a crise do estado

153
 crise do stado e · - ;f'ffr'i Rr w  X ~ l IBRIS luis osenf ie l

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Cassesse

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  crise do stado

e · - ;f'ffr'i Rr

w

  X ~ l

IBRIS

luis

osenfiel

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Copyright ©

by

Sabino Cassese

Direito desta edição Saberes Editora - 2010

Capa projeto gráfico e editoração

Bruna Mello

Revisão

nna Carolina Garcia de Souza

Tradução

Use Paschoal Moreira

Fernanda Landucci Ortale

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELO

Sistemas de Bibliotecas da UNICAMP /Diretoria de Tratamento da Informação

Bibliotecário: Helena Joana Flipsen - CRB-8ª / 5283

C272c Cassese Sabino.

A crise do Estado / Sabino Cassese ; tradução: Ilse Paschoal Moreira e

Fernanda Landucci Ortale. - Campinas

SP : Saberes Editora 2010.

ISBN 978-85-62844-03-4

1.Direito administrativo .

2

Direito constitucional.

3

Administração pública - Direito

I

Moreira Ilse Paschoal.

II. Ortale Fernanda Landucci. III. Título.

Índices para Catálogo Sistemático

1 Direito administrativo - 341.3

2 Direito constitucional - 341.2

3 Administração pública - Direito - 347.013

Av

Santa Isabel 260 - sala 5

Campinas - SP CEP- 13084-012

Fone: 19 32880013

www.sabereseditora.com.br

[email protected]

DD

- 341.3

- 341.2

- 347.013

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Sabino assese

crise do stado

Tradução

Ilse Paschoal Moreira

Fernanda Landucci Ortale

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  PRESENT ÇÃO

A SABERES

EDITORA

em

boa

hora, publica a tradução do

livro a Crisi de o Stato de autoria do Professor italiano Sabino Cassese.

Editado em 2002, logo se esgotou, sendo reimpresso muitas vezes.

O autor, por si só, já revela a excelência da obra. Sabino Cassese é

reconhecidamente um dos grandes publicistas da atualidade,

no

mundo

ocidental. Seus livros e artigos, a par da excelência e contemporanei

dade, expressam pleno domínio tanto dos ordenamentos de inspiração

romanística quanto de inspiração anglo-saxônica inúmeras obras em

língua inglesa são citadas ao longo do livro ora apresentado e de outros

trabalhos). Professor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito

,

de Roma, La Sapienza, sua maestria se estende Teoria do Estado, ao

Direito Internacional, ao Direito da União Européia sobretudo.

Não

é

demais acentuar

uma

das marcas de Sabino Cassese: a vanguarda no

tratamento dos temas, a sintonia

ao

tempo presente

e

mesmo, o aceno

do que virá.

Seu livro, A Crise do Estado, ora publicado em português, bem

reflete a amplitude de seu saber e a visão contemporânea e até futura

dos temas tratados. A obra reúne artigos escritos e publicados entre

1996 e 2001,

com

exceção do primeiro, Crise do Estado e governança,

então inédito.

Os vários estudos se enfeixam no exame de facetas do Estado

ante a realidade vigente nos fins do século

XX

e primórdios do século

XXI,

as

transformações que vem sofrendo e

as

irradiações internas e

externas dessas mudanças.

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No início do primeiro artigo, Cassese menciona que a crise do

Estado é discutida desde o início do século

XX

e dá a seqüência dos sig

nificados da expressão desde aí primeiro, quando surgiram organismos

poderosos, como sindicatos e grupos industriais, que suscitaram dúvi

das quanto soberania interna do Estado; segundo, a crise do Estado

serviu para indicar o crescimento dos poderes públicos internacionais;

depois, a locução passou a indicar a inadequação dos serviços estatais

às

expectativas dos indivíduos e da sociedade; em seguida, foi usada para

significar a crise da própria palavra Estado, por sua polissemia; em quin

to lugar,

com

o sentido de redução da atividade estatal, pela atribuição

aos particulares de entidades antes pertencentes ao Estado. Para Cas

sese, hoje 2002), a crise do.Estado envolve a perda da sua unidade, seja

no âmbito interno seja no externo, continuando a primeira e a segunda

crise, nos significados supra citados.

Nos

artigos subseqüentes, Cassese vai centrar suas considerações

sobre a fragmentação dos ordenamentos estatais, sobre redução

ou

fim

da soberania econômica do Estado, sobre o Estado na rede dos poderes

públicos internacionais e supranacionais.

A União Européia como organização pública composta vem tra

tada no

item

VI.

A seguir realiza profunda análise sóbre novos paradigmas

do Es-

tado, a começar pelas transformações na concepção do binômio Esta

do-cidadão. Usa a locução arena pública para denominar o espaço

no

qual

ocorrem

as atividades públicas e o intercâmbio Estado-sociedade.

E examina a crise ou mudança do paradigma tradicional valendo-se de

quatro situações concretas ocorridas em países europeus.

esperta

grande interesse o relato e os comentários de Cassese

a respeito da implantação dos trens de alta velocidade na Itália TGV),

obra de elevado porte e complexidade, demandando o consenso de

entes locais, a ouvida da população e envolvendo questões de natureza

diversa, como

por

exemplo: ambientais, urbanísticas, paisagísticas, de

proteção do patrimônio. cultural, de transporte; segundo Cassese, um

dos instrumentos para a busca de consenso e conciliação dos inúmeros

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interesses envolvidos foi a conferência de serviços, indicada na lei ita

liana de processo administrativo 1990) e depois prevista de maneira

específica no tocante às decisões sobre o traçado e outras matérias das

obras de TGV; na conferência de serviços reúnem-se os representantes

de todos os órgãos públicos a que interessa a matéria a ser tratada,

podendo-se admitir a presença de particulares, daí emanando decisões,

formuladas mediante acordos

ou

contratos de troca, por exemplo, ante

negociações í

efetuadas; dessa forma, desaparece a seqüencial trami

tação de volumosos papéis pelos diversos órgãos, em geral lentíssima,

sem diálogo frutífero.

ma

das últimas frases deste livro bem retrata seu

fio

condu

tor e a percepção de Cassese, ao lembrar os questionamentos de todas

s noções, temas e problemas clássicos do Direito Público acarretados

pelos novos paradigmas do Estado, desde a natureza do poder público

e seu agir legal-racional, o papel reservado à lei, até as relações público

privado. E complementa: os novos paradigmas demandam mudança

no posicionamento científico em relação ao Direito, pois a doutrina

,

jurídica não

pode

manter fixos os próprios códigos de referência ante a

mudança tão radical do seu objeto. ,

A excelência do autor, a contemporaneidade do tema, o caráter

multidisciplinar, a lucidez no tratamento dos assuntos permitem

profícua leitura deste livro, atual e instigante.

dete edauar

Professora Titular da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo

Professora Visitante da Universidade Paris 1

Panthéon-Sorbonne

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Sumário

I

Crise

do

Estado e governança global

Introdução

2

Uma

divisão internacional

do

trabalho administrativo:

O caso Amadeus

3 A concorrência entre reguladores:

O caso General Electric - Honeywell

4

.

Interesses globais e mercado de direitos:

O protocolo de Quioto

5

Os ordenamentos públicos globais.

II.

Poderes independentes Estados relações Supraestatais

Crise

da

unidade do Estado crise de sua soberania econômica e

ordens supranacionais

2

. A fragmentação dos ordenamentos estatais

3

. Os poderes independentes

4

.

As reações dos ordenamentos

5 A cooperação internacional e supranacional

6

. Reações e consequências da cooperação

III.

O fim da soberania econômica do

stado

a

soberania

do

Estado sobre a economia

à

soberania da

economia sobre o Estado

2 . o

Estado

pedagogo ao Estado regulador

13

14

16

9

24

3

32

33

36

4

43

45

47

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3 .

Da

unidade à fragmentação do controle da economia

4 . Incompletude e correções do novo regime

IV

A

erosão

do Estado:

Um

fato irreversível?

1 Um

problema histórico e culturalmente condicionado

2 . O recuo da soberania

3 . As reações do Estado

V.

Os

Estados

na

rede internacional

dos

poderes públicos

1 . Introdução: além

do

Estado

2

Os

poderes públicos internacionais

3 Os·

poderes públicos supranacionais

4 .

Os

poderes públicos supranacionais e os Estados

5 . A nova ordem dos poderes públicos

VI.

50

51

53

55

59

63

64

66

71

7

A União Européia

como

organização

pública composta

1 Introdução e esquema

76

2

Os

ordenamentos gerais estatais e sua crise

77

3 .

As

formas de integração regional e o desenvolvimento das

organizações compostas 78

4 . A União Europeia como organização composta: morfologia

e implicações 80

VII.

A

arena

pública:

Novos paradigmas

para

o

Estado

l.

O

TRADICIONAL BINÔMIO

ESTADO CIDADÃO

E SUA

CRISE

83

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II OS CONTRATOS E NEGOCIAÇÃO PARA A ALTA

VELOCIDADE

/

A disciplina das Conferências de Serviços 92

2

.

A disciplina dos acordos

97

3

A prática das Conferências e dos acordos 99

4

. s aspectos característicos da atividade administrativa para

a alta velocidade 102

5 A mercantização dos poderes públicos 108

III

S

MEDIDAS COMUNITÁRIAS CORRETIVAS PARA

TELECOMUNICAÇÕES

A disciplina comunitária dos abusos de posição dominante e

dos auxílios do Estado O

2 . O caso Omnitel

3

. s aspectos característiç_os das medidas corretivas a favor

da Omnitel 116

4

.

Um

novo triângulo: uma emp'resa nacional e a comissão

Europeia contra o Estado 118

IV A BUSCA E UM DIREITO NACIONAL MAIS FAVORÁVEL

A disciplina comunitária do direito de estabelecimento 122

2 . O casal Bryde e a empresa Centros 123

3 . s aspectos característicos do caso Centros 125

4

. Law shopping 127

5 A disciplina comunitária dos produtos farmacêuticos 128

6 A escolha dos procedimentos e dos Estados 130

7

.

s

aspectos característicos do procedimento descentralizado

de autorização dos fármacos

8 . A arbitragem entre os Estados

9 . A constitucionalização do princípio da melhor tutela

132

134

136

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V

OS NOVOS PARADIGMAS

O

ESTADO

1 O ordenamento jurídico de um dado a uma escolha:

a concorrência entre instituições

2 Do

Estado

à

União: a organização pública multinível

Do

procedimento à negociação

4 Fim da bipolaridade

37

39

142

144

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rise do Estado e governança global

1 Introdução

Desde o início do século XX discute-se sobre a crise do Es

tado . Falou-se primeiramente em crise quando surgiram organismos

potentes, como sindicatos e grupos industriais, que questionaram a

soberania interna do Estado. m seguida, a expressão crise do Es

tado serviu para indicar a

criaÇã ?

dos poderes públicos internacionais,

que são instituídos pelos Estados, mas acabam

por

mantê-los sob con- L

trole. O .terceiro

i s

r e ~ i g n i f i c d o refere-se à inadequação dos 1

s r ~ o s estatais em relação às expectativas dos cidadãos e da sociedade

êm

geral.

ainda outra acepção, mais semântica, que indica a crise da

palavra Estado , que foi se estendendo até definir muitas entidades e

acabou se tornando inútil, como todas as palavras ~ o r fim,

nos últimos anos, a expressão tem sido usadãpãra indicar a diminuição

das atividades estatais, por meio de privatizações e concessão de enti

dades do Estado

1

a sujeitos privados.

Limito-me a citar S. Romano, Lo

Stato

moderno

e

la

sua ciisi

( 1 9 1 0 ) ~ atualmente

em

S.

Romano, Lo

Stato moderno e la

sua

crisi".

Milão: Giuffre, 1969, p. 3;

A. C.

Jemolo,

La

crisi

dei/o

Stato

moderno".

Bari:

Laterza, 1954;

S.

Cassese;

F

Galgano; G Tremonti

e T Treu,

Nazioni senza ricchezza,

ricchezze

senza nazione".

Bolonha: II Mulino, 1993;

S. Cassese, "Foturna e decadenza de a nozjone di Stato , in Scritti in onore di Massimo

Severo Giannini. Milão: Giuffre, 1988, p. 89 e seguintes;

V.

Wright e S. Cassese, La

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Se

essa ·expressão tem diferentes significados, qual deles adota

mos e estudamos aqui? Ou ainda a utilizamos em um sentido diferente?

Atualmente, crise do Estado significa perda de unidade do

maior poder público no contexto interno e perda da soberania em re

lação ao exterior. Nesse sentido, a expressão representa a continuação

da primeira e da segunda crise.

Para entender como a crise do Estado se apresenta hoje, é pre

ciso partir de três casos recentes, que ilustram diferentes modalidades

de construção de poderes públicos não estatais. O primeiro diz res

peito à colaboração entre autoridades antitruste de diferentes Estados;

o segundo, aos efeitos extraterritoriais das decisões de autoridades an

titruste nacionais; o terceiro refere-se origem de formas de governo

mundial setorial. Nos três casos estabelecem-se ordenamentos supraes

tatais que se impõem aos. Estados, embora estes tenham contribuído

para sua constituição.

2

ma

divisão internacional do trabalho

administrativo: O caso Amadeus

Em 1997, a Divisão Antitruste

do

Departamento de Justiça dos

Estados Unidos recebeu

uma

denúncia por parte do Sabre, sistema

informatizado de reservas da American

Air ines,

a respeito de um pre

sumido comportamento discriminatório

por

parte das companhias Air

France,

SAS

Lujthansa

e

Continental,

que seriam favoráveis ao Amadeus

o sistema informatizado de reservas de propriedade dessas companhias.

A Divisão Antitruste solicitou uma investigação por parte da Comissão

das Comunidades Europeias. Em março de 1999, esta apresentou Air

France uma notificação

por

abuso de posição dominante. Em julho de

2000, a Comissão concluiu o processo depois que a

Air

France, copra-

recomposition de

l'Etat .

Paris: La Découverte, 1996; G Wilson,

/1

Special Symposium: The

End o the Big State?", Governance. Nova York:

John

Wiley and Sons, vol. 13, nº 2

abril de 2000.

14

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prietária

do

Amadeus, adotou

um

código de boa conduta , no qual

garantia ao Sabre as mesmas condições concedidas ao Amadeus.

Em

seguida, a

ufthansa

e a

S S

também se comprometeram a adotar um

código de

boa

conduta , assegurando igual tratamento aos dois siste

mas.

Essa decisão fundamentou-se na chamada cortesia positiva, in

troduzida por um acordo entre o governo dos Estados Unidos, a

Comissão e o Conselho das Comunidades Europeias, que foi assinado

em 1991, efetivado em 1995 e ampliado em 1998 por outro acordo en

tre as partes.

A c ~ ~ a é c ~ d e r a d a uma evolução ~ i n c í -

pio 9 e f f i r e i . t a _ . i Q t e r n a c ~ das

~

cqmitas ge_': }um

o u ~ ~ n a t ~ s e g ~ n d ~ ~ ~ ~ ~ l um Estado respeita o ~ o m o

reconhecimento de sua mútua soberania

- - - ~ - - - - · · · · · · · · · - - · · - · - - - · - · · - - · · · - - - ~

- ' · · - - · - - - - ,

Mas, enquanto o princíp1õdãcomitas

gentium

implica recíproca

referência dos Estados, o princípio da cortesia positiva vai muito além,

estabelecendo que a autoridade estatal pode dar início a

um

procedi-

 ,

mento

de outro Estado, abstendo-se de decidir sobre a própria questão

e se submetendo à decisão deste.

acordo de 1998 prevê que uma

'<::'.

~ ~ ~ .

auto ri d ade antitruste

pode

solicitar qu outra autoridade realize investi-

g ~ ~ ~ ~ e q u . : _ i r i t e ~ . . e m _ c a s o

de atividades

a n t i c o m ~ t i -

t i ~ s m ~ _ e v ~ n â o em conta o dir.eito da autoridade

à

qual a soli.çitação

foi feita. U ~ m a solicitação pode ser apresentàda mesmo que a atividade

anticompetitiva não viole o direito da concorrência

do

ordenamento

em que atua a autoridade solicitante. Esta,

por

sua vez, toma iniciativas,

contanto que os direitos, procedimentos e ações do outro ordenamento

permitam investigações adequadas e que a outra autoridade a mantenha

informada.

O que acabamos de descrever - e que foi aplicado no caso apre

sentado - é

um

complexo sistema de relações internacionais base

ado em

um

acordo internacional entre Estados e que desenvolve

um

princípio característico do direito internacional. Mas os resultados vão

muito além do direito internacional habitual. e fato, graças à cortesia

5

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positiva o direito e a administração estatais são utilizados por inicia

tiva e

no

interesse de outro Estado. Por um lado a autoridade pública

de um stado ativa um procedimento administrativo de

outro

ordena

mento estatal tornando-se não apenas autor mas também o interlocu

tor necessário - porque deve oferecer cooperação enquanto a outra

autoridade deve respeitar sua opinião.

Por

outro uma vez iniciado o

procedimento a outra autoridade não intervém se lhe forem dadas ga

rantias suficientes estabelecendo-se portanto uma espécie de divisão

internacional da atividade administrativa.

ssa divisão é baseada nos seguintes pressupostos:

as

práticas an

ticompetitivas devem se dar

no

território da autoridade à qual a solici

tação foi dirigida; devem prejudicar importantes interesses econômicos

desse ordenamento; e

por

fim violar o direito da parte à qual foi diri

gida a solicitação. Estabelece-se assim um entrelaçamento entre direi

tos iqteresses e procedimentos que reflete a forte interrelação entre

as

economias - chamada de globalização - e visa recuperar os limites dos

Estados quanto a essas interrelações por causa de sua jurisdição territo

rial.

3 .A concorrência entre reguladores:

O caso General Electric oneywell

A

General lectric

e a

Honrywell

são duas empresas norte-ameri

canas fabricantes de diversos produtos que atuam principalmente no

setor aeronáutico produzindo motores de aviões e produtos de aviôni

ca como caixas-pretas máquinas para evitar colisões em voo instru

mentos para o gerenciamento do voo etc. A primeira emprega 313 mil

funcionários e atua em cem países diferentes a segunda 125 mil fun

cionários e opera em 95 países.

m

22 de outubro de 2000 a

General lectric

anunciou a aquisição

do

capital integral da outra companhia destinada portanto a se tor

nar uma empresa inteiramente controlada e incorporada à primeira. A

decisão dependia do consenso da autoridade antitruste americana que

16

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havia sido notificada. Mas, levando em conta o

enorme

faturamento das

duas empresas e o fato de que uma parte desse faturamento se dá em

vários países europeus, a decisão dependia também da autorização da

Comissão das Comunidades Europeias, que atua como autoridade anti

truste

no

espaço econômico europeu - que inclui os quinze Estados da

Comunidade Europeia, Noruega, Islândia e Liechtenstein.

Ambas

as

autoridades antitruste deram início a uma instrução da

concentração.

Na

verdade, os princípios da cortesia positiva não se apli

cavam a essa operação. Temia-se pelo impacto da concentração na con

corrência, sobretudo pela forte posição da General Electric no mercado

de motores, que se combinaria com a forte posição da

Honrywell

no mer

cado de produtos de aviônica. Ficaram contra a transação não apenas os

concorrentes - a inglesa Rolls-Rqyce e a americana United Technologies que

controla a Pratt Whitnry e os produtores de aviônica, como a ameri

cana

Rockwell Collins

a francesa

Thales

e a

Hamilton

unstrand essa última

também controlada pela United

Technologies -

mas também quinze das

maiores companhias de transporte aéreo americanas e europeias, como

consumidoras dos produtos.

,

Em 2 de maio de 2001, a Divisão Antitruste do Departamento

de Justiça aprovou condicionalmente a concentração, considerada lícita

desde que as companhias envolvidas vendessem alguns de seus ramos,

entre os quais, e principalmente, o da produção de motores para heli

cópteros.

Por outro

lado, a Comissão das Comunidades Europeias

por

duas

vezes julgou insuficientes os remédios

ou

compromissos oferecidos

pelas duas empresas, mesmo sendo maiores do que os exigidos pela au

toridade antitruste americana e, em 3 de julho de 2001, julgou a concen

tração incompatível com o mercado comum europeu, porque instauraria

ou reforçaria posições dominantes em vários mercados.

Os

remédios

propostos não foram considerados suficientes para ser aprovados

no

teste da dominância de mercado - que serve para verificar se o mercado

17

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 19/152

permanece suficientemente competitivo, de

modo

que os consumidores

continuem a dispôr de produtos para escolher a preços competitivos

2

o caso sucintamente apresentado elucida melhor do que qualquer

outro o fenômeno da crise da nacionalidade da economia e

do

direito.

Por um

lado, não

importa onde

a empresa esteja domiciliada, e sim onde

ela atua - ou seja, tanto a autoridade europeia como a norte-americana

podem

intervir, porque os efeitos da aquisição são sentidos tanto por

consumidores europeus como por americanos. Por outro, o mercado

global está

em

correlação

com

um

direito que se amplia até se tornar

global - a atividade de empresas sediadas

em

território norte-america

no é impedida pela autoridade de outro lugar. Mas,

uma

vez que essa

autoridade não é estatal, .pode-se dizer que o direito de

um

Estado -

os Estados Unidos - sofre os efeitos .de

uma

decisão tomada não

por

outro Estado, mas por

uma

autoridade supranacional. Por isso, o direito

estatal e sua força territorial são duplamente recessivos.

O segundo aspecto que chama atenção é o papel desempenhado

pela Comissão das Comunidades Europeias em relação

às

empresas em

conflito, s duas norte-americanas interessadas na concentração e

s

outras, contrárias, também em grande parte norte-americanas. a au

toridade supranacional europeia que julga

um

conflito em grande parte

interno aos Estados Unidos. Se o caso for examinado pelo viés empre

sarial, pode-se dizer que

s

companhias americanas usaram o direito

europeu contra outras empresas americanas.

e

modo geral, pode-se

concluir então que

onde

há muitos reguladores acaba prevalecendo o

que é mais rígido.

2 Para entender a dimensão do caso, basta lembrar que foi a 15ª vez, desde 1990,

que a Comissão vetou uma operação de concentração, mas foi a primeira vez que a

operação envolvia partes exclusivamente norte-americanas. Mas é preciso considerar

também que em 2000 a autoridade antitruste norte-americana vetara a concentração

de duas empresas europeias, ir iquide e ir

Products

que havia sido aprovada pela

autoridade europeia.

18

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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Em terceiro lugar a ausência de uma autoridade mundial leva as

empresas que atuam em mercado global mesmo diante de fortes inte

resses nacionais3 a estar sob o controle de um dos países em que atuam.

Por fim o caso ensina que globalização da economia não significa

supremacia

do

país mais poderoso - os Estados Unidos

-

visto que

a globalization ef antitrust enfarcement

4

ocorre por meio da expansão do

direito europeu.

4

Interesses globais e mercado de direitos:

O protocolo de Quioto

Em

9 de maio de 1992 foi assinada em Nova York a Convenção

Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

5

• Ela instituiu

um verdadeiro organismo internacional com órgãos próprios - a Con

ferência das Partes um secretariado funcionalmente vinculado ao das

Nações Unidas um órgão subsidiário de assessoramento científico e

tecnológico

um

órgão subsidiárip de implementação aos quais pos

teriormente foram acrescentadas as entidades para controle do Meca

nismo de Desenvolvimento Limpo e para assegurar e facilitar o respeito

à implementação - um mecanismo financeiro e um fundo específico

para países menos desenvolvidos e para países

em

via de desenvolvi

mento.

Após isso em 16 de março de 9 9 8 ~ foi assinado o Protocolo de

Quioto que ainda não entrou em vigor

por

não ter atingido o número

mínimo necessário de ratificações estatais. O protocolo estabelece

li-

3 Sabe-se que no caso apresentado os presidentes dos Estados Unidos e do Federal

Reserve exerceram pressão sobre as Comunidades Europeias.

4 A expressão

é

usada por

J

J Parisi Eeforcement Cooperation mong ntitrust utho-

nºties ,

European Competition Law

Review.

Londres: Sweet Maxwell vol.

20

março de 1999.

5 Ratificada na Itália com a Lei de 15 de janeiro de 1994 nº 65 e efetivada em 21

de março de 1994.

19

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mites quantitativos nacionais para a emissão de gases de efeito estufa -

responsáveis pelo aquecimento da temperatura do planeta - para trinta

e nove países desenvolvidos. Também prevê três dos chamados meca

nismos de flexibilização.

O primeiro regulamentado pelo artigo

6

é definido

como

imple

mentação

conjunta joint implementation

Graças a ele cada

um

dos trinta

e nove países

pode

fazer

um

acordo com outro país para realizar um

projeto de redução da emissão de gases neste último. A redução é feita

para expandir os direitos de emissão do país financiador do projeto

enquanto os direitos de emissão

do

país em que o projeto é realizado

são reduzidos proporcionalmente. Portanto

as

unidades de redução de

emissão são somadas por uma parte e subtraídas por outra. Em suma o

primeiro país compra enquanto o segundo vende unidades de redução

de emissão com o objetivo de respeitar as obrigações impostas pelo

Protocolo de Quioto.

O segundo mecanismo de flexibilização regulamentado pelo ar-

tigo 12 é definido

como

Mecanismo de Desenvolvimento Conjunto

ou

Limpo joint

ou

clean

development mechanism Nesse caso também está

previsto um acordo mas entre um país desenvolvido sujeito a limites

e um país sem restrições. Projetos financiados por um país desenvolvi

do

em um país não submetido a limites de emissão permitem àquele

obter reduções de emissão certificadas que se somam às permissões de

emissão consentidas pelo Protocolo além de contribuir com o desen

volvimento de técnicas não poluentes

no

outro país.

Também

nesse

caso o país financiador obtém créditos de redução com base em pro

jetos de redução de emissão em outros países o que é chamado de

comércio de créditos.

O terceiro mecanismo de flexibilização - artigo 17 - refere-se

à comercialização das cotas de emissão estabelecidas - comércio de

emissões

ou

de permissões. Isso possibilita aos países que precisam de

direitos adicionais de emissão adquiri-los de outras nações que tenham

direitos não utilizados e que estejam dispostas a vendê-los. a mesma

forma permite que os países que reduzem a emissão além do estabe-

20

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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lecido vendam direitos de emissão a outros países. Desse modo, o país

comprador acrescenta e o vendedor sutrai a quantidade que é objeto de

troca. Esse tipo de transação pode ocorrer entre os trinta e nove países

sujeitos a limites

6

Segundo o tratado de Quioto, essas trocas devem ser suplemen

tares7

pois os países obrigados a respeitar limites quantitativos devem

reduzir também - e principalmente - as próprias emissões, e não po

dem fazer isso apenas comprando direitos

ou

créditos de outras nações.

6 Sobre o organismo internacional,

C.

P R. Romano,

La prima conferenza

dei/e

parti

dei/a

Convenzione quadro dei/e Nazioni

Unite

sul cambiamento

cfimatico:

Da

Rio

a ~ t

via

Berlino'', Rivista giuridica dell ambiente. Milão: Giufre, 1996, p. 163 e seguintes; sobre

os mecanismos de flexibilização, M. Montini,

Le pofitiche

cfimatiche dopo ~ o t o interventi

a

fiveffo

nazionafe

e

ricorso

ai

meccanismi di

flessibifità ,

Rivista giuridica dell ambiente. Milão:

Giufre, 1999, p. 133 e seguintes; G Golini, Cambia111enti cfimatici: l protocolo di Kyoto

ancora

nef

limbo ,

Ambiente. nº

6

2000,

p.

553 e seguintes, bem como Comissione delle

comunitá europee. Libro verde sullo scambio di diritti di emissione di gas ad effet

to serra dell Unione europea. Bruxelas: Com (2000) 87, 2000. Além dos relatórios e

propostas apresentadas na Conferência das Partes de Haia (novembro de 2000) e de

Bonn (julho de 2001) e Third Assesment Report o the Intergovernamental Panei on

Climate Change, 2001.

O princípio está expressamente previsto para o primeiro e o terceiro mecanismo

de flexibilização, não para o segundo. Mas deve ser entendido como obrigatório para

este também.

21

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 23/152

Os mecanismos de flexibilização descritos têm precedentes na

cionais8, internacionais e comunitários

9

, mas há interesse particular

neste último porque exigem objetivos globais e cotas nacionais, pres

supõem atribuições nacionais de c\'tas para empresas, permitem comér

cios de direitos e créditos entre nações - horizontais - e não podem

dispensar mecanismos de controle e sanção verticais .

A proposta de tornar obrigações impostas em nível global comer

ciáveis entre empresas e Estados remonta aos anos 60

10

, quando surgiu

a ideia de que o regulador mundial poderia definir um limite de emissão,

atribuir a autoridades nacionais - que,

por

sua vez, distribuiriam en

tre empresas - um número de permissões de emissão, cuja soma fosse

igual ao padrão estabelecido, e enfim, permitir aos países e às empre

sas trocar as próprias permissões, criando um mercado

no

qual quem

consegue emitir níveis inferiores ao que inicialmente lhe foi atribuído

pode vender o

superavit.

A troca de direitos de emissão permite que

uma empresa ultrapasse sua cota se houver outra companhia que tenha

emitido poluentes em quantidade inferior à cota concedida e pretenda

vender o que não foi utilizado. Assim, os efeitos sobre o ambiente são

8 O principal exemplo de comércio de emissões e de sistema baseado no mercado é

norte-americano o Cfean

ir ct (1990).

e acordo com ele, a autoridade protetora do

ambiente fornece a cada estabelecimento uma permissão de emissão inferior ao que

é praticado. Os estabelecimentos então podem emitir substâncias poluentes com base

nessa permissão.

Se

desejarem emitir quantidades maiores, podem comprar

allowances

de outro estabelecimento que tenha reduzido a emissão abaixo do que foi autorizado

e que, portanto pode comercializar a cota de

allowance

não utilizada. Esta pode. ser

comprada e vendida inclusive por mediadores.

9 Casos de implementação conjunta estão previstos no Protocolo de Montreal para

a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, de 1987, modificado

em

1990

e

1992;

e no âmbito europeu, nas cotas de pesca previstas pela Política Co-.

munitária de Pesca e nas cotas de leite aplicadas pela Política Agrícola Comunitária.

10

de

F

H. Dales, 'Po fution,

Properry

and

Prices".

Toronto: Universidade de Toronto,

1968. Já o texto principal sobre tradable permits é de M. Grubb,

The

Greenhouse Effect:

Negotiating Targets".

Londres: Royal lnstitute of Internacional Affairs,

1989.

22

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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os mesmos mas

as

empresas podem reduzir os custos necessários para

respeitá-los. Estabelece-se uma concorrência entre companhias pela

busca

do

sistema de redução mais econômico. Estas na realidade es

tão interessadas em aproveitar os diferenciais dos custos marginais das

iniciativas de redução da emissão. Obtém-se a redução da emissão pelo

custo mais baixo para assegurar o resultado ambiental preestabelecido.

O mesmo acontece nas relações entre países.

Os

desenvolvidos

podem

recuperar graças a acordos com países em via de desenvolvi

mento a força que a decisão global lhes tirou porque

podem

emitir

mais que o permitido comprando a redução de emissão de países que

podem

realizá-la

com

custos mais baixos facilitando dessa maneira

também

o desenvolvimento desses países

 

O sistema apresentado ainda está em processo de definição; o

Protocolo de Quioto ainda não foi efetivado. Enquanto isso a Confe

rência das Partes órgão deliberativo da organização define aos poucos

os modos de colocar em prática os compromissos e principalmente

os mecanismos de flexibilização. Apesar disso já é possível identificar

elementos característicos do sistema.

Primeiramente tanto o organismo como o comércio dos direitos

e créditos respondem a uma exigência autenticamente global - não im

porta quem emite os gases de efeito estufa o problema diz respeito a

todos os habitantes do planeta; por outro lado a redução da emissão é

eficaz independentemente da região do globo em que é realizada.

Em segundo lugar o sistema colocado em prática para resolver o

problema é resultado de uma astuta combinação entre planejamento e

controle globais e transações de mercado entre Estados e empresas. O

direito internacional clássico criou o sistema mediante um

tratado. Mas

este instituiu um organismo cujo órgão deliberativo - a Conferência das

Partes

-

composto não

por

cada Estado mas por seu conjunto como

colégio estabeleceu o limite total

ou

global de emissão e a contribuição

11 M. Paterson

Global IPanning

and

Global

Politics . Londres: Routledge 1996 p. 3

e p. 184.

23

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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de cada país, que, por sua vez, discr.

1

  ui cotas entre os poluentes. Ele

controla também . · respeito às quantidades atribuídas.

l

1

i§rn

disso, foi

criado um mercado g1obal, regulado e controlado, de proibições, cm

que estas podem ser comercializadas, isto é compradas e vendidas de

várias maneiras.

Por fim, no sistema estão presentes

um

organismo internacional,

os Estados e as empresas. Mas a tarefa de regulador final não é atribuída

aos Estados, mas ao organismo internacional. Os Estados decidem a-

penas a distribuição interna das cotas. É o organismo internacional que

planeja e controla tanto

as

atribuições como o comércio.

Os orden mentos públicos glob is

Os

ordenamentos

descritos não podem ser enquadrados no âm-

bito

do

Estado,

tampouco

serem entendidos

como

sua mera extensão,

porqi;;e vão além e se impõem aos Estados.

No entanto, por falta de estudos sobre o assunto, é difícil ir além

dessa conclusão negativa.

Uma

vez dito que os

ordenamentos

jurídicos

globais fogem ao domínio do Estado e fazem parte de

um

direito pú-

blico não estatal, o estudo dos aspectos positivos desses novos ordena-

~ n t o s

se paralisou.

á

quem não reconheça nenhum elemento novo e

considere que os Estados continuam a dominar a cena que, entretanto,

é anárquica, pela ausência de um governo superior

12

á

quem reco-

nheça a novidade de

uma ordem

internacional, frequentemente definida

como

regime, que atribui papéis aos Estados. Mas essa ordem é poste-

riormente reduzida em

termos

funcionalistas, pois serve para resolver

problemas técnicos específicos, e não para a negociação política. Ou

12 A tese possui várias interpretações, inclusive a de que os ordenamentos globais

seriam apenas fruto de uma complex sovereignty, que, porém, não seria subtraída dos Es-

tados: K. Jayasuriya,

Globalization,

La111

and the

transfarmation

o Sovereignty: The emergence

o Global Regulatory Governance , Indiana Journal of Global Legal Studies. Vol. 6 nº 2,

inverno de 1999, p. 425 e seguintes.

24

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então é estudada como Estado, tendo em vista a divisão de poderes e a

democracia. De qualquer forma, entre realistas, institucionalistas e fun

cionalistas prevalece o ponto de vista estadocêntrico, razão pela qual o

foco dos estudos é o papel dominante do Estado.

Tendo em vista essas observações, podemos tentar traçar alguns

aspectos elementares dos ordenamentos públicos globais.

