a crise de identidade

22
A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected] Sei personaggi in cerca d’autore Luigi Pirandello Um sopro de vida Clarice Lispector

Upload: dr-educacao-crista

Post on 07-Apr-2017

127 views

Category:

Education


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E PIRANDELLO

RAMANHOLI, Durval - [email protected]

v Sei personaggi in cerca d’autore

Luigi Pirandello

v Um sopro de vida

Clarice Lispector

Page 2: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

FENOMENOLOGIA

ü  Fenomenologia: estudo da consciência e dos objetos da consciência.

ü  Fenômeno: aquilo que se apresenta ou que se mostra.

ü  Fenômenos da consciência (criação de personagens): devem ser estudados em si mesmos (crise de identidade dos personagens)      

Page 3: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

ü  Consciência: tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na nossa mente.

ü  Os objetos da Fenomenologia são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos (noesis) e as entidades objetivas que correspondem a elas (noema).

Page 4: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

EXISTENCIALISMO

ü  A experiência interior ou subjetiva é considerada mais

importante do que a verdade "objetiva", ou seja, busca-se a

elucidação da existência humana (a subjetividade).

ü  O homem se faz em sua própria existência: “no homem, a

existência precede a essência”. O ser do homem se define

pela inserção da existência num horizonte temporal, histórico.

Page 5: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

ü  O mundo, como nós o conhecemos, é irracional e absurdo. A morte,

como significado concreto da finitude humana, é o parâmetro-limite para

a criação e recriação do projeto humano.

ü  A falta de sentido, a liberdade conseqüente da indeterminação, a ameaça

permanente de sofrimento, dá origem à ansiedade, à descrença em si

mesmo e ao desespero. Esta situação, considerada na sua singularidade,

gera a angústia de um existir devorado pelo tempo.

ü  Para Heidegger, o ser habita a linguagem poética e criadora, na qual se

pode lembrá-lo conjuntamente, a fim de não cair no esquecimento.

Elevar-se até o ser seria “habitar” nele por meio da literatura.

Page 6: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

ü  A visão da vida pirandelliana era baseada sobre o

contraste entre a vida (fluir ininterrupto) e as formas

(nas quais o homem é obrigado a enquadrar-se).

ü  O homem é um prisioneiro dos esquemas e a única

solução é a desconstrução do seu próprio ser. Essa

desconstrução resulta na criação de seis personagens

que, ao serem criados na mente do autor, são, pelo

mesmo, impedidos de representarem seus dramas.

 

Page 7: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Pai – Queremos viver! (SP, p.285)

Pai – ... ao menos por um momento, nos senhores. (SP, p.286)

Pai – está em nós. O drama está em nós; somos nós! E é grande a nossa impaciência, o nosso desejo de representá-lo, impulsionando que somos pela Paixão que ferve dentro de nós e não nos dá trégua! (SP, p.286)

Page 8: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

ü  Representar a existência é o próprio ato de viver.

ü  A crise de identidade acontece mediante a possibilidade de

escolha, a liberdade de viver e o fato de serem impedidos, pelo

próprio autor, bem como pela sociedade (representada pelo

grupo de teatro).

ü  O fato de não poderem realizar, pelo menos uma vez, tal

representação dramática, torna angustiante o “estar vivo”, pois

são personagens que possuem vida própria e que são reais,

enquanto fruto da imaginação do autor (Pirandello).  

 

Page 9: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Ø  Pai – Para mim, o drama está todo nisso: na convicção que

tenho de que cada um de nós julga ser “um”, o que não é

verdade, porque é “muitos”; tantos quantas são as

possibilidades de ser que existem em nós: “um” com este;

“um” com aquele, completamente diferentes! E, no

entanto, com a ilusão de ser sempre “um para todos”, e

sempre “aquele um” que acreditamos ser em cada ato

nosso. Mas não é verdade! (...) é isso que dá ao drama um

enorme valor. (p.304)

Page 10: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

ü  O texto teatral explora:

1.  o falimento da linguagem como meio de comunicação autêntica;

2.  as múltiplas facetas da personalidade;

3.  o trágico conflito entre forma e vida.

ü  Sei personaggi in cerca d’autore é uma crítica da tradição da piéce-bein-

faite, e um exercício de desconstrução determinista, que demonstra como

o teatro é uma arte impossível: os personagens, criação exclusiva da

imaginação do artista, não podem viver no interno das restrições

materiais do teatro, evidenciando assim, a eternidade da obra artística,

que, ao ser criada, não “morre” mais. A efemeridade da existência

humana se prolonga e se eterniza na obra de arte.

Page 11: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

ü Segundo Pirandello, “Tutto ciò che vive, per il fatto che vive, ha forma, e per ciò stesso deve morire: tranne l’opera d’arte, che appunto vive per sempre, in quanto è forma”. O tempo desaparece, porque tanto em Um Sopro de Vida como em Sei Personaggi in Cerca d’Autore, a vida é um “átimo” de existência que precisa ser revelado.

Page 12: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

ü  Um sopro de vida de Clarice Lispector dramatiza o processo de

criação, a relação entre criador e criatura.

ü  Lispector revela os conflitos de um autor-personagem com suas

próprias “pulsações” e o quanto é doloroso aceitá-los e deixá-los

fluir.

ü  Ângela Pralini, criada para libertar o autor de seus fantasmas,

cumpre o destino de ser “o sopro de vida” de um escritor.

