a crise da economia gumífera e o mundo do trabalho em manaus

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1 Universidade Federal do Amazonas Programa de Pós-Graduação em História Mestrado em História Benta Litaiff Praia A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus (1910 - 1930) Manaus – 2010

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Page 1: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

1

Universidade Federal do Amazonas Programa de Pós-Graduação em História

Mestrado em História

Benta Litaiff Praia

A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus (1910 - 1930)

Manaus – 2010

Page 2: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

2

Universidade Federal do Amazonas Programa de Pós-Graduação em História

Mestrado em História

Benta Litaiff Praia

A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus (1910 - 1930)

Orientador:

Prof. Dr. Ricardo José Batista Nogueira

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora do Programa de Pós-

Graduação em História da

Universidade Federal do Amazonas,

como exigência para a obtenção do

título de Mestre em História.

Manaus – 2010

Page 3: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

3

FICHA CATALOGRÁFICA

Praia, Benta Litaiff A Crise da economia gumífera e o mundo do trabalho em Manaus (1910 – 1930). Benta Litaiff Praia. Manaus: [s.n.], 2010, 165 p. Orientador: Ricardo José Batista Nogueira Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Amazonas, Instituto de Ciências Humanas e Letras, Programa de Pós-Graduação em História. 1. História Social. 2. História do Trabalho. 3. História Econômica. 4. Movimentos Sociais. 5. História Operária. 6. Amazonas – Sociedade e Cultura 7. Amazonas – Política e Governo. 8. Amazonas – História (1910 - 1930). I. Nogueira, Ricardo José Batista. II. Universidade Federal do Amazonas III. Título

Page 4: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

4

TERMO DE APROVAÇÃO

Page 5: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

5

Aos meus pais,

pela ousadia e coragem de enfrentar a cidade.

irmãs e irmãos.

que hoje colhem os frutos da árdua caminhada.

Dedico

Page 6: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

6

AGRADECIMENTOS

O trabalho acadêmico, embora seja feito por uma pessoa que se propõe a

dedicar seu tempo em leitura bibliográfica, pesquisa empírica e escrita, não se reduz

a esfera individual. Pode-se afirmar que existe uma dimensão individual-coletiva que

se faz presente no decorrer de sua elaboração. Neste sentido, cabe apontar as

pessoas e instituições que, de diversas formas, somaram esforços neste

empreendimento difícil e complexo, porém gratificante, que é a produção de um

conhecimento histórico e científico novo.

Sou imensamente grata ao professor Dr. Ricardo José Batista Nogueira,

orientador que acreditou na realização da pesquisa e sempre se mostrou disposto

ao diálogo. Agradeço pelas dicas e sugestões importantes, tolerância e paciência.

Aos professores Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro, Maria Luiza Ugarte Pinheiro,

Auxiliomar Silva Ugarte e Paulo Koguruma, in memorian, agradeço pelas

contribuições oriundas das disciplinas e das ótimas aulas ministradas no âmbito do

mestrado, dessa ambiência emergiram debates e discussões que deram suporte

teórico para a construção da narrativa. Agradeço também, aos professores Almir

Diniz Carvalho Júnior pelas críticas e sugestões apontadas no Exame de

Qualificação e Paulo Monte pelos livros emprestados e dicas fornecidas.

Aos funcionários da biblioteca da UFAM, ao Museu Amazônico, ao Centro

Cultural dos Povos da Amazônia (CCPA), em especial ao José Messias e ao

Nonato, sempre prestativos no auxílio aos pesquisadores, ao Instituto Geográfico e

Histórico do Amazonas (IGHA) e à Marlucia Bentes pela acolhida e flexibilidade, das

quais, usufruir no decorrer da pesquisa.

À Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e à Secretaria de Estado de

Educação e Qualidade do Ensino (SEDUC), pela licença remunerada que ambas

concederam-me, disponibilizando dessa forma, o tempo necessário para materializar

o trabalho.

Agradeço ao Sínval Pereira que gentilmente se dispôs a traduzir para a

língua inglesa, o resumo deste trabalho. À Leila Margareth Rodrigues pelos livros

cedidos e importantes sugestões. À Alba Barbosa Pessoa que em sua generosidade

Page 7: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

7

desmedida me doou várias fontes e privilegiou-me com sua companhia nos

arquivos, nos ônibus lotados, nos cafés, nas conversas agradáveis, agradeço

principalmente, pelas inúmeras vezes em que ouviu as minhas angústias e

indecisões, incentivando-me a prosseguir no árduo caminho, sou eternamente grata.

Por fim, agradeço aos meus familiares: à minha mãe pelo incentivo constante,

ao meu pai, às minhas irmãs e irmãos: Laura, Nete, Elen, Maria, Vanessa, Val e

Gildo pelos auxílios prestados na superação dos obstáculos naturais da pesquisa.

Às minhas lindas e energéticas crianças, muitas foram as vezes em que envolvida

nas tensões pertinentes a toda pós-graduação, a minha terapia principal se

restringiu a vê-las brincar, correr e sorrir. Ao Leonardo, meu primeiro pequeno

príncipe, um “muito obrigada” especial.

Page 8: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

8

RESUMO

No sentido de contribuir para o processo de renovação historiográfica regional

e minorar a lacuna ainda pouco explorada referente à crise da economia gumífera e

seu reflexo no mundo do trabalho em Manaus, a presente dissertação teve como

objetivo principal compreender como a crise do principal produto de exportação do

Amazonas, ou seja, da borracha refletiu inicialmente na cidade, outrora modernizada

e urbanizada pelas elites locais para atender a um momento de grande

efervescência social e econômica desencadeado pela valorização e exportação

desse produto. A reação dos segmentos sociais privilegiados que mais usufruíram

das benesses proporcionadas pelo apogeu da economia gumífera será externada a

partir de discursos, em sua maioria de conotação política, elaborados e difundidos

por intelectuais cuja vertente principal ensaiava fortes críticas ao descaso da União

para com os estados da região Norte. Além disso, no segundo momento, o olhar

direciona-se para o mundo do trabalho, mapeando as categorias de trabalhadores

urbanos que mais sentiram o efeito da instabilidade econômica. As demandas e

denúncias acerca das condições de vida e de trabalho desses trabalhadores, assim

como as ações políticas de organização, mobilização, resistência e luta

implementadas nesse período, também foram pontuadas, além é claro de enfatizar

superficialmente as influências das diversas correntes teóricas que permeavam o

interior do movimento político dos trabalhadores amazonenses. De forma secundária

resgatamos as estratégias de sobrevivência de atores sociais citadinos que

tentavam sobreviver na cidade no período estudado.

Palavras chaves: Crise; História do Trabalho; Trabalho Informal.

Page 9: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

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ABSTRACT

In order to contribute to the regional historiography renovation process and to

decrease the gap still little explored concerning about the rubber economy crisis and

its reflex in the world of work in Manaus, the present dissertation has had as main

objective to understand how the Amazonas main product of exportation crisis, that is,

the rubber firstly reflected in the city, formerly modernized and urbanized by the local

elites to serve to a social and economic effervescent great moment, caused by the

appreciation and exportation of this product. The reaction of the privileged social

segments that enjoyed the benefits the most, proposed by the rubber boom economy

will be exteriorized from speeches on political connotation, prepared and widespread

by intellectuals whose main tendency experimented strong critics to the Union

disregard with the North Region States. Besides, the view of this dissertation points

to the world of work, mapping the urban workers categories that more felt the

economy instability effects. The demands and denunciations concerning the life and

work conditions of these workers, as well as the political actions of organization,

mobilization, resistance and struggle implemented in this period, were also pointed,

besides, of course, to superficially emphasize the several philosophic current

influences that passed through the political movement interior of the Amazon

workers. We rescued in a secondary way the social actors’ survival strategies citizen

that tried to survive in the city in the period studied.

Key words: Crisis, History of Work, Informal Work.

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10

SUMÁRIO

Considerações Iniciais 11

Capítulo 1 – A Crise da Economia Gumífera em Manaus e o Papel do Estado e das Elites 13

1.1 – A crise da Economia Gumífera em Manaus 13

1.2 – O Papel do Estado e das Elites 48

Capítulo 2 – Mundos do Trabalho e a Crise 83

2.1 – Mundos do Trabalho em Crise 83

2.1.1 – Os Caixeiros 83

2.1.2 – O Funcionalismo Público 104

2.2 – O Universo do Trabalho em Manaus 118

2.3 – Trabalho Informal e Pequenas Ocupações Autônomas 155

Considerações Finais 177

Fontes 179

Referências Bibliográficas 181

Encarte Fotográfico 186

Page 11: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

11

CONSIDERAÇÔES INICIAIS

O surto de modernidade proporcionado pelo apogeu da economia gumífera

viria abaixo com a depreciação extrema dos preços da borracha. O momento de

instabilidade econômica ocasionado pela entrada do similar asiático no mercado

mundial determinou um profundo abalo na sociedade manauense. Vários setores

urbanos como, o comércio, o poder público estadual e municipal, o setor imobiliário

e o mundo do trabalho foram afetados diretamente pela aviltante situação de

instabilidade que imperava em Manaus.

Assim, o primeiro capítulo terá seu foco centralizado na tentativa de mostrar a

cidade vivenciando a crise e como o abalo causado pela instabilidade econômica

refletiu em seu cotidiano. Nesse período, a cidade idealizada pelas elites locais,

paulatinamente entrava em decadência e se confrontava com a cidade real e

contraditória, esta sobrevivia à crise e crescia com chegada de um grande número

de seringueiros pobres, que nela passou a habitar, dinamizando o mundo do

trabalho que aos poucos se recuperava, principalmente aquele relacionado ao

trabalho informal. O papel do Estado e das elites locais também será pontuado, o

destaque centraliza-se nos discursos políticos elaborados por intelectuais que

solicitavam como único remédio para a reabilitação econômica do Amazonas, a

ajuda do governo federal. Como a ajuda solicitada e ansiosamente aguardada nunca

chegou, vociferavam contra o descaso e a indiferença da União para com os

estados da região Norte do país. Na realidade, esses discursos camuflavam a

intencionalidade desses segmentos sociais privilegiados de resgatar os benefícios

vivenciados no apogeu da borracha, engendrando através dos jornais várias

representações da crise.

No segundo capítulo, o mundo do trabalho em crise será analisado, é notório

que em tempos de crise as relações sociais de trabalho mudam de acordo com o

grau em que as atividades econômicas envolvidas são afetadas. Enquanto, muitos

trabalhadores urbanos deflagravam greves pleiteando aumento salarial e a redução

da jornada de trabalho, outras categorias como os caixeiros realizavam concessões

e cediam as propostas patronais. A atuação dos trabalhadores e em alguns casos, o

papel desempenhado de suas lideranças se fez necessário para demonstrar as

Page 12: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

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negociações, as articulações, as perdas e reações implementadas por esses atores

sociais na vigência da crise. O foco centraliza-se no primeiro momento, nos caixeiros

e no funcionalismo público, os trabalhadores urbanos que mais sentiram o impacto

da crise. No segundo momento, a análise direciona-se para os trabalhadores

indiretamente afetados pelo reflexo da mesma, labutavam em sua maioria nos

serviços urbanos que davam funcionalidade a cidade, enquanto outros praticavam

atividades ligadas ao comércio local. Por fim, o trabalho informal e as pequenas

ocupações autônomas utilizadas pelo grosso da população pobre, que sobrevivia

trabalhando por conta própria em diversas atividades, tornaram-se objeto de análise.

No tempo de crise e recessão econômica, o mercado de trabalho assalariado ficou

restrito e as dificuldades vivenciadas pelo setor informal da economia tornaram-se,

na realidade, mais acentuadas, por isso o aumento da população miserável cresceu

consideravelmente. Os grandes contingentes de seringueiros depauperados que

chegavam à cidade juntaram-se aos citadinos pobres e foram condenados ao semi-

emprego crônico tentando sobreviver das pequenas ocupações autônomas e do

trabalho informal.

Page 13: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

13

Capítulo 1

A Crise da Economia Gumífera em Manaus e o Papel do Estado e das Elites

1.1 – A Crise da Economia Gumífera em Manaus

Não podemos resgatar um pouco da história da Amazônia sem ressaltar de

forma superficial, a inserção do Brasil na expansão da economia capitalista. Desde

os primórdios de sua colonização pelos portugueses coube ao Brasil desempenhar o

papel de país periférico fornecedor de matérias-primas e gêneros tropicais

destinados ao comércio europeu. Inserida e articulada neste contexto, a Amazônia

caracterizou-se até a segunda metade do XVIII pela exportação de tais produtos

oriundos de sua imensa floresta. Inicialmente sua economia esteve direcionada para

a coleta das “drogas do sertão”, vegetais extraídos do meio natural e aproveitáveis

no comércio, tais como: canela, cravo, baunilha, pimenta, salsaparrilha, urucum,

utilizados para a conservação de alimentos na culinária, além de sementes

oleaginosas (andiroba, copaíba), raízes aromáticas, castanha, cacau, madeiras e

etc.

Posteriormente a partir da segunda metade do século XIX até o início do

século XX para a borracha nativa1. Produto de intensa procura nos Estados Unidos e

na Europa aplicado de forma industrial a partir de 1841 graças à descoberta do

processo de vulcanização, na confecção de uma grande variedade de objetos,

principalmente em pneus de bicicletas e automóveis. “A demanda da borracha nos

países industrializados crescia fortemente, devido à utilização da mesma na

fabricação de pneus de veículos: de bicicleta primeiro, de automóveis, depois”2.

Dessa forma, a indústria do setor obteve uma destacada relevância na economia

mundial, voltando o seu olhar para a Amazônia, habitat natural, da hevea brasiliensis

nome científico da seringueira de onde se extraía um leite, o látex, que após ser

1 PRADO, Maria L. e CAPELATO, Maria Helena. A borracha na economia brasileira da primeira república. In: FAUSTO, Boris (org). História geral da civilização brasileira. Tomo III, Vol. I. São Paulo: Difel, 1975. p. 288-289. 2 SINGER, Paul. O Brasil no contexto do capitalismo internacional (1889-1930). In: FAUSTO, Boris. (org) História geral da civilização brasileira. Vol. III. O Brasil republicano (1889-1930). São Paulo: Civilização Brasileira, 1997. p. 361.

Page 14: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

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defumado transformava-se em bolas de borracha. Diante da procura internacional e

de sua consequente valorização, a borracha assumiu importância considerável na

economia amazônica, deslocando toda força de trabalho para a sua exploração,

alterando de forma significativa as estruturas políticas, econômicas, sociais e

culturais da região. Visando, enfim, atender as necessidades do capital internacional

que tem entre suas características a exigência de transformar os lugares onde

penetra, para que a antiga paisagem dê lugar a uma nova paisagem, “altamente

desenvolvida, diferenciada e dinâmica”3. As principais cidades amazônicas Belém e

Manaus sofreram intervenções em seus espaços urbanos impostas por esse novo

momento econômico.

As cidades crescem em função de processos diferenciados, mas geralmente

esse crescimento está relacionado às atividades produtivas desenvolvidas em seu

interior ou em sua adjacência4. No caso amazônico, a borracha propiciou o processo

de modernização dessas capitais, dando a elas, uma nova função, a de centro

exportador e importador do comércio internacional. Neste contexto urgia transformá-

las em cidades burguesas: modernas, belas, assépticas, ordeiras e civilizadas5.

Assim, principalmente a partir de 1890 quando o preço da borracha começou

a alcançar grandes cotações no mercado mundial elevando de forma significativa as

receitas do Estado, as elites de Manaus atendendo às solicitações de uma economia

voltada para a exportação passaram sob o comando do governador Eduardo Ribeiro

(1892 -1896) a acelerar:

“as transformações e melhoramentos urbanos que vinham, de forma lenta e gradual

operando-se na cidade ao longo de toda a segunda metade do século XIX. As

ingerências do poder público já se faziam sentir nas edificações, nos nivelamentos,

calçamentos e aterros, e nas tentativas de suprir demandas tipicamente urbanas, como

3 BERMAN, Marshall, Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Trad. Carlos Felipe Moisés, Ana Maria L. Ioriatti. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 18. 4 CASTRO, Edna Maria Ramos de. A questão urbana na Amazônia. In: LOUREIRO, Violeta R. (org). Estudos de problemas amazônicos: história social e econômica e temas especiais. 2 ed. Belém: CEJUP, 1992. p. 165. 5 Civilizadas, no sentido atribuído por Norbert Elias, onde o referencial de comportamentos considerados civilizados pertence ao padrão do homem ocidental. Uma grande variedade de fatos serve como paradigma: o nível de tecnologia, o desenvolvimento dos conhecimentos científicos, as ideias religiosas, os costumes, o tipo de habitação, a maneira como homens e mulheres vivem juntos, a forma de punição determinada pelo sistema judiciário, o modo como são preparados os alimentos. In: ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Trad. Ruy Jungamann. Vol. 01. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 21 - 46.

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15

as ligadas ao abastecimento, iluminação de ruas e praças, e melhoramentos no sentido

de favorecer a entrada e saída de embarcações”6.

O projeto urbanístico visava à construção de uma cidade racional cujo cenário

principal era o centro comercial, onde seriam realizadas as grandes transações

envolvendo a borracha. A modernidade impulsionada pela comercialização de um

“produto extraído da floresta” e nutrida pelo suor do seringueiro chegava à Manaus

trazendo o desenvolvimento e o progresso:

“A renovação dos prédios públicos, as construções monumentais, os aterros e

desaterros, a abertura de ruas e avenidas foram acompanhadas pela incorporação, em

alguns casos pioneira, de tecnologias urbanas modernas como o sistema de bondes, a

iluminação elétrica, a comunicação telefônica, sistema de galerias para drenagem de

águas e esgotos, além da abertura de espaços destinados ao lazer refinado,

hipódromo, teatro, clubes etc.”7.

Para tornar a cidade funcional era imprescindível a utilização de tecnologia e

como o Brasil ainda não dispunha de tal avanço científico, os ingleses ofereceram

seus serviços em troca de concessões prolongadas, superiores a 50 anos. Desta

forma, o capital estrangeiro, principalmente inglês, tornou-se o maior responsável

pela execução dos grandes projetos de reforma do perímetro urbano de Manaus8.

Empresas como a Manáos Tramways and Light Company Ltd., Manáos

Improviments, Manáos Markets and Slaughterhouse, Amazon Engineering, Amazon

Telegraph, Booth Line, Amazon River e Manáos Harbour passaram a fazer parte do

cotidiano da cidade, atuando na administração de serviços urbanos (bondes, luz

elétrica, abastecimento de água, esgoto, mercado, matadouro, comunicações -

telefone e telégrafo, transporte fluvial, atividades portuárias, etc.). Devido a

existência de autoridades nacionais interessadas em seus serviços atuavam com

total autonomia, pouco se importando com as possíveis reclamações oriundas da

deficiência no serviço prestado. Os choques com as lideranças locais eram

constantes e os conflitos ocorridos entre ambos, resolvidos a nível federal9.

Nesse processo de expansão cabe salientar dois elementos essenciais para a

cadeia comercial vigente na Amazônia: a implantação de uma rede para viabilizar a

6 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros: trabalho e conflito no porto de Manaus 1899 - 1925. 2 ed. Manaus: Edua, 2003. p. 34. 7 Idem, p. 37. 8 Idem, p. 50. 9 LOUREIRO, Antônio. A grande crise. 2 ed. Manaus: Valer, 2008. p. 161.

