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206
, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CI Ê NCIAS JU DICAS E ECON Ô MICAS INSTITUTO DE P Ó S-GRADUAÇ Ã O E PESQUISA EM ADMINISTRAÇ Ã O COPPEAD A CSE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e tecnologia do setor público Edison de Oliveira Martins Filho Dissertação apresentada ao COPPEAD como parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Mestre em Ciências . Sc.) Professora orientadora: Anna Maria de Sóuza Monteiro Campos Rio de Janeiro Março/96

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Page 1: A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de · A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e ... 2.1.5.2 A crise como o resultado da falência do modelo adotado

,

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO

COPPEAD

A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de

ciência e tecnologia do setor público

Edison de Oliveira Martins Filho

Dissertação apresentada ao COPPEAD como parte dos requisitos

necessários para obtenção do grau de Mestre em Ciências (M. Sc.)

Professora orientadora:

Anna Maria de Sóuza Monteiro Campos

Rio de Janeiro

Março/96

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A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e

tecnologia do setor público

Edison de Oliveira Martins Filho

11

Dissertação submetida ao corpo docente do I nstitu to de Pós-Gradu ação e Pesqu isa

em Administração da Universidade Federal do R io de J aneiro como parte dos requ isitos

necessários à obtenção do grau de Mestre.

Aprovada por:

__ �_-=---=---___ l_LVÍ ___ 0 __ =r-t-_t_ ::;Presidente da Banca

Prot" . Anna Maria Campos ( D. P. A. )

�Çk�} I '-. ) r-. � Prof. :ynaldo dê'SOuZ�Di:/� Se .)

<LfuwJ . 1':wiILA-f! _ cfu vi "7. .,,,---

Pro:!" Fátima Bayen� de Oliveira ( D. Se .)

R io de J aneiro

1996

,

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Martins Filho, Edison de Oliveira.

A crise do Estado: refl exos no setor e nas organizações de ciência e tecnologia / Edison de Oliveira Martins Filho. R io de J aneiro: COPPEAD, 1995.

xi, 195p. il.

Dissertação - U niversidade Federal do R io de J aneiro, COPPEAD.

1. Estado ( Nação). 2. Ciênc ia e Tecnologia. 3. Estrutura Organizacional. 4. Tese (Mestr.- COPPEAD/UFRJ). I. Títu lo.

III

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IV

Aos meus Pais, Maria e Edison

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v

Agradecimen tos

P rimeirament e à J esus Crist o, meu Senhor; a qu em Deu s ungiu aut or e consumador

da nossa salvação; cujo t rono subsist e et ernament e; cujo cet ro é cetro de eqüidade e que

ama a just iça e odeia a iniquidade. Sumo sacerdote que se compadece das nossas fr aquezas;

em tudo tent ado, mas sem pecado; ressurreto e assent ado à dest ra do Altíssimo; a cujo

t rono de graça podemos chegar para alcançar salvação, misericórdia e ajuda em t empo

oportu no;

Aos meu s pais, Dona Maria e Seu Edison, inst rumentos de Deus para me conceder

vida, amor e educação, que me ensinaram a est udar, trabalhar, respeit ar ao próximo e nunca

desanimar;

Ao casal Dager Amaral e I sabel SalI es Amaral, exemplo de testemunho crist ão e

usado por Deus para mi nha educação. Um farol important e em moment os difí ceis.

À professora Anna Mari a de Souza Mont eiro Campos que, representando t odos os

mest res que t ive o privilégio de t er at é aqui nessa vida, com muit a paciência e compet ência,

acredit ou em mim e me orient ou nessa viagem;

À CNEN / IEN - COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR / INSTITUTO

DE ENGENHARIA NUCLEAR que, por meio de seus dirigent es, concedeu os meios e o

su st ento que t omaram es sa empreit ada possível;

A t odos que, injustament e, não foram citados aqui;

De coração, agradeço o apoio recebido durante essa t ravessia.

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RESUMO DA TESE APRESENTADA AO COPPEADIUFRJ COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M. Se. ).

A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e tecnologia do setor público

EDISON DE OLIVEIRA MARTINS FILHO

MARÇ0l 1996

ORIENTADORA: PROFª ANNA MARIA DE SOUZA MONTEIRO CAMPOS PROGRAMA: ADMINISTRAÇÃO

VI

A dissertação procura entender as dimensões do que se convencIOnou

denominar a crise do Estado Ocidental moderno e seus reflexos nas organizações de

ciência e tecnologia do setor público. Para tal, três pontos são apresentados. O primeiro é o

processo de gênese e evolução política e filosófica do Estado à luz do pensamento de

Hobbes, Kant e Locke. O segundo é a identificação dos papéis desempenhados pela ciência

e tecnologia. O terceiro é a identificação das configurações estruturais preferenciais

utilizadas pelas organizações de ciência e tecnologia.

A inovação tecnológica é apresentada como um importante componente na

estratégia competitiva de nações e organizações. É apresentada a relação entre quebra do

pacto regulatório, inovação tecnológica e globalização.

As organizações são estudadas e classificadas através da utilização do modelo

proposto por Henry Mintzberg. As organizações do setor de ciência e tecnologia podem,

então, ser classificadas dentro da tipologia organizacional proposta.

O capítulo de conclusões contém dilemas, limitações e recomendações

pertinentes as organizações de ciência e tecnologia.

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ABSTRACT OF THESIS PRESENTED TO COPPEADIUFRJ A S PARTlAL FULFILMENT FOR THE DEGREE OF MASTER OF SCIENCES ( M. Se.).

A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e tecnologia do setor público

EDISON DE OLIVEIRA MARTINS FILHO

MARCHl1996

ADVISOR: ANNA MARIA DE SOUZA MONTEIRO CAMPOS

DEP A RT MENT: ADMINISTRA TlON

Vll

The dissertation addresses the theme of understanding the so called Westem

State Crisis and its effects upon the public science and technology organizations. First, it is

presented the origin, and the political and philosofical evolution of Westem States after

the thought of Hobbes, Kant and Locke. Second, science and technology are analysed

aeeording to their plaees and possibilities in soeiety. Third, preferential struetures used by

scienee and teehnology organizations are identified.

Technologieal innovation emerges as one of the most important elements of

national and organizational strategic planning and competitiveness. The dissertation

presents the links between the regulatory polities, teehnologieal innovation and

globalization.

Organizations are studied and classified aeeording to Henry Mintzberg's

theoretieal construetion. The seienee and technology organizations are, then, classified

after an organizational typology based on this theory.

Finally the last chapter presents issues, limitations, and recommendations

related to science and technology organizations.

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LISTA DE FIGURAS

Fig. 2. 1 Os cinco elementos estruturais das organizações

Fig. 2.2 Fluxo de autoridade formal

Fig. 2.3 Sistema de fluxos regulados

Fig. 2.4 Fluxo de comunicação informal

Fig. 2.5 As constelações de trabalho

Fig. 2.6 Fluxo de processo de decisão ad hoc

Fig. 2.7 Tamanho da unidade e padronização do trabalho

VIlI

1 1 6

123

124

126

127

128

133

Fig. 2.8 As relações entre decisão, planejamento de ação e controle de desempenho 135

Fig. 2.9 Os tipos de descentralização 138

Fig. 2. 1 0 A matriz ambiental 147

Fig. 2. 1 1 Os atores 149

Fig. 2.12 As configurações de poder 1 52

Fig. 2.13 A correlação entre as estruturas organizacionais e configurações de poder 153

Fig. 2. 1 4 As configurações estruturais 155

Fig. 2. 1 5 A estrutura simples 157

Fig. 2.16 A máquina burocrática 159

Fig. 2. 17 A burocracia profissional 16 1

Fig. 2.18 A forma divisionalizada 162

Fig. 2.19 A adhocracia 165

Fig. 2.20 A correlação entre as configurações de poder e as configurações estruturais 167

Fig. 3.1 Organograma do IEN 183

Fig. 3.2 Estrutura matricial 184

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IX

Sumário

I Introdução 1

1.1 Delimitação da questão

1.2 Relevância 6

1.3 Justificativas 8

1.4 Metodologia 9

1.5 Estrutura da dissertação 1 1

11 Fundamentos Teóricos 12

2.1 o Estado 1 2

2. 1. 1 O Estado Moderno 1 4

2.1.1. 1 Gênese e evolução 1 4

2.1.2 O papel do Estado 28

2.1.2. 1 O Estado indesejável 28

2.1 .2.2 O Estado desejável 34

2.1.2.3 O Estado inevitável 37

2.1.3 O Estado no Brasil Contemporâneo 42

2. 1 .3. 1 Aumento da capacidade de arrecadação 43

2.1.3.2 Aumento da capacidade regulatória 44

2. 1 .3.3 Aumento da intervenção no setor produtivo 46

2. 1.3.4 Relacionamento entre o Estado e a sociedade: insulamento 48

burocrático e autoritarismo militar

2.1.4 Diagnóstico da crise 5 1

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x

2. 1.5 A crise no Brasil 60

2. 1.5.1 A crise como conseqüência da crise do pacto pós - fordista 6 1

2.1.5.2 A crise como o resultado da falência do modelo adotado no Estado novo 66

2.2 A ciência e a tecnologia 72

2.2. 1 A institucionalização da ciência no Ocidente 73

2.2.2 A natureza da ciência e da tecnologia 78

2.2.3 O processo de inovação tecnológica 83

2.2.4 Ciência e Tecnologia e o processo de globalização 9 1

2.2.5 Histórico e organização da Ciência e Tecnologia no Brasil 103

2.3 A organização e suas configurações estruturais 109

2.3. 1 Os mecanismos de coordenação 1 12

2.3.2 Os cinco elementos estruturais das organizações 1 1 5

2.3.3 A organização como um sistema de fluxos 1 22

2.3.3. 1 A organização como um sistema de autoridade formal 123

2.3.3.2 A organização como um sistema de fluxos regulados 124

2.3.3.3 A organização como um sistema de comunicação informal 125

2.3.3.4 A organização como um sistema de constelações de trabalho 126

2.3.3.5 A organização como um sistema de processos de decisão ad hoc 127

2.3.4 Parãmetros de projeto 128

2.3.4. 1 Projeto de Posições 129

2.3.4.2 Projeto da Superestrutura 13 1

2.3.4.3 Tamanho das unidades 132

2.3.4.4 Os elos laterais: sistemas de planejamento e controle 134

2.3.4.5 Projeto dos elos laterais: dispositivos de ligação 136

2.3.4.6 Projeto dos sistemas de tomada de decisão: descentralização 137

horizontal e vertical

2.3.5 Os fatores contingenciais 139

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2.3.5.1 Idade e tamanho

2.3.5.2 O sistema técnico

2.3.5.3 O ambiente

2.3.5.4 O poder

2.3.6 As configurações estruturais

2.3.6. 1 A estrutura simples

2.3.6.2 A máquina burocrática

2.3.6.3 A burocracia profissional

2.3.6.4 A forma divisionalizada

2.3.6.5 A adhocracia

2.3.7 As configurações organizacionais

IH Conclusões

3.1 Conclusões

3. 1. 1 Em relação ao papel do Estado

3. 1.2 Em relação à ciência e tecnologia

3. 1.3 Em relação às organizações

3. 1.4 Limitações e possibilidades

3. 1.5 Recomendações

IV Bibliografia

Xl

140

142

144

148

1 54

157

158

160

162

163

166

169

169

170

177

179

186

188

190

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1

I - Introdução

Este capítulo discute inicialmente a questão central da dissertação. Em

seguida são apresentadas a relevância da questão; as justificativas necessárias; a

metodologia adotada e a estrutura da dissertação.

1.1 Delimitação da Questão

Eu. o pregador, fui rei de Israel em Jerusalém.

Eu resolvi pesquisar e investigar com sabedoria

tudo o que acontece debaixo do céu. Essa é uma tarefa

penosa que Deus entregou aos homens, para com ela

ficarem ocupados.

Então examinei as coisas que se fazem debaixo

do sol, e cheguei à conclusão de que tudo é fugaz, uma

corrida atrás do vento: o que é torto, não se pode endireitar;

e o que falta não se consegue contar.

Pensei e disse para mim mesmo: "Fiquei maior e

mais sábio do que todos os que reinaram em Jerusalém

antes de mim, e a minha mente adquiriu muita sabedoria e

ciência!"

Decidi então conhecer a sabedoria e a ciência ,

assim como a tolice e a loucura. E compreendi que também

isso é correr atrás do vento, porque, onde há muita

sabedoria, há também muita tristeza, e onde há mais

conhecimento, há também mais sofrimento.

Eclesiastes 1 : 12 - 18

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2

Alguns filósofos e pensadores contemporâneos acreditam que o mundo

atravessa um processo de transformação profunda. Alvin Toffler, por exemplo, teórico do

processo das ondas que periodicamente varrem o mundo, argumenta que a Ordem Mundial

existente está ultrapassada 1. Para ele, todas as instituições mundiais - incluindo a

educação, a política, a economia, a saúde - estão obsoletas. O mundo - alguns países mais

outros menos - está despreparado e sem rumos definidos para adentrar o que ele chama de

A Terceira Onda. Esta nova onda é defmida como a representação de uma sociedade

movida a conhecimento, graças à massificação do acesso à informação e à informática2 .

Para Toffler tudo tem que ser reinventado.

Este sentimento de reinvenção é generalizado. Dentro dessa generalização,

um dos aspectos mais interessantes é o questionamento do papel do Estado e suas

atribuições na sociedade. Esse questionamento é pertinente pois tem havido nos meios

políticos, institucionais e acadêmicos uma crescente preocupação com a chamada crise do

Estado que se apresenta sob diversas formas. Ela é vista como crise econômica, crise fiscal,

ineficácia da ação governamental, desorganização institucional, falência do sistema de

planejamento, desqualificação do servidor público e mesmo sob a forma da chamada crise

de governabilidade3 .

É interessante observar como os diversos atores dos cenários político,

econômico, acadêmico e social analisam e pregam firmemente este processo de reflexão e

redimensionamento do Estado.

Serra, por exemplo, afirma que devem ser lançadas as bases para um novo

Estado apoiadas em quatro premissas básicas : a redução da dívida pública, a economia de

capacidade gerencial do Estado, o equilíbrio das contas públicas e a canalização dos

1 TOFFLER, A. A Obsoleta Nova Ordem Mundial. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 1 1 de abro 1995. Suplemento de Informática. 2 TOFFLER, A. A Terceira Onda. São Paulo: Editora Recorei, 1 989. 3 PIMENTA, CARLOS C. Aspectos recentes da organização e das políticas de modernização da função administrativa pública federal. Revista de Administracão Pública . Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 28(2), p. 153-67, abrljun, 1 994.

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3

recursos livres para a realização de investimentos indispensáveis para o crescimento

econômic04 .

Covas prega a teoria do Estado ótimo, segundo a qual não mais cabe ao

Estado desempenhar o papel de centro de gravidade nem de grande investidor. Deve ter

saneadas as suas contas, questionada sua forma piramidal de organização para permitir

parcerias com o setor privado e escolher entre ser um governo extenso e impotente ou um

governo forte e limitado a dirigir e realmente govemar5 .

Motta, por sua vez, em análise mais extensa e filosófica, aborda a crise do

Estado pelo lado institucional. Ele contrapõe a realidade do Estado a sua legalidade; orgãos

estatais às funções estatais; a hipertrofia, devida ao excesso de constitucionalização, ao

processo legislativ06 .

Como visto, alguns desses atores se referem a este processo de

redimensionamento por um prisma estritamente econômico e fiscal; outros abordam o

assunto de forma mais abrangente com questões políticas mais generalizadas e filosóficas ,

tais como as suas atribuições, do ponto de vista econômico, social e político, e outros

ainda, através da análise das suas estruturas políticas e legislativas. Pode-se perceber que

estão surgindo os contornos de um novo Estado como resultado dessa reflexão sobre os

diversos aspectos de seu processo de crise. Repensar o Estado pelas vertentes mais gerais,

que parecem ser as mais promissoras, conduz a dois pontos interessantes.

o primeiro ponto é a identificação do seu processo de gênese, as

condicionantes sociais, políticas e econômicas e as peculiaridades do processo histórico de

sua evolução até atingir sua forma atual. Observa-se que a sua evolução passa por três fases

distintas. Na primeira fase, dominada pelo pensamento hobbesiano da teoria da soberania,

4 SERRA, J Bases para um novo Estado. folha de São Paulo . São Paulo, 03 abro 1995, Perspectiva Nacional.

5 COVAS, M A arquitetura do Estado ótimo. Folha de São Paulo . São Paulo, 09 abro 1995, Tendências / Debates. 6 MOTTA, N. C. A crise do Estado. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 10 abro 1995, Opinião.

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4

o Estado é tido como inevitável. Na segunda fase, na qual impera a revisão liberal clássica

do conceito de soberania, o Estado é indesejável. Finalmente, por intermédio de Keynes

entre outros, o Estado toma-se desejável como interventor no processo econômico e social.

o segundo ponto é a utilização de duas idéias que aumentam a compreensão

das razões que originaram a crise e os seus desdobramentos. A primeira idéia é apresentada

por Souza e Silva 7 e explica a crise como o resultado da quebra de um pacto pós fordista e

firmado no pós guerra nos países desenvolvidos. A segunda idéia é apresentada por

Castor8 e explica a crise brasileira como o resultado do esgotamento de um modelo de

desenvolvimento adotado no Brasil após o Estado Novo.

A seguir é feita a abordagem do papel do Estado com relação ao processo de

globalização e às atividades que lhe cabem, dentro de um modelo repensado de atuação e

filosofia. Dentre as diversas atividades desenvolvidas pelo Estado, as que mais interessam

ao objetivo desta dissertação são as ligadas a ciência e tecnologia. É necessária a discussão

e o entendimento do correto papel da ciência e da tecnologia na sociedade atual e sua

influência nas empresas públicas.

A seguir é discutida a questão de como são estruturadas as organizações;

identificando configurações assumidas para atuação no setor público de C&T Elas têm

também relações peculiares com os demais segmentos sociais que as distinguem das

organizações não estatais. Uma dessas peculiaridades é que elas existem como braços

atuantes, operacionalizando as funções atribuídas ao Estado. Para explicitar essa questão

será utilizado o trabalho teórico e analítico desenvolvido por Mintzberg9 .

7 SOUZA E SIL VA, C. E. Autonomia de gestão e concorrência: em busca de novas formas de gestão do selor público em um contexto pós -fordista. Revista de Adminjstração Púhlica . Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. 28(3). p. 2/1-28, ju[/set, 1994. 8 CASTOR, BELMIRO V. J. Fundamentos para um novo modelo do setor público no Brasil. ReviVa de Adminis/racão Pública . Fundação Getúlio Vargas . Rio de Janeiro. 28(3), p. [55-61, jul/set, 1994. 9 MINTZBERG, H. The Struc/uring Q/Organiza/ions - A ,yn/hesis ofthe research. New Jersey: Prentice Hall [nc.. 1979.

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5

o objetivo final dessa dissertação é a idelltificação das limitações, dilemas

e possibilidades das organizações públicas da área de ciêllcia e tecnologia no contexto

provocado pela crise do Estado.

Para que o objetivo final seja alcançado, é preciso atingir três objetivos

intermediários: produção de um referencial teórico que permita a compreensão da crise

do Estado; identificação dos papéis desempenhados pelo setor de C&T dentro desse

contexto e identificação de configurações estruturais preferenciais utilizadas pelas

organizações de C& T no ambiellte resultante da crise.

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1.2 Relevância

Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas,

Mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me entender e me conhecer, que eu sou o Senhor, que estabeleço o amor, o direito e a justiça na terra; pois destas coisas me agrado, diz o Senhor.

Jeremias 9 : 23 - 24

6

Esta dissertação têm a pretensão de relacionar alguns dos assuntos

apresentados durante o curso de mestrado com os meus projetos de vida pessoal ,

profissional e acadêmica. A ênfase está na atual crise do Estado, no processo de

globalização e nos aspectos organizacionais e estratégicos relativos ao setor de ciência e

tecnologia. O tema possui dimensões e complexidades que justificam um projeto de tese

nesta área.

As questões relacionadas aos papéis da ciência e da tecnologia e sua gestão

têm sido muito discutidas atualmente nos meios empresarial e acadêmico. Já é lugar

comum ouvir que a gestão da tecnologia ocupa um papel de destaque nas organizações.

Este destaque decorre do fato de tecnologia ter se tornado fator de produção e bem

negociável.

Como fator de produção, a tecnologia é um recurso escasso, intangível, de

custo indeterminado e uso econômico incerto. Como bem intangível, ela possui

características muito especiais que a diferenciam no momento de atribuição de valor, venda

ou transferência. Apenas a discussão do papel que a tecnologia, como subproduto da

ciência, possui no mundo contemporâneo é justificativa mais que suficiente para um estudo

mais atencioso.

Em função do aumento da importância da gestão da tecnologia na economia

moderna as organizações têm tentado buscar alternativas para melhor se adaptarem a este

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7

novo ambiente. Novas formas de estruturação organizacional e relacionamento com os

fatores externos que, de uma forma ou de outra, influenciam a organização ou são

influenciados por ela, são experimentadas com a intenção de permitir uma melhor gestão

(gestação) da tecnologia.

À luz do exposto até aqui é mais do que pertinente tentar relacionar a crise

do Estado com seus multi facetados aspectos e desdobramentos com a estruturação das

organizações da área de ciência e tecnologia.

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1.3 Justificativas

Eu sei muito bem que é assim, Corno pode um homem justificar-se diante de Deus?

Então Deus levou [Abraão] para fora e disse: Olha agora para os céus, e conta as estrelas, se as pode contar, E disse-lhe: Assim será a tua descendência,

justiça, E creu ele no Senhor e isso lhe foi creditado por

Porque o meu justo viverá pela suafé.

Gênesis 15 : 5 - 6 Habacuque 2 : 4

8

A adoção de uma abordagem interpretativa tem por objetivo dar ao

pesquisador um papel mais substantivo no processo de pesquisa, evitando a posição de

observador neutro. A partir do momento em que o pesquisador faz parte de uma

organização que compõe o objeto da pesquisa , a simples atitude de pesquisar é um fator de

construção e modificação da realidade que se pretende entender. Este papel substantivo

também traz duas importantes contribuições ao trabalho.

A primeira é o abandono da pretensão de fazer uma construção teórica

descolada do contexto social, político e ético.

A segunda, é que a linguagem interpretativafazfalarem os fatos, permitindo

obter vislumbres de caminhos alternativos para abordagem de questões que porventura já

tenham sido levantadas.

A adoção de uma abordagem interpretativa pressupõe também a não

generalização dos resultados da pesquisa para outro universo social além do estudado.

Cada sistema social têm seu próprio contexto, dentro do qual deverá ser feita a

interpretação de sua realidade sociológica, A idéia básica é, a partir desta particular

construção teórica, tentar compreender o sistema social em estudo.

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1.4 Metodologia

Organize seus negócios na cidade e prepare tudo no campo, para depois construir a sua casa,

Provérbios 24 : 27

9

Durante a elaboração desta dissertação foi realizada a pesquisa bibliográfica

relacionada com o tema abordado. A pesquisa não foi exaustiva nem teve por objetivo

esgotar as referências existentes. As limitações referentes a prazos e recursos foram

importantes para definir o escopo da revisão bibliográfica realizada.

Para a identificação do processo de gênese do Estado serão utilizadas as

idéias de Hobbes, Lebrun, Weber e Dreifuss.

As bases do Estado Liberal são obtidas através do confronto das idéias de

Hobbes, Locke e Kant. O Estado interventor e adepto do planejamento econômico é

apresentado através das idéias de Shonfeld e Keynes. O Estado inevitável e marxista é

apresentado através do pensamento de Offe e Hirsch.

O diagnóstico da crise do Estado é apresentado através das idéias de Silva e

Souza.

A ciência e a tecnologia são apresentadas em seus multifacetados aspectos,

através do trabalho desenvolvido no Rio de Janeiro pela Fundação Getúlio Vargas e

coordenado por Simon Schwartzman.

Por fim é apresentado o modelo adotado para explicar o fenômeno

organizacional. Ele é concebido por Henry Mintzberg, adepto da escola contingencial e

detalhista em relação à dinâmica das estruturas organizacionais.

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10

F oram utilizadas as informações obtidas durante conversas informais com

profissionais da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (ENDES) e professores da Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ).

F oram feitas também muitas reflexões pessoais e utilizada a experiência

obtida durante os anos de 1 994-95 como gerente de suprimentos do Instituto de Engenharia

Nuclear pertencente à CNEN. As reflexões associadas à experiência gerencial

proporcionaram o surgimento de inúmeras questões relativas à gestão de instituições

públicas de pesquisa e desenvolvimento e quanto ao papel do Estado na área de ciência e

tecnologia.

Esse conjunto de informações e experiências foi trabalhado em um processo

interativo, juntamente com outros mestrandos em uma oficina de artesanato intelectual,

nos moldes propostos por Wright MillslO• O resultado foi a produção de referências

teóricas que permitiram chegar a algumas conclusões acerca do tema abordado e a postular

algumas especulações e recomendações.

10 MILLS, C. WRIGHT A Imaginação SociolÓgica. Zahar Editores, 6" edição, 1982.

Page 22: A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de · A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e ... 2.1.5.2 A crise como o resultado da falência do modelo adotado

1.5 Estrutura da dissertação

Onde você estava quando eu colocava os fondamentos da terra? Diga-me, se é que você tem tanta inteligência!

Você conhece as leis do céu, ou determina as funções delas sobre a terra?

Então Jó respondeu a Javé: "Eu me sinto arrasado. O que posso replicar?

Vou tapar a boca com a mão. Falei uma vez e não insistirei; falei duas vezes, e

não vou acrescentar mais nada ".

Jó 38: 4; 33 e 40: 3 - 5

1 1

Este trabalho está dividido em quatro partes: introdução, referencial teórico,

conclusões e bibliografia.

A introdução apresenta a questão principal da dissertação e sua relevância,

justificativas e metodologia utilizada.

o referencial teórico está estruturado em três partes fundamentais: gênese e

evolução do Estado moderno, os aspectos básicos sobre os papéis da ciência e da

tecnologia e uma proposta teórica sobre o fenômeno organizacional.

A terceira parte apresenta as conclusões da dissertação.

Segue-se, finalmente, a bibliografia consultada.

Page 23: A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de · A CRISE DO ESTADO: reflexos nas organizações de ciência e ... 2.1.5.2 A crise como o resultado da falência do modelo adotado

12

II - Fundamentos Teóricos

Este c apítulo tem por objetivo estruturar os alic erc es teó ric os que permit irão

analisar a quest ão propost a no item 1.1. Ele está estruturado em três partes fundamentais: o

Estado moderno em seu proc esso de gênese e evolução; a apresentação dos aspect os

básicos sobre os papéis da c iênc ia e da tec nologia em um c ontex to globalizado; e uma

proposta teó ric a qu e penn ite estudar, entender e classific ar as organizações

2.10 Estado

Então os anciãos de Israel se reuniram e foram até Samuel, em Ramá.

Disseram a Samuel: "Veja, você já está velho e seus filhos não seguem o seu exemplo. Por isso, escolha para nós um rei, para que ele nos governe, como acontece em todas as nações".

Não agradou a Samuel afi'ase que eles disseram: "Dê-nos um rei para que nos governe". Então Samuel invocou ao Senhor.

E o Senhor disse a Samuel: "Atenda à voz do povo em tudo o que eles pediram, pois não é a você que eles estão rejeitando, mas a mim; não querem que eu reine sobre eles.

Assim como eles têm feito desde o dia em que os tirei do Agito a/é hoje abandonando-me e servindo outros deuses, a mesma coisa eles fizeram com você

Atenda o pedido deles. Contudo, mostre com clareza e explique para eles o direito do rei que reinará sobre eles".

No entanto o povo não quis ouvir as palavras de Samuel, e disse: "Não tem importância. Teremos um rei, e seremos também como as outras nações: nosso rei nos governará, irá à nossa frente para comandar nossas guerras.

Samuel ouviu tudo o que o povo disse e foi contar ao Senhor.

a Senhor respondeu: "Se é isso que querem, estabeleça um rei para eles".

1 Samuel8: 4 - 10 e 19 - 22

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13

A crise do Estado é analisada a partir da apresentação de um histórico

teórico e filosófico das origens do Estado moderno. É apresentado o conceito filosófico

hobbesiano de renúncia ao poder como forma de evitar o estado de natureza ou anarquia

para permitir a sobrevivência. Também é apresentada a idéia de formação dapólis a partir

dos conceitos gregos de cidade e república. Posteriormente são lançadas as bases

filosóficas do Estado liberal.

o paradigma liberal é analisado em detalhes, resultando na criação de um

roteiro da evolução do conceito de Estado e da evolução dos papéis que ele vem

desempenhando na vida política e econômica dos países ocidentais. São apresentados os

papéis do Estado indesejável, sua crítica e posterior evolução para um Estado desejável e

por fim a formulação marxista que entende o Estado como inevitável.

A seção segue descrevendo os reflexos da crise do Estado no Brasil. É descrita a evolução do Estado brasileiro contemporâneo e suas diversas tentativas de

adaptação à crise. Segue-se um diagnóstico que apresenta a crise como o reflexo de dois

fenômenos aparentemente diferentes mas intimamente ligados: a quebra do pacto pós­

fordista firmado pelos países desenvolvidos no período do pós guerra e a falência do

modelo de desenvolvimento adotado após o Estado Novo.

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14

2.1.1 O Estado Moderno

Esta seção apresenta o proc esso filosófic o de sua gênese, da evolução de sua

forma e dos seus papéis.

A análise do Estado em sua forma modema deve partir da c orreta

identif ic ação do proc esso de sua gênese e das c ondic ionantes e pec uliaridades de sua

evolução. Para abordar de forma satisfatória esse tema, é elaborada uma digressão t eóric a

apresentando a questão - ac erca da gênese e nec essidade do Estado - c onforme explic adas

por Dreifussll e L ebrunl1, para melhor entender a sua nat ureza inic ial, premissas básic as e

evolução. Apesar de pouc o extensa, esta dig ressão bibliográfic a é c apaz de situar de forma

satisfatória a c onc epção e a evolução do Estado moderno, obj eto desta refl exão.

2.1.1.1 Gênese e evolução

A idéia de Estado está intimamente ligada à idéia de poder. A c riação do

Estado foi, talvez, a melhor tent ativa da h umanidade para organizar e estruturar

legitimamente o poder e a dominação de um grupo de indiví duos sobre outro. I nic ialment e

algumas definições se fazem nec essárias. As defi nições de potênc ia, poder, dominação e

c oerção.

Potência é uma virtual idade. Ela pode ser definida c omo a c apac idade de

efetuar determinado desempenho. Poder é defi nido c omo o efetivo exerc íc io dest a

virtualidadeI3 . Por ex emplo, uma cri ança e um engenheiro têm potênc ias diferentes. O

engenheiro tem o poder de fazer uma c asa; a c riança não.

11 DREIFUSS. R. Política Poder Estado e forca: Uma leitura de Weber. Jª edição. Petrópolis: Editora Vozes, J993. 12 LEBRUN, G. O que é o Poder. I Ji!.. edição. São Paulo: Editora Brasiliense, /990. 13 LEBRUN, G. Op. cito

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IS

A potência significa toda a oportunidade de impôr a própria vontade, no

interior de uma relação social, até mesmo contra resistências, pouco importando em que

repousa tal autoridade. Poder é o pleno exercício desta vontade.

Segundo Max Weber, quando a potência é determinada pelo exercício de

uma força, não sob ameaça ou chantagem, mas sob a forma de uma ordem que deve ser

cumprida, nós a chamamos de dominaçãol4.

A dominação pode ser feita de forma imperativa ou pela utilização da

autoridade, devidamente legitimada. Porém, pode-se argumentar: de que natureza é a

dominação , como se legitima e por que ocorre?

A dominação é um processo de natureza política. Segundo a escola de

sociologia norte americana a dominação e o poder são mercadorias raras e só podem ser

obtidas às custas de outra pessoa. Esta afirmação é a base da teoria de poder de soma zero:

o poder é uma soma fixa, tal que o poder de A implica o não poder de B, isto é, dado a uns

em detrimento de outros e em igual intensidade. Não existindo vácuo, ou há dominados ou

há dominadores, sem meio termo. Esta tese pode ser encontrada nos trabalhos de autores

tão diferentes ideologicamente como Marx, Nietzsche, Max Weber, Raymond Aron e

Wright Mills15 .

A coerção é definida como a virtualidade do exercício da força, levando os

indivíduos a se submeterem ao poder. A partir dessa definição, o que faz com que os

indivíduos se submetam ao poder? Teóricos do Contrato Social postulam que os homens

estão presos à obediência apenas pelas promessas contidas no referido contrato. Essa

afirmação pressupõe que é da natureza humana a obediência. Isto pode ter sido verdade em

tempos remotos mas, como afirma Lebrun, o que realmente está enraizado é o dever da

obediência, intimamente ligado à noção de cidadania. O poder não deve a sua existência a

14 DREIFUSS, R. Op. cito 15 LEBRUN, G. Op. cito

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16

promessas. Ele é estruturado e reconhecido como uma fatalidade que forçosamente deve

ser cumprida16 .

É possível, entretanto, que uma sociedade exista sem que o poder esteja

estruturado, na forma de um Estado ou de um governo formalmente estabelecido. Lebrun

afirma que o nascimento do poder deve-se, aparentemente, às necessidades da guerra. E a

necessidade da estruturação do poder impõe-se, nas sociedades ampliadas e requintadas,

quando as regras de justiça já não possuem força suficiente em si mesmas para se fazerem

respeitar pelos homens sem que haja coerção)7

A relação entre obediência, cidadania e estruturação conduz ao conceito

original da pólis grega. Segundo Aristóteles, a pólis era uma comunidade de iguais, onde a

vida pública não era caracterizada pela dominação. A dominação, para os gregos, fazia

parte da esfera privada, relativa à família e aos escravos. Hanna Arendt, ao analisar o

conceito da pólis, deixa esse ponto bem claro afirmando que a distinção entre governantes

e governados pertence a uma esfera que precede o domínio político: a esfera econômica do

lar. A pólis, entretanto, se caracteriza por estar baseada no princípio da igualdade, não

reconhecendo diferenças entre governantes e governados 18 .

A condição básica para o funcionamento da pólis grega é a idéia de um

poder constitutivo da Cidade. Esta idéia é a marca filosófica fundamental do nascimento da

modernidade política 1 9 . E o principal conceito desta modernidade foi a criação, por

Thomas Hobbes no século XVII, de uma entidade absolutamente fundamental: o Leviatif2o .

o conceito filosófico do Leviatã pode ser considerado como precursor do

que Max Weber descreveu, posteriormente, como a estruturação e formação do Estado

Moderno a partir de processos de dominação e legitimação. A descrição do Estado feita por

1 6 Idem, ibdem. 17 Idem. ihdem 18 ARENDT, H. Entre o passado e o futuro . São Paulo: Editora Perspectiva. 19 LEBRUN, G. Op. cito 20 STRAUSS, L. The Poljtical Philomphv QfThomas Hobbes: /ts Basis and Genesis; Chicago; University of Chicago Press, 1952.

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17

Max Weber é o processo de ampliação do espaço público, da neutralização ou erradicação

da administração particular da justiça e do cerceamento da gerência autônoma e arbitrária

da emergente coisa pública desprivatizando assuntos de interesse geral21 .

A instrumentalização e a forma dados ao Estado por Max Weber,

juntamente com a ampliação de seu âmbito de atuação e abrangência podem ser vistos, de

forma aproximada, como uma forma de materialização da construção filosófica de Thomas

Hobbes.

o Leviatã criado no século XVII representa, basicamente, a figura do

Soberano. O Soberano pode ser um indivíduo, nos moldes do Príncipe de Maquiavel, ou

uma assembléia ou República. Suas principais características são: não estar absolutamente

sujeito às leis civis, poder criar e revogar leis aplicando-as a todos em geral e a cada um

em particular e não necessitar do consentimento de outros para agir22 .

O aspecto fundamental do conceito do Leviatã é a conferência ao Soberano

legítimo de uma potência (potes/as) tal que o seu uso esteja livre de normas ou regras. A

teoria da soberania diz respeito a um poder de Estado que não existe mais ao lado de outros

poderes, porém está infinitamente acima deles23 .

Esta mudança conceitual produziu na Europa do século XVII uma

considerável alteração da situação da autoridade política frente ao corpo social. A

monarquia européia passou por um processo de transformação e tomou-se absolutista e

legisladora. E, como observa Lebrun24 , por adquirir este vigor, tomou-se capaz de atribuir,

de cancelar, de instituir e de redistribuir direitos. Este processo de transformação que a

monarquia européia sofreu foi caracterizado pela contraposição da figura do Soberano à

antiga figura do tirano. A monarquia assumiu outras prerrogativas, expandindo a sua

influência administrativa para todas as partes e por sobre os restos do tecido social. Criou-

21 DREIFUSS. R. Op. cito 22 STRA USS, L. Op. cito 23 LEBRUN, G. Op. cito 24 Idem, ibdem.

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18

se a hierarquia dos funcionários que, de forma gradativa, substituiu o governo baseado na

nobreza. Pode-se observar um processo semelhante ao da criação da burocracia profissional

da Teoria do Estado de Weber25 .

Interessa ao objetivo desta dissertação a nova natureza deste poder político.

No ocidente o substrato no qual ele se instala é chamado de República. Lebrun apresenta

algumas definições de República. A primeira diz que a República é uma sociedade de

homens reunidos para viver bem e felizes. Esta definição ética só tem sentido se

economicamente esta sociedade estiver satisfeita. O passo adiante é defini-Ia como um reto

governo de várias famílias e do que lhes é comum, havendo um poder soberano. Aqui,

passa a ser reconhecida ás famílias e às atividades privadas uma existência própria. Porém

é preciso que haja alguma coisa de comum e pública. Algo como domínio público, erário

público, as ruas, as muralhas da cidade, as leis, os costumes, a justiça, os aluguéis, as

penas. Não existe República se não há nada público.

A idéia fundamental dessa linha de pensamento é que a mera congregação

geográfica de um povo ou de um grupo social não produz um corpo político. O espaço

público habitado pelas famílias dispersas não constitui sozinho uma comunidade entendida

como corpo único. Os indivíduos assim reunidos formam o que ele define como multidão.

É necessária uma instância que unifique e coordene os indivíduos. Este é o ponto em que a

noção de potência apresenta toda a sua importância. A República, sem potência soberana

que una todos os seus membros ou partes num corpo, já não é mais República, é uma

multidão. Como afirma Lebrun :

"Estamos, então, em condições de compreender o que é

, este grande Leviatã que é chamado de República ou Estado '

(Hobbes). O que é ele? ' Um homem artificial " um genial e

gigantesco autômato, criado' para defesa e proteção ' dos homens

naturais.

25 WEBER, M. Ensaios de Sociologia . 5" edição. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, /982.

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o importante é que esta criação coincide plenamente

com a constituição da 'multidão' em um corpo político. É como se

cada homem dissesse a cada homem: 'Cedo e transfiro meu direito

de governar-me a mim mesmo a este homem ou a esta assembléia

de homens, com a condição de transferires a ele teu direito,

autorizando de maneira semelhante todas suas ações'. Feito isto, à

multidão assim unida numa só pessoa se chama República, em

latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã ( Leviatã,

capo 17)" 26.

19

Conforme exposto aCima, para que haja corpo político é preciso que as

vontades de todos sejam depostas numa única vontade, e que exista um depositário da

vontade comum. Este depositário é chamado soberano, e dele se diz que possui poder

soberano. Todos os outros são súditos. Este soberano será um único homem ou assembléia

cuja vontade será considerada como de cada homem em particular.

É necessário haver a unificação da comunidade para haver corpo político.

Sem unificação não pode haver soberania . Não pode haver soberania sem poder absoluto e

perpétuo, isto é, que não está submetido a nenhum outro e que não tem solução de

continuidade.

Por questão de princípio, é impossivel haver recurso contra um príncipe

absolutamente soberano. Isto implica que no regime em que existe um soberano, obedece­

se à lei enquanto ela é a expressão da vontade do soberano e não pela compreensão ou

legalidade da moral ou da justiça nela embutida.

A clássica crítica ao pensamento hobbesiano é baseada na idéia de que o

absolutismo do poder do soberano seria uma apologia do despotismo27 . Esta crítica não se

sustenta se for observado que dois pontos importantes são negligenciados. O primeiro

26 LEBRUN, G. Op. cito 27 Idem, ibdem.

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ponto é que dentro do pensamento hobbesiano o soberano tem a tarefa de zelar pela vida

boa e cômoda dos súditos e por sua segurança. O direito de natureza que os súditos

possuem é deposto em favor do soberano para que os súditos possam escapar dos perigos

da anarquia (a guerra de todos contra todos) que, segundo Hobbes, é a tônica no estado de

natureza. O segundo ponto é que se a soberania pode limitar à sua discrição as liberdades

individuais, nem por isso ela será, necessariamente, o mero exercício de uma força

repressiva. Não se pode esquecer que sem essa força, cujo exercício pode ser desagradável

ao indivíduo, não pode haver unificação nem corpo político. O soberano é, antes de mais

nada, a única anti desordem eficaz possível: é ele ou o caos do estado de natureza.

Um ponto importante que decorre do pensamento de Hobbes é que o

processo de cessão de direitos dos súditos para o soberano explica, em parte, o fato de

haver uma cumplicidade inevitável entre o súdito e o soberano, entre o dominado e o

dominador e entre o protegido e o protetor. Existe uma troca que os homens aceitam para

se subordinar ao soberano. A sujeição se dá em troca da segurança e da certeza de que

poderão portar-se como sujeitos racionais28 .

