a crise da identidade na contemporaneidade

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Felipe Saraiva Nunes de Pinho Psicólogo, Mestre em Linguística (UFC) DEA em Filosofia (UB) felipepinho.blogspot.com

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Page 1: A crise da identidade na contemporaneidade

Felipe Saraiva Nunes de PinhoPsicólogo, Mestre em Linguística (UFC)

DEA em Filosofia (UB)felipepinho.blogspot.com

Page 2: A crise da identidade na contemporaneidade

O problema da identidade é, sem dúvida, uma importante temática contemporânea (BAUMAN, 2005; GIDDENS, 2002). Seja nos estudos da Filosofia, da Psicologia, da Antropologia ou da Linguística, buscam-se novas perspectivas para se compreender como os sujeitos constroem suas identidades, principalmente após a falência da perspectiva cartesiana do cogito ergo sum. Um dos autores que se destaca na discussão contemporânea sobre a identidade é o filósofo francês Paul Ricoeur (RICOEUR, 1996, 1999, 2004). A partir de seu conceito de identidade narrativa e de sua perspectiva ética, Ricoeur defende a tese de um sujeito dialógico, um "si mesmo" em substituição a um suposto "eu" substancial. Para esse autor, a construção da identidade do sujeito se daria de maneira reflexiva e hermenêutica, englobando três momentos ou dimensões principais: o diálogo consigo mesmo, o diálogo com os símbolos e signos culturais, e o diálogo com os outros sujeitos.

Page 3: A crise da identidade na contemporaneidade

Motivados por essa perspectiva, e compreendendo a importante influência dos diversos discursos sociais na construção das identidades dos sujeitos (FAIRCLOUGH, 2001), buscamos analisar qualitativamente, a partir do referencial teórico da análise do discurso francesa de Maingueneau (2004), o discurso sobre a crise da identidade na contemporaneidade, a partir da articulação entre dois discursos sociais: o discurso sócio/filosófico da pós-modernidade (LYOTARD, 2008; HARVEY, 2005; HALL, 2005; BAUMAN, 1998) e o discurso literomusical (COSTA, 2005) de vinte e três músicas de bandas de pop rock nacional contemporâneo (Cazuza, Titãs, Pitty, Engenheiros do Hawaii, CPM22, Detonautas). A partir dessa articulação discursiva pudemos encontrar algumas características em comum que definem o ethos do sujeito contemporâneo: a crise da identidade nacional (dialética global x local); a fragmentação e a liquidez da identidade; a desilusão e a perda dos referenciais/valores modernos; a personalidade narcísica; entre outras. Os discursos analisados corroboram um mesmo ethos contemporâneo, com o qual os sujeitos dialogam para significar a realidade e constituir-se enquanto sujeitos, na construção de uma narrativa pessoal.

Page 4: A crise da identidade na contemporaneidade

A busca frenética pelo sentido/significado da vida;

A crise de valores na contemporaneidade: crise ou a busca de novos valores?

A compreensão de como os sujeitos constroem suas identidades;

O sujeito um ser determinado ou livre?

Page 5: A crise da identidade na contemporaneidade

A identidade: entre a mesmidade e a ipseidade;

O si - mesmo ricoeuriano;

A perspectiva dialógica do sujeito;

O sujeito capaz: o sujeito agente e paciente.

Page 6: A crise da identidade na contemporaneidade

• Os discursos como práticas sociais (Fairclough);

• Os discursos constituintes como referências para as identidades (Maingueneau);

• O discurso filosófico/sociológico sobre a contemporaneidade e a construção da realidade contemporânea;

• O discurso literomusical e sua função mediadora.

• O que precisa ser estudado são as práticas discursivas das ciências humanas, que constituem e constroem o homem. (Foucault).

Page 7: A crise da identidade na contemporaneidade

“E esse – interveio sentenciosamente o Diretor – é o segredo da felicidade e da virtude: amarmos o que somos obrigados a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem escapar”. (HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo, 2003).

Page 8: A crise da identidade na contemporaneidade

A “pós-modernidade”: crise e construção;

Características do ethos:

- Esquizofrenia- Crise dos valores e das

metanarrativas;- Fragmentação da

identidade;- Personalidade pastiche;- Narcisismo

Page 9: A crise da identidade na contemporaneidade

Eu fico loucoeu fico fora de sieu fica assimeu fica fora de mimEu fico um poucodepois eu saio daquieu vai emboraeu fico fora de siEu fico ocoeu fica bem assimeu fico sem ninguém em

mim

Page 10: A crise da identidade na contemporaneidade
Page 11: A crise da identidade na contemporaneidade

a tensão entre o local e o global – com referência aos processos globalizantes e às resistências locais;

a crise do nacional e da identidade nacional, como uma referência estável para as identidades dos sujeitos;

Músicas: Perfeição; Aluga-se; Brasil; etc.

Lugar nenhum/ Titãs “Não sou brasileiro, / Não sou

estrangeiro, / Não sou brasileiro, / Não sou

estrangeiro./ Não sou de nenhum Lugar, / Sou de

lugar nenhum. / Não sou de São Paulo, não sou japonês. / Não sou carioca, não sou português. / Não sou de

Brasília, não sou do Brasil. / Nenhuma pátria me pariu. / Eu não tô nem aí. /Eu não

tô nem aqui”.