Page 13: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Ângela – (...) Sinto que sou impulsionada? Por quem? (SV, p.95)

Autor – o drama de Ângela é o drama de todos: equilibrar-se no instável. (SV, p.63)

Ângela – eu sou uma atriz para mim. Eu finjo que sou uma determinada pessoa mas na realidade não sou nada. (SV, p.40)

Ângela – eu sou uma “atriz”, apareço, digo o que sei e saio do palco. Que mais pode querer uma pessoa rica e dona de uma mecânica inteligente alta como a de um supercomputador? (SV, p.68)

Autor – (...) mas dei-lhe tal forma à minha vida que ela me parece mais real do que eu. (SV, p.45)

Autor – (...) mas meu reflexo não estava num espelho, mas refletia uma outra pessoa que não eu. (SV, p.27)

Page 14: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Autor – por causa desse sonho é que inventei Ângela como meu

reflexo? (...) Ângela por enquanto tem uma tarja sobre o rosto que

lhe esconde a identidade. (SV, p.27)

Autor – À medida que ela for falando vai tirando a tarja – até o rosto nu.

Sua cara fala rude e expressiva. Antes de desvendá-la lavarei os

ares com chuva e amaciarei o terreno para a lavoura. (SV, p.27)

Autor – (...) sua vida é tão irreal como a vida de quem porventura me

lesse. (SV, p.27)

Autor – (...) Ângela é um espelho (SV, p.28)

Autor – (...) depois que eu morrer Ângela continuará a vibrar. (SV, p.28)

Page 15: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E PIRANDELLO

RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Autor – (...) Ângela é mais do que eu mesmo. Ângela não sabe que é personagem. Aliás, eu também talvez seja personagem de mim mesmo. Será que Ângela sente que é um personagem? Porque, quanto a mim, sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém. É incomodo ser dois: eu para mim e eu para os outros. Eu moro na minha ermida de onde apenas saio para existir em mim: Ângela Pralini. Ângela é minha necessidade. (SV, p.29)

Autor – Ângela é o meu personagem mais quebradiço. Se é que chega a ser personagem: é mais uma demonstração de vida além-escritura como além-vida e além-palavra. (SV, p.38).

Page 16: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E PIRANDELLO

RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

ü  A Redução Eidética visa à elucidação de vivências (a emoção, a percepção, a

aprendizagem verdadeira ou a imaginação) a partir da experiência comum.

Vivência é todo o ato psíquico.

ü  A Fenomenologia, ao envolver o estudo de todas as vivências, tem que englobar o

estudo dos objetos das vivências, porque as vivências são intencionais e nelas é

essencial a referência a um objeto.

ü  Nos dois livros as vivências dos personagens são almejadas por meio da

representação dos seus papéis, dentro dos seus dramas (sei personaggi) e por

meio da escrita ou ato de escrever (Autor e Ângela Pralini) veículo pelo qual há,

para a personagem, o fluxo de pensamento e idéias.

Page 17: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

ü  Nesse engenho artístico, o alocutário (em Pirandello, o

diretor, os atores e os próprios personagens; em

Clarice, o AUTOR, Ângela Pralini ou o próprio leitor

virtual) co-participa no advento da vida enquanto

partilham as mesmas angústias do vir-a-ser. Em ambas

as situações os seres existenciais vivem o momento

presente, mergulhados num projeto contínuo cujo fim é

a morte.    

Page 18: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Ângela – (...) o que escrevo agora não é para ninguém: é diretamente para o próprio escrever, esse escrever consome o escrever. (SV, p.78)

v  "Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está q u e r e n d o d e s a b r o c h a r d e u m m o d o o u d e outro...“ (Clarice Lispector)

Page 19: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Autor – Eu não escrevo por querer não. Eu escrevo porque preciso.

Senão o que fazer de mim. (...) Quase não sei o que sinto, se na

verdade sinto. Que não existe passa a existir um nome. Eu

escrevo para fazer existir e para existir-me. Desde criança

procuro o sopro da palavra o que dá vida ao sussurros. Só não

me tornei um verdadeiro escritor porque me perco demais entre

as vidas e minha vida. E porque também preciso pôr ordem na

minha vida, nesse caos de que é feita essa vida grave e

inassimilável. Não consigo me associar à minha vida. (SV, p.

96,97)

Page 20: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Pai – (...) quando os personagens são vivos, de fato vivos, diante do

seu autor, este não faz outra coisa a não ser segui-los, nas

palavras, nos gestos que eles lhe propõem. E necessário que ele

os queria como eles querem ser; e ai dele se não fizer isso!

Quando um personagem nasce, adquire logo tal independência,

até mesmo em relação ao seu autor, pode ser imaginado por

todos, em outras várias situações, nas quais o autor nem pensou

colocá-lo, e adquirir também, às vezes, um significado que o

autor jamais lhe pensou dar! (SP, p.352)

Page 21: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Pai – (...) imagine, para um personagem, a desgraça que lhe contei, de ter nascido vivo na fantasia de um autor que depois quis lhe negar a vida, e diga-me se esse personagem, assim abandonado, vivo e sem vida, não tem razão de fazer o que estamos fazendo nós, agora, aqui, diante dos senhores, depois de o ter feito, durante muito tempo, acredite, diante dele, para convencê-lo, para exortá-lo, aparecendo-lhe ora eu, ora ela, ora aquela pobre mãe... (SP, ....)

Page 22: A crise de identidade

A CRISE DE IDENTIDADE E O DRAMA DA SOBREVIVÊNCIA EM CLARICE E

PIRANDELLO RAMANHOLI, Durval - [email protected]  

Autor – (...) mas meus personagens não têm culpa disso (medo) e eu os trato o melhor possível. Eles vêm de lugar nenhum. São a inspiração. Inspiração não é loucura. É Deus (...) E a loucura é a tentação de ser totalmente o poder. (SV, p.17)