A introdução da idéia do poder arbitrário como o cimento do corpo político

é feita a partir do conceito hobbesiano de cidade em que ela é uma multidão de homens,

unidos numa pessoa única por um poder comum, para sua paz, sua defesa e seu proveito

comuns29 e de três premissas básicas.

A primeira premissa é a recusa da antiga finalidade do político. Hobbes se

contrapõe a Aristóteles na descrição da origem a da função da pólis. O homem

despolitizou-se, não satisfazendo mais a antiga relação vida privada individual versus

domínio público. O homem deixou de ser conceituado como um anímal político para ser

conceituado como um anímal social. Segundo Lebrun este ponto principia a modernidade

política visto que a comunidade não é mais entendida como uma congregação de homens

diretamente encarregados de zelar pelo funcionamento do Todo. Ela é vista agora como

28 Idem, ibdem. 29 HOBBES, T. Leviatã ou Matéria F arma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Editora Abril, 1974.

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uma congregação de homens (societas), a quem seus próprios afazeres ocupam demais para

que possam dedicar-se aos interesses do Todo, e que, por isso, devem ser protegidos pela

instância política ao invés de participarem dela30 .

A segunda premissa é o reconhecimento de que é necessária a existência de

um poder capaz de legislar e decidir, tendo seu princípio em si próprio sem nenhuma

legislação externa a ele. É o reconhecimento de que o que leva à obediência à lei é a

autoridade e não a verdade.

A terceira premissa é o fim da idéia das hierarquias naturais (segundo

nobreza, sabedoria, etc.). É o reconhecimento da idéia de que, peJas leis da natureza, todos

os homens são iguais.

Hobbes foi quem primeiro deu ênfase aos direitos naturais e não aos deveres

naturais dos homens. De forma paradoxal a sua construção teórica foi interpretada e usada

como símbolo e justificativa para a implantação do Estado autoritário e absolutista. Um

bom exemplo de como as idéias hobbesianas foram usados desta forma foi Luís XlV que

dizia que o Rei era o Estado para justificar seu despotismo e absolutism03! .

Complementando o pensamento de Hobbes, pode-se dizer que o fator

inicial da cessão de direitos em favor do Leviatã é o permanente estado de guerra dos

homens naturais a partir do momento em que entra em cena a razão. A razão é que faz com

que os homens percebam que ninguém tem poder suficiente para estar e conservar-se

seguro enquanto durar o estado de guerra. Esta razão se materializa em um medo surdo e

ininterrupto de todos contra todos chanlado desconfiança. A única alternativa possível à

criação do soberano seria a certeza da paz. Mas quem pode garantir que ela será respeitada?

Ora, somente com ingenuidade alguém se satisfará com promessas para perder a

desconfiança inerente ao estado de guerra. Somente um medo comum, sentido por todos,

30 LEBRUN. G. Op. cito 31 ROSSETJ. J. P.; CONTADOR. C. R.; VJLLAÇA, M. J.; ZOUD1NJ. R. M. Economia de Mercado: Fundamentos Falácias e Valores - Caracterização do Caso Brasileiro. Jª edição. Rio de Janeiro: JBEMEC. 1985.

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pode prescrever com segurança o estado de guerra É um medo que faz com se tenha mais a

perder rompendo o pacto de não agressão do que respeitando-o.

o pensamento hobbesiano foi criticado por diversos pensadores políticos

entre eles Voltaire, Jean Bodin, Kant e Locke. Para os objetivos deste trabalho serão

utilizadas as críticas feitas por Kant e Locke. Kant, ao criticar o que ele chama de imperium

despótico de Hobbes, cria o governo patriótico enquanto Locke, cria o conceito de uma

elite dominante.

Kant considera que no pensamento de Hobbes todas as leis, até mesmo as

leis morais, são despóticas. O despotismo decorre do fato de essas leis não exigirem o

consentimento racional. A este conjunto de leis denominou imperium despótico. Nele os

súditos são tratados como crianças ou como servidores32. Para solucionar este problema

introduziu a idéia de governo patriótico e repensou o processo de criação da pólis.

O governo patriótico é um governo no qual o homem encontra no Estado a

sua liberdade numa base de dependência legal que procede da sua própria vontade

legisladora através do advento da razão prática. Desta forma o problema político foi

invertido. Se antes Hobbes tinha uma visão mecanicista, materialista e utilitária do homem,

agora Kant restitui ao homem o seu caráter de ser racional e ético.

A idéia de cidade é redefinida a partir de dois conceitos. O primeiro é o

conceito de comunidade élica como uma reunião de homens regidos por leis de virtudes,

não coercitivas. O segundo é o conceito do estado jurídico-civil como um governo da

comunidade regido por leis que são sempre coercitivas.

Nesta crítica ao pensamento hobbesiano a comunidade ética não pode ser na

prática instituída por homens se não tiver o estado jurídico-civil como base de sustentação.

O objetivo da união civil é permitir a independência de cada um frente ao arbítrio

necessitante de outrem. Este objetivo só pode ser obtido através de uma legislação que

32 LEBRUN. G. Op. cil.

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discipline a insociabilidade natural dos homensJJ . Esta disciplina se traduz na obtenção do

equilíbrio dos direitos de todos em meio ao antagonismo que continua sendo a trama do

social.

É interessante observar que se mantém a necessidade de uma figura tal qual

o soberano de Hobbes para, de forma coercitiva, manter o equilíbrio da cidade. O

antagonismo não é eliminado pois os homens continuam sendo concorrentes. O argumento

kantiano afirma que os homens são dissuadidos de passar do jogo à guerra a partir do

momento em que todos sabem que, por princípio, a agressividade dos demais está limitada.

Sem este saber prévio não pode haver algo como uma societas. A idéia básica do

pensamento kantiano é que o soberano é a condição para viabilizar a reciprocidade dos

procedimentos corretos, base de uma sociedade racional.

A crítica que John Locke, pensador inglês, fez ao pensamento hobbesiano

pode ser sintetizada como a expressão de dois movimentos distintos. O primeiro foi o

iluminismo, movimento racionalista e cartesiano que produziu mudanças profundas no

pensamento europeu. A própria crítica de Kant foi conseqüência desse movimento. O

segundo foi a reação negativa que o pensamento hobbesiano provocou nas classes

dirigentes européias, para as quais teria ido longe demais na criação de seu autômato para

manter a estabilidade da sociedade.

Hobbes foi incapaz de antecipar que a solidariedade de classe entre os

burgueses fosse capaz de economizar um soberano perpétuo. Locke se opôs à figura desse

soberano, pessoa ou assembléia, porque Hobbes em sua proposta não ofereceu garantias

suficientes para salvaguardar a propriedade contra as interferências de um soberano

absoluto. Mas de onde vem a necessidade de salvaguardar a propriedade privada? Como

justificar, filosoficamente este conceito?

A base filosófica do pensamento de Locke deriva de uma vertente do

iluminismo chamada naturalismo. Segundo o naturalismo, as leis da natureza estão de

JJ Idem, ibdem.

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24

acordo com as leis divinas, daí serem elas compreensíveis racionalmente34 . Este

pensamento estabelece que a natureza é a fonte das luzes e que o homem deve extrair dela

as lições da verdade. O homem deve limitar-se a seguir as leis naturais. A lei civil deve ser

apenas a enunciação da lei da natureza. O naturalismo supõe que a natureza é racional tal

qual a razão. Desta forma, como há uma ordem natural, há igualdade entre os homens, no

sentido de igual direito de todos os homens à liberdade natural, sem sujeitar-se à vontade

ou à autoridade de outrem35 . Esta igualdade de direitos significa o fim dos privilégios de

certas camadas sociais . O corolário deste pensamento é o conceito de igualdade de

oportunidade decorrente da igualdade de direitos.

Em vista disso a partir do momento em que as oportunidades tenham sido

iguais, as desigualdades resultantes dos esforços individuais devem ser respeitadas. Assim,

a propriedade privada, resultante das desigualdades, toma-se natural e admissível. A posse

de alguns homens sobre certos bens, desde que como conseqüência de seu trabalho, é

benéfica à própria sociedade como um todo já que o espírito de propriedade duplica a força

do homem. O interesse do indivíduo e do grupo não se opõem, antes completam-se de

forma naturaP6 .

Neste ponto a construção teórica hobbesiana é subvertida pela afirmação da

legitimidade da propriedade privada. Para Hobbes a legitimidade da propriedade privada

significa a fonte da anarquia; para Locke ela é direito natural e inalienável.

Ao ingressar na sociedade civil, o homem abandona totalmente os dois

poderes de que dispõe no estado de natureza, a saber : o poder de fazer tudo o que julgar

conveniente para garantir a sua preservação e o de punir as infrações cometidas contra a lei

natural. Estas duas renúncias são consentidas para que possa ser realizado o fim capital e

principal da associação: a conservação da propriedade que constitui um absoluto37 . Ao

associar-se, o homem submete todas as suas posses à jurisdição do governo, porém fica

34 ROSSETI, J.P. et 011. Op. cito 35 Idem, ibdem. 36 Idem, ibdem. 37 MERQUIOR, JOSÉ G. O Liberalismo Antigo e Moderno . 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, /99/.

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2S

entendido que o poder supremo não pode tomar de nenhum homem qualquer parte do que

lhe pertence sem o seu consentimento. Neste ponto está a maior revisão do pensamento

hobbesiano.

Locke não considera mais o poder como núcleo político do social. Ele o

considera entretanto como instância que exerce uma função social determinada. Teme que

o poder ultrapasse esta função e que os súditos fiquem privados de recurso contra tal poder.

Afirma que Hobbes se enganava quando sustentava que todos os males do poder exercido

pelo soberano nada seriam em comparação com a volta ao estado de natureza. O inverso é

verdadeiro: o estado de natureza é preferível a um poder que deixa o indivíduo

juridicamente indefeso contra ele. Para Locke o indivíduo que se vê exposto ao poder

arbitrário de um único homem que tem cem mil outros a suas ordens encontra-se em

situação muito pior do que aquele que está exposto ao poder arbitrário de cem mil homens

isolados. Como afirma Lebrun: entre os trombadinhas e a polícia do tirano, Locke prefere

os trombadinhas38 .

Pensadores liberais tais como Jean Baptiste Say, Stuart Mill e Spencer

estenderam as idéias de Locke e estabeleceram conceitos importantes dentro do ideário

liberal. Say afirma que a manutenção da ordem social, que garante a propriedade, vem

antes mesmo da propriedade; e que a conservação da ordem não deve servir de pretexto aos

abusos de poder. Para Say o liberalismo só deve exaltar as liberdades civis na medida em

que elas constituem os corolários da sacrossanta liberdade de propriedade e somente o

proprietário pode ser cidadão. Pois somente a propriedade toma os homens capazes do

exercício dos direitos políticos39 .

A lógica liberal, apesar de indignar alguns, não é contraditória em sua

essência. A incoerência dessa lógica surge quando aplicada ao exercício do poder. Segundo

Lebrun o liberal é incoerente com o poder pois o vilipendia, considerando-o ao mesmo

tempo vil e necessário. O liberal necessita manter o poder como válvula de segurança e

38 Idem, ibdem. 39 MERQUJOR, JOSÉ G. Op. cito

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26

instância protetora para salvaguardar a economia de mercado mas, ao mesmo tempo,

encara-o como uma ameaça potencial. Ainda segundo Lebrun, o liberal merece pena

porque está às voltas com um problema insolúvel:

" Determinar até que ponto pode serrar o galho no qual está

sentado, sem correr o risco de quebrá-lo. É também, por princípio,

um cidadão insatisfeito. Que escureça o horizonte social, que cresça

o espectro do 'socialismo' - e ele se toma partidário de um 'regime

forte'. Que este se instale, suprima as liberdades civis e se interesse

de muito perto pelo funcionamento da economia - o liberal espuma

de indignação e volta a ser homem de esquerda. Ou de centro -

esquerda" 40 .

O dilema fundamental da concepção liberal do Estado tem sua origem em

dois dogmas criados pelo pensamento liberal do século XIX: o chamado economicismo e

o conflito Estado versus indivíduo.

O primeiro dogma estabelece que o funcionamento econômico pode ser, por

SI só, um fator de regulação e estabilização da sociedade. O problema desse dogma é

ignorar que a liberdade econômica pode tornar-se fator profundamente perturbador do

social. Esta perturbação por vezes acarreta reações expressas no surgimento de um poder,

não econômico, que se encarregará de corrigir os desequilíbrios e proporcionará aos

cidadãos um mínimo de segurança (necessidade puramente hobbesiana). O economicismo

liberal pecou por não perceber que o próprio jogo darwiniano de liberdade econômica

acaba tornando cada vez mais necessário um Estado que intervenha em nome do interesse

público. À medida que cresce em complexidade a invasão econômica no social o Estado

passa a proteger cada vez menos a liberdade de alguns e mais a garantir a segurança da

malOna.

40 LEBRUN, G. Op. cito

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27

o segundo dogma se assenta sobre uma análise equivocada do problema

político. Ele pretende reduzir o conflito entre Estado e indivíduo a um jogo de soma zero,

no qual para um ganhar o outro deve perder. Este conflito é falacioso pois esquece um fator

fundamental: este ente zeloso por seus direitos que o liberal chama de indivíduo é

fabricado e codificado pelo poder , e muitas vezes tem interesses não conflitantes mas

concorrentes. Não existe melhor exemplo desse fato do que as burocracias profissionais

estatais onde os cidadãos são transformados em funcionários.

o processo de codificação e fabricação do indivíduo pelo Estado inicia-se

pela transformação do Estado coercitivo e repressor em Estado regulador. O poder

coercitivo diminui de intensidade porém o poder regulador aumenta em abrangência . A

incumbência do Estado de zelar pela educação, saúde, assistência médica , vias de

transporte e comunicação, além da segurança, faz com que estenda ramificações complexas

e abrangentes que o permitam exercer o poder regulador em todo o seu território. Como

Durkheim, citado por Lebrun41 , afirma:

"O poder moderno não é maiS, essencialmente, uma

instância repressiva e transcendente (o rei acima de seus súditos, o

Estado superior ao indivíduo), mas uma instância de controle, que

envolve o indivíduo mais do que o domina abertamente. Podem

diminuir as proibições, abolir-se a pena de morte, abrandar-se o

regime das prisões, etc., porém o sistema disciplinar, a que nos

vemos submetidos até em nossa vida privada, cresce, discreta mas

continuamente. O Estado moderno é menos abertamente

dominador, e mais manipulador; preocupa-se menos em reprimir a

desobediência do que preveni-la. É feito menos para punir do que

para disciplinar".

O poder estatal hoje não pode ser visto mais como o braço de uma máquina

monstruosa que insensivelmente estraçalha os indivíduos, mas como urna máquina que

41 Idem. ibdem.

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28

produz indivíduos e, ao lhes dar "bons hábitos", institui ou tende, cada vez mais, a instituir

o social42 . Uma boa exemplificação desse processo de criação e codificação dos indivíduos

é a neutralização dos revolucionários sem prendê-los; mas transformando-os em

funcionários.

2.1.2 O papel do Estado

A análise do processo de evolução do Estado permite divisar os papéis por

ele desempenhados ao longo do tempo. Estes papéis derivam das condicionantes

econômicas, políticas e sociais que criaram o Estado, explicitadas em algumas escolas de

pensamento político.

o papel do Estado ocidental, ao longo da história, tem sido visto de três

formas. O Estado para correntes do pensamento liberal teria um papel indesejável. Na

perspectiva do keynesianismo o papel do Estado é desejável. A terceira posição seria o

Estado inevitável, defendido pelos teóricos marxistas.

2.1.2.1 O Estado indesejável

O papel de um Estado indesejável deriva da lógica do pensamento liberal e

das suas críticas ao pensamento hobbesiano. Por esta lógica o Estado deve ter o seu poder

de atuação limitado para não interferir no direito de propriedade. Os homens instituem este

tipo de Estado ao abdicar do direito de retaliação sem medida inerente ao estado de

natureza. A retórica liberal afirma que o direito de propriedade é anterior ao pacto de

criação do Estado. São representantes dessa linha de pensamento Locke, Adam Smith,

Bentham, James MilI, Stuart Mill, Dahl e Hayek.

42 Idem, ibdem.

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29

o liberalismo político, nascido com Locke a partir da crítica ao Estado

monárquico absolutista, foi uma resposta ao intervencionismo estatal mercantilista. Locke

ao fundar a teoria dos direitos naturais ou jusnaturalism043 criou uma das três teorias sobre

os limites do poder estatal. Nessa teoria o homem abandona o estado de natureza para

evitar a guerra e conservar a vida. A auto preservação e a proteção da propriedade são as

finalidades precípuas do pacto lockeano. O direito natural à propriedade é mantido na

sociedade civil.

O estado civil é a criação de um poder supenor aos indivíduos para a

proteção de seus direitos naturais. O poder do Estado deve assegurar aos indivíduos seus

direitos naturais que, por sua vez, marcam não apenas a finalidade como também os limites

da ação estatal. O Estado deve proteger a vida e a propriedade e, ao mesmo tempo, não

pode invadir estas esferas dos direitos individuais. Os homens na sociedade civil possuem

direitos contra o Estado.

O advento da sociedade civil culminou com a invenção da moeda e a

libertação do homem em relação à natureza. A idéia de entesouramento sem limites

permitiu aos homens iniciar o processo de acúmulo de propriedades e o afastamento do

estado de escassez. A desigualdade no processo de acumulação não é problema para o

Estado lockeano. A função principal do governo é a preservação da propriedade e do

proprietário. Ele deve assegurar as condições para que o entesouramento da moeda possa

ser maximizado pelos indivíduos mais prósperos. A lógica é que da prosperidade

individual resulta a prosperidade da nação. A idéia básica é que para a prosperidade da

sociedade é suficiente a possibilidade de entesouramento associada à proteção da

propriedade por um bom governo.

Conclui-se que seria direito do cidadão impedir que o Estado controle a

propriedade. Tal linha de pensamento propõe um Estado absolutamente indesejável e não

intervencionista nas trocas efetuadas pelo mercado. Os proprietários devem poder dispor de

seus bens da forma que melhor lhes convier. Isto os incentivará a serem produtivos. A

43 LOCKE, J. Segundo Tratado Sobre o Governo . Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

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prosperidade jamais será alcançada se os indivíduos não tiverem incentivos para apropriar

mais do que possam utilizar. Estes incentivos devem ser assegurados pelo Estado: de

forma positiva, protegendo a propriedade; e de forma negativa, evitando ao máximo a

intervenção no funcionamento do mercado. Essa linha de raciocínio é entendida como o

pilar da doutrina clássica do espírito do capitalismo44 .

o Estado não intervencionista assume diferentes feições, entre as quais se

destaca a de James Mil!, considerado o fundador do paradigma liberal-democrático. Para

Mill também cabe ao governo preservar a propriedade. Sendo a finalidade do governo

maximizar a felicidade e minimizar a dor do maior número de indivíduos ele deve atuar

para reduzir os efeitos da escassez. Somente a atuação livre dos proprietários e a não

intervenção no mercado resultará na diminuição da escassez.

o aumento do poder de um governante sena para Mil! uma ameaça ao

proprietário e à propriedade. A busca de mais e mais poder, se não contida, resultaria no

aumento da escassez. Para evitar este processo Mill insiste na instituição do governo

representativo.

A doutrina da separação do poder entre democracia, aristocracia e

monarquia, sob comandos diferentes, não fornece elementos suficientes para o controle do

poder, pois nada impede que dois desses extratos se unam contra o terceiro. Somente um

corpo de representantes eleitos pode impedir a tirania e o poder absoluto. A comunidade

deve escolher, de acordo com o princípio utilitário, os seus representantes. Eles terão a

obrigação de assegurar a não intervenção no direito de propriedade da comunidade,

preservando o princípio utilitário.

Fiel ao ideal liberal, Mill considera que a forma mais adequada para impedir

a intervenção estatal no mercado é a instituição de direitos de participação no Estado.

Resumindo pode-se dizer que o ideal político liberal é definido como a composição de três

requisitos: controle mínimo do Estado sobre a propriedade, direitos do cidadão contra o

44 STRAUSS, L. Na/ural Righ/ and His/aO' . Chicago & London: University o/Chicago Press, p.239.

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3 1

Estado e direitos de participação no Estado através de um governo representativo. O

liberalismo garante que a presença do Estado se limite a funções mínimas. O Estado liberal

é o Estado mínimo, do qual não se espera o controle da propriedade ou a intervenção no

mercado.

Ao homem liberal utilitário devem ser deixadas todas as atividades

econômicas, as quais assumirá sempre que o cálculo utilitário for compensador. Supõe-se

que exista na esfera das relações econômicas uma identidade natural entre os interesses

privados e públicos 45 . Não é preciso a intervenção de instituição alguma para que a busca

dos interesses privados resulte na satisfação dos interesses públicos, bastando que esta

operação seja deixada exclusivamente nas mãos do mercado e dos agentes privados. Para

garantir isso é necessário somente o funcionamento de instituições políticas liberais.

A fórmula política liberal mais próxima do paradigma proposto pelo

pensamento de Mill foi teorizada por Robert Dah146 . Ele criou o conceito de poliarquia

política, composta por oito características fundamentais: liberdade para formar e tomar

parte em organizações, liberdade de expressão, direito de voto, direito para ser eleito para

cargos públicos, direito por parte dos líderes políticos para competir por apoio, fontes

alternativas de informação, eleições livres e honestas e, por último, o voto ou qualquer

outra manifestação de preferência. Esses elementos são reunidos em dois grupos distintos:

liberalização ou contestação pública e participação.

O grupo das variáveis de liberalização ou contestação pública é composto

pelas liberdades, ditas fundamentais, sem as quais não havería competição política nem

oposição ao poder estatal e aos seus ditames: liberdade de expressão, de associação e de

opinião.

O grupo das variáveis de participação é composto pelas variáveis que

correspondem aos direitos de participação no Estado: direito de votar e ser votado, direito

45 HALÉVY, E. The Growth QlPhilo1Ofic Radicalism . London: Faber and Faber. 1972, p. 15 - 16. 46 DAHL, R Po/yqrchv Partjcina(ion and OpnosjtjQn . New Haven : Yale University Press, 1971

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32

de definir por maioria as políticas que devem ser adotadas e o direito de competir por apoio

político.

A teoria democrática liberal de Dahl não ignorou que o objetivo da doutrina

liberal era controlar o poder do Estado. Segundo, Dahl o liberal identifica o abuso do poder

quando existe a tirania da maioria sobre a minoria. A doutrina dos direitos naturais é

traduzida em intensidade de preferências, moderna versão psicológica dos direitos naturais.

o pior cenário possível do ponto de vista da estabilidade democrática seria

o do grave desacordo assimétrico. Ele ocorre quando uma maioria com intensidades de

preferências fracas executa políticas que contrariam uma minoria com intensidade de

preferências elevada. Essa situação é denominada tirania da maioria sobre a minoria e pode

resultar na resistência da aplicação da regra republicana da maioria. Um bom exemplo

dessa situação foi a Guerra Civil norte americana. A minoria sulista, com forte preferência

em favor da escravidão, não aceitou as deliberações da maioria nortista com fraca

preferência contrária a questão.

Esse exemplo retrata o problema do proprietário. Os proprietários buscam

um arranjo institucional que evite que a minoria dos proprietários (de escravos, terras ou

bens) seja tiranizada. Essa tirania se explicitaria pela expropriação dos bens pelos não

proprietários. Este arranjo institucional é contido em uma sociedade heterogênea na qual os

interesses são tão diversificados que a maioria só pode ser obtida através do somatório de

um sem número de pequenas minorias. Somente em uma sociedade pluralista o

proprietário está a salvo da possibilidade de tirania presente em uma eventual maioria

formada pelos não proprietários. O pluralismo, conjugado com a maximização da

liberalização e da participação, permite o funcionamento simultâneo da democracia liberal

no mundo da política e do mercado na esfera da economia. Esse é o arranjo que minimiza o

controle sobre a propriedade.

A radicalização do ideal liberal é calcada em um cenário que tem uma

premissa fundamental : as regras da construção social ou são fixadas pela razão humana ou

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33

resultam de um processo espontâneo de seleção natural. Segundo Hayek47 o conhecimento

dos fatos é (e sempre será) incompleto. Isso é suficiente para descartar a construção de uma

ordem social de acordo com os desígnios e as vontades humanas. A construção social será

sempre limitada pela inviabilidade de obtenção de informação completa, sobretudo quando

a divisão do trabalho e do conhecimento atinge níveis nunca antes vistos. Toma-se pois

insustentável a suposição de que todos os fatos particulares do mundo estão à disposição de

uma razão suprema que, os conhece e que é capaz de definir a ordem mais desejável para

os seres humanos48 . A esse equívoco também se expõem o legislador e o governo. Ambos

buscam a construção social e a constituição de uma ordem intencional, artificial e

antropomórfica. Só o mercado escaparia.

Ao admitir que o conhecimento humano é precário a ordem espontânea

resultante do funcionamento do mercado repousa em conhecimento local e circunstancial.

O conhecimento da ordem espontâneo está baseado na experiência. A experiência pode ser

definida como o conhecimento do que se deve fazer ou não em determinadas

circunstâncias. As regras que orientam a conduta humana não são aqui o resultado da

vontade humana, mas de um processo de seleção natural. A adesão humana às melhores

regras é espontânea e ocorre porque se provam as melhores, e mais eficazes em assegurar a

vida social e os benefícios individuais.49 .

Em cenário como este, o papel do Estado ou governo é apenas assegurar o

cumprimento das regras definidas pelo mercado sobre as quais repousa a ordem social;

além de fornecer os serviços que a ordem espontânea for incapaz de produzir. O Estado é

mínimo e deve se submeter à natureza espontânea da ordem. Não pode intervir no

funcionamento do mercado, computador que armazena e processa uma infinidade de

informações de diversos terminais (os indivíduos) e fornece como resposta as melhores

regras de conduta. Segundo Thatcher;

47 HAYEK, FRIEDRICH A UGUST VON. Law Legislaljon and Liberlv A New Stalement of lhe Liberal Princioles o(.luslice and Po/iljcal Economv Val i. London: Roulledge & Keagan Paul, 1973. p. 14 48 HA YEK, FRIEDRICH A UGUST VON. Op. cil. 49 Idem, ibdem.

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" . . . se novos ministros implementarem a política de

intervenção na indústria, pensando que dois ou três deles sabem

mais do que a variedade infinita de homens e mulheres que tocam a

variedade infinita de indústrias, então a encomenda irá ladeira

abaixo novamente"SO .

34

Nota-se que no terreno da teoria, o liberalismo econômico caminhou j unto

com o liberalismo político até o século XX. Locke, MiII, Smith, Dahl e Hayek afirmam que

o mercado e a democracia liberal são instituições complementares. Entretanto, mesmo no

século XX, esta corrente teórica é obrigada a conviver com contribuições de autores que

mantendo sua adesão ao liberalismo político puseram em dúvida a capacidade do mercado

em gerir a economia capitalista.

2.1.2.2 O Estado desejável

A obra de Andrew Shonfields1 constitui exemplo notável da vertente teórica

de pensamento que propõe o Estado desejável. Postula que o controle público da

propriedade é possível sem que haja a supressão das instituições da democracia liberal. O

capitalismo da século XX só é semelhante ao capitalismo anterior pelo fato de a atividade

econômica estar aberta aos movimentos do capital privado e por ter na iniciativa pessoal o

fator determinante do êxito ou fracasso dos empreendimentos. A grande diferença do

capitalismo pré e pós 1930 está no crescimento vertiginoso da presença do Estado na

economia.

O período de prosperidade experimentado pelos países ocidentais modernos

após os anos 30 foi caracterizado por três fatores fundamentais: o crescimento econômico

mais rápido que no passado, crescimento veloz da produção e distribuição ampla dos

beneficios da prosperidade. É interessante notar que, ao contrário do que normalmente se

SO THA TCHER, M. .Jornal do Brasil 22 de abril de 1992. Caderno Internacional 51 SHONF/ELD, A. Capitalismo Moderno. Rio de Janeiro : Zahar, 1968.

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3S

pensa, não são as políticas keynesianas que melhor explicam o fenômeno. Na opinião de

Shonfield, os dois países que mais prontamente implementaram as prescrições de Keynes,

Estados Unidos e Grã-Bretanha, não obtiveram o mesmo sucesso que outras economias

ocidentais. A fórmula adotada pelos países europeus, principalmente a França, considerada

a principal alavanca da prosperidade, foi o planejamento econômico.

o controle da economia pelo Estado teve neste período algumas

características importantes. Em primeiro lugar, houve aumento constante da influência das

autoridades públicas sobre a gestão do sistema econômico. Alguns países adotaram rígido

controle sobre o sistema bancário, enquanto outros, constituíram vasto setor empresarial "

publicamente controlado n. Em alguns casos empresas mistas, com controle acionário

estatal, foram utilizadas para atingir os fins do planejamento. A tônica foi o aumento

significativo dos gastos governamentais. Durante a século XX diferentes países

industrializados tiveram um crescimento notável em termos percentuais das despesas

governamentaís - em relação ao PNB ou PIB, que também cresceram em termos absolutos.

A segunda característica do planejamento econômico foi na preocupação

com o bem estar social". Essa preocupação provocou o uso dos fundos públicos em escala

crescente, principalmente com o objetivo de prestar auxílio ao setor não produtivo da

população: jovens em idade de crescimento e idosos já aposentados.

Em terceiro lugar, o planejamento econômico resultou no controle da

violência do mercado. O mercado auto-regulável, no qual as empresas lutam entre si e

desprezam qualquer efeito possível de suas ações sobre o mercado, foi substituído por

ações concertadas do governo e dos agentes privados para desenvolver programas com

base em interesses comuns e de longo alcance. Setor público e empresas privadas

compartilham interesse em limitar os elementos de imprevisibilidade e risco nas suas

operações. Esse interesse comum teria resultado na conspiração do planejament052 .

52 SHONFIELD. A. Op. cito

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36

A quarta característica fundamental do planejamento econômico foi o

consenso de que a cada ano deveria haver um acréscimo real da renda per capita da

população. O desenvolvimento industrial crescente exigia novas formas de organização nas

esferas da pesquisa e desenvolvimento e no treinamento dos trabalhadores. Registraram-se

esforços crescentes para ampliar o desenvolvimento tecnológico e a velocidade das

inovações, assim como para qualificar mão-de-obra para lidar com os avanços

tecnológicos.

E por último, a atitude característica da administração econômica em grande

escala, tanto no governo quanto no setor privado foi o planejamento nacional de longo

alcances3 .

Essas cinco características do planejamento econômico deram nova face ao

capitalismo no século XX. Os países ocidentais se mantiveram nos trilhos da democracia

liberal com um controle público ostensivo sobre a propriedade privada.

Esse controle ocorreu em duas frentes: controle e tributação. O lucro e a

propriedade foram fortemente tributados, em nome do objetivo de ampliar a proteção social

e os sistemas públicos de saúde e educação. A conseqüência desse controle foi a regulação

da economia através da política fiscal, monetária e do sistema bancário. A importância da

regulamentação e do planejamento econômico estatal não ficou restrita aos países

capitalistas mais avançados. Os liberais brasileiros, por exemplo, consideravam

inquestionável a ação econômica do Estado.

Para os liberais que adotavam essa linha de pensamento a iniciativa

espontânea não era capaz de, em países capitalistas subdesenvolvidos, promover um

acelerado desenvolvimento econômico. Somente o Estado, através de sua capacidade de

concentrar recursos poderia ocupar o espaço deixado por uma iniciativa privada débil,

proporcionando um veloz crescimento econômico. Para Roberto Campos a questão dos

anos 60, a esse respeito, era menos de saber se os governos deveriam ou não intervir no

53 Idem, ibdem.

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domínio econômico do que determinar a forma e o escopo desse planejament054 . Através

da tributação, se pretendeu diminuir o consumo presente em favor da acumulação de

capital para investimentos.

2.1.2.3 O Estado inevitável

Embora para algumas correntes do liberalismo político a intervenção do

Estado na economia seja considerada indesejável, preocupações sociais e regulatórias

levaram a algumas concessões nesse pensamento. Foi preservado o liberalismo político e

permitiram-se intervenções planificadas na esfera econômica. A evolução dessa crítica ao

liberalismo político e econômico, principalmente a desenvolvida por Marx, considera

inevitável o papel do Estado na sociedade capitalista.

A base de sustentação da obra de Karl Marx é o conceito de trabalho. Para

esse autor o primeiro ato histórico realizado pelos homens foi a conquista dos meios que

permitem a satisfação das necessidades humanas pela melhoria das condições materiais de

existência55 . A natureza é transformada com o trabalho do homem, fornecendo-lhe os

meios necessários para a sua sobrevivência. Satisfeita a primeira necessidade, a de

sobreviver, " a ação de satisfazê-Ia e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a

novas necessidades "56 , o homem retoma à natureza transformando-a mais uma vez, pelo

trabalho, com o objetivo de satisfazer às novas necessidades.

A teoria marxista estipula que o trabalho, enquanto transformação da

natureza, é um ato de criação. A transformação operada na natureza pelo homem não está

inscrita nos instintos humanos. Depende da emergência de novas necessidades humimas.

Utilizando uma metáfora atribuída a Marx, pode-se dizer que esta é a diferença entre a

melhor abelha e o pior arquiteto. A abelba não opera um processo criativo de

54 CAMPOS. ROBERTO DE OLIVE/RA. Economia Planejamento e Nacionalismo. Rio de Janeiro: APEC Editora S/A. /963. p./3 55 MARX, K. A IdeolOí!ia Alemã. São Paulo: Editora Hucites, /986. p. 39. 56 MARX, K. Op. cito p. 40.

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transformação pois seu trabalho está determinado por seus instintos. Por outro lado as

construções feitas pelo arquiteto são orientadas para suprir diferentes necessidades para

diferentes situações. O trabalho emancipa o homem da natureza ao criar uma segunda

natureza especialmente humana.

Marx afirma ainda que a forma de organização da produção é o fator básico

para a compreensão das diferentes formações sociais. Não apenas a relação de uma nação

com outras, mas também toda a estrutura interna de cada nação dependem do grau de

desenvolvimento de sua produção e de seu intercâmbio interno e extern057 .

O Estado que emerge das relações de produção é a expressão política da

estrutura de classes que caracteriza a produção. Esta afirmação encerra a concepção

marxista de Estado. O Estado está baseado em classes, que por sua vez são definidas na

esfera da produção, no mundo das relações econômicas. Decorre desse ponto que todos os

conflitos no interior do Estado não passam de manifestações dos conflitos econômicos.

No capitalismo a divisão básica entre as classes se dá entre a classe

proprietária dos meios de produção e a classe dos que possuem apenas a força de trabalho.

Os proprietários são denominados burgueses e os que possuem apenas a força do trabalho

são chamados de proletários. Em função desse conflito o Estado emerge como inevitável.

Sua origem está na necessidade de controlar os conflitos sociais entre as duas classes,

controle efetuado pela classe economicamente dominante, a burguesia. O Estado capitalista

responderia à necessidade de manter as conflitos de classe em níveis suportáveis, mantendo

a ordem e assegurando o domínio econômico da burguesia.

Esta representação do Estado como o braço opressivo da burguesia impede a

transformação do modo de produção capitalista pelo proletariado revolucionário. Ele é

visto apenas como aprovador de leis, através de um parlamento composto por

representantes da burguesia e como lançador da violência fisica para deter a ascensão

política da classe operária. A dominação exercida pelos proprietários dos meios de

57 Idem, ibdem.

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39

produção se reflete na política quando o Estado se comporta de acordo com os ditames

dessa classe. A dominação econômica se transforma em dominação política.

o Estado concebido por Marx possuía um grau mínimo de intervenção na

esfera econômica. Ele não afirmou que a intervenção do Estado era inevitável. Ele apenas

funda a corrente de pensamento que adjetiva o Estado dessa maneira. Foram os marxistas

do século XX que chamaram a atenção para o caráter inevitável da intervenção estatal na

economia. As contribuições de Clauss Offe e Joaquim Hirsch à crítica marxista dos

postulados liberais merece destaque em função da ampliação da abrangência, que ambos

realizam, do adjetivo inevitável.

Esta concepção de Estado inevitável é uma crítica direta à afimlação liberal

e mistificada de que o Estado favoreceria o bem comum. Também desmistifica a afirmação

de que da inexistência de controles sobre propriedade e proprietários resulta a

prosperidade econônlica. A emergência dos conflitos entre burgueses e proletários tornam

a presença do Estado inevitável. Nesse caso o Estado não defende o bem comnm, expresso

na prosperidade geral da comunidade, mas o bem e os interesses de uma classe em

parti cular.

Em Offe58 e Hirsch59 o Estado aumenta a sua presença intervindo no mundo

da economia administrando as crises do capitalismo. Este novo Estado capitalista se

diferencia do estado liberal no ponto em que diferentemente daquele ele intervém no

processo de acumulação para impedir o colapso do capitalismo.

o Estado opera para reproduzir a ordem capitalista atuando com uma certa

margem de autonomia em relação aos conflitos de classe. Existem porém limites superiores

e inferiores à sua ação. Esses limites são dados pela necessidade de manter a acumulação

58 0FFE. C. Sa'uclural Prohlems or The Caoilalisl Stale: C/a" Rule and lhe PQlilical Syslem. On lhe Se/ecliveness q( Polilical Inslillllions. Germau Polilical Sludies. Bever/y HiIIs: California . Sage Publications, 1974 59 HIRSCH . .J. The Slale and CaPila!- A Marxis' Debate. The Slate Apparalus and Social Reproduclion: E/ements of a TheOly ofthe Bourgeois State. V. Hollway & Picciolto, 1978.

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40

capitalista, ao mesmo tempo em que assegura a legitimidade de sua autoridade e a de seus

mandatos.

o primeiro limite é dado pelos interesses dos agentes estatais. Os burocratas,

funcionários e todos os que diretamente pertencem ao aparelho estatal dependem da

acumulação privada para a sua sobrevivência. Eles têm interesse em manter a ordem

capitalista pois, apenas por meio da tributação dos salários e dos lucros podem manter seus

empregos. O orçamento estatal depende basicamente da ordem capitalista. Esse

constrangimento é poderoso sobre os interesses da burocracia estatal no que se refere à

manutenção a ordem econômica capitalista. Em que pese não estarem diretamente

vinculados ao setor privado, os agentes do aparelho do Estado dependem dele para

sobreviver.

O segundo limite da ação do Estado diz respeito à administração dos

conflitos entre os setores da produção capitalista. É vedado ao Estado ordenar ou controlar

a produção, não podendo iniciar a produção cumulativa nem sustentá-la nas unidades

privadas de produção. O Estado opera como o " capitalista ideal " , não interfeóndo nem no

início nem no fim da acumulação dos diferentes setores da iniciativa privada. Isso evita a

deflagração de conflitos entre as frações da classe capitalista.

O terceiro limite à ação do Estado é dado pelo mandato que ele possui para

sustentar ou criar as condições da acumulação. Ao Estado é permitido favorecer a

acumulação capitalista. Pode interferir no mercado quando surgirem situações ameaçadoras

ao equilíbóo da ordem capitalista, abrindo dessa forma espaço para a intervenção estatal

nas atividades produtivas. Ele pode, e deve, controlar a propriedade sob pena de,

acontecendo o inverso, a economia capitalista ser colocada em xeque pelas cóses inerentes

e geradas pelo mercado. Este ponto é uma crítica feroz à tese do mercado auto-regulável.

O Estado é mantido afastado do mercado enquanto esse for capaz de

fornecer as condições ótimas para a acumulação capitalista. Quando isso deixa de ocorrer a

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4 1

intervenção do Estado na economia se torna a estratégia dominante da classe capitalista

curvando o credo liberal frente às ameaças à ordem capitalista.

o quarto e último limite à ação do Estado está relacionada com a

legitimidade da sua autoridade. Esta limitação mostra a incongru ência entre ser e parecer.

O Estado assegura a reprodução do modo de produção capitalista, porém ele não pode

parecer fazer isso. Ele utiliza símbolos e estratégias que escamoteiam e escondem a sua

natureza de classe. Esta situação leva à necessidade de apelar para as instituições da

democracia liberal. O Estado passa a calcar a sua legitimidade na idéia de cidadão, na

ampliação do voto, na regra da maioria e assim por diante. Sua autoridade deve se

fundamentar, ou pelo menos parecer emanar, dos interesses da maioria dos indivíduos. Ao

mesmo tempo o Estado deve garantir a ordem capitalista para satisfazer os interesses da

minoria, representada pelos proprietários.

J oaquim Hirsch conclui que é inevitável a intervenção do Estado no

mercado partindo de uma premissa diferente. Ele parte da apresentação das contradições da

sociedade capitalista feita por Karl Marx em O Capital e deriva a forma do Estado

capitalista. Por essa linh a de pensamento o que molda a ação do Estado é a tendência

decrescente da taxa de lucro. Essa tendência é considerada a manifestação fundamental das

contradições de classes do modo de produção capitalista.

Diante desse cenário, o Estado tem que desenvolver medidas que se

contraponham à taxa decrescente de lucro. Se o Estado for omisso o lucro tende a diminuir

e colocar em risco a ordem econômica. A primeira intervenção do Estado para reverter e

tendência decrescente de lucro possibilitou o desenvolvimento de uma classe dependente

do processo de acumulação, tal como determinado pela classe burguesa: o proletariado. A

segunda intervenção provocou a centralização e a monopolização do capital. Este requisito

foi fundamental para a expansão das fronteiras do mundo capitalista. A terceira e última

intervenção foi a utilização de investimentos estatais na revolução tecnológica contra ao

decréscimo da tax a de lucro através da revolução dos métodos de fabricação.