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16

comercialização da borracha e o desenvolvimento de uma infra-estrutura visando o

escoamento do produto. Em relação ao primeiro elemento, o destaque fica

centralizado na atuação das “casas aviadoras”. Estes estabelecimentos exerciam a

função de financiar e comercializar a borracha, além de negociarem com as casas

importadoras, as mercadorias que seriam transferidas inicialmente para o pequeno

comerciante do vilarejo, depois ao regatão, ao seringalista e finalmente ao

seringueiro10:

“O papel desempenhado por esses estabelecimentos comerciais foi o de financiar

e comercializar a borracha na região, fazendo chegar os implementos necessários

à organização e funcionamento da vida econômica dos seringais, bem como

recebendo deles, no final do período de extração, as remessas de borracha que,

posteriormente seriam exportadas para a Europa e Estados Unidos”11.

A infra-estrutura implantada em Manaus complementava a cadeia comercial.

Sua funcionalidade era de grande relevância, porque tornava possível o escoamento

da borracha enviada do interior para ser comercializada na cidade. Facilitava,

portanto, a circulação de capitais, de mercadorias e de pessoas. Para isso, as firmas

inglesas gerenciavam os serviços urbanos citados anteriormente. O que

proporcionou uma ampliação significativa do comércio local.

Diversos estabelecimentos comercializavam produtos estrangeiros,

contraditoriamente aos nacionais. Serviços variados passaram a ser oferecidos pela

cidade (hotéis, pensões, restaurantes, cafés, botequins, etc.), além de novas

práticas de lazer e entretenimento.

A exportação da borracha criava em menor escala ramificações de outros

negócios possibilitando o surgimento na cidade de Marcenarias, Sapatarias,

Alfaiatarias, Chapelaria, Fábrica de Roupas, Fábricas de Vassouras, Funilarias,

Tabacarias, Fábricas de Panificação, Fábrica de Cerveja e Gelo, Fábrica de Sabão e

outros12 diversificando, portanto, o mundo do trabalho.

A infra-estrutura finalizava-se com a modernização do porto, um dos alvos

privilegiados desse processo. Considerado ponte de ligação da cidade com o

interior do Amazonas e com o mercado mundial, o porto teve sua estrutura física 10 WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência. (1850 - 1920). Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Hucitec/ Edusp, 1993. p. 33-34. 11 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros. op. cit., p. 37. 12 COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando viver ameaça a ordem urbana: cotidiano de trabalhadores em Manaus, 1915 - 1925. São Paulo: PUC, 1997. p. 32.

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17

modernizada em vista da viabilidade de chegada e saída de mercadorias. A

borracha vinda dos centros produtores (seringais) chegava ao porto de Manaus em

navios a vapor, indo diretamente para os armazéns da casa aviadora responsável

pelo seu transporte onde era inspecionada e separada de acordo com sua

qualidade, depois era encaixotada e partia para os centros consumidores, ou seja,

para a Europa e Estados Unidos.

A tecnologia inglesa empregada em sua construção era considerada

sofisticada para época:

“Seus cais flutuantes – cuja tecnologia inglesa empregada às autoridades

amazonenses anunciavam que só havia sido posta em prática anteriormente em

Sidney (Austrália) – domavam o grande rio, superando a dificuldade de

ancoragem de navios de grande calado, principalmente na época da vazante. Esta

possibilidade de tornar irrelevante para a atracação de grandes navios a variação

anual das águas do rio Negro, que em média ultrapassa a marca de 15 metros, foi

sempre exaltada como um grande feito tecnológico, emblema de uma estado de

progresso, onde a civilização amesquinhava e anulava a força da natureza”13.

Diante desta realidade, a modernidade reordenou os espaços da cidade.

Maria Stella Bresciani (2002) afirma que a intervenção urbana capitaneada pelo

Estado se estrutura no e pelo debate político, atendendo na maioria das vezes as

exigências de uma minoria privilegiada em detrimento das necessidades da

coletividade. O poder público, aliado e em conjunto com as elites ligadas às

atividades gumíferas iniciaram várias reformas no centro de Manaus no final do

século XIX e início do XX, objetivando modernizá-la, embelezá-la e adaptá-la aos

olhos dos investidores estrangeiros.

A cidade foi organizada de acordo com os interesses particulares dessas

elites, seja a do segmento enriquecido com o comércio exportador e importador, seja

a tradicional vinculada às atividades administrativas e burocráticas (políticos,

magistrados, intelectuais, profissionais liberais, militares); também a eles podemos

associar importantes funcionários representantes do capital inglês e alemão14. No

cenário transformado ficavam localizadas as grandes lojas de produtos importados,

as casas aviadoras, os estabelecimentos bancários e os serviços necessários para o

13 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros. op. cit., p. 44. 14 DAOU, Ana Maria. A cidade, o teatro e o “paiz da seringueira”: práticas e representações da sociedade amazonense na virada do século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ/ MN/ PPGAS, 1998. p. 105 -116.

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18

funcionamento da cidade, era o espaço onde as elites realizavam seus negócios e

praticavam a sociabilidade. O espaço urbano foi construído para esse segmento

social com hábitos e anseios inspirados nas elites européias, particularmente na elite

francesa, para qual Paris era a capital cultural do momento e paradigma de cidade

moderna.

A “Paris dos Trópicos”, como é conhecida, é vista segundo a historiografia

tradicional como símbolo do esforço civilizador de um grupo. Obra arquitetônica

implementada por uma minoria privilegiada, que perpetuou a sua existência na

representação da cidade. Ana Maria Daou (1998) considera que a formação da

cidade de Manaus e a imposição de sua representação como cidade “moderna”

estão vinculadas à consolidação das elites extrativistas, no sentido da construção de

sua auto-representação. São expressivos na cidade os prédios erigidos durante o

apogeu da economia gumífera como o Palácio da Justiça, o Palácio do Governo, a

Biblioteca, a Alfândega, a Penitenciária e o Teatro Amazonas. Todos sobreviventes

de um período de ostentação sustentado pelo trabalho praticamente escravo do

seringueiro, e construídos para preencher funções específicas, respectivamente,

justiça, poder, cultura, progresso comercial, ordem e lazer15.

“A modernidade – expressão artística e intelectual de um projeto histórico

chamado “modernização” e produzido pela transformação capitalista do mundo – dá

nascimento à experiência, também histórica, individual e coletiva, do “viver em

metrópole”16. Esse processo desencadeou em Manaus uma acentuada explosão

demográfica elevando sua população de 29.334 habitantes em 1872 para 38.720 em

1890 e dez anos após (1900) para o equivalente a 52.040, o censo realizado em

1920 registra para a cidade uma população aproximada de 75.704 habitantes17. A

procura de trabalho muitas pessoas são arrancadas de seu habitat ancestral e

migram em direção às cidades para suprir a demanda de mão-de-obra tornando as

contradições existentes e inerentes às sociedades burguesas mais visíveis.

15 DIAS, Edinea Mascarenhas. A ilusão do Fausto (1890 – 1920). Manaus: Valer, 1999. p. 80. 16 PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano: Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. 2ed. Porto Alegre: Cia. Editora Nacional, 2001. p. 30. 17 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros. op. cit., p. 58.

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A diversidade dos tipos humanos será constante na capital do Amazonas

dando a mesma uma feição cosmopolita18. Imigrantes estrangeiros e nacionais como

os nordestinos, alguns latinos, somados a população mestiça local passaram a

compor a nova configuração da classe trabalhadora. Muitos operários trabalharam

nas obras públicas de transformação da área central da cidade, outros ampliaram as

atividades no comércio, transportes, bancos e outros setores de serviços urbanos.

A nova conjuntura de reestruturação e adequação da cidade ampliou o

mercado de trabalho. Novas categorias profissionais passaram a dividir o espaço

urbano dando origem a exploração, a dominação, a cooptação, a resistência e

também a luta de classes, até hoje pouco estudada pela historiografia local. É certo

que Maquiavel tinha razão quando afirmava que em toda a cidade há dois desejos: o

dos Grandes, de oprimir e comandar, e o do Povo, de não ser oprimido nem

comandado19.

Para impor a civilidade defendida pelas elites, a chegada da modernidade trás

em seu bojo a ideia de ruptura com um mundo tradicional. Transformando não só a

paisagem física, mas afetando de forma significativa, o viver tradicional das

populações locais. O embate entre o moderno e o tradicional significou a negação

do passado por parte daqueles que viam a Europa como referencial de civilização,

glorificando assim uma forma burguesa de viver.

O progresso, entretanto, traz em seu rastro realidades diferenciadas para os

vários segmentos sociais que o vivenciaram, traduzido não só na importação de

produtos e técnicas, mas também de homens, comportamentos, valores e ideias

variadas20. Marshall Berman (1986) acrescenta que o progresso ao criar novos

ambientes humanos destrói os antigos, acelerando o próprio ritmo de vida, gerando

novas formas de poder corporativo e de luta de classes.

A modernidade que estimula o progresso, o desenvolvimento e o trabalho,

também vem acompanhada de sua outra face trazendo a miséria, a exploração e a

18 Francisco Foot Hardman afirma para uma outra realidade, que as grandes obras públicas realizadas nas áreas periféricas do capitalismo proporcionaram migrações internacionais (...), dando um aspecto cosmopolita aos trabalhadores recrutados como força de trabalho. In: HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma: a modernidade na selva. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 148 - 152. 19 CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 159. 20 MENEZES, Lená Medeiros de. Os indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e expulsão na Capital Federal (1890 - 1930). Rio de Janeiro: EDUERJ, 1996. p. 29.

Page 20: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

20

exclusão social. A cidade ideal europeizada, bela, civilizada, policiada, abastecida

pelos serviços de infra-estrutura da época confronta-se com outra cidade. A cidade

provincial, o Porto de Lenha, onde predominava a tradição, os velhos hábitos e

costumes, as festas religiosas, a casa de barro ou madeira coberta de palha. Era lá

em uma dessas casas que ao anoitecer, sob a luz da lamparina, uma senhora idosa,

descendente de índios, acendia seu cigarro feito de tabaco de corda e começava a

contar histórias aos seus netos. Estes se sentavam ao seu redor para ouvi-la

atenciosamente, até o sono chegar e o dia recomeçar21.

O anoitecer nos subúrbios e arrabaldes era contraditório à ambiência vibrante

e efervescente inerente à modernidade frequentemente vista na Avenida Eduardo

Ribeiro:

“Todas as noites, quando o sol declinava e a brisa refrescante e suave da noite

invadia a cidade vinda das margens do rio, grupos de caminhantes começavam a

surgir na Avenida Eduardo Ribeiro ou na Praça do comércio para o passeio

habitual. Os homens trajavam-se sempre de gravata e paletó, e as mulheres

habitualmente usavam luvas e chapéus. (...) À proporção que pessoas de todas as

classes passeavam ociosamente pelas ruas e praças trocando palavras amigáveis

entre si, os restaurantes e cafés com calçadas à frente começavam a ferver de

gente. Trios, quartetos e quintetos davam os primeiros acordes nos principais

restaurantes, e o fim da tarde criava vida com melodias de Strauss, Schubert,

Lehar, Puccini, Wagner e Pacheco. Muitos deles se especializavam no chá das

cinco horas. Pastelarias francesas e alemães eram oferecidas por outros. O café

era consumido em toda parte”22.

O viver civilizado das elites era garantido por uma política de controle e

disciplinamento do espaço transformado. Segregados e excluídos do perímetro

urbanizado da cidade, trabalhadores e os pobres urbanos passaram a residir em

locais desvalorizados e distantes. Aqueles que insistiam em permanecer próximos

ao local de trabalho ficavam restritos à uma outra cidade. Materializada nas vilas

populares e na extensão das casas de alvenaria com fachadas construídas em estilo

eclético, que abrigavam os cortiços onde residiam vários segmentos populares de

menores recursos23. O aluguel considerado bastante alto para a época era

contraditório, ao espaço físico alugado muitas vezes sem conforto e mal ventilados.

21 Memórias da família da autora. 22 BURNS, E. Bradford. Manaus, 1910: retrato de uma cidade em expansão. Manaus: Imprensa Oficial, 1966. p. 12 - 13. 23 COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando viver ameaça a ordem pública. op. cit., p. 90 - 91.

Page 21: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

21

A Manaus da “Belle Époque”24 comporta múltiplas cidades. Desenvolver uma

nova leitura de Manaus vivenciando a crise desencadeada pela derrocada da

economia gumífera é dar visibilidade a cidade real, pobre, doente, conflituosa e com

inúmeros problemas sociais, que concomitantemente existia ao lado da cidade

idealizada pelas elites. Para isso, o conceito de representação coletiva de Roger

Chartier25 será de grande relevância.

O historiador em questão propõe um conceito de cultura enquanto práticas

construtivas do social, e sugere para seus estudos a categoria de representação

como elemento constitutivo de um novo modelo de história. De acordo com esse

conceito os diferentes grupos que compõem a sociedade constroem a realidade de

maneira contraditória26. Ocorrendo, segundo o autor:

“As lutas de representações que subtendem a construção das realidades sociais e

que resultam do confronto entre as representações impostas por aqueles que têm

o poder de classificar e de denominar e aquelas construídas pela própria

comunidade, de maneira passiva ou resistente”27.

Na sociedade aqueles que têm o poder de classificar e denominar

representações são os grupos dominantes. Estes possuem uma visão de mundo

sobre determinada realidade criando dessa forma, uma identidade coletiva. Como

possuem uma relação intensa com o poder (político e econômico) manipulam outros

segmentos sociais estabelecendo conexões, para que estes interfiram e ajam na

realidade buscando na maioria das vezes a manutenção de seu poder. Porém, como

é próprio do homem, nem sempre esses segmentos sociais se sentem parte dessa

identidade coletiva e constroem para si outras representações dessa realidade.

No confronto de representações referentes à cidade vivenciando a crise é

evidente a presença de um discurso ideológico elaborado pelas elites, onde ainda

24 “Belle Époque - Trata-se de um período localizado no final do século XIX às primeiras décadas do século XX. Este período foi marcado por uma efervescência intelectual e cultural e uma busca acelerada da chamada modernidade, refletindo-se em todos os setores da atividade humana. Tal movimento irradia-se a partir da França, refletindo-se em quase todos os países do Ocidente. A obsessão pelo novo, pelo moderno, pelo belo é a marca predominante desta época. Muitos inventos que marcam a vida do homem surgiram neste período: o cinema, o rádio, o avião, o automóvel, a luz elétrica, o telefone são exemplos”. In: SANTOS, Francisco Jorge dos. História do Amazonas. São Paulo: Ática, 2007. p. 189. 25 CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: UFRGS, 2002. p. 72-73. 26 CARDOSO, Ciro Flamarion, MALERBA, Jurandir. (orgs.). Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas - SP: Papirus, 2000. p. 87. 27 Idem, p. 88.

Page 22: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

22

perdura a cidade idealizada, harmônica e sem conflitos sociais em detrimento da

cidade real. Segundo Rosa Maria Godoy (1984) para a noção de crise há dois níveis

de entendimento do conceito. O primeiro como uma ideia contida no discurso da

classe dominante, portanto ao nível da ideologia, crise aparece como descreve

Marilena Chauí:

“(...) confirma e reforça a representação. Assim, a crise nomeia os conflitos no

interior da sociedade e da política para melhor escondê-los. Com efeito, o conflito,

a divisão e até mesmo a contradição podem chegar a ser nomeados pelo discurso

da crise, mas o são com um nome bastante preciso: na crise, a contradição se

chama perigo. Não é por acaso que a noção de crise é privilegiada pelos

discursos autoritários, reacionários, contra-revolucionários, pois neles essa noção

funciona em dois registros diferentes, mas complementares. Por um lado, a noção

de crise serve como explicação; isto é, como um saber para justificar

teoricamente a emergência de um suposto irracional no coração da racionalidade:

a “crise” serve para ocultar a crise verdadeira. Por outro lado, essa noção tem

eficácia prática, pois é capaz de mobilizar os agentes sociais, acenando-lhes

com o risco da perda da identidade coletiva, suscitando neles o medo da

desagregação social e, portanto, o medo da revolução, oferecendo-lhes a

oportunidade para restaurar uma ordem sem crise, graças à ação de alguns

salvadores. O tema da crise serve, assim, para reforçar a submissão a um poder

miraculoso que se encarna nas pessoas salvadoras e, por encarnação, devolve

aquilo que parecia perdido: a identidade da sociedade consigo mesma. A crise é,

portanto, usada para fazer com que surja diante dos agentes sociais e políticos o

sentimento de um perigo que ameaça igualmente a todos, que dê a eles o

sentimento de uma comunidade de interesse e de destino, levando-os a aceitar

a bandeira da salvação de uma sociedade supostamente homogênea, racional,

cientificamente transparente”28.

Ao nível de infra-estrutura continua Godoy, o termo crise significa um

momento do processo histórico em que os elementos básicos de um espaço

regional estão sendo reestruturados (substituídos ou transformados), em

decorrência de condições externas e internas à região, e cujo sentido é conferir

maior racionalidade à ordem capitalista mais ampla. Uma das consequências desse

quadro é a contração da esfera de decisões políticas que competia aos agentes

regionais.29

28 CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 48. Grifos da autora. 29 SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. O regionalismo nordestino: existência e consciência da desigualdade regional. São Paulo: Moderna, 1984. p.55.

Page 23: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

23

Os níveis explicitados acima sobre a noção de crise são complementares e

estão intrinsecamente ligados. Um, afirma que muitas vezes um fator externo pode

ocasionar a crise. Neste momento, no Estado nacional, não há capitalismo

plenamente constituído, mas há o determinante capitalista externo, provocando de

fora para dentro transformações na estrutura produtiva interna. O Brasil como parte

desse todo está inserido na ordem capitalista mundial como principal exportador de

café e borracha, portanto, qualquer abalo em relação a um desses produtos pode

refletir imediatamente nas regiões produtoras.

A crise amazônica foi proporcionada por um fator externo: a entrada no

mercado mundial de grande quantidade de borracha cultivada, provenientes das

plantações asiáticas. A manutenção do modus operandi da economia gumífera

amazônica estava fadada ao esgotamento, em razão do processo produtivo da

borracha ter sido adaptado às condições do meio ambiente, o que não permitiria o

atendimento da crescente demanda do mercado mundial. Por isso, com a intenção

de aumentar a produtividade e os lucros do capital internacional, era preciso inserir a

tecnologia no processo produtivo do cultivo e na fabricação da borracha.

No primeiro caso, os ingleses, sorrateiramente, levaram sementes de

seringueiras para serem cultivadas na Inglaterra, para depois transplantá-las de

forma racional na Ásia. No segundo caso, o golpe fatal na economia amazônica: a

própria borracha natural foi substituída pela sintética na fabricação de diversos

produtos. A crise iniciada em 1910 afeta diretamente a região, até então grande

produtora e fornecedora do produto. Fazendo com que as forças políticas locais

tentassem perante o governo federal viabilizar economicamente uma saída para a

crise.

O outro, afirma que no momento de crise grupos sociais e políticos diante da

possível perda da identidade coletiva passam a elaborar um discurso ideológico em

defesa dos interesses da coletividade, cuja finalidade é tentar recuperar uma

sociedade supostamente homogênea, harmônica e sem conflitos sociais. O discurso

ideológico elaborado por intelectuais, a serviço das elites locais foi dominado pelo

passado áureo da borracha e pela implacável decadência do presente. Era um

discurso político com forte conotação de denúncia ao descaso do poder central, para

com os estados da região Norte do país.

