunda crise.
Para entender como a crise do Estado se apresenta hoje, é pre
ciso partir de três casos recentes, que ilustram diferentes modalidades
de construção de poderes públicos não estatais. O primeiro diz res
peito à colaboração entre autoridades antitruste de diferentes Estados;
o segundo, aos efeitos extraterritoriais das decisões de autoridades an
titruste nacionais; o terceiro refere-se origem de formas de governo
mundial setorial. Nos três casos estabelecem-se ordenamentos supraes
tatais que se impõem aos. Estados, embora estes tenham contribuído
para sua constituição.
2
ma
divisão internacional do trabalho
administrativo: O caso Amadeus
Em 1997, a Divisão Antitruste
do
Departamento de Justiça dos
Estados Unidos recebeu
uma
denúncia por parte do Sabre, sistema
informatizado de reservas da American
Air ines,
a respeito de um pre
sumido comportamento discriminatório
por
parte das companhias Air
France,
SAS
Lujthansa
e
Continental,
que seriam favoráveis ao Amadeus
o sistema informatizado de reservas de propriedade dessas companhias.
A Divisão Antitruste solicitou uma investigação por parte da Comissão
das Comunidades Europeias. Em março de 1999, esta apresentou Air
France uma notificação
por
abuso de posição dominante. Em julho de
2000, a Comissão concluiu o processo depois que a
Air
France, copra-
recomposition de
l'Etat .
Paris: La Découverte, 1996; G Wilson,
/1
Special Symposium: The
End o the Big State?", Governance. Nova York:
John
Wiley and Sons, vol. 13, nº 2
abril de 2000.
14
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prietária
do
Amadeus, adotou
um
código de boa conduta , no qual
garantia ao Sabre as mesmas condições concedidas ao Amadeus.
Em
seguida, a
ufthansa
e a
S S
também se comprometeram a adotar um
código de
boa
conduta , assegurando igual tratamento aos dois siste
mas.
Essa decisão fundamentou-se na chamada cortesia positiva, in
troduzida por um acordo entre o governo dos Estados Unidos, a
Comissão e o Conselho das Comunidades Europeias, que foi assinado
em 1991, efetivado em 1995 e ampliado em 1998 por outro acordo en
tre as partes.
A c ~ ~ a é c ~ d e r a d a uma evolução ~ i n c í -
pio 9 e f f i r e i . t a _ . i Q t e r n a c ~ das
~
cqmitas ge_': }um
o u ~ ~ n a t ~ s e g ~ n d ~ ~ ~ ~ ~ l um Estado respeita o ~ o m o
reconhecimento de sua mútua soberania
- - - ~ - - - - · · · · · · · · · - - · · - · - - - · - · · - - · · · - - - ~
- ' · · - - · - - - - ,
Mas, enquanto o princíp1õdãcomitas
gentium
implica recíproca
referência dos Estados, o princípio da cortesia positiva vai muito além,
estabelecendo que a autoridade estatal pode dar início a
um
procedi-
,
mento
de outro Estado, abstendo-se de decidir sobre a própria questão
e se submetendo à decisão deste.
d·
acordo de 1998 prevê que uma
'<::'.
~ ~ ~ .
auto ri d ade antitruste
pode
solicitar qu outra autoridade realize investi-
g ~ ~ ~ ~ e q u . : _ i r i t e ~ . . e m _ c a s o
de atividades
a n t i c o m ~ t i -
t i ~ s m ~ _ e v ~ n â o em conta o dir.eito da autoridade
à
qual a soli.çitação
foi feita. U ~ m a solicitação pode ser apresentàda mesmo que a atividade
anticompetitiva não viole o direito da concorrência
do
ordenamento
em que atua a autoridade solicitante. Esta,
por
sua vez, toma iniciativas,
contanto que os direitos, procedimentos e ações do outro ordenamento
permitam investigações adequadas e que a outra autoridade a mantenha
informada.
O que acabamos de descrever - e que foi aplicado no caso apre
sentado - é
um
complexo sistema de relações internacionais base
ado em
um
acordo internacional entre Estados e que desenvolve
um
princípio característico do direito internacional. Mas os resultados vão
muito além do direito internacional habitual. e fato, graças à cortesia
5
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positiva o direito e a administração estatais são utilizados por inicia
tiva e
no
interesse de outro Estado. Por um lado a autoridade pública
de um stado ativa um procedimento administrativo de
outro
ordena
mento estatal tornando-se não apenas autor mas também o interlocu
tor necessário - porque deve oferecer cooperação enquanto a outra
autoridade deve respeitar sua opinião.
Por
outro uma vez iniciado o
procedimento a outra autoridade não intervém se lhe forem dadas ga
rantias suficientes estabelecendo-se portanto uma espécie de divisão
internacional da atividade administrativa.
ssa divisão é baseada nos seguintes pressupostos:
as
práticas an
ticompetitivas devem se dar
no
território da autoridade à qual a solici
tação foi dirigida; devem prejudicar importantes interesses econômicos
desse ordenamento; e
por
fim violar o direito da parte à qual foi diri
gida a solicitação. Estabelece-se assim um entrelaçamento entre direi
tos iqteresses e procedimentos que reflete a forte interrelação entre
as
economias - chamada de globalização - e visa recuperar os limites dos
Estados quanto a essas interrelações por causa de sua jurisdição territo
rial.
3 .A concorrência entre reguladores:
O caso General Electric oneywell
A
General lectric
e a
Honrywell
são duas empresas norte-ameri
canas fabricantes de diversos produtos que atuam principalmente no
setor aeronáutico produzindo motores de aviões e produtos de aviôni
ca como caixas-pretas máquinas para evitar colisões em voo instru
mentos para o gerenciamento do voo etc. A primeira emprega 313 mil
funcionários e atua em cem países diferentes a segunda 125 mil fun
cionários e opera em 95 países.
m
22 de outubro de 2000 a
General lectric
anunciou a aquisição
do
capital integral da outra companhia destinada portanto a se tor
nar uma empresa inteiramente controlada e incorporada à primeira. A
decisão dependia do consenso da autoridade antitruste americana que
16
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havia sido notificada. Mas, levando em conta o
enorme
faturamento das
duas empresas e o fato de que uma parte desse faturamento se dá em
vários países europeus, a decisão dependia também da autorização da
Comissão das Comunidades Europeias, que atua como autoridade anti
truste
no
espaço econômico europeu - que inclui os quinze Estados da
Comunidade Europeia, Noruega, Islândia e Liechtenstein.
Ambas
as
autoridades antitruste deram início a uma instrução da
concentração.
Na
verdade, os princípios da cortesia positiva não se apli
cavam a essa operação. Temia-se pelo impacto da concentração na con
corrência, sobretudo pela forte posição da General Electric no mercado
de motores, que se combinaria com a forte posição da
Honrywell
no mer
cado de produtos de aviônica. Ficaram contra a transação não apenas os
concorrentes - a inglesa Rolls-Rqyce e a americana United Technologies que
controla a Pratt Whitnry e os produtores de aviônica, como a ameri
cana
Rockwell Collins
a francesa
Thales
e a
Hamilton
unstrand essa última
também controlada pela United
Technologies -
mas também quinze das
maiores companhias de transporte aéreo americanas e europeias, como
consumidoras dos produtos.
,
Em 2 de maio de 2001, a Divisão Antitruste do Departamento
de Justiça aprovou condicionalmente a concentração, considerada lícita
desde que as companhias envolvidas vendessem alguns de seus ramos,
entre os quais, e principalmente, o da produção de motores para heli
cópteros.
Por outro
lado, a Comissão das Comunidades Europeias
por
duas
vezes julgou insuficientes os remédios
ou
compromissos oferecidos
pelas duas empresas, mesmo sendo maiores do que os exigidos pela au
toridade antitruste americana e, em 3 de julho de 2001, julgou a concen
tração incompatível com o mercado comum europeu, porque instauraria
ou reforçaria posições dominantes em vários mercados.
Os
remédios
propostos não foram considerados suficientes para ser aprovados
no
teste da dominância de mercado - que serve para verificar se o mercado
17
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permanece suficientemente competitivo, de
modo
que os consumidores
continuem a dispôr de produtos para escolher a preços competitivos
2
•
o caso sucintamente apresentado elucida melhor do que qualquer
outro o fenômeno da crise da nacionalidade da economia e
do
direito.
Por um
lado, não
importa onde
a empresa esteja domiciliada, e sim onde
ela atua - ou seja, tanto a autoridade europeia como a norte-americana
podem
intervir, porque os efeitos da aquisição são sentidos tanto por
consumidores europeus como por americanos. Por outro, o mercado
global está
em
correlação
com
um
direito que se amplia até se tornar
global - a atividade de empresas sediadas
em
território norte-america
no é impedida pela autoridade de outro lugar. Mas,
uma
vez que essa
autoridade não é estatal, .pode-se dizer que o direito de
um
Estado -
os Estados Unidos - sofre os efeitos .de
uma
decisão tomada não
por
outro Estado, mas por
uma
autoridade supranacional. Por isso, o direito
estatal e sua força territorial são duplamente recessivos.
O segundo aspecto que chama atenção é o papel desempenhado
pela Comissão das Comunidades Europeias em relação
às
empresas em
conflito, s duas norte-americanas interessadas na concentração e
s
outras, contrárias, também em grande parte norte-americanas. a au
toridade supranacional europeia que julga
um
conflito em grande parte
interno aos Estados Unidos. Se o caso for examinado pelo viés empre
sarial, pode-se dizer que
s
companhias americanas usaram o direito
europeu contra outras empresas americanas.
e
modo geral, pode-se
concluir então que
onde
há muitos reguladores acaba prevalecendo o
que é mais rígido.
2 Para entender a dimensão do caso, basta lembrar que foi a 15ª vez, desde 1990,
que a Comissão vetou uma operação de concentração, mas foi a primeira vez que a
operação envolvia partes exclusivamente norte-americanas. Mas é preciso considerar
também que em 2000 a autoridade antitruste norte-americana vetara a concentração
de duas empresas europeias, ir iquide e ir
Products
que havia sido aprovada pela
autoridade europeia.
18
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Em terceiro lugar a ausência de uma autoridade mundial leva as
empresas que atuam em mercado global mesmo diante de fortes inte
resses nacionais3 a estar sob o controle de um dos países em que atuam.
Por fim o caso ensina que globalização da economia não significa
supremacia
do
país mais poderoso - os Estados Unidos
-
visto que
a globalization ef antitrust enfarcement
4
ocorre por meio da expansão do
direito europeu.
4
Interesses globais e mercado de direitos:
O protocolo de Quioto
Em
9 de maio de 1992 foi assinada em Nova York a Convenção
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
5
• Ela instituiu
um verdadeiro organismo internacional com órgãos próprios - a Con
ferência das Partes um secretariado funcionalmente vinculado ao das
Nações Unidas um órgão subsidiário de assessoramento científico e
tecnológico
um
órgão subsidiárip de implementação aos quais pos
teriormente foram acrescentadas as entidades para controle do Meca
nismo de Desenvolvimento Limpo e para assegurar e facilitar o respeito
à implementação - um mecanismo financeiro e um fundo específico
para países menos desenvolvidos e para países
em
via de desenvolvi
mento.
Após isso em 16 de março de 9 9 8 ~ foi assinado o Protocolo de
Quioto que ainda não entrou em vigor
por
não ter atingido o número
mínimo necessário de ratificações estatais. O protocolo estabelece
li-
3 Sabe-se que no caso apresentado os presidentes dos Estados Unidos e do Federal
Reserve exerceram pressão sobre as Comunidades Europeias.
4 A expressão
é
usada por
J
J Parisi Eeforcement Cooperation mong ntitrust utho-
nºties ,
European Competition Law
Review.
Londres: Sweet Maxwell vol.
20
3º
março de 1999.
5 Ratificada na Itália com a Lei de 15 de janeiro de 1994 nº 65 e efetivada em 21
de março de 1994.
19
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mites quantitativos nacionais para a emissão de gases de efeito estufa -
responsáveis pelo aquecimento da temperatura do planeta - para trinta
e nove países desenvolvidos. Também prevê três dos chamados meca
nismos de flexibilização.
O primeiro regulamentado pelo artigo
6
é definido
como
imple
mentação
conjunta joint implementation
Graças a ele cada
um
dos trinta
e nove países
pode
fazer
um
acordo com outro país para realizar um
projeto de redução da emissão de gases neste último. A redução é feita
para expandir os direitos de emissão do país financiador do projeto
enquanto os direitos de emissão
do
país em que o projeto é realizado
são reduzidos proporcionalmente. Portanto
as
unidades de redução de
emissão são somadas por uma parte e subtraídas por outra. Em suma o
primeiro país compra enquanto o segundo vende unidades de redução
de emissão com o objetivo de respeitar as obrigações impostas pelo
Protocolo de Quioto.
O segundo mecanismo de flexibilização regulamentado pelo ar-
tigo 12 é definido
como
Mecanismo de Desenvolvimento Conjunto
ou
Limpo joint
ou
clean
development mechanism Nesse caso também está
previsto um acordo mas entre um país desenvolvido sujeito a limites
e um país sem restrições. Projetos financiados por um país desenvolvi
do
em um país não submetido a limites de emissão permitem àquele
obter reduções de emissão certificadas que se somam às permissões de
emissão consentidas pelo Protocolo além de contribuir com o desen
volvimento de técnicas não poluentes
no
outro país.
Também
nesse
caso o país financiador obtém créditos de redução com base em pro
jetos de redução de emissão em outros países o que é chamado de
comércio de créditos.
O terceiro mecanismo de flexibilização - artigo 17 - refere-se
à comercialização das cotas de emissão estabelecidas - comércio de
emissões
ou
de permissões. Isso possibilita aos países que precisam de
direitos adicionais de emissão adquiri-los de outras nações que tenham
direitos não utilizados e que estejam dispostas a vendê-los. a mesma
forma permite que os países que reduzem a emissão além do estabe-
20
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lecido vendam direitos de emissão a outros países. Desse modo, o país
comprador acrescenta e o vendedor sutrai a quantidade que é objeto de
troca. Esse tipo de transação pode ocorrer entre os trinta e nove países
sujeitos a limites
6
•
Segundo o tratado de Quioto, essas trocas devem ser suplemen
tares7
pois os países obrigados a respeitar limites quantitativos devem
reduzir também - e principalmente - as próprias emissões, e não po
dem fazer isso apenas comprando direitos
ou
créditos de outras nações.
6 Sobre o organismo internacional,
C.
P R. Romano,
La prima conferenza
dei/e
parti
dei/a
Convenzione quadro dei/e Nazioni
Unite
sul cambiamento
cfimatico:
Da
Rio
a ~ t
via
Berlino'', Rivista giuridica dell ambiente. Milão: Giufre, 1996, p. 163 e seguintes; sobre
os mecanismos de flexibilização, M. Montini,
Le pofitiche
cfimatiche dopo ~ o t o interventi
a
fiveffo
nazionafe
e
ricorso
ai
meccanismi di
flessibifità ,
Rivista giuridica dell ambiente. Milão:
Giufre, 1999, p. 133 e seguintes; G Golini, Cambia111enti cfimatici: l protocolo di Kyoto
ancora
nef
limbo ,
Ambiente. nº
6
2000,
p.
553 e seguintes, bem como Comissione delle
comunitá europee. Libro verde sullo scambio di diritti di emissione di gas ad effet
to serra dell Unione europea. Bruxelas: Com (2000) 87, 2000. Além dos relatórios e
propostas apresentadas na Conferência das Partes de Haia (novembro de 2000) e de
Bonn (julho de 2001) e Third Assesment Report o the Intergovernamental Panei on
Climate Change, 2001.
O princípio está expressamente previsto para o primeiro e o terceiro mecanismo
de flexibilização, não para o segundo. Mas deve ser entendido como obrigatório para
este também.
21
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Os mecanismos de flexibilização descritos têm precedentes na
cionais8, internacionais e comunitários
9
, mas há interesse particular
neste último porque exigem objetivos globais e cotas nacionais, pres
supõem atribuições nacionais de c\'tas para empresas, permitem comér
cios de direitos e créditos entre nações - horizontais - e não podem
dispensar mecanismos de controle e sanção verticais .
A proposta de tornar obrigações impostas em nível global comer
ciáveis entre empresas e Estados remonta aos anos 60
10
, quando surgiu
a ideia de que o regulador mundial poderia definir um limite de emissão,
atribuir a autoridades nacionais - que,
por
sua vez, distribuiriam en
tre empresas - um número de permissões de emissão, cuja soma fosse
igual ao padrão estabelecido, e enfim, permitir aos países e às empre
sas trocar as próprias permissões, criando um mercado
no
qual quem
consegue emitir níveis inferiores ao que inicialmente lhe foi atribuído
pode vender o
superavit.
A troca de direitos de emissão permite que
uma empresa ultrapasse sua cota se houver outra companhia que tenha
emitido poluentes em quantidade inferior à cota concedida e pretenda
vender o que não foi utilizado. Assim, os efeitos sobre o ambiente são
8 O principal exemplo de comércio de emissões e de sistema baseado no mercado é
norte-americano o Cfean
ir ct (1990).
e acordo com ele, a autoridade protetora do
ambiente fornece a cada estabelecimento uma permissão de emissão inferior ao que
é praticado. Os estabelecimentos então podem emitir substâncias poluentes com base
nessa permissão.
Se
desejarem emitir quantidades maiores, podem comprar
allowances
de outro estabelecimento que tenha reduzido a emissão abaixo do que foi autorizado
e que, portanto pode comercializar a cota de
allowance
não utilizada. Esta pode. ser
comprada e vendida inclusive por mediadores.
9 Casos de implementação conjunta estão previstos no Protocolo de Montreal para
a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, de 1987, modificado
em
1990
e
1992;
e no âmbito europeu, nas cotas de pesca previstas pela Política Co-.
munitária de Pesca e nas cotas de leite aplicadas pela Política Agrícola Comunitária.
10
de
F
H. Dales, 'Po fution,
Properry
and
Prices".
Toronto: Universidade de Toronto,
1968. Já o texto principal sobre tradable permits é de M. Grubb,
The
Greenhouse Effect:
Negotiating Targets".
Londres: Royal lnstitute of Internacional Affairs,
1989.
22
7/17/2019 A Crise Do Estado
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os mesmos mas
as
empresas podem reduzir os custos necessários para
respeitá-los. Estabelece-se uma concorrência entre companhias pela
busca
do
sistema de redução mais econômico. Estas na realidade es
tão interessadas em aproveitar os diferenciais dos custos marginais das
iniciativas de redução da emissão. Obtém-se a redução da emissão pelo
custo mais baixo para assegurar o resultado ambiental preestabelecido.
O mesmo acontece nas relações entre países.
Os
desenvolvidos
podem
recuperar graças a acordos com países em via de desenvolvi
mento a força que a decisão global lhes tirou porque
podem
emitir
mais que o permitido comprando a redução de emissão de países que
podem
realizá-la
com
custos mais baixos facilitando dessa maneira
também
o desenvolvimento desses países
O sistema apresentado ainda está em processo de definição; o
Protocolo de Quioto ainda não foi efetivado. Enquanto isso a Confe
rência das Partes órgão deliberativo da organização define aos poucos
os modos de colocar em prática os compromissos e principalmente
os mecanismos de flexibilização. Apesar disso já é possível identificar
elementos característicos do sistema.
Primeiramente tanto o organismo como o comércio dos direitos
e créditos respondem a uma exigência autenticamente global - não im
porta quem emite os gases de efeito estufa o problema diz respeito a
todos os habitantes do planeta; por outro lado a redução da emissão é
eficaz independentemente da região do globo em que é realizada.
Em segundo lugar o sistema colocado em prática para resolver o
problema é resultado de uma astuta combinação entre planejamento e
controle globais e transações de mercado entre Estados e empresas. O
direito internacional clássico criou o sistema mediante um
tratado. Mas
este instituiu um organismo cujo órgão deliberativo - a Conferência das
Partes
-
composto não
por
cada Estado mas por seu conjunto como
colégio estabeleceu o limite total
ou
global de emissão e a contribuição
11 M. Paterson
Global IPanning
and
Global
Politics . Londres: Routledge 1996 p. 3
e p. 184.
23
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de cada país, que, por sua vez, discr.
1
ui cotas entre os poluentes. Ele
controla também . · respeito às quantidades atribuídas.
l
1
i§rn
disso, foi
criado um mercado g1obal, regulado e controlado, de proibições, cm
que estas podem ser comercializadas, isto é compradas e vendidas de
várias maneiras.
Por fim, no sistema estão presentes
um
organismo internacional,
os Estados e as empresas. Mas a tarefa de regulador final não é atribuída
aos Estados, mas ao organismo internacional. Os Estados decidem a-
penas a distribuição interna das cotas. É o organismo internacional que
planeja e controla tanto
as
atribuições como o comércio.
Os orden mentos públicos glob is
Os
ordenamentos
descritos não podem ser enquadrados no âm-
bito
do
Estado,
tampouco
serem entendidos
como
sua mera extensão,
porqi;;e vão além e se impõem aos Estados.
No entanto, por falta de estudos sobre o assunto, é difícil ir além
dessa conclusão negativa.
Uma
vez dito que os
ordenamentos
jurídicos
globais fogem ao domínio do Estado e fazem parte de
um
direito pú-
blico não estatal, o estudo dos aspectos positivos desses novos ordena-
~ n t o s
se paralisou.
á
quem não reconheça nenhum elemento novo e
considere que os Estados continuam a dominar a cena que, entretanto,
é anárquica, pela ausência de um governo superior
12
•
á
quem reco-
nheça a novidade de
uma ordem
internacional, frequentemente definida
como
regime, que atribui papéis aos Estados. Mas essa ordem é poste-
riormente reduzida em
termos
funcionalistas, pois serve para resolver
problemas técnicos específicos, e não para a negociação política. Ou
12 A tese possui várias interpretações, inclusive a de que os ordenamentos globais
seriam apenas fruto de uma complex sovereignty, que, porém, não seria subtraída dos Es-
tados: K. Jayasuriya,
Globalization,
La111
and the
transfarmation
o Sovereignty: The emergence
o Global Regulatory Governance , Indiana Journal of Global Legal Studies. Vol. 6 nº 2,
inverno de 1999, p. 425 e seguintes.
24
7/17/2019 A Crise Do Estado
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então é estudada como Estado, tendo em vista a divisão de poderes e a
democracia. De qualquer forma, entre realistas, institucionalistas e fun
cionalistas prevalece o ponto de vista estadocêntrico, razão pela qual o
foco dos estudos é o papel dominante do Estado.
Tendo em vista essas observações, podemos tentar traçar alguns
aspectos elementares dos ordenamentos públicos globais.
Em
primeiro
lugar, eles respondem exigência de controlar a globalização. Muitos
problemas ultrapassam os limites do Estado, porque houve expansão de
fenômenos sanitários, econômicos, meteorológicos etc.; expansão de
nominada globalização. Ela é definida de várias formas. Sinteticamente,
poderia ser explicitada assim: nas últimas décadas
do
século XX, o
espaço do mercado parece ter atingido os limites demográficos e ter
ritoriais do mundo - razão pela qual estudiosos franceses preferem o
sinômino 'mundialização'
13
•
A globalização consiste em desenvolvimento de redes de produção
internacionais, dispersão de unidades produtivas em diferentes países,
fragmentação e flexibilidade do processo de produção, interpenetração
de mercados, instantaneidade dos ~ u x s financeiros e informativos,
modificação dos tipos de riqueza e trabalho e padronização univer
sal dos meios de negociação. Os Soberanos da globalização são as
13 L Gallino,
"G oha izzazione
e
disuguag/ianze".
Roma-Bari: Laterza, 2000,
p
23. O
termo globalização , que entrou em uso no final da década de 1950, indica, segun
do economistas, o crescimento acelerado de atividades econômicas supranacionais
e a intensificação [ ] da movimentação de bens, serviços, capitais, trabalhadores e
investimentos diretos entre paises . F
R
Pizzuti, '1ntroduzjone, Mercati e istituzjoni nella
neogloha izzazione",
in L Gallino, Globalizzazione, istituizioni e coesione sociale. Roma:
Donzelli, 1999,
p
12 (ver também os textos de Oppenheimer e
De
Cecco). Segundo
historiadores, por outro lado, o termo indica o processo de mundialização da eco
nomia,
um
fenômeno que certamente não é novo, mas é caracterizado nesses últimos
anos por ritmos mais rápidos e intensos e dimensões mais amplas .
P
Villani, L'età
contemporaneà:
X X
eXX
seco/o".
Bolonha: l Mulino, 1993, p 719.
25
7/17/2019 A Crise Do Estado
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grandes multinacionais
14
•
A governança
15
e os ordenamentos públicos
globais não são instrumento da globalização, mas formas de mantê-la
sob controle. Por isso, globalização e governança global devem ser en
tendidos como fenômenos diferentes, e até mesmo opostos, ainda que
caminhem na mesma direção, de subtrair uma parte do direito ao seu
soberano habitual, o Estado.
O segundo aspecto característico dos ordenamentos públicos
globais refere-se sua formação histórica e pode ser elucidado
por
meio da comparação com a história da formação dos Estados. Estes se
desenvolveram ao longo de vários séculos, mais especificamente entre
três e cinco séculos, graças à expansão
do
poder monárquico, que se
cercou de instituições centrais (conselhos, ministros e corte
16
, subme
tendo a elas poderes secundários e periféricos, devendo posteriormente
sujeitar-se à soberania popular. Daí os principais problemas do Estado,
o problema da supremacia do executivo, das relações centro-periferia e
da representatividade.
A governança global, ao contrário, afirma-se em um período de
tempo mais
curto
- meio século, se desconsiderarmos a fase de pre
paração; vale ressaltar, porém, que ainda não atingiu a fase de matu
ridade. ão se formou por sobreposição, mas por cooperação. Seus
principais problemas não são soberania, relações centro-periferia e re
presentatividade, e sim relacionados à decisão conjunta, à colaboração
e à rufe f aw.
14 Que são dotadas de extraterritorialidade, invisibilidade e impessoalidade, segundo
M.
R.
Ferrarese, 7 sovrani paradossi dei/a globa izzazione", Alternative/i. Março de 2001,
n 1, p. 29 e seguintes, mas especialmente
M. R.
Ferrarese,
"Le istituzioni
dei/a globalizza-
zione:
Din'tto e diritti nella
società transnazjonale", Bolonha:
II
Mulino, 2000.
15
Sobre os significados de governança e as respectivas discussões,
R.
Mayntz, La
teon'a della 'governance
Sftde
e
prospettive", Rivista italiana di scienza politica, a. XXIX. Bo
lonha: II Mulino, nº 1, abril de 1999,
p.
3 e seguintes.
16
A literatura sobre o tema é ampla; ver, entre as obras mais recentes, P Molas
Ribalta,
"L'impact
des institutions centrales", in W Reinhard, "Les élites du
pouvoir
et la
cons-
truction de l'Etat en Europe".
Paris: PUF, 1996,
p. 25
e seguintes.
26
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 28/152
O terceiro aspecto característico: a governança global apresenta
se como um conjunto de organizações gerais e setoriais e de acordos.
Não
apenas inexiste uma supremacia e
um
soberano
como
também
não há uma estrutura definida. Por esse motivo fala-se
em
governança
global e não em governo global; traços funcionais regras procedimen
tos e comportamentos prevalecem sobre organizações e estruturas. Elas
existem mas seu papel não é predominante
como
nos Estados apare
lhados; e sua ordem não é hierárquica mas reticular
17
•
Essa ordem reticular apresenta complexa mistura de componen
tes internacionais e nacionais e grande quantidade de conexões setoriais.
Um
exemplo da primeira é o princípio
do
retorno justo aplicado em
algumas organizações internacionais como a Agência Espacial Euro
peia. Segundo esse princípio o valor das encomendas feitas por uma
organização aos Estados deve ser igual ao total das contribuições deter
minadas pelos Estados à organização. Desse modo finalidades coletivas
e meios nacionais estão engenhosamente interrelacionados.
Um
exemplo das conexões entre instituições internacionais é a
dita cláusula de compatibilidade subordinação - presente
por
exem
plo no Tratado da Comunidade Europeia.
Com
base nessa cláusula as
relações jurídicas derivadas de acordos internacionais preexistentes são
garantidas. Desse modo permite-se
por
um lado a progressiva expan
são reticular dos acordos que visam governar a globalização;
por
outro
assegura-se a interrelação entre os vários meios regionais ou seccionais
de governo na falta de
um
governo central firme -
como
se acredita
que deveria ser a Organização das Nações Unidas.
17
Ver
A.
M
Slaughter
The Real Neiv World Order ,
Foreign Affairs. Palm Coast:
Council
on
Foreign Relations vol. 76 nº
5
setembro e outubro de 1997
p.
183 e
seguintes sobre governança como resolução cooperativa de problemas
por
parte de
um número variável de sujeitos aglobal
communi(y oJ lmv, ou
regulatory veb e a
bipartisan
globalization.
27
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Em
quarto lugar, a governança global tem caráter composto. Nela
se encontram justapostos, interdependentes ou integrados, dependen
do
do caso, elementos jurídicos diversos, estatais, internacionais
18
e su
praestatais (como a Organização das Nações Unidas, que é uma família
de institutos, a Organização Mundial do Comércio, organizações na
cionais, como União Europeia e Mercosul, as cúpulas do G8, centenas
de outros organismos setoriais - para o correio, o tráfico aéreo, a saúde
etc. - e organizações informais, com ramificações estruturais ou fun
cionais nos Estados ou em nível inferior). Os últimos não se sobrepõem
aos primeiros, dominando-os, como havia feito o direito do Estado em
relação ao direito dos poderes, locais, corporativos, intermediários e se
cundários preexistentes. Os precedentes são os dos poderes públicos
de regime antigo, em que ius
commune
e
ius singulan·a
coexistiam
19
e havia
articuladíssima trama de sistemas institucionais sobrepostos base
ada o,a colaboração obrigatória entre príncipes e outros protagonistas
da
cena institucional (feudatários, entidades citadinas
ou
eclesiásticas,
comunidades locais, corpos profissionais
ou
de classe de diferentes per
fis
etc.) , conglomerado de [
..
] sujeitos, unidos entre si, e ao princípio
soberano, por uma densa trama de laços paracontratuais (Herrschajts-
vertréige, pacta subiectionis, capítulos de sujeição)
2
º Ou ainda os poderes
públicos multinacionais, como o Sacro Império Romano e os Impérios
Otomano dos Habsburgos e Inglês
21
•
18
Que
desempenham, às vezes, papel também muito importante,
como
no
caso
de tratados em que é extremamente difícil a modificação. A. von Borgdandy, La1v and
Po itics
in
the
rvro Strategies
to cope with deficient
relationship,
Max Planck Yearbook of
United Nations. Leiden: Brill Academic Publications, vol. 5, 2001.
19 Para aprofundamento sobre direito comunitário, J Gaudemet,
Du
jus commune
m droit communautaire", in Clés pour le siecle. Paris: Daloz, 2000, p. 1013.
20
L Mannori e
B.
Sordi, Storia dei
diritto amministrativo.
Roma-Bari: Laterza, 2001,
pp. 11-13 e p. 18.
21
G. F.
Mancini,
Argomenti per uno Stato europeo ,
in V Ferrari;
P.
Ronfani e S. Stabi
le, Conjliti e
diritti
nella società transnazionale." Milão: Franco Angeli, 2001,
p.
46. Toma
como exemplo os Estados não radicados em nações, como Estados Unidos, Austrália,
28
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O quinto aspecto característico dessa governança é de ordem
funcional. Enquanto os ordenamentos gerais anteriores, os Estados, de
c l a r ~ v a m s e defensores de valores religiosos e morais, os ordenamentos
gerais e especiais globais visam governar valores econômicos e materiais
(sanitários, meteorológicos, alimentares etc.).
Enfim, na governança global, a administração tem papel mais
importante que a política
22
• Por isso, não tem os problemas próprios
dos corpos políticos dos Estados, como problemas de cidadania, de
representação e democracia, mas tem problemas de rule ef law,
expertise,
accountability,
s p e e ~
fairness, due
process o law e transparência. Por con
seguinte, seria inútil listar os aspectos da democracia política (direito
de voto, eleições, Parlamento, maioria e oposição, referendum, partidos
políticos e direito de petição) e procurá-los - sem encontrar - nos orde
namentos globais ou em suas partes
23
•
Bélgica, Canadá, África do Sul e Índia.
22
Embora
a jurisdição esteja agoraassumindo·um lugar cada vez mais importante,
devido
à
recente multiplicação das jurisd.ições internacionais
P.
M.
Dupuy,
"La
mu ti
p ication desjuridictions internationa es menace-t-e kle maintien
de
'unité de l'ordreju1idique inter
nationa ?", in Clés pour le siecle. Paris: Daloz, p. 1221), por meio das quais os direitos
protegidos na esfera global penetram também na esfera nacional
D.
Dyzenhaus; M.
Hunt e M. Taggart,
The
Principie o Legality in
Administrative
Law: Internationa ization
as
Constitutiona ization",
Oxford University Commonwealth Law Journal. Oxford: Oxford
University Press, nº 1, junho
de
2001, p. 5.
23
Muitos fizeram isso principalmente para a União Europeia. Ver
P.
M.
Hubert,
''Democrary and Constitutiona Cu ture
o the
European Union", in
M.
Wyrzykowski, Cons
titucional Cultures. Varsóvia: Institute of Public Affairs, 2000, p. 233 e seguintes. P. C.
Schimitter, "Come democratizzare 'Unione Europea
e
perché." Bolonha: II Mulino, 2000. O
artigo de Mancini,
' Argomentiper uno Stato
europeo",
p.
46, é mais equilibrado; para ele
a União Europeia de hoje pressupõe democracia [
..