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42

2.1.3 O Estado no Brasil Contemporâneo

Pode-se utilizar a terminologia de Dahl60 para examinar o Estado no Brasil

contemporâneo definindo-o como uma hegemonia fechada com níveis mínimos de

liberalização e participação. As oito condições da poliarquia estiveram presentes de forma

muito limitada. Até mesmo o experimento democrático do período compreendido entre

1 946 e 1 964 apontou sérias restrições à democracia. Essas restrições se apresentaram no

controle sobre os sindicatos, sobre a legislação partidária e em manifestações populistas.

Tanto os direitos contra o Estado como os direitos de participação no Estado foram

severamente restringidos durante esse período.

Durante o regime militar a legislação criou um sistema bipartidário, somado

à centralização administrativa, e à diminuição das prerrogativas dos legislativos, federal,

estadual e municipal. A escolha dos governantes tomou-se uma disputa entre elites: de um

lado, os defensores do regime, de outro, a oposição consentida. Se for lembrada a teoria

democrática do controle de poder, já presente na obra de Mill e radicalizada por Rousseau,

pode-se afirmar que não houve, a rigor, controle democrático das políticas governamentais.

Os governos não prestavam contas ao eleitorado, e portanto, não tinham responsabilidade

perante o voto. É sob esse cenário que se dá o crescimento do Estado brasileiro.

O controle sobre a propriedade no Brasil não foi determinado por um pacto

entre setores operários e capitalistas, mas como resultado da exclusão dos primeiros do

jogo político. Nesse jogo a coalizão entre tecnoburocracia e empresários definiu o perfil e

as características do controle sobre a propriedade. Neste sentido, pode-se afirmar que o

controle sobre a propriedade favoreceu aos proprietários.

A expansão do setor público no Brasil teve início durante o chamado Estado

Novo. Este também pode ser considerado o início do Estado em sua forma contemporânea.

Esse processo de expansão foi incrementado durante o período do regime militar, e pode

ser constatada nas mais diversas áreas de atuação do Estado. A expansão deu-se em

60 DAHL, R. Op. cito

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43

diversas frentes: no aumento da capacidade do Estado de arrecadar recursos da sociedade;

no campo regulatório, quando passou a regular amplos setores da economia, além de

fornecer serviços sociais básicos como educação e saúde; no aumento da intervenção no

setor produtivo. Atuou como fornecedor de bens e insumos, tentando alavancar o progresso

através da ampliação dos seus gastos onde, em tese, a iniciativa privada não podia ou não

queria atuar.

2.1.3.1 Aumento da capacidade de arrecadação

A capacidade arrecadadora do Estado foi ampliada, principalmente após a

ano de 1 964. A União reverteu a tendência decrescente da arrecadação a partir da segunda

metade dos anos 60. O Estado passou a se apossar de parte significativa de recursos extra

orçamentários que tinham três origens diferentes: os fundos sociais (FGTS, PIS - PASEP),

a colocação no mercado financeiro de títulos da dívida pública (ORTN e LTN) e recursos

gerados pela exportação de produtos agrícolas e receita de jogos de azar (Loteria Esportiva

e Loteria Federal)61 .

A arrecadação somada dos fundos sociais atingiu em 1974, 90 % da

arrecadação do imposto de renda e 24 % do orçamento geral do governo federal. Além

disso a arrecadação do FGTS cresceu 165 % em termos reais no período entre 1 968 e J 974.

Os títulos da dívida pública tinham por objetivo inicial apenas cobrir os déficits

orçamentários. Estes títulos passaram a ser emitidos em um volume muito maior com o

intuito de financiar os gastos do governo com receita não tributária.

Merece destaque outra característica da forma de arrecadação do governo: o

aumento da regressividade da estrutura tributária. Nem mesmo os impostos diretos

seguiram o caráter progressivo.

6 1 MARTINS, LUCIANO. Estado Capj!qli'ta e Burocraciq no Brasil pÓs - 64. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985, p. 46.

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Por fim, o caráter centralizador do governo federal se fez refletir na

distribuição das receitas. A maior parte da arrecadação nacional ficava com a União. Entre

1 960 e 1 976 essa fatia cresceu de 49,5 % para 59,7 %. Entre 1 960 e 1 974 as receitas da

União cresceram, em termos reais, mais de quatro vezes62 . É importante notar que a

centralização de recursos na esfera federal se deu em prejuízo de estados e municípios.

2.1.3.2 Aumento da capacidade regulatória

A expansão do Estado também se deu no sentido de aumentar o seu poder

regulatório sobre as atividades econômicas. O caminho escolhido foi o da criação de

conselhos regulatórios, principalmente durante os governos militares. Por exemplo, no

governo Kubitschek foram criados dois conselhos regulatórios, três durante o governo

Goulart , onze no governo Castelo Branco , vinte nos governos Costa e Silva e Médici e

dezoito conselhos durante o Governo Figueired063 . Esses dados revelam que na esfera do

Executivo o Estado passou a regular de forma mais ampla as atividades econômicas, o

mercado e a propriedade.

Guimarães e Vianna apresentam o exemplo bem significativo de dois

conselhos regulatórios que tiveram papel fundamental na definição das políticas

econômicas nos governos Médici e Geisel: o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o

Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE)64.

No plano político houve a regulação da competição eleitoral, a limitação da

participação política com as diminuições das prerrogativas do Congresso e a inexistência

de eleições diretas para presidente. Esses fatores limitaram tremendamente o acesso às

decisões centrais e às políticas e diretrizes governamentais. Essa forma de ampliação da

62 DINIZ, ELI ; LIMA JR., aLA va BRAS1L DE Modernização AutoritáriQ' a Empresariado e a intervenção do Estado na &onomiq. Brasília: lPEA /CEPAL, /986, p. 36 63 Dados apresentados no programa "Cqminhos da Modernidade " em 07 de maio de /992, Rio de Janeiro, TVE. 64 Idem, ibdem.

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45

atuação do Estado combinada com o autoritarismo do regIme militar provocou dois

fenômenos importantes: o fortalecimento da tecnoburocracia e a privatização do Estad065 .

Esses são explicados pelo conceito de anéis burocráticos66 .

Na opinião de Cardos067 , os Estados autoritários são caracterizados pelo

fortalecimento do poder burocrático e tecnocrático em prejuízo dos partidos políticos. A

relação entre Estado e Sociedade assume uma forma diferente daquela que marca os

regimes democráticos. Em regimes democráticos, os partidos políticos, o voto universal, o

sistema representativo, a forma federativa e outras instituições similares constituem meio

de ligação entre Estado e Sociedade. Em regimes autoritários, a intermediação de interesses

entre Estado e a Sociedade é feita através de anéis burocráticos.

Anéis burocráticos são definidos como círculos de informação e pressão que

se constituem como mecanismos que permitem a articulação entre setores do Estado e

setores das classes sociais68 . No caso de regimes burocráticos e autoritários da América

Latina, nos anos 60 e 70, esses anéis privilegiaram a articulação entre a grande empresa

privada e a burocracia pública. Normalmente a composição de um anel burocrático é dada

por um interesse específico, isto é, ele une, de forma não permanente, um círculo de

interessados em questões específicas. Os anéis burocráticos favoreceram um padrão

fragmentado de tomada de decisões. A cada diferente questão em pauta correspondia uma

diferente articulação entre burocracia pública e privada.

Segundo Guimarães e Vianna69 a análise das atuações do CMN e do CDE

revelou a grande importância assumida pelo Estado na regulamentação das atividades

econômicas. Além disso mostrou que esses Conselhos privilegiavam o acesso de

determinados setores empresariais às principais decisões de ordem econômica, sobretudo

65 GUIMARÃES. CÉSAR; VIANNA, MARIA LUCIA T. w: Planejamento e Centralizacão decisÓria' o Conselho Monetário Ngcional e Q Conselho de Desenvolvimento EconÔmico em L/MA .IR. Op. cito 66 CARDOSO, FERNANDO HENRIQUE. Autoritarismo e Democratizacão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. 67 CARDOSO, FERNANDO HENRIQUE. Op. cit. 68 Idem, ibdem. 69 GUlMARA

-ES, CÉSAR; VIANNA, MARIA LUCIA T. w: Op. cit.

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em um sistema político que excluía amplos setores do acesso ao Estado. A tecnoburocracia

gozou de considerável grau de liberdade, em função da inexistência de canais de

representação de interesses organizados do setor empresarial. Os setores privados não

foram capazes de formular políticas globais e, se tivessem conseguido, teriam que

constituir canais de representação que pudessem viabilizar a implementação dessas

supostas políticas.

Os anéis burocráticos, pelo contrário, favoreceram um padrão de demandas

e respostas fragmentado, cujo formato funcionou enquanto a conjuntura foi favorável. O

desenvolvimento econômico e os fluxos de capital resultaram em um jogo de soma

positiva7o . Esse jogo possibilitou a adequação entre interesses privados e os da burocracia

pública e privada.

2.1.3.3 Aumento da intervenção no setor produtivo

A intervenção estatal não ficou limitada apenas às atividades regulatórias. O

Estado passou a ter uma presença muito marcante também no processo produtivo. Até a

implantação do regime militar, haviam sido criadas apenas três subsidiárias de empresas

estatais. Após a implantação do regime militar foram criadas cerca de duzentas novas

subsidiárias. Até 1 949 o governo contava com 34 empresas controladas; entre 1 950 e 1 959

foram criadas 1 5 empresas federais e 49 empresas estaduais; entre 1960 e 1 969 foram

criadas respectivamente 39 e 175 tendo o auge acontecido entre 1 970 e 1976, quando

foram criadas 70 novas empresas federais e 60 novas empresas estaduais. É interessante

observar que cerca de 60 % das empresas controladas criadas pelo governo no período

compreendido entre 1 966 e 1 975 pertenciam à Companhia Vale do Rio Doce e à

Petrobrás71 .

70 O jogo de soma positiva permite que as questões em disputa sejam consideradas de natureza distributiva tal como definida por Lowi. Lowi, Theodore J., " American Business, Public Policy, Case Studies and Political Theory " , World Politics, 16, jul. 1964, p. 677 - 715.

71 ABRANCHES, SÉRGIO. As Origens da Crise Estada Autoritarismo e Plan�;amento no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987.

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47

A análise dos dados para o período compreendido entre 1939 e 1 983,

referentes a criação de empresas controladas pelo governo 72 permite afirmar que a

expansão do Estado foi bem mais intensa durante a "hegemonia fechada " do que durante o

período de relativa democracia política entre 1945 e 1 964. O Estado aumentou de maneira

significativa a sua capacidade de intervenção no domínio econômico. Através da regulação

e da utilização de empresas estatais como instrumentos de política macroeconômica o

Estado passou a dispor de crescente poder de controle sobre o mercado.

O segmento produtivo estatal da economia foi constituído tendo por base os

setores de mineração, siderúrgico, petrolífero e elétrico. As empresas desses setores eram

as mais importantes sob o ponto de vista do tamanho das organizações. Foi o crescimento

dessas empresas causa principal do aumento do setor empresarial do Estado durante os

governos militares.

Foi previsto, quando da organização dessas empresas, ngoroso controle

ministerial sobre as suas atividades. A despeito de todo o aparato de controle, na prática as

empresas passaram a ter uma autonomia desproporcional à que inicialmente estava

prevista. Seu leque de atuação em muito ultrapassou suas áreas originais de influência.

Essa incapacidade de tomar realidade as previsões dos seus estatutos

constitutivos pode ser explicada pelo fato de muitas das empresas terem assumido maior

importância do que os órgãos incumbidos de sua supervisão. Os ministérios e demais

instâncias governamentais diretamente ligadas ao Poder Executivo estiveram sempre

menos aparelhadas tecnicamente que os quadros administrativos das empresas. Os órgãos

de controle foram incapazes de avaliar o mérito e a necessidade da atuação das empresas

em áreas não diretamente relacionadas às metas estipuladas quando da criação.

Um fator muito importante relacionado às empresas estatais é o seu caráter

de ilhas de racionalidade. Nesse ponto elas guardam notável semelhança com as agências

72 DINIZ,ELI ; LIMA JR. Op. cito

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regulatórias. No entanto, esta "semelhança" de atitude inviabiliza a proposta inicial de

controle.

o aumento da presença do Estado na economia teve como premissa básica

que as empresas criadas representassem ilhas de racionalidade dentro da burocracia

tradicional. Uma das conseqüências dessa racionalidade foi o surgimento da figura do

executivo de Estado e das chamadas burocracias insulares73 •

2.1.3.4 Relacionamento entre o Estado e a Sociedade: insulamento

burocrático e autoritarismo militar

Nunes identifica quatro tipos de definições para as relações Estado -

sociedade no BrasiJ74 . A intermediação dos interesses entre a sociedade e o Estado pode

ser pautada pelo universalismo de procedimentos, pelo clientelismo, pelo corporativismo e

pelo insulamento burocrático. Nesta seção será feita a descrição do quarto tipo.

o insulamento burocrático é uma estratégia que se baseia na criação de ilhas

de racionalidade e especialização técnica. A burocracia insulada, composta por burocratas e

técnicos selecionados por procedimentos impessoais, funciona de forma a evitar que os

formuladores de políticas e decisões fiquem sob influência das pressões partidárias e

particularidades do jogo político 75 . As raízes desse formato institucional foram lançadas

nas décadas de 30 e 40 , desenvolvendo-se nos anos 50. Assumiu importância considerável

durante os governos militares. São exemplos de burocracias insuladas a Comissão Nacional

de Energia Nuclear (CNEN), a Superintendência da Moeda e Crédito (SUMOC), o Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco Central (BC) e

muitas outras afins incluindo as holdings do setor de energia elétrica.

73 MARTINS, LUCIANO. Op. cito

74 NUNES, EDSON DE OLIVEIRA. Tipos de Çqpitalismo Instituições e Acão Social- notas para uma sociologiq polÚieq do Brasil contemporâneo, Dados, vai. 28, rf 03, 1985. 75 NUNES, EDSON DE OLIVEIRA .. GEDDES, BÁRBARA DiJemmas Qi State - Led Modemization in lJJ:I:mL Série lestudos, rf 39,julho, 1985, Op. cito

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49

o ponto fundamental dessas ilhas de racionalidade é que elas legitimam suas

decisões e as políticas implementadas por critérios técnicos, ao mesmo tempo em que

tentam afastar qualquer legitimidade baseada no conflito e no consenso inerentes ao mundo

da política.

Pode-se argumentar que as ilhas de racionalidade não estão totalmente livres

de influências externas. Em que pese a busca constante da maximização da eficiência e do

saber técnico nas tomadas de decisões, existe um fluxo constante e intenso de recursos e

informação entre as agências insuladas e o ambiente no qual elas estão inseridas 76 . Este

processo é explicado pela teorização das coalizões externas, feita por Mintzberg77 ao

estudar o fenômeno do poder nas organizações.

Cabe ressaltar que faz parte da natureza da burocracia insulada manter-se

distante das injunções da política partidária. Isso ocorre em cenários democráticos ou

autoritários, sendo que, no segundo caso, o custo do afastamento em relação ao jogo

partidário é bem mais baixo. Nesse ponto a noção de anéis burocráticos é muito útil. Esses

anéis passam a ser o caminho por excelência dos fluxos de informações e recursos entre a

burocracia insulada e o ambiente externo. A "coalizão" predominante é a da burocracia

pública com a grande empresa privada.

Durante o regIme autoritário a proliferação das empresas estatais foi

acompanhada pela ampliação das agências insuladas. A administração pública no formato

empresarial é a realização da racionalidade técnica como meio para atingir os fins

definidos. Mais do que isso, reconhece-se o conhecimento técnico, e não o jogo de

interesses e valores, como o recurso mais eficiente na escolha dos fins a serem alcançados.

Esta orientação do crescimento do Estado não se deu sem que fosse criada uma ideologia

tecnocrática que esteve sempre presente, principalmente durante o regime militar. A

burocracia insulada, em conjunto com falta de liberdade e participação política, favoreceu

de forma contundente a privatização do Estado. Nesse cenário autoritário, dada a natureza

76 Idem, ibdem. 77 MINTZBERG, HENRY. Power in and Around Orf![Jnizations. Prentice Hall lnc. 1983.

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do processo decisório, eminentemente técnico e sem sujeição ao controle público, as

burocracias insulares ficaram distantes de qualquer tipo de fiscalização pública.

o regime militar ampliou o processo de privatização do Estado, ao permitir

a proliferação de agências regulatórias e de empresas estatais e ao reforçar a ideologia

anti partidária, presente desde o Estado Novo. O argumento mais perverso desse reforço foi

o de que o Congresso seria empecilho à eficiência. Em decorrência desse argumento o

Poder Executivo passou a ocupar cada vez mais as funções do Poder Legislativo, através de

órgãos paralegislativos 78 .

Na verdade o regime militar tomou mais grave o problema da privatização

do Estado e da incapacidade de construção de uma administração estatal sob domínio

público. A multiplicação descontrolada das agências regulatórias e empresas estatais

tomou-se sinônimo de ampliação das áreas de administração estatal fora do controle dos

partidos, do Congresso e da sociedade organizada. Em nome da racionalidade técnica, a

burocracia ampliou-se de forma considerável livre de responsabilidade perante os cidadãos.

Este foi o legado administrativo dos governos militares.

Pelo exposto vemos que os postulados do liberalismo econômico foram,

juntamente com os do liberalismo político, abandonados. O que se viu foi mais Estado e

menos mercado. Na área social, porém, aconteceu o inverso. Em conseqüência do processo

de privatização do Estado os recursos públicos que deveriam ir para a área social serviram

para beneficiar parte da burocracia estatal, notadamente os tecnocratas, e para construir

imensos impérios empresariais deixados no rastro dos governos do regime militar. Foi

forjado no Brasil um alto grau de concentração de renda, de desproteção trabalhista e social

e de carências profundas nas áreas de serviços sociais básicos. Tudo isso denota o

abandono da área social por parte do Estado.

Vale dizer que esta ausência tomou o Estado paradoxalmente presente na

constituição de um cenário de profunda desigualdade e desproteção, no qual o mercado

78 SANTOS, WANDERLEYGUlLHERME DOS. Legislando Dor Decreto. Mimeo, IUPERJ, /972

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vale para os excluídos do jogo político e o Estado para salvaguardar os interesses daqueles

que a ele possuem acesso privilegiado. Esta situação pode ser vista como uma quase

perfeita mimetização da lei de dupla moral proposta por Roberto OaMatta79 para explicar a

sociedade brasileira : aos amigos tudo, aos inimigos a lei. Pode-se então parafraseá-la da

seguinte forma: aos amigos o Estado, aos inimigos o mercado.

2.1.4 Diagnóstico da Crise

A reestruturação do setor público no ocidente precisa levar em conta duas

questões importantes. A primeira é definir o grau desej ável de autonomia de gestão da

máquina pública. A segunda é como administrar as novas formas de ressegmentação e

flexibilização do trabalho em um ambiente econômico globalizado e competitivo.

o status quo vigente até a década de 70 pode ser representado pela idéia da

existência de um pacto implícito entre Estado, capital e trabalho. Esse pacto foi a resposta

encontrada pelo ocidente para o conflito entre a autonomia dos agentes privados, essencial

para a eficiência microeconômica, os objetivos mais gerais do Estado e os interesses dos

trabalhadores. O pacto resultou na criação do chamado Estado de bem estar fordista.8o .

O estabelecimento do pacto fordista81 criou condições adequadas para o

crescimento econômico e estabilidade política do pós-guerra. Ele pode ser considerado

como um complemento do pacto keynesiano entre proprietários e trabalhadores.

A base estrutural do pacto eram a produção, o consumo de massa e o

crescimento econômico contínuo combinados. As suas forças dinamizadoras eram a

economia de escala e a integração de mercados regionais. Essa composição possibilitou a

79 DaMA ITA. ROBERTO. A Casa e a Rua. ESDaCQ cidadania mulher e morle no Brasil. Rio de Janeiro, 4ª edição, Editora Guanabara Koogan S. A., 1991. 80 BOYER, ROBERT Teoria da Regulacão' uma análise critica Poria Alegre, Nobel, 1989; HAR VEY, D. A condicão da pÓ, modernidade. São Paulo, Global, 1992; AGLlEITA, M. A Iheory Q(caritaU,m regu/atiou' London, McMilIan, /979. 81 HAR VEY, D. Op. cil.

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paz entre capital e trabalho e deu sustentação à coexistência da democracia junto com o

capitalismo. Como Souza e Silva diz:

" O pacto era representado pela articulação entre as

grandes corporações oligopolistas e os sindicatos de porte nacional.

Ao mesmo tempo e sob essas influências, a sociedade se organizou

em uma sociedade de massa integrada pelas expectativas de

consumo. Cimentando essa articulação, o "Estado fordista",

apoiado em governos de cunho social-democrata, desenvolvia

políticas keynesianas de sustentação da demanda agregada nacional

e políticas de welfare state de âmbito geral, de cunho universalista

que integravam os trabalhadores. Dentro desse contexto o Estado

assumia, na maior parte dos casos, a responsabilidade pelos grandes

investimentos em infra-estrutura e geria diretamente grande parte

dos serviços públicos a ele associados. A gestão estatal nos vários

países desenvolvidos no pós-guerra se estruturou, para realizar

essas diversas tarefas estruturadoras que constituíam o papel do

Estado , na aliança fordista"82 .

Durante a década de 70 uma série de problemas encadeados começou a

inviabilizar o arranjo vigente. A necessidade de amortizar recursos aplicados em

tecnologias ultrapassadas, o aumento do estoque de novas tecnologias, a queda de

produtividade, a crise do petróleo e a impossibilidade da manutenção do bem estar

começaram a minar o status quo vigente.

Havia nas economias desenvolvidas grande quantidade de recursos

aplicados em processos tecnológicos obsoletos e que necessitavam ser amortizados. Com o

surgimento de um grande estoque de novas tecnologias foi alterada a relação entre capital e

trabalho existente. Essa alteração foi provocada porque foram alterados a natureza e o

82 SOUZA E SILVA, C. E Autonomia de gestão e concorrência: em busca de novas formas de gestão do setor público em um contexto pÓs-fordista. Revista de Administracão Pública. Fundação Getúlio Vargas, Rio dejaneiro, 28(3),p. 211 - 228, jul./set. 1994.

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carãter dos processos de trabalho e fabricação. A base das novas tecnologias estava

associada ao desenvolvimento da microeletrônica, da automação flexível e da robotização.

A queda da produtividade estava associada ao uso de tecnologias antigas

porém ainda dominantes na indústria. Quando foi deflagrada a crise do petróleo, o aumento

dos preços das matérias primas, aliada ao alto grau de protecionismo adotado de forma

geral, trouxe a recessão e a conseqüente queda na rentabilidade dos ativos.

A recessão aumentou a ociosidade dos fatores de produção (mão-de-obra e

capitais) e provocou uma crise fiscal generalizada nos Estados ocidentais. A crise fiscal

ocorreu como conseqüência da combinação entre queda da arrecadação e aumento de

gastos. A queda da arrecadação foi provocada pela diminuição da atividade econômica; o

aumento dos gastos foi ocasionado pela maior demanda pelos programas sociais, devido ao

desemprego.

Essa conjuntura inviabilizou o paradigma fordista de organização da

produção. O pacto, responsável por décadas de estabilidade política e desenvolvimento

econômico, teve que ser quebrado. O estopim do processo de rompimento do pacto foi a

crise do petróleo deflagrada no início dos anos 70 que precipitou uma série de mudanças

econômicas e sociais.

A legitimação política começou a surgir nos anos 80, quando os eleitores,

descrentes das formas social-democratas de governo passaram a favorecer as alternativas

políticas influenciadas pelo liberalismo. As soluções apresentadas buscavam maior

eficiência dos mecanismos de regulação estatal, a retirada estratégica do Estado das áreas

de produção econômica e até mesmo da prestação direta de serviços públicos.

A crise do pacto fordista deu início a vários processos de transformação

importantes. Harvey relaciona estes processos a um novo modo de acumulação chamado

modo de regulação flexíve/83 • Alvin Tomer, vendo o deslanche de uma nova Revolução

83 HAR VEY, D. Op. cil

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54

Industrial, com o amadurecimento das tecnologias de microinformática, telecomunicações

e etc., vislumbrou a terceira onda. Houve um surto de aumento da produtividade industrial

provocado por inovações tecnológicas que serviu de base para mudanças e transformações

econômicas e sociais.

As estruturas de regulação fordistas foram flexibilizadas tanto em relação ao

capital quanto à integração de mão-de-obra e padrões de consumo. Uma das conseqüências

foi a despadronização progressiva do trabalho e a ressegmentação das estruturas temporais,

espaciais e sociais da organização da produçã084 .

A reação do capital à quebra do pacto foi a mudança de sua lógica de

atuação. Foi iniciado processo de criação de grandes oligopólios através de um forte

movimento de fusões e aquisições. Esse período presenciou o surgimento dos grandes

conglomerados de abrangência global.

A lógica adotada ditava que deveria surgir em cada país um mercado

nacional dinâmico, fortemente competitivo, composto de unidades de pequeno e médio

porte e integradas aos grandes conglomerados. Esta integração se daria através de

processos de terceirização e montagem de redes de fornecedores exclusivos. Como

corolário surgiriam a maximização da produtividade e a competitividade global. Este

cenário pode ser entendido como o embrião do atual conceito de globalização.

Do lado do trabalho houve a segmentação que flexibilizou para baixo o

mercado de trabalho. Houve a separação definitiva de uma elite dos trabalhadores

constituída pelo núcleo da mão-de-obra das grandes corporações transnacionais. Para essa

elite as vantagens e a estabilidade obtidas pelo fordismo permaneceram. Para a maioria dos

outros trabalhadores a flexibilidade, o trabalho temporário e a informalidade tomaram-se a

regra.

84 SOUZA E SILVA, C. E. Op. cit

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55

As identidades sociais baseadas na oposição do capital ao trabalho foram

subvertidas. Isso ocorreu devido ao aumento do número de pequenos empresários e

profissionais autônomos, resultantes da generalização dos processos de terceirização.

Saíram fortalecidas identidades e valores baseados em padrões de consumo e estilos de

vida cada vez menos associados à esfera produtiva. A segmentação da produção refletiu-se

nos padrões de consumo tornando-os cada vez mais diferenciados. Como resultado houve o

enfraquecimento dos atores políticos que organizavam as identidades sociais de base

trabalhista e favoreceram o surgimento de múltiplos atores cuja identidade se organizou em

torno dessa nova realidade.

Nesse ponto começou a ser feita a substituição do cidadão/trabalhador pelo

cliente/cidadão. O cidadão / trabalhador encara o Estado apenas como um mecanismo de

intermediação para obtenção de beneficios compensatórios do capital e ganhos reais de

salários, através de impostos ou processos de intermediação. Já o cliente!cidadão entende o

Estado como um prestador de serviços comprometido com critérios de qualidade e

atendimento associados aos serviços que presta. Na opinião desse cliente!cidadão o Estado

deve ser um parceiro privilegiado do capital no novo pacto que se desenha. Essa idéia de

cliente!cidadão, mais tarde associada ao conceito de cidadão!consumidor serviu para

compor a base de um novo modo de regulação capitalista85 .

Praticamente todos os países ocidentais tentaram consolidar esse novo

pacto. Foram utilizadas políticas nas quais as demandas dos sindicatos estiveram

relativamente marginalizadas em relação às dos movimentos ligados a padrões de vida e de

defesa do consumidor (ou daquilo que os consumidores intrinsecamente segmentados têm

em comum). Um exemplo típico é a importância que o movimento ecológico ganhou em

relação às demandas sindicais, que normalmente têm passado em branco.

Os Estados se viram obrigados a mudar a forma de atuar para acompanhar

esse processo de mudança .. Foi necessário enfatizar a eficiência no atendimento das

necessidades de regulação de serviços prestados aos clientes!cidadão.l'. Foram criados

85 Idem, ibdem.

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incentivos e programas de flexibilização da gestão pública para tomar a máquina

administrativa mais barata, ágil e receptiva à inovação gerencial e à autonomia

administrativa. Começou a ser discutida a fronteira público/privado para prestação de

serviços. Por fim, foram feitas parcerias, terceirizações, privatizações e melhor utilização

da poupança disponivel e da capacidade de gestão privada.

o desenvolvimento de uma consciência de custo/beneficio da ação do

Estado pelos agentes sociais e políticos é relativamente recente. Essa consciência é um

marco no processo de repensar e reestruturar o estado e seu papel social, político e

econômico.

A intensificação da competição internacional e a globalização do mercados

ocorridos na última década fizeram com que a ação estatal fosse encarada pelos atores

políticos como um fator de produção (ao fornecer infra-estrutura e serviços) e como um

custo (impostos) que devem contribuir positivamente para viabilizar a competitividade

internacional de cada país.

Em função dessa nova conjuntura externa a reestruturação do setor público

no ocidente tem sido feita levando em conta duas questões importantes. A primeira questão

é a definição do grau desejável de autonomia de gestão da máquina pública. A segunda é a

administração das novas formas de ressegmentação e flexibilização do trabalho em um

ambiente econômico globalizado e competitivo. Essa reestruturação fez com que vários

países desenvolvidos empreendessem verdadeiras revoluções nas fOrrOas de gestão do setor

público. O trade of! entre autonomia do agente implementador, essencial à eficiência

microeconômica, e os objetivos mais gerais do Estado é a questão principal desse processo

de reestruturação. Três estados nacionais têm passado por experiências de reestruturação

que diferem entre si mas ilustram com propriedade os dilemas que o estabelecimento de

um novo pacto regulatório provocam: Inglaterra, França e Itália.

A Inglaterra tem uma longa tradição liberal. Talvez por isso tenha entendido

que a crise do pacto fordista era associada à crise da intervenção direta do Estado. Talvez

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por essa razão, os ingleses tenham optado por um caminho liberal radical . Nesse caminho a

natureza estatal da propriedade e a eficiência microeconômica são irreconciliáveis86 •

o Estado inglês transferiu o problema da gestão das atividades geralmente

associadas ao setor estatal para o mercado. O objetivo central dos ingleses era transferir

tudo que fosse possível ao setor privado, pois o mercado e a competição seriam os únicos

elementos capazes de incentivar a eficácia. O controle estatal permaneceu apenas com a

função de regulação do mercado.

Essa reestruturação estatal na Inglaterra, sob a forma de uma privatização

radical e generalizada, foi mais intensa durante o segundo governo de Margareth Thatcher

e teve algumas características importantes. Houve o enfrentamento das organizações

sindicaís, a desregulamentação de mercados com o intuito de defender o

consumidorlcidadão e o incentivo à competição intercapitalista nos segmentos de pequeno

e médio capital.

Concomitantemente procurou-se não comprometer os interesses de

integração industrial das grandes corporações com alcance global. Elas foram preservadas

para tomar fôlego para a competição global que já se desenhava no horizonte.

A França, ao contrário da Inglaterra, tem longa tradição de intervenção

estatal. Nela o processo de reestruturação tomou a forma de reordenação da ação do Estado

e de seu modo de se relacionar com o cidadão 87 .

A filosofia da reestruturação do Estado na França descartou, logo de início,

a idéia de Estado mínimo. Ao invés disso foi buscada a eficiência da gestão, da eficácia da

ação e especialmente da efetividade das políticas que viabilizaram o pacto necessário a

regulação flexível. A reestruturação foi direcionada para obtenção de um Estado que

cumprisse a sua missão no pacto de regulação. O corolário dessa postura foi o atendimento

86 VEUANOWSKY, C. SeUinr; lhe S/a/e: pr;vatiza/ion ;n Br;tain. London, Weinfield and Nicolson, 1987. 87 SOUZA E SILVA, C. E. Op. ci/

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das expectativas de um novo tipo de cidadão que tem a visão exigente do consumidor e que

se obriga a fazer análises efetivas dos custos da ação estatal seus efeitos sobre seu padrão

de vida.

Em termos de gestão, ficou evidente a aceitação da necessidade de

mmlmlzar a intervenção estatal nas empresas públicas, pelo princípio de economia de

recursos e pela necessidade imperativa de garantir a eficiência microeconômica das

organizações públicas8R • A importância desse fato residiu na necessidade de o Governo

francês ter instrumentos de avaliação de qualidade de gestão, avaliação de custos e

satisfação dos usuários nas empresas públicas.

Os mecanismos de avaliação foram congruentes com a forma flexível de

organização estatal. Os instrumentos de gestão utilizados nessa opção francesa de

reestruturação do Estado foram o contrato de gestão e a autonomia empresarial. O maior

desafio foi equacionar a relação acionista / (Estado) gestor, expressa nos contratos e na

avaliação de descmpenho, e os incentivos à gestão contidos no cerne dessa relação.

Nos segmentos competitivos do mercado não houve nenhuma ação

reestruturadora da parte do Estado. Nesses mercados já havia forte ação integradora entre o

Estado e as grandes corporaçõesR9 •

Com relação à globalização, o Estado francês coordenou as ações das

grandes corporações francesas para o aumento da competitividade global. O planejamento

econômico deu lugar a formas mais sutis de interferência. Essa interferência traduziu-se em

incentivos para concentração de capital (fusões e aquisições), desenvolvimento

tecnológico, favorecimento do comércio exterior e mobilidade e mobilização de capital.

Nesse processo de reestruturação os grandes sindicatos foram

marginalizados. Essa marginalização, porém, foi muito menos violenta do que na

88 Idem, ibdem. 89 Idem, ibdem.

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Inglaterra, e ocorreu muito mais como resultado de mudanças estruturais que

comprometeram a base representativa nacional desses sindicatos do que como resultado da

ação direta do Estado. Pode-se dizer que os sindicatos representativos dos funcionários

públicos, das empresas públicas e das associações profissionais são as mais fortes forças

trabalhistas que confrontam o Estado e resistem a suas transformações.

o processo ocorrido na Itália seguIU uma trajetória diferente. A Itália,

mesmo antes da crise do fordismo, já possuía características do modo de regulação flexível.

Este modo de regulação já era forte no segmento de pequenas e médias empresas.

Os atores privados obrigaram o Estado italiano a usar as suas holdings como

elemento integrador do pequeno e médio empresariado. Isso foi feito para criar condições

de economia de escala para o capitalismo de massa essencial ao desenvolvimento

fordista9o . Com a crise, esse instrumento de ação estatal se deteriorou e seu papel

integrador perdeu importância, passando a ser exercido pelas grandes corporações do setor

privado. Nesse cenário ganhou força a discussão sobre a privatização das holdings estatais.

A coordenação estratégica do grande capital para enfrentar o processo de

globalização foi muito semelhante ao utilizado pela França. O instrumento utilizado foi o

Sistema de Participação de Estatais (SPE). Esse sistema baseou-se na formação de joint

ventures entre empresas estatais e o capital privado em setores estratégicos. O arranjo

permitiu o desenvolvimento tecnológico, a conquista de novos mercados, e o aumento da

mobilidade do capital.

Essa solução, apesar de ter cumprido o seu papel, sofreu críticas por ser

muito dispendiosa. A despeito desses problemas, o SPE ficou tão associado à cultura

político-administrativa italiana que dificilmente poderia ser desativado. No máximo podem

ser feitas privatizações adaptativas.

90 Idem, ibdem.

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60

Os sindicatos sofreram, por sua vez, um nítido enfraquecimento, mas nada

comparável ao que houve na Inglaterra ou na França. Já o conceito de cidadão/consumidor

não foi incorporado nem pelo Estado nem pelos cidadãos. Nesse sentido o Estado italiano

continua incapaz de definir o seu papel e, do ponto de vista daqueles que se vêem como

"consumidores", a equação de custo/beneficio da ação estatal é equilibrada por uma

sonegação de impostos generalizada.

Como essas mudanças afetaram os países periféricos? A inserção

subordinada no sistema capitalista internacional tem sido um importante condutor das

transformações dos países centrais para as sociedades e economias periféricas. Souza e

Silva afirma que o Brasil está caracterizado por:

" Uma forma particular de inserção periférica, num dado

modo de regulação central, no qual se desenvolvem, em nível de

regulação, características que correspondem às necessidades de

buscar uma estabilidade relativa do regime de acumulação vigente

no país, ainda que de forma subordinada à dinâmica da economia

internacional. Isso freqüentemente resulta na dificuldade

prolongada, e muitas vezes permanente, de encontrar formas

institucionais mais estáveis".

2.1.5 A crise no Brasil

Os reflexos da cnse no Brasil podem ser analisados por dois ângulos

distintos. O primeiro aborda a questão pelo lado da teoria da regulação, segundo a qual,

dentro de um contexto globalizado, a crise brasileira é conseqüência da crise do pacto pós

fordista. O segundo ângulo, complementar ao primeiro, afirma que a crise é o resultado do

esgotamento das possibilidades de um modelo de desenvolvimento que se tornou

anacrônico.

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61

Enquanto no primeiro ângulo a abordagem é globalizante, no segundo são

mais focalizadas as peculiaridades decorrentes de políticas econômicas feitas desde a época

do Estado Novo no Brasil. Ambos se complementam ao tratar facetas distintas do mesmo

fenômeno.

2.1.5.1 A crise como conseqüência da crise do pacto pós -fordista

Souza e Silva afirma que não existe no Brasil um modelo de regulação

definido de forma clara como nos outros países ocidentais. Nos países desenvolvidos os

períodos de transição e vigência dos modelos de regulação foram claramente percebidos.

No Brasil, entretanto, a situação pode ser explicada como o resultado da vigência

íncompleta dos modos de regulação. A conseqüência mais visível desse fato é a impressão

de um contínuo, prolongado e interminável processo de transição.

As estruturas institucionais que tem como função estabilizar o regime de

acumulação não se cristalizaram. As premissas do pacto fordista foram estabelecidas no

Brasil de forma deturpada. Essa deturpação deu-se pela ínserção tardia do Brasil no

contexto internacional e pela exclusão do jogo de poder de diversos atores sociais.

Antes que a construção fordista estivesse estabelecida e os dilemas e

contradições inerentes a ela tivessem sido equacionados, o Brasil teve que enfrentar

desafios que nos países centrais foram enfrentados com uma conjuntura interna bem mais

favorável.

Dentro desse contexto, composições instáveis, contraditórias e segmentadas

viabilizaram-se temporariamente como coalizão vigente. Essas composições sustentaram

conjuntos de instituições que representavam modos de regulação incompletos. Esses

modos de regulação foram incapazes de estabilizar, dos pontos de vista político,

econômico e estrutural, as crises resultantes de nossa inserção tardia e periférica no regime

de acumulação internacional vigente.

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Existe hoje no Brasil um projeto de regulação fordista abortado com

estruturas que jamais foram totalmente implantadas91 . Contraditoriamente ainda existem

anacronismos nunca suplantados. Eles formam um trinômio composto pelo cartorialismo,

corrupção e c1ientelism092 •

Como conseqüência de sua temporalidade tardia, esse projeto sofre

pressões internas e externas. As pressões geradas internamente são originadas na rigidez

burocrática, no forte corporativismo e na persistente crise fiscal. As pressões de origem

externa são as provenientes do discurso político da modernidade.

Para enfrentar os desafios da flexibilização do modo de regulação é

necessário aprender a produzir com qualidade, aumentar a produtividade da economia

como um todo e assimilar o surgimento de uma feroz e quase darwiniana competitividade

no comércio internacional.

Em termos de produção coexistem no Brasil estruturas de produção distintas

entre si. A primeira é tipicamente fordista. Com produção em massa, penetração no

mercado nacional e internacional é integrada por grandes empresas e redes de fornecedores

de menor porte. A segunda estrutura é composta por organizações arcaicas e setoriais.

As estruturas fordistas estão distribuídas pelo que poderia ser definido como

ilhas geográficas e setoriais. Apesar da maior dimensão geográfica do anacronismo, a

estrutura fordista é dominante93 .

o Brasil também apresenta uma situação ambígua em termos de consumo.

Existe um legião de excluídos cujo padrão dc renda corresponde ao nível de subsistência

convivendo ao lado de uma minoria que detém quase toda a renda disponível para o

consumo. Esse quadro inviabiliza o surgimento de um forte mercado consumidor, base da lógica do regime de acumulação fordista.

9\ SOUZA E SILVA, C. E. Op. cil 92 FAORO, R. Os 40mb! do poder. Poria Alegre, Globo, 1957. 93 SOUZA E SIL VA, C. E. Op. cil

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A cultura do consumo disseminada pelos meios de comunicação e pelo

efeito demonstração faz com que, mesmo entre os excluídos, sejam aceitos os padrões de

comportamento e identificação da sociedade de consumo. Na verdade os excluídos são um

grande grupo de consumidores virtuais frustrados por terem sua capacidade de realização

de desejos reprimida de forma estrutural94 .

As estruturas formais de organização de interesses políticos são ambíguas.

Os sindicatos e associações patronais são segmentados setorial e regionalmente,

espelhando a heterogeneidade de sua composição. Os sindicatos de trabalhadores, ainda

marcados pelo c1ientelismo e pelo peleguismo, ainda hoje estão divididos entre o

sindicalismo de resultados e o sindicalismo ativista típico. Na Europa, onde a atuação dos

sindicatos ficou clara com o papel predominante exercido no estabelecimento do pacto, o

sindicalismo de resultados consolidou-se como predominante.

No campo político os partidos políticos primam pela ambigüidade

correspondente às estruturas que representam. A composição de seus interesses eleitorais e

de financiamento assim o exigem. Talvez com a exceção do PT, que teve origem no

sindicalismo e evoluiu naturalmente para a arena política, os outros partidos estão mais

ligados ao anacronismo do que se pode supor.

A integração dessas estruturas anacrônicas representa o chamado pacto pós

fordista à brasileira. Ele viabiliza as alianças instáveis, essenciais à estabilização relativa e

temporária do modo de regulação transitório, características da integração periféríca95 .

Esse é o cenário em que foram implantadas as estruturas fordistas no Brasil.