Page 24: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

24

As representações contidas nesses discursos tentam resgatar a modernidade

e a cidade idealizada existente no imaginário das elites, como tentativa de reaver os

benefícios de outrora e será aprofundado no tópico dois deste capítulo. A partir

deste momento pretendemos dar maior visibilidade à cidade real, diferente e

contraditória como forma de expressar um pouco o cenário da crise. É no espaço em

crise que vão transitar os agentes sociais disputando espaços, realizando

reivindicações, elaborando estratégias, trabalhando ou simplesmente sobrevivendo,

engendrando assim, novas representações da cidade. Manaus é, portanto, o locus

da crise.

A prosperidade fictícia do apogeu da economia gumífera viria abaixo com a

crise. A borracha, matéria-prima de grande interesse dos mercados industriais

altamente desenvolvidos, era agora dominada pelos plantadores da Ásia. Estes

ofereciam em abundância um produto final livre de impurezas e com preços mais

baixos. O monopólio amazônico estava quebrado por plantações racionalizadas, que

a partir de 1910 começou a provocar grandes dificuldades para as elites

amazônicas, até então detentoras deste monopólio.

Os mercados mundiais transferiram sua preferência para o látex do Oriente,

enquanto a Amazônia ficava sem compradores, assistindo a cotação do preço cair

vertiginosamente. Com isso, a região transformou-se em um imenso território

empobrecido, abandonado e dependente de políticas públicas estaduais e federais.

A crise afetou diretamente o mundo do trabalho na região, do trabalho

relacionado a esta atividade econômica e suas respectivas ramificações. Em

diferentes graus a crise afeta todos os setores envolvidos com a economia gumífera,

do urbano ao rural. Em relação ao urbano, os setores mais atingidos foram o

comércio, o poder público estadual e municipal, o setor imobiliário e a cidade, que

teve seus problemas estruturais e sociais mais acentuados.

Quanto ao rural, cabe lembrar a chegada na cidade de grandes contingentes

de seringueiros depauperados, que a viam como único meio de sobrevivência.

Levas de homens, mulheres e crianças desembarcavam em Manaus na maioria das

vezes doentes e maltrapilhos. Enquanto os seringais ficavam despovoados em

virtude da falta de trabalho e da escassez de gêneros alimentícios, devido à crise, as

casas aviadoras que os abasteciam, ficaram impossibilitadas de realizar o sistema

Page 25: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

25

de aviamento30. Muitos resolveram permanecer na cidade indo habitar os subúrbios

e recomeçar uma nova vida, outros partiram em direção ao conhecido mundo de

onde um dia imbuídos de sonhos se deslocaram para a inóspita floresta. Caio Prado

Junior relatou os momentos finais da odisséia amazônica:

“vão-se os aventureiros e buscadores de fortuna fácil procurar novas

oportunidades em outro lugar qualquer. Ficará a população miserável de

trabalhadores que aí se reunia para servi-los, e que trará estampado no físico o

sofrimento de algumas gerações aniquiladas pela agrura do meio natural; mais

ainda, pelo desconforto de uma civilização de fachada que roçara apenas de leve

as mais altas camadas de uma sociedade de aventureiros...”31.

A instabilidade econômica proveniente da crise do principal produto de

exportação do Estado apresentava o seu drama: as falências das casas aviadoras

(as mais fracas faliram logo, poucas conseguiram resistir, o sistema inteiro de

aviamento foi abalado); o aumento do desemprego de dezenas de milhares de

indivíduos; falências de bancos particulares enquanto, o Banco do Brasil suspendia

seus auxílios ao comércio; companhias de seguros foram extintas; a frota fluvial teve

seu número reduzido; os vapores que animavam o grande rio ficaram quase

desocupados; com a queda brusca da receita, o poder público passou a não efetuar

mensalmente os vencimentos do funcionalismo estadual e municipal; a situação dos

fornecedores que não recebiam pelos serviços prestados ao Estado e ao Município

ficava desesperadora; na cidade setores inteiros de casas ficaram abandonadas. A

Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918) agravou ainda mais esse quadro, dificultando

o transporte e o comércio da região, além de contribuir para a carestia de vida, os

gêneros alimentícios importados e em menor escala, os nacionais tiveram seus

preços supervalorizados em Manaus.

30 “O sistema de aviamento implicava numa rede de fornecimentos que começava com os bancos estrangeiros financiadores, os quais forneciam créditos às casas exportadoras e aos seringalistas. Estes últimos controlavam e mantinham funcionando áreas de extração de borracha nativa, em cujo centro se localizava o barracão, que centralizava dois tipos de transações: de um lado “aviava” para o seringueiro as tijelinhas, facões e outros instrumentos para extração do látex, além de armas e munições. Também fornecia remédios, alimentos, etc. Em contrapartida, era o comprador exclusivo da produção de centenas de seringueiros que operavam com aquele “aviador”. Como ele era comprador exclusivo, o preço que fixava para adquirir as bolas de borracha era muito baixo. Em compensação, os preços dos produtos que “aviava” ao seringueiro traziam embutidos lucros exorbitantes e, do encontro das contas entre os produtos fornecidos e a produção comprada, pouco ou nada restava nas mãos do seringueiro, que se via desta forma, totalmente prisioneiro do sistema”. In: LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. op. cit. p. 23. 31 PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 41 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 240.

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26

Em 1913, o comércio lutava contra a baixa do preço da borracha suplicando

ao governo federal medidas para amenizar a situação. A falta de créditos só piorava

o quadro, já que os bancos particulares recusavam-se a realizar negócios incertos;

famílias inteiras abandonavam a região levando nas malas o que sobrou do surto de

modernidade; uma pequena parte da elite local transferia-se para o Rio de Janeiro;

os exportadores em sua maioria, ingleses e alemães deixavam a cidade; e os

trabalhadores em busca de trabalho seguiam para outras terras. Thiago de Mello

(2004) relata que muitas dessas pessoas se despediam da cidade com gestos

obscenos.

Em Manaus a Avenida Eduardo Ribeiro, agora melancólica, era o referencial

para se avaliar as proporções da crise:

“É frequentando a Avenida que se pode avaliar quanto é dolorosa a crise pela qual

passamos. O Kean, o afamado Kean, já fechou... (...) O resultado de tudo é que

dói na alma ver os restaurantes da Avenida desertos, durante o dia, com os

garçons a espantarem as moscas, escorando as portas e o mestre cozinheiro a

espiar de vez em quando para o salão. Por isso é que eu digo que só

frequentando a Avenida é que se poderá avaliar a crise...”32.

A cidade vivencia o reflexo da queda progressiva dos preços da borracha.

Isso era visível nos reclames da Associação dos Proprietários de Manaus ao

solicitarem melhores incentivos e atenção especial, por parte do poder público para

o setor imobiliário, representante da maior receita do município. Reclamavam do

número de prédios fechados e da carestia dos impostos sobrecarregando o setor,

enquanto o mesmo encontrava-se atrofiado e desvalorizado pelas contingências da

crise, ocasionando “vendas executivas, de mais de vinte prédios, efetuadas nos

últimos tempos, provam a atual desvalorização destes, pois atingiram apenas pouco

mais da 3ª parte de seu valor real”33.

O governo, mais preocupado com as disputas políticas locais e o reflexo da

instabilidade econômica em suas receitas, pouco ouvia seus lamentos talvez por

saber das quantias vultosas enviadas para o estrangeiro e para outros pontos do

país, onde residia grande parte dos proprietários de prédios da capital. Em 1911, o

ano em que a borracha atingiu o histórico preço de 17$600 réis o quilo, foram

32 Pathé jornal, 09.08.1913, p. 1. In: COSTA, Selda Vale da. Eldorado das ilusões: cinemas e sociedades. Manaus (1897- 1935). Manaus: EDUA, 1996. p. 97. 33 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.358, 27 de ago. de 1913.

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27

enviadas conforme documentos de uma casa bancária, mais de 25.000 contos, só

para o Ceará34.

Em momento de crise, as relações de poder mudam dando espaços as

negociações e mediações. Proprietários e inquilinos se tornaram mais flexíveis

visando atender as possibilidades de cada um. Uma sinalização neste sentido é o

apelo proferido por um anônimo através do jornal aos proprietários:

“Pedem que chamemos a atenção dos proprietários e senhorios de prédios

existentes na capital, para o fim de ser feita uma redução, nunca menor de

cinquenta mil réis, nos aluguéis atuais, à vista da crise que nos assoberba, pela

depreciação de nosso principal produto. Esse procedimento suavizará de alguma

forma, os encargos dos pobres chefes de família, que lutam com grande

dificuldade para a manutenção dos entes que lhes são caros. É bem verdade, diz

quem nos escreve, que alguns proprietários atendendo às justas razões dos

inquilinos, baixaram de vinte e trinta mil réis, os aluguéis de suas casas. Essa

redução, porém ainda não satisfaz os interessados por demais alcançados, sem

que possam pôr em dia os pagamentos”35.

Em 1915, o superintendente municipal Dorval Pires Porto ressaltava que

devido à crise poucas construções tinham sido realizadas na cidade, diminuição que

cada vez se acentuava mais. Numa tentativa de incentivar a população a construir

casas, principalmente, os segmentos mais pobres que habitavam os subúrbios em

casebres, resgatava a lei nº 491, de 4 de março de 1908, isentando do pagamento

do imposto predial, as construções erguidas a partir de 1915 nos seguintes termos:

“1º - Durante 20 anos, a contar da data da promulgação da mesma lei, isto é, de 4

de Março de 1908, os prédios que se construíssem, obedecendo às regras da

moderna construção e higiene, na avenida Constantino Nery, na parte não

beneficiada até Flores, e ainda os prédios em idênticas condições que se

construíssem no bairro Constantinopolis;

2º - Durante 10 anos, ainda a contar de 4 de Março de 1908, os prédios que se

construíssem, obedecendo às regras da moderna construção e higiene, na

primeira parte da avenida Constantino Nery, no Boulevard Amazonas e no bairro

de S. Raimundo;

34 Mensagem do Governador do Estado do Amazonas, Sr. Jonathas Pedrosa de Freitas, 10 de julho de 1914, p. 58. 35 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.343, 17 de ago. de 1913.

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28

3º - Durante 6 anos, a contar da mesma data, os prédios que se levantassem na

Rua Cearense, nos bairros Mocó, S. João e Cachoeirinha”36.

Na realidade, por trás da lei 491 estava a intenção da Municipalidade de

despertar naquelas zonas suburbanas, a fundação de prédios e casas de relativa

construção e higiene modernas. Com certeza, o incentivo recuperado pelo poder

municipal não surtiu o efeito previsto. Posteriormente, outro superintendente

queixava-se da queda brusca do imposto predial, como consequência não apenas

da numerosa quantidade de prédios desalugados, para mais de trezentos só no

perímetro urbano, mas também da baixa dos aluguéis, a que têm sido forçados os

proprietários37.

Segundo a municipalidade, as construções levantadas na cidade em 1911

e 1912 correspondiam a cerca de 160 a 169, baixaram sensivelmente em 1913 a 87

apenas, para após uma oscilação ameaçadora, entre 38 e 20, caírem drasticamente

à média de 4, nos últimos exercícios administrativos38 ocasionando falta de trabalho

para as classes pobres.

As poucas construções efetuadas desencadearam uma crise habitacional

expressiva por volta de 1926. A alta do preço da borracha iniciada em 1924 permite

nesse período um refluxo de parte da população, que emigrara desoladamente por

ocasião da depressão econômica. E que fará a população da cidade aumentar em

torno de 10.000 (o censo de 1920 confirma uma população para o Município de

75.704). O aumento do contingente de pessoas nesse período valorizou

bruscamente, por insistente procura, as casas de moradia, em tempos anteriores

fechadas ou com poucos inquilinos, acentuando a ganância dos proprietários, que

em muitos casos aumentaram em 100% os aluguéis 39. O que penalizou ainda mais

a vida das classes menos favorecidas.

A crise econômico-financeira vivenciada pelo Estado abateu

ameaçadoramente a receita do Município, deixando-o com parcos recursos para

custear as despesas diárias e imprescindíveis. Segundo os relatórios, não poderiam

36 Mensagem do Superintendente de Manaus, Sr. Dorval Pires Porto, 5 de setembro de 1915, p. 106. 37 Mensagem do Superintendente de Manaus, Sr. Basílio Torreão Franco de Sá, 14 de julho de 1921, p. XLVII. 38 Mensagem do Prefeito de Manaus, Sr. José Francisco de Araújo Lima, 1 de julho e 1 de outubro de 1916, p. 38. 39 Mensagem do Prefeito de Manaus, Sr. Francisco Araújo Lima, 1 de julho de e 1 de outubro de 1926, p. 38.

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sofrer retardamento por estarem diretamente ligadas à saúde pública: a limpeza

pública e a assistência médica aos desvalidos. Quanto à limpeza e assepsia da

cidade, em vários momentos os jornais da época relatam as greves do pessoal da

limpeza pública, por não receber a importância referente aos seus ordenados.

Passadas as greves, o serviço de limpeza não atendia as necessidades da

cidade, mesmo durante o apogeu da borracha, os jornais da época externavam as

reclamações da população citadina em relação a este e outros serviços de

responsabilidade da Municipalidade. Muitas vezes, tais reclamações ocasionaram

quadro como este esboçado em cores vivas pelo Jornal do Comércio: “Manaus, pelo

descuido completo dos poderes públicos vai perdendo toda a sua beleza antiga.

Diversas ruas estão cobertas de capim, montes de lixos permanecem acumulados.

Ultimamente alguns proprietários passaram a construir cocheiras no perímetro

urbano, nos lugares mais frequentados”40. A área central da cidade onde o comércio

agoniava, mas resistia, era o alvo principal do serviço em detrimento das áreas

periféricas.

As grandes obras desapareceram durante a crise devido à notória condição

do erário municipal, somente aquelas ligadas diretamente à saúde e ao bem-estar

da coletividade foram realizadas:

“Seria, porém, o cúmulo da insensatez cogitar um plano sistemático de

melhoramentos, numa fase em que a simples conservação das ruas, modestos

reparos de calçamento ou de esgotos, o singelo tratamento dos jardins,

representam extraordinários sacrifícios, que a Municipalidade só afronta por ser

manifesta a indispensabilidade de tais serviços”41.

Entre as obras públicas de menor proporção realizadas nesse período

destacam-se as estradas, a necessidade de ampliar a produção agrícola nas

proximidades de Manaus para abastecer a cidade com produtos provenientes

daquelas localidades e atender a comunicação entre centro e periferia, forçava o

Poder Público a realizar tais obras. Para tornar viáveis esses novos

empreendimentos, o governo aplicou centenas e centenas de contos de réis do

erário estadual. A falta de manutenção tornava essas estradas, alvos de intensa

reclamação, principalmente da oposição ao partido situacionista:

40 Jornal do Comércio, Manaus, n 4037, 22 de julho de 1915. 41 Mensagem do Superintendente de Manaus, Sr. Antonio Ayres da Almeida Freitas, 14 de julho de 1918, p. IV.

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“O governo (...), pretendeu haver enriquecido o patrimônio do Estado com algumas

dezenas de quilômetros de estradas de rodagem. Foram abertas, destocadas,

absorvendo centenas e centenas de contos de réis do erário estadual e servindo para

passeios de automóveis ou para uso direto de particulares. Em rigor, à luz dos

princípios técnicos em obras de tal natureza, a engenharia brilhou ali pela ausência.

Imperfeitas, portanto, sem base para uma resistência, veio agora o desmantelo que era

a consequência fatal, assinalar a sua imprestabilidade, destruídas pelas chuvas e

apagadas pelo avanço da floresta marginal. Praticamente, portanto, não mais existem,

uma vez que de mais nada servem em seu atual estado. Basta, para assim concluir,

registrar que quase todos os seus pontilhões, construídos, a trouxe-mouxe, de tabocas

cobertas de terra, estão a ruir apodrecidos, constituindo iminente perigo ao tráfego de

qualquer veículo que por eles se aventure a passar. As próprias estradas feitas na zona

urbana com a redução de ruas largas a caminhos estreitos, a exemplo de como se

procedeu no boulevard Amazonas e na rua Emílio Moreira, oferecem deplorabilissimo

aspecto (...)”42.

As obras de calçamentos e reparos das ruas seguiam um itinerário de acordo

com sua importância econômica. Inicialmente as ruas do alto comércio e do

comércio a retalho, de modas, calçados, jóias, livrarias, etc., para somente depois,

alcançar as ruas paralelas mais trafegadas com o objetivo de facilitar o trânsito43.

Um dos indícios da crise na cidade ou da cidade em crise foi o alto índice de

mendicância. O comércio colaborava com a manutenção do Asilo de Mendicidade

doando gêneros alimentícios, em troca exigia um posicionamento do poder público.

Inúmeros mendigos se arrastavam pelas ruas e praças da cidade:

“O flagelo já chegou a tal ponto que, até nas embarcações abandonadas, por

imprestáveis e atracadas no porto desta capital, se encontram alojados vários

mendigos, sendo o espetáculo observado pela manhã de todos os dias, por quem

quer que se dê ao trabalho de passar nas proximidades do local”44.

Uma tentativa de amenizar o problema social foi a criação da lei que instituiu

o imposto de caridade sobre as entradas nas casas de diversão, a exemplo do que

acontecia em outras cidades. Com recursos ainda reduzidos, a Municipalidade

recolheu muitos mendigos que se exibiam nos pontos mais movimentados de

Manaus ao Asilo de Mendicidade, para aqueles naturais de outros estados que não

desejassem ficar asilados foram fornecidas passagens e auxílios. Em pouco tempo

42 Jornal do Comércio, Manaus, n 8937, 12 de fevereiro de 1930. 43 Mensagem do Prefeito de Manaus, Sr. José Francisco Araújo Lima, 15 de abril de 1928, p. 18. 44 Jornal do Comércio, Manaus, n. 5.100, 8 de julho de 1918.

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foram recolhidos ao Asilo 29 mendigos e fornecidas passagens para 164, dos quais,

98 se retiraram para o interior do estado e Sul do país45.

A cidade adoeceu abatida por diversas doenças entre elas a febre amarela e

a malária presentes no seu cotidiano desde tempos remotos. Iniciativas como a do

Sr. Dorval Porto, superintendente municipal, realizadas com sucesso em 1914

contra a malária não seriam concretizadas tão cedo, assim a doença continuou a

fazer vítimas tanto no centro da cidade, quanto nos subúrbios46. Uma campanha

preventiva contra o impaludismo efetuada em 1922 livrou Manaus de uma

verdadeira epidemia da doença.

Novas doenças também apareceram surpreendendo a cidade, a gripe

espanhola foi um exemplo neste sentido. Surgiu na Espanha em março de 1918, em

Manaus as áreas mais afetadas foram os bairros periféricos e as colônias de

agricultura existentes nas estradas, onde as camadas sociais de baixa renda

habitavam. O centro, devido a sua alta densidade demográfica, também foi

acometido.47 Segundo fontes médicas somente em novembro de 1918, a doença

ceifou a vida de 661 pessoas. Dados da Diretoria do Serviço Sanitário do Estado

confirmam que o flagelo atingiu aproximadamente 8.830 pessoas só na cidade de

Manaus48.