Em

primeiro

lugar, eles respondem exigência de controlar a globalização. Muitos

problemas ultrapassam os limites do Estado, porque houve expansão de

fenômenos sanitários, econômicos, meteorológicos etc.; expansão de

nominada globalização. Ela é definida de várias formas. Sinteticamente,

poderia ser explicitada assim: nas últimas décadas

do

século XX, o

espaço do mercado parece ter atingido os limites demográficos e ter

ritoriais do mundo - razão pela qual estudiosos franceses preferem o

sinômino 'mundialização'

13

A globalização consiste em desenvolvimento de redes de produção

internacionais, dispersão de unidades produtivas em diferentes países,

fragmentação e flexibilidade do processo de produção, interpenetração

de mercados, instantaneidade dos ~ u x s financeiros e informativos,

modificação dos tipos de riqueza e trabalho e padronização univer

sal dos meios de negociação. Os Soberanos da globalização são as

13 L Gallino,

"G oha izzazione

e

disuguag/ianze".

Roma-Bari: Laterza, 2000,

p

23. O

termo globalização , que entrou em uso no final da década de 1950, indica, segun

do economistas, o crescimento acelerado de atividades econômicas supranacionais

e a intensificação [ ] da movimentação de bens, serviços, capitais, trabalhadores e

investimentos diretos entre paises . F

R

Pizzuti, '1ntroduzjone, Mercati e istituzjoni nella

neogloha izzazione",

in L Gallino, Globalizzazione, istituizioni e coesione sociale. Roma:

Donzelli, 1999,

p

12 (ver também os textos de Oppenheimer e

De

Cecco). Segundo

historiadores, por outro lado, o termo indica o processo de mundialização da eco

nomia,

um

fenômeno que certamente não é novo, mas é caracterizado nesses últimos

anos por ritmos mais rápidos e intensos e dimensões mais amplas .

P

Villani, L'età

contemporaneà:

X X

eXX

seco/o".

Bolonha: l Mulino, 1993, p 719.

25

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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grandes multinacionais

14

A governança

15

e os ordenamentos públicos

globais não são instrumento da globalização, mas formas de mantê-la

sob controle. Por isso, globalização e governança global devem ser en

tendidos como fenômenos diferentes, e até mesmo opostos, ainda que

caminhem na mesma direção, de subtrair uma parte do direito ao seu

soberano habitual, o Estado.

O segundo aspecto característico dos ordenamentos públicos

globais refere-se sua formação histórica e pode ser elucidado

por

meio da comparação com a história da formação dos Estados. Estes se

desenvolveram ao longo de vários séculos, mais especificamente entre

três e cinco séculos, graças à expansão

do

poder monárquico, que se

cercou de instituições centrais (conselhos, ministros e corte

16

  , subme

tendo a elas poderes secundários e periféricos, devendo posteriormente

sujeitar-se à soberania popular. Daí os principais problemas do Estado,

o problema da supremacia do executivo, das relações centro-periferia e

da representatividade.

A governança global, ao contrário, afirma-se em um período de

tempo mais

curto

- meio século, se desconsiderarmos a fase de pre

paração; vale ressaltar, porém, que ainda não atingiu a fase de matu

ridade. ão se formou por sobreposição, mas por cooperação. Seus

principais problemas não são soberania, relações centro-periferia e re

presentatividade, e sim relacionados à decisão conjunta, à colaboração

e à rufe f aw.

14 Que são dotadas de extraterritorialidade, invisibilidade e impessoalidade, segundo

M.

R.

Ferrarese, 7 sovrani paradossi dei/a globa izzazione", Alternative/i. Março de 2001,

n 1, p. 29 e seguintes, mas especialmente

M. R.

Ferrarese,

"Le istituzioni

dei/a globalizza-

zione:

Din'tto e diritti nella

società transnazjonale", Bolonha:

II

Mulino, 2000.

15

Sobre os significados de governança e as respectivas discussões,

R.

Mayntz, La

teon'a della 'governance

Sftde

e

prospettive", Rivista italiana di scienza politica, a. XXIX. Bo

lonha: II Mulino, nº 1, abril de 1999,

p.

3 e seguintes.

16

A literatura sobre o tema é ampla; ver, entre as obras mais recentes, P Molas

Ribalta,

"L'impact

des institutions centrales", in W Reinhard, "Les élites du

pouvoir

et la

cons-

truction de l'Etat en Europe".

Paris: PUF, 1996,

p. 25

e seguintes.

26

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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 28/152

O terceiro aspecto característico: a governança global apresenta

se como um conjunto de organizações gerais e setoriais e de acordos.

Não

apenas inexiste uma supremacia e

um

soberano

como

também

não há uma estrutura definida. Por esse motivo fala-se

em

governança

global e não em governo global; traços funcionais regras procedimen

tos e comportamentos prevalecem sobre organizações e estruturas. Elas

existem mas seu papel não é predominante

como

nos Estados apare

lhados; e sua ordem não é hierárquica mas reticular

17

Essa ordem reticular apresenta complexa mistura de componen

tes internacionais e nacionais e grande quantidade de conexões setoriais.

Um

exemplo da primeira é o princípio

do

retorno justo aplicado em

algumas organizações internacionais como a Agência Espacial Euro

peia. Segundo esse princípio o valor das encomendas feitas por uma

organização aos Estados deve ser igual ao total das contribuições deter

minadas pelos Estados à organização. Desse modo finalidades coletivas

e meios nacionais estão engenhosamente interrelacionados.

Um

exemplo das conexões entre instituições internacionais é a

dita cláusula de compatibilidade subordinação - presente

por

exem

plo no Tratado da Comunidade Europeia.

Com

base nessa cláusula as

relações jurídicas derivadas de acordos internacionais preexistentes são

garantidas. Desse modo permite-se

por

um lado a progressiva expan

são reticular dos acordos que visam governar a globalização;

por

outro

assegura-se a interrelação entre os vários meios regionais ou seccionais

de governo na falta de

um

governo central firme -

como

se acredita

que deveria ser a Organização das Nações Unidas.

17

Ver

A.

M

Slaughter

The Real Neiv World Order ,

Foreign Affairs. Palm Coast:

Council

on

Foreign Relations vol. 76 nº

5

setembro e outubro de 1997

p.

183 e

seguintes sobre governança como resolução cooperativa de problemas

por

parte de

um número variável de sujeitos aglobal

communi(y oJ lmv, ou

regulatory veb e a

bipartisan

globalization.

27

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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 29/152

Em

quarto lugar, a governança global tem caráter composto. Nela

se encontram justapostos, interdependentes ou integrados, dependen

do

do caso, elementos jurídicos diversos, estatais, internacionais

18

e su

praestatais (como a Organização das Nações Unidas, que é uma família

de institutos, a Organização Mundial do Comércio, organizações na

cionais, como União Europeia e Mercosul, as cúpulas do G8, centenas

de outros organismos setoriais - para o correio, o tráfico aéreo, a saúde

etc. - e organizações informais, com ramificações estruturais ou fun

cionais nos Estados ou em nível inferior). Os últimos não se sobrepõem

aos primeiros, dominando-os, como havia feito o direito do Estado em

relação ao direito dos poderes, locais, corporativos, intermediários e se

cundários preexistentes. Os precedentes são os dos poderes públicos

de regime antigo, em que ius

commune

e

ius singulan·a

coexistiam

19

e havia

articuladíssima trama de sistemas institucionais sobrepostos base

ada o,a colaboração obrigatória entre príncipes e outros protagonistas

da

cena institucional (feudatários, entidades citadinas

ou

eclesiásticas,

comunidades locais, corpos profissionais

ou

de classe de diferentes per

fis

etc.) , conglomerado de [

..

] sujeitos, unidos entre si, e ao princípio

soberano, por uma densa trama de laços paracontratuais (Herrschajts-

vertréige, pacta subiectionis, capítulos de sujeição)

2

º Ou ainda os poderes

públicos multinacionais, como o Sacro Império Romano e os Impérios

Otomano dos Habsburgos e Inglês

21

18

Que

desempenham, às vezes, papel também muito importante,

como

no

caso

de tratados em que é extremamente difícil a modificação. A. von Borgdandy, La1v and

Po itics

in

the

rvro Strategies

to cope with deficient

relationship,

Max Planck Yearbook of

United Nations. Leiden: Brill Academic Publications, vol. 5, 2001.

19 Para aprofundamento sobre direito comunitário, J Gaudemet,

Du

jus commune

m droit communautaire", in Clés pour le siecle. Paris: Daloz, 2000, p. 1013.

20

L Mannori e

B.

Sordi, Storia dei

diritto amministrativo.

Roma-Bari: Laterza, 2001,

pp. 11-13 e p. 18.

21

G. F.

Mancini,

Argomenti per uno Stato europeo ,

in V Ferrari;

P.

Ronfani e S. Stabi

le, Conjliti e

diritti

nella società transnazionale." Milão: Franco Angeli, 2001,

p.

46. Toma

como exemplo os Estados não radicados em nações, como Estados Unidos, Austrália,

28

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O quinto aspecto característico dessa governança é de ordem

funcional. Enquanto os ordenamentos gerais anteriores, os Estados, de

c l a r ~ v a m s e defensores de valores religiosos e morais, os ordenamentos

gerais e especiais globais visam governar valores econômicos e materiais

(sanitários, meteorológicos, alimentares etc.).

Enfim, na governança global, a administração tem papel mais

importante que a política

22

• Por isso, não tem os problemas próprios

dos corpos políticos dos Estados, como problemas de cidadania, de

representação e democracia, mas tem problemas de rule ef law,

expertise,

accountability,

s p e e ~

fairness, due

process o law e transparência. Por con

seguinte, seria inútil listar os aspectos da democracia política (direito

de voto, eleições, Parlamento, maioria e oposição, referendum, partidos

políticos e direito de petição) e procurá-los - sem encontrar - nos orde

namentos globais ou em suas partes

23

Bélgica, Canadá, África do Sul e Índia.

22

Embora

a jurisdição esteja agoraassumindo·um lugar cada vez mais importante,

devido

à

recente multiplicação das jurisd.ições internacionais

P.

M.

Dupuy,

"La

mu ti

p ication desjuridictions internationa es menace-t-e kle maintien

de

'unité de l'ordreju1idique inter

nationa ?", in Clés pour le siecle. Paris: Daloz, p. 1221), por meio das quais os direitos

protegidos na esfera global penetram também na esfera nacional

D.

Dyzenhaus; M.

Hunt e M. Taggart,

The

Principie o Legality in

Administrative

Law: Internationa ization

as

Constitutiona ization",

Oxford University Commonwealth Law Journal. Oxford: Oxford

University Press, nº 1, junho

de

2001, p. 5.

23

Muitos fizeram isso principalmente para a União Europeia. Ver

P.

M.

Hubert,

''Democrary and Constitutiona Cu ture

o the

European Union", in

M.

Wyrzykowski, Cons

titucional Cultures. Varsóvia: Institute of Public Affairs, 2000, p. 233 e seguintes. P. C.

Schimitter, "Come democratizzare 'Unione Europea

e

perché." Bolonha: II Mulino, 2000. O

artigo de Mancini,

' Argomentiper uno Stato

europeo",

p.

46, é mais equilibrado; para ele

a União Europeia de hoje pressupõe democracia [

..

]; mas ela própria não é demo

crática . Para a conclusão apresentada,

é

interessante a análise de

F

E. Bignami,

The

Democratic

Deficit in European

Community Ru emaking: A

Cal

for

Notice

and Comment

in

Comito ogy", Harvard International Law Journal. Vai. 40, nº 2, inverno de 1999, p.

451

e seguintes, segundo o qual não seria preciso usar o modelo de governo parlamentar

para a União Europeia, visto que é o executivo, e não o Parlamento, o sujeito principal;

29

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 31/152

O caso da parte da governança global que começa a envolver

problemas políticos é diferente. Mas aqui também é difícil que se repita

a experiência dos Estados nacionais, com seus dois componentes es-

senciais, o rousseauniano

a

democracia política e o montesquiano a

divisão dos poderes e

as

garantias .

Se,

por u

lado, podemos estar cer-

tos de que a via do poder político global não é a mesma dos Estados na-

cionais; por outro, é difícil dizer, no estado caótico atual, que via poderá

ser. Esse será

u

dos mais fascinantes problemas dos próximos anos.

consequentemente sugere que se inspire no modelo do notice and comment próprio de

um ordenamento com organizações independentes e divisão de poderes.

30

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 32/152

 

Poderes independentes

Estados

relações Supraestatais

1.Crise

da unidade do Estado crise de sua soberania

econômica e ordens supranacionais

Gostaria de tecer algumas reflexões sobre dois temas. O primeiro

se refere à crise da unidade dos Estados e

do

controle governamental

dos aparelhos públicos. Como consequência dessa crise um mundo te :

pleto de autoridades independentes vem se juntar a outro repleto de

governos nacionais

Já o segundo se refere às implicações da queda das barreiras na

cionais e da abertura dos mercados sob o controle estatal dos próprios

mercados. A erosão da soberania dos Estados tem

omo

consequência

a substituição de regras estatais por disciplinas bilaterais multilaterais e

supranacionais.

A crise da unidade dos Estados e a crise de sua soberania

econômica convergem em um resultado único a constituição de ordens

supranacionais organizadas em rede. em vez de hierarquias.

Duas observações devem ser feitas. A primeira é que tendo em

vista os estudos existentes essas reflexões se tratam de u ~ exploração

preliminar apenas um início. A segunda observação

é

que os três fenô

menos se desenvolvem tão rapidamente sob nossos olhos que podería-

31

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mos citar Heráclito quando este diz que entramos e não entramos no

mesmo no.

2 . fragmentação os ordenamentos estatais

Inicio com o primeiro tema, a crise da unidade do Estado. A

fragmentação dos poderes públicos é um dos principais problemas dos

ordenamentos modernos. Nos ordenamentos unitários, a instituição e

posterior multiplicação das entidades públicas nacionais e o surgimento

de figuras híbridas, constituídas de organismos semipúblicos, tiraram o

sono dos cultores do Estado. Mas também nas stateless societies, mesmo o

ponto

de partida sendo diferente, a multiplicação de organismos públi

cos não submetidos ao governo central trouxe problemas significativos.

Portanto, podemos dizer que o policentrismo dos ordenamentos

gerais t ~ z hoje alguns problemas comuns, embora com intensidades

diferentes. O primeiro deles é o das definições. Inicialmente procurou

se definir o ente público, depois, a figura deste entrou em crise,

e por

fim, percebeu-se que

as

noções são tão numerosas quanto os entes -

ou

categorias de entes - existentes. Posteriormente, recorreu-se a palavras

compostas

em

inglês, como

quango quasi-auto-nomous-non governamental

organisations),

para indicar institutos pertencentes a gêneros diferentes.

O segundo problema é a determinação do setor público não es

tatal e suas dimensões. O número e a variedade de organismos que o

compõem

tornaram essa tarefa particularmente difícil. A insuficiência

das categorias tradicionais a ser incluídas no paraestado levou a deter

minar também novas terminologias como, justamente, a de setor pú

blico .

O terceiro não é um problema de compreensão, mas operacional

ou de gestão; trata-se da subordinação ao governo - e outros órgãos

representativos -

do

variado mundo dos poderes públicos não estatais.

O que é di'fícil porque estes fogem, pela própria natureza, de sua co

ordenação e controle.

32

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O quarto refere-se a

accountability

- a quem esses organismos res

pondem? Ao eleitorado, às comunidades locais ou aos cidadãos?

As dificuldades aumentam pela pouca comparabilidade

cross-na

tions do extraordinário crescimento do ordenamento paraestatal e da

consequente fragmentação dos ordenamentos unitários. Basta apenas

lembrar que em muitos países a disciplina da concorrência é confiada

a organismos independentes, mas, nos Estados Unidos, é confiada à

Divisão Antitruste, que completou sessenta anos em 1994

e

no caso

da União Europeia, a uma das Comissões, ou seja, ao executivo. Isso

deveria nos fazer refletir a respeito da relatividade das escolhas e das

qualificações jurídicas feitas pelos diferentes ordenamentos.

3 .

Os

po eres in epen entes

A introdução das autoridades independentes agravou ainda mais

a situação.

Primeiramente, nunca tanto poder normativo foi delegado pelo

,

Parlamento (usamos a fórmula norte-americana

delegated

legislation

ainda

que seja imprópria). Pode-se dizer que, nos ordenamentos modernos,

assistimos a uma dualização do poder normativo; uma parte

é

conser

vada pelo Parlamento, enquanto outra é atribuída a autoridades inde

pendentes, embora nem todas tenham poderes normativos. Trata-se de

um

fenômeno desconhecido.

Na

realidade, há

uma

tendência paralela a

dualizar o

poder

administrativo, dividindo, de

um

lado, direção e con

trole, e, de outro, gestão, sendo os dois primeiros atribuídos ao governo

e o

outro

à direção administrativa.

m segundo lugar, o regime da designação e da nomeação (par

lamentar) dos titulares das autoridades independentes, a duração dos

mandatos, a falta de subordinação às instruções da autoridade governa

mental e o regime da incompatibilidade colocaram o governo fora

do

circuito de

poder

de decisão atribuído

às

autoridades independentes. A

elas é confiada, de maneira exclusiva,

uma

tarefa, na qual os governos

não podem intervir. O Parlamento, ao delegar o poder normativo a

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corpos independentes, mantém o controle sobre eles, nomeando titu

lares. Estes atuam

com

plena independência, inclusive

em

relação ao

Parlamento, diferentemente das agências norte-americanas. Essa dupla

independência visa assegurar outra, a independência em relação aos po

deres econômicos submetidos a controle.

A consequência é a mudança

no

ordenamento tradicional, que

via a administração inserida

no

aparelho executivo. Dessa forma, uma

parte da administração pública foge ao governo, não está ligada a uma

estrutura hierárquica . Assim, não se aplica nem mesmo o princípio da

responsabilidade ministerial - um princípio do parlamentarismo inglês,

do qual a Itália e outros países se

apropriaram-

porque o governo está

fora do jogo nas matérias confiadas às autoridades independentes.

O terceiro motivo pelo qual o surgimento de autoridades inde

pendentes complicou ainda mais a fragmentação dos poderes decorre

dá forma judiciária em que se desenvolve a atividade dessas autoridades.

O fato de que seja atribuída a elas a tarefa de proteger setores sociais

sensíveis, isto é interesses dignos de proteção e constitucionalmente

relevantes - o que não deve ser superestimado, porque nos ordenamen

tos modernos não existem funções que, pela própria natureza, devam

ser administradas de maneira independente, assim

como

não há funções

que, por sua natureza, devam ser. atribuídas aos juízes

-

exige que a

atividade seja exercida nas formas próprias do processo. Daí os instru

mentos complexos das autoridades independentes que agem aplicando

princípios próprios

do

juiz,

como

notificação de acusações, oitiva das

partes, exigência de motivação, poderes instrumentais de investigação e

inspeção, poderes sancionatórios etc.

A partir das características dos poderes independentes apresen

tadas, compreendemos que sua instituição desafia os princípios mais

reverenciados dos ordenamentos modernos.

Primeiramente, o princípio da unitariedade organizacional

ou

de

ações dos poderes públicos. Com

as

autoridades independentes são esta

belecidos novos procedimentos de criação

do

direito

e

portanto, diver

sificados os produtores de normas. Além disso, reafirma-se o princípio

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de que

nem

todos os órgãos públicos se reportam a uma pessoa jurídica

e que a entidade subjetiva Estado, no direito interno, exprime apenas

parte da organização pública. Por isso, como observou Mario Nigro

algumas décadas atrás em relação ao Conselho de Estado, ao Tribunal

de Contas e aos tabeliães, no ordenamento jurídico, além do aparelho

personificado, movem-se numerosos órgãos e conjuntos de órgãos que

não estão em terra de ninguém, mas que constituem a República como

organização global da Comunidade nacional.

Além disso, questiona-se o princípio da democraticidade dos or

denamentos, já que os componentes das autoridades não são colocados

sob o controle dos eleitores, mas, como no caso de sacerdotes, estudio

sos, especialistas e juízes, recorremos a seus conhecimentos e valores.

Questiona-se ainda o princípio da tripartição dos poderes. De

fato,

as

autoridades independentes dispõem tanto de poderes nor

mativos como administrativos e jurisdicionais. Por outro lado, quem

acredita na distribuição dos poderes entre aparelhos - como os críticos

norte-americanos das agências, na progr ssiv era, que se recusavam a

reconhecer a existência de

um

quarto poder - chega

à

fácil conclusão

de que

as

autoridades independentes fazem parte do aparelho execu

tivo, integram a administração pública. Dessa forma, comete-se o erro

de atribuir as autoridades a um dos três poderes, aceitando o dogma

de que tudo o que não é jurisdição e legislação é administração.

Um

equívoco que se encontra refletido na própria expressão, de origem

francesa, autoridades administrativas independentes .

Por

fim, as autoridades independentes questionam o modelo das

relações entre governo e Parlamento, próprio de sistemas parlamen

tares. Nestes, diferentemente dos presidenciais, o governo é por assim

dizer, filho

do

Parlamento, mas também o controla, cabendo frequen

temente a ele a iniciativa legislativa e o poder de controlar a atividade

legislativa

do

Parlamento por meio da maioria que o apoia etc. -

por

esse motivo insistiu-se, no passado, a respeito da natureza de comitê

diretor

do

Parlamento'', própria de governo.

om

a instituição das au

toridades independentes, uma ou mais áreas fogem ao governo, porque

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o Parlamento acaba controlando toda a matéria, da regulamentação à

execução.

Por

isso, as autoridades independentes, na realidade, não são

poderes administrativos. Fazem parte do direito constitucional e repre

sentam, historicamente, uma alternativa ao governo econômico consti

tuído pelo planejamento (enquanto no planejamento

as

prescrições são

finalísticas e

as

responsabilidades recaem sobre o governo, no modelo

regu ating business

f y

independent commissions,

as

prescrições são condicionais

e

as

responsabilidades, próprias de autoridades independentes). Portan

to, as autoridades independentes se inserem entre os poderes estatais

em nível constitucional, representando uma atenuação daquilo que no

século

XIX

era definido como monstruoso conúbio de democracia e

centralização.

m

termos modernos, poderíamos dizer que a organiza

ção distribuída ou dividida dos poderes representa uma correção, sob

o prisma organizacional, da concentração produzida pela democracia.

4 s reações dos orden mentos

O sistema das autoridades independentes não é desprovido de

defeitos e inconvenientes; são três os principais. O primeiro é a bal

canização

do

executivo e o círculo vicioso que se constitui, setor por

setor, entre opinião pública, Parlamento e reguladores

ou

fiscalizadores,

com a consequente falta de um elemento de racionalização e uniformi

dade intersetorial, sem as características desta ou daquela área.

O segundo é a ausência de coordenação

e

particularmente, os

conflitos que podem surgir entre autoridades. Visto que não atuam iso

ladamente

nem

distantes umas das outras, a solução de conflitos que

possam surgir entre elas traz o seguinte dilema: ou

as

autoridades são

capazes de resolvê-los de forma pactícia,

ou

então é necessário recorrer

a uma autoridade superior, o governo; mas isso significa a diminuição

da independência das autoridades.

O terceiro inconveniente -

já mencionado - é a accountability.

Se

as

autoridades são confiadas a especialistas, é necessário que estes tam

bém sejam sapientes e tenham a sabedoria de compreender os próprios

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limites. Sem as três características, serão necessárias correções externas

e

portanto, limitações da autonomia. Além disso, é necessário assegu

rar, do

ponto

de vista institucional, a visibilidade e a legibilidade

dos poderes independentes - apenas se forem transparentes serão real

mente

accountables.

A esses inconvenientes soma-se a tendência, própria de ordena

mentos públicos baseados na tradição do Estado unitário, de subordi

nar as autoridades independentes à categoria das administrações públi

cas, reduzindo um corpo novo, que não pode ser incluído em nenhum

dos três poderes tradicionais, como mostramos, a apenas um deles. Essa

tendência é tão

forte_

que envolve até mesmo países incluídos entre

as

state ess societies. Nos Estados Unidos, por exemplo,

onde

há grande ex

periência por parte das autoridades independentes e a fragmentação do

poder

público central prevalece sobre a unidade, Scalia, juiz da Suprema

Corte, defendeu a concepção unitária do poder presidencial e a non-

de egation doctrine, que estava em declínio após o ew Dea , foi revigorada

- críticos afirmam que a .unidade do executivo é um mito, porque o sis

tema dos checks and

balances

pressupõy não a unidade

ou

a uniformidade,

mas a fragmentação e a difusão dos poderes.

O exemplo mais completo disso é o caso francês. Uma vez insti

tuídas as autoridades independentes - as primeiras remontam ao perío

do de 1941 a 1972; houve aceleração entre 1973 e 1978; outras foram

instituídas a partir de 1982 - questionou-se sobre sua natureza e

as

con

sequências do desapossamento do governo das matérias que lhes foram

confiadas. A partir de 1982, o Consei Constitutionne pôde se pronunciar

muitas vezes sobre o tema. Ele se preocupou com

as

funções de so

berania atribuídas a autoridades independentes e com a supressão - que

se verifica com

as

autoridades - do poder do governo de determinar e

conduzir a política nacional. Como consequência, o órgão francês de

justiça constitucional reconheceu poderes de decisão e sancionatórios

às autoridades, mas à custa de atenuação de sua independência e en

quadramento no sistema administrativo. Dessa forma, as autoridades

independentes acabaram sendo canalizadas para a administração pú-

37

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blica sua independência foi minimizada seu

poder

normativo reconhe

cido mas não equiparado ao

do

legislativo e sua atividade submetida ao

controle jurisdicional.

Por

fim foi negada a essas autoridades a natureza

de instância constitucional.

Deduz-se então que o Conselho constitucional - e desde 1987

também o Conseil

d Etat -

se

tornou

prisioneiro dos princípios tradicio

nais e acabou atrelando-se administração e submetendo

s

autoridades

independentes ao juiz administrativo tornando precária e vulnerável a

posição política e constitucional delas.

O exemplo mais característico dessa reação dos poderes inde

pendentes tradicionais - o juiz constitucional e administrativo - aos

novos poderes independentes é o caso da impugnação dos atos da au

toridade da concorrência na Corte de Apelação de Paris. A impugnação

foi motivada pelo legislador

com

o argumento de que na França a

autoridade judiciária ordinária julga

s

relações econômicas - desde

Napoleão julga também os casos relativos propriedade

como

de

expropriação. Dessa forma decidiu-se que

uma

parte

do

contencioso

administrativo seria confiada ao juiz ordinário. Mas o

Conseil

Constitu-

tionnel

com

a decisão nº 86-224 DC de 23 de janeiro de 1987 declarou

a

lei

inconstitucional afirmando que o tema das competências não é

remetido ao legislador mas faz parte dos princípios fundamentais.

Uma

lei

sucessiva enfim não impugnada pelo juiz constitucional conferiu

novamente à Corte de Apelação de Paris a jurisdição sobre

s

decisões

da autoridade.

Além disso o ordenamento francês é regulado pelo artigo 20 da

Constituição de 1958 segundo o qual o governo dispõe da adminis

tração. Trata-se de

uma norma

bem mais ampla

do

que a contida no

artigo 95 da Constituição italiana inspirada -

como

demonstramos -

no princípio inglês da ministerial

responsibiliry.

a Itália esse princípio

foi

atenuado pelos decretos legislativos nº 7 48 de 1972 e

29 de

1993. Esses decretos atribuíram à

direção administrativa

como

funções

próprias

s

tarefas de gestão. Portanto o ministro e o Conselho de

Ministros

poderão

ser responsáveis pela orientação e controle mas não

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pela gestão. Se acrescentarmos o fato de que para as autoridades inde

pendentes o governo não participa nem mesmo da escolha dos titulares

e não pode fornecer diretrizes compreendemos que na Itália

as

premis

sas institucionais são completamente diferentes.

Contudo mesmo lá registram-se reações preocupadas com a ins

tituição das autoridades independentes. Reações que mais uma vez têm

corno protagonistas

as

autoridades independentes da primeira geração

o Tribunal de Contas e o Conselho de Estado. Aquele porque pretende

assimilar as autoridades independentes a

um

algum órgão administra

tivo e, violando normas de autonomia e independência espera o res

peito de normas qué . têm a dupla característica de ser de origem estatal

e ditadas

por

órgãos que fazem parte da administração pública.

Já o juiz administrativo aplica às autoridades independentes os

mesmos cânones de controle judiciário que utiliza para as administra

ções estatais. ão queremos abordar aqui o problema das implicações

da natureza não administrativa das autoridades independentes de que

trata o artigo 113 da Constituiyão - ponto de vista não levantado e não

considerado nas decisões nº 419 e nº 435 de 1995 da Corte Constitu-

cional. Mas não podemos deixar de reconhecer que a escolha específica

dos titulares das autoridades tanto em relação a requisitos quanto a

procedimentos em relação ao regime das incompatibilidades às for

mas judiciárias em que

se

desenvolve sua ação e à independência a elas

atribuída exigiriam pelo menos um comportamento de se frestraint por

parte do juiz administrativo.

Um

comportamento que assumiu em mui

tas circunstâncias em relação a outros corpos por exemplo limitando

no passado o próprio exame das escolhas das comissões de concurso

para a nomeação de professores universitários com base

no

reconheci

mento

da mais alta discricionariedade que a comissão deveria usufruir.

Para lembrarmos outro con;iportamento que os juízes também têm em

outros ordenamentos basta pensarmos que dos dez recursos impetra

dos contra os atos da Monopolies

and Mergers

Commission inglesa entre

1948 e 1992 seis concluíram-se a favor da Comissão.

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Para examinar esse último tema, é necessário lembrar dois aspec

tos,

um

histórico-comparativo, outro genético. O primeiro diz respeito

aos Estados Unidos, onde Landis, ao defender a instituição das agências

independentes, observava que suas funções não poderiam ser conferi

das aos juízes

Jack

o

li

trades

and

masters

o

none

porque não podiam

garantir ações eficazes em matérias tão técnicas. A mesma consideração

foi feita na fase da gênese de algumas autoridades independentes italia

nas, como a Autoridade fiscalizadora da concorrência e do mercado.

As

autoridades independentes, portanto, nasceram como alternativa en

trega dessas funções ao juiz. Como pensar que agora possam ser total

mente submetidas a ele? Por outro lado, o mesmo Conselho de Estado

admitiu, de maneira significativa, que a autoridade fiscalizadora da con

corrência e do mercado

é

um órgão dotado de competência específica

e colocado por lei numa posição de imparcialidade comparável a de um

juiz

1

(Comissão especial, 22.6.1995, nº 51).

Às reações do Tribunal de Contas e

do

Conselho de Estado so

mam-se

as

de outros aparelhos administrativos, principalmente o Te

souro. Estes, valendo-se de normas gerais e regulares (por exemplo,

normas de 1923, sobre a contabilidade, de 1975, sobre o paraestado, de

1979, sobre a contabilidade dos entes públicos, de 1990, sobre o pro

cedimento, de 1993, sobre os funcionários e de 1994, sobre o controle),

que uniformizam fenômenos ou matérias anteriormente heterogêneas

ou reguladas de forma heterogênea (por exemplo; relações entre órgãos

de cúpula e de gestão), procuram fazer valer para

as

autoridades in

dependentes regras gerais, como a separação das tarefas do colégio e

da estrutura - principalmente a direção - a determinação de cargas

de trabalho, a redeterminação dos quadros de funcionários e das con

tratações, o bloqueio temporário destas, a aplicação direta da lei sobre o

procedimento administrativo etc.

40

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5 cooperação internacional e supranacional

Trataremos agora concisamente do segundo tema relativo às im

plicações da perda da soberania econômica dos Estados.

Os

dados são conhecidos; desde 1947 o volume do comércio

mundial tornou-se dez vezes maior; os investimentos externos apenas

na década de 80 cresceram quatro vezes mais rapidamente do que o

produto mundial e três vezes mais do que o comércio mundial.

O diagnóstico também é sabido. A globalização e

as

interrelações

internacionais ocasionam desterritorialização das atividades econômi

cas

Os

Estados que atuam em territórios delimitados acabam

fi-

cando desorientados.

As implicações desse fenômeno e as formas como os poderes

públicos tentam revertê-lo são menos estudadas. A implicação principal

é a assimetria entre economia e Estado. Como foi mostrado de

um

lado

temos nações sem riqueza de

o ~ ~ r o

riqueza sem nações.

Podemos resumir em quatro

as

formas como os poderes públi

cos procuram resolver esse desequiÍíbrio. A primeira é a cooperação

entre autoridades de diferentes nações disposta

por

leis nacionais.

Em

seguida há a cooperação disposta por acordos bilaterais entre autori

dades de diferentes nações. A terceira forma é a cessão de tarefas es

tatais a organismos supranacionais constituídos

com

base em acordos

multilaterais.

Por

fim há os organismos supranacionais que absorvem

funções estatais submetendo os organismos estatais às próprias de

cisoes.

Examinemos rapidamente os diversos tipos. O primeiro consiste

em obrigações de colaboração cooperação e troca de informações. São

obrigações estipuladas geralmente sob a condição de reciprocidade

tanto

no

âmbito dos ordenamentos gerais supranacionais - como a

União Europeia- como fora deles. Visam estender a operacionalidade

de autoridades nacionais para fora do território nacional. São dispos

tos

por

leis nacionais mas produzem efeitos nas relações entre órgãos

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públicos de Estados diferentes. Estabelecem vínculos entre órgãos de

diferentes nações, mais fortes do que os existentes entre o órgão e o

Estado a que pertence; basta lembrar a norma referente à reciclagem em

que o segredo de ofício, que deve ser respeitado nas relações nacionais,

não se aplica nas relações supranacionais,

com

as autoridades de outros

Estados.

Na Itália, a

norma

mais abrangente é a referente à Comissão Na

cional para as Sociedades e a Bolsa (Consob), para a qual pelo menos

quatro Leis (nº 94, de 1974, nº 77, de 1983, nº 1 e nº 157, de 1991)

preveem obrigações desse tipo. Mesmo a disciplina relativa Autori

dade fiscalizadora da concorrência e do mercado prevê formas de co

operação (artigos 1, 2 3 e 10.4 da Lei nº 287, de 1990), mas apenas do

tipo incluído em ordenamentos supranacionais. Na realidade, a Autori

dade nacional

mantém com

os órgãos da Comunidade Europeia

as

relações previstas pela

norma

comunitária em matéria .

Esse

tipo de cooperação poderia evoluir bastante se fosse aceita

a proposta,

em

processo de discussão, de emprego coordenado das leis

nacionais da concorrência. Essa utilização pressupõe o reconhecimento

mútuo das leis da concorrência e exige a não aplicação da lei nacional ou

a disponibilização dos próprios poderes,

por

parte da autoridade nacio

nal, a favor da autoridade nacional de outro país.

No

primeiro caso, a

lei

nacional é recessiva, no segundo, dotada de ultratividade.

O segundo tipo de cooperação é mais conhecido, porque con

siste

em

acordos bilaterais entre Estados,

como

os acordos entre Esta

dos Unidos e Alemanha e entre Estados Unidos e Canadá, referentes

à

concorrência. Mas, mesmo nesse caso, podemos registrar fatos novos.

Um deles é o acordo entre Estados Unidos e União Europeia sobre

concorrência. Nele, uma das partes é, ao mesmo tempo, ordenamento

geral que abrange vários Estados e deve,

por

sua vez, assegurar a inte

gração dos direitos estatais

no

ordenamento da União.