Desse cenário faz parte o sistema de empresas estatais. A estratégia utilizada pelo Estado é

muito semelhante à italiana, na qual se buscava por meio das suas estruturas integrar e

apoiar o grande e o médio capital em um projeto de desenvolvimento. Por outro lado o

94 FARIA, V; SILVA, P. L. B. TransfOrmações estruturais po/itica social e dinâmica demográfica- discussão de um cqso Bravil 195Q-80. In: Memória do Congresso Latino-americano de população e Desenvolvimento. México, Unam, Colégio do México, Pipsal, /983, v. 2. 95 SOUZA E SILVA, C. E. Op. cit

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Estado tentou integrar, através de políticas sociais compensatórias de cunho geral, a versão

pobre do cidadão/trabalhador.

o arranjO político que apoiava essa tentativa de construção fordista era

extremamente contraditório. Em primeiro lugar, ele tinha lugar dentro de um contexto

bastante autoritário que tentou integrar atores cujas bases estruturais estavam no

clientelismo arcaico que o projeto pretendia ultrapassar. Em segundo lugar, a estrutura

sindical, essencial à montagem de um pacto fordista, nunca recebeu durante o autoritarismo

esse papel, devido à forte oposição histórica dessa estrutura ao regime que se instalava.

Dessa forma, se viu excluída. Com o restabelecimento da democracia, o sindicalismo

retomou dividido. Formas de luta que deveriam ser consecutivas no tempo se tomaram

simultâneas, o que enfraqueceu o movimento sindical como um todo.

A crise do Estado brasileiro, tanto em termos fiscais quanto estruturais,

tomou-se ainda mais complexa pela transição democrática e pelas pressões da competição

global que caracterizam o presente momento histórico. Além disso muitos interesses

conflitantes se contrapõem em tomo das proposições de reforma de Estado e da forma de

gestão do setor público. No entanto não se conseguiu formar um pacto político que desse

sustentação à reforma efetiva.

o primeiro desses interesses está ligado ao clientelismo arCaICo.

Normalmente de natureza regional, se opõe a qualquer reforma racionalizadora que tente

aprofundar as estruturas fordistas. Essa resistência é maior em suas áreas de influência e

volta-se apenas a ampliação do segmento spoil system96 da ação estatal. Essa atitude visa

atender às suas reivindicações pontuais e reproduzir o sistema de clientela.

o segundo grupo de interesses é o segmento de elite de funcionários do

Estado. Por ter condições de trabalho e influência muito especiais, esse grupo plantou as

sementes do corporativismo estatal. Atualmente esse segmento teme a perda de prioridade

96 WEBER, MAX. Economía y sociedod. Op. Cito O spoi! system é definido como o segmento do Estado reservado para barganhas políticas que usem como moeda de troca cargos públicos.

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e de sua condição privilegiada como agente da ação estatal. Apesar de perceber a

necessidade de uma reforma do Estado e das formas de sua gestão, esse grupo está

desiludido e assustado com a inépcia político-administrativa dos reformadores

voluntaristas97 .

o grupo dos sindicalistas viu-se roubado pela vigência incompleta do

fordismo e pela perda de conquistas imaginadas definitivas. Sendo válidas as experiências

européias, a segmentação e flexibilização das relações de trabalho na crise econômica que

j á se estende por alguns anos prenuncia o enfraquecimento dos sindicatos como

instrumentos de representação política.

Os fenômenos de terceirização no trabalho, consumo de massa, confronto

entre padrões de consumo de primeiro e terceiro mundo e utilização dos insumos do setor

produtivo estatal ajudam a complementar o quadro de interesses emjogo.

97 SOUZA E SILVA, C. E. Op. cit

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2.1.5.2 A crise como o resultado dafalência do modelo adotado no Estado

Novo

A crise no Brasil pode ser entendida como o resultado da associação de um

conjunto de fatores que levaram o Estado à falência. O setor público perdeu a capacidade

de investir, intervir e agir de forma direta e indireta. Castor afirma que a degradação foi

democraticamente distribuída, não poupando nenhum segmento do aparelho estatal98 .

O modelo de Estado no Brasil teve sua origem na estrutura implantada por

volta de 1930. Esse modelo entrou em colapso em um quadro composto por crônico

desajuste fiscal, corrupção pandêmica e desvalorização da cidadania , da vida, da educação

e da saúde.

A revolução de 1 930 implantou no Brasil um modelo de desenvolvimento

que tinha o Estado como principal condutor. Este modelo caracterizava-se pela forte

presença do Estado na vida do país, pelo controle estrito e pelo planejamento estratégico do

desenvolvimento.

O Estado caracterizou-se pelo controle social excessivo e pela administração

opressiva e caricata. Implantado como resultado de um movimento revolucionário, este

modelo embutiu em sua estrutura forte componente de autoritarismo que permeou todo o

período de sua vigência.

O esgotamento deste modelo de desenvolvimento expôs suas limitações e

provou sua inviabilidade. O Estado não foi capaz de dar respostas adequadas a uma série

de eventos que emergiram, como se mostra a seguir.

Em primeiro lugar, a crise do petróleo, cujo peso foi preponderante por

deixar clara a precariedade da estrutura fiscal do Estado. Para fazer frente às crescentes

despesas com a conta petróleo o Brasil, ao invés de fazer um ajuste estrutural, recorreu ao

98 Idem, ibdem.

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endividamento externo, então barato e abundante. O desequilíbrio resultante se perpetuou

durante a década de 70. No início dos anos 80, exaurida a capacidade de financiamento por

créditos externos, desencadeou-se a debt crisis.

A rápida internacionalização e desregulamentação da econorma

internacional chocou-se frontalmente com a incapacidade dos legisladores, dos orgãos de

controle e da burocracia de dotar o Estado de mecanismos de atuação ágeis e dinâmicos.

A indefinição acerca da inserção da economia brasileira no emergente

processo mundial de globalização econômica ajudou a estender o prazo para qualquer

reação estruturada e racional do país a mudanças no cenário internacional.

Um outro fator relevante neste processo de falência do Estado foi a inflação

crônica que se instalou no Brasil. Este processo inflacionário aliado ao persistente

desequilíbrio orçamentário erodiu paulatinamente a capacidade do Estado de investir e

prestar serviços. A instituição da correção monetária foi extremamente criativa, no sentido

de dar sobrevida ao desajuste orçamentário do Estado, através da correção dos débitos

fiscais. Com o passar do tempo, porém, levou ao crescente empobrecimento do setor

público. Isso porque os agentes econômicos privados começaram a beneficiar-se da

indexação financeira, gerando lucros com a inflação, enquanto o mesmo não ocorreu com o

Estado.

A situação descrita acima deu início a um processo de transferência de renda

do setor público para os agentes privados. Como nem todos os agentes privados tiveram o

mesmo acesso aos mecanismos de indexação, a renda nacional disponível concentrou-se

nas mãos dos agentes que se beneficiavam da inflação . Os maiores prejudicados foram a

arrecadação fiscal nas diversas instâncias de governo e os salários.

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Além dos problemas fiscais e gerenciais , que levaram o Estado a pagar a

inflação antes de a arrecadação tributaria refleti-la99 ; sua capacidade decisória sofreu as

seqüelas do clientelismo , do corporativismo, do populismo e da corrupção.

o clientelismo provocou o inchaço desordenado dos quadros da

administração pública. O corporativismo criou e perpetuou privilégios injustificáveis para

alguns setores com maior poder político de barganha dentro dos quadros das empresas

estatais à custa do contribuinte. O populismo aposentou precocemente milhões de pessoas

através de leis de favorecimento ou a simples ausência de controles previdenciários. Por

fim, a corrupção disseminou-se em todos os níveis gerando uma relação incestuosa entre o

Estado contratador e segmentos de fornecedores privados de bens e serviçoslOO .

A falência do Estado brasileiro teve também a contribuição de terapias de

combate à inflação baseadas sistematicamente em recessão e em políticas de juros

elevados.

Em nenhum momento foi feito esforço sistemático para repensar o modelo

do Estado em suas bases filosóficas. Não foram questionados o modelo empreendedor,

nem o modelo econômico de substituição de importações e de isolamento comercial.

Ao longo do tempo, as medidas corretivas foram tomadas. Tiveram apenas

caráter gerencial e administrativo. Seus objetivos eram superar as dificuldades

operacionais existentes mas sem enfrentar o problema principal em suas causas.

Se nas décadas de 30 e 40, as ações corretivas traduziram-se na criação de

autarquias na administração direta, nas décadas de 60 a 80, observou-se a expansão da

administração indireta e descentralizada com a criação das as empresas estatais. Isso

provocou profunda transformação da gestão administrativa do Estado.

99 CASTOR , BELMIRO V. J. Op. cito 100 Idem, ibdem.

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Os dois modelos - as autarquias da administração direta e a as empresas

estatais da administração indireta - firmaram-se como burocracias insulares. Os quadros

humanos e a forma de remuneração eram específicos. As receitas eram definidas de forma

adequada e os procedimentos operacionais não tinham as amarras normalmente seguidas

no restante da administração pública. Tais cuidados tiveram por objetivo restaurar a

capacidade de atuação em setores específicos. Dessa forma evitou-se repensar de forma

mais profunda a atuação e a estrutura da administração pública.

BerteroIO! ressalta que a decisão de expandir a administração pública

através das autarquias e, mais recentemente pela administração indireta, com as estatais,

indicava o reconhecimento do fim de um ciclo. O Estado, através da administração direta,

estava no fim um período de expansão do número de funcionários e de orgãos públicos, no

que pode ser chamado de ciclo clássico! 02 . Não era mais capaz de atender com agilidade,

flexibilidade, presteza nem criatividade as demandas e as pressões geradas pela opção

desenvolvimentista.

Com a multiplicação das empresas estatais foi necessária a criação de

instãncias integradoras de sua atuação. Uma dessas instâncias foi a holding setorial. A

função principal das holdings foi impor a autoridade supra-empresarial no planejamento.

As resistências a esse tipo de controle foram vencidas com a delegação às holdings da

alavancagem de recursos para o financiamento setorial, intermediando avais do tesouroI03

Esse arranjo começou a esfacelar-se a partir da década de 70 com a crise

fiscal do Estado. Uma das causas dessa crise foi a utilização das empresas estatais como

alavancagem de endividamento. Esse fato tornou indissociáveis o problema das fmanças

estatais e a divida pública

101 BERTERO, C. O. Administração míhlica e administradores. Perspectivas históricas e eventos recentes. Brasília : Funcep. 1985. 102 MARCELINO. G. F. Evolucão do Estado e reforma administrativa. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1987. 1 03 ABRANCHES, SÉRGIO. Governo emoresa estatal e oo/ítica siderúrgica no Brasil. Rio de Janeiro, Gesp/ Finep, 1977.

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70

Com a continuidade da crise fiscal a estratégia utilizada para administrar as

empresas estatais foi o controle estreito de sua operação. As empresas, por outro lado e

quando possível, reagiram a essa tentativa de tutela defendendo a sua autonomia

institucional. Essa reação explicitou-se pela subversão dos muitos sistemas de controle

através do pacto corporativo interno. Criou-se dessa forma um conflito latente de interesses

entre o Estado interventor, sujeito das políticas governamentais e o Estado empresário, seu

instrumento de implementação.

Este tipo de conflito é descrito em detalhes por Vickers e Y arrona 104 . Ele é

denominado conflito entre principal e agent e está potencialmente presente em soluções

institucionais baseadas na autonomia dos agentes. A administração do conflito é feita por

meio de um sistema de incentivos e sanções por um lado, e de supervisão e controle, por

outro. O objetivo principal é compatibilizar as funções de utilidade de todos os atores

sociais envolvidos no arranjo institucional no qual a empresa está inserida.

O acirramento da crise aumentou a tensão existente devido a progressiva

dificuldade de financiamento do setor público e ao papel atribuído às empresas estatais nas

estratégias de estabilização. Aconteceram desgastantes escaramuças intraburocráticas que

prejudicaram profundamente a atuação do Estado como um todo, a eficácia de suas

políticas e a eficiência da implementação destas pelas empresas estataislO5 .

O esfacelamento da autonomia das arenas setoriais e o redirecionamento da

representação de interesses para uma estrutura política frágil alterou o comportamento dos

atores políticos. Esses atores passaram a buscar outros tipos de inserção na máquina do

Estado para defenderem seus interesses corporativos.

Devido às dificuldades para conciliação e integração dos interesses

corporativos em nível mais geral, surgiu forte pressão para a ampliação do que Weber

chama de spoil sysfeml06 político. Isso ocorreu devido a deslegitimação política dos atores

104 VICKERS. J.; YARRONA, G. Priyatization and Economjc Analysis. London, MIT. 1988. 105 SOUZA E SIL VA, C. E. Op. cito 106 WEBER, MAX Economia v sociedad. 2" edição. México, Fondo de Cultura, 1979.

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7 1

estatais, tanto as agências de planejamento, coordenação e controle, quanto o sistema de

empresas estatais. Essa conjuntura criou o ambiente político adequado ao fortalecimento

ideológico das opções liberais do Estado mínimo.

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2.2 A ciência e a tecnologia

E tu, Daniel, encerra estas palavras e sela este livro, até ao fim do tempo; mui/os o examinarão, e o conhecimento se multiplicará.

Daniel 12 " 4

72

Esta seção aborda a questão da ciência e da tecnologia e descreve como é

feita a sua institucionalização no Ocidente. Discute a sua natureza e principais vertentes: a

pesquisa básica e a pesquisa tecnológica. São identificados os papéis desempenhados pelo

setor de C&T dentro de um contexto de crise do Estado. São apresentados diversos pontos

de vista a cerca de sua natureza e evolução desses papéis ao longo do tempo.

O processo de inovação tecnológica é descrito e exemplificado com a

descrição de dois estudos que avaliaram casos de sucesso e fracasso. Atenção especial é

dada ao projeto SAPPHOI07 , conduzido na Inglaterra. Esse projeto pode ser considerado

um paradigma em estudos sobre inovação tecnológica.

É discutido o processo de globalização e suas interações com a ciência, a

tecnologia e o papel do Estado como gestor de políticas tecnológicas.

A seção termina com um breve histórico e a descrição da organização da

ciência e da tecnologia no Brasil.

107 SAPPHO / Scientific Activity PrediclOr from Pallems with Heuristic Origins - Indicador de atividade científica a partir de padrões de origem heurística.

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73

2.2.1 A institucionalização da ciência no Ocidente

A percepção e interpretação de diversos fenômenos através da história

contribuiu para a criação da tradição intelectual de muitas civilizações. A ciência é uma

dessas tradições criadas pelo acúmulo de percepções dos membros de uma sociedade.

Entretanto, a ciência é uma tradição atípica pois possui a característica de ser

comunitária108 . No Ocidente a comunalidade da ciência reflete-se através da participação

generalizada dos cientistas em seu processo criativo. Não somente a ciência é praticada em

todas as sociedades mas seus participantes são receptivos às idéias de qualquer ponto do

mundo. Cientistas localizados em pontos remotos comunicam-se entre si através de um

processo globalizado de geração da ciência.

Esse tipo de globalização surgiu muito recentemente. Segundo Schott, até o

século XIX a tradição científica estava limitada e centralizada na Europa onde nascera

alguns séculos antes. A generalização e a institucionalização da ciência emergiram no

século XX, através da apreciação, legitimação e concessão de autonomia para as atividades

científicas. O passo seguinte foi a criação de arranjos institucionais que permitissem a

participação global 109 •

Na Europa, durante o século XVII, a atividade científica resumia-se à busca

do conhecimento dos fenômenos naturais. A ciência começava a ter legitimação,

apreciação e autonomia. O controle era exercido pelo clero e respeitava os dogmas

impostos pela Igreja acerca do conhecimento natural . Essa situação perdurou até o

surgimento de um movimento que postulava uma fé utópica no progresso através do

aumento do conhecimento empírico aplicado ao controle e exploração da natureza. Esse

108 SCHOTT. THOMAS. Performance, specia/ization and international integration Df science in Brazi/: changes and comparisons with other La/in American coun/ries and Israel. In: Science and Technologv in Erazil' A New Po/iCY (or a Global World Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 1995. 109 SCHOTT. THOMAS. Op. cito

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movimento científico afirmava que era legítima a busca da verdade através do

questionamento empírico e que essa busca deveria ser estimulada.

Inicialmente o movimento foi bem sucedido na Inglaterra. Conquistou

legitimidade para a ciência como uma tradição cognitivamente distinta de outras tradições

intelectuais como a filosofia, as artes e a teologia. Os políticos e religiosos concederam a

esse movimento considerável autonomia e autoridade como fonte de verdades juntamente

com a Bíblia. A institucionalização obtida na Inglaterra foi imitada em outras sociedades

do continente europeu. Essas sociedades apesar de politicamente antagônicas e

descentralizadas eram culturalmente bem sintonizadas e competiam por hegemonia através

da cultural 10 .

A pesquisa empírica tomou-se muito apreciada e conquistou apoio, respeito

e autonomia em relação ao controle efetuado por outras esferas. Diferenciou-se de outras

atividades por estabelecer arranjos organizacionais únicos que possuíam três características

importantes.

A primeira característica foi a criação de um novo papel social, identificado

pela vocação para a pesquisa. A segunda foi a formulação de uma política de atuação que

condicionava a legitimação do conhecimento e sua disseminação ao desempenho no

trabalho de novos adeptos recrutados e treinados. A terceira, e mais importante, foi a

utilização da legitimação do conhecimento para recompensar o desempenho, regular a

comunicação e disseminar arranjos estimuladores da participação independentemente de

distâncias, crenças e divisões sociais.

Essa nova tradição recebeu o nome de ciência e ao papel social de seus

adeptos deu-se o nome de cientistalll . A ciência recebeu recursos para a criação de

laboratórios, bibliotecas e para o sustento das pessoas que desempenhavam esse novo

papel.

1 1 0 Idem, Ibdem 1 1 1 Idem, Ibdem

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Diversos dos chamados cientistas passaram a trabalhar em universidades.

Por volta do século XIX, principalmente na Alemanha, a pesquisa científica foi adotada

como uma das atividades principais das universidades juntamente com o ensino. Apesar de

estar ancorada nas universidades, hospitais, museus e outras organizações afins, a ciência

continuou a ser praticada como uma atividade comunitária. Segundo Ben-David, o

estabelecimento de distinção, legitimação e autonomia para o desenvolvimento do

conhecimento é definido como institucionalização da ciêncial12 .

Esse processo de institucionalização ocorreu na Europa Ocidental e Central

e, de forma menos intensa, na Península Ibérica. Após o período das grandes descobertas

marítimas o processo de institucionalização da ciência foi transferido para as colônias

anglo-saxônicas da América do Norte. Essa transferência refletia um processo de

mimetização das metrópoles nas colônias. Ben-David afirma que a institucionalização não

ultrapassou as fronteiras da Europa para o leste, ficando restrito à parte ocidental do

continente. Como havia pouca institucionalização da ciência na Península Ibérica, a

mimetização também não ocorreu na América Latina 1 13 .

A institucionalização da ciência criou o conceito de invariância da natureza

no tempo e no espaço. O conhecimento era concebido como tendo o mesmo valor em

qualquer lugar e de forma independente do cientista que o havia gerado. Começou a haver

o reconhecimento do mérito e os cientistas passaram a ser considerados como

descobridores da verdadel 14 . O conhecimento passou e ser considerado cumulativo e

fundamental no incipiente processo de progresso da humanidade.

Segundo Schott, a doutrina do progresso da humanidade para uma

civilização global deu origem a uma orientação cosmopolita entre os cientistasl 1 5 . A

112 BEN DA VID, JOSEPH. The sciemil!" role in sacie/v- a comparalive s/ud!'. [ 1971] 2u;! ed. Chicago, Universily ofChicago Press, 1984. /13 SCHW A R7ZMAN, S/MONo A snace (or science: lhe develooment ofthe sciemific communilv in Brazil. College Park, Pennsylvania S/a/e Universily, 199/. 1 14 SCHOTT, THOMAS. Op. cil 1 1 5 SCHOTT, THOMAS. World science: globalization of ins/itu/icns and participa/ion. Science Technolof!V & Human Values 18: 196 - 208, 1993.

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76

participação científica devia ser franq ueada a todos os interessados, de qualquer ponto onde

estivessem e o conhecimento resultante deveria ser difundido como um bem coletivo da

humanidade. Essa visão cosmopolita sustentou a difusão do conhecimento e o

estabelecimento de laços acadêmicos através de divisões sociais e grandes distâncias I 16 .

Schott acredita que a fé nas invariâncias da natureza e do conhecimento juntamente com a

orientação cosmopolita dos participantes do esforço científico estabeleceram a base para a

adoção da tradição européia nas civilizações não ocidentais.

o contato com as civilizações não ocidentais deu-se através do

expansionismo europeu. Não havia, a princípio, interesse dos invasores europeus em

disseminar a tradição científica. Através do contato estabelecido, alguns elementos das

sociedades invadidas consideraram as técnicas européias melhores do que as existentes e

julgaram esse novo conhecimento passível de ser adquirido.

Iniciou-se um processo de importação e de criação do conhecimento

científico nessas sociedades não européias. Elementos mandados para a Europa adquiriram

o gosto pela pesquisa e, ao retomar, trabalharam para a criação de organizações científicas.

Entretanto, apesar da institucionalização da ciência ter precedido, e muitas vezes não ter

sido seguida por outros tipos de legitimação existentes na Europa, foram estabelecidos

arranj os sociais para a prática da ciência.

Ao longo do tempo as idéias científicas e os arranjos institucionais sofreram

difusão do centro para a periferia 1 1 7 . No centro eram feitos os trabalhos com maior

reconhecimento, enquanto na periferia os arranjos institucionais eram mimetizados. Os

cientistas localizados na periferia acreditavam na efetividade e na adequação dos arranjos

existentes no centro e os tomaram como padrões em seus próprios ambientes de

trabalho 1 1 8 . Organizações para a prática da ciência foram estabelecidas nessas sociedades

como cópias das organizações existentes na Europa. De forma quase idêntica foram criadas

/ /6 DASTON, LORRAINE. The ideal reality of the Repub/ic of Lel/ers in the Enlightenment. Science in context , (4): 367 - 86, 1991. / / 7 SCHOTT, THOMAS. Op. cito 1 1 8 SCHOTT, THOMAS. Scientific ProduC!ivilJ! and Internationql Integration 'li Smq/l Countries ' mathemqtiq in Denmark and Israel. Minerva, 25: 3 - 20, 1987.

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77

universidades, academias de ciências e mobilizados recursos através de contratos para a

pesquisa. Importante também foi a associação da ciência com melhor educação.

A ciência tomou-se objeto de controle e supervisão através de uma rede de

organizações multilaterais de controle e aporte de recursos. A UNESCO, a OECD e o

Banco Mundial atuaram como instrumentos de regulação e de formulação de políticas

científicas através do apoio seletivo aos esforços nessa área. A política de supervisão e

controle desses órgãos estimulou a participação comunitária nesse esforço global. Cada

cientista, apesar de não saber o que a maioria de seus pares fazia, foi estimulado a

participar da tradição coletiva da comunidade global 1 19 •

Para melhor entender a participação de um país na área científica é

importante entender o conceito de comunidade cientíjica nacional. Essa comunidade é a

organização informal dos cientistas de cada país em uma rede para troca de informações

com cientistas de outros países. Os laços com os cientistas de fora moldam a forma da

participação do país no mundo científico. A participação individual pode ser descrita pelo

conceito de círculo social. O círculo social de cada cientista é composto por todos os

contatos próximos e distantes significativos para o desempenho de seu trabalho. A reunião

de todos os círculos sociais em um país cria a rede nacional e a reunião de todas as redes

nacionais abre o caminho para a criação de uma rede global de ciência 120 .

A despeito de todo o aparato institucional criado, a real natureza da ciência

não estava clara. Era necessário determinar a utilidade do estoque de conhecimento criado

e acumulado. O ponto de partida foi a percepção da existência de uma segmentação do

estoque de conhecimento acumulado em duas grandes áreas interdependentes: ciência e

tecnologia. O processo de institucionalização da ciência somente se completou com a

discussão da natureza e dos papéis inerentes a cada um desses segmentos da atividade

científica.

JJ9 ANDERSON, BENEDICT. {ma�inedCommunjtjes. London. Verso, 1983. 120 SCHOTT, THOMAS. Op. cito

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78

2.2.2 A natureza da ciência e da tecnologia

Em função da aplicação cada vez mais disseminada do método científico às

ciências naturais e sociais o estoque de conhecimento da sociedade contemporânea tem

crescido de forma acentuada. Está havendo uma verdadeira inundação de idéias, traduzida

pelo aumento do número de publicações existentes e pela velocidade de circulação das

idéias. Entretanto, a validade desse crescente estoque de conhecimento tem sido muito

questionada.

Alguns autores, por exemplo, argumentam que tem sido de pouca valia para

a sociedade atual por sua utilização estar sendo condicionada pelo chamado paradigma

centrado no mercadol21 . Para tais autores esse paradigma tem impedido que os

incrementos no estoque de conhecimento disponível se traduzam, de forma mais efetiva,

em aumento significativo e consistente do nível de bem estar social.

Um ponto que merece destaque é a percepção de que o estoque de

conhecimento disponível fornece, entre outros, dois subprodutos que polarizam o interesse

da humanidade e motivam uma injeção maciça de recursos para o seu desenvolvimento.

o primeiro destes subprodutos - o entendimento do mundo fisico - é

imaterial e sujeito a avaliações subjetivas. Através da fisica e da matemática e suas

expressões, tais como a relatividade geral, a genética ou a mecânica quântica, pode-se ter o

senso de compreensão e o domínio dos processos que explicam a trajetória do universo.

Esta questão suscita debates acalorados entre cientistas acerca desta suposta

onicompetência122 da ciência.

Mary Midgley afirma que a ciência tem imposto limites estreitos ao domínio

de seu discurso e muitas perguntas e questões filosóficas e sociológicas devem permanecer

121 CAMPOS, ANNA MARIA. Contribuição pqra Q rm,gate da relevância do conhecimento para a administrqcão Trabalho apresentado no seminário "Novas concepções em administração e desafios do SUS: Em busca de estratégia para o desenvolvimento gerencial, Rio de Janeiro, 1990. /22 A TKINS, PETER. Will Science Ever Fai/?, NewScjentist August, 8, 1992, pp 32 - 35.

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fora de seu escopo de trabalho 123 . Ao questionar as reais fronteiras da ciência, Midgley não

ataca diretamente as teorias físicas. Ela acredita que as teorias são demasiado acadêmicas

para justificar o excesso de confiança na ciência. Ela prefere acreditar que o problema tem

suas origens nos sucessos tecnológicos, sinais exteriores mais evidentes da efetividade da

ciência.

Por outro lado, Atkins acredita que as limitações impostas à ciência

decorrem da necessidade de estreitar a amplitude do que é estudado para poder-se atingir

um entendimento satisfatório dos problemas abordados. Acredita que, cedo ou tarde, com o

progresso, todas as questões serão englobadas no escopo da ciência. Para Atkins, o

progresso ininterrupto da Ciência fundamenta a crença de que a ciência é realmente

onicompetente e está, apenas temporariamente, bloqueada em algumas áreas à espera do

desenvolvimento das ferramentas teóricas necessárias para continuar o seu avanço 124 .

o segundo subproduto do estoque de conhecimento é a tecnologia. Ela pode

ser medida de forma objetiva e têm implicações econômicas e sociais substantivas.

Diversos estudiosos já analisaram a questão da geração de tecnologia e as implicações de

sua transferência. Este problema já foi abordado por economistas, sociólogos,

antropólogos, engenheiros, empresários e teóricos do comportamento e da ciência política.

Existe tanto uma taxonomia como um conjunto amplo de abordagens possíveis acerca da

tecnologia. O ponto fundamental é ter em mente que tecnologia, por sua natureza

multidisciplinar, requer tanto abordagem ampla como o entendimento de todas as suas

implicações nos campos econômico, político e social.

Apesar de sua natureza multidisciplinar, podem-se propor duas grandes

abordagens para melhor compreender o papel da tecnologia no mundo contemporâneo. A

primeira abordagem é técnica, funcional e reflete o pensamento de economistas,

engenheiros e administradores. A segunda abordagem é sociológica, pouco instrumental e

interpretativa.

123 MIDGLEY, MARY. Can Science Save fts Soul?, New Scientist. August, l, 1992 124 ATK1NS, PETER. op. cito

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80

Na abordagem funcionalista os economistas entendem a tecnologia como

um dos insumos mais importantes para o desenvolvimento econômico. Adam Smith foi

dos primeiros a examinar a tecnologia de fabricação em 1 776. Karl Marx e Schumpeter125

vislumbraram na tecnologia o motor do crescimento econômico. Abramovitz e Solowl26

confirmaram evidências do impacto das mudanças tecnológicas na economia.

Muitos economistas em seus estudos e modelos tratam a tecnologia como

fator exógenol27 . Outros, entretanto, tratam-na como fator endógenol28 • Para os

economistas, definir a tecnologia de formas diferentes resulta em modelos econômicos que

levam a conclusões diferentes.

Para os administradores, a tecnologia é vista como um ativo estratégico 129 .

É uma das forças mais importantes na estratégia competitiva, podendo alterar métodos de

fabricação e determinar as vantagens competitivas das organizações. Nesse contexto

estratégico, tem sido utilizada para melhor situar econômica e socialmente indústrias,

regiões e países. Por este enfoque ela seria componente fundamental para ajudar a

modificar os sistemas de valores e a cultura de uma sociedade, impondo novos padrões de

satisfação, consumo e viabilizando novos mercados 1 30 .

A abordagem interpretativa têm como uma de suas teses a descoberta de

novos caminhos para abordar antigos problemas. Essa abordagem é utilizada

principalmente por sociólogos e teóricos das organizações. A tecnologia é encarada como

um dos fatores determinantes de inovações que permitem aos indivíduos ou organizações

utilizar novas alternativas e novos meios para a solução de problemas. É preferível

115 MARX, K. Capital Vol. 1, London: Lawrence and Wishart, 1874. 126 SOLOW, R. Technical Change and Aggregate Production Function, Review ofEcQnomicis and Statistics pp 3/2 - 320, August, 1957. 127 RODR1GUEZ, C. A. Trade in Technical Knowledge and the National Advantage, Joumal Q/ PoliticalEconomy Vol. 83, pp 121 - 135, 1975. 128 FEENSTRA, R. C. Tarifft, Technology Transfer and Welfare, Journal QfPolitical Economy Vol. 90, pp. 1142 - 1165. /29 DRUCKER, PETER F. The Discipline of 1nnovation, Hqrvard Bus;neS! Revjew Vol. 63, pp. 67 - 72, May/ june, 1985. 130 PORTER, M1CHAEL E. Vantagem Comnetitivq Ed. Campus, 4q edição, 1989, Rio de

janeiro.

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8 1

questionar a relevância dos problemas que devem ser atacados através do uso de

determinada tecnologia antes de chegar ao ponto de opção entre alternativas tecnológicas

disponíveis.

Alguns autores questionam a sua validade por entender que nem todas as

inovações e tecnologias são desejáveis, apesar de concordar em que elas têm papel muito

importante na sociedade. Pode-se entender também, por esta abordagem, que determinada

tecnologia pode ser aceitável para determinado cenário, em uma situação específica e ser

totalmente desaconselhavel em outra situação.

Esta adaptação da tecnologia ao contexto social é muito bem abordada por

Wykle quando afirma que os produtos não devem ser desenvolvidos independentemente

dos mercados que os utilizarão, nem mercados devem ser criados artificialmente para

viabilizar produtos. A produção deve direcionar-se para produtos não agressivos,

ecologicamente adequados ao meio ambiente e efetivamente demandados 1 3 1

A conseqüência mais importante dessa abordagem interpretativa é a

percepção da não neutralidade da tecnologia. Ela não pode ser utilizada ignorando-se o

contexto social. A conveniência econômica e social da utilização de determinado conjunto

de tecnologias somente pode ser avaliada a partir do conhecimento de todos os aspectos

relevantes que condicionam ou influenciam a sua utilização. A proposta é encarar a

tecnologia, a sociedade e o homem como formadores de um sistema único, evolutivo e

organicamente integrado.

Fazendo o contraponto entre as duas abordagens acima descritas, pode-se

ver que a abordagem funcionalista, guiada pelo paradigma centrado no mercado, situa a

tecnologia dentro de seu papel na organização. Entretanto, fica limitada a partir do

momento em que se deseja fazer a avaliação do comportamento e do papel das

organizações dentro da sociedade de forma mais ampla, à luz do paradigma holístico

131 WYKLE, LUC/NDA. Social Responsabilities 01 Managers. Journal ar Manaf'iment Development VoU I n04. 1992, pp49-56, MCB University Press.

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emergente. Justamente neste ponto a abordagem interpretativa torna-se mais interessante,

porque permite entender e situar de forma muito mais ampla o papel da tecnologia na

organização e na sociedade, incorporando os contextos social e político.

Como, no momento, não se pode ignorar completamente as premissas do

paradigma dominante, nem utilizar somente as premissas do paradigma emergente, talvez

possa-se, a partir das aparentes contradições entre as duas abordagens, formular urna

síntese dialética que constitua um passo à frente na tentativa de compreensão da natureza

da ciência e da tecnologia.

Esta síntese não aceitaria totalmente as premissas do mercado nem as

preocupações sociológicas levantadas. Entretanto, abriria a possibilidade de dar aos

usuários da tecnologia papel mais substantivo nos processos de escolha e implementação

de novos produtos ou processos dela derivados, ao mesmo tempo em que viabilizaria o

lucro e a sobrevivência das organizações.

À sociologia e às teorias das organizações é reservado o papel de analisar

interpretativamente as características das organizações que se baseiam em conhecimento.

Elas devem identificar tipologias de configurações estruturais que possuem potencial para a

utilização adequada da ciência e da tecnologia disponíveis num determinado contexto

social.

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2.2.3 O processo de inovação tecnológica

Os termos pesquisa e desenvolvimento (P&D) quando utilizados juntos

descrevem um conjunto de atividades criativas, realizadas de forma sistemática com o fim

de aumentar o estoque de conhecimentos técnicos e científicos. Implicam também na

utilização desse estoque no projeto e realização de aplicações práticas. Considera-se que a

P&D é composta por três subsistemas da atividades: pesquisa básica ou fundamental, a

pesquisa aplicada e o desenvolvimento experimental/32

Segundo Teixeira, nem sempre é possível estabelecer claramente fronteiras

entre cada uma das atividades de P&D. Embora seja verdade que as motivações possam

estabelecer diferenças, ou mesmo que o perfil das pessoas envolvidas possa distinguir o

tipo de pesquisa conduzida, atualmente é cada vez mais dificil fazer a distinção entre elas.

Um projeto de pesquisa que tenha sua origem na pesquisa básica pode evoluir para

aplicações e mesmo para geração de produtos ou processos. Nem sempre será possível

definir claramente os instantes em que as motivações mudaram ou em que, de fato, as

características do projeto foram alteradasl33 .

Como visto anteriormente, os clássicos da economia foram os primeiros a

reconhecer a forte ligação entre progresso científico e desenvolvimento industrial. Se nos

fins do século XIX as invenções científicas não fossem transformadas em produtos que

tivessem impacto social elas não teriam passado de mero exercício intelectual e artesanal.

O impacto social ocorreu porque empresas como a r . G. Farben, Hoechst, Bayer, Dupont e

r. C. r. desenvolveram e lançaram comercialmente produtos baseados nas invenções

realizadas 134 . Entretanto é necessário distinguir entre invenção e inovação.

/32 FREEMAN, C. The Economics Q(fndu<!rial lnnovalion. Middlessex: Penguin 8ooks. 1974. 133 TEIXEIRA. DESCARTES DE SOUZA. Pesquisa. desenvolvimento experimental e inovação industrial: motivações da empresa privada e incentivos do setor público. In: Administração em Ciência e Tecnologiq_ Coordenação de Jacques Marcovitch, Editora Edgar Blficher LIda. Rio de Janeiro. J 983. /34 TEIXEIRA. Op. Cito

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Quando uma invenção é concebida, fruto de uma atividade sistemática de

P&D ou resultante da experiência e da habilidade prática de alguém, não entra

imediatamente no processo produtivo. Para Teixeira, muitas invenções não passam sequer

dos estágios de concepção e desenvolvimento experimental. Algumas, são posteriormente

abandonadas sem maiores conseqüências, mesmo atingindo o estágio de protótipo.

Quando a invenção ultrapassa todas essas etapas intermediárias e atinge o

estágio final do processo produtivo, impactando diretamente a sociedade, está-se diante de

uma inovação. A inovação pode incorporar diversas invenções ou descobertas científicas.

Cooper descreve a inovação como um empreendimento que toma a invenção e transforma­

a em tecnologia comercialmente útil. Para ele não existe retomo comercial de uma

invenção, a menos que seja seguida por uma inovaçãol35 .

Essa idéia é compartilhada pelos economistas. Para eles a invenção é distinta

da inovação pelo fato de um projeto conjunto de ações não constituir inovação enquanto

não atingir o mercado sob a forma de produto ou processo. O processo é chamado de

cadeia de inovação ou processo de inovação. As características desse processo são a

utilização de procedimentos que envolvem coleta de dados técnicos, definição e

especialização de produtos / processos, P&D, engenharia e marketing.

Diversas tentativas foram feitas para identificar um modelo conceitual que

explicasse o processo de inovação. Essas tentativas esbarraram em fatores que dependem

das peculiaridades de cada projeto, do setor industrial em questão e da natureza errática que

caracteriza as inovações 136 . Estudos como os de Mayers e o projeto SAPPHO são

exemplos de tentativas para a elaboração de uma estrutura conceitual da questão e

merecem ser descritos com mais detalhes.

Mayers e seus associados estudaram 567 projetos de inovação na indústria

americana e formularam um modelo onde o processo de inovação dentro das empresas é

/35 COOPERo C. EconQwic Problemy in assessing lhe ratenl Svçtem. University of Sussex, SPRV, sep, i973. 1 36 TEiXEiRA. Op. Cito

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composto por seis estágios: decisório; formulação de idéias; solução do problema; solução;

difusão pré-comercial e produçãol37 .

No estágio decisório a empresa avalia oportunidades de mercado e

tecnologias disponíveis, percebendo as oportunidades de desenvolver um produto ou

processo. No estágio de formulação de idéias são feitas as definições do projeto. Esse

estágio serve para avaliação de custos e prazos de execução, definição de equipes de

trabalho e divisão de responsabilidades. A solução do problema abrange os esforços

principais em P&D. A solução, contém os trabalhos de engenharia, protótipos e

compatibiliza produção fabricação e marketing. A difusão pré-comercial é o estágio onde é

feito o primeiro teste do produto no mercado. Esse estágio permite que a empresa tenha um

primeiro feedback quanto à inovação. O último estágio é a utilização e difusão comercial

através da produção propriamente dita.

Ao tentar explicar o processo de inovação, o modelo considera a atividade

de P&D como parte de um todo. O sucesso da inovação não depende apenas do êxito da

pesquisa e desenvolvimento dentro da empresa. Os estímulos governamentais não serão

bem sucedidos se não houver estímulos à inovação como um todo. Teixeira considera esse

modelo um bom ponto de partida para abordar a questão por ilustrar a inovação como mais

do que P&D138 .

Conduzido na Inglaterra em 1 968, o projeto SAPPHO teve como objetivo

identificar características diferenciadoras entre casos de sucesso e fracasso em projetos

de inovação tecnológica139 . Em certa medida, aponta algumas singularidades comuns nas

inovações bem sucedidas.

Apesar das diversas críticas ao projeto, alguns resultados, confirmados

posteriormente por outras pesquisas, indicam que o estudo foi válido. Dentre esses

137 MAYERS, S. Successfu/ lndustria/ lnnovations, NSF 19 - / 7. In: Techon% f!Y Transfer and lndustrial lnnovation Washington: National Planning Association, 1967. 1 38 TEIXEIRA. Op. Cito 139 Science Po/icy Research Uni/o Success and Fai/ure in Industrial lnnovation (Projec! SAPPHO), Center for lhe Study oflndustria/ Innovation, London, /972.

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86

resultados podem-se destacar como características mais associadas ao sucesso atenção às

necessidades do usuário e atividade de marketing.

Também estiveram associados aos casos de sucesso o desenvolvimento

experimental, tecnologias e consultorias científicas externas e as redes de comunicação

entre a organização e o meio externo. Por fim, identificou-se que os responsáveis pelo

projeto de inovação em caos de sucesso são usualmente mais seniores e têm maiores

responsabilidades e autoridade que seus correspondentes nos casos de fracasso.

Esses resultados apontam alguns pontos chave no processo de inovação. Por

um lado o processo de inovação é função da percepção da empresa quanto à viabilidade

técnica de uma inovação e à demanda existente. Por outro, é função também da percepção

quanto à tecnologia e informações técnicas e científicas disponíveis. O processo é

estimulado por dois canais de informações : um com informações sobre o mercado e outro

com informações sobre tecnologia disponívej14o .

Detalhe interessante, confirmado pelo projeto SAPPHO e posteriormente

por outros trabalhos, é que significativo grau de percepção das necessidades do mercado é

comum a todos os casos de sucesso. As pesquisas indicam que existe uma propensão, por

parte dos inovadores bem sucedidos, a serem mais sensíveis aos estímulos do mercado do

que às oportunidades tecnológicas: de cada quatro casos de sucesso, três tiveram o

reconhecimento da demanda como principal elemento motivador da inovação141 .

Ponto chave nos processos de inovação observado no projeto SAPPHO é a

importância atribuída pelos inovadores bem sucedidos às interfaces P&D / produção e

P&D / marketing. Os inovadores bem sucedidos têm maior grau de eficiência no

gerenciamento dessas interfaces.