Page 12: A crise da identidade na contemporaneidade

Desilusão; Crise dos valores e

ideais modernos; Crise das

metanarrativas; Insegurança e

instabilidade; Músicas: O Amanhã;

Admirável Chip Novo; Ideologia; Nau à Deriva; Toda forma de poder; etc.

Crise de Existência/ CPM22Nunca foi mais do que uma

ilusão/ promessas sem cumprir / Não vou mais me

iludir aqui / Minha ciência se esgotou / Vou procurar por

mim / Em algum lugar que me perdi / Não estou certo qual é

a direção / Começarei pelo meu coração / Que um dia já

me pertenceu, que um dia já... / Vivo com a esperança de que um dia eu, / Consiga me curar, poder amenizar a dor, / O meu mundo desapareceu,/Ninguém quer me escutar / Nem sinto minha presença aqui / Não estou certo qual é a direção

Começarei pelo meu coração

Page 13: A crise da identidade na contemporaneidade

Déjà Vu / Pitty Nenhuma verdade me

machuca / nenhum motivo me corrói / Até se eu ficar / Só na vontade já não dói / Nenhuma

doutrina me convence / Nenhuma resposta me

satisfaz / Nem mesmo o tédio me surpreende

mais /Mas eu sinto que eu tô viva / etc.

Nau à deriva / Engenheiros

Nau à deriva / no asfalto ou em alto mar / "perigo, perigo" / perdidos no espaço sideral /

apocalipse now à deriva / talvez um parto / talvez

aborto / destroços da nave mãe /perto do caos / meu

coração é um porta aviões / perdido no mar esperando

alguém pousar / meu coração é um porto sem endereço certo / é um

deserto em pleno mar.

Page 14: A crise da identidade na contemporaneidade

Conhece-te a ti mesmo;

Individualismo; Egocentrismo; Solidão; Músicas: Insensível;

Eu me amo; 100 Critério; etc.

Ando só / Engenheiros do Hawaii/

Ando só / pois só eu sei / pra onde ir / por onde andei / ando só /

nem sei por quê / não me pergunte / o que eu não sei /

pergunte ao pó / desça o porão / siga aquele carro / ou as pegadas que eu deixei /

pergunte ao pó / poronde andei / há um mapa dos meus passos / nos pedaços que eu deixei / desate o nó / que te prendeu / a uma pessoa que nunca te mereceu / desate o

nó / que nos uniu / num desatino / um desafio / ando só / como um pássaro voando / ando só / como se voasse em bando / ando só / pois só eu sei andar

sem saber até quando / ando só

Page 15: A crise da identidade na contemporaneidade

Diga quem você é, me diga/ Me fale sobre a sua estrada/ Me conte sobre a sua vida./ Tira, a máscara que cobre o seu rosto/ Se mostre e eu descubro se eu gosto/ Do seu verdadeiro jeito de ser./ Ninguém merece ser só mais

um bonitinho/ Nem transparecer consciente e inconsequente/ Sem se preocupar em ser adulto ou criança/ O importante é ser você./ Mesmo que seja

estranho, seja você / Mesmo que seja bizarro, bizarro, bizarro/ Mesmo que seja estranho, seja você/ Mesmo que seja.../ Tira, a máscara que cobre o seu rosto/ Se mostre e eu descubro se eu gosto/ Do seu verdadeiro

jeito de ser./ Ninguém merece ser só mais um bonitinho/ Nem transparecer consciente ou inconsequente/

Page 16: A crise da identidade na contemporaneidade

Crítica ao sujeito ordenado unidimensional;

Dândis x hippies; A hipocrisia do sujeito

moderno; Músicas: A revolta dos

Dândis; Bichos escrotos; homem primata; Anacrônico; Porrada; Ouça o que eu digo não ouça ninguém; etc.

Só as mães são felizes /Cazuza /

Você nunca varou/ A Duvivier às 5 / Nem levou um susto saindo do Val Improviso /

Era quase meio-dia No lado escuro da vida / Nunca viu Lou Reed / "Walking on the Wild Side" / Nem Melodia transvirado Rezando pelo Estácio/ Nunca viu Allen

Ginsberg / Pagando michê na Alaska / Nem Rimbaud pelas tantas / Negociando escravas brancas / Nunca traiu teu melhor amigo / Nem quis comer a tua mãe? / Só as mães são

felizes...

Page 17: A crise da identidade na contemporaneidade

Bichos, / saiam dos lixos / Baratas, / me deixem ver suas patas / Ratos, entrem nos sapatos / Do cidadão civilizado

/Pulgas, que habitam minhas rugas / Onçinha pintada,/ Zebrinha listrada, / Coelhinho peludo,

Vão se foder! / Porque aqui na face da terra / Só bicho escroto é que vai ter!/ Bichos escrotos, saiam dos

esgotos / Bichos escrotos, venham enfeitar / Meu lar, / Meu jantar, / Meu nobre paladar.