A situação mórbida da capital do Amazonas se tornava crítica com a chegada

de doentes vindos do interior e dos estados limítrofes. Na estação invernosa

chegavam dezenas deles, sem dinheiro para as necessidades e despesas

imediatas, casas não procuravam, ficavam apinhados em baiúcas abandonadas nos

arrabaldes, ou alocavam-se nos baixos da Serraria Sá, nos patamares dos

armazéns, nos alicerces de edifícios em construção ou abandonados. A doença e a

fome tornavam seus dias longos e sombrios. Um fato inusitado foi constatado pelos

enfermeiros do Serviço de Profilaxia Rural que amparava esses enfermos. Alguns

45 Mensagem do Superintendente de Manaus, Sr. Hugo Ribeiro Carneiro, 2ª sessão ordinária de 1 de outubro de 1925, p. 6. 46 LOUREIRO, Antonio. A grande crise. op. cit., p. 288 - 289. 47 LOUREIRO, Antônio. Tempos de esperança: Amazonas (1917- 1945). Manaus: Sérgio Cardoso, 1994. p. 21. 48 Mensagem do Superintendente de Manaus, Sr. Antônio Ayres de Almeida Freitas, 14 de julho de 1919, p. 60

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doentes solicitavam com insistência o xarope para tosse. Com o tempo descobriu-se

a razão: com fome o xarope era misturado à farinha e transformado em alimento49.

Medidas realizadas no passado livraram a capital do agravamento dos

problemas sanitários: a prevenção de algumas doenças, o abastecimento regular de

água, a iniciação da rede de esgotos, a remoção e cremação do lixo urbano, entre

outros.

A carestia de vida foi motivo de constantes reclamações por parte da

população citadina. Considerando o crescimento da cidade e o custo de vida

elevado, o poder público municipal estabeleceu algumas medidas para tentar

amenizar essa situação. Uma delas foi a lei municipal de 8 de maio de 1914, que

decretou a criação das feiras municipais suburbanas da Cachoeirinha e de São

Raimundo cuja finalidade principal era “concorrer para o barateamento da vida na

premente crise que nos deprime”50. Nas feiras, o produtor vendia sua produção

diretamente ao consumidor, a compra direta reduzia os preços dos produtos e trazia

vantagem para a população mais carente de Manaus e aos pequenos produtores

que viviam em suas adjacências.

Jornais, telégrafos, telefones, símbolos da modernidade, uns com a função de

diminuir as distâncias, outros de informar, manipular, representar interesses de

determinados grupos sociais, utilizados de diferentes formas e muitas vezes como

aliados do poder. Quando o centro de Manaus passou a ser urbanizado no apogeu

da economia da borracha um grande aliado do poder público foi a imprensa. Os

periódicos da época veiculavam notícias denunciando e apontando as práticas

condenáveis de contravenção, de transgressão, assim como, registrando as queixas

dos atores sociais segregados e excluídos das benesses da modernidade.

Neste sentido, os discursos impressos nos jornais constroem a realidade de

uma época devendo o historiador direcionar sua atenção para alguns detalhes. Em

primeiro lugar, as representações sobre o urbano podem ou não representar o que

está nos indícios, em crônicas de jornais, poesias, imagens e discursos variados. Em

segundo, as representações do mundo social construídas sobre a realidade não são

neutras, estão na verdade repletas de sentidos sintonizados com relações sociais e

49 UCHÔA, Samuel. Dois anos de saneamento: 1923. Manaus: Livraria Clássica, 1924. p. 40 - 41. 50 Mensagem do Superintendente de Manaus, Sr. Dorval Pires Porto, 5 de setembro de 1914, p. 40.

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de poder51. Os jornais têm papel de grande relevância na construção de

representações, Maria Helena Capelato afirma que “a imprensa age no presente e

também no futuro, pois seus produtores engendram imagens da sociedade que

serão reproduzidas em outras épocas”52. Questionar a quem interessa a construção

deve ser um passo prioritário, além é claro de situar, o lugar social onde essas

representações foram produzidas e reproduzidas.

A partir de 1916, o Jornal do Comércio (representante dos comerciantes

locais) iniciou a publicação da seção “A cidade” cujo objetivo consistia basicamente

em “apontar as necessidades urgentes das quais ressentia a nossa urbs, a fim de

registrarmos fatos, que interessavam os nossos munícipes (...)”53. Ao analisar as

citadas seções encontramos poucas que realmente beneficiavam os segmentos

populares. Como no caso a seguir onde o editor relatava uma manobra do Estado

para diminuir os gastos públicos com energia elétrica. Novamente, a crise foi

resgatada para justificar o atraso no pagamento à Manaus Tramways

(concessionária inglesa fornecedora de luz à capital). Medidas de economia foram

solicitadas pelo Estado à concessionária que ordenou, entre elas, a supressão de

alguns postes de iluminação das ruas de Manaus. As vias mais afastadas da área

central da cidade onde o número de postes já era menor foram as mais atingidas. A

população reclamava através do jornal, que os focos de luz passavam noites e

noites apagados e o periódico, por sua vez solicitava ao governo, o restabelecimento

do antigo número de postes, visto que os benefícios prestados compensariam o

acréscimo orçamentário consequente54. Desse modo, tornava-se expressiva a

preocupação das autoridades em privilegiar somente o perímetro urbanizado da

cidade, símbolo do poder econômico e político, pouco se importando com as áreas

suburbanas onde habitava a maioria da população citadina.

O “paladino das causas populares” como se autodenominava o jornal,

reclamava da outra cidade existente no centro urbanizado em decadência. “Dia e

noite os pontos mais centrais, as artérias de maior movimento ressentem-se da falta

absoluta de fiscalização da polícia civil. Por todos os cantos vivem às escâncaras

51 PESAVENTO, Sandra J. Muito além do espaço: por uma história cultural do urbano. Estudos históricos, vol. 8, nº 16, 1995. p.280. 52 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto/ EDUSP, 1988. p. 42. 53 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.732, 2 de julho de 1917. 54 Jornal do Comércio, Manaus, n. 4505, de 9 de nov. de 1916.

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antros de perdição, cubículos abjetos onde dominam o vício e a corrupção”.

Continuava o editor:

“Nas ruínas do trapiche Witt, onde estiveram estabelecidas a farmácias Calmont,

a agência da companhia Lloyd Paraense e a casa comercial Carvalho e Barros,

devoradas há anos por incêndio, estabeleceram-se alguns indivíduos com o

comércio de botequim e casas de pasto, antros ignóbeis onde se reúne a escória

social, o que Manaus tem de mais baixo nas suas camadas populares. A jogatina

campeia dia e noite, o vício da embriaguez tem ali o seu culto e as quadrilhas de

ladrões e pivetes encontram naquelas espeluncas abomináveis refúgio seguro”55.

Os chamados indesejáveis, perigosos, turbulentos, marginais eram descritos

como inimigos internos56 ao destruírem ou ameaçarem o padrão civilizacional

desejado. E assim, apareciam compondo a representação do universo da cidade

através dos textos dos jornais.

Para os transgressores da ordem, o jornal apresentava indícios de como os

mantenedores da tranquilidade pública lidavam com determinado tipo de infração,

como por exemplo, os roubos. Os roubos atingiram altos índices nessa época,

sendo praticados principalmente no perímetro urbanizado. Na seção “A cidade”, o

jornal chama atenção da população para a chegada de diversos gatunos varridos

pela polícia de Belém com destino à Manaus. Relatava o jornal “faça o que

habitualmente aqui se faz, enviando-os aos lugares inóspitos dos altos rios, como

justo castigo aos seus vícios”57. A transgressão era punida com o degredo,

continuidade remanescente da Colônia que se mantém na República.

A seção na realidade não era para os segmentos populares, uma vez que

agia contra eles. Na maioria das vezes, o jornal chamava atenção das autoridades

constituídas e solicitava providências “contra certos abusos incompatíveis com o

nosso elevado grau de civilização”58. Apontava os problemas sociais da cidade e

mostrava a solução, se posicionando contra os hábitos e costumes tradicionais da

população. “Os costumes fornecem ao observador larga copia para analisar

55 Jornal do Comércio, Manaus, n. 4.688, de 14 de maio de 1917. 56 PESAVENTO, Sandra J. Uma outra cidade: o mundo dos excluídos no final do século XIX. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 2001. p. 12. 57 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.428, 21 de agosto de 1916. 58 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.343, 28 de maio de 1916.

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detidamente a educação de um povo. As autoridades devem velar pela sua boa

prática, punindo os transgressores”59.

O combate é contra atores sociais e práticas, objetos de um discurso

normativo desde o apogeu da economia gumífera e que prevalece durante a crise.

Os segmentos populares propagadores de comportamentos condenáveis, a maioria

trabalhadores desempregados, são alvos permanentes dos discursos dos jornais,

em especial nesse momento onde a cidade tornava-se objeto de propaganda das

elites e do governo estadual. Visando atrair novos investimentos, Manaus teria que

se apresentar atraente, limpa e civilizada ao visitante. Ao denunciar, ao solicitar

providências da polícia, das autoridades, os jornais engendram representações da

cidade real. Cidade que sobrevive a crise do principal produto de exportação do

Estado.

Durante a Guerra, a presença de submarinos alemães tornou os mares

inseguros, visando impedir o abastecimento da Alemanha e Áustria, a borracha foi

considerada contrabando de guerra, fator determinante que ocasionou a proibição

de sua exportação, somente dois países figuravam como exceção: a França e a

Rússia60. A Amazônia devido a sua posição geográfica mais próxima dos grandes

centros consumidores, do que o Oriente continuou exportando em volume menor

esse produto, especialmente para os Estados Unidos. Os americanos aproveitaram

essa circunstância para baixar o preço, a um limite irrisório de 3$000 réis o quilo

para a borracha fina, permitindo de forma precária a continuidade do sistema de

aviamento reduzido a talvez menos de um quinto em relação aos anos de grande

movimento61.

A desvalorização do produto, pela superprodução mundial (passada a Guerra

o Oriente voltou a produzir normalmente o produto) atingiu níveis críticos em 1922.

Nessa época surgiu o Plano Stevenson com a intenção de restringir as plantações e

a produção das colônias inglesas no Oriente62. O que possibilitou um surto de

revigoramento da produção amazônica a partir de 1924.

Enquanto isso, Manaus continuava caminhando em direção a um futuro

incerto. Os problemas sociais existentes em seu interior desde o apogeu da 59 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.301, 14 de abril de 1916. 60 Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n 88, 10 de outubro de 1915. 61 Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n 78, 10 de dezembro de 1914. 62 LOUREIRO, Antônio. Tempos de esperança. op. cit., p. 9.

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borracha e escamoteados pela historiografia tradicional foram durante a crise, na

realidade, acentuados. A crise trouxe em seu encalço novos problemas estruturais,

econômicos e sociais forçando a população citadina a elaborar novas estratégias

para continuar vivendo na cidade.

A cidade é como fato cultural, um caldeirão de impressões, de sentimentos,

de desejos e frustrações63, sendo construída a partir de experiências sociais

diversificadas e complexas. Nesse período, Manaus foi cenário de tensões e

embates protagonizados pelos inúmeros atores sociais que vivenciavam o cotidiano

da cidade, deixando nela marcas de sua existência. É possível perceber nos jornais

o aumento do trabalho informal, a população lutando contra a carestia de vida, esse

argumento também foi usado pelos trabalhadores como um dos motivos para

deflagrarem inúmeras greves, onde reivindicavam aumento salarial, o pagamento de

salários atrasados e pleiteavam a regulamentação da jornada de trabalho para 8

horas.

Os efeitos da crise somados àqueles causados pela Primeira Guerra Mundial

tornou, os anos a partir de 1915 difíceis, segundo a historiadora Francisca Deusa

Sena da Costa, por revelar para os trabalhadores urbanos “um mercado de trabalho

estrangulado pela baixa da oferta de empregos gerada por falências, que aumentam

a mendicância, denotando o alto nível de desemprego; um mercado imobiliário

falido, com a agudização da tendência da ida da população pobre/ trabalhadora para

os subúrbios que, desempregada, constrói casebres para poder continuar habitando

a cidade(...)”64.

No ano de 1915, o jornal do comércio mostra a massa humana em movimento

expressando a sua indignação com a carestia de vida, o preço do pão “às vezes, o

único alimento das classes pobres, dos próprios indigentes (...)”65 estava alto

demais. A falta de pagamento do funcionalismo público também era motivo para

protesto “(...) pela voz dos tribunos protestará contra a falta de pagamento em que

vivem os funcionários públicos e as classes trabalhadoras”66.

63 PAQUOT, T. M. Roncayolo (orgs.). Villes et civilization urbaine (XVII – XIX siècle). Apud: VAINFAS. Ronaldo. História das mentalidades e história da cultura. In: CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS. Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. 16 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. p. 195. 64 COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando viver ameaça a ordem urbana. op. cit., p. 22. 65 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.937, 12 de abril de 1915. 66 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.963, 9 de maio de 1915.

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A sociedade manauense em 1915, justamente no ano considerado por alguns

historiadores como o mais crítico para a economia amazônica, ficou sensibilizada

com a situação de penúria dos nordestinos atingidos pela seca. O Jornal do

Comércio liderou uma campanha para despertar os sentimentos altruísticos do povo,

conclamando a sociedade a participar do ato de piedade. Para ajudar o Piauí,

Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba vários segmentos sociais colocaram-se a

disposição:

“O Sr. Tenreiro Junior, gerente da Fábrica de Roupas Amazonenses, enviou-nos

uma carta comunicando ao JORNAL, que as operárias de seu estabelecimento

deliberaram sair em bando precatório, na próxima segunda feira, em benefício das

vítimas da seca. O missivista congratula-se com essa resolução das operárias de

uma casa industrial, cujos os proprietários são de nacionalidade portuguesa, bem

como a maior parte delas”67.

Além da disponibilidade das operárias da Fábrica de Roupas Amazonense,

uma comissão de cearenses informou ao jornal, a realização de uma reunião no

Teatro Alcazar onde seriam discutidos, os melhores meios de socorrer os

nordestinos. A União Acadêmica Amazonense também se dispunha para ajudar,

assim como a colônia alemã.68

A firma Miranda Corrêa e Companhia (proprietária da Fábrica de Cerveja

Amazonense) colocou a disposição das operárias um caminhão para conduzir as

ofertas de maior vulto doadas pela população. Os proprietários da tipografia Cá e Lá

e da livraria Palais Royal, também participaram. Reforçou a campanha, a União dos

Oficiais de Alfaiate de Manaus, que em assembléia deliberaram enviar auxílio às

vítimas da seca. Os operários de Manaus, à frente o representante da Confederação

Operária Brasileira, Sr. Tércio Miranda, promoveram segundo informa o jornal, um

espetáculo em benefício dos flagelados.69

A Associação Comercial do Amazonas (ACA) não poderia ficar indiferente a

campanha realizada na cidade e na medida de suas forças procurou cooperar com

aqueles que tomaram a iniciativa de ajudar as populações atingidas pela seca.

Ilustrando de forma superficial, o tratamento dispensado aos imigrantes nordestinos

destinados ao trabalho nos seringais:

67 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.039, 24 de julho de 1915. 68 Idem 69 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.041, 26 de julho de 1915.

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“Conviria, ao que nos parece, que V. Ex.ª interferisse junto ao Governo Federal para

que este, nas medidas de auxílio aos flagelados pela seca do norte incluísse o

transporte em sua frota mercante, o Lloyd, até Manaus, daqueles que para aqui

quisessem vir. Apenas chegados seriam levados para a antiga Hospedaria de

Imigrantes de Paricatuba, a fim de não se espalharem pela cidade, expostos as

contingências da sorte. O auxílio terá mesmo que ir até ao fim, isto é, os imigrantes

deverão ser ainda conduzidos gratuitamente desta cidade para os seringais onde se

forem localizar, depois do contrato que com eles aqui fizerem os que necessitam de

trabalhadores. Infelizmente o Governo do Estado confessa, e é uma realidade, que

quase nada pode fazer, nestas condições, só de iniciativa particular poderemos esperar

acolhimento para os imigrantes que vierem para este Estado. Esta Associação no

intuito de prestar auxílio à iniciativa particular, daqueles que estão promovendo meios

de obter recursos para os imigrantes, colocou-se desde logo à disposição das

sociedades Renascença do Ceará, Centro Paraibano, Centro Acadêmico e outros”70.

Como a crise econômica se refletia no erário público, o representante do

Executivo Estadual alegou não ter condições de ajudar diretamente os retirantes e

sinalizava que essa iniciativa deveria partir dos meios particulares. A ACA insistia

que pelo menos, o governador solicitasse ao Governo Federal passagens gratuitas

para os nordestinos que desejassem vir para o Amazonas, suprir a escassez da

mão-de-obra. Revelando que a situação não estava tão caótica assim, e que mesmo

em 1915 esse importante órgão comercial ainda tinha esperança da reversão do

quadro que se desenhava a sua frente. Segundo os relatórios da ACA, os preços da

borracha neste ano apresentavam uma relativa estabilidade. Em 1916, o fechamento

do Canal de Suez possibilitou a permanência da estabilidade dos preços do ano

anterior, estes se mantiveram acima de 4$000 réis o quilo, desafogando pelo menos

momentaneamente, a economia regional71.

Diante dos relatos onde várias associações e categorias de trabalhadores

participam de forma direta ou indireta da campanha, torna-se evidente que a crise

tem “dimensões diversas para segmentos diferenciados da população, pois, da

mesma maneira que a cidade não é produzida de modo equânime, a crise pode não

ter o mesmo significado para o conjunto de seus moradores”72. Portanto, o mundo

do trabalho não afetado pela derrocada da economia gumífera possibilitou a

vitalidade da cidade. 70 Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n 86, 10 de agosto de 1915. 71 Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n 91, 10 de janeiro de 1916. 72 OLIVEIRA, José Aldemir. Manaus de 1920 - 196: a cidade doce e dura em excesso. Manaus: Valer/ Gov. do Estado/ Edua, 2003. p. 137.

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A vida urbana se enfraquecia a partir de 1920 em Manaus, as arrecadações

municipais caíram acentuadamente:

“De 2.278:992$562, de janeiro até agosto de 1910, para 1.111:752$752, de janeiro a

dezembro de 1920. Com tamanha queda no orçamento, fez-se necessário que as

obras municipais, além de seus critérios estéticos e sanitaristas, também fossem

dotadas de necessidades objetivas, impostas pela nova realidade econômica

vivenciada pela cidade. A arrecadação no período de 1910 - 1920 diminuiu mais de

54%. Na década de 1920, a recuperação da arrecadação foi lenta, havendo inclusive,

momentos de diminuição, como o ocorrido em 1923 em relação ao ano de 1922. Na

década de 1930, verificamos um relativo crescimento na arrecadação, intensificado no

final dos anos trinta e início da década de 1940 com a política de valorização da

borracha silvestre do Amazonas, no período da Segunda Guerra Mundial”73.