140 0ECD/TNo. Goyernment Policies and Factors Influencing lhe Innoyalive Capabilitv 0.( Smalland Medium Enter:prise. Delf, Nelherland,. may, 1978. 141 OECD/ TNo. Op. Cito

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87

Uma questão significativa foi a correlação entre inovações fracassadas e

oposição interna aos projetos baseada em argumentos comerciais. Depreende-se aqui que o

inovador bem sucedido é eficiente na gestão dos conflitos internos ao corpo técnico de

produção e desenvolvimentol42 .

Tanto o projeto SAPPHO como outros estudos empíricos semelhantes

destacam três aspectos fundamentais que estimulam o processo de inovação industrial:

estímulos de natureza mercadológica, de ordem tecnológica e as condições ambientais ou

clima para a inovaçãol43 . Os estudos também destacam que o processo de inovação é

extremamente complexo e cheio de peculiaridades para permitir a construção de um

modelo conceitual útil e preciso para previsão tecnológica. Teixeira utiliza o exemplo da

Du Pont, que sofreu sérios prejuízos em decorrência disso, para exemplificar esse fato 144 .

Riscos e incertezas são inerentes ao processo de inovação. Eles existem

porque as informações que a empresa manipula são imperfeitas e os projetos utilizam

projeções de condições futurasl45 . O processo de inovação é, por natureza, probabilístico e

depende de muitas variáveis aleatórias. Em muitas ocasiões a organização pode estimar

probabilidades e traçar um curso de ação racional para minimizar riscos e incertezas. As

incertezas são de três categorias: negócios, técnicas e mercadológicas.

As incertezas nos negócios estão vinculadas às decisões empresariais e são

de natureza intrínseca à atividade da organização. As incertezas técnicas refletem as

probabilidades de as especificações técnicas do produto serem atingidas dentro dos prazos

e custos previstos. Por fim, as incertezas mercadológicas têm conexão direta com as

probabilidades de sucesso do produto no mercado a que se destinal46 .

Freeman afirma que os projetos de inovação constituem um classe não

homogênea de eventos que tem seu grau de incerteza variando em função do tipo de

/42 Idem. ibdem. 143 TEIXEIRA. Op. Cito 144 Idem, ibdem. J 45 Idem ibdem. 146 Idem ibdem.

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inovação proposta!47 . Freeman, na verdade, cnou uma tip% gia das inovações. A

classificação indica que quanto mais radical a inovação, mais arriscado o projeto que

objetiva seu lançamento. Organizações conservadoras optam por inovações incrementais

enquanto organizações mais ousadas preferem inovações mais radicais. A maior ou menor

propensão de uma organização a correr riscos, investindo em P&D, é característica

comportamental que pode inibir o processo de inovação industrial!48 .

A teoria neoc/ássica apresenta como axioma uma proposição que diz que a

maximização dos lucros é o objetivo maior das organizações. A base desse axioma é a

suposição de que as informações utilizadas para decisão são perfeitas e a tecnologia é

invariante!49 . Aqui reside o grande desafio da inovação, pois Freeman afirma que a

previsão das estratégias organizacionais é impossível à luz da teoria neoclássica, por serem

instáveis tanto o comportamento do mercado como a tecnologia.

Freeman contorna essas dificuldades analíticas estabelecendo uma

classificação pragmática dos tipos de estratégias adotadas pelas organizações1 SO . Essa

classificação associa a inovação industrial às estratégias possíveis de serem adotadas pelas

organizações. De acordo com a abordagem de Freeman existem seis tipos de estratégias:

ofensiva, defensiva, imitativa, dependente, tradicional e oportunista!S! .

Uma estratégia ofensiva é promovida pela organização que almeja liderança

no mercado e na tecnologia, frente a suas competidoras. Caracteriza-se por excelência

técnica de produtos, agressividade mercadológica e investimentos fortes em P&D.

A estratégia defensiva é utilizada pela organização que espera que suas

concorrentes lancem os produtos e, somente após observar os resultados, lança suas

inovações. Característica de mercados oligopolizados, as organizações defensivas também

são intensivas em tecnologia.

147 FREEMAN, C. Op. Cil. /48 TEIXEIRA. Op. Cil /49 Idem, ibdem. /50 FREEMAN. C. Op. Cil /5/ Idem. ibdem.

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89

A estratégia dependente é típica de empresas institucional e

economicamente submissas a outras firmas. Filiais de multinacionais são um bom

exemplo. Freeman as caracteriza como postos de vendas das matrizes. Seu P&D é centrado

nas matrizes 152 .

Em uma estratégia imitativa a organização reage às mudanças técnicas mas

não tem nenhum interesse em diminuir o gap tecnológico que a separa das líderes de

mercado.

A estratégia tradicional está ligada a setores onde as mudanças se processam

com muita lentidão. O mercado não demanda inovações e nem existe competição acirrada.

Estratégia típica de economias fechadas e com baixo grau de investimento em P&DI53 .

Finalmente, o elenco se completa com a inclusão da estratégia oportunista.

Essa estratégia depende fortemente da habilidade gerencial da organização. Caracteriza-se

por utilizar nichos de mercado criados pelas mudanças rápidas de tecnologias e demandas.

Cada uma dessas estratégias reflete a postura da organização em relação à

liderança técnica do mercado, ao grau de risco desejável e a competição encontrada em seu

meio ambiente. O importante é entender que existem diversas posturas frente às incertezas

da inovação. Entender essas incertezas permite a previsão de reflexos de ações de

concorrentes ou do Estado na estratégia tecnológica da organização.

Teixeira cita um modelo de desenvolvimento tecnológico proposto por

Carrére que aborda questão da influência e do papel do Estado em relação ao problema de

inovação tecnológica. A premissa básica de Carrére é que o Estado dispõe de recursos e

mecanismos de indução ao desenvolvimento de tecnologia no seio da iniciativa privada.

152 Idem, ibdem 153 TEIXEIRA. Op. Ci!

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Alguns desses mecanismos têm a função de induzir o empresariado a assumir riscos. Ele

toma por base as conclusões de Freeman e formula um modelo com diversas hipóteses154 .

Na primeira hipótese propõe que o desenvolvimento industrial é o somatório

dos desenvolvimentos individuais de processos evolutivos independentes. Um desses

processos é a capacitação tecnológica. Na segunda que uma organização pode iniciar sua

vida com qualquer estratégia. Um país, por outro lado, sempre começa a evolução com sua

indústria no estágio tradicional; somente depois, através de processo evolutivo, os outros

estágios serão alcançados. Na terceira hipótese propõe que em uma sociedade, dependendo

do setor industrial escolhido, pode-se observar mais de um estágio. Por fim, cada estágio

considerado não resulta de decisões conscientes de empresariado nem do Estado, mas da

observação a posteriori de fatos, desempenhos e realizações.

o ponto central do modelo de Carrére é a sugestão de que a interação entre

os interesses do Estado e da iniciativa privada pode ensejar em setores industriais a

evolução de um estágio para outro. Também afirma que cada instrumento governamental

tem seus efeitos condicionados pelo estágio da indústria ao qual se aplica.

De forma complementar, Pavitt, ao analisar os países membros da OECD.

concluiu que existem alguns fatores comuns que facilitam o comprometimento das

organizações com a inovação industrial155 . Concluiu que o Estado é o agente responsável

pela criação de um clima ou ambiente capaz de estimular a empresa privada à inovação.

Em um contexto econômico onde o mercado se expande, o capital de risco está disponível,

a política salarial e os incentivos fiscais são eficazes, outros fatores favorecem o

desenvolvimento tecnológico. Pavitt destaca dez fatores importantes nesse processo, no

âmbito da OECD. São fatores de natureza financeira, estrutural e política156 .

154 BRlITON, J. N. H. et ali. The Weakesl Link' a Techn% gical Perspective Da Canadian Industrial under Development. Science Council ofCanada. Ottawa. 1978. 155 PA VITT, K. The Conditions for Succes," in Technological lnnovation. OECD Report. 1971. /56 Uma tabela comparativa dos instrumentos utilizados como parte de politicas de incentivo ao setor de C&T em diversos países pode ser encontrada em TEIXEIRA. Op. Cito pp. 77 - 82.

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91

Os fatores de natureza financeira são os incentivos fiscais, o capital de risco

e os subsídios em P&D. Os fatores de natureza estrutural são a infra-estrutura em ciência e

tecnologia, a mobilidade de pessoal, a transferência de tecnologia endógena e adequado

sistema de informação e documentação. Finalmente os fatores de natureza política são a

filosofia de competição no mercado, as regulamentações, normas e padrões e sistema de

licenças e patentes.

Essa relação não exaure os mecanismos observados nas nações

desenvolvidas. Hagedoon, por exemplo, afirma que quase todos os países europeus

dispõem de programas de assistência técnica e gerencial, ao lado de linhas de

financiamento e auxílio a pequenas e médias empresas subsidiadas pelo Estado157 .

2.2.4 Ciência e Tecnologia e o processo de glohalização

As sociedades pós-industriais possuem características definidas por três

forças básicas: novas dimensões tecnológicas dos processos econômicos e sociais, grande

número de problemas resultantes de avanços econômicos e tecnológicos, que exigem

decisões em um ambiente de crescente incerteza, e rápida transição para um sistema

econômico global caracterizado por novas formas de interdependência 158 .

Essas três forças básicas têm raízes nas mudanças ocorridas ao longo da

história nos sistemas tecnológicos. São relevantes a revolução industrial no século XIX, as

duas grandes guerras mundiais, a guerra fria e a crise energética. Essa cadeia de eventos, na

verdade, pode ser estendida até os primórdios da aurora da humanidade onde começaram as

primeiras interações entre o homem e a tecnologia.

/57 HAGEDOON, J H. ; PRAKKE, F. An Expanded Inventory Qi Public Measures (or Stimulating lnnoyqtiQn in lhe European Communjty with Emphasis on Small and Medium Sized Firms. Apeldoorn, Netherlands, StajJgoup Strategic Surveys, TNO, feb., 1979. /58 FERNÉ, GEORGES. Science and technology in the new world order In: Science and Technologv in Brazil' A New Policy (or a Global World. Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 1995.

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Uma das características da tecnologia é o estabelecimento de alianças entre a

ciência e os sistemas industriais da economia para alcançar objetivos comuns l 59 . Essas

alianças tornaram-se possíveis por meio de quatro desenvolvimentos históricos:

institucionalização da pesquisa, a profissionalização, desenvolvimento tecnológico

aplicado à industria e forte ligação entre ciência e poder.

A institucionalização da pesquisa foi feita através da criação e diversificação

de um sem número de instituições especializadas, entre as quais universidades, laboratórios

industriais e públicos centros tecnológicos e outros. Essas organizações fornecem aos

cientistas uma selva institucional para que cada pesquisa seja desenvolvida no habitat

mais apropriado.

A profissionalização tomou possível a criação de carreuas científicas

profissionais que permitem aos cientistas conciliar a pesqUisa com os seus interesses

pessoais. O desenvolvimento tecnológico aplicado à industria tomou possível o

estabelecimento de uma relação dinâmica entre pesquisa e mercado.

Ciência e poder tomaram-se intimamente ligados. A produção da bomba

atômica pelo Projeto Manhattan durante a segunda guerra mundial é o melhor exemplo

dessa união. Os anos subsequentes testemunharam a crescente instrumentalização da

ciência e da tecnologia pelos detentores do poder e a concentração do aproveitamento de

suas aplicações em uns poucos países ocidentais160 .

Ao contrário de Schott, Femé é mais realista ao afirmar que as capacidades

de pesquisa estão concentradas em um pequeno número de países. Ele constata que mais de

90 % das aplicações de recursos em pesquisa e desenvolvimento foram feitas por países

industrializadosl 61 .

159 JEAN-JACQUES, SALOMON. What is technology? The issue of its origins and definitions. Histo�yandTechnology 1: 1 /3 - 56, 1984. 160 FERNÉ,GEORGES. Op. Cito /6/ Idem, ibdem.

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Esse pequeno clube de países altamente industrializados tem mantido as

suas posições dominantes em capacitação tecnológica desde o término da segunda guerra

mundial. As únicas mudanças significativas foram a emergência de alguns países no

cenário tecnológico e científico: Japão, Brasil, Índia e as dinâmicas economias asiáticas.

Dentro desse grupo o Japão desafiou a posição preeminente das velhas potências

industriais e efetivamente consolidou-se como líder mundial em diversos processos de

fabri cação.

Conclui-se que a capacitação em pesquisa e desenvolvimento é fenômeno

local. A capacitação em ciência e tecnologia é fenômeno local porque em 1 988 cerca de 96

% dos recursos alocados em pesquisa e desenvolvimento estavam concentrados nos países

industrializados, os restantes 4% estavam dispersos nos países em desenvolvimento. Esse

fenômeno local têm, entretanto, enormes implicações globaisl62 .

F erné é de opinião que essa concentração vem-se agravando pois os Estados

Unidos voltaram a dar prioridade para o setor, tendo sido responsáveis por cerca de um

terço dos gastos em pesquisa e desenvolvimento no fim da década de 80.

Os esforços de Japão e Coréia do Sul merecem destaque. Entre 1 973 e 1 980

seus orçamentos em pesquisa e desenvolvimento triplicaram, tomando-se os valores

expressos em dólares americanos. Em 1 980 esses dois países investiram juntos mais

recursos que todo o terceiro mundo reunido. O montante chegou a dez por cento dos gastos

mundiais em pesquisa e desenvolvimento. Oito anos depois esses dois países j á eram

responsáveis por cerca de vinte por cento dos gastos mundiais na área163 .

A Europa Ocidental, no mesmo período, apesar de apresentar altas taxas de

investimento começa a demonstrar sinais de esgotamento. Tornou-se cada vez mais dificil

para os países da Europa Ocidental sustentar a sua posição internacional.

1 62 Idem, ibdem. 1 63 Idem, ibdem.

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94

Por outro lado, os países em desenvolvimento têm problemas muito sérios

com o perfil dos gastos em pesquisa e desenvolvimento. Na década de 80 esses países

ocupavam entre 1 8 e 1 9 % dos pesquisadores existentes no mundo (entre cientistas e

engenheiros envolvidos em P&D), distribuição muito diferente da apresentada para os

recursos disponiveis. A diminuição continuada no investimento em pesquisa e

desenvolvimento levará os cientistas ao ponto em que não poderão mais trabalhar

efetivamente como pesquisadores face a escassez de recursos.

Três pontos importantes merecem destaque no cenário apresentado.

Primeiro, os países industrializados encaram a ciência e a tecnologia como tendo

importância estratégica. Segundo, a posição de preeminência dos países industrializados é

muito dificil de ser ameaçada. Terceiro, uma política sustentável de pesquisa e

desenvolvimento de longo prazo requer o suporte de uma infra-estrutura industrial

competitiva e a dificil conciliação entre necessidades políticas e econômicas de curto prazo

com questões de mais longo prazoJ64 .

Dado que o mundo não industrializado não é homogêneo em termos de

acesso aos recursos de pesquisa e desenvolvimento, é extremamente útil uma tipologia que

permita classificar os países utilizando parâmetros econômicos, sociais, educacionais e de

mão-de-obra. Trabalho desse tipo foi realizado pela UNESCO, que classifica os países em

quatro gmpos em função de sua capacidade tecnológicaJ65 .

o primeiro grupo é composto por 55 países com nenhuma base tecnológica

e científica, quase a totalidade dos países africanos. Esses países têm baixa renda per

capita, baixo potencial de formação de recursos humanos e baixo percentual de

participação dos manufaturados na produção industrial total.

No segundo grupo estariam países em processo de industrialização, cerca de

40 já contando com os elementos fundamentais de uma base científica e tecnológica. A

J 64 Idem, ibdem. 165 UNESCo. /nternatjona/ Counci/ fOr Science Po/jCY Studies ( reSPS ) Science and Techn% gy in Deve/oping Counlries. Unesco, /992, p. 55 - 77.

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renda média é moderada e existe uma limitada produção industrial endógena. O percentual

relativo de pessoal envolvido em pesquisa e desenvolvimento é alto, mas limitado em

termos absolutos. Esse grupo inclui Argélia, Gana, Indonésia, Iraque, Malásia, Paraguai e

Sri Lanka.

O terceiro grupo engloba cerca de 40 países em desenvolvimento e inclui os

países com industrialização recente (os chamados NICs)l66 . Observa-se aí uma base

tecnológica bem estabelecida e alto potencial de pessoal para atuar na área. A renda per

capita é relativamente alta e o sistema industrial é funcional com alta produção de bens

manufaturados. Os palses latino americanos desse grupo são Argentina, Brasil, México e

Venezuela.

No quarto grupo estão os países industrializados, que apresentam uma base

científica e tecnológica economicamente efetiva, principalmente em relação à indústria.

A classificação apresentada destaca a heterogeneidade dos países em

desenvolvimento em relação aos países industrializados. Os países asiáticos concentram

cerca de 60 % dos pesquisadores ativos nos países em desenvolvimento. A África e a

América Latina perderam terreno em relação a essa região. Os países do terceiro grupo que

possuem os maiores sistemas de pesquisa e desenvolvimento (Brasil, Argentina e México)

conseguiram manter uma taxa relativamente alta de expansão dos sistemas de pesquisa,

apesar da crise fiscal. Entretanto, é cada vez mais dificil para esses países acompanhar as

taxas de investimento dos países asiáticos.

O padrão de concentração da aplicação dos recursos nos países

industrializados é decorrente do entendimento da ciência como recurso nacional essencial e

por crescente orientação para as necessidades do mercado167 .

166 Abreviatura de New/y lndustrialized Countries; países recentemente industrializados. 1 67 FERNÉ,GEORGES. Op. Cit.

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A competição proporcionada pelo mercado incentivou o processo inovador e

alterou os retornos para os investimentos de risco. A inovação tecnológica criou taxas de

retomo diferenciadas para os investimentos, alterou processos e custos de produção e criou

novos mercados derivados de produtos inovadores.

Alguns fatores inibem a inovação e o desenvolvimento tecnológicos. São

fatores inibidores a falta de recursos, o baixo nível de educação da força de trabalho, a

escassez de oportunidades de treinamento e a inadequação dos currículos nas

unÍversidades. Os países que não desenvolverem tais fatores de forma satisfatória não

atingirão o pleno potencial de seu estoque de recursos científicos e tecnológicos 1 68 .

Apenas o grupo dos países industrializados conseguiu criar e manter um

sistema de ciência e tecnologia forte e um sistema de extração de resultados de pesquisa

adequado neste final de século 1 69 • A maioria não têm os recursos, a capacidade técnica e as

habilidades necessárias para engajar-se na corrida pelo desenvolvimento de inovações. Para

esses países sobram como estratégia a cópia, a imitação ou simplesmente a importação de

mudanças técnicas incrementais.

A forma como a tríade composta por América do Norte, Europa Ocidental e

países asiáticos do Anel do Pacífico organiza sua política de ciência e tecnologia tem

impacto global. Essa tríade condiciona a forma pela qual os demais países do mundo

devem adaptar-se em termos de organização, prioridades e aplicações tecnológicas. Não é

surpresa que todo esse sistema criado pelos países desenvolvidos seja visto:

" do exterior como um formidável monolito de poder

tecnológico; tão formidável que é dificil ver como ele poderia ser

emulado, ou como estratégias alternativas poderiam ser desenvolvidas.

Os resultados [desse arranjo 1 são inquestionáveis. Há, entretanto,

muitas fraquezas e nem todos os países industriais estão igualmente

168 Idem, ibdem. 169 Uma discussão detalhada da idéia de sistema de extração de resultados de pesquisa pode ser encontrado em : OECD. Maior R&D programmes for in(QrmatiQn techn% gy. Paris, 1989.

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bem equipados para confrontar os desafios da nova economia

emergente no mundo." 1 70

Os sistemas de ciência e tecnologia dos países industrializados refletem em

cada país o resultado de uma combinação única, que por sua vez determina a capacidade

de sucesso em ciência e tecnologia. Os fatores mais importantes e condicionantes da

estruturação desses sistemas de ciência e tecnologia são: cronologia da industrialização;

forma da emergência da ciência; impacto da segunda guerra mundial; criação de centros de

pesquisa militares; papel do Estado; grau de internacionalização da economia e natureza do

consenso nacional acerca das atribuições do Estado17 1 .

Esses fatores de natureza estrutural a conjuntural combinam-se sob formas

diferentes em cada país. Assim desenvolvem-se formas específicas de lidar com a ciência e

a tecnologia e de sua inserção e papel na sociedade. A posição atual de um país no contexto

científico e tecnológico também reflete sua herança histórica. Essa herança condiciona a

velocidade de adaptação a novos desafios e oportunidades.

Durante a década de 70, a recessão, o aumento do custo das matérias primas

e o surgimento de novos competidores no mercado internacional provocaram mudanças no

comportamento dos países industrializados. Foi percebido que sua posição hegemônica não

era eterna e que vantagens competitivas e capacidades inovativas deviam ser procuradas. A

competição comercial ganhou importância. Processos de produção mais efetivos e um

grande leque de produtos oferecidos tomaram-se fortes vantagens competitivas. Esse

contexto obrigou a tecnologia a se orientar pelo mercado. Tomou-se claro que o sucesso

comercial estava associado diretamente à novos fatores tais como capacidade de extração

rápida de resultados de pesquisas, ajuste fino às mudanças do mercado e diminuição do

tempo gasto entre o surgimento de uma idéia e a sua transformação em produtos

comercializáveis.

170 FERNÉ, GEORGES. op. Cito 171 Idem ibdem.

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Durante a década de 80 uma importante mudança conceitual ocorreu. Ficou

claro que eram as empresas e não os Estados que deveriam ser os atores principais no

processo de inovação 172 . Os Estados dos países industrializados não conseguiam

identificar mercados e aplicações comerciais de forma adequada, adotando um novo papel.

Nesse novo papel caberia ao Estado: criação de uma teia que interligasse e

desse coesão e coerência às condições econômicas, institucionais e legais; concessão de

incentivos e condições estruturais básicas, tais como mão-de-obra educada e treinada, para

a criação de um ambiente favorável para a inovação e adaptação industrial.

Foi também necessário perceber que nesse contexto de mudanças o

conhecimento científico e tecnológico tomou-se commoditie. Femé afirma que o sucesso

em processar essa commoditie resulta da habilidade em compreender ou imaginar todas as

dimensões e potenciais de seu uso nos diversos setores da economia. Os sucessos

comerciais são o resultado do reconhecimento de novas combinações (quase que ao acaso)

de funções tecnológicas ainda não antecipadas.

Segundo Femé, não foi antecipado por esses paises que as novas tecnologias

(informática e telecomunicações em particular) teriam tão grande impacto nos mercados

mundiais e na aceleração do processo de globalização173 • Tampouco foi percebido que as

forças do mercado estavam tomando-se gradativamente instrumentais na moldagem do

progresso tecnológico em muitos segmentos estratégicos. Como resultado, as margens de

escolha dos países foram reduzidas.

Assim como Alvin Toffler, Femé também acredita que as tecnologias de

informação tem impacto considerável na economia mundial174 . Essa tecnologia é definida

como a convergência da eletrônica, da computação e das telecomunicações175 • Entretanto a

capacidade de geração e processamento de dados está crescendo a taxa tão alta que muitas

/ 72 PORTER. M/CHAEL E.. A Vantagem Competitiva das Nações. Rio de Janeiro. Editora Campus, /993. 1 73 FERNÉ, GEORGES. Op. Cito 1 74 TOFFLER, ALV/N. Op. Cit. 175 FERNÉ.GEORGES. Op. Ci/.

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tecnologias podem ser encaradas como tendo atingido um patamar novo e qualitativamente

diferente.

Nesse novo patamar, a evolução tecnológica depende mais de como a

informação é manipulada. A tecnologia da informação possui uma instrumentalidade que

permite trocar métodos de produção obsoletos por outros mais novos. Possibilidades sem

precedentes de coleta de dados, processamento, compartilhamento e distribuição de

informações criaram novas dimensões no gerenciamento de indústrias e serviços.

Para atingir todo o seu potencial, essas novas tecnologias de informação

formam redes com duas características importantes: retornos crescentes por adoção e

externalidades176 • Essas características estão intrinsecamente relacionadas com a dinàmica

das forças de mercado.

o retorno crescente por adoção é inerente à estrutura dos sistemas de

informação. Ao contrário de muitos sistemas tecnológicos do passado em que os custos de

instalação e de operação eram altos nos sistemas de informação isso não acontece. Nos

sistemas de informação (como telefonia e processamento eletrônico de dados) o custo de

instalação é alto porém o custo de manutenção é baixo. Esses sistemas possuem duas

qualidades interessantes: baixo custo marginal de acréscimo de usuários e atratividade do

sistema diretamente proporcional ao número de usuários.

o conceito de extemalidades está baseado na idéia de que o acréscimo de

um usuário adicional em uma rede beneficia todos os usuários da rede. Por exemplo, o

acréscimo de um aparelho de fax adicional em uma rede beneficia todos os existentes por

possibilitar-lhes a probabilidade de ligação para um novo número. O beneficio também

pode ser medido pelo aumento incrementai do hardware disponível representado por mais

um aparelho de fax na rede.

/76 0ECD. Informa/iDo techuolog)' standards lhe economic dimension. Paris, 1991.

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Essas características da economia de redes definem um novo ambiente

econômico onde a difusão das inovações é acelerada e se expande em ondas. É precisamente a combinação dinâmica dessas características que gera a globalização. Elas

conduzem a economia mundial para o estabelecimento de um sistema de redes. Pertencer a

esse sistema é um pré-requisito para a participação no comércio mundiaJl77 .

Uma peculiaridade do processo de globalização é a ênfase na padronização

de produtos e processos. Ela geralmente ocorre devido a necessidade de economia de

escala nos processos produtivos. A padronização visa garantir que sucessivas gerações de

determinado produto ou equipamento sejam compatíveis com as anteriores, possibilitando

a interconexão de redes e a evolução sem saltos que exijam altos investimentos. As

modernas redes de microcomputadores são um bom exemplo.

A combinação entre o paradigma centrado no mercado e o processo de

globalização tem afetado a pesquisa acadêmica e a atuação das instituições de pesquisa do

Estado nos países industrializados. A colaboração intersetorial tem aumentado entre

universidades e indústrias. Esse fato tem colocado em xeque a integridade das instituições

acadêmicas. Comportamentos e atitudes que afetaram as tradicionais transparência e

difusão de idéias nas universidades começaram a aparecer. Idéias potencialmente

patenteáveis são sistematicamente preservadas e não são difundidas.

o sucesso tornou-se muito mais ligado à capacidade de acessar as

informações corretas e identificar a relevância e a sinergia potenciais espalhadas pelos

diversos elementos de informaçãol78 . Apesar disso, nenhuma organização pode esperar

dominar sozinha o volume de informação criado e acrescentado ao estoque de

conhecimento existente. Torna-se então imprescindível comercializar com outras

organizações as disponibilidades de acesso a informações vitais. Essa nova conjuntura

explica dois fatos extremamente üp.portantes.

177 Idem, ibdem 178 FERNÉ.GEORGES. ( 1995). Op. Cito

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1 0 1

o primeiro é o extraordinário desenvolvimento das relações indústrias /

universidades. As indústrias não apoiam as pesquisas acadêmicas apenas por diletantismo.

Elas têm interesse em criar e manter, a custo relativamente baixo, um canal através do qual

podem contatar as pesquisas relevantes feitas ao redor do mundo.

o segundo fato é a tentativa do Estado de tomar parte do gerenciamento e

controle do processo de geração e difusão do conhecimento. Em nenhuma outra época na

história da humanidade um ditado foi utilizado tão corretamente quanto hoje:

conhecimento é poder.

As conseqüências desse processo de globalização são muito sérias. As

pressões para a internacionalização das economias e contra as idéias nacionalistas são

extremamente fortes. O paradigma atual é o da inevitabilidade da interdependência. A

conseqüência mais clara disso é o surgimento de blocos regionais de cooperação

econômica, compostos por Estados lutando para redefinir papéis políticos e econômicos.

Dois dos pilares desse novo paradigma são que: nenhum país poderá ser bem sucedido se

não tiver os recursos científicos e tecnológicos necessários para se inserir e participar de

um fluxo ininterrupto de inovações tecnológicas e cada país deve perceber que existe uma

margem de liberdade limitada para a escolha das tecnologias em que deve investir.

Observando-se os programas científicos e tecnológicos dos países europeus,

da América do Norte e da Ásia nota-se que esses países possuem, de fato, um núcleo

comum que reflete o domínio de uma base tecnológica. Uma vez dominada essa base,

diversos graus de autonomia e especialização podem ser alcançados. Esse núcleo comum é

denominado de core technologies.

As core technologies compõem um conjunto de tecnologias que devem ser

dominadas a priori. Elas devem criar o estoque mínimo de conhecimentos necessários, sem

os quais não será possível assimilar novas tecnologias179 .

1 79 Idem, ibdem.

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1 02

Um exemplo é o conjunto fonnado por biotecnologia, tecnologia de

infonnação e pesquisa de novos materiais. Essas três áreas tornaram-se portões de acesso

obrigatório para a aquisição de modernas tecnologias industriais. Elas têm em comum

diversas características que exemplificam esse processo de acesso: em todas as três são

exigidas sofisticadas aplicações de tecnologias de informação; são multidisciplinares, não

têm ligações exclusivas com setores particulares da economia e possuem implicações em

diversas esferas da atividade humana.

A pesquisa nessas áreas é orientada para problemas específicos. Esse tipo de

orientação está nornlalmente associada aos maiores avanços tecnológicos devido à pressão

socío-econômica da sociedade para a busca de soluções. Todas essas características

evoluem dinamicamente com os avanços de pesquisa ao redor do mundo.

o correto entendimento desse contexto de escolhas e margens de liberdade

permite deternlÍnar as condições de contorno do país na área tecnológica. A tarefa será

então a de identificar que picos que não escalar, que vales atravessar, e que obstáculos

contornar.

Para ser efetivo, esse trabalho deve contribuir para a fornmlação estratégica

nacional e ser desenvolvido em uma base em contínuo processo de mutação. Esse trabalho

de construção é chamado de technological landscapingJ80 (algo como a construção de

uma paisagem tecnológica). Cada país tem a sua própria paisagem a ser construída, de

fonna dinâmica e evolutiva a despeito das injunções do paradigma estabelecido.

A idéia de technological landscaping não serve apenas para coleta de dados.

Ela permite compreender o caos de informações e estímulos disponíveis. O seu maIOr

desafio é provavelmente organizar as informações existentes de modo a facilitar a

identificação natural de áreas de interesse.

1 80 Idem, ibdem.

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103

2.2.5 Histórico e organização da Ciência e Tecnologia no Brasil

A política científica e tecnológica de um país tem como referencial o padrão

de crescimento econômico no qual deve atuar, bem como a política econômica e industrial

às quais está associada18 1 • No caso brasileiro a política científica e tecnológica sofreu uma

mudança a partir do momento em que o paradigma de inserção do país no cenário

internacional começou a mudar, com uma inflexão na política industrial e de comércio

exterior. O Brasil abandonou o modelo que privilegiava a substituição das importações e

incentivava a autonomia e o isolacionismo e passou a adotar o modelo de abertura

comercial derivada dos preceitos do neoliberalismo.

Guimarães afirma que a pnmelra tentativa brasileira de adoção de uma

política tecnológica foi o chamado Plano Estratégico de Desenvolvimento, elaborado em

1 968 182 . Schwartzman, por sua vez, credita esse pioneirismo à instituições científicas

datadas do século XIX e ao Conselho Nacional de Pesquisas criado no início dos anos

50183 • Os dois concordam, entretanto, quando afirmam que a parte mais significativa do

sistema atualmente existente no Brasil foi criada durante o regime militar, entre 1 968 e

1 980.

Schwartzman aponta os fatores que contribuíram para esse crescimento: a

preocupação dos militares com a capacitação em C&T no país como parte de um projeto

estratégico maior; o apoio que esse projeto estratégico recebeu da comunidade científica; o

crescimento econômico; o estabelecimento de burocracias insulares e a expansão da base

de arrecadação fiscal I 84 • Ele entende as políticas do setor de C&T como conseqüências

naturais das mudanças ocorridas na sociedade nas décadas anteriores. O Brasil passou, no

181 GUIMARÃES, EDUARDO. AUGUSTO. A Política cientifica e tecnológica e as necessidades do setor produtivo. 1n: Ciência e tecnologia no Brasil' Políticq industrial mercado de trqbalho e instituiçÕes de qpojo. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, /995 1 82 GUIMARAES. EDUARDO. AUGUSTO. Dp. Cit. 183 SCHWAR7ZMAN, SIMDN; ET ALL. Ciência e tecnologia no Brasil: uma nova política para um mundo global. 1n: Ciência e tecnologia no Brasil: Patifica industrial, mercado de trabalho e instituiçÕes de apoio. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, /995 184 SCHWAR7ZMAN, SIMDN; ET ALL. Dp. cito

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1 04

período entre 1 950 e 1 980, da condição de sociedade agrária para a de urna sociedade

industrializada com alto grau de urbanização.

Ainda segundo Schwartzman, a política de C&T passou por duas etapas

distintas: a primeira nos anos 70, marcada pela continuidade na gestão da política científica

e tecnológica; a segunda, durante a década de 80, marcada pela redução de recursos

governamentais para ciência e tecnologia Esse autor afirma que ambas as etapas foram

caracterizadas pela necessidade de acelerar o ritmo de incorporação de tecnologia e pela

criação, via pesquisa, de tecnologia própria para assegurar independência de fontes

externas. Essas linhas de conduta eram congruentes com a política de substituição das

importações adotada pelo Estado à época. A independência tecnológica seria o último

passo no projeto de autonomia nacional.

Entretanto, Guimarães afirma que os pontos fracos da política tecnológica

brasileira foram a falta de mobilização do setor privado e a indiferença quanto à origem da

tecnologia que viabilizaria o projeto de substituição das importações. O projeto político

ficou restrito à burocracia estatal e à comunidade acadêmica.

O desinteresse do setor privado foi patente desde o início do processo. No

final da década de 70, os volumes alocados pela iniciativa privada corresponderam a cerca

de 3% do total despendido pelos Tesouros federal e estaduais. Segundo Guimarães esse

baixo comprometimento do setor privado continuou ao longo dos anos 80. Por outro lado o

percentual alocado pelas empresas estatais oscilou em tomo de expressivos 1 9%. 1 85

Apesar do esforço, a redução da dependência do setor produtivo em relação

ao exterior não diminuiu. Guimarães é de opinião que o esforço fracassou devido a três

fatores : avaliação equivocada do potencial de sucesso da união universidade / instituições

de pesquisa; trajetória autônoma descrita pela comunidade acadêmica devido a sua

desvinculação com o setor produtivo e pela descrença do empresariado na pesquisa

1 85 GUlMARÃES, EDUARDO A UGUSTo. Op. OI.

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1 05

tecnológica como solução de seus problemas. Diante desse quadro o Estado tentou diversas

iniciativas políticas na área de C&T . Quatro merecem destaque.

A primeira iniciativa foi a reforma universitária de 1 968, com a adoção do

sistema norte-americano de pós-graduação, organização das universidades em institutos e

departamentos e o sistema de créditos.

A segunda foi a vinculação do setor de C&T à área econômica federal,

sendo criada a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) como administradora de

recursos com autonomia e flexibilidade.

Em terceiro lugar foram criados centros de P&D de grande porte. No Rio de

Janeiro foi criada a Coordenação de Programas de Pós-graduação em Engenharia -

COPPE/UFRJ e em Campinas a Unicamp.

A quarta iniciativa foi a celebração do o acordo Nuclear com a Alemanha e

o início de vários projetos de natureza militar e centros de pesquisa ligados a empresas

estatais.

Como exemplos da política adotada pelo Estado para o setor de C& T foram

criadas a reserva de mercado para informática e adotada a formulação de políticas

científicas através dos planos básicos de desenvolvimento científico e tecnológico

(PBDCT).

A partir dos anos 80, o modelo foi posto em xeque devido a burocratização,

a incerteza das dotações orçamentárias, a crise fiscal do Estado, aos laços tênues com a

iniciativa privada e ao ambiente protecionista existente.

A cultura brasileira de responder às necessidades com exercícios de

planejamento global geradores de planos para serem administrados pela burocracia também

atrapalhou bastante. Desde a década de 70 três planos nacionais para o desenvolvimento

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1 06

tecnológico foram instituídos, todos baseados em complexos sistemas de coordenação para

articulação das atividades do setor. O resultado mais palpável foi o legado de grandes

burocracias federais para o planejamento e gestão de C&T186 .

Algumas dessas agências federais de C& T sofrem os efeitos do gigantismo

burocrático, dos baixos salários e da militância política dos funcionários. Outras tem falta

de quadros e limitações jurídicas para contratar pessoal especializado. A maior parte dos

institutos de pesquisa sofre com a falta de recursos e ainda não se chegou a um consenso

sobre o rumo a dar aos grandes projetos herdados de administrações anteriores. Com

exceção de poucas instituições, como a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo

(Fapesp), as agências federais de financiamento estão limitadas em sua capacidade de

prover recursos para projetos de pesquisa.

Por fim, Schwartzman é de opinião que a legislação é excessivamente

benevolente ao permitir a aposentadoria precoce de docentes universitários e funcionários

púhlicos. Essas vantagens, combinadas com a falta de perspectiva, está exaurindo a

comunidade científica em tamanho e qualidade.

Diante desse quadro institucional qual é hoje a participação do Brasil no

contexto científico internacional? De acordo com os dados compilados por Brisolla, o

Brasil investe, em termos relativos, entre 0,6 e 0,8% do PIB em atividades de ciência e

tecnologia 187 . Em termos absolutos são cerca de U$ 2 a U$ 3 bilhões de dólares. Uma idéia

da ordem de grandeza que separa o Brasil dos países desenvolvidos é possível se

compararmos esses valores com o investimento feito pelos Estados Unidos. De acordo com

Brascomb, o total gasto em 1 990 pelos Estados Unidos em atividades de P&D foi de cerca

de U$ 1 45 bilhões de dólaresl88 .

/86 idem, ibdem. /87 BRISOLLA, S. Indicadores quantitativos de ciência e tecnologia no Brasil. In : Ciência e tecnologia no Brasil' Política industrjal mercadQ de trahalho e inçtituicÕes de apoio. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1995 /88 BRANSCOMB. LEWIS M. Op. Cito

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1 07

Segundo Schott, por realizar apenas I % da pesquisa científica mundial, o

Brasil pode ser considerado um país cientificamente pequeno. Apesar da pesquisa

científica brasileira corresponder a cerca de metade da que é feita na América Latina ela

representa apenas um terço da que é feita em Israel. Essa diferença está relacionada com os

diferentes graus de institucionalização da ciência em cada paísl89 . Para alterar esse cenário,

Schwartzman e Guimarães fazem diversas recomendações.

Schwartzman é de opinião que o Brasil deve redirecionar as políticas

tecnológicas do país, de acordo com as novas realidades econômicas. Deve proteger a

capacitação científica já existente; implantar uma política tríplice de desenvolvimento de

C&T, com mecanismos de apoio bem distintos para a ciência básica, a aplicada e a

educação. Ele também acredita que deve ser criada uma infra-estrutura para disseminação

do conhecimento e a informação; uma reforma institucional que agiliza as agências

federais de gestão de C&T e projetos setoriais que reflitam o conceito de core technologies

apresentado por Fernél90 •

Ele também acredita que o Brasil deve incorporar mais tecnologia aos

processos produtivos, para aumento da competitividade, dando maior relevância aos atores

privados e adotando uma política industrial que induza o aumento da competitividade.

Devem ser estimuladas a transferência, a difusão e a absorção de tecnologias.

No setor público as agências e institutos governamentais da área de infra­

estrutura tecnológica industrial básica devem ser incentivados e fortalecidos. As grandes

empresas estatais devem ser utilizadas como elemento indutor de mudanças técnicas,

melhoria de qualidade e aumento de eficiência.

Guimarães, por seu turno, recomenda a utilização dos instrumentos

tradicionais como financiamentos, incentivos setoriais e fomento. Ele acredita que em um

/89 SCH01T, THOMAS. Op. Cito /90 FERNÉ, GEORGES. Op. Cito

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108

ambiente competitivo tais instrumentos sejam mais eficazes do que foram no passado em

um ambiente protegido.

As atitudes de natureza setorial são justificadas pOIS os segmentos

industriais não reagem de modo uniforme à intensificação da concorrência. Ele pressupõe

que a reação imediata de alguns setores será reivindicar o restabelecimento de mecanismos

de proteção que assegurem a sua sobrevivência. Tais reivindicações devem ser rechaçadas.

Entretanto, Guimarães concede que uma política tecnológica consistente

contemple, em seu aspecto setorial, casos em que a proteção por tempo limitado permitirá a

reestruturação, a renovação tecnológica e a competitividade.

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2.3 A organização e suas configurações estruturais

Veio sobre mim a mão do Senhor, e ele me fez sair no Espírito do Senhor, e me pôs no meio de um vale que estava cheio de ossos.

E me fez passar em volta deles; e eis que eram mui numerosos sobre a face do vale, e eis que estavam sequíssimos.

E me disse: filho do homem, porventura viverão estes ossos? E eu disse Senhor Deus, tu o sabes.

Então me disse: Profetiza sobre estes ossos, e dize-lhes: ossos secos ouvi a palavra do Senhor.

Assim diz o Senhor Deus a estes ossos: eis que farei crescer carne sobre vós, e sobre vós estenderei pele, e porei em vós o espírito, e vivereis, e sabereis que eu sou o Senhor.

Então profetizei como se me deu ordem. E houve um ruído, enquanto eu profetizava; e eis que se fez um rebuliço, e os ossos se achegaram, cada osso ao seu osso.

E olhei e eis que vieram nervos sobre eles, e cresceu a carne, e estendeu-se a pele sobre eles por cima; mas não havia neles o espírito.