Page 18: A crise da identidade na contemporaneidade

É claro que somos as mesmas pessoas/ Mas pare e perceba como seu dia-a-dia mudou/ Mudaram os horários, hábitos, lugares/ Inclusive as pessoas ao redor / São outros rostos, outras vozes / Interagindo e modificando você /

E aí surgem novos valores,/ Vindos de outras vontades,/ Alguns caindo por terra,

Pra outros poderem crescer,/ Caem 1, 2, 3, caem 4, / A terra girando não se pode parar.,/

Page 19: A crise da identidade na contemporaneidade

Os presos fogem do presídio / Imagens na Televisão / Mais uma briga de torcidas / Termina tudo em confusão

/ A multidão enfurecida / Queimou os carros da polícia / Quando estão fora de controle

Não são as regras a exceção / Não é tentar o suicídio / Querer andar na contra mão /

Quem quer manter a ordem? / Quem quer criar desordem? / É seu dever manter a ordem / É seu dever de cidadão / Mas o que é criar desordem / Quem é que diz o que é o não / São sempre os mesmos governantes /

Os mesmos que lucraram antes / Com esperança lado a lado / As filas de desempregados

Que tudo tem que virar óleo / Pra por na máquina do estado / Quem quer manter a ordem? / Quem quer criar desordem?

Page 20: A crise da identidade na contemporaneidade

O “pop” seria uma espécie de fetichização do original;

A “superficialização” do conteúdo;

O fluido, frouxo, e principalmente o vendável e o comercializável.

Mapas do acaso/Engenheirosnão peça perdão, a culpa não é sua

/ estamos no mesmo barco e ele ainda flutua / não perca a razão,

ela já nãoé sua / onda após onda, o barco

ainda flutua / ao sabor do acaso / apesar dos pesares / ao sabor do acaso...flutua / então,

preste atenção: o mar não ensina, insinua / estamos no

mesmo barco, sob a mesma lua / no mar, em marte, em qualquer parte / estaremos sempre sob a

mesma lua / ao sabor da corrente tão forte quanto o elo

mais fraco / ao sabor da corrente... sob a mesma lua /

âncora, vela / qual me leva? qual me prende? / mapas e bússola / sorte e acaso / quem sabe do

que depende?

Page 21: A crise da identidade na contemporaneidade

Todo mundo tá relendo/ o que nunca foi lido/ todo mundo tá comprando/ os mais vendidos/

qualquer nota/ qualquer notícia / páginas em branco /

fotos coloridas / qualquer nova / qualquer notícia / qualquer

coisa que se mova / é um alvo...ninguém tá salvo / todo

mundo tá revendo / o que nunca foi visto / tá na cara / tá na capa da revista / qualquer

nota / uma nota preta / páginas em branco / fotos coloridas / qualquer rota

/rotatividade / qualquer coisa que se mova / é um

alvo...ninguém tá salvo / um disparo...um estouro

/ o papa é pop / o papa é pop / o pop não poupa ninguém / o papa levou um tiro à queima

roupa / o pop não poupa ninguém o presidente é pop /

um indigente é pop / nós somos pop também / antigamente é pop

/atualmente é pop / o pop não poupa ninguém / toda

catedral é populista / é pop, é macumba pra turista / e

afinal? o que é rock'n'roll? / os óculos do John, ou o olhar

do Paul?

Page 22: A crise da identidade na contemporaneidade

Eu não sei fazer música

Mas eu façoEu não sei cantar as

músicas que façoMas eu canto

Eu não tenho certezaMas eu acho

Eu não sei o que falarMas eu falo

Ninguém sabe nadaNinguém sabe nadaNinguém sabe nadaNinguém sabe nadaVocê você você você

você vocêNinguém sabe nada

Page 23: A crise da identidade na contemporaneidade

A importância da linguagem enquanto uma construção social e histórica para se poder compreender o sujeito, o social, a cultura, e a própria realidade.

O sujeito encontra em seu meio sociocultural uma extensa gama de “material” – informações, representações, imagens, histórias, modelos – com os quais “dialoga” para se constituir enquanto sujeito, e construir uma história pessoal.

Nessa visão, não existiria o “entretenimento lúdico”, como filmes, programas de TV, música, nem mesmo a “arte pela arte”, pois toda essa produção carrega em si histórias e significados, bem como ideologias e formas de representação da realidade e dos sujeitos, que darão materialidade à construção do real, que, por sua vez, dará materialidade aos próprios sujeitos.

Page 24: A crise da identidade na contemporaneidade

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de Brasília (UNB), 2001.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. 

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro : D,P&A, 2005. 

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo. Ed. Loyola, 2005. 

HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo, 2003.

PINHO, Felipe S. N de. O sujeito em crise: relações discursivas entre o ethos pop rock e a “pós-modernidade” In: COSTA, Nelson B. O charme dessa nação - música popular, discurso e sociedade brasileira ed.Fortaleza : Expressão Gráfica, 2007.

Ricoeur, Paul. Sí mismo como otro. Siglo veintiuno de España Editores, 1996.