]; mas ela própria não é demo
crática . Para a conclusão apresentada,
é
interessante a análise de
F
E. Bignami,
The
Democratic
Deficit in European
Community Ru emaking: A
Cal
for
Notice
and Comment
in
Comito ogy", Harvard International Law Journal. Vai. 40, nº 2, inverno de 1999, p.
451
e seguintes, segundo o qual não seria preciso usar o modelo de governo parlamentar
para a União Europeia, visto que é o executivo, e não o Parlamento, o sujeito principal;
29
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O caso da parte da governança global que começa a envolver
problemas políticos é diferente. Mas aqui também é difícil que se repita
a experiência dos Estados nacionais, com seus dois componentes es-
senciais, o rousseauniano
a
democracia política e o montesquiano a
divisão dos poderes e
as
garantias .
Se,
por u
lado, podemos estar cer-
tos de que a via do poder político global não é a mesma dos Estados na-
cionais; por outro, é difícil dizer, no estado caótico atual, que via poderá
ser. Esse será
u
dos mais fascinantes problemas dos próximos anos.
consequentemente sugere que se inspire no modelo do notice and comment próprio de
um ordenamento com organizações independentes e divisão de poderes.
30
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Poderes independentes
Estados
relações Supraestatais
1.Crise
da unidade do Estado crise de sua soberania
econômica e ordens supranacionais
Gostaria de tecer algumas reflexões sobre dois temas. O primeiro
se refere à crise da unidade dos Estados e
do
controle governamental
dos aparelhos públicos. Como consequência dessa crise um mundo te :
pleto de autoridades independentes vem se juntar a outro repleto de
governos nacionais
Já o segundo se refere às implicações da queda das barreiras na
cionais e da abertura dos mercados sob o controle estatal dos próprios
mercados. A erosão da soberania dos Estados tem
omo
consequência
a substituição de regras estatais por disciplinas bilaterais multilaterais e
supranacionais.
A crise da unidade dos Estados e a crise de sua soberania
econômica convergem em um resultado único a constituição de ordens
supranacionais organizadas em rede. em vez de hierarquias.
Duas observações devem ser feitas. A primeira é que tendo em
vista os estudos existentes essas reflexões se tratam de u ~ exploração
preliminar apenas um início. A segunda observação
é
que os três fenô
menos se desenvolvem tão rapidamente sob nossos olhos que podería-
31
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mos citar Heráclito quando este diz que entramos e não entramos no
mesmo no.
2 . fragmentação os ordenamentos estatais
Inicio com o primeiro tema, a crise da unidade do Estado. A
fragmentação dos poderes públicos é um dos principais problemas dos
ordenamentos modernos. Nos ordenamentos unitários, a instituição e
posterior multiplicação das entidades públicas nacionais e o surgimento
de figuras híbridas, constituídas de organismos semipúblicos, tiraram o
sono dos cultores do Estado. Mas também nas stateless societies, mesmo o
ponto
de partida sendo diferente, a multiplicação de organismos públi
cos não submetidos ao governo central trouxe problemas significativos.
Portanto, podemos dizer que o policentrismo dos ordenamentos
gerais t ~ z hoje alguns problemas comuns, embora com intensidades
diferentes. O primeiro deles é o das definições. Inicialmente procurou
se definir o ente público, depois, a figura deste entrou em crise,
e por
fim, percebeu-se que
as
noções são tão numerosas quanto os entes -
ou
categorias de entes - existentes. Posteriormente, recorreu-se a palavras
compostas
em
inglês, como
quango quasi-auto-nomous-non governamental
organisations),
para indicar institutos pertencentes a gêneros diferentes.
O segundo problema é a determinação do setor público não es
tatal e suas dimensões. O número e a variedade de organismos que o
compõem
tornaram essa tarefa particularmente difícil. A insuficiência
das categorias tradicionais a ser incluídas no paraestado levou a deter
minar também novas terminologias como, justamente, a de setor pú
blico .
O terceiro não é um problema de compreensão, mas operacional
ou de gestão; trata-se da subordinação ao governo - e outros órgãos
representativos -
do
variado mundo dos poderes públicos não estatais.
O que é di'fícil porque estes fogem, pela própria natureza, de sua co
ordenação e controle.
32
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O quarto refere-se a
accountability
- a quem esses organismos res
pondem? Ao eleitorado, às comunidades locais ou aos cidadãos?
As dificuldades aumentam pela pouca comparabilidade
cross-na
tions do extraordinário crescimento do ordenamento paraestatal e da
consequente fragmentação dos ordenamentos unitários. Basta apenas
lembrar que em muitos países a disciplina da concorrência é confiada
a organismos independentes, mas, nos Estados Unidos, é confiada à
Divisão Antitruste, que completou sessenta anos em 1994
e
no caso
da União Europeia, a uma das Comissões, ou seja, ao executivo. Isso
deveria nos fazer refletir a respeito da relatividade das escolhas e das
qualificações jurídicas feitas pelos diferentes ordenamentos.
3 .
Os
po eres in epen entes
A introdução das autoridades independentes agravou ainda mais
a situação.
Primeiramente, nunca tanto poder normativo foi delegado pelo
,
Parlamento (usamos a fórmula norte-americana
delegated
legislation
ainda
que seja imprópria). Pode-se dizer que, nos ordenamentos modernos,
assistimos a uma dualização do poder normativo; uma parte
é
conser
vada pelo Parlamento, enquanto outra é atribuída a autoridades inde
pendentes, embora nem todas tenham poderes normativos. Trata-se de
um
fenômeno desconhecido.
Na
realidade, há
uma
tendência paralela a
dualizar o
poder
administrativo, dividindo, de
um
lado, direção e con
trole, e, de outro, gestão, sendo os dois primeiros atribuídos ao governo
e o
outro
à direção administrativa.
m segundo lugar, o regime da designação e da nomeação (par
lamentar) dos titulares das autoridades independentes, a duração dos
mandatos, a falta de subordinação às instruções da autoridade governa
mental e o regime da incompatibilidade colocaram o governo fora
do
circuito de
poder
de decisão atribuído
às
autoridades independentes. A
elas é confiada, de maneira exclusiva,
uma
tarefa, na qual os governos
não podem intervir. O Parlamento, ao delegar o poder normativo a
33
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corpos independentes, mantém o controle sobre eles, nomeando titu
lares. Estes atuam
com
plena independência, inclusive
em
relação ao
Parlamento, diferentemente das agências norte-americanas. Essa dupla
independência visa assegurar outra, a independência em relação aos po
deres econômicos submetidos a controle.
A consequência é a mudança
no
ordenamento tradicional, que
via a administração inserida
no
aparelho executivo. Dessa forma, uma
parte da administração pública foge ao governo, não está ligada a uma
estrutura hierárquica . Assim, não se aplica nem mesmo o princípio da
responsabilidade ministerial - um princípio do parlamentarismo inglês,
do qual a Itália e outros países se
apropriaram-
porque o governo está
fora do jogo nas matérias confiadas às autoridades independentes.
O terceiro motivo pelo qual o surgimento de autoridades inde
pendentes complicou ainda mais a fragmentação dos poderes decorre
dá forma judiciária em que se desenvolve a atividade dessas autoridades.
O fato de que seja atribuída a elas a tarefa de proteger setores sociais
sensíveis, isto é interesses dignos de proteção e constitucionalmente
relevantes - o que não deve ser superestimado, porque nos ordenamen
tos modernos não existem funções que, pela própria natureza, devam
ser administradas de maneira independente, assim
como
não há funções
que, por sua natureza, devam ser. atribuídas aos juízes
-
exige que a
atividade seja exercida nas formas próprias do processo. Daí os instru
mentos complexos das autoridades independentes que agem aplicando
princípios próprios
do
juiz,
como
notificação de acusações, oitiva das
partes, exigência de motivação, poderes instrumentais de investigação e
inspeção, poderes sancionatórios etc.
A partir das características dos poderes independentes apresen
tadas, compreendemos que sua instituição desafia os princípios mais
reverenciados dos ordenamentos modernos.
Primeiramente, o princípio da unitariedade organizacional
ou
de
ações dos poderes públicos. Com
as
autoridades independentes são esta
belecidos novos procedimentos de criação
do
direito
e
portanto, diver
sificados os produtores de normas. Além disso, reafirma-se o princípio
34
7/17/2019 A Crise Do Estado
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de que
nem
todos os órgãos públicos se reportam a uma pessoa jurídica
e que a entidade subjetiva Estado, no direito interno, exprime apenas
parte da organização pública. Por isso, como observou Mario Nigro
algumas décadas atrás em relação ao Conselho de Estado, ao Tribunal
de Contas e aos tabeliães, no ordenamento jurídico, além do aparelho
personificado, movem-se numerosos órgãos e conjuntos de órgãos que
não estão em terra de ninguém, mas que constituem a República como
organização global da Comunidade nacional.
Além disso, questiona-se o princípio da democraticidade dos or
denamentos, já que os componentes das autoridades não são colocados
sob o controle dos eleitores, mas, como no caso de sacerdotes, estudio
sos, especialistas e juízes, recorremos a seus conhecimentos e valores.
Questiona-se ainda o princípio da tripartição dos poderes. De
fato,
as
autoridades independentes dispõem tanto de poderes nor
mativos como administrativos e jurisdicionais. Por outro lado, quem
acredita na distribuição dos poderes entre aparelhos - como os críticos
norte-americanos das agências, na progr ssiv era, que se recusavam a
reconhecer a existência de
um
quarto poder - chega
à
fácil conclusão
de que
as
autoridades independentes fazem parte do aparelho execu
tivo, integram a administração pública. Dessa forma, comete-se o erro
de atribuir as autoridades a um dos três poderes, aceitando o dogma
de que tudo o que não é jurisdição e legislação é administração.
Um
equívoco que se encontra refletido na própria expressão, de origem
francesa, autoridades administrativas independentes .
Por
fim, as autoridades independentes questionam o modelo das
relações entre governo e Parlamento, próprio de sistemas parlamen
tares. Nestes, diferentemente dos presidenciais, o governo é por assim
dizer, filho
do
Parlamento, mas também o controla, cabendo frequen
temente a ele a iniciativa legislativa e o poder de controlar a atividade
legislativa
do
Parlamento por meio da maioria que o apoia etc. -
por
esse motivo insistiu-se, no passado, a respeito da natureza de comitê
diretor
do
Parlamento'', própria de governo.
om
a instituição das au
toridades independentes, uma ou mais áreas fogem ao governo, porque
35
7/17/2019 A Crise Do Estado
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o Parlamento acaba controlando toda a matéria, da regulamentação à
execução.
Por
isso, as autoridades independentes, na realidade, não são
poderes administrativos. Fazem parte do direito constitucional e repre
sentam, historicamente, uma alternativa ao governo econômico consti
tuído pelo planejamento (enquanto no planejamento
as
prescrições são
finalísticas e
as
responsabilidades recaem sobre o governo, no modelo
regu ating business
f y
independent commissions,
as
prescrições são condicionais
e
as
responsabilidades, próprias de autoridades independentes). Portan
to, as autoridades independentes se inserem entre os poderes estatais
em nível constitucional, representando uma atenuação daquilo que no
século
XIX
era definido como monstruoso conúbio de democracia e
centralização.
m
termos modernos, poderíamos dizer que a organiza
ção distribuída ou dividida dos poderes representa uma correção, sob
o prisma organizacional, da concentração produzida pela democracia.
4 s reações dos orden mentos
O sistema das autoridades independentes não é desprovido de
defeitos e inconvenientes; são três os principais. O primeiro é a bal
canização
do
executivo e o círculo vicioso que se constitui, setor por
setor, entre opinião pública, Parlamento e reguladores
ou
fiscalizadores,
com a consequente falta de um elemento de racionalização e uniformi
dade intersetorial, sem as características desta ou daquela área.
O segundo é a ausência de coordenação
e
particularmente, os
conflitos que podem surgir entre autoridades. Visto que não atuam iso
ladamente
nem
distantes umas das outras, a solução de conflitos que
possam surgir entre elas traz o seguinte dilema: ou
as
autoridades são
capazes de resolvê-los de forma pactícia,
ou
então é necessário recorrer
a uma autoridade superior, o governo; mas isso significa a diminuição
da independência das autoridades.
O terceiro inconveniente -
já mencionado - é a accountability.
Se
as
autoridades são confiadas a especialistas, é necessário que estes tam
bém sejam sapientes e tenham a sabedoria de compreender os próprios
36
7/17/2019 A Crise Do Estado
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limites. Sem as três características, serão necessárias correções externas
e
portanto, limitações da autonomia. Além disso, é necessário assegu
rar, do
ponto
de vista institucional, a visibilidade e a legibilidade
dos poderes independentes - apenas se forem transparentes serão real
mente
accountables.
A esses inconvenientes soma-se a tendência, própria de ordena
mentos públicos baseados na tradição do Estado unitário, de subordi
nar as autoridades independentes à categoria das administrações públi
cas, reduzindo um corpo novo, que não pode ser incluído em nenhum
dos três poderes tradicionais, como mostramos, a apenas um deles. Essa
tendência é tão
forte_
que envolve até mesmo países incluídos entre
as
state ess societies. Nos Estados Unidos, por exemplo,
onde
há grande ex
periência por parte das autoridades independentes e a fragmentação do
poder
público central prevalece sobre a unidade, Scalia, juiz da Suprema
Corte, defendeu a concepção unitária do poder presidencial e a non-
de egation doctrine, que estava em declínio após o ew Dea , foi revigorada
- críticos afirmam que a .unidade do executivo é um mito, porque o sis
tema dos checks and
balances
pressupõy não a unidade
ou
a uniformidade,
mas a fragmentação e a difusão dos poderes.
O exemplo mais completo disso é o caso francês. Uma vez insti
tuídas as autoridades independentes - as primeiras remontam ao perío
do de 1941 a 1972; houve aceleração entre 1973 e 1978; outras foram
instituídas a partir de 1982 - questionou-se sobre sua natureza e
as
con
sequências do desapossamento do governo das matérias que lhes foram
confiadas. A partir de 1982, o Consei Constitutionne pôde se pronunciar
muitas vezes sobre o tema. Ele se preocupou com
as
funções de so
berania atribuídas a autoridades independentes e com a supressão - que
se verifica com
as
autoridades - do poder do governo de determinar e
conduzir a política nacional. Como consequência, o órgão francês de
justiça constitucional reconheceu poderes de decisão e sancionatórios
às autoridades, mas à custa de atenuação de sua independência e en
quadramento no sistema administrativo. Dessa forma, as autoridades
independentes acabaram sendo canalizadas para a administração pú-
37
7/17/2019 A Crise Do Estado
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blica sua independência foi minimizada seu
poder
normativo reconhe
cido mas não equiparado ao
do
legislativo e sua atividade submetida ao
controle jurisdicional.
Por
fim foi negada a essas autoridades a natureza
de instância constitucional.
Deduz-se então que o Conselho constitucional - e desde 1987
também o Conseil
d Etat -
se
tornou
prisioneiro dos princípios tradicio
nais e acabou atrelando-se administração e submetendo
s
autoridades
independentes ao juiz administrativo tornando precária e vulnerável a
posição política e constitucional delas.
O exemplo mais característico dessa reação dos poderes inde
pendentes tradicionais - o juiz constitucional e administrativo - aos
novos poderes independentes é o caso da impugnação dos atos da au
toridade da concorrência na Corte de Apelação de Paris. A impugnação
foi motivada pelo legislador
com
o argumento de que na França a
autoridade judiciária ordinária julga
s
relações econômicas - desde
Napoleão julga também os casos relativos propriedade
como
de
expropriação. Dessa forma decidiu-se que
uma
parte
do
contencioso
administrativo seria confiada ao juiz ordinário. Mas o
Conseil
Constitu-
tionnel
com
a decisão nº 86-224 DC de 23 de janeiro de 1987 declarou
a
lei
inconstitucional afirmando que o tema das competências não é
remetido ao legislador mas faz parte dos princípios fundamentais.
Uma
lei
sucessiva enfim não impugnada pelo juiz constitucional conferiu
novamente à Corte de Apelação de Paris a jurisdição sobre
s
decisões
da autoridade.
Além disso o ordenamento francês é regulado pelo artigo 20 da
Constituição de 1958 segundo o qual o governo dispõe da adminis
tração. Trata-se de
uma norma
bem mais ampla
do
que a contida no
artigo 95 da Constituição italiana inspirada -
como
demonstramos -
no princípio inglês da ministerial
responsibiliry.
a Itália esse princípio
foi
atenuado pelos decretos legislativos nº 7 48 de 1972 e
nº
29 de
1993. Esses decretos atribuíram à
direção administrativa
como
funções
próprias
s
tarefas de gestão. Portanto o ministro e o Conselho de
Ministros
poderão
ser responsáveis pela orientação e controle mas não
38
7/17/2019 A Crise Do Estado
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pela gestão. Se acrescentarmos o fato de que para as autoridades inde
pendentes o governo não participa nem mesmo da escolha dos titulares
e não pode fornecer diretrizes compreendemos que na Itália
as
premis
sas institucionais são completamente diferentes.
Contudo mesmo lá registram-se reações preocupadas com a ins
tituição das autoridades independentes. Reações que mais uma vez têm
corno protagonistas
as
autoridades independentes da primeira geração
o Tribunal de Contas e o Conselho de Estado. Aquele porque pretende
assimilar as autoridades independentes a
um
algum órgão administra
tivo e, violando normas de autonomia e independência espera o res
peito de normas qué . têm a dupla característica de ser de origem estatal
e ditadas
por
órgãos que fazem parte da administração pública.
Já o juiz administrativo aplica às autoridades independentes os
mesmos cânones de controle judiciário que utiliza para as administra
ções estatais. ão queremos abordar aqui o problema das implicações
da natureza não administrativa das autoridades independentes de que
trata o artigo 113 da Constituiyão - ponto de vista não levantado e não
considerado nas decisões nº 419 e nº 435 de 1995 da Corte Constitu-
cional. Mas não podemos deixar de reconhecer que a escolha específica
dos titulares das autoridades tanto em relação a requisitos quanto a
procedimentos em relação ao regime das incompatibilidades às for
mas judiciárias em que
se
desenvolve sua ação e à independência a elas
atribuída exigiriam pelo menos um comportamento de se frestraint por
parte do juiz administrativo.
Um
comportamento que assumiu em mui
tas circunstâncias em relação a outros corpos por exemplo limitando
no passado o próprio exame das escolhas das comissões de concurso
para a nomeação de professores universitários com base
no
reconheci
mento
da mais alta discricionariedade que a comissão deveria usufruir.
Para lembrarmos outro con;iportamento que os juízes também têm em
outros ordenamentos basta pensarmos que dos dez recursos impetra
dos contra os atos da Monopolies
and Mergers
Commission inglesa entre
1948 e 1992 seis concluíram-se a favor da Comissão.
39
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Para examinar esse último tema, é necessário lembrar dois aspec
tos,
um
histórico-comparativo, outro genético. O primeiro diz respeito
aos Estados Unidos, onde Landis, ao defender a instituição das agências
independentes, observava que suas funções não poderiam ser conferi
das aos juízes
Jack
o
li
trades
and
masters
o
none
porque não podiam
garantir ações eficazes em matérias tão técnicas. A mesma consideração
foi feita na fase da gênese de algumas autoridades independentes italia
nas, como a Autoridade fiscalizadora da concorrência e do mercado.
As
autoridades independentes, portanto, nasceram como alternativa en
trega dessas funções ao juiz. Como pensar que agora possam ser total
mente submetidas a ele? Por outro lado, o mesmo Conselho de Estado
admitiu, de maneira significativa, que a autoridade fiscalizadora da con
corrência e do mercado
é
um órgão dotado de competência específica
e colocado por lei numa posição de imparcialidade comparável a de um
juiz
1
(Comissão especial, 22.6.1995, nº 51).
Às reações do Tribunal de Contas e
do
Conselho de Estado so
mam-se
as
de outros aparelhos administrativos, principalmente o Te
souro. Estes, valendo-se de normas gerais e regulares (por exemplo,
normas de 1923, sobre a contabilidade, de 1975, sobre o paraestado, de
1979, sobre a contabilidade dos entes públicos, de 1990, sobre o pro
cedimento, de 1993, sobre os funcionários e de 1994, sobre o controle),
que uniformizam fenômenos ou matérias anteriormente heterogêneas
ou reguladas de forma heterogênea (por exemplo; relações entre órgãos
de cúpula e de gestão), procuram fazer valer para
as
autoridades in
dependentes regras gerais, como a separação das tarefas do colégio e
da estrutura - principalmente a direção - a determinação de cargas
de trabalho, a redeterminação dos quadros de funcionários e das con
tratações, o bloqueio temporário destas, a aplicação direta da lei sobre o
procedimento administrativo etc.
40
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 42/152
5 cooperação internacional e supranacional
Trataremos agora concisamente do segundo tema relativo às im
plicações da perda da soberania econômica dos Estados.
Os
dados são conhecidos; desde 1947 o volume do comércio
mundial tornou-se dez vezes maior; os investimentos externos apenas
na década de 80 cresceram quatro vezes mais rapidamente do que o
produto mundial e três vezes mais do que o comércio mundial.
O diagnóstico também é sabido. A globalização e
as
interrelações
internacionais ocasionam desterritorialização das atividades econômi
cas
Os
Estados que atuam em territórios delimitados acabam
fi-
cando desorientados.
As implicações desse fenômeno e as formas como os poderes
públicos tentam revertê-lo são menos estudadas. A implicação principal
é a assimetria entre economia e Estado. Como foi mostrado de
um
lado
temos nações sem riqueza de
o ~ ~ r o
riqueza sem nações.
Podemos resumir em quatro
as
formas como os poderes públi
cos procuram resolver esse desequiÍíbrio. A primeira é a cooperação
entre autoridades de diferentes nações disposta
por
leis nacionais.
Em
seguida há a cooperação disposta por acordos bilaterais entre autori
dades de diferentes nações. A terceira forma é a cessão de tarefas es
tatais a organismos supranacionais constituídos
com
base em acordos
multilaterais.
Por
fim há os organismos supranacionais que absorvem
funções estatais submetendo os organismos estatais às próprias de
cisoes.
Examinemos rapidamente os diversos tipos. O primeiro consiste
em obrigações de colaboração cooperação e troca de informações. São
obrigações estipuladas geralmente sob a condição de reciprocidade
tanto
no
âmbito dos ordenamentos gerais supranacionais - como a
União Europeia- como fora deles. Visam estender a operacionalidade
de autoridades nacionais para fora do território nacional. São dispos
tos
por
leis nacionais mas produzem efeitos nas relações entre órgãos
41
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públicos de Estados diferentes. Estabelecem vínculos entre órgãos de
diferentes nações, mais fortes do que os existentes entre o órgão e o
Estado a que pertence; basta lembrar a norma referente à reciclagem em
que o segredo de ofício, que deve ser respeitado nas relações nacionais,
não se aplica nas relações supranacionais,
com
as autoridades de outros
Estados.
Na Itália, a
norma
mais abrangente é a referente à Comissão Na
cional para as Sociedades e a Bolsa (Consob), para a qual pelo menos
quatro Leis (nº 94, de 1974, nº 77, de 1983, nº 1 e nº 157, de 1991)
preveem obrigações desse tipo. Mesmo a disciplina relativa Autori
dade fiscalizadora da concorrência e do mercado prevê formas de co
operação (artigos 1, 2 3 e 10.4 da Lei nº 287, de 1990), mas apenas do
tipo incluído em ordenamentos supranacionais. Na realidade, a Autori
dade nacional
mantém com
os órgãos da Comunidade Europeia
as
relações previstas pela
norma
comunitária em matéria .
Esse
tipo de cooperação poderia evoluir bastante se fosse aceita
a proposta,
em
processo de discussão, de emprego coordenado das leis
nacionais da concorrência. Essa utilização pressupõe o reconhecimento
mútuo das leis da concorrência e exige a não aplicação da lei nacional ou
a disponibilização dos próprios poderes,
por
parte da autoridade nacio
nal, a favor da autoridade nacional de outro país.
No
primeiro caso, a
lei
nacional é recessiva, no segundo, dotada de ultratividade.
O segundo tipo de cooperação é mais conhecido, porque con
siste
em
acordos bilaterais entre Estados,
como
os acordos entre Esta
dos Unidos e Alemanha e entre Estados Unidos e Canadá, referentes
à
concorrência. Mas, mesmo nesse caso, podemos registrar fatos novos.
Um deles é o acordo entre Estados Unidos e União Europeia sobre
concorrência. Nele, uma das partes é, ao mesmo tempo, ordenamento
geral que abrange vários Estados e deve,
por
sua vez, assegurar a inte
gração dos direitos estatais
no
ordenamento da União.
Outro
fato novo
é a multiplicação de contatos e de quase acordos bilaterais, não entre
Estados, mas entre autoridades independentes. Estas, por
um
lado, usu
fruem de sua independência dos Estados e por outro, da homogenei-
42
7/17/2019 A Crise Do Estado
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dade e unidade supranacional dos setores controlados e dos interesses
protegidos para adquirir capacidade própria e direta nas relações inter
nacionais.
O terceiro tipo é o da cooperação multilateral particularmente
eficaz quando origina organismos supranacionais estáveis.
Um
exemplo
recente é o da Organização Mundial do Comércio que se desenvolveu a
partir do
GATT General Agreement on Tariffs and
Trade), cujos membros
passaram de 23 em 1947 para 80 em 1971 para 85 em 1981 e para
123 em 1994.
No
âmbito do GATT - e agora da Organização Mundial do
Comércio- discute-se há tempos a possibilidade de redigir uma lei mun
dial sobre a concorrência baseada no respeito a níveis semiautomáticos
para definir os limites da concorrência ou a possibilidade de assegurar
harmonização das leis nacionais de maneira a estabelecer pelo menos
nos aspectos essenciais um modelo comum. Mas essas propostas en
contram dificuldade; são discutidas no âmbito de um organismo que
se ocupa dos Estados não das ~ m p r e s s - exceto se a ação destas for
determinada pelos Estados - e que se preocupa com os instrumentos
não com os efeitos econômicos
p r o d u ~ i d o s
O quarto tipo de cooperação é ainda mais estrito. Consiste na
ampliação das fronteiras graças à instituição de organismos suprana
cionais. Mas se dessa maneira os Estados em parte readquirem o con
trole que haviam perdido sobre a economia ao mesmo tempo cedem
funções e poderes às autoridades supranacionais e se reduzem a termi
nais operacionais dessas últimas.
6 eações consequências da cooperação
A crescente cooperação em suas diversas e variadas formas pro
voca reações de vários tipos. Entre
elas
duas
se
destacam.
A primeira reação é cultural. Arraigado na ideia de Estado se
reduz todo esse rico mundo de relações supraestatais a produto do Es
tado afirmando que este é fruto de suas autolimitações. Quem pensa
43
7/17/2019 A Crise Do Estado
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desse modo, porém, não percebe que há diferença entre a fase genética
e a de desenvolvimento;
as
mesmas relações que se estabelecem em vir
tude de autolimitações dos Estados se desenvolvem
com
força própria
e acabam se impondo a eles.
A segunda é institucional. Os governos - pelo menos os que fun
cionam - preocupados
com as
tendências centrífugas, constituem, e
depois multiplicam, organismos de coordenação, para se manter infor
mados sobre
uma
atividade que se desenrola cada vez mais na arena
internacional. Na realidade, o resultado desse emaranhado de linhas se
toriais que unem partes de Estados corresponde à imagem do poder
público na Inglaterra vitoriana que
John
Stuart Mill apresentava a
um
interlocutor francês, que a relatou da seguinte maneira:
Nós
dividi
mos
as
funções administrativas ao infinito e as tornamos independentes
umas das outras .
, As consequências dessa crescente cooperação são muito interes
santes. Certamente não produzem
um governo mundial, uma kosmopo-
lis
mas
um mundo
de relações muito densas, ordenadas em rede.
Do
-ponto de vista estrutural, este tem
um
baixo nível de institucionalização.
Do
ponto
de vista funcional, é baseado principalmente
em
procedimen
tos de negociações e acordos. Prevalecem interferências, sobreposições
e complementariedades. O mundo dos Estados, regidos pela hierarquia,
é substituído pelo
mundo
das redes transestatais, regidas pela interde
pendência.
Em
relação a elas, podemos nos lembrar da citação de Alexis
de Tocqueville, em 1835, sobre a organização pública inglesa:
Há
li-
nhas que se cruzam em todos os sentidos,
um
labirinto .
Giraudoux certa vez observou que o direito é a melhor escola da
imaginação. Eis um bom lugar onde muitos juristas podem se exercitar.
7/17/2019 A Crise Do Estado
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O fim da soberania econômica do stado
1 a
soberania do
Estado
sobre a economia à
soberania da economia sobre o Estado
Nos últimos 25 anos, foram registradas três modificações im
portantes nas relações entre ~ ~ a d o e economia. Antes o Estado era
soberano no que se referia a economia, agora perdeu essa posição jus
tamente a favor da economia; antes ele era principalmente pedagogo,
agora é sobretudo regulador; e o governo da economia que antes era
unitário, passou a ser fragmentado.
Essas três modificações serão apresentadas uma a uma. Primeira
mente será mostrada a situação passada, depois a atual conjuntura
e por
fim,
as
consequências da passagem de
uma
a outra.
A primeira refere-se
ao
domínio estatal sobre a economia, que
atualmente se inverteu, passando a ser o domínio da economia sobre o
Estado.
ntre os séculos XII e XIX, os Estados-Nações conquistaram
soberania no campo econômico com o poder impositivo,
poder
de cu
nhar
moedas, controlar importações etc.
Os
limites da economia, por
tanto, tornaram-se os limites do Estado.
45
7/17/2019 A Crise Do Estado
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A economia dominada pelo Estado era uma economia da oferta,
segundo o modelo mercantilista, no qual predominava o pressuposto
colbertista de que a soma da riqueza disponível era fixa, inextensível2
4
•
Nos
últimos
25
anos, o comércio mundial de bens aumentou
muito
e
além das nacionais, se desenvolveram empresas multinacionais.
Afirmou-se e se impôs, portanto, uma economia-mundo, na qual uma
empresa sediada em um Estado pode ter seus estabelecimentos produ
tivos
em
outro Estado e seus clientes em uma terceira nação.
O setor econômico menos ligado ao território, a finança, se des
territorializou ainda mais, tanto que há regiões no mundo onde se con
centram transações financeiras que dizem respeito a todas as outras
regiões, perdendo assim a ancoragem nacional: a cidade de Londres
se apresenta
como uma espécie de ojfshore centre. É separada dos acon
tecimentos da economia britânica. Autoreferencial, destaca-se
por si
mesm,a
25
• Em suma, Londres, como praça financeira, não faz mais
parte apenas do Reino Unido.
A economia liberada - parcialmente - pelo Estado é uma econo
mia da demanda
26
,
na qual a soma da riqueza disponível não é fixa,
pode
aumentar e diminuir.
A passagem de
uma ordem
das relações entre Estado e economia
para outra traz consequências nada desprezíveis. Entre elas, a principal
é a seguinte: se antes a economia devia levar em conta o Estado, agora é
o Estado que deve levar em conta a economia. Na realidade, os Estados
são julgados
por
sociedades que estabelecem seu
rating
do
qual depende
o valor dos títulos de débito emitidos pelo Tesouro. E grande parte da
política econômica dos governos nacionais passou de proativa a reativa.
Se antes guiava a economia, agora é seguidora
ou
adaptativa dela,
ou
24 P.
Minardi, La fortune du colbertisme: tat et industrie dans
la France
des lumieres.
Paris: Fayard, 1998, p. 16 e p. 160.
25 P.
Ciocca, La nuova finanza in Italia: Una dijjicile
metamoifosi
(1980-2000). Turim:
Bollati-Boringhieri, 2000, p.
13.
26
P
Minardi, op. cit.,
p.
339.
46
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 48/152
seja, serve para corrigir as tendências da economia, CUJO andamento
geral foge aos governos nacionais.
Observou-se, portanto, que se o Estado continua a ter papel im
portante, perdeu, todavia, a soberania econômica, porque
se
antes era
detentor de poder absoluto, agora é detentor de poder relativo, e os
limites do Estado e da economia não são mais os mesmos
27
•
2 o
stado pedagogo ao stado regulador
A data de nascimento do Estado pedagogo pode ser fixada em
1669, quando
Coibert
instituiu o corpo dos
inspecteurs des manujactures
para
controle da indústria - têxtil, do vidro, mecânica etc.
-
que atuará até
sua extinção, em 1791, em nome da liberdade econômica.
A instituição de órgãos de controle da economia respondia a um
objetivo iluminista. Os inspetores funcionavam como freio e direção
da atividade de particulares, em nome do Estado e como garantia de
qualidade dos produtos.
Na qualidade de informantes privilegiados do Estado, as tarefas
deles eram colher dados, propagandéar novas tecnologias, fazer circu
lar informações, aconselhar as empresas, apontar modelos produtivos
e controlar a aplicação de regras técnicas. Sua atividade era direcionada
à produção, mas os aspectos do consumo, do trabalho e da proteção
28
lhe eram estranhos.
27
São conclusões de M. R. Ferrarese, GlobalizZf1zione (aspetti istituzionalt) , in Enci
clopedia delle Scienze Sociali, vol.
di
aggiornamento. Roma: Istituto della Enciclope
dia Italiana, 2001; do mesmo autor,
''Le istit11zioni
de/la
globalizzazione:
Diritto ediritti nella
società transnazionale . Bolonha:
II
Mulino, 2000.
28 P. Minardi,
''La
fortune du
colbertisme:
Etat
et
industrie dans la France des lumieres. Paris:
Fayard, 1998,
p.
21,
p. 151
e
p.
159.
47
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 49/152
A atividade dos inspetores, nos 120 anos de vida, foi exemplar e
serviu para criar
um
modelo em torno
do
qual nasceu e se desenvolveu
a
qNerelle Estado
intervencionista
laisserfaire
9
que posteriormente, no
século XIX, será reacesa na Inglaterra por Albert Venn Dicey.