E ele me disse: profetiza ao espírito, profetiza Ó filho do homem, e dize ao espírito: assim diz o Senhor Deus: vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam.

E profetizei como ele me deu ordem; então o espírito entrou neles, e viveram, e se puseram em pé, um exército grande em ex/remo.

Ezequiel 37 : 1 - 10

109

o Estado tem como braços atuantes as organizações públicas. Estas

atuam dando forma e consistência às políticas e estratégias escolhidas pelo governo. A

crise do Estado reflete-se diretamente nas organizações que o compõem.

A natureza, a cultura e a forma de atuação das organizações são

condicionadas pelo ambiente em que estão inseridas. São influenciadas e influenciam o

ambiente que as cerca através de um processo contínuo de troca de informações e

estímulos. Por esse motivo é importante entender a influência mútua entre as organizações

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1 10

que compõem o Estado e o ambiente. O primeiro passo é compreender de forma adequada

o fenômeno organizacional.

Diversas escolas de pensamento explicam as organizações. Não é o

objetivo desta dissertação revisar as escolas de pensamento que versam sobre o fenômeno

organizacional. Por questões de espaço e tempo, para explicar a estruturação das

organizações foi escolhido o modelo proposto por Mintzberg. 191

A questão do poder será analisada tendo por base a proposta teórica

que Mintzberg apresenta em modelo posterior e complementar ao seu trabalho sobre as

estruturas organizacionais . 192

Henry Mintzbergl93 explica a dinâmica da estruturação da

organização e a interação entre os aspectos estruturais, os fluxos dinâmicos que existem

dentro da organização e os fatores contingenciais que a permeiam.

Seu trabalho deriva de uma extensiva pesquisa bibliográfica e

histórica das escolas de administração. Mintzberg tenta evitar o que considera o problema

fundamental dos estudos sobre organizações feitos até então: a falha em relacionar a

descrição da estrutura com o real funcionamento das organizações.

Mintzberg(l979) afirma não ter encontrado na literatura disponível

nada que descrevesse como as organizações funcionavam, como as informações, o poder e

os processos decisórios fluíam. Também Conrath concluiu, após extensiva revisão

bibliográfica sobre o mesmo tema:

/9/ MINTZBERG, HENRY The Srrucluring oi Organizations. Englewood Cliffs, New Jersey. Prentice Ha/l, Inc., 1979. /92 MINTZBERG, HENRY PQwer in and Around Organizations. Englewood C1iffs, New Jersey, Prentiee Ha/l, lne" 1983. /93 MINTZBERG, HENRY(l979). Op. Cil.

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" nwnerosos conceitos de estruturas organizacionais

podem ser encontrados na literatura . . . Infelizmente, poucos deles

podem ser relacionados às propriedades de comunicação, e os

poucos que podem estão limitados ao estudo de pequenos grupos . . .

Em nenhwn dos casos os dados relativos à comunicação foram

utilizados diretamente para evidenciar propriedades estruturais ( p.

592)"194 .

1 1 1

o modelo proposto por Mintzberg encara a organização como

entidade dinâmica composta por fatores fundamentais, parâmetros de projeto e fatores

contingenciais em constante interação. Os fatores fundamentais são três: mecanismos de

coordenação, elementos estruturais e sistemas de fluxo.

Os mecanismos de coordenação são cinco: o ajustamento mútuo, a

supervisão direta, a padronização de métodos de trabalho, a padronização de resultados e a

padronização de habilidades.

Os elementos estruturais são cinco : o núcleo operacional, a linha

média, a tecno-estrutura, o staff de suporte e o ápice estratégico. Os sistemas de fluxo são

cinco : o sistema formal de autoridade, o sistema de fluxo regular de informações, o

sistema de comunicação informal, o sistema de constelações de trabalho e o sistema de

processos de decisões ad hoc.

Os parâmetros de projeto são nove: a especialização do trabalho, a

formalização do comportamento, treinamento e doutrinamento, grupamento, tamanho das

unidades, planejamento, sistemas de controle, dispositivos de ligação e descentralização.

Os fatores contingenciais são quatro: idade e tamanho, sistema técnico, ambiente e poder.

194 CONRATH, D. W Communications Environment and its Re/ationshiD lo Qrganizational Structure Management Science /973, p. 586 - 602.

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1 1 2

Ao relacionar fatores fundamentais, parâmetros de projeto e fatores

contingenciais a síntese aglutina as organizações em uma tipologia de configurações

estruturais. Essa tipologia engloba cinco configurações que predominam e explicam de

forma surpreendente um grande número de descobertas da pesquisa.

Em cada configuração, uma parte da organização e um mecanismo

de coordenação emergem como preeminentes. As cinco configurações são: a estrutura

simples (supervisão direta, ápice estratégico), máquina burocrática (padronização de

métodos de trabalho e tecno-estrutura), burocracia profissional (padronização de

habilidades, núcleo operacional),forma divisionalizada (padronização de resultados e linha

média) e a adhocracia (ajustamento mútuo e staff).

2.3.1 Os mecanismos de coordenação

Toda e qualquer atividade humana - desde a mais simples

manufatura até a execução das tarefas mais complexas - dá origem a duas questões

fundamentais e que normalmente se opõem: a divisão do trabalho nas diversas tarefas que

devem ser realizadas e a coordenação dessas tarefas para alcançar os objetivos propostos.

A estrutura de uma organização pode ser simplesmente definida

como a soma total das formas pelas quais ela divide o trabalho em tarefas distintas e a

forma através da qual alcança a coordenação entre essas tarefas.

A divisão do trabalho, normalmente, é condicionada pelo serviço a

ser feito e pelo sistema técnico disponível para realizá· lo. A coordenação, entretanto, é

função um pouco mais complexa e envolve diversos mecanismos de coordenação. Apesar

do nome, eles envolvem também funções de controle e de comunicação dentro da

organização.

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1 1 3

Os mecanismos de coordenação podem ser classificados em cinco

tipos básicos. Esses cinco mecanismos de coordenação explicam os caminhos

fundamentais através dos quais as organizações coordenam o seu trabalho: o ajuste mútuo,

a supervisão direta, a padronização de métodos de trabalho, a padronização de resultados e

a padronização de habilidades profissionais.

Ajuste mútuo é o mecanismo que permite coordenar o trabalho pelo

processo de simples comunicação informal. O controle do trabalho está nas mãos do

profissional. Pela sua simplicidade, a coordenação por ajuste mútuo é utilizada nas

organizações mais simples. De forma paradoxal, também é utilizada em tarefas mais

complicadas, por ser a única que funciona em situações extremamente dificeis ou

imprevisíveis.

Atividades como a pesquisa tecnológica de ponta ou viagens

espaciais requerem divisão de trabalho incrivelmente elaborada e detalhada, com milhares

de especialistas executando as mais complexas tarefas. Nessas atividades nem sempre o

resultado é conhecido com antecedência e não raro o conhecimento se desenvolve ao longo

da atividade. A despeito da existência de outros mecanismos de coordenação, o sucesso

depende da habilidade dos especialistas em adaptar-se uns aos outros ao longo de sua

estrada não mapeada, de forma similar a dois homens em uma canoa.

A supervisão direta permite a coordenação da atividade através da

atribuição a um indivíduo da responsabilidade pelo trabalho de outros. Esse indivíduo

passa instruções e monitora as ações de outros.

Muitos trabalhos podem ser padronizados, ou seja, executados sem

nenhum ajuste mútuo ou supervisão. A coordenação entre as partes é incorporada ao

programa de trabalho no momento em que ele é concebido. Simon e March afirmam que

dessa forma a necessidade de contínua de comunicação é grandemente reduzidal95 . A

coordenação é definida na fase de projeto das atividades.

195 MARCH, J. G.; SIMON, H. A. Organizations. John Wiley & Sons, 1958.

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1 14

Existem três formas básicas para se alcançar a padronização dentro

das organizações. A padronização dos métodos de trabalho, a padronização dos resultados

e a padronização das habilidades profissionais ou do conhecimento.

A padronização dos métodos de trabalho ocorre quando o conteúdo

do trabalho é especificado ou programado. Exemplo típico são as instruções para a

montagem de um brinquedo de armar. O fabricante, com efeito, padroniza o processo de

montagem do brinquedo. Esse tipo de padronização pode ser levada bem longe nas

organizações. As linhas de montagem são o seu melhor exemplo.

A padronização dos resultados ocorre quando apenas o resultado

final do processo de trabalho é objeto de medição e aferição. Ele ocorre quando o objeto de

controle são as medidas finais ou a desempenho de um produto ou sistema.

A padronização de habilidades ou conhecimento ocorre quando a

padronização recai sobre os métodos de treinamento exigidos para executar determinada

tarefa. Ocorre quando nem os métodos nem os resultados do trabalho podem ser

padronizados.

Esses cmco tipos de mecanIsmos de coordenação, segundo

Mintzberg, ocorrem em uma ordem pré-determinada. Conforme a organização se torna

mais complexa, os meios preferenciais de coordenação mudam do ajustamento mútuo para

a supervisão direta, para a padronização de processos, resultados e habilidades, nessa

ordem. E, finalmente, se a complexidade aumentar, volta para o ajustamento mútuo. A

mudança entre um e outro ocorre de forma contínua e não discreta. Isso implica que, sob

determinadas condições, uma organização favorecerá um mecanismo em detrimento dos

outros.

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1 1 5

2.3.2 Os cinco elementos estruturais das organizações

Como visto anteriormente, o mecanismo de coordenação mais

simples existente na organização é o ajustamento mútuo. Conforme a organização cresce

ela passa a adotar formas mais complexas de divisão de trabalho entre seus operadores. A

primeira divisão administrativa ocorre com a inclusão da figura do supervisor ou gerente.

Essa primeira divisão ocorre entre aqueles que fazem o trabalho, isto é os que compõem o

núcleo operacional, e aqueles que o supervisionam. Conforme a organização se toma maior

e mais complexa, outros gerentes são adicionados. Passam a existir não somente gerentes

de operadores, mas gerentes de gerentes. Uma hierarquia administrativa baseada na

autoridade é construída.

A linha de hierarquia administrativa pode ser dividida em duas

partes. A pnmelra parte, composta por aqueles gerentes mais próximos do topo da

hierarquia, formam o chamado ápice estratégico da organização . Os que estão mais abaixo,

unindo o ápice estratégico aos operadores, através da cadeia de comando, formam a

chamada linha média.

Com a continuidade do processo de elaboração, a organização

começa a utilizar a padronização como meio de coordenação de seus operadores. A

responsabilidade pela elaboração dessa padronização, em suas di versas formas, é atribuída

a um terceiro grupo dentro da organização. Esse grupo é composto por analistas.

A introdução desses analistas provoca um segundo tipo de divisão

administrativa no trabalho dentro da organização. Essa divisão separa os que fazem e

supervisionam o trabalho daqueles que o padronizam. A primeira divisão retira o controle

do trabalho do operadores. Conforme os sistemas projetados pelos analistas passam a ter

cada vez mais controle da coordenação, diminui o controle dos gerentes. Os analistas,

divididos em dois grupos distintos, passam a institucionalizar o trabalho do gerente. O

primeiro grupo é chamado de tecno-estrutura e o segundo de staff de suporte.

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1 1 6

A tecno-estrutura é composta por analistas responsáveis pela

padronização do trabalho de outros e pela aplicação de técnicas analíticas para ajudar a

organização a se adaptar ao seu ambiente.

o staff de suporte, por outro lado, trabalha apoiando o núcleo

operacional de forma indireta, isto é, fora do fluxo operacional do trabalho. Exemplos

típicos de atividades de staffs de suporte são as atividades de pesquisa e desenvolvimento

em fábricas, a elaboração de folhas de pagamento, a assessoria legal e o trabalho de

relações públicas. Mintzberg(1 979) utiliza, para representar a sua síntese estrutural, o que

ele chama de logo ou símbolo do modelo teórico, apresentado na figura 2. 1 .

NÚCLEO OPI:II: ACIOHAL

FIG. 2. J Os cincas elementos estruturais das organizações

adaptado de Mintzberg(l979)

o núcleo operacional da organização é composto pelos operadores,

que executam o trabalho relacionado diretamente com a produção de bens e serviços. Os

operadores executam quatro funções básicas.

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1 1 7

A primeira função é garantir a chegada dos insumos até o local da

produção. Em uma fábrica, por exemplo o setor de suprimentos adquire a matéria prima e o

setor de recebimento faz com que ela chegue ao chão de fábrica para iniciar a fabricação.

Em uma escola seria a preparação das salas de aula e a reunião dos alunos para o

aprendizado. A segunda função é efetuar o processo de transformação dos insumos ou

matérias primas em produtos ou serviços. Algumas organizações transformam matérias

primas em produtos. Um exemplo é a indústria de celulose que transforma árvores em

papel. Outras organizações transformam peças e componentes em produtos acabados

como a indústria de computadores (hardware). Por fim outras transformam informações ou

pessoas, como a indústria de informática (software), os hospitais, as escolas e etc. A

terceira função é a distribuição dos resultados ou outputs após os processos de

transformação. As vendas e a distribuição de produtos acabados são um bom exemplo. A

quarta e última função é prover suporte técnico e operacional para o processo de

transformação. Bons exemplos dessa função são a manutenção de equipamentos e a de

inventários de matérias primas.

Colocado de forma oposta ao núcleo operacional está o ápice

estratégico. Aí são encontrados os elementos com a maior carga de responsabilidade dentro

da organização: o CEOl96 (que pode ser chamado de presidente, superintendente, papa) , e

outros gerentes com visão global da organização.

Em algumas organizações, o ápice estratégico inclui um conselho de

administração que procura harmonizar os diversos interesses dos grupos nele representado;

em outras existe um comitê executivo - composto por dois ou três indivíduos que

compartilham a função de CEO.

Mintzberg(1 979) conceitua o ápice estratégico como o elemento que

garante que a organização desempenhe a sua missão de forma efetiva e atenda aos

interesses das pessoas que a controlam ou que tem alguma parcela de poder para

196 CEO são as iniciais de Chief Executive OjJicer. Pode ser entendida como Principal Chefe Executivo. Será utilizada, para evitar um neologismo e por força do hábito, a sigla em inglês.

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1 1 8

influenciá-Ial97 . Essa posição impõe três tipos de responsabilidades para o ápice

estratégico.

o primeiro é a supervisão direta. Esse mecanismo de coordenação,

embora de responsabilidade direta dos gerentes de linha média, em última instância deve

ser exercido pelo ápice estratégico. A supervisão direta implica na alocação de recursos, no

projeto da estrutura da organização, a atribuições de tarefas e responsabilidades, a emissão

de ordens de serviço e delegação de poder para tomadas de decisão. O segundo grupo de

atribuições do ápice estratégico está relacionado com o gerenciamento das condições de

contorno da organização e seu relacionamento com o ambiente. O terceiro grupo de

atividades está relacionado com a estratégia da organização.

De fOTIna geral, o ápice estratégico tem a perspectiva mais ampla e

abstrata da organização. O trabalho nesse nível tem um mínimo de repetição e

padronização, sendo caracterizado por ciclos de tomada de decisão longos e utilização do

ajuste mútuo como mecanismo de coordenação nOTInalmente utilizado.

A linha média é composta por uma cadeia de gerentes de linha com

autoridade fOTInal que interligam o ápice estratégico ao núcleo operacional. Essa cadeia se

estende desde os gerentes seniores, logo abaixo do ápice estratégico, até os primeiros

supervisores, que tem autoridade direta sobre os operadores.

Teoricamente um único gerente - o CEO - poderia supervisionar

todos os operadores. Na prática, entretanto, a supervisão direta exige um contato estreito e

direto entre gerente e operador. Há também um limite para o número de operadores que um

gerente pode supervisionar. Pequenas organizações podem trabalhar com apenas um

gerente. Com o aumento do tamanho e da complexidade exigem um número cada vez

maior de gerentes. Como foi dito a Moisés, no deserto:

197 Fazem parte desse grupo os proprietários, os acionistas, as agências governamentais. os sindicatos, os grupos de pressão etc.

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"E tu dentre todo o povo procura homens capazes,

tementes a Deus, homens de verdade, que odeiem a avareza; e põe­

nos sobre eles por maiorais de mil, maiorais de cem, maiorais de

cinqüenta, e maiorais de dez;

Para que julguem este povo em todo o tempo; e seja

que todo o negócio grave tragam a ti, mas todo o negócio pequeno

eles o julguem; assim a ti mesmo te aliviarás da carga, e eles a

levarão contigo.

Se isto fizeres, e Deus to mandar, poderás então

subsistir; assim também todo este povo em paz irá ao seu lugar.

E Moisés deu ouvidos à voz de seu sogro, e fez tudo

quanto tinha dito" 198 .

1 1 9

A hierarquia organizacional é construída encarregando o pnmelro

supervisor de um certo número de operadores, formando uma unidade operacional básica;

outro gerente é colocado como responsável por um certo número dessas unidades básicas

criando uma unidade de nível mais alto; e assim até que todas as unidades da organizações

estejam sob a supervisão de um único gerente, designado CEO, complementando a

organização.

Dentro da hierarquia construída, o gerente de linha média executa

diversas tarefas no fluxo de supervisão direta acima e abaixo dele. Ele adquire informações

acerca do desempenho de sua unidade e as manda para os gerentes que estão acima dele,

normalmente agregando valor no processo. 1 99 Ele também intervém diretamente no fluxo

de decisões.

Movendo-se para cima estão perturbações da unidade, propostas de

mudança, e decisões que requerem autorização. Algumas dessas decisões, ele assume

/98 MOISÉS. Bíblia Sagrada Livro do Éxodo, capo 18: 21-24, Rio de Janeiro, Liga Bíblica Trinitariana, 1994. /99 Valor aqui deve ser entendido como informação ou deliberação que transforme ou elabore as informações remetidas.

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120

diretamente, enquanto outras são remetidas para uma instância maJOr para decisão.

Movendo-se para baixo estão os recursos que devem ser alocados, normas e planos que

devem ser elaborados em projetos e implementados no âmbito da unidade, ou abaixo.

Mintzberg(l 973) é de opinião que o gerente médio desempenha papéis semelhantes aos do

CED, mas no contexto de sua própria unídade200 .

A função gerencial muda de perfil conforme muda a posição na

cadeia de autoridade quanto mais baixo na hierarquia. O trabalho toma-se mais detalhado e

elaborado, menos abstrato e agregado e mais focado no fluxo operacional da organização.

As funções de tempo real do gerente - especialmente negociação e atenuação de

perturbações - tomam-se especialmente mais importantes nos níveis mais operacionais.

Dentro da tecno-estrutura são encontrados os analistas que servem à

organização influenciando o trabalho dos outros. Esses analistas estão fora do fluxo

operacional de trabalho. Eles podem projetar o trabalho, planejá-lo, mudá-lo ou treinar

pessoas para fazê-lo. A tecno-estrutura é efetiva somente quando utiliza suas técnicas para

tomar o trabalho de outros mais efetivo.

Segundo Mintzberg(l979), a tecno-estrutura tem o compromisso

vital com a mudança; com o perpétuo movimento. A obsessão da organização moderna

com a mudança provavelmente deriva da ambição de grandes tecno-estruturas em busca de

sua própria sobrevivência. A organização perfeitamente estável não teria necessidade de

uma tecno-estrutura.

Existem dois tipos de profissionais na tecno-estrutura. O primeiro

grupo está preocupado com processos de adaptação. Seu alvo principal é a adaptação da

organização às condições ambientais que a cercam. O segundo grupo está mais preocupado

com o controle, com a estabilização e com a padronização das atividades executadas. O

modelo concentra-se nos analistas que efetuam o controle dentro da organização.

200 MINnBERG, HENRY. The Nalure ofManagerial Work. Harper & Row, New Jersey, 1973.

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1 2 1

Podem ser destacados três tipos de analistas de controle; cada um

correspondendo a uma forma de padronização. Existem os analistas do trabalho, tais como

engenheiros industriais, que padronizam os métodos de trabalho; os analistas de

planejamento e controle, que padronizam os resultados e outputs da organização; e os

analistas de pessoal, que padronizam a qualificação e as habilidades profissionais.

Em uma organização completamente estruturada, a tecno-estrutura

atua em todos os níveis da hierarquia. Nos níveis inferiores os analistas padronizam o fluxo

de trabalho dos operadores através de instrumentos tais como estudos de tempos e

movimentos, controle de qualidade, e outros mecanismos semelhantes. Nos níveis médios,

eles procuram padronizar o trabalho intelectual da organização 201 e executam trabalhos de

análise de dados e pesquisas para auxiliar o desempenho operacional das unidades. Nos

níveis mais altos elaboram sistemas de planejamento estratégico e desenvolvem sistemas

de controle financeiro para controlar os objetivos das unidades maiores.

o staff de suporte pode ser definido como o conjunto das unidades

especializadas que gravitam dentro da organização com o intuito de proporcionar apoio,

mas não relacionadas com o fluxo operacional de trabalho nem com funções de controle

ou padronização.

Por exemplo, em uma universidade a livraria, a gráfica, os serviços de

impressão, o departamento de pessoal, os alojamentos dos estudantes, o grêmio estudantil e

etc. não fazem parte do núcleo operacional ; isto é não estão ligados diretamente ao ensino

ou à pesquisa (como estão o centro de computação e a biblioteca). Mesmo assim existem

para dar apoio indireto a essas atividades básicas.

Muitas organizações mantém staffs de suporte numa tentativa de

minimizar as incertezas e maximizar o seu controle sobre as suas condições de contorno.

As unidades do staff de suporte podem ser encontradas próximas aos diversos níveis

hierárquicos da organização. Em muitas organizações o serviço de relações públicas ou

20/ Um exemplo é a padronização do treinamento exigido para o exercício de determinadas funções.

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122

departamento jurídico estão localizados próximo ao ápice estratégico. Nos níveis médios,

estão as unidades que apoiam as decisões desses níveis tais como relações industriais,

determinação de preços (quando ele não é uma variável estratégica), e pesquisa e

desenvolvimento. Nos níveis mais baixos são encontradas as unidades com trabalho mais

padronizado, típicos do núcleo operacional: folha de pagamento, restaurante, serviços de

malotes e etc.

2.3.3 A organização como um sistema de fluxos

Após apresentar as partes componentes da organização, Mintzberg

detalha como essas partes trabalham juntas. Sugere que não existe um modo pelo qual elas

funcionam juntas, mas que os elos entre elas são variados e complexos.

A proposta consiste em reunir as partes da organização através de

diferentes sistemas de fluxos que guardam correspondência com as escolas de pensamento

da teoria das organizações.

Primeiramente a organização é vista como um sistema de autoridade

formal e como um sistema de fluxos regulados. Ambas as visões representam o ponto de

vista tradicional das escolas de pensamento. O primeiro foi popularizado pelos primeiros

teóricos das organizações e o segundo pelos teóricos dos sistemas de controle. Atualmente

esses pontos de vista estão presentes nas teorias da burocracia e no planejamento de

sistemas de informação.

O ponto de vista seguinte encara a organízação como um sistema de

comunicação informal. Esse ponto de vista foi muito popularizado pelos teóricos da escola

de relações humanas e hoje encontra adeptos junto aos cientistas behavioristas.

Os dois pontos de vista seguintes - a organização como um sistema

de constelações e como um sistema ad hoc de processos de decisão - apesar de ainda não

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1 23

estarem muito bem detalhados na literatura202 , são indicativos das tendências

contemporâneas na teoria organizacional, em parte porque misturam aspectos formais e

informais das organizações. Esses cinco sistemas são superpostos em uma espécie de

overlay no logo do modelo. A noção de overlay é a mesma utilizada e justificada por

Pfiffner e Sherwood, que afirmam:

" . . . a totalidade desses overlays pode ser tão complexa

que se tome opaca . . . (p. 1 9), mas lidando com eles um de cada vez

em relação à totalidade, nós podemos entender mais facilmente a

complexidade do sistema completo"203 .

2.3.3.1 A organização como um sistema de autoridade formal

Tradicionalmente, a organização tem sido descrita em termos de um

mapa organizacional chamado organograma . . A superposição de um organograma sobre o

logo do modelo de Mintzberg é mostrado na figura 2.2.

FIG. 2. 2 Fluxo de autoridadeformal

adaptado de Mintzberg (1979)

202 MINTZBERG, HENRY(1979), p. 35. Op. cito 203 PFIFFNER, J. M ; SHERWOOD, F. Administrative Organization Englewood Clifjs, New Jersey, Prentice Hall Inc., 1960.

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1 24

2.3.3.2 A organização como um sistema de fluxos regulados

A figura 2.3 mostra a organização como uma rede de fluxos

regulados sobrepondo-se ao logo do modelo. Esse diagrama é estilizado e mostra a

organização como um conjunto de fluxos bem ordenados e não conflitantes. Essa visão

ainda hoje é a favorita dos teóricos das organizações e domina a literatura sobre sistemas

de planejamento e controle.

FlG. 2.3 Sistema de fluxos regulados

adaptado de Mintzberg (1979)

Esse segundo sistema superposto ao logo mostra os fluxos de

materiais, de informações e de processos decisórios. Pode-se observar que somente são

mostrados os fluxos regulados que são sistemática e explicitamente controlados. Enquanto

o fluxo formal de autoridade explicita a forma como a supervisão direta é feita, os fluxos

regulados descrevem como são utilizados os mecanismos de padronização. Três fluxos

distintos podem ser identificados. O fluxo de trabalho operacional, o fluxo de informações

de controle e decisões e o fluxo das informações de staff.

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1 25

2.3.3.3 A organização como um sistema de comunicação informal

As organizações funcionam de um modo muito mais complexo do

que os sugeridos pelos dos primeiros sistemas até aqui descritos. A pesquisa de Mintzberg

mostrou que existe muito mais atividade fora dos sistemas de autoridade formal e de fluxo

regulado de processos. Existem centros de poder não oficialmente reconhecidos; ricas redes

de comunicação informal que suplementam e eventualmente evitam totalmente os canais

regulares; além de processos decisórios que fluem através da organização de forma

independente dos sistemas regulares. Dalton exemplifica:

" . . . durante séculos observadores e líderes têm notado a

distinção entre comportamento esperado e inesperado nas

organizações. O fato de que essa distinção continua a ser feita sob

nomes diversos aparentemente indica uma condição universal.

Desde os tempos de César Augusto, essas discrepâncias foram

reconhecidas e incorporadas em termos de jure (de direito) e de

facto (de fato); elas são aproximadamente equivalentes a legal ou

oficial e factual e não (necessariamente) oficial. Atualmente na

indústria e nos negócios repetidamente ouvem-se expressões do

tipo: administração versus política; teoria versus prática, e etc. "204 .

A figura 2.4 reapresenta o logo do modelo com o sistema de

comunicação informal superposto. pfiffner e Sherwood referem-se a esse sistema de

comunicação como sociograma. Ele é simplesmente o mapa que indica quem se comunica

com quem dentro da organização, independentemente dos canais formais. Ele apresenta o

aspecto sociométrico da organização.

204 DALTON, M. Men Who Manage John Wiley & Sons, 1959.

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FlG. 2.4 Fluxo de comunicação informal

adaptado de Mintzberg (1979)

126

2.3.3.4 A organização como um sistema de constelações de trabalho

Mintzberg(l 979) afirma que a idéia de constelações de trabalho parte

da constatação de que os elementos de uma organização que trabalham juntos tendem a

compartilhar interesses comuns. Por esse motivo, esses elementos, formam através da

comunicação informal constelações de trabalho. Essas constelações são relativamente

independentes da rede formal de autoridade.

Essas constelações são pequenos grupos baseados em

relacionamentos verticais e horizontais na estrutura formal da organização. Nos níveis mais

próximos ao núcleo operacional esses grupos refletem a organização funcional do fluxo de

trabalho; nos níveis gerenciais tendem a refletir especialidades profissionais.

A organização é definida então como um conjunto de constelações

profissionais semi-independentes formadas por grupos de indivíduos que se relacionam

basicamente em função do nível que ocupam na hierarquia. A imagem da organização

corresponde à de numerosos grupos que são internamente coesos mas que têm entre si

muito pouca ligação, é ilustrada na figura 2.5.

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• •

FIG. 2.5 As constelações de trabalho

adaptado de Mintzberg (1979)

2.3.3.5 A organização como um sistema de processos de decisão

ad hoc

127

Autoridade e comunicação não são fins em si mesmas. Elas são

apenas duas formas através das quais dois processos realmente importantes podem ser

desenvolvidos dentro das organizações. O primeiro processo é a tomada de decisão e o

segundo é a produção de bens e serviços.

As decisões organizacionais podem ser classificadas em

programadas e não programadas; ou como Mintzberg(1979) define, em rotineiras ou ad

hoc. De um lado, têm-se as decisões extremamente padronizadas, tomadas a intervalos

regulares. No outro extremo estão as decisões não estruturadas e tomadas em intervalos

irregulares. As decisões também podem ser categorizadas pela sua importância na

organização. Elas são classificadas como operacionais, administrativas e estratégicas.

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128

A figura 2.6 ilustra um processo decisório de decisão ad hoc, que

tem origem em um estímulo no núcleo operacional e que segue através da estrutura

organizacional.

FIO. 2.6 Fluxo de processo de decisão ad hoc

adaptado de Mintzberg (1979)

Pode-se entender a organização como um ente que se adapta a cada decisão

de forma peculiar e diferente das demais. Ela se adapta conforme a decisão a ser tomada.

Cada estímulo detona uma seqüência distinta de respostas e arranjos necessários para que

sejam tomadas as decisões . A organização é ad hoc no sentido de permanentemente

readequada em relação aos arranjos montados para tomada de decisão.

2.3.4 Parâmetros de projeto

Os parâmetros de projeto são nove e estão divididos em quatro

grupos. O primeiro grupo contém três parâmetros e está relacionado com o projeto das

posições; o segundo grupo, com dois parâmetros, lida com o projeto da super-estrutura; o

terceiro grupo contém dois parâmetros e está relacionado com o projeto dos elos de ligação

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1 29

e, finalmente, o quarto grupo contém dois parâmetros e está relacionado com o proj eto do

sistema de tomada de decisão.

2.3.4.1 Projeto de Posições

São analisados os três parâmetros de projeto referentes as posições

de trabalho: a especialização do trabalho, a formalização do comportamento ao executá-lo

e o treinamento ou doutrinamento exigido por ele.

o primeiro parâmetro é a especialização do trabalho. O trabalho

pode ser especializado em duas dimensões: com relação ao escopo do trabalho e com

relação ao controle por quem o executa. A primeira dimensão, chamada horizontal, discute

as tarefas que devem ser executadas e seu alcance. A segunda dimensão, chamada vertical,

discute quem efetivamente exerce o controle sobre o trabalho.

A formalização do comportamento é a forma pela qual os processos

da organização são padronizados. O comportamento pode ser padronizado de três formas

diferentes: a formalização por tarefa, a formalização por fluxo de trabalho e a formalização

por regras. Ao questionar por que o comportamento deve ser formalizado, Bjõrk sugere que

as organizações formalizam o comportamento para reduzir a variabilidade e, em último

caso, facilitar controle205 .

A formalização por tarefa ocorre quando as especificações

comportamentais estão ligadas à tarefa propriamente dita. Tipicamente ocorre através da

descrição formal da tarefa. O executante têm pré-determinados os passos, a seqüência, o

quando e o onde relativos à tarefa a executar.

205 BJORK, L. E. An Experiment in Work Salisfaction. Scjentific Amerjcan. p.J 7 - 23. March. 1975

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130

A fonnalização por fluxo de trabalho é feita quando a seqüência do

trabalho detennina o que deve ser feito sem alternativas. São exemplos a orquestra, que

deve obedecer à partitura, e trabalhos just in time.

Finalmente a formalização por regras ocorre quando todas as tarefas,

fluxos de trabalho e trabalhadores observam regras estabelecidas para todas as ocasiões.

Nonnalmente manuais têm o papel de bíblia da organização.

Não importa o tipo de fonnalização de comportamento adotada, o

objetivo é um só: regular o comportamento das pessoas. A fonnalização de comportamento

confronta dois tipos importantíssimos de estruturas organizacionais: a fonna burocrática e

a fonna orgânica.

As organizações baseadas em formalização de comportamento,

padronização e previsibilidade são chamadas organizações burocráticas. Nonnalmente são

organizações que funcionam bem em ambientes estáveis e previsíveis. Elas têm sistemas

de controle rígidos e de grande inércia.

Por outro lado, as organizações orgânicas são definidas como aquelas

onde não há padronização e cujas estruturas são projetadas para operar em ambientes

mutáveis e imprevisíveis. Mintzberg(l979) as coloca em extremos opostos em um

contínuo de padronização. A formalização de comportamento é também função do ponto

da estrutura organizacional que se esteja observando. Próximo ao núcleo operacional e nas

partes mais baixas da tecno-estrutura e do staff de suporte a fonnalização e a

burocratização são nonnalmente maiores do que no ápice estratégico e nas partes mais

elevadas dessas estruturas de suporte. Existem variações a essa regra. Por exemplo, um

gerente de pesquisa no nível baixo da estrutura pode operar de fonna muito mais orgânica

do que o gerente industrial de uma grande indústria.

o terceiro aspecto de projeto de posições é o que detennina os pré­

requisitos para que detenninada posição seja ocupada. A organização pode especificar o

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1 3 1

conhecimento prévio e as habilidades necessárias; os procedimentos de recrutamento e

seleção; ou, de forma alternativa, pode estabelecer ela mesma o treinamento dos

postulantes aos cargos. Em todos os casos o objetivo é o mesmo: internalizar nos

indivíduos um comportamento adequado antes que comecem a trabalhar. O treinamento é

fundamental para as atividades rotuladas como profissionais.

Schein206 define a socialização como o processo pelo qual cada novo

membro de um grupo aprende o sistema de valores, as normas e os padrões de

comportamento requeridos pelo grupo, organização ou sociedade na qual ele está entrando.

Utilizando essa definição, Mintzberg(1 979) conceitua doutrinamento como o parâmetro de

projeto através do qual a organização socializa seus membros em seu próprio beneficio.

2.3.4.2 Projeto da Superestrutura

O projeto da superestrutura envolve a arrumação das tarefas

desempenhadas dentro da organização. As tarefas e fluxos internos da organização devem

ser agrupados em unidades e grupos. Esse agrupamento ocorre em dois níveis: o primeiro

nível determina o tamanho de cada unidade; o segundo nível determina os agrupamentos

dessas unidades em subconjuntos contidos na organização.

A formação de grupos dentro de uma organização leva em

consideração vários aspectos interrelacionados. Dentre esses aspectos destacam-se os

critérios de supervisão direta, a divisão administrativa do trabalho, o sistema formal de

autoridade, os fluxos regulados, a comunicação informal, as constelações de trabalho e, por

fim, o organograma pretendido.

O processo começa com a determinação das necessidades

organizacionais, isto é, os objetivos a ser atingidos, necessidades existentes e o sistema

206 SeRE/N, E. H. Organizational Socializalion and lhe Professional of Managemenl. Industrial Management Reyjew. p. / - /6, winter, 1968.

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técnico disponível para tal. O proj etista delineia, através de um processo descendente, todo

esse cenário. Ele vai das necessidades gerais até as tarefas específicas. O passo seguinte é a

combinação de tarefas em posições, de acordo com o grau de especialização exigido. Por

fim determina-se quão formalizada cada posição deverá ser , e quanto treinamento e

doutrinamento exigirá.

A etapa seguinte consiste em começar a montagem da superestrutura.

Primeiro as diversas posições são agrupadas em unidades de primeira ordem. Quando todas

as posições estiverem contidas em grupos de primeira ordem, estes começam a ser

agrupados entre si, formando grupos de segunda ordem. O processo é repetido, alterando­

se a ordem dos grupamentos até que o último agrupamento coincida com a organização

inteira. Essa fase é chamada de ascendente, pois faz o caminho contrário do processo

descendente para tarefas. O primeiro é essencialmente um processo de análise; o segundo

um processo de síntese.

2.3.4.3 Tamanho das unidades

Diversos estudos tentaram correlacionar o sucesso da organização

com o tamanho de suas unidades componentes. Mintzberg é favorável a outro tipo de

argumento, encarando o problema através de dois tipos de confrontação: entre organizações

baixas e altas; e entre tamanho das unidades e mecanismos de coordenação.

Pode-se explicar as variações possíveis no tamanho de cada unidade

em termos do mecanismo de coordenação utilizado. Quanto maior o nível de padronização

utilizado em uma unidade, maior o tamanho máximo possível. Isso sugere uma relação

importante : o tipo da organização condiciona de certa forma o tamanho das suas unidades

constituintes. O estudo feito por Woodward207 exemplifica bem esse ponto. Organizações

burocráticas conteriam, devido à padronização, unidades maiores; enquanto organizações

207 WOODWARD, J. Industrial Organization. : Theory and Practice. Oxford University Press, 1965.

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133

maIS orgânicas serimn compostas por unidades menores, em função da ênfase em

ajustamento mútuo. Este ponto é exemplificado na figura 2.7.

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FlG. 2. 7 Tamanho da unidade e padronização do trabalho

adaptado de Mintzherg ,(J976)

o núcleo operacional normalmente contém unidades maIOres. Isso

ocorre porque essa parte da organização apoia-se mais em mecanismos de padronização. A

linha hierárquica entre o núcleo operacional e o ápice estratégico tem a forma de um cone,

isso ocorre devido à decrescente capacidade de supervisionar diretamente um grande

número de gerentes com níveis crescentes de informação agregada. Por fim, os apêndices

estratégicos são alongados, como elipses; as extremidades refletindo as interações baseadas

em ajuste mútuo com o núcleo operacional e o ápice estratégico, o meio mais burocratizado

refletindo padrões de interação mais padronizados.

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1 34

2.3.4.4 Os elos laterais: sistemas de planejamento e controle

o projeto da organização não está completo apenas com a

determinação de seus elementos estruturais. Mintzberg faz um paralelo com o corpo

humano, tentando colocar músculos e nervos sobre o esqueleto que encontrou. Esses

nervos e músculos são os sistemas de planejamento e controle.

Os sistemas de planejamento podem ser definidos como o conjunto

de ações que visam a garantir a priori a padronização de quantidades, qualidade, custos, e

etc. Podem ser realizados através de orçamentos, cronogramas, planos operacionais e

mecanismos afins. O planejamento normalmente é deixado a cargo da tecno-estrutura por

analistas tais como controllers, engenheiros de controle de qualidade, analistas de sistemas

de informação e outros profissionais especializados.

Existem dois tipos de sistemas de planejamento e controle. O

primeiro regula o desempenho como um todo, está mais preocupado em monitorar

resultados da organização e é chamado de controle de desempenho. O segundo está voltado

para o planejamento e controle de atividades específicas a serem realizadas, chamado de

planejamento de ação. A figura 2.8 ilustra os dois tipos de sistema.

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Pio neJOlunto • ApDo

Oeci.flo o .cl."o • "

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Controle d. O ... tnpenho

FIa. 2.8 As relações entre decisão, planejamento de ação e controle de

desempenho - adaptado de Mintzberg (J 979)

135

Por ter objetivo mais abrangente, o controle de desempenho é utilizado em

organizações compostas por unidades semi-independentes ou divididas por mercados. Esse

sistema concede boa dose de autonomia para a unidade e serve para motivar o desempenho

e exercer o controle, sem preocupação com ações específicas a serem tomadas. Filiais de

empresas multinacionais são bem representativas desse tipo de controle.

o planejamento de ação, por sua vez, exige atitudes em relação a

decisões operacionais que devem ser tomadas. Por exemplo, enquanto o controle de

desempenho exigiria a conquista de uma fatia de 30 % do mercado de determinado

produto; o controle de ação determinaria que máquinas adquirir, que estratégia de

marketing seguir, quem contratar, como treinar, etc.

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1 36

2.3.4.5 Projeto dos elos laterais: dispositivos de ligação

Normalmente nem a supervisão direta, nem qualquer das três formas

de padronização são suficientes para a organização alcançar o nível de coordenação exigido

para o seu bom funcionamento. Importantes interdependências permanecem por resolver,

mesmo após o projeto da superestrutura, das posições individuais e dos sistemas de

planejamento e controle. Por exemplo, quando o cliente reclama de um serviço que não foi

realizado a contento, é necessário reunir o gerente industrial e o de marketing para

solucionar o problema. Como solucionar tal situação? Mintzberg afirma que essa questão

foi deixada ao largo da literatura organízacional.

Para estruturar esse tipo de situação as organizações desenvolveram

um conjunto de dispositivos de ligação que têm por função facilitar o contato entre os

elementos dentro da organização. Esses elementos, inicialmente informais, foram

formalizados na estrutura. Eles são as posições de ligação, as forças tarefa e comitês de

trabalho, os gerentes integradores e as estruturas matriciais.

As posições de ligação são criadas quando existe uma necessidade

muito grande de comunicação direta para coordenar o trabalho. Ela é formalmente

estabelecida para redirecionar os canais de comunicação, ignorando a estrutura formal.

Forças tarefas e comitês de trabalho são expressões de um mesmo

mecanismo utilizado quando reuniões interdepartamentais regulares são necessárias para a

solução de determinado problema. Se essas reuniões são temporárias é utilizada a força

tarefa; se são permanentes é formado comitê de trabalho.

Por fim o último desses dispositivos de ligação são as estruturas

matriciais. Para evitar tcndenciosidades na execução de determinado processo, as

organízações colocam as áreas envolvidas em pé de igualdade. As diversas áreas tem o

mesmo nível hierárquico. Esse dispositivo sacrifica o conceito de unidade de comando. A

idéia básica é que a organízação resolva seus conflitos através da negociação informal, sem

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1 37

recorrer a autoridade formal e sem recorrer à autoridade dos elementos de linha sobre os de

staff.

