a crise do estado: reflexos nas organizações de · a crise do estado: reflexos nas organizações...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS
INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO
COPPEAD
A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de
ciência e tecnologia do setor público
Edison de Oliveira Martins Filho
Dissertação apresentada ao COPPEAD como parte dos requisitos
necessários para obtenção do grau de Mestre em Ciências (M. Sc.)
Professora orientadora:
Anna Maria de Sóuza Monteiro Campos
Rio de Janeiro
Março/96
A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e
tecnologia do setor público
Edison de Oliveira Martins Filho
11
Dissertação submetida ao corpo docente do I nstitu to de Pós-Gradu ação e Pesqu isa
em Administração da Universidade Federal do R io de J aneiro como parte dos requ isitos
necessários à obtenção do grau de Mestre.
Aprovada por:
__ �_-=---=---___ l_LVÍ ___ 0 __ =r-t-_t_ ::;Presidente da Banca
Prot" . Anna Maria Campos ( D. P. A. )
�Çk�} I '-. ) r-. � Prof. :ynaldo dê'SOuZ�Di:/� Se .)
<LfuwJ . 1':wiILA-f! _ cfu vi "7. .,,,---
Pro:!" Fátima Bayen� de Oliveira ( D. Se .)
R io de J aneiro
1996
,
Martins Filho, Edison de Oliveira.
A crise do Estado: refl exos no setor e nas organizações de ciência e tecnologia / Edison de Oliveira Martins Filho. R io de J aneiro: COPPEAD, 1995.
xi, 195p. il.
Dissertação - U niversidade Federal do R io de J aneiro, COPPEAD.
1. Estado ( Nação). 2. Ciênc ia e Tecnologia. 3. Estrutura Organizacional. 4. Tese (Mestr.- COPPEAD/UFRJ). I. Títu lo.
III
IV
Aos meus Pais, Maria e Edison
v
Agradecimen tos
P rimeirament e à J esus Crist o, meu Senhor; a qu em Deu s ungiu aut or e consumador
da nossa salvação; cujo t rono subsist e et ernament e; cujo cet ro é cetro de eqüidade e que
ama a just iça e odeia a iniquidade. Sumo sacerdote que se compadece das nossas fr aquezas;
em tudo tent ado, mas sem pecado; ressurreto e assent ado à dest ra do Altíssimo; a cujo
t rono de graça podemos chegar para alcançar salvação, misericórdia e ajuda em t empo
oportu no;
Aos meu s pais, Dona Maria e Seu Edison, inst rumentos de Deus para me conceder
vida, amor e educação, que me ensinaram a est udar, trabalhar, respeit ar ao próximo e nunca
desanimar;
Ao casal Dager Amaral e I sabel SalI es Amaral, exemplo de testemunho crist ão e
usado por Deus para mi nha educação. Um farol important e em moment os difí ceis.
À professora Anna Mari a de Souza Mont eiro Campos que, representando t odos os
mest res que t ive o privilégio de t er at é aqui nessa vida, com muit a paciência e compet ência,
acredit ou em mim e me orient ou nessa viagem;
À CNEN / IEN - COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR / INSTITUTO
DE ENGENHARIA NUCLEAR que, por meio de seus dirigent es, concedeu os meios e o
su st ento que t omaram es sa empreit ada possível;
A t odos que, injustament e, não foram citados aqui;
De coração, agradeço o apoio recebido durante essa t ravessia.
RESUMO DA TESE APRESENTADA AO COPPEADIUFRJ COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M. Se. ).
A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e tecnologia do setor público
EDISON DE OLIVEIRA MARTINS FILHO
MARÇ0l 1996
ORIENTADORA: PROFª ANNA MARIA DE SOUZA MONTEIRO CAMPOS PROGRAMA: ADMINISTRAÇÃO
VI
A dissertação procura entender as dimensões do que se convencIOnou
denominar a crise do Estado Ocidental moderno e seus reflexos nas organizações de
ciência e tecnologia do setor público. Para tal, três pontos são apresentados. O primeiro é o
processo de gênese e evolução política e filosófica do Estado à luz do pensamento de
Hobbes, Kant e Locke. O segundo é a identificação dos papéis desempenhados pela ciência
e tecnologia. O terceiro é a identificação das configurações estruturais preferenciais
utilizadas pelas organizações de ciência e tecnologia.
A inovação tecnológica é apresentada como um importante componente na
estratégia competitiva de nações e organizações. É apresentada a relação entre quebra do
pacto regulatório, inovação tecnológica e globalização.
As organizações são estudadas e classificadas através da utilização do modelo
proposto por Henry Mintzberg. As organizações do setor de ciência e tecnologia podem,
então, ser classificadas dentro da tipologia organizacional proposta.
O capítulo de conclusões contém dilemas, limitações e recomendações
pertinentes as organizações de ciência e tecnologia.
ABSTRACT OF THESIS PRESENTED TO COPPEADIUFRJ A S PARTlAL FULFILMENT FOR THE DEGREE OF MASTER OF SCIENCES ( M. Se.).
A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e tecnologia do setor público
EDISON DE OLIVEIRA MARTINS FILHO
MARCHl1996
ADVISOR: ANNA MARIA DE SOUZA MONTEIRO CAMPOS
DEP A RT MENT: ADMINISTRA TlON
Vll
The dissertation addresses the theme of understanding the so called Westem
State Crisis and its effects upon the public science and technology organizations. First, it is
presented the origin, and the political and philosofical evolution of Westem States after
the thought of Hobbes, Kant and Locke. Second, science and technology are analysed
aeeording to their plaees and possibilities in soeiety. Third, preferential struetures used by
scienee and teehnology organizations are identified.
Technologieal innovation emerges as one of the most important elements of
national and organizational strategic planning and competitiveness. The dissertation
presents the links between the regulatory polities, teehnologieal innovation and
globalization.
Organizations are studied and classified aeeording to Henry Mintzberg's
theoretieal construetion. The seienee and technology organizations are, then, classified
after an organizational typology based on this theory.
Finally the last chapter presents issues, limitations, and recommendations
related to science and technology organizations.
LISTA DE FIGURAS
Fig. 2. 1 Os cinco elementos estruturais das organizações
Fig. 2.2 Fluxo de autoridade formal
Fig. 2.3 Sistema de fluxos regulados
Fig. 2.4 Fluxo de comunicação informal
Fig. 2.5 As constelações de trabalho
Fig. 2.6 Fluxo de processo de decisão ad hoc
Fig. 2.7 Tamanho da unidade e padronização do trabalho
VIlI
1 1 6
123
124
126
127
128
133
Fig. 2.8 As relações entre decisão, planejamento de ação e controle de desempenho 135
Fig. 2.9 Os tipos de descentralização 138
Fig. 2. 1 0 A matriz ambiental 147
Fig. 2. 1 1 Os atores 149
Fig. 2.12 As configurações de poder 1 52
Fig. 2.13 A correlação entre as estruturas organizacionais e configurações de poder 153
Fig. 2. 1 4 As configurações estruturais 155
Fig. 2. 1 5 A estrutura simples 157
Fig. 2.16 A máquina burocrática 159
Fig. 2. 17 A burocracia profissional 16 1
Fig. 2.18 A forma divisionalizada 162
Fig. 2.19 A adhocracia 165
Fig. 2.20 A correlação entre as configurações de poder e as configurações estruturais 167
Fig. 3.1 Organograma do IEN 183
Fig. 3.2 Estrutura matricial 184
IX
Sumário
I Introdução 1
1.1 Delimitação da questão
1.2 Relevância 6
1.3 Justificativas 8
1.4 Metodologia 9
1.5 Estrutura da dissertação 1 1
11 Fundamentos Teóricos 12
2.1 o Estado 1 2
2. 1. 1 O Estado Moderno 1 4
2.1.1. 1 Gênese e evolução 1 4
2.1.2 O papel do Estado 28
2.1.2. 1 O Estado indesejável 28
2.1 .2.2 O Estado desejável 34
2.1.2.3 O Estado inevitável 37
2.1.3 O Estado no Brasil Contemporâneo 42
2. 1 .3. 1 Aumento da capacidade de arrecadação 43
2.1.3.2 Aumento da capacidade regulatória 44
2. 1 .3.3 Aumento da intervenção no setor produtivo 46
2. 1.3.4 Relacionamento entre o Estado e a sociedade: insulamento 48
burocrático e autoritarismo militar
2.1.4 Diagnóstico da crise 5 1
x
2. 1.5 A crise no Brasil 60
2. 1.5.1 A crise como conseqüência da crise do pacto pós - fordista 6 1
2.1.5.2 A crise como o resultado da falência do modelo adotado no Estado novo 66
2.2 A ciência e a tecnologia 72
2.2. 1 A institucionalização da ciência no Ocidente 73
2.2.2 A natureza da ciência e da tecnologia 78
2.2.3 O processo de inovação tecnológica 83
2.2.4 Ciência e Tecnologia e o processo de globalização 9 1
2.2.5 Histórico e organização da Ciência e Tecnologia no Brasil 103
2.3 A organização e suas configurações estruturais 109
2.3. 1 Os mecanismos de coordenação 1 12
2.3.2 Os cinco elementos estruturais das organizações 1 1 5
2.3.3 A organização como um sistema de fluxos 1 22
2.3.3. 1 A organização como um sistema de autoridade formal 123
2.3.3.2 A organização como um sistema de fluxos regulados 124
2.3.3.3 A organização como um sistema de comunicação informal 125
2.3.3.4 A organização como um sistema de constelações de trabalho 126
2.3.3.5 A organização como um sistema de processos de decisão ad hoc 127
2.3.4 Parãmetros de projeto 128
2.3.4. 1 Projeto de Posições 129
2.3.4.2 Projeto da Superestrutura 13 1
2.3.4.3 Tamanho das unidades 132
2.3.4.4 Os elos laterais: sistemas de planejamento e controle 134
2.3.4.5 Projeto dos elos laterais: dispositivos de ligação 136
2.3.4.6 Projeto dos sistemas de tomada de decisão: descentralização 137
horizontal e vertical
2.3.5 Os fatores contingenciais 139
2.3.5.1 Idade e tamanho
2.3.5.2 O sistema técnico
2.3.5.3 O ambiente
2.3.5.4 O poder
2.3.6 As configurações estruturais
2.3.6. 1 A estrutura simples
2.3.6.2 A máquina burocrática
2.3.6.3 A burocracia profissional
2.3.6.4 A forma divisionalizada
2.3.6.5 A adhocracia
2.3.7 As configurações organizacionais
IH Conclusões
3.1 Conclusões
3. 1. 1 Em relação ao papel do Estado
3. 1.2 Em relação à ciência e tecnologia
3. 1.3 Em relação às organizações
3. 1.4 Limitações e possibilidades
3. 1.5 Recomendações
IV Bibliografia
Xl
140
142
144
148
1 54
157
158
160
162
163
166
169
169
170
177
179
186
188
190
1
I - Introdução
Este capítulo discute inicialmente a questão central da dissertação. Em
seguida são apresentadas a relevância da questão; as justificativas necessárias; a
metodologia adotada e a estrutura da dissertação.
1.1 Delimitação da Questão
Eu. o pregador, fui rei de Israel em Jerusalém.
Eu resolvi pesquisar e investigar com sabedoria
tudo o que acontece debaixo do céu. Essa é uma tarefa
penosa que Deus entregou aos homens, para com ela
ficarem ocupados.
Então examinei as coisas que se fazem debaixo
do sol, e cheguei à conclusão de que tudo é fugaz, uma
corrida atrás do vento: o que é torto, não se pode endireitar;
e o que falta não se consegue contar.
Pensei e disse para mim mesmo: "Fiquei maior e
mais sábio do que todos os que reinaram em Jerusalém
antes de mim, e a minha mente adquiriu muita sabedoria e
ciência!"
Decidi então conhecer a sabedoria e a ciência ,
assim como a tolice e a loucura. E compreendi que também
isso é correr atrás do vento, porque, onde há muita
sabedoria, há também muita tristeza, e onde há mais
conhecimento, há também mais sofrimento.
Eclesiastes 1 : 12 - 18
2
Alguns filósofos e pensadores contemporâneos acreditam que o mundo
atravessa um processo de transformação profunda. Alvin Toffler, por exemplo, teórico do
processo das ondas que periodicamente varrem o mundo, argumenta que a Ordem Mundial
existente está ultrapassada 1. Para ele, todas as instituições mundiais - incluindo a
educação, a política, a economia, a saúde - estão obsoletas. O mundo - alguns países mais
outros menos - está despreparado e sem rumos definidos para adentrar o que ele chama de
A Terceira Onda. Esta nova onda é defmida como a representação de uma sociedade
movida a conhecimento, graças à massificação do acesso à informação e à informática2 .
Para Toffler tudo tem que ser reinventado.
Este sentimento de reinvenção é generalizado. Dentro dessa generalização,
um dos aspectos mais interessantes é o questionamento do papel do Estado e suas
atribuições na sociedade. Esse questionamento é pertinente pois tem havido nos meios
políticos, institucionais e acadêmicos uma crescente preocupação com a chamada crise do
Estado que se apresenta sob diversas formas. Ela é vista como crise econômica, crise fiscal,
ineficácia da ação governamental, desorganização institucional, falência do sistema de
planejamento, desqualificação do servidor público e mesmo sob a forma da chamada crise
de governabilidade3 .
É interessante observar como os diversos atores dos cenários político,
econômico, acadêmico e social analisam e pregam firmemente este processo de reflexão e
redimensionamento do Estado.
Serra, por exemplo, afirma que devem ser lançadas as bases para um novo
Estado apoiadas em quatro premissas básicas : a redução da dívida pública, a economia de
capacidade gerencial do Estado, o equilíbrio das contas públicas e a canalização dos
1 TOFFLER, A. A Obsoleta Nova Ordem Mundial. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 1 1 de abro 1995. Suplemento de Informática. 2 TOFFLER, A. A Terceira Onda. São Paulo: Editora Recorei, 1 989. 3 PIMENTA, CARLOS C. Aspectos recentes da organização e das políticas de modernização da função administrativa pública federal. Revista de Administracão Pública . Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 28(2), p. 153-67, abrljun, 1 994.
3
recursos livres para a realização de investimentos indispensáveis para o crescimento
econômic04 .
Covas prega a teoria do Estado ótimo, segundo a qual não mais cabe ao
Estado desempenhar o papel de centro de gravidade nem de grande investidor. Deve ter
saneadas as suas contas, questionada sua forma piramidal de organização para permitir
parcerias com o setor privado e escolher entre ser um governo extenso e impotente ou um
governo forte e limitado a dirigir e realmente govemar5 .
Motta, por sua vez, em análise mais extensa e filosófica, aborda a crise do
Estado pelo lado institucional. Ele contrapõe a realidade do Estado a sua legalidade; orgãos
estatais às funções estatais; a hipertrofia, devida ao excesso de constitucionalização, ao
processo legislativ06 .
Como visto, alguns desses atores se referem a este processo de
redimensionamento por um prisma estritamente econômico e fiscal; outros abordam o
assunto de forma mais abrangente com questões políticas mais generalizadas e filosóficas ,
tais como as suas atribuições, do ponto de vista econômico, social e político, e outros
ainda, através da análise das suas estruturas políticas e legislativas. Pode-se perceber que
estão surgindo os contornos de um novo Estado como resultado dessa reflexão sobre os
diversos aspectos de seu processo de crise. Repensar o Estado pelas vertentes mais gerais,
que parecem ser as mais promissoras, conduz a dois pontos interessantes.
o primeiro ponto é a identificação do seu processo de gênese, as
condicionantes sociais, políticas e econômicas e as peculiaridades do processo histórico de
sua evolução até atingir sua forma atual. Observa-se que a sua evolução passa por três fases
distintas. Na primeira fase, dominada pelo pensamento hobbesiano da teoria da soberania,
4 SERRA, J Bases para um novo Estado. folha de São Paulo . São Paulo, 03 abro 1995, Perspectiva Nacional.
5 COVAS, M A arquitetura do Estado ótimo. Folha de São Paulo . São Paulo, 09 abro 1995, Tendências / Debates. 6 MOTTA, N. C. A crise do Estado. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 10 abro 1995, Opinião.
4
o Estado é tido como inevitável. Na segunda fase, na qual impera a revisão liberal clássica
do conceito de soberania, o Estado é indesejável. Finalmente, por intermédio de Keynes
entre outros, o Estado toma-se desejável como interventor no processo econômico e social.
o segundo ponto é a utilização de duas idéias que aumentam a compreensão
das razões que originaram a crise e os seus desdobramentos. A primeira idéia é apresentada
por Souza e Silva 7 e explica a crise como o resultado da quebra de um pacto pós fordista e
firmado no pós guerra nos países desenvolvidos. A segunda idéia é apresentada por
Castor8 e explica a crise brasileira como o resultado do esgotamento de um modelo de
desenvolvimento adotado no Brasil após o Estado Novo.
A seguir é feita a abordagem do papel do Estado com relação ao processo de
globalização e às atividades que lhe cabem, dentro de um modelo repensado de atuação e
filosofia. Dentre as diversas atividades desenvolvidas pelo Estado, as que mais interessam
ao objetivo desta dissertação são as ligadas a ciência e tecnologia. É necessária a discussão
e o entendimento do correto papel da ciência e da tecnologia na sociedade atual e sua
influência nas empresas públicas.
A seguir é discutida a questão de como são estruturadas as organizações;
identificando configurações assumidas para atuação no setor público de C&T Elas têm
também relações peculiares com os demais segmentos sociais que as distinguem das
organizações não estatais. Uma dessas peculiaridades é que elas existem como braços
atuantes, operacionalizando as funções atribuídas ao Estado. Para explicitar essa questão
será utilizado o trabalho teórico e analítico desenvolvido por Mintzberg9 .
7 SOUZA E SIL VA, C. E. Autonomia de gestão e concorrência: em busca de novas formas de gestão do selor público em um contexto pós -fordista. Revista de Adminjstração Púhlica . Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. 28(3). p. 2/1-28, ju[/set, 1994. 8 CASTOR, BELMIRO V. J. Fundamentos para um novo modelo do setor público no Brasil. ReviVa de Adminis/racão Pública . Fundação Getúlio Vargas . Rio de Janeiro. 28(3), p. [55-61, jul/set, 1994. 9 MINTZBERG, H. The Struc/uring Q/Organiza/ions - A ,yn/hesis ofthe research. New Jersey: Prentice Hall [nc.. 1979.
5
o objetivo final dessa dissertação é a idelltificação das limitações, dilemas
e possibilidades das organizações públicas da área de ciêllcia e tecnologia no contexto
provocado pela crise do Estado.
Para que o objetivo final seja alcançado, é preciso atingir três objetivos
intermediários: produção de um referencial teórico que permita a compreensão da crise
do Estado; identificação dos papéis desempenhados pelo setor de C&T dentro desse
contexto e identificação de configurações estruturais preferenciais utilizadas pelas
organizações de C& T no ambiellte resultante da crise.
1.2 Relevância
Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas,
Mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me entender e me conhecer, que eu sou o Senhor, que estabeleço o amor, o direito e a justiça na terra; pois destas coisas me agrado, diz o Senhor.
Jeremias 9 : 23 - 24
6
Esta dissertação têm a pretensão de relacionar alguns dos assuntos
apresentados durante o curso de mestrado com os meus projetos de vida pessoal ,
profissional e acadêmica. A ênfase está na atual crise do Estado, no processo de
globalização e nos aspectos organizacionais e estratégicos relativos ao setor de ciência e
tecnologia. O tema possui dimensões e complexidades que justificam um projeto de tese
nesta área.
As questões relacionadas aos papéis da ciência e da tecnologia e sua gestão
têm sido muito discutidas atualmente nos meios empresarial e acadêmico. Já é lugar
comum ouvir que a gestão da tecnologia ocupa um papel de destaque nas organizações.
Este destaque decorre do fato de tecnologia ter se tornado fator de produção e bem
negociável.
Como fator de produção, a tecnologia é um recurso escasso, intangível, de
custo indeterminado e uso econômico incerto. Como bem intangível, ela possui
características muito especiais que a diferenciam no momento de atribuição de valor, venda
ou transferência. Apenas a discussão do papel que a tecnologia, como subproduto da
ciência, possui no mundo contemporâneo é justificativa mais que suficiente para um estudo
mais atencioso.
Em função do aumento da importância da gestão da tecnologia na economia
moderna as organizações têm tentado buscar alternativas para melhor se adaptarem a este
7
novo ambiente. Novas formas de estruturação organizacional e relacionamento com os
fatores externos que, de uma forma ou de outra, influenciam a organização ou são
influenciados por ela, são experimentadas com a intenção de permitir uma melhor gestão
(gestação) da tecnologia.
À luz do exposto até aqui é mais do que pertinente tentar relacionar a crise
do Estado com seus multi facetados aspectos e desdobramentos com a estruturação das
organizações da área de ciência e tecnologia.
1.3 Justificativas
Eu sei muito bem que é assim, Corno pode um homem justificar-se diante de Deus?
Então Deus levou [Abraão] para fora e disse: Olha agora para os céus, e conta as estrelas, se as pode contar, E disse-lhe: Assim será a tua descendência,
justiça, E creu ele no Senhor e isso lhe foi creditado por
Porque o meu justo viverá pela suafé.
Gênesis 15 : 5 - 6 Habacuque 2 : 4
8
A adoção de uma abordagem interpretativa tem por objetivo dar ao
pesquisador um papel mais substantivo no processo de pesquisa, evitando a posição de
observador neutro. A partir do momento em que o pesquisador faz parte de uma
organização que compõe o objeto da pesquisa , a simples atitude de pesquisar é um fator de
construção e modificação da realidade que se pretende entender. Este papel substantivo
também traz duas importantes contribuições ao trabalho.
A primeira é o abandono da pretensão de fazer uma construção teórica
descolada do contexto social, político e ético.
A segunda, é que a linguagem interpretativafazfalarem os fatos, permitindo
obter vislumbres de caminhos alternativos para abordagem de questões que porventura já
tenham sido levantadas.
A adoção de uma abordagem interpretativa pressupõe também a não
generalização dos resultados da pesquisa para outro universo social além do estudado.
Cada sistema social têm seu próprio contexto, dentro do qual deverá ser feita a
interpretação de sua realidade sociológica, A idéia básica é, a partir desta particular
construção teórica, tentar compreender o sistema social em estudo.
1.4 Metodologia
Organize seus negócios na cidade e prepare tudo no campo, para depois construir a sua casa,
Provérbios 24 : 27
9
Durante a elaboração desta dissertação foi realizada a pesquisa bibliográfica
relacionada com o tema abordado. A pesquisa não foi exaustiva nem teve por objetivo
esgotar as referências existentes. As limitações referentes a prazos e recursos foram
importantes para definir o escopo da revisão bibliográfica realizada.
Para a identificação do processo de gênese do Estado serão utilizadas as
idéias de Hobbes, Lebrun, Weber e Dreifuss.
As bases do Estado Liberal são obtidas através do confronto das idéias de
Hobbes, Locke e Kant. O Estado interventor e adepto do planejamento econômico é
apresentado através das idéias de Shonfeld e Keynes. O Estado inevitável e marxista é
apresentado através do pensamento de Offe e Hirsch.
O diagnóstico da crise do Estado é apresentado através das idéias de Silva e
Souza.
A ciência e a tecnologia são apresentadas em seus multifacetados aspectos,
através do trabalho desenvolvido no Rio de Janeiro pela Fundação Getúlio Vargas e
coordenado por Simon Schwartzman.
Por fim é apresentado o modelo adotado para explicar o fenômeno
organizacional. Ele é concebido por Henry Mintzberg, adepto da escola contingencial e
detalhista em relação à dinâmica das estruturas organizacionais.
10
F oram utilizadas as informações obtidas durante conversas informais com
profissionais da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (ENDES) e professores da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ).
F oram feitas também muitas reflexões pessoais e utilizada a experiência
obtida durante os anos de 1 994-95 como gerente de suprimentos do Instituto de Engenharia
Nuclear pertencente à CNEN. As reflexões associadas à experiência gerencial
proporcionaram o surgimento de inúmeras questões relativas à gestão de instituições
públicas de pesquisa e desenvolvimento e quanto ao papel do Estado na área de ciência e
tecnologia.
Esse conjunto de informações e experiências foi trabalhado em um processo
interativo, juntamente com outros mestrandos em uma oficina de artesanato intelectual,
nos moldes propostos por Wright MillslO• O resultado foi a produção de referências
teóricas que permitiram chegar a algumas conclusões acerca do tema abordado e a postular
algumas especulações e recomendações.
10 MILLS, C. WRIGHT A Imaginação SociolÓgica. Zahar Editores, 6" edição, 1982.
1.5 Estrutura da dissertação
Onde você estava quando eu colocava os fondamentos da terra? Diga-me, se é que você tem tanta inteligência!
Você conhece as leis do céu, ou determina as funções delas sobre a terra?
Então Jó respondeu a Javé: "Eu me sinto arrasado. O que posso replicar?
Vou tapar a boca com a mão. Falei uma vez e não insistirei; falei duas vezes, e
não vou acrescentar mais nada ".
Jó 38: 4; 33 e 40: 3 - 5
1 1
Este trabalho está dividido em quatro partes: introdução, referencial teórico,
conclusões e bibliografia.
A introdução apresenta a questão principal da dissertação e sua relevância,
justificativas e metodologia utilizada.
o referencial teórico está estruturado em três partes fundamentais: gênese e
evolução do Estado moderno, os aspectos básicos sobre os papéis da ciência e da
tecnologia e uma proposta teórica sobre o fenômeno organizacional.
A terceira parte apresenta as conclusões da dissertação.
Segue-se, finalmente, a bibliografia consultada.
12
II - Fundamentos Teóricos
Este c apítulo tem por objetivo estruturar os alic erc es teó ric os que permit irão
analisar a quest ão propost a no item 1.1. Ele está estruturado em três partes fundamentais: o
Estado moderno em seu proc esso de gênese e evolução; a apresentação dos aspect os
básicos sobre os papéis da c iênc ia e da tec nologia em um c ontex to globalizado; e uma
proposta teó ric a qu e penn ite estudar, entender e classific ar as organizações
2.10 Estado
Então os anciãos de Israel se reuniram e foram até Samuel, em Ramá.
Disseram a Samuel: "Veja, você já está velho e seus filhos não seguem o seu exemplo. Por isso, escolha para nós um rei, para que ele nos governe, como acontece em todas as nações".
Não agradou a Samuel afi'ase que eles disseram: "Dê-nos um rei para que nos governe". Então Samuel invocou ao Senhor.
E o Senhor disse a Samuel: "Atenda à voz do povo em tudo o que eles pediram, pois não é a você que eles estão rejeitando, mas a mim; não querem que eu reine sobre eles.
Assim como eles têm feito desde o dia em que os tirei do Agito a/é hoje abandonando-me e servindo outros deuses, a mesma coisa eles fizeram com você
Atenda o pedido deles. Contudo, mostre com clareza e explique para eles o direito do rei que reinará sobre eles".
No entanto o povo não quis ouvir as palavras de Samuel, e disse: "Não tem importância. Teremos um rei, e seremos também como as outras nações: nosso rei nos governará, irá à nossa frente para comandar nossas guerras.
Samuel ouviu tudo o que o povo disse e foi contar ao Senhor.
a Senhor respondeu: "Se é isso que querem, estabeleça um rei para eles".
1 Samuel8: 4 - 10 e 19 - 22
13
A crise do Estado é analisada a partir da apresentação de um histórico
teórico e filosófico das origens do Estado moderno. É apresentado o conceito filosófico
hobbesiano de renúncia ao poder como forma de evitar o estado de natureza ou anarquia
para permitir a sobrevivência. Também é apresentada a idéia de formação dapólis a partir
dos conceitos gregos de cidade e república. Posteriormente são lançadas as bases
filosóficas do Estado liberal.
o paradigma liberal é analisado em detalhes, resultando na criação de um
roteiro da evolução do conceito de Estado e da evolução dos papéis que ele vem
desempenhando na vida política e econômica dos países ocidentais. São apresentados os
papéis do Estado indesejável, sua crítica e posterior evolução para um Estado desejável e
por fim a formulação marxista que entende o Estado como inevitável.
A seção segue descrevendo os reflexos da crise do Estado no Brasil. É descrita a evolução do Estado brasileiro contemporâneo e suas diversas tentativas de
adaptação à crise. Segue-se um diagnóstico que apresenta a crise como o reflexo de dois
fenômenos aparentemente diferentes mas intimamente ligados: a quebra do pacto pós
fordista firmado pelos países desenvolvidos no período do pós guerra e a falência do
modelo de desenvolvimento adotado após o Estado Novo.
14
2.1.1 O Estado Moderno
Esta seção apresenta o proc esso filosófic o de sua gênese, da evolução de sua
forma e dos seus papéis.
A análise do Estado em sua forma modema deve partir da c orreta
identif ic ação do proc esso de sua gênese e das c ondic ionantes e pec uliaridades de sua
evolução. Para abordar de forma satisfatória esse tema, é elaborada uma digressão t eóric a
apresentando a questão - ac erca da gênese e nec essidade do Estado - c onforme explic adas
por Dreifussll e L ebrunl1, para melhor entender a sua nat ureza inic ial, premissas básic as e
evolução. Apesar de pouc o extensa, esta dig ressão bibliográfic a é c apaz de situar de forma
satisfatória a c onc epção e a evolução do Estado moderno, obj eto desta refl exão.
2.1.1.1 Gênese e evolução
A idéia de Estado está intimamente ligada à idéia de poder. A c riação do
Estado foi, talvez, a melhor tent ativa da h umanidade para organizar e estruturar
legitimamente o poder e a dominação de um grupo de indiví duos sobre outro. I nic ialment e
algumas definições se fazem nec essárias. As defi nições de potênc ia, poder, dominação e
c oerção.
Potência é uma virtual idade. Ela pode ser definida c omo a c apac idade de
efetuar determinado desempenho. Poder é defi nido c omo o efetivo exerc íc io dest a
virtualidadeI3 . Por ex emplo, uma cri ança e um engenheiro têm potênc ias diferentes. O
engenheiro tem o poder de fazer uma c asa; a c riança não.
11 DREIFUSS. R. Política Poder Estado e forca: Uma leitura de Weber. Jª edição. Petrópolis: Editora Vozes, J993. 12 LEBRUN, G. O que é o Poder. I Ji!.. edição. São Paulo: Editora Brasiliense, /990. 13 LEBRUN, G. Op. cito
IS
A potência significa toda a oportunidade de impôr a própria vontade, no
interior de uma relação social, até mesmo contra resistências, pouco importando em que
repousa tal autoridade. Poder é o pleno exercício desta vontade.
Segundo Max Weber, quando a potência é determinada pelo exercício de
uma força, não sob ameaça ou chantagem, mas sob a forma de uma ordem que deve ser
cumprida, nós a chamamos de dominaçãol4.
A dominação pode ser feita de forma imperativa ou pela utilização da
autoridade, devidamente legitimada. Porém, pode-se argumentar: de que natureza é a
dominação , como se legitima e por que ocorre?
A dominação é um processo de natureza política. Segundo a escola de
sociologia norte americana a dominação e o poder são mercadorias raras e só podem ser
obtidas às custas de outra pessoa. Esta afirmação é a base da teoria de poder de soma zero:
o poder é uma soma fixa, tal que o poder de A implica o não poder de B, isto é, dado a uns
em detrimento de outros e em igual intensidade. Não existindo vácuo, ou há dominados ou
há dominadores, sem meio termo. Esta tese pode ser encontrada nos trabalhos de autores
tão diferentes ideologicamente como Marx, Nietzsche, Max Weber, Raymond Aron e
Wright Mills15 .
A coerção é definida como a virtualidade do exercício da força, levando os
indivíduos a se submeterem ao poder. A partir dessa definição, o que faz com que os
indivíduos se submetam ao poder? Teóricos do Contrato Social postulam que os homens
estão presos à obediência apenas pelas promessas contidas no referido contrato. Essa
afirmação pressupõe que é da natureza humana a obediência. Isto pode ter sido verdade em
tempos remotos mas, como afirma Lebrun, o que realmente está enraizado é o dever da
obediência, intimamente ligado à noção de cidadania. O poder não deve a sua existência a
14 DREIFUSS, R. Op. cito 15 LEBRUN, G. Op. cito
16
promessas. Ele é estruturado e reconhecido como uma fatalidade que forçosamente deve
ser cumprida16 .
É possível, entretanto, que uma sociedade exista sem que o poder esteja
estruturado, na forma de um Estado ou de um governo formalmente estabelecido. Lebrun
afirma que o nascimento do poder deve-se, aparentemente, às necessidades da guerra. E a
necessidade da estruturação do poder impõe-se, nas sociedades ampliadas e requintadas,
quando as regras de justiça já não possuem força suficiente em si mesmas para se fazerem
respeitar pelos homens sem que haja coerção)7
A relação entre obediência, cidadania e estruturação conduz ao conceito
original da pólis grega. Segundo Aristóteles, a pólis era uma comunidade de iguais, onde a
vida pública não era caracterizada pela dominação. A dominação, para os gregos, fazia
parte da esfera privada, relativa à família e aos escravos. Hanna Arendt, ao analisar o
conceito da pólis, deixa esse ponto bem claro afirmando que a distinção entre governantes
e governados pertence a uma esfera que precede o domínio político: a esfera econômica do
lar. A pólis, entretanto, se caracteriza por estar baseada no princípio da igualdade, não
reconhecendo diferenças entre governantes e governados 18 .
A condição básica para o funcionamento da pólis grega é a idéia de um
poder constitutivo da Cidade. Esta idéia é a marca filosófica fundamental do nascimento da
modernidade política 1 9 . E o principal conceito desta modernidade foi a criação, por
Thomas Hobbes no século XVII, de uma entidade absolutamente fundamental: o Leviatif2o .
o conceito filosófico do Leviatã pode ser considerado como precursor do
que Max Weber descreveu, posteriormente, como a estruturação e formação do Estado
Moderno a partir de processos de dominação e legitimação. A descrição do Estado feita por
1 6 Idem, ibdem. 17 Idem. ihdem 18 ARENDT, H. Entre o passado e o futuro . São Paulo: Editora Perspectiva. 19 LEBRUN, G. Op. cito 20 STRAUSS, L. The Poljtical Philomphv QfThomas Hobbes: /ts Basis and Genesis; Chicago; University of Chicago Press, 1952.
17
Max Weber é o processo de ampliação do espaço público, da neutralização ou erradicação
da administração particular da justiça e do cerceamento da gerência autônoma e arbitrária
da emergente coisa pública desprivatizando assuntos de interesse geral21 .
A instrumentalização e a forma dados ao Estado por Max Weber,
juntamente com a ampliação de seu âmbito de atuação e abrangência podem ser vistos, de
forma aproximada, como uma forma de materialização da construção filosófica de Thomas
Hobbes.
o Leviatã criado no século XVII representa, basicamente, a figura do
Soberano. O Soberano pode ser um indivíduo, nos moldes do Príncipe de Maquiavel, ou
uma assembléia ou República. Suas principais características são: não estar absolutamente
sujeito às leis civis, poder criar e revogar leis aplicando-as a todos em geral e a cada um
em particular e não necessitar do consentimento de outros para agir22 .
O aspecto fundamental do conceito do Leviatã é a conferência ao Soberano
legítimo de uma potência (potes/as) tal que o seu uso esteja livre de normas ou regras. A
teoria da soberania diz respeito a um poder de Estado que não existe mais ao lado de outros
poderes, porém está infinitamente acima deles23 .
Esta mudança conceitual produziu na Europa do século XVII uma
considerável alteração da situação da autoridade política frente ao corpo social. A
monarquia européia passou por um processo de transformação e tomou-se absolutista e
legisladora. E, como observa Lebrun24 , por adquirir este vigor, tomou-se capaz de atribuir,
de cancelar, de instituir e de redistribuir direitos. Este processo de transformação que a
monarquia européia sofreu foi caracterizado pela contraposição da figura do Soberano à
antiga figura do tirano. A monarquia assumiu outras prerrogativas, expandindo a sua
influência administrativa para todas as partes e por sobre os restos do tecido social. Criou-
21 DREIFUSS. R. Op. cito 22 STRA USS, L. Op. cito 23 LEBRUN, G. Op. cito 24 Idem, ibdem.
18
se a hierarquia dos funcionários que, de forma gradativa, substituiu o governo baseado na
nobreza. Pode-se observar um processo semelhante ao da criação da burocracia profissional
da Teoria do Estado de Weber25 .
Interessa ao objetivo desta dissertação a nova natureza deste poder político.
No ocidente o substrato no qual ele se instala é chamado de República. Lebrun apresenta
algumas definições de República. A primeira diz que a República é uma sociedade de
homens reunidos para viver bem e felizes. Esta definição ética só tem sentido se
economicamente esta sociedade estiver satisfeita. O passo adiante é defini-Ia como um reto
governo de várias famílias e do que lhes é comum, havendo um poder soberano. Aqui,
passa a ser reconhecida ás famílias e às atividades privadas uma existência própria. Porém
é preciso que haja alguma coisa de comum e pública. Algo como domínio público, erário
público, as ruas, as muralhas da cidade, as leis, os costumes, a justiça, os aluguéis, as
penas. Não existe República se não há nada público.
A idéia fundamental dessa linha de pensamento é que a mera congregação
geográfica de um povo ou de um grupo social não produz um corpo político. O espaço
público habitado pelas famílias dispersas não constitui sozinho uma comunidade entendida
como corpo único. Os indivíduos assim reunidos formam o que ele define como multidão.
É necessária uma instância que unifique e coordene os indivíduos. Este é o ponto em que a
noção de potência apresenta toda a sua importância. A República, sem potência soberana
que una todos os seus membros ou partes num corpo, já não é mais República, é uma
multidão. Como afirma Lebrun :
"Estamos, então, em condições de compreender o que é
, este grande Leviatã que é chamado de República ou Estado '
(Hobbes). O que é ele? ' Um homem artificial " um genial e
gigantesco autômato, criado' para defesa e proteção ' dos homens
naturais.
25 WEBER, M. Ensaios de Sociologia . 5" edição. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, /982.
o importante é que esta criação coincide plenamente
com a constituição da 'multidão' em um corpo político. É como se
cada homem dissesse a cada homem: 'Cedo e transfiro meu direito
de governar-me a mim mesmo a este homem ou a esta assembléia
de homens, com a condição de transferires a ele teu direito,
autorizando de maneira semelhante todas suas ações'. Feito isto, à
multidão assim unida numa só pessoa se chama República, em
latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã ( Leviatã,
capo 17)" 26.
19
Conforme exposto aCima, para que haja corpo político é preciso que as
vontades de todos sejam depostas numa única vontade, e que exista um depositário da
vontade comum. Este depositário é chamado soberano, e dele se diz que possui poder
soberano. Todos os outros são súditos. Este soberano será um único homem ou assembléia
cuja vontade será considerada como de cada homem em particular.
É necessário haver a unificação da comunidade para haver corpo político.
Sem unificação não pode haver soberania . Não pode haver soberania sem poder absoluto e
perpétuo, isto é, que não está submetido a nenhum outro e que não tem solução de
continuidade.
Por questão de princípio, é impossivel haver recurso contra um príncipe
absolutamente soberano. Isto implica que no regime em que existe um soberano, obedece
se à lei enquanto ela é a expressão da vontade do soberano e não pela compreensão ou
legalidade da moral ou da justiça nela embutida.
A clássica crítica ao pensamento hobbesiano é baseada na idéia de que o
absolutismo do poder do soberano seria uma apologia do despotismo27 . Esta crítica não se
sustenta se for observado que dois pontos importantes são negligenciados. O primeiro
26 LEBRUN, G. Op. cito 27 Idem, ibdem.
20
ponto é que dentro do pensamento hobbesiano o soberano tem a tarefa de zelar pela vida
boa e cômoda dos súditos e por sua segurança. O direito de natureza que os súditos
possuem é deposto em favor do soberano para que os súditos possam escapar dos perigos
da anarquia (a guerra de todos contra todos) que, segundo Hobbes, é a tônica no estado de
natureza. O segundo ponto é que se a soberania pode limitar à sua discrição as liberdades
individuais, nem por isso ela será, necessariamente, o mero exercício de uma força
repressiva. Não se pode esquecer que sem essa força, cujo exercício pode ser desagradável
ao indivíduo, não pode haver unificação nem corpo político. O soberano é, antes de mais
nada, a única anti desordem eficaz possível: é ele ou o caos do estado de natureza.
Um ponto importante que decorre do pensamento de Hobbes é que o
processo de cessão de direitos dos súditos para o soberano explica, em parte, o fato de
haver uma cumplicidade inevitável entre o súdito e o soberano, entre o dominado e o
dominador e entre o protegido e o protetor. Existe uma troca que os homens aceitam para
se subordinar ao soberano. A sujeição se dá em troca da segurança e da certeza de que
poderão portar-se como sujeitos racionais28 .
A introdução da idéia do poder arbitrário como o cimento do corpo político
é feita a partir do conceito hobbesiano de cidade em que ela é uma multidão de homens,
unidos numa pessoa única por um poder comum, para sua paz, sua defesa e seu proveito
comuns29 e de três premissas básicas.
A primeira premissa é a recusa da antiga finalidade do político. Hobbes se
contrapõe a Aristóteles na descrição da origem a da função da pólis. O homem
despolitizou-se, não satisfazendo mais a antiga relação vida privada individual versus
domínio público. O homem deixou de ser conceituado como um anímal político para ser
conceituado como um anímal social. Segundo Lebrun este ponto principia a modernidade
política visto que a comunidade não é mais entendida como uma congregação de homens
diretamente encarregados de zelar pelo funcionamento do Todo. Ela é vista agora como
28 Idem, ibdem. 29 HOBBES, T. Leviatã ou Matéria F arma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Editora Abril, 1974.