O modelo do Estado intervencionista,
ou
melhor, sua variante
de Estado pedagogo, terá sucesso na Itália durante o século
XX
devido
ao persistente atraso da economia, que fará
as
esperanças dos Nitti,
Beneduce e Vanoni* apostarem no Estado e em sua capacidade de guia.
Na primeira metade
do
século, destacam-se as empresas modelo
locais, que serviram para instruir os poderes públicos para que estes
melhor controlassem a parte restante da economia, os serviços itine
rantes de divulgação de agricultura - posteriormente órgãos periféricos
desse ministério
- ,
que ensinam técnicas agrícolas a
um mundo
rural
pouco desenvolvido, os entes públicos de Nitti e Beneduce que, em se
tores p.rivilegiados - obras públicas, indústria-, servem como estímulo
à
parte restante da economia.
Na segunda metade do século, destacam-se, ao contrário, os
planejamentos e a intervenção nos setores
de
base da economia
(Vanoni), que serviram como estímulo a outros ramos econômicos, a
concorrência promovida pela empresa pública - a política dos preços
dos produtos petrolíferos de Mattei,
por
exemplo**
- ,
a funcionaliza
ção da companhia privada
no
interesse público, baseada na ideia de su
perioridade
do
interesse público sobre o privado.
29
P
Minard, op. cit.,
p
1O
Francesco Saverio Nitti (1868-1953)
foi
um político italiano com papel decisivo du
rante a I
Guerra
Mundial e no pós-guerra;
foi
grande estudioso dos problemas do sul
da Itália e via na industrialização desse lugar a solução para os problemas econômicos
e sociais de lá Alberto Beneduce (1877-1944) foi economista e político italiano. Atuou
também como
administrador de importantes empresas estatais; foi ministro e deputa
do. Ezio Vanoni (1903-1956) foi economista e político italiano; exerceu várias vezes o
cargo de ministro da área econômica.
(N.
do T.)
48
7/17/2019 A Crise Do Estado
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No
rastro da
querei/e
Estado intervencionista laisserjaire, as re
lações Estado pedagogo-economia foram consideradas principalmente
em termos de oposição bipolar.
Na
realidade, o mito
do
Estado inter
vencionista sempre mascarou um jogo mais sutil do que o de liberdade
controle; jogo cujos grandes princípios não conseguem justificar
30
•
A ambivalência do chamado intervencionismo econômico está
retratada na frase dita por um produtor de algodão de Bourges ao inten
dente do comércio, em 1786:
"laissez-nous
faires,
protégez
nous beaucoup"
Ela simboliza as ambiguidades de uma liberdade econômica que é tam
bém proteção contra a concorrência estrangeira ou de outros setores,
garantia estatal de produtores e produtos contra fraudes e regulamen
tação pública que reflete ou repete convenções de qualidade reconhe
cidas pelos produtores e poder de organização em grupos legitimados,
justamente para influenciar
as autoridades públicas etc
32
•
Concluindo,
se
liberdade e proteção são simultaneamente exigidas
e introduzidas, é incompleta a apresentação de uma relação binômica
de oposição entre Estado e ecór 9mia, porque o Estado tanto controla
como protege. .
Nos últimos
25
anos, passou-s·e desse papel duplo do Estado -
bem definido na fórmula do Estado pedagogo - para um novo regime,
no qual prevaleceu um diferente papel do poder público, o de regulador.
Mesmo essa nova posição do Estado não pode ser reduzida ao
antagonismo liberdade privada/ingerência da administração. Aqui a re
lação entre Estado e economia é bem mais complexa. O Estado não
Enrico Mattei 1906-1962) foi empresário e dirigente político italiano, responsável
pela transformação da Agência Nacional de Petrólio AGIP), criada na época fascista,
em NI Ente Nacional de Combustíveis) no pós-guerra.
N.
do T
30 P.
Minard, op. cit,
p.
364.
31
Idem, op. cit.,
p.
294.
3
As ambiguidades da relação liberdade privada/intervenção estatal e a consequen
te crítica à postura intervencionista estão em M.S. Gianini, Diritto p11bbfico def 'economia.
Bolonha:
II
Mulino, 1993; ver também Minard, La fortune, p. 283, pp. 300-12,
p.
264
e pp. 13-15.
49
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 51/152
indica fins mas estabelece regras e procedimentos e não desempenha
ele
mesmo a atividade de execução mas a confia a autoridades de regu
lação
ou
adjudicação.
ntre
reguladores e regulados instauram-se re
lações não binárias mas multilaterais. Basta o exemplo das regulações
assimétricas introduzidas para facilitar a entrada de novos empresários
new entrants)
em
setores antes dominados por
um
monopolista de fato
ou legal
i n c u m b e n ~ .
Nesse caso a disciplina pública
na
medida em que
favorece alguns desfavorece outros. E não é feita para durar mas para
cessar ser substituída
por um
regime não desequilibrado mas paritário
no qual
s
empresas concorrem com
s
mesmas armas.
3 .
a
unid de à fr gment ção
do
controle
d economia
Se o governo da economia antes era confiado apenas ao governo
agora é atribuído a corpos autônomos.
No
passado a unidade de comando era entregue
à
cúpula
do
governo e todas
s
decisões importantes passavam pelos ministérios
econômicos. Para racionalizar o sistema instituiu-se
uma
infinidade de
comitês interministeriais
em
que políticos e burocratas de alto escalão
decidiam negociavam e mediavam. O lugar de decisões era competência
da política. O
método
de decisão era informal governado livremente
de acordo
com
o caso pela política.
Hoje
a situação mudou. Uma parte das decisões ainda é toma-
da pelo governo ou por instituições auxiliares
ou
descentralizadas. E
1
ainda são tomadas por meio de procedimentos não formalizados nem
l
estruturados.
Outra
parte ao contrário é atribuída a diferentes órgãos
como
autoridades independentes
ou
antigos
como
juízes.
Por
um
lado esses órgãos são parcialmente independentes da política;
i
por outro atuam - seja quando agem
como
reguladores isto é · com
funções próprias
do
Parlamento e do governo
ou como
adjudicadores
isto é com funções próprias da ordem judiciária - com procedimentos
1
50
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 52/152
predeterminados, estruturados segundo princípios de transparência, de
motivação das decisões etc.
Esse novo regime impressionou mais pelo aspecto organizacional
- e pela instituição de autoridades independentes - do que pelo as
pecto funcional; também importante, porque permite u diálogo entre
reguladores e regulados que imita e completa a democracia política.
Chamou mais atenção a instituição de novos corpos, do que a
litigation
explosion diante dos juízes, que produziu o intervencionismo econômico
da ordem judiciária, o desenvolvimento de u
proces économique
e de um
juge économiste3
3
•
Portanto, a unidade do governo da economia foi substituída
por uma fragmentação dos corpos públicos que intervêm, afetando a
economia. A ação de cima para baixo é integrada
por
mecanismos e
procedimentos que evidenciam os interesses, organizam seu jogo e
obrigam os poderes públicos a evidenciar as razões das escolhas. Ao
lado do Estado organizador do progresso econômico coloca-se o Es
tado relojoeira34, que controlá
se
os diferentes organismos marcam o
'
tempo, atuando segundo mecanismos predeterminados.
'
4
Incompletude e correções do novo regime
Se a história caminhasse por linhas retas, a análise das novas
tendências teria terminado. Mas, por um ladó, o que é novo se coloca ao
lado do que
já
existe;
por
outro, as novas tendências provocam reações
e correções que agravam o quadro.
O regime descrito não é inteiramente novo, porque se coloca ao
lado dos ordenamentos do regime anterior, que em parte sobrevivem.
A disciplina sobre a concorrência do Código Civil resiste mesmo após a
33
Ver os artigos reunidos em
Le
juge
administratif et
e contentieux
économique , Ac
tualitéjmidique-droit administratij.
Paris: Editions Dalloz, nº
9
20 de setemb;:o de 2000,
p. 679 e seguintes.
34
Minard, op. cit.,
p.
367 e p. 318.
51
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Lei de 1990 sobre concorrência e mercado
por
exemplo; a liberalização
do mercado de gás convive
com
a reserva da produção e da estocagem
do
gás.
A interação entre resíduos
do
velho regime e a afirmação
do
novo produz resultados inesperados. nquanto
no
âmbito nacional
por
exemplo liberalização e privatização seguem
no
mesmo ritmo
no
âmbito local a liberalização dos serviços públicos produz
uma
expansão
da esfera
do
comando público ou seja o contrário da privatização.
Além disso a perda da soberania
do
Estado no campo econômi
co o enfraquecimento de seu papel dirigista e a fragmentação interna
do controle público da economia privada produzem desequilíbrio entre
Estado e economia que os Estados procuram remediar de várias ma
neiras.
A primeira delas é o desenvolvimento no âmbito nacional de
r e e ~ intergovernamentais de poderes públicos. Dessa maneira leis na
cionais preveem que sob condição de reciprocidade entes e organis
mos nacionais colaborem
com
órgãos e entes similares de outros países
colocando-os em rede. Nesses casos a iniciativa é nacional. O resultado
são fórmulas supranacionais de cooperação consulta negociação etc.
Já a segunda maneira é mais estável e organizada; consiste na ins
tituição de entidades supranacionais para remediar
s
insuficiências es
tatais. O Estado que não consegue intervir de maneira eficaz faz com
que
outros
intervenham. A integração se realiza de cima para baixo
mediante proibições de discriminação harmonização e controle
do
país
de origem; e de baixo para cima mediante abertura
à
denúncia ao órgão
administrativo supranacional.
Essas correções complicam ainda mais
s
relações entre Estado
e economia que acabam sendo regidas
por
três diferentes tipos de re
gime: o antigo o novo e o novíssimo produzido pelas reações dos go
vernos nacionais ao enfraquecimento causado pelo novo regime.
52
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IV
A erosão do Estado
m
fato irreversível?
1
m problema histórico
e culturalmente condicionado
s ordenamentos gerais contemporâneos têm ainda as organiza
ções estatais
como
organizações r egentes mas diferem dos ordenamen
tos do período do Estado burguês
por
dois aspectos: 1 o Estado-ente
não é mais governado apenas pela
~ l s s e
burguesa mas
por
todas
as
classes; 2 o Estado-ente não é mais apenas o poder público dominante
sobre uma série de entes menores dirigidos e controlados mas é um dos
poderes públicos existentes condicionado -
por
enquanto usamos um
termo genérico - por outros poderes públicos alguns de nível super
estatal outros de nível interno
35
•
Foi assim que em 1991 Massimo Severo Giannini resumiu a evo
lução do Estado moderno.
Convidados
a,
após uma década revisitar o tema sob o título
evocativo da passagem do Estado monoclasse
à globalização é apro
priado pontuar algumas observações.
35 Amministrazione
pubblica",
in Enciclopedia delle scienze sociali. Roma: Is
tituto della Enciclopedia Italiana 1991 vol.
1,
p. 193; de Giannini ver também
II
potere
pubblico: Stato e
atnministrazionepubb iche".
Bolonha: Mulino 1986.
53
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 55/152
Primeiramente, Estado pluriclasse e globalização indicam pro
blemáticas, não institutos
ou
conceitos definidos.
Por um
lado, não se
pode, de fato, mais falar em classes
36
;
por outro, não existe economia
global, mas acentuação da velocidade de transmissão
37
em que eventos
locais são influenciados por eventos distantes.
m
segundo lugar, sendo a erosão
do
Estado
um
processo não
linear e historicamente condicionado, é preciso indicar o período de
referência e a área geográfica de observação ao analisá-la. O que acon
teceu na
uropa
nos últimos 25 anos faz parte de
um
episódio mundial
que se desenrola, porém, de maneira diferente na América
do
Sul. Nas
primeiras décadas do século XX, também se falou e se escreveu sobre
a crise estatal, mas isso não significa que a crise
do stado
das últimas
décadas
do
referido século seja regulada pelo mesmo sistema. Aquela
não apenas era outra crise, como também dizia respeito a outro Estado.
Por fim, uma vez que toda sociedade é dotada de redes de sig
nifitados implícitos, por meio dos quais interpreta e aplica os eventos
institucionais, ao lado de fatos e instituições existem duplos imaginários,
que devem ser considerados separadamente
38
•
Essas observações indicam que devemos considerar todas asam-
biguidades relacionadas ao tema
e
ao mesmo tempo, as tensões produ
zidas por
elas.
36 Sobre dúvidas relacionadas à classe e pluriclasse , Giannini e
S.
Cassese,
Lo
stato
p uriclasse in
Massimo
Severo
Giannint'',
in S. Cassese; G Carcaterra; M. D'Alberti e
A.
Bixio,
''L'unità dei diritto.
Bolonha : Il Mulino, 1994,
p.
11.
37
A
Giddens, Le
conseguenze
de a modernità. Bolonha : Il Mulino, 1994, p. 71. Ver
também síntese da vasta literatura sobre o tema em Y Meny e Y Surel,
Par
e peuple,
pour e
peup e. Paris : Fayard, 2000,
p.
134 e seguintes.
38
A questão foi,
por
último, enfatizada
por L.
Mannori,
Droit
administratiJ' e
Ad-
ministrative
fmv": "Rivisitando un'antica dicotomía",
Quaderni fiorentini per la storia dei
pensiero giuridico moderno. Milão: Giuffre, nº 26, 1997, p. 606.
54
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 56/152
2 recuo da soberania
O Estado soberano controla a força, domina a tecnologia e a
economia, reconhece apenas instituições iguais - ou seja, outros Esta
dos. Mas hoje tudo isso é apenas parcialmente verdade.
Em
primeiro lugar, os Estados modernos e suas extraordinárias
transformações ao longo do século XIX são fruto das guerras. O Banco
da Inglaterra originou-se das exigências bélicas da Inglaterra em luta
com a França. As primeiras tributações das rendas foram impostas pelas
guerras. A levée en masse foi introduzida pela Revolução Francesa, em
um estado de tensão com todas
as
potências europeias
39
•
Se, em
1876,
o Home Office inglês tinha 36 funcionários, na década seguinte,
80
do
orçamento estatal inglês era absorvido por gastos militares
40
•
Tudo isso mudou na segunda metade no século
41
• O percen
tual de
~ s t o s
militares, em relação aos gastos públicos totais, foi dimi
nuindo progressivamente, com ,exceção dos Estados Unidos. O serviço
militar obrigatório foi abolido pril:neiramente no Japão, depois
no
Reino
Unido
(1960),
Estados Unidos
(1973),
Bélgica
(1994),
França
1996)
e
Itália
(1999). Os
Estados, portanto, reduzem o uso da força e dos exér
citos. Além disso, a defesa tende a se trànsformar - como demonstrou
a guerra de Kosovo - de função nacional em tarefa supranacional (de
national
public
good a
club good,
como dizem os ingleses), confiada à
OT N
ou
à
ONU.
Além disso, a tecnologia, antes instrumento do Estado, foge a
eles. Imprensa, estradas, ferrovias e telecomunicações eram instrumen
tos do Estado. Agora o transcendem e o submetem às suas regras. O
.
.
39 M.
van Crev.eld, The
Rise
and Decline
o
the State . Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press, 1999,
p.
336 e seguintes.
40 Mannori, op. cit.,
p.
595.
41
Isso pelo menos em países desenvolvidos. Ver
C. S.
Maier,
II ventesimo seco/o e tato
peggiore degli
altri?
Un bilancio stotico alia
fine
dei Novecento . Bolonha: Mulino, 1999, noº
6,
p.
995 e seguintes.
55
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 57/152
transporte aéreo é regulado mais pelas associações setoriais, entre as
quais a IATA, do que pelos Estados. A União Telegráfica Internacional,
posteriormente União Internacional das Telecomunicações, a União
Postal Internacional, o Escritório Internacional de Pesos e Medidas,
instituídos entre 1870 e 1880, determinam hoje os padrões impostos
pelos Estados. E se antes os Estados governavam e controlavam as
comunicações interestatais entre os indivíduos, atualmente estes
podem
estabelecer,
por
meio de rede eletrônica, relações diretas entre si, cons
tituir redes, associações e grupos internacionais, sem que os poderes
públicos gerais tenham possibilidade de interferir4
2
•
Os Estados, ainda, pelo menos os desenvolvidos, governavam a
economia. Na realidade, os mercados são produto de institutos dos Es
tados, regidos
por
leis estatais - os códigos, primeiramente. Muitas ve
zes, isso ainda é verdade, mas
nem
sempre. Existem aspectos econômi
cos
qi.:e
se desvinculam dos Estados e outros que acabam se
impondo
a eles.
No
primeiro caso,
podemos
citar muitas transações financeiras
e s.ociedades multinacionais. Estas têm - é verdade - sua base
em
um
Estado, mas atuam em vários; encontram-se, pois, sob a jurisdição de
vários Estados. Portanto, suas estruturas operacionais representam uma
ameaça para cada Estado, porque o transcendem.
No segundo caso,
um
exemplo é a
rating
dos Estados - os débitos
públicos são avaliados pelos mercados financeiros e a solidez financeira
dos Estados é submetida a julgamento igual ao que se aplica a uma em
presa.
á
aqui
uma
funcionalidade invertida entre Estado e mercados:
cada vez mais os Estados tendem a se tornar funcionais aos mercados ,
por isso estes se desvinculam
do
poder estatal e assim, se descontex-
4
Sobre
as
estruturas e a política em rede, ver C. Ansell, The Netivork
Poli()': Regional
Development in Western
Europe , Governance. Nova York: John Wiley and Sons, vol. 13,
nº 3, julho de 2000,
p.
303.
56
7/17/2019 A Crise Do Estado
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tualizam. Os limites dos Estados não assinalam mais os limites dos
mercados
43
,
Outro aspecto é que os Estados são capturados na rede dos po
deres públicos supraestatais, por eles próprios constituída. O fenômeno
mais evidente e estudado é o desenvolvimento das organizações inter
governamentais, gerais e especiais, mundiais e regionais.
Eram
123, em
1951, 280, em 1972 e 395, em 1984. Ocupam-se das matérias mais di
versas, como transporte aéreo, conservação da fauna, polícia, aduanas
e materiais perigosos
. Sobre elas há rica literatura geral e específica,
que, porém, transpõe para o nível internacional conceitos e caracterís
ticas do direito interno e especialmente, a ideia de que a mganização
pública é composta de mecanismos pontuais figuras jurídicas subjetivas
personificadas).
Mas a governança global
vai
muito além dos organismos inter
governamentais, que se desenvolveram lentamente na primeira metade
do século XX e mais rapidamente na segunda metade, atingindo ago
ra uma massa crítica pelo efeito· cumulativo e se encontram,
às vezes,
,
em concorrência com os Estados; outras vezes, os refreiam em uma
rede muito compacta.
Há
poderes públicos
in
nuce, segundo o modelo
definido
como
hanging together, constituído pelas cúpulas semestrais dos
chefes de Estado
ou
de governo dos sete
ou
oito países mais industriali
zados45.
Há organizações internacionais que não correspondem ao mo-
43
M.
R Ferrarese,
Le
istituzione
dei/a globalizzazione:
Din tto e din tti nella società trans
nazionale .
Bolonha: Il Mulino, 2000,
p.
14,
p.
23
p.
41,
p. 53
e p.
59;
ver também S.
Cassese, Oltre lo Stato: i limiti dei governi nazionali
nel
controllo
dell'economid',
in F Galgano;
S. Cassese; G. Tremonti e T Treu, Nazioni
senza
ricchezza, ricchezze
senza
nazione . Bo
lonha: Il Mulino, 1993,
p.
35.
44
S.
Cassese,
Gli Stati
nella rele
internazionale dei poteri
pubblict , Rivista trimestrale
di
diritto pubblico. Milão: Giuffre, nº
2
1999, p. 321. Sobre os ordenamentos suprana
cionais gerais e regionais, van Creveld, The Rise, p. 388.
45
R. Putnam, N. Bayne, Hanging Together.
The Seven-Po1ver
Summits . Londres: Hei
nemann Educational Books, 1984.
57
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 59/152
delo Drummond
46
,
como
o Clube de Paris' '. Há Cortes internacionais
cada vez mais numerosas: jurisdições penais
(ad
hoc, como as instituídas
em 1993 e 1994,
ou
gerais,
como
a Corte Penal Internacional), o órgão
de solução das controvérsias da Organização Mundial
do
Comércio e
o Tribunal sobre Direito
do
Mar
47
•
Existem
as
redes constituídas
de
baixo para cima , mediante acordos e remissões recíprocas a regula
mentos entre autoridades da concorrência, monetárias e bancárias, de
controle dos mercados financeiros etc. - nesses casos, são acordos que
cada
um
realiza na própria nação, mas, dessa maneira, acabam
por
cons
tituir
um
direito superior e dependência recíproca para a atuação
48
•
Há,
enfim,
as organizações internacionais não governamentais.
Esse
mundo
supraestatal apresenta diversas características in
teressantes. Ele atua de maneira diferente dos Estados, porque não é
monopolista - não há apenas
um
sujeito,
nem
apenas
um
governo glo
bal, ainda que haja
uma
governança global
49
•
Provoca
um
aumento do
número dos produtores de direito. Propaga seft
law,
pois este é ser:i
pre negociado e não se
impõe
por meio de fórmulas rígidas.
Como
resultado, temos perda de completude, sistematicidade e unidade dos
ordenamentos jurídicos, a favor da informalidade e
do
desenvolvimento
de zonas cinzentas. Desagrega os Estados
50
, pois os órgãos internos
especializados estabelecem relações
com
os órgãos internos similares de
outros Estados, superando e
rompendo
o paradigma
the State-as-a-unit.
46
S. Cassese,
Relations
between Internationa/
Organisations
and
Nationa/Administrations ,
IISA, Proceedings. XIX Congresso Internacional de Ciências Administrativas, Berlim,
1983.
47 P.
M. Dupuy, La multiplication desjurisdictions internationa/es menace-t-e//e le maitien de
l'unité de l'ordre
juridique international?',
in Clés pour le siêcle. Paris: Dalloz, 2000, p. 1221.
48
A
M.
Slaughter,
The Real New World Ordel',
Foreign Affairs. Palm Coast: Council
on Foreign Relations, vol. 7
6
nº 5, setembro e outubro de 1997, p. 183.
49
W Reinicke,
Global Pub/ic
Poliry:
Governing without
Government? Washington:
Brookings Institution Press, 1998.
50
Ferrarese, op. cit., principalmente
p. 61
e seguintes,
p. 71
e seguintes e
p.
94 e
seguintes, e Cassese, op. cit.
58
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 60/152
Por fim, ao lado dessas ameaças externas,
os
Estados registram
modificações internas. Há, primeiramente, corrosão
51
da identidade es
tatal e pública -
se
em Hegel e Weber, o público estava em primei
ro plano, agora público indica organismos ineficientes, tanto que
se
procura diminuir sua área mediante privatizações e externalizações de
serviços públicos.
m segundo lugar, há um declínio de muitas instituições carac
terísticas do Estado: empresas públicas, que tendem a desaparecer, ins
titutos de proteção social, que têm sua importância universal redimen
sionada e as fronteiras, que
se
tornam permeáveis.
Atenua-se ainda o componente autoritário dos Estados - eles
recorrem menos à autotutela, e a área dos atos subtraídos ao controle
dos juízes é reduzida até
se
anular.
Enfim, é redefinida a própria organização do Estado, que renun
cia
às suas funções em favor de regiões menores (federalismo interno)
e de regiões maiores (federalismo externo). Por isso, perde-se também
o vínculo político unitário do Cidadão com o Estado, em favor de uma
balcanização dos pertencimentos e das identidades
52
•
3 . s reações o
Estado
Se
os Estados recuam - segundo a abusada fórmula inglesa-, e
a governança global foge aos Estados, isso' significa que os Estados
estão destinados, a longo prazo, a sucumbir?
Já
falamos no início da am
biguidade do fenômeno e das tensões que ela produz. Consideraremos
agora, mais de perto, ambiguidades e tensões.
51
um termo usado por Giannini, em Amministrazione pubblica,
p.
189.
52
J Chevallier, L'Etat. Paris: Dalloz, 1999. Ver também
F
Tamassia, Nazione,
Stato,
Europa , in Democrazia, Nazione e Crisi delle Ideologie. Milão: Luni, vol. IX, 1997, p.
57, col. Annali della Fondazione Ugo Spirito.
59
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 61/152
Primeiramente, os funcionários públicos pasrnram, na segunda
metade
do
século XX, de cerca de 10% a aproximadamente
um
quarto
da força
ele
trabalho nos países ocidentais. E o gasto público, em relação
ao produto interno bruto,
no
mesmo período e na mesma área geográ
fica,
passou de cerca de 30% para cerca de 40%
53
• Se houve recuo, por
tanto, foi de alguns setores - principalmente, gestão pública e bem-estar
- ,
não
do
Estado em sua totalidade, que, ao contrário, aumentou em
suas dimensões.
Depois, os Estados descobriram novas tarefas, entre as quais a
principal é o
market
bui ders
-
por
um lado, existem setores da econo
mia que devem seu desenvolvimento ao Estado (tecnologia avançada,
espaço e defesa, biomedicina);
por
outro, são instituídos novos orga
nismos, em geral independentes, para regular setores nos quais antes
a presença estatal era ocasional
ou
mal organizada (telecomunicações,
bolsa, mercados financeiros
54
.
Os aspectos característicos desses setores
são três: caráter
não
majoritário dos organismos de regulação, no sen
tido de que a eles não se aplica o princípio da ministerial responsabi ity; o
pàpel dominante
do
Estado
na construção dos mercados nos diversos
setores, mas não na gestão de empresas nesses mercados; o modo em
que reguladores e regulados jogam com as regras, em contínua com
paração com outros países - basta pensar na licitação para a UMTS* e
no gravame fiscal
no
setor das telecomunicações.
Por fim, os Estados tentam manter sob controle os níveis su
periores de governo - a governança global foge aos Estados, mas eles
tentam renacionalizá-la. Dessa maneira, desenvolve-se, tanto fora das
constituições nacionais
como
das constituições supranacionais, o
infra
nationa ism55, cujo exemplo mais importante é o dos comitês da União
53 Van Creveld, op. cit., p. 361 e seguintes.
54 A.M. Sbraggia,
"Governance,
the
State,
and the Market:
What is Going
on?'', Governan
ce. Nova York: John Wiley and Sons, vol. 13, nº
2,
abril de 2000, p. 243.
UMTS: Universal Mobile Telecomunication System.
(N.
do
T.
55 O termo é de
J
H. H. Weiler,
The Constitution o
Europe". Cambridge: Cambridge
University Press, 1999, p. 96 e seguintes.
60
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Europeia, que respondem
à
exigência dos Estados de manter a União
sob controle por meio de
midd/e
range officia/s que estabelecem a
meso-/eve/
f
governance.
As tensões que se desenvolvem
por
causa dessas ambiguidades e
contradições exigem adaptações recíprocas que são obtidas
por
meio de
formas de convivência entre os diferentes direitos, nacional e suprana
cionais e internacionais, sobrepostos entre si Dessa maneira, repetem
se experiências do passado, como a do jus commune da área européia
do período que vai até o século XIX, quando
jus
commune e ittra propria
éoexistiam
56
, e a da
indirect rufe
do colonialismo inglês, principalmente
do
século XIX, em que conviviam direito constitucional inglês e direi
tos locais civil e administrativo
57
• Ou ainda a a experiência dos Esta
dos compostos
(Res
publica
composita,
segundo expressão de Pufendorf ,
como
o
Kaisertum Ôsterreich
ou o Império Otomano, constituídos
por
Estados multinacionais com vários componentes - Áustria, reinos da
Boêmia e Hungria, Silésia, Carniola, Galícia, Transilvânia, Eslavônia,
Croácia, Tirol, Lombardia, Vêneto, Morávia, Estíria e Caríntia, no pri
meiro caso; Turquia, Sérvia, Grécia,. Bulgária, Argélia, Tunísia, Líbia,
Iraque, Egito e Síria, no segundo - e poucos órgãos e funções comuns,
ordenados
em
estruturas em vários níveis, com equilíbrios precários e
continuamente negociados
58
•
56
Em relação a esse fenômeno, sobre o qual existe vasta literatura, mais recente
mente, com relação ao direito comunitário, pode-se consultar J Gaudemet, Du ius
commune
au droit communautaire ,
in Clés pour
le
siecle. Paris: Daloz, p 1011.
57
Sobre esse fenômeno, pouco pesquisado, há um estudo fundamental do antro
pólogo B Malinowski, The Dynamics o Cultural Change .
New
Haven: Yale University
Press, 1961.
58 o lado do aspecto composto dessas entidades, é interessante notar o fato de que
elas dominavam grandes espaços, mas poucas pessoas, pelo menos segundo critérios
contemporâneos, o primeiro com cerca de cinquenta milhões de habitantes, o segun
do, com quarenta milhões.
61
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Esses direitos sobrepostos e a busca contínua
por
adaptação tor
nam precário o equilíbrio dos sistemas nacionais binários
59
e aumentam
sua complexidade< º. Isso não impediu que os Impérios Habsburgo e
tomano durassem entre seis e nove séculos.
Mas o Estado, erodido e subjugado
por
outro direito, parece re
tornar ao centro, em
um
evento que não tem resultados irreversíveis
61
•
Concluímos então que fala-se muito hoje
em
globalização, mas
para passar de
uma
nação a outra, fora da Europa, é necessário passa
porte e muito dinheiro local. Phileas Fogg, ao contrário, deu sua volta
ao mundo
em oitenta dias -
na
história de Verne -
com
moedas de ouro
e sem passaporte.
59
D Truchet, La structure
du
droit
administratif
peut-e/Je demeurer
binaire?',
in Clés pour
le
siecle. Paris: Daloz,
p.
443.
60 F Burdeau, La
comp essité
n'est-e fe
pas
inhérent
au
droit
administratif? ,
in Clés pout
e siecle. Paris: Daloz, p. 417.
6 V Wright e
S.
Cassese, La recomposition
de f Etat en
Europe." Paris: La Découverte
1996.
62
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 64/152
V
Os
Estados na rede internacional
dos poderes públicos
1
ntrodução além do stado
ma
organização militar multinacional intervém em um conflito
étnico dentro de um Estado. Urµ tribunal das Nações Unidas julga e
condena pessoas responsáveis por r ~ m e s de guerra e contra a humani
dade, cometidos dentro de seus países.
m
tribunal inglês considera que
o ex-chefe de um Estado estrangeiro
pode
ser extraditado e submetido
ao julgamento de uma corte espanhola por crimes contra a humanidade
cometidos em seu próprio país. ma empresa francesa dirige-se União
Europeia para garantir que autoridades italianas lhe concedam uma li-
cença de telecomunicações. Esses e outros exemplos demonstram que o
mundo, repleto de Estados até o século XIX, agora está pleno de orde
namentos supraestatais e que os Estados perderam a exclusividade que
antes lhes era própria, não apresentando mais barreiras intransponíveis.
Nessa situação, é interessante responder a três perguntas:
a que características apresentam os dois tipos de ordenamentos
supraestatais (internacionais e supranacionais)?
b) que efeitos sua criação produz nos Estados?
63
7/17/2019 A Crise Do Estado
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c como
interagem os três tipos de poderes públicos: internacio
nais, supranacionais e estatais? Qual a ordem geral que se estabelece
entre eles?
2 .
s poderes públicos intern cion is
O modelo estadocêntrico passa a ser questionado primeiramente
pelo surgimento de poderes públicos internacionais.
Estes apareceram na cena mundial no início do século XX, com
ordenamentos setoriais - para os correios,
por
exemplo - e gerais -
como a Sociedade das Nações - mas sempre abertos a todos os Esta
dos - e, portanto, gerais no sentido subjetivo. Seu ordenamento, porém,
fez com que fossem, em princípio, instrumento essencialmente pactua ,
ainda que multilateral. Na realidade, eles têm tarefas que são próprias
dos
~ t a d o s
e o órgão de decisão composto por representantes de Es
tados.
Por influência inicial do modelo burocrático inglês na Sociedade
das Nações, eles são dotados de secretariado, que constitui
um
órgão
executivo e de promoção. Os secretariados representam a primeira for
ma de
uma
burocracia e de
um
direito administrativo internacionais,
porque desde o início se descartou a ideia de que deveriam representar
as burocracias nacionais - a importância dessa iniciativa pode ser me
dida ao considerarmos que ainda hoje poderes públicos mais desen
volvidos,
como
os supranacionais, têm executivos compostos de repre
sentantes nacionais; é o caso do Grupo Mercado Comum do Mercosul.
Na segunda metade
do
século XX, ocorreram duas mudanças,
uma quantitativa, outra qualitativa. A primeira refere-se ao crescimento
do número de poderes públicos internacionais, que quadruplicou na
década de 70 e continuou aumentando ainda em ritmo intenso. E au
mentaram
também
os Estados que aderiram às organizações governa
mentais internacionais.
64
7/17/2019 A Crise Do Estado
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A segunda mudança está relacionada
às
tarefas e poderes dos
poderes públicos internacionais. Aos organismos que conservam
0
caráter pactua
do
direito internacional dominado pelos Estados e
que são, portanto, fórum de debate, negociação e acordo, juntaram
se organismos com tarefas e poderes de regulação próprios. Como a
Organização Mundial do Comércio, que tem um poder regulador em
relação a direitos aduaneiros, restrições quantitativas e subvenções para
agricultura, indústria, serviços, propriedade intelectual e contratos da
administração pública. Esse poder regulador tem caráter secundário e
é desempenhado no exercício das funções de controle da execução dos
acordos sobre o comércio.
Na
realidade, uma das principais tarefas da
Organização é assegurar que os acordos sejam cumpridos e adotar de
cisões interpretativas das normas estatutárias, além de decidir sobre as
controvérsias aplicativas.