Outro

fato novo

é a multiplicação de contatos e de quase acordos bilaterais, não entre

Estados, mas entre autoridades independentes. Estas, por

um

lado, usu

fruem de sua independência dos Estados e por outro, da homogenei-

42

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dade e unidade supranacional dos setores controlados e dos interesses

protegidos para adquirir capacidade própria e direta nas relações inter

nacionais.

O terceiro tipo é o da cooperação multilateral particularmente

eficaz quando origina organismos supranacionais estáveis.

Um

exemplo

recente é o da Organização Mundial do Comércio que se desenvolveu a

partir do

GATT General Agreement on Tariffs and

Trade), cujos membros

passaram de 23 em 1947 para 80 em 1971 para 85 em 1981 e para

123 em 1994.

No

âmbito do GATT - e agora da Organização Mundial do

Comércio- discute-se há tempos a possibilidade de redigir uma lei mun

dial sobre a concorrência baseada no respeito a níveis semiautomáticos

para definir os limites da concorrência ou a possibilidade de assegurar

harmonização das leis nacionais de maneira a estabelecer pelo menos

nos aspectos essenciais um modelo comum. Mas essas propostas en

contram dificuldade; são discutidas no âmbito de um organismo que

se ocupa dos Estados não das ~ m p r e s s - exceto se a ação destas for

determinada pelos Estados - e que se preocupa com os instrumentos

não com os efeitos econômicos

p r o d u ~ i d o s

O quarto tipo de cooperação é ainda mais estrito. Consiste na

ampliação das fronteiras graças à instituição de organismos suprana

cionais. Mas se dessa maneira os Estados em parte readquirem o con

trole que haviam perdido sobre a economia ao mesmo tempo cedem

funções e poderes às autoridades supranacionais e se reduzem a termi

nais operacionais dessas últimas.

6 eações consequências da cooperação

A crescente cooperação em suas diversas e variadas formas pro

voca reações de vários tipos. Entre

elas

duas

se

destacam.

A primeira reação é cultural. Arraigado na ideia de Estado se

reduz todo esse rico mundo de relações supraestatais a produto do Es

tado afirmando que este é fruto de suas autolimitações. Quem pensa

43

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desse modo, porém, não percebe que há diferença entre a fase genética

e a de desenvolvimento;

as

mesmas relações que se estabelecem em vir

tude de autolimitações dos Estados se desenvolvem

com

força própria

e acabam se impondo a eles.

A segunda é institucional. Os governos - pelo menos os que fun

cionam - preocupados

com as

tendências centrífugas, constituem, e

depois multiplicam, organismos de coordenação, para se manter infor

mados sobre

uma

atividade que se desenrola cada vez mais na arena

internacional. Na realidade, o resultado desse emaranhado de linhas se

toriais que unem partes de Estados corresponde à imagem do poder

público na Inglaterra vitoriana que

John

Stuart Mill apresentava a

um

interlocutor francês, que a relatou da seguinte maneira:

Nós

dividi

mos

as

funções administrativas ao infinito e as tornamos independentes

umas das outras .

, As consequências dessa crescente cooperação são muito interes

santes. Certamente não produzem

um governo mundial, uma kosmopo-

lis

mas

um mundo

de relações muito densas, ordenadas em rede.

Do

-ponto de vista estrutural, este tem

um

baixo nível de institucionalização.

Do

ponto

de vista funcional, é baseado principalmente

em

procedimen

tos de negociações e acordos. Prevalecem interferências, sobreposições

e complementariedades. O mundo dos Estados, regidos pela hierarquia,

é substituído pelo

mundo

das redes transestatais, regidas pela interde

pendência.

Em

relação a elas, podemos nos lembrar da citação de Alexis

de Tocqueville, em 1835, sobre a organização pública inglesa:

li-

nhas que se cruzam em todos os sentidos,

um

labirinto .

Giraudoux certa vez observou que o direito é a melhor escola da

imaginação. Eis um bom lugar onde muitos juristas podem se exercitar.

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O fim da soberania econômica do stado

1 a

soberania do

Estado

sobre a economia à

soberania da economia sobre o Estado

Nos últimos 25 anos, foram registradas três modificações im

portantes nas relações entre ~ ~ a d o e economia. Antes o Estado era

soberano no que se referia a economia, agora perdeu essa posição jus

tamente a favor da economia; antes ele era principalmente pedagogo,

agora é sobretudo regulador; e o governo da economia que antes era

unitário, passou a ser fragmentado.

Essas três modificações serão apresentadas uma a uma. Primeira

mente será mostrada a situação passada, depois a atual conjuntura

e por

fim,

as

consequências da passagem de

uma

a outra.

A primeira refere-se

ao

domínio estatal sobre a economia, que

atualmente se inverteu, passando a ser o domínio da economia sobre o

Estado.

ntre os séculos XII e XIX, os Estados-Nações conquistaram

soberania no campo econômico com o poder impositivo,

poder

de cu

nhar

moedas, controlar importações etc.

Os

limites da economia, por

tanto, tornaram-se os limites do Estado.

45

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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A economia dominada pelo Estado era uma economia da oferta,

segundo o modelo mercantilista, no qual predominava o pressuposto

colbertista de que a soma da riqueza disponível era fixa, inextensível2

4

Nos

últimos

25

anos, o comércio mundial de bens aumentou

muito

e

além das nacionais, se desenvolveram empresas multinacionais.

Afirmou-se e se impôs, portanto, uma economia-mundo, na qual uma

empresa sediada em um Estado pode ter seus estabelecimentos produ

tivos

em

outro Estado e seus clientes em uma terceira nação.

O setor econômico menos ligado ao território, a finança, se des

territorializou ainda mais, tanto que há regiões no mundo onde se con

centram transações financeiras que dizem respeito a todas as outras

regiões, perdendo assim a ancoragem nacional: a cidade de Londres

se apresenta

como uma espécie de ojfshore centre. É separada dos acon

tecimentos da economia britânica. Autoreferencial, destaca-se

por si

mesm,a

25

• Em suma, Londres, como praça financeira, não faz mais

parte apenas do Reino Unido.

A economia liberada - parcialmente - pelo Estado é uma econo

mia da demanda

26

,

na qual a soma da riqueza disponível não é fixa,

pode

aumentar e diminuir.

A passagem de

uma ordem

das relações entre Estado e economia

para outra traz consequências nada desprezíveis. Entre elas, a principal

é a seguinte: se antes a economia devia levar em conta o Estado, agora é

o Estado que deve levar em conta a economia. Na realidade, os Estados

são julgados

por

sociedades que estabelecem seu

rating

do

qual depende

o valor dos títulos de débito emitidos pelo Tesouro. E grande parte da

política econômica dos governos nacionais passou de proativa a reativa.

Se antes guiava a economia, agora é seguidora

ou

adaptativa dela,

ou

24 P.

Minardi, La fortune du colbertisme: tat et industrie dans

la France

des lumieres.

Paris: Fayard, 1998, p. 16 e p. 160.

25 P.

Ciocca, La nuova finanza in Italia: Una dijjicile

metamoifosi

(1980-2000). Turim:

Bollati-Boringhieri, 2000, p.

13.

26

P

Minardi, op. cit.,

p.

339.

46

Page 48: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 48/152

seja, serve para corrigir as tendências da economia, CUJO andamento

geral foge aos governos nacionais.

Observou-se, portanto, que se o Estado continua a ter papel im

portante, perdeu, todavia, a soberania econômica, porque

se

antes era

detentor de poder absoluto, agora é detentor de poder relativo, e os

limites do Estado e da economia não são mais os mesmos

27

2 o

stado pedagogo ao stado regulador

A data de nascimento do Estado pedagogo pode ser fixada em

1669, quando

Coibert

instituiu o corpo dos

inspecteurs des manujactures

para

controle da indústria - têxtil, do vidro, mecânica etc.

-

que atuará até

sua extinção, em 1791, em nome da liberdade econômica.

A instituição de órgãos de controle da economia respondia a um

objetivo iluminista. Os inspetores funcionavam como freio e direção

da atividade de particulares, em nome do Estado e como garantia de

qualidade dos produtos.

Na qualidade de informantes privilegiados do Estado, as tarefas

deles eram colher dados, propagandéar novas tecnologias, fazer circu

lar informações, aconselhar as empresas, apontar modelos produtivos

e controlar a aplicação de regras técnicas. Sua atividade era direcionada

à produção, mas os aspectos do consumo, do trabalho e da proteção

28

lhe eram estranhos.

27

São conclusões de M. R. Ferrarese, GlobalizZf1zione (aspetti istituzionalt) , in Enci

clopedia delle Scienze Sociali, vol.

di

aggiornamento. Roma: Istituto della Enciclope

dia Italiana, 2001; do mesmo autor,

''Le istit11zioni

de/la

globalizzazione:

Diritto ediritti nella

società transnazionale . Bolonha:

II

Mulino, 2000.

28 P. Minardi,

''La

fortune du

colbertisme:

Etat

et

industrie dans la France des lumieres. Paris:

Fayard, 1998,

p.

21,

p. 151

e

p.

159.

47

Page 49: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 49/152

A atividade dos inspetores, nos 120 anos de vida, foi exemplar e

serviu para criar

um

modelo em torno

do

qual nasceu e se desenvolveu

a

qNerelle Estado

intervencionista

laisserfaire

9

  que posteriormente, no

século XIX, será reacesa na Inglaterra por Albert Venn Dicey.

O modelo do Estado intervencionista,

ou

melhor, sua variante

de Estado pedagogo, terá sucesso na Itália durante o século

XX

devido

ao persistente atraso da economia, que fará

as

esperanças dos Nitti,

Beneduce e Vanoni* apostarem no Estado e em sua capacidade de guia.

Na primeira metade

do

século, destacam-se as empresas modelo

locais, que serviram para instruir os poderes públicos para que estes

melhor controlassem a parte restante da economia, os serviços itine

rantes de divulgação de agricultura - posteriormente órgãos periféricos

desse ministério

- ,

que ensinam técnicas agrícolas a

um mundo

rural

pouco desenvolvido, os entes públicos de Nitti e Beneduce que, em se

tores p.rivilegiados - obras públicas, indústria-, servem como estímulo

à

parte restante da economia.

Na segunda metade do século, destacam-se, ao contrário, os

planejamentos e a intervenção nos setores

de

base da economia

(Vanoni), que serviram como estímulo a outros ramos econômicos, a

concorrência promovida pela empresa pública - a política dos preços

dos produtos petrolíferos de Mattei,

por

exemplo**

- ,

a funcionaliza

ção da companhia privada

no

interesse público, baseada na ideia de su

perioridade

do

interesse público sobre o privado.

29

P

Minard, op. cit.,

p

1O

Francesco Saverio Nitti (1868-1953)

foi

um político italiano com papel decisivo du

rante a I

Guerra

Mundial e no pós-guerra;

foi

grande estudioso dos problemas do sul

da Itália e via na industrialização desse lugar a solução para os problemas econômicos

e sociais de lá Alberto Beneduce (1877-1944) foi economista e político italiano. Atuou

também como

administrador de importantes empresas estatais; foi ministro e deputa

do. Ezio Vanoni (1903-1956) foi economista e político italiano; exerceu várias vezes o

cargo de ministro da área econômica.

(N.

do T.)

48

Page 50: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

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No

rastro da

querei/e

Estado intervencionista laisserjaire, as re

lações Estado pedagogo-economia foram consideradas principalmente

em termos de oposição bipolar.

Na

realidade, o mito

do

Estado inter

vencionista sempre mascarou um jogo mais sutil do que o de liberdade

controle; jogo cujos grandes princípios não conseguem justificar

30

A ambivalência do chamado intervencionismo econômico está

retratada na frase dita por um produtor de algodão de Bourges ao inten

dente do comércio, em 1786:

"laissez-nous

faires,

protégez

nous beaucoup"

 

Ela simboliza as ambiguidades de uma liberdade econômica que é tam

bém proteção contra a concorrência estrangeira ou de outros setores,

garantia estatal de produtores e produtos contra fraudes e regulamen

tação pública que reflete ou repete convenções de qualidade reconhe

cidas pelos produtores e poder de organização em grupos legitimados,

justamente para influenciar

as autoridades públicas etc

32

Concluindo,

se

liberdade e proteção são simultaneamente exigidas

e introduzidas, é incompleta a apresentação de uma relação binômica

de oposição entre Estado e ecór 9mia, porque o Estado tanto controla

como protege. .

Nos últimos

25

anos, passou-s·e desse papel duplo do Estado -

bem definido na fórmula do Estado pedagogo - para um novo regime,

no qual prevaleceu um diferente papel do poder público, o de regulador.

Mesmo essa nova posição do Estado não pode ser reduzida ao

antagonismo liberdade privada/ingerência da administração. Aqui a re

lação entre Estado e economia é bem mais complexa. O Estado não

Enrico Mattei 1906-1962) foi empresário e dirigente político italiano, responsável

pela transformação da Agência Nacional de Petrólio AGIP), criada na época fascista,

em NI Ente Nacional de Combustíveis) no pós-guerra.

N.

do T

30 P.

Minard, op. cit,

p.

364.

31

Idem, op. cit.,

p.

294.

3

As ambiguidades da relação liberdade privada/intervenção estatal e a consequen

te crítica à postura intervencionista estão em M.S. Gianini, Diritto p11bbfico def 'economia.

Bolonha:

II

Mulino, 1993; ver também Minard, La fortune, p. 283, pp. 300-12,

p.

264

e pp. 13-15.

49

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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indica fins mas estabelece regras e procedimentos e não desempenha

ele

mesmo a atividade de execução mas a confia a autoridades de regu

lação

ou

adjudicação.

ntre

reguladores e regulados instauram-se re

lações não binárias mas multilaterais. Basta o exemplo das regulações

assimétricas introduzidas para facilitar a entrada de novos empresários

new entrants)

em

setores antes dominados por

um

monopolista de fato

ou legal

i n c u m b e n ~ .

Nesse caso a disciplina pública

na

medida em que

favorece alguns desfavorece outros. E não é feita para durar mas para

cessar ser substituída

por um

regime não desequilibrado mas paritário

no qual

s

empresas concorrem com

s

mesmas armas.

3 .

a

unid de à fr gment ção

do

controle

d economia

Se o governo da economia antes era confiado apenas ao governo

agora é atribuído a corpos autônomos.

No

passado a unidade de comando era entregue

à

cúpula

do

governo e todas

s

decisões importantes passavam pelos ministérios

econômicos. Para racionalizar o sistema instituiu-se

uma

infinidade de

comitês interministeriais

em

que políticos e burocratas de alto escalão

decidiam negociavam e mediavam. O lugar de decisões era competência

da política. O

método

de decisão era informal governado livremente

de acordo

com

o caso pela política.

Hoje

a situação mudou. Uma parte das decisões ainda é toma-

da pelo governo ou por instituições auxiliares

ou

descentralizadas. E

1

ainda são tomadas por meio de procedimentos não formalizados nem

l

estruturados.

Outra

parte ao contrário é atribuída a diferentes órgãos

como

autoridades independentes

ou

antigos

como

juízes.

Por

um

lado esses órgãos são parcialmente independentes da política;

i

por outro atuam - seja quando agem

como

reguladores isto é · com

funções próprias

do

Parlamento e do governo

ou como

adjudicadores

isto é com funções próprias da ordem judiciária - com procedimentos

1

50

Page 52: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

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predeterminados, estruturados segundo princípios de transparência, de

motivação das decisões etc.

Esse novo regime impressionou mais pelo aspecto organizacional

- e pela instituição de autoridades independentes - do que pelo as

pecto funcional; também importante, porque permite u diálogo entre

reguladores e regulados que imita e completa a democracia política.

Chamou mais atenção a instituição de novos corpos, do que a

litigation

explosion diante dos juízes, que produziu o intervencionismo econômico

da ordem judiciária, o desenvolvimento de u

proces économique

e de um

juge économiste3

3

Portanto, a unidade do governo da economia foi substituída

por uma fragmentação dos corpos públicos que intervêm, afetando a

economia. A ação de cima para baixo é integrada

por

mecanismos e

procedimentos que evidenciam os interesses, organizam seu jogo e

obrigam os poderes públicos a evidenciar as razões das escolhas. Ao

lado do Estado organizador do progresso econômico coloca-se o Es

tado relojoeira34, que controlá

se

os diferentes organismos marcam o

'

tempo, atuando segundo mecanismos predeterminados.

'

4

Incompletude e correções do novo regime

Se a história caminhasse por linhas retas, a análise das novas

tendências teria terminado. Mas, por um ladó, o que é novo se coloca ao

lado do que

existe;

por

outro, as novas tendências provocam reações

e correções que agravam o quadro.

O regime descrito não é inteiramente novo, porque se coloca ao

lado dos ordenamentos do regime anterior, que em parte sobrevivem.

A disciplina sobre a concorrência do Código Civil resiste mesmo após a

33

Ver os artigos reunidos em

Le

juge

administratif et

e contentieux

économique , Ac

tualitéjmidique-droit administratij.

Paris: Editions Dalloz, nº

9

20 de setemb;:o de 2000,

p. 679 e seguintes.

34

Minard, op. cit.,

p.

367 e p. 318.

51

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Lei de 1990 sobre concorrência e mercado

por

exemplo; a liberalização

do mercado de gás convive

com

a reserva da produção e da estocagem

do

gás.

A interação entre resíduos

do

velho regime e a afirmação

do

novo produz resultados inesperados. nquanto

no

âmbito nacional

por

exemplo liberalização e privatização seguem

no

mesmo ritmo

no

âmbito local a liberalização dos serviços públicos produz

uma

expansão

da esfera

do

comando público ou seja o contrário da privatização.

Além disso a perda da soberania

do

Estado no campo econômi

co o enfraquecimento de seu papel dirigista e a fragmentação interna

do controle público da economia privada produzem desequilíbrio entre

Estado e economia que os Estados procuram remediar de várias ma

neiras.

A primeira delas é o desenvolvimento no âmbito nacional de

r e e ~ intergovernamentais de poderes públicos. Dessa maneira leis na

cionais preveem que sob condição de reciprocidade entes e organis

mos nacionais colaborem

com

órgãos e entes similares de outros países

colocando-os em rede. Nesses casos a iniciativa é nacional. O resultado

são fórmulas supranacionais de cooperação consulta negociação etc.

Já a segunda maneira é mais estável e organizada; consiste na ins

tituição de entidades supranacionais para remediar

s

insuficiências es

tatais. O Estado que não consegue intervir de maneira eficaz faz com

que

outros

intervenham. A integração se realiza de cima para baixo

mediante proibições de discriminação harmonização e controle

do

país

de origem; e de baixo para cima mediante abertura

à

denúncia ao órgão

administrativo supranacional.

Essas correções complicam ainda mais

s

relações entre Estado

e economia que acabam sendo regidas

por

três diferentes tipos de re

gime: o antigo o novo e o novíssimo produzido pelas reações dos go

vernos nacionais ao enfraquecimento causado pelo novo regime.

52

Page 54: A Crise Do Estado

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IV

A erosão do Estado

m

fato irreversível?

1

m problema histórico

e culturalmente condicionado

s ordenamentos gerais contemporâneos têm ainda as organiza

ções estatais

como

organizações r egentes mas diferem dos ordenamen

tos do período do Estado burguês

por

dois aspectos: 1 o Estado-ente

não é mais governado apenas pela

~ l s s e

burguesa mas

por

todas

as

classes; 2 o Estado-ente não é mais apenas o poder público dominante

sobre uma série de entes menores dirigidos e controlados mas é um dos

poderes públicos existentes condicionado -

por

enquanto usamos um

termo genérico - por outros poderes públicos alguns de nível super

estatal outros de nível interno

35

Foi assim que em 1991 Massimo Severo Giannini resumiu a evo

lução do Estado moderno.

Convidados

a,

após uma década revisitar o tema sob o título

evocativo da passagem do Estado monoclasse

à globalização é apro

priado pontuar algumas observações.

35 Amministrazione

pubblica",

in Enciclopedia delle scienze sociali. Roma: Is

tituto della Enciclopedia Italiana 1991 vol.

1,

p. 193; de Giannini ver também

II

potere

pubblico: Stato e

atnministrazionepubb iche".

Bolonha: Mulino 1986.

53

Page 55: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 55/152

Primeiramente, Estado pluriclasse e globalização indicam pro

blemáticas, não institutos

ou

conceitos definidos.

Por um

lado, não se

pode, de fato, mais falar em classes

36

;

por outro, não existe economia

global, mas acentuação da velocidade de transmissão

37

  em que eventos

locais são influenciados por eventos distantes.

m

segundo lugar, sendo a erosão

do

Estado

um

processo não

linear e historicamente condicionado, é preciso indicar o período de

referência e a área geográfica de observação ao analisá-la. O que acon

teceu na

uropa

nos últimos 25 anos faz parte de

um

episódio mundial

que se desenrola, porém, de maneira diferente na América

do

Sul. Nas

primeiras décadas do século XX, também se falou e se escreveu sobre

a crise estatal, mas isso não significa que a crise

do stado

das últimas

décadas

do

referido século seja regulada pelo mesmo sistema. Aquela

não apenas era outra crise, como também dizia respeito a outro Estado.

Por fim, uma vez que toda sociedade é dotada de redes de sig

nifitados implícitos, por meio dos quais interpreta e aplica os eventos

institucionais, ao lado de fatos e instituições existem duplos imaginários,

que devem ser considerados separadamente

38

Essas observações indicam que devemos considerar todas asam-

biguidades relacionadas ao tema

e

ao mesmo tempo, as tensões produ

zidas por

elas.

36 Sobre dúvidas relacionadas à classe e pluriclasse , Giannini e

S.

Cassese,

Lo

stato

p uriclasse in

Massimo

Severo

Giannint'',

in S. Cassese; G Carcaterra; M. D'Alberti e

A.

Bixio,

''L'unità dei diritto.

Bolonha : Il Mulino, 1994,

p.

11.

37

A

Giddens, Le

conseguenze

de a modernità. Bolonha : Il Mulino, 1994, p. 71. Ver

também síntese da vasta literatura sobre o tema em Y Meny e Y Surel,

Par

e peuple,

pour e

peup e. Paris : Fayard, 2000,

p.

134 e seguintes.

38

A questão foi,

por

último, enfatizada

por L.

Mannori,

Droit

administratiJ' e

Ad-

ministrative

fmv": "Rivisitando un'antica dicotomía",

Quaderni fiorentini per la storia dei

pensiero giuridico moderno. Milão: Giuffre, nº 26, 1997, p. 606.

54

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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2 recuo da soberania

O Estado soberano controla a força, domina a tecnologia e a

economia, reconhece apenas instituições iguais - ou seja, outros Esta

dos. Mas hoje tudo isso é apenas parcialmente verdade.

Em

primeiro lugar, os Estados modernos e suas extraordinárias

transformações ao longo do século XIX são fruto das guerras. O Banco

da Inglaterra originou-se das exigências bélicas da Inglaterra em luta

com a França. As primeiras tributações das rendas foram impostas pelas

guerras. A levée en masse foi introduzida pela Revolução Francesa, em

um estado de tensão com todas

as

potências europeias

39

Se, em

1876,

o Home Office inglês tinha 36 funcionários, na década seguinte,

80

do

orçamento estatal inglês era absorvido por gastos militares

40

Tudo isso mudou na segunda metade no século

41

• O percen

tual de

~ s t o s

militares, em relação aos gastos públicos totais, foi dimi

nuindo progressivamente, com ,exceção dos Estados Unidos. O serviço

militar obrigatório foi abolido pril:neiramente no Japão, depois

no

Reino

Unido

(1960),

Estados Unidos

(1973),

Bélgica

(1994),

França

1996)

e

Itália

(1999). Os

Estados, portanto, reduzem o uso da força e dos exér

citos. Além disso, a defesa tende a se trànsformar - como demonstrou

a guerra de Kosovo - de função nacional em tarefa supranacional (de

national

public

good a

club good,

como dizem os ingleses), confiada à

OT N

ou

à

ONU.

Além disso, a tecnologia, antes instrumento do Estado, foge a

eles. Imprensa, estradas, ferrovias e telecomunicações eram instrumen

tos do Estado. Agora o transcendem e o submetem às suas regras. O

.

.

39 M.

van Crev.eld, The

Rise

and Decline

o

the State . Cambridge: Cambridge Univer-

sity Press, 1999,

p.

336 e seguintes.

40 Mannori, op. cit.,

p.

595.

41

Isso pelo menos em países desenvolvidos. Ver

C. S.

Maier,

II ventesimo seco/o e tato

peggiore degli

altri?

Un bilancio stotico alia

fine

dei Novecento . Bolonha: Mulino, 1999, noº

6,

p.

995 e seguintes.

55

Page 57: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 57/152

transporte aéreo é regulado mais pelas associações setoriais, entre as

quais a IATA, do que pelos Estados. A União Telegráfica Internacional,

posteriormente União Internacional das Telecomunicações, a União

Postal Internacional, o Escritório Internacional de Pesos e Medidas,

instituídos entre 1870 e 1880, determinam hoje os padrões impostos

pelos Estados. E se antes os Estados governavam e controlavam as

comunicações interestatais entre os indivíduos, atualmente estes

podem

estabelecer,

por

meio de rede eletrônica, relações diretas entre si, cons

tituir redes, associações e grupos internacionais, sem que os poderes

públicos gerais tenham possibilidade de interferir4

2

Os Estados, ainda, pelo menos os desenvolvidos, governavam a

economia. Na realidade, os mercados são produto de institutos dos Es

tados, regidos

por

leis estatais - os códigos, primeiramente. Muitas ve

zes, isso ainda é verdade, mas

nem

sempre. Existem aspectos econômi

cos

qi.:e

se desvinculam dos Estados e outros que acabam se

impondo

a eles.

No

primeiro caso,

podemos

citar muitas transações financeiras

e s.ociedades multinacionais. Estas têm - é verdade - sua base

em

um

Estado, mas atuam em vários; encontram-se, pois, sob a jurisdição de

vários Estados. Portanto, suas estruturas operacionais representam uma

ameaça para cada Estado, porque o transcendem.

No segundo caso,

um

exemplo é a

rating

dos Estados - os débitos

públicos são avaliados pelos mercados financeiros e a solidez financeira

dos Estados é submetida a julgamento igual ao que se aplica a uma em

presa.

á

aqui

uma

funcionalidade invertida entre Estado e mercados:

cada vez mais os Estados tendem a se tornar funcionais aos mercados ,

por isso estes se desvinculam

do

poder estatal e assim, se descontex-

4

Sobre

as

estruturas e a política em rede, ver C. Ansell, The Netivork

Poli()': Regional

Development in Western

Europe , Governance. Nova York: John Wiley and Sons, vol. 13,

nº 3, julho de 2000,

p.

303.

56

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 58/152

tualizam. Os limites dos Estados não assinalam mais os limites dos

mercados

43

,

Outro aspecto é que os Estados são capturados na rede dos po

deres públicos supraestatais, por eles próprios constituída. O fenômeno

mais evidente e estudado é o desenvolvimento das organizações inter

governamentais, gerais e especiais, mundiais e regionais.

Eram

123, em

1951, 280, em 1972 e 395, em 1984. Ocupam-se das matérias mais di

versas, como transporte aéreo, conservação da fauna, polícia, aduanas

e materiais perigosos

 

. Sobre elas há rica literatura geral e específica,

que, porém, transpõe para o nível internacional conceitos e caracterís

ticas do direito interno e especialmente, a ideia de que a mganização

pública é composta de mecanismos pontuais figuras jurídicas subjetivas

personificadas).

Mas a governança global

vai

muito além dos organismos inter

governamentais, que se desenvolveram lentamente na primeira metade

do século XX e mais rapidamente na segunda metade, atingindo ago

ra uma massa crítica pelo efeito· cumulativo e se encontram,

às vezes,

,

em concorrência com os Estados; outras vezes, os refreiam em uma

rede muito compacta.

poderes públicos

in

nuce, segundo o modelo

definido

como

hanging together, constituído pelas cúpulas semestrais dos

chefes de Estado

ou

de governo dos sete

ou

oito países mais industriali

zados45.

Há organizações internacionais que não correspondem ao mo-

43

M.

R Ferrarese,

Le

istituzione

dei/a globalizzazione:

Din tto e din tti nella società trans

nazionale .

Bolonha: Il Mulino, 2000,

p.

14,

p.

23

p.

41,

p. 53

e p.

59;

ver também S.

Cassese, Oltre lo Stato: i limiti dei governi nazionali

nel

controllo

dell'economid',

in F Galgano;

S. Cassese; G. Tremonti e T Treu, Nazioni

senza

ricchezza, ricchezze

senza

nazione . Bo

lonha: Il Mulino, 1993,

p.

35.

44

S.

Cassese,

Gli Stati

nella rele

internazionale dei poteri

pubblict , Rivista trimestrale

di

diritto pubblico. Milão: Giuffre, nº

2

1999, p. 321. Sobre os ordenamentos suprana

cionais gerais e regionais, van Creveld, The Rise, p. 388.

45

R. Putnam, N. Bayne, Hanging Together.

The Seven-Po1ver

Summits . Londres: Hei

nemann Educational Books, 1984.

57

Page 59: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 59/152

delo Drummond

46

,

como

o Clube de Paris' '. Há Cortes internacionais

cada vez mais numerosas: jurisdições penais

(ad

hoc, como as instituídas

em 1993 e 1994,

ou

gerais,

como

a Corte Penal Internacional), o órgão

de solução das controvérsias da Organização Mundial

do

Comércio e

o Tribunal sobre Direito

do

Mar

47

Existem

as

redes constituídas

de

baixo para cima , mediante acordos e remissões recíprocas a regula

mentos entre autoridades da concorrência, monetárias e bancárias, de

controle dos mercados financeiros etc. - nesses casos, são acordos que

cada

um

realiza na própria nação, mas, dessa maneira, acabam

por

cons

tituir

um

direito superior e dependência recíproca para a atuação

48

Há,

enfim,

as organizações internacionais não governamentais.

Esse

mundo

supraestatal apresenta diversas características in

teressantes. Ele atua de maneira diferente dos Estados, porque não é

monopolista - não há apenas

um

sujeito,

nem

apenas

um

governo glo

bal, ainda que haja

uma

governança global

49

Provoca

um

aumento do

número dos produtores de direito. Propaga seft

law,

pois este é ser:i

pre negociado e não se

impõe

por meio de fórmulas rígidas.

Como

resultado, temos perda de completude, sistematicidade e unidade dos

ordenamentos jurídicos, a favor da informalidade e

do

desenvolvimento

de zonas cinzentas. Desagrega os Estados

50

, pois os órgãos internos

especializados estabelecem relações

com

os órgãos internos similares de

outros Estados, superando e

rompendo

o paradigma

the State-as-a-unit.

46

S. Cassese,

Relations

between Internationa/

Organisations

and

Nationa/Administrations ,

IISA, Proceedings. XIX Congresso Internacional de Ciências Administrativas, Berlim,

1983.

47 P.

M. Dupuy, La multiplication desjurisdictions internationa/es menace-t-e//e le maitien de

l'unité de l'ordre

juridique international?',

in Clés pour le siêcle. Paris: Dalloz, 2000, p. 1221.

48

A

M.

Slaughter,

The Real New World Ordel',

Foreign Affairs. Palm Coast: Council

on Foreign Relations, vol. 7

6

nº 5, setembro e outubro de 1997, p. 183.

49

W Reinicke,

Global Pub/ic

Poliry:

Governing without

Government? Washington:

Brookings Institution Press, 1998.

50

Ferrarese, op. cit., principalmente

p. 61

e seguintes,

p. 71

e seguintes e

p.

94 e

seguintes, e Cassese, op. cit.

58

Page 60: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 60/152

Por fim, ao lado dessas ameaças externas,

os

Estados registram

modificações internas. Há, primeiramente, corrosão

51

da identidade es

tatal e pública -

se

em Hegel e Weber, o público estava em primei

ro plano, agora público indica organismos ineficientes, tanto que

se

procura diminuir sua área mediante privatizações e externalizações de

serviços públicos.

m segundo lugar, há um declínio de muitas instituições carac

terísticas do Estado: empresas públicas, que tendem a desaparecer, ins

titutos de proteção social, que têm sua importância universal redimen

sionada e as fronteiras, que

se

tornam permeáveis.

Atenua-se ainda o componente autoritário dos Estados - eles

recorrem menos à autotutela, e a área dos atos subtraídos ao controle

dos juízes é reduzida até

se

anular.

Enfim, é redefinida a própria organização do Estado, que renun

cia

às suas funções em favor de regiões menores (federalismo interno)

e de regiões maiores (federalismo externo). Por isso, perde-se também

o vínculo político unitário do Cidadão com o Estado, em favor de uma

balcanização dos pertencimentos e das identidades

52

3 . s reações o

Estado

Se

os Estados recuam - segundo a abusada fórmula inglesa-, e

a governança global foge aos Estados, isso' significa que os Estados

estão destinados, a longo prazo, a sucumbir?

falamos no início da am

biguidade do fenômeno e das tensões que ela produz. Consideraremos

agora, mais de perto, ambiguidades e tensões.

51

um termo usado por Giannini, em Amministrazione pubblica,

p.

189.

52

J Chevallier, L'Etat. Paris: Dalloz, 1999. Ver também

F

Tamassia, Nazione,

Stato,

Europa , in Democrazia, Nazione e Crisi delle Ideologie. Milão: Luni, vol. IX, 1997, p.

57, col. Annali della Fondazione Ugo Spirito.

59

Page 61: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 61/152

Primeiramente, os funcionários públicos pasrnram, na segunda

metade

do

século XX, de cerca de 10% a aproximadamente

um

quarto

da força

ele

trabalho nos países ocidentais. E o gasto público, em relação

ao produto interno bruto,

no

mesmo período e na mesma área geográ

fica,

passou de cerca de 30% para cerca de 40%

53

• Se houve recuo, por

tanto, foi de alguns setores - principalmente, gestão pública e bem-estar

- ,

não

do

Estado em sua totalidade, que, ao contrário, aumentou em

suas dimensões.

Depois, os Estados descobriram novas tarefas, entre as quais a

principal é o

market

bui ders

-

por

um lado, existem setores da econo

mia que devem seu desenvolvimento ao Estado (tecnologia avançada,

espaço e defesa, biomedicina);

por

outro, são instituídos novos orga

nismos, em geral independentes, para regular setores nos quais antes

a presença estatal era ocasional

ou

mal organizada (telecomunicações,

bolsa, mercados financeiros

54

  .

Os aspectos característicos desses setores

são três: caráter

não

majoritário dos organismos de regulação, no sen

tido de que a eles não se aplica o princípio da ministerial responsabi ity; o

pàpel dominante

do

Estado

na construção dos mercados nos diversos

setores, mas não na gestão de empresas nesses mercados; o modo em

que reguladores e regulados jogam com as regras, em contínua com

paração com outros países - basta pensar na licitação para a UMTS* e

no gravame fiscal

no

setor das telecomunicações.

Por fim, os Estados tentam manter sob controle os níveis su

periores de governo - a governança global foge aos Estados, mas eles

tentam renacionalizá-la. Dessa maneira, desenvolve-se, tanto fora das

constituições nacionais

como

das constituições supranacionais, o

infra

nationa ism55, cujo exemplo mais importante é o dos comitês da União

53 Van Creveld, op. cit., p. 361 e seguintes.

54 A.M. Sbraggia,

"Governance,

the

State,

and the Market:

What is Going

on?'', Governan

ce. Nova York: John Wiley and Sons, vol. 13, nº

2,

abril de 2000, p. 243.