Os serviços urbanos (transportes, abastecimento de água e energia elétrica)

centralizados nas mãos das firmas inglesas tiveram suas taxas aumentadas

provocando denúncias e protestos da população, principalmente, através da

imprensa74. O aumento das taxas não era compatível com a qualidade dos serviços

fornecidos. Desde tempos anteriores, esses serviços eram amiúde, alvos de

reclamação da população:

“É verdadeiramente deplorável, nada recomendado, portanto, uma companhia que se

preza, o estado a que chegam os bondes da “Tramways” por ocasião das chuvas. As

coberturas superiores, mal calafetadas deixam gotejar exuberantemente, molhando os

passageiros. A incúria dos condutores e, às vezes, os meios parcos de que dispõem

para regularização do serviço, fazem que os bancos dos veículos permaneçam cheios

de água, inteiramente alagados de ponta a ponta, desde o primeiro ao último,

obrigando a quem viaja em tais carros conserva-se de pé durante todo o trajeto, quer

seja moço e forte, quer seja velhinho ou doente que mal se possa suster nas pernas. É

fácil deduzir daí o incomodo e a inconveniência que ocasiona, principalmente às

famílias, viajar de bonde num dia chuvoso”75.

Nessa época, a cidade também começou a sentir os impactos do

sucateamento desses serviços, as reclamações se dirigiam principalmente à Manáos

Tramways, “o estado lamentável em que se acham todos os serviços dessa

73 BENTES, Dorinethe dos Santos. Outras faces da história: Manaus de 1910 - 1940. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal do Amazonas. 2009. p. 104. 74 SANTOS, Eloína Monteiro dos. A rebelião de 1924 em Manaus. Manaus: Suframa/ Gráfica Loren, 1990. p. 27. 75 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.199, 24 de março de 1913.

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companhia é tão extraordinário, que não sabemos por onde começar a nossa

reclamação” 76.

“O serviço de bondes desta capital tem se tornado nestes últimos meses o pior

possível. Com o material estragadíssimo a companhia arrendatária não cuida em

repará-lo, o que prejudica deveras o público que paga bem e precisa de ser servido

com regularidade. Os horários de todas as linhas não obedecem a um diagrama, como

se nota em todas as empresas, que exploram a viação urbana das grandes cidades. Os

fios, que se estendem através das ruas e praças estão emprestáveis, de vez em

quando arrebentam, motivando a paralisação de tráfego. As treze e meia horas de

ontem, quando o carro número dezoito atravessava a rua Municipal, em frente à

Pensão Excelsior, quebrou-se o fio condutor, não havendo, felizmente, desgraça a

lamentar. (...) Não é somente o serviço de bondes que está em péssimas condições, a

iluminação pública encontra-se em ruínas, os circuitos da avenida Eduardo Ribeiro,

praça de São Sebastião, ruas Costa Azevedo, Municipal, dos Andradas e de outras

estão, de há muito, desmantelados, apagando-se de quando em quando os postes

elétricos. Os eixos dos bondes estão gastos de tal maneira que em breve os desastres

serão registrados diariamente. (...)”77.

A cidade não parecia mais atraente aos olhos dos representantes do capital

estrangeiro, paulatinamente, estes se retiravam em busca de lucros mais fáceis e

maiores.

O interventor federal no Amazonas, Alfredo Sá em 1925 registrava o estado

de abandono e ruína em que se encontravam muitos edifícios públicos, pontes e a

estrada de Campos Sales. Exigiam segundo o interventor, reparos urgentes, tanto

interna como externamente: a Secretaria Geral do Estado, o Teatro Amazonas, o

Ginásio Amazonense, a Penitenciária, o Tesouro Público, o Quartel da Polícia, os

Grupos Escolares, a Imprensa, Arquivo, Biblioteca e outros prédios de propriedade

do Estado:

“Foi serviço de que cuidei imediatamente para os salvar de iminente ruína e torná-los

de decência compatível com os fins a que se aplicam, deste modo tirando-lhes o

aspecto desolador que ofereciam. Em todos eles foram feitas as obras necessárias

ainda em execução, (...). Oferecem hoje esses edifícios públicos outro aspecto de

conforto, concorrendo para o embelezamento da cidade. As pontes da Avenida 7 de

setembro e da Cachoeirinha foram consertadas e pintadas de novo, atendendo-se

assim às suas condições de segurança e duração. Cuidei com carinho da estrada

76 Jornal Vida Operária, Manaus, n 10, 11 de abril de 1920. 77 Jornal do Comércio, Manaus, n 4836, 13 de outubro de 1917.

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Campos Sales que foi concertada desde seu ponto inicial na Vila Municipal até o

quilometro 20, no igarapé da Bolívia, ficando perfeitamente adaptável ao tráfego de

automóveis, sendo hoje o ponto preferido de recreio da população da capital. É obra

meritória de governo conservar essa estrada e prosseguir em sua construção,

modificando-lhe o traçado por meio de variantes que trarão melhores condições

técnicas e preço mais barato na execução dos respectivos trabalhos. (...)78.

Enquanto isso, a cidade real aquela restrita aos subúrbios e que crescia de

forma desordenada emergia através das páginas dos jornais. Um repórter anônimo

do JC cuja função se igualava a de um flâneur79, o homem que passeava sozinho

pela cidade, observando-a como espetáculo, relatava suas incursões realizadas em

algumas das múltiplas cidades existentes em Manaus. Sua finalidade era

caracterizar os tipos humanos e os aspectos pitorescos de determinados bairros,

como São Raimundo, Constantinopolis e Colônia Oliveira Machado, onde viviam em

sua maior parte, os trabalhadores dos estabelecimentos industriais da cidade80. Ao

realizar o seu trabalho, o flâneur nos mostra representações plurais de um cenário

cotidiano.

O repórter inicia o seu relato pelo bairro de São Raimundo separado do

perímetro urbano pelo igarapé do mesmo nome. Para chegar ao bairro foi

necessário ir até à Rua dos Andradas e embarcar em uma das inúmeras catraias,

que se aglomeravam no barranco. Houve um tempo em que as denominações

lusitanas desse meio de transporte confirmavam a grande presença de portugueses

nessa atividade. Agora elas se apresentavam com outros nomes (a Ceará, a Queira

Deus, a Vencedora, a Gegê, a Dona Cold, a Ave) disputando a preferência dos

passageiros81.

O desembarque foi em uma rampa ainda em projeto, toda esburacada e suja,

sem o menor conforto para aqueles que por ali se movimentam. Em seguida,

continua o relator, comecei a caminhar pelo bairro e cheguei a sub-delegacia local, a

cargo do Sr. Arthur Pinheiro. Mais adiante, avistei o grupo escolar Olavo Bilac, a

direção da escola estava sob o comando da professora Luiza do Nascimento, o

78 Mensagem do Interventor Federal no Estado do Amazonas, Sr. Alfredo Sá, 15 de dezembro de 1925. p. 72 - 73. 79 Personagem fantasmagórica criada por Walter Benjamim ao analisar a Paris do Segundo Império em Baudelaire. In: KONDER, Leandro. Walter Benjamim: o marxismo da melancolia. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p. 96 - 97. 80 Jornal do Comércio, Manaus, n. 8.728, 15 de junho de 1929. 81 Idem.

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prédio era um mercadinho e foi adaptado ao fim atual, na administração municipal

do Sr. Dorval Porto. A frequência chega a duzentos e oitenta alunos de ambos os

sexos. Do grupo, prossegui para a rua 5 de setembro, larga e longa, tendo em suas

margens, casas, a maioria feitas de taipa de um só tamanho e com aparência igual,

poucas eram de alvenaria. As ruas de terra batida contribuíam para o pitoresco

quadro. Depois, estive na União Beneficente de São Raimundo que conta com um

número superior a quatrocentos sócios, em prédio próprio e bem confortável onde

oportunamente funcionarão, aulas noturnas para a população do bairro. São

Raimundo também tem o seu cinema, o Íris, bem arranjado, em casa espaçosa, com

palco, onde, à noite, o Pedro Brandão diverte o pessoal. No decorrer da caminhada,

diante da observação curiosa dos moradores, encontrei o velho Sant’ana, um dos

primeiros habitantes do bairro, chegou em 1875 e entusiasmado com a conversa

informou-me que “viu aquilo tudo ainda mata onde costumava caçar”82.

A população parecia “pacata e ordeira”. Nos dias úteis todos trabalham. Os

homens se deslocam para as oficinas e fábricas ou para outros pontos da cidade. O

comércio ainda não se desenvolveu, os poucos estabelecimentos comerciais

existentes eram mercearias, com a predominância de alguns botequins. O posto

profilático funciona todos os dias. Três vezes por semana vai ali o Dr. Ângelo D’Urso.

A luz elétrica fornecida pela Manáos Tramways está distribuída em focos pequenos,

espalhados em vários pontos83.

O grande problema do bairro continua sendo a ligação à Manaus, sendo vista

como a maior necessidade entre os habitantes. Ao retornar por volta das onze

horas, perguntei ao Ceará, o catraieiro, que me levava de volta ao centro de

Manaus, se ele gostava do bairro onde morava, e ele respondeu: “Ah! isto aqui é um

céu aberto e eu não troco São Raimundo pelo Educandos nem a pau”. É que existe

uma grande rivalidade entre os moradores desses dois bairros. Como a hora do

almoço se aproximava, presenciei um espetáculo. As sirenes das usinas, serrarias,

fábricas daquelas imediações tocavam a um só tempo. Era hora dos operários

chegarem para o almoço e as pequenas canoas, em número superior a quarenta,

iam e vinham apinhadas de gente84. O operariado já trabalhava oito horas por dia,

82 Jornal do Comércio, Manaus, n. 8.728, 15 de junho de 1929. 83 Idem. 84 Idem.

Page 43: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

43

com duas para o almoço, a maioria voltava à sua respectiva casa e retornava

depois, para cumprir a jornada diária de trabalho.

Em Constantinopolis, o maior desafio foi atravessar o igarapé de Educandos,

para isso, a catraia foi acionada. O lugar de desembarque estava maltratado e cheio

de buracos, pessoas foram logo solicitando atenção para o caso, pedindo que

através do jornal reclamássemos às autoridades constituídas85. Consoante June

Hahner afirma que muitos subúrbios não contavam com serviços urbanos como

sistema de esgotos, fornecimento de água, proteção da polícia, entre outros. Apenas

em época de eleições os funcionários do governo pareciam lembrar desses

moradores. “Mas suas queixas sobre os burocratas arrogantes e o “abandono” pelo

governo demonstravam uma habilidade em protestar e uma expectativa de ação

reparadora encontrada com menos frequência entre os moradores das casas de

cômodos do centro da cidade”86.

Depois do desembarque, prossegue o repórter, observei de ambos os lados

da rampa, a existência de casas de madeira e palha montadas em jiraus. Ao iniciar a

caminhada pelo bairro encontrei um edifício de boa aparência. Era o grupo escolar

Machado de Assis onde antes funcionou a Escola de Aprendizes Marinheiro. Diferia

em tudo das habitações vistas anteriormente, dúzias e dúzias de meninos e meninas

estudavam na escola. No mesmo grupo, também funcionava as aulas noturnas da

escola Antonio Bittencourt, mantida pelo Dispensário Maçônico com frequência de

setenta alunos, quase toda de operários87.

Uma estatística organizada pelo Sr. Guaycurús Souza, um dos moradores do

bairro, informava que até o ano passado, Constantinopolis contava com mil

quinhentos e trinta e seis habitantes, e trezentas e cinquenta e três casas, um posto

profilático que não contava com a presença do médico diariamente, nove

mercearias, uma barbearia, uma padaria, duas garapeiras e diversas casas de

frutas. As construções eram ainda toscas, na sua maioria, já existindo casas de

alvenarias, mas ainda formam uma minoria88.

85 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.733, 21 de junho de 1929. 86 HAHNER, June E. Pobreza e política: Os pobres urbanos do Brasil (1870 - 1920). Trad. Cecy Ramires Maduro. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1993. p. 184 - 185. 87 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.733, 21 de junho de 1929. 88 Idem.

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44

No bairro existe a necessidade de um telefone público, que poderia ser

instalado no posto policial como em São Raimundo. Observei nas ruas a falta de

calçamentos, motivo de queixas por parte dos moradores. Há iluminação elétrica em

postes públicos e residências somente até as vinte e duas horas, quando segundo o

contrato deveria alcançar as vinte e três horas. O problema maior do bairro é a sua

ligação a Manaus por uma ponte. Segundo o relator, Constantinopolis precisa muito

dos poderes públicos e pode no futuro ser um bairro muito próspero89.

A visita à Colônia Oliveira Machado ocorreu nos dias seguintes, a catraia foi

novamente o meio de transporte utilizado. Escolhi uma conhecida, informou o

repórter. – “Para onde vai moço?” Indagou o Messias, que atencioso e prestativo,

passa os dias em constantes vai-vens no igarapé de Educandos a levar e trazer

gente. – “Vou a Colônia”. De longe avistei muito mato cercando casas e palhoças.

Ao me aproximar da terra observei inúmeras jangadas de madeiras espalhadas

sobre as águas. Dezenas de homens de busto nu e cabelos ao sol executavam

trabalhos pesadíssimos. Uns serravam grandes toras de madeiras e outros

rebocavam os pedaços cortados para um lugar específico. Eram operários da

Serraria Eduardo Pereira e Irmãos, a qual fui convidado a conhecer. Em seu interior

vi serras enormes, as mais modernas em plena atividade, capazes de transformar

cedros enormes, troncos grossos em dúzias de tabuas. Na serraria trabalhavam

cento e trinta operários, a maioria moradores da Colônia90.

Ao seguir em direção ao centro do bairro, o que presenciei foi a ruína, o

abandono, o passado. As ruas fechadas pelos arbustos com as casas estragadas e

velhas, indícios de um passado não muito distante em que fora um lugar bastante

movimentado. A praça estava dominada pelo cerrado, no entanto, ainda

apresentava resquícios de calçamento, era cruzada por caminhos estreitos, por

onde transitavam os moradores. No meio desse largo, um coreto, também já velho,

em forma de um barco, apresentava-se aos visitantes, na proa, lia-se “Nau

Catharincta”. Curioso, perguntei do que se tratava. Contaram-me que ali se exibiam

nos bons tempos, cordões de marujos, no carnaval. Ao fundo da praça, de frente

para a baia, pequenina, vi a capela de São Francisco de Assis, toda de madeira e

apresentando ainda traços da pintura verde, que o tempo, paulatinamente engolia.

89 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.733, 21 de junho de 1929. 90 Jornal do Comércio, Manaus, n. 8.740, 29 de julho de 1929.

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45

Perguntei finalmente, se não havia escola no lugar. Mostraram-me que sob a direção

da professora Amy Cruz Chauvin funcionava uma escola onde quase todas as

crianças do bairro estudavam. Em outros tempos, o bairro foi próspero e populoso,

pois há vestígios de muitas casas de telha e alvenaria, agora em ruínas. O mato

crescia vitorioso por entre as ruas bem traçadas, outrora, vias de ligação com outros

espaços. Na catraia de volta para o centro urbanizado onde ficava a sede do JC, o

repórter olhava para a outra Manaus e pensava “(...) que diferença!”, e seguia em

frente “com o coração triste do que encontrou na Colônia”91.

Para Sandra Jatahy Pensavento (2002), o flâneur é o leitor da cidade por

excelência, que se associa de forma alegórica, aos espectadores privilegiados do

social de um determinado tempo, como os escritores, ou ao historiador-detetive, a

quem cabe conhecer e revelar a cidade, fazendo emergir o passado no presente.

Sendo assim, entrar nos pormenores dos subúrbios é trazer a tona, é relevar

uma outra cidade. Ao descrever um pouco de seu aspecto físico e do viver de seus

habitantes, trabalhadores pobres e humildes, acreditamos estar resgatando

fragmentos da vida como ela era, ou, como indivíduos ou grupos a percebiam

(Chartier, 1990). Era um universo de dificuldades onde sobreviviam os excluídos dos

benefícios da modernidade. A vida difícil, seja no cotidiano ou no trabalho, incluía a

superação de inúmeros desafios, entre os quais, o maior deles era sobreviver na

cidade. No apogeu e na crise, a luta diária desses atores sociais pela sobrevivência

ou contra o poder público e o patronato complementava o fazer-se da própria

cidade.

Nesse período, Manaus como capital do Amazonas agonizou e clamou ajuda

ao governo federal, embasada na tese de no passado ter colaborado para o

progresso do Brasil. A ajuda não veio e a cidade voltou-se para si mesma.

Diversificou a passos lentos, outras atividades econômicas, tendo como suporte o

outro lado do mundo do trabalho não afetado pela crise. Foi nesse tempo que de

acordo com Thiago de Mello, “Manaus abre para sua gente caminhos de reencontro

com sua própria autenticidade cultural”92. Era lá no Porto de Lenha, existente nos

subúrbios e arrabaldes que estavam as raízes da identidade cultural de Manaus.

91 Jornal do Comércio, Manaus, n. 8.740, 29 de julho de 1929. 92 MELLO Thiago de. Manaus, amor e memória. 4 ed. Manaus: Valer, 2004. p. 44.

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46

A crise, portanto, do principal produto de exportação do Amazonas propiciou a

Manaus, olhar para o seu passado, seus costumes e tradições, antes condenados

pelos segmentos sociais que desejavam impor uma outra forma de viver, não

condizente com a história e a realidade da cidade sobrevivente nos lugares

afastados do perímetro urbanizado.

Para os segmentos populares, a modernidade não produziu transformações

reais na vida de grande parte da população citadina que parecia viver em crise

permanente, “na realidade nada perderam, pois nada tinham”93. Uma vez que os

construtores anônimos do progresso material da cidade foram excluídos desse

processo e a ele só serviram. Não de forma passiva, pois a partir do momento em

que tentaram discipliná-los, educá-los, afastá-los da área central da cidade, impor a

eles novos ritmos de vida e de trabalho houve reações, muitas vezes tensas e

conflituosas, mas escamoteadas pela historiografia tradicional, que por muito tempo

se preocupou em fazer apologia à época de apogeu da economia gumífera.

Omitindo de forma deliberada os segmentos populares agindo e reagindo no espaço

urbanizado e nos subúrbios, a cidade real e contraditória que interagia com a cidade

idealizada pelas elites.

Enquanto os subúrbios cresciam possibilitando a vivacidade da cidade e sua

população dinamizava o mundo do trabalho, o centro urbanizado entrava em um

processo de decadência. As elites derrotadas pela crise expressavam através dos

jornais, o seu inconformismo com o que afirmavam ser, o retorno da cidade a um

Porto de Lenha, “Manáos, embora queriam os do Sul transformá-la em porto de

lenha, ainda felizmente, não chegou à triste situação de aldeota iluminada a lampião

de petróleo” 94.

Refugiadas ainda no sonho do passado, nos delírios de uma época, tentavam

através de inúmeros planos econômicos, projetos políticos e propagandas resgatar a

modernidade que só eles usufruíram. A representação da cidade em crise era

geralmente acompanhada da evocação de um passado de prosperidade. Nas

revistas de propaganda lançadas nesse período visando atrair para a cidade novos

investimentos. Manaus apresentava-se bela e limpa sendo retratada através dos

93 Memórias de Luís de Miranda Corrêa, escritor amazonense. Seu avô, Maximino Corrêa, era dono da Fábrica de Gelo Amazonense. 94 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.502, 12 de junho de 1922.

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47

edifícios suntuosos construídos no período de apogeu da borracha: o Palácio Rio

Negro, o Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça, a Avenida Eduardo Ribeiro

pavimentada e etc.