A essas mudanças junta-se outra, produzida não pelos poderes
internacionais, mas pelo mercado. Trata-se do esvaziamento dos Esta
dos, que cedem seus poderes ao'n;:iercado, reduzindo o âmbito de sua
atuação e recuando - é assim, por exe;mplo, para garantia do valor da
moeda, correção dos ciclos econômicos: tutela das fronteiras etc
62
•
62 Para breve apresentação da rede internacional dos poderes públicos,
S
Cassesé,
"Re ations Between Internationa Organisations and Nationaf Administrations , IISA, Procee
dings. XIX Congresso Internacional de Ciências administrativas, Berlim, 1983. Sobre
organismos internacionais e supranacionais, "Organisations
internationales
à
vocation uni-
versel e". Paris: La Documentation Française, 1993; "Organisations internationales à vocation
régionale". Paris: La Documentation Française, 1995;
"Organismes
économiques internatio-
naux,
documents rassemblés et présentés par
L
Sabourin avec la participation de l'Agence
de coopération culturelle et technique, col. Retour aux textes;J. Kraus, Les negotiations
du GATT Comprendre les résultats de f'Uruguqy
Round". Chambre de Commerce Inter
nationale. Sobre a Organização Mundial do Comérico,
P A
Messerlin,
La
nouvefle
organisation
mondiale
du commerce''. Paris: IFRI-Dunod, 1995;
M
Rainelli, L'Organisation
mondiafe
du
commerce.
Paris:
La
Découverte", 1996. Sobre o efeito direto das disposições
do GATI P Eeckhout, The Domestic Legal Status o the VTO Agreement: Interconnecting
Legal
Systems",
Common
Market Law
Review
1997,
p
11 e seguintes.
65
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 67/152
3 .
s poderes
públicos supr n cion is
Na segunda metade do século XX, colocaram-se ao lado dos
poderes públicos internacionais os poderes públicos denominados
regionais,
porque
incluem Estados vizinhos de determinadas regiões
- Comunidade, posteriormente União Europeia (1957), Mercado Co
mum Centro-americano (1960), Pacto Andino (1960), Associação dos
Países do Sudeste Asiático (1967), Comunidade Econômica dos Países
Caribenhos (1973), Maghreb (1989), Mercosul (1991),
NAFTA
(1994).
Esses e outros organismos têm desenvolvimento diferente, al-
guns possuem estruturas elementares, porque são pouco mais
do
que
zonas de livre comércio e uniões aduaneiras, outros têm estrutras muito
complexas e ramificadas. Todos, porém, são organismos, pelo menos
em princípio, de caráter econômico.
Considerando o grande número de diferenças, é pertinente tomar
apenas um exemplo - o mais
desenvolvido-
a União Europeia, tam
bém oriunda de uma união aduaneira (que ainda a embasa) e de um
mercado
comum
(ainda parte preponderante).
A União Europeia é
um
conjunto de organismos -
do
qual
faz
parte a Comunidade Europeia
-
caracterizado
por
vários elementos.
Em primeiro lugar, tem tarefas próprias,
em
geral, não exclusivas. Isso
quer dizer que ela as reparte
com
os Estados, assim como, para exem
plificar, os Estados centrais têm competências concorrentes com
as
regiões.
A segunda característica é que o direito da União é
um
higher
law
pois conquistou prevalência em relação aos direitos nacionais, que de
vem se adequar a ele. Os princípios do efeito direto do direito comu
nitário nos ordenamentos nacionais e da supremacia do direito comu
nitário tiraram o direito europeu do controle de parlamentos, governos
e cortes constitucionais nacionais. Graças a essa supremacia
do
direito
comunitário, a União impôs respeito a regras comuns de concorrência, a
tipologias padrões de negociação da administração pública, a princípios
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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 68/152
fundamentais da finança pública e privada etc., assegurando a padroni
zação dos mercados, indispensável para eliminar barreiras impostas pe
los Estados. Por conseguinte, os ordenamentos dos quinze Estados que
fazem parte da União adquirem,
por
um lado, uma parte comum; por
outro, se aproximam e portanto, assistem à aceleração dos processos de
. convergência recíproca.
A prova da força do primeiro fenômeno está no desdobramento
do chamado direito comunitário em duas partes. A primeira é constituí
da pelo direito comunitário geral, agora limitado ao direito constitucio
nal comunitário, que é autônomo. A segunda é composta pelo direito
comunitário especial, produzido pelo direito derivado, que se une aos
vários ramos do direito aos quais se liga, constituindo sua base.
Ainda mais discutida é a convergência que assim se produz. Com
relação a isso, há quem negue a existência de convergência; quem a ad
mite, mas afirma que não é facilitada pelo direito comunitário; os que
a reconhecem, mas consideram que se limita a institutos específicos -
estes, posteriormente, se
e n t r a t i h ~ m
em diferentes contextos e
por
isso
adquirem diferentes vieses. Há, enfim, quem afirme que são justamente
os contextos que assumem características comuns, por esse motivo os
institutos específicos são diferentes, os ordenamentos,
em
sua totali
dade, se aproximam.
Já
a terceira característica do ordenamento europeu é a Comissão;
organismo guardião dos interesses comunitários, nascida para mandar
fazer , não para fazer' ', segundo a famosa expressão de Jean Monnet,
transformou-se em organismo de disciplina (emana normas minucio
sas sobre uma quantidade de assuntos como cintos de segurança dos
automóveis, padrões de limpeza dos matadouros, requisitos dos cos
méticos, duração dos períodos de licença paternidade etc.), de controle
de segundo grau sobre o funcionamento dos controles nacionais e de
gestão - esse é
um
dos pontos ressaltados pelo Comitê dos Sábios,
cujo relatório provocou a crise da Comissão Santer. Posteriormente, a
Comissão criou uma rede própria de agências, que desenvolvem tarefas
especializadas, muitas das quais não estão em Bruxelas. Além disso, para
67
7/17/2019 A Crise Do Estado
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poder adquirir informações e garantir o cumprimento das burocracias
nacionais, a Comissão estabeleceu,
por
meio de centenas de comitês,
relações estreitas com
as
administrações nacionais, com as quais, por
tanto, existe agora relação recíproca de colonização.
Enfim, os outros órgãos motores da União são o Tribunal de Pri
meira Instância e a Corte de Justiça, aos quais podem se dirigir os juízes
nacionais talvez esse seja o principal aspecto distintivo entre União u-
ropeia e Mercosul, que tem apenas um Tribunal Arbitral). Dessa forma,
estabelece-se, antes mesmo de uma
uropa
política, uma uropa ju
diciária. Os juízes comunitários criaram progressivamente princípios
para assegurar a supremacia do direito comunitário sobre os direitos
nacionais e princípios para controlar os aparelhos comunitários. ntre
os últimos, um dos mais interessantes é o da proporcionalidade, impor
tado do direito alemão,
onde
foi criado, para o direito comunitário, onde
vingou e de
onde
se propagou para outros direitos nacionais,
como
o
inglês e o italiano trata-se de
um
belo exemplo de migração de institu
tos jurídicos).
Para ilustrar como a União atua e como amplia progressivamente
sua esfera de ação, podemos recorrer a um exemplo. A União introdu
ziu novos princípios, inspirados na concorrência, no setor dos serviços
públicos, antes dominado pelos monopólios.
Os
governos nacionais
são obrigados a aplicar
as
normas comunitárias, permitindo, portanto,
que novas empresas entrem em setores como telecomunicações, energia
elétrica, gás, transporte ferroviário, correio etc. Se uma empresa de
um
dos países membros da União constata que continuam existindo bar
reiras ao acesso, pode apontá-las à União Europeia. Esta, por sua vez,
realizará
uma
instrução, notificará o governo nacional sobre a inob
servância e caso persista o inadimplemento, poderá recorrer ao juiz
comunitário, capaz de condenar o Estado ao pagamento de uma soma
em
dinheiro utilização
da
responsabilidade
como
deterrente).
Esse exemplo, que sempre se repete, tem cinco aspectos caracte
rísticos. O primeiro deles é que a força da União se funda
no
princípio
da
não discriminação;
um
operador, nacional
ou
estrangeiro, não pode
68
7/17/2019 A Crise Do Estado
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ser tratado de maneira diferente de outro. Por sua dimensão, esse princí
pio confere
à
União possibilidade muito ampla de ação.
O segundo aspecto é que a Comissão, para poder desenvolver
esse papel de guardiã da atuação do direito comunitário, não podendo
dispor de inspetores próprios, deve se servir da colaboração de sujeitos
privados, interessados em fazer valer os próprios interesses perante os
governos nacionais. Para alcançar esse objetivo, a Comissão, mesmo
sendo em seu. funcionamento interno
um
órgão burocrático e lento,
atua externamente com elevado grau de informalidade e abertura, per
mitindo, portanto, fácil acesso. Essas condições, por sua vez, facilitam
o desenvolvimento de organismos privados de representação ou defesa
de interesses;
uma
das características mais frequentemente apontadas
da União é o crescimento de grupos de interesse e lobbies, que repre
sentam os mais diferentes tipos de interesses nacionais em Bruxelas.
Esses organismos, cuidando do próprio interesse, permitem, ao mesmo
tempo, que se alcance
um
fim comunitário. E a Comissão tem todo o
interesse em que eles atuem como:'delatores , em função do fim comu
nitário da não discriminação.
O terceiro aspecto
c r c t e r í s t i c ~
é a constituição de uma relação
trilateral entre sujeito privado, administração nacional e administração
comunitária, em que a segunda é contraposta à terceira em virtude da
iniciativa do primeiro. Trata-se de uma modificação radical quanto
relação bilateral tradicional entre cidadão e administração pública.
O quarto aspecto é que a Comissão intervém em âmbito nacional
para assegurar a atuação do direito comunitário, mas agindo principal
mente
com
base em situações que se criaram em outros países comu
nitários.
a
realidade, a Comissão considera, em primeiro lugar, a exi
gência de equiparação dos ordenamentos e portanto, não pode permitir
que haja atuação desequilibrada das normas comunitárias.
A situação da maior parte dos países, portanto, constitui o padrão
para a ação da Comissão.
69
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O quinto e último aspecto é a irrelevância da distinção entre le
gislação e administração nesse processo de atuação.
Na
realidade, não
apenas inexistem critérios precisos para distingui-las no direito comu
nitário, como não há nem mesmo necessidade de diferenciá-las no di
reito interno, contando apenas o efeito útil.
Realiza-se, assim,
uma
forma especial de competição reguladora,
não no sentido de competição entre Estados para influenciar conteúdos
e formas da regulamentação europeia, a fim de minimizar os próprios
custos de adaptação,
nem no
sentido de que sejam obrigados à corrida
à
baixa para atrair
ou
manter móveis os fatores de produção, e sim no
sentido de que a comparação entre diferentes níveis nacionais de atua
ção permite formar
um benchmark
para controle da atuação por parte de
cada Estado.
, É
possível concluir então que a União Europeia, em
um
curto
período - quarenta anos - e
com um
processo que sofreu acelerações
e desacelerações, tornou-se um poder público eficaz, porque tem sido
capaz de se
impor
aos Estados, mesmo desafiando os princípios mais
consolidados dos poderes públicos,
já que não se embasa em
um
povo,
não é soberana e não tem seu próprio
poder
de tributação embora tenha
entradas diretas.
Por
esses motivos,
um
dos maiores erros é considerar
a União
um
Estado
63
•
63
Sobre os organismos supranacionais,
C.
Chapuis,
Die
Übertragung
von Hoheitsre
chten auf supranationale Organisatiiinen .
Basiléia e Frankfurt: Helbging Lichtenhahn,
1993;
C. D.
Classen,
Die
Europaisierung
des V e n J J a l t u n g s r e c h t s ~
in
K. F
Kreuzer;
D.
H.
Scheuing e U. Sieber,
Die
Europaisierung der mitgliedstaatlichen Rechtsordnungen
in
der Euro
paischen Union''. Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschafts, 1997, voi.
1.
Sobre a teoria
unitária da União. A von Bogdandy; M. Nettesheim, x Pluribus Unum: Fusion of
the European Communities into the European Union, European Law Journal. Nova
York:
John
Wiley and Sons, 1996,
p.
267 e seguintes. Sobre
as
modificações
do
Estado,
S. Strange,
The
Defective
State, 'Vaedalus .
Vol. 124, nº
2,
primavera de 1995,
p. 55
e
seguintes; V Cable,
The
Diminished Nation-State:
a
Study in
the
Loss o
Economic
Power,
' V a e d a t J S ' ~ vol. 124, no 2, primavera de 1995, p.
23
e seguintes (número sobre
What
70
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 72/152
4
Os
poderes públicos supr n cion is e
os stados
Examinados os novos poderes públicos gerais passaremos agora
ao segundo ponto que se refere sua influência sobre os Estados.
A primeira consequência do desenvolvimento da rede dos pode
res supraestatais é os Estados serem condicionados no exercício da so
berania por instituições superiores. Na realidade qualquer decisão in
terna relativa ao setor postal ao transporte aéreo ao uso da plataforma
marítima ou ao setor ambiental está condicionada ao respeito a padrões
e critérios estabelecidos no âmbito internacional ou supranacional. O
resultado é que os ordenamentos internos devem respeitar não apenas
o direito estabelecido pelo Estado mas também o direito estabelecido
fora dele.
A segunda consequência está vinculada primeira ou seja os Es
tados perdem a exclusividade de suas funções devendo partilhá-las com
outros organismos. O fato de que isso ocorre
com
a colaboração dos
próprios Estados
como
resultado de sua autolimitação não diminui a
importância da perda.
Outra
consequência é o fato de que os aparelhos executivos es
tatais antes órgãos de execução de decisões estatais tornam-se agora
também órgãos de execução de decisões de outros organismos. Estes
se valem dos órgãos estatais com a técnica da utilização dos serviços de
outro
ente para executar
as
próprias decisões.
E
da mesma maneira os
serviços estatais utilizados se tornam objeto de dupla pertinência de
pendendo
- estrutural e funcionalmente - dos Estados e também - ape
nas funcionalmente - dos organismos supranacionais. O exemplo mais
evidente são os organismos estatais de intervenção
no
setor agrícola
nos países europeus que também são concomitantemente instrumen
tos da política agrícola comunitária.
Juture for the State?'); S
Cassese; F Galgano; G Tremonti e
T
Treu
Nazioni senza
ricchezza,
ricchezze
senza
nazioni. Bolonha: Il Mulino 1993.
71
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 73/152
Além disso há outro efeito que está relacionado às ordens ju
diciárias nacionais que se ajustam de várias maneiras à existência de
ordens judiciárias superiores e se tornam assim potentes veículos da
atuação do direito supranacional dentro dos Estados.
Por último verifica-se na área europeia tentativa de estabelecer
ações corretivas para a invasão da União no âmbito estatal entre
as
quais a principal é o princípio de subsidiariedade segundo o qual a
União não deve assumir tarefas que podem ser mais
bem
executadas
em nível inferior.
O três princípios sobre os quais se sustentam os Estados m o ~
demos são dessa maneira questionados. O primeiro segundo o qual
a esfera da publicidade depende do Estado porque esta agora também
está ligada à intervenção de organismos supraestatais. O segundo do
~ t a d o como centro porque agora a União assume posição central. O
terceiro do Estado como unidade porque suas partes - alguns setores
do executivo e o judiciário - atuam também em função de interesses
su:praestatais.
5 A nova ordem
os
poderes públicos
s observações anteriores permitem traçar as principais linhas da
nova ordem dos poderes públicos. Antes porém é necessário observar
que a nova
ordem não atinge
do
mesmo modo as diferentes áreas geo
gráficas do mundo algumas estão mais à frente outras mais atrás.
O primeiro aspecto do ordenamento em vários níveis dos pode
res públicos refere-se à concentração dos direitos nos Estados. omo
se sabe uma das características da formação dos Estados do século XV
ao XIX foi a progressiva concentração dos direitos nos Estados com
a respectiva redução da possibilidade de que fossem geridos
por
outras
autoridades. Agora esse processo de absorção no Estado terminou e
teve início o processo oposto de dispersão dos direitos para outras enti
dades. Isso implica por
um
lado menores poderes para o Estado; por
outro para os cidadãos há a multiplicação de referências supraestatais
72
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 74/152
nas quais pode fazer valer os próprios direitos.
Na
Europa por exem
plo o desrespeito ao direito de acesso de uma empresa em um setor da
economia pode ser reivindicado junto União Europeia e a demora
dos juízes no processo junto ao Conselho da Europa.
O segundo aspecto da nova ordem está relacionado à organização
em vários níveis e em rede.
Em
outras palavras não houve uma hierar
quização correspondente multiplicação dos poderes públicos por isso
papéis tarefas e posições estão apenas parcialmente definidos não há
limites claros para áreas ou matérias mas interdependência estrutural e
funcional; os procedimentos não são sequências articuladas ao longo de
nítidas linhas de autoridades mas ações realizadas com apoio recíproco.
Esse
mundo
menos racional - porém ainda mais dominado pelo
direito
do
que eram os Estados - tende lentamente a substituir o mo
delo Westfalia segundo o qual sujeitos de direito internacional são a
penas os Estados e os princípios da soberania dos Estados e de sua
igualdade jurídica são absolutos. Esse modelo reduziu o número dos
poderes públicos - basta pensar que na Europa no século XVI havia
quinhentos poderes públicos
i n d ~ p e n d e n t e s
e 25 no início do século
XX
- enquanto o modelo que tende agora a prevalecer acarreta seu
aumento.
O terceiro aspecto refere-se à fluidez e incompletude da nova
ordem. Os poderes públicos nos diferentes níveis se sobrepõem e se
entrelaçam mas os conflitos são evitados graças
à
incompletude e
à
fluidez
por
isso como no ordenamento da
Europa
medieval nenhuma
instituição é totalizante e prevalece a
indirect
rufe
A história dos poderes públicos a partir da Idade Média assistiu
a um movimento pendular de dispersão e concentração mas não em
torno dos mesmos poderes. A fase atual assiste à prevalência da dis
persão e da fragmentação.
Ainda não foi criada uma expressão satisfatória para indicar o
novo regime internacional no qual se formam princípios normas re
gras e procedimentos - implícitos ou explícitos - de decisão que fixam
esquemas de responsabilidade para os quais convergem expectativas dos
7
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 75/152
diferentes poderes públicos, com fenômenos de agregação autorregu
ladora, mesmo na ausência de autoridade central dotada de supremacia.
Foi proposta a expressão governança sem governo , que deu título a
um livro. Mas esta, em parte, trai a realidade que deseja compreender
e sintetizar, seja porque na realidade estão presentes poderes públicos
ainda mais numerosos do que no passado, seja porque a expressão sub
entende a busca de um centro mundial de governo que não existe e não
pode existir em
um
ordenamento em rede
64
•
As dificuldades de uma expressão que sintetize o conceito decorre,
por um
lado, dos limites disciplinares dos estudiosos de ciências políti
cas e relações internacionais;
por
outro, dos juristas.
s
primeiros dão
atenção apenas às macrodecisões, deixando de lado a parte da realidade
da integração mundial que vai da padronização das estatísticas econômi
cas e financeiras até a normatização dos requisitos de segurança das
insta1ações elétricas civis.
s
outros, mais atentos a essas pequenas de
cisões comuns, são, porém, influenciados pela cultura estatalista e por
tanto, estão em busca de uma hierarquia em que, ao contrário, há sobre
posição e entrelaçamento; de uma ordem estável em que, ao contrário,
há fluidez; de
um
centro, em que há apenas vazio.
64 Sobre o modelo medieval, ver
M.
Ascheri,
Istituzjoni
medievali: Una introduzione.
Bolonha: II Mulino, 1994; P. Grossi,
L'ordine giuridico medievali .
Roma-Bari: Laterza,
1995. Sobre o governo mundial, ver D. Zolo, Cosmopolis: La
prospettiva
dei
governo
mondiale''.
Milão: Feltrinelli, 1995. Sobre
as
relações entre Estado e economia mundial,
ver
S.
Strange,
The
Retreat o the
State: The
Dijfusion o Power in the World Economy.
Cambridge: Cambridge U niversity Press, 1996. Sobre direito administrativo interna
cional, U. Borsi, Carattere ed oggetto
dei
diritto amministrativo internazionale , Rivista di
diritto internazionale. Milão: Giuffre, vol.
I
ano VI,
fase. I;
K Vogel,
Administrative
Law,
International Aspect.?',
in Encyclopedia of Public International Law. 1986. Sobre a
influência do direito comunitário sobre os direitos administrativos nacionais, G. Mar
cou,
Les
mutations du droit de l'administrations en Europe. Paris: L'Harmattan, 1995. So
bre vantagens e limites das integrações negativa e positiva, F W. Scharpf, Governare
/'Europa:
Legittimità
democratica ed efftcacia dei/e politiche nell'Unione Europea.
Bolonha:
II
Mulino, 1999.
7
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 76/152
Portanto para que haja evolução dos estudos nesse campo
é
necessário que não se continue a examinar apenas parte da realidade da
integração e que não se parta dos antigos modelos procurando confir
mação em um mundo que não pode oferecer issa6
5
•
65 Uma prova da incompletude da abordagem jurídica e da abordagem da ciência
política dos fenômenos da integração encontra-se na tese
do
dualismo entre caráter
supranacional
do
direito europeu e caráter intergovernamental da política europeia
tese que parte do pressuposto de que política e direito podem ser separados. Ver J
W
W Weiler The Community
System:
The Dual
Character
o Supranationalisnl , Yearbook of
uropean
Law.
Oxford: Oxford University Press 1982
nº
1
p. 257 e seguintes.
75
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 77/152
VI
nião
Europeia
como
organização pública
composta
1 Introdução e esquema
o passaporte italiano, assim como no dos outros países da União
Europeia, está escrito Comunidade Europeia'', além do
nome
do Es
tado ao qual o indivíduo pertence. Isso indica o duplo pertencimento
de cada cidadão
à
própria nacionalidade e
à
Comunidade mais ampla.
Trata-se de um reflexo subjetivo de um fenômeno objetivo, de
natureza organizacional, que repete uma experiência vivida em diferen
tes épocas pelos Sacro Império Romano, Império Otomano, Império
Habsburgo e Império Inglês, em um
período que durou entre dois e
nove séculos.
uma experiência resumida pelo jusnaturalista alemão
Samuel Pufendorf (1632-1694) por meio da expressão
Res
publica
com-
posita
Visto que a União Europeia, como poder público composto, se
desenvolveu
com
base nas organizações estatais, nos Estados-nações,
mostraremos primeiramente
s
características dos ordenamentos gerais
estatais, em seguida, seus pontos de crise, e depois passaremos à ana
lise do desenvolvimento dos ordenamentos compostos em geral e aos
76
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 78/152
relacionados
à
União Europeia. Finalizaremos
com as
consequências e
implicações do ordenamento da União como poder composto. A ex
posição seguirá, portanto, um andamento circular dos acontecimentos
históricos, procurando compreender suas características· principais e
diferenciais
66
•
2 s ordenamentos gerais estatais e sua crise
s
ordenamentos gerais estatais afirmaram-se entre os séculos
XV e XIX, expropriando os antigos detentores de poderes (cidades,
principados, parlamentos provinciais, magistraturas de diferentes ti
pos etc.) e assumindo diretamente tarefas que, posteriormente, foram
delegadas, conferidas
ou
transferidas a outros sujeitos, cujos poderes
derivavam sempre do Estado.
Dessa maneira, os ordenamentos gerais foram dotados
do
monopólio do emprego legítimo da força física e concentraram todos
os meios políticos em uma única cúpula. Dessa cúpula, denominada
,
governo, deriva uma organização executiva piramidal de estrutura com-
pacta. s outros poderes e especialmente o judiciário constituem uma
pequena parte em relação ao executivo.
A essa expropriação dos titulares de poderes e
à
concentração dos
poderes em
uma
cúpula executiva, juntou-se a submissão dos sujeitos,
dos quais se exigiam lealdade, fidelidade e principalmente, pertenci
mento
exclusivo.
66 A literatura sobre o tema é vasta. Sugere-se, para a perspectiva histórico-com
parada, a leitura de P. Flora,
State
Formation, Nation-Building and Mass Po/itics
in
Euro
pe.
Oxford: Oxford University Press, 1999,
p.
209 e seguintes (contém estudos de
S.
Rokkan). Para a passagem aos ordenamentos compostos, ver F. st eM de Kerchove,
De
/a
pyramide au
réseau?
Vers un nouveau mode e prodttction du droit?, Revue interdisci
plinaire d etudes juridiques. Bruxelas: Faculte Universitaire Saint-Louis, nº 44, 2000,
p.
24. Sobre o ordenamento europeu e o relativo debate, E. Cannizzaro, Democrazia
e
sovranità
nei rapportifra Stati membti e Unione ettropea': U diritto dell'Unione europea .
Milão:
Giuffre, nº 2, 2000,
p. 241
e seguintes.
77
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 79/152
As características dos ordenamentos gerais se completaram com
fl produção de um único direito, assumido como exclusivo e aplicado
uniformemente para impedir a aplicação de outros direitos, consentida
quando, ao lado dos iura
propria
havia um
ius commune
e quando os juízes
podiam aplicar a
ex
a ius
oci.
O Estado atingiu seu apogeu na primeira metade do século XX,
graças aos nacionalismos, e começou a declinar a partir de então. O
Estado havia sofrido outras crises, em especial, na segunda década do
século XX, por causa do desenvolvimento de partidos e sindicatos. Mas
a crise da segunda metade do século XX foi mais forte, porque atingiu
tanto o poder interno quanto o externo.
Internamente, os Estados se fragmentaram em regiões e organis-
mos nacionais que cercavam o governo e às vezes, se sobrepunham a
este. E assistiram ao desenvolvimento de um
poder
judiciário voltado
inicialmente apenas aos cidadãos, depois também ao executivo.
Por
exemplo, apenas nos quinze países da União Europeia há mais de cem
entidades regionais, e a agressividade das ordens judiciárias em relação
aos executivos nacionais aumenta progressivamente.
Externamente, os Estados cedem sua soberania a organizações
internacionais gerais e especializadas, a institutos de cooperação e or-
ganismos supranacionais. Alguns desses organismos são ordenamentos
completos, dotados de plurisubjetividade, organização e normatização;
outros são ordenamentos incompletos. Mas todos dão sinal da fraqueza
dos Estados e da sua perda de soberania.
3
As form s de integr ção region l
e o desenvolvimento d s org niz ções
compost s
As organizações compostas começaram a se desenvolver quando,
por um
lado, se passou
do
bilateralismo relações bilaterais entre Es-
tados) ao multilateralismo; por outro, quando os ordenamentos inter-
nacionais se colocaram ao lado dos regionais; no sentido de englobar
regiões geográficas inteiras como uropa e América do Sul.
78
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Até hoje são conhecidos seis diferentes tipos de integrações re
gionais. O primeiro são as associações de Estados,
como
fórum de
cooperação. Estas asseguram cooperação nas políticas econômicas e
comerciais, investimentos e políticas da concorrência. São formas de
regionalismo aberto. Não são fundadas em acordos comerciais. Alguns
exemplos são a
OCSE
67
, que engloba também os países europeus, a
APEC
(Asia-Paciftc
Economic
Cooperation),
para países asiáticos do Pací
fico, e a ASEM
(Asia-Europe Meeting),
para União Europeia e países
asiáticos.
A segunda forma de integração regional é constituída pelos acor
dos de preferência não recíproca, que consistem em concessões unilate
rais de vantagens a alguns países exportadores, sem que os importado
res tenham vantagens equivalentes. Esse tratamento é dado pela União
Europeia aos países do Mediterrâneo e Europa Central.
A terceira forma de integração é constituída pelas zonas de livre
comércio, fundadas na reciprocidade da redução de barreiras aduanei
ras, quase sempre progressiva e limitada a alguns produtos e apenas a
barreiras tarifárias. Um
x m p l ~
é a ASEAN (Association
of
South-East
Asian Nations
),
para países do sudeste asiático.
A quarta consiste nas uniões aduaneiras, zonas de livre comér
cio que incluem aspectos da política comercial, têm tarifa externa co
mum
para importações e repartem as entradas aduaneiras de acordo
com
critérios preestabelecidos. Por x m p l o ~ o Grupo Andino Bolívia,
Colômbia, Equador, Perú e Venezuela) e a SADC
(SouthAfn can
Develop
ment Community).
Já
a quinta forma refere-se ao mercado comum; união aduaneira
que inclui, além de mercadorias, fatores da produção - capital e tra
balho.
67 Trata-se da sigla italiana para OECD em inglês,
Organisation
for Economic Co
operation
and
Development. N. do T.
79
7/17/2019 A Crise Do Estado
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A última forma de integração regional é a união, que implica tam
bém integração das políticas econômica e monetária, como
no
caso da
União Europeia.
Essas formas de cooperação foram se multiplicando e apro
fundando. Todas
comportam
um
mínimo de organização. Mas apenas
algumas dão origem a organizações compostas. Um exemplo seria o
N FT
North At antic Free Trade A g r e e m e n ~ que une Estados Unidos,
Canadá e México. O acordo institutivo, assinado em 1992, entrou em
vigor em 1994. Prevê a eliminação das barreiras ao comércio,
no
prazo
de dez a quinze anos, e dita normas comuns para serviços, investimen
tos, ambiente, problemas sociais.
Outro
exemplo seria o Mercosul, que une Argentina, Brasil, Para
guai e Uruguai, (tendo Chile e Bolívia como associados.) O acordo foi
firmado em 1991 e instituiu, a partir de 1995, um mercado comum,
cofn livre circulação de bens, serviços, capitais e trabalho, abolição das
tarifas internas e tarifa externa única e coordenação das políticas em
l-
guns setores. A organização responde a
uma
lógica confederativa e pos
sui estrutura intergovernamental - conselho de ministros, secretariado,
comitês, mas sem órgão de justiça próprio.
Porém, a organização composta mais desenvolvida é a União
Eu-
ropeia - instituída em 1957 - constituída
por
quinze Estados, fundada
na livre circulação de bens, serviços, trabalho e capitais, em normas
comunitárias sobre concorrência e políticas comuns que incluem tam
bém defesa, negócios externos, justiça e
ordem
pública, e organizada
em Parlamento, Conselho, Comissão e Corte de Justiça.
4 A nião Europeia como organização composta
morfologia e implicações
Após analisarmos o lento e progressivo
modo
de organização dos
Estados em forma de governo regionais, examinaremos agora
s
carac
terísticas da União Europeia
como
organização composta.
80
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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 82/152
A primeira característica está ligada à formação dos Estados e à
absorção dos poderes por eles exercidos. A União é
um
novo detentor
de poderes de nível superior no comando de um conjunto de Estados
nacionais que cederam tarefas a esse novo ordenamento.
Isso dá origem a uma segunda característica a concorrência
no
uso dos poderes públicos entre níveis nacional e supranacional cujos
âmbitos de competência não são precisamente determinados em cada
campo.
Assim como a especificação - parcial - das tarefas a organização
é em parte dividida em parte mista. A União tem órgãos próprios mas
atua também mediante órgãos dos Estados.
Além disso os sujeitos têm duplo pertencimento seja à União
seja ao próprio Estado. E é possível portanto que
se
estabeleçam re
lações triangulares entre sujeitos privados Estados e União.
Enfim há vários direitos o comunitário e os nacionais. O primei
ro se concretiza nos ordenamentos nacionais
e portanto soma-se a eles.
s nacionais também não e r m q ~ c e m
no
âmbito nacional porque vão
se integrar ao direito comunitário como partes das tradições jurídicas
e constitucionais comuns
às
quais o direito comunitário
faz
referência.
Há pois uma troca entre os diferentes direitos.
A morfologia das relações descritas em seus aspectos essenciais
permite perceber que a União não é - apenas -
um plano superior da
construção jurídica que
se
sobrepõe aos Estados. Esta os condiciona
interferindo em todos os níveis
e
portanto transformando profunda
mente as ordens jurídicas nacionais.
Mas isso ocorre - e este é um elemento característico - sem que
a União substitua os Estados segundo o modelo da indire t ruf
do
Im
pério Britânico experimentado também no século XVI pelo Império
tomano em suas relações com os países submetidos como Egito
Moldávia Armênia Curdistão e Transilvânia.
As implicações de uma nova ordem desse tipo que constitui a
maior modificação
do
mundo do direito nos últimos séculos são mui
tas. Mas entre elas duas são particularmente interessantes. A primeira
81
7/17/2019 A Crise Do Estado
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é a transformação
do stado em um
dos poderes públicos,
nem
único,
nem
exclusivo. A segunda implicação
é
a
c o n c o r r ê n ~ i a
na
disciplina dos
Estados, de normas constitucionais de duas ordens,
s
nacionais e as
comunitárias - o artigo 49.1 da Carta Europeia dos Direitos estabelece
que ela se aplica a órgãos da União e a
stados
membros, ainda que
exclusivamente
na
atuação
do
direito da União , que
já
é parte consi
derável
do
direito dos Estados.
A complexidade que advém da composição de ordenamentos de
diversos níveis multi-levei
constitutionalism)
faz
com
que se considerem in
gênuas as
propostas
de simplesmente traduzir o
ordenamento europeu
em
um
sistema de
stado
federal
do
qual a Comissão se tornaria
go-
verno e Conselho, a segunda Câmara.
ssa
ideia é fruto de insuficiente
reflexão,
tanto
sobre a origem
do
federalismo - que nos
stados
Uni
dos,
na época
em que foram constituídos, foi resultado de compromisso
entre u_nitários e confederados - quanto sobre a história da União u-
ropeia e de seus Estados, que não conseguirá convergir em
uma forma
única e simplificada.
82
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VII
A arena pública:
Novos
paradigmas para o
stado
I o TRADICIONAL BINÔMIO ESTADO CIDADÃO
E SUA CRISE
Os st Jeitos, no campo do direito
administrativo,
podem ser
de
diferentes
espécies
epodem ser
classificados
,] a partir
de
diversos pontos
de
vista.