UMTS: Universal Mobile Telecomunication System.

(N.

do

T.

55 O termo é de

J

H. H. Weiler,

The Constitution o

Europe". Cambridge: Cambridge

University Press, 1999, p. 96 e seguintes.

60

Page 62: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 62/152

Europeia, que respondem

à

exigência dos Estados de manter a União

sob controle por meio de

midd/e

range officia/s que estabelecem a

meso-/eve/

f

governance.

As tensões que se desenvolvem

por

causa dessas ambiguidades e

contradições exigem adaptações recíprocas que são obtidas

por

meio de

formas de convivência entre os diferentes direitos, nacional e suprana

cionais e internacionais, sobrepostos entre si Dessa maneira, repetem

se experiências do passado, como a do jus commune da área européia

do período que vai até o século XIX, quando

jus

commune e ittra propria

éoexistiam

56

, e a da

indirect rufe

do colonialismo inglês, principalmente

do

século XIX, em que conviviam direito constitucional inglês e direi

tos locais civil e administrativo

57

• Ou ainda a a experiência dos Esta

dos compostos

(Res

publica

composita,

segundo expressão de Pufendorf ,

como

o

Kaisertum Ôsterreich

ou o Império Otomano, constituídos

por

Estados multinacionais com vários componentes - Áustria, reinos da

Boêmia e Hungria, Silésia, Carniola, Galícia, Transilvânia, Eslavônia,

Croácia, Tirol, Lombardia, Vêneto, Morávia, Estíria e Caríntia, no pri

meiro caso; Turquia, Sérvia, Grécia,. Bulgária, Argélia, Tunísia, Líbia,

Iraque, Egito e Síria, no segundo - e poucos órgãos e funções comuns,

ordenados

em

estruturas em vários níveis, com equilíbrios precários e

continuamente negociados

58

56

Em relação a esse fenômeno, sobre o qual existe vasta literatura, mais recente

mente, com relação ao direito comunitário, pode-se consultar J Gaudemet, Du ius

commune

au droit communautaire ,

in Clés pour

le

siecle. Paris: Daloz, p 1011.

57

Sobre esse fenômeno, pouco pesquisado, há um estudo fundamental do antro

pólogo B Malinowski, The Dynamics o Cultural Change .

New

Haven: Yale University

Press, 1961.

58 o lado do aspecto composto dessas entidades, é interessante notar o fato de que

elas dominavam grandes espaços, mas poucas pessoas, pelo menos segundo critérios

contemporâneos, o primeiro com cerca de cinquenta milhões de habitantes, o segun

do, com quarenta milhões.

61

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 63/152

Esses direitos sobrepostos e a busca contínua

por

adaptação tor

nam precário o equilíbrio dos sistemas nacionais binários

59

e aumentam

sua complexidade< º. Isso não impediu que os Impérios Habsburgo e

tomano durassem entre seis e nove séculos.

Mas o Estado, erodido e subjugado

por

outro direito, parece re

tornar ao centro, em

um

evento que não tem resultados irreversíveis

61

Concluímos então que fala-se muito hoje

em

globalização, mas

para passar de

uma

nação a outra, fora da Europa, é necessário passa

porte e muito dinheiro local. Phileas Fogg, ao contrário, deu sua volta

ao mundo

em oitenta dias -

na

história de Verne -

com

moedas de ouro

e sem passaporte.

59

D Truchet, La structure

du

droit

administratif

peut-e/Je demeurer

binaire?',

in Clés pour

le

siecle. Paris: Daloz,

p.

443.

60 F Burdeau, La

comp essité

n'est-e fe

pas

inhérent

au

droit

administratif? ,

in Clés pout

e siecle. Paris: Daloz, p. 417.

6 V Wright e

S.

Cassese, La recomposition

de f Etat en

Europe." Paris: La Découverte

1996.

62

Page 64: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 64/152

V

Os

Estados na rede internacional

dos poderes públicos

1

ntrodução além do stado

ma

organização militar multinacional intervém em um conflito

étnico dentro de um Estado. Urµ tribunal das Nações Unidas julga e

condena pessoas responsáveis por r ~ m e s de guerra e contra a humani

dade, cometidos dentro de seus países.

m

tribunal inglês considera que

o ex-chefe de um Estado estrangeiro

pode

ser extraditado e submetido

ao julgamento de uma corte espanhola por crimes contra a humanidade

cometidos em seu próprio país. ma empresa francesa dirige-se União

Europeia para garantir que autoridades italianas lhe concedam uma li-

cença de telecomunicações. Esses e outros exemplos demonstram que o

mundo, repleto de Estados até o século XIX, agora está pleno de orde

namentos supraestatais e que os Estados perderam a exclusividade que

antes lhes era própria, não apresentando mais barreiras intransponíveis.

Nessa situação, é interessante responder a três perguntas:

a que características apresentam os dois tipos de ordenamentos

supraestatais (internacionais e supranacionais)?

b) que efeitos sua criação produz nos Estados?

63

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c como

interagem os três tipos de poderes públicos: internacio

nais, supranacionais e estatais? Qual a ordem geral que se estabelece

entre eles?

2 .

s poderes públicos intern cion is

O modelo estadocêntrico passa a ser questionado primeiramente

pelo surgimento de poderes públicos internacionais.

Estes apareceram na cena mundial no início do século XX, com

ordenamentos setoriais - para os correios,

por

exemplo - e gerais -

como a Sociedade das Nações - mas sempre abertos a todos os Esta

dos - e, portanto, gerais no sentido subjetivo. Seu ordenamento, porém,

fez com que fossem, em princípio, instrumento essencialmente pactua ,

ainda que multilateral. Na realidade, eles têm tarefas que são próprias

dos

~ t a d o s

e o órgão de decisão composto por representantes de Es

tados.

Por influência inicial do modelo burocrático inglês na Sociedade

das Nações, eles são dotados de secretariado, que constitui

um

órgão

executivo e de promoção. Os secretariados representam a primeira for

ma de

uma

burocracia e de

um

direito administrativo internacionais,

porque desde o início se descartou a ideia de que deveriam representar

as burocracias nacionais - a importância dessa iniciativa pode ser me

dida ao considerarmos que ainda hoje poderes públicos mais desen

volvidos,

como

os supranacionais, têm executivos compostos de repre

sentantes nacionais; é o caso do Grupo Mercado Comum do Mercosul.

Na segunda metade

do

século XX, ocorreram duas mudanças,

uma quantitativa, outra qualitativa. A primeira refere-se ao crescimento

do número de poderes públicos internacionais, que quadruplicou na

década de 70 e continuou aumentando ainda em ritmo intenso. E au

mentaram

também

os Estados que aderiram às organizações governa

mentais internacionais.

64

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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 66/152

A segunda mudança está relacionada

às

tarefas e poderes dos

poderes públicos internacionais. Aos organismos que conservam

0

caráter pactua

do

direito internacional dominado pelos Estados e

que são, portanto, fórum de debate, negociação e acordo, juntaram

se organismos com tarefas e poderes de regulação próprios. Como a

Organização Mundial do Comércio, que tem um poder regulador em

relação a direitos aduaneiros, restrições quantitativas e subvenções para

agricultura, indústria, serviços, propriedade intelectual e contratos da

administração pública. Esse poder regulador tem caráter secundário e

é desempenhado no exercício das funções de controle da execução dos

acordos sobre o comércio.

Na

realidade, uma das principais tarefas da

Organização é assegurar que os acordos sejam cumpridos e adotar de

cisões interpretativas das normas estatutárias, além de decidir sobre as

controvérsias aplicativas.

A essas mudanças junta-se outra, produzida não pelos poderes

internacionais, mas pelo mercado. Trata-se do esvaziamento dos Esta

dos, que cedem seus poderes ao'n;:iercado, reduzindo o âmbito de sua

atuação e recuando - é assim, por exe;mplo, para garantia do valor da

moeda, correção dos ciclos econômicos: tutela das fronteiras etc

62

62 Para breve apresentação da rede internacional dos poderes públicos,

S

Cassesé,

"Re ations Between Internationa Organisations and Nationaf Administrations , IISA, Procee

dings. XIX Congresso Internacional de Ciências administrativas, Berlim, 1983. Sobre

organismos internacionais e supranacionais, "Organisations

internationales

à

vocation uni-

versel e". Paris: La Documentation Française, 1993; "Organisations internationales à vocation

régionale". Paris: La Documentation Française, 1995;

"Organismes

économiques internatio-

naux,

documents rassemblés et présentés par

L

Sabourin avec la participation de l'Agence

de coopération culturelle et technique, col. Retour aux textes;J. Kraus, Les negotiations

du GATT Comprendre les résultats de f'Uruguqy

Round". Chambre de Commerce Inter

nationale. Sobre a Organização Mundial do Comérico,

P A

Messerlin,

La

nouvefle

organisation

mondiale

du commerce''. Paris: IFRI-Dunod, 1995;

M

Rainelli, L'Organisation

mondiafe

du

commerce.

Paris:

La

Découverte", 1996. Sobre o efeito direto das disposições

do GATI P Eeckhout, The Domestic Legal Status o the VTO Agreement: Interconnecting

Legal

Systems",

Common

Market Law

Review

1997,

p

11 e seguintes.

65

Page 67: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 67/152

3 .

s poderes

públicos supr n cion is

Na segunda metade do século XX, colocaram-se ao lado dos

poderes públicos internacionais os poderes públicos denominados

regionais,

porque

incluem Estados vizinhos de determinadas regiões

- Comunidade, posteriormente União Europeia (1957), Mercado Co

mum Centro-americano (1960), Pacto Andino (1960), Associação dos

Países do Sudeste Asiático (1967), Comunidade Econômica dos Países

Caribenhos (1973), Maghreb (1989), Mercosul (1991),

NAFTA

(1994).

Esses e outros organismos têm desenvolvimento diferente, al-

guns possuem estruturas elementares, porque são pouco mais

do

que

zonas de livre comércio e uniões aduaneiras, outros têm estrutras muito

complexas e ramificadas. Todos, porém, são organismos, pelo menos

em princípio, de caráter econômico.

Considerando o grande número de diferenças, é pertinente tomar

apenas um exemplo - o mais

desenvolvido-

a União Europeia, tam

bém oriunda de uma união aduaneira (que ainda a embasa) e de um

mercado

comum

(ainda parte preponderante).

A União Europeia é

um

conjunto de organismos -

do

qual

faz

parte a Comunidade Europeia

-

caracterizado

por

vários elementos.

Em primeiro lugar, tem tarefas próprias,

em

geral, não exclusivas. Isso

quer dizer que ela as reparte

com

os Estados, assim como, para exem

plificar, os Estados centrais têm competências concorrentes com

as

regiões.

A segunda característica é que o direito da União é

um

higher

law

pois conquistou prevalência em relação aos direitos nacionais, que de

vem se adequar a ele. Os princípios do efeito direto do direito comu

nitário nos ordenamentos nacionais e da supremacia do direito comu

nitário tiraram o direito europeu do controle de parlamentos, governos

e cortes constitucionais nacionais. Graças a essa supremacia

do

direito

comunitário, a União impôs respeito a regras comuns de concorrência, a

tipologias padrões de negociação da administração pública, a princípios

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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 68/152

fundamentais da finança pública e privada etc., assegurando a padroni

zação dos mercados, indispensável para eliminar barreiras impostas pe

los Estados. Por conseguinte, os ordenamentos dos quinze Estados que

fazem parte da União adquirem,

por

um lado, uma parte comum; por

outro, se aproximam e portanto, assistem à aceleração dos processos de

. convergência recíproca.

A prova da força do primeiro fenômeno está no desdobramento

do chamado direito comunitário em duas partes. A primeira é constituí

da pelo direito comunitário geral, agora limitado ao direito constitucio

nal comunitário, que é autônomo. A segunda é composta pelo direito

comunitário especial, produzido pelo direito derivado, que se une aos

vários ramos do direito aos quais se liga, constituindo sua base.

Ainda mais discutida é a convergência que assim se produz. Com

relação a isso, há quem negue a existência de convergência; quem a ad

mite, mas afirma que não é facilitada pelo direito comunitário; os que

a reconhecem, mas consideram que se limita a institutos específicos -

estes, posteriormente, se

e n t r a t i h ~ m

em diferentes contextos e

por

isso

adquirem diferentes vieses. Há, enfim, quem afirme que são justamente

os contextos que assumem características comuns, por esse motivo os

institutos específicos são diferentes, os ordenamentos,

em

sua totali

dade, se aproximam.

a terceira característica do ordenamento europeu é a Comissão;

organismo guardião dos interesses comunitários, nascida para mandar

fazer , não para fazer' ', segundo a famosa expressão de Jean Monnet,

transformou-se em organismo de disciplina (emana normas minucio

sas sobre uma quantidade de assuntos como cintos de segurança dos

automóveis, padrões de limpeza dos matadouros, requisitos dos cos

méticos, duração dos períodos de licença paternidade etc.), de controle

de segundo grau sobre o funcionamento dos controles nacionais e de

gestão - esse é

um

dos pontos ressaltados pelo Comitê dos Sábios,

cujo relatório provocou a crise da Comissão Santer. Posteriormente, a

Comissão criou uma rede própria de agências, que desenvolvem tarefas

especializadas, muitas das quais não estão em Bruxelas. Além disso, para

67

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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 69/152

poder adquirir informações e garantir o cumprimento das burocracias

nacionais, a Comissão estabeleceu,

por

meio de centenas de comitês,

relações estreitas com

as

administrações nacionais, com as quais, por

tanto, existe agora relação recíproca de colonização.

Enfim, os outros órgãos motores da União são o Tribunal de Pri

meira Instância e a Corte de Justiça, aos quais podem se dirigir os juízes

nacionais talvez esse seja o principal aspecto distintivo entre União u-

ropeia e Mercosul, que tem apenas um Tribunal Arbitral). Dessa forma,

estabelece-se, antes mesmo de uma

uropa

política, uma uropa ju

diciária. Os juízes comunitários criaram progressivamente princípios

para assegurar a supremacia do direito comunitário sobre os direitos

nacionais e princípios para controlar os aparelhos comunitários. ntre

os últimos, um dos mais interessantes é o da proporcionalidade, impor

tado do direito alemão,

onde

foi criado, para o direito comunitário, onde

vingou e de

onde

se propagou para outros direitos nacionais,

como

o

inglês e o italiano trata-se de

um

belo exemplo de migração de institu

tos jurídicos).

Para ilustrar como a União atua e como amplia progressivamente

sua esfera de ação, podemos recorrer a um exemplo. A União introdu

ziu novos princípios, inspirados na concorrência, no setor dos serviços

públicos, antes dominado pelos monopólios.

Os

governos nacionais

são obrigados a aplicar

as

normas comunitárias, permitindo, portanto,

que novas empresas entrem em setores como telecomunicações, energia

elétrica, gás, transporte ferroviário, correio etc. Se uma empresa de

um

dos países membros da União constata que continuam existindo bar

reiras ao acesso, pode apontá-las à União Europeia. Esta, por sua vez,

realizará

uma

instrução, notificará o governo nacional sobre a inob

servância e caso persista o inadimplemento, poderá recorrer ao juiz

comunitário, capaz de condenar o Estado ao pagamento de uma soma

em

dinheiro utilização

da

responsabilidade

como

deterrente).

Esse exemplo, que sempre se repete, tem cinco aspectos caracte

rísticos. O primeiro deles é que a força da União se funda

no

princípio

da

não discriminação;

um

operador, nacional

ou

estrangeiro, não pode

68

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ser tratado de maneira diferente de outro. Por sua dimensão, esse princí

pio confere

à

União possibilidade muito ampla de ação.

O segundo aspecto é que a Comissão, para poder desenvolver

esse papel de guardiã da atuação do direito comunitário, não podendo

dispor de inspetores próprios, deve se servir da colaboração de sujeitos

privados, interessados em fazer valer os próprios interesses perante os

governos nacionais. Para alcançar esse objetivo, a Comissão, mesmo

sendo em seu. funcionamento interno

um

órgão burocrático e lento,

atua externamente com elevado grau de informalidade e abertura, per

mitindo, portanto, fácil acesso. Essas condições, por sua vez, facilitam

o desenvolvimento de organismos privados de representação ou defesa

de interesses;

uma

das características mais frequentemente apontadas

da União é o crescimento de grupos de interesse e lobbies, que repre

sentam os mais diferentes tipos de interesses nacionais em Bruxelas.

Esses organismos, cuidando do próprio interesse, permitem, ao mesmo

tempo, que se alcance

um

fim comunitário. E a Comissão tem todo o

interesse em que eles atuem como:'delatores , em função do fim comu

nitário da não discriminação.

O terceiro aspecto

c r c t e r í s t i c ~

é a constituição de uma relação

trilateral entre sujeito privado, administração nacional e administração

comunitária, em que a segunda é contraposta à terceira em virtude da

iniciativa do primeiro. Trata-se de uma modificação radical quanto

relação bilateral tradicional entre cidadão e administração pública.

O quarto aspecto é que a Comissão intervém em âmbito nacional

para assegurar a atuação do direito comunitário, mas agindo principal

mente

com

base em situações que se criaram em outros países comu

nitários.

a

realidade, a Comissão considera, em primeiro lugar, a exi

gência de equiparação dos ordenamentos e portanto, não pode permitir

que haja atuação desequilibrada das normas comunitárias.

A situação da maior parte dos países, portanto, constitui o padrão

para a ação da Comissão.

69

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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O quinto e último aspecto é a irrelevância da distinção entre le

gislação e administração nesse processo de atuação.

Na

realidade, não

apenas inexistem critérios precisos para distingui-las no direito comu

nitário, como não há nem mesmo necessidade de diferenciá-las no di

reito interno, contando apenas o efeito útil.

Realiza-se, assim,

uma

forma especial de competição reguladora,

não no sentido de competição entre Estados para influenciar conteúdos

e formas da regulamentação europeia, a fim de minimizar os próprios

custos de adaptação,

nem no

sentido de que sejam obrigados à corrida

à

baixa para atrair

ou

manter móveis os fatores de produção, e sim no

sentido de que a comparação entre diferentes níveis nacionais de atua

ção permite formar

um benchmark

para controle da atuação por parte de

cada Estado.

, É

possível concluir então que a União Europeia, em

um

curto

período - quarenta anos - e

com um

processo que sofreu acelerações

e desacelerações, tornou-se um poder público eficaz, porque tem sido

capaz de se

impor

aos Estados, mesmo desafiando os princípios mais

consolidados dos poderes públicos,

já que não se embasa em

um

povo,

não é soberana e não tem seu próprio

poder

de tributação embora tenha

entradas diretas.

Por

esses motivos,

um

dos maiores erros é considerar

a União

um

Estado

63

63

Sobre os organismos supranacionais,

C.

Chapuis,

Die

Übertragung

von Hoheitsre

chten auf supranationale Organisatiiinen .

Basiléia e Frankfurt: Helbging Lichtenhahn,

1993;

C. D.

Classen,

Die

Europaisierung

des V e n J J a l t u n g s r e c h t s ~

in

K. F

Kreuzer;

D.

H.

Scheuing e U. Sieber,

Die

Europaisierung der mitgliedstaatlichen Rechtsordnungen

in

der Euro

paischen Union''. Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschafts, 1997, voi.

1.

Sobre a teoria

unitária da União. A von Bogdandy; M. Nettesheim, x Pluribus Unum: Fusion of

the European Communities into the European Union, European Law Journal. Nova

York:

John

Wiley and Sons, 1996,

p.

267 e seguintes. Sobre

as

modificações

do

Estado,

S. Strange,

The

Defective

State, 'Vaedalus .

Vol. 124, nº

2,

primavera de 1995,

p. 55

e

seguintes; V Cable,

The

Diminished Nation-State:

a

Study in

the

Loss o

Economic

Power,

' V a e d a t J S ' ~ vol. 124, no 2, primavera de 1995, p.

23

e seguintes (número sobre

What

70

Page 72: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 72/152

4

Os

poderes públicos supr n cion is e

os stados

Examinados os novos poderes públicos gerais passaremos agora

ao segundo ponto que se refere sua influência sobre os Estados.

A primeira consequência do desenvolvimento da rede dos pode

res supraestatais é os Estados serem condicionados no exercício da so

berania por instituições superiores. Na realidade qualquer decisão in

terna relativa ao setor postal ao transporte aéreo ao uso da plataforma

marítima ou ao setor ambiental está condicionada ao respeito a padrões

e critérios estabelecidos no âmbito internacional ou supranacional. O

resultado é que os ordenamentos internos devem respeitar não apenas

o direito estabelecido pelo Estado mas também o direito estabelecido

fora dele.

A segunda consequência está vinculada primeira ou seja os Es

tados perdem a exclusividade de suas funções devendo partilhá-las com

outros organismos. O fato de que isso ocorre

com

a colaboração dos

próprios Estados

como

resultado de sua autolimitação não diminui a

importância da perda.

Outra

consequência é o fato de que os aparelhos executivos es

tatais antes órgãos de execução de decisões estatais tornam-se agora

também órgãos de execução de decisões de outros organismos. Estes

se valem dos órgãos estatais com a técnica da utilização dos serviços de

outro

ente para executar

as

próprias decisões.

E

da mesma maneira os

serviços estatais utilizados se tornam objeto de dupla pertinência de

pendendo

- estrutural e funcionalmente - dos Estados e também - ape

nas funcionalmente - dos organismos supranacionais. O exemplo mais

evidente são os organismos estatais de intervenção

no

setor agrícola

nos países europeus que também são concomitantemente instrumen

tos da política agrícola comunitária.

Juture for the State?'); S

Cassese; F Galgano; G Tremonti e

T

Treu

Nazioni senza

ricchezza,

ricchezze

senza

nazioni. Bolonha: Il Mulino 1993.

71

Page 73: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 73/152

Além disso há outro efeito que está relacionado às ordens ju

diciárias nacionais que se ajustam de várias maneiras à existência de

ordens judiciárias superiores e se tornam assim potentes veículos da

atuação do direito supranacional dentro dos Estados.

Por último verifica-se na área europeia tentativa de estabelecer

ações corretivas para a invasão da União no âmbito estatal entre

as

quais a principal é o princípio de subsidiariedade segundo o qual a

União não deve assumir tarefas que podem ser mais

bem

executadas

em nível inferior.

O três princípios sobre os quais se sustentam os Estados m o ~

demos são dessa maneira questionados. O primeiro segundo o qual

a esfera da publicidade depende do Estado porque esta agora também

está ligada à intervenção de organismos supraestatais. O segundo do

~ t a d o como centro porque agora a União assume posição central. O

terceiro do Estado como unidade porque suas partes - alguns setores

do executivo e o judiciário - atuam também em função de interesses

su:praestatais.

5 A nova ordem

os

poderes públicos

s observações anteriores permitem traçar as principais linhas da

nova ordem dos poderes públicos. Antes porém é necessário observar

que a nova

ordem não atinge

do

mesmo modo as diferentes áreas geo

gráficas do mundo algumas estão mais à frente outras mais atrás.

O primeiro aspecto do ordenamento em vários níveis dos pode

res públicos refere-se à concentração dos direitos nos Estados. omo

se sabe uma das características da formação dos Estados do século XV

ao XIX foi a progressiva concentração dos direitos nos Estados com

a respectiva redução da possibilidade de que fossem geridos

por

outras

autoridades. Agora esse processo de absorção no Estado terminou e

teve início o processo oposto de dispersão dos direitos para outras enti

dades. Isso implica por

um

lado menores poderes para o Estado; por

outro para os cidadãos há a multiplicação de referências supraestatais

72

Page 74: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 74/152

nas quais pode fazer valer os próprios direitos.

Na

Europa por exem

plo o desrespeito ao direito de acesso de uma empresa em um setor da

economia pode ser reivindicado junto União Europeia e a demora

dos juízes no processo junto ao Conselho da Europa.

O segundo aspecto da nova ordem está relacionado à organização

em vários níveis e em rede.

Em

outras palavras não houve uma hierar

quização correspondente multiplicação dos poderes públicos por isso

papéis tarefas e posições estão apenas parcialmente definidos não há

limites claros para áreas ou matérias mas interdependência estrutural e

funcional; os procedimentos não são sequências articuladas ao longo de

nítidas linhas de autoridades mas ações realizadas com apoio recíproco.

Esse

mundo

menos racional - porém ainda mais dominado pelo

direito

do

que eram os Estados - tende lentamente a substituir o mo

delo Westfalia segundo o qual sujeitos de direito internacional são a

penas os Estados e os princípios da soberania dos Estados e de sua

igualdade jurídica são absolutos. Esse modelo reduziu o número dos

poderes públicos - basta pensar que na Europa no século XVI havia

quinhentos poderes públicos

i n d ~ p e n d e n t e s

e 25 no início do século

XX

- enquanto o modelo que tende agora a prevalecer acarreta seu

aumento.

O terceiro aspecto refere-se à fluidez e incompletude da nova

ordem. Os poderes públicos nos diferentes níveis se sobrepõem e se

entrelaçam mas os conflitos são evitados graças

à

incompletude e

à

fluidez

por

isso como no ordenamento da

Europa

medieval nenhuma

instituição é totalizante e prevalece a

indirect

rufe

A história dos poderes públicos a partir da Idade Média assistiu

a um movimento pendular de dispersão e concentração mas não em

torno dos mesmos poderes. A fase atual assiste à prevalência da dis

persão e da fragmentação.

Ainda não foi criada uma expressão satisfatória para indicar o

novo regime internacional no qual se formam princípios normas re

gras e procedimentos - implícitos ou explícitos - de decisão que fixam

esquemas de responsabilidade para os quais convergem expectativas dos

7

Page 75: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 75/152

diferentes poderes públicos, com fenômenos de agregação autorregu

ladora, mesmo na ausência de autoridade central dotada de supremacia.

Foi proposta a expressão governança sem governo , que deu título a

um livro. Mas esta, em parte, trai a realidade que deseja compreender

e sintetizar, seja porque na realidade estão presentes poderes públicos

ainda mais numerosos do que no passado, seja porque a expressão sub

entende a busca de um centro mundial de governo que não existe e não

pode existir em

um

ordenamento em rede

64

As dificuldades de uma expressão que sintetize o conceito decorre,

por um

lado, dos limites disciplinares dos estudiosos de ciências políti

cas e relações internacionais;

por

outro, dos juristas.

s

primeiros dão

atenção apenas às macrodecisões, deixando de lado a parte da realidade

da integração mundial que vai da padronização das estatísticas econômi

cas e financeiras até a normatização dos requisitos de segurança das

insta1ações elétricas civis.

s

outros, mais atentos a essas pequenas de

cisões comuns, são, porém, influenciados pela cultura estatalista e por

tanto, estão em busca de uma hierarquia em que, ao contrário, há sobre

posição e entrelaçamento; de uma ordem estável em que, ao contrário,

há fluidez; de

um

centro, em que há apenas vazio.

64 Sobre o modelo medieval, ver

M.

Ascheri,

Istituzjoni

medievali: Una introduzione.

Bolonha: II Mulino, 1994; P. Grossi,

L'ordine giuridico medievali .

Roma-Bari: Laterza,

1995. Sobre o governo mundial, ver D. Zolo, Cosmopolis: La

prospettiva

dei

governo

mondiale''.

Milão: Feltrinelli, 1995. Sobre

as

relações entre Estado e economia mundial,

ver

S.

Strange,

The

Retreat o the

State: The

Dijfusion o Power in the World Economy.

Cambridge: Cambridge U niversity Press, 1996. Sobre direito administrativo interna

cional, U. Borsi, Carattere ed oggetto

dei

diritto amministrativo internazionale , Rivista di

diritto internazionale. Milão: Giuffre, vol.

I

ano VI,

fase. I;

K Vogel,

Administrative

Law,

International Aspect.?',

in Encyclopedia of Public International Law. 1986. Sobre a

influência do direito comunitário sobre os direitos administrativos nacionais, G. Mar

cou,

Les

mutations du droit de l'administrations en Europe. Paris: L'Harmattan, 1995. So

bre vantagens e limites das integrações negativa e positiva, F W. Scharpf, Governare

/'Europa:

Legittimità

democratica ed efftcacia dei/e politiche nell'Unione Europea.

Bolonha:

II

Mulino, 1999.

7

Page 76: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 76/152

Portanto para que haja evolução dos estudos nesse campo

é

necessário que não se continue a examinar apenas parte da realidade da

integração e que não se parta dos antigos modelos procurando confir

mação em um mundo que não pode oferecer issa6

5

65 Uma prova da incompletude da abordagem jurídica e da abordagem da ciência

política dos fenômenos da integração encontra-se na tese

do

dualismo entre caráter

supranacional

do

direito europeu e caráter intergovernamental da política europeia

tese que parte do pressuposto de que política e direito podem ser separados. Ver J

W

W Weiler The Community

System:

The Dual

Character

o Supranationalisnl , Yearbook of

uropean

Law.

Oxford: Oxford University Press 1982

1

p. 257 e seguintes.

75

Page 77: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 77/152

VI

nião

Europeia

como

organização pública

composta

1 Introdução e esquema

o passaporte italiano, assim como no dos outros países da União

Europeia, está escrito Comunidade Europeia'', além do

nome

do Es

tado ao qual o indivíduo pertence. Isso indica o duplo pertencimento

de cada cidadão

à

própria nacionalidade e

à

Comunidade mais ampla.

Trata-se de um reflexo subjetivo de um fenômeno objetivo, de

natureza organizacional, que repete uma experiência vivida em diferen

tes épocas pelos Sacro Império Romano, Império Otomano, Império

Habsburgo e Império Inglês, em um

período que durou entre dois e

nove séculos.

uma experiência resumida pelo jusnaturalista alemão

Samuel Pufendorf (1632-1694) por meio da expressão

Res

publica

com-

posita

Visto que a União Europeia, como poder público composto, se

desenvolveu

com

base nas organizações estatais, nos Estados-nações,

mostraremos primeiramente

s

características dos ordenamentos gerais

estatais, em seguida, seus pontos de crise, e depois passaremos à ana

lise do desenvolvimento dos ordenamentos compostos em geral e aos

76

Page 78: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 78/152

relacionados

à

União Europeia. Finalizaremos

com as

consequências e

implicações do ordenamento da União como poder composto. A ex

posição seguirá, portanto, um andamento circular dos acontecimentos

históricos, procurando compreender suas características· principais e

diferenciais

66

2 s ordenamentos gerais estatais e sua crise

s

ordenamentos gerais estatais afirmaram-se entre os séculos

XV e XIX, expropriando os antigos detentores de poderes (cidades,

principados, parlamentos provinciais, magistraturas de diferentes ti

pos etc.) e assumindo diretamente tarefas que, posteriormente, foram

delegadas, conferidas

ou

transferidas a outros sujeitos, cujos poderes

derivavam sempre do Estado.

Dessa maneira, os ordenamentos gerais foram dotados

do

monopólio do emprego legítimo da força física e concentraram todos

os meios políticos em uma única cúpula. Dessa cúpula, denominada

,

governo, deriva uma organização executiva piramidal de estrutura com-

pacta. s outros poderes e especialmente o judiciário constituem uma

pequena parte em relação ao executivo.

A essa expropriação dos titulares de poderes e

à

concentração dos

poderes em

uma

cúpula executiva, juntou-se a submissão dos sujeitos,

dos quais se exigiam lealdade, fidelidade e principalmente, pertenci

mento

exclusivo.

66 A literatura sobre o tema é vasta. Sugere-se, para a perspectiva histórico-com

parada, a leitura de P. Flora,

State

Formation, Nation-Building and Mass Po/itics

in

Euro

pe.

Oxford: Oxford University Press, 1999,

p.

209 e seguintes (contém estudos de

S.

Rokkan). Para a passagem aos ordenamentos compostos, ver F. st eM de Kerchove,

De

/a

pyramide au

réseau?

Vers un nouveau mode e prodttction du droit?, Revue interdisci

plinaire d etudes juridiques. Bruxelas: Faculte Universitaire Saint-Louis, nº 44, 2000,

p.

24. Sobre o ordenamento europeu e o relativo debate, E. Cannizzaro, Democrazia

e

sovranità

nei rapportifra Stati membti e Unione ettropea': U diritto dell'Unione europea .

Milão:

Giuffre, nº 2, 2000,

p. 241

e seguintes.

77

Page 79: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 79/152

As características dos ordenamentos gerais se completaram com

fl produção de um único direito, assumido como exclusivo e aplicado

uniformemente para impedir a aplicação de outros direitos, consentida

quando, ao lado dos iura

propria

havia um

ius commune

e quando os juízes

podiam aplicar a

ex

a ius

oci.

O Estado atingiu seu apogeu na primeira metade do século XX,

graças aos nacionalismos, e começou a declinar a partir de então. O

Estado havia sofrido outras crises, em especial, na segunda década do

século XX, por causa do desenvolvimento de partidos e sindicatos. Mas

a crise da segunda metade do século XX foi mais forte, porque atingiu

tanto o poder interno quanto o externo.

Internamente, os Estados se fragmentaram em regiões e organis-

mos nacionais que cercavam o governo e às vezes, se sobrepunham a

este. E assistiram ao desenvolvimento de um

poder

judiciário voltado

inicialmente apenas aos cidadãos, depois também ao executivo.

Por

exemplo, apenas nos quinze países da União Europeia há mais de cem

entidades regionais, e a agressividade das ordens judiciárias em relação

aos executivos nacionais aumenta progressivamente.

Externamente, os Estados cedem sua soberania a organizações

internacionais gerais e especializadas, a institutos de cooperação e or-

ganismos supranacionais. Alguns desses organismos são ordenamentos

completos, dotados de plurisubjetividade, organização e normatização;

outros são ordenamentos incompletos. Mas todos dão sinal da fraqueza

dos Estados e da sua perda de soberania.

3

As form s de integr ção region l

e o desenvolvimento d s org niz ções

compost s

As organizações compostas começaram a se desenvolver quando,

por um

lado, se passou

do

bilateralismo relações bilaterais entre Es-

tados) ao multilateralismo; por outro, quando os ordenamentos inter-

nacionais se colocaram ao lado dos regionais; no sentido de englobar

regiões geográficas inteiras como uropa e América do Sul.

78

Page 80: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 80/152

Até hoje são conhecidos seis diferentes tipos de integrações re

gionais. O primeiro são as associações de Estados,

como

fórum de

cooperação. Estas asseguram cooperação nas políticas econômicas e

comerciais, investimentos e políticas da concorrência. São formas de

regionalismo aberto. Não são fundadas em acordos comerciais. Alguns

exemplos são a

OCSE

67

, que engloba também os países europeus, a

APEC

(Asia-Paciftc

Economic

Cooperation),

para países asiáticos do Pací

fico, e a ASEM

(Asia-Europe Meeting),

para União Europeia e países

asiáticos.

A segunda forma de integração regional é constituída pelos acor

dos de preferência não recíproca, que consistem em concessões unilate

rais de vantagens a alguns países exportadores, sem que os importado

res tenham vantagens equivalentes. Esse tratamento é dado pela União

Europeia aos países do Mediterrâneo e Europa Central.

A terceira forma de integração é constituída pelas zonas de livre

comércio, fundadas na reciprocidade da redução de barreiras aduanei

ras, quase sempre progressiva e limitada a alguns produtos e apenas a

barreiras tarifárias. Um

x m p l ~

é a ASEAN (Association

of

South-East

Asian Nations

),

para países do sudeste asiático.