Apesar das inúmeras tentativas, os projetos e planos falharam todos. Os

esbanjamentos, as prodigalidades, os banquetes, as grandes obras chegavam ao

fim com a crise. Uma vez que a modernidade vivenciada por Manaus, subsidiada

pelo capital internacional e assentada em um “produto extraído da floresta”, não

tinha como se solidificar, devido a instabilidade própria do comércio exportador e da

incapacidade do Poder Público e das elites locais de realizarem investimentos,

negando desse modo, a possibilidade de autotransformação inerente a economia

capitalista vigente.

Page 48: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

48

1.2 – O papel do Estado e das elites

O grande colapso como denomina Roberto Santos (1980) iniciado com a

queda dos preços da borracha, e aguçado pelo caráter de irreversibilidade

decorrente da profunda transformação na técnica de produção da matéria-prima,

provocou, de fora para dentro, transformações na estrutura comercial vigente na

Amazônia, obrigando as elites locais, tanto a do segmento enriquecido com o

comércio exportador e importador, quanto a tradicional vinculada às atividades

burocráticas e administrativas (políticos, magistrados, intelectuais, profissionais

liberais, militares) a clamarem através de inúmeros discursos políticos contra o

descaso do Poder Central para com os estados do Norte, reivindicando maior

atenção para aquele que era o segundo produto da lista de exportação do país.

Dentre as inúmeras consequências da crise, está a lenta perda do poder

político das elites locais perante o governo federal. A borracha não era mais

exclusividade da Amazônia e sem ter como barganhar, os clamores das elites

solicitando ajuda não passavam de ecos na floresta, para os quais, a União

mostrava-se indiferente. Os discursos em sua maioria, oriundos da Imprensa local

desvenda a crise, a partir da ótica dos dois setores mais afetados pela instabilidade

econômico-financeira: os comerciantes e o poder público estadual. A crise

objetivamente configurava uma dada situação do real. Inserida nessa realidade, as

elites locais passam a construir representações interagindo em suas múltiplas

relações com a sociedade. Reivindicavam, principalmente, uma política econômica

condizente com seus interesses.

A situação de instabilidade econômica fora prevista há tempos atrás. A

preocupação da elite local, que no Amazonas comanda o processo produtivo, com a

economia centralizada em um único produto extraído da floresta era visível nos

discursos encontrados nos jornais e na Revista da ACA (Associação Comercial do

Amazonas). Diversificar, a economia era imprescindível para evitar o colapso

desencadeado pelas sucessivas crises, porém como essa elite era despida de

iniciativa e pouco propensa a investimentos a longo prazo, principalmente porque

ofereciam lucros limitados, a primeira opção para incrementar a economia também

Page 49: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

49

estava voltada para a exploração de outros produtos extrativos e depois, somente

depois para a agricultura:

“Repetimos o que tantas vezes temos dito nas colunas desta revista, que

precisamos sair do círculo a que temos circunscrito a nossa atividade desde o

início, há quase meio século, da indústria da borracha, lançando-nos

resolutamente à exploração de outros produtos e ao cultivo dos principais gêneros

de alimentação”95.

A elite local nada fez para evitar a derrocada econômica dos anos

posteriores. A preocupação manifestada não se concretizou através de ações.

Quando o colapso financeiro abateu a Amazônia, as elites dos estados do

Amazonas e Pará buscaram ajuda perante o governo federal, este estava às voltas

com uma dívida externa de £155.500.000, equivalente a 2.448.000 contos96, ao

cambio de 15d, pouco fazendo para solucionar os problemas nortistas, talvez

devido ao histórico econômico da região:

“Afora sua contribuição ao Tesouro Nacional e à balança de pagamentos, o

comércio da Amazônia tinha realmente pequeno impacto sobre os demais setores

econômicos do país. Como fonte de capital, a elite da borracha desempenhava um

papel desprezível, pois investia muito pouco de seus lucros fora da própria região.

Como mercado a Amazônia tinha alguma importância, mas a grande maioria de

seus gêneros alimentícios e produtos manufaturados era produzida localmente, ou

adquirida no exterior e, de todo modo, sua população era demasiado pequena

para que tivesse algum efeito sobre o consumo nacional. Finalmente, o produto do

qual a Amazônia dependia para sua prosperidade tinha de ser vendido quase

totalmente no exterior, uma vez que o setor industrial do Brasil, ainda

engatinhando, necessitava de pouca borracha bruta. Assim, mesmo no auge da

expansão da borracha, a Amazônia ocupava uma posição periférica na economia

nacional”97.

A primeira tentativa do Governo Federal de amenizar a crise foi precedida de

várias reuniões entre o presidente Hermes da Fonseca (1910 - 1914), assessorado

pelos ministros da Agricultura e Fazenda, e os representantes do Pará no

Congresso Nacional, os representantes do Amazonas não participaram, dando

origem a Lei 2.534 - A, sancionada no dia 5 de janeiro de 1912 e regulamentada

segundo o decreto nº 9.521, de 17 de abril de 1912. O Plano de Defesa da Borracha

95 Revista Associação Comercial do Amazonas. Manaus, n 71, 10 de agosto de 1914. 96 LOUREIRO, Antonio. A grande crise. op. cit., p. 99. 97 WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia. op. cit., p. 259.

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50

como ficou conhecido englobava sete setores básicos: heveicultura e extração da

borracha, industrialização, imigração, saúde, transportes, produção agrícola

alimentar e pesca98.

Em relação ao setor da heveiculura e extração da borracha, a legislação entre

outros itens estabelecia: - isenção total de impostos e taxas de importação para

máquinas, implementos, utensílios e materiais empregados na cultura da seringueira

e extração da borracha; - prêmios em dinheiro para o plantio de seringueiras; -

isenção total de impostos sobre a exportação de borracha cultivada, pelo período de

25 anos; - instalação de 7 estações experimentais para cultura de seringueiras,

localizadas no Acre, Mato Grosso, Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí e Bahia.

No setor da industrialização, o objetivo consistia em fundar indústrias de

beneficiamento e de artefatos de borracha. A quem se dispusesse a tal

empreendimento era concedido: - prêmios em dinheiro para as duas primeiras

fábricas de beneficiamento de borracha com as instalações previstas para Belém e

Manaus; - isenção total de impostos e taxas de importação para os materiais

requeridos para as referidas fábricas, pelo prazo de 25 anos; - o governo federal

compraria os produtos fabricados por essas fábricas, e as mesmas como eram

consideradas federais teriam isenção de impostos estaduais e municipais pelo prazo

de 25 anos;

A imigração seria fomentada com a finalidade de fixar o imigrante na região,

para isso seria fundamental a construção, por conta da União, de três hospedarias

uma em Belém, outra em Manaus e a última no Acre.

No setor da saúde, a legislação estabelecia tratamento adequado para os

doentes da região, mantendo serviços de vacinação e medicina preventiva,

intencionava também difundir práticas e hábitos de higiene. Para atingir esse

objetivo, o governo federal pretendia construir nove hospitais implantando em suas

adjacências núcleos agrícolas, para suprir o abastecimento e prover de alimentos as

populações vizinhas.

Para facilitar os transportes e reduzir os fretes da região era importante

construir estradas de ferro interligando-as a rede ferroviária federal, e também linhas

98 Os sete setores básicos norteados pelo Plano de Defesa da Borracha foram de forma concisa explicitados conforme: SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1800 - 1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. p. 247 - 250.

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férreas de penetração para exploração de seringais virgens e desenvolvimento da

agricultura.

No setor da produção alimentar, o plano determinava o arrendamento das

Fazendas Nacionais de São Bento e São Marcos, localizadas no Rio Branco, para

criação de gado e cultura de cereais.

O plano no setor da pesca pretendia promover a instalação de companhias

pesqueiras em Belém e Manaus para captura e industrialização do pescado em

grande escala.

Para coordenar os serviços foi criada a Superintendência da Defesa da

Borracha vinculada ao Ministério da Agricultura. O pessoal que iria trabalhar no

órgão, quando em serviço efetivo no vale amazônico receberia um adicional sobre

os vencimentos, variando de 50% a 80%. O Plano de Defesa da Borracha era

grandioso na teoria, além de priorizar a Amazônia englobava também estados de

outras regiões como Minas Gerais e Bahia, porque deles provinham espécies

insignificantes de gomas como, por exemplo, a mangabeira beneficiada pelo plano.

Requeria um grande volume de capital, no primeiro ano os recursos financeiros

repassados para a Superintendência foram equivalentes a 8.000 contos (£ 538.000),

a preços de 1972 correspondiam a cerca de 32 milhões de cruzeiros, dissociados,

portanto, da realidade do empreendimento. A base central da Superintendência

ficava no Rio de Janeiro e não em Manaus ou Belém como era viável. Possuía

segundo a legislação uma seção distrital localizada nas Fazendas Nacionais do Rio

Branco, atualmente Roraima99.

As poucas notícias sobre o plano indicam que o mesmo falhou em todos os

setores. Era teoricamente audacioso demais, entretanto, na prática não passou de

letra morta tornando-se alvo da imprensa local e nacional por seus sucessivos

escândalos. “O pessoal encarregado da tal Defesa era numeroso. No Amazonas ela

se instalou no Rio Branco, único município que não vive da borracha! Foi, portanto,

negativo o patrocínio do governo federal, na tentativa de debelar a crise da

Amazônia”100, afirma Agnello Bittencourt em um de seus artigos denominados: A

morte do Amazonas e o indiferentismo da União. Álvaro Maia também emitiu sua

99 SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1800 - 1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. p. 250 - 251. 100 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.938, 11 de novembro de 1920.

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opinião em relação à Defesa da Borracha: “foi uma carniça para engordar os

tubarões e as piranhas da Avenida Central com ordenados fabulosos”101. Com

exceção do plano, foram poucas as tentativas da União em amenizar a crise na

Amazônia.

Em uma dessas tentativas, o Banco do Brasil quase foi à bancarrota ao

comprar o produto e esperar por uma melhoria de preços102. Mais tarde, seus

representantes alegaram que as intervenções passadas no mercado da borracha

haviam dado sérios prejuízos ao governo. Fora isso, muitos foram os apelos das

elites extrativistas tentando desesperadamente resgatar os benefícios de outrora.

No momento de crise, os apelos se materializaram através de inúmeros

discursos políticos elaborados e difundidos por intelectuais com forte conotação de

denúncia ao descaso da União para com os estados da Região Norte do país.

Gramsci nos Cadernos de prisão e especialmente no ensaio sobre os intelectuais

afirma que:

“todo grupo social, ao mesmo tempo em que se constitui sobre a base original da

função essencial que ele assume no campo da produção econômica, cria

organicamente uma ou mais camadas intelectuais que lhe asseguram

homogeneidade e consciência de sua própria função, não somente no setor

econômico, mas também nos setores social e político (...)103.

Os intelectuais como ideólogos das elites locais são no sentido a que alude

Gramsci, agentes da superestrutura, “os intelectuais formam uma camada social

diferenciada, ligada à estrutura – as classes fundamentais no domínio econômico –

e encarregada de elaborar e gerar a superestrutura que dará a essa classe

homogeneidade e direção do bloco histórico104”. O teórico italiano vai mais além:

“os intelectuais são células vivas da sociedade civil e da sociedade política: são

eles que elaboram a ideologia da classe dominante, dando-lhe assim consciência

de seu papel, e a transformam em ‘concepção de mundo’ que impregna todo o

corpo social. No nível de difusão da ideologia, os intelectuais são os encarregados

de animar e gerir a ‘estrutura ideológica’ da classe dominante no seio das

101 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.003, 13 de novembro de 1923. 102 BURNS, E. Bradford. Manaus, 1910: retrato de uma cidade em expansão. op. cit., p. 37. 103 MACCIOCCHI, Maria-Antonietta. A favor de Gramsci. Trad. Angelina Peralva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p. 189. 104 PORTELLI, Hughes. Gramsci e o bloco histórico. Trad. Angelina Peralva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 84.

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organizações da sociedade civil (Igreja, sistema escolar, sindicatos, partidos, etc.)

e de seu material de difusão (mass media)105.

Os intelectuais cuja função era de elaborar e difundir a ideologia das elites

locais possuíam formação universitária. Eram jornalistas, médicos, advogados e

exerciam as funções mais requisitadas na época, praticamente todos eram

funcionários públicos ou jornalistas engajados na política profissional. Muitos

pertenciam ao Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas ingressando nessa

instituição pela projeção social e política que exerciam na sociedade local.

Frequentemente originários de famílias oligárquicas e de grandes comerciantes em

decadência. Seus discursos ideológicos difundidos em prol da coletividade como

afirmavam, pretendiam mascarar a realidade e camuflavam a intencionalidade

desses segmentos sociais privilegiados de recuperar as vantagens econômicas de

outros tempos.

O risco da perda de status106 ocasionado pela instabilidade econômica do

momento impulsionará as elites locais a construírem tais discursos, impondo sua

própria visão de mundo sobre a crise e se apropriando ideologicamente dessa

realidade. Carlos Henrique Escobar (1978) relata que a produção ideológica tem

existência material objetiva, na medida em que toda sociedade e toda ação social

necessitam de uma estrutura de sentido para se reproduzirem. Portanto:

“Nada separa o real e o ideológico, pois todo real é, no nível de práticas,

representação ideológica concernente aos papeis e às classes numa sociedade. A

ideologia não é um absurdo ou uma contingência. Ela é uma manifestação

essencial às praticas sociais. Não existe uma “verdade” através da ideologia, pois

ela é, tal como as ciências – mas de forma radicalmente oposta – uma espécie de

apropriação do real. Apropriação ideológica do real”107.

Os discursos inicialmente nos evidenciam que na luta contra a crise, as elites

não se colocavam como culpadas. Atribuíam, no entanto, os problemas às causas

maiores, quase sem controle, algumas conjunturais. Nos citados artigos, Bittencourt,

em defesa do comércio local, explicava o infortúnio, pelo qual passava o setor:

(...) o comércio vivia do crédito, numa situação aparentemente forte sem contudo

possuir lastro bancário, para as eventualidades da especulação. A imprevidência

105 PORTELLI, Hughes. Gramsci e o bloco histórico. op. cit., p. 84. 106 PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. Trad. Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Ática, 1990. p. 19. 107 ESCOBAR, Carlos Henrique. Ciência da história e ideologia. Rio de Janeiro: Graal, 1978. p. 68.

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do período em que a borracha mereceu o apelido de ouro negro viria refletir-se

nos dias precários de hoje. Os esbanjamentos, as prodigalidades eram as normas

da época. Mas, daquele ano começo da crise, decresceu a imigração; restringiu-

se o valor da importação e da exportação, fenômenos que se repercutiram nas

rendas públicas. Um princípio de desequilíbrio para todas as classes, pela

inexistência de um fundo de reserva que se houvesse acumulado nos bancos ou

nas arcas do tesouro. Como se dava geralmente em todo o país, as transações

se operavam a crédito de noventa dias, tempo em que se efetuavam as

liquidações de contas e se pagavam os saques estrangeiros. O baixo preço da

borracha não mais podia sustentar essa regalia do comércio. As praças aviadoras

da Europa e América do Norte restringiram suas remessas para a Amazônia

trancando o crédito aos comitentes mais fracos. A crise tornou-se aguda. Os

institutos de crédito evitavam qualquer socorro, pela eminência de perigo que seu

dinheiro, posto em circulação, podia correr, mesmo porque os negócios

revestiram-se de um caráter cada vez mais precário computado na craveira da

desvalorização da goma elástica(...)”108.

Ao se colocaram perante a crise, os comerciantes e os representantes

políticos do Amazonas se retratavam como vítimas do processo, responsabilizando

os arautos da política e administração nacionais pela situação aflitiva, que nesse

momento atravessava a praça comercial de Manaus. Insistia com frequência em

seus artigos Agnello Bittencourt: “não somos culpados dessa anormalidade, que

vem perturbando o Amazonas e para a qual se tenta ainda um remédio, que só os

poderes centrais do país podem dar, pois ele é, em grande parte, responsável pela

situação que nos aflige”109.

A tônica dos discursos reivindicava ajuda da União em retribuição ao alto

valor dos impostos arrecadados no Amazonas durante o apogeu da economia

gumífera:

“(...) no ano em que era proferida esta sentença, o governo federal recebia pela

alfândega de Manaus vinte e sete mil contos de réis cobrados de impostos. Foi o

auge da prosperidade alimentando um comércio que colocava o Amazonas num

dos primeiros lugares da república. Não se procurou nesse momento feliz, dotar o

Estado com uma parte ao menos pequena dos benefícios que ele prodigalizava

aos cofres federais. Milhares de conto, que a borracha proporcionava,

concorreram para embelezar a capital do país e efetuar outros melhoramentos de

que só acharam dignas as regiões do sul. Nada para o Amazonas. Esse

108 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.938, 11 de novembro de 1920. 109 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.937, 10 de novembro de 1920.

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55

procedimento incorreto, antipatriótico, foi exprobrado, em memorável conferência

realizada no palácio Monroe, no Rio de Janeiro por ocasião de ser inaugurada ali,

a celebre Defesa da Borracha: “Seria fácil demonstrar que o dinheiro trazido do

extremo norte para o sul do Brasil somente nos últimos onze anos, excede, em

muito, o custo da introdução de todos os imigrantes para os Estados do sul, o

custo do saneamento e embelezamento do Rio de Janeiro, o valor de todas as

estradas de ferro que têm sido construídas no sul do Brasil, à custa da União, e o

custo de todos os melhoramentos materiais, edifícios imponentes e obras de

utilidade pública, que têm sido feitas pelo governo federal, para uso e gozo do

exclusivo beneficiamento do sul do país (...) 110.

Como a União permanecia surda aos clamores de socorro era amiúde

acusada de indiferentismo para com os estados do Norte. O descaso desta em não

auxiliar e nem favorecer em larga escala o comércio da borracha, como fez com o

café de São Paulo forçava o Amazonas a desintegração do todo, do qual fazia parte,

acrescentava Bittencourt111. O deputado Luciano Pereira defensor do separatismo

bradava no Congresso Nacional: “se na Nação Brasileira os benefícios só são para

alguns e os ônus para os outros, é mais justo, é mais moral, é mais decente, quem

acabe com esta União e que cada qual viva como puder, por si e para si”112. O

discurso separatista foi algumas vezes citado, também nas reuniões da ACA tinha

como objetivo forçar a ação da União em prol do comércio local, porém não teve

adesão da maioria, por isso não ganhou força, causando discordância no interior

desse órgão.

Paralelo aos discursos, esses segmentos sociais agiam internamente visando

atenuar a situação instável vigente. A ACA (Associação Comercial do Amazonas)

era composta basicamente pelos proprietários do grande comércio e pelos donos de

seringais. Em sua sede, seus associados se reuniam para deliberar ações contra a

crise do setor, era na realidade um instrumento de representação política do

patronato comercial sobre o governo local. Ângela Castro Gomes, realizando uma

análise em âmbito nacional afirma que o empresariado estaria utilizando outro canal,

que não o partidário para a vinculação de seus interesses junto ao Estado (...), este

110 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.937, 10 de novembro de 1920. 111 Idem. 112 Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n 78, 10 de dezembro de 1914. In: LOUREIRO, Antonio. A grande crise. op. cit., p. 147.

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56

era as associações organizativas113. Como nesse momento, os interesses

coincidiam, o governo estadual deveria atuar junto ao governo federal pelos

interesses de seus representantes, os grandes comerciantes locais, uma vez que, o

cenário político nacional era manipulado pela oligarquia cafeeira114.