21
uma congregação de homens (societas), a quem seus próprios afazeres ocupam demais para
que possam dedicar-se aos interesses do Todo, e que, por isso, devem ser protegidos pela
instância política ao invés de participarem dela30 .
A segunda premissa é o reconhecimento de que é necessária a existência de
um poder capaz de legislar e decidir, tendo seu princípio em si próprio sem nenhuma
legislação externa a ele. É o reconhecimento de que o que leva à obediência à lei é a
autoridade e não a verdade.
A terceira premissa é o fim da idéia das hierarquias naturais (segundo
nobreza, sabedoria, etc.). É o reconhecimento da idéia de que, peJas leis da natureza, todos
os homens são iguais.
Hobbes foi quem primeiro deu ênfase aos direitos naturais e não aos deveres
naturais dos homens. De forma paradoxal a sua construção teórica foi interpretada e usada
como símbolo e justificativa para a implantação do Estado autoritário e absolutista. Um
bom exemplo de como as idéias hobbesianas foram usados desta forma foi Luís XlV que
dizia que o Rei era o Estado para justificar seu despotismo e absolutism03! .
Complementando o pensamento de Hobbes, pode-se dizer que o fator
inicial da cessão de direitos em favor do Leviatã é o permanente estado de guerra dos
homens naturais a partir do momento em que entra em cena a razão. A razão é que faz com
que os homens percebam que ninguém tem poder suficiente para estar e conservar-se
seguro enquanto durar o estado de guerra. Esta razão se materializa em um medo surdo e
ininterrupto de todos contra todos chanlado desconfiança. A única alternativa possível à
criação do soberano seria a certeza da paz. Mas quem pode garantir que ela será respeitada?
Ora, somente com ingenuidade alguém se satisfará com promessas para perder a
desconfiança inerente ao estado de guerra. Somente um medo comum, sentido por todos,
30 LEBRUN. G. Op. cito 31 ROSSETJ. J. P.; CONTADOR. C. R.; VJLLAÇA, M. J.; ZOUD1NJ. R. M. Economia de Mercado: Fundamentos Falácias e Valores - Caracterização do Caso Brasileiro. Jª edição. Rio de Janeiro: JBEMEC. 1985.
22
pode prescrever com segurança o estado de guerra É um medo que faz com se tenha mais a
perder rompendo o pacto de não agressão do que respeitando-o.
o pensamento hobbesiano foi criticado por diversos pensadores políticos
entre eles Voltaire, Jean Bodin, Kant e Locke. Para os objetivos deste trabalho serão
utilizadas as críticas feitas por Kant e Locke. Kant, ao criticar o que ele chama de imperium
despótico de Hobbes, cria o governo patriótico enquanto Locke, cria o conceito de uma
elite dominante.
Kant considera que no pensamento de Hobbes todas as leis, até mesmo as
leis morais, são despóticas. O despotismo decorre do fato de essas leis não exigirem o
consentimento racional. A este conjunto de leis denominou imperium despótico. Nele os
súditos são tratados como crianças ou como servidores32. Para solucionar este problema
introduziu a idéia de governo patriótico e repensou o processo de criação da pólis.
O governo patriótico é um governo no qual o homem encontra no Estado a
sua liberdade numa base de dependência legal que procede da sua própria vontade
legisladora através do advento da razão prática. Desta forma o problema político foi
invertido. Se antes Hobbes tinha uma visão mecanicista, materialista e utilitária do homem,
agora Kant restitui ao homem o seu caráter de ser racional e ético.
A idéia de cidade é redefinida a partir de dois conceitos. O primeiro é o
conceito de comunidade élica como uma reunião de homens regidos por leis de virtudes,
não coercitivas. O segundo é o conceito do estado jurídico-civil como um governo da
comunidade regido por leis que são sempre coercitivas.
Nesta crítica ao pensamento hobbesiano a comunidade ética não pode ser na
prática instituída por homens se não tiver o estado jurídico-civil como base de sustentação.
O objetivo da união civil é permitir a independência de cada um frente ao arbítrio
necessitante de outrem. Este objetivo só pode ser obtido através de uma legislação que
32 LEBRUN. G. Op. cil.
23
discipline a insociabilidade natural dos homensJJ . Esta disciplina se traduz na obtenção do
equilíbrio dos direitos de todos em meio ao antagonismo que continua sendo a trama do
social.
É interessante observar que se mantém a necessidade de uma figura tal qual
o soberano de Hobbes para, de forma coercitiva, manter o equilíbrio da cidade. O
antagonismo não é eliminado pois os homens continuam sendo concorrentes. O argumento
kantiano afirma que os homens são dissuadidos de passar do jogo à guerra a partir do
momento em que todos sabem que, por princípio, a agressividade dos demais está limitada.
Sem este saber prévio não pode haver algo como uma societas. A idéia básica do
pensamento kantiano é que o soberano é a condição para viabilizar a reciprocidade dos
procedimentos corretos, base de uma sociedade racional.
A crítica que John Locke, pensador inglês, fez ao pensamento hobbesiano
pode ser sintetizada como a expressão de dois movimentos distintos. O primeiro foi o
iluminismo, movimento racionalista e cartesiano que produziu mudanças profundas no
pensamento europeu. A própria crítica de Kant foi conseqüência desse movimento. O
segundo foi a reação negativa que o pensamento hobbesiano provocou nas classes
dirigentes européias, para as quais teria ido longe demais na criação de seu autômato para
manter a estabilidade da sociedade.
Hobbes foi incapaz de antecipar que a solidariedade de classe entre os
burgueses fosse capaz de economizar um soberano perpétuo. Locke se opôs à figura desse
soberano, pessoa ou assembléia, porque Hobbes em sua proposta não ofereceu garantias
suficientes para salvaguardar a propriedade contra as interferências de um soberano
absoluto. Mas de onde vem a necessidade de salvaguardar a propriedade privada? Como
justificar, filosoficamente este conceito?
A base filosófica do pensamento de Locke deriva de uma vertente do
iluminismo chamada naturalismo. Segundo o naturalismo, as leis da natureza estão de
JJ Idem, ibdem.
24
acordo com as leis divinas, daí serem elas compreensíveis racionalmente34 . Este
pensamento estabelece que a natureza é a fonte das luzes e que o homem deve extrair dela
as lições da verdade. O homem deve limitar-se a seguir as leis naturais. A lei civil deve ser
apenas a enunciação da lei da natureza. O naturalismo supõe que a natureza é racional tal
qual a razão. Desta forma, como há uma ordem natural, há igualdade entre os homens, no
sentido de igual direito de todos os homens à liberdade natural, sem sujeitar-se à vontade
ou à autoridade de outrem35 . Esta igualdade de direitos significa o fim dos privilégios de
certas camadas sociais . O corolário deste pensamento é o conceito de igualdade de
oportunidade decorrente da igualdade de direitos.
Em vista disso a partir do momento em que as oportunidades tenham sido
iguais, as desigualdades resultantes dos esforços individuais devem ser respeitadas. Assim,
a propriedade privada, resultante das desigualdades, toma-se natural e admissível. A posse
de alguns homens sobre certos bens, desde que como conseqüência de seu trabalho, é
benéfica à própria sociedade como um todo já que o espírito de propriedade duplica a força
do homem. O interesse do indivíduo e do grupo não se opõem, antes completam-se de
forma naturaP6 .
Neste ponto a construção teórica hobbesiana é subvertida pela afirmação da
legitimidade da propriedade privada. Para Hobbes a legitimidade da propriedade privada
significa a fonte da anarquia; para Locke ela é direito natural e inalienável.
Ao ingressar na sociedade civil, o homem abandona totalmente os dois
poderes de que dispõe no estado de natureza, a saber : o poder de fazer tudo o que julgar
conveniente para garantir a sua preservação e o de punir as infrações cometidas contra a lei
natural. Estas duas renúncias são consentidas para que possa ser realizado o fim capital e
principal da associação: a conservação da propriedade que constitui um absoluto37 . Ao
associar-se, o homem submete todas as suas posses à jurisdição do governo, porém fica
34 ROSSETI, J.P. et 011. Op. cito 35 Idem, ibdem. 36 Idem, ibdem. 37 MERQUIOR, JOSÉ G. O Liberalismo Antigo e Moderno . 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, /99/.
2S
entendido que o poder supremo não pode tomar de nenhum homem qualquer parte do que
lhe pertence sem o seu consentimento. Neste ponto está a maior revisão do pensamento
hobbesiano.
Locke não considera mais o poder como núcleo político do social. Ele o
considera entretanto como instância que exerce uma função social determinada. Teme que
o poder ultrapasse esta função e que os súditos fiquem privados de recurso contra tal poder.
Afirma que Hobbes se enganava quando sustentava que todos os males do poder exercido
pelo soberano nada seriam em comparação com a volta ao estado de natureza. O inverso é
verdadeiro: o estado de natureza é preferível a um poder que deixa o indivíduo
juridicamente indefeso contra ele. Para Locke o indivíduo que se vê exposto ao poder
arbitrário de um único homem que tem cem mil outros a suas ordens encontra-se em
situação muito pior do que aquele que está exposto ao poder arbitrário de cem mil homens
isolados. Como afirma Lebrun: entre os trombadinhas e a polícia do tirano, Locke prefere
os trombadinhas38 .
Pensadores liberais tais como Jean Baptiste Say, Stuart Mill e Spencer
estenderam as idéias de Locke e estabeleceram conceitos importantes dentro do ideário
liberal. Say afirma que a manutenção da ordem social, que garante a propriedade, vem
antes mesmo da propriedade; e que a conservação da ordem não deve servir de pretexto aos
abusos de poder. Para Say o liberalismo só deve exaltar as liberdades civis na medida em
que elas constituem os corolários da sacrossanta liberdade de propriedade e somente o
proprietário pode ser cidadão. Pois somente a propriedade toma os homens capazes do
exercício dos direitos políticos39 .
A lógica liberal, apesar de indignar alguns, não é contraditória em sua
essência. A incoerência dessa lógica surge quando aplicada ao exercício do poder. Segundo
Lebrun o liberal é incoerente com o poder pois o vilipendia, considerando-o ao mesmo
tempo vil e necessário. O liberal necessita manter o poder como válvula de segurança e
38 Idem, ibdem. 39 MERQUJOR, JOSÉ G. Op. cito
26
instância protetora para salvaguardar a economia de mercado mas, ao mesmo tempo,
encara-o como uma ameaça potencial. Ainda segundo Lebrun, o liberal merece pena
porque está às voltas com um problema insolúvel:
" Determinar até que ponto pode serrar o galho no qual está
sentado, sem correr o risco de quebrá-lo. É também, por princípio,
um cidadão insatisfeito. Que escureça o horizonte social, que cresça
o espectro do 'socialismo' - e ele se toma partidário de um 'regime
forte'. Que este se instale, suprima as liberdades civis e se interesse
de muito perto pelo funcionamento da economia - o liberal espuma
de indignação e volta a ser homem de esquerda. Ou de centro -
esquerda" 40 .
O dilema fundamental da concepção liberal do Estado tem sua origem em
dois dogmas criados pelo pensamento liberal do século XIX: o chamado economicismo e
o conflito Estado versus indivíduo.
O primeiro dogma estabelece que o funcionamento econômico pode ser, por
SI só, um fator de regulação e estabilização da sociedade. O problema desse dogma é
ignorar que a liberdade econômica pode tornar-se fator profundamente perturbador do
social. Esta perturbação por vezes acarreta reações expressas no surgimento de um poder,
não econômico, que se encarregará de corrigir os desequilíbrios e proporcionará aos
cidadãos um mínimo de segurança (necessidade puramente hobbesiana). O economicismo
liberal pecou por não perceber que o próprio jogo darwiniano de liberdade econômica
acaba tornando cada vez mais necessário um Estado que intervenha em nome do interesse
público. À medida que cresce em complexidade a invasão econômica no social o Estado
passa a proteger cada vez menos a liberdade de alguns e mais a garantir a segurança da
malOna.
40 LEBRUN, G. Op. cito
27
o segundo dogma se assenta sobre uma análise equivocada do problema
político. Ele pretende reduzir o conflito entre Estado e indivíduo a um jogo de soma zero,
no qual para um ganhar o outro deve perder. Este conflito é falacioso pois esquece um fator
fundamental: este ente zeloso por seus direitos que o liberal chama de indivíduo é
fabricado e codificado pelo poder , e muitas vezes tem interesses não conflitantes mas
concorrentes. Não existe melhor exemplo desse fato do que as burocracias profissionais
estatais onde os cidadãos são transformados em funcionários.
o processo de codificação e fabricação do indivíduo pelo Estado inicia-se
pela transformação do Estado coercitivo e repressor em Estado regulador. O poder
coercitivo diminui de intensidade porém o poder regulador aumenta em abrangência . A
incumbência do Estado de zelar pela educação, saúde, assistência médica , vias de
transporte e comunicação, além da segurança, faz com que estenda ramificações complexas
e abrangentes que o permitam exercer o poder regulador em todo o seu território. Como
Durkheim, citado por Lebrun41 , afirma:
"O poder moderno não é maiS, essencialmente, uma
instância repressiva e transcendente (o rei acima de seus súditos, o
Estado superior ao indivíduo), mas uma instância de controle, que
envolve o indivíduo mais do que o domina abertamente. Podem
diminuir as proibições, abolir-se a pena de morte, abrandar-se o
regime das prisões, etc., porém o sistema disciplinar, a que nos
vemos submetidos até em nossa vida privada, cresce, discreta mas
continuamente. O Estado moderno é menos abertamente
dominador, e mais manipulador; preocupa-se menos em reprimir a
desobediência do que preveni-la. É feito menos para punir do que
para disciplinar".
O poder estatal hoje não pode ser visto mais como o braço de uma máquina
monstruosa que insensivelmente estraçalha os indivíduos, mas como urna máquina que
41 Idem. ibdem.
28
produz indivíduos e, ao lhes dar "bons hábitos", institui ou tende, cada vez mais, a instituir
o social42 . Uma boa exemplificação desse processo de criação e codificação dos indivíduos
é a neutralização dos revolucionários sem prendê-los; mas transformando-os em
funcionários.
2.1.2 O papel do Estado
A análise do processo de evolução do Estado permite divisar os papéis por
ele desempenhados ao longo do tempo. Estes papéis derivam das condicionantes
econômicas, políticas e sociais que criaram o Estado, explicitadas em algumas escolas de
pensamento político.
o papel do Estado ocidental, ao longo da história, tem sido visto de três
formas. O Estado para correntes do pensamento liberal teria um papel indesejável. Na
perspectiva do keynesianismo o papel do Estado é desejável. A terceira posição seria o
Estado inevitável, defendido pelos teóricos marxistas.
2.1.2.1 O Estado indesejável
O papel de um Estado indesejável deriva da lógica do pensamento liberal e
das suas críticas ao pensamento hobbesiano. Por esta lógica o Estado deve ter o seu poder
de atuação limitado para não interferir no direito de propriedade. Os homens instituem este
tipo de Estado ao abdicar do direito de retaliação sem medida inerente ao estado de
natureza. A retórica liberal afirma que o direito de propriedade é anterior ao pacto de
criação do Estado. São representantes dessa linha de pensamento Locke, Adam Smith,
Bentham, James MilI, Stuart Mill, Dahl e Hayek.
42 Idem, ibdem.
29
o liberalismo político, nascido com Locke a partir da crítica ao Estado
monárquico absolutista, foi uma resposta ao intervencionismo estatal mercantilista. Locke
ao fundar a teoria dos direitos naturais ou jusnaturalism043 criou uma das três teorias sobre
os limites do poder estatal. Nessa teoria o homem abandona o estado de natureza para
evitar a guerra e conservar a vida. A auto preservação e a proteção da propriedade são as
finalidades precípuas do pacto lockeano. O direito natural à propriedade é mantido na
sociedade civil.
O estado civil é a criação de um poder supenor aos indivíduos para a
proteção de seus direitos naturais. O poder do Estado deve assegurar aos indivíduos seus
direitos naturais que, por sua vez, marcam não apenas a finalidade como também os limites
da ação estatal. O Estado deve proteger a vida e a propriedade e, ao mesmo tempo, não
pode invadir estas esferas dos direitos individuais. Os homens na sociedade civil possuem
direitos contra o Estado.
O advento da sociedade civil culminou com a invenção da moeda e a
libertação do homem em relação à natureza. A idéia de entesouramento sem limites
permitiu aos homens iniciar o processo de acúmulo de propriedades e o afastamento do
estado de escassez. A desigualdade no processo de acumulação não é problema para o
Estado lockeano. A função principal do governo é a preservação da propriedade e do
proprietário. Ele deve assegurar as condições para que o entesouramento da moeda possa
ser maximizado pelos indivíduos mais prósperos. A lógica é que da prosperidade
individual resulta a prosperidade da nação. A idéia básica é que para a prosperidade da
sociedade é suficiente a possibilidade de entesouramento associada à proteção da
propriedade por um bom governo.
Conclui-se que seria direito do cidadão impedir que o Estado controle a
propriedade. Tal linha de pensamento propõe um Estado absolutamente indesejável e não
intervencionista nas trocas efetuadas pelo mercado. Os proprietários devem poder dispor de
seus bens da forma que melhor lhes convier. Isto os incentivará a serem produtivos. A
43 LOCKE, J. Segundo Tratado Sobre o Governo . Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
30
prosperidade jamais será alcançada se os indivíduos não tiverem incentivos para apropriar
mais do que possam utilizar. Estes incentivos devem ser assegurados pelo Estado: de
forma positiva, protegendo a propriedade; e de forma negativa, evitando ao máximo a
intervenção no funcionamento do mercado. Essa linha de raciocínio é entendida como o
pilar da doutrina clássica do espírito do capitalismo44 .
o Estado não intervencionista assume diferentes feições, entre as quais se
destaca a de James Mil!, considerado o fundador do paradigma liberal-democrático. Para
Mill também cabe ao governo preservar a propriedade. Sendo a finalidade do governo
maximizar a felicidade e minimizar a dor do maior número de indivíduos ele deve atuar
para reduzir os efeitos da escassez. Somente a atuação livre dos proprietários e a não
intervenção no mercado resultará na diminuição da escassez.
o aumento do poder de um governante sena para Mil! uma ameaça ao
proprietário e à propriedade. A busca de mais e mais poder, se não contida, resultaria no
aumento da escassez. Para evitar este processo Mill insiste na instituição do governo
representativo.
A doutrina da separação do poder entre democracia, aristocracia e
monarquia, sob comandos diferentes, não fornece elementos suficientes para o controle do
poder, pois nada impede que dois desses extratos se unam contra o terceiro. Somente um
corpo de representantes eleitos pode impedir a tirania e o poder absoluto. A comunidade
deve escolher, de acordo com o princípio utilitário, os seus representantes. Eles terão a
obrigação de assegurar a não intervenção no direito de propriedade da comunidade,
preservando o princípio utilitário.
Fiel ao ideal liberal, Mill considera que a forma mais adequada para impedir
a intervenção estatal no mercado é a instituição de direitos de participação no Estado.
Resumindo pode-se dizer que o ideal político liberal é definido como a composição de três
requisitos: controle mínimo do Estado sobre a propriedade, direitos do cidadão contra o
44 STRAUSS, L. Na/ural Righ/ and His/aO' . Chicago & London: University o/Chicago Press, p.239.
3 1
Estado e direitos de participação no Estado através de um governo representativo. O
liberalismo garante que a presença do Estado se limite a funções mínimas. O Estado liberal
é o Estado mínimo, do qual não se espera o controle da propriedade ou a intervenção no
mercado.
Ao homem liberal utilitário devem ser deixadas todas as atividades
econômicas, as quais assumirá sempre que o cálculo utilitário for compensador. Supõe-se
que exista na esfera das relações econômicas uma identidade natural entre os interesses
privados e públicos 45 . Não é preciso a intervenção de instituição alguma para que a busca
dos interesses privados resulte na satisfação dos interesses públicos, bastando que esta
operação seja deixada exclusivamente nas mãos do mercado e dos agentes privados. Para
garantir isso é necessário somente o funcionamento de instituições políticas liberais.
A fórmula política liberal mais próxima do paradigma proposto pelo
pensamento de Mill foi teorizada por Robert Dah146 . Ele criou o conceito de poliarquia
política, composta por oito características fundamentais: liberdade para formar e tomar
parte em organizações, liberdade de expressão, direito de voto, direito para ser eleito para
cargos públicos, direito por parte dos líderes políticos para competir por apoio, fontes
alternativas de informação, eleições livres e honestas e, por último, o voto ou qualquer
outra manifestação de preferência. Esses elementos são reunidos em dois grupos distintos:
liberalização ou contestação pública e participação.
O grupo das variáveis de liberalização ou contestação pública é composto
pelas liberdades, ditas fundamentais, sem as quais não havería competição política nem
oposição ao poder estatal e aos seus ditames: liberdade de expressão, de associação e de
opinião.
O grupo das variáveis de participação é composto pelas variáveis que
correspondem aos direitos de participação no Estado: direito de votar e ser votado, direito
45 HALÉVY, E. The Growth QlPhilo1Ofic Radicalism . London: Faber and Faber. 1972, p. 15 - 16. 46 DAHL, R Po/yqrchv Partjcina(ion and OpnosjtjQn . New Haven : Yale University Press, 1971
32
de definir por maioria as políticas que devem ser adotadas e o direito de competir por apoio
político.
A teoria democrática liberal de Dahl não ignorou que o objetivo da doutrina
liberal era controlar o poder do Estado. Segundo, Dahl o liberal identifica o abuso do poder
quando existe a tirania da maioria sobre a minoria. A doutrina dos direitos naturais é
traduzida em intensidade de preferências, moderna versão psicológica dos direitos naturais.
o pior cenário possível do ponto de vista da estabilidade democrática seria
o do grave desacordo assimétrico. Ele ocorre quando uma maioria com intensidades de
preferências fracas executa políticas que contrariam uma minoria com intensidade de
preferências elevada. Essa situação é denominada tirania da maioria sobre a minoria e pode
resultar na resistência da aplicação da regra republicana da maioria. Um bom exemplo
dessa situação foi a Guerra Civil norte americana. A minoria sulista, com forte preferência
em favor da escravidão, não aceitou as deliberações da maioria nortista com fraca
preferência contrária a questão.
Esse exemplo retrata o problema do proprietário. Os proprietários buscam
um arranjo institucional que evite que a minoria dos proprietários (de escravos, terras ou
bens) seja tiranizada. Essa tirania se explicitaria pela expropriação dos bens pelos não
proprietários. Este arranjo institucional é contido em uma sociedade heterogênea na qual os
interesses são tão diversificados que a maioria só pode ser obtida através do somatório de
um sem número de pequenas minorias. Somente em uma sociedade pluralista o
proprietário está a salvo da possibilidade de tirania presente em uma eventual maioria
formada pelos não proprietários. O pluralismo, conjugado com a maximização da
liberalização e da participação, permite o funcionamento simultâneo da democracia liberal
no mundo da política e do mercado na esfera da economia. Esse é o arranjo que minimiza o
controle sobre a propriedade.
A radicalização do ideal liberal é calcada em um cenário que tem uma
premissa fundamental : as regras da construção social ou são fixadas pela razão humana ou
33
resultam de um processo espontâneo de seleção natural. Segundo Hayek47 o conhecimento
dos fatos é (e sempre será) incompleto. Isso é suficiente para descartar a construção de uma
ordem social de acordo com os desígnios e as vontades humanas. A construção social será
sempre limitada pela inviabilidade de obtenção de informação completa, sobretudo quando
a divisão do trabalho e do conhecimento atinge níveis nunca antes vistos. Toma-se pois
insustentável a suposição de que todos os fatos particulares do mundo estão à disposição de
uma razão suprema que, os conhece e que é capaz de definir a ordem mais desejável para
os seres humanos48 . A esse equívoco também se expõem o legislador e o governo. Ambos
buscam a construção social e a constituição de uma ordem intencional, artificial e
antropomórfica. Só o mercado escaparia.
Ao admitir que o conhecimento humano é precário a ordem espontânea
resultante do funcionamento do mercado repousa em conhecimento local e circunstancial.
O conhecimento da ordem espontâneo está baseado na experiência. A experiência pode ser
definida como o conhecimento do que se deve fazer ou não em determinadas
circunstâncias. As regras que orientam a conduta humana não são aqui o resultado da
vontade humana, mas de um processo de seleção natural. A adesão humana às melhores
regras é espontânea e ocorre porque se provam as melhores, e mais eficazes em assegurar a
vida social e os benefícios individuais.49 .
Em cenário como este, o papel do Estado ou governo é apenas assegurar o
cumprimento das regras definidas pelo mercado sobre as quais repousa a ordem social;
além de fornecer os serviços que a ordem espontânea for incapaz de produzir. O Estado é
mínimo e deve se submeter à natureza espontânea da ordem. Não pode intervir no
funcionamento do mercado, computador que armazena e processa uma infinidade de
informações de diversos terminais (os indivíduos) e fornece como resposta as melhores
regras de conduta. Segundo Thatcher;
47 HAYEK, FRIEDRICH A UGUST VON. Law Legislaljon and Liberlv A New Stalement of lhe Liberal Princioles o(.luslice and Po/iljcal Economv Val i. London: Roulledge & Keagan Paul, 1973. p. 14 48 HA YEK, FRIEDRICH A UGUST VON. Op. cil. 49 Idem, ibdem.
" . . . se novos ministros implementarem a política de
intervenção na indústria, pensando que dois ou três deles sabem
mais do que a variedade infinita de homens e mulheres que tocam a
variedade infinita de indústrias, então a encomenda irá ladeira
abaixo novamente"SO .
34
Nota-se que no terreno da teoria, o liberalismo econômico caminhou j unto
com o liberalismo político até o século XX. Locke, MiII, Smith, Dahl e Hayek afirmam que
o mercado e a democracia liberal são instituições complementares. Entretanto, mesmo no
século XX, esta corrente teórica é obrigada a conviver com contribuições de autores que
mantendo sua adesão ao liberalismo político puseram em dúvida a capacidade do mercado
em gerir a economia capitalista.
2.1.2.2 O Estado desejável
A obra de Andrew Shonfields1 constitui exemplo notável da vertente teórica
de pensamento que propõe o Estado desejável. Postula que o controle público da
propriedade é possível sem que haja a supressão das instituições da democracia liberal. O
capitalismo da século XX só é semelhante ao capitalismo anterior pelo fato de a atividade
econômica estar aberta aos movimentos do capital privado e por ter na iniciativa pessoal o
fator determinante do êxito ou fracasso dos empreendimentos. A grande diferença do
capitalismo pré e pós 1930 está no crescimento vertiginoso da presença do Estado na
economia.
O período de prosperidade experimentado pelos países ocidentais modernos
após os anos 30 foi caracterizado por três fatores fundamentais: o crescimento econômico
mais rápido que no passado, crescimento veloz da produção e distribuição ampla dos
beneficios da prosperidade. É interessante notar que, ao contrário do que normalmente se
SO THA TCHER, M. .Jornal do Brasil 22 de abril de 1992. Caderno Internacional 51 SHONF/ELD, A. Capitalismo Moderno. Rio de Janeiro : Zahar, 1968.
3S
pensa, não são as políticas keynesianas que melhor explicam o fenômeno. Na opinião de
Shonfield, os dois países que mais prontamente implementaram as prescrições de Keynes,
Estados Unidos e Grã-Bretanha, não obtiveram o mesmo sucesso que outras economias
ocidentais. A fórmula adotada pelos países europeus, principalmente a França, considerada
a principal alavanca da prosperidade, foi o planejamento econômico.
o controle da economia pelo Estado teve neste período algumas
características importantes. Em primeiro lugar, houve aumento constante da influência das
autoridades públicas sobre a gestão do sistema econômico. Alguns países adotaram rígido
controle sobre o sistema bancário, enquanto outros, constituíram vasto setor empresarial "
publicamente controlado n. Em alguns casos empresas mistas, com controle acionário
estatal, foram utilizadas para atingir os fins do planejamento. A tônica foi o aumento
significativo dos gastos governamentais. Durante a século XX diferentes países
industrializados tiveram um crescimento notável em termos percentuais das despesas
governamentaís - em relação ao PNB ou PIB, que também cresceram em termos absolutos.
A segunda característica do planejamento econômico foi na preocupação
com o bem estar social". Essa preocupação provocou o uso dos fundos públicos em escala
crescente, principalmente com o objetivo de prestar auxílio ao setor não produtivo da
população: jovens em idade de crescimento e idosos já aposentados.
Em terceiro lugar, o planejamento econômico resultou no controle da
violência do mercado. O mercado auto-regulável, no qual as empresas lutam entre si e
desprezam qualquer efeito possível de suas ações sobre o mercado, foi substituído por
ações concertadas do governo e dos agentes privados para desenvolver programas com
base em interesses comuns e de longo alcance. Setor público e empresas privadas
compartilham interesse em limitar os elementos de imprevisibilidade e risco nas suas
operações. Esse interesse comum teria resultado na conspiração do planejament052 .
52 SHONFIELD. A. Op. cito
36
A quarta característica fundamental do planejamento econômico foi o
consenso de que a cada ano deveria haver um acréscimo real da renda per capita da
população. O desenvolvimento industrial crescente exigia novas formas de organização nas
esferas da pesquisa e desenvolvimento e no treinamento dos trabalhadores. Registraram-se
esforços crescentes para ampliar o desenvolvimento tecnológico e a velocidade das
inovações, assim como para qualificar mão-de-obra para lidar com os avanços
tecnológicos.
E por último, a atitude característica da administração econômica em grande
escala, tanto no governo quanto no setor privado foi o planejamento nacional de longo
alcances3 .
Essas cinco características do planejamento econômico deram nova face ao
capitalismo no século XX. Os países ocidentais se mantiveram nos trilhos da democracia
liberal com um controle público ostensivo sobre a propriedade privada.
Esse controle ocorreu em duas frentes: controle e tributação. O lucro e a
propriedade foram fortemente tributados, em nome do objetivo de ampliar a proteção social
e os sistemas públicos de saúde e educação. A conseqüência desse controle foi a regulação
da economia através da política fiscal, monetária e do sistema bancário. A importância da
regulamentação e do planejamento econômico estatal não ficou restrita aos países
capitalistas mais avançados. Os liberais brasileiros, por exemplo, consideravam
inquestionável a ação econômica do Estado.
Para os liberais que adotavam essa linha de pensamento a iniciativa
espontânea não era capaz de, em países capitalistas subdesenvolvidos, promover um
acelerado desenvolvimento econômico. Somente o Estado, através de sua capacidade de
concentrar recursos poderia ocupar o espaço deixado por uma iniciativa privada débil,
proporcionando um veloz crescimento econômico. Para Roberto Campos a questão dos
anos 60, a esse respeito, era menos de saber se os governos deveriam ou não intervir no
53 Idem, ibdem.
37
domínio econômico do que determinar a forma e o escopo desse planejament054 . Através
da tributação, se pretendeu diminuir o consumo presente em favor da acumulação de
capital para investimentos.
2.1.2.3 O Estado inevitável
Embora para algumas correntes do liberalismo político a intervenção do
Estado na economia seja considerada indesejável, preocupações sociais e regulatórias
levaram a algumas concessões nesse pensamento. Foi preservado o liberalismo político e
permitiram-se intervenções planificadas na esfera econômica. A evolução dessa crítica ao
liberalismo político e econômico, principalmente a desenvolvida por Marx, considera
inevitável o papel do Estado na sociedade capitalista.
A base de sustentação da obra de Karl Marx é o conceito de trabalho. Para
esse autor o primeiro ato histórico realizado pelos homens foi a conquista dos meios que
permitem a satisfação das necessidades humanas pela melhoria das condições materiais de
existência55 . A natureza é transformada com o trabalho do homem, fornecendo-lhe os
meios necessários para a sua sobrevivência. Satisfeita a primeira necessidade, a de
sobreviver, " a ação de satisfazê-Ia e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a
novas necessidades "56 , o homem retoma à natureza transformando-a mais uma vez, pelo
trabalho, com o objetivo de satisfazer às novas necessidades.
A teoria marxista estipula que o trabalho, enquanto transformação da
natureza, é um ato de criação. A transformação operada na natureza pelo homem não está
inscrita nos instintos humanos. Depende da emergência de novas necessidades humimas.
Utilizando uma metáfora atribuída a Marx, pode-se dizer que esta é a diferença entre a
melhor abelha e o pior arquiteto. A abelba não opera um processo criativo de
54 CAMPOS. ROBERTO DE OLIVE/RA. Economia Planejamento e Nacionalismo. Rio de Janeiro: APEC Editora S/A. /963. p./3 55 MARX, K. A IdeolOí!ia Alemã. São Paulo: Editora Hucites, /986. p. 39. 56 MARX, K. Op. cito p. 40.
38
transformação pois seu trabalho está determinado por seus instintos. Por outro lado as
construções feitas pelo arquiteto são orientadas para suprir diferentes necessidades para
diferentes situações. O trabalho emancipa o homem da natureza ao criar uma segunda
natureza especialmente humana.
Marx afirma ainda que a forma de organização da produção é o fator básico
para a compreensão das diferentes formações sociais. Não apenas a relação de uma nação
com outras, mas também toda a estrutura interna de cada nação dependem do grau de
desenvolvimento de sua produção e de seu intercâmbio interno e extern057 .
O Estado que emerge das relações de produção é a expressão política da
estrutura de classes que caracteriza a produção. Esta afirmação encerra a concepção
marxista de Estado. O Estado está baseado em classes, que por sua vez são definidas na
esfera da produção, no mundo das relações econômicas. Decorre desse ponto que todos os
conflitos no interior do Estado não passam de manifestações dos conflitos econômicos.
No capitalismo a divisão básica entre as classes se dá entre a classe
proprietária dos meios de produção e a classe dos que possuem apenas a força de trabalho.
Os proprietários são denominados burgueses e os que possuem apenas a força do trabalho
são chamados de proletários. Em função desse conflito o Estado emerge como inevitável.
Sua origem está na necessidade de controlar os conflitos sociais entre as duas classes,
controle efetuado pela classe economicamente dominante, a burguesia. O Estado capitalista
responderia à necessidade de manter as conflitos de classe em níveis suportáveis, mantendo
a ordem e assegurando o domínio econômico da burguesia.
Esta representação do Estado como o braço opressivo da burguesia impede a
transformação do modo de produção capitalista pelo proletariado revolucionário. Ele é
visto apenas como aprovador de leis, através de um parlamento composto por
representantes da burguesia e como lançador da violência fisica para deter a ascensão
política da classe operária. A dominação exercida pelos proprietários dos meios de
57 Idem, ibdem.
39
produção se reflete na política quando o Estado se comporta de acordo com os ditames
dessa classe. A dominação econômica se transforma em dominação política.
o Estado concebido por Marx possuía um grau mínimo de intervenção na
esfera econômica. Ele não afirmou que a intervenção do Estado era inevitável. Ele apenas
funda a corrente de pensamento que adjetiva o Estado dessa maneira. Foram os marxistas
do século XX que chamaram a atenção para o caráter inevitável da intervenção estatal na
economia. As contribuições de Clauss Offe e Joaquim Hirsch à crítica marxista dos
postulados liberais merece destaque em função da ampliação da abrangência, que ambos
realizam, do adjetivo inevitável.
Esta concepção de Estado inevitável é uma crítica direta à afimlação liberal
e mistificada de que o Estado favoreceria o bem comum. Também desmistifica a afirmação
de que da inexistência de controles sobre propriedade e proprietários resulta a
prosperidade econônlica. A emergência dos conflitos entre burgueses e proletários tornam
a presença do Estado inevitável. Nesse caso o Estado não defende o bem comnm, expresso
na prosperidade geral da comunidade, mas o bem e os interesses de uma classe em
parti cular.
Em Offe58 e Hirsch59 o Estado aumenta a sua presença intervindo no mundo
da economia administrando as crises do capitalismo. Este novo Estado capitalista se
diferencia do estado liberal no ponto em que diferentemente daquele ele intervém no
processo de acumulação para impedir o colapso do capitalismo.
o Estado opera para reproduzir a ordem capitalista atuando com uma certa
margem de autonomia em relação aos conflitos de classe. Existem porém limites superiores
e inferiores à sua ação. Esses limites são dados pela necessidade de manter a acumulação
58 0FFE. C. Sa'uclural Prohlems or The Caoilalisl Stale: C/a" Rule and lhe PQlilical Syslem. On lhe Se/ecliveness q( Polilical Inslillllions. Germau Polilical Sludies. Bever/y HiIIs: California . Sage Publications, 1974 59 HIRSCH . .J. The Slale and CaPila!- A Marxis' Debate. The Slate Apparalus and Social Reproduclion: E/ements of a TheOly ofthe Bourgeois State. V. Hollway & Picciolto, 1978.
40
capitalista, ao mesmo tempo em que assegura a legitimidade de sua autoridade e a de seus
mandatos.
o primeiro limite é dado pelos interesses dos agentes estatais. Os burocratas,
funcionários e todos os que diretamente pertencem ao aparelho estatal dependem da
acumulação privada para a sua sobrevivência. Eles têm interesse em manter a ordem
capitalista pois, apenas por meio da tributação dos salários e dos lucros podem manter seus
empregos. O orçamento estatal depende basicamente da ordem capitalista. Esse
constrangimento é poderoso sobre os interesses da burocracia estatal no que se refere à
manutenção a ordem econômica capitalista. Em que pese não estarem diretamente
vinculados ao setor privado, os agentes do aparelho do Estado dependem dele para
sobreviver.
O segundo limite da ação do Estado diz respeito à administração dos
conflitos entre os setores da produção capitalista. É vedado ao Estado ordenar ou controlar
a produção, não podendo iniciar a produção cumulativa nem sustentá-la nas unidades
privadas de produção. O Estado opera como o " capitalista ideal " , não interfeóndo nem no
início nem no fim da acumulação dos diferentes setores da iniciativa privada. Isso evita a
deflagração de conflitos entre as frações da classe capitalista.
O terceiro limite à ação do Estado é dado pelo mandato que ele possui para
sustentar ou criar as condições da acumulação. Ao Estado é permitido favorecer a
acumulação capitalista. Pode interferir no mercado quando surgirem situações ameaçadoras
ao equilíbóo da ordem capitalista, abrindo dessa forma espaço para a intervenção estatal
nas atividades produtivas. Ele pode, e deve, controlar a propriedade sob pena de,
acontecendo o inverso, a economia capitalista ser colocada em xeque pelas cóses inerentes
e geradas pelo mercado. Este ponto é uma crítica feroz à tese do mercado auto-regulável.
O Estado é mantido afastado do mercado enquanto esse for capaz de
fornecer as condições ótimas para a acumulação capitalista. Quando isso deixa de ocorrer a
4 1
intervenção do Estado na economia se torna a estratégia dominante da classe capitalista
curvando o credo liberal frente às ameaças à ordem capitalista.
o quarto e último limite à ação do Estado está relacionada com a
legitimidade da sua autoridade. Esta limitação mostra a incongru ência entre ser e parecer.
O Estado assegura a reprodução do modo de produção capitalista, porém ele não pode
parecer fazer isso. Ele utiliza símbolos e estratégias que escamoteiam e escondem a sua
natureza de classe. Esta situação leva à necessidade de apelar para as instituições da
democracia liberal. O Estado passa a calcar a sua legitimidade na idéia de cidadão, na
ampliação do voto, na regra da maioria e assim por diante. Sua autoridade deve se
fundamentar, ou pelo menos parecer emanar, dos interesses da maioria dos indivíduos. Ao
mesmo tempo o Estado deve garantir a ordem capitalista para satisfazer os interesses da
minoria, representada pelos proprietários.
J oaquim Hirsch conclui que é inevitável a intervenção do Estado no
mercado partindo de uma premissa diferente. Ele parte da apresentação das contradições da
sociedade capitalista feita por Karl Marx em O Capital e deriva a forma do Estado
capitalista. Por essa linh a de pensamento o que molda a ação do Estado é a tendência
decrescente da taxa de lucro. Essa tendência é considerada a manifestação fundamental das
contradições de classes do modo de produção capitalista.
Diante desse cenário, o Estado tem que desenvolver medidas que se
contraponham à taxa decrescente de lucro. Se o Estado for omisso o lucro tende a diminuir
e colocar em risco a ordem econômica. A primeira intervenção do Estado para reverter e
tendência decrescente de lucro possibilitou o desenvolvimento de uma classe dependente
do processo de acumulação, tal como determinado pela classe burguesa: o proletariado. A
segunda intervenção provocou a centralização e a monopolização do capital. Este requisito
foi fundamental para a expansão das fronteiras do mundo capitalista. A terceira e última
intervenção foi a utilização de investimentos estatais na revolução tecnológica contra ao
decréscimo da tax a de lucro através da revolução dos métodos de fabricação.
42
2.1.3 O Estado no Brasil Contemporâneo
Pode-se utilizar a terminologia de Dahl60 para examinar o Estado no Brasil
contemporâneo definindo-o como uma hegemonia fechada com níveis mínimos de
liberalização e participação. As oito condições da poliarquia estiveram presentes de forma
muito limitada. Até mesmo o experimento democrático do período compreendido entre
1 946 e 1 964 apontou sérias restrições à democracia. Essas restrições se apresentaram no
controle sobre os sindicatos, sobre a legislação partidária e em manifestações populistas.
Tanto os direitos contra o Estado como os direitos de participação no Estado foram
severamente restringidos durante esse período.