A quarta consiste nas uniões aduaneiras, zonas de livre comér

cio que incluem aspectos da política comercial, têm tarifa externa co

mum

para importações e repartem as entradas aduaneiras de acordo

com

critérios preestabelecidos. Por x m p l o ~ o Grupo Andino Bolívia,

Colômbia, Equador, Perú e Venezuela) e a SADC

(SouthAfn can

Develop

ment Community).

a quinta forma refere-se ao mercado comum; união aduaneira

que inclui, além de mercadorias, fatores da produção - capital e tra

balho.

67 Trata-se da sigla italiana para OECD em inglês,

Organisation

for Economic Co

operation

and

Development. N. do T.

79

Page 81: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 81/152

A última forma de integração regional é a união, que implica tam

bém integração das políticas econômica e monetária, como

no

caso da

União Europeia.

Essas formas de cooperação foram se multiplicando e apro

fundando. Todas

comportam

um

mínimo de organização. Mas apenas

algumas dão origem a organizações compostas. Um exemplo seria o

N FT

North At antic Free Trade A g r e e m e n ~ que une Estados Unidos,

Canadá e México. O acordo institutivo, assinado em 1992, entrou em

vigor em 1994. Prevê a eliminação das barreiras ao comércio,

no

prazo

de dez a quinze anos, e dita normas comuns para serviços, investimen

tos, ambiente, problemas sociais.

Outro

exemplo seria o Mercosul, que une Argentina, Brasil, Para

guai e Uruguai, (tendo Chile e Bolívia como associados.) O acordo foi

firmado em 1991 e instituiu, a partir de 1995, um mercado comum,

cofn livre circulação de bens, serviços, capitais e trabalho, abolição das

tarifas internas e tarifa externa única e coordenação das políticas em

l-

guns setores. A organização responde a

uma

lógica confederativa e pos

sui estrutura intergovernamental - conselho de ministros, secretariado,

comitês, mas sem órgão de justiça próprio.

Porém, a organização composta mais desenvolvida é a União

Eu-

ropeia - instituída em 1957 - constituída

por

quinze Estados, fundada

na livre circulação de bens, serviços, trabalho e capitais, em normas

comunitárias sobre concorrência e políticas comuns que incluem tam

bém defesa, negócios externos, justiça e

ordem

pública, e organizada

em Parlamento, Conselho, Comissão e Corte de Justiça.

4 A nião Europeia como organização composta

morfologia e implicações

Após analisarmos o lento e progressivo

modo

de organização dos

Estados em forma de governo regionais, examinaremos agora

s

carac

terísticas da União Europeia

como

organização composta.

80

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 82/152

A primeira característica está ligada à formação dos Estados e à

absorção dos poderes por eles exercidos. A União é

um

novo detentor

de poderes de nível superior no comando de um conjunto de Estados

nacionais que cederam tarefas a esse novo ordenamento.

Isso dá origem a uma segunda característica a concorrência

no

uso dos poderes públicos entre níveis nacional e supranacional cujos

âmbitos de competência não são precisamente determinados em cada

campo.

Assim como a especificação - parcial - das tarefas a organização

é em parte dividida em parte mista. A União tem órgãos próprios mas

atua também mediante órgãos dos Estados.

Além disso os sujeitos têm duplo pertencimento seja à União

seja ao próprio Estado. E é possível portanto que

se

estabeleçam re

lações triangulares entre sujeitos privados Estados e União.

Enfim há vários direitos o comunitário e os nacionais. O primei

ro se concretiza nos ordenamentos nacionais

e portanto soma-se a eles.

s nacionais também não e r m q ~ c e m

no

âmbito nacional porque vão

se integrar ao direito comunitário como partes das tradições jurídicas

e constitucionais comuns

às

quais o direito comunitário

faz

referência.

Há pois uma troca entre os diferentes direitos.

A morfologia das relações descritas em seus aspectos essenciais

permite perceber que a União não é - apenas -

um plano superior da

construção jurídica que

se

sobrepõe aos Estados. Esta os condiciona

interferindo em todos os níveis

e

portanto transformando profunda

mente as ordens jurídicas nacionais.

Mas isso ocorre - e este é um elemento característico - sem que

a União substitua os Estados segundo o modelo da indire t ruf

do

Im

pério Britânico experimentado também no século XVI pelo Império

tomano em suas relações com os países submetidos como Egito

Moldávia Armênia Curdistão e Transilvânia.

As implicações de uma nova ordem desse tipo que constitui a

maior modificação

do

mundo do direito nos últimos séculos são mui

tas. Mas entre elas duas são particularmente interessantes. A primeira

81

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 83/152

é a transformação

do stado em um

dos poderes públicos,

nem

único,

nem

exclusivo. A segunda implicação

é

a

c o n c o r r ê n ~ i a

na

disciplina dos

Estados, de normas constitucionais de duas ordens,

s

nacionais e as

comunitárias - o artigo 49.1 da Carta Europeia dos Direitos estabelece

que ela se aplica a órgãos da União e a

stados

membros, ainda que

exclusivamente

na

atuação

do

direito da União , que

é parte consi

derável

do

direito dos Estados.

A complexidade que advém da composição de ordenamentos de

diversos níveis multi-levei

constitutionalism)

faz

com

que se considerem in

gênuas as

propostas

de simplesmente traduzir o

ordenamento europeu

em

um

sistema de

stado

federal

do

qual a Comissão se tornaria

go-

verno e Conselho, a segunda Câmara.

ssa

ideia é fruto de insuficiente

reflexão,

tanto

sobre a origem

do

federalismo - que nos

stados

Uni

dos,

na época

em que foram constituídos, foi resultado de compromisso

entre u_nitários e confederados - quanto sobre a história da União u-

ropeia e de seus Estados, que não conseguirá convergir em

uma forma

única e simplificada.

82

Page 84: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 84/152

VII

A arena pública:

Novos

paradigmas para o

stado

I o TRADICIONAL BINÔMIO ESTADO CIDADÃO

E SUA CRISE

Os st Jeitos, no campo do direito

administrativo,

podem ser

de

diferentes

espécies

epodem ser

classificados

,] a partir

de

diversos pontos

de

vista.

Mas

a

distinção que

nos

parece fundamenta4 e à

qual

é necessário subordinar as outras,

é entre

st Jeitos

ativos e

passivos

do

poder

administrativo.

preciso,

portanto,

con-

trapor,

por

um lado, os st Jeitos que administram

e

que, em seu corfjunto, constituem

[ ..]a administração pública, e por

outro,

os administrados.

  8

Essas palavras do principal estudioso de direito administrativo

da primeira metade do século foram reforçadas, em 1950, pelo es-

tudioso que se destacou durante toda a segunda metade

do

referido

século:

Nas comunidades estatais atuais (Estado comunidade) há, por um

lado,

as autoridades públicas, que se

exprimem

no Estado

organização; por outro, as

pessoas,

st Jeitos

privados,

cidadãos{

..

]

que

possuem

alguns

direitos fundamentais.

68 S

Romano,

"Corso

di di1itto

amministrativo.

Pádua: CEDAM, 1930,

p

83

83

Page 85: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 85/152

Existem,

portanto,

duas forças nas

comunidades estatais,

a autoridade e a liber-

dade, que

possuem centros de apoio

e

expressão

69

Portanto de acordo com o ponto de vista tradicional o Estado e

o direito público são dominados pelo conflito entre Estado e cidadão

dois pólos irredutíveis e

em

contraste entre

si

Esse

paradigma se

formou

lentamente na passagem de ordens

como

a europeia medieval

ou

as extraeuropeias dominadas

por um

poder

em

que não havia diferenciação entre Estado e sociedade civil

para ordens como a que vivemos fundamentadas na separação entre

Estado e comunidade nas quais

por

um lado são garantidos aos mem-

bros da comunidade direitos contra o Estado;

por

outro assegurados

direitos de participação nas decisões políticas

 

O paradigma bipolar assim formado historicamente encontra

aplicação cotidiana na justiça administrativa na qual sujeitos priva-

dos recorrerem a juízes para se defender das administrações públicas.

Devido à

importância dada ao fenômeno jurisdicional durante os dois

séculos de vida

do

direito administrativo era natural que a oposição que

nele se manifesta entre Estado aparelho e cidadão viesse a assumir

importância fundamental.

Segundo o modelo tradicional os dois pólos público e privado

são irredutíveis não apenas porque estão em conflito mas também

porque são regidos por regras diversas. Estas são apresentadas por um

grande estudioso da metade

do

século XX que atuou

como

elo de con-

junção entre estudiosos Romano e Giannini:

o

poder discricionário é

algo muito diferente da liberdade dos sujeitos privados; enquanto a úl-

tima inclui tanto a faculdade de escolha dos fins quanto dos meios para

69 M S Giannini Lezione

di

dititto amministrativo:" Milão: Giuffre 1950 p 71.

70 M Stolleis Suddito Borghese Cittadino em

Stato e

ragion

di

Stato

ne la prima

età moderna." Bolonha: II Mulino 1998 p 297 e seguintes. O Brunner Storia

sociafe

de/l'Europa

nel

Medioevo".

Bolonha:

II

Mulino 1988

p

137.

84

Page 86: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 86/152

atingi-los, o poder discricionário é limitado apenas à escolha dos meios,

á

que os fins são determinados obrigatoriamente pela lei . As leis,

enquanto para os st Jeitos privados têm, como regra generalíssima, conteúdo

negativo, visto que

consistem

sempre

em restrições

eproibições,

para

a

administração

pública contêm, também como regra g e r ~

ordens e

prescrições positivas:

estabe

lecem

não

tanto o que lhe évetado,

mas

principalmente o que lhe é obrigatório, ou

sg'a, oijetivos a ser alcançados e com frequência, que

atividades

deve realizar

para

atingi-los

 

Portanto, os dois pólos não apenas estão separados,

como

tam

bém são regidos por princípios diferentes, porque, para o público, o di

reito desenvolve função positiva de direção e comando, enquanto para

o privado, coloca apenas limite externo. Ao primeiro tudo é proibido,

salvo o que é expressamente consentido; para o segundo tudo é per

mitido, exceto o que é expressamente vetado.

A diferenciação entre modelo do agir público, vinculado ao fim,

e

do

agir privado, livre em seu fim e limitado pelo direito apenas exter-

namente, também se formou de maneira lenta com a crise do estado

patrimonial e com a afirmação da supremacia do Parlamento sobre a

administração e portanto, da lei sobre a atividade executiva.

Max Weber estabeleceu a distinção entre poder legal-racional

burocrático e agir econômico racional :

as

categotias fundamentais do poder

racional são [. ..

]: exercício

contínuo,

vinculado a

regras, de

funções de ofício, dentro de

uma

competência, que significa:

a)

um âmbito de

deveres

a cumpn'r, oijetivamente delimitado em razjio de uma divisão

de

tarefas; b) com

a atribuição de

poderes

de comando[.

..

] necessários para tal

fim;

71

G.

Zanobini, Diritto amministrativo, in

"Novíssimo

Digesto

Itahano",

ad vocem. Tu

rim: Unione Tipográfico-Editrice Torinese,

p.

787. Resume e expõe os resultados de

· seu texto sobre L'attività amministrativa e la legge" (1924), agora em G. Zanobini, Scritti

vari di diritto pubblico. Milão: Giuffre, 1955, p. 203 e seguintes.·

85

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 87/152

c

com

uma

precisa delimitação dos

meios de

coerção, eventualmente

consentidos

dos

pressupostos de

sua aplicação.

O agir econômico e racional é um agir voltado para satisfazer

exigência de determinadas prestações de serviço

de

modo

racional

em relação ao objetivo , mediante contratos de comércio, em situações

de mercado

72

Os

dois pólos são, portanto, inspirados na ideia de racionalidade,

mas o público é regido por regras e deveres, e o privado se exercita livre-

mente mediante o poder dispositivo e contratos de comércio.

Santi Romano, Guida Zanobini e Massimo Severo Giannini re-

sumiram e apresentaram, de maneira exemplar, o paradigma funda-

mental do direito público do século XX: dois pólos separados, nem

convergentes ou contraentes, mas

em

contraposição por causa da supe-

rioridade de um sobre o outro. Para compensar tal superioridade, o mais

forte

~ t á

vinculado a regras e deveres, deve agir de modo planejado e

imposto pela lei e pelo direito, enquanto o privado age de acordo com

o próprio interesse, de

modo

livre, salvo os limites externos impostos

pela lei.

Em

torno

desse paradigma se formaram e se desenvolveram mo-

dos de estudo e do saber jurídico, por isso é possível dizer que todo

ponto

de vista, mesmo que remoto, é influenciado por essa contraposi-

ção fundamental.

Os

mesmos autores da mais feliz formulação do paradigma bipo-

lar também colaboraram, por assim dizer, para sua destruição. Romano,

de

fato, admitia o contraste de interesses entre vários sujeitos públicos,

previsto e desejado pela lei, ainda que houvesse a mão ordenadora do

72

M Weber, Economia e sociedade. Brasília: Editora Universidade de Brasília,

1994, vol.

I

86

Page 88: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 88/152

Estado, a cujos interesses gerais deviam se subordinar os interesses dos

entes públicos

73

Giannini, por sua vez, observava que a lei atribui à administração

pública fins e interesses contraditórios entre si, reconhecendo à própria

administração o poder de ponderar tais interesses e fazer

as

escolhas

74

Assim, alguns avanços eram feitos - reconhecia-se que nem toda

atividade pública era planejada de acordo

com

um resultado que, ao

contrário,

é

produto do conflito de interesses públicos, quando vários

interesses são canonizados sem que sejam estabelecidas ordem e prio

ridade; admitia-se que poderia haver um conflito que não fosse o pú

blico/

privado; constatava-se que decisões administrativas implicam

ponderações

e,

portanto, comparações de interesses.

o

paradigma bipolar, embora enfraquecido, foi contestado diver

sas vezes. Mas sempre sobreviveu.

A contestação começou, em primeiro lugar,

por

parte de quem

notou

que mesmo no tradicional conflito entre autoridade e liberdade há

uma função distributiva: a atividàqe administrativa implica distribuição

de pesos e vantagens

e,

portanto, a alocação de recursos limitados

75

Como

foi observado pelo juiz administrativo,

73 S.

Romano,

Gli interessi dei soggetti

autarchici

e gli interessi

dello

Stato ,

in Studi

di

diritto pubblico in onore di Ranaletti. Cedam: Padova, 1930, agora em Scritti minori.

Milão: Giuffre, 1950, vol. II,

p. 351

e seguintes.

74

M. S.

Giannini, II

potere

discrezionale

dei/a pubblica

anvninistrazione: Conceito e

proble-

mi. Milão: Giuffre, 1939, agora em Scritti. Milão: Giuffre, 2000, vol. I

75 L

Coen,

Disparità

di

trattamento egiustizja amministrativa: Principio di egualianza e

tecniche

di

motivazione della

sentenza .

Turim: Giappichelli, 1998, p. 3 e

p.

19; no qual há

também outra bibliografia. Um dos primeiros a chegar a essa conclusão e tentar uma

análise sistemática foi G Corso,

'Lo

S ato come dispensatori

di

beni: Criteri

di distribuzione,

tecniche giuridiche

ed effetti , Sociologia

de

diritto.

1 e nº 2, 1990, p. 109 e seguintes,

que retoma e faz observações sobre a literatura politológica e publicística americana

e ideias expostas em um texto de G Tarello. Do mesmo autor, ver também

''Attività

amministrativa e

mercato ,

Rivista giuridica quadrimestrale dei pubblici servizi. Roma:

Editore Cersap, nº.

2,

setembro de 1979.

87

Page 89: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 89/152

[ .

]

a administração emana provimentos que

incidem

sobre

vários

stijei-

tos,

com

efeitos favoráveis para uns e deifavoráveis para outros, como

no

caso da

liberação da concessão de

um

bem público, de acfjudicação de uma

licitação

ou de

nomeação

para

emprego público,

em

favor de

um stijeito e

não de

outro

[ . J

6

Portanto, a função redistributiva, assim como a mediadora e ar

bitral da administração pública, desenvolve-se sempre em

um

triângulo.

A segunda crítica, mais frequente, é formulada pelos estudiosos

dos módulos consensuais (contratos, acordos, convenções etc.) do di

reito administrativo. Eles observaram que as administrações públicas

agem frequentemente

com

os mesmos tipos do direito privado.

A última crítica é feita pelos estudiosos da regulação, para os quais

as relações tripolares

a u t o r i d a d ~

dé regulação, sujeitos fornecedores de

serviços e usuários) são a

norma

77

·

P3;ra

a crítica do paradigma bipolar, foi relevante a observação da

presença de estruturas não bipolares no processo, no qual o

Pub ic

Law

itigation

mode permite expandir o círculo dos potenciais autores e réus

78

,

e no próprio direito privado, em que se apresentam

pofycentnc tasks

and

76

"Consig io

di

Stato:

Adunanza

p enaria",

Foro italiano. Nº 16, IV, c. 433, 24 de junho

de 1999.

77

m

relação a esse

ponto

de vista, mas em termos econômicos, ver D. Archibugi;

G.

Ciccarone; M. Mare;

B.

Pizzetti e F Violati, · 'Re azioni triango ari ne 'economia dei ser-

vizi

pubb ici'', Economia pubblica. Roma: Franco Angeli, nº

5,

2000

p.

47

e seguintes.

Sobre a regulação na literatura italiana, S. Cassese, Dai

mercato

guidato aimercato rego/ato,

agora em: E

ancora

attua e la

egge

bancaria dei 1936?" Roma: NIS, 1987, p. 164 e se

guintes; "Stato e

mercato dopo

privatizzazioni e 'deregu ation'

,

Rivista trimestrale di diritto

pubblico. Milão: Giuffre, nº

2, 1991; G.

Vesperini, La

Consob

e 'itifbrmazione ne mercato

mobi iare: Contributo alio studio dei/e funzioni rego/ative." Pádua: CEDAM, 1993; S. Cassese

e

C.

Franchini, ''J garanti dei/e rego/e." Bolonha: II Mulino, 1996; S. A Frego Luppi,

"L'amministrazione regolatrice. Turim: Giappichelli, 1999; A La Spina e G. Majone, Lo

Stato regolatore. Bolonha: II Mulino, 2000.

78 A Chayes, "The role

ef

the

Judge

in Pub/ic La1v Litigation", Harvard Law

Review.

Vol.

89, nº 7, maio de 1976,

p.

1281 e seguintes.

88

Page 90: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 90/152

atfjudication, que envolvem muitos sujeitos em questões de algum modo

fluidas, que requerem negociações recíprocas e, portanto, são fundadas

na negociação

79

; ou, então, a presença de contratos complexos, em que

em um único negócio formal se acumula uma pluralidade de intenções

de negociação provenientes de mais de duas partes contraentesªº; e tam-

bém

o reconhecimento de que a estrutura dos sistemas jurídicos perde

suas características tradicionais não é mais hierárquica, linear, arvore-

cente, monística, integrada, e assume outros traços porque é policên-

trica, reticular e plural

81

Apesar das críticas internas e da influência externa do reconheci-

mento da existência dos modelos policêntricos e reticulares, o paradigma

binômico tradicional resistiu, pois sempre esteve no centro da reflexão,

às

vezes de forma implícita. Mesmo a ciência jurídica aceitando a copre-

sença de outros modelos, para os quais reservou um espaço menor, de

segundo plano, o fez de modo a não prejudicar o modelo dominante.

Já que a ciência em geral procede

por

destruição e construção de

paradigmas científicos, nos p r p ~ s aqui a ilustrar a presença de um

paradigma diferente. Este é fruto, em parte, de uma ordem normativa

diversa, em parte da práxis e da

ação

judiciária. Por isso, a análise a

79 L L Fuller, "The

Fortns

and Limits

o

Acfjudication", Harvard Law Review. Vol. 92,

2,

dezembro de 1978, p. 353 e seguintes.

80

Tribunale i Torino, 3 de fevereiro de 1993, erri "GiurisprudenZfl commercia e", 1994,

II,

p. 295 e em "Giunsprudenza ita iand', 1994, I,

2,

p.

581;

ver também, Cassazione,

II, 5 de abril de 1982, nº 2089, em "Massimatio de a Giurisprudenza civi i', 1982,

p.

755,

sobre a transação como contrato plurilateral quando há uma pluralidade de centros

de interesse.

81 F. Ost e M. Van de Kerchove, "De lapyramide au réseau? Vers um

nouveau

mode de pro-

duction du droit?'', Revue interdisciplinaire d etudes juridiques. Bruxelas: Universidade

de Saint Louis, nº 44, 2000,

p.

1 e seguintes.·

89

Page 91: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 91/152

seguir será feita, dependendo do caso, em diferentes planos, o da lei, da

jurisprudência e da atuação prática das leis

82

Deu-se ao novo parádigma (talvez seja melhor dizer aos novos

paradigmas) o nome provisório de arena pública . Essa expressão

é

utilizada em

um

sentido genérico, advindo da ciência política anglo

saxã, segundo a qual arena pública é o espaço em que se desenvolvem

a atividade pública e o intercâmbio entre Estado e sociedade.

Por outro lado, trata-se de uma expressão muito próxima à de

esfera pública, de origem habermasiana

83

,

que indica o espaço social

onde se desenvolvem diálogos e conflitos e que serve para transferir a

demanda social para o corpo político.

''Arena pública , no sentido de espaço , não prejudica

as

posições

dos sujeitos que nela atuam - segundo o paradigma tradicional, o Es

tado no alto, os cidadãos embaixo - não estabelece definitivamente as

relações que ali se estabelecem - de oposição, segundo o paradigma

tradicio'nal

-

não vincula a ação dos sujeitos a

um

tipo -

como

o da

discricionariedade, válido para a administração pública, e o da liberdade,

aplicável ao sujeito privado, segundo o paradigma tradicional. Permite,

ao contrário, intercambialidade dos papéis, modificação das relações,

comércio das regras e dos princípios ordenatórios.

A crise do paradigma tradicional será examinada levando em

conta quatro casos significativos. O primeiro é o dos trens de alta ve

locidade, que permite analisar a relação procedimento-aco;-do e a ne

gociação que se desenvolve entre os poderes públicos e concluir que a

ponderação dos interesses públicos abre espaço para negociações entre

eles mesmos. O segundo caso é o das medidas comunitárias correti

vas para

as

telecomunicações, que permite ilustrar a negociação tripo

lar entre cidadão Estado Comissão Europeia e o modo como a União

82 De fato, não pode haver ciência jurídica que seja ciência apenas das normas e

que não leve em conta a ordem dos fatos, como observado

por F

A Hayek, Droit,

légis ation

et liberté:

Reg es et ordre." Paris: PUF, 1983, p 127 e p 137.

83

].

Habermas, Storia e critica de/l'opinione pubblica Bari: Laterza, 1971.

90

Page 92: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 92/152

Europeia procede, estabelecendo direitos a favor de alguns sujeitos e

contra outros, obrigando os Estados nacionais a se adequar. O terceiro

e o quarto caso servem, ao contrário, para o estudo da busca do direito

mais favorável. Trata-se de uma sentença da Corte de Justiça e da dis

ciplina comunitária da autorização para a comercialização de fármacos.

m ambos os casos, é possível notar que empresas nacionais podem

escolher o direito

ou

a administração que considerarem mais favoráveis.

Os quatro casos são representativos de uma nova ordem jurídica

em que, de um lado, ao tradicional binômio Estado-cidadão se junta ou

se sobrepõe um conjunto

de

relações mais rico de sujeitos e menos fun

dado

na

contraposição; de outro, o velho modelo legal-racional dos po

deres públicos é substituído por um modo de agir público semelhante

ao privado. Se, tradicionalmente, Estado e mercado são contrapostos

como modelos de ação, observa-se aqui, ao contrário, urna assimilação,

por parte do primeiro, de modos próprios do segundo.

Porém, essas mudanças não podem ser totalmente compreendi

das quando nos detemos apenas po plano normativo. Para exarniná

las, é necessário nos deslocarmos também para o plano concreto da

atuação das normas. Por esse motivo, os quatro casos a seguir serão

apresentados da seguinte maneira: parte-se da norma e passa-se para a

atuação, examinada

por

meio de procedimentos administrativos con

cretos ou da jurisprudência. Apenas integrando dado normativo e pro

cedimentos administrativos seguidos de fato ou sentenças será possível

compreender plenamente

as

novidades e entender quantos capítulos

do

direito administrativo clássico elas poderiam subverter.

II os

CONTR TOS

E

NEGOCI ÇÃO P R

LT VELOCID DE

A alta velocidade ferroviária é uma

obra

ampla e complexa. Trata

se de

um

projeto em rede, nacional, mas requer o consenso

de

entes

locais; o traçado impõe o deslocamento de núcleos urbanos e outros

obstáculos e portanto, institui pelo menos a consulta a indivíduos ou

91

Page 93: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 93/152

a comunidades inteiras; os interesses públicos envolvidos são numero

sos, envolvem interesses

do

transporte e circulação, desenvolvimento,

trabalhos públicos, urbanísticos, ambientais, paisagísticos, de bens cul

turais etc.

A empresa

Ferrovie

dello

Stato,

ente público a partir de 1985

e,

desde 1992, soCiedade anônima, concedeu a execução das obras e sua

gestão a uma sociedade específica, denominada TAV (Treno ad Alta

Ve-

locità S.p.A.)

que,

por

sua vez, vale-se de uma sociedade de engenharia,

Italferr*, e atua por meio de

general contractors,

que confiam os trabalhos

a terceiros.

Nesse caso, porém, não interessa tanto a organização da execução

e da gestão em relação ao

modo como

são ordenados os diversos in

teresses públicos e privados interferentes. Os instrumentos com que

tais interesses foram ordenados são as Conferências de Serviços** e os

acordos. Para sua análise, será feito antes o exame da normativa e depois

o estudo de sua concreta aplicação em uso.

1

disciplina das Conferências de Serviços

De

1990 a 2000, sucederam-se -

e,

em parte, se sobrepuseram

- diversas

normas

relativas às decisões de localização das linhas fer

roviárias de alta velocidade

84

*Assim

como

a

TAV,

esta empresa também pertencente ao

grupo

"Ferrovie

de/lo

Stato.

N.

do

T.)

**

A

Conferenza di Servizi é um instituto da legislação italiana de simplificação ad

ministrativa da atividade da administração pública, que permite a aquisição de autori

zações, registros, licenças, permissões etc. mediante convocação de reuniões colegiais

específicas (Lei 241/90). N. do T.

84 Em geral, sobre a matéria, M. Spinedi, La gestione dei conftitti locali nelle

opere in-

frastmtturali: II caso dei traspo1ti."

Bolonha: Inchiostri Associati, 1999, especialmente o

capítulo 5. Ver também,

C.

Franchini, La disciplina

dell'alta ve ocità tra esigenze

digaranzia

e

incertezze normative",

in Diritto amministrativo . Bologna: Monduzzi, -nº 3, 1997,

p.

411 e seguintes.

92

Page 94: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 94/152

As incertezas normativas foram acrescidas de três fatores.

Em

primeiro lugar, a sucessão de leis de amplitudes diversas, especiais e

gerais. Depois, a sucessão de

delegiftcazioni

e de 1ilegiftcazioni . Enfim,

a oscilação

do

objeto das diversas leis, algumas relativas apenas

à

lo

calização, outras também ao projeto, ou ao projeto definitivo,

ou

ainda

relativas ao projeto definitivo e ao preliminar.

A primeira Lei é de 15

de dezembro de 1990, nº 385, que, no

art. 7, prevê a aprovação de projetos (executivos) de obras relativas

a redes ferroviárias em uma Conferência de Serviços convocada pelo

presidente do Conselho de Ministros,

ou

pelo ministro dos transportes,

e composta pelas administrações estatais, pelos entes públicos territo

riais e não territoriais e por outros sujeitos públicos competentes. A

Conferência decide por unanimidade e sua decisão substitui os atos

das diversas autoridades. Em caso de divergência de representantes de

entes territoriais, o órgão convocador pode promover um acordo de

programa.***

Essa norma esteve em

v i o ~

até 1997. Nesse período, porém, in

terveio o decreto do presidente da república (delegificante), de 18 de

abril de 1994, nº 383, que, no art. 3, relativo apenas à localização de

obras, mas de todas

as obras de interesse estatal, prevê, em caso de

a-

certamento de não conformidade, a convocação de uma Conferência de

Serviços com administrações estatais, regiões, entes locais e de alguma

* Trata-se de procedimento que se instaura quando uma fonte de tipo secundário,

como é o caso dos regulamentos do governo, substitui uma de tipo primário, por

exemplo uma lei, para regular determinada matéria <fonte: www.dienneti.it/ diziona

ri/dizionari_giuridici.htm>. N. do

T.)

**Procedimento que transforma a fonte-regulamento em uma fonte-lei <fonte:

www.

consiglioregionale.piemonte.it/labgiuridico / testi_unici/ parte_prima.pdf>. N. do

T.)

***No direito administrativo italiano um

accordo

di programma é uma convenção entre

entes territoriais (regiões, províncias ou municípios) e outras administrações públicas

mediante o qual as partes coordenam suas atividades para a realização de obras, ações

ou programas de intervenções. N. do T.)

93

Page 95: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 95/152

forma competentes para o exame do projeto definitivo. A Conferên-

cia decide por unanimidade e sua decisão substitui os atos das diversas

autoridades. Caso não haja unanimidade, a decisão cabe ao Conselho

de Ministros,

como

previsto

no

art. 81.4

do

decreto do presidente da

república, de 24

de

julho de 1977, nº 616.

Para abreviar o procedimento, a Lei de

15

de maio de 1997, nº

127, art. 17, estabeleceu que· a Conferência de Serviços prevista pelo

decreto de 1994 pode ser convocada até mesmo antes

ou

durante o

acertamento de conformidade; enquanto a Lei de

27

de fevereiro de

1998, nº 30, art.

10.1 ter

estabeleceu que a Conferência é convocada pelo

ministro dos transportes e da navegação.

Lei de 18 de novembro de 1998, nº 415, art.7, previu a Con-

ferência de Serviços para todos os projetos definitivos e preliminares,

regulada pela disciplina geral da Lei de 7 de agosto de 1990, nº 241, sem,

no

entanto, prescrever a unanimidade para a decisão.

Por fim, a Lei de 24 de novembro de 2000, nº 340, art. 9.4, con-

firmou que a Conferência de Serviços para obras referentes às redes

ferroviárias é convocada pelo ministro dos transportes e da navegação.

mesma Lei, arts. 9 a 12, regulamenta, em geral, a Conferência de

Serviços, estabelecendo que esta pode ser solicitada por sujeitos priva-

dos, mas é composta

por

administrações públicas e se refere tanto a pro-

jetos definitivos quanto a preliminares.

A

conclusão pode ser decidida

pela maioria, salvo intervenção do Conselho de Ministros, em caso de

motivada discordância de algumas administrações; o provimento final,

segundo a determinação conclusiva favorável da conferência substitui

as

ações de cada uma das administrações.

a análise realizada, emergem os aspectos característicos da dis-

ciplina.

O

primeiro deles é a ausência de ação direta da coletividade, se-

gundo o modelo da public

enquiry inglesa e da enquête

publique

francesa.

85

85 P.

Zavoli, La

démocratie administrative existe-t-elle? Plaidqyerp ur une rifante de l'enquête

publique et

du referendum local ,

Revue du droit public et de

la

science politique em France

et à l étranger. Paris: Lib. Générale, nº

5

2000,

p.

1495.

94

Page 96: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 96/152

O segundo aspecto é a sucessão de normas mais gerais e menos

gerais; estão presentes normas sobre obras ferroviárias, sobre obras pú

blicas e todo tipo de ação da administração pública.

O terceiro aspecto deriva do segundo; a Conferência de Serviços

não é

um

instituto unitário, mas uma família de institutos

com

alguns

elementos comuns, sendo o principal a finalidade de conjugar a unici

dade da decisão e o policentrismo da organização - característica que

é erroneamente, entendida como simplificadora, porque a substituição

das decisões em sequência pela decisão contextual tem implicações bem

maiores.

O quarto aspecto se refere aos sujeitos que,

em

geral, são indica

dos nas administrações públicas, com indicações específicas variadas,

ambientais, de proteção dos bens culturais, locais etc. m uma norma

única, a de 1994, que não se sabe se deve ser considerada ainda em vigor

ou superada pela de 2000

86

,

há uma abertura incerta a entes que pode

riam não ser públicos.

O quinto aspecto c r c t e t í ~ t i c o é que,

com

a Conferência de

Serviços, instituída em 1990, houve a superação do acordo de progra

ma, introduzido em 1985. Para sua

coO:clusão

em caso de discordância,

recorre-se técnica da deliberação do Conselho de Ministros - é assim

nas normas de 1990 e de 2000; mas a primeira para qualquer tipo de

discordância, e a segunda, apenas em caso de discordância entre admi

nistrações públicas responsáveis por interesses privilegiados'', como os

concernentes à tutela ambiental, paisagístico-territorial, do patrimônio

histórico-artístico, e

da saúde.

86 sta última deveria ser a solução correta, considerado que o art. 14 ter da Lei nº

241,

de

1990, remetia ao decreto do presidente da república, nº 383, de 1994, e que o

art. 10.1 ter da Lei nº 30, de 1998, remetia, por sua vez, ao art. 14 ter citado, enquanto o

art. 11 da Lei nº 340, de 2000, que contém a nova formulação do art. 14

ter

não remete

mais à

norma

regulamentar de 1994.

95

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O estudo da norma permitiu evidenciar duas características im

portantes em relação à questão aqui apresentada. A primeira consiste

na Conferência de Serviços como um modo para tornar colegial como

norma o agir administrativo

e

portanto, compensar o policentrismo

organizacional

com

a unicidade da decisão, como

observado. Isso

explica o grande debate e a difícil superação da unanimidade da decisão

- de fato, a decisão

por maioria reduz

as

vantagens do policentrismo ad

ministrativo, cuja razão está na necessidade de refletir nos setores públi

cos os interesses coletivos mais importantes. A decisão por maioria faz

com

que se dê um passo a trás nesse processo fundamental do Estado

moderno, segundo o qual sociedade toda pode se sentir representada

na administração.

A segunda característica está relacionada à primeira. A Conferên

cia de Serviços não é apenas um lugar no qual se justapõem vontades

que de outro modo se manifestariam sequencialmente, apenas tornando

mais rápida a ação administrativa. A Conferência é muito mais do que

isso. É o lugar das negociações no qual pode-se chegar, com concessões

recíprócas, a uma

conclusão.

Ao

longo desta - de acordo

com as

nor

mas de 1990 e de 1994

87

não se realiza apenas uma avaliação conjunta

dos projetos, mas são trazidas também quando necessário,

as

opor

tunas modificações nos projetos, sem que isso implique a necessidade

de outras deliberações do sujeito proponente . E a Lei de 2000 dispõe

que [ ..] a Conferência de Serviços se manifesta sobre o projeto pre

liminar a fim de indicar quais

as

condições para obter, no projeto de

finitivo, os acordos, pareceres, concessões, autorizações, licenças, 'nada

consta', anuências, de alguma forma exigidas pela norma vigente

88

As

condições para

obter

acordo ou qualquer outro ato serão exatamente

as

modificações

do

projeto. E elas são objeto das negociações que se

realizam na Conferência de Serviços.