No âmbito estadual a realidade era outra, nem sempre comerciantes e

governo estavam em comum acordo sobre determinado assunto. Quando as

divergências surgiam cada um lutava com suas próprias armas para defender seus

interesses. O caso a seguir é um exemplo típico dessa situação, onde quinhentos

retalhistas (representantes do comércio a retalho) consideravam-se prejudicados

pelos altos tributos que oneravam a classe, diante disso solicitavam ao governador

do Estado:

“Todos os jornais independentes vêm publicando, desde há dias, uma reclamação

que, nos mais prudentes e respeitosos termos, fora endereçada ao sr. Dr.

Jonathas Pedrosa, governador do Estado, no sentido de ser por este prestado

auxílio ao comércio retalhista, na crise, que o assoberba. Esse documento, como

viu o público, pedia a diminuição da tabela do imposto de indústria e profissão”115.

A autoridade estadual mostrava-se surdo às reclamações, já que nesse

momento difícil, também o Estado não dispunha de recursos monetários e nem de

crédito suficientes para ajudar os pedintes, sendo essencial para a receita à

manutenção dos impostos. Como protesto à indiferença do governador, alguns

comerciantes sugeriam que fosse deliberado o fechamento do comércio. Indícios do

que aconteceria em setembro de 1913.

Assim como não existia uma classe trabalhadora única e homogênea,

também a classe dos comerciantes estava sendo gestada, pois é no processo

cotidiano, evocando o conceito thompsoniano, que a classe irá surgir. No rastro da

abordagem de Edward Thompson, a historiografia do trabalho no Brasil atualmente

tem enveredado o foco na análise das classes para a ação ou o agir dos homens, ou

seja, na capacidade que os atores sociais têm de intervir nos seus próprios

113 CASTRO GOMES, Ângela. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil, 1917 - 1937. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1979. p. 51. 114 AVELINO, Alexandre Nogueira. O patronato amazonense e o mundo do trabalho: a revista da Associação Comercial e as representações acerca do trabalho em Manaus (1908 – 1919). Dissertação de Mestrado: UFAM, 2008. p. 63. 115 Jornal do Comércio, Manaus, n. 3.235, 29 de abril de 1913.

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57

destinos116. No fazer-se cotidiano os comerciantes agem, interferem, realizam

escolhas, suscitando muitas vezes conflitos e impasses, não só com os

trabalhadores do setor, mas também no interior do próprio segmento comercial e

com os representantes das firmas estrangeiras, com os quais mantinham relações,

na maioria das vezes conflituosas.

As contradições existentes no interior da classe possibilitam a cada facção

lutar de forma diferente por seus interesses. A ACA, representante do grande

comércio, impõe em vários momentos a sua vontade aos demais setores. As

contradições foram perceptíveis na “greve” do fechamento do comércio e no

decorrer da vigência da crise.

Para pressionar o governo federal a ajudar o comércio local ficou acertado o

fechamento do comércio com a adesão das Associações Comercial, Retalhistas,

Empregados do Comércio, Sociedade dos Pilotos do Amazonas, dos Despachantes

e outras corporações, a partir do dia 22 de setembro de 1913. Entre as principais

reivindicações ao poder executivo federal estavam:

“a) Entrar direta ou indiretamente no mercado da borracha acompanhando os

preços até 6$000 réis com a taxa do câmbio a 16, que poderá servir de base às

futuras transações, ou pela forma que julgar mais conveniente aos interesses

desta praça;

b) Intervenção do governo junto ao poder legislativo da Nação, no sentido de ser

beneficiada esta praça com a suspensão dos executivos em geral, enquanto

perdurar o estado aflitivo da quase totalidade do Comércio e do povo;

c) Outras medidas complementares que já foram anteriormente solicitadas pelo

comércio e que serão desenvolvidas em memorial e defendidas pela nossa

representação nas duas câmaras”117.

Temerosos da reação da população, a polícia foi acionada, guarnecendo

principalmente os prédios das empresas estrangeiras. Um aviso circulava

endereçado ao povo citadino, “o povo não deve temer a fome”118. Para isso ficou

acertado que as padarias, mercearias e tavernas, poderiam vender gêneros de

primeira necessidade mesmo com as portas fechadas e somente nas primeiras

116 BATALHA, Cláudio H. M. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva. In: FERREIRA, Jorge, DELGADO, Lucilia (orgs.). O Brasil republicano. Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 196. 117 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.377, 21 de setembro de 1913. 118 Idem.

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58

horas da manhã. Os hotéis permaneceriam abertos e as farmácias obedeceriam ao

plantão como aos domingos.

O objetivo em comum unia as várias ramificações do setor comercial, porém

as deliberações dos representantes da ACA deveriam ser respeitadas. Como nas

greves não existe consenso total, grupos de indivíduos percorriam as ruas,

verificando se todas as casas comerciais cumpriam o compromisso firmado do

fechamento do comércio. Caso o acordo não fosse respeitado pelos pequenos

comerciantes, os grupos entravam em cena de forma arbitrária “junto ao Mercado,

como dois ou três proprietários de mercearias, conservassem uma das portas de seu

estabelecimento aberta, um desses grupos para ali se dirigiu, obrigando-os a fechá-

las”119.

No decorrer da “greve” observamos o desespero da ACA em tentar alcançar

pelo menos um de seus pleitos. Uma comissão investida de poderes especiais, sob

a denominação de Delegação do Comércio Amazonense era responsável pelas

negociações. O chefe do poder executivo estadual era regularmente informado dos

passos dados pela comissão e mantinha-se a disposição para qualquer auxílio.

A delegação articulava junto com o senado e a bancada do Amazonas, Pará e

Mato Grosso no congresso federal, solicitando apoio para as medidas que deveriam

salvar a praça de Manaus. O apoio de outras bancadas como a do Ceará, visto ser a

cearense a maior colônia existente neste Estado120, do Maranhão e Pernambuco,

também era solicitado nesta hora. Diante do peso econômico e político desses

estados perante a União ficava cada vez mais difícil, o auxílio esperado. O Rio de

janeiro não apoiava o fechamento do comércio e segundo seus correspondentes

essa atitude agravava ainda mais, a situação precária do comércio amazonense.

A demora nas negociações ocasionou divergências de opiniões sobre a

manutenção da “greve” entre os comerciantes, uns pretendiam continuar e outros

desejavam vê-la terminada. As dificuldades de relacionamento entre os

representantes do comércio local e as empresas estrangeiras contribuíram para o

desfecho da greve. Diante de medidas como esta posta em execução pela Manáos

Harbour:

119 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.380, 24 de setembro de 1913. 120 Idem.

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59

“(...) que a Manáos Harbour está cobrando armazenagem das mercadorias que,

em virtude da “greve”, estão retidas em seus armazéns, vai a delegação do

comércio enviar uma comissão, a fim de harmonizar, com os da classe, os

interesses da companhia”121.

E para evitar maiores prejuízos, o comércio reabriu no dia 27 de setembro, mediante

a sinalização de uma possível ajuda federal. A ajuda não veio aguçando ainda mais,

a crise financeira local.

A divergência na classe era visível conforme a intensidade da crise. Em uma

das reuniões da ACA onde participaram os aviadores e comerciantes, o clima de

animosidade veio a tona quando um dos sócios sugeriu: “suspender as vendas e

exportação de borracha, até que atinja a cotação de três mil réis”122(...). O ano era

1920 e diante da desvalorização do preço da borracha, o Jornal do Comércio pintou

com cores vivas a situação precária das classes conservadoras, salientando que:

“(...) entre nós, o fechamento de casas comerciais é patente, as falências

aumentaram, enquanto o nosso principal produto de exportação se desvaloriza,

mostrando assim o caminho do aniquilamento’123. No mês de novembro daquele

ano, o preço da borracha correspondia a mil e oitocentos réis, por isso, o mesmo

sócio solicitava também (...) a suspensão da importação de mercadorias nacionais e

estrangeiras e a não aceitação das mercadorias que estão para chegar (...)124.

Como resposta, outro associado ressaltou que era impraticável tal proposta,

pois: “(...) Escapara à argúcia do proponente a determinação do tempo de

suspensão da venda da borracha. Esse tempo poderia durar três meses, um ou dois

anos, até que o preço atingisse a três mil réis (...)”125. Referindo-se:

”(...) à suspensão da importação de mercadorias nacionais e estrangeiras e a não

aceitação das mercadorias que estão a chegar, observou que, com a adoção

dessas medidas, os comerciantes ficariam sem mercadorias para aviar os

seringais e estes, sem recursos para minorar a fome, teriam que abandonar os

seringais e nenhum quilo de borracha se produziria. Seria a desorganização

completa da indústria extrativa (...)126.

121 Jornal do Comercio, Manaus, n 3.384, 28 de setembro de 1913. 122 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.936, 9 de novembro de 1920. 123 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.759, 13 de maio de 1920. 124 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.936, 9 de novembro de 1920. 125 Idem. 126 Idem.

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60

Depois de outras considerações, muitos debates, uma velha proposta era

resgatada, sendo submetida ao exame da casa:

”(...) para o problema da borracha, só havia duas medidas de salvação: a primeira

deveria partir do governo federal, monopolizando as nossas safras, por preços

convenientes se proibindo que qualquer firma exportasse borracha, cabendo a ele.

Unicamente, vender o produto à Alemanha ou a qualquer outro país. A outra

medida, para efeito futuro, seria a montagem de grandes fábricas de artefatos de

borracha (...)”127.

Após a leitura desse documento, demonstrando-se irritado exclamou o

associado responsável pela proposta inicial: “por esse meio já trabalhamos e nada

conseguimos do governo federal. A ação agora deve ser exclusiva nossa.

Precisamos sair do marasmo que nos ameaça”128. Segundo os associados, a

primeira proposta não poderia ser aprovada sem o apoio das principais firmas

aviadoras, a começar pela “mola principal do nosso comércio”, pertencente a J. G

Araújo, afirmava o relator. O comendador Joaquim Gonçalves de Araujo enfatizava:

“(...) que, se toda a borracha que recebe fosse de sua exclusiva propriedade

estaria pronto a acompanhar o gesto dos que exigem como medida de salvação a

suspensão da venda do produto. Mas, acontece que a maior parte vem à

consignação e os consignatários remetem o produto com as respectivas ordens,

não podendo, por isso, reter a borracha alheia (...)”129.

Diante das propostas expostas, os aviadores não chegaram a um consenso.

Um dos sócios propôs a criação de um bloco dos principais comerciantes, com o fim

de levantar capital e amparar a borracha. Exclamou imediatamente outro associado:

“Essa exceção é ridícula. Os pequenos comerciantes nada valem?” Em defesa deles

outro respondeu: “(...) Grandes e pequenos comerciantes são hoje a mesma coisa,

em face da miséria que se alastra. E é preciso notar que quanto maior é a nau maior

é a tormenta (...)”130.

Serenada a discussão, a proposta inicial foi colocada em votação, sendo a

mesma rejeitada. Diante disso, seu autor expressou sua revolta “responsabilizando

os aviadores pela miséria que reina no Estado”131, chegando a declarar “que o

127 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.936, 9 de novembro de 1920. 128 Idem. 129 Idem. 130 Idem. 131 Idem.

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aviador sempre foi o parasita do seringueiro”132. Essa declaração foi arrematada

com este aporte: “não somos parasitas! Parasitas são os que vivem à nossa custa

no interior! ”133.

Diante da exposição fica evidente a complexidade das relações e a

dificuldade de conciliar interesses no interior da ACA. Durante todo o período

estudado nenhuma medida radical foi tomada por seus integrantes, que

intencionasse realmente resolver a situação instável. Nenhuma ação exclusiva foi

deliberada, apesar das inúmeras considerações, as divergências emergiam

impossibilitando ajustes ou concessões, interesses de cada firma eram sempre

sobrepostos ao coletivo. Não havia, portanto, unidade, a única alternativa possível

que agradava a todos era a ajuda oriunda do Poder Central. Até 1920, tal ajuda

ainda era esperada, mas não havia muita expectativa em relação a isso. Cada firma

sobrevivia de acordo com seus próprios recursos. Aquelas que diversificaram seus

investimentos para outras áreas resistiram, muitas faliram.

Quando a situação calamitosa da praça de Manaus começou a afetar

diretamente a situação econômica do país, foi organizada uma Comissão Mista de

Senadores e Deputados Federais para melhor estudar as suas causas. O Dr. Eloy

de Souza ficou encarregado de elaborar um parecer, trazendo a tona fatos, até

então, desconhecidos pelo público. O relatório emitido pelo deputado revelava que

até 1912, o governo federal e os estados do Amazonas e Pará “limitaram a sua ação

à cômoda atitude de associados do produtor”, usufruindo lucros maiores do que a

situação permitia134.

A situação de salubridade da Amazônia era pertinente ao relatório. A batalha

da borracha resultava em “milhares de mortos”, citava o deputado. Acometidos

principalmente pelo impaludismo, na sua forma mais grave, de febre

hemoglubinúrica, “parecendo que naquela zona o parasita da malária adquiriu

resistência tal, que as infecções só cedem com doses de quinino, que estão no limite

da dose manejável”135. Outras doenças também vitimavam os seringueiros e a

132 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.936, 9 de novembro de 1920. 133 Idem. 134 Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n 67, 10 de janeiro de 1914. In: LOUREIRO, Antonio. A grande crise. op. cit., p. 136. 135 Idem.

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62

população interiorana, como as feridas bravas, as epidemias de varíola, as formas

malignas de disenteria, a lepra e o beribéri:

“Nunca, em parte alguma do globo, houve exemplo de tamanho sacrifício, nem

indústria alguma custou jamais, em País de civilização ocidental, um tão crescido

número de vidas, pelo abandono criminoso dos governos, desapercebidos como

estamos de que ali se perde o mais valioso capital da nação”136.

As companhias exploradoras de borracha situadas no Oriente se

preocupavam mais com a saúde de seus trabalhadores, do que os brasileiros com

seus compatriotas, deixados desamparados no interior da floresta amazônica,

continuava o relatório:

“O cuidado que não temos, têm os ingleses dando assistência médica e aos sãos

acudindo com a profilaxia. No Ceilão, embora haja grande número de hospitais

distritais, há nas sedes das plantações farmácias, médicos, e até, em algumas,

enfermarias para tratamento dos casos mais graves”137.

Citando o relatório de Osvaldo Cruz transcrevia:

“Os seringueiros cujos trabalhos não foram suficientes para obter saldo, ficam na

impossibilidade de recorrer ao médico e obter medicamentos. Entretanto são

doentes em estado grave, muitos em eminência de morte, na mais precária

condição, fatalmente condenados ao aniquilamento total se não forem

submetidos a tratamento específico regular”138.

A situação social do seringueiro era objeto de estudo do parlamentar. “O

seringueiro vive sob a mais rigorosa servidão”, acrescentava:

“Na hora do seu recrutamento, no Nordeste, informavam-lhe de que seria um

associado do patrão, sem “nenhuma submissão ou dependência, a não ser a dos

mesmos interesses”, sendo-lhe logo concedido um crédito para ajudar as

despesas de transporte e “consolar a família que ficava”. A sua viagem fazia-se

em vapores do Lóide e em gaiolas. “A aglomeração de passageiros de 3ª classe,

amontoados no convés, sem o menor abrigo, submetidos a um regime alimentar

escasso e nocivo, pela sua péssima qualidade, contribuía para que o homem

válido, antes de findar a viagem, tivesse perdido a saúde, sucedendo, não raro,

que muitos deles viessem a falecer ainda em caminho. Os que chegavam ao

destino recebiam uma certa porção de gêneros, calculados pela safra, e mais os

136 Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n 67, 10 de janeiro de 1914. In: LOUREIRO, Antonio. A grande crise. op. cit., p. 136. 137 Idem, p. 136. 138 Idem, p. 137.

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utensílios necessários à sangria das árvores, coleta do leite e preparo da

borracha. O crédito, agora mais agravado, prendia parte deles”139.

O seringueiro iniciava sua jornada pela madrugada ao percorrer as estradas

onde ficavam localizadas as seringueiras. Com o percurso diário de quilômetros e

com pouco repouso, estendendo-se pela noite adentro na defumação do látex. Seu

trabalho era regido pela intenção de pagar os suprimentos fornecidos pelo patrão e

“pelo desejo de acumular um saldo que lhes assegurasse a subsistência entre as

safras e permitisse a remessa de algum dinheiro à família”140. Para saldar os

compromissos só contava com um único produto, a borracha.

Prosseguia o relator abordando a margem de lucro dos seringalistas, os

donos dos seringais, sobre a borracha e especialmente sobre a venda de

mercadorias a preços exorbitantes aos seringueiros. A causa principal dos altos

preços eram os fretes, para frear o fenômeno, a agricultura deveria ser

desenvolvida, com a plantação dos cinco produtos de maior consumo: o arroz, o

feijão, o milho, o açúcar e a farinha. Afirmava que a indústria da borracha deveria

ser amparada pela nação, pois sua alta qualidade em relação a do Oriente

possibilitava a concorrência. Para isso era necessário apenas a racionalização das

plantações. Caso não houvesse apoio, a ruína chegaria no prazo de 3 a 5 anos,

como consequência do despovoamento da Amazônia141.

Souza concluía criticando duramente o posicionamento e a inércia dos

governos estaduais, envolvidos, sobretudo, nas lutas partidárias e “nada tinham feito

pela indústria” da borracha. A orgia administrativa tinha marcado visivelmente os

vinte anos de vida republicana no norte do Brasil. Era, na opinião do deputado norte-

rio-grandense, essencial para superar a crise, diminuir o custo da produção e reduzir

os impostos de exportação. Finalizava reforçando a intervenção federal na

Amazônia, para evitar pior sorte a sua gente diante das administrações estaduais

despreparadas142.

O relatório alcançou pelo menos um objetivo, o posicionamento favorável de

parte da imprensa do Sul a uma melhor proteção à Amazônia. No Rio de Janeiro, o

139 Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n 67, 10 de janeiro de 1914. In: LOUREIRO, Antonio. A grande crise. op. cit., p. 137 - 138. 140 Idem, p. 138. 141 Idem, p. 142. 142 LOUREIRO. Antonio. A grande crise. op. cit., p. 144.

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jornal do comércio, de julho de 1914, publicava o artigo “Aberrações econômicas”143

assinado pelo articulista Mário Pinto Serva. O Brasil, segundo o artigo, impunha a

Amazônia o mesmo pacto colonial dado às Américas. Por um século nada se tinha

feito pela região, que permanecia “despovoada, erma, inculta, desolada, esplêndido

deserto, despojo ótimo a despertar a cúpida ambição de outras raças”. Os produtos

necessários a sua subsistência era importado do estrangeiro e dos estados, à região

era imposto um regime aduaneiro multiplicador dos preços das mercadorias (...)144.

De resto nada evitaria a derrocada da economia gumífera dos anos posteriores.

Sabemos que as crises são fenômenos sociais que afetam a vida de um

povo, reduzindo-o em certas ocasiões a uma situação de penúria. O quadro de

instabilidade econômica e social é agravado ainda mais com a conflagração da

guerra européia. O reflexo da Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918) no Amazonas

se manifestou de várias maneiras, ora provocando as tremendas oscilações

cambiais, que como consequência trouxe o encarecimento da vida, ora dificultando a

obtenção, no estrangeiro de gêneros de cujo consumo, o Brasil não podia prescindir.