Durante o regime militar a legislação criou um sistema bipartidário, somado
à centralização administrativa, e à diminuição das prerrogativas dos legislativos, federal,
estadual e municipal. A escolha dos governantes tomou-se uma disputa entre elites: de um
lado, os defensores do regime, de outro, a oposição consentida. Se for lembrada a teoria
democrática do controle de poder, já presente na obra de Mill e radicalizada por Rousseau,
pode-se afirmar que não houve, a rigor, controle democrático das políticas governamentais.
Os governos não prestavam contas ao eleitorado, e portanto, não tinham responsabilidade
perante o voto. É sob esse cenário que se dá o crescimento do Estado brasileiro.
O controle sobre a propriedade no Brasil não foi determinado por um pacto
entre setores operários e capitalistas, mas como resultado da exclusão dos primeiros do
jogo político. Nesse jogo a coalizão entre tecnoburocracia e empresários definiu o perfil e
as características do controle sobre a propriedade. Neste sentido, pode-se afirmar que o
controle sobre a propriedade favoreceu aos proprietários.
A expansão do setor público no Brasil teve início durante o chamado Estado
Novo. Este também pode ser considerado o início do Estado em sua forma contemporânea.
Esse processo de expansão foi incrementado durante o período do regime militar, e pode
ser constatada nas mais diversas áreas de atuação do Estado. A expansão deu-se em
60 DAHL, R. Op. cito
43
diversas frentes: no aumento da capacidade do Estado de arrecadar recursos da sociedade;
no campo regulatório, quando passou a regular amplos setores da economia, além de
fornecer serviços sociais básicos como educação e saúde; no aumento da intervenção no
setor produtivo. Atuou como fornecedor de bens e insumos, tentando alavancar o progresso
através da ampliação dos seus gastos onde, em tese, a iniciativa privada não podia ou não
queria atuar.
2.1.3.1 Aumento da capacidade de arrecadação
A capacidade arrecadadora do Estado foi ampliada, principalmente após a
ano de 1 964. A União reverteu a tendência decrescente da arrecadação a partir da segunda
metade dos anos 60. O Estado passou a se apossar de parte significativa de recursos extra
orçamentários que tinham três origens diferentes: os fundos sociais (FGTS, PIS - PASEP),
a colocação no mercado financeiro de títulos da dívida pública (ORTN e LTN) e recursos
gerados pela exportação de produtos agrícolas e receita de jogos de azar (Loteria Esportiva
e Loteria Federal)61 .
A arrecadação somada dos fundos sociais atingiu em 1974, 90 % da
arrecadação do imposto de renda e 24 % do orçamento geral do governo federal. Além
disso a arrecadação do FGTS cresceu 165 % em termos reais no período entre 1 968 e J 974.
Os títulos da dívida pública tinham por objetivo inicial apenas cobrir os déficits
orçamentários. Estes títulos passaram a ser emitidos em um volume muito maior com o
intuito de financiar os gastos do governo com receita não tributária.
Merece destaque outra característica da forma de arrecadação do governo: o
aumento da regressividade da estrutura tributária. Nem mesmo os impostos diretos
seguiram o caráter progressivo.
6 1 MARTINS, LUCIANO. Estado Capj!qli'ta e Burocraciq no Brasil pÓs - 64. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985, p. 46.
44
Por fim, o caráter centralizador do governo federal se fez refletir na
distribuição das receitas. A maior parte da arrecadação nacional ficava com a União. Entre
1 960 e 1 976 essa fatia cresceu de 49,5 % para 59,7 %. Entre 1 960 e 1 974 as receitas da
União cresceram, em termos reais, mais de quatro vezes62 . É importante notar que a
centralização de recursos na esfera federal se deu em prejuízo de estados e municípios.
2.1.3.2 Aumento da capacidade regulatória
A expansão do Estado também se deu no sentido de aumentar o seu poder
regulatório sobre as atividades econômicas. O caminho escolhido foi o da criação de
conselhos regulatórios, principalmente durante os governos militares. Por exemplo, no
governo Kubitschek foram criados dois conselhos regulatórios, três durante o governo
Goulart , onze no governo Castelo Branco , vinte nos governos Costa e Silva e Médici e
dezoito conselhos durante o Governo Figueired063 . Esses dados revelam que na esfera do
Executivo o Estado passou a regular de forma mais ampla as atividades econômicas, o
mercado e a propriedade.
Guimarães e Vianna apresentam o exemplo bem significativo de dois
conselhos regulatórios que tiveram papel fundamental na definição das políticas
econômicas nos governos Médici e Geisel: o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o
Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE)64.
No plano político houve a regulação da competição eleitoral, a limitação da
participação política com as diminuições das prerrogativas do Congresso e a inexistência
de eleições diretas para presidente. Esses fatores limitaram tremendamente o acesso às
decisões centrais e às políticas e diretrizes governamentais. Essa forma de ampliação da
62 DINIZ, ELI ; LIMA JR., aLA va BRAS1L DE Modernização AutoritáriQ' a Empresariado e a intervenção do Estado na &onomiq. Brasília: lPEA /CEPAL, /986, p. 36 63 Dados apresentados no programa "Cqminhos da Modernidade " em 07 de maio de /992, Rio de Janeiro, TVE. 64 Idem, ibdem.
45
atuação do Estado combinada com o autoritarismo do regIme militar provocou dois
fenômenos importantes: o fortalecimento da tecnoburocracia e a privatização do Estad065 .
Esses são explicados pelo conceito de anéis burocráticos66 .
Na opinião de Cardos067 , os Estados autoritários são caracterizados pelo
fortalecimento do poder burocrático e tecnocrático em prejuízo dos partidos políticos. A
relação entre Estado e Sociedade assume uma forma diferente daquela que marca os
regimes democráticos. Em regimes democráticos, os partidos políticos, o voto universal, o
sistema representativo, a forma federativa e outras instituições similares constituem meio
de ligação entre Estado e Sociedade. Em regimes autoritários, a intermediação de interesses
entre Estado e a Sociedade é feita através de anéis burocráticos.
Anéis burocráticos são definidos como círculos de informação e pressão que
se constituem como mecanismos que permitem a articulação entre setores do Estado e
setores das classes sociais68 . No caso de regimes burocráticos e autoritários da América
Latina, nos anos 60 e 70, esses anéis privilegiaram a articulação entre a grande empresa
privada e a burocracia pública. Normalmente a composição de um anel burocrático é dada
por um interesse específico, isto é, ele une, de forma não permanente, um círculo de
interessados em questões específicas. Os anéis burocráticos favoreceram um padrão
fragmentado de tomada de decisões. A cada diferente questão em pauta correspondia uma
diferente articulação entre burocracia pública e privada.
Segundo Guimarães e Vianna69 a análise das atuações do CMN e do CDE
revelou a grande importância assumida pelo Estado na regulamentação das atividades
econômicas. Além disso mostrou que esses Conselhos privilegiavam o acesso de
determinados setores empresariais às principais decisões de ordem econômica, sobretudo
65 GUIMARÃES. CÉSAR; VIANNA, MARIA LUCIA T. w: Planejamento e Centralizacão decisÓria' o Conselho Monetário Ngcional e Q Conselho de Desenvolvimento EconÔmico em L/MA .IR. Op. cito 66 CARDOSO, FERNANDO HENRIQUE. Autoritarismo e Democratizacão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. 67 CARDOSO, FERNANDO HENRIQUE. Op. cit. 68 Idem, ibdem. 69 GUlMARA
-ES, CÉSAR; VIANNA, MARIA LUCIA T. w: Op. cit.
46
em um sistema político que excluía amplos setores do acesso ao Estado. A tecnoburocracia
gozou de considerável grau de liberdade, em função da inexistência de canais de
representação de interesses organizados do setor empresarial. Os setores privados não
foram capazes de formular políticas globais e, se tivessem conseguido, teriam que
constituir canais de representação que pudessem viabilizar a implementação dessas
supostas políticas.
Os anéis burocráticos, pelo contrário, favoreceram um padrão de demandas
e respostas fragmentado, cujo formato funcionou enquanto a conjuntura foi favorável. O
desenvolvimento econômico e os fluxos de capital resultaram em um jogo de soma
positiva7o . Esse jogo possibilitou a adequação entre interesses privados e os da burocracia
pública e privada.
2.1.3.3 Aumento da intervenção no setor produtivo
A intervenção estatal não ficou limitada apenas às atividades regulatórias. O
Estado passou a ter uma presença muito marcante também no processo produtivo. Até a
implantação do regime militar, haviam sido criadas apenas três subsidiárias de empresas
estatais. Após a implantação do regime militar foram criadas cerca de duzentas novas
subsidiárias. Até 1 949 o governo contava com 34 empresas controladas; entre 1 950 e 1 959
foram criadas 1 5 empresas federais e 49 empresas estaduais; entre 1960 e 1 969 foram
criadas respectivamente 39 e 175 tendo o auge acontecido entre 1 970 e 1976, quando
foram criadas 70 novas empresas federais e 60 novas empresas estaduais. É interessante
observar que cerca de 60 % das empresas controladas criadas pelo governo no período
compreendido entre 1 966 e 1 975 pertenciam à Companhia Vale do Rio Doce e à
Petrobrás71 .
70 O jogo de soma positiva permite que as questões em disputa sejam consideradas de natureza distributiva tal como definida por Lowi. Lowi, Theodore J., " American Business, Public Policy, Case Studies and Political Theory " , World Politics, 16, jul. 1964, p. 677 - 715.
71 ABRANCHES, SÉRGIO. As Origens da Crise Estada Autoritarismo e Plan�;amento no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987.
47
A análise dos dados para o período compreendido entre 1939 e 1 983,
referentes a criação de empresas controladas pelo governo 72 permite afirmar que a
expansão do Estado foi bem mais intensa durante a "hegemonia fechada " do que durante o
período de relativa democracia política entre 1945 e 1 964. O Estado aumentou de maneira
significativa a sua capacidade de intervenção no domínio econômico. Através da regulação
e da utilização de empresas estatais como instrumentos de política macroeconômica o
Estado passou a dispor de crescente poder de controle sobre o mercado.
O segmento produtivo estatal da economia foi constituído tendo por base os
setores de mineração, siderúrgico, petrolífero e elétrico. As empresas desses setores eram
as mais importantes sob o ponto de vista do tamanho das organizações. Foi o crescimento
dessas empresas causa principal do aumento do setor empresarial do Estado durante os
governos militares.
Foi previsto, quando da organização dessas empresas, ngoroso controle
ministerial sobre as suas atividades. A despeito de todo o aparato de controle, na prática as
empresas passaram a ter uma autonomia desproporcional à que inicialmente estava
prevista. Seu leque de atuação em muito ultrapassou suas áreas originais de influência.
Essa incapacidade de tomar realidade as previsões dos seus estatutos
constitutivos pode ser explicada pelo fato de muitas das empresas terem assumido maior
importância do que os órgãos incumbidos de sua supervisão. Os ministérios e demais
instâncias governamentais diretamente ligadas ao Poder Executivo estiveram sempre
menos aparelhadas tecnicamente que os quadros administrativos das empresas. Os órgãos
de controle foram incapazes de avaliar o mérito e a necessidade da atuação das empresas
em áreas não diretamente relacionadas às metas estipuladas quando da criação.
Um fator muito importante relacionado às empresas estatais é o seu caráter
de ilhas de racionalidade. Nesse ponto elas guardam notável semelhança com as agências
72 DINIZ,ELI ; LIMA JR. Op. cito
48
regulatórias. No entanto, esta "semelhança" de atitude inviabiliza a proposta inicial de
controle.
o aumento da presença do Estado na economia teve como premissa básica
que as empresas criadas representassem ilhas de racionalidade dentro da burocracia
tradicional. Uma das conseqüências dessa racionalidade foi o surgimento da figura do
executivo de Estado e das chamadas burocracias insulares73 •
2.1.3.4 Relacionamento entre o Estado e a Sociedade: insulamento
burocrático e autoritarismo militar
Nunes identifica quatro tipos de definições para as relações Estado -
sociedade no BrasiJ74 . A intermediação dos interesses entre a sociedade e o Estado pode
ser pautada pelo universalismo de procedimentos, pelo clientelismo, pelo corporativismo e
pelo insulamento burocrático. Nesta seção será feita a descrição do quarto tipo.
o insulamento burocrático é uma estratégia que se baseia na criação de ilhas
de racionalidade e especialização técnica. A burocracia insulada, composta por burocratas e
técnicos selecionados por procedimentos impessoais, funciona de forma a evitar que os
formuladores de políticas e decisões fiquem sob influência das pressões partidárias e
particularidades do jogo político 75 . As raízes desse formato institucional foram lançadas
nas décadas de 30 e 40 , desenvolvendo-se nos anos 50. Assumiu importância considerável
durante os governos militares. São exemplos de burocracias insuladas a Comissão Nacional
de Energia Nuclear (CNEN), a Superintendência da Moeda e Crédito (SUMOC), o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco Central (BC) e
muitas outras afins incluindo as holdings do setor de energia elétrica.
73 MARTINS, LUCIANO. Op. cito
74 NUNES, EDSON DE OLIVEIRA. Tipos de Çqpitalismo Instituições e Acão Social- notas para uma sociologiq polÚieq do Brasil contemporâneo, Dados, vai. 28, rf 03, 1985. 75 NUNES, EDSON DE OLIVEIRA .. GEDDES, BÁRBARA DiJemmas Qi State - Led Modemization in lJJ:I:mL Série lestudos, rf 39,julho, 1985, Op. cito
49
o ponto fundamental dessas ilhas de racionalidade é que elas legitimam suas
decisões e as políticas implementadas por critérios técnicos, ao mesmo tempo em que
tentam afastar qualquer legitimidade baseada no conflito e no consenso inerentes ao mundo
da política.
Pode-se argumentar que as ilhas de racionalidade não estão totalmente livres
de influências externas. Em que pese a busca constante da maximização da eficiência e do
saber técnico nas tomadas de decisões, existe um fluxo constante e intenso de recursos e
informação entre as agências insuladas e o ambiente no qual elas estão inseridas 76 . Este
processo é explicado pela teorização das coalizões externas, feita por Mintzberg77 ao
estudar o fenômeno do poder nas organizações.
Cabe ressaltar que faz parte da natureza da burocracia insulada manter-se
distante das injunções da política partidária. Isso ocorre em cenários democráticos ou
autoritários, sendo que, no segundo caso, o custo do afastamento em relação ao jogo
partidário é bem mais baixo. Nesse ponto a noção de anéis burocráticos é muito útil. Esses
anéis passam a ser o caminho por excelência dos fluxos de informações e recursos entre a
burocracia insulada e o ambiente externo. A "coalizão" predominante é a da burocracia
pública com a grande empresa privada.
Durante o regIme autoritário a proliferação das empresas estatais foi
acompanhada pela ampliação das agências insuladas. A administração pública no formato
empresarial é a realização da racionalidade técnica como meio para atingir os fins
definidos. Mais do que isso, reconhece-se o conhecimento técnico, e não o jogo de
interesses e valores, como o recurso mais eficiente na escolha dos fins a serem alcançados.
Esta orientação do crescimento do Estado não se deu sem que fosse criada uma ideologia
tecnocrática que esteve sempre presente, principalmente durante o regime militar. A
burocracia insulada, em conjunto com falta de liberdade e participação política, favoreceu
de forma contundente a privatização do Estado. Nesse cenário autoritário, dada a natureza
76 Idem, ibdem. 77 MINTZBERG, HENRY. Power in and Around Orf![Jnizations. Prentice Hall lnc. 1983.
50
do processo decisório, eminentemente técnico e sem sujeição ao controle público, as
burocracias insulares ficaram distantes de qualquer tipo de fiscalização pública.
o regime militar ampliou o processo de privatização do Estado, ao permitir
a proliferação de agências regulatórias e de empresas estatais e ao reforçar a ideologia
anti partidária, presente desde o Estado Novo. O argumento mais perverso desse reforço foi
o de que o Congresso seria empecilho à eficiência. Em decorrência desse argumento o
Poder Executivo passou a ocupar cada vez mais as funções do Poder Legislativo, através de
órgãos paralegislativos 78 .
Na verdade o regime militar tomou mais grave o problema da privatização
do Estado e da incapacidade de construção de uma administração estatal sob domínio
público. A multiplicação descontrolada das agências regulatórias e empresas estatais
tomou-se sinônimo de ampliação das áreas de administração estatal fora do controle dos
partidos, do Congresso e da sociedade organizada. Em nome da racionalidade técnica, a
burocracia ampliou-se de forma considerável livre de responsabilidade perante os cidadãos.
Este foi o legado administrativo dos governos militares.
Pelo exposto vemos que os postulados do liberalismo econômico foram,
juntamente com os do liberalismo político, abandonados. O que se viu foi mais Estado e
menos mercado. Na área social, porém, aconteceu o inverso. Em conseqüência do processo
de privatização do Estado os recursos públicos que deveriam ir para a área social serviram
para beneficiar parte da burocracia estatal, notadamente os tecnocratas, e para construir
imensos impérios empresariais deixados no rastro dos governos do regime militar. Foi
forjado no Brasil um alto grau de concentração de renda, de desproteção trabalhista e social
e de carências profundas nas áreas de serviços sociais básicos. Tudo isso denota o
abandono da área social por parte do Estado.
Vale dizer que esta ausência tomou o Estado paradoxalmente presente na
constituição de um cenário de profunda desigualdade e desproteção, no qual o mercado
78 SANTOS, WANDERLEYGUlLHERME DOS. Legislando Dor Decreto. Mimeo, IUPERJ, /972
5 1
vale para os excluídos do jogo político e o Estado para salvaguardar os interesses daqueles
que a ele possuem acesso privilegiado. Esta situação pode ser vista como uma quase
perfeita mimetização da lei de dupla moral proposta por Roberto OaMatta79 para explicar a
sociedade brasileira : aos amigos tudo, aos inimigos a lei. Pode-se então parafraseá-la da
seguinte forma: aos amigos o Estado, aos inimigos o mercado.
2.1.4 Diagnóstico da Crise
A reestruturação do setor público no ocidente precisa levar em conta duas
questões importantes. A primeira é definir o grau desej ável de autonomia de gestão da
máquina pública. A segunda é como administrar as novas formas de ressegmentação e
flexibilização do trabalho em um ambiente econômico globalizado e competitivo.
o status quo vigente até a década de 70 pode ser representado pela idéia da
existência de um pacto implícito entre Estado, capital e trabalho. Esse pacto foi a resposta
encontrada pelo ocidente para o conflito entre a autonomia dos agentes privados, essencial
para a eficiência microeconômica, os objetivos mais gerais do Estado e os interesses dos
trabalhadores. O pacto resultou na criação do chamado Estado de bem estar fordista.8o .
O estabelecimento do pacto fordista81 criou condições adequadas para o
crescimento econômico e estabilidade política do pós-guerra. Ele pode ser considerado
como um complemento do pacto keynesiano entre proprietários e trabalhadores.
A base estrutural do pacto eram a produção, o consumo de massa e o
crescimento econômico contínuo combinados. As suas forças dinamizadoras eram a
economia de escala e a integração de mercados regionais. Essa composição possibilitou a
79 DaMA ITA. ROBERTO. A Casa e a Rua. ESDaCQ cidadania mulher e morle no Brasil. Rio de Janeiro, 4ª edição, Editora Guanabara Koogan S. A., 1991. 80 BOYER, ROBERT Teoria da Regulacão' uma análise critica Poria Alegre, Nobel, 1989; HAR VEY, D. A condicão da pÓ, modernidade. São Paulo, Global, 1992; AGLlEITA, M. A Iheory Q(caritaU,m regu/atiou' London, McMilIan, /979. 81 HAR VEY, D. Op. cil.
52
paz entre capital e trabalho e deu sustentação à coexistência da democracia junto com o
capitalismo. Como Souza e Silva diz:
" O pacto era representado pela articulação entre as
grandes corporações oligopolistas e os sindicatos de porte nacional.
Ao mesmo tempo e sob essas influências, a sociedade se organizou
em uma sociedade de massa integrada pelas expectativas de
consumo. Cimentando essa articulação, o "Estado fordista",
apoiado em governos de cunho social-democrata, desenvolvia
políticas keynesianas de sustentação da demanda agregada nacional
e políticas de welfare state de âmbito geral, de cunho universalista
que integravam os trabalhadores. Dentro desse contexto o Estado
assumia, na maior parte dos casos, a responsabilidade pelos grandes
investimentos em infra-estrutura e geria diretamente grande parte
dos serviços públicos a ele associados. A gestão estatal nos vários
países desenvolvidos no pós-guerra se estruturou, para realizar
essas diversas tarefas estruturadoras que constituíam o papel do
Estado , na aliança fordista"82 .
Durante a década de 70 uma série de problemas encadeados começou a
inviabilizar o arranjo vigente. A necessidade de amortizar recursos aplicados em
tecnologias ultrapassadas, o aumento do estoque de novas tecnologias, a queda de
produtividade, a crise do petróleo e a impossibilidade da manutenção do bem estar
começaram a minar o status quo vigente.
Havia nas economias desenvolvidas grande quantidade de recursos
aplicados em processos tecnológicos obsoletos e que necessitavam ser amortizados. Com o
surgimento de um grande estoque de novas tecnologias foi alterada a relação entre capital e
trabalho existente. Essa alteração foi provocada porque foram alterados a natureza e o
82 SOUZA E SILVA, C. E Autonomia de gestão e concorrência: em busca de novas formas de gestão do setor público em um contexto pÓs-fordista. Revista de Administracão Pública. Fundação Getúlio Vargas, Rio dejaneiro, 28(3),p. 211 - 228, jul./set. 1994.
53
carãter dos processos de trabalho e fabricação. A base das novas tecnologias estava
associada ao desenvolvimento da microeletrônica, da automação flexível e da robotização.
A queda da produtividade estava associada ao uso de tecnologias antigas
porém ainda dominantes na indústria. Quando foi deflagrada a crise do petróleo, o aumento
dos preços das matérias primas, aliada ao alto grau de protecionismo adotado de forma
geral, trouxe a recessão e a conseqüente queda na rentabilidade dos ativos.
A recessão aumentou a ociosidade dos fatores de produção (mão-de-obra e
capitais) e provocou uma crise fiscal generalizada nos Estados ocidentais. A crise fiscal
ocorreu como conseqüência da combinação entre queda da arrecadação e aumento de
gastos. A queda da arrecadação foi provocada pela diminuição da atividade econômica; o
aumento dos gastos foi ocasionado pela maior demanda pelos programas sociais, devido ao
desemprego.
Essa conjuntura inviabilizou o paradigma fordista de organização da
produção. O pacto, responsável por décadas de estabilidade política e desenvolvimento
econômico, teve que ser quebrado. O estopim do processo de rompimento do pacto foi a
crise do petróleo deflagrada no início dos anos 70 que precipitou uma série de mudanças
econômicas e sociais.
A legitimação política começou a surgir nos anos 80, quando os eleitores,
descrentes das formas social-democratas de governo passaram a favorecer as alternativas
políticas influenciadas pelo liberalismo. As soluções apresentadas buscavam maior
eficiência dos mecanismos de regulação estatal, a retirada estratégica do Estado das áreas
de produção econômica e até mesmo da prestação direta de serviços públicos.
A crise do pacto fordista deu início a vários processos de transformação
importantes. Harvey relaciona estes processos a um novo modo de acumulação chamado
modo de regulação flexíve/83 • Alvin Tomer, vendo o deslanche de uma nova Revolução
83 HAR VEY, D. Op. cil
54
Industrial, com o amadurecimento das tecnologias de microinformática, telecomunicações
e etc., vislumbrou a terceira onda. Houve um surto de aumento da produtividade industrial
provocado por inovações tecnológicas que serviu de base para mudanças e transformações
econômicas e sociais.
As estruturas de regulação fordistas foram flexibilizadas tanto em relação ao
capital quanto à integração de mão-de-obra e padrões de consumo. Uma das conseqüências
foi a despadronização progressiva do trabalho e a ressegmentação das estruturas temporais,
espaciais e sociais da organização da produçã084 .
A reação do capital à quebra do pacto foi a mudança de sua lógica de
atuação. Foi iniciado processo de criação de grandes oligopólios através de um forte
movimento de fusões e aquisições. Esse período presenciou o surgimento dos grandes
conglomerados de abrangência global.
A lógica adotada ditava que deveria surgir em cada país um mercado
nacional dinâmico, fortemente competitivo, composto de unidades de pequeno e médio
porte e integradas aos grandes conglomerados. Esta integração se daria através de
processos de terceirização e montagem de redes de fornecedores exclusivos. Como
corolário surgiriam a maximização da produtividade e a competitividade global. Este
cenário pode ser entendido como o embrião do atual conceito de globalização.
Do lado do trabalho houve a segmentação que flexibilizou para baixo o
mercado de trabalho. Houve a separação definitiva de uma elite dos trabalhadores
constituída pelo núcleo da mão-de-obra das grandes corporações transnacionais. Para essa
elite as vantagens e a estabilidade obtidas pelo fordismo permaneceram. Para a maioria dos
outros trabalhadores a flexibilidade, o trabalho temporário e a informalidade tomaram-se a
regra.
84 SOUZA E SILVA, C. E. Op. cit
55
As identidades sociais baseadas na oposição do capital ao trabalho foram
subvertidas. Isso ocorreu devido ao aumento do número de pequenos empresários e
profissionais autônomos, resultantes da generalização dos processos de terceirização.
Saíram fortalecidas identidades e valores baseados em padrões de consumo e estilos de
vida cada vez menos associados à esfera produtiva. A segmentação da produção refletiu-se
nos padrões de consumo tornando-os cada vez mais diferenciados. Como resultado houve o
enfraquecimento dos atores políticos que organizavam as identidades sociais de base
trabalhista e favoreceram o surgimento de múltiplos atores cuja identidade se organizou em
torno dessa nova realidade.
Nesse ponto começou a ser feita a substituição do cidadão/trabalhador pelo
cliente/cidadão. O cidadão / trabalhador encara o Estado apenas como um mecanismo de
intermediação para obtenção de beneficios compensatórios do capital e ganhos reais de
salários, através de impostos ou processos de intermediação. Já o cliente!cidadão entende o
Estado como um prestador de serviços comprometido com critérios de qualidade e
atendimento associados aos serviços que presta. Na opinião desse cliente!cidadão o Estado
deve ser um parceiro privilegiado do capital no novo pacto que se desenha. Essa idéia de
cliente!cidadão, mais tarde associada ao conceito de cidadão!consumidor serviu para
compor a base de um novo modo de regulação capitalista85 .
Praticamente todos os países ocidentais tentaram consolidar esse novo
pacto. Foram utilizadas políticas nas quais as demandas dos sindicatos estiveram
relativamente marginalizadas em relação às dos movimentos ligados a padrões de vida e de
defesa do consumidor (ou daquilo que os consumidores intrinsecamente segmentados têm
em comum). Um exemplo típico é a importância que o movimento ecológico ganhou em
relação às demandas sindicais, que normalmente têm passado em branco.
Os Estados se viram obrigados a mudar a forma de atuar para acompanhar
esse processo de mudança .. Foi necessário enfatizar a eficiência no atendimento das
necessidades de regulação de serviços prestados aos clientes!cidadão.l'. Foram criados
85 Idem, ibdem.
56
incentivos e programas de flexibilização da gestão pública para tomar a máquina
administrativa mais barata, ágil e receptiva à inovação gerencial e à autonomia
administrativa. Começou a ser discutida a fronteira público/privado para prestação de
serviços. Por fim, foram feitas parcerias, terceirizações, privatizações e melhor utilização
da poupança disponivel e da capacidade de gestão privada.
o desenvolvimento de uma consciência de custo/beneficio da ação do
Estado pelos agentes sociais e políticos é relativamente recente. Essa consciência é um
marco no processo de repensar e reestruturar o estado e seu papel social, político e
econômico.
A intensificação da competição internacional e a globalização do mercados
ocorridos na última década fizeram com que a ação estatal fosse encarada pelos atores
políticos como um fator de produção (ao fornecer infra-estrutura e serviços) e como um
custo (impostos) que devem contribuir positivamente para viabilizar a competitividade
internacional de cada país.
Em função dessa nova conjuntura externa a reestruturação do setor público
no ocidente tem sido feita levando em conta duas questões importantes. A primeira questão
é a definição do grau desejável de autonomia de gestão da máquina pública. A segunda é a
administração das novas formas de ressegmentação e flexibilização do trabalho em um
ambiente econômico globalizado e competitivo. Essa reestruturação fez com que vários
países desenvolvidos empreendessem verdadeiras revoluções nas fOrrOas de gestão do setor
público. O trade of! entre autonomia do agente implementador, essencial à eficiência
microeconômica, e os objetivos mais gerais do Estado é a questão principal desse processo
de reestruturação. Três estados nacionais têm passado por experiências de reestruturação
que diferem entre si mas ilustram com propriedade os dilemas que o estabelecimento de
um novo pacto regulatório provocam: Inglaterra, França e Itália.
A Inglaterra tem uma longa tradição liberal. Talvez por isso tenha entendido
que a crise do pacto fordista era associada à crise da intervenção direta do Estado. Talvez
57
por essa razão, os ingleses tenham optado por um caminho liberal radical . Nesse caminho a
natureza estatal da propriedade e a eficiência microeconômica são irreconciliáveis86 •
o Estado inglês transferiu o problema da gestão das atividades geralmente
associadas ao setor estatal para o mercado. O objetivo central dos ingleses era transferir
tudo que fosse possível ao setor privado, pois o mercado e a competição seriam os únicos
elementos capazes de incentivar a eficácia. O controle estatal permaneceu apenas com a
função de regulação do mercado.
Essa reestruturação estatal na Inglaterra, sob a forma de uma privatização
radical e generalizada, foi mais intensa durante o segundo governo de Margareth Thatcher
e teve algumas características importantes. Houve o enfrentamento das organizações
sindicaís, a desregulamentação de mercados com o intuito de defender o
consumidorlcidadão e o incentivo à competição intercapitalista nos segmentos de pequeno
e médio capital.
Concomitantemente procurou-se não comprometer os interesses de
integração industrial das grandes corporações com alcance global. Elas foram preservadas
para tomar fôlego para a competição global que já se desenhava no horizonte.
A França, ao contrário da Inglaterra, tem longa tradição de intervenção
estatal. Nela o processo de reestruturação tomou a forma de reordenação da ação do Estado
e de seu modo de se relacionar com o cidadão 87 .
A filosofia da reestruturação do Estado na França descartou, logo de início,
a idéia de Estado mínimo. Ao invés disso foi buscada a eficiência da gestão, da eficácia da
ação e especialmente da efetividade das políticas que viabilizaram o pacto necessário a
regulação flexível. A reestruturação foi direcionada para obtenção de um Estado que
cumprisse a sua missão no pacto de regulação. O corolário dessa postura foi o atendimento
86 VEUANOWSKY, C. SeUinr; lhe S/a/e: pr;vatiza/ion ;n Br;tain. London, Weinfield and Nicolson, 1987. 87 SOUZA E SILVA, C. E. Op. ci/
58
das expectativas de um novo tipo de cidadão que tem a visão exigente do consumidor e que
se obriga a fazer análises efetivas dos custos da ação estatal seus efeitos sobre seu padrão
de vida.
Em termos de gestão, ficou evidente a aceitação da necessidade de
mmlmlzar a intervenção estatal nas empresas públicas, pelo princípio de economia de
recursos e pela necessidade imperativa de garantir a eficiência microeconômica das
organizações públicas8R • A importância desse fato residiu na necessidade de o Governo
francês ter instrumentos de avaliação de qualidade de gestão, avaliação de custos e
satisfação dos usuários nas empresas públicas.
Os mecanismos de avaliação foram congruentes com a forma flexível de
organização estatal. Os instrumentos de gestão utilizados nessa opção francesa de
reestruturação do Estado foram o contrato de gestão e a autonomia empresarial. O maior
desafio foi equacionar a relação acionista / (Estado) gestor, expressa nos contratos e na
avaliação de descmpenho, e os incentivos à gestão contidos no cerne dessa relação.
Nos segmentos competitivos do mercado não houve nenhuma ação
reestruturadora da parte do Estado. Nesses mercados já havia forte ação integradora entre o
Estado e as grandes corporaçõesR9 •
Com relação à globalização, o Estado francês coordenou as ações das
grandes corporações francesas para o aumento da competitividade global. O planejamento
econômico deu lugar a formas mais sutis de interferência. Essa interferência traduziu-se em
incentivos para concentração de capital (fusões e aquisições), desenvolvimento
tecnológico, favorecimento do comércio exterior e mobilidade e mobilização de capital.
Nesse processo de reestruturação os grandes sindicatos foram
marginalizados. Essa marginalização, porém, foi muito menos violenta do que na
88 Idem, ibdem. 89 Idem, ibdem.
59
Inglaterra, e ocorreu muito mais como resultado de mudanças estruturais que
comprometeram a base representativa nacional desses sindicatos do que como resultado da
ação direta do Estado. Pode-se dizer que os sindicatos representativos dos funcionários
públicos, das empresas públicas e das associações profissionais são as mais fortes forças
trabalhistas que confrontam o Estado e resistem a suas transformações.
o processo ocorrido na Itália seguIU uma trajetória diferente. A Itália,
mesmo antes da crise do fordismo, já possuía características do modo de regulação flexível.
Este modo de regulação já era forte no segmento de pequenas e médias empresas.
Os atores privados obrigaram o Estado italiano a usar as suas holdings como
elemento integrador do pequeno e médio empresariado. Isso foi feito para criar condições
de economia de escala para o capitalismo de massa essencial ao desenvolvimento
fordista9o . Com a crise, esse instrumento de ação estatal se deteriorou e seu papel
integrador perdeu importância, passando a ser exercido pelas grandes corporações do setor
privado. Nesse cenário ganhou força a discussão sobre a privatização das holdings estatais.
A coordenação estratégica do grande capital para enfrentar o processo de
globalização foi muito semelhante ao utilizado pela França. O instrumento utilizado foi o
Sistema de Participação de Estatais (SPE). Esse sistema baseou-se na formação de joint
ventures entre empresas estatais e o capital privado em setores estratégicos. O arranjo
permitiu o desenvolvimento tecnológico, a conquista de novos mercados, e o aumento da
mobilidade do capital.
Essa solução, apesar de ter cumprido o seu papel, sofreu críticas por ser
muito dispendiosa. A despeito desses problemas, o SPE ficou tão associado à cultura
político-administrativa italiana que dificilmente poderia ser desativado. No máximo podem
ser feitas privatizações adaptativas.
90 Idem, ibdem.
60
Os sindicatos sofreram, por sua vez, um nítido enfraquecimento, mas nada
comparável ao que houve na Inglaterra ou na França. Já o conceito de cidadão/consumidor
não foi incorporado nem pelo Estado nem pelos cidadãos. Nesse sentido o Estado italiano
continua incapaz de definir o seu papel e, do ponto de vista daqueles que se vêem como
"consumidores", a equação de custo/beneficio da ação estatal é equilibrada por uma
sonegação de impostos generalizada.
Como essas mudanças afetaram os países periféricos? A inserção
subordinada no sistema capitalista internacional tem sido um importante condutor das
transformações dos países centrais para as sociedades e economias periféricas. Souza e
Silva afirma que o Brasil está caracterizado por:
" Uma forma particular de inserção periférica, num dado
modo de regulação central, no qual se desenvolvem, em nível de
regulação, características que correspondem às necessidades de
buscar uma estabilidade relativa do regime de acumulação vigente
no país, ainda que de forma subordinada à dinâmica da economia
internacional. Isso freqüentemente resulta na dificuldade
prolongada, e muitas vezes permanente, de encontrar formas
institucionais mais estáveis".
2.1.5 A crise no Brasil
Os reflexos da cnse no Brasil podem ser analisados por dois ângulos
distintos. O primeiro aborda a questão pelo lado da teoria da regulação, segundo a qual,
dentro de um contexto globalizado, a crise brasileira é conseqüência da crise do pacto pós
fordista. O segundo ângulo, complementar ao primeiro, afirma que a crise é o resultado do
esgotamento das possibilidades de um modelo de desenvolvimento que se tornou
anacrônico.
61
Enquanto no primeiro ângulo a abordagem é globalizante, no segundo são
mais focalizadas as peculiaridades decorrentes de políticas econômicas feitas desde a época
do Estado Novo no Brasil. Ambos se complementam ao tratar facetas distintas do mesmo
fenômeno.
2.1.5.1 A crise como conseqüência da crise do pacto pós -fordista
Souza e Silva afirma que não existe no Brasil um modelo de regulação
definido de forma clara como nos outros países ocidentais. Nos países desenvolvidos os
períodos de transição e vigência dos modelos de regulação foram claramente percebidos.
No Brasil, entretanto, a situação pode ser explicada como o resultado da vigência
íncompleta dos modos de regulação. A conseqüência mais visível desse fato é a impressão
de um contínuo, prolongado e interminável processo de transição.
As estruturas institucionais que tem como função estabilizar o regime de
acumulação não se cristalizaram. As premissas do pacto fordista foram estabelecidas no
Brasil de forma deturpada. Essa deturpação deu-se pela ínserção tardia do Brasil no
contexto internacional e pela exclusão do jogo de poder de diversos atores sociais.
Antes que a construção fordista estivesse estabelecida e os dilemas e
contradições inerentes a ela tivessem sido equacionados, o Brasil teve que enfrentar
desafios que nos países centrais foram enfrentados com uma conjuntura interna bem mais
favorável.
Dentro desse contexto, composições instáveis, contraditórias e segmentadas
viabilizaram-se temporariamente como coalizão vigente. Essas composições sustentaram
conjuntos de instituições que representavam modos de regulação incompletos. Esses
modos de regulação foram incapazes de estabilizar, dos pontos de vista político,
econômico e estrutural, as crises resultantes de nossa inserção tardia e periférica no regime
de acumulação internacional vigente.
62
Existe hoje no Brasil um projeto de regulação fordista abortado com
estruturas que jamais foram totalmente implantadas91 . Contraditoriamente ainda existem
anacronismos nunca suplantados. Eles formam um trinômio composto pelo cartorialismo,
corrupção e c1ientelism092 •
Como conseqüência de sua temporalidade tardia, esse projeto sofre
pressões internas e externas. As pressões geradas internamente são originadas na rigidez
burocrática, no forte corporativismo e na persistente crise fiscal. As pressões de origem
externa são as provenientes do discurso político da modernidade.
Para enfrentar os desafios da flexibilização do modo de regulação é
necessário aprender a produzir com qualidade, aumentar a produtividade da economia
como um todo e assimilar o surgimento de uma feroz e quase darwiniana competitividade
no comércio internacional.
Em termos de produção coexistem no Brasil estruturas de produção distintas
entre si. A primeira é tipicamente fordista. Com produção em massa, penetração no
mercado nacional e internacional é integrada por grandes empresas e redes de fornecedores
de menor porte. A segunda estrutura é composta por organizações arcaicas e setoriais.
As estruturas fordistas estão distribuídas pelo que poderia ser definido como
ilhas geográficas e setoriais. Apesar da maior dimensão geográfica do anacronismo, a
estrutura fordista é dominante93 .
o Brasil também apresenta uma situação ambígua em termos de consumo.
Existe um legião de excluídos cujo padrão dc renda corresponde ao nível de subsistência
convivendo ao lado de uma minoria que detém quase toda a renda disponível para o
consumo. Esse quadro inviabiliza o surgimento de um forte mercado consumidor, base da lógica do regime de acumulação fordista.
9\ SOUZA E SILVA, C. E. Op. cil 92 FAORO, R. Os 40mb! do poder. Poria Alegre, Globo, 1957. 93 SOUZA E SIL VA, C. E. Op. cil
63
A cultura do consumo disseminada pelos meios de comunicação e pelo
efeito demonstração faz com que, mesmo entre os excluídos, sejam aceitos os padrões de
comportamento e identificação da sociedade de consumo. Na verdade os excluídos são um
grande grupo de consumidores virtuais frustrados por terem sua capacidade de realização
de desejos reprimida de forma estrutural94 .
As estruturas formais de organização de interesses políticos são ambíguas.
Os sindicatos e associações patronais são segmentados setorial e regionalmente,
espelhando a heterogeneidade de sua composição. Os sindicatos de trabalhadores, ainda
marcados pelo c1ientelismo e pelo peleguismo, ainda hoje estão divididos entre o
sindicalismo de resultados e o sindicalismo ativista típico. Na Europa, onde a atuação dos
sindicatos ficou clara com o papel predominante exercido no estabelecimento do pacto, o
sindicalismo de resultados consolidou-se como predominante.
No campo político os partidos políticos primam pela ambigüidade
correspondente às estruturas que representam. A composição de seus interesses eleitorais e
de financiamento assim o exigem. Talvez com a exceção do PT, que teve origem no
sindicalismo e evoluiu naturalmente para a arena política, os outros partidos estão mais
ligados ao anacronismo do que se pode supor.
A integração dessas estruturas anacrônicas representa o chamado pacto pós
fordista à brasileira. Ele viabiliza as alianças instáveis, essenciais à estabilização relativa e
temporária do modo de regulação transitório, características da integração periféríca95 .
Esse é o cenário em que foram implantadas as estruturas fordistas no Brasil.
Desse cenário faz parte o sistema de empresas estatais. A estratégia utilizada pelo Estado é
muito semelhante à italiana, na qual se buscava por meio das suas estruturas integrar e
apoiar o grande e o médio capital em um projeto de desenvolvimento. Por outro lado o
94 FARIA, V; SILVA, P. L. B. TransfOrmações estruturais po/itica social e dinâmica demográfica- discussão de um cqso Bravil 195Q-80. In: Memória do Congresso Latino-americano de população e Desenvolvimento. México, Unam, Colégio do México, Pipsal, /983, v. 2. 95 SOUZA E SILVA, C. E. Op. cit
64
Estado tentou integrar, através de políticas sociais compensatórias de cunho geral, a versão
pobre do cidadão/trabalhador.
o arranjO político que apoiava essa tentativa de construção fordista era
extremamente contraditório. Em primeiro lugar, ele tinha lugar dentro de um contexto
bastante autoritário que tentou integrar atores cujas bases estruturais estavam no
clientelismo arcaico que o projeto pretendia ultrapassar. Em segundo lugar, a estrutura
sindical, essencial à montagem de um pacto fordista, nunca recebeu durante o autoritarismo
esse papel, devido à forte oposição histórica dessa estrutura ao regime que se instalava.