87 Art. 7.2 e art. 3.3 respectivamente.

88 Art. 14 is 2 da Lei de 7 de agosto de 1990, nº 241, substituído pela Lei de 24 de

novembro de 2000, nº 340, art. 10.

96

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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Em suma, a Conferência de Serviços não é um lugar neutro, no

qual as administrações públicas po'tlem fazer juntas aquilo que poderiam

fazer separadamente. É muito mais do que isso, porque é o lugar das

negociações, o mercado no qual podem ser feitos contratos complexos

na presença de

uma

pluralidade de intenções de negociação, proveni

entes de várias partes contraentes. Sem a Conferência, esses contratos,

que

comportam

negociações recíprocas e policêntricas, não se concreti

zariam

ou

levariam muito tempo para isso.

Às vezes, essa característica emerge na jurisprudência em que, por

exemplo, a Corte Constitucional

89

declarou que a Conferência serve para

contemporizar de maneira idônea

as

diversas exigências e o Conselho

de Estado afirma que ela é instrumento de composição das diversas

vontades

90

• Mas, dessa maneira, enfatiza-se o resultado, não o meio

para alcançá-lo; elemento característico do instituto.

Mas, de acordo com as normas, esses contratos complexos se

realizam apenas entre administrações públicas.

Os

sujeitos privados

fi-

cam excluídos.

Na

prática não é assim. Daí a necessidade de passar para

a análise do desenrolar real dos fatos após finalizada a análise das nor

mas.

2

disciplina dos acordos

As diversas Conferências de Serviços são apenas alguns dos ins

trumentos utilizados para realizar acordos de negociação. o lado delas

há uma família de institutos afins, de caráter funcional. Tratam-se dos

acordos.

Para eles também é válido o que foi observado para as conferên

cias - sucessões de leis de diversas amplitudes e variações do objeto.

89 Corte Constitucional,

31

de janeiro de 1991, nº 37,

Giu1isprudenza costituzionafe

1991, p. 236.

90 Conselho de Estado, I, 5 de novembro de 1997, nº 1622, Giornale di

diJitto ammi-

nistrativo 1998, nº 5 p. 475.

9

Page 99: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 99/152

A primeira Lei é de

17

de maio de 1985, nº 210, que,

no

art.

25, prevê o controle da conformidade dos projetos de instalações fer

roviárias por parte de Regiões e entes locais,

com

fins urbanísticos e de

edificações e dispõe que, em caso de não conformidade, o ministro

dos transportes promove entre todas as partes interessadas

um

acordo

de programa .

91

Depois

veio a Lei

de

8 de junho de 1990, nº 142, art. 27 (atual

art. 34

do

texto único sobre os entes locais - decreto legislativo de 28

de agosto de 2000, nº 267 - ao qual remete o art. 6.4

quarter

da Lei de

11

de fevereiro de 1994, nº 109). Esta prevê acordos definidos como

de

programa . Tais acordos têm como objeto tanto a ação integrada

e coordenada de municípios, províncias e regiões, de administrações

estatais e outros sujeitos públicos quanto a aprovação de projetos

de obras públicas incluídas nos programas da administração e para

as

quais estejam imediatamente disponíveis os respectivos financiamen

tos . São precedidos

por

Conferências para verificar a possibilidade de

aprovar o acordo . Referem-se exclusivamente a entes e administrações

públicas. O acordo consiste no consenso unânime das administrações

interessadas e é objeto de aprovação pública.

A disposição do art. 15, da Lei de 7 de agosto de 1990, nº 241,

é mais sintética e diz que as administrações públicas podem sempre

fechar acordos entre

si

para disciplinar,

em

colaboração, o desenvolvi

mento de atividades de interesse comum ,

com

ato escrito, segundo os

princípios

do

código civil em matéria de obrigações e salvo controles

públicos (art. 11.2 e art. 3).

Para os acordos vale também o que ocorre para as Conferências

de Serviços. Eles são,

com

frequência, considerados,

com

interpretação

mecanicista, instrumento de simplificação, aceleração

ou

garantia de co

ordenação, mas são, na realidade, contratos de negociação.

Um

acordo

não se realizaria apenas por justaposição das manifestações, concomi-

91 Ver

S

Cassese,

Le intese

accordi

di programma

con gli

enti pubblici

e

pubbliche

am-

ministrazionz , in L'ente Ferrovie dello Stato. Rimini: Maggioli, 1986, p 33 e seguintes

98

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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tantes, de vontades dos diferentes sujeitos públicos. Para alcançá-lo é

essencial que exista negociação,

com

uma parte

cedendo em um

ponto,

outra

em

outro,

de

modo que se atinja

um

equilíbrio entre interesses

contrapostos, que

permaneceriam imutáveis

sem

a negociação. O con

teúdo

desta constitui, portanto, o aspecto essencial

do

acordo.

Apenas raramente, e de maneira incompleta, a característica ora

observada apareceu na jurisprudência. Quando,

por

exemplo, em re

lação Conferência e ao acordo, regulados pelo art. 27

da

Lei de 1990,

afirmou-se que são a ocasião e o lugar

do

diálogo e

do confronto

que

respondem

ao princípio de leal cooperação e que, discordâncias

e anuências devem ocorrer nestes, nos quais as posições poderão ser

examinadas, confrontadas e motivadas .

92

3 prática das Conferências e dos acordos

Examinadas as normas, consideremos agora sua atuação prática.

Com

essa finalidade, escolhemos

um

caso complexo, mas não

singular; o caso da linha de alta velocidade

do

trecho Roma-Nápoles,

mais especificamente a última parte, màis

próxima

a Nápoles.

Trata-se

de poucos

quilômetros, mas que exigiram intervenções

notáveis

quanto

aos núcleos urbanos e implantação de uma estação

ferroviária.

Descreveremos, inicialmente, a sucessão dos atos, evidenciando

seus aspectos mais notáveis, para depois examiná-los melhor.

No

dia 29

de

março

de 1996, o ministro

dos

transportes e

da

navegação,

em

conformidade

com o art. 7 da Lei

de

15 de dezembro

de

1990, nº 385, convocou

uma

Conferência

de

Serviços para avaliação

e aprovação do

projeto do

trecho indicado.

Um

elemento caracterís

tico da convocação e

da

sucessiva Conferência é o fato de que foram

convocados

não

apenas administrações públicas, mas sujeitos privados,

92

TAR Lombardia, 30 de março de 1996, nº 417, em ~ F o r o amministrativo , 1996, I,

p 1841.

99

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na qualidade de gestores de serviços interferentes ou de algum modo

interessados

no

projeto da obra [

..

] - Telecom Italia, Enel*, Snam**,

Autoestrade*** etc. - e ainda a Ferrovie dello Stato, com TAV e Ital

ferr, e outros sujeitos [ ..] interessados pelas obras [ ..] . Foi dito que

esse é o elemento característico, porque, como já se observou, a lei em

matéria não prevê a participação ou a intervenção de sujeitos privados.

A Conferência foi realizada no dia 18 de abril de 1996 e na segunda

sessão,

no

dia 9 de maio de 1996, os sujeitos privados expressaram for

malmente sua anuência.

O segundo elemento característico do procedimento é o en

trelaçamento entre o instrumento da Conferência e o do acordo.

Du-

rante a primeira sessão da Conferência, o representante da região da

Campânia solicitou adiamento para chegar a um acordo-quadro, que foi

assinado em 9 de maio de 1996, dia ein que, reconhecendo a subscrição

do

acordo, o representante da Região declarou na Conferência a apro

vação do 'projeto. O acordo-quadro permitiu, portanto,

com

os relativos

compromissos, a conclusão da própria Conferência

. O acordo-quadro de 9 de maio de 1996 foi estipulado

por

quatro

membros participantes da Conferência, o Ministério dos Transportes e

da Navegação, a região da Campânia, Ferrovie dei o Stato e TAV. O acor

do, ampliando o objeto do projeto de alta velocidade para sistema fer

roviário regional e para atenuação do impacto social e ambiental do

projeto, definiu

as

tarefas dos diversos sujeitos e estabeleceu como elas

deveriam ser realizadas, recorrendo a acordos procedimentais e Confe

rências de Serviços. Os acordos sucessivos foram feitos em 1

º

de outu

bro de 1997 e 8 de abril de 1999, dos quais participaram novamente a

Ente Nazionale di Energia Elettrica.

(N.

do T.

** Società Nazionale Metanodotti. Principal empresa italiana encarregada do trans

porte de gás natural, atualmente Snam rete gas.

(N.

do

T.

*** Antiga Autostrade S.p.A., desde 2002 Atlantia S.p.A. Empresa responsável pelas

rodovias italianas.

(N.

do

T.

100

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região da Campânia e a TAV, além de outras administrações públicas, e

continham compromissos de vários tipos, relativos ao sistema regional

dos transportes e à atenuação do impacto sócio-ambiental da obra. m

especial, a TAV se comprometeu,

em

relação a esse último, a fornecer

contribuição financeira para o município de Afragola, além de projetar

e colocar em prática outras medidas.

Outro

importante elemento

do

caso é o fato de que o acordo

de programa prevê que a TAV se obrigue a dar à região

da

Campânia

garantia quanto aos compromissos relativos ao projeto e às medidas de

atenuaçãü

do

impacto sócio-ambiental e que seja instituído

um

comitê

de garantia para controle dos compromissos.

94

94 Outras tipologias que se evidenciam, em geral, na alta velocidade, postas em uma

ordem que

vai

das mais simples às complexas, são as seguintes: 1 Acordos procedi

mentais com base nos arts.

11

e 15 da Lei nº 241, de 1990, entre administrações esta

tais, regionais, provinciais, municipais e TAV, não precedidos pela Conferência de Ser

viços ou por encontros, que têm como objeto a programação das atividades de cada

uma das partes contraentes. 2 Acordos pnicedimentais não qualificados pela menção

de um ato normativo, mas executivos

de

outr?s acordos procedimentais, entre ad

ministrações estatais, regionais, provinciais, munkipais e TAV, que têm como objeto

a programação das atividades de cada parte contraente. 3 Acordos procedimentais

não qualificados pela menção

de

um ato normativo, mas executivos de conferência

de serviços e de acordo procedimental precedente, entre administrações provinciais

e municipais, TAV e general contractor que têm como objeto ações específicas do exe

cutor e aprovações e adoções de outros atos específicos

por

parte das administrações

públicas.

4

Conferências de Serviços com base no art. 7 da Lei nº 385, de 1990, entre

administrações estatais e TAV, que têm como objeto avaliação e aprovação de projetos

executivos de intervenções, com consensos condicionados à atuação de prescrições

ou

com reserva de ditar prescrições e pareceres. 5 Conferências de Serviços, se

guidas de acordos procedimentais com base nos arts.

11

e 15 da Lei nº 241, de 1990,

entre administrações estatais e regionais e TAV, que têm como objeto compromissos

da TAV. 6 Acordos procedimentais com base nos arts. 11 e 15 cit. entre administra

ções estatais e regionais, Ferrovie dei o Stato e TAV, ligados a Conferências de Serviços

(isto é, assumidos durante a conferência), que têm como objeto a programação das

atividades e compromissos das partes contraentes. 7 Acordos procedimentais, aces-

101

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4

s aspectos

c r cterísticos d tivid de

dministr tiv p r lt velocid de

O exame dos procedimentos, mesmo que breve, permite que se

percebam alguns aspectos característicos

do

caso, que -

como

foi

dito - não é excepcional, e sim emblemático dos projetos de sistema ,

os

quais,

por

sua complexidade, têm consequências na estrutura das

relações entre

Estado

e sujeitos privados e na conduta de ambos.

O primeiro aspecto característico refere-se

à

relação

normas/rea-

lidade. Nesse caso, a prática conforma o direito. O law in

books é -

como

foi visto - sumário e contraditório, de algum

modo

fluido. O

law

in

action

o retoma e o desenvolve, ampliando seu alcance e levando a prática das

sórios à Conferência de Serviços

com

base no art. 7 da Lei 385, de 1990, seguidos

por

o n ~ e n ç õ e s atuativas, entre administrações municipais,

TAV,

Italferr e FIAT, que

têm como objeto obrigações das partes contraentes. 8) Acordo-quadro, sem menção

à lei, entre administrações estatais e regionais,

Ferrovie

dei/o

Stato

e TAV, que rege outros

acordos (procedimentais), que define a sequência de intervenções, seguido por pro-

grama diretor e pela convenção atuativa do acordo a esta última se aplica o art. 15

da Lei nº 241, de 1990) e

por addendum 9)

Conferências de Serviços com base na Lei

385, de 1990, art. 7, entre administrações provinciais, municipais e consorciados

e TAV, seguidas

por

aprovações dos entes locais e

por

estipulação de convenção de

constatação da aprovação, que contém obrigações para adotar os atos subsequentes.

10) Protocolos de entendimento entre administrações estatais, regionais, provinciais e

municipais,

Ferrovie

dei/o

tato e TAV, anteriores

à

aprovação de projetos e que contêm

previsão de outras Conferências de Serviços, seguidos

por

Conferências de Serviços

(com base na Lei nº 241, de 1990, e 30, de 1998), seguidas, por sua vez, de aprovações

dos entes locais e acordos procedimentais que contêm obrigações para administrações

públicas e sujeitos privados. 11) Acordo-quadro seguido por Conferência_de Serviços,

por acordo de programa (com base nas Leis nº' 104, de 1995, e 142, de 1990) e por

acordo procedimental entre administrações estatal e regional,

Ferrovie dei/o Stato

e TAV

12) Conferências de Serviços seguidas de acordos e convenções,

por

posteriores reu

niões e acordos modificadores e integradores, com base nas Leis nº' 385 de 1990 e

241

de 1990, entre administrações provincial e municipal, TAV e general

contractors

102

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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negociações ao âmbito do poder público, mediante um modo procedi

mental

com

formação progressiva dominado pela negociação contínua,

com

todos os meios. As normas (salvo o art. 27 da Lei de 1990) preveem

dois instrumentos distintos: conferências e acordos; a prática usa os

dois instrumentos juntos, estabelecendo ligação funcional entre eles.

95

As normas consentem apenas a participação de administrações públi

cas; a prática assiste à intervenção também de sujeitos privados.

Isso é sinal de que quando as administrações públicas atuam me

diante acordos, mesmo agindo no exercício de poderes autoritativos (tal

é certamente, o poder que a Região exerce

no

governo

do

território),

a lei desenvolve papel diferente

do

habitual - prevê e consente, não

obriga

ou

comanda.

O segundo aspecto característico é a participação de sujeitos pri

vados tanto na Conferência de Serviços quanto nos acordos. e fato, a

sociedade privada TAV desempenha o papel mais ativo, embora nunca

tenha se constatado que os sujeitos privados discordassem disso -

e

portanto, não foi possível verificat-se o princípio da unanimidade pode-

ria ser aplicado a eles também.

A participação desses sujeitos acentua o significado geral de con

trato de negociações dos dois instrumentos utilizados. A intervenção

dos sujeitos privados - e em especial, da TAV - constitui, pois, o pres

suposto do sistema de garantias do cumprimento, dispostas para a pro

teção dos compromissos ambientais assumidos perante os municípios.

Em

suma, os poderes públicos se comportam

como

privados e

pedem

segurança por meio de garantias

96

95

e

acordo com o modelo da ligação de negociação, isto

é

de contratos distintos

para regulamento de interesses unitários, ver

G.

Lener,

"Profi i

dei

col/egamento negozia e."

Milão: Giuffrê,

1999.

96

A respeito da participação de privados na Conferência de Serviços, como conse

quência

do

caráter procedimental da Conferência, P. Bertini, La

conferenza di s e r v i z i ~

in Diritto amministrativo.

Bologna: Monduzzi,

1997,

2

p. 279.

103

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  nquanto

o aspecto ilustrado se refere ao perfil subjetivo e

à

mul

tilateralidade dos acordos, o terceiro aspecto diz respeito ao objeto. Sua

característica é a construção por enxertos, extensões,

com

desdobra

mentos e ampliações. A questão

do

trecho mais próximo a Nápoles é

mais complicada, daí ter sido isolada e tratada separadamente. A avalia

ção do projeto encontrou dificuldades e ampliou-se o objeto da nego

ciação com medidas de atenuação do impacto sócio-ambiental da obra

- a cargo da TAV - e medidas sobre o sistema de transporte regional

- a cargo da administração estatal. A questão requereu o consenso de

muitas administrações públicas e o processo foi articulado, recorrendo

a sucessivos atos, por meio de fases e procedimentos cada vez mais

restritos (os acordos procedimentais),

com

a integração das decisões de

base, mas regidas pelo acordo-quadro.

A técnica de negociação foi a do pacote -

bem

conhecida

no

âmbito comunitário

-

que permite ampliar s ações em áreas re

lacionadas

ou

interligadas, porque assim é mais fácil permitir trocas e

compensações parciais, que agilizam a decisão principal. As decisões

foram construídas

em

série

ou

grupos, para facilitar a descentralização

funcional, e

também

a ampliação da área na qual

podem

ser feitas con

cessões recíprocas.

Tais concessões

podem

ocorrer graças

à

disposição

do

art. 25 da

Lei de 1985 sobre s Ferrovie dei/o

Stato

já citada, segundo a qual, os acor

dos de

programa podem

se referir a instalações ferroviárias e obras

correlatas . sintomático que essa ampliação

do

objeto, prevista

-

penas para acordos de programa e acordos regulados em 1985, tenha

sido posteriormente entendida

como

consentida para outros acordos e

Conferências.

ssa

é outra prova da flexibilidade

do

direito que regula a

matéria - ele é entendido

como um

conjunto de normas que preveem,

consentem, não obrigam. E isso porque elas se referem não a casos em

que

s

administrações públicas atuam

como

autoridade, mas a hipóteses

nas quais agem

em

busca de consenso.

104

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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Esse comportamento diferenciado das administrações

em

relação

à lei demonstra a consistência da interpretação do princípio de legali

dade da metade do século XX, segundo a qual este, em sua versão ex

trema, aplica-se atividade autoritativa, e não atividade privada das

administrações públicas.

o percorrer rapidamente o it r ilustrado, pode-se notar outro

aspecto característico da atividade administrativa desenvolvida para a

construção dessa grande obra pública.

Na Conferência de Serviços, que originou o acordo-quadro, de

cidiu-se aprovar o projeto e eliminar a parte que não dispunha do con

senso da região da Campânia. O acordo-quadro estabeleceu a neces

sidade de um acordo de programa sucessivo para decidir a localização

da estação de alta velocidade

a

parte eliminada e um acordo procedi

mental para definir as obras de atenuação do impacto sócio-ambiental

. do empreendimento. Portanto, o acordo-quadro serviu apenas para

determinar tempos e modalidades de sequências procedimentais suces

sivas

com

definição dos papéis, a fi,?1 de uma posterior composição de

interesses. Houve uma última Conferência de Serviços para a aprovação

final do projeto.

Portanto, na prática, sendo a atividade administrativa normal

mente ordenada em sequência, os vários procedimentos de entendi

mentos indicados se adaptam a ela, com adendos criativos de Con

ferência de Serviços, acordo, convenção e apêndice

à convenção; de

acordo-quadro, acordo procedimental, acordo integrativo; de acordo e

conferência gerais, seguidos de acordos e conferências especiais etc.

Nesse fenômeno de superprocedimentalização,

as

sequências

se entrelaçam e se cruzam, mesmo porque ocorrem em fases diversas,

desde a programação dos projetos até a definição das obras, a fase de

projetos, a execução, as integrações e as correções.

De

modo

contraditório e ambíguo, tudo isso implica o abandono

do princípio de tipicidade e uma interpretação elástica das normas, que

seriam ilegítimos caso não

se

partisse do pressuposto de que

as

adminis

trações públicas também são dotadas de autonomia privada

e,

portanto,

105

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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 107/152

podem se valer do princípio da liberdade das formas, próprio do direito

privado, no qual os modelos consensuais contratos) não são tipificados.

Os

elementos característicos dessa ordem procedimental são, de

um lado, a desarticulação em fases, de outro, a voluntariedade da ordem

funcional.

e

um

lado, portanto, os instrumentos

de

negociação não

bastam - pela complexidade do objeto devem ser inseridos em sequên

cia ou em paralelo. Por outro, essa procedimentalização não é imposta,

mas decidida pelas partes de maneira autônoma, que se comprometem

não apenas com as obras, mas também - e antes de tudo - com o pro

cedimento.

A decisão contextual do modelo normativo é novamente sepa

rada em uma sucessão de decisões, exigida pela busca de consenso, que

impõe também a ampliação do objeto chamada de decisão

por

pacote).

Isso demonstra o erro de considerar Conferências e acordos instru

mentbs apenas de simplificação, visto que são meios para negociações

entre

as

partes.

9

Se

o objetivo principal - de negociação - exigir,

as

partes poderão posteriormente complicar o procedimento, desde que se

97

Sobre

as

diversas Conferências de Serviços há vasta literatura e abundante ju

risprudência.

Na

literatura, em particular,

F

Merusi,

II

coordinamento

e

la coflaborazione

degfi

interessipubb ici e privati

dopo

e

ticenti tiforme",

in Diritto amministrativo. Bologna:

Monduzzi, 1993,

p 21, cuja reconstrução foi retomada e desenvolvida por

G

D

Comporti, II coordinamento

i ifrastruttura e: Tecniche egaranzie".

Milão: Giuffrê, 1996, e

F

G Scoca,

Anafisigiuridica dei/a

conferenza di

s e r v i z i ~

in Diritto amministrativo. Bologna:

Monduzzi, 1999, nº 2, p 255. A ênfase recai, porém, sobre a Conferência como instru

mento de simplificação e como meio de colaboração ou composição e coordenação

ou avaliação comparativa, quase como se estivesse avesso a admitir que a conferência

pode ser também instrumento de negociação. Mas isso depende do caráter publicís

tico e das dificuldades que dele derivam para considerar a função de negociação, de

ordem privada e semelhante à do mercado.

106

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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 108/152

chegue a uma conclusão, porque é esse o escopo autêntico do procedi

mento, não da assim chamada simplificação.

9

As obras para a alta velocidade, do ponto de vista normativo e

real, nos permitem fazer algumas conclusões. A primeira delas

é que as

administrações públicas não são hierarquizadas, mas estão,

por

assim

dizer, em

um

estado fluido, a ponto de não ser clara a delimitação entre

público e privado, ao menos do ponto de vista subjetivo.

Pode-se concluir ainda que não há bipolaridade entre público

e privado, mas entre interesses públicos centrais e interesses públicos

locais. Esses últimos são representados por entes territoriais (região,

província, municípios) que reciprocamente se reforçam - as garantias

são solicitadas pela Região a favor dos municípios - e são portadores de

interesses privados coletivos representados, portanto, por mediadores.

9 Outro

desvio em relação ao modelo normativo refere-se à relação entre unila

teralidade e multilateralidade. Para os outros instrumentos de acordo indicados, Con

ferências e acordos,

as

normas preveem, poi um lado, gue os atos ·das administrações

públicas sejam,

por

assim dizer, diluídos no p r o ~ e i m e n t o de acordo;

por

outro, gue

eles se esgotem nesse procedimento, podendo depois, na pior das hipóteses, emanar

os provimentos cujo conteúdo tenha sido provisoriamente determinado. a prática,

ao contrário, há administrações gue, com formulários de anuência específicos, man

têm autônoma a própria anuência e reservam para si mesmas poderes autônomos

sucessivos.

Assim, alternam-se módulo consensual e módulo unilateral, seja porque se está

em

um

campo no qual a

lei

não prevê expressamente o acordo procedimental substitutivo,

seja porque as administrações públicas preferem assim ter a possibilidade de reportar

a decisão última ao próprio órgão colegial (por exemplo, junta e conselho municipal,

cujos atos se referem a cláusulas com

as

quais os sujeitos interessados

se

comprome

tem a emitir todos os 'conseguentes' atos administrativos necessários ; nesse caso,

perdem-se ou são atenuadas as vantagens da contextualidade e da simplificação).

O desvio, também parcial, quanto ao modelo se explica pelo art. 14.3 da Lei nº 241,

de 1990, gue prevê, ao menos para a .Conferência de Serviços, a possibilidade de re

correr a ele para vários procedimentos conexos, gue se referem às mesmas atividades

e resultados .

107

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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Logo,

s

relações são multilaterais. A contraposição não

é

externa, mas

interna

à

administração pública.

á

a terceira conclusão a que chegamos

é

que essa complexa or-

dem de negociação ocorre toda em função de concessões recíprocas,

portanto, de negociação. Isso significa que a atividade dos sujeitos pú-

blicos que, em nome de interesses públicos nacionais, locais, coletivos),

negociam, modificam o raio e a direção da própria ação,

com

o obje-

tivo de fazer concessões recíprocas para encontrar assim um

ponto

de

acordo, não é realmente determinada pela lei, como gostaria de fazer

acreditar a vulgata do princípio de legalidade.

5 .

A mercantização dos poderes públicos

O agir da administração é, segundo a vulgata planejado pela lei.

Vimds, ao contrário, os poderes públicos agirem não de acordo com

um plano, mas

com

técnicas e métodos análogos àqueles próprios do

mercado, no qual várias partes trocam benefícios. Os interesses públi-

cos não são regulados de fora para dentro ou planejados pela lei, e sim

negociados

em

sede contratual, em atividades, paralelas

ou

em sequên-

cia, que respondem à lógica da negociação, não à lógica do agir legal-

racional, planejado, regulado, x

ante.

O legislador, em dificuldades para estabelecer a prioridade dos

interesses públicos, delega aos poderes públicos a tarefa de estabelecer

a hierarquia entre eles. Dita apenas algumas regras procedimentais, elás-

ticas, como

os módulos de negociação Conferência e acordo) e alguns

princípios de decisão unanimidade, maioria e recurso à deliberação

do

Conselho de Ministros).

A relação entre interesses públicos e privados não se estabelece

segundo o modelo conhecido da separação e da oposição. O interesse,

certamente público, de cuidar da realização de

uma

grande obra de in-

teresse nacional é confiado a dois sujeitos privados, s empresas

Ferrovie

dei/o Stato e TAV

Os

interesses coletivos das populações atingidas pela

obra não são ouvidos diretamente, mas apenas como representados

108

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pelos entes públicos exponenciais. Os outros interesses públicos são

divididos entre os outros órgãos designados para cuidar deles, os quais,

porém, não atuam de modo planejado, porque entre eles não há hierar

quia,

como

já ilustrado. Por isso, mesmo o equilíbrio entre eles é esta

belecido nas formas do direito privado ou, se preferirmos, do mercado.

Torna-se assim menos clara a distinção entre sociedade civil e

poderes públicos. Interesses públicos, coletivos e privados se compõem

de

modo

variado, convergindo ou divergindo

em

relação às posições de

força contratual para

as

contrapartidas oferecidas.

Os

interesses públi

cos não são necessariamente prevalentes, podendo sucumbir.

O símbolo dessa modificação dos paradigmas habituais do direito

administrativo é a Conferência de Serviços pelo menos aquelas aqui

consideradas, porque, como já dito, a Conferência é uma família de ins

titutos diferentes e até mesmo variáveis, na qual o legislador intervém

continuamente para modificá-los). Ela nasce para tornar contextuais

decisões paralelas e, portanto, agilizar as conclusões de procedimentos

complexos. A finalidade subsidiária é permitir concessões recíprocas

entre

as

administrações portadoras

d.e

interesses públicos igualmente

ordenados. A iniciativa e depois a participação dos sujeitos privados

transformam definitivamente sua função

em

espaço de negociação.

e meio para satisfazer exigências das administrações públicas, trans

forma-se em instrumento para realizar objetivos dos sujeitos privados.

A introdução do princípio de decisão da maioria traz outra mudança,

porque interesses públicos necessários, se

em

minoria,

podem

se tornar

legalmente sucumbentes.

a conferência deriva uma derrogação temporária do princípio

da tipicidade dos atos, porque a deliberação conclusiva da Conferência

absorve os atos de competência das autoridades e dos órgãos que dela

fazem parte. A atipicidade própria do direito privado penetra, assim, no

direito administrativo.

O resultado final desse conjunto de negociações se aproxima do

contrato plurilateral com obrigações correspondentes de troca ou si-

nalagmático). As partes são mais de duas. As obrigações de uma ou

109

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mais partes são trocadas por contraprestações de outras,

e

as obrigações

são recíprocas e interdependentes. As partes dão algo para ter algo em

troca.

99

III AS

MEDID S COMUNITÁRI S CORRETIV S

P R TELECOMUNIC ÇÕES

Na Itália, até a década de noventa, as telecomunicações eram sub

metidas a monopólio e oferecidas em concessão a uma empresa com

participação pública majoritária, a SIP - posteriormente Telecom Itália.

A diretriz

90/388

CE, emanada com base no art. 86.3 (ex 90.3)

do

Tratado Institutivo da Comunidade Europeia, deu início

à

liberalização,

seguida pela privatização da empresa monopolista. A privatização foi

iniciada

em

1992, a liberalização parcial (da telefonia móvel),

em

1994,

a completa, entre 1997 e 1998.

Entre

essas datas ocorreu

um

caso emblemático, que durou mais

de três anos e que começaremos a examinar agora, deixando de lado

questões periféricas e após ter apresentado a disciplina normativa sobre

a qual ele se funda.

1

disciplina comunitária dos abusos de

posição

dominante

e dos auxílios do stado

O art. 82.1

ex

86.1)

do

Tratado Institutivo da Comunidade

Euro-

peia dispõe que é incompatível com o mercado comum e vetado [

..

] o

uso abusivo, por parte de uma ou mais empresas, de posição dominante

99 Com relação a esse tipo de contratos, a integral recepção do sistema civilístico

no direito administrativo foi evidenciada por V Mazzarelli, e

convenzioni urbanistiche .

Bolonha:

II

Mulino, 1979. Porém, ele considerou uma hipótese em que há negócio

comutativo, no qual a administração atribui direitos ou assume obrigações a favor da

outra parte, que, por sua vez, atribui direitos ou assume obrigações correspondentes.

As partes, portanto, são divididas ao longo da separação entre público e privado, en

quanto no caso aqui examinado a cisão não se evidencia.

110

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no mercado

comum

e em parte substancial dele . O art. 86.1

ex

90.1)

do

mesmo

Tratado dispõe que os Estados-membros não emanam nem

mantêm, em relação às empresas públicas eàs empresas para as quais

se reconheçam direitos especiais

ou

exclusivos, nenhuma medida con

trária

às

normas

do

presente contrato [

..

] . O art. 86.3 acrescenta que

a Comissão controla a aplicação das disposições do presente artigo,

reservando aos Estados-membros, quando necessário, oportunas nor

mas

ou

decisões .

10

º

Segundo a jurisprudência da Corte de Justiça

101

, as decisões da

Comissão são dirigidas aos Estados, e a própria Comissão é responsável

por

sua atuação - comportam uma avaliação da situação produzida pela

intervenção estatal e estabelecem as consequências que dela derivam

para o Estado-membro.

Para completar a análise da disciplina comunitária, é preciso lem

brar que o art. 226

ex

169) do Tratado estabelece que a Comissão, quan

do considerar que um Estado-membro faltou

com

uma das obrigações

a ele impostas em virtude do presente tratado, emitirá um parecer mo-

.

tivado a esse respeito, após ter dado éondições ao Estado de apresentar

suas justificativas. Se o Estado em causa· não se adequar ao parecer nos

termos fixados pela Comissão, esta poderá recorrer à Corte de Justiça.

2

O

c so

Omnitel

Após evocarmos a norma comunitária de referência, é preciso

lembrar que,

na

época dos fatos sobre o qual nos deteremos, a Telecom

Italia era tanto empresa pública quanto empresa com direitos especiais

ou

exclusivos. Para iniciar a liberalização, o governo italiano, não tendo

ainda atuado

as

normas comunitárias, decidiu - a pedido da Comissão

100

São várias

as

decisões proferidas com base no art. 86.3 para embargar medidas

contrárias

às

normas do Tratado quanto a empresas públicas ou privadas, com direitos

especiais ou exclusivos.

101 Ver a decisão de 12 de fevereiro de 1992, Países Baixos e PTT-Comissão

C-48/90 e C-66/90.

111

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da Comunidade Europeia - conceder o serviço de telecomunicações

radiomóveis GSM sem exclusividade. Ofereceu uma concessão à so

ciedade Telecom Italia (depois TIM, controlada pela Telecom Italia) e

decidiu abrir concorrência para dar, sem exclusividade, a segunda con

cessão.

A concorrência, iniciada em dezembro de 1993,

foi

decidida em

2 de dezembro

do

ano seguinte, com a concessão do serviço GSM a

Omnitel, que havia realizado um depósito financeiro inicial , previsto

pela disciplina de concorrência, apesar das considerações feitas pela

Comissão da Comunidade Europeia. Para

ela a concessão deveria ser

feita com base em outras condições, sem a imposição de um depósi

to financeiro inicial , que não havia sido exigido ao primeiro conces

sionário.

Em

3 de janeiro de 1995, tendo considerado o depósito financei

ro inicial discriminatório

e

portanto, incompatível com os arts.

82.1

e

86.1 do Tratado, a Comissão solicitou ao governo italiano a anulação da

obrigação

do

depósito financeiro inicial imposto à segunda operado

ra,

OU

então, para motivar a própria decisão, reservando-se, nesse caso;

o direito de enviar ao governo italiano uma decisão formal, com base no

art. 86.3. Seguiu-se então uma troca de comunicações, nas quais o go

verno italiano salientava, em primeiro lugar, que a obrigação do depósi

to havia sido assumida voluntariamente pela Omnitel, ciente de que o

outro concessionário (Telecom Italia, depois TIM) não era obrigado a

fazer

um

pagamento desse tipo e que depois haveria um acordo entre os

dois concessionários, com renúncia da Omnitel

às

iniciativas tomadas.

A Comissão manteve seu

ponto

de vista e chegou, em 4 de outubro de

1995,

à

decisão da Comissão (95/489).

A decisão

95 489

estabelecia que o governo italiano deveria:

Adotar

as medidas

necessárias

afim

de

eliminar

a

distorção

da

concorrência

derivada

do pagamento

inicial, imposto à empresa

Omnitel, e

para garantir

a par

condicio

entre

as

operadoras de

radiotelefonia

móvel

SM no mercado

italiano

até 1

de

janeiro de

1996,

impondo um pagamento idêntico à TIM ou então,

112

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adotando,

com prévio acordo da

Comissc io, medidas

corretivas equivalentes,

em

termos

econômicos,

ao pagamento efetuado

pela

segunda operadora.

Essa decisão estava fundamentada nos arts.

82.1

e

86.1

do Tra

tado, porque a Telecom Italia não havia sido obrigada ao mesmo paga

mento e, portanto, criava-se uma discriminação anticoncorrencial que

determinava que se compensasse efetivamente a desvantagem da se

gunda operadora com medidas corretivas .

No dia

21

de dezembro, a Comissão e o Ministério das Comu

nicações - depois de complexa negociação - chegaram a um acordo

sobre as medidas corretivas (denominadas medidas acordadas ), com

compromisso tanto do Ministério - quanto apresentação de propostas

e atos normativos e adoção de decisões administrativas - quanto da

Telecom Italia e da

TIM-

em relação, entre outras coisas, à redução da

tarifa de interconexão para sessenta bilhões. As medidas acordadas

foram comunicadas à Omnitel e à Telecom Italia que, imediatamente,

informaram ao Ministério sua

a d e ~ ã o No dia seguinte, o ministro

comunicou o acordo à Comissão Parfamentar competente do Senado e

no dia 18 de janeiro, após ter obtido novo consenso das duas partes pri

vadas

em

relação aos termos de atuação de

uma

das obrigações comu

nicou à Comissão, que, por sua vez, informou a própria adesão no dia

seguinte.