Mas
a
distinção que
nos
parece fundamenta4 e à
qual
é necessário subordinar as outras,
é entre
st Jeitos
ativos e
passivos
do
poder
administrativo.
preciso,
portanto,
con-
trapor,
por
um lado, os st Jeitos que administram
e
que, em seu corfjunto, constituem
[ ..]a administração pública, e por
outro,
os administrados.
8
Essas palavras do principal estudioso de direito administrativo
da primeira metade do século foram reforçadas, em 1950, pelo es-
tudioso que se destacou durante toda a segunda metade
do
referido
século:
Nas comunidades estatais atuais (Estado comunidade) há, por um
lado,
as autoridades públicas, que se
exprimem
no Estado
organização; por outro, as
pessoas,
st Jeitos
privados,
cidadãos{
..
]
que
possuem
alguns
direitos fundamentais.
68 S
Romano,
"Corso
di di1itto
amministrativo.
Pádua: CEDAM, 1930,
p
83
83
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 85/152
Existem,
portanto,
duas forças nas
comunidades estatais,
a autoridade e a liber-
dade, que
possuem centros de apoio
e
expressão
69
•
Portanto de acordo com o ponto de vista tradicional o Estado e
o direito público são dominados pelo conflito entre Estado e cidadão
dois pólos irredutíveis e
em
contraste entre
si
Esse
paradigma se
formou
lentamente na passagem de ordens
como
a europeia medieval
ou
as extraeuropeias dominadas
por um
poder
em
que não havia diferenciação entre Estado e sociedade civil
para ordens como a que vivemos fundamentadas na separação entre
Estado e comunidade nas quais
por
um lado são garantidos aos mem-
bros da comunidade direitos contra o Estado;
por
outro assegurados
direitos de participação nas decisões políticas
O paradigma bipolar assim formado historicamente encontra
aplicação cotidiana na justiça administrativa na qual sujeitos priva-
dos recorrerem a juízes para se defender das administrações públicas.
Devido à
importância dada ao fenômeno jurisdicional durante os dois
séculos de vida
do
direito administrativo era natural que a oposição que
nele se manifesta entre Estado aparelho e cidadão viesse a assumir
importância fundamental.
Segundo o modelo tradicional os dois pólos público e privado
são irredutíveis não apenas porque estão em conflito mas também
porque são regidos por regras diversas. Estas são apresentadas por um
grande estudioso da metade
do
século XX que atuou
como
elo de con-
junção entre estudiosos Romano e Giannini:
o
poder discricionário é
algo muito diferente da liberdade dos sujeitos privados; enquanto a úl-
tima inclui tanto a faculdade de escolha dos fins quanto dos meios para
69 M S Giannini Lezione
di
dititto amministrativo:" Milão: Giuffre 1950 p 71.
70 M Stolleis Suddito Borghese Cittadino em
Stato e
ragion
di
Stato
ne la prima
età moderna." Bolonha: II Mulino 1998 p 297 e seguintes. O Brunner Storia
sociafe
de/l'Europa
nel
Medioevo".
Bolonha:
II
Mulino 1988
p
137.
84
7/17/2019 A Crise Do Estado
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atingi-los, o poder discricionário é limitado apenas à escolha dos meios,
á
que os fins são determinados obrigatoriamente pela lei . As leis,
enquanto para os st Jeitos privados têm, como regra generalíssima, conteúdo
negativo, visto que
consistem
sempre
em restrições
eproibições,
para
a
administração
pública contêm, também como regra g e r ~
ordens e
prescrições positivas:
estabe
lecem
não
tanto o que lhe évetado,
mas
principalmente o que lhe é obrigatório, ou
sg'a, oijetivos a ser alcançados e com frequência, que
atividades
deve realizar
para
atingi-los
Portanto, os dois pólos não apenas estão separados,
como
tam
bém são regidos por princípios diferentes, porque, para o público, o di
reito desenvolve função positiva de direção e comando, enquanto para
o privado, coloca apenas limite externo. Ao primeiro tudo é proibido,
salvo o que é expressamente consentido; para o segundo tudo é per
mitido, exceto o que é expressamente vetado.
A diferenciação entre modelo do agir público, vinculado ao fim,
e
do
agir privado, livre em seu fim e limitado pelo direito apenas exter-
namente, também se formou de maneira lenta com a crise do estado
patrimonial e com a afirmação da supremacia do Parlamento sobre a
administração e portanto, da lei sobre a atividade executiva.
Max Weber estabeleceu a distinção entre poder legal-racional
burocrático e agir econômico racional :
as
categotias fundamentais do poder
racional são [. ..
]: exercício
contínuo,
vinculado a
regras, de
funções de ofício, dentro de
uma
competência, que significa:
a)
um âmbito de
deveres
a cumpn'r, oijetivamente delimitado em razjio de uma divisão
de
tarefas; b) com
a atribuição de
poderes
de comando[.
..
] necessários para tal
fim;
71
G.
Zanobini, Diritto amministrativo, in
"Novíssimo
Digesto
Itahano",
ad vocem. Tu
rim: Unione Tipográfico-Editrice Torinese,
p.
787. Resume e expõe os resultados de
· seu texto sobre L'attività amministrativa e la legge" (1924), agora em G. Zanobini, Scritti
vari di diritto pubblico. Milão: Giuffre, 1955, p. 203 e seguintes.·
85
7/17/2019 A Crise Do Estado
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c
com
uma
precisa delimitação dos
meios de
coerção, eventualmente
consentidos
dos
pressupostos de
sua aplicação.
O agir econômico e racional é um agir voltado para satisfazer
exigência de determinadas prestações de serviço
de
modo
racional
em relação ao objetivo , mediante contratos de comércio, em situações
de mercado
72
•
Os
dois pólos são, portanto, inspirados na ideia de racionalidade,
mas o público é regido por regras e deveres, e o privado se exercita livre-
mente mediante o poder dispositivo e contratos de comércio.
Santi Romano, Guida Zanobini e Massimo Severo Giannini re-
sumiram e apresentaram, de maneira exemplar, o paradigma funda-
mental do direito público do século XX: dois pólos separados, nem
convergentes ou contraentes, mas
em
contraposição por causa da supe-
rioridade de um sobre o outro. Para compensar tal superioridade, o mais
forte
~ t á
vinculado a regras e deveres, deve agir de modo planejado e
imposto pela lei e pelo direito, enquanto o privado age de acordo com
o próprio interesse, de
modo
livre, salvo os limites externos impostos
pela lei.
Em
torno
desse paradigma se formaram e se desenvolveram mo-
dos de estudo e do saber jurídico, por isso é possível dizer que todo
ponto
de vista, mesmo que remoto, é influenciado por essa contraposi-
ção fundamental.
Os
mesmos autores da mais feliz formulação do paradigma bipo-
lar também colaboraram, por assim dizer, para sua destruição. Romano,
de
fato, admitia o contraste de interesses entre vários sujeitos públicos,
previsto e desejado pela lei, ainda que houvesse a mão ordenadora do
72
M Weber, Economia e sociedade. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1994, vol.
I
86
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 88/152
Estado, a cujos interesses gerais deviam se subordinar os interesses dos
entes públicos
73
•
Giannini, por sua vez, observava que a lei atribui à administração
pública fins e interesses contraditórios entre si, reconhecendo à própria
administração o poder de ponderar tais interesses e fazer
as
escolhas
74
•
Assim, alguns avanços eram feitos - reconhecia-se que nem toda
atividade pública era planejada de acordo
com
um resultado que, ao
contrário,
é
produto do conflito de interesses públicos, quando vários
interesses são canonizados sem que sejam estabelecidas ordem e prio
ridade; admitia-se que poderia haver um conflito que não fosse o pú
blico/
privado; constatava-se que decisões administrativas implicam
ponderações
e,
portanto, comparações de interesses.
o
paradigma bipolar, embora enfraquecido, foi contestado diver
sas vezes. Mas sempre sobreviveu.
A contestação começou, em primeiro lugar,
por
parte de quem
notou
que mesmo no tradicional conflito entre autoridade e liberdade há
uma função distributiva: a atividàqe administrativa implica distribuição
de pesos e vantagens
e,
portanto, a alocação de recursos limitados
75
•
Como
foi observado pelo juiz administrativo,
73 S.
Romano,
Gli interessi dei soggetti
autarchici
e gli interessi
dello
Stato ,
in Studi
di
diritto pubblico in onore di Ranaletti. Cedam: Padova, 1930, agora em Scritti minori.
Milão: Giuffre, 1950, vol. II,
p. 351
e seguintes.
74
M. S.
Giannini, II
potere
discrezionale
dei/a pubblica
anvninistrazione: Conceito e
proble-
mi. Milão: Giuffre, 1939, agora em Scritti. Milão: Giuffre, 2000, vol. I
75 L
Coen,
Disparità
di
trattamento egiustizja amministrativa: Principio di egualianza e
tecniche
di
motivazione della
sentenza .
Turim: Giappichelli, 1998, p. 3 e
p.
19; no qual há
também outra bibliografia. Um dos primeiros a chegar a essa conclusão e tentar uma
análise sistemática foi G Corso,
'Lo
S ato come dispensatori
di
beni: Criteri
di distribuzione,
tecniche giuridiche
ed effetti , Sociologia
de
diritto.
Nº
1 e nº 2, 1990, p. 109 e seguintes,
que retoma e faz observações sobre a literatura politológica e publicística americana
e ideias expostas em um texto de G Tarello. Do mesmo autor, ver também
''Attività
amministrativa e
mercato ,
Rivista giuridica quadrimestrale dei pubblici servizi. Roma:
Editore Cersap, nº.
2,
setembro de 1979.
87
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 89/152
[ .
]
a administração emana provimentos que
incidem
sobre
vários
stijei-
tos,
com
efeitos favoráveis para uns e deifavoráveis para outros, como
no
caso da
liberação da concessão de
um
bem público, de acfjudicação de uma
licitação
ou de
nomeação
para
emprego público,
em
favor de
um stijeito e
não de
outro
[ . J
6
•
Portanto, a função redistributiva, assim como a mediadora e ar
bitral da administração pública, desenvolve-se sempre em
um
triângulo.
A segunda crítica, mais frequente, é formulada pelos estudiosos
dos módulos consensuais (contratos, acordos, convenções etc.) do di
reito administrativo. Eles observaram que as administrações públicas
agem frequentemente
com
os mesmos tipos do direito privado.
A última crítica é feita pelos estudiosos da regulação, para os quais
as relações tripolares
a u t o r i d a d ~
dé regulação, sujeitos fornecedores de
serviços e usuários) são a
norma
77
•
·
P3;ra
a crítica do paradigma bipolar, foi relevante a observação da
presença de estruturas não bipolares no processo, no qual o
Pub ic
Law
itigation
mode permite expandir o círculo dos potenciais autores e réus
78
,
e no próprio direito privado, em que se apresentam
pofycentnc tasks
and
76
"Consig io
di
Stato:
Adunanza
p enaria",
Foro italiano. Nº 16, IV, c. 433, 24 de junho
de 1999.
77
m
relação a esse
ponto
de vista, mas em termos econômicos, ver D. Archibugi;
G.
Ciccarone; M. Mare;
B.
Pizzetti e F Violati, · 'Re azioni triango ari ne 'economia dei ser-
vizi
pubb ici'', Economia pubblica. Roma: Franco Angeli, nº
5,
2000
p.
47
e seguintes.
Sobre a regulação na literatura italiana, S. Cassese, Dai
mercato
guidato aimercato rego/ato,
agora em: E
ancora
attua e la
egge
bancaria dei 1936?" Roma: NIS, 1987, p. 164 e se
guintes; "Stato e
mercato dopo
privatizzazioni e 'deregu ation'
,
Rivista trimestrale di diritto
pubblico. Milão: Giuffre, nº
2, 1991; G.
Vesperini, La
Consob
e 'itifbrmazione ne mercato
mobi iare: Contributo alio studio dei/e funzioni rego/ative." Pádua: CEDAM, 1993; S. Cassese
e
C.
Franchini, ''J garanti dei/e rego/e." Bolonha: II Mulino, 1996; S. A Frego Luppi,
"L'amministrazione regolatrice. Turim: Giappichelli, 1999; A La Spina e G. Majone, Lo
Stato regolatore. Bolonha: II Mulino, 2000.
78 A Chayes, "The role
ef
the
Judge
in Pub/ic La1v Litigation", Harvard Law
Review.
Vol.
89, nº 7, maio de 1976,
p.
1281 e seguintes.
88
7/17/2019 A Crise Do Estado
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atfjudication, que envolvem muitos sujeitos em questões de algum modo
fluidas, que requerem negociações recíprocas e, portanto, são fundadas
na negociação
79
; ou, então, a presença de contratos complexos, em que
em um único negócio formal se acumula uma pluralidade de intenções
de negociação provenientes de mais de duas partes contraentesªº; e tam-
bém
o reconhecimento de que a estrutura dos sistemas jurídicos perde
suas características tradicionais não é mais hierárquica, linear, arvore-
cente, monística, integrada, e assume outros traços porque é policên-
trica, reticular e plural
81
•
Apesar das críticas internas e da influência externa do reconheci-
mento da existência dos modelos policêntricos e reticulares, o paradigma
binômico tradicional resistiu, pois sempre esteve no centro da reflexão,
às
vezes de forma implícita. Mesmo a ciência jurídica aceitando a copre-
sença de outros modelos, para os quais reservou um espaço menor, de
segundo plano, o fez de modo a não prejudicar o modelo dominante.
Já que a ciência em geral procede
por
destruição e construção de
paradigmas científicos, nos p r p ~ s aqui a ilustrar a presença de um
paradigma diferente. Este é fruto, em parte, de uma ordem normativa
diversa, em parte da práxis e da
ação
judiciária. Por isso, a análise a
79 L L Fuller, "The
Fortns
and Limits
o
Acfjudication", Harvard Law Review. Vol. 92,
nº
2,
dezembro de 1978, p. 353 e seguintes.
80
Tribunale i Torino, 3 de fevereiro de 1993, erri "GiurisprudenZfl commercia e", 1994,
II,
p. 295 e em "Giunsprudenza ita iand', 1994, I,
2,
p.
581;
ver também, Cassazione,
II, 5 de abril de 1982, nº 2089, em "Massimatio de a Giurisprudenza civi i', 1982,
p.
755,
sobre a transação como contrato plurilateral quando há uma pluralidade de centros
de interesse.
81 F. Ost e M. Van de Kerchove, "De lapyramide au réseau? Vers um
nouveau
mode de pro-
duction du droit?'', Revue interdisciplinaire d etudes juridiques. Bruxelas: Universidade
de Saint Louis, nº 44, 2000,
p.
1 e seguintes.·
89
7/17/2019 A Crise Do Estado
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seguir será feita, dependendo do caso, em diferentes planos, o da lei, da
jurisprudência e da atuação prática das leis
82
•
Deu-se ao novo parádigma (talvez seja melhor dizer aos novos
paradigmas) o nome provisório de arena pública . Essa expressão
é
utilizada em
um
sentido genérico, advindo da ciência política anglo
saxã, segundo a qual arena pública é o espaço em que se desenvolvem
a atividade pública e o intercâmbio entre Estado e sociedade.
Por outro lado, trata-se de uma expressão muito próxima à de
esfera pública, de origem habermasiana
83
,
que indica o espaço social
onde se desenvolvem diálogos e conflitos e que serve para transferir a
demanda social para o corpo político.
''Arena pública , no sentido de espaço , não prejudica
as
posições
dos sujeitos que nela atuam - segundo o paradigma tradicional, o Es
tado no alto, os cidadãos embaixo - não estabelece definitivamente as
relações que ali se estabelecem - de oposição, segundo o paradigma
tradicio'nal
-
não vincula a ação dos sujeitos a
um
tipo -
como
o da
discricionariedade, válido para a administração pública, e o da liberdade,
aplicável ao sujeito privado, segundo o paradigma tradicional. Permite,
ao contrário, intercambialidade dos papéis, modificação das relações,
comércio das regras e dos princípios ordenatórios.
A crise do paradigma tradicional será examinada levando em
conta quatro casos significativos. O primeiro é o dos trens de alta ve
locidade, que permite analisar a relação procedimento-aco;-do e a ne
gociação que se desenvolve entre os poderes públicos e concluir que a
ponderação dos interesses públicos abre espaço para negociações entre
eles mesmos. O segundo caso é o das medidas comunitárias correti
vas para
as
telecomunicações, que permite ilustrar a negociação tripo
lar entre cidadão Estado Comissão Europeia e o modo como a União
82 De fato, não pode haver ciência jurídica que seja ciência apenas das normas e
que não leve em conta a ordem dos fatos, como observado
por F
A Hayek, Droit,
légis ation
et liberté:
Reg es et ordre." Paris: PUF, 1983, p 127 e p 137.
83
].
Habermas, Storia e critica de/l'opinione pubblica Bari: Laterza, 1971.
90
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Europeia procede, estabelecendo direitos a favor de alguns sujeitos e
contra outros, obrigando os Estados nacionais a se adequar. O terceiro
e o quarto caso servem, ao contrário, para o estudo da busca do direito
mais favorável. Trata-se de uma sentença da Corte de Justiça e da dis
ciplina comunitária da autorização para a comercialização de fármacos.
m ambos os casos, é possível notar que empresas nacionais podem
escolher o direito
ou
a administração que considerarem mais favoráveis.
Os quatro casos são representativos de uma nova ordem jurídica
em que, de um lado, ao tradicional binômio Estado-cidadão se junta ou
se sobrepõe um conjunto
de
relações mais rico de sujeitos e menos fun
dado
na
contraposição; de outro, o velho modelo legal-racional dos po
deres públicos é substituído por um modo de agir público semelhante
ao privado. Se, tradicionalmente, Estado e mercado são contrapostos
como modelos de ação, observa-se aqui, ao contrário, urna assimilação,
por parte do primeiro, de modos próprios do segundo.
Porém, essas mudanças não podem ser totalmente compreendi
das quando nos detemos apenas po plano normativo. Para exarniná
las, é necessário nos deslocarmos também para o plano concreto da
atuação das normas. Por esse motivo, os quatro casos a seguir serão
apresentados da seguinte maneira: parte-se da norma e passa-se para a
atuação, examinada
por
meio de procedimentos administrativos con
cretos ou da jurisprudência. Apenas integrando dado normativo e pro
cedimentos administrativos seguidos de fato ou sentenças será possível
compreender plenamente
as
novidades e entender quantos capítulos
do
direito administrativo clássico elas poderiam subverter.
II os
CONTR TOS
E
NEGOCI ÇÃO P R
LT VELOCID DE
A alta velocidade ferroviária é uma
obra
ampla e complexa. Trata
se de
um
projeto em rede, nacional, mas requer o consenso
de
entes
locais; o traçado impõe o deslocamento de núcleos urbanos e outros
obstáculos e portanto, institui pelo menos a consulta a indivíduos ou
91
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 93/152
a comunidades inteiras; os interesses públicos envolvidos são numero
sos, envolvem interesses
do
transporte e circulação, desenvolvimento,
trabalhos públicos, urbanísticos, ambientais, paisagísticos, de bens cul
turais etc.
A empresa
Ferrovie
dello
Stato,
ente público a partir de 1985
e,
desde 1992, soCiedade anônima, concedeu a execução das obras e sua
gestão a uma sociedade específica, denominada TAV (Treno ad Alta
Ve-
locità S.p.A.)
que,
por
sua vez, vale-se de uma sociedade de engenharia,
Italferr*, e atua por meio de
general contractors,
que confiam os trabalhos
a terceiros.
Nesse caso, porém, não interessa tanto a organização da execução
e da gestão em relação ao
modo como
são ordenados os diversos in
teresses públicos e privados interferentes. Os instrumentos com que
tais interesses foram ordenados são as Conferências de Serviços** e os
acordos. Para sua análise, será feito antes o exame da normativa e depois
o estudo de sua concreta aplicação em uso.
1
disciplina das Conferências de Serviços
De
1990 a 2000, sucederam-se -
e,
em parte, se sobrepuseram
- diversas
normas
relativas às decisões de localização das linhas fer
roviárias de alta velocidade
84
•
*Assim
como
a
TAV,
esta empresa também pertencente ao
grupo
"Ferrovie
de/lo
Stato.
N.
do
T.)
**
A
Conferenza di Servizi é um instituto da legislação italiana de simplificação ad
ministrativa da atividade da administração pública, que permite a aquisição de autori
zações, registros, licenças, permissões etc. mediante convocação de reuniões colegiais
específicas (Lei 241/90). N. do T.
84 Em geral, sobre a matéria, M. Spinedi, La gestione dei conftitti locali nelle
opere in-
frastmtturali: II caso dei traspo1ti."
Bolonha: Inchiostri Associati, 1999, especialmente o
capítulo 5. Ver também,
C.
Franchini, La disciplina
dell'alta ve ocità tra esigenze
digaranzia
e
incertezze normative",
in Diritto amministrativo . Bologna: Monduzzi, -nº 3, 1997,
p.
411 e seguintes.
92
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 94/152
As incertezas normativas foram acrescidas de três fatores.
Em
primeiro lugar, a sucessão de leis de amplitudes diversas, especiais e
gerais. Depois, a sucessão de
delegiftcazioni
e de 1ilegiftcazioni . Enfim,
a oscilação
do
objeto das diversas leis, algumas relativas apenas
à
lo
calização, outras também ao projeto, ou ao projeto definitivo,
ou
ainda
relativas ao projeto definitivo e ao preliminar.
A primeira Lei é de 15
de dezembro de 1990, nº 385, que, no
art. 7, prevê a aprovação de projetos (executivos) de obras relativas
a redes ferroviárias em uma Conferência de Serviços convocada pelo
presidente do Conselho de Ministros,
ou
pelo ministro dos transportes,
e composta pelas administrações estatais, pelos entes públicos territo
riais e não territoriais e por outros sujeitos públicos competentes. A
Conferência decide por unanimidade e sua decisão substitui os atos
das diversas autoridades. Em caso de divergência de representantes de
entes territoriais, o órgão convocador pode promover um acordo de
programa.***
Essa norma esteve em
v i o ~
até 1997. Nesse período, porém, in
terveio o decreto do presidente da república (delegificante), de 18 de
abril de 1994, nº 383, que, no art. 3, relativo apenas à localização de
obras, mas de todas
as obras de interesse estatal, prevê, em caso de
a-
certamento de não conformidade, a convocação de uma Conferência de
Serviços com administrações estatais, regiões, entes locais e de alguma
* Trata-se de procedimento que se instaura quando uma fonte de tipo secundário,
como é o caso dos regulamentos do governo, substitui uma de tipo primário, por
exemplo uma lei, para regular determinada matéria <fonte: www.dienneti.it/ diziona
ri/dizionari_giuridici.htm>. N. do
T.)
**Procedimento que transforma a fonte-regulamento em uma fonte-lei <fonte:
www.
consiglioregionale.piemonte.it/labgiuridico / testi_unici/ parte_prima.pdf>. N. do
T.)
***No direito administrativo italiano um
accordo
di programma é uma convenção entre
entes territoriais (regiões, províncias ou municípios) e outras administrações públicas
mediante o qual as partes coordenam suas atividades para a realização de obras, ações
ou programas de intervenções. N. do T.)
93
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 95/152
forma competentes para o exame do projeto definitivo. A Conferên-
cia decide por unanimidade e sua decisão substitui os atos das diversas
autoridades. Caso não haja unanimidade, a decisão cabe ao Conselho
de Ministros,
como
previsto
no
art. 81.4
do
decreto do presidente da
república, de 24
de
julho de 1977, nº 616.
Para abreviar o procedimento, a Lei de
15
de maio de 1997, nº
127, art. 17, estabeleceu que· a Conferência de Serviços prevista pelo
decreto de 1994 pode ser convocada até mesmo antes
ou
durante o
acertamento de conformidade; enquanto a Lei de
27
de fevereiro de
1998, nº 30, art.
10.1 ter
estabeleceu que a Conferência é convocada pelo
ministro dos transportes e da navegação.
Lei de 18 de novembro de 1998, nº 415, art.7, previu a Con-
ferência de Serviços para todos os projetos definitivos e preliminares,
regulada pela disciplina geral da Lei de 7 de agosto de 1990, nº 241, sem,
no
entanto, prescrever a unanimidade para a decisão.
Por fim, a Lei de 24 de novembro de 2000, nº 340, art. 9.4, con-
firmou que a Conferência de Serviços para obras referentes às redes
ferroviárias é convocada pelo ministro dos transportes e da navegação.
mesma Lei, arts. 9 a 12, regulamenta, em geral, a Conferência de
Serviços, estabelecendo que esta pode ser solicitada por sujeitos priva-
dos, mas é composta
por
administrações públicas e se refere tanto a pro-
jetos definitivos quanto a preliminares.
A
conclusão pode ser decidida
pela maioria, salvo intervenção do Conselho de Ministros, em caso de
motivada discordância de algumas administrações; o provimento final,
segundo a determinação conclusiva favorável da conferência substitui
as
ações de cada uma das administrações.
a análise realizada, emergem os aspectos característicos da dis-
ciplina.
O
primeiro deles é a ausência de ação direta da coletividade, se-
gundo o modelo da public
enquiry inglesa e da enquête
publique
francesa.
85
85 P.
Zavoli, La
démocratie administrative existe-t-elle? Plaidqyerp ur une rifante de l'enquête
publique et
du referendum local ,
Revue du droit public et de
la
science politique em France
et à l étranger. Paris: Lib. Générale, nº
5
2000,
p.
1495.
94
7/17/2019 A Crise Do Estado
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O segundo aspecto é a sucessão de normas mais gerais e menos
gerais; estão presentes normas sobre obras ferroviárias, sobre obras pú
blicas e todo tipo de ação da administração pública.
O terceiro aspecto deriva do segundo; a Conferência de Serviços
não é
um
instituto unitário, mas uma família de institutos
com
alguns
elementos comuns, sendo o principal a finalidade de conjugar a unici
dade da decisão e o policentrismo da organização - característica que
é erroneamente, entendida como simplificadora, porque a substituição
das decisões em sequência pela decisão contextual tem implicações bem
maiores.
O quarto aspecto se refere aos sujeitos que,
em
geral, são indica
dos nas administrações públicas, com indicações específicas variadas,
ambientais, de proteção dos bens culturais, locais etc. m uma norma
única, a de 1994, que não se sabe se deve ser considerada ainda em vigor
ou superada pela de 2000
86
,
há uma abertura incerta a entes que pode
riam não ser públicos.
O quinto aspecto c r c t e t í ~ t i c o é que,
com
a Conferência de
Serviços, instituída em 1990, houve a superação do acordo de progra
ma, introduzido em 1985. Para sua
coO:clusão
em caso de discordância,
recorre-se técnica da deliberação do Conselho de Ministros - é assim
nas normas de 1990 e de 2000; mas a primeira para qualquer tipo de
discordância, e a segunda, apenas em caso de discordância entre admi
nistrações públicas responsáveis por interesses privilegiados'', como os
concernentes à tutela ambiental, paisagístico-territorial, do patrimônio
histórico-artístico, e
da saúde.
86 sta última deveria ser a solução correta, considerado que o art. 14 ter da Lei nº
241,
de
1990, remetia ao decreto do presidente da república, nº 383, de 1994, e que o
art. 10.1 ter da Lei nº 30, de 1998, remetia, por sua vez, ao art. 14 ter citado, enquanto o
art. 11 da Lei nº 340, de 2000, que contém a nova formulação do art. 14
ter
não remete
mais à
norma
regulamentar de 1994.
95
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O estudo da norma permitiu evidenciar duas características im
portantes em relação à questão aqui apresentada. A primeira consiste
na Conferência de Serviços como um modo para tornar colegial como
norma o agir administrativo
e
portanto, compensar o policentrismo
organizacional
com
a unicidade da decisão, como
já
observado. Isso
explica o grande debate e a difícil superação da unanimidade da decisão
- de fato, a decisão
por maioria reduz
as
vantagens do policentrismo ad
ministrativo, cuja razão está na necessidade de refletir nos setores públi
cos os interesses coletivos mais importantes. A decisão por maioria faz
com
que se dê um passo a trás nesse processo fundamental do Estado
moderno, segundo o qual sociedade toda pode se sentir representada
na administração.
A segunda característica está relacionada à primeira. A Conferên
cia de Serviços não é apenas um lugar no qual se justapõem vontades
que de outro modo se manifestariam sequencialmente, apenas tornando
mais rápida a ação administrativa. A Conferência é muito mais do que
isso. É o lugar das negociações no qual pode-se chegar, com concessões
recíprócas, a uma
conclusão.
Ao
longo desta - de acordo
com as
nor
mas de 1990 e de 1994
87
não se realiza apenas uma avaliação conjunta
dos projetos, mas são trazidas também quando necessário,
as
opor
tunas modificações nos projetos, sem que isso implique a necessidade
de outras deliberações do sujeito proponente . E a Lei de 2000 dispõe
que [ ..] a Conferência de Serviços se manifesta sobre o projeto pre
liminar a fim de indicar quais
as
condições para obter, no projeto de
finitivo, os acordos, pareceres, concessões, autorizações, licenças, 'nada
consta', anuências, de alguma forma exigidas pela norma vigente
88
As
condições para
obter
acordo ou qualquer outro ato serão exatamente
as
modificações
do
projeto. E elas são objeto das negociações que se
realizam na Conferência de Serviços.
87 Art. 7.2 e art. 3.3 respectivamente.
88 Art. 14 is 2 da Lei de 7 de agosto de 1990, nº 241, substituído pela Lei de 24 de
novembro de 2000, nº 340, art. 10.
96
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Em suma, a Conferência de Serviços não é um lugar neutro, no
qual as administrações públicas po'tlem fazer juntas aquilo que poderiam
fazer separadamente. É muito mais do que isso, porque é o lugar das
negociações, o mercado no qual podem ser feitos contratos complexos
na presença de
uma
pluralidade de intenções de negociação, proveni
entes de várias partes contraentes. Sem a Conferência, esses contratos,
que
comportam
negociações recíprocas e policêntricas, não se concreti
zariam
ou
levariam muito tempo para isso.
Às vezes, essa característica emerge na jurisprudência em que, por
exemplo, a Corte Constitucional
89
declarou que a Conferência serve para
contemporizar de maneira idônea
as
diversas exigências e o Conselho
de Estado afirma que ela é instrumento de composição das diversas
vontades
90
• Mas, dessa maneira, enfatiza-se o resultado, não o meio
para alcançá-lo; elemento característico do instituto.
Mas, de acordo com as normas, esses contratos complexos se
realizam apenas entre administrações públicas.
Os
sujeitos privados
fi-
cam excluídos.
Na
prática não é assim. Daí a necessidade de passar para
a análise do desenrolar real dos fatos após finalizada a análise das nor
mas.
2
disciplina dos acordos
As diversas Conferências de Serviços são apenas alguns dos ins
trumentos utilizados para realizar acordos de negociação. o lado delas
há uma família de institutos afins, de caráter funcional. Tratam-se dos
acordos.
Para eles também é válido o que foi observado para as conferên
cias - sucessões de leis de diversas amplitudes e variações do objeto.
89 Corte Constitucional,
31
de janeiro de 1991, nº 37,
Giu1isprudenza costituzionafe
1991, p. 236.
90 Conselho de Estado, I, 5 de novembro de 1997, nº 1622, Giornale di
diJitto ammi-
nistrativo 1998, nº 5 p. 475.
9
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 99/152
A primeira Lei é de
17
de maio de 1985, nº 210, que,
no
art.
25, prevê o controle da conformidade dos projetos de instalações fer
roviárias por parte de Regiões e entes locais,
com
fins urbanísticos e de
edificações e dispõe que, em caso de não conformidade, o ministro
dos transportes promove entre todas as partes interessadas
um
acordo
de programa .
91
Depois
veio a Lei
de
8 de junho de 1990, nº 142, art. 27 (atual
art. 34
do
texto único sobre os entes locais - decreto legislativo de 28
de agosto de 2000, nº 267 - ao qual remete o art. 6.4
quarter
da Lei de
11
de fevereiro de 1994, nº 109). Esta prevê acordos definidos como
de
programa . Tais acordos têm como objeto tanto a ação integrada
e coordenada de municípios, províncias e regiões, de administrações
estatais e outros sujeitos públicos quanto a aprovação de projetos
de obras públicas incluídas nos programas da administração e para
as
quais estejam imediatamente disponíveis os respectivos financiamen
tos . São precedidos
por
Conferências para verificar a possibilidade de
aprovar o acordo . Referem-se exclusivamente a entes e administrações
públicas. O acordo consiste no consenso unânime das administrações
interessadas e é objeto de aprovação pública.
A disposição do art. 15, da Lei de 7 de agosto de 1990, nº 241,
é mais sintética e diz que as administrações públicas podem sempre
fechar acordos entre
si
para disciplinar,
em
colaboração, o desenvolvi
mento de atividades de interesse comum ,
com
ato escrito, segundo os
princípios
do
código civil em matéria de obrigações e salvo controles
públicos (art. 11.2 e art. 3).
Para os acordos vale também o que ocorre para as Conferências
de Serviços. Eles são,
com
frequência, considerados,
com
interpretação
mecanicista, instrumento de simplificação, aceleração
ou
garantia de co
ordenação, mas são, na realidade, contratos de negociação.
Um
acordo
não se realizaria apenas por justaposição das manifestações, concomi-
91 Ver
S
Cassese,
Le intese
accordi
di programma
con gli
enti pubblici
e
pubbliche
am-
ministrazionz , in L'ente Ferrovie dello Stato. Rimini: Maggioli, 1986, p 33 e seguintes
98
7/17/2019 A Crise Do Estado
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tantes, de vontades dos diferentes sujeitos públicos. Para alcançá-lo é
essencial que exista negociação,
com
uma parte
cedendo em um
ponto,
outra
em
outro,
de
modo que se atinja
um
equilíbrio entre interesses
contrapostos, que
permaneceriam imutáveis
sem
a negociação. O con
teúdo
desta constitui, portanto, o aspecto essencial
do
acordo.