Dessa forma, se viu excluída. Com o restabelecimento da democracia, o sindicalismo
retomou dividido. Formas de luta que deveriam ser consecutivas no tempo se tomaram
simultâneas, o que enfraqueceu o movimento sindical como um todo.
A crise do Estado brasileiro, tanto em termos fiscais quanto estruturais,
tomou-se ainda mais complexa pela transição democrática e pelas pressões da competição
global que caracterizam o presente momento histórico. Além disso muitos interesses
conflitantes se contrapõem em tomo das proposições de reforma de Estado e da forma de
gestão do setor público. No entanto não se conseguiu formar um pacto político que desse
sustentação à reforma efetiva.
o primeiro desses interesses está ligado ao clientelismo arCaICo.
Normalmente de natureza regional, se opõe a qualquer reforma racionalizadora que tente
aprofundar as estruturas fordistas. Essa resistência é maior em suas áreas de influência e
volta-se apenas a ampliação do segmento spoil system96 da ação estatal. Essa atitude visa
atender às suas reivindicações pontuais e reproduzir o sistema de clientela.
o segundo grupo de interesses é o segmento de elite de funcionários do
Estado. Por ter condições de trabalho e influência muito especiais, esse grupo plantou as
sementes do corporativismo estatal. Atualmente esse segmento teme a perda de prioridade
96 WEBER, MAX. Economía y sociedod. Op. Cito O spoi! system é definido como o segmento do Estado reservado para barganhas políticas que usem como moeda de troca cargos públicos.
65
e de sua condição privilegiada como agente da ação estatal. Apesar de perceber a
necessidade de uma reforma do Estado e das formas de sua gestão, esse grupo está
desiludido e assustado com a inépcia político-administrativa dos reformadores
voluntaristas97 .
o grupo dos sindicalistas viu-se roubado pela vigência incompleta do
fordismo e pela perda de conquistas imaginadas definitivas. Sendo válidas as experiências
européias, a segmentação e flexibilização das relações de trabalho na crise econômica que
j á se estende por alguns anos prenuncia o enfraquecimento dos sindicatos como
instrumentos de representação política.
Os fenômenos de terceirização no trabalho, consumo de massa, confronto
entre padrões de consumo de primeiro e terceiro mundo e utilização dos insumos do setor
produtivo estatal ajudam a complementar o quadro de interesses emjogo.
97 SOUZA E SILVA, C. E. Op. cit
66
2.1.5.2 A crise como o resultado dafalência do modelo adotado no Estado
Novo
A crise no Brasil pode ser entendida como o resultado da associação de um
conjunto de fatores que levaram o Estado à falência. O setor público perdeu a capacidade
de investir, intervir e agir de forma direta e indireta. Castor afirma que a degradação foi
democraticamente distribuída, não poupando nenhum segmento do aparelho estatal98 .
O modelo de Estado no Brasil teve sua origem na estrutura implantada por
volta de 1930. Esse modelo entrou em colapso em um quadro composto por crônico
desajuste fiscal, corrupção pandêmica e desvalorização da cidadania , da vida, da educação
e da saúde.
A revolução de 1 930 implantou no Brasil um modelo de desenvolvimento
que tinha o Estado como principal condutor. Este modelo caracterizava-se pela forte
presença do Estado na vida do país, pelo controle estrito e pelo planejamento estratégico do
desenvolvimento.
O Estado caracterizou-se pelo controle social excessivo e pela administração
opressiva e caricata. Implantado como resultado de um movimento revolucionário, este
modelo embutiu em sua estrutura forte componente de autoritarismo que permeou todo o
período de sua vigência.
O esgotamento deste modelo de desenvolvimento expôs suas limitações e
provou sua inviabilidade. O Estado não foi capaz de dar respostas adequadas a uma série
de eventos que emergiram, como se mostra a seguir.
Em primeiro lugar, a crise do petróleo, cujo peso foi preponderante por
deixar clara a precariedade da estrutura fiscal do Estado. Para fazer frente às crescentes
despesas com a conta petróleo o Brasil, ao invés de fazer um ajuste estrutural, recorreu ao
98 Idem, ibdem.
67
endividamento externo, então barato e abundante. O desequilíbrio resultante se perpetuou
durante a década de 70. No início dos anos 80, exaurida a capacidade de financiamento por
créditos externos, desencadeou-se a debt crisis.
A rápida internacionalização e desregulamentação da econorma
internacional chocou-se frontalmente com a incapacidade dos legisladores, dos orgãos de
controle e da burocracia de dotar o Estado de mecanismos de atuação ágeis e dinâmicos.
A indefinição acerca da inserção da economia brasileira no emergente
processo mundial de globalização econômica ajudou a estender o prazo para qualquer
reação estruturada e racional do país a mudanças no cenário internacional.
Um outro fator relevante neste processo de falência do Estado foi a inflação
crônica que se instalou no Brasil. Este processo inflacionário aliado ao persistente
desequilíbrio orçamentário erodiu paulatinamente a capacidade do Estado de investir e
prestar serviços. A instituição da correção monetária foi extremamente criativa, no sentido
de dar sobrevida ao desajuste orçamentário do Estado, através da correção dos débitos
fiscais. Com o passar do tempo, porém, levou ao crescente empobrecimento do setor
público. Isso porque os agentes econômicos privados começaram a beneficiar-se da
indexação financeira, gerando lucros com a inflação, enquanto o mesmo não ocorreu com o
Estado.
A situação descrita acima deu início a um processo de transferência de renda
do setor público para os agentes privados. Como nem todos os agentes privados tiveram o
mesmo acesso aos mecanismos de indexação, a renda nacional disponível concentrou-se
nas mãos dos agentes que se beneficiavam da inflação . Os maiores prejudicados foram a
arrecadação fiscal nas diversas instâncias de governo e os salários.
68
Além dos problemas fiscais e gerenciais , que levaram o Estado a pagar a
inflação antes de a arrecadação tributaria refleti-la99 ; sua capacidade decisória sofreu as
seqüelas do clientelismo , do corporativismo, do populismo e da corrupção.
o clientelismo provocou o inchaço desordenado dos quadros da
administração pública. O corporativismo criou e perpetuou privilégios injustificáveis para
alguns setores com maior poder político de barganha dentro dos quadros das empresas
estatais à custa do contribuinte. O populismo aposentou precocemente milhões de pessoas
através de leis de favorecimento ou a simples ausência de controles previdenciários. Por
fim, a corrupção disseminou-se em todos os níveis gerando uma relação incestuosa entre o
Estado contratador e segmentos de fornecedores privados de bens e serviçoslOO .
A falência do Estado brasileiro teve também a contribuição de terapias de
combate à inflação baseadas sistematicamente em recessão e em políticas de juros
elevados.
Em nenhum momento foi feito esforço sistemático para repensar o modelo
do Estado em suas bases filosóficas. Não foram questionados o modelo empreendedor,
nem o modelo econômico de substituição de importações e de isolamento comercial.
Ao longo do tempo, as medidas corretivas foram tomadas. Tiveram apenas
caráter gerencial e administrativo. Seus objetivos eram superar as dificuldades
operacionais existentes mas sem enfrentar o problema principal em suas causas.
Se nas décadas de 30 e 40, as ações corretivas traduziram-se na criação de
autarquias na administração direta, nas décadas de 60 a 80, observou-se a expansão da
administração indireta e descentralizada com a criação das as empresas estatais. Isso
provocou profunda transformação da gestão administrativa do Estado.
99 CASTOR , BELMIRO V. J. Op. cito 100 Idem, ibdem.
69
Os dois modelos - as autarquias da administração direta e a as empresas
estatais da administração indireta - firmaram-se como burocracias insulares. Os quadros
humanos e a forma de remuneração eram específicos. As receitas eram definidas de forma
adequada e os procedimentos operacionais não tinham as amarras normalmente seguidas
no restante da administração pública. Tais cuidados tiveram por objetivo restaurar a
capacidade de atuação em setores específicos. Dessa forma evitou-se repensar de forma
mais profunda a atuação e a estrutura da administração pública.
BerteroIO! ressalta que a decisão de expandir a administração pública
através das autarquias e, mais recentemente pela administração indireta, com as estatais,
indicava o reconhecimento do fim de um ciclo. O Estado, através da administração direta,
estava no fim um período de expansão do número de funcionários e de orgãos públicos, no
que pode ser chamado de ciclo clássico! 02 . Não era mais capaz de atender com agilidade,
flexibilidade, presteza nem criatividade as demandas e as pressões geradas pela opção
desenvolvimentista.
Com a multiplicação das empresas estatais foi necessária a criação de
instãncias integradoras de sua atuação. Uma dessas instâncias foi a holding setorial. A
função principal das holdings foi impor a autoridade supra-empresarial no planejamento.
As resistências a esse tipo de controle foram vencidas com a delegação às holdings da
alavancagem de recursos para o financiamento setorial, intermediando avais do tesouroI03
Esse arranjo começou a esfacelar-se a partir da década de 70 com a crise
fiscal do Estado. Uma das causas dessa crise foi a utilização das empresas estatais como
alavancagem de endividamento. Esse fato tornou indissociáveis o problema das fmanças
estatais e a divida pública
101 BERTERO, C. O. Administração míhlica e administradores. Perspectivas históricas e eventos recentes. Brasília : Funcep. 1985. 102 MARCELINO. G. F. Evolucão do Estado e reforma administrativa. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1987. 1 03 ABRANCHES, SÉRGIO. Governo emoresa estatal e oo/ítica siderúrgica no Brasil. Rio de Janeiro, Gesp/ Finep, 1977.
70
Com a continuidade da crise fiscal a estratégia utilizada para administrar as
empresas estatais foi o controle estreito de sua operação. As empresas, por outro lado e
quando possível, reagiram a essa tentativa de tutela defendendo a sua autonomia
institucional. Essa reação explicitou-se pela subversão dos muitos sistemas de controle
através do pacto corporativo interno. Criou-se dessa forma um conflito latente de interesses
entre o Estado interventor, sujeito das políticas governamentais e o Estado empresário, seu
instrumento de implementação.
Este tipo de conflito é descrito em detalhes por Vickers e Y arrona 104 . Ele é
denominado conflito entre principal e agent e está potencialmente presente em soluções
institucionais baseadas na autonomia dos agentes. A administração do conflito é feita por
meio de um sistema de incentivos e sanções por um lado, e de supervisão e controle, por
outro. O objetivo principal é compatibilizar as funções de utilidade de todos os atores
sociais envolvidos no arranjo institucional no qual a empresa está inserida.
O acirramento da crise aumentou a tensão existente devido a progressiva
dificuldade de financiamento do setor público e ao papel atribuído às empresas estatais nas
estratégias de estabilização. Aconteceram desgastantes escaramuças intraburocráticas que
prejudicaram profundamente a atuação do Estado como um todo, a eficácia de suas
políticas e a eficiência da implementação destas pelas empresas estataislO5 .
O esfacelamento da autonomia das arenas setoriais e o redirecionamento da
representação de interesses para uma estrutura política frágil alterou o comportamento dos
atores políticos. Esses atores passaram a buscar outros tipos de inserção na máquina do
Estado para defenderem seus interesses corporativos.
Devido às dificuldades para conciliação e integração dos interesses
corporativos em nível mais geral, surgiu forte pressão para a ampliação do que Weber
chama de spoil sysfeml06 político. Isso ocorreu devido a deslegitimação política dos atores
104 VICKERS. J.; YARRONA, G. Priyatization and Economjc Analysis. London, MIT. 1988. 105 SOUZA E SIL VA, C. E. Op. cito 106 WEBER, MAX Economia v sociedad. 2" edição. México, Fondo de Cultura, 1979.
7 1
estatais, tanto as agências de planejamento, coordenação e controle, quanto o sistema de
empresas estatais. Essa conjuntura criou o ambiente político adequado ao fortalecimento
ideológico das opções liberais do Estado mínimo.
2.2 A ciência e a tecnologia
E tu, Daniel, encerra estas palavras e sela este livro, até ao fim do tempo; mui/os o examinarão, e o conhecimento se multiplicará.
Daniel 12 " 4
72
Esta seção aborda a questão da ciência e da tecnologia e descreve como é
feita a sua institucionalização no Ocidente. Discute a sua natureza e principais vertentes: a
pesquisa básica e a pesquisa tecnológica. São identificados os papéis desempenhados pelo
setor de C&T dentro de um contexto de crise do Estado. São apresentados diversos pontos
de vista a cerca de sua natureza e evolução desses papéis ao longo do tempo.
O processo de inovação tecnológica é descrito e exemplificado com a
descrição de dois estudos que avaliaram casos de sucesso e fracasso. Atenção especial é
dada ao projeto SAPPHOI07 , conduzido na Inglaterra. Esse projeto pode ser considerado
um paradigma em estudos sobre inovação tecnológica.
É discutido o processo de globalização e suas interações com a ciência, a
tecnologia e o papel do Estado como gestor de políticas tecnológicas.
A seção termina com um breve histórico e a descrição da organização da
ciência e da tecnologia no Brasil.
107 SAPPHO / Scientific Activity PrediclOr from Pallems with Heuristic Origins - Indicador de atividade científica a partir de padrões de origem heurística.
73
2.2.1 A institucionalização da ciência no Ocidente
A percepção e interpretação de diversos fenômenos através da história
contribuiu para a criação da tradição intelectual de muitas civilizações. A ciência é uma
dessas tradições criadas pelo acúmulo de percepções dos membros de uma sociedade.
Entretanto, a ciência é uma tradição atípica pois possui a característica de ser
comunitária108 . No Ocidente a comunalidade da ciência reflete-se através da participação
generalizada dos cientistas em seu processo criativo. Não somente a ciência é praticada em
todas as sociedades mas seus participantes são receptivos às idéias de qualquer ponto do
mundo. Cientistas localizados em pontos remotos comunicam-se entre si através de um
processo globalizado de geração da ciência.
Esse tipo de globalização surgiu muito recentemente. Segundo Schott, até o
século XIX a tradição científica estava limitada e centralizada na Europa onde nascera
alguns séculos antes. A generalização e a institucionalização da ciência emergiram no
século XX, através da apreciação, legitimação e concessão de autonomia para as atividades
científicas. O passo seguinte foi a criação de arranjos institucionais que permitissem a
participação global 109 •
Na Europa, durante o século XVII, a atividade científica resumia-se à busca
do conhecimento dos fenômenos naturais. A ciência começava a ter legitimação,
apreciação e autonomia. O controle era exercido pelo clero e respeitava os dogmas
impostos pela Igreja acerca do conhecimento natural . Essa situação perdurou até o
surgimento de um movimento que postulava uma fé utópica no progresso através do
aumento do conhecimento empírico aplicado ao controle e exploração da natureza. Esse
108 SCHOTT. THOMAS. Performance, specia/ization and international integration Df science in Brazi/: changes and comparisons with other La/in American coun/ries and Israel. In: Science and Technologv in Erazil' A New Po/iCY (or a Global World Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 1995. 109 SCHOTT. THOMAS. Op. cito
74
movimento científico afirmava que era legítima a busca da verdade através do
questionamento empírico e que essa busca deveria ser estimulada.
Inicialmente o movimento foi bem sucedido na Inglaterra. Conquistou
legitimidade para a ciência como uma tradição cognitivamente distinta de outras tradições
intelectuais como a filosofia, as artes e a teologia. Os políticos e religiosos concederam a
esse movimento considerável autonomia e autoridade como fonte de verdades juntamente
com a Bíblia. A institucionalização obtida na Inglaterra foi imitada em outras sociedades
do continente europeu. Essas sociedades apesar de politicamente antagônicas e
descentralizadas eram culturalmente bem sintonizadas e competiam por hegemonia através
da cultural 10 .
A pesquisa empírica tomou-se muito apreciada e conquistou apoio, respeito
e autonomia em relação ao controle efetuado por outras esferas. Diferenciou-se de outras
atividades por estabelecer arranjos organizacionais únicos que possuíam três características
importantes.
A primeira característica foi a criação de um novo papel social, identificado
pela vocação para a pesquisa. A segunda foi a formulação de uma política de atuação que
condicionava a legitimação do conhecimento e sua disseminação ao desempenho no
trabalho de novos adeptos recrutados e treinados. A terceira, e mais importante, foi a
utilização da legitimação do conhecimento para recompensar o desempenho, regular a
comunicação e disseminar arranjos estimuladores da participação independentemente de
distâncias, crenças e divisões sociais.
Essa nova tradição recebeu o nome de ciência e ao papel social de seus
adeptos deu-se o nome de cientistalll . A ciência recebeu recursos para a criação de
laboratórios, bibliotecas e para o sustento das pessoas que desempenhavam esse novo
papel.
1 1 0 Idem, Ibdem 1 1 1 Idem, Ibdem
75
Diversos dos chamados cientistas passaram a trabalhar em universidades.
Por volta do século XIX, principalmente na Alemanha, a pesquisa científica foi adotada
como uma das atividades principais das universidades juntamente com o ensino. Apesar de
estar ancorada nas universidades, hospitais, museus e outras organizações afins, a ciência
continuou a ser praticada como uma atividade comunitária. Segundo Ben-David, o
estabelecimento de distinção, legitimação e autonomia para o desenvolvimento do
conhecimento é definido como institucionalização da ciêncial12 .
Esse processo de institucionalização ocorreu na Europa Ocidental e Central
e, de forma menos intensa, na Península Ibérica. Após o período das grandes descobertas
marítimas o processo de institucionalização da ciência foi transferido para as colônias
anglo-saxônicas da América do Norte. Essa transferência refletia um processo de
mimetização das metrópoles nas colônias. Ben-David afirma que a institucionalização não
ultrapassou as fronteiras da Europa para o leste, ficando restrito à parte ocidental do
continente. Como havia pouca institucionalização da ciência na Península Ibérica, a
mimetização também não ocorreu na América Latina 1 13 .
A institucionalização da ciência criou o conceito de invariância da natureza
no tempo e no espaço. O conhecimento era concebido como tendo o mesmo valor em
qualquer lugar e de forma independente do cientista que o havia gerado. Começou a haver
o reconhecimento do mérito e os cientistas passaram a ser considerados como
descobridores da verdadel 14 . O conhecimento passou e ser considerado cumulativo e
fundamental no incipiente processo de progresso da humanidade.
Segundo Schott, a doutrina do progresso da humanidade para uma
civilização global deu origem a uma orientação cosmopolita entre os cientistasl 1 5 . A
112 BEN DA VID, JOSEPH. The sciemil!" role in sacie/v- a comparalive s/ud!'. [ 1971] 2u;! ed. Chicago, Universily ofChicago Press, 1984. /13 SCHW A R7ZMAN, S/MONo A snace (or science: lhe develooment ofthe sciemific communilv in Brazil. College Park, Pennsylvania S/a/e Universily, 199/. 1 14 SCHOTT, THOMAS. Op. cil 1 1 5 SCHOTT, THOMAS. World science: globalization of ins/itu/icns and participa/ion. Science Technolof!V & Human Values 18: 196 - 208, 1993.
76
participação científica devia ser franq ueada a todos os interessados, de qualquer ponto onde
estivessem e o conhecimento resultante deveria ser difundido como um bem coletivo da
humanidade. Essa visão cosmopolita sustentou a difusão do conhecimento e o
estabelecimento de laços acadêmicos através de divisões sociais e grandes distâncias I 16 .
Schott acredita que a fé nas invariâncias da natureza e do conhecimento juntamente com a
orientação cosmopolita dos participantes do esforço científico estabeleceram a base para a
adoção da tradição européia nas civilizações não ocidentais.
o contato com as civilizações não ocidentais deu-se através do
expansionismo europeu. Não havia, a princípio, interesse dos invasores europeus em
disseminar a tradição científica. Através do contato estabelecido, alguns elementos das
sociedades invadidas consideraram as técnicas européias melhores do que as existentes e
julgaram esse novo conhecimento passível de ser adquirido.
Iniciou-se um processo de importação e de criação do conhecimento
científico nessas sociedades não européias. Elementos mandados para a Europa adquiriram
o gosto pela pesquisa e, ao retomar, trabalharam para a criação de organizações científicas.
Entretanto, apesar da institucionalização da ciência ter precedido, e muitas vezes não ter
sido seguida por outros tipos de legitimação existentes na Europa, foram estabelecidos
arranj os sociais para a prática da ciência.
Ao longo do tempo as idéias científicas e os arranjos institucionais sofreram
difusão do centro para a periferia 1 1 7 . No centro eram feitos os trabalhos com maior
reconhecimento, enquanto na periferia os arranjos institucionais eram mimetizados. Os
cientistas localizados na periferia acreditavam na efetividade e na adequação dos arranjos
existentes no centro e os tomaram como padrões em seus próprios ambientes de
trabalho 1 1 8 . Organizações para a prática da ciência foram estabelecidas nessas sociedades
como cópias das organizações existentes na Europa. De forma quase idêntica foram criadas
/ /6 DASTON, LORRAINE. The ideal reality of the Repub/ic of Lel/ers in the Enlightenment. Science in context , (4): 367 - 86, 1991. / / 7 SCHOTT, THOMAS. Op. cito 1 1 8 SCHOTT, THOMAS. Scientific ProduC!ivilJ! and Internationql Integration 'li Smq/l Countries ' mathemqtiq in Denmark and Israel. Minerva, 25: 3 - 20, 1987.
77
universidades, academias de ciências e mobilizados recursos através de contratos para a
pesquisa. Importante também foi a associação da ciência com melhor educação.
A ciência tomou-se objeto de controle e supervisão através de uma rede de
organizações multilaterais de controle e aporte de recursos. A UNESCO, a OECD e o
Banco Mundial atuaram como instrumentos de regulação e de formulação de políticas
científicas através do apoio seletivo aos esforços nessa área. A política de supervisão e
controle desses órgãos estimulou a participação comunitária nesse esforço global. Cada
cientista, apesar de não saber o que a maioria de seus pares fazia, foi estimulado a
participar da tradição coletiva da comunidade global 1 19 •
Para melhor entender a participação de um país na área científica é
importante entender o conceito de comunidade cientíjica nacional. Essa comunidade é a
organização informal dos cientistas de cada país em uma rede para troca de informações
com cientistas de outros países. Os laços com os cientistas de fora moldam a forma da
participação do país no mundo científico. A participação individual pode ser descrita pelo
conceito de círculo social. O círculo social de cada cientista é composto por todos os
contatos próximos e distantes significativos para o desempenho de seu trabalho. A reunião
de todos os círculos sociais em um país cria a rede nacional e a reunião de todas as redes
nacionais abre o caminho para a criação de uma rede global de ciência 120 .
A despeito de todo o aparato institucional criado, a real natureza da ciência
não estava clara. Era necessário determinar a utilidade do estoque de conhecimento criado
e acumulado. O ponto de partida foi a percepção da existência de uma segmentação do
estoque de conhecimento acumulado em duas grandes áreas interdependentes: ciência e
tecnologia. O processo de institucionalização da ciência somente se completou com a
discussão da natureza e dos papéis inerentes a cada um desses segmentos da atividade
científica.
JJ9 ANDERSON, BENEDICT. {ma�inedCommunjtjes. London. Verso, 1983. 120 SCHOTT, THOMAS. Op. cito
78
2.2.2 A natureza da ciência e da tecnologia
Em função da aplicação cada vez mais disseminada do método científico às
ciências naturais e sociais o estoque de conhecimento da sociedade contemporânea tem
crescido de forma acentuada. Está havendo uma verdadeira inundação de idéias, traduzida
pelo aumento do número de publicações existentes e pela velocidade de circulação das
idéias. Entretanto, a validade desse crescente estoque de conhecimento tem sido muito
questionada.
Alguns autores, por exemplo, argumentam que tem sido de pouca valia para
a sociedade atual por sua utilização estar sendo condicionada pelo chamado paradigma
centrado no mercadol21 . Para tais autores esse paradigma tem impedido que os
incrementos no estoque de conhecimento disponível se traduzam, de forma mais efetiva,
em aumento significativo e consistente do nível de bem estar social.
Um ponto que merece destaque é a percepção de que o estoque de
conhecimento disponível fornece, entre outros, dois subprodutos que polarizam o interesse
da humanidade e motivam uma injeção maciça de recursos para o seu desenvolvimento.
o primeiro destes subprodutos - o entendimento do mundo fisico - é
imaterial e sujeito a avaliações subjetivas. Através da fisica e da matemática e suas
expressões, tais como a relatividade geral, a genética ou a mecânica quântica, pode-se ter o
senso de compreensão e o domínio dos processos que explicam a trajetória do universo.
Esta questão suscita debates acalorados entre cientistas acerca desta suposta
onicompetência122 da ciência.
Mary Midgley afirma que a ciência tem imposto limites estreitos ao domínio
de seu discurso e muitas perguntas e questões filosóficas e sociológicas devem permanecer
121 CAMPOS, ANNA MARIA. Contribuição pqra Q rm,gate da relevância do conhecimento para a administrqcão Trabalho apresentado no seminário "Novas concepções em administração e desafios do SUS: Em busca de estratégia para o desenvolvimento gerencial, Rio de Janeiro, 1990. /22 A TKINS, PETER. Will Science Ever Fai/?, NewScjentist August, 8, 1992, pp 32 - 35.
79
fora de seu escopo de trabalho 123 . Ao questionar as reais fronteiras da ciência, Midgley não
ataca diretamente as teorias físicas. Ela acredita que as teorias são demasiado acadêmicas
para justificar o excesso de confiança na ciência. Ela prefere acreditar que o problema tem
suas origens nos sucessos tecnológicos, sinais exteriores mais evidentes da efetividade da
ciência.
Por outro lado, Atkins acredita que as limitações impostas à ciência
decorrem da necessidade de estreitar a amplitude do que é estudado para poder-se atingir
um entendimento satisfatório dos problemas abordados. Acredita que, cedo ou tarde, com o
progresso, todas as questões serão englobadas no escopo da ciência. Para Atkins, o
progresso ininterrupto da Ciência fundamenta a crença de que a ciência é realmente
onicompetente e está, apenas temporariamente, bloqueada em algumas áreas à espera do
desenvolvimento das ferramentas teóricas necessárias para continuar o seu avanço 124 .
o segundo subproduto do estoque de conhecimento é a tecnologia. Ela pode
ser medida de forma objetiva e têm implicações econômicas e sociais substantivas.
Diversos estudiosos já analisaram a questão da geração de tecnologia e as implicações de
sua transferência. Este problema já foi abordado por economistas, sociólogos,
antropólogos, engenheiros, empresários e teóricos do comportamento e da ciência política.
Existe tanto uma taxonomia como um conjunto amplo de abordagens possíveis acerca da
tecnologia. O ponto fundamental é ter em mente que tecnologia, por sua natureza
multidisciplinar, requer tanto abordagem ampla como o entendimento de todas as suas
implicações nos campos econômico, político e social.
Apesar de sua natureza multidisciplinar, podem-se propor duas grandes
abordagens para melhor compreender o papel da tecnologia no mundo contemporâneo. A
primeira abordagem é técnica, funcional e reflete o pensamento de economistas,
engenheiros e administradores. A segunda abordagem é sociológica, pouco instrumental e
interpretativa.
123 MIDGLEY, MARY. Can Science Save fts Soul?, New Scientist. August, l, 1992 124 ATK1NS, PETER. op. cito
80
Na abordagem funcionalista os economistas entendem a tecnologia como
um dos insumos mais importantes para o desenvolvimento econômico. Adam Smith foi
dos primeiros a examinar a tecnologia de fabricação em 1 776. Karl Marx e Schumpeter125
vislumbraram na tecnologia o motor do crescimento econômico. Abramovitz e Solowl26
confirmaram evidências do impacto das mudanças tecnológicas na economia.
Muitos economistas em seus estudos e modelos tratam a tecnologia como
fator exógenol27 . Outros, entretanto, tratam-na como fator endógenol28 • Para os
economistas, definir a tecnologia de formas diferentes resulta em modelos econômicos que
levam a conclusões diferentes.
Para os administradores, a tecnologia é vista como um ativo estratégico 129 .
É uma das forças mais importantes na estratégia competitiva, podendo alterar métodos de
fabricação e determinar as vantagens competitivas das organizações. Nesse contexto
estratégico, tem sido utilizada para melhor situar econômica e socialmente indústrias,
regiões e países. Por este enfoque ela seria componente fundamental para ajudar a
modificar os sistemas de valores e a cultura de uma sociedade, impondo novos padrões de
satisfação, consumo e viabilizando novos mercados 1 30 .
A abordagem interpretativa têm como uma de suas teses a descoberta de
novos caminhos para abordar antigos problemas. Essa abordagem é utilizada
principalmente por sociólogos e teóricos das organizações. A tecnologia é encarada como
um dos fatores determinantes de inovações que permitem aos indivíduos ou organizações
utilizar novas alternativas e novos meios para a solução de problemas. É preferível
115 MARX, K. Capital Vol. 1, London: Lawrence and Wishart, 1874. 126 SOLOW, R. Technical Change and Aggregate Production Function, Review ofEcQnomicis and Statistics pp 3/2 - 320, August, 1957. 127 RODR1GUEZ, C. A. Trade in Technical Knowledge and the National Advantage, Joumal Q/ PoliticalEconomy Vol. 83, pp 121 - 135, 1975. 128 FEENSTRA, R. C. Tarifft, Technology Transfer and Welfare, Journal QfPolitical Economy Vol. 90, pp. 1142 - 1165. /29 DRUCKER, PETER F. The Discipline of 1nnovation, Hqrvard Bus;neS! Revjew Vol. 63, pp. 67 - 72, May/ june, 1985. 130 PORTER, M1CHAEL E. Vantagem Comnetitivq Ed. Campus, 4q edição, 1989, Rio de
janeiro.
8 1
questionar a relevância dos problemas que devem ser atacados através do uso de
determinada tecnologia antes de chegar ao ponto de opção entre alternativas tecnológicas
disponíveis.
Alguns autores questionam a sua validade por entender que nem todas as
inovações e tecnologias são desejáveis, apesar de concordar em que elas têm papel muito
importante na sociedade. Pode-se entender também, por esta abordagem, que determinada
tecnologia pode ser aceitável para determinado cenário, em uma situação específica e ser
totalmente desaconselhavel em outra situação.
Esta adaptação da tecnologia ao contexto social é muito bem abordada por
Wykle quando afirma que os produtos não devem ser desenvolvidos independentemente
dos mercados que os utilizarão, nem mercados devem ser criados artificialmente para
viabilizar produtos. A produção deve direcionar-se para produtos não agressivos,
ecologicamente adequados ao meio ambiente e efetivamente demandados 1 3 1
A conseqüência mais importante dessa abordagem interpretativa é a
percepção da não neutralidade da tecnologia. Ela não pode ser utilizada ignorando-se o
contexto social. A conveniência econômica e social da utilização de determinado conjunto
de tecnologias somente pode ser avaliada a partir do conhecimento de todos os aspectos
relevantes que condicionam ou influenciam a sua utilização. A proposta é encarar a
tecnologia, a sociedade e o homem como formadores de um sistema único, evolutivo e
organicamente integrado.
Fazendo o contraponto entre as duas abordagens acima descritas, pode-se
ver que a abordagem funcionalista, guiada pelo paradigma centrado no mercado, situa a
tecnologia dentro de seu papel na organização. Entretanto, fica limitada a partir do
momento em que se deseja fazer a avaliação do comportamento e do papel das
organizações dentro da sociedade de forma mais ampla, à luz do paradigma holístico
131 WYKLE, LUC/NDA. Social Responsabilities 01 Managers. Journal ar Manaf'iment Development VoU I n04. 1992, pp49-56, MCB University Press.
82
emergente. Justamente neste ponto a abordagem interpretativa torna-se mais interessante,
porque permite entender e situar de forma muito mais ampla o papel da tecnologia na
organização e na sociedade, incorporando os contextos social e político.
Como, no momento, não se pode ignorar completamente as premissas do
paradigma dominante, nem utilizar somente as premissas do paradigma emergente, talvez
possa-se, a partir das aparentes contradições entre as duas abordagens, formular urna
síntese dialética que constitua um passo à frente na tentativa de compreensão da natureza
da ciência e da tecnologia.
Esta síntese não aceitaria totalmente as premissas do mercado nem as
preocupações sociológicas levantadas. Entretanto, abriria a possibilidade de dar aos
usuários da tecnologia papel mais substantivo nos processos de escolha e implementação
de novos produtos ou processos dela derivados, ao mesmo tempo em que viabilizaria o
lucro e a sobrevivência das organizações.
À sociologia e às teorias das organizações é reservado o papel de analisar
interpretativamente as características das organizações que se baseiam em conhecimento.
Elas devem identificar tipologias de configurações estruturais que possuem potencial para a
utilização adequada da ciência e da tecnologia disponíveis num determinado contexto
social.
83
2.2.3 O processo de inovação tecnológica
Os termos pesquisa e desenvolvimento (P&D) quando utilizados juntos
descrevem um conjunto de atividades criativas, realizadas de forma sistemática com o fim
de aumentar o estoque de conhecimentos técnicos e científicos. Implicam também na
utilização desse estoque no projeto e realização de aplicações práticas. Considera-se que a
P&D é composta por três subsistemas da atividades: pesquisa básica ou fundamental, a
pesquisa aplicada e o desenvolvimento experimental/32
Segundo Teixeira, nem sempre é possível estabelecer claramente fronteiras
entre cada uma das atividades de P&D. Embora seja verdade que as motivações possam
estabelecer diferenças, ou mesmo que o perfil das pessoas envolvidas possa distinguir o
tipo de pesquisa conduzida, atualmente é cada vez mais dificil fazer a distinção entre elas.
Um projeto de pesquisa que tenha sua origem na pesquisa básica pode evoluir para
aplicações e mesmo para geração de produtos ou processos. Nem sempre será possível
definir claramente os instantes em que as motivações mudaram ou em que, de fato, as
características do projeto foram alteradasl33 .
Como visto anteriormente, os clássicos da economia foram os primeiros a
reconhecer a forte ligação entre progresso científico e desenvolvimento industrial. Se nos
fins do século XIX as invenções científicas não fossem transformadas em produtos que
tivessem impacto social elas não teriam passado de mero exercício intelectual e artesanal.
O impacto social ocorreu porque empresas como a r . G. Farben, Hoechst, Bayer, Dupont e
r. C. r. desenvolveram e lançaram comercialmente produtos baseados nas invenções
realizadas 134 . Entretanto é necessário distinguir entre invenção e inovação.
/32 FREEMAN, C. The Economics Q(fndu<!rial lnnovalion. Middlessex: Penguin 8ooks. 1974. 133 TEIXEIRA. DESCARTES DE SOUZA. Pesquisa. desenvolvimento experimental e inovação industrial: motivações da empresa privada e incentivos do setor público. In: Administração em Ciência e Tecnologiq_ Coordenação de Jacques Marcovitch, Editora Edgar Blficher LIda. Rio de Janeiro. J 983. /34 TEIXEIRA. Op. Cito
84
Quando uma invenção é concebida, fruto de uma atividade sistemática de
P&D ou resultante da experiência e da habilidade prática de alguém, não entra
imediatamente no processo produtivo. Para Teixeira, muitas invenções não passam sequer
dos estágios de concepção e desenvolvimento experimental. Algumas, são posteriormente
abandonadas sem maiores conseqüências, mesmo atingindo o estágio de protótipo.
Quando a invenção ultrapassa todas essas etapas intermediárias e atinge o
estágio final do processo produtivo, impactando diretamente a sociedade, está-se diante de
uma inovação. A inovação pode incorporar diversas invenções ou descobertas científicas.
Cooper descreve a inovação como um empreendimento que toma a invenção e transforma
a em tecnologia comercialmente útil. Para ele não existe retomo comercial de uma
invenção, a menos que seja seguida por uma inovaçãol35 .
Essa idéia é compartilhada pelos economistas. Para eles a invenção é distinta
da inovação pelo fato de um projeto conjunto de ações não constituir inovação enquanto
não atingir o mercado sob a forma de produto ou processo. O processo é chamado de
cadeia de inovação ou processo de inovação. As características desse processo são a
utilização de procedimentos que envolvem coleta de dados técnicos, definição e
especialização de produtos / processos, P&D, engenharia e marketing.
Diversas tentativas foram feitas para identificar um modelo conceitual que
explicasse o processo de inovação. Essas tentativas esbarraram em fatores que dependem
das peculiaridades de cada projeto, do setor industrial em questão e da natureza errática que
caracteriza as inovações 136 . Estudos como os de Mayers e o projeto SAPPHO são
exemplos de tentativas para a elaboração de uma estrutura conceitual da questão e
merecem ser descritos com mais detalhes.
Mayers e seus associados estudaram 567 projetos de inovação na indústria
americana e formularam um modelo onde o processo de inovação dentro das empresas é
/35 COOPERo C. EconQwic Problemy in assessing lhe ratenl Svçtem. University of Sussex, SPRV, sep, i973. 1 36 TEiXEiRA. Op. Cito
85
composto por seis estágios: decisório; formulação de idéias; solução do problema; solução;
difusão pré-comercial e produçãol37 .
No estágio decisório a empresa avalia oportunidades de mercado e
tecnologias disponíveis, percebendo as oportunidades de desenvolver um produto ou
processo. No estágio de formulação de idéias são feitas as definições do projeto. Esse
estágio serve para avaliação de custos e prazos de execução, definição de equipes de
trabalho e divisão de responsabilidades. A solução do problema abrange os esforços
principais em P&D. A solução, contém os trabalhos de engenharia, protótipos e
compatibiliza produção fabricação e marketing. A difusão pré-comercial é o estágio onde é
feito o primeiro teste do produto no mercado. Esse estágio permite que a empresa tenha um
primeiro feedback quanto à inovação. O último estágio é a utilização e difusão comercial
através da produção propriamente dita.
Ao tentar explicar o processo de inovação, o modelo considera a atividade
de P&D como parte de um todo. O sucesso da inovação não depende apenas do êxito da
pesquisa e desenvolvimento dentro da empresa. Os estímulos governamentais não serão
bem sucedidos se não houver estímulos à inovação como um todo. Teixeira considera esse
modelo um bom ponto de partida para abordar a questão por ilustrar a inovação como mais
do que P&D138 .
Conduzido na Inglaterra em 1 968, o projeto SAPPHO teve como objetivo
identificar características diferenciadoras entre casos de sucesso e fracasso em projetos
de inovação tecnológica139 . Em certa medida, aponta algumas singularidades comuns nas
inovações bem sucedidas.
Apesar das diversas críticas ao projeto, alguns resultados, confirmados
posteriormente por outras pesquisas, indicam que o estudo foi válido. Dentre esses
137 MAYERS, S. Successfu/ lndustria/ lnnovations, NSF 19 - / 7. In: Techon% f!Y Transfer and lndustrial lnnovation Washington: National Planning Association, 1967. 1 38 TEIXEIRA. Op. Cito 139 Science Po/icy Research Uni/o Success and Fai/ure in Industrial lnnovation (Projec! SAPPHO), Center for lhe Study oflndustria/ Innovation, London, /972.
86
resultados podem-se destacar como características mais associadas ao sucesso atenção às
necessidades do usuário e atividade de marketing.
Também estiveram associados aos casos de sucesso o desenvolvimento
experimental, tecnologias e consultorias científicas externas e as redes de comunicação
entre a organização e o meio externo. Por fim, identificou-se que os responsáveis pelo
projeto de inovação em caos de sucesso são usualmente mais seniores e têm maiores
responsabilidades e autoridade que seus correspondentes nos casos de fracasso.
Esses resultados apontam alguns pontos chave no processo de inovação. Por
um lado o processo de inovação é função da percepção da empresa quanto à viabilidade
técnica de uma inovação e à demanda existente. Por outro, é função também da percepção
quanto à tecnologia e informações técnicas e científicas disponíveis. O processo é
estimulado por dois canais de informações : um com informações sobre o mercado e outro
com informações sobre tecnologia disponívej14o .
Detalhe interessante, confirmado pelo projeto SAPPHO e posteriormente
por outros trabalhos, é que significativo grau de percepção das necessidades do mercado é
comum a todos os casos de sucesso. As pesquisas indicam que existe uma propensão, por
parte dos inovadores bem sucedidos, a serem mais sensíveis aos estímulos do mercado do
que às oportunidades tecnológicas: de cada quatro casos de sucesso, três tiveram o
reconhecimento da demanda como principal elemento motivador da inovação141 .
Ponto chave nos processos de inovação observado no projeto SAPPHO é a
importância atribuída pelos inovadores bem sucedidos às interfaces P&D / produção e
P&D / marketing. Os inovadores bem sucedidos têm maior grau de eficiência no
gerenciamento dessas interfaces.
140 0ECD/TNo. Goyernment Policies and Factors Influencing lhe Innoyalive Capabilitv 0.( Smalland Medium Enter:prise. Delf, Nelherland,. may, 1978. 141 OECD/ TNo. Op. Cito
87
Uma questão significativa foi a correlação entre inovações fracassadas e
oposição interna aos projetos baseada em argumentos comerciais. Depreende-se aqui que o
inovador bem sucedido é eficiente na gestão dos conflitos internos ao corpo técnico de
produção e desenvolvimentol42 .