Por conseguinte, o Ministério das Comunicações passou, com

recomendações, o texto das medidas

às

duas partes privadas solicitando

garantia de exato adimplemento - em janeiro e em março as partes

informaram ao Ministério novamente a própria adesão -

e

em 9 de

fevereiro de 1996, a Comissão comunicou ao governo italiano que as

medidas acordadas eram suficientes para se adequar ao dispositivo

da Comissão de 4 de outubro de 1995 ,

com

a ressalva de assegurar a

efetiva execução das próprias medidas .

Até aquele momento, portanto, as relações colocadas em práti

ca podem ser resumidas da seguinte maneira: após decisão dirigida ao

Estado italiano, adotada no curso da atividade de fiscalização da apli-

113

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cação das disposições

em

matéria dos denominados auxílios estatais

(art. 86

do

Tratado), seguiu-se uma atividade

do

Ministério voltada,

por um lado, para acordar

com

a Comissão as medidas corretivas (de

nominadas medidas acordadas ); por outro, para obter o consenso das

partes privadas.

Os

acordos promovidos pelo Ministério que,

por

sua

vez, assumiu obrigações, deram origem a obrigações das partes, de cujo

cumprimento dependia a possibilidade

do

governo de evitar as inicia

tivas sancionatórias comunitárias. Seguiram-se, então, a comunicação

do Ministério à Comissão e a declaratória oficial de conformidade da

Comissão.

Iniciava-se, naquele momento,

um

conflito entre outras nego

ciações, destinado a durar quase dois anos, que teve

como

objeto a

atuação da cláusula relativa à redução,

por

parte da

TIM

da tarifa de

interconexão, a favor da Omnitel. Essa cláusula foi interpretada pela

parte obrigada como sendo reembolso à Omnitel da diferença entre

a soma faturada pela Telecom Italia e a

menor

soma resultante da vir

tual redução de 25% da tarifa de interconexão até que a concorrência

somasse sessenta bilhões [ .) .

Em

15 de maio de 1996, a Comissão

comunicou que o governo italiano deveria determinar as modalidade

específicas das medidas acordadas, desde que o objetivo visado pelas

próprias medidas pudesse ser alcançado .

A atuação das medidas acordadas estava prevista para o dia

19

de maio de 1996. No entanto, o ano transcorreu

com

atuações parciais,

devidamente comunicadas pelo Ministério à Comissão (18 de julho de

1996, 7 de agosto

de

1996, 4 de setembro de 1996, 24 de janeiro de

1997), e

com

solicitações da Comissão (12 de março

~

1996, 15 de

maio de 1996, 30 de maio de 1996, 23 de agosto de 1996,'15 de janeiro

de 1997). A

TIM

impôs novas dificuldades de vários de tipos,

às

quais a

Comissão respondeu, em 9 de setembro de 1997, solicitando a atuação

do Ministério, ameaçando lançar uma notificação pela falta de atuação

das medidas corretivas e convidando a avaliar

as

consequências dos

atrasos de atuação na validade das medidas corretivas .

114

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Seguiu-se, em 1S de outubro de 1997, um acordo entre

as

partes

privadas, no qual, confirmada a aceitação das medidas compensatórias,

as

partes estabeleciam

as

modalidades executivas das medidas acorda

das ; e o Ministério informou, em

21

de outubro de 1997, a Comissão

sobre o acordo.

Em

10 de dezembro do mesmo ano, a Comissão encer

rou o procedimento de infração

e

em 19 de março do ano seguinte, foi

informada do depósito feito, em

11

de março, pela TIM, referente à últi

ma parcela do reembolso derivado da redução da tarifa de interconexão.

Nessa segunda fase houve, portanto, a difícil atuação das medidas

corretivas para compensar o desequilfürio produzido pelo depósito

econômico inicial . Essa atuação foi presidida pelo Ministério, mas sob

o controle da Comissão, sendo o governo diretamente obrigado a deter

minados adimplementos - enquanto em outros casos é forçado apenas

a garantir que sejam

cumpridos-

quanto destinatário da decisão comu

nitária. No decorrer da atuação, verificou-se

um

acordo direto entre os

privados (anteriormente, eles tinham manifestado duas vezes consenso

em relação

às

medidas

c o r r e t i v ~ s . ,

acordadas pelo Ministério com a

Comissão). A diversidade

se

explica uma vez que o segundo acordo

se

referia à atuação, pelas partes, de apenas algumas das medidas correti

vas, aquelas que não dependiam de intervenções dos poderes públicos.

Essa segunda fase do procedimento

se tornou

ainda mais com

plexa;

por um

lado, devido

às

incertezas a respeito do sujeito obrigado -

a controladora Stet, a coligada Telecom Italia ou a TIM, controlada pela

segunda-,

por outro, pelos procedimentos judiciários - além do recurso

ao governo italiano, o recurso da

TIM

ao Tribunal de Primeiro Grau das

Comunidades Europeias contra a decisão da Comissão 95/489, pos

teriormente retirado em 8 de maio de 1998, e a ação da

TIM

junto ao

Tribunal de Roma para anulação do acordo de 1 S de outubro de 1997,

apresentada em 2 de janeiro do ano seguinte.

115

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3 s

aspectos característicos das medidas

corretivas a favor

da

mnitel

Como

já dito, o caso examinado tem característica exemplar. Va

mos analisar seus aspectos característicos.

Em

primeiro lugar, o caso diz respeito a vários sujeitos - a

Comissão da Comunidade Europeia, o Ministério das Comunicações,

além de duas empresas. Note que s duas entidades públicas aparecem

em primeiro plano como partes de dois agregados - a União e o Estado

italiano-

que estão, porém, ausentes como tais. Portanto, sob o aspecto

internacional,

s

costumeiras figuras jurídicas subjetivas apresentam-se

separadas.

Quanto

às empi:esas, elas concorrem entre

s

uma é a

incum-

  entea outra, a new

entrant

A primeira está interessada em criar obstácu

los à segunda, da mesma maneira que esta se interessa em obter medidas

c o m p e n s ~ t ó r i s

das limitações impostas pelo Estado à sua entrada.

O caso diz respeito aos auxílios estatais. O depósito econômico

inicial é considerado uma desvantagem que consiste em aumento dos

custos de acesso do único concorrente de uma empresa pública; des

vantagem esta que falseia, de maneira significativa, a concorrência. Por

tanto, segundo a Comissão, o Estado italiano deve se abster de adotar tal

medida, ou então deve dispor de medidas compensatórias. A segunda

alternativa se

tornou

prevalente, considerando-se que a devolução do

depósito econômico inicial implicaria a anulação da concorrência,

prolongando-se, dessa forma, o tempo da liberalização do setor e pos

sibilitando ao monopolista fortalecer-se mais. Portanto, a alternativa

prejudicava o interesse de assegurar a concorrência.

Por sua vez, as medidas corretivas dispostas para compensar a

desvantagem inicial consistiam tanto em obrigações para o Estado -

que era o principal obrigado, sendo a decisão dirigida a

ele-

quanto em

obrigações para uma das empresas a favor da outra.

116

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Em relação aos interesses em jogo, uma vez realizado o depósito

econômico inicial para ganhar a concorrência e obter a concessão, a

Omnitel agiu de maneira informal, antes de tudo para obter medidas

compensatórias e ainda para obter a atuação destas.

As ações da Omnitel são interessantes

por

dois aspectos. Primei

ramente porque visam garantir para si -

por

assim dizer - mais espaço,

seja em relação ao Ministério concedente e ao Estado), seja em relação

ao monopolista. Em segundo lugar, a Omnitel exerce, durante todo o

período em que se desenrola o caso, pressão sobre a Comissão, que

consiste, por um lado, em mantê-la informada sobre o andamento da

questão na Itália,

por

outro, em requerer dela ações consistentes em

decisões e solicitações.

o mesmo tempo, a Comissão assegura o acesso

à

Omnitel e, por

meio desta, adquire as informações que lhe faltam sobre

as

medidas de

liberalização do mercado italiano. Assim, a empresa nova ingressante é

o instrumento da liberalização. Mas a liberalização é também o instru

mento

de que se vale o novo i n g t ~ s s a n t e

O governo, enfim, desenvolve dois papéis.

Por

um lado, é o órgão

que assegura as medidas compensatórÜs,

por

meio da proposta de nor

mas e emanação de provimentos normativos voltados para atuar as di

retrizes comunitárias sobre a concorrência, por outro, garante que o

monopolista compense o novo ingressante.

No procedimento, uma decisão comunitária dirigida ao governo

italiano,

um

acordo entre governo e Comissão, medidas governamentais

destinadas a facilitar a negociação entre privados e dois acordos entre os

últimos unem-se uns aos outros.

A Comissão,

com

sua decisão, fez surgir uma relação triangular

entre governo, TIM e Omnitel, na qual o governo desempenha dois

papéis, como já mencionado, e se executam dois acordos interligados,

um

vertical, entre Comissão e governo, outro horizontal, entre as duas

empresas.

117

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Se a outra solução tivesse sido escolhida, a de impor também à

TIM o

depósito

econômico inicial imposto Omnitel - como pre

visto preferencialmente pela decisão da Comissão

- ,

as relações teriam

permanecido na sequência vertical Comissão-governo-TIM, sem inter

ferir, lateralmente, na Omnitel. Assim, a decisão da Comissão não teria

surtido efeito nas relações entre sujeitos privados, mas teria se limitado

a dispor

uma

obrigação de um sujeito privado a sociedade TIM) para

com

o governo nacional.

Mas certamente essa solução não interessava à TIM, nem à Om

nitel; para a última era conveniente a outra solução, que estabelecia uma

obrigação entre sujeitos privados, derivada de uma decisão comunitária

dirigida ao Estado e

por

ele atuada.

102

4 Um

novo triângulo uma

empresa nacional

e

a

comissão uropeia

contra o stado

De

acordo com a

vulgata,

dentro do Estado se estabelecem re

lações binárias entre empresas (ou cidadãos) e Estado. As medidas cor

retivas para as telecomunicações fazem emergir

um

novo paradigma,

triangular,

no

qual se estabelecem relações de negociação tanto entre

sujeitos privados - mas segundo regras e sob controle público - quan

to entre governo nacional e Comissão. O Estado não está no centro,

porque seu lugar é tomado pela Comissão da Comunidade Europeia.

Esta

se

vale

de

interesses privados coincidentes

com

o interesse público

para estabelecer uma complexa relação multilateral. Não existe autori

dade de um lado o público) e liberdade de outro o privado), porque

dos limites dispostos em sede comunitária sobre governo nacional e

102 Sobre esse caso, ver o ótimo texto de L

G

Radicati di Brozolo, La

liberalizza-

zjone

dei/e

telecomunicazioni

in

Italia:

La

decisione

ex

ar .

90(3)

dei

Trattato

CE

sul

caso

Om-

nite ',

Diritto dei commercio internazionale. Milão: Giuffre, janeiro-março de 1996.

Examina os traços jurídicos

do ponto

de vista comunitário, levando em conta também

questões interferentes aqui não abordadas

118

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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empresa derivam vantagens para outra empresa. Analisemos portanto

os diversos componentes desse modelo.

O primeiro deles é a Comissão da Comunidade Europeia. Esta

é um poder executivo

em

estado nascente que tem diante de s não

cidadãos mas governos nacionais difíceis de ser controlados apenas

mediante a fórmula da harmonização como procedimento que vem de

cima.

Há então o desenvolvimento de uma estratégia diferente - usu

fruir em favor próprio dos conflitos sociais e econômicos produzidos

pela deslocação diferente de benefícios e vantagens resultante das nor

mas de liberalização e da tutela da concorrência.

As condições para que isso ocorra são duas. A primeira é atribuir

direitos a cada sujeito

de

um Estado perante o Estado outros cidadãos

ou empresas. O efeito direto das normas comunitárias nos ordenamen

tos nacionais serve para isso. A segunda é assegurar o máximo acesso

e abertura à Comissão. Para isso serve o liberalismo administrativo da

Comissão e de suas estruturas

q u ~

dão mais audiência

às

empresas na

cionais do .que o fazem os Estados

por

isso

uma

empresa nacional

consegue ser mais ouvida em Bruxelas do que em Roma.

Uma

vez realizadas tais condições empresas e cidadãos se tornam

instrumentos da atuação do direito comunitário e de controle da con

formidade da atividade do Estado na disciplina supranacional. Estes

agindo

em

interesse próprio cuidam também de

um

interesse comu

nitário segundo o modelo smithiano do comportamento

do

consumi

dor no mercado.

Portanto empresas e cidadãos atuam como agentes do interesse

público comunitário contra os interesses públicos nacionais -

no

caso

examinado os da empresa em posição dominante e do Estado que tinha

concedido a ela direitos especiais ou exclusivos e era seu proprietário.

A Comissão

tem

muito interesse em desenvolver esse módulo or

ganizacional. m primeiro lugar consegue assim estabelecer

um

con

trole difuso da atuação do direito comunitário descentralizando tarefas

- a monitoração da atuação do direito comunitário que seria difícil rea-

119

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 121/152

lizar diretamente segundo o modelo de controle definido dos fire

alarms,

contraposto ao centralizado e sistemático conhecido

por police

patrol.

103

Além disso assegura-se a colaboração de empresas e cidadãos

evitando assim que todos os procedimentos provenham de cima.

Em

terceiro lugar maximiza a proteção

do

principal interesse

comunitário confiado a ela.

Este

consiste em minimizar

as

diferenças

na execução nacional do direito comunitário; raiz de possíveis discrimi

nações das empresas.

De

fato empresas e cidadãos observam em geral

o que ocorre

em

outros países em busca

do

tratamento mais favorável

para si segundo o modelo do

law

shopping. A Comissão por sua vez ini

cia

um

procedimento em relação a

um

governo nacional quando

pode

fazer referência aos procedimentos seguidos em outros Estados

como

aconteceu

no

caso Omnitel.

1 4

Em quarto lugar a Comissão estabelece assim relações diretas

com

as

comunidades estatais. omo poder supranacional ela nasce

por assim dizer como

uma

planta sem .raízes. Visto que se vale das as

simetrias nacionais para atuar o direito comunitário chega até as

comu

nidades estatais valendo-se destas em função antiestatal em virtude

justamente

da

coincidência entre interesses privados e públicos comu

nitários.105

Enfim a Comissão consegue dessa maneira dar unidade ao or

denamento jurídico supranacional que seria de outro modo continua

mente desagregado pelos Estados nacionais e suas diversidades.

103

D

McCubbins e

T.

Schwartz "Congressional Oversight

Overlooked: Police Palro versus

Fire

Alarms , American Journal of Political Science. Nova York: John Wiley and Sons

nº 28 1984.

104 Ver Radicati di Brozolo op. cit. p. 85.

105

preciso acrescentar que por suas dimensões e nascimento como órgão

de

governo da economia o poder público comunitário está mais em contato com as em

presas e em geral com organizações econômicas do que com indivíduos. Daí uma

diferença que dá origem a lamentações e a uma propaganda retórica sobre a Europa

dos cidadãos.

120

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 122/152

O governo nacional é colocado,

por

esse mecanismo já ilustra

do, em uma posição contraditória. Por um lado, teria interesse, como

proprietário e autoridade que atribuiu direitos especiais ou exclusivos,

em defender

as

próprias posições; por outro, deve propiciar a atuação

do

direito comunitário

106

,

do qual é legalmente responsável perante a

Comunidade. Deve, portanto, seguir procedimentos não previstos pelo

direito interno, como os apresentados, para atuar o direito comunitário.

A norma não comanda, mas ativa condutas conformes.

Também nesse caso há mercantilização dos poderes públicos.

sta é ainda mais acentuada do que no caso examinado anteriormente,

porque o modelo unitário e hierárquico

foi

substituído

por uma

aliança

entre um sujeito privado nacional e o órgão comunitário,

na

função de

fiscalização da conformidade da conduta estatal com o direito comu

nitário.

O caráter policêntrico da negociação é demonstrado, no caso,

pela existência de pretensões entrecruzadas e variadamente dependen

tes - da Comissão Europeia

eni ~ e l ç ã o

ao governo italiano; desse úl

timo

em

relação TIM; da Omnitel em relação ao governo e TIM.

As pretensões da Omnitel coincidem' como se notou -

com

as da

Comissão, enquanto o governo está dividido entre seus interesses patri

moniais e os interesses da liberalização e da concorrência, que lhe são

impostos pela Comissão. Como na relação triangular que se estabelece

diante de um juiz, há um desequilíbrio a ser eliminado diante de interes

ses contrapostos. Mas

também, duas autoridades públicas, a nacional

e a supranacional, com

interesses não contrapostos, mas divergentes.

106

Radicati di Brozolo, op. cit., p.99.

121

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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IV BUSC E UM DIREITO N CION L M IS

F VORÁVEL

O ordenamento jurídico é um aspecto ao qual os sujeitos devem

se ater. Eles

podem

no

máximo, escolher instrumentos diversos, ofere

cidos pelo próprio ordenamento jurídico. As chamadas empresas

mul-

tinacionais também atuam segundo o direito aplicado especificamente

nos países em que funcionam - em sentido estrito, as empresas ditas

multinacionais são nacionais, sendo registrada em cada país

em

que a

tuam, ou então tendo empresas controladas registradas nos países onde

desenvolvem atividade comercial.

O ordenamento comunitário, fundado no multipertencimento

dos sujeitos a vários ordenamentos, permite, entretanto, escolher o or

denamento jurídico menos severo.

1 disciplina comunitária do direito

de

estabelecimento

O direito de estabelecimento serve para determinar as bases da

União Europeia. O art. 43 (ex 52

do Tratado dispõe que:

{

.. as

resttições à liberdade de estabelecimento

dos

cidadãos de um Estado

membro

no

tertitótio de outro

Estado-membro

são proibidas.

Essa

proibição

se

estende também

às restrições relativas

à

abertura de agências sucursais

ou

filiais

por parte

dos cidadãos de

um Estado-membro estabelecidos no

territó1io

de

outro

Estado-membro. A

liberdade

de

estabelecimento

[ ]

implica

constituição e

gestão

de empresas

e

em particular de sociedades [ ] sob as condições definidas pela

legislação

do país de

estabelecimento

para os próp1ios cidadãos.

O art. 48 (ex

58

estabelece que as sociedades constituídas

em

conformidade

com

a legislação de um Estado-membro ou que tenham

a sede social, a administração ou o centro de atividade principal dentro

122

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· da Comunidade são equiparadas, para fins da aplicação das disposições

do artigo, às pessoas físicas que tenham a cidadania dos Estados-mem

bros .

O art. 46 (ex 56 permite a aprovação de normas que dispõem

regime particular para estrangeiros, quando forem justificadas

por

mo

tivos de ordem pública, de segurança e sanidade pública .

2

O casal Bryde e a empresa Centros

s artigos mencionados foram várias vezes aplicados. Mas um

caso relativamente recente, decidido pela Corte de Justiça

em

9 de

março de 1999

107

,

é, em particular, interessante porque declarou que a

liberdade de estabelecimento pode servir aos cidadãos de um país para

procurar o direito mais favorável.

O caso é simples. O casal Bryde, cidadãos dinamarqueses resi

dentes na Dinamarca, pretendia desenvolver uma atividade comercial.

Com esse objetivo, deveriam c611,stituir uma sociedade por responsa

bilidade limitada, para a qual o direito dinamarquês estabelece como

exigência o depósito de um capital social mínimo de duzentas mil

coroas dinamarquesas. Verificaram, porém, que o direito inglês permite

instituir sociedade

por

responsabilidade limitada com um capital so

cial muito inferior (cem libras esterlinas, correspondentes a mil coroas

dinamarquesas). Constituíram, portanto, no Reino Unido, uma

priv te

limited

comp try

denominada Centros

e,

depois, pediram à Direção Geral

do Comércio e das Empresas do Reino da Dinamarca o registro de uma

sucursal da Centros.

A Direção dinamarquesa negou o registro afirmando que a em

presa não estava ativa no Reino Unido e toda a sua atividade aconteceria

na Dinamarca. A Direção observou que a Centros fez isso para evitar

o depósito do capital mínimo de duzentas mil coroas dinamarquesas

e, portanto, para burlar uma norma nacional ditada em defesa dos cre-

107 Procedimento C.-212/97, Centros Ltd.-Erhvervs-og Selskabsstyrelsen.

123

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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 125/152

dores. Em resumo, a Direção Dinamarquesa do Comércio e das Empre

sas observou que a Centros pretendia instituir na Dinamarca não uma

sucursal, mas a sede principal da companhia.

A Centros recorreu

em

primeira e em segunda instância contra

a recusa do registro

e

nessa última, foi proposta questão prejudicial

Corte de Justiça da Comunidade Europeia, que concluiu que os arts. 43

e

48 do

Tratado:

impedem que um Estado-membro negue o registro de uma sucursal de uma sociedade

constituída em coeformidade com legislação de

outro Estado-membro

no qu l esta tem

sede

sem

desenvolver

ali

atividades

comerciais,

quando sucursal tem

o

oljetivo

de

permitir

que sociedade

desenvolva

toda

sua

atividade no

Estado-membro no

qu l própria su

cursal será instituída, evitando

constituir

ali uma sociedade e

burlando,

assim,

aplicação

de normas,

relativas à

constituição

das

sociedades, mais severas em matéria de

liberação

de

um capital socia/.Jnínimo.

Segundo a Corte de Justiça, é inerente ao exercício do direito

de estabelecimento a busca de normas menos severas , e a recusa de

registro impediria o exercício de tal direito.

A Corte observou que o Estado dinamarquês registraria a socie-

dade se ela houvesse sido ativa

no

Reino Unido

e

portanto, que os cre-

dores estariam igualmente

em

posição desfavorável, devido ausência

do capital de duzentas mil coroas dinamarquesas. Por outro lado, os

credores seriam informados de que a sociedade é de direito inglês e

desse modo, está sujeita a uma norma diferente.

Enfim, a

Corte

observou que a interpretação adotada não exclui a

adoção de medidas idôneas para prevenir ou sancionar fraudes, medidas

a ser aprovadas eventualmente

em

cooperação com o Estado-membro

no qual a empresa está constituída.

108

108 O tema foi o principal objeto da decisão na causa

120/78

Rewe-Zentra , denomi-

nada

"Cassis e Dfjon",

segundo a qual, os obstáculos para a circulação intracomuni-

tária que derivam da disparidade das legislações nacionais relativas ao comércio dos

124

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 126/152

3 . s aspectos característicos do caso entros

O caso e a decisão mostrados apresentam diversos aspectos ca

racterísticos, sendo o primeiro deles a variedade dos direitos e sujeitos.

e um

lado, estão os direitos comunitários, inglês e dinamarquês, em

concorrência. o outro, sujeitos dinamarqueses (casal Bryde) e ingleses

a

empresa Centros), além das administrações públicas dos dois países.

importante notar, ainda, que se discute diretamente um ato ad

ministrativo, como a recusa de registro decidida pelo órgão administra

tivo dinamarquês.

Outro

aspecto relevante é que a questão

pode

ser analisada sob

dois diferentes pontos de vista. O primeiro, e mais comum, é o do di

reito nacional - segundo o qual há um limite - que cede ao direito

comunitário - com base no qual não podem ser dispostos limites. Nesse

sentido, o casal Bryde age contra um provimento administrativo na

cional, evocando o direito comunitário. O outro

ponto

de vista, mais

original,

é

que o direito nacional

é

~ u m e t i d o

ao juízo

do

mercado, no

sentido de que cada operador nacional pode escolher o direito nacional

mais conveniente - menos severo'', segundo a terminologia da Corte

de Justiça - e depois solicitar

à Corte a proteção de seu direito de es

colha.

Esse

é

o aspecto mais relevante, a partir do qual serão considera

dos os pressupostos e

as consequências.

produtos [ ..] são aceitos quando essas prescrições podem ser admitidas como neces

sárias para responder a exigências imperativas pertinentes,

em

particular, à eficácia dos

controles fiscais,

à

proteção da saúde pública, lealdade dos estabelecimentos comer

ciais e defesa dos consumidores , mas as prescrições relativas à gradação mínima das

bebidas alcoólicas não buscam um objetivo de interesse geral apto a prevalecer sobre

as exigências da livre circulação das mercadorias, que constitui um dos princípios fun

damentais da comunidade .

125

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 127/152

Como pressuposto podemos entender a falta de harmonização.

Nesse caso ela não existe

ou

é incompleta. Isso permite desníveis de

disciplina e sua utilização. Em certo sentido, esse é o

produto

de uma

insuficiência comunitária, visto que a tarefa essencial da Comunidade é

funcionar

como

mecanismo equalizador, para evitar discriminações e

assegurar o

equa footing

dos sujeitos comunitários. A ausência de ações

de harmonização, juntamente

com

as disparidades entre os direitos

nacionais e com a garantia do direito de estabelecimento, acaba por

provocar - pode-se dizer necessariamente - a escolha do direito mais

conveniente

por

parte

do

sujeito ao qual este se aplica.

É

interessante notar que o direito comunitário,

mesmo

não ad

mitindo disparidades produzidas pelos Estados. em detrimento dos

cidadãos, permite que os cidadãos usufruam dessas disparidades para

dispor de direito menos severo . Isso confirma o que foi várias vezes

observado sobre o fundamento liberal da Comunidade.

u ~ do

que foi notado, soa singular a afirmação da Corte de

Justiça, o fato de o direito das empresas não estar completamente har

monizado na comunidade é

pouco

relevante . Realmente, se é verdade

que, com esse argumento a Corte excluiu a invocabilidade da harmoni

zação incompleta para justificar a recusa de registro, é verdade também

que é justamente a harmonização incompleta que permite a escolha do

tratamento mais favorável.

Qual é a consequência da conjunção dos desníveis normativos

com

o direito de estabelecimento? Também nesse caso há mercantiza

ção do Estado,

no

sentido de que os vários ordenamentos jurídicos são

postos em competição entre si e se

pode

escolher o mais favorável. No

mercado é possível até mesmo comprar o direito mais conveniente.

e há liberdade de escolha do cidadão consumidor de direito,

pode-se então dizer que existe uma

verdadeira competição? Ora, se é

difícil dizer que

pode

existir, em breve período, variação da oferta

com

o variar da demanda, é verdade, também que se todas as empresas, por

longo período, procurassem o tratamento mais favorável obrigariam

talvez os Estados a modificar a oferta. É mais provável que haja uma

126

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reação diferente

por

parte dos Estados típica dos oligopolistas de che

gar a um acordo entre si a fim de uniformizar a própria oferta. Por isso

mais do que concorrência seria preciso falar de liberdade de escolha do

consumidor aplicada aos ordenamentos jurídicos e às administrações

públicas.

O outro aspecto importante referente

às

consequências diz res

peito

às

relações entre os direitos nacionais e entre estes e o direito

comunitário. No caso em questão há de um lado a submissão dos

direitos nacionais ao direito comunitário cujo princípio relativo liber

dade de estabelecimento se aplica aos ordenamentos jurídicos nacion

ais; de outro a concorrência comparativa entre os direitos nacionais

possível graças à comunicabilidade ou circularidade disposta pelo di

reito comunitário.

4

Law shopping

Os

sujeitos estão em geral; imersos em um contexto jurídico.

Nesse caso ao contrário vão em busca de um contexto jurídico movi

dos pelo desejo de encontrar o que lhes é mais favorável.

O sistema legal europeu é, assim tanto um meio de harmoniza

ção vinda de cima usado também por sujeitos nacionais para modificar

o direito nacional

109

  quanto meio de contraposição entre ordenamen

tos utilizado por sujeitos nacionais não para modificar o direito nacio

nal mas para substituí-lo

por

outro que pode ser escolhido graças à

ampliaÇão da oferta permitida pela União Europeia.

A União não é o plano superior de uma construção jurídica que

se sobrepõe aos Estados mas um ordenamento mais amplo que per

mite a circulação das instituições. A circulação que ocorre mediante a

harmonização vinda de cima - e o uso que desta fazem os sujeitos

109

Aspecto esclarecido por K ] Alter

The

European n i o n ~ Legal System and Do-

mestic Pofiry» Spiílover or Backíash? , Internacional Organization. Cambridge: Cambridge

University Press nº 3 verão de 2000.

127

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nacionais, contra seu direito - é mais conhecida. Menos conhecida é a

circulação mediante comparação e escolha vinda de baixo, na qual os

protagonistas são os sujeitos nacionais, porque o direito comunitário

estabelece apenas o meio de comunicação.

O

instrumento

essencial da circulação

por

comparação e escolha

vinda de baixo, como no caso Centros, é o poder judiciário comunitário,

enquanto o instrumento do outro tipo de circulação é a Comissão.

A Comissão nunca conseguiria impor

um

direito uniforme,

porque haverá sempre grandes diferenças entre os ordenamentos. O

fato de ter construído

um

poder judiciário comunitário, em parte na

cional, em parte comunitário - trata-se de uma rede de juízes nacionais,

tendo na cúpula a Corte de Justiça, supraordenada não estruturalmente,

mas funcionalmente, que consegue assim se afirmar

com

a técnica da

indirect

rule

11

e com o uso abundante dos juízos sobre questões preju

diciais

-

permite reduzir

as

assimetrias nacionais

por

imposição

do

di

reito comunitário ou

por

circulação dos direitos nacionais.

A unificação europeia feita não a partir dos governos, polícias

ou exércitos, e sim a partir dos juízes, constitui uma novidade original

que permite compensar a permanência de direitos diversos com

um

metadireito igual e garantir aos cidadãos a possibilidade de fazer valer

os próprios direitos de base comunitária) contra os poderes públicos

nacionais.

S

A disciplina comunitária dos produtos

farmacêuticos

A disciplina comunitária dos produtos farmacêuticos visa elimi

nar as disparidades entre

as

disposições nacionais e evitar que os con

troles efetuados em

um

Estado-membro se repitam

em

outro como se

nas motivações das diretrizes

65/65

e 75/139

CE em

matéria).

O B Malinowsky, The

Dynamics of

Cultural

Change

1945). New Heaven: Yale

U niversity Press, 1961.

128

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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Mas o direito comunitário passou por muitos procedimentos para

alcançar esses objetivos, modificando a disciplina do setor introduzida

em 1965, em 1975 e 1983. Até que, em 1993, o setor encontrou uma

ordem fundada em dois procedimentos. O primeiro deles, denominado

centralizado, é obrigatório para alguns fármacos e opcional para outros.

Segundo esse procedimento, um Comitê específico para as especiali

dades medicinais, composto por representantes dos Estados-membros

e pela Comissão, que se vale da consultoria científica de uma Agência

Europeia específica para avaliação dos medicamentos, emite a autoriza

ção para a comercialização, que é válida em todos os Estados-membros.

O segundo é denominado descentralizado ou procedimento de

mútuo

reconhecimento. De acordo com ele, um Estado-membro esco

lhido pela empresa titular, chamado de Estado de referência, emite uma

primeira autorização nacional e elabora um relatório de avaliação ,

com base no qual solicita o reconhecimento do primeiro registro, no

prazo de noventa dias, aos países membros selecionados pela empresa

titular. Os Estados podem conceder autorização - nesse caso, ela é con-

 ,

siderada concedida, e o mútuo reconhecimento produz

uma

cascata

de autorizações nacionais. Se ao contrário, algum Estado se opuser de

maneira motivada e as dificuldades apresentadas quanto a sérios proble

mas de saúde pública não puderem ser resolvidas no prazo de noventa

dias, o titular pode decidir retirar o registro do país em questão. omo

alternativa, o titular, o país de referência ou o próprio país que colocou

a objeção

podem

invocar

um

procedimento denominado arbitrado e

submeter o caso ao Comitê para especialidades medicinais, que tem a

tarefa de decidir, cuja determinação final é obrigatória a todos os países,

porque é tomada pela Comissão da União Europeia.

Em síntese, com o procedimento descentralizado, por um lado,

o reconhecimento de uma autorização nacional em outros Estados é

facilitado;

por

outro,'a União Europeia se intromete no procedimento

- da mesma forma para reduzir as

disparidades de regulação nacional.

129

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O procedimento descentralizado, porém, funda-se em um siste

ma jurídico harmonizado,

no

sentido de que

as

duas diretrizes,

65

/

65

e

75/319,

modificadas várias vezes, ditam disposições sobre a instrução

dos pedidos de autorização para a comercialização e sobre os prazos do

procedimento.

As diretrizes comunitárias foram atuadas na Itália

com

os decre

tos legislativos de 29 de maio de 1991, nº 178, e de 18 de fevereiro de

1997, nº 44. Segundo o direito nacional, para a comercialização de um

fármaco na Itália é necessário autorização nacional, autorização comu

nitária

ou um

procedimento de mútuo reconhecimento; seguido de re

gistro nacional.

O art. 9 is do decreto legislativo de 29 de maio de 1991, nº 178,

modificado pelo decreto legislativo de 18 de fevereiro de 1997, nº 44,

regula o mútuo reconhecimento das autorizações . Este prevê que o

Ministério da Saúde, ao ser informado de que

outro

Estado-membro

u t o r i z o ~

ou está

em

processo de autorização de

um

medicamento,

deverá solicitar a esse outro Estado-membro o envio do relatório de

avaliação. Posteriormente, o Ministério pode reconhecer a decisão do

outro Estado, ou se opor, provocando assim a retirada do pedido do

próprio Estado

por

parte da empresa fabricante

ou

o parecer do Comitê

Europeu.

111

6 escolha dos procedimentos

e

dos stados

A organização, brevemente descrita, permite

às

empresas farma

cêuticas escolher tanto o Estado de referência quanto os procedimen

tos, optando entre comunitário

ou

centralizado e descentralizado ou de

mútuo reconhecimento.

111

Os dois procedimentos

se

juntam ao nacional, regulado pela

norma

de 1997,

relativa a fármacos a ser comercializados apenas na Itália e portanto; não destinados

à venda em outros países.

13

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 132/152

Pesquisas recentes realizadas pela União Europeia

112

mostraram

que o país mais escolhido pelas empresas farmacêuticas é o Reino Uni

do seguido de Suécia Holanda Dinamarca França Alemanha Por

tugal Finlândia e Áustria; e mostraram ainda que nenhuma empresa

optou

pela Grécia

ou por

Luxemburgo.

Essas pesquisas constataram que muitas empresas solicitaram

autorização em todos os países

  3

e que a escolha dos Estados é

fei-

ta principalmente com base na reputação de eficiência experiência e

conhecimento científico da administração do país escolhido especial

mente na área terapêutica do fármaco; e em segundo lugar com base

em experiências precedentes positivas com produtos semelhantes.

114

Na escolha do Estado de referência

por

parte da empresa

far-

macêutica interessada em obter autorização para a comercialização

de

fármacos há portanto dois elementos que dizem respeito à qualidade

da relativa administração -

por

um lado conhecimentos técnicos e ex

periência acumulada;

por

outro rapidez de ação. O primeiro elemento é

fundamental porque o primeiro

p ~

ao qual a empresa

se

dirige - país

chamado de referência - deve redigir a avaliação do fármaco

(assessment

r e p o r ~ que constituirá como dito a

~ s e

para obter a autorização em

outros países.