2.3.4.6 Projeto dos sistemas de tomada de decisão: descentralização

horizontal e vertical

Quando o poder para tomada de decisão está concentrado em um

único ponto na organização, diz-se que sua estrutura é centralizada. À medida que o poder

vai sendo disperso por diversos atores a estrutura vai se descentralizando.

Normalmente as organizações se descentralizam por duas razões. A

primeira é a impossibilidade de um indivíduo pode centralizar a capacidade de decidir

tudo, pois existe uma limitação cognitiva. A segunda é a necessidade de respostas ágeis da

organização a condições locais às quais um decisor distante não poderia responder com

presteza. Existem dois tipos básicos de descentralização. A descentralização vertical e a

descentralização horizontal.

A descentralização vertical ocorre quando a delegação de poder

formal é feita ao longo da hierarquia formal. Esse tipo de descentralização é condicionado

por três fatores: os tipos de decisão que podem ser delegadas aos níveis abaixo do CEO na

cadeia de autoridade, a autonomia decisória de cada nível hierárquico e a coordenação do

poder decisório.

Associados a esses fatores estão os conceitos de descentralização

seletiva e de descentralização paralela. A descentralização seletiva ocorre quando o poder

decisório é delegado de forma discricionária. Um gerente de produção pode decidir sobre

questões operacionais mas não sobre orçamento, enquanto um gerente de marketing do

mesmo nível hierárquico pode decidir sobre o nome de uma marca a ser lançada mas não

opina sobre os métodos de produção. Esse tipo de descentralização está associado ao

conceito de constelações de trabalho, visto anteriormente. Já a descentralização paralela

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1 3 8

ocorre, por exemplo, em organizações divididas por mercado em que coexistem diversas

unidades idênticas na estrutura organizacional. O poder é delegado de forma uniforme

entre as diversas unidades. Esse tipo de descentralização é associado ao mecanismo de

controle de desempenho.

A descentralização horizontal está associada ao poder informal que

flui para a tecno-estrutura e para o staff de suporte. Esse poder deriva do controle sobre a

informação, especialização técnica e poder de aconselhamento dos membros das unidades

de apoio. Mintzberg aponta cinco tipos básicos de descentralização. Esses tipos combinam

com as duas formas de descentralização existentes e são indicados na figura 2.9.

T I P O ,. CENTRALIUÇÃO VERTICAL

E HORIZONTAL

T I P O B OE'CENT�ALIZAÇJ,O

HORIZONTAL L IMITADA (SELETIVA)

TI P O C DESCENTRALIZAÇÃO VERTICAL

LIMITADA C PARA L E L A I

T I PO ! T I PO D DEICI!HTRALluçlo VERTICAL E H O ft l ZONTAL S E L E TIVA

OESCENTAAL{ !.AÇÃO V E R T I C A L HORIZONTAL

FIG. 2.9 Os tipos de descentralização

adaptado de Mintzberg (1979)

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139

2.3.5 Os fatores contingenciais

A pesquisa de Mintzberg constatou a existência de um conjunto de

elementos chamados fatores contingenciais. Esse conjunto determina como as

organizações escolhem os parâmetros de projeto. São identificados quatro fatores

contingenciais: idade e tamanho da organização, sistema técnico utilizado, ambiente onde a

organização está inserida e poder.

É a combinação entre parâmetros de projeto e fatores contingenciais

que descreve como as organizações realmente são estruturadas. Essa combinação parte da

elaboração de hipóteses básicas e das chamadas variáveis intervenientes.

As hipóteses básicas são três: a hipótese da congruência, a hipótese

da configuração e a hipótese da configuração estendida. As variáveis intervenientes são

quatro: compreensão do trabalho, previsibilidade do trabalho, diversidade do trabalho e

velocidade de resposta.

A hipótese da congruência propõe que a efetiva estruturação exige

que haja congruência entre fatores contingenciais e parâmetros de projeto. Em outras

palavras, a organização bem sucedida projeta a sua estrutura para atender ao ambiente

contingencial que a envolve.

A hipótese da configuração propõe que a estruturação efetiva exige

que haja consistência interna entre os parâmetros de projeto. Isto é, a organização bem

sucedida desenvolve com seus parâmetros de projeto uma configuração lógica.

A terceira hipótese deriva da combinação das duas hipóteses

anteriores e é chamada de hipótese da configuração. estendida. Ela propõe que a

estruturação bem sucedida requer consistência entre parâmetros de projeto e fatores

contingenciais.

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1 40

As variáveis intervenientes ou funcionais estão relacionadas com o

trabalho executado pela organização. Essas variáveis atuam como elo de ligação entre as

variáveis contingenciais (independentes) e as variáveis estruturais (dependentes).

o grau de entendimento do trabalho a ser executado é representado

pela variável interveniente chamada compreensão do trabalho. Ela interliga as variáveis

independentes de complexidade do ambiente, e sofisticação do sistema técnico às variáveis

dependentes de especialização e descentralização.

A previsibilidade do trabalho está relacionada ao conhecimento

prévio do trabalho que deve ser feito. Interliga as variáveis independentes de idade e

tamanho, ambiente e grau de regulação do trabalho às variáveis dependentes formalização

de comportamento, sistemas de planejamento e controle e treinamento e doutrinamento.

A diversidade do trabalho descreve como varia o trabalho que a

organi7�ção deve fazer. Interliga a diversidade do ambiente e as variáveis dependentes

bases para agrupamento, formalização de comportamento e dispositivos de ligação.

A quarta e última variável interveniente é a velocidade de resposta.

Representa a velocidade que a organização tem para reagir aos estímulos do ambiente. Faz

a interligação entre a hostilidade do ambiente organizacional e os parâmetros de

descentralização, formalização de comportamento e agrupamento em unidades.

2.3.5.1 Idade e tamanho

A estrutura é função da idade da organização e do seu tamanho.

Mintzberg(1 979) faz comparações entre as estruturas das organizações jovens e velhas e

entre grandes e pequenas e comprova efeitos consideráveis desses dois fatores sobre as

estruturas das organizações. Esses efeitos são descritos por cinco hipóteses; três delas

relacionadas com a idade e duas com o tamanho.

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141

Mintzberg propõe na primeira hipótese que quanto mais velha a

organização, mais formalizado é o seu comportamento. Estudo realizado por cinco anos

identificou uma correlação positiva entre idade e formalização das atividades208 . Outro

estudo desenvolvido por Samuel e Mannheim também encontrou alta significância

estatística entre idade das organizações e grau de impessoabilidade209 .

Na segunda hipótese é proposto que a estrutura reflete a época de

fundação da indústria à qual pertence a organização. Essa hipótese está baseada no trabalho

de Arthur Stinchcombe. Ele deduziu que conforme as organizações envelhecem elas

mantém as características básicas da época de sua fundação21O • As organizações da era pré­

industrial, normalmente familiares - fazendas, construtoras, varejo - ainda mantém essa

característica. As do início da era industrial - têxteis, bancos, e outras - são

consistentemente burocratizadas. As que vieram depois - automobilística, elétrica e

eletrônica - se caracterizaram pelo crescimento das tecno-estruturas e suportes de staff,

permanecendo assim até hoje.

Mintzberg propõe na terceira hipótese que quanto maior a

organização mais elaborada sua estrutura, mais especializadas suas tarefas, mais

diferenciadas suas unidades e mais desenvolvido o seu componente administrativo.

É proposto na quarta hipótese que quanto maIOr a organização,

maior o tamanho médio de suas unidades. Conforme a organização cresce tende a exigir

que seus gerentes supervisionem maior número de operadores.

Mintzberg propõe como quinta e última hipótese que quanto maior a

organização, mais formalizado é o seu comportamento. Em outras palavras: quanto maior a

208 /NKSON, J K. ; PUGH, D. S ; H/CKSON, D. J Organizalion, Context and Strueture: An Abbreviated Replicalion. Administratiye SeieaGe Ouarterlv p. 3/8 - 329. /970. 209 SAMUEL, Y. ; MANNHE/M, B. F. A Mullidimensional Approach Toward a Typology of Bureaucracy. Administraliye Seience Quarterly p 2 - 1 7, /970. 210 STINCHCOMBE, A. L. Bureaucratic and Craft Administration of Production: A Comparative SIUdy. Administratiye Seieoce Quarter(y p. 168 - 187, /959 - 60.

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organização, mais os comportamentos se repetem e, como resultado, eles tornam-se mais

previsíveis, dado que aumenta a propensão à formalização.

2.3.5.2 Osistema técnico

o sistema técnico é definido como o conjunto de instrumentos

coletivos usados pelos operadores em seu trabalho. Hunt define três dimensões desse

sistema.21 1 A primeira é a sua flexibilidade, associada ao grau de possibilidades de escolha

das formas para execução de uma tarefa, a segunda é a complexidade instrumental do

sistema técnico e a terceira é a complexidade da tecnologia utilizada, englobando inclusive

conhecimento necessàrio para utilizá-Ia. Mintzberg, por sua vez, utiliza apenas duas

dimensões e as nomeia como regulação e sofisticação

A regulação descreve a influência do sistema técnico no trabalho dos

operadores. Nos termos de Hunt ela está relacionada ao locus de controle do trabalho, na

medida em que o trabalho dos operadores é controlado ou regulado pelos seus

instrumentos.

A sofisticação descreve a complexidade ou pormenores do sistema

técnico, indicando o grau de compreensão possível que o sistema permite.

o conceito de sistema técnico permite agregar os sistemas técnicos

existentes em três categorias básicas: a produção unitária, a produção de massa e a

produção por processo.

A produção unitària engloba a produção sob encomenda e está

associada à produção de protótipos ou de grandes equipamentos em estágios separados ou a

produção de pequenos lotes. A produção de massa está associada à produção de grandes

211 HUNT, R. G. Technology and Organization. Academv ofManagement ./oumal p. 235 - 252, 1970.

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lotes, linhas de montagem e produção seriada de grandes quantidades de produtos. Por fim

a produção por processo descreve o modo de produção de plantas de multiprocessamento,

produtos químicos e gases, fluidos e líquidos produzidos em fluxos contínuos.

Organizações onde os três tipos de produção estão presentes

coexistem atualmente. Sua características básicas estão descritas em um extenso estudo

conduzido por Joan Woodward acerca da relação entre sistema técnico e estrutura212 •

Mintzberg considera esse estudo como a mais clara prova das relações entre sistema

técnico e estrutura. O estudo de Woodward permite inferir algumas relações importantes.

As organizações que utilizam a produção unitária têm algumas

características em comum. Por não ter um produto padronizado, essas organizações operam

com estruturas organizacionais orgânicas. Seu mecanismo de coordenação é o ajuste

mútuo.

As organizações que utilizam a produção de massa tem um

comportamento mais formalizado. Esse comportamento, função da padronização de sua

produção, facilita o surgimento das características da burocracia clássica. O mecanismo de

coordenação utilizado é a padronização de saídas.

O aumento do grau de automação utilizado conduz os meios de

produção da produção de massa para a produção por processo. A eliminação dos gerentes e

de muitos dos operadores elimina os conflitos inerentes à organização burocrática.

Segundo Mintzberg(l 979), a organização torna-se orgânica mais uma vez.

Partindo das idéias de Woodward, Mintzberg apresenta três hipóteses

sobre o relacionamento entre a estrutura e a sofisticação e a regulação do sistema técnico.

Mintzberg propõe na primeira hipótese que quanto mais regulador

for a sistema técnico mais formalizado será o fluxo de trabalho e mais burocratizada a

212 WOODWARD, J. Op. cil.

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estrutura do núcleo operacional. Essa hipótese aplica-se somente ao núcleo operacional. A

estrutura burocrática do núcleo operacional não reflete a sofisticação do sistema técnico

mas somente a habilidade do projetista em quebrar as tarefas em rotinas simples e

especializadas.

É proposto na segunda hipótese que quanto mais sofisticado for o

sistema técnico, mais elaborada será a estrutura administrativa, maior será o staff de

suporte, maior a descentralização seletiva e maior o uso de dispositivos de ligação. Em

outras palavras , as organizações com sistemas técnicos sofisticados apresentarão altas

relações AIP (entre unidades administrati vas I unidades técnicas), utilizarão pesadamente

dispositivos de ligação e serão descentralizadas seletivamente para delegar poder sobre

questões técnicas ao staff de suporte.

Na terceira hipótese Mintzberg propõe que a automação do núcleo

operacional transforma a estrutura administrativa burocrática em uma estrutura orgânica. A

obsessão pelo controle na estrutura burocrática é levada ao extremo até o ponto em que não

é mais necessária a presença do controlador. Os conflitos entre tecno-estrutura e núcleo

operacional tendem a desaparecer e o mecanismo de coordenação quando utilizado é o

ajustamento mútuo no lugar da padronização.

Por fim, pode-se afirmar que um sistema técnico regulador

burocratiza o núcleo operacional, um sofisticado toma mais elaborado o staff de suporte e

um automatizado desburocratiza a estrutura acima do núcleo operacional.

2.3.5.3 O ambiente

Toda organização existe em um ambiente com diversas

características que a influenciam. O ambiente engloba virtualmente tudo o que é percebido

como externo à organização: o ambiente tecnológico, a natureza dos produtos,

consumidores e competidores existentes, a situação geográfica, política, econômica, etc.

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1 45

A organização responde a essas influências de diversas formas. Uma

dessa formas é estruturando-se de acordo com o ambiente externo para melhor sobreviver.

Mintzberg descreve inicialmente quatro características do ambiente organizacional.

A primeira característica é o grau de estabilidade que o ambiente

apresenta. Os ambientes organizacionais podem ser estáveis ou dinâmicos. O grau de

estabilidade afeta a estrutura através da variável intermediária da previsibilidade. Em

outras palavras um ambiente dinâmico toma o trabalho da organização menos previsível.

A segunda característica é o grau de complexidade do ambiente. O

ambiente pode ser simples ou complexo. Essa característica atinge a estrutura através da

variável intermediária da compreensão do trabalho a ser efetuado. Um ambiente é

complexo na medida em que exige da organização conhecimentos mais sofisticados sobre

produtos, clientes, mercados etc.

A terceira característica está relacionada com a diversidade do

mercado. Um mercado diversificado ou integrado. Um mercado diversificado pode

significar muitos clientes, produtos ou áreas a serem atendidas. A diversidade do mercado

afeta a estrutura através da variável intermediária da diversidade do trabalho a ser

executado.

A quarta e última característica do ambiente é o grau de hostilidade

do meio. O ambiente pode ser favorável ou hostil dependendo principalmente do grau de

competição que lhe é inerente. O grau de hostilidade afeta a estrutura pela variável

intermediária da velocidade de resposta. Ambientes hostis geralmente exigem respostas

rápidas às suas demandas.

As características descritas acima permitiram a Mintzberg elaborar

cinco hipóteses sobre os efeitos do ambiente sobre a estrutura organizacional. As quatro

primeiras descrevem os efeitos das quatro características do ambiente sobre os parâmetros

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146

de projeto que elas mais influenciam. A quinta considera os efeitos das dimensões que

impõem condições contraditórias.

Mintzberg postula na primeira hipótese que quanto mais dinâmico o

ambiente mais orgânica será a estrutura. A dinâmica do ambiente é inversamente

proporcional ao uso de mecanismos de coordenação apoiados em padronização. Ambientes

imprevisíveis levam a organização a utilizar a supervisão direta ou ao ajustamento mútuo

para lidar com as mudanças. Em outras palavras ela tem que ser mais orgânica.

Na segunda hipótese é proposto que quanto mais complexo o

ambiente mais descentralizada será a estrutura utilizada. Essa hipótese decorre do fato de

que com o aumento da complexidade do ambiente diminui a possibilidade de poucos

elementos poderem decidir todas as questões envolvidas no fluxo de trabalho.

Complexidade leva à descentralização.

A terceira hipótese estabelece que quanto mais diversificados os

mercados onde atua a organização, maior será a propensão para que ela se divida em

unidades estruturadas por mercados. Essa hipótese postula uma relação direta entre a

terceira variável ambiental - a diversidade de mercado - e o terceiro parâmetro de projeto -

a base para o agrupamento de unidades. Mintzberg(l 979) afirma que a diversificação

fomenta a divisionalização. De forma complementar, a presença de uma função crítica e

comum a todos os mercados impede a verdadeira divisionalização.

Como quarta hipótese Mintzberg propõe que face a hostilidade

extrema de um ambiente, qualquer organização centraliza a sua estrutura temporariamente.

Esse fenômeno é explicado em termos do mecanismo de coordenação da supervisão direta.

Esse mecanismo permite meios mais rápidos de reação e decisão. Por isso é utilizado em

momentos de ameaça externa, onde é necessário haver coesão e rapidez de resposta.

Na quinta hipótese é proposto por Mintzberg que as disparidades

existentes em um ambiente encorajam a organização a descentralizar o poder seletivamente

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para as diversas constelações de trabalho. A organização cria dentro de si bolsões

profissionais que reagem seletivamente às condições ambientais enfrentadas.

Mintzberg utiliza esse conjunto de hipóteses para trabalhar com uma

tipologia de quatro ambientes passíveis de serem encontrados pelas organizações. Essa

tipologia têm duas dimensões. A primeira relativa à complexidade do ambiente e a segunda

relativa à dinâmica que lhe é inerente.

A combinação dessas quatro dimensões cria, segundo o modelo

proposto por Mintzberg, uma matriz com quatro ambientes organizacionais básicos. A

natureza do meio ambiente varia em função de duas dimensões: a complexidade e a

estabilidade. O meio ambiente pode ser complexo e estável, complexo e dinâmico, simples

e estável e por fim simples e dinâmico. A figura 2 . 10 ilustra a matriz proposta por

Mintzberg:

Estável Dinâmico

Complexo descelltralizado; descentralizado;

burocrático padronização de orgânico aju.fte mútuo

habilidades

Simples centralizado; centralizado; orgânico

burocrático padronização de supervisão direta

processos

FIG. 2. 10 A matriz ambiental

adaptado de Mintzberg (1979)

O primeiro tipo é o ambiente caracterizado por ser simples e estável.

Ele dá origem a organizações centralizadas e burocráticas. Essas organizações baseiam-se

na padronização dos processos de trabalho como mecanismo de coordenação e utilizam

como principal parâmetro de projeto a formalização do comportamento.

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148

o segundo tipo é o ambiente classificado como complexo e estável.

Esses ambientes levam a existência de organizações burocráticas e descentralizadas. Essas

organizações utilizam a padronização de habilidades e são burocráticas em virtude de

utilizarem conhecimento padronizado e processos aprendidos em programas de

treinamento formal e imposto à organização por associações profissionais externas.

o terceiro tipo de ambiente é caracterizado por ser dinâmico e

simples. A organização exige a flexibi lidade da estrutura orgânica mas o poder dentro dela

fica centralizado. O mecanismo de coordenação utilizado é a supervisão direta.

Por fim, o quarto tipo de ambiente é definido como dinâmico e

complexo. A organização deve descentralizar o poder para permitir que os especialistas

possam decidir e ao mesmo tempo ser orgânica para permitir uma interação flexível típica

de uma estrutura orgânica.

2.3.5.4 O Poder

Pode-se conceituar o poder como a capacidade de afetar e

influenciar os objetivos e resultados de uma organização. A organização pode ser vista

como uma arena de jogo onde diversos atores lutam por influência para atingir os seus

objetivos. O exercício do poder depende de esses atores terem vontade e habilidade para

jogar. Mintzberg divide esses atores em três grupos: a coalizão externa, a coalizão interna e

a ideologia2\3 .

Uma coalizão é definida como sendo um grupo de indivíduos que se

reúne com o intuito de atingir um determinado objetivo. Cyers e March utilizam esse

conceito para descrever um grupo de pessoas que se reúnem e barganham entre si

determinada distribuição de poder organizaciona1 214

213 MINTZBERG. HENRY (/983) . Op. Cil. 214 CYERT, R. M.; MARCH, J. G. A Behavioral TheOlJ' Q/lhe Firm. Englewood Clijft, New Jersey. Prenlice Hall, 1963.

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1 49

A coalizão externa é composta pelos proprietários, fornecedores,

clientes associações profissionais e entidades representando o Estado. Também faz parte da

coalizão externa o conselho de administração ou seu equivalente que fica na interface entre

as coalizões externa e interna.

A coalizão interna é composta pelos cinco elementos estruturais da

organização: o CEO, a tecno-estrutura, os gerentes de linha, os operadores e o staff de

suporte.

o terceiro ator é a ideologia da organização. Ela é o conjunto de

crenças e valores compartilhados pelos influenciadores externos e internos e que a

distingue das outras organizações. A figura 2. 1 1 ilustra o palco armado para o jogo do

poder ao redor e dentro da organização.

PÚBL.ICO

PROPRIETÁRIOS

Operador ..

"UOCI�COE!l Ol 'UNCIONAII:IOS

A:!!I50CIAoal

FIO. 2.11 Os atores

adaptado de Min/zberg(l983)

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150

A coalizão externa é o resultado da interação dos atores externos à

organização. Dependendo do número de atores que compõem a coalizão externa, ela pode

ser dividida em três tipos básicos: dominada, dividida e passiva.

Quando existe apenas um ou poucos atores interagindo a coalizão

externa é dominada. Quando o número de atores aumenta ela torna-se uma coalizão externa

dividida. Se o número de atores aumenta ainda mais a coalizão torna-se passiva.

A coalizão interna pode ser definida como o resultado da interação

dos atores através de quatro sistemas de poder internos à organização: sistema de

autoridade, sistema de ideologia, sistema de competência e sistema político.

o sistema de autoridade é baseado no exercício da autoridade formal,

weberiana, dentro da organização. O sistema de ideologia apóia-se nas crenças e ideais que

permeiam a organização. O sistema de competência baseia-se na capacidade técnica e o

sistema político é baseado no conflito. Os sistemas de autoridade e de ideologia são

agregadores e promovem a coesão da organização. Os sistemas de competência e de

política, por outro lado, são desagregadores e promovem a dissensão interna.

A interação dos atores da coalizão interna, através dos quatro

sistemas de poder, produz uma tipologia de coalizões internas dependente da hegemonia de

um ou outro sistema. A coalizão interna pode ter cinco naturezas distintas: personalizada,

burocrática, ideológica, profissional e política.

A coalizão interna personalizada está baseada no sistema de

autoridade formal. O controle pessoal afeta diretamente o processo de delegação de

autoridade e descentralização. A coalizão interna burocrática também está baseada no

sistema de autoridade formal. A diferença é que a ênfase recai sobre os controles

burocráticos. A autoridade é mantida basicamente através da padronização. A coalizão

interna ideológica baseia-se na integração e internalização de objetivos e crenças comuns

dentro da organização. É muitas vezes igualitária, missionária ou política. A coalizão

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1 5 1

interna profissional é dominada pelo sistema de competência. O poder concentra-se onde

estão as habilidades técnicas essenciais ao funcionamento da organização. A coalizão

interna política está baseada no conflito. Ela é instável em relação ao poder. O foco dessa

coalizão não está no poder mas nos jogos de poder.215

Mintzberg afirma que existem relações muito fortes entre as

coalizões internas e externas. As organizações tendem a se configurar e combinar suas

coalizões de forma a atingir consistência, sinergia e harmonia. Essa linha de pensamento

conduz à idéia de arranjos preferenciais criados pelas organizações.216 Esses arranjos

preferenciais são chamados por Mintzberg de configurações de poder.2 17

As configurações de poder surgem devido à existência de formas

preferenciais de combinação entre as coalizões internas e externas. As configurações onde

as coalizões são naturalmente complementares são estáveis. Configurações com

combinações naturalmente não complementares geram conflito e são instáveis.

A figura 2. 1 2 ilustra o grupo das possíveis combinações estáveis

entre as coalizões externas e internas. Esse grupo é formado pelas seguintes combinações:

instrumental, sistema fechado, autocracia, missionária, meritocracia e arena política.

A configuração instrumental é a configuração na qual a organização

serve a um influenciador externo dominante. Essa configuração emerge quando a

organização é controlada por um poder externo focado e organizado. O controle é baseado

tipicamente em alguma dependência existente entre organização e controlador externo.

O sistema fechado é uma configuração que normalmente tem uma

coalizão interna burocrática. A diferença entre essa configuração e a instrumental é que

nesse caso o poder externo é difuso. A maior parte do poder é exercida pelos

administradores internos.

215 MINTZBERG. HENRY(1983). Dp. Cito pp. 187 - 242. 216 MILLER, D.; MINTZBERG, H. The Case for Configuration. Working Paper, McGiII University, 1980. 217 Idem, ibdem. pp. 292.

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1 52

A configuração autocrática é totalmente dominada pelo CEO Não

existem jogos políticos. Os insatisfeitos se retiram. Durante crises muitas organizações

tomam-se temporariamente autocráticas.

Coalizão externa

Dominada

Passiva

Passiva

Passiva

Passiva

Dividida

Coalizão interna

Burocrática

Burocrática

Personalizada

Ideológica

Profissional

Politizada

Fig. 2.12 As configurações de poder

adaptado de Mintzberg(J983)

Configuração de poder

Instrumental

Sistema fechado

Autocracia

Missionária

Meritocracia

Arena politica

A configuração missionária é caracterizada por ter uma coalizão

externa passiva e ser dominada pela ideologia. Predominam as lideranças carismáticas e as

tradições.

A configuração meritocrática tem o poder gravitando em tomo da

competência. A atividade política é intensa devido a existência de um staff de suporte bem

desenvolvido. Surgem normalmente quando o trabalho é complexo e o ambiente estável.

Por fim a configuração denominada arena política é caracterizada

pelo conflito. Ela surge quando a coalizão externa é dividida e a coalizão interna é

politizada. Existe muita discussão e · pouca lealdade. Em termos de poder é uma

configuração disfuncional.

As demais combinações possíveis não tem afinidade natural entre si

e, por essa razão, formam arranjos de poder instáveis. A instabilidade inerente a esse

segundo conjunto de combinações explicita-se através do conflito. Dentre as combinações

instáveis possíveis, duas merecem um destaque especial: a coalizão externa dominada e

coalizão interna profissional e a coalizão externa dividida e coalizão interna profissional.

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1 53

Quando a combinação envolve uma coalizão externa dominada e

uma coalizão interna profissional o nível de conflito aumenta e a coalizão toma-se instável.

Essa instabilidade decorre do fato de que o influenciador externo tentará controlar as

tarefas dos profissionais. Ele exerce forte tendência para burocratizar a organização. Os

operadores resistirão utilizando diversos dos jogos de poder disponíveis na tentativa de

manter a autonomia218 . Se houver predominância da coalizão externa a organização tornar­

se-á mais burocrática. Se entretanto a hegemonia for da coalizão interna ela se tomará uma

arena política.

Quando a combinação envolve uma coalizão externa dividida e uma

coalizão interna profissional a instabilidade decorre da tendência da coalizão interna para o

domínio de todo o sistema de poder na organização. Mintzberg(J 983) afirma que qualquer

poder legítimo e dominante dentro da coalizão interna é incompatível com uma coalizão

externa dividida219 .

Mintzberg termina a digressão acerca do poder fazendo uma

correlação entre as configurações de poder e as configurações estruturais das organizações.

A figura 2 . 13 ilustra bem essa correlação.

Configuração de poder Estrutura organizacional

Autocracia Estrutura simples

Instrumental ( autoridade ) Máquina burocrática

Sistema fechado ( padronização) Máquina burocrática

Meritocracia Burocracia profissional / Adhocracia

Missionária Missionária ( postulada)

Arena política Política ( postulada )

Fig. 2. /3 A corre/ação entre as estruturas organizacionais e confi&'1lrações de poder

2/8 Idem, ibdem. 2/9 Idem, ibdem.

adaptado de Mintzberg(J 983)

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1 54

3.6 As configurações estruturais

Os elementos apresentados por Mintzberg em seu modelo

apresentam convergências que estão longe de ser acidentais. Os mecanismos de

coordenação, os parâmetros de projeto, e os fatores de contingência parecem agrupar-se em

grupos ou configurações naturais.

Ao utilizar a chamada hipótese de configuração, Mintzberg(1 979)

postula que as organizações conseguem se efetivar quando alcançam consistência interna

entre seus parâmetros de projeto. Essa consistência é chamada de configuração estrutural.

Essas configurações estão refletidas nas convergências apresentadas pelo modelo.

O número cinco aparece seguidamente dentro do modelo de

Mintzberg. Primeiro foram os cinco mecanismos de coordenação. Em seguida apareceram

as cinco partes básicas da organização. Em terceiro lugar os cinco tipos de

descentralização.

De fato, a recorrência do número cinco não foi acidental pois existem

cinco configurações estruturais. A figura 2.14 ilustra as cinco configurações e suas relações

com os mecanismos de coordenação, elementos estruturais e o tipo característico de

descentralização que possuem.

A correspondência pode ser explicada considerando-se a organização

como sujeita a um conjunto de forças divergentes exercidas sobre cada uma de suas partes.

Dependendo da relação entre as forças a organização tende a estruturar-se conforme uma

das configurações.

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Configuração Estrutural

Estrutura Simples

Máquina Burocrática

Burocracia Profissional

Forma Divisionalizada

Adhocracia

Mecanismo de Parte principal da

Coordenação principal organização

Supervisão direta Apice estratégico

Padron ização de Tecno-estrutura

processos de trabalho

Padronização de Núcleo operacional habilidades

Padronização de saídas Linha média

Ajustamento mútuo Staff de suporte

FIG. 2. J 4 As configurações estruturais

adaptado de Mintzberg(/983)

1 55

Tipo de Descentralização !

Configuração de poder

Centralização vertical e

horizontal (Autocracia)

Descentralização

horizontal limitada

(Instrumental ! sistema

fechado)

Descentralização vertical e horizontal

(Meritocracia)

Descentralização vertical

limitada (Instrumental !

sistema fechado)

Descentralização seletiva

( Meritocracia)

o ápice estratégico exerce força de centralização no sentido de reter

o poder decisório. O mecanismo de coordenação favorecido é a supervisão direta.

Conforme as condições favoreçam a essa força, surge a configuração denominada de

estrutura simples.

A tecno-estrutura exerce uma força no sentido da padronização,

principalmente a padronização de processos. O resultado dessa força é a descentralização

horizontal limitada. Conforme as condições favoreçam essa força, emerge a configuração

denominada de máquina burocrática.

Os membros do núcleo operacional buscam minimizar a influência

dos gerentes e dos analistas sobre o seu trabalho. Eles tentam promover a descentralização

horizontal e vertical. Quando são bem sucedidos conseguem trabalhar com relativa

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1 56

autonomia e coordenam o seu trabalho através da padronização externa das habilidades.

Surge então a burocracia profissional.

Os gerentes da linha média também buscam autonomia. Eles

procuram drenar poder do ápice estratégico e do núcleo operacional concentrando-o em

suas próprias unidades. Essa atitude favorece a descentralização vertical limitada. Como

resultado existe a tendência à balcanização da organização. Começa a haver a divisão da

estrutura em unidades baseadas no mercado que procuram controlar as próprias decisões e

são coordenadas através da formalização de resultados. Quando surgem essas condições

emerge a chamada forma divisionalizada.

Finalmente, quando o staff de suporte adquire influência na

organização através da sua competência técnica a organização se estrutura em constelações

de trabalho. O poder flui para elas de forma descentralizada e seletiva. Essa constelações

são livres para se coordenarem entre si através do ajustamento mútuo. Quando as

condições favorecem essa colaboração surge a configuração chamada de adhocracia.

A descrição de cada uma dessas configurações estruturais serve a

dois propósitos bem distintos. Primeiramente permite categorizar as organizações. Em

segundo lugar permite fazer a síntese do modelo apresentado até aqui.

Mintzberg(1 979) afirma que essas configurações devem ser vistas

como tipos ideais ou caricatos das organizações verdadeiras. O modelo é teoricamente

consistente na combinação de parâmetros de projeto e fatores de contingência. Juntos essas

cinco configurações podem ser entendidas como os vértices de um pentagrama dentro do

qual as estruturas reais podem ser encontradas.

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1 57

2.3.6.1 A estrutura simples

A estrutura simples é caracterizada, antes de mais nada, por não ser

elaborada. Nela a tecno-estrutura é simples ou inexistente, o staff de suporte é bem

pequeno, os dispositivos de ligação são elementares, as subunidades organizacionais têm

pouca diferenciação entre si e são pouco usados instrumentos de planejamento, treinamento

e padronização. Sua natureza é eminentemente orgânica.

Na estrutura simples a coordenação é feita basicamente através do

mecanismo de supervisão direta. O poder para a tomada de decisões importantes está

centralizado no CED. Como decorrência disso o ápice estratégico emerge como o elemento

mais importante dentro da estrutura.

A estrutura simples muitas vezes é composta por uma pessoa no

ápice estratégico e um núcleo operacional orgânico. A figura 2. 1 5 ilustra simbolicamente a

estrutura simples nos termos do logo básico do modelo de Mintzberg.

FIO, 2. 15 A estrutura simples

adaptado de Mintzberg (1979)

A maior parte das organizações passam pela fase de estrutura simples

em seus primeiros anos de existência. Apesar de a maior parte dessas organizações

evoluírem para outros tipos de estrutura, muitas continuam estruturadas dessa forma por

longos períodos.

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1 5 8

Uma variante da estrutura simples surge nos momentos de crise.

Nesses períodos as organizações centralizam o poder para melhor poder enfrentar a

conjuntura hostil. Em períodos de crise três tipos de estruturas simples merecem nota.

A primeira é a estrutura sintética que se constituiu para enfrentar

desastres; a segunda é a estrutura autocrática na qual o poder está concentrado no ápice

estratégico e a terceira é a organização carísmatica, na qual o poder é delegado ao CEO em

função da confiança nele depositada peJos operadores.

Segundo Mintzberg, o melhor exemplo das organizações simples é a

organização do pequeno empreendedor. Para Mintzberg esse tipo de organização contém os

fatores estruturais e contingenciais.

A estrutura simples é também a mais arriscada das estruturas

organizacionais, pois a organização geralmente depende de um único indivíduo. O

principal mecanismo de coordenação pode ser eliminado por qualquer impossibilidade de

seu principal executivo.

2.3.6.2 A máquina burocrática

Na estrutura básica da máquina burocrática as tarefas operacionais

são rotineiras e bastante especializadas. Os procedimentos no núcleo operacional são muito

formalizados com proliferação de regras e regulamentos que formalizam a comunicação

dentro da organização.

As características marcantes dessa estrutura são o surgimento de

grandes unidades operacionais, apoio em bases funcionais para os grupos de trabalho,

poder de decisão muito centralizado e estruturas administrativas bem elaboradas. A clara

distinção entre atores de linha e de staff também pode ser interpretada como indicativa de

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1 59

alto grau de fonnalização e tendência à padronização dos processos operacionais. A figura

2. 1 6 ilustra a máquina burocrática.

A máquina burocrática depende da padronização de seus processos

operativos. Essa dependência faz com que a tecno-estrutura surja como elemento

proeminente dentro da estrutura organizacional

FiG. 2.16 A máquina burocrática

adaptado de Mintzberg (l979)

As regras e regulamentos que penneiam a máquina burocrática

favorecem a comunicação formal em todos os níveis. Esse fato induz os processos

decisórios a fluírem através da cadeia formal de autoridade. Outro reflexo da fonnalização

dentro da máquina burocrática é forte ênfase na divisão do trabalho e na diferenciação das

unidades em todas as suas dimensões - vertical, horizontal, linha / staff, funcional,

hierárquica e status.

A máquina burocrática denota verdadeira obsessão pelo controle,

explicada pela tentativa de eliminar todos os possíveis focos de incerteza. Mintzberg

justifica essa obsessão afirmando que as incertezas devem ser eliminadas para que a

organização possa funcionar de forma suave e contínua.

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1 60

Nas máquinas burocráticas o planejamento estratégico é enfatizado e

imposto de cima para baixo. Grande parte do tempo dos gerentes de topo é gasto no ajuste

fino das divergências surgidas de conflitos internos

As máquinas burocráticas são encontradas normalmente entre as

organizações maduras. Nessas organizações o volume de trabalho operacional justifica a

utilização da padronização e de regras a serem seguidas. O sistema técnico utilizado é

normalmente regulador e utilizado para produção de massa.

Característica importante da máquina burocrática é o controle

externo. Esse controle condiciona o planejamento na organização e induz a maiOr

formalização das rotinas não operacionais e relacionadas com o planejamento e controle.

Mintzberg( l 979) afirma que as máquinas burocráticas são

fundamentalmente estruturas não adaptativas, com muita dificuldade para lidar com

ambientes dinâmicos. Hunt, por sua vez, diz que as máquinas burocráticas funcionam

melhor em ambientes estáveis porque são projetadas para missões predeterminadas e

específicas. O seu forte é eficiência e não inovação22o •

2.3.6.3 A burocracia profissional

Quando o trabalho operacional de uma organização é estável,

predeterminado e previsível, porém com alto grau de complexidade, a organização toma-se

burocrática sem ser centralizada. Ela assume a configuração que Mintzberg chama de

burocracia profissional. Nessa configuração o trabalho é controlado pelos operadores do

núcleo operacional. O mecanismo de coordenação utilizado é a padronização de

habilidades.

220 HUNT, R. G. Dp. Cito

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1 6 1

As burocracias profissionais são encontradas em universidades,

hospitais, sistemas escolares, firmas de contabilidade e afins. Seus produtos e serviços

exigem habilidades e conhecimentos específicos e complexos para sua execução. O

controle sobre o trabalho faz com que nessa configuração o operador seja relativamente

independente de seus colegas.

Enquanto a máquina burocrática baseia a sua autoridade na natureza

hierárquica (o poder do cargo), a burocracia profissional enfatiza a autoridade de natureza

profissional (o poder da competência). A figura 2. 17 ilustra a burocracia profissional,

composta por base larga, tecno-estrutura pequena e staft' de suporte bem elaborado.

FIG. 2. 1 7 A burocracia profissional

adaptado de Mintzberg(19 79)

Normalmente, nas burocracias profissionais o staff de suporte

emerge como uma hierarquia paralela. A hierarquia profissional é democrática e seus

processos decisórios têm origem no núcleo operacional. A hierarquia administrativa é

centralizada e seus processos decisórios são burocratizados e impostos de cima para

baixo221 . Segundo Mintzberg, existe uma certa segregação entre as duas e o papel principal

do CEO é gerenciar o conflito emergente entre as duas hierarquias.

221 BIDWELL. C. E. The Schoo/ as a Formal Organization. Em MARCH, J. G. The HandhoQk or OrganizqUom'. Op. cit.

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1 62

A estratégia nas burocracias profissionais nonnalmente surge

derivada de projetos individuais de seus membros e é condicionada pelas associações

profissionais externas à organização. A estratégia global da organização pode ser entendida

como o efeito cumulativo das iniciativas de projetos individuais que seus membros

executem.

De acordo com Mintzberg(1 979) em uma burocracia profissional

típica a tecnologia (sua base de conhecimentos) é complexa, ao contrário do sistema

técnico (instrumentos utilizados para sua aplicação).

Pode-se destacar que, como a máquina burocrática, a burocracia

profissional é uma estrutura inflexível. É bem adequada para produzir saídas padronizadas

mas não para produção de novos produtos e serviços. A burocracia profissional privilegia a

aplicação de conhecimentos já existentes em detrimento da inovaçã0222 .

2.3.6.4 A forma divisionalizada

De forma muito semelhante à burocracia profissional, a organização

divisionalizada não é uma entidade perfeitamente integrada. Na burocracia profissional os

elementos do staff de suporte são quase independentes; na organização divisionalizada as

unidades da linha média são quase independentes. A figura 2. 1 8 ilustra bem como se

estrutura a organização divisionalizada.

222 KHUN, T S. Op. cito

FIG. 2.18 A forma divisiona/izada

adaptada de Mintzberg(l979)

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1 63

A organização divisionalizada geralmente utiliza o mercado como

fator contingencial para a sua estruturação. As divisões são agrupadas no topo da linha

média. A interdependência entre as funções operativas é minimizada pela replicação em

cada uma das unidades componentes da organização. Dessa forma as unidades funcionam

de forma independente sem a necessidade de coordenação entre si.

o mecanismo de coordenação utilizado nessa configuração é a

padronização de resultados. A cada unidade é dada grande autonomia. O controle é

exercido através do monitoramento dos resultados globais de cada unidade. Em função

desse controle externo existe uma tendência muito forte para que as unidades se tomem

máquinas burocráticas.

O ápice estratégico na configuração divisionalizada é chamado de

matriz223 • Entre as funções da matriz está a confecção da estratégia global, a alocação de

recursos, a elaboração do sistema de controle, a designação dos gerentes de divisão, o

monitoramento das divisões e o fornecimento de serviços comuns a todas as divisões.

A configuração divisionalizada eXIge que o sistema técnico seja

separado entre as divisões. Essa característica permite maior independência entre as

divisões e permite a diferenciação ao longo do tempo dos sistemas técnicos mais

adequados a cada mercado a ser atendido pela organização.

2.3.6.5 A adhocracia

Nenhuma das configurações apresentadas até agora parece à

Mintzberg adequada para lidar com situações que exijam inovações ou atuação em

ambientes complexos e dinâmicos e sofisticados. A inovação e a sofisticação exigem uma quinta configuração bastante diferente das demais. Essa configuração deve ser capaz de

223 No original: headquarters.

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1 64

conciliar especialistas de diversas disciplinas para trabalhar em grupos de projetos ad hoc.

Essa configuração é chamada adhocracia.

A adhocracia apresenta estrutura altamente orgãnica, com

comportamento muito pouco formalizado e alta especialização horizontal do trabalho,

baseada no treinamento formal. Os especialistas agrupados em grupos de projetos mantêm

as suas origens funcionais. O mecanismo de coordenação fundamental para o seu

funcionamento é o ajustamento mútuo no interior e entre os grupos de trabalho. Esses

grupos são localizados em vários locais da organização e envolvem diversas composições

entre gerentes de linha, pessoal de staff e operadores. Como inovação significa ruptura com

os padrões estabelecidos, a adhocracia não utiliza nenhuma forma de padronização para

coordenação de suas tarefas.