Tanto o projeto SAPPHO como outros estudos empíricos semelhantes
destacam três aspectos fundamentais que estimulam o processo de inovação industrial:
estímulos de natureza mercadológica, de ordem tecnológica e as condições ambientais ou
clima para a inovaçãol43 . Os estudos também destacam que o processo de inovação é
extremamente complexo e cheio de peculiaridades para permitir a construção de um
modelo conceitual útil e preciso para previsão tecnológica. Teixeira utiliza o exemplo da
Du Pont, que sofreu sérios prejuízos em decorrência disso, para exemplificar esse fato 144 .
Riscos e incertezas são inerentes ao processo de inovação. Eles existem
porque as informações que a empresa manipula são imperfeitas e os projetos utilizam
projeções de condições futurasl45 . O processo de inovação é, por natureza, probabilístico e
depende de muitas variáveis aleatórias. Em muitas ocasiões a organização pode estimar
probabilidades e traçar um curso de ação racional para minimizar riscos e incertezas. As
incertezas são de três categorias: negócios, técnicas e mercadológicas.
As incertezas nos negócios estão vinculadas às decisões empresariais e são
de natureza intrínseca à atividade da organização. As incertezas técnicas refletem as
probabilidades de as especificações técnicas do produto serem atingidas dentro dos prazos
e custos previstos. Por fim, as incertezas mercadológicas têm conexão direta com as
probabilidades de sucesso do produto no mercado a que se destinal46 .
Freeman afirma que os projetos de inovação constituem um classe não
homogênea de eventos que tem seu grau de incerteza variando em função do tipo de
/42 Idem. ibdem. 143 TEIXEIRA. Op. Cito 144 Idem, ibdem. J 45 Idem ibdem. 146 Idem ibdem.
88
inovação proposta!47 . Freeman, na verdade, cnou uma tip% gia das inovações. A
classificação indica que quanto mais radical a inovação, mais arriscado o projeto que
objetiva seu lançamento. Organizações conservadoras optam por inovações incrementais
enquanto organizações mais ousadas preferem inovações mais radicais. A maior ou menor
propensão de uma organização a correr riscos, investindo em P&D, é característica
comportamental que pode inibir o processo de inovação industrial!48 .
A teoria neoc/ássica apresenta como axioma uma proposição que diz que a
maximização dos lucros é o objetivo maior das organizações. A base desse axioma é a
suposição de que as informações utilizadas para decisão são perfeitas e a tecnologia é
invariante!49 . Aqui reside o grande desafio da inovação, pois Freeman afirma que a
previsão das estratégias organizacionais é impossível à luz da teoria neoclássica, por serem
instáveis tanto o comportamento do mercado como a tecnologia.
Freeman contorna essas dificuldades analíticas estabelecendo uma
classificação pragmática dos tipos de estratégias adotadas pelas organizações1 SO . Essa
classificação associa a inovação industrial às estratégias possíveis de serem adotadas pelas
organizações. De acordo com a abordagem de Freeman existem seis tipos de estratégias:
ofensiva, defensiva, imitativa, dependente, tradicional e oportunista!S! .
Uma estratégia ofensiva é promovida pela organização que almeja liderança
no mercado e na tecnologia, frente a suas competidoras. Caracteriza-se por excelência
técnica de produtos, agressividade mercadológica e investimentos fortes em P&D.
A estratégia defensiva é utilizada pela organização que espera que suas
concorrentes lancem os produtos e, somente após observar os resultados, lança suas
inovações. Característica de mercados oligopolizados, as organizações defensivas também
são intensivas em tecnologia.
147 FREEMAN, C. Op. Cil. /48 TEIXEIRA. Op. Cil /49 Idem, ibdem. /50 FREEMAN. C. Op. Cil /5/ Idem. ibdem.
89
A estratégia dependente é típica de empresas institucional e
economicamente submissas a outras firmas. Filiais de multinacionais são um bom
exemplo. Freeman as caracteriza como postos de vendas das matrizes. Seu P&D é centrado
nas matrizes 152 .
Em uma estratégia imitativa a organização reage às mudanças técnicas mas
não tem nenhum interesse em diminuir o gap tecnológico que a separa das líderes de
mercado.
A estratégia tradicional está ligada a setores onde as mudanças se processam
com muita lentidão. O mercado não demanda inovações e nem existe competição acirrada.
Estratégia típica de economias fechadas e com baixo grau de investimento em P&DI53 .
Finalmente, o elenco se completa com a inclusão da estratégia oportunista.
Essa estratégia depende fortemente da habilidade gerencial da organização. Caracteriza-se
por utilizar nichos de mercado criados pelas mudanças rápidas de tecnologias e demandas.
Cada uma dessas estratégias reflete a postura da organização em relação à
liderança técnica do mercado, ao grau de risco desejável e a competição encontrada em seu
meio ambiente. O importante é entender que existem diversas posturas frente às incertezas
da inovação. Entender essas incertezas permite a previsão de reflexos de ações de
concorrentes ou do Estado na estratégia tecnológica da organização.
Teixeira cita um modelo de desenvolvimento tecnológico proposto por
Carrére que aborda questão da influência e do papel do Estado em relação ao problema de
inovação tecnológica. A premissa básica de Carrére é que o Estado dispõe de recursos e
mecanismos de indução ao desenvolvimento de tecnologia no seio da iniciativa privada.
152 Idem, ibdem 153 TEIXEIRA. Op. Ci!
90
Alguns desses mecanismos têm a função de induzir o empresariado a assumir riscos. Ele
toma por base as conclusões de Freeman e formula um modelo com diversas hipóteses154 .
Na primeira hipótese propõe que o desenvolvimento industrial é o somatório
dos desenvolvimentos individuais de processos evolutivos independentes. Um desses
processos é a capacitação tecnológica. Na segunda que uma organização pode iniciar sua
vida com qualquer estratégia. Um país, por outro lado, sempre começa a evolução com sua
indústria no estágio tradicional; somente depois, através de processo evolutivo, os outros
estágios serão alcançados. Na terceira hipótese propõe que em uma sociedade, dependendo
do setor industrial escolhido, pode-se observar mais de um estágio. Por fim, cada estágio
considerado não resulta de decisões conscientes de empresariado nem do Estado, mas da
observação a posteriori de fatos, desempenhos e realizações.
o ponto central do modelo de Carrére é a sugestão de que a interação entre
os interesses do Estado e da iniciativa privada pode ensejar em setores industriais a
evolução de um estágio para outro. Também afirma que cada instrumento governamental
tem seus efeitos condicionados pelo estágio da indústria ao qual se aplica.
De forma complementar, Pavitt, ao analisar os países membros da OECD.
concluiu que existem alguns fatores comuns que facilitam o comprometimento das
organizações com a inovação industrial155 . Concluiu que o Estado é o agente responsável
pela criação de um clima ou ambiente capaz de estimular a empresa privada à inovação.
Em um contexto econômico onde o mercado se expande, o capital de risco está disponível,
a política salarial e os incentivos fiscais são eficazes, outros fatores favorecem o
desenvolvimento tecnológico. Pavitt destaca dez fatores importantes nesse processo, no
âmbito da OECD. São fatores de natureza financeira, estrutural e política156 .
154 BRlITON, J. N. H. et ali. The Weakesl Link' a Techn% gical Perspective Da Canadian Industrial under Development. Science Council ofCanada. Ottawa. 1978. 155 PA VITT, K. The Conditions for Succes," in Technological lnnovation. OECD Report. 1971. /56 Uma tabela comparativa dos instrumentos utilizados como parte de politicas de incentivo ao setor de C&T em diversos países pode ser encontrada em TEIXEIRA. Op. Cito pp. 77 - 82.
91
Os fatores de natureza financeira são os incentivos fiscais, o capital de risco
e os subsídios em P&D. Os fatores de natureza estrutural são a infra-estrutura em ciência e
tecnologia, a mobilidade de pessoal, a transferência de tecnologia endógena e adequado
sistema de informação e documentação. Finalmente os fatores de natureza política são a
filosofia de competição no mercado, as regulamentações, normas e padrões e sistema de
licenças e patentes.
Essa relação não exaure os mecanismos observados nas nações
desenvolvidas. Hagedoon, por exemplo, afirma que quase todos os países europeus
dispõem de programas de assistência técnica e gerencial, ao lado de linhas de
financiamento e auxílio a pequenas e médias empresas subsidiadas pelo Estado157 .
2.2.4 Ciência e Tecnologia e o processo de glohalização
As sociedades pós-industriais possuem características definidas por três
forças básicas: novas dimensões tecnológicas dos processos econômicos e sociais, grande
número de problemas resultantes de avanços econômicos e tecnológicos, que exigem
decisões em um ambiente de crescente incerteza, e rápida transição para um sistema
econômico global caracterizado por novas formas de interdependência 158 .
Essas três forças básicas têm raízes nas mudanças ocorridas ao longo da
história nos sistemas tecnológicos. São relevantes a revolução industrial no século XIX, as
duas grandes guerras mundiais, a guerra fria e a crise energética. Essa cadeia de eventos, na
verdade, pode ser estendida até os primórdios da aurora da humanidade onde começaram as
primeiras interações entre o homem e a tecnologia.
/57 HAGEDOON, J H. ; PRAKKE, F. An Expanded Inventory Qi Public Measures (or Stimulating lnnoyqtiQn in lhe European Communjty with Emphasis on Small and Medium Sized Firms. Apeldoorn, Netherlands, StajJgoup Strategic Surveys, TNO, feb., 1979. /58 FERNÉ, GEORGES. Science and technology in the new world order In: Science and Technologv in Brazil' A New Policy (or a Global World. Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 1995.
92
Uma das características da tecnologia é o estabelecimento de alianças entre a
ciência e os sistemas industriais da economia para alcançar objetivos comuns l 59 . Essas
alianças tornaram-se possíveis por meio de quatro desenvolvimentos históricos:
institucionalização da pesquisa, a profissionalização, desenvolvimento tecnológico
aplicado à industria e forte ligação entre ciência e poder.
A institucionalização da pesquisa foi feita através da criação e diversificação
de um sem número de instituições especializadas, entre as quais universidades, laboratórios
industriais e públicos centros tecnológicos e outros. Essas organizações fornecem aos
cientistas uma selva institucional para que cada pesquisa seja desenvolvida no habitat
mais apropriado.
A profissionalização tomou possível a criação de carreuas científicas
profissionais que permitem aos cientistas conciliar a pesqUisa com os seus interesses
pessoais. O desenvolvimento tecnológico aplicado à industria tomou possível o
estabelecimento de uma relação dinâmica entre pesquisa e mercado.
Ciência e poder tomaram-se intimamente ligados. A produção da bomba
atômica pelo Projeto Manhattan durante a segunda guerra mundial é o melhor exemplo
dessa união. Os anos subsequentes testemunharam a crescente instrumentalização da
ciência e da tecnologia pelos detentores do poder e a concentração do aproveitamento de
suas aplicações em uns poucos países ocidentais160 .
Ao contrário de Schott, Femé é mais realista ao afirmar que as capacidades
de pesquisa estão concentradas em um pequeno número de países. Ele constata que mais de
90 % das aplicações de recursos em pesquisa e desenvolvimento foram feitas por países
industrializadosl 61 .
159 JEAN-JACQUES, SALOMON. What is technology? The issue of its origins and definitions. Histo�yandTechnology 1: 1 /3 - 56, 1984. 160 FERNÉ,GEORGES. Op. Cito /6/ Idem, ibdem.
93
Esse pequeno clube de países altamente industrializados tem mantido as
suas posições dominantes em capacitação tecnológica desde o término da segunda guerra
mundial. As únicas mudanças significativas foram a emergência de alguns países no
cenário tecnológico e científico: Japão, Brasil, Índia e as dinâmicas economias asiáticas.
Dentro desse grupo o Japão desafiou a posição preeminente das velhas potências
industriais e efetivamente consolidou-se como líder mundial em diversos processos de
fabri cação.
Conclui-se que a capacitação em pesquisa e desenvolvimento é fenômeno
local. A capacitação em ciência e tecnologia é fenômeno local porque em 1 988 cerca de 96
% dos recursos alocados em pesquisa e desenvolvimento estavam concentrados nos países
industrializados, os restantes 4% estavam dispersos nos países em desenvolvimento. Esse
fenômeno local têm, entretanto, enormes implicações globaisl62 .
F erné é de opinião que essa concentração vem-se agravando pois os Estados
Unidos voltaram a dar prioridade para o setor, tendo sido responsáveis por cerca de um
terço dos gastos em pesquisa e desenvolvimento no fim da década de 80.
Os esforços de Japão e Coréia do Sul merecem destaque. Entre 1 973 e 1 980
seus orçamentos em pesquisa e desenvolvimento triplicaram, tomando-se os valores
expressos em dólares americanos. Em 1 980 esses dois países investiram juntos mais
recursos que todo o terceiro mundo reunido. O montante chegou a dez por cento dos gastos
mundiais em pesquisa e desenvolvimento. Oito anos depois esses dois países j á eram
responsáveis por cerca de vinte por cento dos gastos mundiais na área163 .
A Europa Ocidental, no mesmo período, apesar de apresentar altas taxas de
investimento começa a demonstrar sinais de esgotamento. Tornou-se cada vez mais dificil
para os países da Europa Ocidental sustentar a sua posição internacional.
1 62 Idem, ibdem. 1 63 Idem, ibdem.
94
Por outro lado, os países em desenvolvimento têm problemas muito sérios
com o perfil dos gastos em pesquisa e desenvolvimento. Na década de 80 esses países
ocupavam entre 1 8 e 1 9 % dos pesquisadores existentes no mundo (entre cientistas e
engenheiros envolvidos em P&D), distribuição muito diferente da apresentada para os
recursos disponiveis. A diminuição continuada no investimento em pesquisa e
desenvolvimento levará os cientistas ao ponto em que não poderão mais trabalhar
efetivamente como pesquisadores face a escassez de recursos.
Três pontos importantes merecem destaque no cenário apresentado.
Primeiro, os países industrializados encaram a ciência e a tecnologia como tendo
importância estratégica. Segundo, a posição de preeminência dos países industrializados é
muito dificil de ser ameaçada. Terceiro, uma política sustentável de pesquisa e
desenvolvimento de longo prazo requer o suporte de uma infra-estrutura industrial
competitiva e a dificil conciliação entre necessidades políticas e econômicas de curto prazo
com questões de mais longo prazoJ64 .
Dado que o mundo não industrializado não é homogêneo em termos de
acesso aos recursos de pesquisa e desenvolvimento, é extremamente útil uma tipologia que
permita classificar os países utilizando parâmetros econômicos, sociais, educacionais e de
mão-de-obra. Trabalho desse tipo foi realizado pela UNESCO, que classifica os países em
quatro gmpos em função de sua capacidade tecnológicaJ65 .
o primeiro grupo é composto por 55 países com nenhuma base tecnológica
e científica, quase a totalidade dos países africanos. Esses países têm baixa renda per
capita, baixo potencial de formação de recursos humanos e baixo percentual de
participação dos manufaturados na produção industrial total.
No segundo grupo estariam países em processo de industrialização, cerca de
40 já contando com os elementos fundamentais de uma base científica e tecnológica. A
J 64 Idem, ibdem. 165 UNESCo. /nternatjona/ Counci/ fOr Science Po/jCY Studies ( reSPS ) Science and Techn% gy in Deve/oping Counlries. Unesco, /992, p. 55 - 77.
95
renda média é moderada e existe uma limitada produção industrial endógena. O percentual
relativo de pessoal envolvido em pesquisa e desenvolvimento é alto, mas limitado em
termos absolutos. Esse grupo inclui Argélia, Gana, Indonésia, Iraque, Malásia, Paraguai e
Sri Lanka.
O terceiro grupo engloba cerca de 40 países em desenvolvimento e inclui os
países com industrialização recente (os chamados NICs)l66 . Observa-se aí uma base
tecnológica bem estabelecida e alto potencial de pessoal para atuar na área. A renda per
capita é relativamente alta e o sistema industrial é funcional com alta produção de bens
manufaturados. Os palses latino americanos desse grupo são Argentina, Brasil, México e
Venezuela.
No quarto grupo estão os países industrializados, que apresentam uma base
científica e tecnológica economicamente efetiva, principalmente em relação à indústria.
A classificação apresentada destaca a heterogeneidade dos países em
desenvolvimento em relação aos países industrializados. Os países asiáticos concentram
cerca de 60 % dos pesquisadores ativos nos países em desenvolvimento. A África e a
América Latina perderam terreno em relação a essa região. Os países do terceiro grupo que
possuem os maiores sistemas de pesquisa e desenvolvimento (Brasil, Argentina e México)
conseguiram manter uma taxa relativamente alta de expansão dos sistemas de pesquisa,
apesar da crise fiscal. Entretanto, é cada vez mais dificil para esses países acompanhar as
taxas de investimento dos países asiáticos.
O padrão de concentração da aplicação dos recursos nos países
industrializados é decorrente do entendimento da ciência como recurso nacional essencial e
por crescente orientação para as necessidades do mercado167 .
166 Abreviatura de New/y lndustrialized Countries; países recentemente industrializados. 1 67 FERNÉ,GEORGES. Op. Cit.
96
A competição proporcionada pelo mercado incentivou o processo inovador e
alterou os retornos para os investimentos de risco. A inovação tecnológica criou taxas de
retomo diferenciadas para os investimentos, alterou processos e custos de produção e criou
novos mercados derivados de produtos inovadores.
Alguns fatores inibem a inovação e o desenvolvimento tecnológicos. São
fatores inibidores a falta de recursos, o baixo nível de educação da força de trabalho, a
escassez de oportunidades de treinamento e a inadequação dos currículos nas
unÍversidades. Os países que não desenvolverem tais fatores de forma satisfatória não
atingirão o pleno potencial de seu estoque de recursos científicos e tecnológicos 1 68 .
Apenas o grupo dos países industrializados conseguiu criar e manter um
sistema de ciência e tecnologia forte e um sistema de extração de resultados de pesquisa
adequado neste final de século 1 69 • A maioria não têm os recursos, a capacidade técnica e as
habilidades necessárias para engajar-se na corrida pelo desenvolvimento de inovações. Para
esses países sobram como estratégia a cópia, a imitação ou simplesmente a importação de
mudanças técnicas incrementais.
A forma como a tríade composta por América do Norte, Europa Ocidental e
países asiáticos do Anel do Pacífico organiza sua política de ciência e tecnologia tem
impacto global. Essa tríade condiciona a forma pela qual os demais países do mundo
devem adaptar-se em termos de organização, prioridades e aplicações tecnológicas. Não é
surpresa que todo esse sistema criado pelos países desenvolvidos seja visto:
" do exterior como um formidável monolito de poder
tecnológico; tão formidável que é dificil ver como ele poderia ser
emulado, ou como estratégias alternativas poderiam ser desenvolvidas.
Os resultados [desse arranjo 1 são inquestionáveis. Há, entretanto,
muitas fraquezas e nem todos os países industriais estão igualmente
168 Idem, ibdem. 169 Uma discussão detalhada da idéia de sistema de extração de resultados de pesquisa pode ser encontrado em : OECD. Maior R&D programmes for in(QrmatiQn techn% gy. Paris, 1989.
97
bem equipados para confrontar os desafios da nova economia
emergente no mundo." 1 70
Os sistemas de ciência e tecnologia dos países industrializados refletem em
cada país o resultado de uma combinação única, que por sua vez determina a capacidade
de sucesso em ciência e tecnologia. Os fatores mais importantes e condicionantes da
estruturação desses sistemas de ciência e tecnologia são: cronologia da industrialização;
forma da emergência da ciência; impacto da segunda guerra mundial; criação de centros de
pesquisa militares; papel do Estado; grau de internacionalização da economia e natureza do
consenso nacional acerca das atribuições do Estado17 1 .
Esses fatores de natureza estrutural a conjuntural combinam-se sob formas
diferentes em cada país. Assim desenvolvem-se formas específicas de lidar com a ciência e
a tecnologia e de sua inserção e papel na sociedade. A posição atual de um país no contexto
científico e tecnológico também reflete sua herança histórica. Essa herança condiciona a
velocidade de adaptação a novos desafios e oportunidades.
Durante a década de 70, a recessão, o aumento do custo das matérias primas
e o surgimento de novos competidores no mercado internacional provocaram mudanças no
comportamento dos países industrializados. Foi percebido que sua posição hegemônica não
era eterna e que vantagens competitivas e capacidades inovativas deviam ser procuradas. A
competição comercial ganhou importância. Processos de produção mais efetivos e um
grande leque de produtos oferecidos tomaram-se fortes vantagens competitivas. Esse
contexto obrigou a tecnologia a se orientar pelo mercado. Tomou-se claro que o sucesso
comercial estava associado diretamente à novos fatores tais como capacidade de extração
rápida de resultados de pesquisas, ajuste fino às mudanças do mercado e diminuição do
tempo gasto entre o surgimento de uma idéia e a sua transformação em produtos
comercializáveis.
170 FERNÉ, GEORGES. op. Cito 171 Idem ibdem.
98
Durante a década de 80 uma importante mudança conceitual ocorreu. Ficou
claro que eram as empresas e não os Estados que deveriam ser os atores principais no
processo de inovação 172 . Os Estados dos países industrializados não conseguiam
identificar mercados e aplicações comerciais de forma adequada, adotando um novo papel.
Nesse novo papel caberia ao Estado: criação de uma teia que interligasse e
desse coesão e coerência às condições econômicas, institucionais e legais; concessão de
incentivos e condições estruturais básicas, tais como mão-de-obra educada e treinada, para
a criação de um ambiente favorável para a inovação e adaptação industrial.
Foi também necessário perceber que nesse contexto de mudanças o
conhecimento científico e tecnológico tomou-se commoditie. Femé afirma que o sucesso
em processar essa commoditie resulta da habilidade em compreender ou imaginar todas as
dimensões e potenciais de seu uso nos diversos setores da economia. Os sucessos
comerciais são o resultado do reconhecimento de novas combinações (quase que ao acaso)
de funções tecnológicas ainda não antecipadas.
Segundo Femé, não foi antecipado por esses paises que as novas tecnologias
(informática e telecomunicações em particular) teriam tão grande impacto nos mercados
mundiais e na aceleração do processo de globalização173 • Tampouco foi percebido que as
forças do mercado estavam tomando-se gradativamente instrumentais na moldagem do
progresso tecnológico em muitos segmentos estratégicos. Como resultado, as margens de
escolha dos países foram reduzidas.
Assim como Alvin Toffler, Femé também acredita que as tecnologias de
informação tem impacto considerável na economia mundial174 . Essa tecnologia é definida
como a convergência da eletrônica, da computação e das telecomunicações175 • Entretanto a
capacidade de geração e processamento de dados está crescendo a taxa tão alta que muitas
/ 72 PORTER. M/CHAEL E.. A Vantagem Competitiva das Nações. Rio de Janeiro. Editora Campus, /993. 1 73 FERNÉ, GEORGES. Op. Cito 1 74 TOFFLER, ALV/N. Op. Cit. 175 FERNÉ.GEORGES. Op. Ci/.
99
tecnologias podem ser encaradas como tendo atingido um patamar novo e qualitativamente
diferente.
Nesse novo patamar, a evolução tecnológica depende mais de como a
informação é manipulada. A tecnologia da informação possui uma instrumentalidade que
permite trocar métodos de produção obsoletos por outros mais novos. Possibilidades sem
precedentes de coleta de dados, processamento, compartilhamento e distribuição de
informações criaram novas dimensões no gerenciamento de indústrias e serviços.
Para atingir todo o seu potencial, essas novas tecnologias de informação
formam redes com duas características importantes: retornos crescentes por adoção e
externalidades176 • Essas características estão intrinsecamente relacionadas com a dinàmica
das forças de mercado.
o retorno crescente por adoção é inerente à estrutura dos sistemas de
informação. Ao contrário de muitos sistemas tecnológicos do passado em que os custos de
instalação e de operação eram altos nos sistemas de informação isso não acontece. Nos
sistemas de informação (como telefonia e processamento eletrônico de dados) o custo de
instalação é alto porém o custo de manutenção é baixo. Esses sistemas possuem duas
qualidades interessantes: baixo custo marginal de acréscimo de usuários e atratividade do
sistema diretamente proporcional ao número de usuários.
o conceito de extemalidades está baseado na idéia de que o acréscimo de
um usuário adicional em uma rede beneficia todos os usuários da rede. Por exemplo, o
acréscimo de um aparelho de fax adicional em uma rede beneficia todos os existentes por
possibilitar-lhes a probabilidade de ligação para um novo número. O beneficio também
pode ser medido pelo aumento incrementai do hardware disponível representado por mais
um aparelho de fax na rede.
/76 0ECD. Informa/iDo techuolog)' standards lhe economic dimension. Paris, 1991.
100
Essas características da economia de redes definem um novo ambiente
econômico onde a difusão das inovações é acelerada e se expande em ondas. É precisamente a combinação dinâmica dessas características que gera a globalização. Elas
conduzem a economia mundial para o estabelecimento de um sistema de redes. Pertencer a
esse sistema é um pré-requisito para a participação no comércio mundiaJl77 .
Uma peculiaridade do processo de globalização é a ênfase na padronização
de produtos e processos. Ela geralmente ocorre devido a necessidade de economia de
escala nos processos produtivos. A padronização visa garantir que sucessivas gerações de
determinado produto ou equipamento sejam compatíveis com as anteriores, possibilitando
a interconexão de redes e a evolução sem saltos que exijam altos investimentos. As
modernas redes de microcomputadores são um bom exemplo.
A combinação entre o paradigma centrado no mercado e o processo de
globalização tem afetado a pesquisa acadêmica e a atuação das instituições de pesquisa do
Estado nos países industrializados. A colaboração intersetorial tem aumentado entre
universidades e indústrias. Esse fato tem colocado em xeque a integridade das instituições
acadêmicas. Comportamentos e atitudes que afetaram as tradicionais transparência e
difusão de idéias nas universidades começaram a aparecer. Idéias potencialmente
patenteáveis são sistematicamente preservadas e não são difundidas.
o sucesso tornou-se muito mais ligado à capacidade de acessar as
informações corretas e identificar a relevância e a sinergia potenciais espalhadas pelos
diversos elementos de informaçãol78 . Apesar disso, nenhuma organização pode esperar
dominar sozinha o volume de informação criado e acrescentado ao estoque de
conhecimento existente. Torna-se então imprescindível comercializar com outras
organizações as disponibilidades de acesso a informações vitais. Essa nova conjuntura
explica dois fatos extremamente üp.portantes.
177 Idem, ibdem 178 FERNÉ.GEORGES. ( 1995). Op. Cito
1 0 1
o primeiro é o extraordinário desenvolvimento das relações indústrias /
universidades. As indústrias não apoiam as pesquisas acadêmicas apenas por diletantismo.
Elas têm interesse em criar e manter, a custo relativamente baixo, um canal através do qual
podem contatar as pesquisas relevantes feitas ao redor do mundo.
o segundo fato é a tentativa do Estado de tomar parte do gerenciamento e
controle do processo de geração e difusão do conhecimento. Em nenhuma outra época na
história da humanidade um ditado foi utilizado tão corretamente quanto hoje:
conhecimento é poder.
As conseqüências desse processo de globalização são muito sérias. As
pressões para a internacionalização das economias e contra as idéias nacionalistas são
extremamente fortes. O paradigma atual é o da inevitabilidade da interdependência. A
conseqüência mais clara disso é o surgimento de blocos regionais de cooperação
econômica, compostos por Estados lutando para redefinir papéis políticos e econômicos.
Dois dos pilares desse novo paradigma são que: nenhum país poderá ser bem sucedido se
não tiver os recursos científicos e tecnológicos necessários para se inserir e participar de
um fluxo ininterrupto de inovações tecnológicas e cada país deve perceber que existe uma
margem de liberdade limitada para a escolha das tecnologias em que deve investir.
Observando-se os programas científicos e tecnológicos dos países europeus,
da América do Norte e da Ásia nota-se que esses países possuem, de fato, um núcleo
comum que reflete o domínio de uma base tecnológica. Uma vez dominada essa base,
diversos graus de autonomia e especialização podem ser alcançados. Esse núcleo comum é
denominado de core technologies.
As core technologies compõem um conjunto de tecnologias que devem ser
dominadas a priori. Elas devem criar o estoque mínimo de conhecimentos necessários, sem
os quais não será possível assimilar novas tecnologias179 .
1 79 Idem, ibdem.
1 02
Um exemplo é o conjunto fonnado por biotecnologia, tecnologia de
infonnação e pesquisa de novos materiais. Essas três áreas tornaram-se portões de acesso
obrigatório para a aquisição de modernas tecnologias industriais. Elas têm em comum
diversas características que exemplificam esse processo de acesso: em todas as três são
exigidas sofisticadas aplicações de tecnologias de informação; são multidisciplinares, não
têm ligações exclusivas com setores particulares da economia e possuem implicações em
diversas esferas da atividade humana.
A pesquisa nessas áreas é orientada para problemas específicos. Esse tipo de
orientação está nornlalmente associada aos maiores avanços tecnológicos devido à pressão
socío-econômica da sociedade para a busca de soluções. Todas essas características
evoluem dinamicamente com os avanços de pesquisa ao redor do mundo.
o correto entendimento desse contexto de escolhas e margens de liberdade
permite deternlÍnar as condições de contorno do país na área tecnológica. A tarefa será
então a de identificar que picos que não escalar, que vales atravessar, e que obstáculos
contornar.
Para ser efetivo, esse trabalho deve contribuir para a fornmlação estratégica
nacional e ser desenvolvido em uma base em contínuo processo de mutação. Esse trabalho
de construção é chamado de technological landscapingJ80 (algo como a construção de
uma paisagem tecnológica). Cada país tem a sua própria paisagem a ser construída, de
fonna dinâmica e evolutiva a despeito das injunções do paradigma estabelecido.
A idéia de technological landscaping não serve apenas para coleta de dados.
Ela permite compreender o caos de informações e estímulos disponíveis. O seu maIOr
desafio é provavelmente organizar as informações existentes de modo a facilitar a
identificação natural de áreas de interesse.
1 80 Idem, ibdem.
103
2.2.5 Histórico e organização da Ciência e Tecnologia no Brasil
A política científica e tecnológica de um país tem como referencial o padrão
de crescimento econômico no qual deve atuar, bem como a política econômica e industrial
às quais está associada18 1 • No caso brasileiro a política científica e tecnológica sofreu uma
mudança a partir do momento em que o paradigma de inserção do país no cenário
internacional começou a mudar, com uma inflexão na política industrial e de comércio
exterior. O Brasil abandonou o modelo que privilegiava a substituição das importações e
incentivava a autonomia e o isolacionismo e passou a adotar o modelo de abertura
comercial derivada dos preceitos do neoliberalismo.
Guimarães afirma que a pnmelra tentativa brasileira de adoção de uma
política tecnológica foi o chamado Plano Estratégico de Desenvolvimento, elaborado em
1 968 182 . Schwartzman, por sua vez, credita esse pioneirismo à instituições científicas
datadas do século XIX e ao Conselho Nacional de Pesquisas criado no início dos anos
50183 • Os dois concordam, entretanto, quando afirmam que a parte mais significativa do
sistema atualmente existente no Brasil foi criada durante o regime militar, entre 1 968 e
1 980.
Schwartzman aponta os fatores que contribuíram para esse crescimento: a
preocupação dos militares com a capacitação em C&T no país como parte de um projeto
estratégico maior; o apoio que esse projeto estratégico recebeu da comunidade científica; o
crescimento econômico; o estabelecimento de burocracias insulares e a expansão da base
de arrecadação fiscal I 84 • Ele entende as políticas do setor de C&T como conseqüências
naturais das mudanças ocorridas na sociedade nas décadas anteriores. O Brasil passou, no
181 GUIMARÃES, EDUARDO. AUGUSTO. A Política cientifica e tecnológica e as necessidades do setor produtivo. 1n: Ciência e tecnologia no Brasil' Políticq industrial mercado de trqbalho e instituiçÕes de qpojo. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, /995 1 82 GUIMARAES. EDUARDO. AUGUSTO. Dp. Cit. 183 SCHWAR7ZMAN, SIMDN; ET ALL. Ciência e tecnologia no Brasil: uma nova política para um mundo global. 1n: Ciência e tecnologia no Brasil: Patifica industrial, mercado de trabalho e instituiçÕes de apoio. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, /995 184 SCHWAR7ZMAN, SIMDN; ET ALL. Dp. cito
1 04
período entre 1 950 e 1 980, da condição de sociedade agrária para a de urna sociedade
industrializada com alto grau de urbanização.
Ainda segundo Schwartzman, a política de C&T passou por duas etapas
distintas: a primeira nos anos 70, marcada pela continuidade na gestão da política científica
e tecnológica; a segunda, durante a década de 80, marcada pela redução de recursos
governamentais para ciência e tecnologia Esse autor afirma que ambas as etapas foram
caracterizadas pela necessidade de acelerar o ritmo de incorporação de tecnologia e pela
criação, via pesquisa, de tecnologia própria para assegurar independência de fontes
externas. Essas linhas de conduta eram congruentes com a política de substituição das
importações adotada pelo Estado à época. A independência tecnológica seria o último
passo no projeto de autonomia nacional.
Entretanto, Guimarães afirma que os pontos fracos da política tecnológica
brasileira foram a falta de mobilização do setor privado e a indiferença quanto à origem da
tecnologia que viabilizaria o projeto de substituição das importações. O projeto político
ficou restrito à burocracia estatal e à comunidade acadêmica.
O desinteresse do setor privado foi patente desde o início do processo. No
final da década de 70, os volumes alocados pela iniciativa privada corresponderam a cerca
de 3% do total despendido pelos Tesouros federal e estaduais. Segundo Guimarães esse
baixo comprometimento do setor privado continuou ao longo dos anos 80. Por outro lado o
percentual alocado pelas empresas estatais oscilou em tomo de expressivos 1 9%. 1 85
Apesar do esforço, a redução da dependência do setor produtivo em relação
ao exterior não diminuiu. Guimarães é de opinião que o esforço fracassou devido a três
fatores : avaliação equivocada do potencial de sucesso da união universidade / instituições
de pesquisa; trajetória autônoma descrita pela comunidade acadêmica devido a sua
desvinculação com o setor produtivo e pela descrença do empresariado na pesquisa
1 85 GUlMARÃES, EDUARDO A UGUSTo. Op. OI.
1 05
tecnológica como solução de seus problemas. Diante desse quadro o Estado tentou diversas
iniciativas políticas na área de C&T . Quatro merecem destaque.
A primeira iniciativa foi a reforma universitária de 1 968, com a adoção do
sistema norte-americano de pós-graduação, organização das universidades em institutos e
departamentos e o sistema de créditos.
A segunda foi a vinculação do setor de C&T à área econômica federal,
sendo criada a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) como administradora de
recursos com autonomia e flexibilidade.
Em terceiro lugar foram criados centros de P&D de grande porte. No Rio de
Janeiro foi criada a Coordenação de Programas de Pós-graduação em Engenharia -
COPPE/UFRJ e em Campinas a Unicamp.
A quarta iniciativa foi a celebração do o acordo Nuclear com a Alemanha e
o início de vários projetos de natureza militar e centros de pesquisa ligados a empresas
estatais.
Como exemplos da política adotada pelo Estado para o setor de C& T foram
criadas a reserva de mercado para informática e adotada a formulação de políticas
científicas através dos planos básicos de desenvolvimento científico e tecnológico
(PBDCT).
A partir dos anos 80, o modelo foi posto em xeque devido a burocratização,
a incerteza das dotações orçamentárias, a crise fiscal do Estado, aos laços tênues com a
iniciativa privada e ao ambiente protecionista existente.
A cultura brasileira de responder às necessidades com exercícios de
planejamento global geradores de planos para serem administrados pela burocracia também
atrapalhou bastante. Desde a década de 70 três planos nacionais para o desenvolvimento
1 06
tecnológico foram instituídos, todos baseados em complexos sistemas de coordenação para
articulação das atividades do setor. O resultado mais palpável foi o legado de grandes
burocracias federais para o planejamento e gestão de C&T186 .
Algumas dessas agências federais de C& T sofrem os efeitos do gigantismo
burocrático, dos baixos salários e da militância política dos funcionários. Outras tem falta
de quadros e limitações jurídicas para contratar pessoal especializado. A maior parte dos
institutos de pesquisa sofre com a falta de recursos e ainda não se chegou a um consenso
sobre o rumo a dar aos grandes projetos herdados de administrações anteriores. Com
exceção de poucas instituições, como a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo
(Fapesp), as agências federais de financiamento estão limitadas em sua capacidade de
prover recursos para projetos de pesquisa.
Por fim, Schwartzman é de opinião que a legislação é excessivamente
benevolente ao permitir a aposentadoria precoce de docentes universitários e funcionários
púhlicos. Essas vantagens, combinadas com a falta de perspectiva, está exaurindo a
comunidade científica em tamanho e qualidade.
Diante desse quadro institucional qual é hoje a participação do Brasil no
contexto científico internacional? De acordo com os dados compilados por Brisolla, o
Brasil investe, em termos relativos, entre 0,6 e 0,8% do PIB em atividades de ciência e
tecnologia 187 . Em termos absolutos são cerca de U$ 2 a U$ 3 bilhões de dólares. Uma idéia
da ordem de grandeza que separa o Brasil dos países desenvolvidos é possível se
compararmos esses valores com o investimento feito pelos Estados Unidos. De acordo com
Brascomb, o total gasto em 1 990 pelos Estados Unidos em atividades de P&D foi de cerca
de U$ 1 45 bilhões de dólaresl88 .
/86 idem, ibdem. /87 BRISOLLA, S. Indicadores quantitativos de ciência e tecnologia no Brasil. In : Ciência e tecnologia no Brasil' Política industrjal mercadQ de trahalho e inçtituicÕes de apoio. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1995 /88 BRANSCOMB. LEWIS M. Op. Cito
1 07
Segundo Schott, por realizar apenas I % da pesquisa científica mundial, o
Brasil pode ser considerado um país cientificamente pequeno. Apesar da pesquisa
científica brasileira corresponder a cerca de metade da que é feita na América Latina ela
representa apenas um terço da que é feita em Israel. Essa diferença está relacionada com os
diferentes graus de institucionalização da ciência em cada paísl89 . Para alterar esse cenário,
Schwartzman e Guimarães fazem diversas recomendações.
Schwartzman é de opinião que o Brasil deve redirecionar as políticas
tecnológicas do país, de acordo com as novas realidades econômicas. Deve proteger a
capacitação científica já existente; implantar uma política tríplice de desenvolvimento de
C&T, com mecanismos de apoio bem distintos para a ciência básica, a aplicada e a
educação. Ele também acredita que deve ser criada uma infra-estrutura para disseminação
do conhecimento e a informação; uma reforma institucional que agiliza as agências
federais de gestão de C&T e projetos setoriais que reflitam o conceito de core technologies
apresentado por Fernél90 •
Ele também acredita que o Brasil deve incorporar mais tecnologia aos
processos produtivos, para aumento da competitividade, dando maior relevância aos atores
privados e adotando uma política industrial que induza o aumento da competitividade.
Devem ser estimuladas a transferência, a difusão e a absorção de tecnologias.
No setor público as agências e institutos governamentais da área de infra
estrutura tecnológica industrial básica devem ser incentivados e fortalecidos. As grandes
empresas estatais devem ser utilizadas como elemento indutor de mudanças técnicas,
melhoria de qualidade e aumento de eficiência.
Guimarães, por seu turno, recomenda a utilização dos instrumentos
tradicionais como financiamentos, incentivos setoriais e fomento. Ele acredita que em um
/89 SCH01T, THOMAS. Op. Cito /90 FERNÉ, GEORGES. Op. Cito
108
ambiente competitivo tais instrumentos sejam mais eficazes do que foram no passado em
um ambiente protegido.
As atitudes de natureza setorial são justificadas pOIS os segmentos
industriais não reagem de modo uniforme à intensificação da concorrência. Ele pressupõe
que a reação imediata de alguns setores será reivindicar o restabelecimento de mecanismos
de proteção que assegurem a sua sobrevivência. Tais reivindicações devem ser rechaçadas.
Entretanto, Guimarães concede que uma política tecnológica consistente
contemple, em seu aspecto setorial, casos em que a proteção por tempo limitado permitirá a
reestruturação, a renovação tecnológica e a competitividade.
2.3 A organização e suas configurações estruturais
Veio sobre mim a mão do Senhor, e ele me fez sair no Espírito do Senhor, e me pôs no meio de um vale que estava cheio de ossos.
E me fez passar em volta deles; e eis que eram mui numerosos sobre a face do vale, e eis que estavam sequíssimos.
E me disse: filho do homem, porventura viverão estes ossos? E eu disse Senhor Deus, tu o sabes.
Então me disse: Profetiza sobre estes ossos, e dize-lhes: ossos secos ouvi a palavra do Senhor.
Assim diz o Senhor Deus a estes ossos: eis que farei crescer carne sobre vós, e sobre vós estenderei pele, e porei em vós o espírito, e vivereis, e sabereis que eu sou o Senhor.
Então profetizei como se me deu ordem. E houve um ruído, enquanto eu profetizava; e eis que se fez um rebuliço, e os ossos se achegaram, cada osso ao seu osso.
E olhei e eis que vieram nervos sobre eles, e cresceu a carne, e estendeu-se a pele sobre eles por cima; mas não havia neles o espírito.
E ele me disse: profetiza ao espírito, profetiza Ó filho do homem, e dize ao espírito: assim diz o Senhor Deus: vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam.
E profetizei como ele me deu ordem; então o espírito entrou neles, e viveram, e se puseram em pé, um exército grande em ex/remo.
Ezequiel 37 : 1 - 10
109
o Estado tem como braços atuantes as organizações públicas. Estas
atuam dando forma e consistência às políticas e estratégias escolhidas pelo governo. A
crise do Estado reflete-se diretamente nas organizações que o compõem.