Apenas raramente, e de maneira incompleta, a característica ora
observada apareceu na jurisprudência. Quando,
por
exemplo, em re
lação Conferência e ao acordo, regulados pelo art. 27
da
Lei de 1990,
afirmou-se que são a ocasião e o lugar
do
diálogo e
do confronto
que
respondem
ao princípio de leal cooperação e que, discordâncias
e anuências devem ocorrer nestes, nos quais as posições poderão ser
examinadas, confrontadas e motivadas .
92
3 prática das Conferências e dos acordos
Examinadas as normas, consideremos agora sua atuação prática.
Com
essa finalidade, escolhemos
um
caso complexo, mas não
singular; o caso da linha de alta velocidade
do
trecho Roma-Nápoles,
mais especificamente a última parte, màis
próxima
a Nápoles.
Trata-se
de poucos
quilômetros, mas que exigiram intervenções
notáveis
quanto
aos núcleos urbanos e implantação de uma estação
ferroviária.
Descreveremos, inicialmente, a sucessão dos atos, evidenciando
seus aspectos mais notáveis, para depois examiná-los melhor.
No
dia 29
de
março
de 1996, o ministro
dos
transportes e
da
navegação,
em
conformidade
com o art. 7 da Lei
de
15 de dezembro
de
1990, nº 385, convocou
uma
Conferência
de
Serviços para avaliação
e aprovação do
projeto do
trecho indicado.
Um
elemento caracterís
tico da convocação e
da
sucessiva Conferência é o fato de que foram
convocados
não
apenas administrações públicas, mas sujeitos privados,
92
TAR Lombardia, 30 de março de 1996, nº 417, em ~ F o r o amministrativo , 1996, I,
p 1841.
99
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 101/152
na qualidade de gestores de serviços interferentes ou de algum modo
interessados
no
projeto da obra [
..
] - Telecom Italia, Enel*, Snam**,
Autoestrade*** etc. - e ainda a Ferrovie dello Stato, com TAV e Ital
ferr, e outros sujeitos [ ..] interessados pelas obras [ ..] . Foi dito que
esse é o elemento característico, porque, como já se observou, a lei em
matéria não prevê a participação ou a intervenção de sujeitos privados.
A Conferência foi realizada no dia 18 de abril de 1996 e na segunda
sessão,
no
dia 9 de maio de 1996, os sujeitos privados expressaram for
malmente sua anuência.
O segundo elemento característico do procedimento é o en
trelaçamento entre o instrumento da Conferência e o do acordo.
Du-
rante a primeira sessão da Conferência, o representante da região da
Campânia solicitou adiamento para chegar a um acordo-quadro, que foi
assinado em 9 de maio de 1996, dia ein que, reconhecendo a subscrição
do
acordo, o representante da Região declarou na Conferência a apro
vação do 'projeto. O acordo-quadro permitiu, portanto,
com
os relativos
compromissos, a conclusão da própria Conferência
. O acordo-quadro de 9 de maio de 1996 foi estipulado
por
quatro
membros participantes da Conferência, o Ministério dos Transportes e
da Navegação, a região da Campânia, Ferrovie dei o Stato e TAV. O acor
do, ampliando o objeto do projeto de alta velocidade para sistema fer
roviário regional e para atenuação do impacto social e ambiental do
projeto, definiu
as
tarefas dos diversos sujeitos e estabeleceu como elas
deveriam ser realizadas, recorrendo a acordos procedimentais e Confe
rências de Serviços. Os acordos sucessivos foram feitos em 1
º
de outu
bro de 1997 e 8 de abril de 1999, dos quais participaram novamente a
Ente Nazionale di Energia Elettrica.
(N.
do T.
** Società Nazionale Metanodotti. Principal empresa italiana encarregada do trans
porte de gás natural, atualmente Snam rete gas.
(N.
do
T.
*** Antiga Autostrade S.p.A., desde 2002 Atlantia S.p.A. Empresa responsável pelas
rodovias italianas.
(N.
do
T.
100
7/17/2019 A Crise Do Estado
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região da Campânia e a TAV, além de outras administrações públicas, e
continham compromissos de vários tipos, relativos ao sistema regional
dos transportes e à atenuação do impacto sócio-ambiental da obra. m
especial, a TAV se comprometeu,
em
relação a esse último, a fornecer
contribuição financeira para o município de Afragola, além de projetar
e colocar em prática outras medidas.
Outro
importante elemento
do
caso é o fato de que o acordo
de programa prevê que a TAV se obrigue a dar à região
da
Campânia
garantia quanto aos compromissos relativos ao projeto e às medidas de
atenuaçãü
do
impacto sócio-ambiental e que seja instituído
um
comitê
de garantia para controle dos compromissos.
94
94 Outras tipologias que se evidenciam, em geral, na alta velocidade, postas em uma
ordem que
vai
das mais simples às complexas, são as seguintes: 1 Acordos procedi
mentais com base nos arts.
11
e 15 da Lei nº 241, de 1990, entre administrações esta
tais, regionais, provinciais, municipais e TAV, não precedidos pela Conferência de Ser
viços ou por encontros, que têm como objeto a programação das atividades de cada
uma das partes contraentes. 2 Acordos pnicedimentais não qualificados pela menção
de um ato normativo, mas executivos
de
outr?s acordos procedimentais, entre ad
ministrações estatais, regionais, provinciais, munkipais e TAV, que têm como objeto
a programação das atividades de cada parte contraente. 3 Acordos procedimentais
não qualificados pela menção
de
um ato normativo, mas executivos de conferência
de serviços e de acordo procedimental precedente, entre administrações provinciais
e municipais, TAV e general contractor que têm como objeto ações específicas do exe
cutor e aprovações e adoções de outros atos específicos
por
parte das administrações
públicas.
4
Conferências de Serviços com base no art. 7 da Lei nº 385, de 1990, entre
administrações estatais e TAV, que têm como objeto avaliação e aprovação de projetos
executivos de intervenções, com consensos condicionados à atuação de prescrições
ou
com reserva de ditar prescrições e pareceres. 5 Conferências de Serviços, se
guidas de acordos procedimentais com base nos arts.
11
e 15 da Lei nº 241, de 1990,
entre administrações estatais e regionais e TAV, que têm como objeto compromissos
da TAV. 6 Acordos procedimentais com base nos arts. 11 e 15 cit. entre administra
ções estatais e regionais, Ferrovie dei o Stato e TAV, ligados a Conferências de Serviços
(isto é, assumidos durante a conferência), que têm como objeto a programação das
atividades e compromissos das partes contraentes. 7 Acordos procedimentais, aces-
101
7/17/2019 A Crise Do Estado
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4
s aspectos
c r cterísticos d tivid de
dministr tiv p r lt velocid de
O exame dos procedimentos, mesmo que breve, permite que se
percebam alguns aspectos característicos
do
caso, que -
como
já
foi
dito - não é excepcional, e sim emblemático dos projetos de sistema ,
os
quais,
por
sua complexidade, têm consequências na estrutura das
relações entre
Estado
e sujeitos privados e na conduta de ambos.
O primeiro aspecto característico refere-se
à
relação
normas/rea-
lidade. Nesse caso, a prática conforma o direito. O law in
books é -
como
foi visto - sumário e contraditório, de algum
modo
fluido. O
law
in
action
o retoma e o desenvolve, ampliando seu alcance e levando a prática das
sórios à Conferência de Serviços
com
base no art. 7 da Lei 385, de 1990, seguidos
por
o n ~ e n ç õ e s atuativas, entre administrações municipais,
TAV,
Italferr e FIAT, que
têm como objeto obrigações das partes contraentes. 8) Acordo-quadro, sem menção
à lei, entre administrações estatais e regionais,
Ferrovie
dei/o
Stato
e TAV, que rege outros
acordos (procedimentais), que define a sequência de intervenções, seguido por pro-
grama diretor e pela convenção atuativa do acordo a esta última se aplica o art. 15
da Lei nº 241, de 1990) e
por addendum 9)
Conferências de Serviços com base na Lei
nº
385, de 1990, art. 7, entre administrações provinciais, municipais e consorciados
e TAV, seguidas
por
aprovações dos entes locais e
por
estipulação de convenção de
constatação da aprovação, que contém obrigações para adotar os atos subsequentes.
10) Protocolos de entendimento entre administrações estatais, regionais, provinciais e
municipais,
Ferrovie
dei/o
tato e TAV, anteriores
à
aprovação de projetos e que contêm
previsão de outras Conferências de Serviços, seguidos
por
Conferências de Serviços
(com base na Lei nº 241, de 1990, e 30, de 1998), seguidas, por sua vez, de aprovações
dos entes locais e acordos procedimentais que contêm obrigações para administrações
públicas e sujeitos privados. 11) Acordo-quadro seguido por Conferência_de Serviços,
por acordo de programa (com base nas Leis nº' 104, de 1995, e 142, de 1990) e por
acordo procedimental entre administrações estatal e regional,
Ferrovie dei/o Stato
e TAV
12) Conferências de Serviços seguidas de acordos e convenções,
por
posteriores reu
niões e acordos modificadores e integradores, com base nas Leis nº' 385 de 1990 e
241
de 1990, entre administrações provincial e municipal, TAV e general
contractors
102
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 104/152
negociações ao âmbito do poder público, mediante um modo procedi
mental
com
formação progressiva dominado pela negociação contínua,
com
todos os meios. As normas (salvo o art. 27 da Lei de 1990) preveem
dois instrumentos distintos: conferências e acordos; a prática usa os
dois instrumentos juntos, estabelecendo ligação funcional entre eles.
95
As normas consentem apenas a participação de administrações públi
cas; a prática assiste à intervenção também de sujeitos privados.
Isso é sinal de que quando as administrações públicas atuam me
diante acordos, mesmo agindo no exercício de poderes autoritativos (tal
é certamente, o poder que a Região exerce
no
governo
do
território),
a lei desenvolve papel diferente
do
habitual - prevê e consente, não
obriga
ou
comanda.
O segundo aspecto característico é a participação de sujeitos pri
vados tanto na Conferência de Serviços quanto nos acordos. e fato, a
sociedade privada TAV desempenha o papel mais ativo, embora nunca
tenha se constatado que os sujeitos privados discordassem disso -
e
portanto, não foi possível verificat-se o princípio da unanimidade pode-
ria ser aplicado a eles também.
A participação desses sujeitos acentua o significado geral de con
trato de negociações dos dois instrumentos utilizados. A intervenção
dos sujeitos privados - e em especial, da TAV - constitui, pois, o pres
suposto do sistema de garantias do cumprimento, dispostas para a pro
teção dos compromissos ambientais assumidos perante os municípios.
Em
suma, os poderes públicos se comportam
como
privados e
pedem
segurança por meio de garantias
96
•
95
e
acordo com o modelo da ligação de negociação, isto
é
de contratos distintos
para regulamento de interesses unitários, ver
G.
Lener,
"Profi i
dei
col/egamento negozia e."
Milão: Giuffrê,
1999.
96
A respeito da participação de privados na Conferência de Serviços, como conse
quência
do
caráter procedimental da Conferência, P. Bertini, La
conferenza di s e r v i z i ~
in Diritto amministrativo.
Bologna: Monduzzi,
1997,
nº
2
p. 279.
103
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 105/152
nquanto
o aspecto ilustrado se refere ao perfil subjetivo e
à
mul
tilateralidade dos acordos, o terceiro aspecto diz respeito ao objeto. Sua
característica é a construção por enxertos, extensões,
com
desdobra
mentos e ampliações. A questão
do
trecho mais próximo a Nápoles é
mais complicada, daí ter sido isolada e tratada separadamente. A avalia
ção do projeto encontrou dificuldades e ampliou-se o objeto da nego
ciação com medidas de atenuação do impacto sócio-ambiental da obra
- a cargo da TAV - e medidas sobre o sistema de transporte regional
- a cargo da administração estatal. A questão requereu o consenso de
muitas administrações públicas e o processo foi articulado, recorrendo
a sucessivos atos, por meio de fases e procedimentos cada vez mais
restritos (os acordos procedimentais),
com
a integração das decisões de
base, mas regidas pelo acordo-quadro.
A técnica de negociação foi a do pacote -
bem
conhecida
no
âmbito comunitário
-
que permite ampliar s ações em áreas re
lacionadas
ou
interligadas, porque assim é mais fácil permitir trocas e
compensações parciais, que agilizam a decisão principal. As decisões
foram construídas
em
série
ou
grupos, para facilitar a descentralização
funcional, e
também
a ampliação da área na qual
podem
ser feitas con
cessões recíprocas.
Tais concessões
podem
ocorrer graças
à
disposição
do
art. 25 da
Lei de 1985 sobre s Ferrovie dei/o
Stato
já citada, segundo a qual, os acor
dos de
programa podem
se referir a instalações ferroviárias e obras
correlatas . sintomático que essa ampliação
do
objeto, prevista
-
penas para acordos de programa e acordos regulados em 1985, tenha
sido posteriormente entendida
como
consentida para outros acordos e
Conferências.
ssa
é outra prova da flexibilidade
do
direito que regula a
matéria - ele é entendido
como um
conjunto de normas que preveem,
consentem, não obrigam. E isso porque elas se referem não a casos em
que
s
administrações públicas atuam
como
autoridade, mas a hipóteses
nas quais agem
em
busca de consenso.
104
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Esse comportamento diferenciado das administrações
em
relação
à lei demonstra a consistência da interpretação do princípio de legali
dade da metade do século XX, segundo a qual este, em sua versão ex
trema, aplica-se atividade autoritativa, e não atividade privada das
administrações públicas.
o percorrer rapidamente o it r ilustrado, pode-se notar outro
aspecto característico da atividade administrativa desenvolvida para a
construção dessa grande obra pública.
Na Conferência de Serviços, que originou o acordo-quadro, de
cidiu-se aprovar o projeto e eliminar a parte que não dispunha do con
senso da região da Campânia. O acordo-quadro estabeleceu a neces
sidade de um acordo de programa sucessivo para decidir a localização
da estação de alta velocidade
a
parte eliminada e um acordo procedi
mental para definir as obras de atenuação do impacto sócio-ambiental
. do empreendimento. Portanto, o acordo-quadro serviu apenas para
determinar tempos e modalidades de sequências procedimentais suces
sivas
com
definição dos papéis, a fi,?1 de uma posterior composição de
interesses. Houve uma última Conferência de Serviços para a aprovação
final do projeto.
Portanto, na prática, sendo a atividade administrativa normal
mente ordenada em sequência, os vários procedimentos de entendi
mentos indicados se adaptam a ela, com adendos criativos de Con
ferência de Serviços, acordo, convenção e apêndice
à convenção; de
acordo-quadro, acordo procedimental, acordo integrativo; de acordo e
conferência gerais, seguidos de acordos e conferências especiais etc.
Nesse fenômeno de superprocedimentalização,
as
sequências
se entrelaçam e se cruzam, mesmo porque ocorrem em fases diversas,
desde a programação dos projetos até a definição das obras, a fase de
projetos, a execução, as integrações e as correções.
De
modo
contraditório e ambíguo, tudo isso implica o abandono
do princípio de tipicidade e uma interpretação elástica das normas, que
seriam ilegítimos caso não
se
partisse do pressuposto de que
as
adminis
trações públicas também são dotadas de autonomia privada
e,
portanto,
105
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 107/152
podem se valer do princípio da liberdade das formas, próprio do direito
privado, no qual os modelos consensuais contratos) não são tipificados.
Os
elementos característicos dessa ordem procedimental são, de
um lado, a desarticulação em fases, de outro, a voluntariedade da ordem
funcional.
e
um
lado, portanto, os instrumentos
de
negociação não
bastam - pela complexidade do objeto devem ser inseridos em sequên
cia ou em paralelo. Por outro, essa procedimentalização não é imposta,
mas decidida pelas partes de maneira autônoma, que se comprometem
não apenas com as obras, mas também - e antes de tudo - com o pro
cedimento.
A decisão contextual do modelo normativo é novamente sepa
rada em uma sucessão de decisões, exigida pela busca de consenso, que
impõe também a ampliação do objeto chamada de decisão
por
pacote).
Isso demonstra o erro de considerar Conferências e acordos instru
mentbs apenas de simplificação, visto que são meios para negociações
entre
as
partes.
9
Se
o objetivo principal - de negociação - exigir,
as
partes poderão posteriormente complicar o procedimento, desde que se
97
Sobre
as
diversas Conferências de Serviços há vasta literatura e abundante ju
risprudência.
Na
literatura, em particular,
F
Merusi,
II
coordinamento
e
la coflaborazione
degfi
interessipubb ici e privati
dopo
e
ticenti tiforme",
in Diritto amministrativo. Bologna:
Monduzzi, 1993,
p 21, cuja reconstrução foi retomada e desenvolvida por
G
D
Comporti, II coordinamento
i ifrastruttura e: Tecniche egaranzie".
Milão: Giuffrê, 1996, e
F
G Scoca,
Anafisigiuridica dei/a
conferenza di
s e r v i z i ~
in Diritto amministrativo. Bologna:
Monduzzi, 1999, nº 2, p 255. A ênfase recai, porém, sobre a Conferência como instru
mento de simplificação e como meio de colaboração ou composição e coordenação
ou avaliação comparativa, quase como se estivesse avesso a admitir que a conferência
pode ser também instrumento de negociação. Mas isso depende do caráter publicís
tico e das dificuldades que dele derivam para considerar a função de negociação, de
ordem privada e semelhante à do mercado.
106
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chegue a uma conclusão, porque é esse o escopo autêntico do procedi
mento, não da assim chamada simplificação.
9
As obras para a alta velocidade, do ponto de vista normativo e
real, nos permitem fazer algumas conclusões. A primeira delas
é que as
administrações públicas não são hierarquizadas, mas estão,
por
assim
dizer, em
um
estado fluido, a ponto de não ser clara a delimitação entre
público e privado, ao menos do ponto de vista subjetivo.
Pode-se concluir ainda que não há bipolaridade entre público
e privado, mas entre interesses públicos centrais e interesses públicos
locais. Esses últimos são representados por entes territoriais (região,
província, municípios) que reciprocamente se reforçam - as garantias
são solicitadas pela Região a favor dos municípios - e são portadores de
interesses privados coletivos representados, portanto, por mediadores.
9 Outro
desvio em relação ao modelo normativo refere-se à relação entre unila
teralidade e multilateralidade. Para os outros instrumentos de acordo indicados, Con
ferências e acordos,
as
normas preveem, poi um lado, gue os atos ·das administrações
públicas sejam,
por
assim dizer, diluídos no p r o ~ e i m e n t o de acordo;
por
outro, gue
eles se esgotem nesse procedimento, podendo depois, na pior das hipóteses, emanar
os provimentos cujo conteúdo tenha sido provisoriamente determinado. a prática,
ao contrário, há administrações gue, com formulários de anuência específicos, man
têm autônoma a própria anuência e reservam para si mesmas poderes autônomos
sucessivos.
Assim, alternam-se módulo consensual e módulo unilateral, seja porque se está
em
um
campo no qual a
lei
não prevê expressamente o acordo procedimental substitutivo,
seja porque as administrações públicas preferem assim ter a possibilidade de reportar
a decisão última ao próprio órgão colegial (por exemplo, junta e conselho municipal,
cujos atos se referem a cláusulas com
as
quais os sujeitos interessados
se
comprome
tem a emitir todos os 'conseguentes' atos administrativos necessários ; nesse caso,
perdem-se ou são atenuadas as vantagens da contextualidade e da simplificação).
O desvio, também parcial, quanto ao modelo se explica pelo art. 14.3 da Lei nº 241,
de 1990, gue prevê, ao menos para a .Conferência de Serviços, a possibilidade de re
correr a ele para vários procedimentos conexos, gue se referem às mesmas atividades
e resultados .
107
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Logo,
s
relações são multilaterais. A contraposição não
é
externa, mas
interna
à
administração pública.
á
a terceira conclusão a que chegamos
é
que essa complexa or-
dem de negociação ocorre toda em função de concessões recíprocas,
portanto, de negociação. Isso significa que a atividade dos sujeitos pú-
blicos que, em nome de interesses públicos nacionais, locais, coletivos),
negociam, modificam o raio e a direção da própria ação,
com
o obje-
tivo de fazer concessões recíprocas para encontrar assim um
ponto
de
acordo, não é realmente determinada pela lei, como gostaria de fazer
acreditar a vulgata do princípio de legalidade.
5 .
A mercantização dos poderes públicos
O agir da administração é, segundo a vulgata planejado pela lei.
Vimds, ao contrário, os poderes públicos agirem não de acordo com
um plano, mas
com
técnicas e métodos análogos àqueles próprios do
mercado, no qual várias partes trocam benefícios. Os interesses públi-
cos não são regulados de fora para dentro ou planejados pela lei, e sim
negociados
em
sede contratual, em atividades, paralelas
ou
em sequên-
cia, que respondem à lógica da negociação, não à lógica do agir legal-
racional, planejado, regulado, x
ante.
O legislador, em dificuldades para estabelecer a prioridade dos
interesses públicos, delega aos poderes públicos a tarefa de estabelecer
a hierarquia entre eles. Dita apenas algumas regras procedimentais, elás-
ticas, como
os módulos de negociação Conferência e acordo) e alguns
princípios de decisão unanimidade, maioria e recurso à deliberação
do
Conselho de Ministros).
A relação entre interesses públicos e privados não se estabelece
segundo o modelo conhecido da separação e da oposição. O interesse,
certamente público, de cuidar da realização de
uma
grande obra de in-
teresse nacional é confiado a dois sujeitos privados, s empresas
Ferrovie
dei/o Stato e TAV
Os
interesses coletivos das populações atingidas pela
obra não são ouvidos diretamente, mas apenas como representados
108
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pelos entes públicos exponenciais. Os outros interesses públicos são
divididos entre os outros órgãos designados para cuidar deles, os quais,
porém, não atuam de modo planejado, porque entre eles não há hierar
quia,
como
já ilustrado. Por isso, mesmo o equilíbrio entre eles é esta
belecido nas formas do direito privado ou, se preferirmos, do mercado.
Torna-se assim menos clara a distinção entre sociedade civil e
poderes públicos. Interesses públicos, coletivos e privados se compõem
de
modo
variado, convergindo ou divergindo
em
relação às posições de
força contratual para
as
contrapartidas oferecidas.
Os
interesses públi
cos não são necessariamente prevalentes, podendo sucumbir.
O símbolo dessa modificação dos paradigmas habituais do direito
administrativo é a Conferência de Serviços pelo menos aquelas aqui
consideradas, porque, como já dito, a Conferência é uma família de ins
titutos diferentes e até mesmo variáveis, na qual o legislador intervém
continuamente para modificá-los). Ela nasce para tornar contextuais
decisões paralelas e, portanto, agilizar as conclusões de procedimentos
complexos. A finalidade subsidiária é permitir concessões recíprocas
entre
as
administrações portadoras
d.e
interesses públicos igualmente
ordenados. A iniciativa e depois a participação dos sujeitos privados
transformam definitivamente sua função
em
espaço de negociação.
e meio para satisfazer exigências das administrações públicas, trans
forma-se em instrumento para realizar objetivos dos sujeitos privados.
A introdução do princípio de decisão da maioria traz outra mudança,
porque interesses públicos necessários, se
em
minoria,
podem
se tornar
legalmente sucumbentes.
a conferência deriva uma derrogação temporária do princípio
da tipicidade dos atos, porque a deliberação conclusiva da Conferência
absorve os atos de competência das autoridades e dos órgãos que dela
fazem parte. A atipicidade própria do direito privado penetra, assim, no
direito administrativo.
O resultado final desse conjunto de negociações se aproxima do
contrato plurilateral com obrigações correspondentes de troca ou si-
nalagmático). As partes são mais de duas. As obrigações de uma ou
109
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 111/152
mais partes são trocadas por contraprestações de outras,
e
as obrigações
são recíprocas e interdependentes. As partes dão algo para ter algo em
troca.
99
III AS
MEDID S COMUNITÁRI S CORRETIV S
P R TELECOMUNIC ÇÕES
Na Itália, até a década de noventa, as telecomunicações eram sub
metidas a monopólio e oferecidas em concessão a uma empresa com
participação pública majoritária, a SIP - posteriormente Telecom Itália.
A diretriz
90/388
CE, emanada com base no art. 86.3 (ex 90.3)
do
Tratado Institutivo da Comunidade Europeia, deu início
à
liberalização,
seguida pela privatização da empresa monopolista. A privatização foi
iniciada
em
1992, a liberalização parcial (da telefonia móvel),
em
1994,
a completa, entre 1997 e 1998.
Entre
essas datas ocorreu
um
caso emblemático, que durou mais
de três anos e que começaremos a examinar agora, deixando de lado
questões periféricas e após ter apresentado a disciplina normativa sobre
a qual ele se funda.
1
disciplina comunitária dos abusos de
posição
dominante
e dos auxílios do stado
O art. 82.1
ex
86.1)
do
Tratado Institutivo da Comunidade
Euro-
peia dispõe que é incompatível com o mercado comum e vetado [
..
] o
uso abusivo, por parte de uma ou mais empresas, de posição dominante
99 Com relação a esse tipo de contratos, a integral recepção do sistema civilístico
no direito administrativo foi evidenciada por V Mazzarelli, e
convenzioni urbanistiche .
Bolonha:
II
Mulino, 1979. Porém, ele considerou uma hipótese em que há negócio
comutativo, no qual a administração atribui direitos ou assume obrigações a favor da
outra parte, que, por sua vez, atribui direitos ou assume obrigações correspondentes.
As partes, portanto, são divididas ao longo da separação entre público e privado, en
quanto no caso aqui examinado a cisão não se evidencia.
110
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 112/152
no mercado
comum
e em parte substancial dele . O art. 86.1
ex
90.1)
do
mesmo
Tratado dispõe que os Estados-membros não emanam nem
mantêm, em relação às empresas públicas eàs empresas para as quais
se reconheçam direitos especiais
ou
exclusivos, nenhuma medida con
trária
às
normas
do
presente contrato [
..
] . O art. 86.3 acrescenta que
a Comissão controla a aplicação das disposições do presente artigo,
reservando aos Estados-membros, quando necessário, oportunas nor
mas
ou
decisões .
10
º
Segundo a jurisprudência da Corte de Justiça
101
, as decisões da
Comissão são dirigidas aos Estados, e a própria Comissão é responsável
por
sua atuação - comportam uma avaliação da situação produzida pela
intervenção estatal e estabelecem as consequências que dela derivam
para o Estado-membro.
Para completar a análise da disciplina comunitária, é preciso lem
brar que o art. 226
ex
169) do Tratado estabelece que a Comissão, quan
do considerar que um Estado-membro faltou
com
uma das obrigações
a ele impostas em virtude do presente tratado, emitirá um parecer mo-
.
tivado a esse respeito, após ter dado éondições ao Estado de apresentar
suas justificativas. Se o Estado em causa· não se adequar ao parecer nos
termos fixados pela Comissão, esta poderá recorrer à Corte de Justiça.
2
O
c so
Omnitel
Após evocarmos a norma comunitária de referência, é preciso
lembrar que,
na
época dos fatos sobre o qual nos deteremos, a Telecom
Italia era tanto empresa pública quanto empresa com direitos especiais
ou
exclusivos. Para iniciar a liberalização, o governo italiano, não tendo
ainda atuado
as
normas comunitárias, decidiu - a pedido da Comissão
100
São várias
as
decisões proferidas com base no art. 86.3 para embargar medidas
contrárias
às
normas do Tratado quanto a empresas públicas ou privadas, com direitos
especiais ou exclusivos.
101 Ver a decisão de 12 de fevereiro de 1992, Países Baixos e PTT-Comissão
C-48/90 e C-66/90.
111
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 113/152
da Comunidade Europeia - conceder o serviço de telecomunicações
radiomóveis GSM sem exclusividade. Ofereceu uma concessão à so
ciedade Telecom Italia (depois TIM, controlada pela Telecom Italia) e
decidiu abrir concorrência para dar, sem exclusividade, a segunda con
cessão.
A concorrência, iniciada em dezembro de 1993,
foi
decidida em
2 de dezembro
do
ano seguinte, com a concessão do serviço GSM a
Omnitel, que havia realizado um depósito financeiro inicial , previsto
pela disciplina de concorrência, apesar das considerações feitas pela
Comissão da Comunidade Europeia. Para
ela a concessão deveria ser
feita com base em outras condições, sem a imposição de um depósi
to financeiro inicial , que não havia sido exigido ao primeiro conces
sionário.
Em
3 de janeiro de 1995, tendo considerado o depósito financei
ro inicial discriminatório
e
portanto, incompatível com os arts.
82.1
e
86.1 do Tratado, a Comissão solicitou ao governo italiano a anulação da
obrigação
do
depósito financeiro inicial imposto à segunda operado
ra,
OU
então, para motivar a própria decisão, reservando-se, nesse caso;
o direito de enviar ao governo italiano uma decisão formal, com base no
art. 86.3. Seguiu-se então uma troca de comunicações, nas quais o go
verno italiano salientava, em primeiro lugar, que a obrigação do depósi
to havia sido assumida voluntariamente pela Omnitel, ciente de que o
outro concessionário (Telecom Italia, depois TIM) não era obrigado a
fazer
um
pagamento desse tipo e que depois haveria um acordo entre os
dois concessionários, com renúncia da Omnitel
às
iniciativas tomadas.
A Comissão manteve seu
ponto
de vista e chegou, em 4 de outubro de
1995,
à
decisão da Comissão (95/489).
A decisão
95 489
estabelecia que o governo italiano deveria:
Adotar
as medidas
necessárias
afim
de
eliminar
a
distorção
da
concorrência
derivada
do pagamento
inicial, imposto à empresa
Omnitel, e
para garantir
a par
condicio
entre
as
operadoras de
radiotelefonia
móvel
SM no mercado
italiano
até 1
de
janeiro de
1996,
impondo um pagamento idêntico à TIM ou então,
112
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 114/152
adotando,
com prévio acordo da
Comissc io, medidas
corretivas equivalentes,
em
termos
econômicos,
ao pagamento efetuado
pela
segunda operadora.
Essa decisão estava fundamentada nos arts.
82.1
e
86.1
do Tra
tado, porque a Telecom Italia não havia sido obrigada ao mesmo paga
mento e, portanto, criava-se uma discriminação anticoncorrencial que
determinava que se compensasse efetivamente a desvantagem da se
gunda operadora com medidas corretivas .
No dia
21
de dezembro, a Comissão e o Ministério das Comu
nicações - depois de complexa negociação - chegaram a um acordo
sobre as medidas corretivas (denominadas medidas acordadas ), com
compromisso tanto do Ministério - quanto apresentação de propostas
e atos normativos e adoção de decisões administrativas - quanto da
Telecom Italia e da
TIM-
em relação, entre outras coisas, à redução da
tarifa de interconexão para sessenta bilhões. As medidas acordadas
foram comunicadas à Omnitel e à Telecom Italia que, imediatamente,
informaram ao Ministério sua
a d e ~ ã o No dia seguinte, o ministro
comunicou o acordo à Comissão Parfamentar competente do Senado e
no dia 18 de janeiro, após ter obtido novo consenso das duas partes pri
vadas
em
relação aos termos de atuação de
uma
das obrigações comu
nicou à Comissão, que, por sua vez, informou a própria adesão no dia
seguinte.
Por conseguinte, o Ministério das Comunicações passou, com
recomendações, o texto das medidas
às
duas partes privadas solicitando
garantia de exato adimplemento - em janeiro e em março as partes
informaram ao Ministério novamente a própria adesão -
e
em 9 de
fevereiro de 1996, a Comissão comunicou ao governo italiano que as
medidas acordadas eram suficientes para se adequar ao dispositivo
da Comissão de 4 de outubro de 1995 ,
com
a ressalva de assegurar a
efetiva execução das próprias medidas .
Até aquele momento, portanto, as relações colocadas em práti
ca podem ser resumidas da seguinte maneira: após decisão dirigida ao
Estado italiano, adotada no curso da atividade de fiscalização da apli-
113
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 115/152
cação das disposições
em
matéria dos denominados auxílios estatais
(art. 86
do
Tratado), seguiu-se uma atividade
do
Ministério voltada,
por um lado, para acordar
com
a Comissão as medidas corretivas (de
nominadas medidas acordadas ); por outro, para obter o consenso das
partes privadas.
Os
acordos promovidos pelo Ministério que,
por
sua
vez, assumiu obrigações, deram origem a obrigações das partes, de cujo
cumprimento dependia a possibilidade
do
governo de evitar as inicia
tivas sancionatórias comunitárias. Seguiram-se, então, a comunicação
do Ministério à Comissão e a declaratória oficial de conformidade da
Comissão.
Iniciava-se, naquele momento,
um
conflito entre outras nego
ciações, destinado a durar quase dois anos, que teve
como
objeto a
atuação da cláusula relativa à redução,
por
parte da
TIM
da tarifa de
interconexão, a favor da Omnitel. Essa cláusula foi interpretada pela
parte obrigada como sendo reembolso à Omnitel da diferença entre
a soma faturada pela Telecom Italia e a
menor
soma resultante da vir
tual redução de 25% da tarifa de interconexão até que a concorrência
somasse sessenta bilhões [ .) .
Em
15 de maio de 1996, a Comissão
comunicou que o governo italiano deveria determinar as modalidade
específicas das medidas acordadas, desde que o objetivo visado pelas
próprias medidas pudesse ser alcançado .