Conhecimento e experiência da administração escolhida são im

portantes não apenas para obter um exame mais aprofundado e se

guro do produto a ser comercializado mas também para obter mais

112 E. C. Directorate General Enterprise Pharmaceutical and Cosmetics. Evaluation

o the

Operation

o the Community Procedure;

for

the

Authorisation

oj Medicinal

Products ,

p.

128; ver também The European Federation Of Pharmaceutical Industries. Sur-

Vf Y on the

utual

Recognition Procedure . Os dois relatórios podem ser consultados no

site da Comunidade Europeia: <http://pharmacos.eudra.org/F2/pharmacos/docs/

doc2000 / nov

reportmk/

pdf>.

113 E.C. Directorate General Entreprise Pharmaceutical And Cosmetics. Op. cit.

p.

130.

114 Op. cit

p.

128 e The European Federation Of Pharmaceutical Industries op.

cit. p. 4.

131

Page 133: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 133/152

facilmente

as

autorizações dos outros Estados respondendo

com

com

petência e celeridade a suas eventuais objeções. Além disso o Comitê

para especialidades medicinais que atua

no

procedimento de arbitra

mento é composto por representantes das administrações estatais e

da Comunidade Europeia. Portanto a capacidade da administração es

tatal de referência de guiar o procedimento desenvolvendo papel ativo

constitui fator determinante para

obter

o reconhecimento de outros

Estados.

O segundo elemento importante para a escolha

do

país é a agi

lidade da respectiva administração em examinar o pedido e concluir a

avaliação - as administrações mais ágeis concluem o procedimento

no

prazo

de

três a cinco meses

as

mais lentas em

um

prazo quatro vezes

maior.

Portanto o procedimento apresenta a vantagem de dar às empre

sas a possibilidade de escolher

um

Estado-membro e estabelecer

com

este

uma

relação direta descartando assim os outros Estados

115

; na es

colha do Estado a presença

de

uma administração capaz e eficiente tem

grande importância.

7 s

aspectos

c r cterísticos do procedimento

descentralizado de

utoriz ção

dos

fárm cos

O procedimento considerado é diferente daquele relativo ao di-

reito de estabelecimento que deu origem à decisão Centros examinada

anteriormente.

No

caso dos farmacêuticos houve preventiva harmoni

zação assim

as

administrações nacionais atuam com base

em

normas

comuns e

uma pode

confiar na outra

uma

vez que todas são obrigadas a

respeitar o

mesmo

direito.

o

mesmo tempo porém o reconhecimento

da autorização obtida em um Estado não é automaticamente válido em

outros

porque

esses últimos

podem

fazer objeções à comercialização

115

Op.

cit. p

121

132

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 134/152

de produtos que não considerarem autorizáveis

com

base em sérios

motivos de saúde pública.

Portanto, o primeiro aspecto característico do procedimento é o

nivelamento dos direitos nacionais, seguido, porém, não de reconheci

mento automático em outros Estados das autorizações concedidas em

um Estado, e sim por exame tanto nacional quanto comunitário - em

caso de oposição motivada.

O segundo aspecto característico é que o procedimento permite

uma relação direta entre uma empresa farmacêutica e a administração

de um Estado, relação estabelecida em função da obtenção de uma au

torização

no

próprio Estado. O regulado escolhe o regulador.

Por

um

lado, portanto, há um voto de desconfiança

em

relação

ao Estado de pertencimento

116

; por outro, uma vez obtida a autoriza

ção do país de referência, estabelece-se uma aliança entre regulador

e regulado, na qual o segundo se vale do primeiro para obter

o mesmo

comportamento por parte do Estado ao qual pertence e dos outros

Estados selecionados.

O terceiro aspecto característico do procedimento se encontra

na

relação duradoura que se estabelece entre primeiro regulador e regu

lado. e fato, a administração do país escolhido (o país de referência)

desempenhará

um

papel ativo também após a autorização para a comer

cialização, ficando a seu cargo a atividade de vigilância farmacológica, as

variações - novas indicações, novas dosagens, novas formas farmacêu

ticas etc. - e as renovações. Portanto, a relação entre. empresas farma

cêuticas e primeiro regulador não é limitada

à

fase inicial, é duradoura.

116

Quase não haveria necessidade de lembrar que a Itália não

é

como observado,

apenas o país menos escolhido como país de referência, mas também é aquele que no

procedimento de reconhecimento é com frequência mais lento, como evidenciado por

The

European Federation j

Pharmacetttical Ind11stries ,

op. cit.,

p.

10.

133

Page 135: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 135/152

8 . arbitragem entre

os

stados

A arbitragem

117

- não aquela prevista pelo código civil para in

tegrar

um

negócio jurídico mediante recurso a

um

terceiro chamado

arbitrador (art. 1349) - é

uma

operação múltipla.

É

realizada

por

quem

adquire

em

mercados mais baratos e revende em mais caros. Desen

volveu-se desde o mercado de mercadorias até os financeiros, em que se

compram e vendem títulos ou moedas estrangeiras, usufruindo das di

ferenças de preço

no

tempo

ou

espaço. As empresas farmacêuticas que

se valem de administrações mais baratas para obter autorizações que

utilizarão posteriormente

com

administrações mais caras fazem

uma

operação de arbitragem entre Estados.

118

O sistema pressupõe uma

entrenched

disharmof J

119

  produzida por

um

direito igual, diferentes administrações e

um

astuto mecanismo para

utilizar o primeiro para comparar administrações e escolher entre elas.

O direito que regula os procedimentos de autorização para a

comercialização é harmonizado pelas diretrizes comunitárias. As admi

nistrações nacionais, ao contrário, são diferentes, algumas mais capazes

e rápidas e, portanto, menos caras; outras, menos capazes e rápidas e

desse modo, mais caras.

A União Europeia poderia introduzir

um

mecanismo automático

· de mútuo reconhecimento, segundo o qual a autorização concedida em

um

Estado valeria em outros. Mas a União tem mecanismo diferente,

em que a autorização de um Estado, para ser válida em outros, requer

117 Não confundir com o arbitramento descrito acima.

118 As

arbitragens também são feitas em outros setores - por exemplo,

no

setor da

intermediação financeira não bancária, em que o patrimônio dos fundos estrangeiros e

luxemburguêses representa, segundo dados Autogestioni suifondi comuni di investimento",

quase 20

do

patrimônio total dos fundos gerenciados

por

intermediários italianos,

porque desfrutam das vantagens fiscais e regulamentares de outros países (especial

mente Luxemburgo e Irlanda) em relação à Itália.

119

uma expressão de

E.

C

Directorate General Entreprise Pharmaceutical

nd Cosme-

. tics." Op cit.,

p.

34.

134

Page 136: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 136/152

sua permissão; se não for obtida, abre-se - quando requerida pelo Es

tado

ou

pela empresa fabricante - um procedimento misto, nacional e

comunitário: oposição motivada pelo Estado; parecer motivado pelo

Comitê uropeu - mas com composição mista, multinacional e comu

nitária; decisão nacional; comunicação da decisão ao Comitê

e

conse

quentemente, sua atuação em todos os países da União Europeia.

Tudo isso significa que, se não há permissão do outro Estado,

sua decisão discordante se desenrola sob controle da Comunidade dos

Estados, portanto, não apenas da Comissão, mas também de todos os

Estados, porque fazem parte do Comitê para especialidades medicinais,

no

qual naturalmente a administração do país que

concedeu a au

torização será levada a defender a própria decisão (portanto, o pedido

da empresa fabricante). Constitui-se assim um triângulo composto pela

empresa fabricante, pela administração estatal autorizadora e pelo Esta

do opositor. Nesse triângulo, como já se observou, empresa e primeiro

regulador são aliados contra o segundo regulador.

As companhias que quereh usufruir das desarmonias astuta

mente predispostas dessa forma devem, portanto, fazer primeiramente

uma "análise de mercado" dos Estados. Ou seja, devem verificar xp r-

tis

técnica e científica, conhecimentos e eficiência das administrações

dos quinze Estados e compará-las, a

fim

de identificar a mais barata.

As

administrações estatais são, assim, "colocadas no mercado", de modo

a ser possível verificar a mais conveniente para "comprar". Uma vez

escolhida, representará, se tiver concedido a autorização, um escudo

tanto para obter a autorização do país de origem da empresa, como para

outros controles.

Tudo

isso exige das companhias recursos,

boa

organização e co

nhecimentos técnicos. É por isso que a arbitragem é mais ágil para as

empresas que fazem parte de sociedades operantes em vários países, as

multinacionais. Estas, de fato, justamente

por

ser multinacionais, estão

em melhores condições de realizar arbitragens em plano multinacional.

135

Page 137: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 137/152

9

constitucionalização do princípio da melhor tutela

O direito de escolher o direito aplicável e a administração que

deve aplicá-lo ou, de maneira mais geral, o princípio

da

melhor tutela,

foi constitucionalizado pela Carta dos Direitos Fundamentais da União

Europeia, proclamada em Nice no ano 2000, cujo art. 53 prevê que

nenhuma

disposição da Carta deve ser interpretada

como

limitativa

ou

lesiva dos direitos

do homem

e das liberdades fundamentais reconheci

dos

por

outras fontes

e

em especial, pelas Constituições dos Estados

membros .

Esse artigo:

Introduz

um

tipo de subsidiariedade c o n s t i t u c i o n a l ~ segundo a qual

prevalece

aproteção

mais favorável

ao

cidadão europeu.

E

se portanto,

seu direito

é

mais

bem tutelado pela

própria

Constituição

nacional,

é essa

tutela

que

será

apli-

cada. A

Carta

dos direitos nasceu, assim, com

essa cláusula

de flexibilidade. É

ela

quepersuadiu até

mesmo os

mais

nacionalistas

a aderir ao princípio do ''lllínimo

denominador c o m u m ~

qtte

cede diante

de melhor garantia.

12

V

os

NOVOS P R DIGM S O EST DO

Passemos a detalhar a análise e reunir

as

várias partes para com

pará-las.

Comecemos de novo pelos paradigmas tradicionais e seus aspec

tos característicos. Antes de tudo, os sujeitos são, necessariamente, parte

de

um

ordenamento jurídico, que apresenta característica de exclusivi

dade.

Os

sujeitos não

podem

escolher. O ordenamento é

um

dado.

120 A. Manzella, Dai mercato ai dirittz , in Riscrivere i diritti in Europa. Bolonha: II

Mulino, 2001, pp. 44-45.

36

Page 138: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 138/152

Além disso, no centro estáo Estado, poder público com estrutura

compacta. O Estado está em posição de superioridade institucional. Em

alguns casos, admite ser colocado em condição de igualdade com outros

sujeitos,

com

os quais negocia. Mas mesmo nesses casos

pode

retomar

sua posição de superioridade.

Em terceiro lugar, a lei assegura a extensão e a controlabilidade

do

poder

público

e

portanto, delimita exatamente suas competências.

121

Assim, a ação estatal é rigidamente planejada pela lei, que estabelece

fins, regras e deveres para o poder público. Esse é o modelo do poder

legal-racional, previsível, mensurável,

e

portanto, controlável. Do lado

oposto, os sujeitos privados agem de acordo com interesses e objetivos

próprios, visto que a lei define apenas o que lhes é vetado.

Enfim, as relações entre os dois pólos, público e privado, são de

terminadas definitivamente e permanecem estáveis - entre o organismo

posto em posição superior e os outros sujeitos não

convergência,

mas contraposição.

1

O ordenamento

j u r í i ~ o

de

um

dado a

um

escolha:

a concorrência entre instituições

Vejamos agora as transformações desses paradigmas.

Em primeiro lugar, assinala-se a passagem de uma estrutura or

denada de cima para baixo para um mecanismo que se auto-ordena. O

ordenamento jurídico era um dado, torna-se

uma

escolha.

De fato, ao lado da demanda de direito , o operador pode fazer

uma escolha, exprimindo, assim,

um

juízo sobre a oferta de direito e

comprando

a mais conveniente. Na oferta

pode

haver

um

direito

diferente ou simplesmente uma administração diferente do direito. A

escolha é permitida para a busca da melhor tutela, do direito menos

severo

ou

mais conveniente.

121

C. Schmitt,

Dottrina

de/la

Costituzjone . Milão: Giuffre, 1984, p 176 e seguintes.

137

Page 139: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 139/152

Os direitos

e'

as administrações objeto da escolha são, portanto,

postos em concorrência.

122

A réplica do mercado que assim se produz não é completa. Os

direitos e

as

administrações sucumbentes não vão à falência. Todavia, os

vencedores ampliam sua esfera de domínio, indo bem além das frontei

ras nacionais, em um processo cumulativo típico de uma empresa que

adquire posição dominante.

Devemos nos perguntar se o quase mercado que assim se desen

volve tem necessariamente como efeito a otimização do resultado. Por

exemplo, voltando ao caso da autorização para a comercialização de fár

macos, a administração do país de referência (o primeiro regulador) po

deria ser escolhida procurando-se a que se acredita que faria menos ob

servações ou uma avaliação mais apressada, prejudicando, desse modo,

a saúde pública? Nessa situação, o perigo é evitado graças oposição

motivada quf;' cada regulador

pode

apresentar e ao fato de que o poder

final é atribuído a todos os reguladores, ainda que seja sob o controle

da comunidade dos Estados (fórmula que, como dito, identifica não a

União, mas o conjunto composto dos Estados e da Comunidade). Mas

não se

pode

excluir que, em alguns casos, a busca do direito menos

severo e da melhor tutela possa se resolver na prevalência do pior di

reito.

Ilustrou-se, assim, um paradigma, o da mercantização das insti

tuições, que contradiz o paradigma tradicional, de acordo com o qual as

instituições se impõem aos sujeitos privados, constituindo pré-requisito

ao qual estes devem necessariamente se adaptar.

Quem

adora colocar

vinho novo

em

barris velhos poderá observar que a escolha dos con-

sumidores de direito e de instituições é permitida justamente

por

um

ordenamento superior e, portanto, de cima para baixo. Retornaríamos

assim ao antigo modelo. O novo será reduzido de acordo com as mar-

122

M. R.

Ferrarese, Le

istituzioni dei/a

globalizZflzione:

Diritto e

diritti nella società trans-

mazionale. Bolonha: II Mulino, 2000, p. 72, p. 92 e especialmente p. 134 e seguintes. O

autor observa que o direito não é subtraído à competição no mercado global.

138

Page 140: A Crise Do Estado

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http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 140/152

gens de manobra limitadas que todo ordenamento deixa sempre a seus

sujeitos, como a escolha entre vários tipos de sociedade.

2 .

o Estado

à

União

a organização pública multinível

Em segundo lugar, substitui-se o monismo estatal e sua organi

zação compacta por um conglomerado de direitos, até mesmo incom

patíveis, mas providos de normas de conflitos, ou seja, de regras que

decidem que normas aplicar ao caso concreto.

123

No

centro não está mais o Estado, mas a União, que atua, porém,

segundo o modelo da indirect

rufe,

do governo por meio de de outros

governos . A União se abstém de dispor sobre cada fato particular;

entrega ou deixa essa tarefa às leis estatais, como a ordem divina deixava

espaço à ordem natural, segundo a teoria escolástica das causas segun

das .

123

Seguindo o exemplo da ordem jurídica m,edieval; sobre esses aspectos,

A

M.

Hespanha,

Introduzjone

alia

sto1ia dei

dintto

e u r o p e o ~

Bolonha: 11 Mulino,

1999,

p.

98

e

p.

105.

Há vasta literatura sobre as organizações multinível. Indicam-se apenas alguns

textos,

um

da fase inicial da análise do problema, os outros recentes: S. Cassese,

The

oretical Sketch

o

the Cooperative and

Multidimensional

Nature

o

Communiry

Bureaucrary ,

in

J

]amar e W Wessels, Communiry Bureaucrary

at the

Crossroads. Bruges :

e

Tempel,

1985,

p.

39;

F

W

Scharpf,

Notes

Toward

a

Theory

o

Multilevel

Governing in

Europe,

Scan

dinavian Political Studies. Nova York: John Wiley and Sons, vol.

24,

nº 1

2001

(observa

justamente a necessidade

de

uma abordagem múltipla da União Europeia, na qual se

encontram em função ao menos quatro módulos: mutual arjjustment, intergovernmental

negotiations, hierarchical

direction,

joint

decision);

A.

Maurer; J Mittag e W Wessels, Theore

tical Perspectives

onAdministrative

Interaction

in

the

European Union'',

in T Christiansen e E.

Kirchner, Committee Governance in the European Union. Manchester: Manchester

University Press,

2000,

p. 23 e seguintes;

De

consequenties

van

multi-levei governance, Res

publica .

Nº 1/2001

(vol. XLIII) (número dedicado a aspectos gerais, comparados e

nacionais do

m u l t i l e v e l g o v e r n m e n ~

e

A

Massera,

Oltre

o Stato: Italia ed

Europa tra

loca/e

e

globale ,

Rivista trimestrale

di

diritto pubblico. Milão: Giuffre, nº

1 2001.

139

Page 141: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 141/152

Entre os diversos níveis se estabelece tripla circulação - de cima

para baixo

por

meio do instrumento bem conhecido o da harmoniza

ção comunitária dos direitos nacionais; de baixo para cima graças in

tegração das tradições jurídicas e constitucionais

no

direito comunitário

e horizontalmente por meio das escolhas entre os diversos ordenamen

tos permitidas pelo mútuo reconhecimento.

Graças a essas diversas relações ativam-se uma circulação entre

os ordenamentos e uma circulação dos sujeitos entre os ordenamentos.

Trata-se de fenômenos distintos mesmo que possam ter consequências

semelhantes. A primeira permite o transplante de institutos jurídicos -

são estes que se movem. A segunda possibilita o deslocamento de sujei

tos sob o império de instituições que podem

ou

não ser harmonizadas

- nesse caso são os sujeitos que se movem levando consigo partes de

outros ordenamentos.

Esse rnovimento circular pode ser ativado de baixo para cima

quando um operador nacional escolhe outro ordenamento ou ativa a

intervenção comunitária em ambos os casos contra o próprio or

denamento.

Ou

então pode ser ativado de cima para baixo segundo o

modelo centralizado da iniciativa da Comissão.

Tanto no primeiro quanto no segundo cada ordenamento atua

como benchmark como padrão de comparação em relação aos outros

para evitar disparidades entre os Estados. O procedimento mais fre

quentemente adotado é o da comparação. A Comissão compara os or

denamentos primeiramente para examinar se os desníveis estão criando

obstáculos à livre circulação; em segundo lugar para se assegurar de que

estes atuem o direito comunitário de maneira uniforme u· melhor de

maneira não tão disforme a ponto de produzir disparidades

por

causa

de prazos e

modos de

atuação. Os sujeitos internos comparam os orde

namentos para

obter

o tratamento menos gravoso como dito anterior

mente seja transportando de maneira mais eficaz o direito comunitário

ao nacional seja indo em busca de outras instituições mais eficazes de

outros ordenamentos.

140

Page 142: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

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A razão do desenvolvimento extraordinário do direito europeu

se encontra justamente nesse mecanismo de crescimento, que permite

colocar constantemente em comparação os diversos ordenamentos na

cionais e o comunitário no sentido estrito da palavra) e proceJer; ao

mesmo

tempo

ou

de maneira alternada, de baixo para cima e de cima

para baixo.

Esse mecanismo nunca permanece, por assim dizer, estático

porque é constantemente pressionado por interesses privados. E con

segue também compensar a dificuldade causada pelo limite da União,

que não tem toda a panóplia de instrumentos command

and

control como

os Estados,

e

para não impor obrigações específicas, deve utilizar o

antigo remédio da responsabilidade para impelir os Estados a estar em

conformidade com o direito comunitário, transformando o legislador

inadimplente em devedor.

124

Nesse novo contexto, ao mesmo tempo multinacional e comu

nitário em sentido estrito), os Estados perdem o aparato monístico e se

apresentam como conjunto de p r t e s ~ como pluralidade de centros. n-

tre esses últimos se estabelecem novas i_:elações frequentemente, ilus

tradas

com

a metáfora da rede, expressão institucional da diversidade e

do

policentrismo.

125

O interesse geral

ou

público, de finalidade superior imposta

priori pela lei e colocada desse modo aos direitos e às liberdades - e

posto assim como fundamento das grandes construções jurídicas

do

di-

124

Sobre o uso da responsabilidade como instrumento comunitário para sancionar

a inobservância

e

portanto, obter o cumprimento e sobre sua adequação, há rica litera

tura; limitamo-nos a mencionar C. Halow, 'Francovich' and the Problem

o

the

Disobedient

State ,

European Law Journal. Vol.

2

nº 3, novembro de 1996,

p.

199 e seguintes e

M.

P.

Chiti,

Di1itto

amministrativo

europeo .

Milão: Giuffre, 1999,

p.

358,

p.

401, pp. 403-08.

125

Uma das obras mais interessantes sobre a transformação dos Estados, protótipo

da hierarquia, em mercados e redes, é a obra organizada por G. Thompson;]. Franccs;

R.

Levacic e] Mitchell, Hierarchies and Netwoks:

The

Coordination

o Social Life.

Londres: Sage, 1991.

141

Page 143: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 143/152

reito público e da especificidade do regime de direito público

126

- torna

se o resultado do conflito e da harmonização espontânea dos interesses

individuais, segundo o modelo

do

utilitarismo.

127

Quando

se reconhece a existência de vários interesses públicos,

não ordenados hierarquicamente pelas normas, motivo pelo qual a de

cisão requer ponderação, admite-se que a composição dos interesses

ocorre dentro do Estado. Fora deste, graças ponderação ocorrida,

fala-se sempre com uma única voz. A pluralidade se anula na decisão.

Com a mercantização do direito e do Estado, quando se subs

titui a ponderação pela concorrência, quando são consentidas a com

paração, a escolha e as arbitragens,

ou

então alianças entre o operador

de

um

Estado e outros Estados,

ou

ainda entre este e a Comissão con

tra o próprio direito ou o próprio Estado, o policentrismo e os conse

quentes conflitos saem

do

Estado, manifestam-se exteriormente, em

uma r e ~

pública mais ampla.

3 .

o procedimento negociação

Em terceiro lugar, onde tradicionalmente o modo de decidir era

determinado na forma sequencial

o

procedimento) e da ponderação

a

discricionariedade), nos casos examinados,

as

coisas

ocorrem

de ma

neira diferente.

126 Conseil D'etat,

"Rej exions

sur

'intérét

général", Rapport public 1999 (Etudes et

documents, nº 50). Paris: La Documentation française, 1999, p. 272 e 290.

127 Segundo o amplamente conhecido modelo smithiano, de acordo

com

qual, o

indivíduo não pretende, em geral, perseguir o interesse público, nem está consciente

da medida em que o persegue [ ..];visa apenas seu próprio lucro e

é

conduzido por

uma mão invisível [ ..] para perseguir um fim que não faz parte de suas intenções :

A.

Smith, An

inquiry

into

the

Nature

and Causes

o

tbe

Wealth

o Nations.

Oxford: Oxford

University Press, 2008.

142

Page 144: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 144/152

Não

é o procedimento que modula a negociação, mas a nego

ciação que plasma o procedimento. A série ou sequência se adapta à ne

cessidade do acordo. A liberdade das formas próprias do direito privado

penetra no direito público.

Depois, na Conferência de Serviços - e em todos os outros

módulos de reunião de diversos órgãos de poderes públicos - não se

faz

em conjunto o que poderia ser feito separadamente. A reunião e a cole

gialidade estão em função de um objetivo diferente da mera ponderação

dos interesses, que poderia ocorrer na sequência procedimental. Servem

para fazer concessões recíprocas, outras ofertas e negociações. Servem

para ampliar ou reduzir o próprio objeto do procedimento, em função

das negociações necessárias para agilizar o acordo. Concluem-se com

acordo, e não com decisão por maioria, porque essa última reduz, em

via administrativa, o policentrismo disposto em via legislativa.

128

Encontram-se, em primeiro plano, a negociação no lugar do pro

cedimento, a liberdade das formas no lugar da tipicidade, a negociação

no

lugar da ponderação. D e r i v a r r i . ~ a í práticas jurídicas mais eficazes,

mas também mais flexíveis, que

nã;

seriam aceitáveis se não valesse

para elas o postulado que diz que a dedsão, segundo o direito, não é

menos discricionária ou policêntrica do que outras decisões públicas,

salvo quando é controlada por critérios ou princípios de segundo grau,

como a consulta recíproca, o consenso das partes, a motivação etc.

129

128

F

G. Scoca evidencia, de maneira intensa, que a ação coordenada e colaborativa

e a avaliação contextual e global modificam o caráter tradicional da discricionariedade,

La

discrezjonalità nel

pensiero

di Giannini

nella

dottrina

successiva , Rivista trimestrale

di

diritto pubblico. Milão: Giuffre, nº 4 2000, pp. 1053-54.

129 Nesse sentido, é correta a crítica que se faz a Max Weber: o problema é que os

burocratas não se comportam sempre como se esperaria que o fizessem. Estes reve

lam uma compreensível disposição humana para procurar aumentar o próprio poder

e para fazer valer os próprios interesses privados: em vez de agir como servidores

fieis

do

Estado, procuram se tornar donos da própria casa , como observado por F. Parkin,

Max Weber. Bolonha: Il Mulino, 1984,

p. 104. Entretanto, a burocracia é novamente

submetida a meta-regras , que deve respeitar.

143

Page 145: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 145/152

Daí surge a superação da clara separação entre negócio privado

entendido

como

fato de criação jurídica ligado

à

autonomia privada e

à

licitude e discricionariedade considerada como escolha ordenada a

um

interesse pré-determinado pela

norma

e portanto a

uma

regra hetero

nômica.

m

relação a essa separação devida a Giannini

130

 

Mortati

havia observado que:

Se a

ponderação comparativa

de

vários

interesses

com

a finalidade

de

en

contrar a composição mais oportuna fage a

qualquerpré-determinação,

visto que o

politicismo que os dirige impede que

tenham

qualquer equivalência no tempo e no

htgar,

épreciso concluir

que

deveria haver espaço para manifestações

voluntárias de

negociação. Se,

ao

contrário, desrja-se

excluir isso,

será

preciso

também determinar

os critérios of?jetivos de medida da

ação administrativa

não regulada

pela

lei.

  3

4 . im

d bipol rid de

Por

fim notou-se

um modo

diferente de estabelecer as relações

entre público e privado. Estas não são bipolares. São também multipo

lares. Por exemplo

um

operador nacional

pode

se movimentar em con

junto com uma administração supranacional e em oposição própria

administração nacional e a outro operador

do

próprio país.

Os

interes

ses

do

primeiro e da segunda são coincidentes e são conflitantes

com

os

interesses da terceira e

do

quarto.

A linha

de

distinção não passa pela divisão público/privado.

In

teresses privados coincidentes com os públicos comunitários estão em

conflito

com

outros interesses públicos dessa vez nacionais.

Não

distinção ou

oposição entre público e privado assim

como

não há su

perioridade do

público sobre o privado.

130

M. S.

Giannini Lezioni

di

diritto mnministrativo. Milão: Giuffre 1950 p. 292.

131

C.

Mortati

Recensione a M.S. Giannini: Lezioni di diritto amministrativo ,

Rivista

trimestrale di diritto pubblico. Milão: Giuffre nº 1 1951 p. 150.

144

Page 146: A Crise Do Estado

7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 146/152

  mconclusão, Estado e mercado, público e privado, que antes

eram considerados mundos separados e em oposição, apresentam-se

como entidades que se interpenetram. O Estado, universo fechado de

sujeitos, como mercado, universo aberto. O Estado como conjunto de

sujeitos com posições atribuídas segundo uma ordem tendencialmente

hierárquica, enquanto

no

mercado os operadores assumem posições

variáveis, em uma ordem tendencialmente paritária. O Estado, sistema

no qual prevalecem relações de tipo

command and contro , enquanto no

mercado dominam relações de negociação. O Estado assume e cuida

de interesses gerais pré-ordenados, enquanto

no

mercado atuam inte

resses particulares, do conflito-concorrência deriva o ótimo resultado.

Os

dois modelos aparecem menos distantes. Emprestam-se partes re

ciprocamente.

Os novos paradigmas do Estado colocam em discussão todas as

noções, temas e problemas clássicos do direito público - a natureza do

poder público e de seu agir legal-racional, movido de cima para baixo

(pela lei), o lugar reservado à lei e a ~ u a s implicações (legalidade e tipi

cidade) e relações público-privado. E requerem também mudança de

comportamento científico em relação ao direito, porque a doutrina

jurídica não pode manter imutáveis os próprios códigos de referência

com uma mudança tão radical de seu objeto.

132

A expressão escolhida para resumir em

um

único termo esses

novos paradigmas (arena pública), talvez inadequada, apresenta bem,

entretanto, o alargamento das fronteiras do poder público e a trans

formação de sua morfologia

e

ao

mesmo tempo, permite entender sua

incompletude.

133

132

Para uma reflexão sobre estes aspectos,

B. A

Ackerman, The Marketplace of

Ideas", em Yale Law Journal. Vai. 90, nº 5 abril de 1981, p. 1131, e também outros

textos no mesmo número, no qual

foi

publicado o symposium sobre Legal

Scholarship:

its nature

and

purposes."

133 No

sentido das entidades organizacionais incompletas às quais

se

referem

N.

Brunsson e K. Sahlin-Andersson, "Constructing OrganiZfitions: the Example of Pub/ic

Sector

Reform",

Organization Studies.

21/4, 2000; p. 721 e seguintes.

145

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7/17/2019 A Crise Do Estado

http://slidepdf.com/reader/full/a-crise-do-estado 147/152

Algumas pessoas dirão que esses novos paradigmas são reduzíveis

aos velhos modelos. Ou os refutarão, em

nome

de um direito menos

flexível. Se não é possível concordar com os laudaton· temporis

acti,

que

acreditam poder resolver todos os problemas do mundo, e se, por outro

lado,

é possível

supor

que os novos paradigmas

podem

se prestar a

abusos, permitindo fácil manipulação de institutos jurídicos disponíveis

e porosos , sob pressão dos interesses, deve-se, porém, aceitar o con

vite da nova realidade para enfrentá-la, talvez

com

forças maiores e ins

trumentos de análise mais sofisticados do que os utilizados aqui. Os

debates sobre

as

organizações se tornaram[ ] discussão sobre política

e sociedade [ ] A vida nas organizações é muito importante para ser

deixada apenas aos técnicos da organização.

134

134 W

J Mackenzie,

La

política

e scienze sociafi.

Bari: Laterza,

1969,

p 280.

146

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7/17/2019 A Crise Do Estado

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  otassobre s fontes

Os textos aqui reunidos foram escritos entre 1996 e 2001. O pri

meiro é inédito. Por isso, agradeço aos doutores Corrado Clini e Fran

cesco Fonderico, ao professor Giulio Napolitano, doutora Nicoletta

Rangone e ao doutor Mario Savino pelas informações, material e co

mentários fornecidos. Todos os outros textos foram publicados.

Poteri indipendenti, t a t z ~

relazioni ultrastatali

é o artigo do Conferên

cia Internacional sobre Concorrênçia Francesco Saja , realizada em

Roma, no dia 21 de novembro de 1995. ~ o publicado em Foro Italiano,

1996,

V c

7,

com

agradecimento ao professor Claudio Franchini pelos

comentários primeira versão.

a

fine

della sovranità economica dello S ato é o artigo do congresso em

homenagem a M

S

Giannini

rapporti tra

S ato

ed

economia

all inizio

dei

XX

seco/o, organizado em 27 de novembro de 2000 pela Faculdade de

Economia da Universidade de Roma Tor Vergata. Foi publicado com

o título rapporti

tra

S ato

ed

economia all inizio

dei

XX seco/o, no Giornale

di diritto amministrativo, em 2001. A seguinte observação foi incluída:

Ao concluir a introdução romana, em 2 de março de 1959, Massimo

Severo Giannini alertava para as tentações de escrever uma teoria ares-

peito da intervenção estatal na economia

(Sull azione

dei

pubblici poteri

nel

campo

dell economia,

em Rivista del diritto commerciale. Milão:

ottor

Francesco Vallardi, nº 9-10, 1959, I, p 237). Há observação análoga,

relativa ao direito público da economia em 1977 (em Diritto pubblico

147

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dell economia.

Bolonha: Il Mulino

1977). No

entanto, Giannini escreveu

um manual de direito público da economia. Isso

se

explica com a solici

tação da cultura internacional e em particular, do Centro de Pesquisa

em Direito Econômico da Universidade de Limoges, que, em

1970,

lhe

pediu para participar de uma pesquisa comparativa - posteriormente

publicada

em L intervention dês pouvoirs publiques dans la

vie

économique -

e

da Universidade de Caracas, que lhe convidou, em agosto de

1974,

para

ministrar um curso de Direito Público da Economia - cujo texto dati

lografado foi conservado em Carte Giannini. Os escritos orgânicos de

Giannini sobre as relações entre Estado e economia são, portanto, de

meados dos anos

1970.

Neste texto, para lembrar essas contribuições,

tento fazer

um

balanço das principais mudanças ocorridas na matéria

nos últimos 25 anos.

O texto

L erosione

dello Stato: una vicenda irreversibile? foi escrito para

a Jornada de Estudos Dallo Stato monoclasse alia globalizzazione, pro

movida pela ISLE e pela Sessão parlamentar, para homenagear

M. S.

Gia1.mini

no

dia

2

de outubro de

2000,

em Roma. Foi publicado em

Rassegna parlamentare,

2000,

fase.

1, p. 11.

Gli Stati nella

rete

internazionale

dei

poteri

pubblici é o artigo de aber

tura do Congresso Internacional da Associação de Direito Público

do Mercosul, realizado em Buenos Aires, de

14

a 16 de abril de

1999.

Foi publicado na Rivista trimestrale di diritto pubblico em

1999

edição

2, p. 321), com

agradecimento ao dr. Edoardo Chiti pela leitura da

primeira versão.

L Unione

europea

come organizzazionepubblica composita

é a aula minis

trada

na

Faculdade de Direito da Universidade de Lecce, em

18

de outu

bro de

2000.

Foi publicada na Rivista· di diritto pubblico comunitário,

em

2000

edição nº 5, p.

987).

L arenapubblica: Nuovi

paradigmi

per lo

Stato foi publicado na Rivista

trimestrale di diritto pubblico, em

2001

edição nº

3,

p.

601),

trazendo

os seguintes agradecimentos:

148

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Uma parte dos problemas analisados neste texto foi objeto do

curso ministrado por mim na Faculdade de Direito da Universidade de

Roma La Sapienza entre 1999 e 2000. Os doutores Edoardo Chiti,

Francesco Fonderico e Nicoletta Rangone me ajudaram inicialmente

a recolher uma parte do material documental. Para os casos examina-

dos, foi preciosa a colaboração da dra. Donatella Lucia e do engenheiro

Andrea Salemme, da TAV; da dra. Bianca Maria Martinelli, da Omnitel

ronto Italia; do advogado Stefano Marino, da Sigma Tau, e do dr. Piero

Rijli

da Menarini; do professor Guido Cammarano e do dr. Massimo

Desiderio, da Assogestioni. A todos, um vivo agradecimento.

149

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