A natureza, a cultura e a forma de atuação das organizações são
condicionadas pelo ambiente em que estão inseridas. São influenciadas e influenciam o
ambiente que as cerca através de um processo contínuo de troca de informações e
estímulos. Por esse motivo é importante entender a influência mútua entre as organizações
1 10
que compõem o Estado e o ambiente. O primeiro passo é compreender de forma adequada
o fenômeno organizacional.
Diversas escolas de pensamento explicam as organizações. Não é o
objetivo desta dissertação revisar as escolas de pensamento que versam sobre o fenômeno
organizacional. Por questões de espaço e tempo, para explicar a estruturação das
organizações foi escolhido o modelo proposto por Mintzberg. 191
A questão do poder será analisada tendo por base a proposta teórica
que Mintzberg apresenta em modelo posterior e complementar ao seu trabalho sobre as
estruturas organizacionais . 192
Henry Mintzbergl93 explica a dinâmica da estruturação da
organização e a interação entre os aspectos estruturais, os fluxos dinâmicos que existem
dentro da organização e os fatores contingenciais que a permeiam.
Seu trabalho deriva de uma extensiva pesquisa bibliográfica e
histórica das escolas de administração. Mintzberg tenta evitar o que considera o problema
fundamental dos estudos sobre organizações feitos até então: a falha em relacionar a
descrição da estrutura com o real funcionamento das organizações.
Mintzberg(l979) afirma não ter encontrado na literatura disponível
nada que descrevesse como as organizações funcionavam, como as informações, o poder e
os processos decisórios fluíam. Também Conrath concluiu, após extensiva revisão
bibliográfica sobre o mesmo tema:
/9/ MINTZBERG, HENRY The Srrucluring oi Organizations. Englewood Cliffs, New Jersey. Prentice Ha/l, Inc., 1979. /92 MINTZBERG, HENRY PQwer in and Around Organizations. Englewood C1iffs, New Jersey, Prentiee Ha/l, lne" 1983. /93 MINTZBERG, HENRY(l979). Op. Cil.
" nwnerosos conceitos de estruturas organizacionais
podem ser encontrados na literatura . . . Infelizmente, poucos deles
podem ser relacionados às propriedades de comunicação, e os
poucos que podem estão limitados ao estudo de pequenos grupos . . .
Em nenhwn dos casos os dados relativos à comunicação foram
utilizados diretamente para evidenciar propriedades estruturais ( p.
592)"194 .
1 1 1
o modelo proposto por Mintzberg encara a organização como
entidade dinâmica composta por fatores fundamentais, parâmetros de projeto e fatores
contingenciais em constante interação. Os fatores fundamentais são três: mecanismos de
coordenação, elementos estruturais e sistemas de fluxo.
Os mecanismos de coordenação são cinco: o ajustamento mútuo, a
supervisão direta, a padronização de métodos de trabalho, a padronização de resultados e a
padronização de habilidades.
Os elementos estruturais são cinco : o núcleo operacional, a linha
média, a tecno-estrutura, o staff de suporte e o ápice estratégico. Os sistemas de fluxo são
cinco : o sistema formal de autoridade, o sistema de fluxo regular de informações, o
sistema de comunicação informal, o sistema de constelações de trabalho e o sistema de
processos de decisões ad hoc.
Os parâmetros de projeto são nove: a especialização do trabalho, a
formalização do comportamento, treinamento e doutrinamento, grupamento, tamanho das
unidades, planejamento, sistemas de controle, dispositivos de ligação e descentralização.
Os fatores contingenciais são quatro: idade e tamanho, sistema técnico, ambiente e poder.
194 CONRATH, D. W Communications Environment and its Re/ationshiD lo Qrganizational Structure Management Science /973, p. 586 - 602.
1 1 2
Ao relacionar fatores fundamentais, parâmetros de projeto e fatores
contingenciais a síntese aglutina as organizações em uma tipologia de configurações
estruturais. Essa tipologia engloba cinco configurações que predominam e explicam de
forma surpreendente um grande número de descobertas da pesquisa.
Em cada configuração, uma parte da organização e um mecanismo
de coordenação emergem como preeminentes. As cinco configurações são: a estrutura
simples (supervisão direta, ápice estratégico), máquina burocrática (padronização de
métodos de trabalho e tecno-estrutura), burocracia profissional (padronização de
habilidades, núcleo operacional),forma divisionalizada (padronização de resultados e linha
média) e a adhocracia (ajustamento mútuo e staff).
2.3.1 Os mecanismos de coordenação
Toda e qualquer atividade humana - desde a mais simples
manufatura até a execução das tarefas mais complexas - dá origem a duas questões
fundamentais e que normalmente se opõem: a divisão do trabalho nas diversas tarefas que
devem ser realizadas e a coordenação dessas tarefas para alcançar os objetivos propostos.
A estrutura de uma organização pode ser simplesmente definida
como a soma total das formas pelas quais ela divide o trabalho em tarefas distintas e a
forma através da qual alcança a coordenação entre essas tarefas.
A divisão do trabalho, normalmente, é condicionada pelo serviço a
ser feito e pelo sistema técnico disponível para realizá· lo. A coordenação, entretanto, é
função um pouco mais complexa e envolve diversos mecanismos de coordenação. Apesar
do nome, eles envolvem também funções de controle e de comunicação dentro da
organização.
1 1 3
Os mecanismos de coordenação podem ser classificados em cinco
tipos básicos. Esses cinco mecanismos de coordenação explicam os caminhos
fundamentais através dos quais as organizações coordenam o seu trabalho: o ajuste mútuo,
a supervisão direta, a padronização de métodos de trabalho, a padronização de resultados e
a padronização de habilidades profissionais.
Ajuste mútuo é o mecanismo que permite coordenar o trabalho pelo
processo de simples comunicação informal. O controle do trabalho está nas mãos do
profissional. Pela sua simplicidade, a coordenação por ajuste mútuo é utilizada nas
organizações mais simples. De forma paradoxal, também é utilizada em tarefas mais
complicadas, por ser a única que funciona em situações extremamente dificeis ou
imprevisíveis.
Atividades como a pesquisa tecnológica de ponta ou viagens
espaciais requerem divisão de trabalho incrivelmente elaborada e detalhada, com milhares
de especialistas executando as mais complexas tarefas. Nessas atividades nem sempre o
resultado é conhecido com antecedência e não raro o conhecimento se desenvolve ao longo
da atividade. A despeito da existência de outros mecanismos de coordenação, o sucesso
depende da habilidade dos especialistas em adaptar-se uns aos outros ao longo de sua
estrada não mapeada, de forma similar a dois homens em uma canoa.
A supervisão direta permite a coordenação da atividade através da
atribuição a um indivíduo da responsabilidade pelo trabalho de outros. Esse indivíduo
passa instruções e monitora as ações de outros.
Muitos trabalhos podem ser padronizados, ou seja, executados sem
nenhum ajuste mútuo ou supervisão. A coordenação entre as partes é incorporada ao
programa de trabalho no momento em que ele é concebido. Simon e March afirmam que
dessa forma a necessidade de contínua de comunicação é grandemente reduzidal95 . A
coordenação é definida na fase de projeto das atividades.
195 MARCH, J. G.; SIMON, H. A. Organizations. John Wiley & Sons, 1958.
1 14
Existem três formas básicas para se alcançar a padronização dentro
das organizações. A padronização dos métodos de trabalho, a padronização dos resultados
e a padronização das habilidades profissionais ou do conhecimento.
A padronização dos métodos de trabalho ocorre quando o conteúdo
do trabalho é especificado ou programado. Exemplo típico são as instruções para a
montagem de um brinquedo de armar. O fabricante, com efeito, padroniza o processo de
montagem do brinquedo. Esse tipo de padronização pode ser levada bem longe nas
organizações. As linhas de montagem são o seu melhor exemplo.
A padronização dos resultados ocorre quando apenas o resultado
final do processo de trabalho é objeto de medição e aferição. Ele ocorre quando o objeto de
controle são as medidas finais ou a desempenho de um produto ou sistema.
A padronização de habilidades ou conhecimento ocorre quando a
padronização recai sobre os métodos de treinamento exigidos para executar determinada
tarefa. Ocorre quando nem os métodos nem os resultados do trabalho podem ser
padronizados.
Esses cmco tipos de mecanIsmos de coordenação, segundo
Mintzberg, ocorrem em uma ordem pré-determinada. Conforme a organização se torna
mais complexa, os meios preferenciais de coordenação mudam do ajustamento mútuo para
a supervisão direta, para a padronização de processos, resultados e habilidades, nessa
ordem. E, finalmente, se a complexidade aumentar, volta para o ajustamento mútuo. A
mudança entre um e outro ocorre de forma contínua e não discreta. Isso implica que, sob
determinadas condições, uma organização favorecerá um mecanismo em detrimento dos
outros.
1 1 5
2.3.2 Os cinco elementos estruturais das organizações
Como visto anteriormente, o mecanismo de coordenação mais
simples existente na organização é o ajustamento mútuo. Conforme a organização cresce
ela passa a adotar formas mais complexas de divisão de trabalho entre seus operadores. A
primeira divisão administrativa ocorre com a inclusão da figura do supervisor ou gerente.
Essa primeira divisão ocorre entre aqueles que fazem o trabalho, isto é os que compõem o
núcleo operacional, e aqueles que o supervisionam. Conforme a organização se toma maior
e mais complexa, outros gerentes são adicionados. Passam a existir não somente gerentes
de operadores, mas gerentes de gerentes. Uma hierarquia administrativa baseada na
autoridade é construída.
A linha de hierarquia administrativa pode ser dividida em duas
partes. A pnmelra parte, composta por aqueles gerentes mais próximos do topo da
hierarquia, formam o chamado ápice estratégico da organização . Os que estão mais abaixo,
unindo o ápice estratégico aos operadores, através da cadeia de comando, formam a
chamada linha média.
Com a continuidade do processo de elaboração, a organização
começa a utilizar a padronização como meio de coordenação de seus operadores. A
responsabilidade pela elaboração dessa padronização, em suas di versas formas, é atribuída
a um terceiro grupo dentro da organização. Esse grupo é composto por analistas.
A introdução desses analistas provoca um segundo tipo de divisão
administrativa no trabalho dentro da organização. Essa divisão separa os que fazem e
supervisionam o trabalho daqueles que o padronizam. A primeira divisão retira o controle
do trabalho do operadores. Conforme os sistemas projetados pelos analistas passam a ter
cada vez mais controle da coordenação, diminui o controle dos gerentes. Os analistas,
divididos em dois grupos distintos, passam a institucionalizar o trabalho do gerente. O
primeiro grupo é chamado de tecno-estrutura e o segundo de staff de suporte.
1 1 6
A tecno-estrutura é composta por analistas responsáveis pela
padronização do trabalho de outros e pela aplicação de técnicas analíticas para ajudar a
organização a se adaptar ao seu ambiente.
o staff de suporte, por outro lado, trabalha apoiando o núcleo
operacional de forma indireta, isto é, fora do fluxo operacional do trabalho. Exemplos
típicos de atividades de staffs de suporte são as atividades de pesquisa e desenvolvimento
em fábricas, a elaboração de folhas de pagamento, a assessoria legal e o trabalho de
relações públicas. Mintzberg(1 979) utiliza, para representar a sua síntese estrutural, o que
ele chama de logo ou símbolo do modelo teórico, apresentado na figura 2. 1 .
NÚCLEO OPI:II: ACIOHAL
FIG. 2. J Os cincas elementos estruturais das organizações
adaptado de Mintzberg(l979)
o núcleo operacional da organização é composto pelos operadores,
que executam o trabalho relacionado diretamente com a produção de bens e serviços. Os
operadores executam quatro funções básicas.
1 1 7
A primeira função é garantir a chegada dos insumos até o local da
produção. Em uma fábrica, por exemplo o setor de suprimentos adquire a matéria prima e o
setor de recebimento faz com que ela chegue ao chão de fábrica para iniciar a fabricação.
Em uma escola seria a preparação das salas de aula e a reunião dos alunos para o
aprendizado. A segunda função é efetuar o processo de transformação dos insumos ou
matérias primas em produtos ou serviços. Algumas organizações transformam matérias
primas em produtos. Um exemplo é a indústria de celulose que transforma árvores em
papel. Outras organizações transformam peças e componentes em produtos acabados
como a indústria de computadores (hardware). Por fim outras transformam informações ou
pessoas, como a indústria de informática (software), os hospitais, as escolas e etc. A
terceira função é a distribuição dos resultados ou outputs após os processos de
transformação. As vendas e a distribuição de produtos acabados são um bom exemplo. A
quarta e última função é prover suporte técnico e operacional para o processo de
transformação. Bons exemplos dessa função são a manutenção de equipamentos e a de
inventários de matérias primas.
Colocado de forma oposta ao núcleo operacional está o ápice
estratégico. Aí são encontrados os elementos com a maior carga de responsabilidade dentro
da organização: o CEOl96 (que pode ser chamado de presidente, superintendente, papa) , e
outros gerentes com visão global da organização.
Em algumas organizações, o ápice estratégico inclui um conselho de
administração que procura harmonizar os diversos interesses dos grupos nele representado;
em outras existe um comitê executivo - composto por dois ou três indivíduos que
compartilham a função de CEO.
Mintzberg(1 979) conceitua o ápice estratégico como o elemento que
garante que a organização desempenhe a sua missão de forma efetiva e atenda aos
interesses das pessoas que a controlam ou que tem alguma parcela de poder para
196 CEO são as iniciais de Chief Executive OjJicer. Pode ser entendida como Principal Chefe Executivo. Será utilizada, para evitar um neologismo e por força do hábito, a sigla em inglês.
1 1 8
influenciá-Ial97 . Essa posição impõe três tipos de responsabilidades para o ápice
estratégico.
o primeiro é a supervisão direta. Esse mecanismo de coordenação,
embora de responsabilidade direta dos gerentes de linha média, em última instância deve
ser exercido pelo ápice estratégico. A supervisão direta implica na alocação de recursos, no
projeto da estrutura da organização, a atribuições de tarefas e responsabilidades, a emissão
de ordens de serviço e delegação de poder para tomadas de decisão. O segundo grupo de
atribuições do ápice estratégico está relacionado com o gerenciamento das condições de
contorno da organização e seu relacionamento com o ambiente. O terceiro grupo de
atividades está relacionado com a estratégia da organização.
De fOTIna geral, o ápice estratégico tem a perspectiva mais ampla e
abstrata da organização. O trabalho nesse nível tem um mínimo de repetição e
padronização, sendo caracterizado por ciclos de tomada de decisão longos e utilização do
ajuste mútuo como mecanismo de coordenação nOTInalmente utilizado.
A linha média é composta por uma cadeia de gerentes de linha com
autoridade fOTInal que interligam o ápice estratégico ao núcleo operacional. Essa cadeia se
estende desde os gerentes seniores, logo abaixo do ápice estratégico, até os primeiros
supervisores, que tem autoridade direta sobre os operadores.
Teoricamente um único gerente - o CEO - poderia supervisionar
todos os operadores. Na prática, entretanto, a supervisão direta exige um contato estreito e
direto entre gerente e operador. Há também um limite para o número de operadores que um
gerente pode supervisionar. Pequenas organizações podem trabalhar com apenas um
gerente. Com o aumento do tamanho e da complexidade exigem um número cada vez
maior de gerentes. Como foi dito a Moisés, no deserto:
197 Fazem parte desse grupo os proprietários, os acionistas, as agências governamentais. os sindicatos, os grupos de pressão etc.
"E tu dentre todo o povo procura homens capazes,
tementes a Deus, homens de verdade, que odeiem a avareza; e põe
nos sobre eles por maiorais de mil, maiorais de cem, maiorais de
cinqüenta, e maiorais de dez;
Para que julguem este povo em todo o tempo; e seja
que todo o negócio grave tragam a ti, mas todo o negócio pequeno
eles o julguem; assim a ti mesmo te aliviarás da carga, e eles a
levarão contigo.
Se isto fizeres, e Deus to mandar, poderás então
subsistir; assim também todo este povo em paz irá ao seu lugar.
E Moisés deu ouvidos à voz de seu sogro, e fez tudo
quanto tinha dito" 198 .
1 1 9
A hierarquia organizacional é construída encarregando o pnmelro
supervisor de um certo número de operadores, formando uma unidade operacional básica;
outro gerente é colocado como responsável por um certo número dessas unidades básicas
criando uma unidade de nível mais alto; e assim até que todas as unidades da organizações
estejam sob a supervisão de um único gerente, designado CEO, complementando a
organização.
Dentro da hierarquia construída, o gerente de linha média executa
diversas tarefas no fluxo de supervisão direta acima e abaixo dele. Ele adquire informações
acerca do desempenho de sua unidade e as manda para os gerentes que estão acima dele,
normalmente agregando valor no processo. 1 99 Ele também intervém diretamente no fluxo
de decisões.
Movendo-se para cima estão perturbações da unidade, propostas de
mudança, e decisões que requerem autorização. Algumas dessas decisões, ele assume
/98 MOISÉS. Bíblia Sagrada Livro do Éxodo, capo 18: 21-24, Rio de Janeiro, Liga Bíblica Trinitariana, 1994. /99 Valor aqui deve ser entendido como informação ou deliberação que transforme ou elabore as informações remetidas.
120
diretamente, enquanto outras são remetidas para uma instância maJOr para decisão.
Movendo-se para baixo estão os recursos que devem ser alocados, normas e planos que
devem ser elaborados em projetos e implementados no âmbito da unidade, ou abaixo.
Mintzberg(l 973) é de opinião que o gerente médio desempenha papéis semelhantes aos do
CED, mas no contexto de sua própria unídade200 .
A função gerencial muda de perfil conforme muda a posição na
cadeia de autoridade quanto mais baixo na hierarquia. O trabalho toma-se mais detalhado e
elaborado, menos abstrato e agregado e mais focado no fluxo operacional da organização.
As funções de tempo real do gerente - especialmente negociação e atenuação de
perturbações - tomam-se especialmente mais importantes nos níveis mais operacionais.
Dentro da tecno-estrutura são encontrados os analistas que servem à
organização influenciando o trabalho dos outros. Esses analistas estão fora do fluxo
operacional de trabalho. Eles podem projetar o trabalho, planejá-lo, mudá-lo ou treinar
pessoas para fazê-lo. A tecno-estrutura é efetiva somente quando utiliza suas técnicas para
tomar o trabalho de outros mais efetivo.
Segundo Mintzberg(l979), a tecno-estrutura tem o compromisso
vital com a mudança; com o perpétuo movimento. A obsessão da organização moderna
com a mudança provavelmente deriva da ambição de grandes tecno-estruturas em busca de
sua própria sobrevivência. A organização perfeitamente estável não teria necessidade de
uma tecno-estrutura.
Existem dois tipos de profissionais na tecno-estrutura. O primeiro
grupo está preocupado com processos de adaptação. Seu alvo principal é a adaptação da
organização às condições ambientais que a cercam. O segundo grupo está mais preocupado
com o controle, com a estabilização e com a padronização das atividades executadas. O
modelo concentra-se nos analistas que efetuam o controle dentro da organização.
200 MINnBERG, HENRY. The Nalure ofManagerial Work. Harper & Row, New Jersey, 1973.
1 2 1
Podem ser destacados três tipos de analistas de controle; cada um
correspondendo a uma forma de padronização. Existem os analistas do trabalho, tais como
engenheiros industriais, que padronizam os métodos de trabalho; os analistas de
planejamento e controle, que padronizam os resultados e outputs da organização; e os
analistas de pessoal, que padronizam a qualificação e as habilidades profissionais.
Em uma organização completamente estruturada, a tecno-estrutura
atua em todos os níveis da hierarquia. Nos níveis inferiores os analistas padronizam o fluxo
de trabalho dos operadores através de instrumentos tais como estudos de tempos e
movimentos, controle de qualidade, e outros mecanismos semelhantes. Nos níveis médios,
eles procuram padronizar o trabalho intelectual da organização 201 e executam trabalhos de
análise de dados e pesquisas para auxiliar o desempenho operacional das unidades. Nos
níveis mais altos elaboram sistemas de planejamento estratégico e desenvolvem sistemas
de controle financeiro para controlar os objetivos das unidades maiores.
o staff de suporte pode ser definido como o conjunto das unidades
especializadas que gravitam dentro da organização com o intuito de proporcionar apoio,
mas não relacionadas com o fluxo operacional de trabalho nem com funções de controle
ou padronização.
Por exemplo, em uma universidade a livraria, a gráfica, os serviços de
impressão, o departamento de pessoal, os alojamentos dos estudantes, o grêmio estudantil e
etc. não fazem parte do núcleo operacional ; isto é não estão ligados diretamente ao ensino
ou à pesquisa (como estão o centro de computação e a biblioteca). Mesmo assim existem
para dar apoio indireto a essas atividades básicas.
Muitas organizações mantém staffs de suporte numa tentativa de
minimizar as incertezas e maximizar o seu controle sobre as suas condições de contorno.
As unidades do staff de suporte podem ser encontradas próximas aos diversos níveis
hierárquicos da organização. Em muitas organizações o serviço de relações públicas ou
20/ Um exemplo é a padronização do treinamento exigido para o exercício de determinadas funções.
122
departamento jurídico estão localizados próximo ao ápice estratégico. Nos níveis médios,
estão as unidades que apoiam as decisões desses níveis tais como relações industriais,
determinação de preços (quando ele não é uma variável estratégica), e pesquisa e
desenvolvimento. Nos níveis mais baixos são encontradas as unidades com trabalho mais
padronizado, típicos do núcleo operacional: folha de pagamento, restaurante, serviços de
malotes e etc.
2.3.3 A organização como um sistema de fluxos
Após apresentar as partes componentes da organização, Mintzberg
detalha como essas partes trabalham juntas. Sugere que não existe um modo pelo qual elas
funcionam juntas, mas que os elos entre elas são variados e complexos.
A proposta consiste em reunir as partes da organização através de
diferentes sistemas de fluxos que guardam correspondência com as escolas de pensamento
da teoria das organizações.
Primeiramente a organização é vista como um sistema de autoridade
formal e como um sistema de fluxos regulados. Ambas as visões representam o ponto de
vista tradicional das escolas de pensamento. O primeiro foi popularizado pelos primeiros
teóricos das organizações e o segundo pelos teóricos dos sistemas de controle. Atualmente
esses pontos de vista estão presentes nas teorias da burocracia e no planejamento de
sistemas de informação.
O ponto de vista seguinte encara a organízação como um sistema de
comunicação informal. Esse ponto de vista foi muito popularizado pelos teóricos da escola
de relações humanas e hoje encontra adeptos junto aos cientistas behavioristas.
Os dois pontos de vista seguintes - a organização como um sistema
de constelações e como um sistema ad hoc de processos de decisão - apesar de ainda não
1 23
estarem muito bem detalhados na literatura202 , são indicativos das tendências
contemporâneas na teoria organizacional, em parte porque misturam aspectos formais e
informais das organizações. Esses cinco sistemas são superpostos em uma espécie de
overlay no logo do modelo. A noção de overlay é a mesma utilizada e justificada por
Pfiffner e Sherwood, que afirmam:
" . . . a totalidade desses overlays pode ser tão complexa
que se tome opaca . . . (p. 1 9), mas lidando com eles um de cada vez
em relação à totalidade, nós podemos entender mais facilmente a
complexidade do sistema completo"203 .
2.3.3.1 A organização como um sistema de autoridade formal
Tradicionalmente, a organização tem sido descrita em termos de um
mapa organizacional chamado organograma . . A superposição de um organograma sobre o
logo do modelo de Mintzberg é mostrado na figura 2.2.
FIG. 2. 2 Fluxo de autoridadeformal
adaptado de Mintzberg (1979)
202 MINTZBERG, HENRY(1979), p. 35. Op. cito 203 PFIFFNER, J. M ; SHERWOOD, F. Administrative Organization Englewood Clifjs, New Jersey, Prentice Hall Inc., 1960.
1 24
2.3.3.2 A organização como um sistema de fluxos regulados
A figura 2.3 mostra a organização como uma rede de fluxos
regulados sobrepondo-se ao logo do modelo. Esse diagrama é estilizado e mostra a
organização como um conjunto de fluxos bem ordenados e não conflitantes. Essa visão
ainda hoje é a favorita dos teóricos das organizações e domina a literatura sobre sistemas
de planejamento e controle.
FlG. 2.3 Sistema de fluxos regulados
adaptado de Mintzberg (1979)
Esse segundo sistema superposto ao logo mostra os fluxos de
materiais, de informações e de processos decisórios. Pode-se observar que somente são
mostrados os fluxos regulados que são sistemática e explicitamente controlados. Enquanto
o fluxo formal de autoridade explicita a forma como a supervisão direta é feita, os fluxos
regulados descrevem como são utilizados os mecanismos de padronização. Três fluxos
distintos podem ser identificados. O fluxo de trabalho operacional, o fluxo de informações
de controle e decisões e o fluxo das informações de staff.
1 25
2.3.3.3 A organização como um sistema de comunicação informal
As organizações funcionam de um modo muito mais complexo do
que os sugeridos pelos dos primeiros sistemas até aqui descritos. A pesquisa de Mintzberg
mostrou que existe muito mais atividade fora dos sistemas de autoridade formal e de fluxo
regulado de processos. Existem centros de poder não oficialmente reconhecidos; ricas redes
de comunicação informal que suplementam e eventualmente evitam totalmente os canais
regulares; além de processos decisórios que fluem através da organização de forma
independente dos sistemas regulares. Dalton exemplifica:
" . . . durante séculos observadores e líderes têm notado a
distinção entre comportamento esperado e inesperado nas
organizações. O fato de que essa distinção continua a ser feita sob
nomes diversos aparentemente indica uma condição universal.
Desde os tempos de César Augusto, essas discrepâncias foram
reconhecidas e incorporadas em termos de jure (de direito) e de
facto (de fato); elas são aproximadamente equivalentes a legal ou
oficial e factual e não (necessariamente) oficial. Atualmente na
indústria e nos negócios repetidamente ouvem-se expressões do
tipo: administração versus política; teoria versus prática, e etc. "204 .
A figura 2.4 reapresenta o logo do modelo com o sistema de
comunicação informal superposto. pfiffner e Sherwood referem-se a esse sistema de
comunicação como sociograma. Ele é simplesmente o mapa que indica quem se comunica
com quem dentro da organização, independentemente dos canais formais. Ele apresenta o
aspecto sociométrico da organização.
204 DALTON, M. Men Who Manage John Wiley & Sons, 1959.
FlG. 2.4 Fluxo de comunicação informal
adaptado de Mintzberg (1979)
126
2.3.3.4 A organização como um sistema de constelações de trabalho
Mintzberg(l 979) afirma que a idéia de constelações de trabalho parte
da constatação de que os elementos de uma organização que trabalham juntos tendem a
compartilhar interesses comuns. Por esse motivo, esses elementos, formam através da
comunicação informal constelações de trabalho. Essas constelações são relativamente
independentes da rede formal de autoridade.
Essas constelações são pequenos grupos baseados em
relacionamentos verticais e horizontais na estrutura formal da organização. Nos níveis mais
próximos ao núcleo operacional esses grupos refletem a organização funcional do fluxo de
trabalho; nos níveis gerenciais tendem a refletir especialidades profissionais.
A organização é definida então como um conjunto de constelações
profissionais semi-independentes formadas por grupos de indivíduos que se relacionam
basicamente em função do nível que ocupam na hierarquia. A imagem da organização
corresponde à de numerosos grupos que são internamente coesos mas que têm entre si
muito pouca ligação, é ilustrada na figura 2.5.
• •
FIG. 2.5 As constelações de trabalho
adaptado de Mintzberg (1979)
2.3.3.5 A organização como um sistema de processos de decisão
ad hoc
127
Autoridade e comunicação não são fins em si mesmas. Elas são
apenas duas formas através das quais dois processos realmente importantes podem ser
desenvolvidos dentro das organizações. O primeiro processo é a tomada de decisão e o
segundo é a produção de bens e serviços.
As decisões organizacionais podem ser classificadas em
programadas e não programadas; ou como Mintzberg(1979) define, em rotineiras ou ad
hoc. De um lado, têm-se as decisões extremamente padronizadas, tomadas a intervalos
regulares. No outro extremo estão as decisões não estruturadas e tomadas em intervalos
irregulares. As decisões também podem ser categorizadas pela sua importância na
organização. Elas são classificadas como operacionais, administrativas e estratégicas.
128
A figura 2.6 ilustra um processo decisório de decisão ad hoc, que
tem origem em um estímulo no núcleo operacional e que segue através da estrutura
organizacional.
FIO. 2.6 Fluxo de processo de decisão ad hoc
adaptado de Mintzberg (1979)
Pode-se entender a organização como um ente que se adapta a cada decisão
de forma peculiar e diferente das demais. Ela se adapta conforme a decisão a ser tomada.
Cada estímulo detona uma seqüência distinta de respostas e arranjos necessários para que
sejam tomadas as decisões . A organização é ad hoc no sentido de permanentemente
readequada em relação aos arranjos montados para tomada de decisão.
2.3.4 Parâmetros de projeto
Os parâmetros de projeto são nove e estão divididos em quatro
grupos. O primeiro grupo contém três parâmetros e está relacionado com o projeto das
posições; o segundo grupo, com dois parâmetros, lida com o projeto da super-estrutura; o
terceiro grupo contém dois parâmetros e está relacionado com o projeto dos elos de ligação
1 29
e, finalmente, o quarto grupo contém dois parâmetros e está relacionado com o proj eto do
sistema de tomada de decisão.
2.3.4.1 Projeto de Posições
São analisados os três parâmetros de projeto referentes as posições
de trabalho: a especialização do trabalho, a formalização do comportamento ao executá-lo
e o treinamento ou doutrinamento exigido por ele.
o primeiro parâmetro é a especialização do trabalho. O trabalho
pode ser especializado em duas dimensões: com relação ao escopo do trabalho e com
relação ao controle por quem o executa. A primeira dimensão, chamada horizontal, discute
as tarefas que devem ser executadas e seu alcance. A segunda dimensão, chamada vertical,
discute quem efetivamente exerce o controle sobre o trabalho.
A formalização do comportamento é a forma pela qual os processos
da organização são padronizados. O comportamento pode ser padronizado de três formas
diferentes: a formalização por tarefa, a formalização por fluxo de trabalho e a formalização
por regras. Ao questionar por que o comportamento deve ser formalizado, Bjõrk sugere que
as organizações formalizam o comportamento para reduzir a variabilidade e, em último
caso, facilitar controle205 .
A formalização por tarefa ocorre quando as especificações
comportamentais estão ligadas à tarefa propriamente dita. Tipicamente ocorre através da
descrição formal da tarefa. O executante têm pré-determinados os passos, a seqüência, o
quando e o onde relativos à tarefa a executar.
205 BJORK, L. E. An Experiment in Work Salisfaction. Scjentific Amerjcan. p.J 7 - 23. March. 1975
130
A fonnalização por fluxo de trabalho é feita quando a seqüência do
trabalho detennina o que deve ser feito sem alternativas. São exemplos a orquestra, que
deve obedecer à partitura, e trabalhos just in time.
Finalmente a formalização por regras ocorre quando todas as tarefas,
fluxos de trabalho e trabalhadores observam regras estabelecidas para todas as ocasiões.
Nonnalmente manuais têm o papel de bíblia da organização.
Não importa o tipo de fonnalização de comportamento adotada, o
objetivo é um só: regular o comportamento das pessoas. A fonnalização de comportamento
confronta dois tipos importantíssimos de estruturas organizacionais: a fonna burocrática e
a fonna orgânica.
As organizações baseadas em formalização de comportamento,
padronização e previsibilidade são chamadas organizações burocráticas. Nonnalmente são
organizações que funcionam bem em ambientes estáveis e previsíveis. Elas têm sistemas
de controle rígidos e de grande inércia.
Por outro lado, as organizações orgânicas são definidas como aquelas
onde não há padronização e cujas estruturas são projetadas para operar em ambientes
mutáveis e imprevisíveis. Mintzberg(l979) as coloca em extremos opostos em um
contínuo de padronização. A formalização de comportamento é também função do ponto
da estrutura organizacional que se esteja observando. Próximo ao núcleo operacional e nas
partes mais baixas da tecno-estrutura e do staff de suporte a fonnalização e a
burocratização são nonnalmente maiores do que no ápice estratégico e nas partes mais
elevadas dessas estruturas de suporte. Existem variações a essa regra. Por exemplo, um
gerente de pesquisa no nível baixo da estrutura pode operar de fonna muito mais orgânica
do que o gerente industrial de uma grande indústria.
o terceiro aspecto de projeto de posições é o que detennina os pré
requisitos para que detenninada posição seja ocupada. A organização pode especificar o
1 3 1
conhecimento prévio e as habilidades necessárias; os procedimentos de recrutamento e
seleção; ou, de forma alternativa, pode estabelecer ela mesma o treinamento dos
postulantes aos cargos. Em todos os casos o objetivo é o mesmo: internalizar nos
indivíduos um comportamento adequado antes que comecem a trabalhar. O treinamento é
fundamental para as atividades rotuladas como profissionais.
Schein206 define a socialização como o processo pelo qual cada novo
membro de um grupo aprende o sistema de valores, as normas e os padrões de
comportamento requeridos pelo grupo, organização ou sociedade na qual ele está entrando.
Utilizando essa definição, Mintzberg(1 979) conceitua doutrinamento como o parâmetro de
projeto através do qual a organização socializa seus membros em seu próprio beneficio.
2.3.4.2 Projeto da Superestrutura
O projeto da superestrutura envolve a arrumação das tarefas
desempenhadas dentro da organização. As tarefas e fluxos internos da organização devem
ser agrupados em unidades e grupos. Esse agrupamento ocorre em dois níveis: o primeiro
nível determina o tamanho de cada unidade; o segundo nível determina os agrupamentos
dessas unidades em subconjuntos contidos na organização.
A formação de grupos dentro de uma organização leva em
consideração vários aspectos interrelacionados. Dentre esses aspectos destacam-se os
critérios de supervisão direta, a divisão administrativa do trabalho, o sistema formal de
autoridade, os fluxos regulados, a comunicação informal, as constelações de trabalho e, por
fim, o organograma pretendido.
O processo começa com a determinação das necessidades
organizacionais, isto é, os objetivos a ser atingidos, necessidades existentes e o sistema
206 SeRE/N, E. H. Organizational Socializalion and lhe Professional of Managemenl. Industrial Management Reyjew. p. / - /6, winter, 1968.
1 32
técnico disponível para tal. O proj etista delineia, através de um processo descendente, todo
esse cenário. Ele vai das necessidades gerais até as tarefas específicas. O passo seguinte é a
combinação de tarefas em posições, de acordo com o grau de especialização exigido. Por
fim determina-se quão formalizada cada posição deverá ser , e quanto treinamento e
doutrinamento exigirá.
A etapa seguinte consiste em começar a montagem da superestrutura.
Primeiro as diversas posições são agrupadas em unidades de primeira ordem. Quando todas
as posições estiverem contidas em grupos de primeira ordem, estes começam a ser
agrupados entre si, formando grupos de segunda ordem. O processo é repetido, alterando
se a ordem dos grupamentos até que o último agrupamento coincida com a organização
inteira. Essa fase é chamada de ascendente, pois faz o caminho contrário do processo
descendente para tarefas. O primeiro é essencialmente um processo de análise; o segundo
um processo de síntese.
2.3.4.3 Tamanho das unidades
Diversos estudos tentaram correlacionar o sucesso da organização
com o tamanho de suas unidades componentes. Mintzberg é favorável a outro tipo de
argumento, encarando o problema através de dois tipos de confrontação: entre organizações
baixas e altas; e entre tamanho das unidades e mecanismos de coordenação.
Pode-se explicar as variações possíveis no tamanho de cada unidade
em termos do mecanismo de coordenação utilizado. Quanto maior o nível de padronização
utilizado em uma unidade, maior o tamanho máximo possível. Isso sugere uma relação
importante : o tipo da organização condiciona de certa forma o tamanho das suas unidades
constituintes. O estudo feito por Woodward207 exemplifica bem esse ponto. Organizações
burocráticas conteriam, devido à padronização, unidades maiores; enquanto organizações
207 WOODWARD, J. Industrial Organization. : Theory and Practice. Oxford University Press, 1965.
133
maIS orgânicas serimn compostas por unidades menores, em função da ênfase em
ajustamento mútuo. Este ponto é exemplificado na figura 2.7.
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N� de Optlrodo r es I Sur'lrv l. l0l\.0do . ) S o b o . 5 u P l r v i , o r •• n o 1. n l v e L
FlG. 2. 7 Tamanho da unidade e padronização do trabalho
adaptado de Mintzherg ,(J976)
o núcleo operacional normalmente contém unidades maIOres. Isso
ocorre porque essa parte da organização apoia-se mais em mecanismos de padronização. A
linha hierárquica entre o núcleo operacional e o ápice estratégico tem a forma de um cone,
isso ocorre devido à decrescente capacidade de supervisionar diretamente um grande
número de gerentes com níveis crescentes de informação agregada. Por fim, os apêndices
estratégicos são alongados, como elipses; as extremidades refletindo as interações baseadas
em ajuste mútuo com o núcleo operacional e o ápice estratégico, o meio mais burocratizado
refletindo padrões de interação mais padronizados.
1 34
2.3.4.4 Os elos laterais: sistemas de planejamento e controle
o projeto da organização não está completo apenas com a
determinação de seus elementos estruturais. Mintzberg faz um paralelo com o corpo
humano, tentando colocar músculos e nervos sobre o esqueleto que encontrou. Esses
nervos e músculos são os sistemas de planejamento e controle.
Os sistemas de planejamento podem ser definidos como o conjunto
de ações que visam a garantir a priori a padronização de quantidades, qualidade, custos, e
etc. Podem ser realizados através de orçamentos, cronogramas, planos operacionais e
mecanismos afins. O planejamento normalmente é deixado a cargo da tecno-estrutura por
analistas tais como controllers, engenheiros de controle de qualidade, analistas de sistemas
de informação e outros profissionais especializados.
Existem dois tipos de sistemas de planejamento e controle. O
primeiro regula o desempenho como um todo, está mais preocupado em monitorar
resultados da organização e é chamado de controle de desempenho. O segundo está voltado
para o planejamento e controle de atividades específicas a serem realizadas, chamado de
planejamento de ação. A figura 2.8 ilustra os dois tipos de sistema.
Pio neJOlunto • ApDo
Oeci.flo o .cl."o • "
t t A�If •• r.,pe ••
Controle d. O ... tnpenho
FIa. 2.8 As relações entre decisão, planejamento de ação e controle de
desempenho - adaptado de Mintzberg (J 979)
135
Por ter objetivo mais abrangente, o controle de desempenho é utilizado em
organizações compostas por unidades semi-independentes ou divididas por mercados. Esse
sistema concede boa dose de autonomia para a unidade e serve para motivar o desempenho
e exercer o controle, sem preocupação com ações específicas a serem tomadas. Filiais de
empresas multinacionais são bem representativas desse tipo de controle.
o planejamento de ação, por sua vez, exige atitudes em relação a
decisões operacionais que devem ser tomadas. Por exemplo, enquanto o controle de
desempenho exigiria a conquista de uma fatia de 30 % do mercado de determinado
produto; o controle de ação determinaria que máquinas adquirir, que estratégia de
marketing seguir, quem contratar, como treinar, etc.
1 36
2.3.4.5 Projeto dos elos laterais: dispositivos de ligação
Normalmente nem a supervisão direta, nem qualquer das três formas
de padronização são suficientes para a organização alcançar o nível de coordenação exigido
para o seu bom funcionamento. Importantes interdependências permanecem por resolver,
mesmo após o projeto da superestrutura, das posições individuais e dos sistemas de
planejamento e controle. Por exemplo, quando o cliente reclama de um serviço que não foi
realizado a contento, é necessário reunir o gerente industrial e o de marketing para
solucionar o problema. Como solucionar tal situação? Mintzberg afirma que essa questão
foi deixada ao largo da literatura organízacional.
Para estruturar esse tipo de situação as organizações desenvolveram
um conjunto de dispositivos de ligação que têm por função facilitar o contato entre os
elementos dentro da organização. Esses elementos, inicialmente informais, foram
formalizados na estrutura. Eles são as posições de ligação, as forças tarefa e comitês de
trabalho, os gerentes integradores e as estruturas matriciais.
As posições de ligação são criadas quando existe uma necessidade
muito grande de comunicação direta para coordenar o trabalho. Ela é formalmente
estabelecida para redirecionar os canais de comunicação, ignorando a estrutura formal.
Forças tarefas e comitês de trabalho são expressões de um mesmo
mecanismo utilizado quando reuniões interdepartamentais regulares são necessárias para a
solução de determinado problema. Se essas reuniões são temporárias é utilizada a força
tarefa; se são permanentes é formado comitê de trabalho.
Por fim o último desses dispositivos de ligação são as estruturas
matriciais. Para evitar tcndenciosidades na execução de determinado processo, as
organízações colocam as áreas envolvidas em pé de igualdade. As diversas áreas tem o
mesmo nível hierárquico. Esse dispositivo sacrifica o conceito de unidade de comando. A
idéia básica é que a organízação resolva seus conflitos através da negociação informal, sem
1 37
recorrer a autoridade formal e sem recorrer à autoridade dos elementos de linha sobre os de
staff.
2.3.4.6 Projeto dos sistemas de tomada de decisão: descentralização
horizontal e vertical
Quando o poder para tomada de decisão está concentrado em um
único ponto na organização, diz-se que sua estrutura é centralizada. À medida que o poder
vai sendo disperso por diversos atores a estrutura vai se descentralizando.