A atuação das medidas acordadas estava prevista para o dia
19
de maio de 1996. No entanto, o ano transcorreu
com
atuações parciais,
devidamente comunicadas pelo Ministério à Comissão (18 de julho de
1996, 7 de agosto
de
1996, 4 de setembro de 1996, 24 de janeiro de
1997), e
com
solicitações da Comissão (12 de março
~
1996, 15 de
maio de 1996, 30 de maio de 1996, 23 de agosto de 1996,'15 de janeiro
de 1997). A
TIM
impôs novas dificuldades de vários de tipos,
às
quais a
Comissão respondeu, em 9 de setembro de 1997, solicitando a atuação
do Ministério, ameaçando lançar uma notificação pela falta de atuação
das medidas corretivas e convidando a avaliar
as
consequências dos
atrasos de atuação na validade das medidas corretivas .
114
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 116/152
Seguiu-se, em 1S de outubro de 1997, um acordo entre
as
partes
privadas, no qual, confirmada a aceitação das medidas compensatórias,
as
partes estabeleciam
as
modalidades executivas das medidas acorda
das ; e o Ministério informou, em
21
de outubro de 1997, a Comissão
sobre o acordo.
Em
10 de dezembro do mesmo ano, a Comissão encer
rou o procedimento de infração
e
em 19 de março do ano seguinte, foi
informada do depósito feito, em
11
de março, pela TIM, referente à últi
ma parcela do reembolso derivado da redução da tarifa de interconexão.
Nessa segunda fase houve, portanto, a difícil atuação das medidas
corretivas para compensar o desequilfürio produzido pelo depósito
econômico inicial . Essa atuação foi presidida pelo Ministério, mas sob
o controle da Comissão, sendo o governo diretamente obrigado a deter
minados adimplementos - enquanto em outros casos é forçado apenas
a garantir que sejam
cumpridos-
quanto destinatário da decisão comu
nitária. No decorrer da atuação, verificou-se
um
acordo direto entre os
privados (anteriormente, eles tinham manifestado duas vezes consenso
em relação
às
medidas
c o r r e t i v ~ s . ,
acordadas pelo Ministério com a
Comissão). A diversidade
se
explica uma vez que o segundo acordo
se
referia à atuação, pelas partes, de apenas algumas das medidas correti
vas, aquelas que não dependiam de intervenções dos poderes públicos.
Essa segunda fase do procedimento
se tornou
ainda mais com
plexa;
por um
lado, devido
às
incertezas a respeito do sujeito obrigado -
a controladora Stet, a coligada Telecom Italia ou a TIM, controlada pela
segunda-,
por outro, pelos procedimentos judiciários - além do recurso
ao governo italiano, o recurso da
TIM
ao Tribunal de Primeiro Grau das
Comunidades Europeias contra a decisão da Comissão 95/489, pos
teriormente retirado em 8 de maio de 1998, e a ação da
TIM
junto ao
Tribunal de Roma para anulação do acordo de 1 S de outubro de 1997,
apresentada em 2 de janeiro do ano seguinte.
115
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 117/152
3 s
aspectos característicos das medidas
corretivas a favor
da
mnitel
Como
já dito, o caso examinado tem característica exemplar. Va
mos analisar seus aspectos característicos.
Em
primeiro lugar, o caso diz respeito a vários sujeitos - a
Comissão da Comunidade Europeia, o Ministério das Comunicações,
além de duas empresas. Note que s duas entidades públicas aparecem
em primeiro plano como partes de dois agregados - a União e o Estado
italiano-
que estão, porém, ausentes como tais. Portanto, sob o aspecto
internacional,
s
costumeiras figuras jurídicas subjetivas apresentam-se
separadas.
Quanto
às empi:esas, elas concorrem entre
s
uma é a
incum-
entea outra, a new
entrant
A primeira está interessada em criar obstácu
los à segunda, da mesma maneira que esta se interessa em obter medidas
c o m p e n s ~ t ó r i s
das limitações impostas pelo Estado à sua entrada.
O caso diz respeito aos auxílios estatais. O depósito econômico
inicial é considerado uma desvantagem que consiste em aumento dos
custos de acesso do único concorrente de uma empresa pública; des
vantagem esta que falseia, de maneira significativa, a concorrência. Por
tanto, segundo a Comissão, o Estado italiano deve se abster de adotar tal
medida, ou então deve dispor de medidas compensatórias. A segunda
alternativa se
tornou
prevalente, considerando-se que a devolução do
depósito econômico inicial implicaria a anulação da concorrência,
prolongando-se, dessa forma, o tempo da liberalização do setor e pos
sibilitando ao monopolista fortalecer-se mais. Portanto, a alternativa
prejudicava o interesse de assegurar a concorrência.
Por sua vez, as medidas corretivas dispostas para compensar a
desvantagem inicial consistiam tanto em obrigações para o Estado -
que era o principal obrigado, sendo a decisão dirigida a
ele-
quanto em
obrigações para uma das empresas a favor da outra.
116
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Em relação aos interesses em jogo, uma vez realizado o depósito
econômico inicial para ganhar a concorrência e obter a concessão, a
Omnitel agiu de maneira informal, antes de tudo para obter medidas
compensatórias e ainda para obter a atuação destas.
As ações da Omnitel são interessantes
por
dois aspectos. Primei
ramente porque visam garantir para si -
por
assim dizer - mais espaço,
seja em relação ao Ministério concedente e ao Estado), seja em relação
ao monopolista. Em segundo lugar, a Omnitel exerce, durante todo o
período em que se desenrola o caso, pressão sobre a Comissão, que
consiste, por um lado, em mantê-la informada sobre o andamento da
questão na Itália,
por
outro, em requerer dela ações consistentes em
decisões e solicitações.
o mesmo tempo, a Comissão assegura o acesso
à
Omnitel e, por
meio desta, adquire as informações que lhe faltam sobre
as
medidas de
liberalização do mercado italiano. Assim, a empresa nova ingressante é
o instrumento da liberalização. Mas a liberalização é também o instru
mento
de que se vale o novo i n g t ~ s s a n t e
O governo, enfim, desenvolve dois papéis.
Por
um lado, é o órgão
que assegura as medidas compensatórÜs,
por
meio da proposta de nor
mas e emanação de provimentos normativos voltados para atuar as di
retrizes comunitárias sobre a concorrência, por outro, garante que o
monopolista compense o novo ingressante.
No procedimento, uma decisão comunitária dirigida ao governo
italiano,
um
acordo entre governo e Comissão, medidas governamentais
destinadas a facilitar a negociação entre privados e dois acordos entre os
últimos unem-se uns aos outros.
A Comissão,
com
sua decisão, fez surgir uma relação triangular
entre governo, TIM e Omnitel, na qual o governo desempenha dois
papéis, como já mencionado, e se executam dois acordos interligados,
um
vertical, entre Comissão e governo, outro horizontal, entre as duas
empresas.
117
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 119/152
Se a outra solução tivesse sido escolhida, a de impor também à
TIM o
depósito
econômico inicial imposto Omnitel - como pre
visto preferencialmente pela decisão da Comissão
- ,
as relações teriam
permanecido na sequência vertical Comissão-governo-TIM, sem inter
ferir, lateralmente, na Omnitel. Assim, a decisão da Comissão não teria
surtido efeito nas relações entre sujeitos privados, mas teria se limitado
a dispor
uma
obrigação de um sujeito privado a sociedade TIM) para
com
o governo nacional.
Mas certamente essa solução não interessava à TIM, nem à Om
nitel; para a última era conveniente a outra solução, que estabelecia uma
obrigação entre sujeitos privados, derivada de uma decisão comunitária
dirigida ao Estado e
por
ele atuada.
102
4 Um
novo triângulo uma
empresa nacional
e
a
comissão uropeia
contra o stado
De
acordo com a
vulgata,
dentro do Estado se estabelecem re
lações binárias entre empresas (ou cidadãos) e Estado. As medidas cor
retivas para as telecomunicações fazem emergir
um
novo paradigma,
triangular,
no
qual se estabelecem relações de negociação tanto entre
sujeitos privados - mas segundo regras e sob controle público - quan
to entre governo nacional e Comissão. O Estado não está no centro,
porque seu lugar é tomado pela Comissão da Comunidade Europeia.
Esta
se
vale
de
interesses privados coincidentes
com
o interesse público
para estabelecer uma complexa relação multilateral. Não existe autori
dade de um lado o público) e liberdade de outro o privado), porque
dos limites dispostos em sede comunitária sobre governo nacional e
102 Sobre esse caso, ver o ótimo texto de L
G
Radicati di Brozolo, La
liberalizza-
zjone
dei/e
telecomunicazioni
in
Italia:
La
decisione
ex
ar .
90(3)
dei
Trattato
CE
sul
caso
Om-
nite ',
Diritto dei commercio internazionale. Milão: Giuffre, janeiro-março de 1996.
Examina os traços jurídicos
do ponto
de vista comunitário, levando em conta também
questões interferentes aqui não abordadas
118
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 120/152
empresa derivam vantagens para outra empresa. Analisemos portanto
os diversos componentes desse modelo.
O primeiro deles é a Comissão da Comunidade Europeia. Esta
é um poder executivo
em
estado nascente que tem diante de s não
cidadãos mas governos nacionais difíceis de ser controlados apenas
mediante a fórmula da harmonização como procedimento que vem de
cima.
Há então o desenvolvimento de uma estratégia diferente - usu
fruir em favor próprio dos conflitos sociais e econômicos produzidos
pela deslocação diferente de benefícios e vantagens resultante das nor
mas de liberalização e da tutela da concorrência.
As condições para que isso ocorra são duas. A primeira é atribuir
direitos a cada sujeito
de
um Estado perante o Estado outros cidadãos
ou empresas. O efeito direto das normas comunitárias nos ordenamen
tos nacionais serve para isso. A segunda é assegurar o máximo acesso
e abertura à Comissão. Para isso serve o liberalismo administrativo da
Comissão e de suas estruturas
q u ~
dão mais audiência
às
empresas na
cionais do .que o fazem os Estados
por
isso
uma
empresa nacional
consegue ser mais ouvida em Bruxelas do que em Roma.
Uma
vez realizadas tais condições empresas e cidadãos se tornam
instrumentos da atuação do direito comunitário e de controle da con
formidade da atividade do Estado na disciplina supranacional. Estes
agindo
em
interesse próprio cuidam também de
um
interesse comu
nitário segundo o modelo smithiano do comportamento
do
consumi
dor no mercado.
Portanto empresas e cidadãos atuam como agentes do interesse
público comunitário contra os interesses públicos nacionais -
no
caso
examinado os da empresa em posição dominante e do Estado que tinha
concedido a ela direitos especiais ou exclusivos e era seu proprietário.
A Comissão
tem
muito interesse em desenvolver esse módulo or
ganizacional. m primeiro lugar consegue assim estabelecer
um
con
trole difuso da atuação do direito comunitário descentralizando tarefas
- a monitoração da atuação do direito comunitário que seria difícil rea-
119
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 121/152
lizar diretamente segundo o modelo de controle definido dos fire
alarms,
contraposto ao centralizado e sistemático conhecido
por police
patrol.
103
Além disso assegura-se a colaboração de empresas e cidadãos
evitando assim que todos os procedimentos provenham de cima.
Em
terceiro lugar maximiza a proteção
do
principal interesse
comunitário confiado a ela.
Este
consiste em minimizar
as
diferenças
na execução nacional do direito comunitário; raiz de possíveis discrimi
nações das empresas.
De
fato empresas e cidadãos observam em geral
o que ocorre
em
outros países em busca
do
tratamento mais favorável
para si segundo o modelo do
law
shopping. A Comissão por sua vez ini
cia
um
procedimento em relação a
um
governo nacional quando
pode
fazer referência aos procedimentos seguidos em outros Estados
como
aconteceu
no
caso Omnitel.
1 4
Em quarto lugar a Comissão estabelece assim relações diretas
com
as
comunidades estatais. omo poder supranacional ela nasce
por assim dizer como
uma
planta sem .raízes. Visto que se vale das as
simetrias nacionais para atuar o direito comunitário chega até as
comu
nidades estatais valendo-se destas em função antiestatal em virtude
justamente
da
coincidência entre interesses privados e públicos comu
nitários.105
Enfim a Comissão consegue dessa maneira dar unidade ao or
denamento jurídico supranacional que seria de outro modo continua
mente desagregado pelos Estados nacionais e suas diversidades.
103
D
McCubbins e
T.
Schwartz "Congressional Oversight
Overlooked: Police Palro versus
Fire
Alarms , American Journal of Political Science. Nova York: John Wiley and Sons
nº 28 1984.
104 Ver Radicati di Brozolo op. cit. p. 85.
105
preciso acrescentar que por suas dimensões e nascimento como órgão
de
governo da economia o poder público comunitário está mais em contato com as em
presas e em geral com organizações econômicas do que com indivíduos. Daí uma
diferença que dá origem a lamentações e a uma propaganda retórica sobre a Europa
dos cidadãos.
120
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 122/152
O governo nacional é colocado,
por
esse mecanismo já ilustra
do, em uma posição contraditória. Por um lado, teria interesse, como
proprietário e autoridade que atribuiu direitos especiais ou exclusivos,
em defender
as
próprias posições; por outro, deve propiciar a atuação
do
direito comunitário
106
,
do qual é legalmente responsável perante a
Comunidade. Deve, portanto, seguir procedimentos não previstos pelo
direito interno, como os apresentados, para atuar o direito comunitário.
A norma não comanda, mas ativa condutas conformes.
Também nesse caso há mercantilização dos poderes públicos.
sta é ainda mais acentuada do que no caso examinado anteriormente,
porque o modelo unitário e hierárquico
foi
substituído
por uma
aliança
entre um sujeito privado nacional e o órgão comunitário,
na
função de
fiscalização da conformidade da conduta estatal com o direito comu
nitário.
O caráter policêntrico da negociação é demonstrado, no caso,
pela existência de pretensões entrecruzadas e variadamente dependen
tes - da Comissão Europeia
eni ~ e l ç ã o
ao governo italiano; desse úl
timo
em
relação TIM; da Omnitel em relação ao governo e TIM.
As pretensões da Omnitel coincidem' como se notou -
com
as da
Comissão, enquanto o governo está dividido entre seus interesses patri
moniais e os interesses da liberalização e da concorrência, que lhe são
impostos pela Comissão. Como na relação triangular que se estabelece
diante de um juiz, há um desequilíbrio a ser eliminado diante de interes
ses contrapostos. Mas
há
também, duas autoridades públicas, a nacional
e a supranacional, com
interesses não contrapostos, mas divergentes.
106
Radicati di Brozolo, op. cit., p.99.
121
7/17/2019 A Crise Do Estado
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IV BUSC E UM DIREITO N CION L M IS
F VORÁVEL
O ordenamento jurídico é um aspecto ao qual os sujeitos devem
se ater. Eles
podem
no
máximo, escolher instrumentos diversos, ofere
cidos pelo próprio ordenamento jurídico. As chamadas empresas
mul-
tinacionais também atuam segundo o direito aplicado especificamente
nos países em que funcionam - em sentido estrito, as empresas ditas
multinacionais são nacionais, sendo registrada em cada país
em
que a
tuam, ou então tendo empresas controladas registradas nos países onde
desenvolvem atividade comercial.
O ordenamento comunitário, fundado no multipertencimento
dos sujeitos a vários ordenamentos, permite, entretanto, escolher o or
denamento jurídico menos severo.
1 disciplina comunitária do direito
de
estabelecimento
O direito de estabelecimento serve para determinar as bases da
União Europeia. O art. 43 (ex 52
do Tratado dispõe que:
{
.. as
resttições à liberdade de estabelecimento
dos
cidadãos de um Estado
membro
no
tertitótio de outro
Estado-membro
são proibidas.
Essa
proibição
se
estende também
às restrições relativas
à
abertura de agências sucursais
ou
filiais
por parte
dos cidadãos de
um Estado-membro estabelecidos no
territó1io
de
outro
Estado-membro. A
liberdade
de
estabelecimento
[ ]
implica
constituição e
gestão
de empresas
e
em particular de sociedades [ ] sob as condições definidas pela
legislação
do país de
estabelecimento
para os próp1ios cidadãos.
O art. 48 (ex
58
estabelece que as sociedades constituídas
em
conformidade
com
a legislação de um Estado-membro ou que tenham
a sede social, a administração ou o centro de atividade principal dentro
122
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 124/152
· da Comunidade são equiparadas, para fins da aplicação das disposições
do artigo, às pessoas físicas que tenham a cidadania dos Estados-mem
bros .
O art. 46 (ex 56 permite a aprovação de normas que dispõem
regime particular para estrangeiros, quando forem justificadas
por
mo
tivos de ordem pública, de segurança e sanidade pública .
2
O casal Bryde e a empresa Centros
s artigos mencionados foram várias vezes aplicados. Mas um
caso relativamente recente, decidido pela Corte de Justiça
em
9 de
março de 1999
107
,
é, em particular, interessante porque declarou que a
liberdade de estabelecimento pode servir aos cidadãos de um país para
procurar o direito mais favorável.
O caso é simples. O casal Bryde, cidadãos dinamarqueses resi
dentes na Dinamarca, pretendia desenvolver uma atividade comercial.
Com esse objetivo, deveriam c611,stituir uma sociedade por responsa
bilidade limitada, para a qual o direito dinamarquês estabelece como
exigência o depósito de um capital social mínimo de duzentas mil
coroas dinamarquesas. Verificaram, porém, que o direito inglês permite
instituir sociedade
por
responsabilidade limitada com um capital so
cial muito inferior (cem libras esterlinas, correspondentes a mil coroas
dinamarquesas). Constituíram, portanto, no Reino Unido, uma
priv te
limited
comp try
denominada Centros
e,
depois, pediram à Direção Geral
do Comércio e das Empresas do Reino da Dinamarca o registro de uma
sucursal da Centros.
A Direção dinamarquesa negou o registro afirmando que a em
presa não estava ativa no Reino Unido e toda a sua atividade aconteceria
na Dinamarca. A Direção observou que a Centros fez isso para evitar
o depósito do capital mínimo de duzentas mil coroas dinamarquesas
e, portanto, para burlar uma norma nacional ditada em defesa dos cre-
107 Procedimento C.-212/97, Centros Ltd.-Erhvervs-og Selskabsstyrelsen.
123
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 125/152
dores. Em resumo, a Direção Dinamarquesa do Comércio e das Empre
sas observou que a Centros pretendia instituir na Dinamarca não uma
sucursal, mas a sede principal da companhia.
A Centros recorreu
em
primeira e em segunda instância contra
a recusa do registro
e
nessa última, foi proposta questão prejudicial
Corte de Justiça da Comunidade Europeia, que concluiu que os arts. 43
e
48 do
Tratado:
impedem que um Estado-membro negue o registro de uma sucursal de uma sociedade
constituída em coeformidade com legislação de
outro Estado-membro
no qu l esta tem
sede
sem
desenvolver
ali
atividades
comerciais,
quando sucursal tem
o
oljetivo
de
permitir
que sociedade
desenvolva
toda
sua
atividade no
Estado-membro no
qu l própria su
cursal será instituída, evitando
constituir
ali uma sociedade e
burlando,
assim,
aplicação
de normas,
relativas à
constituição
das
sociedades, mais severas em matéria de
liberação
de
um capital socia/.Jnínimo.
Segundo a Corte de Justiça, é inerente ao exercício do direito
de estabelecimento a busca de normas menos severas , e a recusa de
registro impediria o exercício de tal direito.
A Corte observou que o Estado dinamarquês registraria a socie-
dade se ela houvesse sido ativa
no
Reino Unido
e
portanto, que os cre-
dores estariam igualmente
em
posição desfavorável, devido ausência
do capital de duzentas mil coroas dinamarquesas. Por outro lado, os
credores seriam informados de que a sociedade é de direito inglês e
desse modo, está sujeita a uma norma diferente.
Enfim, a
Corte
observou que a interpretação adotada não exclui a
adoção de medidas idôneas para prevenir ou sancionar fraudes, medidas
a ser aprovadas eventualmente
em
cooperação com o Estado-membro
no qual a empresa está constituída.
108
108 O tema foi o principal objeto da decisão na causa
120/78
Rewe-Zentra , denomi-
nada
"Cassis e Dfjon",
segundo a qual, os obstáculos para a circulação intracomuni-
tária que derivam da disparidade das legislações nacionais relativas ao comércio dos
124
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 126/152
3 . s aspectos característicos do caso entros
O caso e a decisão mostrados apresentam diversos aspectos ca
racterísticos, sendo o primeiro deles a variedade dos direitos e sujeitos.
e um
lado, estão os direitos comunitários, inglês e dinamarquês, em
concorrência. o outro, sujeitos dinamarqueses (casal Bryde) e ingleses
a
empresa Centros), além das administrações públicas dos dois países.
importante notar, ainda, que se discute diretamente um ato ad
ministrativo, como a recusa de registro decidida pelo órgão administra
tivo dinamarquês.
Outro
aspecto relevante é que a questão
pode
ser analisada sob
dois diferentes pontos de vista. O primeiro, e mais comum, é o do di
reito nacional - segundo o qual há um limite - que cede ao direito
comunitário - com base no qual não podem ser dispostos limites. Nesse
sentido, o casal Bryde age contra um provimento administrativo na
cional, evocando o direito comunitário. O outro
ponto
de vista, mais
original,
é
que o direito nacional
é
~ u m e t i d o
ao juízo
do
mercado, no
sentido de que cada operador nacional pode escolher o direito nacional
mais conveniente - menos severo'', segundo a terminologia da Corte
de Justiça - e depois solicitar
à Corte a proteção de seu direito de es
colha.
Esse
é
o aspecto mais relevante, a partir do qual serão considera
dos os pressupostos e
as consequências.
produtos [ ..] são aceitos quando essas prescrições podem ser admitidas como neces
sárias para responder a exigências imperativas pertinentes,
em
particular, à eficácia dos
controles fiscais,
à
proteção da saúde pública, lealdade dos estabelecimentos comer
ciais e defesa dos consumidores , mas as prescrições relativas à gradação mínima das
bebidas alcoólicas não buscam um objetivo de interesse geral apto a prevalecer sobre
as exigências da livre circulação das mercadorias, que constitui um dos princípios fun
damentais da comunidade .
125
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Como pressuposto podemos entender a falta de harmonização.
Nesse caso ela não existe
ou
é incompleta. Isso permite desníveis de
disciplina e sua utilização. Em certo sentido, esse é o
produto
de uma
insuficiência comunitária, visto que a tarefa essencial da Comunidade é
funcionar
como
mecanismo equalizador, para evitar discriminações e
assegurar o
equa footing
dos sujeitos comunitários. A ausência de ações
de harmonização, juntamente
com
as disparidades entre os direitos
nacionais e com a garantia do direito de estabelecimento, acaba por
provocar - pode-se dizer necessariamente - a escolha do direito mais
conveniente
por
parte
do
sujeito ao qual este se aplica.
É
interessante notar que o direito comunitário,
mesmo
não ad
mitindo disparidades produzidas pelos Estados. em detrimento dos
cidadãos, permite que os cidadãos usufruam dessas disparidades para
dispor de direito menos severo . Isso confirma o que foi várias vezes
observado sobre o fundamento liberal da Comunidade.
u ~ do
que foi notado, soa singular a afirmação da Corte de
Justiça, o fato de o direito das empresas não estar completamente har
monizado na comunidade é
pouco
relevante . Realmente, se é verdade
que, com esse argumento a Corte excluiu a invocabilidade da harmoni
zação incompleta para justificar a recusa de registro, é verdade também
que é justamente a harmonização incompleta que permite a escolha do
tratamento mais favorável.
Qual é a consequência da conjunção dos desníveis normativos
com
o direito de estabelecimento? Também nesse caso há mercantiza
ção do Estado,
no
sentido de que os vários ordenamentos jurídicos são
postos em competição entre si e se
pode
escolher o mais favorável. No
mercado é possível até mesmo comprar o direito mais conveniente.
e há liberdade de escolha do cidadão consumidor de direito,
pode-se então dizer que existe uma
verdadeira competição? Ora, se é
difícil dizer que
pode
existir, em breve período, variação da oferta
com
o variar da demanda, é verdade, também que se todas as empresas, por
longo período, procurassem o tratamento mais favorável obrigariam
talvez os Estados a modificar a oferta. É mais provável que haja uma
126
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 128/152
reação diferente
por
parte dos Estados típica dos oligopolistas de che
gar a um acordo entre si a fim de uniformizar a própria oferta. Por isso
mais do que concorrência seria preciso falar de liberdade de escolha do
consumidor aplicada aos ordenamentos jurídicos e às administrações
públicas.
O outro aspecto importante referente
às
consequências diz res
peito
às
relações entre os direitos nacionais e entre estes e o direito
comunitário. No caso em questão há de um lado a submissão dos
direitos nacionais ao direito comunitário cujo princípio relativo liber
dade de estabelecimento se aplica aos ordenamentos jurídicos nacion
ais; de outro a concorrência comparativa entre os direitos nacionais
possível graças à comunicabilidade ou circularidade disposta pelo di
reito comunitário.
4
Law shopping
Os
sujeitos estão em geral; imersos em um contexto jurídico.
Nesse caso ao contrário vão em busca de um contexto jurídico movi
dos pelo desejo de encontrar o que lhes é mais favorável.
O sistema legal europeu é, assim tanto um meio de harmoniza
ção vinda de cima usado também por sujeitos nacionais para modificar
o direito nacional
109
quanto meio de contraposição entre ordenamen
tos utilizado por sujeitos nacionais não para modificar o direito nacio
nal mas para substituí-lo
por
outro que pode ser escolhido graças à
ampliaÇão da oferta permitida pela União Europeia.
A União não é o plano superior de uma construção jurídica que
se sobrepõe aos Estados mas um ordenamento mais amplo que per
mite a circulação das instituições. A circulação que ocorre mediante a
harmonização vinda de cima - e o uso que desta fazem os sujeitos
109
Aspecto esclarecido por K ] Alter
The
European n i o n ~ Legal System and Do-
mestic Pofiry» Spiílover or Backíash? , Internacional Organization. Cambridge: Cambridge
University Press nº 3 verão de 2000.
127
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 129/152
nacionais, contra seu direito - é mais conhecida. Menos conhecida é a
circulação mediante comparação e escolha vinda de baixo, na qual os
protagonistas são os sujeitos nacionais, porque o direito comunitário
estabelece apenas o meio de comunicação.
O
instrumento
essencial da circulação
por
comparação e escolha
vinda de baixo, como no caso Centros, é o poder judiciário comunitário,
enquanto o instrumento do outro tipo de circulação é a Comissão.
A Comissão nunca conseguiria impor
um
direito uniforme,
porque haverá sempre grandes diferenças entre os ordenamentos. O
fato de ter construído
um
poder judiciário comunitário, em parte na
cional, em parte comunitário - trata-se de uma rede de juízes nacionais,
tendo na cúpula a Corte de Justiça, supraordenada não estruturalmente,
mas funcionalmente, que consegue assim se afirmar
com
a técnica da
indirect
rule
11
e com o uso abundante dos juízos sobre questões preju
diciais
-
permite reduzir
as
assimetrias nacionais
por
imposição
do
di
reito comunitário ou
por
circulação dos direitos nacionais.
A unificação europeia feita não a partir dos governos, polícias
ou exércitos, e sim a partir dos juízes, constitui uma novidade original
que permite compensar a permanência de direitos diversos com
um
metadireito igual e garantir aos cidadãos a possibilidade de fazer valer
os próprios direitos de base comunitária) contra os poderes públicos
nacionais.
S
A disciplina comunitária dos produtos
farmacêuticos
A disciplina comunitária dos produtos farmacêuticos visa elimi
nar as disparidades entre
as
disposições nacionais e evitar que os con
troles efetuados em
um
Estado-membro se repitam
em
outro como se
lê
nas motivações das diretrizes
65/65
e 75/139
CE em
matéria).
O B Malinowsky, The
Dynamics of
Cultural
Change
1945). New Heaven: Yale
U niversity Press, 1961.
128
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 130/152
Mas o direito comunitário passou por muitos procedimentos para
alcançar esses objetivos, modificando a disciplina do setor introduzida
em 1965, em 1975 e 1983. Até que, em 1993, o setor encontrou uma
ordem fundada em dois procedimentos. O primeiro deles, denominado
centralizado, é obrigatório para alguns fármacos e opcional para outros.
Segundo esse procedimento, um Comitê específico para as especiali
dades medicinais, composto por representantes dos Estados-membros
e pela Comissão, que se vale da consultoria científica de uma Agência
Europeia específica para avaliação dos medicamentos, emite a autoriza
ção para a comercialização, que é válida em todos os Estados-membros.
O segundo é denominado descentralizado ou procedimento de
mútuo
reconhecimento. De acordo com ele, um Estado-membro esco
lhido pela empresa titular, chamado de Estado de referência, emite uma
primeira autorização nacional e elabora um relatório de avaliação ,
com base no qual solicita o reconhecimento do primeiro registro, no
prazo de noventa dias, aos países membros selecionados pela empresa
titular. Os Estados podem conceder autorização - nesse caso, ela é con-
,
siderada concedida, e o mútuo reconhecimento produz
uma
cascata
de autorizações nacionais. Se ao contrário, algum Estado se opuser de
maneira motivada e as dificuldades apresentadas quanto a sérios proble
mas de saúde pública não puderem ser resolvidas no prazo de noventa
dias, o titular pode decidir retirar o registro do país em questão. omo
alternativa, o titular, o país de referência ou o próprio país que colocou
a objeção
podem
invocar
um
procedimento denominado arbitrado e
submeter o caso ao Comitê para especialidades medicinais, que tem a
tarefa de decidir, cuja determinação final é obrigatória a todos os países,
porque é tomada pela Comissão da União Europeia.
Em síntese, com o procedimento descentralizado, por um lado,
o reconhecimento de uma autorização nacional em outros Estados é
facilitado;
por
outro,'a União Europeia se intromete no procedimento
- da mesma forma para reduzir as
disparidades de regulação nacional.
129
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 131/152
O procedimento descentralizado, porém, funda-se em um siste
ma jurídico harmonizado,
no
sentido de que
as
duas diretrizes,
65
/
65
e
75/319,
modificadas várias vezes, ditam disposições sobre a instrução
dos pedidos de autorização para a comercialização e sobre os prazos do
procedimento.
As diretrizes comunitárias foram atuadas na Itália
com
os decre
tos legislativos de 29 de maio de 1991, nº 178, e de 18 de fevereiro de
1997, nº 44. Segundo o direito nacional, para a comercialização de um
fármaco na Itália é necessário autorização nacional, autorização comu
nitária
ou um
procedimento de mútuo reconhecimento; seguido de re
gistro nacional.
O art. 9 is do decreto legislativo de 29 de maio de 1991, nº 178,
modificado pelo decreto legislativo de 18 de fevereiro de 1997, nº 44,
regula o mútuo reconhecimento das autorizações . Este prevê que o
Ministério da Saúde, ao ser informado de que
outro
Estado-membro
u t o r i z o ~
ou está
em
processo de autorização de
um
medicamento,
deverá solicitar a esse outro Estado-membro o envio do relatório de
avaliação. Posteriormente, o Ministério pode reconhecer a decisão do
outro Estado, ou se opor, provocando assim a retirada do pedido do
próprio Estado
por
parte da empresa fabricante
ou
o parecer do Comitê
Europeu.
111
6 escolha dos procedimentos
e
dos stados
A organização, brevemente descrita, permite
às
empresas farma
cêuticas escolher tanto o Estado de referência quanto os procedimen
tos, optando entre comunitário
ou
centralizado e descentralizado ou de
mútuo reconhecimento.
111
Os dois procedimentos
se
juntam ao nacional, regulado pela
norma
de 1997,
relativa a fármacos a ser comercializados apenas na Itália e portanto; não destinados
à venda em outros países.
13
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 132/152
Pesquisas recentes realizadas pela União Europeia
112
mostraram
que o país mais escolhido pelas empresas farmacêuticas é o Reino Uni
do seguido de Suécia Holanda Dinamarca França Alemanha Por
tugal Finlândia e Áustria; e mostraram ainda que nenhuma empresa
optou
pela Grécia
ou por
Luxemburgo.
Essas pesquisas constataram que muitas empresas solicitaram
autorização em todos os países
3
e que a escolha dos Estados é
fei-
ta principalmente com base na reputação de eficiência experiência e
conhecimento científico da administração do país escolhido especial
mente na área terapêutica do fármaco; e em segundo lugar com base
em experiências precedentes positivas com produtos semelhantes.
114
Na escolha do Estado de referência
por
parte da empresa
far-
macêutica interessada em obter autorização para a comercialização
de
fármacos há portanto dois elementos que dizem respeito à qualidade
da relativa administração -
por
um lado conhecimentos técnicos e ex
periência acumulada;
por
outro rapidez de ação. O primeiro elemento é
fundamental porque o primeiro
p ~
ao qual a empresa
se
dirige - país
chamado de referência - deve redigir a avaliação do fármaco
(assessment
r e p o r ~ que constituirá como dito a
~ s e
para obter a autorização em
outros países.
Conhecimento e experiência da administração escolhida são im
portantes não apenas para obter um exame mais aprofundado e se
guro do produto a ser comercializado mas também para obter mais
112 E. C. Directorate General Enterprise Pharmaceutical and Cosmetics. Evaluation
o the
Operation
o the Community Procedure;
for
the
Authorisation
oj Medicinal
Products ,
p.
128; ver também The European Federation Of Pharmaceutical Industries. Sur-
Vf Y on the
utual
Recognition Procedure . Os dois relatórios podem ser consultados no
site da Comunidade Europeia: <http://pharmacos.eudra.org/F2/pharmacos/docs/
doc2000 / nov
reportmk/
pdf>.
113 E.C. Directorate General Entreprise Pharmaceutical And Cosmetics. Op. cit.
p.
130.
114 Op. cit
p.
128 e The European Federation Of Pharmaceutical Industries op.
cit. p. 4.