De todas as configurações estruturais a adhocracia é a que menos

reverência presta aos princípios clássicos da administração. Ela subverte especialmente a

unidade de comand0224 .

A adhocracia utiliza o conhecimento dos profissionais em grupos

multidisciplinares. Cada grupo é fornlado para um projeto específico. É utilizada uma base

dupla na formação desses grupos: base funcional e base de mercado. O resultado é a

chamada estrutura matricial. Os elementos fundamentais na adhocracia são os gerentes.

Mintzberg(1 979) destaca que a adhocracia pode ser de dois tipos: a

adhocracia operacional (que trabalha para outras organizações) e a adhocracia

administrativa (que trabalha em causa própria).

Na adhocracia operacional a organização resolve de forma direta e

inovativa problemas de clientes externos. Na adhocracia administrativa, a organização é

224 MINTZBERG( 1979). Op. cito

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1 65

truncada em duas e uma das componentes resultantes trabalha de forma colaborativa para a

própria organizaçã0225 • A figura 2 . 19 ilustra a adhocracia.

Na adhocracia o processo de formulação estratégica não tem origem

em um ponto específico da organização. Ele é fruto de um processo conjunto de

formulação e implementação.

Muito importante dentro da adhocracia é o conceito de constelações

de trabalho. Conforme as decisões que devam ser tomadas, essas constelações vão se

estruturando de forma fluida e dinâmica, em função das especialidades exigidas por cada

passo do processo de trabalho.

'---,-- ---- -,.---_/ : . '. (�-_. _-------- - - - - - - - - - �" !

, , , , '----------------- -- ---- ------ ------_.'

FIG. 2. /9 A adhocracia

adaptado de Mintzberg{l979)

Os elementos do ápice estratégico em uma adhocracia gastam a

maior parte de seu tempo em comunicação para ajustamento mútuo entre os membros da

organização e para conciliação dos efeitos dos atores externos à organização.

A adhocracia tem problemas de dificil solução. O pnmelro é a

freqüente ambigüidade. O segundo diz respeito à eficiência. Onde a eficiência é exigida a

adhocracia é contraproducente. A raiz da incompetência da adhocracia em relação à

225 S/MON, H. A. The NewScience QfManagement Dec;sjon. Prentice Hall, 1977.

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166

eficiência é o seu alto custo de comunicação interna226 . Esse custo tem ongem na

tendência da adhocracia para encontrar soluções criativas para problemas nem sempre bem

estruturados.

Outra fonte de sérios problemas é a dificuldade de balancear a carga

de trabalho entre os operadores e durante longos períodos de tempo. O trabalho necessário

para resolver problemas não familiares não pode ser planejado com exatidão a priori. Isso

provoca períodos de intensa atividade intercalados com tempos de espera aparentemente

improdutivos227 •

As adhocracias são típicas dos ambientes dinárnicos com mudanças

freqüentes de produtos ou de organizações novas. Mintzberg(l 979) afirma que se a

estrutura simples e a máquina burocrática são as organizações de ontem; a burocracia

profissional e a fonna divisionalizada são as organizações de hoje; a adhocracia é a

organização do amanhã. Ele afirma também que existe tendência muito forte para um certo

modismo na utilização de formas adhocráticas de organização.

2.3. 7 As configurações organizacionais

A revisão teórica, ao indicar que as configurações de poder nas

organizações são resultantes das diversas combinações possíveis entre as coalizões

externas e internas, pennite idealizar uma tipologia de configurações organizacionais. Essa

tipologia emerge como o resultado da correlação entre duas tipologias: a primeira de

configurações de poder e a segunda de configurações estruturais. Essa combinação de

configurações está ilustrada na tabela reproduzida abaixo.

226 KNIGHT, K. Malrix Organization: A Review. The JoZ/rnal o(Management Sludies p. 1 1 1 - 130, 1976. 227 GOODMAN, R. A.; GOODMAN, L. P. Some Management !ssues in Temporary Syslems: A sludy of Prqfessional Development of Manpower - Thealer Case, Adminislralive Science Ouarlerlv, p 494 - 501, 1976.

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1 67

A configuração instrumental emerge quando a organização é

controlada por um poder externo focado e organizado. O controle é baseado tipicamente

em alguma dependência existente entre organização e controlador externo. Normalmente

está associada a configuração estrutural chamada de máquina burocrática.

Configuração de poder Configuração estrutural Configuração

organizacional

Instrumental ( autoridade ) Máquina burocrática Instrumental

Sistema fechado ( padronização) Máquina burocrática ( divis.) Sistema fechado

Autocracia Estrutura simples Autocracia

Missionária Missionária ( postulada) Missionária

Mcritocracia Burocracia profissional Meritocracia

Adhocracia ( op. I adm.) Meritocracia

Arena polftica Polrtica ( postulada ) Arena polftica

FIO. 2.20 A correlação entre as configurações de poder e as configurações estruturais

O sistema fechado é uma configuração que normalmente tem uma

coalizão interna burocrática. A diferença entre essa configuração e a instrumental é que

nesse caso o poder externo é difuso. A maior parte do poder é exercida pelos

administradores internos. Está associada a configuração chamada forma divisionalizada

devido ao poder externo difuso.

A configuração autocrática é totalmente dominada pelo CEO. Não

existem jogos políticos. Os insatisfeitos se retiram. Durante crises, muitas organizações

tomam-se temporariamente autocráticas. Normalmente encontrada com a estrutura simples.

A configuração missionária é caracterizada por ter uma coalizão

externa passiva e ser dominada pela ideologia. Predominam as lideranças carismáticas e as

tradições. A configuração estrutural associada ainda é postulada como estrutura

missionária.

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1 68

A configuração meritocrática tem o poder gravitando em tomo da

competência. A atividade política é intensa devido a existência de um staff de suporte bem

desenvolvido. Surgem nonnalmente quando o trabalho é complexo e o ambiente estável.

Essa configuração organizacional está associada a burocracia profissional e a adhocracia.

Por fim, a configuração denominada arena política é caracterizada

pelo conflito. Ela surge quando a coalizão externa é dividida e a coalizão interna é

politizada. Existe discussão excessiva e pouca lealdade. Em tennos de poder é uma

configuração disfuncional.

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1 69

IlJ - Conclusões

Este capítulo tem por objetivo apresentar, de forma estruturada, as

conclusões e dilemas obtidos à luz da revisão teórica apresentada no capítulo 11

combinadas com as informações obtidas da vivência observada e refletida sobre

organizações públicas voltadas para ciência e tecnologia. Parte dessas observações são

diretas, outras colhidas da literatura.

3.1 Conclusões

Além disso, meu filho, preste atenção: escrever livros é um trabalho sem fim, e muito estudo cansa o corpo.

De tudo o que se ouviu o resumo é este: Tema a Deus e observe seus mandamentos, porque esse é o dever de

todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e

até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau.

Eclesiastes 12 : 12 - 14

Estas conclusões estão estruturadas em quatro partes distintas, cada uma

associada a uma dimensão abordada pelo texto.

A primeira parte apresenta as conclusões relacionadas com a compreensão

da crise do Estado. Conceitos importantes tais como soberania, propriedade, papéis do

Estado e formam a base para a discussão.

A segunda parte apresenta os efeitos da crise do Estado na área de ciência e

tecnologia. Nesse ponto são reconhecidos os papéis desempenhados pela ciência e

tecnologia. Como principal ponto, reconhece-se que a eiência e a tecnologia incluem-se

entre os fatores responsáveis pelo desencadeamento da crise e do processo de globalização.

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170

A terceira parte apresenta as conclusões derivadas da análise dos efeitos da

crise sobre as organizações de um modo geral. É apresentada uma tipologia organizacional

(calcada no binômio estrutura / poder). Conclui-se que os efeitos da crise são percebidos

pelas organizações através de alterações provocadas nos três fatores contingenciais: meio

ambiente, sistema técnico e poder.

A quarta parte apresenta as limitações e possibilidades das organizações

públicas de C&T

3.1.1 Em relação ao papel do Estado

De acordo com as idéias de Dreifuss, o Estado pode ser inferido como uma

realidade especial de dominação e veículo de poder228 . A revisão teórica permite concluir

que o processo de formação do Estado é a história da ampliação do espaço público, da

separação dos indivíduos de seus instrumentos privados de força. Tal processo pode ser

entendido como a conseqüência da desprivatização dos assuntos de interesse geral.

A confrontação entre as idéias de Hobbes e Locke dá origem aos conceitos

de soberania, propriedade e regulação do poder. A partir dessa discussão surgem as

primeiras concepções políticas do Estado Moderno: o poder manipulador e disciplinador

do Estado substituindo o poder emanante da coerção.

A literatura revista parece sugerir que exista um dilema referente ao papel

social e econômico do Estado Moderno no Ocidente: o Estado pode ser desejável,

indesejável ou necessário, dependendo das tendências políticas e filosóficas da sociedade

em questão.

228 DREIFUSS. RENÉ. Op. Cil.

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1 7 1

Focalizando o caso brasileiro, o Estado, pode ser definido como uma

hegemonia fechada com níveis mínimos de participação,229 ou seja vigora no Brasil a

exclusão de diversos atores sociais do jogo político.

o jogo e a coalizão política vigentes no Brasil entre tecnoburocracia e

empresários resultou na definição de um perfil de controle sobre a propriedade que, não

surpreendentemente, tem favorecido aos proprietários.

Conclui-se, à luz da revisão teórica , que a principal característica do Estado

brasileiro a partir da década de 30 foi a adoção de um modelo voluntarista de

desenvolvimento. Nesse modelo o Estado, empreendedor e regulador, aparece como

principal promotor do desenvolvimento econômico e social.

A revisão teórica tende à concordância de que realmente existe uma crise

ligada ao Estado Moderno. Essa crise explicita-se de diversas formas. As mais

contundentes são o sentimento de mau estar que parece justificar a necessidade de repensar

o Estado e seu papel nas sociedades atuais. A crise do Estado no Ocidente pode ser

associada à quebra de um pacto de bem estar fordista, pelo qual foi estabelecido um modo

de produção e de relacionamento entre Estado, capital e trabalho que vigorou até o início

da década de 70. Esta conclusão decorre da observação de que a inserção de novos métodos

de fabricação e trabalho alteraram de forma substancial a rclação anterior entre capital e

trabalho. Essa alteração teria sido uma das sementes dos processos de globalização e do

surgimento do neoliberalismo. O mundo presenciou, de forma concomitante, o surgimento

do cidadão/consumidor, através da hegemonia do paradigma do mercado, e da Terceira

Onda postulada por Alvin Toffler.

Em relação ao Brasil, a crise pode ser explicada pela ocorrência de dois

fenômenos interatuantes, que cabem destacar: pacto pós fordista à brasileira e falência do

setor público.

229 DAHL, R. Op. Cito

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1 72

o primeiro fenômeno, a existência do que Silva e Souza denominou o

projeto de regulação fordista, foi abortado. Suas estruturas jamais foram implantadas e a

inserção do Brasil no cenário internacional se deu de forma tardia e com a exclusão de

diversos atores sociais. Esse cenário não favoreceu a transição para um sistema de

regulação pleno, mas apenas uma situação de equilíbrio dinâmico onde nada tende a se

alterar. Um contínuo estado de mudança que visa evitar a mudança maior.

o segundo fenômeno é a falência do setor público brasileiro com o

esgotamento do modelo implantado a partir de 1 930 e a privatização do Estado através de

mecanismos como os anéis burocráticos23o .

A crise do Estado enfrenta dilemas de duas naturezas distintas. Os

primeiros, de natureza filosófica, estão relacionados ao papel que o Estado deve ter na

economia. Pode ser primordialmente um prestador de serviços, reforçando o conceito do

cidadão/consumidor; pode ter apenas função regulatória, privatizando radicalmente suas

atribuições, como ocorre na Inglaterra; ou pode ainda ser indutor e catalisador da

competitividade da economia do país como na Itália.

O segundo tipo de dilema, de natureza estrutural, está relacionado com a

dimensão gerencial, do aparelho estatal, independentemente da opção pelo papel do Estado

na economia. Equilíbrio fiscal, eficiência e eficácia de gestão são valores que orientam

essas escolhas.

Merece destaque a observada tentação de realizar reformas administrativas

revolucionárias, voltadas para destruição de estruturas vigentes. Nesses casos, o trabalho de

reconstrução, que requer prazo mais longo, tende a ser frustrado por falta de continuidade

do apoio político, deixando para trás terra arrasada23 1 . Seria desejável que as reformas

caminhassem passo a passo com as possibilidades de criação de suporte p'olítico.

230 CARDOSO, FERNANDO HENRIQUE. Op. Cito 231 SOUZA E SILVA. Op. cito

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1 73

Souza e Silva232 e Castor233 têm opiniões que exemplificam as duas

naturezas dos dilemas que a reforma do Estado enfrenta no Brasil. O primeiro aborda os

dilemas filosóficos da reforma do estado, o segundo ocupa-se dos aspectos relacionados

com a eficácia, a eficiência e a gestão administrativa.

Para Souza e Silva é fundamental, para melhorar a eficiência do setor

público, diferenciar a universo das ações estatais, compatibilizando a forma institucional

das organizações públicas com a natureza das suas ações.

Ele argumenta que um contexto político e econômico com regulação flexível

eXige gestão descentralizada da atuação estatal, com a reversão da tendência a

padronização das formas de gestão estatal, representada pelas isonomias , regimes únicos,

extensão das normas da administração direta para as autarquias e fundações e pela tentativa

de restrição da autonomia das empresas. Dentro desse contexto, de acordo com a

experiência inglesa, a privatização aparece como a forma mais indicada para o setor

produtivo estatal desde que o objetivo não seja puramente fiscal. A privatização deve ter

por meta impactar e dinamizar segmentos produtivos, estimulando e preparando o capital

privado para a competição global. Um bom exemplo foi a privatização do setor siderúrgico

no Brasil.

Segundo Souza e Silva as privatizações devem ser pautadas por uma política

de trocas de ativos entre o setor público e os agentes privados e planejadas visando

objetivos estratégicos pautados pelas estruturas finais dos ativos trocados. Composição de

recursos, abatimento de dívidas, resgate de títulos e etc. devem servir para desonerar o

Estado e permitir o fmanciamento de outras atividades, dentro de novo perfil estratégico de

atuação compatível com o papel que o Estado pretende ter.

No setor de serviços públicos, Souza e Silva não acredita que a privatização

seja o melhor caminho. A concessão e a permissão, tendo o Estado como agente de uma

232 Idem. ibdem. 233 CASTOR . BELMIRO V. J. Op. cit

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parceria ou como regulador sena o caminho mais produtivo para a sociedade. Essas

alternativas exigem um Estado com forte e isenta capacidade de regulação pública em prol

dos interesses do cidadão/consumidor.

Na área de prestação de serviços por monopólios naturais do Estado a

regulamentação é bem mais dificil, principalmente em um contexto político-administrativo

como o brasileiro. A experiência inglesa de desregulamentação, quebra de monopólios e

promoção da flexibilização e competição através da abertura aos pequenos e médios

empresários foi muito positiva. Para Souza e Silva, só poderia ser adotada no Brasil caso

fosse possível mobilizar apoio polític0234 .

Souza e Silva indica, também, como um bom instrumento para agilizar a

máquina pública os contratos de gestão. Ele os apresenta como ideais para lidar com os

problemas de compatibilização da autonomia do agente estatal, seja ele empresa, fundação

ou autarquia, com o interesse do Estado.

Dado que tais mudanças podem implicar na redistribuição do poder,

desencadeiam resistências corporativas e clientelistas.

Por outro lado, Castor é de opinião que um novo modelo de atuação estatal

no Brasil deve levar em conta três componentes essenciais235 : a diversificação dos canais

de prestação de serviços públicos, com a redejinição de encargos federativos; a

simplificação radical dos mecanismos jiscais e regulatórios de poder público; e a

modernização dos mecanismos de controle externo do governo e de suas organizações.

A diversificação dos canais de prestação de serviços passa pela privatização

dos mesmos, sejam ou não lucrativos e pela integração à estrutura governamental das

organizações não-governamentais (ONG�v) como canais alternativos para prestação de

serviços em suas áreas de interesse. A isso deve-se somar a sempre defendida e nunca

234 SOUZA E SILVA. Op. cil 235 CASTOR , BELMIRO V. J. Op. cil

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1 75

implementada redistribuição de encargos, compatibilizando a esfera administrativa com a

característica geográfica dos serviços prestados. Como ele textualmente declara:

" serviços eminentemente locais (educação básica,

habitação popular, atenção primária à saúde, etc.) têm de ser da

responsabilidade de organizações públicas e privadas locais,

reservando-se as tarefas que envolvam território e competências

intermunicipais aos governos estaduais e limitando-se a

intervenção direta e operativa do governo federal às questões e

projetos de natureza interstadual".

Um ponto que merece destaque é o controle externo das empresas públicas e

estatais. No Brasil o controle externo é feito pelo Legislativo através dos tribunais de

contas. Eles porém sofrem de um mal de origem: seus membros são freqüentemente

indicados por governantes a quem devem fiscalizar e pelos grupos políticos dominantes

nos órgãos legislativos que devem aprovar as indicações236 . Tampouco esses tribunais

estão aparelhados conceitualmente para exercer o controle de organizações cuja natureza

jurídica é diferente da administração pública tradicional. O controle, torna-se tendencioso

para um campo familiar ao tribunal: a verificação documental e contábil.

As empresas de economia mista são exemplos típicos. Por serem regidas

pela Lei das Sociedades Anônimas o caminho de controle natural são os conselhos de

administração, conselhos fiscais e, no caso das fundações, conselhos curadores. Ao tentar

controlá-las através de rotinas e procedimentos burocráticos típicos da administração

pública tradicional, o único resultado é a restrição da liberdade operacional, sem qualquer

aumento do controle substantivo.

Outro problema do controle externo é o formalismo das auditorias externas.

Desde que as contas e procedimentos licitatórios tenham sido observados, nada a temer por

236 Idem. ibdem.

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1 76

parte do órgão que presta contas. Não há como verificar a ocorrência de manipulação de

fornecedores ou recibos emitidos em troca de favores.

Um verdadeiro controle externo precisaria ser feito no nível de execução.

Não em Brasília ou nas capitaís estaduais, mas nos lugares onde as obras são feitas e os

serviços prestados. De forma complementar seria fundamental que forças políticas e

comunitárias antagônicas participassem do processo de controle externo para garantir sua

isenção e idoneidade.

Entre outras coisas, deveria ser garantida a ampla divulgação das atividades

de controle, para que o cidadão comum possa avaliar como o poder público está agindo na

comunidade, a quem a ação pública beneficia e a que custos.

Por fim, existe o dilema sobre qual modelo de inserção internacional a ser

dotado com o abandono do modelo de autonomia e substituição de importações. Deve-se

levar em conta que a inserção é necessariamente assimétrica e contingenciada pelos

interesses de poder dos Estados hegemônicos no concerto das nações.

Um novo pacto regulatório pode ser instaurado através da desprivatização

do Estado . Atores atualmente alijados do pacto regulatório devem ser incorporados e

ouvidos em suas reivindicações. Esse novo pacto deve privilegiar menos a propriedade e

mais os segmentos que hoje não tem representação adequada no jogo político vigente.237

Também é importante uma avaliação crítica dos lugares comuns das

discussões sobre o Estado. Um exemplo é não aceitar como definitivas as afirnlações de

que na América Latina o tamanho do Estado e a inépcia da burocracia são o foco central do

mau funcionamento do setor público. Essas afirmações definitivas tiveram origem em

certas versões das ideologias neoliberais dos anos 80. Essas ideologias, juntamente com o

fim dos governos do Leste Europeu, deixaram um legado anti estatal .

237 SOUZA E SILVA. Op. Cito

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177

3.1.2 Em relação à ciência e tecnologia

A literatura revisada permitiu concluir que a crise do Estado teve reflexos de

três naturezas distintas na área de C&T : fiscal, estratégica e política

Os reflexos de natureza fiscal afetaram o montante e o perfil dos recursos

direcionados para o setor de C&T O montante do fluxo de recursos nos países

desenvolvidos não foi comprometido; Japão, Coréia do Sul e Estados Unidos, entre outros,

aumentaram a aplicação de recursos no setor na década de 80.238 O fato relevante foi o

aumento cada vez maior da participação do setor privado no total investido em C&T239

Esse aumento da participação do setor privado refletiu-se na mudança do perfil da

aplicação dos investimentos. O percentual alocado para pesquisa aplicada e inovação

tecnológica tomou-se gradativamente maior em ralação ao aplicado em pesquisa básica.

No Brasil, devido a estagnação econômica e a inflação crônica, houve

instabilidade acentuada no fluxo de recursos. Guimarães afirma que a partir dos anos 80

devido à crise fiscal e a pouca prioridade dada à questão da ciência e tecnologia os recursos

foram substancialmente reduzidos. A análise é complementada com a constatação de que a

participação do setor produtivo na área é pequena.240

Os reflexos de natureza estratégica fizeram-se sentir na transformação da

ciência e da tecnologia em ativo estratégico para países e empresas. Essa mudança

conceitual foi provocada pelo acelerado processo de globalização em curso. A mudança

dos processos de fabricação decorrente de mudanças tecnológicas tornou-se crucial como

fator competitivo.241 Houve o aumento da importância dos investimentos em inovação

tecnológica em detrimento da pesquisa básica provocada pelos crescentes investimentos

oriundos do setor privado.

238 SICSÚ, ABRAHAM B. Coréia do Sul. Em: Política Científica e Tecnológica' no Japão Coréia do Sul e !.sIJJd.. Rio de Janeiro, CETEM! CNPq, /989. 239 S/CSÚ, ABRAHAM B. Op. Cito 240 GUIMARÃES, EDUARDO AUGUSTO. Op Cito 241 S/L VA E SOUZA. Op. Cito

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As conseqüências políticas tiveram expressão nas mudanças no processo de

difusão de informação e na instrumentalização da ciência e da tecnologia como elemento

de poder242 . Os anos 90 encontraram o Brasil diante de um dilema fundamental: ser

autônomo e obsoleto em termos comerciais e tecnológicos ou inserir-se competitivamente

no mercado mundial.

A combinação das idéias de Teixeira e Ferné conduzem à conclusão de que

a inovação tecnológica não é um processo associado exclusivamente ao Estado ou

iniciativa privada. A inovação tecnológica está, isto sim, associada à participação em um

mercado competitivo de bens ou serviços. Tanto o Estado quanto a iniciativa privada

podem ser inovadores. O grau em que isso ocorrerá dependerá dos papéis e do peso

relativo que cada um deles terá em termos de fornecimento de bens ou serviços em

mercados competitivos. A inovação tecnológica está ligada à competição e não à natureza

dos atores envolvidos no process0243 .

Duas conclusões em termos de política tecnológica baseiam-se nos

conceitos de core technologies e technological landscaping.

A primeira conclusão é que um conjunto de tecnologias básicas,

determinadas nos moldes das core technologies. é capaz de alavancar tecnologicamente o

país. Como núcleo de competência técnica, habilitam o país a absorver ou desenvolver

tecnologias mais avançadas.

242 Esses dois fatos reforçaram a idéia de que o ambiente globalizado emergente é caracterizado por um sistema de interdependência assimétrica. O acesso ao conhecimento não é franqueado de forma livre a quem o desejar. Esse acesso é objeto de restrições geopolíticas determinadas pelos países hegemónicos, tais como as descritas por Keohane. In : MOISÉS. JOSÉ ÁLVARO; ET ALL. O Futuro do Brasil' A América Latina e o fim dq guerra fria. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992. 243 TEIXEIRA. DESCARTES DE SOUZA. Pesquisa. desenvolvimento experimental e inovação industrial: motivações da empresa privada e incentivos do setor público. In: Administração em Ciênçiq e Tecnologia. Editora Edgar Blücher Ltda. Rio de Janeiro. 1983; FERNÉ. GEORGES. Science and technology in the new world arder. In: Science and Technology in Brazi/: A New Poliçy (ar a Global World. Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro. 1995.

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1 79

A segunda conclusão é que construir, de forma única e dinâmica, uma

paisagem tecnológica permite identificar áreas de interesse para orientação do

desenvolvimento e planejamento tecnológicos.

3.1.3 Em relação às organizações

A revisão teórica permite inferir que as organizações sentem os efeitos da

cnse do Estado através de seus fatores contingenciais. Esses fatores traduzem para as

organizações as características do ambiente no qual terão que sobreviver. A pesquisa indica

que os fatores contingenciais mais afetados são o ambiente, o sistema técnico e o sistema

de poder.

o ambiente sofre os efeitos da crise em suas quatro dimensões: estabilidade,

complexidade, diversidade de mercado a ser atendido e hostilidade. O principal reflexo da

críse do Estado no ambiente das organizações foi a alteração das condições ambientais. O

ambiente tornou-se gradativamente dinâmico e complexo. Essas complexidade e dinâmica

do ambiente apresentam-se como tendências reforçadas pelo processo de globalização.

A tendência do aumento da dinâmica e da complexidade do ambiente cria a

necessidade da descentralização das organizações e o privilegio para estruturas orgânicas

mais aptas ao confronto com mudanças imprevistas244 . Essa necessidade, segundo

Mintzberg, independe da idade, tamanho ou sistema técnico da organização e privilegia a

rapidez e a capacidade adaptativa.

A crise do Estado e suas conseqüências refletem-se no sistema técnico de

forma distinta. O processo de globalização é o elo fundamental da relação entre sistema

técnico e estrutura organizacional.

244 MINTZBERG (/979). Op. Cito

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1 80

Em um contexto de inserção internacional, tecnologias maiS modernas

aumentam a qualidade e a capacidade de produção, incrementando as probabilidades de

sucesso em mercados globais. As economias de escala resultantes alteraIn os sistemas

técnicos das organizações privilegiando tecnologias de produção mais próximas da

produção por processo. Um processo com essas características tende a tornar as

organizações mais orgânicas.

Os efeitos da crise do Estado sobre a sistema de poder das organizações

podem ser explicados pelo conceito de interação entre configurações de poder e

configurações estruturais, criando as chaInadas configurações organizacionais.

A influência da crise do Estado no sistema de poder faz-se através da

influência sobre a coalizão externa. O Estado é, necessariamente, um dos atores dessa

coalizão por ser quem legitima a existência legal da organização. O Estado taInbém

influencia a coalizão externa através de suas políticas macroeconômicas e setoriais.

Dependendo da natureza dessas políticas e do setor onde a organização atua a coalizão

externa pode ser identificada com um dos tipos descritos.

Uma coalizão externa dominada tenderá a enfraquecer a coalizão interna da

organização; uma coalizão externa dividida tenderá a politizar a orgaIlização e uma

coalizão externa passiva tenderá a reforçar a coalizão interna da organização.

As organizações de P&D têm, normalmente, características comuns que

permitem classificá-las de forma específica utilizando a combinação de tipologias

apresentada por Mintzberg. De acordo com essa combinação elas podem ser classificadas

como meritocracias. As suas configurações estrutnrais as classificam como burocracias

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profissionais ou adhocracias; enquanto suas configurações de poder as classificam como

meritocracias federativas ou colaborativas.245 .

No Estado brasileiro, algumas organizações foram criadas inicialmente

como burocracias insulares246 . Algumas delas tornaram-se, em tennos estruturais,

máquinas burocráticas devido ao aumento do controle externo que levou à centralização

interna. Outras, entretanto, tornaram-se meritocracias em virtude do alto grau de

qualificação e especialização de seus núcleos operacionais. Entre essas organizações

estavam as da área de P&D.

Essa transfonnação explica-se, de acordo com Mintzberg(1 979), pela

existência de fortes correlações entre grau de centralização do controle externo e estrutura

interna e entre o grau de qualificação do núcleo operacional e a estrutura interna. Quanto

mais centralizado for o controle sobre uma organização, mais próxima ela estará de se

tomar uma máquina burocrática. Quanto mais qualificado for o núcleo operacional da

organização mais próxima ela estará de uma meritocracia.

Quando o ambiente torna-se complexo, porém estável, a meritocracia adota

uma estrutura federada denominada burocracia profissional. Nela os operadores trabalham

de fonna autônoma e com base em padronização de habilidades.

Quando o ambiente torna-se complexo porém' instável a meritocracia se

estrutura de forma colaborativa e adhocrática.

Nas meritocracias o poder está baseado principalmente nas habilidades

técnicas e no conhecimento. Os operadores que os possuem dominam a coalizão interna. O

trabalho não pode ser regulado pela tecnoestrutura e o CEO têm poderes limitados. A

ideologia organizacional é fraca pois as lealdades estão dispersas, muitas vezes em relação

a agentes externos à organização.

245 MIN1ZBERG (1983). Op. Cito 246 MARTINS, LUCIANO. Op. Cit. p. 46.

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1 82

Nas meritocracias classificadas como burocracias profissionais o poder não

está restrito ao trabalho técnico. Ele é estendido para o controle das atividades

administrativas que os afetam247 .

Existe, na verdade, uma oligarquia dentro da burocracia profissional. A

organização cria duas hierarquias administrativas paralelas. Uma, profissional, democrática

e com o poder fluindo verticalmente para cima; outra, composta basicamente pelo staff de

suporte e estruturada de forma centralizada, como uma máquina burocrática. Um caso

típico é o organograma da CNEN/ IEN - Comissão Nacional de Energia Nuclear / Instituto

de Engenharia Nuclear, ilustrado na figo 3. 1 . Ele exemplifica de forma bastante clara a

existência dessas duas hierarquias.

Na hierarquia profissional o poder reside na competência técnica; na

hierarquia não profissional a autoridade é formal e legitimada pelos mecanismos de

dominação descritos por Weber248 . Essas organizações têm problemas sérios de conflitos

internos. Esses conflitos normalmente emergem devido as diferenças de tratamento,

responsabilidades e controle entre uma hierarquia e outra.

No Brasil a burocracia profissional tomou-se comum como forma de

estruturação das organizações da área de C& T. Essa forma é preferida um função de uma

outra característica das burocracias profissionais: sua maior sensibilidade aos controles

emanados da coalizão externa249 .

Na área de C&T a burocracia profissional é adequada para trabalhos

complexos, que exijam habilidades padronizadas porém que não sejam altanlente

dinâmicos. A burocracia profissional é incompatível com inovações radicais.

Aperfeiçoamentos de processos já existentes são mais compatíveis com esse arranjo

organizacional. Em decorrência disso tendem a ter dificuldades de adaptação ao novo

ambiente surgido com a crise do Estado e o início do processo de globalização.

247 MIN7ZBERG( /979). Op. Cito 248 WEBER, MAX Op. Cito 249 MIN7ZBERG (1983). Op. CiI

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1 83

INSTITUTO DE ENGENHARIA NUCLEAR

ASSESSORIA

TÊCNICA

CREA - Coord. de Reatores SUFIR - Física de Reatores SUTER -Engenharia de

Reatores SUMAR Manut. de Real. e

Circo Termo. CFIS - Coord. de Física SUFIN - Física Nuclear SURAD- Radioisótopos SUCIC - Cíclotron

organograma

SlJl'ERINTENDÊNCIA

SERVo DE PROT.

RADIOLÓGICA GER. PROl. SEG, E MED.

TRABALHO INSTITUCIONA1S

CINT - Coord. de Instrumentação SUDEP . Desenvolvimento e Projetos SUPRO - Produção

SUMAC -Manut., Aferição e Calibr.

CMEQ - Coord. de Metal. Química SUAPQ - Apoio Químico SUTEQ - Tecnologia Química SUMET - Metalurgia

GEAL - Ger. Apoio Logíst. DIRHU - Recursos Humanos DIMA T - Materiais

DIFIN - Financeira

DISEG - Serviços Gerais DINFO - Informática DIENG · Engenharia

FIG. 3.1 Organograma do JEN

(reproduzido sob permissão)

As dificuldades e limitações da burocracia profissional não estão em lidar

com a complexidade do ambiente, mas lidar com a dinâmica imposta pelo novo ambiente.

Em um ambiente onde a inovação tecnológica é um dos principais fatores competitivos, a

burocracia profissional tende a ser ineficiente para acompanhar a velocidade exigida pela

dinâmica competitiva.

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Quando inovação é essencial e a complexidade do ambiente é acompanhada

por uma forte componente dinâmica, a meritocracia tende a tomar-se colaborativa,

transformando-se na chamada adhocracia. Nas adhocracias normalmente grupos

multidisciplinares atuam para resolver problemas utilizando enfoques que evitem soluções

triviais e insatisfatórias.

Nas adhocracias são muito comuns os arranjos matriciais, conforme

ilustrado na figo 3.2. Esses arranjos são caracterizados por possuírem altos níveis de

conflito e sacrificarem o conceito de unidade de comando. Segundo Mintzberg(1 979), as

estruturas matriciais são adequadas para o desenvolvimento de atividades novas,

complexas e interdependentes. Por outro lado não são adequadas para quem busca ou

precisa de segurança e estabilidade.

! D"�o, ! j ! Q" ml08 ! l FI,.. ! I Metalurgia I

H Proieto A!

y p�eto Bl

FIG. 3. 2 Estrulura matricial

A solução adhocrática ou co laborativa é recomendada quando é necessário,

para resolver o problema em foco, um rompimento paradigmático25o . Mintzberg

exemplifica esse fato ao afirmar que para cada adhocracia operacional existe uma

burocracia profissional correspondente realizando o mesmo trabalho. A burocracia

250 MINTZBERG( 1979). Dp. Cito

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1 85

profissional utiliza um enfoque mais estreito e limitado enquanto a adhocracia operacional

tenta uma solução criativa e inovadora.

o arranjo adhocrático é intuitivo e extremamente instável. Apesar disso ele

é a configuração organizacional que mais se adapta à dinâmica do novo ambiente

emergente25 1 . De acordo com a revisão teórica, o trabalho inovador e imprevisível está

associado a ambientes dinâmicos. A sofisticação das inovações está associada à

complexidade. Alvin Toftler afirma que:

. . . quando as mudanças são aceleradas, cada vez maIS

problemas novos surgem e as formas tradicionais de organização

mostram-se inadequadas; é a combinação entre mais informação e

maiores velocidades de resposta que está minando as grandes

hierarquias verticais típicas das burocracias252 .

A utilização de conhecimentos padronizados, apesar de aumentar a

autonomia do operador no trabalho, está ligada a paradigmas estabelecidos e prejudica a

inovação radical. A pesquisa bem sucedida em termos de inovação tende a resultar do

trabalho de grupos orgânicos e multidisciplinares253 •

Pode-se inferir que a crise do Estado reflete-se nas organizações da área de

C& T através do aumento na dinâmica do ambiente onde estão inseridas. A associação entre

aumento na dinâmica e complexidade inerente a área de C&T faz que as meritocracias

estruturadas como burocracias profissionais tendam a ser ineficientes.

o principal dilema das meritocracias de C& T é optar entre serem

adhocráticas e eficientes na criação de novos conhecimentos científicos e tecnológicos ou

ser estruturadas como burocracias profissionais e ineficientes em ambientes dinâmicos.

251 MlNTZBERG( /979). Op. Cito 252 TOFFLER, AL VIN, Op. Cito 253 MINTZBERG( /979). Op. Cito pp. 450.

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1 86

3.1.4 Limitações e possibilidades

A constatação da classificação das organizações públicas de C& T como

meritocracias possibilita a identificação de suas limitações e possibilidades dentro do

contexto criado pela crise do Estado. Essas limitações e possibilidades possuem naturezas

distintas, dependendo de a meritocracia ser federativa (burocracia profissional) ou

colaborativa (adhocracia).

As organizações públicas de C&T estruturadas como meritocracias

federativas tenderão a estar associadas a padronização e repetição quando sob controle

externo rígido. Provavelmente apresentarão baixa capacidade de adaptação as mudanças na

dinâmica do ambiente e possuirão hierarquias paralelas em grande antagonismo. No

desenvolvimento de seu trabalho terão reforçada a tendência a repetição de procedimentos

já estabelecidos em detrimento de inovações radicais.

As melhores possibilidades da meritocracias federativas estão na utilização

de seu arranjo em hospitais, universidades e instituições públicas de fomento à pesquisa

onde as inovações não tenham que ser paradigmáticas. A autonomia dos operadores aliada

a um sistema técnico sofisticado, porém dominado e estável concede a essas organizações

condições de desempenho satisfatórias.

As organizações da área de C&T estruturadas como meritocracias

colaborativas possuem limitações de natureza distinta. Os objetivos pessoais facilmente

tomam o lugar dos objetivos organizacionais. Isto ocorre devido à premência da ideologia

profissional dos operadores, muito maior que a ideologia organizacional. A autoridade

formal é imposta com dificuldade em decorrência da força do sistema de competência. O

CEO e os gerentes de linha têm a autoridade formal diluída e a política tem seu espaço

superdimensionado.

Por ser um arranjo onde a ambigüidade e a intuição são muito fortes, a

meritocracia colaborativa tende a ser ineficiente onde desempenho é essencial. Seu custo

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de comunicação é alto e questões como o planejamento do trabalho e distribuição de

tarefas não são tratadas com facilidade.

As meritocracias colaborativas possuem suas maIOres possibilidades de

sucesso em setores com atividades multidisciplinares e não repetitivas baseadas em

soluções inovadores. Projetos inovadores e multidisciplinares apresentam as melhores

possibilidades para utilização de arranjos colaborativos. Isso ocorre devido a esses projetos

possuírem poucos parâmetros anteriores para comparação de desempenho e não poderem

depender de controles externos rígidos.

Mintzberg(l 979) argumenta, entretanto, que deve haver congruência entre o

ambiente e a configuração estrutural da organização254 . As soluções meritocráticas

dependem de sua adequação ao ambiente existente. Nesse ponto residem as maiores

limitações das organizações de C& T públicas.

A revisão da literatura sugere que, se pudessem estar livres das amarras

administrativas do serviço público, as organizações com arranjos colaborativos poderiam

ter desempenho mais inovador e criativo na pesquisa tecnológica. Entretanto essa liberdade

administrativa é quase impossível em função da natureza dos mecanismos de controle do

setor público.

Segundo Mintzberg(1 979), quanto maior o grau de centralização e controle

externo, maior será a tendência da organização para adotar um arranjo mais burocrático. É da natureza do setor público utilizar controles fortemente centralizados. Em função desse

controle estreito, típico do setor público, dificilmente as meritocracias públicas podem

adotar arranjos adhocráticos.

o arranjO resultante será sempre o resultado do compromisso entre os

controles burocráticos impostos pelo gestor público e um arranjo interno do tipo

colaborativo. A resultante tenderá a ser muito parecida com uma burocracia profissional

254 MIN7ZBERG (/983). Op. Cito

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combinada com uma estrutura matricial. Esse tipo de solução pode ser encontrada em

setores multidisciplinares de alta tecnologia255

Se o ambiente, em função da crise, tomar-se mais dinâmico, ou os

mecanismos de controle do setor público tomarem-se menos rígidos, as meritocracias

adhocráticas tomar-se-ão mais comuns e atuantes, tomando-se as organizações de C&T do

futur0256 . Caso o ambiente tome-se mais conservador, menos dinâmico e continue

controlado, as máquinas burocráticas e as burocracias profissionais no setor de C&T serão

hegemônicas. Nesse caso o processo inovação tecnológica em C&T terá seu

desenvolvimento fortemente condicionado pelos paradigmas existentes.

3.1.5 Recomendações

Os instrumentos de fomento à pesquisa disponíveis no Brasil são muito

semelhantes aos existentes em outros países capitalistas. Descartes, porém, observa que

deve ser feita uma avaliação comparativa entre os instrumentos disponíveis e aumentado o

nível de coordenação intrínseca entre eles.

Descartes recomenda que haja maior coordenação entre esses instrumentos

para melhor promover as atividades de pesquisa tecnológica. Por ser de opinião que toda e

qualquer política de intervenção estatal na economia tem relações estreitas com o ambiente

institucional e com a conjuntura histórico- cultural da nação, Descartes observa que devem

ser respeitadas as peculiaridades do ambiente brasileiro

Recomenda-se que a política científica e tecnológica seja derivada de uma

ampla discussão dos objetivos estratégicos do país. Sem essa discussão ampla todas as

medidas tomadas terão um viés de curto prazo e imediatista que comprometerá objetivos

de longo prazo.

255 Idem, ibdem. 256 Idem, ibdem.

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Segundo Mintzberg as meritocracias possuem altos níveis de conflito

inerente. Com muita facilidade, devido a sua fluidez, transformam-se em arenas políticas

cujo ambiente interno é dominado pelos jogos de poder.

Tendo em vista que a questão do poder emerge de forma muito forte, é

natural que esse trabalho tenha a sua continuação apoiada em uma análise mais detalhada

da anatomia do poder dentro das meritocracias públicas de C&T.

Na CNEN, por exemplo, esse trabalho de continuação tem importância

capital. Sendo a CNEN uma meritocracia (mais aproximadamente uma burocracia

profissional divisionalizada), a elaboração de seu planejamento estratégico fica

comprometida se não forem levados em conta o grau de controle externo e a anatomia de

poder dentro da organização.

No caso do fEN, a questão do poder reflete-se no grau de controle exercido e

de autonomia concedida pela CNEN. Esse balanço entre controle e autonomia determinará

de forma direta o grau de capacidade inovativa das atividades de pesquisa desenvolvidas

pelo fEN.

Pelo exposto acima e sugerido pela revisão bibliográfica a recomendação

mais direta é a elaboração de um trabalho de análise da estrutura de poder da CNEN/fEN.

Esse trabalho consistiria na identificação dos atores das coalizões interna e externa da

organização, dos elos que as interrelacionam e dos jogos de poder em andamento dentro e

em tomo da organização.

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