Normalmente as organizações se descentralizam por duas razões. A
primeira é a impossibilidade de um indivíduo pode centralizar a capacidade de decidir
tudo, pois existe uma limitação cognitiva. A segunda é a necessidade de respostas ágeis da
organização a condições locais às quais um decisor distante não poderia responder com
presteza. Existem dois tipos básicos de descentralização. A descentralização vertical e a
descentralização horizontal.
A descentralização vertical ocorre quando a delegação de poder
formal é feita ao longo da hierarquia formal. Esse tipo de descentralização é condicionado
por três fatores: os tipos de decisão que podem ser delegadas aos níveis abaixo do CEO na
cadeia de autoridade, a autonomia decisória de cada nível hierárquico e a coordenação do
poder decisório.
Associados a esses fatores estão os conceitos de descentralização
seletiva e de descentralização paralela. A descentralização seletiva ocorre quando o poder
decisório é delegado de forma discricionária. Um gerente de produção pode decidir sobre
questões operacionais mas não sobre orçamento, enquanto um gerente de marketing do
mesmo nível hierárquico pode decidir sobre o nome de uma marca a ser lançada mas não
opina sobre os métodos de produção. Esse tipo de descentralização está associado ao
conceito de constelações de trabalho, visto anteriormente. Já a descentralização paralela
1 3 8
ocorre, por exemplo, em organizações divididas por mercado em que coexistem diversas
unidades idênticas na estrutura organizacional. O poder é delegado de forma uniforme
entre as diversas unidades. Esse tipo de descentralização é associado ao mecanismo de
controle de desempenho.
A descentralização horizontal está associada ao poder informal que
flui para a tecno-estrutura e para o staff de suporte. Esse poder deriva do controle sobre a
informação, especialização técnica e poder de aconselhamento dos membros das unidades
de apoio. Mintzberg aponta cinco tipos básicos de descentralização. Esses tipos combinam
com as duas formas de descentralização existentes e são indicados na figura 2.9.
T I P O ,. CENTRALIUÇÃO VERTICAL
E HORIZONTAL
T I P O B OE'CENT�ALIZAÇJ,O
HORIZONTAL L IMITADA (SELETIVA)
TI P O C DESCENTRALIZAÇÃO VERTICAL
LIMITADA C PARA L E L A I
T I PO ! T I PO D DEICI!HTRALluçlo VERTICAL E H O ft l ZONTAL S E L E TIVA
OESCENTAAL{ !.AÇÃO V E R T I C A L HORIZONTAL
FIG. 2.9 Os tipos de descentralização
adaptado de Mintzberg (1979)
139
2.3.5 Os fatores contingenciais
A pesquisa de Mintzberg constatou a existência de um conjunto de
elementos chamados fatores contingenciais. Esse conjunto determina como as
organizações escolhem os parâmetros de projeto. São identificados quatro fatores
contingenciais: idade e tamanho da organização, sistema técnico utilizado, ambiente onde a
organização está inserida e poder.
É a combinação entre parâmetros de projeto e fatores contingenciais
que descreve como as organizações realmente são estruturadas. Essa combinação parte da
elaboração de hipóteses básicas e das chamadas variáveis intervenientes.
As hipóteses básicas são três: a hipótese da congruência, a hipótese
da configuração e a hipótese da configuração estendida. As variáveis intervenientes são
quatro: compreensão do trabalho, previsibilidade do trabalho, diversidade do trabalho e
velocidade de resposta.
A hipótese da congruência propõe que a efetiva estruturação exige
que haja congruência entre fatores contingenciais e parâmetros de projeto. Em outras
palavras, a organização bem sucedida projeta a sua estrutura para atender ao ambiente
contingencial que a envolve.
A hipótese da configuração propõe que a estruturação efetiva exige
que haja consistência interna entre os parâmetros de projeto. Isto é, a organização bem
sucedida desenvolve com seus parâmetros de projeto uma configuração lógica.
A terceira hipótese deriva da combinação das duas hipóteses
anteriores e é chamada de hipótese da configuração. estendida. Ela propõe que a
estruturação bem sucedida requer consistência entre parâmetros de projeto e fatores
contingenciais.
1 40
As variáveis intervenientes ou funcionais estão relacionadas com o
trabalho executado pela organização. Essas variáveis atuam como elo de ligação entre as
variáveis contingenciais (independentes) e as variáveis estruturais (dependentes).
o grau de entendimento do trabalho a ser executado é representado
pela variável interveniente chamada compreensão do trabalho. Ela interliga as variáveis
independentes de complexidade do ambiente, e sofisticação do sistema técnico às variáveis
dependentes de especialização e descentralização.
A previsibilidade do trabalho está relacionada ao conhecimento
prévio do trabalho que deve ser feito. Interliga as variáveis independentes de idade e
tamanho, ambiente e grau de regulação do trabalho às variáveis dependentes formalização
de comportamento, sistemas de planejamento e controle e treinamento e doutrinamento.
A diversidade do trabalho descreve como varia o trabalho que a
organi7�ção deve fazer. Interliga a diversidade do ambiente e as variáveis dependentes
bases para agrupamento, formalização de comportamento e dispositivos de ligação.
A quarta e última variável interveniente é a velocidade de resposta.
Representa a velocidade que a organização tem para reagir aos estímulos do ambiente. Faz
a interligação entre a hostilidade do ambiente organizacional e os parâmetros de
descentralização, formalização de comportamento e agrupamento em unidades.
2.3.5.1 Idade e tamanho
A estrutura é função da idade da organização e do seu tamanho.
Mintzberg(1 979) faz comparações entre as estruturas das organizações jovens e velhas e
entre grandes e pequenas e comprova efeitos consideráveis desses dois fatores sobre as
estruturas das organizações. Esses efeitos são descritos por cinco hipóteses; três delas
relacionadas com a idade e duas com o tamanho.
141
Mintzberg propõe na primeira hipótese que quanto mais velha a
organização, mais formalizado é o seu comportamento. Estudo realizado por cinco anos
identificou uma correlação positiva entre idade e formalização das atividades208 . Outro
estudo desenvolvido por Samuel e Mannheim também encontrou alta significância
estatística entre idade das organizações e grau de impessoabilidade209 .
Na segunda hipótese é proposto que a estrutura reflete a época de
fundação da indústria à qual pertence a organização. Essa hipótese está baseada no trabalho
de Arthur Stinchcombe. Ele deduziu que conforme as organizações envelhecem elas
mantém as características básicas da época de sua fundação21O • As organizações da era pré
industrial, normalmente familiares - fazendas, construtoras, varejo - ainda mantém essa
característica. As do início da era industrial - têxteis, bancos, e outras - são
consistentemente burocratizadas. As que vieram depois - automobilística, elétrica e
eletrônica - se caracterizaram pelo crescimento das tecno-estruturas e suportes de staff,
permanecendo assim até hoje.
Mintzberg propõe na terceira hipótese que quanto maior a
organização mais elaborada sua estrutura, mais especializadas suas tarefas, mais
diferenciadas suas unidades e mais desenvolvido o seu componente administrativo.
É proposto na quarta hipótese que quanto maIOr a organização,
maior o tamanho médio de suas unidades. Conforme a organização cresce tende a exigir
que seus gerentes supervisionem maior número de operadores.
Mintzberg propõe como quinta e última hipótese que quanto maior a
organização, mais formalizado é o seu comportamento. Em outras palavras: quanto maior a
208 /NKSON, J K. ; PUGH, D. S ; H/CKSON, D. J Organizalion, Context and Strueture: An Abbreviated Replicalion. Administratiye SeieaGe Ouarterlv p. 3/8 - 329. /970. 209 SAMUEL, Y. ; MANNHE/M, B. F. A Mullidimensional Approach Toward a Typology of Bureaucracy. Administraliye Seience Quarterly p 2 - 1 7, /970. 210 STINCHCOMBE, A. L. Bureaucratic and Craft Administration of Production: A Comparative SIUdy. Administratiye Seieoce Quarter(y p. 168 - 187, /959 - 60.
1 42
organização, mais os comportamentos se repetem e, como resultado, eles tornam-se mais
previsíveis, dado que aumenta a propensão à formalização.
2.3.5.2 Osistema técnico
o sistema técnico é definido como o conjunto de instrumentos
coletivos usados pelos operadores em seu trabalho. Hunt define três dimensões desse
sistema.21 1 A primeira é a sua flexibilidade, associada ao grau de possibilidades de escolha
das formas para execução de uma tarefa, a segunda é a complexidade instrumental do
sistema técnico e a terceira é a complexidade da tecnologia utilizada, englobando inclusive
conhecimento necessàrio para utilizá-Ia. Mintzberg, por sua vez, utiliza apenas duas
dimensões e as nomeia como regulação e sofisticação
A regulação descreve a influência do sistema técnico no trabalho dos
operadores. Nos termos de Hunt ela está relacionada ao locus de controle do trabalho, na
medida em que o trabalho dos operadores é controlado ou regulado pelos seus
instrumentos.
A sofisticação descreve a complexidade ou pormenores do sistema
técnico, indicando o grau de compreensão possível que o sistema permite.
o conceito de sistema técnico permite agregar os sistemas técnicos
existentes em três categorias básicas: a produção unitária, a produção de massa e a
produção por processo.
A produção unitària engloba a produção sob encomenda e está
associada à produção de protótipos ou de grandes equipamentos em estágios separados ou a
produção de pequenos lotes. A produção de massa está associada à produção de grandes
211 HUNT, R. G. Technology and Organization. Academv ofManagement ./oumal p. 235 - 252, 1970.
1 43
lotes, linhas de montagem e produção seriada de grandes quantidades de produtos. Por fim
a produção por processo descreve o modo de produção de plantas de multiprocessamento,
produtos químicos e gases, fluidos e líquidos produzidos em fluxos contínuos.
Organizações onde os três tipos de produção estão presentes
coexistem atualmente. Sua características básicas estão descritas em um extenso estudo
conduzido por Joan Woodward acerca da relação entre sistema técnico e estrutura212 •
Mintzberg considera esse estudo como a mais clara prova das relações entre sistema
técnico e estrutura. O estudo de Woodward permite inferir algumas relações importantes.
As organizações que utilizam a produção unitária têm algumas
características em comum. Por não ter um produto padronizado, essas organizações operam
com estruturas organizacionais orgânicas. Seu mecanismo de coordenação é o ajuste
mútuo.
As organizações que utilizam a produção de massa tem um
comportamento mais formalizado. Esse comportamento, função da padronização de sua
produção, facilita o surgimento das características da burocracia clássica. O mecanismo de
coordenação utilizado é a padronização de saídas.
O aumento do grau de automação utilizado conduz os meios de
produção da produção de massa para a produção por processo. A eliminação dos gerentes e
de muitos dos operadores elimina os conflitos inerentes à organização burocrática.
Segundo Mintzberg(l 979), a organização torna-se orgânica mais uma vez.
Partindo das idéias de Woodward, Mintzberg apresenta três hipóteses
sobre o relacionamento entre a estrutura e a sofisticação e a regulação do sistema técnico.
Mintzberg propõe na primeira hipótese que quanto mais regulador
for a sistema técnico mais formalizado será o fluxo de trabalho e mais burocratizada a
212 WOODWARD, J. Op. cil.
1 44
estrutura do núcleo operacional. Essa hipótese aplica-se somente ao núcleo operacional. A
estrutura burocrática do núcleo operacional não reflete a sofisticação do sistema técnico
mas somente a habilidade do projetista em quebrar as tarefas em rotinas simples e
especializadas.
É proposto na segunda hipótese que quanto mais sofisticado for o
sistema técnico, mais elaborada será a estrutura administrativa, maior será o staff de
suporte, maior a descentralização seletiva e maior o uso de dispositivos de ligação. Em
outras palavras , as organizações com sistemas técnicos sofisticados apresentarão altas
relações AIP (entre unidades administrati vas I unidades técnicas), utilizarão pesadamente
dispositivos de ligação e serão descentralizadas seletivamente para delegar poder sobre
questões técnicas ao staff de suporte.
Na terceira hipótese Mintzberg propõe que a automação do núcleo
operacional transforma a estrutura administrativa burocrática em uma estrutura orgânica. A
obsessão pelo controle na estrutura burocrática é levada ao extremo até o ponto em que não
é mais necessária a presença do controlador. Os conflitos entre tecno-estrutura e núcleo
operacional tendem a desaparecer e o mecanismo de coordenação quando utilizado é o
ajustamento mútuo no lugar da padronização.
Por fim, pode-se afirmar que um sistema técnico regulador
burocratiza o núcleo operacional, um sofisticado toma mais elaborado o staff de suporte e
um automatizado desburocratiza a estrutura acima do núcleo operacional.
2.3.5.3 O ambiente
Toda organização existe em um ambiente com diversas
características que a influenciam. O ambiente engloba virtualmente tudo o que é percebido
como externo à organização: o ambiente tecnológico, a natureza dos produtos,
consumidores e competidores existentes, a situação geográfica, política, econômica, etc.
1 45
A organização responde a essas influências de diversas formas. Uma
dessa formas é estruturando-se de acordo com o ambiente externo para melhor sobreviver.
Mintzberg descreve inicialmente quatro características do ambiente organizacional.
A primeira característica é o grau de estabilidade que o ambiente
apresenta. Os ambientes organizacionais podem ser estáveis ou dinâmicos. O grau de
estabilidade afeta a estrutura através da variável intermediária da previsibilidade. Em
outras palavras um ambiente dinâmico toma o trabalho da organização menos previsível.
A segunda característica é o grau de complexidade do ambiente. O
ambiente pode ser simples ou complexo. Essa característica atinge a estrutura através da
variável intermediária da compreensão do trabalho a ser efetuado. Um ambiente é
complexo na medida em que exige da organização conhecimentos mais sofisticados sobre
produtos, clientes, mercados etc.
A terceira característica está relacionada com a diversidade do
mercado. Um mercado diversificado ou integrado. Um mercado diversificado pode
significar muitos clientes, produtos ou áreas a serem atendidas. A diversidade do mercado
afeta a estrutura através da variável intermediária da diversidade do trabalho a ser
executado.
A quarta e última característica do ambiente é o grau de hostilidade
do meio. O ambiente pode ser favorável ou hostil dependendo principalmente do grau de
competição que lhe é inerente. O grau de hostilidade afeta a estrutura pela variável
intermediária da velocidade de resposta. Ambientes hostis geralmente exigem respostas
rápidas às suas demandas.
As características descritas acima permitiram a Mintzberg elaborar
cinco hipóteses sobre os efeitos do ambiente sobre a estrutura organizacional. As quatro
primeiras descrevem os efeitos das quatro características do ambiente sobre os parâmetros
146
de projeto que elas mais influenciam. A quinta considera os efeitos das dimensões que
impõem condições contraditórias.
Mintzberg postula na primeira hipótese que quanto mais dinâmico o
ambiente mais orgânica será a estrutura. A dinâmica do ambiente é inversamente
proporcional ao uso de mecanismos de coordenação apoiados em padronização. Ambientes
imprevisíveis levam a organização a utilizar a supervisão direta ou ao ajustamento mútuo
para lidar com as mudanças. Em outras palavras ela tem que ser mais orgânica.
Na segunda hipótese é proposto que quanto mais complexo o
ambiente mais descentralizada será a estrutura utilizada. Essa hipótese decorre do fato de
que com o aumento da complexidade do ambiente diminui a possibilidade de poucos
elementos poderem decidir todas as questões envolvidas no fluxo de trabalho.
Complexidade leva à descentralização.
A terceira hipótese estabelece que quanto mais diversificados os
mercados onde atua a organização, maior será a propensão para que ela se divida em
unidades estruturadas por mercados. Essa hipótese postula uma relação direta entre a
terceira variável ambiental - a diversidade de mercado - e o terceiro parâmetro de projeto -
a base para o agrupamento de unidades. Mintzberg(l 979) afirma que a diversificação
fomenta a divisionalização. De forma complementar, a presença de uma função crítica e
comum a todos os mercados impede a verdadeira divisionalização.
Como quarta hipótese Mintzberg propõe que face a hostilidade
extrema de um ambiente, qualquer organização centraliza a sua estrutura temporariamente.
Esse fenômeno é explicado em termos do mecanismo de coordenação da supervisão direta.
Esse mecanismo permite meios mais rápidos de reação e decisão. Por isso é utilizado em
momentos de ameaça externa, onde é necessário haver coesão e rapidez de resposta.
Na quinta hipótese é proposto por Mintzberg que as disparidades
existentes em um ambiente encorajam a organização a descentralizar o poder seletivamente
147
para as diversas constelações de trabalho. A organização cria dentro de si bolsões
profissionais que reagem seletivamente às condições ambientais enfrentadas.
Mintzberg utiliza esse conjunto de hipóteses para trabalhar com uma
tipologia de quatro ambientes passíveis de serem encontrados pelas organizações. Essa
tipologia têm duas dimensões. A primeira relativa à complexidade do ambiente e a segunda
relativa à dinâmica que lhe é inerente.
A combinação dessas quatro dimensões cria, segundo o modelo
proposto por Mintzberg, uma matriz com quatro ambientes organizacionais básicos. A
natureza do meio ambiente varia em função de duas dimensões: a complexidade e a
estabilidade. O meio ambiente pode ser complexo e estável, complexo e dinâmico, simples
e estável e por fim simples e dinâmico. A figura 2 . 10 ilustra a matriz proposta por
Mintzberg:
Estável Dinâmico
Complexo descelltralizado; descentralizado;
burocrático padronização de orgânico aju.fte mútuo
habilidades
Simples centralizado; centralizado; orgânico
burocrático padronização de supervisão direta
processos
FIG. 2. 10 A matriz ambiental
adaptado de Mintzberg (1979)
O primeiro tipo é o ambiente caracterizado por ser simples e estável.
Ele dá origem a organizações centralizadas e burocráticas. Essas organizações baseiam-se
na padronização dos processos de trabalho como mecanismo de coordenação e utilizam
como principal parâmetro de projeto a formalização do comportamento.
148
o segundo tipo é o ambiente classificado como complexo e estável.
Esses ambientes levam a existência de organizações burocráticas e descentralizadas. Essas
organizações utilizam a padronização de habilidades e são burocráticas em virtude de
utilizarem conhecimento padronizado e processos aprendidos em programas de
treinamento formal e imposto à organização por associações profissionais externas.
o terceiro tipo de ambiente é caracterizado por ser dinâmico e
simples. A organização exige a flexibi lidade da estrutura orgânica mas o poder dentro dela
fica centralizado. O mecanismo de coordenação utilizado é a supervisão direta.
Por fim, o quarto tipo de ambiente é definido como dinâmico e
complexo. A organização deve descentralizar o poder para permitir que os especialistas
possam decidir e ao mesmo tempo ser orgânica para permitir uma interação flexível típica
de uma estrutura orgânica.
2.3.5.4 O Poder
Pode-se conceituar o poder como a capacidade de afetar e
influenciar os objetivos e resultados de uma organização. A organização pode ser vista
como uma arena de jogo onde diversos atores lutam por influência para atingir os seus
objetivos. O exercício do poder depende de esses atores terem vontade e habilidade para
jogar. Mintzberg divide esses atores em três grupos: a coalizão externa, a coalizão interna e
a ideologia2\3 .
Uma coalizão é definida como sendo um grupo de indivíduos que se
reúne com o intuito de atingir um determinado objetivo. Cyers e March utilizam esse
conceito para descrever um grupo de pessoas que se reúnem e barganham entre si
determinada distribuição de poder organizaciona1 214
213 MINTZBERG. HENRY (/983) . Op. Cil. 214 CYERT, R. M.; MARCH, J. G. A Behavioral TheOlJ' Q/lhe Firm. Englewood Clijft, New Jersey. Prenlice Hall, 1963.
1 49
A coalizão externa é composta pelos proprietários, fornecedores,
clientes associações profissionais e entidades representando o Estado. Também faz parte da
coalizão externa o conselho de administração ou seu equivalente que fica na interface entre
as coalizões externa e interna.
A coalizão interna é composta pelos cinco elementos estruturais da
organização: o CEO, a tecno-estrutura, os gerentes de linha, os operadores e o staff de
suporte.
o terceiro ator é a ideologia da organização. Ela é o conjunto de
crenças e valores compartilhados pelos influenciadores externos e internos e que a
distingue das outras organizações. A figura 2. 1 1 ilustra o palco armado para o jogo do
poder ao redor e dentro da organização.
PÚBL.ICO
PROPRIETÁRIOS
Operador ..
"UOCI�COE!l Ol 'UNCIONAII:IOS
A:!!I50CIAoal
FIO. 2.11 Os atores
adaptado de Min/zberg(l983)
150
A coalizão externa é o resultado da interação dos atores externos à
organização. Dependendo do número de atores que compõem a coalizão externa, ela pode
ser dividida em três tipos básicos: dominada, dividida e passiva.
Quando existe apenas um ou poucos atores interagindo a coalizão
externa é dominada. Quando o número de atores aumenta ela torna-se uma coalizão externa
dividida. Se o número de atores aumenta ainda mais a coalizão torna-se passiva.
A coalizão interna pode ser definida como o resultado da interação
dos atores através de quatro sistemas de poder internos à organização: sistema de
autoridade, sistema de ideologia, sistema de competência e sistema político.
o sistema de autoridade é baseado no exercício da autoridade formal,
weberiana, dentro da organização. O sistema de ideologia apóia-se nas crenças e ideais que
permeiam a organização. O sistema de competência baseia-se na capacidade técnica e o
sistema político é baseado no conflito. Os sistemas de autoridade e de ideologia são
agregadores e promovem a coesão da organização. Os sistemas de competência e de
política, por outro lado, são desagregadores e promovem a dissensão interna.
A interação dos atores da coalizão interna, através dos quatro
sistemas de poder, produz uma tipologia de coalizões internas dependente da hegemonia de
um ou outro sistema. A coalizão interna pode ter cinco naturezas distintas: personalizada,
burocrática, ideológica, profissional e política.
A coalizão interna personalizada está baseada no sistema de
autoridade formal. O controle pessoal afeta diretamente o processo de delegação de
autoridade e descentralização. A coalizão interna burocrática também está baseada no
sistema de autoridade formal. A diferença é que a ênfase recai sobre os controles
burocráticos. A autoridade é mantida basicamente através da padronização. A coalizão
interna ideológica baseia-se na integração e internalização de objetivos e crenças comuns
dentro da organização. É muitas vezes igualitária, missionária ou política. A coalizão
1 5 1
interna profissional é dominada pelo sistema de competência. O poder concentra-se onde
estão as habilidades técnicas essenciais ao funcionamento da organização. A coalizão
interna política está baseada no conflito. Ela é instável em relação ao poder. O foco dessa
coalizão não está no poder mas nos jogos de poder.215
Mintzberg afirma que existem relações muito fortes entre as
coalizões internas e externas. As organizações tendem a se configurar e combinar suas
coalizões de forma a atingir consistência, sinergia e harmonia. Essa linha de pensamento
conduz à idéia de arranjos preferenciais criados pelas organizações.216 Esses arranjos
preferenciais são chamados por Mintzberg de configurações de poder.2 17
As configurações de poder surgem devido à existência de formas
preferenciais de combinação entre as coalizões internas e externas. As configurações onde
as coalizões são naturalmente complementares são estáveis. Configurações com
combinações naturalmente não complementares geram conflito e são instáveis.
A figura 2. 1 2 ilustra o grupo das possíveis combinações estáveis
entre as coalizões externas e internas. Esse grupo é formado pelas seguintes combinações:
instrumental, sistema fechado, autocracia, missionária, meritocracia e arena política.
A configuração instrumental é a configuração na qual a organização
serve a um influenciador externo dominante. Essa configuração emerge quando a
organização é controlada por um poder externo focado e organizado. O controle é baseado
tipicamente em alguma dependência existente entre organização e controlador externo.
O sistema fechado é uma configuração que normalmente tem uma
coalizão interna burocrática. A diferença entre essa configuração e a instrumental é que
nesse caso o poder externo é difuso. A maior parte do poder é exercida pelos
administradores internos.
215 MINTZBERG. HENRY(1983). Dp. Cito pp. 187 - 242. 216 MILLER, D.; MINTZBERG, H. The Case for Configuration. Working Paper, McGiII University, 1980. 217 Idem, ibdem. pp. 292.
1 52
A configuração autocrática é totalmente dominada pelo CEO Não
existem jogos políticos. Os insatisfeitos se retiram. Durante crises muitas organizações
tomam-se temporariamente autocráticas.
Coalizão externa
Dominada
Passiva
Passiva
Passiva
Passiva
Dividida
Coalizão interna
Burocrática
Burocrática
Personalizada
Ideológica
Profissional
Politizada
Fig. 2.12 As configurações de poder
adaptado de Mintzberg(J983)
Configuração de poder
Instrumental
Sistema fechado
Autocracia
Missionária
Meritocracia
Arena politica
A configuração missionária é caracterizada por ter uma coalizão
externa passiva e ser dominada pela ideologia. Predominam as lideranças carismáticas e as
tradições.
A configuração meritocrática tem o poder gravitando em tomo da
competência. A atividade política é intensa devido a existência de um staff de suporte bem
desenvolvido. Surgem normalmente quando o trabalho é complexo e o ambiente estável.
Por fim a configuração denominada arena política é caracterizada
pelo conflito. Ela surge quando a coalizão externa é dividida e a coalizão interna é
politizada. Existe muita discussão e · pouca lealdade. Em termos de poder é uma
configuração disfuncional.
As demais combinações possíveis não tem afinidade natural entre si
e, por essa razão, formam arranjos de poder instáveis. A instabilidade inerente a esse
segundo conjunto de combinações explicita-se através do conflito. Dentre as combinações
instáveis possíveis, duas merecem um destaque especial: a coalizão externa dominada e
coalizão interna profissional e a coalizão externa dividida e coalizão interna profissional.
1 53
Quando a combinação envolve uma coalizão externa dominada e
uma coalizão interna profissional o nível de conflito aumenta e a coalizão toma-se instável.
Essa instabilidade decorre do fato de que o influenciador externo tentará controlar as
tarefas dos profissionais. Ele exerce forte tendência para burocratizar a organização. Os
operadores resistirão utilizando diversos dos jogos de poder disponíveis na tentativa de
manter a autonomia218 . Se houver predominância da coalizão externa a organização tornar
se-á mais burocrática. Se entretanto a hegemonia for da coalizão interna ela se tomará uma
arena política.
Quando a combinação envolve uma coalizão externa dividida e uma
coalizão interna profissional a instabilidade decorre da tendência da coalizão interna para o
domínio de todo o sistema de poder na organização. Mintzberg(J 983) afirma que qualquer
poder legítimo e dominante dentro da coalizão interna é incompatível com uma coalizão
externa dividida219 .
Mintzberg termina a digressão acerca do poder fazendo uma
correlação entre as configurações de poder e as configurações estruturais das organizações.
A figura 2 . 13 ilustra bem essa correlação.
Configuração de poder Estrutura organizacional
Autocracia Estrutura simples
Instrumental ( autoridade ) Máquina burocrática
Sistema fechado ( padronização) Máquina burocrática
Meritocracia Burocracia profissional / Adhocracia
Missionária Missionária ( postulada)
Arena política Política ( postulada )
Fig. 2. /3 A corre/ação entre as estruturas organizacionais e confi&'1lrações de poder
2/8 Idem, ibdem. 2/9 Idem, ibdem.
adaptado de Mintzberg(J 983)
1 54
3.6 As configurações estruturais
Os elementos apresentados por Mintzberg em seu modelo
apresentam convergências que estão longe de ser acidentais. Os mecanismos de
coordenação, os parâmetros de projeto, e os fatores de contingência parecem agrupar-se em
grupos ou configurações naturais.
Ao utilizar a chamada hipótese de configuração, Mintzberg(1 979)
postula que as organizações conseguem se efetivar quando alcançam consistência interna
entre seus parâmetros de projeto. Essa consistência é chamada de configuração estrutural.
Essas configurações estão refletidas nas convergências apresentadas pelo modelo.
O número cinco aparece seguidamente dentro do modelo de
Mintzberg. Primeiro foram os cinco mecanismos de coordenação. Em seguida apareceram
as cinco partes básicas da organização. Em terceiro lugar os cinco tipos de
descentralização.
De fato, a recorrência do número cinco não foi acidental pois existem
cinco configurações estruturais. A figura 2.14 ilustra as cinco configurações e suas relações
com os mecanismos de coordenação, elementos estruturais e o tipo característico de
descentralização que possuem.
A correspondência pode ser explicada considerando-se a organização
como sujeita a um conjunto de forças divergentes exercidas sobre cada uma de suas partes.
Dependendo da relação entre as forças a organização tende a estruturar-se conforme uma
das configurações.
Configuração Estrutural
Estrutura Simples
Máquina Burocrática
Burocracia Profissional
Forma Divisionalizada
Adhocracia
Mecanismo de Parte principal da
Coordenação principal organização
Supervisão direta Apice estratégico
Padron ização de Tecno-estrutura
processos de trabalho
Padronização de Núcleo operacional habilidades
Padronização de saídas Linha média
Ajustamento mútuo Staff de suporte
FIG. 2. J 4 As configurações estruturais
adaptado de Mintzberg(/983)
1 55
Tipo de Descentralização !
Configuração de poder
Centralização vertical e
horizontal (Autocracia)
Descentralização
horizontal limitada
(Instrumental ! sistema
fechado)
Descentralização vertical e horizontal
(Meritocracia)
Descentralização vertical
limitada (Instrumental !
sistema fechado)
Descentralização seletiva
( Meritocracia)
o ápice estratégico exerce força de centralização no sentido de reter
o poder decisório. O mecanismo de coordenação favorecido é a supervisão direta.
Conforme as condições favoreçam a essa força, surge a configuração denominada de
estrutura simples.
A tecno-estrutura exerce uma força no sentido da padronização,
principalmente a padronização de processos. O resultado dessa força é a descentralização
horizontal limitada. Conforme as condições favoreçam essa força, emerge a configuração
denominada de máquina burocrática.
Os membros do núcleo operacional buscam minimizar a influência
dos gerentes e dos analistas sobre o seu trabalho. Eles tentam promover a descentralização
horizontal e vertical. Quando são bem sucedidos conseguem trabalhar com relativa
1 56
autonomia e coordenam o seu trabalho através da padronização externa das habilidades.
Surge então a burocracia profissional.
Os gerentes da linha média também buscam autonomia. Eles
procuram drenar poder do ápice estratégico e do núcleo operacional concentrando-o em
suas próprias unidades. Essa atitude favorece a descentralização vertical limitada. Como
resultado existe a tendência à balcanização da organização. Começa a haver a divisão da
estrutura em unidades baseadas no mercado que procuram controlar as próprias decisões e
são coordenadas através da formalização de resultados. Quando surgem essas condições
emerge a chamada forma divisionalizada.
Finalmente, quando o staff de suporte adquire influência na
organização através da sua competência técnica a organização se estrutura em constelações
de trabalho. O poder flui para elas de forma descentralizada e seletiva. Essa constelações
são livres para se coordenarem entre si através do ajustamento mútuo. Quando as
condições favorecem essa colaboração surge a configuração chamada de adhocracia.
A descrição de cada uma dessas configurações estruturais serve a
dois propósitos bem distintos. Primeiramente permite categorizar as organizações. Em
segundo lugar permite fazer a síntese do modelo apresentado até aqui.
Mintzberg(1 979) afirma que essas configurações devem ser vistas
como tipos ideais ou caricatos das organizações verdadeiras. O modelo é teoricamente
consistente na combinação de parâmetros de projeto e fatores de contingência. Juntos essas
cinco configurações podem ser entendidas como os vértices de um pentagrama dentro do
qual as estruturas reais podem ser encontradas.
1 57
2.3.6.1 A estrutura simples
A estrutura simples é caracterizada, antes de mais nada, por não ser
elaborada. Nela a tecno-estrutura é simples ou inexistente, o staff de suporte é bem
pequeno, os dispositivos de ligação são elementares, as subunidades organizacionais têm
pouca diferenciação entre si e são pouco usados instrumentos de planejamento, treinamento
e padronização. Sua natureza é eminentemente orgânica.
Na estrutura simples a coordenação é feita basicamente através do
mecanismo de supervisão direta. O poder para a tomada de decisões importantes está
centralizado no CED. Como decorrência disso o ápice estratégico emerge como o elemento
mais importante dentro da estrutura.
A estrutura simples muitas vezes é composta por uma pessoa no
ápice estratégico e um núcleo operacional orgânico. A figura 2. 1 5 ilustra simbolicamente a
estrutura simples nos termos do logo básico do modelo de Mintzberg.
FIO, 2. 15 A estrutura simples
adaptado de Mintzberg (1979)
A maior parte das organizações passam pela fase de estrutura simples
em seus primeiros anos de existência. Apesar de a maior parte dessas organizações
evoluírem para outros tipos de estrutura, muitas continuam estruturadas dessa forma por
longos períodos.
1 5 8
Uma variante da estrutura simples surge nos momentos de crise.
Nesses períodos as organizações centralizam o poder para melhor poder enfrentar a
conjuntura hostil. Em períodos de crise três tipos de estruturas simples merecem nota.
A primeira é a estrutura sintética que se constituiu para enfrentar
desastres; a segunda é a estrutura autocrática na qual o poder está concentrado no ápice
estratégico e a terceira é a organização carísmatica, na qual o poder é delegado ao CEO em
função da confiança nele depositada peJos operadores.
Segundo Mintzberg, o melhor exemplo das organizações simples é a
organização do pequeno empreendedor. Para Mintzberg esse tipo de organização contém os
fatores estruturais e contingenciais.
A estrutura simples é também a mais arriscada das estruturas
organizacionais, pois a organização geralmente depende de um único indivíduo. O
principal mecanismo de coordenação pode ser eliminado por qualquer impossibilidade de
seu principal executivo.
2.3.6.2 A máquina burocrática
Na estrutura básica da máquina burocrática as tarefas operacionais
são rotineiras e bastante especializadas. Os procedimentos no núcleo operacional são muito
formalizados com proliferação de regras e regulamentos que formalizam a comunicação
dentro da organização.
As características marcantes dessa estrutura são o surgimento de
grandes unidades operacionais, apoio em bases funcionais para os grupos de trabalho,
poder de decisão muito centralizado e estruturas administrativas bem elaboradas. A clara
distinção entre atores de linha e de staff também pode ser interpretada como indicativa de
1 59
alto grau de fonnalização e tendência à padronização dos processos operacionais. A figura
2. 1 6 ilustra a máquina burocrática.
A máquina burocrática depende da padronização de seus processos
operativos. Essa dependência faz com que a tecno-estrutura surja como elemento
proeminente dentro da estrutura organizacional
FiG. 2.16 A máquina burocrática
adaptado de Mintzberg (l979)
As regras e regulamentos que penneiam a máquina burocrática
favorecem a comunicação formal em todos os níveis. Esse fato induz os processos
decisórios a fluírem através da cadeia formal de autoridade. Outro reflexo da fonnalização
dentro da máquina burocrática é forte ênfase na divisão do trabalho e na diferenciação das
unidades em todas as suas dimensões - vertical, horizontal, linha / staff, funcional,
hierárquica e status.
A máquina burocrática denota verdadeira obsessão pelo controle,
explicada pela tentativa de eliminar todos os possíveis focos de incerteza. Mintzberg
justifica essa obsessão afirmando que as incertezas devem ser eliminadas para que a
organização possa funcionar de forma suave e contínua.
1 60
Nas máquinas burocráticas o planejamento estratégico é enfatizado e
imposto de cima para baixo. Grande parte do tempo dos gerentes de topo é gasto no ajuste
fino das divergências surgidas de conflitos internos
As máquinas burocráticas são encontradas normalmente entre as
organizações maduras. Nessas organizações o volume de trabalho operacional justifica a
utilização da padronização e de regras a serem seguidas. O sistema técnico utilizado é
normalmente regulador e utilizado para produção de massa.
Característica importante da máquina burocrática é o controle
externo. Esse controle condiciona o planejamento na organização e induz a maiOr
formalização das rotinas não operacionais e relacionadas com o planejamento e controle.
Mintzberg( l 979) afirma que as máquinas burocráticas são
fundamentalmente estruturas não adaptativas, com muita dificuldade para lidar com
ambientes dinâmicos. Hunt, por sua vez, diz que as máquinas burocráticas funcionam
melhor em ambientes estáveis porque são projetadas para missões predeterminadas e
específicas. O seu forte é eficiência e não inovação22o •
2.3.6.3 A burocracia profissional
Quando o trabalho operacional de uma organização é estável,
predeterminado e previsível, porém com alto grau de complexidade, a organização toma-se
burocrática sem ser centralizada. Ela assume a configuração que Mintzberg chama de
burocracia profissional. Nessa configuração o trabalho é controlado pelos operadores do
núcleo operacional. O mecanismo de coordenação utilizado é a padronização de
habilidades.
220 HUNT, R. G. Dp. Cito
1 6 1
As burocracias profissionais são encontradas em universidades,
hospitais, sistemas escolares, firmas de contabilidade e afins. Seus produtos e serviços
exigem habilidades e conhecimentos específicos e complexos para sua execução. O
controle sobre o trabalho faz com que nessa configuração o operador seja relativamente
independente de seus colegas.
Enquanto a máquina burocrática baseia a sua autoridade na natureza
hierárquica (o poder do cargo), a burocracia profissional enfatiza a autoridade de natureza
profissional (o poder da competência). A figura 2. 17 ilustra a burocracia profissional,
composta por base larga, tecno-estrutura pequena e staft' de suporte bem elaborado.
FIG. 2. 1 7 A burocracia profissional
adaptado de Mintzberg(19 79)
Normalmente, nas burocracias profissionais o staff de suporte
emerge como uma hierarquia paralela. A hierarquia profissional é democrática e seus
processos decisórios têm origem no núcleo operacional. A hierarquia administrativa é
centralizada e seus processos decisórios são burocratizados e impostos de cima para
baixo221 . Segundo Mintzberg, existe uma certa segregação entre as duas e o papel principal
do CEO é gerenciar o conflito emergente entre as duas hierarquias.
221 BIDWELL. C. E. The Schoo/ as a Formal Organization. Em MARCH, J. G. The HandhoQk or OrganizqUom'. Op. cit.
1 62
A estratégia nas burocracias profissionais nonnalmente surge
derivada de projetos individuais de seus membros e é condicionada pelas associações
profissionais externas à organização. A estratégia global da organização pode ser entendida
como o efeito cumulativo das iniciativas de projetos individuais que seus membros
executem.
De acordo com Mintzberg(1 979) em uma burocracia profissional
típica a tecnologia (sua base de conhecimentos) é complexa, ao contrário do sistema
técnico (instrumentos utilizados para sua aplicação).
Pode-se destacar que, como a máquina burocrática, a burocracia
profissional é uma estrutura inflexível. É bem adequada para produzir saídas padronizadas
mas não para produção de novos produtos e serviços. A burocracia profissional privilegia a
aplicação de conhecimentos já existentes em detrimento da inovaçã0222 .
2.3.6.4 A forma divisionalizada
De forma muito semelhante à burocracia profissional, a organização
divisionalizada não é uma entidade perfeitamente integrada. Na burocracia profissional os
elementos do staff de suporte são quase independentes; na organização divisionalizada as
unidades da linha média são quase independentes. A figura 2. 1 8 ilustra bem como se
estrutura a organização divisionalizada.
222 KHUN, T S. Op. cito
FIG. 2.18 A forma divisiona/izada
adaptada de Mintzberg(l979)
1 63
A organização divisionalizada geralmente utiliza o mercado como
fator contingencial para a sua estruturação. As divisões são agrupadas no topo da linha
média. A interdependência entre as funções operativas é minimizada pela replicação em
cada uma das unidades componentes da organização. Dessa forma as unidades funcionam
de forma independente sem a necessidade de coordenação entre si.
o mecanismo de coordenação utilizado nessa configuração é a
padronização de resultados. A cada unidade é dada grande autonomia. O controle é
exercido através do monitoramento dos resultados globais de cada unidade. Em função
desse controle externo existe uma tendência muito forte para que as unidades se tomem
máquinas burocráticas.
O ápice estratégico na configuração divisionalizada é chamado de
matriz223 • Entre as funções da matriz está a confecção da estratégia global, a alocação de
recursos, a elaboração do sistema de controle, a designação dos gerentes de divisão, o
monitoramento das divisões e o fornecimento de serviços comuns a todas as divisões.
A configuração divisionalizada eXIge que o sistema técnico seja
separado entre as divisões. Essa característica permite maior independência entre as
divisões e permite a diferenciação ao longo do tempo dos sistemas técnicos mais
adequados a cada mercado a ser atendido pela organização.
2.3.6.5 A adhocracia
Nenhuma das configurações apresentadas até agora parece à
Mintzberg adequada para lidar com situações que exijam inovações ou atuação em
ambientes complexos e dinâmicos e sofisticados. A inovação e a sofisticação exigem uma quinta configuração bastante diferente das demais. Essa configuração deve ser capaz de
223 No original: headquarters.
1 64
conciliar especialistas de diversas disciplinas para trabalhar em grupos de projetos ad hoc.
Essa configuração é chamada adhocracia.
A adhocracia apresenta estrutura altamente orgãnica, com
comportamento muito pouco formalizado e alta especialização horizontal do trabalho,
baseada no treinamento formal. Os especialistas agrupados em grupos de projetos mantêm
as suas origens funcionais. O mecanismo de coordenação fundamental para o seu
funcionamento é o ajustamento mútuo no interior e entre os grupos de trabalho. Esses
grupos são localizados em vários locais da organização e envolvem diversas composições
entre gerentes de linha, pessoal de staff e operadores. Como inovação significa ruptura com
os padrões estabelecidos, a adhocracia não utiliza nenhuma forma de padronização para
coordenação de suas tarefas.