131
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 133/152
facilmente
as
autorizações dos outros Estados respondendo
com
com
petência e celeridade a suas eventuais objeções. Além disso o Comitê
para especialidades medicinais que atua
no
procedimento de arbitra
mento é composto por representantes das administrações estatais e
da Comunidade Europeia. Portanto a capacidade da administração es
tatal de referência de guiar o procedimento desenvolvendo papel ativo
constitui fator determinante para
obter
o reconhecimento de outros
Estados.
O segundo elemento importante para a escolha
do
país é a agi
lidade da respectiva administração em examinar o pedido e concluir a
avaliação - as administrações mais ágeis concluem o procedimento
no
prazo
de
três a cinco meses
as
mais lentas em
um
prazo quatro vezes
maior.
Portanto o procedimento apresenta a vantagem de dar às empre
sas a possibilidade de escolher
um
Estado-membro e estabelecer
com
este
uma
relação direta descartando assim os outros Estados
115
; na es
colha do Estado a presença
de
uma administração capaz e eficiente tem
grande importância.
7 s
aspectos
c r cterísticos do procedimento
descentralizado de
utoriz ção
dos
fárm cos
O procedimento considerado é diferente daquele relativo ao di-
reito de estabelecimento que deu origem à decisão Centros examinada
anteriormente.
No
caso dos farmacêuticos houve preventiva harmoni
zação assim
as
administrações nacionais atuam com base
em
normas
comuns e
uma pode
confiar na outra
uma
vez que todas são obrigadas a
respeitar o
mesmo
direito.
o
mesmo tempo porém o reconhecimento
da autorização obtida em um Estado não é automaticamente válido em
outros
porque
esses últimos
podem
fazer objeções à comercialização
115
Op.
cit. p
121
132
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 134/152
de produtos que não considerarem autorizáveis
com
base em sérios
motivos de saúde pública.
Portanto, o primeiro aspecto característico do procedimento é o
nivelamento dos direitos nacionais, seguido, porém, não de reconheci
mento automático em outros Estados das autorizações concedidas em
um Estado, e sim por exame tanto nacional quanto comunitário - em
caso de oposição motivada.
O segundo aspecto característico é que o procedimento permite
uma relação direta entre uma empresa farmacêutica e a administração
de um Estado, relação estabelecida em função da obtenção de uma au
torização
no
próprio Estado. O regulado escolhe o regulador.
Por
um
lado, portanto, há um voto de desconfiança
em
relação
ao Estado de pertencimento
116
; por outro, uma vez obtida a autoriza
ção do país de referência, estabelece-se uma aliança entre regulador
e regulado, na qual o segundo se vale do primeiro para obter
o mesmo
comportamento por parte do Estado ao qual pertence e dos outros
Estados selecionados.
O terceiro aspecto característico do procedimento se encontra
na
relação duradoura que se estabelece entre primeiro regulador e regu
lado. e fato, a administração do país escolhido (o país de referência)
desempenhará
um
papel ativo também após a autorização para a comer
cialização, ficando a seu cargo a atividade de vigilância farmacológica, as
variações - novas indicações, novas dosagens, novas formas farmacêu
ticas etc. - e as renovações. Portanto, a relação entre. empresas farma
cêuticas e primeiro regulador não é limitada
à
fase inicial, é duradoura.
116
Quase não haveria necessidade de lembrar que a Itália não
é
como observado,
apenas o país menos escolhido como país de referência, mas também é aquele que no
procedimento de reconhecimento é com frequência mais lento, como evidenciado por
The
European Federation j
Pharmacetttical Ind11stries ,
op. cit.,
p.
10.
133
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 135/152
8 . arbitragem entre
os
stados
A arbitragem
117
- não aquela prevista pelo código civil para in
tegrar
um
negócio jurídico mediante recurso a
um
terceiro chamado
arbitrador (art. 1349) - é
uma
operação múltipla.
É
realizada
por
quem
adquire
em
mercados mais baratos e revende em mais caros. Desen
volveu-se desde o mercado de mercadorias até os financeiros, em que se
compram e vendem títulos ou moedas estrangeiras, usufruindo das di
ferenças de preço
no
tempo
ou
espaço. As empresas farmacêuticas que
se valem de administrações mais baratas para obter autorizações que
utilizarão posteriormente
com
administrações mais caras fazem
uma
operação de arbitragem entre Estados.
118
O sistema pressupõe uma
entrenched
disharmof J
119
produzida por
um
direito igual, diferentes administrações e
um
astuto mecanismo para
utilizar o primeiro para comparar administrações e escolher entre elas.
O direito que regula os procedimentos de autorização para a
comercialização é harmonizado pelas diretrizes comunitárias. As admi
nistrações nacionais, ao contrário, são diferentes, algumas mais capazes
e rápidas e, portanto, menos caras; outras, menos capazes e rápidas e
desse modo, mais caras.
A União Europeia poderia introduzir
um
mecanismo automático
· de mútuo reconhecimento, segundo o qual a autorização concedida em
um
Estado valeria em outros. Mas a União tem mecanismo diferente,
em que a autorização de um Estado, para ser válida em outros, requer
117 Não confundir com o arbitramento descrito acima.
118 As
arbitragens também são feitas em outros setores - por exemplo,
no
setor da
intermediação financeira não bancária, em que o patrimônio dos fundos estrangeiros e
luxemburguêses representa, segundo dados Autogestioni suifondi comuni di investimento",
quase 20
do
patrimônio total dos fundos gerenciados
por
intermediários italianos,
porque desfrutam das vantagens fiscais e regulamentares de outros países (especial
mente Luxemburgo e Irlanda) em relação à Itália.
119
uma expressão de
E.
C
Directorate General Entreprise Pharmaceutical
nd Cosme-
. tics." Op cit.,
p.
34.
134
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 136/152
sua permissão; se não for obtida, abre-se - quando requerida pelo Es
tado
ou
pela empresa fabricante - um procedimento misto, nacional e
comunitário: oposição motivada pelo Estado; parecer motivado pelo
Comitê uropeu - mas com composição mista, multinacional e comu
nitária; decisão nacional; comunicação da decisão ao Comitê
e
conse
quentemente, sua atuação em todos os países da União Europeia.
Tudo isso significa que, se não há permissão do outro Estado,
sua decisão discordante se desenrola sob controle da Comunidade dos
Estados, portanto, não apenas da Comissão, mas também de todos os
Estados, porque fazem parte do Comitê para especialidades medicinais,
no
qual naturalmente a administração do país que
já
concedeu a au
torização será levada a defender a própria decisão (portanto, o pedido
da empresa fabricante). Constitui-se assim um triângulo composto pela
empresa fabricante, pela administração estatal autorizadora e pelo Esta
do opositor. Nesse triângulo, como já se observou, empresa e primeiro
regulador são aliados contra o segundo regulador.
As companhias que quereh usufruir das desarmonias astuta
mente predispostas dessa forma devem, portanto, fazer primeiramente
uma "análise de mercado" dos Estados. Ou seja, devem verificar xp r-
tis
técnica e científica, conhecimentos e eficiência das administrações
dos quinze Estados e compará-las, a
fim
de identificar a mais barata.
As
administrações estatais são, assim, "colocadas no mercado", de modo
a ser possível verificar a mais conveniente para "comprar". Uma vez
escolhida, representará, se tiver concedido a autorização, um escudo
tanto para obter a autorização do país de origem da empresa, como para
outros controles.
Tudo
isso exige das companhias recursos,
boa
organização e co
nhecimentos técnicos. É por isso que a arbitragem é mais ágil para as
empresas que fazem parte de sociedades operantes em vários países, as
multinacionais. Estas, de fato, justamente
por
ser multinacionais, estão
em melhores condições de realizar arbitragens em plano multinacional.
135
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 137/152
9
constitucionalização do princípio da melhor tutela
O direito de escolher o direito aplicável e a administração que
deve aplicá-lo ou, de maneira mais geral, o princípio
da
melhor tutela,
foi constitucionalizado pela Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, proclamada em Nice no ano 2000, cujo art. 53 prevê que
nenhuma
disposição da Carta deve ser interpretada
como
limitativa
ou
lesiva dos direitos
do homem
e das liberdades fundamentais reconheci
dos
por
outras fontes
e
em especial, pelas Constituições dos Estados
membros .
Esse artigo:
Introduz
um
tipo de subsidiariedade c o n s t i t u c i o n a l ~ segundo a qual
prevalece
aproteção
mais favorável
ao
cidadão europeu.
E
se portanto,
seu direito
é
mais
bem tutelado pela
própria
Constituição
nacional,
é essa
tutela
que
será
apli-
cada. A
Carta
dos direitos nasceu, assim, com
essa cláusula
de flexibilidade. É
ela
quepersuadiu até
mesmo os
mais
nacionalistas
a aderir ao princípio do ''lllínimo
denominador c o m u m ~
qtte
cede diante
de melhor garantia.
12
V
os
NOVOS P R DIGM S O EST DO
Passemos a detalhar a análise e reunir
as
várias partes para com
pará-las.
Comecemos de novo pelos paradigmas tradicionais e seus aspec
tos característicos. Antes de tudo, os sujeitos são, necessariamente, parte
de
um
ordenamento jurídico, que apresenta característica de exclusivi
dade.
Os
sujeitos não
podem
escolher. O ordenamento é
um
dado.
120 A. Manzella, Dai mercato ai dirittz , in Riscrivere i diritti in Europa. Bolonha: II
Mulino, 2001, pp. 44-45.
36
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 138/152
Além disso, no centro estáo Estado, poder público com estrutura
compacta. O Estado está em posição de superioridade institucional. Em
alguns casos, admite ser colocado em condição de igualdade com outros
sujeitos,
com
os quais negocia. Mas mesmo nesses casos
pode
retomar
sua posição de superioridade.
Em terceiro lugar, a lei assegura a extensão e a controlabilidade
do
poder
público
e
portanto, delimita exatamente suas competências.
121
Assim, a ação estatal é rigidamente planejada pela lei, que estabelece
fins, regras e deveres para o poder público. Esse é o modelo do poder
legal-racional, previsível, mensurável,
e
portanto, controlável. Do lado
oposto, os sujeitos privados agem de acordo com interesses e objetivos
próprios, visto que a lei define apenas o que lhes é vetado.
Enfim, as relações entre os dois pólos, público e privado, são de
terminadas definitivamente e permanecem estáveis - entre o organismo
posto em posição superior e os outros sujeitos não
há
convergência,
mas contraposição.
1
O ordenamento
j u r í i ~ o
de
um
dado a
um
escolha:
a concorrência entre instituições
Vejamos agora as transformações desses paradigmas.
Em primeiro lugar, assinala-se a passagem de uma estrutura or
denada de cima para baixo para um mecanismo que se auto-ordena. O
ordenamento jurídico era um dado, torna-se
uma
escolha.
De fato, ao lado da demanda de direito , o operador pode fazer
uma escolha, exprimindo, assim,
um
juízo sobre a oferta de direito e
comprando
a mais conveniente. Na oferta
pode
haver
um
direito
diferente ou simplesmente uma administração diferente do direito. A
escolha é permitida para a busca da melhor tutela, do direito menos
severo
ou
mais conveniente.
121
C. Schmitt,
Dottrina
de/la
Costituzjone . Milão: Giuffre, 1984, p 176 e seguintes.
137
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 139/152
Os direitos
e'
as administrações objeto da escolha são, portanto,
postos em concorrência.
122
A réplica do mercado que assim se produz não é completa. Os
direitos e
as
administrações sucumbentes não vão à falência. Todavia, os
vencedores ampliam sua esfera de domínio, indo bem além das frontei
ras nacionais, em um processo cumulativo típico de uma empresa que
adquire posição dominante.
Devemos nos perguntar se o quase mercado que assim se desen
volve tem necessariamente como efeito a otimização do resultado. Por
exemplo, voltando ao caso da autorização para a comercialização de fár
macos, a administração do país de referência (o primeiro regulador) po
deria ser escolhida procurando-se a que se acredita que faria menos ob
servações ou uma avaliação mais apressada, prejudicando, desse modo,
a saúde pública? Nessa situação, o perigo é evitado graças oposição
motivada quf;' cada regulador
pode
apresentar e ao fato de que o poder
final é atribuído a todos os reguladores, ainda que seja sob o controle
da comunidade dos Estados (fórmula que, como dito, identifica não a
União, mas o conjunto composto dos Estados e da Comunidade). Mas
não se
pode
excluir que, em alguns casos, a busca do direito menos
severo e da melhor tutela possa se resolver na prevalência do pior di
reito.
Ilustrou-se, assim, um paradigma, o da mercantização das insti
tuições, que contradiz o paradigma tradicional, de acordo com o qual as
instituições se impõem aos sujeitos privados, constituindo pré-requisito
ao qual estes devem necessariamente se adaptar.
Quem
adora colocar
vinho novo
em
barris velhos poderá observar que a escolha dos con-
sumidores de direito e de instituições é permitida justamente
por
um
ordenamento superior e, portanto, de cima para baixo. Retornaríamos
assim ao antigo modelo. O novo será reduzido de acordo com as mar-
122
M. R.
Ferrarese, Le
istituzioni dei/a
globalizZflzione:
Diritto e
diritti nella società trans-
mazionale. Bolonha: II Mulino, 2000, p. 72, p. 92 e especialmente p. 134 e seguintes. O
autor observa que o direito não é subtraído à competição no mercado global.
138
7/17/2019 A Crise Do Estado
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gens de manobra limitadas que todo ordenamento deixa sempre a seus
sujeitos, como a escolha entre vários tipos de sociedade.
2 .
o Estado
à
União
a organização pública multinível
Em segundo lugar, substitui-se o monismo estatal e sua organi
zação compacta por um conglomerado de direitos, até mesmo incom
patíveis, mas providos de normas de conflitos, ou seja, de regras que
decidem que normas aplicar ao caso concreto.
123
No
centro não está mais o Estado, mas a União, que atua, porém,
segundo o modelo da indirect
rufe,
do governo por meio de de outros
governos . A União se abstém de dispor sobre cada fato particular;
entrega ou deixa essa tarefa às leis estatais, como a ordem divina deixava
espaço à ordem natural, segundo a teoria escolástica das causas segun
das .
123
Seguindo o exemplo da ordem jurídica m,edieval; sobre esses aspectos,
A
M.
Hespanha,
Introduzjone
alia
sto1ia dei
dintto
e u r o p e o ~
Bolonha: 11 Mulino,
1999,
p.
98
e
p.
105.
Há vasta literatura sobre as organizações multinível. Indicam-se apenas alguns
textos,
um
da fase inicial da análise do problema, os outros recentes: S. Cassese,
The
oretical Sketch
o
the Cooperative and
Multidimensional
Nature
o
Communiry
Bureaucrary ,
in
J
]amar e W Wessels, Communiry Bureaucrary
at the
Crossroads. Bruges :
e
Tempel,
1985,
p.
39;
F
W
Scharpf,
Notes
Toward
a
Theory
o
Multilevel
Governing in
Europe,
Scan
dinavian Political Studies. Nova York: John Wiley and Sons, vol.
24,
nº 1
2001
(observa
justamente a necessidade
de
uma abordagem múltipla da União Europeia, na qual se
encontram em função ao menos quatro módulos: mutual arjjustment, intergovernmental
negotiations, hierarchical
direction,
joint
decision);
A.
Maurer; J Mittag e W Wessels, Theore
tical Perspectives
onAdministrative
Interaction
in
the
European Union'',
in T Christiansen e E.
Kirchner, Committee Governance in the European Union. Manchester: Manchester
University Press,
2000,
p. 23 e seguintes;
De
consequenties
van
multi-levei governance, Res
publica .
Nº 1/2001
(vol. XLIII) (número dedicado a aspectos gerais, comparados e
nacionais do
m u l t i l e v e l g o v e r n m e n ~
e
A
Massera,
Oltre
o Stato: Italia ed
Europa tra
loca/e
e
globale ,
Rivista trimestrale
di
diritto pubblico. Milão: Giuffre, nº
1 2001.
139
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 141/152
Entre os diversos níveis se estabelece tripla circulação - de cima
para baixo
por
meio do instrumento bem conhecido o da harmoniza
ção comunitária dos direitos nacionais; de baixo para cima graças in
tegração das tradições jurídicas e constitucionais
no
direito comunitário
e horizontalmente por meio das escolhas entre os diversos ordenamen
tos permitidas pelo mútuo reconhecimento.
Graças a essas diversas relações ativam-se uma circulação entre
os ordenamentos e uma circulação dos sujeitos entre os ordenamentos.
Trata-se de fenômenos distintos mesmo que possam ter consequências
semelhantes. A primeira permite o transplante de institutos jurídicos -
são estes que se movem. A segunda possibilita o deslocamento de sujei
tos sob o império de instituições que podem
ou
não ser harmonizadas
- nesse caso são os sujeitos que se movem levando consigo partes de
outros ordenamentos.
Esse rnovimento circular pode ser ativado de baixo para cima
quando um operador nacional escolhe outro ordenamento ou ativa a
intervenção comunitária em ambos os casos contra o próprio or
denamento.
Ou
então pode ser ativado de cima para baixo segundo o
modelo centralizado da iniciativa da Comissão.
Tanto no primeiro quanto no segundo cada ordenamento atua
como benchmark como padrão de comparação em relação aos outros
para evitar disparidades entre os Estados. O procedimento mais fre
quentemente adotado é o da comparação. A Comissão compara os or
denamentos primeiramente para examinar se os desníveis estão criando
obstáculos à livre circulação; em segundo lugar para se assegurar de que
estes atuem o direito comunitário de maneira uniforme u· melhor de
maneira não tão disforme a ponto de produzir disparidades
por
causa
de prazos e
modos de
atuação. Os sujeitos internos comparam os orde
namentos para
obter
o tratamento menos gravoso como dito anterior
mente seja transportando de maneira mais eficaz o direito comunitário
ao nacional seja indo em busca de outras instituições mais eficazes de
outros ordenamentos.
140
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 142/152
A razão do desenvolvimento extraordinário do direito europeu
se encontra justamente nesse mecanismo de crescimento, que permite
colocar constantemente em comparação os diversos ordenamentos na
cionais e o comunitário no sentido estrito da palavra) e proceJer; ao
mesmo
tempo
ou
de maneira alternada, de baixo para cima e de cima
para baixo.
Esse mecanismo nunca permanece, por assim dizer, estático
porque é constantemente pressionado por interesses privados. E con
segue também compensar a dificuldade causada pelo limite da União,
que não tem toda a panóplia de instrumentos command
and
control como
os Estados,
e
para não impor obrigações específicas, deve utilizar o
antigo remédio da responsabilidade para impelir os Estados a estar em
conformidade com o direito comunitário, transformando o legislador
inadimplente em devedor.
124
Nesse novo contexto, ao mesmo tempo multinacional e comu
nitário em sentido estrito), os Estados perdem o aparato monístico e se
apresentam como conjunto de p r t e s ~ como pluralidade de centros. n-
tre esses últimos se estabelecem novas i_:elações frequentemente, ilus
tradas
com
a metáfora da rede, expressão institucional da diversidade e
do
policentrismo.
125
O interesse geral
ou
público, de finalidade superior imposta
priori pela lei e colocada desse modo aos direitos e às liberdades - e
posto assim como fundamento das grandes construções jurídicas
do
di-
124
Sobre o uso da responsabilidade como instrumento comunitário para sancionar
a inobservância
e
portanto, obter o cumprimento e sobre sua adequação, há rica litera
tura; limitamo-nos a mencionar C. Halow, 'Francovich' and the Problem
o
the
Disobedient
State ,
European Law Journal. Vol.
2
nº 3, novembro de 1996,
p.
199 e seguintes e
M.
P.
Chiti,
Di1itto
amministrativo
europeo .
Milão: Giuffre, 1999,
p.
358,
p.
401, pp. 403-08.
125
Uma das obras mais interessantes sobre a transformação dos Estados, protótipo
da hierarquia, em mercados e redes, é a obra organizada por G. Thompson;]. Franccs;
R.
Levacic e] Mitchell, Hierarchies and Netwoks:
The
Coordination
o Social Life.
Londres: Sage, 1991.
141
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 143/152
reito público e da especificidade do regime de direito público
126
- torna
se o resultado do conflito e da harmonização espontânea dos interesses
individuais, segundo o modelo
do
utilitarismo.
127
Quando
se reconhece a existência de vários interesses públicos,
não ordenados hierarquicamente pelas normas, motivo pelo qual a de
cisão requer ponderação, admite-se que a composição dos interesses
ocorre dentro do Estado. Fora deste, graças ponderação ocorrida,
fala-se sempre com uma única voz. A pluralidade se anula na decisão.
Com a mercantização do direito e do Estado, quando se subs
titui a ponderação pela concorrência, quando são consentidas a com
paração, a escolha e as arbitragens,
ou
então alianças entre o operador
de
um
Estado e outros Estados,
ou
ainda entre este e a Comissão con
tra o próprio direito ou o próprio Estado, o policentrismo e os conse
quentes conflitos saem
do
Estado, manifestam-se exteriormente, em
uma r e ~
pública mais ampla.
3 .
o procedimento negociação
Em terceiro lugar, onde tradicionalmente o modo de decidir era
determinado na forma sequencial
o
procedimento) e da ponderação
a
discricionariedade), nos casos examinados,
as
coisas
ocorrem
de ma
neira diferente.
126 Conseil D'etat,
"Rej exions
sur
'intérét
général", Rapport public 1999 (Etudes et
documents, nº 50). Paris: La Documentation française, 1999, p. 272 e 290.
127 Segundo o amplamente conhecido modelo smithiano, de acordo
com
qual, o
indivíduo não pretende, em geral, perseguir o interesse público, nem está consciente
da medida em que o persegue [ ..];visa apenas seu próprio lucro e
é
conduzido por
uma mão invisível [ ..] para perseguir um fim que não faz parte de suas intenções :
A.
Smith, An
inquiry
into
the
Nature
and Causes
o
tbe
Wealth
o Nations.
Oxford: Oxford
University Press, 2008.
142
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 144/152
Não
é o procedimento que modula a negociação, mas a nego
ciação que plasma o procedimento. A série ou sequência se adapta à ne
cessidade do acordo. A liberdade das formas próprias do direito privado
penetra no direito público.
Depois, na Conferência de Serviços - e em todos os outros
módulos de reunião de diversos órgãos de poderes públicos - não se
faz
em conjunto o que poderia ser feito separadamente. A reunião e a cole
gialidade estão em função de um objetivo diferente da mera ponderação
dos interesses, que poderia ocorrer na sequência procedimental. Servem
para fazer concessões recíprocas, outras ofertas e negociações. Servem
para ampliar ou reduzir o próprio objeto do procedimento, em função
das negociações necessárias para agilizar o acordo. Concluem-se com
acordo, e não com decisão por maioria, porque essa última reduz, em
via administrativa, o policentrismo disposto em via legislativa.
128
Encontram-se, em primeiro plano, a negociação no lugar do pro
cedimento, a liberdade das formas no lugar da tipicidade, a negociação
no
lugar da ponderação. D e r i v a r r i . ~ a í práticas jurídicas mais eficazes,
mas também mais flexíveis, que
nã;
seriam aceitáveis se não valesse
para elas o postulado que diz que a dedsão, segundo o direito, não é
menos discricionária ou policêntrica do que outras decisões públicas,
salvo quando é controlada por critérios ou princípios de segundo grau,
como a consulta recíproca, o consenso das partes, a motivação etc.
129
128
F
G. Scoca evidencia, de maneira intensa, que a ação coordenada e colaborativa
e a avaliação contextual e global modificam o caráter tradicional da discricionariedade,
La
discrezjonalità nel
pensiero
di Giannini
nella
dottrina
successiva , Rivista trimestrale
di
diritto pubblico. Milão: Giuffre, nº 4 2000, pp. 1053-54.
129 Nesse sentido, é correta a crítica que se faz a Max Weber: o problema é que os
burocratas não se comportam sempre como se esperaria que o fizessem. Estes reve
lam uma compreensível disposição humana para procurar aumentar o próprio poder
e para fazer valer os próprios interesses privados: em vez de agir como servidores
fieis
do
Estado, procuram se tornar donos da própria casa , como observado por F. Parkin,
Max Weber. Bolonha: Il Mulino, 1984,
p. 104. Entretanto, a burocracia é novamente
submetida a meta-regras , que deve respeitar.
143
7/17/2019 A Crise Do Estado
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Daí surge a superação da clara separação entre negócio privado
entendido
como
fato de criação jurídica ligado
à
autonomia privada e
à
licitude e discricionariedade considerada como escolha ordenada a
um
interesse pré-determinado pela
norma
e portanto a
uma
regra hetero
nômica.
m
relação a essa separação devida a Giannini
130
Mortati
já
havia observado que:
Se a
ponderação comparativa
de
vários
interesses
com
a finalidade
de
en
contrar a composição mais oportuna fage a
qualquerpré-determinação,
visto que o
politicismo que os dirige impede que
tenham
qualquer equivalência no tempo e no
htgar,
épreciso concluir
que
deveria haver espaço para manifestações
voluntárias de
negociação. Se,
ao
contrário, desrja-se
excluir isso,
será
preciso
também determinar
os critérios of?jetivos de medida da
ação administrativa
não regulada
pela
lei.
3
4 . im
d bipol rid de
Por
fim notou-se
um modo
diferente de estabelecer as relações
entre público e privado. Estas não são bipolares. São também multipo
lares. Por exemplo
um
operador nacional
pode
se movimentar em con
junto com uma administração supranacional e em oposição própria
administração nacional e a outro operador
do
próprio país.
Os
interes
ses
do
primeiro e da segunda são coincidentes e são conflitantes
com
os
interesses da terceira e
do
quarto.
A linha
de
distinção não passa pela divisão público/privado.
In
teresses privados coincidentes com os públicos comunitários estão em
conflito
com
outros interesses públicos dessa vez nacionais.
Não
há
distinção ou
oposição entre público e privado assim
como
não há su
perioridade do
público sobre o privado.
130
M. S.
Giannini Lezioni
di
diritto mnministrativo. Milão: Giuffre 1950 p. 292.
131
C.
Mortati
Recensione a M.S. Giannini: Lezioni di diritto amministrativo ,
Rivista
trimestrale di diritto pubblico. Milão: Giuffre nº 1 1951 p. 150.
144
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 146/152
mconclusão, Estado e mercado, público e privado, que antes
eram considerados mundos separados e em oposição, apresentam-se
como entidades que se interpenetram. O Estado, universo fechado de
sujeitos, como mercado, universo aberto. O Estado como conjunto de
sujeitos com posições atribuídas segundo uma ordem tendencialmente
hierárquica, enquanto
no
mercado os operadores assumem posições
variáveis, em uma ordem tendencialmente paritária. O Estado, sistema
no qual prevalecem relações de tipo
command and contro , enquanto no
mercado dominam relações de negociação. O Estado assume e cuida
de interesses gerais pré-ordenados, enquanto
no
mercado atuam inte
resses particulares, do conflito-concorrência deriva o ótimo resultado.
Os
dois modelos aparecem menos distantes. Emprestam-se partes re
ciprocamente.
Os novos paradigmas do Estado colocam em discussão todas as
noções, temas e problemas clássicos do direito público - a natureza do
poder público e de seu agir legal-racional, movido de cima para baixo
(pela lei), o lugar reservado à lei e a ~ u a s implicações (legalidade e tipi
cidade) e relações público-privado. E requerem também mudança de
comportamento científico em relação ao direito, porque a doutrina
jurídica não pode manter imutáveis os próprios códigos de referência
com uma mudança tão radical de seu objeto.
132
A expressão escolhida para resumir em
um
único termo esses
novos paradigmas (arena pública), talvez inadequada, apresenta bem,
entretanto, o alargamento das fronteiras do poder público e a trans
formação de sua morfologia
e
ao
mesmo tempo, permite entender sua
incompletude.
133
132
Para uma reflexão sobre estes aspectos,
B. A
Ackerman, The Marketplace of
Ideas", em Yale Law Journal. Vai. 90, nº 5 abril de 1981, p. 1131, e também outros
textos no mesmo número, no qual
foi
publicado o symposium sobre Legal
Scholarship:
its nature
and
purposes."
133 No
sentido das entidades organizacionais incompletas às quais
se
referem
N.
Brunsson e K. Sahlin-Andersson, "Constructing OrganiZfitions: the Example of Pub/ic
Sector
Reform",
Organization Studies.
Nº
21/4, 2000; p. 721 e seguintes.
145
7/17/2019 A Crise Do Estado
http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 147/152
Algumas pessoas dirão que esses novos paradigmas são reduzíveis
aos velhos modelos. Ou os refutarão, em
nome
de um direito menos
flexível. Se não é possível concordar com os laudaton· temporis
acti,
que
acreditam poder resolver todos os problemas do mundo, e se, por outro
lado,
é possível
supor
que os novos paradigmas
podem
se prestar a
abusos, permitindo fácil manipulação de institutos jurídicos disponíveis
e porosos , sob pressão dos interesses, deve-se, porém, aceitar o con
vite da nova realidade para enfrentá-la, talvez
com
forças maiores e ins
trumentos de análise mais sofisticados do que os utilizados aqui. Os
debates sobre
as
organizações se tornaram[ ] discussão sobre política
e sociedade [ ] A vida nas organizações é muito importante para ser
deixada apenas aos técnicos da organização.
134
134 W
J Mackenzie,
La
política
e scienze sociafi.
Bari: Laterza,
1969,
p 280.
146
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otassobre s fontes
Os textos aqui reunidos foram escritos entre 1996 e 2001. O pri
meiro é inédito. Por isso, agradeço aos doutores Corrado Clini e Fran
cesco Fonderico, ao professor Giulio Napolitano, doutora Nicoletta
Rangone e ao doutor Mario Savino pelas informações, material e co
mentários fornecidos. Todos os outros textos foram publicados.
Poteri indipendenti, t a t z ~
relazioni ultrastatali
é o artigo do Conferên
cia Internacional sobre Concorrênçia Francesco Saja , realizada em
Roma, no dia 21 de novembro de 1995. ~ o publicado em Foro Italiano,
1996,
V c
7,
com
agradecimento ao professor Claudio Franchini pelos
comentários primeira versão.
a
fine
della sovranità economica dello S ato é o artigo do congresso em
homenagem a M
S
Giannini
rapporti tra
S ato
ed
economia
all inizio
dei
XX
seco/o, organizado em 27 de novembro de 2000 pela Faculdade de
Economia da Universidade de Roma Tor Vergata. Foi publicado com
o título rapporti
tra
S ato
ed
economia all inizio
dei
XX seco/o, no Giornale
di diritto amministrativo, em 2001. A seguinte observação foi incluída:
Ao concluir a introdução romana, em 2 de março de 1959, Massimo
Severo Giannini alertava para as tentações de escrever uma teoria ares-
peito da intervenção estatal na economia
(Sull azione
dei
pubblici poteri
nel
campo
dell economia,
em Rivista del diritto commerciale. Milão:
ottor
Francesco Vallardi, nº 9-10, 1959, I, p 237). Há observação análoga,
relativa ao direito público da economia em 1977 (em Diritto pubblico
147
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dell economia.
Bolonha: Il Mulino
1977). No
entanto, Giannini escreveu
um manual de direito público da economia. Isso
se
explica com a solici
tação da cultura internacional e em particular, do Centro de Pesquisa
em Direito Econômico da Universidade de Limoges, que, em
1970,
lhe
pediu para participar de uma pesquisa comparativa - posteriormente
publicada
em L intervention dês pouvoirs publiques dans la
vie
économique -
e
da Universidade de Caracas, que lhe convidou, em agosto de
1974,
para
ministrar um curso de Direito Público da Economia - cujo texto dati
lografado foi conservado em Carte Giannini. Os escritos orgânicos de
Giannini sobre as relações entre Estado e economia são, portanto, de
meados dos anos
1970.
Neste texto, para lembrar essas contribuições,
tento fazer
um
balanço das principais mudanças ocorridas na matéria
nos últimos 25 anos.
O texto
L erosione
dello Stato: una vicenda irreversibile? foi escrito para
a Jornada de Estudos Dallo Stato monoclasse alia globalizzazione, pro
movida pela ISLE e pela Sessão parlamentar, para homenagear
M. S.
Gia1.mini
no
dia
2
de outubro de
2000,
em Roma. Foi publicado em
Rassegna parlamentare,
2000,
fase.
1, p. 11.
Gli Stati nella
rete
internazionale
dei
poteri
pubblici é o artigo de aber
tura do Congresso Internacional da Associação de Direito Público
do Mercosul, realizado em Buenos Aires, de
14
a 16 de abril de
1999.
Foi publicado na Rivista trimestrale di diritto pubblico em
1999
edição
nº
2, p. 321), com
agradecimento ao dr. Edoardo Chiti pela leitura da
primeira versão.
L Unione
europea
come organizzazionepubblica composita
é a aula minis
trada
na
Faculdade de Direito da Universidade de Lecce, em
18
de outu
bro de
2000.
Foi publicada na Rivista· di diritto pubblico comunitário,
em
2000
edição nº 5, p.
987).
L arenapubblica: Nuovi
paradigmi
per lo
Stato foi publicado na Rivista
trimestrale di diritto pubblico, em
2001
edição nº
3,
p.
601),
trazendo
os seguintes agradecimentos:
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Uma parte dos problemas analisados neste texto foi objeto do
curso ministrado por mim na Faculdade de Direito da Universidade de
Roma La Sapienza entre 1999 e 2000. Os doutores Edoardo Chiti,
Francesco Fonderico e Nicoletta Rangone me ajudaram inicialmente
a recolher uma parte do material documental. Para os casos examina-
dos, foi preciosa a colaboração da dra. Donatella Lucia e do engenheiro
Andrea Salemme, da TAV; da dra. Bianca Maria Martinelli, da Omnitel
ronto Italia; do advogado Stefano Marino, da Sigma Tau, e do dr. Piero
Rijli
da Menarini; do professor Guido Cammarano e do dr. Massimo
Desiderio, da Assogestioni. A todos, um vivo agradecimento.
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