De todas as configurações estruturais a adhocracia é a que menos
reverência presta aos princípios clássicos da administração. Ela subverte especialmente a
unidade de comand0224 .
A adhocracia utiliza o conhecimento dos profissionais em grupos
multidisciplinares. Cada grupo é fornlado para um projeto específico. É utilizada uma base
dupla na formação desses grupos: base funcional e base de mercado. O resultado é a
chamada estrutura matricial. Os elementos fundamentais na adhocracia são os gerentes.
Mintzberg(1 979) destaca que a adhocracia pode ser de dois tipos: a
adhocracia operacional (que trabalha para outras organizações) e a adhocracia
administrativa (que trabalha em causa própria).
Na adhocracia operacional a organização resolve de forma direta e
inovativa problemas de clientes externos. Na adhocracia administrativa, a organização é
224 MINTZBERG( 1979). Op. cito
1 65
truncada em duas e uma das componentes resultantes trabalha de forma colaborativa para a
própria organizaçã0225 • A figura 2 . 19 ilustra a adhocracia.
Na adhocracia o processo de formulação estratégica não tem origem
em um ponto específico da organização. Ele é fruto de um processo conjunto de
formulação e implementação.
Muito importante dentro da adhocracia é o conceito de constelações
de trabalho. Conforme as decisões que devam ser tomadas, essas constelações vão se
estruturando de forma fluida e dinâmica, em função das especialidades exigidas por cada
passo do processo de trabalho.
'---,-- ---- -,.---_/ : . '. (�-_. _-------- - - - - - - - - - �" !
, , , , '----------------- -- ---- ------ ------_.'
FIG. 2. /9 A adhocracia
adaptado de Mintzberg{l979)
Os elementos do ápice estratégico em uma adhocracia gastam a
maior parte de seu tempo em comunicação para ajustamento mútuo entre os membros da
organização e para conciliação dos efeitos dos atores externos à organização.
A adhocracia tem problemas de dificil solução. O pnmelro é a
freqüente ambigüidade. O segundo diz respeito à eficiência. Onde a eficiência é exigida a
adhocracia é contraproducente. A raiz da incompetência da adhocracia em relação à
225 S/MON, H. A. The NewScience QfManagement Dec;sjon. Prentice Hall, 1977.
166
eficiência é o seu alto custo de comunicação interna226 . Esse custo tem ongem na
tendência da adhocracia para encontrar soluções criativas para problemas nem sempre bem
estruturados.
Outra fonte de sérios problemas é a dificuldade de balancear a carga
de trabalho entre os operadores e durante longos períodos de tempo. O trabalho necessário
para resolver problemas não familiares não pode ser planejado com exatidão a priori. Isso
provoca períodos de intensa atividade intercalados com tempos de espera aparentemente
improdutivos227 •
As adhocracias são típicas dos ambientes dinárnicos com mudanças
freqüentes de produtos ou de organizações novas. Mintzberg(l 979) afirma que se a
estrutura simples e a máquina burocrática são as organizações de ontem; a burocracia
profissional e a fonna divisionalizada são as organizações de hoje; a adhocracia é a
organização do amanhã. Ele afirma também que existe tendência muito forte para um certo
modismo na utilização de formas adhocráticas de organização.
2.3. 7 As configurações organizacionais
A revisão teórica, ao indicar que as configurações de poder nas
organizações são resultantes das diversas combinações possíveis entre as coalizões
externas e internas, pennite idealizar uma tipologia de configurações organizacionais. Essa
tipologia emerge como o resultado da correlação entre duas tipologias: a primeira de
configurações de poder e a segunda de configurações estruturais. Essa combinação de
configurações está ilustrada na tabela reproduzida abaixo.
226 KNIGHT, K. Malrix Organization: A Review. The JoZ/rnal o(Management Sludies p. 1 1 1 - 130, 1976. 227 GOODMAN, R. A.; GOODMAN, L. P. Some Management !ssues in Temporary Syslems: A sludy of Prqfessional Development of Manpower - Thealer Case, Adminislralive Science Ouarlerlv, p 494 - 501, 1976.
1 67
A configuração instrumental emerge quando a organização é
controlada por um poder externo focado e organizado. O controle é baseado tipicamente
em alguma dependência existente entre organização e controlador externo. Normalmente
está associada a configuração estrutural chamada de máquina burocrática.
Configuração de poder Configuração estrutural Configuração
organizacional
Instrumental ( autoridade ) Máquina burocrática Instrumental
Sistema fechado ( padronização) Máquina burocrática ( divis.) Sistema fechado
Autocracia Estrutura simples Autocracia
Missionária Missionária ( postulada) Missionária
Mcritocracia Burocracia profissional Meritocracia
Adhocracia ( op. I adm.) Meritocracia
Arena polftica Polrtica ( postulada ) Arena polftica
FIO. 2.20 A correlação entre as configurações de poder e as configurações estruturais
O sistema fechado é uma configuração que normalmente tem uma
coalizão interna burocrática. A diferença entre essa configuração e a instrumental é que
nesse caso o poder externo é difuso. A maior parte do poder é exercida pelos
administradores internos. Está associada a configuração chamada forma divisionalizada
devido ao poder externo difuso.
A configuração autocrática é totalmente dominada pelo CEO. Não
existem jogos políticos. Os insatisfeitos se retiram. Durante crises, muitas organizações
tomam-se temporariamente autocráticas. Normalmente encontrada com a estrutura simples.
A configuração missionária é caracterizada por ter uma coalizão
externa passiva e ser dominada pela ideologia. Predominam as lideranças carismáticas e as
tradições. A configuração estrutural associada ainda é postulada como estrutura
missionária.
1 68
A configuração meritocrática tem o poder gravitando em tomo da
competência. A atividade política é intensa devido a existência de um staff de suporte bem
desenvolvido. Surgem nonnalmente quando o trabalho é complexo e o ambiente estável.
Essa configuração organizacional está associada a burocracia profissional e a adhocracia.
Por fim, a configuração denominada arena política é caracterizada
pelo conflito. Ela surge quando a coalizão externa é dividida e a coalizão interna é
politizada. Existe discussão excessiva e pouca lealdade. Em tennos de poder é uma
configuração disfuncional.
1 69
IlJ - Conclusões
Este capítulo tem por objetivo apresentar, de forma estruturada, as
conclusões e dilemas obtidos à luz da revisão teórica apresentada no capítulo 11
combinadas com as informações obtidas da vivência observada e refletida sobre
organizações públicas voltadas para ciência e tecnologia. Parte dessas observações são
diretas, outras colhidas da literatura.
3.1 Conclusões
Além disso, meu filho, preste atenção: escrever livros é um trabalho sem fim, e muito estudo cansa o corpo.
De tudo o que se ouviu o resumo é este: Tema a Deus e observe seus mandamentos, porque esse é o dever de
todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e
até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau.
Eclesiastes 12 : 12 - 14
Estas conclusões estão estruturadas em quatro partes distintas, cada uma
associada a uma dimensão abordada pelo texto.
A primeira parte apresenta as conclusões relacionadas com a compreensão
da crise do Estado. Conceitos importantes tais como soberania, propriedade, papéis do
Estado e formam a base para a discussão.
A segunda parte apresenta os efeitos da crise do Estado na área de ciência e
tecnologia. Nesse ponto são reconhecidos os papéis desempenhados pela ciência e
tecnologia. Como principal ponto, reconhece-se que a eiência e a tecnologia incluem-se
entre os fatores responsáveis pelo desencadeamento da crise e do processo de globalização.
170
A terceira parte apresenta as conclusões derivadas da análise dos efeitos da
crise sobre as organizações de um modo geral. É apresentada uma tipologia organizacional
(calcada no binômio estrutura / poder). Conclui-se que os efeitos da crise são percebidos
pelas organizações através de alterações provocadas nos três fatores contingenciais: meio
ambiente, sistema técnico e poder.
A quarta parte apresenta as limitações e possibilidades das organizações
públicas de C&T
3.1.1 Em relação ao papel do Estado
De acordo com as idéias de Dreifuss, o Estado pode ser inferido como uma
realidade especial de dominação e veículo de poder228 . A revisão teórica permite concluir
que o processo de formação do Estado é a história da ampliação do espaço público, da
separação dos indivíduos de seus instrumentos privados de força. Tal processo pode ser
entendido como a conseqüência da desprivatização dos assuntos de interesse geral.
A confrontação entre as idéias de Hobbes e Locke dá origem aos conceitos
de soberania, propriedade e regulação do poder. A partir dessa discussão surgem as
primeiras concepções políticas do Estado Moderno: o poder manipulador e disciplinador
do Estado substituindo o poder emanante da coerção.
A literatura revista parece sugerir que exista um dilema referente ao papel
social e econômico do Estado Moderno no Ocidente: o Estado pode ser desejável,
indesejável ou necessário, dependendo das tendências políticas e filosóficas da sociedade
em questão.
228 DREIFUSS. RENÉ. Op. Cil.
1 7 1
Focalizando o caso brasileiro, o Estado, pode ser definido como uma
hegemonia fechada com níveis mínimos de participação,229 ou seja vigora no Brasil a
exclusão de diversos atores sociais do jogo político.
o jogo e a coalizão política vigentes no Brasil entre tecnoburocracia e
empresários resultou na definição de um perfil de controle sobre a propriedade que, não
surpreendentemente, tem favorecido aos proprietários.
Conclui-se, à luz da revisão teórica , que a principal característica do Estado
brasileiro a partir da década de 30 foi a adoção de um modelo voluntarista de
desenvolvimento. Nesse modelo o Estado, empreendedor e regulador, aparece como
principal promotor do desenvolvimento econômico e social.
A revisão teórica tende à concordância de que realmente existe uma crise
ligada ao Estado Moderno. Essa crise explicita-se de diversas formas. As mais
contundentes são o sentimento de mau estar que parece justificar a necessidade de repensar
o Estado e seu papel nas sociedades atuais. A crise do Estado no Ocidente pode ser
associada à quebra de um pacto de bem estar fordista, pelo qual foi estabelecido um modo
de produção e de relacionamento entre Estado, capital e trabalho que vigorou até o início
da década de 70. Esta conclusão decorre da observação de que a inserção de novos métodos
de fabricação e trabalho alteraram de forma substancial a rclação anterior entre capital e
trabalho. Essa alteração teria sido uma das sementes dos processos de globalização e do
surgimento do neoliberalismo. O mundo presenciou, de forma concomitante, o surgimento
do cidadão/consumidor, através da hegemonia do paradigma do mercado, e da Terceira
Onda postulada por Alvin Toffler.
Em relação ao Brasil, a crise pode ser explicada pela ocorrência de dois
fenômenos interatuantes, que cabem destacar: pacto pós fordista à brasileira e falência do
setor público.
229 DAHL, R. Op. Cito
1 72
o primeiro fenômeno, a existência do que Silva e Souza denominou o
projeto de regulação fordista, foi abortado. Suas estruturas jamais foram implantadas e a
inserção do Brasil no cenário internacional se deu de forma tardia e com a exclusão de
diversos atores sociais. Esse cenário não favoreceu a transição para um sistema de
regulação pleno, mas apenas uma situação de equilíbrio dinâmico onde nada tende a se
alterar. Um contínuo estado de mudança que visa evitar a mudança maior.
o segundo fenômeno é a falência do setor público brasileiro com o
esgotamento do modelo implantado a partir de 1 930 e a privatização do Estado através de
mecanismos como os anéis burocráticos23o .
A crise do Estado enfrenta dilemas de duas naturezas distintas. Os
primeiros, de natureza filosófica, estão relacionados ao papel que o Estado deve ter na
economia. Pode ser primordialmente um prestador de serviços, reforçando o conceito do
cidadão/consumidor; pode ter apenas função regulatória, privatizando radicalmente suas
atribuições, como ocorre na Inglaterra; ou pode ainda ser indutor e catalisador da
competitividade da economia do país como na Itália.
O segundo tipo de dilema, de natureza estrutural, está relacionado com a
dimensão gerencial, do aparelho estatal, independentemente da opção pelo papel do Estado
na economia. Equilíbrio fiscal, eficiência e eficácia de gestão são valores que orientam
essas escolhas.
Merece destaque a observada tentação de realizar reformas administrativas
revolucionárias, voltadas para destruição de estruturas vigentes. Nesses casos, o trabalho de
reconstrução, que requer prazo mais longo, tende a ser frustrado por falta de continuidade
do apoio político, deixando para trás terra arrasada23 1 . Seria desejável que as reformas
caminhassem passo a passo com as possibilidades de criação de suporte p'olítico.
230 CARDOSO, FERNANDO HENRIQUE. Op. Cito 231 SOUZA E SILVA. Op. cito
1 73
Souza e Silva232 e Castor233 têm opiniões que exemplificam as duas
naturezas dos dilemas que a reforma do Estado enfrenta no Brasil. O primeiro aborda os
dilemas filosóficos da reforma do estado, o segundo ocupa-se dos aspectos relacionados
com a eficácia, a eficiência e a gestão administrativa.
Para Souza e Silva é fundamental, para melhorar a eficiência do setor
público, diferenciar a universo das ações estatais, compatibilizando a forma institucional
das organizações públicas com a natureza das suas ações.
Ele argumenta que um contexto político e econômico com regulação flexível
eXige gestão descentralizada da atuação estatal, com a reversão da tendência a
padronização das formas de gestão estatal, representada pelas isonomias , regimes únicos,
extensão das normas da administração direta para as autarquias e fundações e pela tentativa
de restrição da autonomia das empresas. Dentro desse contexto, de acordo com a
experiência inglesa, a privatização aparece como a forma mais indicada para o setor
produtivo estatal desde que o objetivo não seja puramente fiscal. A privatização deve ter
por meta impactar e dinamizar segmentos produtivos, estimulando e preparando o capital
privado para a competição global. Um bom exemplo foi a privatização do setor siderúrgico
no Brasil.
Segundo Souza e Silva as privatizações devem ser pautadas por uma política
de trocas de ativos entre o setor público e os agentes privados e planejadas visando
objetivos estratégicos pautados pelas estruturas finais dos ativos trocados. Composição de
recursos, abatimento de dívidas, resgate de títulos e etc. devem servir para desonerar o
Estado e permitir o fmanciamento de outras atividades, dentro de novo perfil estratégico de
atuação compatível com o papel que o Estado pretende ter.
No setor de serviços públicos, Souza e Silva não acredita que a privatização
seja o melhor caminho. A concessão e a permissão, tendo o Estado como agente de uma
232 Idem. ibdem. 233 CASTOR . BELMIRO V. J. Op. cit
1 74
parceria ou como regulador sena o caminho mais produtivo para a sociedade. Essas
alternativas exigem um Estado com forte e isenta capacidade de regulação pública em prol
dos interesses do cidadão/consumidor.
Na área de prestação de serviços por monopólios naturais do Estado a
regulamentação é bem mais dificil, principalmente em um contexto político-administrativo
como o brasileiro. A experiência inglesa de desregulamentação, quebra de monopólios e
promoção da flexibilização e competição através da abertura aos pequenos e médios
empresários foi muito positiva. Para Souza e Silva, só poderia ser adotada no Brasil caso
fosse possível mobilizar apoio polític0234 .
Souza e Silva indica, também, como um bom instrumento para agilizar a
máquina pública os contratos de gestão. Ele os apresenta como ideais para lidar com os
problemas de compatibilização da autonomia do agente estatal, seja ele empresa, fundação
ou autarquia, com o interesse do Estado.
Dado que tais mudanças podem implicar na redistribuição do poder,
desencadeiam resistências corporativas e clientelistas.
Por outro lado, Castor é de opinião que um novo modelo de atuação estatal
no Brasil deve levar em conta três componentes essenciais235 : a diversificação dos canais
de prestação de serviços públicos, com a redejinição de encargos federativos; a
simplificação radical dos mecanismos jiscais e regulatórios de poder público; e a
modernização dos mecanismos de controle externo do governo e de suas organizações.
A diversificação dos canais de prestação de serviços passa pela privatização
dos mesmos, sejam ou não lucrativos e pela integração à estrutura governamental das
organizações não-governamentais (ONG�v) como canais alternativos para prestação de
serviços em suas áreas de interesse. A isso deve-se somar a sempre defendida e nunca
234 SOUZA E SILVA. Op. cil 235 CASTOR , BELMIRO V. J. Op. cil
1 75
implementada redistribuição de encargos, compatibilizando a esfera administrativa com a
característica geográfica dos serviços prestados. Como ele textualmente declara:
" serviços eminentemente locais (educação básica,
habitação popular, atenção primária à saúde, etc.) têm de ser da
responsabilidade de organizações públicas e privadas locais,
reservando-se as tarefas que envolvam território e competências
intermunicipais aos governos estaduais e limitando-se a
intervenção direta e operativa do governo federal às questões e
projetos de natureza interstadual".
Um ponto que merece destaque é o controle externo das empresas públicas e
estatais. No Brasil o controle externo é feito pelo Legislativo através dos tribunais de
contas. Eles porém sofrem de um mal de origem: seus membros são freqüentemente
indicados por governantes a quem devem fiscalizar e pelos grupos políticos dominantes
nos órgãos legislativos que devem aprovar as indicações236 . Tampouco esses tribunais
estão aparelhados conceitualmente para exercer o controle de organizações cuja natureza
jurídica é diferente da administração pública tradicional. O controle, torna-se tendencioso
para um campo familiar ao tribunal: a verificação documental e contábil.
As empresas de economia mista são exemplos típicos. Por serem regidas
pela Lei das Sociedades Anônimas o caminho de controle natural são os conselhos de
administração, conselhos fiscais e, no caso das fundações, conselhos curadores. Ao tentar
controlá-las através de rotinas e procedimentos burocráticos típicos da administração
pública tradicional, o único resultado é a restrição da liberdade operacional, sem qualquer
aumento do controle substantivo.
Outro problema do controle externo é o formalismo das auditorias externas.
Desde que as contas e procedimentos licitatórios tenham sido observados, nada a temer por
236 Idem. ibdem.
1 76
parte do órgão que presta contas. Não há como verificar a ocorrência de manipulação de
fornecedores ou recibos emitidos em troca de favores.
Um verdadeiro controle externo precisaria ser feito no nível de execução.
Não em Brasília ou nas capitaís estaduais, mas nos lugares onde as obras são feitas e os
serviços prestados. De forma complementar seria fundamental que forças políticas e
comunitárias antagônicas participassem do processo de controle externo para garantir sua
isenção e idoneidade.
Entre outras coisas, deveria ser garantida a ampla divulgação das atividades
de controle, para que o cidadão comum possa avaliar como o poder público está agindo na
comunidade, a quem a ação pública beneficia e a que custos.
Por fim, existe o dilema sobre qual modelo de inserção internacional a ser
dotado com o abandono do modelo de autonomia e substituição de importações. Deve-se
levar em conta que a inserção é necessariamente assimétrica e contingenciada pelos
interesses de poder dos Estados hegemônicos no concerto das nações.
Um novo pacto regulatório pode ser instaurado através da desprivatização
do Estado . Atores atualmente alijados do pacto regulatório devem ser incorporados e
ouvidos em suas reivindicações. Esse novo pacto deve privilegiar menos a propriedade e
mais os segmentos que hoje não tem representação adequada no jogo político vigente.237
Também é importante uma avaliação crítica dos lugares comuns das
discussões sobre o Estado. Um exemplo é não aceitar como definitivas as afirnlações de
que na América Latina o tamanho do Estado e a inépcia da burocracia são o foco central do
mau funcionamento do setor público. Essas afirmações definitivas tiveram origem em
certas versões das ideologias neoliberais dos anos 80. Essas ideologias, juntamente com o
fim dos governos do Leste Europeu, deixaram um legado anti estatal .
237 SOUZA E SILVA. Op. Cito
177
3.1.2 Em relação à ciência e tecnologia
A literatura revisada permitiu concluir que a crise do Estado teve reflexos de
três naturezas distintas na área de C&T : fiscal, estratégica e política
Os reflexos de natureza fiscal afetaram o montante e o perfil dos recursos
direcionados para o setor de C&T O montante do fluxo de recursos nos países
desenvolvidos não foi comprometido; Japão, Coréia do Sul e Estados Unidos, entre outros,
aumentaram a aplicação de recursos no setor na década de 80.238 O fato relevante foi o
aumento cada vez maior da participação do setor privado no total investido em C&T239
Esse aumento da participação do setor privado refletiu-se na mudança do perfil da
aplicação dos investimentos. O percentual alocado para pesquisa aplicada e inovação
tecnológica tomou-se gradativamente maior em ralação ao aplicado em pesquisa básica.
No Brasil, devido a estagnação econômica e a inflação crônica, houve
instabilidade acentuada no fluxo de recursos. Guimarães afirma que a partir dos anos 80
devido à crise fiscal e a pouca prioridade dada à questão da ciência e tecnologia os recursos
foram substancialmente reduzidos. A análise é complementada com a constatação de que a
participação do setor produtivo na área é pequena.240
Os reflexos de natureza estratégica fizeram-se sentir na transformação da
ciência e da tecnologia em ativo estratégico para países e empresas. Essa mudança
conceitual foi provocada pelo acelerado processo de globalização em curso. A mudança
dos processos de fabricação decorrente de mudanças tecnológicas tornou-se crucial como
fator competitivo.241 Houve o aumento da importância dos investimentos em inovação
tecnológica em detrimento da pesquisa básica provocada pelos crescentes investimentos
oriundos do setor privado.
238 SICSÚ, ABRAHAM B. Coréia do Sul. Em: Política Científica e Tecnológica' no Japão Coréia do Sul e !.sIJJd.. Rio de Janeiro, CETEM! CNPq, /989. 239 S/CSÚ, ABRAHAM B. Op. Cito 240 GUIMARÃES, EDUARDO AUGUSTO. Op Cito 241 S/L VA E SOUZA. Op. Cito
178
As conseqüências políticas tiveram expressão nas mudanças no processo de
difusão de informação e na instrumentalização da ciência e da tecnologia como elemento
de poder242 . Os anos 90 encontraram o Brasil diante de um dilema fundamental: ser
autônomo e obsoleto em termos comerciais e tecnológicos ou inserir-se competitivamente
no mercado mundial.
A combinação das idéias de Teixeira e Ferné conduzem à conclusão de que
a inovação tecnológica não é um processo associado exclusivamente ao Estado ou
iniciativa privada. A inovação tecnológica está, isto sim, associada à participação em um
mercado competitivo de bens ou serviços. Tanto o Estado quanto a iniciativa privada
podem ser inovadores. O grau em que isso ocorrerá dependerá dos papéis e do peso
relativo que cada um deles terá em termos de fornecimento de bens ou serviços em
mercados competitivos. A inovação tecnológica está ligada à competição e não à natureza
dos atores envolvidos no process0243 .
Duas conclusões em termos de política tecnológica baseiam-se nos
conceitos de core technologies e technological landscaping.
A primeira conclusão é que um conjunto de tecnologias básicas,
determinadas nos moldes das core technologies. é capaz de alavancar tecnologicamente o
país. Como núcleo de competência técnica, habilitam o país a absorver ou desenvolver
tecnologias mais avançadas.
242 Esses dois fatos reforçaram a idéia de que o ambiente globalizado emergente é caracterizado por um sistema de interdependência assimétrica. O acesso ao conhecimento não é franqueado de forma livre a quem o desejar. Esse acesso é objeto de restrições geopolíticas determinadas pelos países hegemónicos, tais como as descritas por Keohane. In : MOISÉS. JOSÉ ÁLVARO; ET ALL. O Futuro do Brasil' A América Latina e o fim dq guerra fria. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992. 243 TEIXEIRA. DESCARTES DE SOUZA. Pesquisa. desenvolvimento experimental e inovação industrial: motivações da empresa privada e incentivos do setor público. In: Administração em Ciênçiq e Tecnologia. Editora Edgar Blücher Ltda. Rio de Janeiro. 1983; FERNÉ. GEORGES. Science and technology in the new world arder. In: Science and Technology in Brazi/: A New Poliçy (ar a Global World. Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro. 1995.
1 79
A segunda conclusão é que construir, de forma única e dinâmica, uma
paisagem tecnológica permite identificar áreas de interesse para orientação do
desenvolvimento e planejamento tecnológicos.
3.1.3 Em relação às organizações
A revisão teórica permite inferir que as organizações sentem os efeitos da
cnse do Estado através de seus fatores contingenciais. Esses fatores traduzem para as
organizações as características do ambiente no qual terão que sobreviver. A pesquisa indica
que os fatores contingenciais mais afetados são o ambiente, o sistema técnico e o sistema
de poder.
o ambiente sofre os efeitos da crise em suas quatro dimensões: estabilidade,
complexidade, diversidade de mercado a ser atendido e hostilidade. O principal reflexo da
críse do Estado no ambiente das organizações foi a alteração das condições ambientais. O
ambiente tornou-se gradativamente dinâmico e complexo. Essas complexidade e dinâmica
do ambiente apresentam-se como tendências reforçadas pelo processo de globalização.
A tendência do aumento da dinâmica e da complexidade do ambiente cria a
necessidade da descentralização das organizações e o privilegio para estruturas orgânicas
mais aptas ao confronto com mudanças imprevistas244 . Essa necessidade, segundo
Mintzberg, independe da idade, tamanho ou sistema técnico da organização e privilegia a
rapidez e a capacidade adaptativa.
A crise do Estado e suas conseqüências refletem-se no sistema técnico de
forma distinta. O processo de globalização é o elo fundamental da relação entre sistema
técnico e estrutura organizacional.
244 MINTZBERG (/979). Op. Cito
1 80
Em um contexto de inserção internacional, tecnologias maiS modernas
aumentam a qualidade e a capacidade de produção, incrementando as probabilidades de
sucesso em mercados globais. As economias de escala resultantes alteraIn os sistemas
técnicos das organizações privilegiando tecnologias de produção mais próximas da
produção por processo. Um processo com essas características tende a tornar as
organizações mais orgânicas.
Os efeitos da crise do Estado sobre a sistema de poder das organizações
podem ser explicados pelo conceito de interação entre configurações de poder e
configurações estruturais, criando as chaInadas configurações organizacionais.
A influência da crise do Estado no sistema de poder faz-se através da
influência sobre a coalizão externa. O Estado é, necessariamente, um dos atores dessa
coalizão por ser quem legitima a existência legal da organização. O Estado taInbém
influencia a coalizão externa através de suas políticas macroeconômicas e setoriais.
Dependendo da natureza dessas políticas e do setor onde a organização atua a coalizão
externa pode ser identificada com um dos tipos descritos.
Uma coalizão externa dominada tenderá a enfraquecer a coalizão interna da
organização; uma coalizão externa dividida tenderá a politizar a orgaIlização e uma
coalizão externa passiva tenderá a reforçar a coalizão interna da organização.
As organizações de P&D têm, normalmente, características comuns que
permitem classificá-las de forma específica utilizando a combinação de tipologias
apresentada por Mintzberg. De acordo com essa combinação elas podem ser classificadas
como meritocracias. As suas configurações estrutnrais as classificam como burocracias
1 81
profissionais ou adhocracias; enquanto suas configurações de poder as classificam como
meritocracias federativas ou colaborativas.245 .
No Estado brasileiro, algumas organizações foram criadas inicialmente
como burocracias insulares246 . Algumas delas tornaram-se, em tennos estruturais,
máquinas burocráticas devido ao aumento do controle externo que levou à centralização
interna. Outras, entretanto, tornaram-se meritocracias em virtude do alto grau de
qualificação e especialização de seus núcleos operacionais. Entre essas organizações
estavam as da área de P&D.
Essa transfonnação explica-se, de acordo com Mintzberg(1 979), pela
existência de fortes correlações entre grau de centralização do controle externo e estrutura
interna e entre o grau de qualificação do núcleo operacional e a estrutura interna. Quanto
mais centralizado for o controle sobre uma organização, mais próxima ela estará de se
tomar uma máquina burocrática. Quanto mais qualificado for o núcleo operacional da
organização mais próxima ela estará de uma meritocracia.
Quando o ambiente torna-se complexo, porém estável, a meritocracia adota
uma estrutura federada denominada burocracia profissional. Nela os operadores trabalham
de fonna autônoma e com base em padronização de habilidades.
Quando o ambiente torna-se complexo porém' instável a meritocracia se
estrutura de forma colaborativa e adhocrática.
Nas meritocracias o poder está baseado principalmente nas habilidades
técnicas e no conhecimento. Os operadores que os possuem dominam a coalizão interna. O
trabalho não pode ser regulado pela tecnoestrutura e o CEO têm poderes limitados. A
ideologia organizacional é fraca pois as lealdades estão dispersas, muitas vezes em relação
a agentes externos à organização.
245 MIN1ZBERG (1983). Op. Cito 246 MARTINS, LUCIANO. Op. Cit. p. 46.
1 82
Nas meritocracias classificadas como burocracias profissionais o poder não
está restrito ao trabalho técnico. Ele é estendido para o controle das atividades
administrativas que os afetam247 .
Existe, na verdade, uma oligarquia dentro da burocracia profissional. A
organização cria duas hierarquias administrativas paralelas. Uma, profissional, democrática
e com o poder fluindo verticalmente para cima; outra, composta basicamente pelo staff de
suporte e estruturada de forma centralizada, como uma máquina burocrática. Um caso
típico é o organograma da CNEN/ IEN - Comissão Nacional de Energia Nuclear / Instituto
de Engenharia Nuclear, ilustrado na figo 3. 1 . Ele exemplifica de forma bastante clara a
existência dessas duas hierarquias.
Na hierarquia profissional o poder reside na competência técnica; na
hierarquia não profissional a autoridade é formal e legitimada pelos mecanismos de
dominação descritos por Weber248 . Essas organizações têm problemas sérios de conflitos
internos. Esses conflitos normalmente emergem devido as diferenças de tratamento,
responsabilidades e controle entre uma hierarquia e outra.
No Brasil a burocracia profissional tomou-se comum como forma de
estruturação das organizações da área de C& T. Essa forma é preferida um função de uma
outra característica das burocracias profissionais: sua maior sensibilidade aos controles
emanados da coalizão externa249 .
Na área de C&T a burocracia profissional é adequada para trabalhos
complexos, que exijam habilidades padronizadas porém que não sejam altanlente
dinâmicos. A burocracia profissional é incompatível com inovações radicais.
Aperfeiçoamentos de processos já existentes são mais compatíveis com esse arranjo
organizacional. Em decorrência disso tendem a ter dificuldades de adaptação ao novo
ambiente surgido com a crise do Estado e o início do processo de globalização.
247 MIN7ZBERG( /979). Op. Cito 248 WEBER, MAX Op. Cito 249 MIN7ZBERG (1983). Op. CiI
1 83
INSTITUTO DE ENGENHARIA NUCLEAR
ASSESSORIA
TÊCNICA
CREA - Coord. de Reatores SUFIR - Física de Reatores SUTER -Engenharia de
Reatores SUMAR Manut. de Real. e
Circo Termo. CFIS - Coord. de Física SUFIN - Física Nuclear SURAD- Radioisótopos SUCIC - Cíclotron
organograma
SlJl'ERINTENDÊNCIA
SERVo DE PROT.
RADIOLÓGICA GER. PROl. SEG, E MED.
TRABALHO INSTITUCIONA1S
CINT - Coord. de Instrumentação SUDEP . Desenvolvimento e Projetos SUPRO - Produção
SUMAC -Manut., Aferição e Calibr.
CMEQ - Coord. de Metal. Química SUAPQ - Apoio Químico SUTEQ - Tecnologia Química SUMET - Metalurgia
GEAL - Ger. Apoio Logíst. DIRHU - Recursos Humanos DIMA T - Materiais
DIFIN - Financeira
DISEG - Serviços Gerais DINFO - Informática DIENG · Engenharia
FIG. 3.1 Organograma do JEN
(reproduzido sob permissão)
As dificuldades e limitações da burocracia profissional não estão em lidar
com a complexidade do ambiente, mas lidar com a dinâmica imposta pelo novo ambiente.
Em um ambiente onde a inovação tecnológica é um dos principais fatores competitivos, a
burocracia profissional tende a ser ineficiente para acompanhar a velocidade exigida pela
dinâmica competitiva.
1 84
Quando inovação é essencial e a complexidade do ambiente é acompanhada
por uma forte componente dinâmica, a meritocracia tende a tomar-se colaborativa,
transformando-se na chamada adhocracia. Nas adhocracias normalmente grupos
multidisciplinares atuam para resolver problemas utilizando enfoques que evitem soluções
triviais e insatisfatórias.
Nas adhocracias são muito comuns os arranjos matriciais, conforme
ilustrado na figo 3.2. Esses arranjos são caracterizados por possuírem altos níveis de
conflito e sacrificarem o conceito de unidade de comando. Segundo Mintzberg(1 979), as
estruturas matriciais são adequadas para o desenvolvimento de atividades novas,
complexas e interdependentes. Por outro lado não são adequadas para quem busca ou
precisa de segurança e estabilidade.
! D"�o, ! j ! Q" ml08 ! l FI,.. ! I Metalurgia I
H Proieto A!
y p�eto Bl
FIG. 3. 2 Estrulura matricial
A solução adhocrática ou co laborativa é recomendada quando é necessário,
para resolver o problema em foco, um rompimento paradigmático25o . Mintzberg
exemplifica esse fato ao afirmar que para cada adhocracia operacional existe uma
burocracia profissional correspondente realizando o mesmo trabalho. A burocracia
250 MINTZBERG( 1979). Dp. Cito
1 85
profissional utiliza um enfoque mais estreito e limitado enquanto a adhocracia operacional
tenta uma solução criativa e inovadora.
o arranjo adhocrático é intuitivo e extremamente instável. Apesar disso ele
é a configuração organizacional que mais se adapta à dinâmica do novo ambiente
emergente25 1 . De acordo com a revisão teórica, o trabalho inovador e imprevisível está
associado a ambientes dinâmicos. A sofisticação das inovações está associada à
complexidade. Alvin Toftler afirma que:
. . . quando as mudanças são aceleradas, cada vez maIS
problemas novos surgem e as formas tradicionais de organização
mostram-se inadequadas; é a combinação entre mais informação e
maiores velocidades de resposta que está minando as grandes
hierarquias verticais típicas das burocracias252 .
A utilização de conhecimentos padronizados, apesar de aumentar a
autonomia do operador no trabalho, está ligada a paradigmas estabelecidos e prejudica a
inovação radical. A pesquisa bem sucedida em termos de inovação tende a resultar do
trabalho de grupos orgânicos e multidisciplinares253 •
Pode-se inferir que a crise do Estado reflete-se nas organizações da área de
C& T através do aumento na dinâmica do ambiente onde estão inseridas. A associação entre
aumento na dinâmica e complexidade inerente a área de C&T faz que as meritocracias
estruturadas como burocracias profissionais tendam a ser ineficientes.
o principal dilema das meritocracias de C& T é optar entre serem
adhocráticas e eficientes na criação de novos conhecimentos científicos e tecnológicos ou
ser estruturadas como burocracias profissionais e ineficientes em ambientes dinâmicos.
251 MlNTZBERG( /979). Op. Cito 252 TOFFLER, AL VIN, Op. Cito 253 MINTZBERG( /979). Op. Cito pp. 450.
1 86
3.1.4 Limitações e possibilidades
A constatação da classificação das organizações públicas de C& T como
meritocracias possibilita a identificação de suas limitações e possibilidades dentro do
contexto criado pela crise do Estado. Essas limitações e possibilidades possuem naturezas
distintas, dependendo de a meritocracia ser federativa (burocracia profissional) ou
colaborativa (adhocracia).
As organizações públicas de C&T estruturadas como meritocracias
federativas tenderão a estar associadas a padronização e repetição quando sob controle
externo rígido. Provavelmente apresentarão baixa capacidade de adaptação as mudanças na
dinâmica do ambiente e possuirão hierarquias paralelas em grande antagonismo. No
desenvolvimento de seu trabalho terão reforçada a tendência a repetição de procedimentos
já estabelecidos em detrimento de inovações radicais.
As melhores possibilidades da meritocracias federativas estão na utilização
de seu arranjo em hospitais, universidades e instituições públicas de fomento à pesquisa
onde as inovações não tenham que ser paradigmáticas. A autonomia dos operadores aliada
a um sistema técnico sofisticado, porém dominado e estável concede a essas organizações
condições de desempenho satisfatórias.
As organizações da área de C&T estruturadas como meritocracias
colaborativas possuem limitações de natureza distinta. Os objetivos pessoais facilmente
tomam o lugar dos objetivos organizacionais. Isto ocorre devido à premência da ideologia
profissional dos operadores, muito maior que a ideologia organizacional. A autoridade
formal é imposta com dificuldade em decorrência da força do sistema de competência. O
CEO e os gerentes de linha têm a autoridade formal diluída e a política tem seu espaço
superdimensionado.
Por ser um arranjo onde a ambigüidade e a intuição são muito fortes, a
meritocracia colaborativa tende a ser ineficiente onde desempenho é essencial. Seu custo
1 87
de comunicação é alto e questões como o planejamento do trabalho e distribuição de
tarefas não são tratadas com facilidade.
As meritocracias colaborativas possuem suas maIOres possibilidades de
sucesso em setores com atividades multidisciplinares e não repetitivas baseadas em
soluções inovadores. Projetos inovadores e multidisciplinares apresentam as melhores
possibilidades para utilização de arranjos colaborativos. Isso ocorre devido a esses projetos
possuírem poucos parâmetros anteriores para comparação de desempenho e não poderem
depender de controles externos rígidos.
Mintzberg(l 979) argumenta, entretanto, que deve haver congruência entre o
ambiente e a configuração estrutural da organização254 . As soluções meritocráticas
dependem de sua adequação ao ambiente existente. Nesse ponto residem as maiores
limitações das organizações de C& T públicas.
A revisão da literatura sugere que, se pudessem estar livres das amarras
administrativas do serviço público, as organizações com arranjos colaborativos poderiam
ter desempenho mais inovador e criativo na pesquisa tecnológica. Entretanto essa liberdade
administrativa é quase impossível em função da natureza dos mecanismos de controle do
setor público.
Segundo Mintzberg(1 979), quanto maior o grau de centralização e controle
externo, maior será a tendência da organização para adotar um arranjo mais burocrático. É da natureza do setor público utilizar controles fortemente centralizados. Em função desse
controle estreito, típico do setor público, dificilmente as meritocracias públicas podem
adotar arranjos adhocráticos.
o arranjO resultante será sempre o resultado do compromisso entre os
controles burocráticos impostos pelo gestor público e um arranjo interno do tipo
colaborativo. A resultante tenderá a ser muito parecida com uma burocracia profissional
254 MIN7ZBERG (/983). Op. Cito
1 88
combinada com uma estrutura matricial. Esse tipo de solução pode ser encontrada em
setores multidisciplinares de alta tecnologia255
Se o ambiente, em função da crise, tomar-se mais dinâmico, ou os
mecanismos de controle do setor público tomarem-se menos rígidos, as meritocracias
adhocráticas tomar-se-ão mais comuns e atuantes, tomando-se as organizações de C&T do
futur0256 . Caso o ambiente tome-se mais conservador, menos dinâmico e continue
controlado, as máquinas burocráticas e as burocracias profissionais no setor de C&T serão
hegemônicas. Nesse caso o processo inovação tecnológica em C&T terá seu
desenvolvimento fortemente condicionado pelos paradigmas existentes.
3.1.5 Recomendações
Os instrumentos de fomento à pesquisa disponíveis no Brasil são muito
semelhantes aos existentes em outros países capitalistas. Descartes, porém, observa que
deve ser feita uma avaliação comparativa entre os instrumentos disponíveis e aumentado o
nível de coordenação intrínseca entre eles.
Descartes recomenda que haja maior coordenação entre esses instrumentos
para melhor promover as atividades de pesquisa tecnológica. Por ser de opinião que toda e
qualquer política de intervenção estatal na economia tem relações estreitas com o ambiente
institucional e com a conjuntura histórico- cultural da nação, Descartes observa que devem
ser respeitadas as peculiaridades do ambiente brasileiro
Recomenda-se que a política científica e tecnológica seja derivada de uma
ampla discussão dos objetivos estratégicos do país. Sem essa discussão ampla todas as
medidas tomadas terão um viés de curto prazo e imediatista que comprometerá objetivos
de longo prazo.
255 Idem, ibdem. 256 Idem, ibdem.
1 89
Segundo Mintzberg as meritocracias possuem altos níveis de conflito
inerente. Com muita facilidade, devido a sua fluidez, transformam-se em arenas políticas
cujo ambiente interno é dominado pelos jogos de poder.
Tendo em vista que a questão do poder emerge de forma muito forte, é
natural que esse trabalho tenha a sua continuação apoiada em uma análise mais detalhada
da anatomia do poder dentro das meritocracias públicas de C&T.
Na CNEN, por exemplo, esse trabalho de continuação tem importância
capital. Sendo a CNEN uma meritocracia (mais aproximadamente uma burocracia
profissional divisionalizada), a elaboração de seu planejamento estratégico fica
comprometida se não forem levados em conta o grau de controle externo e a anatomia de
poder dentro da organização.
No caso do fEN, a questão do poder reflete-se no grau de controle exercido e
de autonomia concedida pela CNEN. Esse balanço entre controle e autonomia determinará
de forma direta o grau de capacidade inovativa das atividades de pesquisa desenvolvidas
pelo fEN.
Pelo exposto acima e sugerido pela revisão bibliográfica a recomendação
mais direta é a elaboração de um trabalho de análise da estrutura de poder da CNEN/fEN.
Esse trabalho consistiria na identificação dos atores das coalizões interna e externa da
organização, dos elos que as interrelacionam e dos jogos de poder em andamento dentro e
em tomo da organização.
1 90
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