A falta de transportes cada vez mais intensificada, pelas contínuas

requisições das autoridades inglesas de seus navios, utilizados na guerra contra a

Alemanha dificultavam, o serviço de condução de cargas aos portos brasileiros e

posteriormente, aos estados, causando demora e uma série de prejuízos ao

comércio e ao povo, que pagava mais caro para obter produtos essenciais à sua

sobrevivência.

O momento beligerante aumentava ainda as tensões internas, pois tratava de

isolar Manaus do contato com o restante do país ao suspender, os três ou quarto

navios do Lloyd Brasileiro que aportavam mensalmente na cidade145. Sem meios de

transporte para dar saída aos gêneros de exportação, os estoques de borracha e

castanha se avolumavam cada vez mais. Em 1919, o porto de Manaus não registrou

a entrada de nenhum barco estrangeiro, tendo de remeter sua produção para Belém

e de lá a embarcavam para o exterior. A esse respeito os jornais indicam uma

situação econômico-financeira cada vez mais precária. Onde os telegramas com

promessas falazes tentavam amenizar a situação. O comércio e o governo estadual,

143 Revista da Associação Comercial do Amazonas, Manaus, n 74, 10 de agosto de 1914. In: LOUREIRO, Antonio. A grande crise. op. cit., p. 144. 144 Idem. 145 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.747, 17 de julho de 1917.

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65

congregados em busca de uma solução apelavam novamente para o Poder Central,

e este por sua vez não emitia respostas animadoras. O Pará acusado de tentar

prejudicar o comércio amazonense, por afastar a navegação do porto de Manaus,

era alvo preferencial da fúria dos discursos:

“Com este estado de coisas fica patente o pouco caso dos poderes da União para

com o Amazonas, terra abandonada pelos que poderiam no sul auxiliá-lo, evitar a

sua queda, dia a dia, cada vez maior. E, enquanto vai o Estado perdendo a sua

força, com o enfraquecimento do comércio, em face de muitas causas que têm

ocasionado a sua decadência, o Pará vai tirando grande proveito, um lucro

estupendo, à custa dos nossos sacrifícios, porque está sendo servido por navios

ingleses, nacionais e norte-americanos, isto é, tem a praça de Belém, à sua

disposição, os paquetes do Lloyd que vão a Nova York, os navios ingleses que

trafegam para Europa, e duas novas linhas yankees, que acabem de iniciar o

tráfego, uma de Pernambuco a Nova York, com escalas por Belém e Barbados e

outra diretamente de Belém a Nova York. (...) Como se vê, a situação é esta: tudo

para o Pará, nada para o Amazonas. Vamos de mal a pior: estamos aqui, estamos

reduzidos a porto de lenha, se os poderes estaduais não tomarem a peito o

caso”146.

Quase sempre, porém a imprevidência dos dias de prosperidade, não

consegue prever a aproximação do mal, que é tantas vezes consequência do abuso

do crédito comercial, como no caso amazônico. O êxodo de grandes capitais afetou

bastante o comércio, e as casas melhores aparelhadas sentiram dificuldades para

enfrentar a crise. Nesta hora, os dirigentes do Estado podiam implantar medidas

para atenuar a situação. Com as rendas em declínio progressivo, o chefe do poder

executivo estadual resolveu aumentar e criar novos impostos, como o de consumo

instituído desde 1915. Os reclames do comércio soavam fortes contra o governo:

“Como, pois aumentar-lhes os encargos pecuniários, quando é certo que lhes

diminuíram os proventos? É preciso atender a um fato muito importante: o

movimento comercial de há quatro anos, não é o de hoje. Muita gente deixou o

Estado... Sim, o movimento comercial sentiu-se, sobre tudo depois da retirada das

forças federais de Manaus, da extinção da Escola de Aprendizes Marinheiros, da

extinção da Região Militar e também da retirada de milhares de pessoas que aqui

viviam, levando seus capitais. São forças econômicas que desapareceram e que

não deixaram de afetar a classe que mais paga impostos: a comercial. Ora,

diminuindo esse movimento, justa é a redução dos referidos impostos”147.

146 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.728, 28 de junho de 1917. 147 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.523, 27 de novembro de 1916.

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66

Os setores envolvidos abriam espaços para negociações e mediações

complexas, onde cada um defendia seus interesses. As expectativas em comum era

a ajuda proveniente do Poder Central, que por muito tempo foi solicitada e esperada.

A retirada de entidades federais do território amazonense expressava visivelmente,

a intenção da União em não fornecer auxílio à região. Na política econômica

nacional, os interesses cafeeiros estavam no cume da lista de prioridades.

Historicamente, em tempos de crise o Estado nacional desempenha um papel

fundamental nesse processo: diminuindo os impostos, realizando concessões,

reduzindo despesas e criando obras públicas com a finalidade de gerar trabalho e

emprego. No Amazonas, a crise econômica desencadeou sucessivas crises

políticas, principalmente, porque o Poder Central deixava que a política local fosse

conduzida por grupos oligárquicos interessados apenas em manipular o poder para

defender seus interesses particulares, muitas vezes associados à comercialização e

a exportação da borracha e outros produtos extrativos148. Parte de seu quadro

político era composto por representantes da ACA.

Os erros e desmandos de governos corruptos, que se digladiavam pelo

controle do poder político local acentuaram o momento de instabilidade econômica,

visto que não desenvolveram nenhuma alternativa para a superação da crise. A

desordem financeira de longa data tornou-se caótica, sem recursos monetários para

custear a máquina administrativa e a manutenção dos serviços essenciais ao bem-

estar da coletividade, o poder público exerceu um papel as “avessas” sendo às

vezes paradoxal como nos casos a seguir:

”a redução das despesas públicas é outra medida que se impõe, sem necessidade

dos grandes cortes que se têm feito na remuneração dos servidores do Estado.

Não existe razão plausível para que, por um mesmo motivo, se reduzam os parcos

vencimentos destes e, ao mesmo tempo, se aumentem os impostos”149.

Na realidade, a elite política local em sintonia com a ACA, apesar dos

esforços empreendidos não conseguiram consolidar uma política de defesa da

borracha150. Muitas foram as tentativas de inibir o refluxo da crise no decorrer da

década de 1910 a 1920, nenhuma deu resultado positivo. Nos momentos mais

148 SANTOS, Eloína Monteiro dos. op. cit., p. 29 - 33. 149 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.523, 27 de novembro de 1916. 150 PRADO, Maria Lígia. CAPELATO, Maria Helena. op. cit., p. 307.

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67

críticos, o governo federal implementou medidas paliativas visando apenas minorar

a situação e não resolvê-la definitivamente.

Algumas ocorreram tarde demais, como, por exemplo, a redução de dez por

cento no imposto sobre a exportação de borracha. O feito mediado pelo governador

Alcântara Bacellar junto ao governo federal ocorreu somente em 1918. Tamanha

demora só acentuou o quadro incerto da economia estadual, reforçando a notória

idéia de que a União só queria cobrar os impostos referentes à borracha, nada

fazendo para viabilizar sua valorização.

Durante a Primeira Grande Guerra, a valorização do principal produto de

exportação da Amazônia foi ficando cada vez mais distante. Assim, a crise persistia

cada vez mais acentuada. Sem compradores, os estoques de borracha aumentavam

nos armazéns e alvarengas, ocasionando o êxodo da população interiorana do

Amazonas e do Acre para Manaus ou a outros lugares. Os extratores de borracha

resolveram abandonar os seringais em bandos turbulentos a depredarem e a

destruírem as propriedades particulares por onde passavam151. A falta de trabalho

nos seringais e a fome originaram um quadro desolador. A miséria era tamanha que

em vários seringais, os sacos que envolviam os paneiros de farinha d’água, eram

disputados para serem utilizados como roupa dos flagelados152. O êxodo iniciado em

1921 era assim relatado por uma testemunha:

“Grandes parte dos seringais suspendeu os seus serviços, em virtude da

desvalorização da borracha deixando ao céu da sorte centenas de infelizes, que

hoje tateiam, como espectros humanos, através das margens do rio com o fim de

implorar alimentos e passagens aos comandantes e passageiros das

embarcações que singram as artérias fluviais”153.

Quanto aos seringalistas estavam sujeitos à mesma contingência, envolvidos

pela névoa do momento não sabiam o caminho a seguir:

“O preço da borracha não chega para as despesas com o serviço de extração e

direitos de transporte. O comerciante da Amazônia, não menos prejudicados,

fechou-lhes as portas, deixando de fazer os indispensáveis aviamentos. É claro

151 Mensagem do Governador do Estado do Amazonas, Sr. Cesar do Rego Monteiro, 14 de julho de 1923. p. 16 - 17. 152 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.462, 22 de abril de 1922. 153 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.084, 6 de abril de 1921.

Page 68: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

68

que, sem mercadorias, sem gêneros alimentícios, nenhum seringal poderá manter

pessoal no serviço”154.

Alguns passaram a se dedicar à agricultura, mas a maior parte permanecia

estagnada, indecisa, na expectativa de que a borracha ainda voltasse a ser cotada

no mercado europeu.

Com a saída de grupos humanos do Amazonas, algumas medidas atinentes à

solução do fenômeno apareceram com a finalidade de reter o despovoamento do

solo, “(...) o que o governo devia fazer era desapropriar seringais, dividi-los em lotes

e entregar essas terras aos seringueiros que necessitam de localizar as suas

famílias e estão dispostos a cultivar a agricultura, único problema de salvação

pública”155. Mas como as ideias necessitam de ação e as elites locais, entre os quais

aparecem, os donos de seringais, não eram propensas a investimentos a longo

prazo, que em troca retribuía-lhes poucos lucros, esta como outras ideias não se

concretizaram.

A fórmula mais prática, segundo o governo, seria a localização das vítimas

em núcleos coloniais. Como a situação financeira do Estado não permitia uma obra

de tamanho vulto, as autoridades constituídas aproveitaram a situação de penúria do

interior para solicitarem auxílio imediato da União. O governo federal realizava

grandes obras contra as secas no Nordeste, por isso São Paulo já não era mais

citado, o referencial nesse momento era o Nordeste:

“ (...) Venha o governo federal em nosso auxílio à semelhança do que tem feito

com os nossos irmãos do nordeste. Se não se torna possível, de pronto a

valorização da borracha, ao menos favoreça-nos com um bom serviço de

colonização, localizando e aproveitando, na agricultura, as grandes levas de

famintos que andam sem trabalho no interior do estado”156.

O Presidente da República nada fez para evitar o êxodo dos sem trabalho, ao

contrário disponibilizou passagens nas companhias de navegação autorizadas, para

aqueles que quisessem emigrar para os estados do Nordeste. Ao governador Rego

Monteiro coube apenas: “limitei-me a assistir, imponente para impedi-los, aos

embarques quase diários de levas de famílias e trabalhadores que se dirigiam,

154 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.084, 6 de abril de 1921. 155 Idem. 156 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.104, 26 de abril de 1921.

Page 69: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

69

apressados e alviçareiros, para os pontos em que supunham encontrar a

salvação”157.

A desvalorização do produto proveniente da superprodução mundial atingiu

níveis críticos em 1922. Nessa época, a Inglaterra preocupada com o mais

importante produto de suas colônias no Oriente, a borracha, aprovou o Plano

Stevenson com a intenção de reduzir os excessos de stocks existentes e a

regularizar os fornecimentos futuros, no intuito de estabelecer um equilíbrio entre a

oferta e a procura.

O Plano diminuiu os grandes estoques mundiais possibilitando que o preço da

borracha subisse a partir de 1924. O surpreendente crescimento do consumo

industrial, não passou de um jogo especulativo entre duas grandes potências

financeiras, uma detentora da hegemonia de produção e outra da hegemonia do

consumo, a Inglaterra e os Estados Unidos. Enquanto o jogo durou a produção

amazônica renasceu, trazendo para a região uma nova injeção de ânimo até 1926.

Nesse ínterim, com a valorização da borracha levas de migrantes nordestinos

foram trazidos para a Amazônia. O ministro da Agricultura, Dr. Miguel Calmont,

atendendo um pedido da ACA ordenou o fornecimento de passagens nos navios do

Lloyd Brasileiro, para aqueles que desejassem regressar para a extração da

borracha158.

O plano deixou de repercutir de forma favorável pela falta de apoio das

colônias holandesas e pelas manobras dos americanos, interessados em formar

novos seringais em áreas periféricas, como a Fordlandia, na Amazônia. A Grande

Depressão de 1929 ocasionou a queda dos preços que atingiram o insignificante

valor de 1$150 réis o quilo, em agosto e setembro de 1931159.

Em 1930, o preço irrisório valia menos que o valor do transporte para a

borracha de qualidade inferior:

“O que se produz hoje não dá para cobrir os gastos da produção, acontecendo

que, em alguns casos as despesas de transporte excedem ao preço por que está

sendo vendido o gênero, atualmente na praça de Manaus. Daí o fato de evitarem

157 Mensagem do Governador do Estado do Amazonas, Sr. Cesar do Rego Monteiro, 14 de julho de 1923. p. 22 - 23. 158 UCHÔA, Samuel. Dois anos de saneamento: 1923. op. cit., p. 8. 159 LOUREIRO, Antonio. Tempos de esperança. op. cit., p. 9.

Page 70: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

70

as embarcações carregar o sernambi e o caucho abandonados pelo interior,

porque o seu valor é inferior aos gastos do transporte”160.

Paralelo a isso, a partir da década de 1930 crescia em território nacional a

indústria de artefatos de borracha, nova fonte consumidora, que vinculava a

Amazônia ao Centro-Sul. Favorecendo no Amazonas, o aparecimento de uma

indústria de lavagem ou crepe e anexando pela primeira vez a região ao contexto

econômico brasileiro, a qual nunca estivera integrada161.

O aparecimento da borracha sintética colocou um ponto final na exportação

do produto amazônico, forçando os dirigentes políticos e as elites locais a buscarem

outras soluções para viabilizar economicamente o Estado.

Crise muitas vezes está associada à decadência. Como enfatizamos a crise

foi do principal produto de exportação da Amazônia, ou seja, da borracha que entrou

realmente em decadência, possibilitando a descentralização da economia, até então,

baseada na extração desse produto. Sendo a crise, portanto, profícua para a região,

pois obrigou a mesma a direcionar suas atividades para outros produtos. Os

extrativos continuavam liderando a lista e apareciam como sendo únicos fatores

econômicos da riqueza do Estado: a castanha, o guaraná, as madeiras, o cacau, o

pirarucu, a piaçaba, o óleo de copaíba e os couros de animais silvestre162.

O Interventor Federal, Alfredo Sá, na mensagem de 1925 afirmava que até o

referido ano, a agricultura permanecia em abandono no Amazonas, pouco ou quase

nada produzindo, mesmo para suas necessidades internas. Desprezando o

exemplo do Pará que em 1918 estava entre os dez maiores produtores do Brasil de

milho, feijão e arroz, como produtor de farinha de mandioca ocupava a quarta

posição163.

Em Manaus, a indústria permanecia quase em completa inércia, os

empresários particulares acreditavam que o exemplo caberia ao poder público e este

aos empresários particulares:

“O governo ainda não compreendeu que a vitória das grandes ideias ou dos

planos de caráter econômico e financeiro depende exclusivamente da iniciativa do

160 Jornal do comércio, Manaus, n 9.026, 25 de maio de 1930. 161 LOUREIRO, Antonio. Tempos de esperança. op. cit., p. 10. 162 REIS, Arthur C. Ferreira. O processo histórico da economia amazonense. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944. p. 93. 163 WEINSTEIN, Barbara. op. cit. p. 248.

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71

poder público que, dando o exemplo, abre caminho à introdução de outros

empreendimentos da caráter particular”164.

Algumas iniciativas foram consolidadas, como a instalação em 1912, no Plano

Inclinado, bairro industrial de Manaus, da Fábrica de Cerveja Amazonense de

propriedade da Firma Miranda Corrêa e Companhia, também proprietária da Fábrica

de Gelo. Em 1919, um jornal informa a inauguração de uma usina de pilar arroz165, a

indústria de Charque no Amazonas aparece em 1928166. A Fábrica Brasil-Hevea de

J. G. Araújo fundada há tempos na cidade iniciou apenas lavando a borracha, com o

tempo passou a produzir borracha crepe, saltos e válvulas e em 1930 principiou o

preparo de tapetes, passadeiras e chinelos a cores, empregando a borracha

vulcanizada167.

A borracha natural não desapareceu da lista de exportação completamente,

sua supressão foi acontecendo de forma gradual. Em relação ao comércio, em 1923

o setor parecia já está superando a crise: “vencendo grandes tropeços, o comércio

exulta com a melhoria que socorre e salva o Amazonas e trabalha ativamente. Já

me referi, antes das condições d’agora, à resistência assombrosa do comércio à

crise”168. O comércio em escala menor continuou abastecendo o interior como faz

até nos dias atuais.

O mundo do trabalho não afetado pela crise continuou caminhando. Em 1914,

o governo isentava de impostos estaduais uma fábrica de curtumes de couros e

outra, de beneficiamento de cereais que solicitavam instalação nesta capital169. O

mesmo aconteceu em 1918, quando os Srs. Menezes e Rocha fundaram uma

fábrica de brinquedos170. Um dos recursos utilizados com resultados positivos pelo

Estado para atrair novos investimentos foi a isenção de impostos:

“Vai de vento em popa a indústria de beneficiamento de óleos e essências vegetais,

criada recentemente aqui é indústria de grande futuro, se atendermos a reserva

formidável que possuímos de matéria-prima e ao consumo formidável, que hoje se

registra, dos produtos em questão. Chega-nos agora a notícia da inauguração, de uma

usina de beneficiamento de essências e de óleos, a segunda instalada pela Empresa

164 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.160, 8 de setembro de 1918. 165 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.403, 19 de maio de 1919. 166 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.335, 28 de fevereiro de 1928. 167 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.928, 1 de fevereiro de 1930. 168 UCHÔA, Samuel. op. cit. p. 10. 169 Leis, Decretos e Regulamentos, Tomo XVII, ano de 1914. 170 Leis, Decretos e Regulamentos, ano de 1918.

Page 72: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

72

Industrial e Agrícola Limitada, (...). (...) Ainda ontem o secretário geral do Estado,

recebendo a participação da inauguração do mencionado estabelecimento e o pedido

de isenção de impostos baseado nos termos do contrato firmado com o Estado, (...)”171.

Na tentativa de ajudar algumas fábricas em situação aflitiva, como as de

aguardente e bebidas alcoólicas, o representante do poder executivo estadual,

isentava as mesmas de alguns impostos, visto que, estas empresas concorriam para

os cofres públicos com grandes quantias oriundas de outros impostos, a que

estavam sujeitas. Como observamos a seguir:

“Decreto nº 1.100 de 7 de janeiro de 1915.

Isenta do imposto de consumo os produtos alcoólicos fabricados no Estado do

Amazonas e já existente no mercado.

(...)

Considerando que as indústrias de aguardente e bebidas alcoólicas no Estado, tem tido

vida efêmera por não as socorrerem os poderes públicos do Amazonas, onde o braço

operário é caríssimo; e mais,

Considerando que as que atualmente existem, lisongeiramente iniciadas, se encontram

em desesperada situação, asfixiadas quase pela crise econômico-financeira que nos

assoberba; finalmente,

Considerando que está iminente o desaparecimento delas (que concorrem para os

cofres públicos com grandes quantias provenientes de outros impostos a que estão

sujeitas) se a proteção do Estado não lhes vier em auxílio; e

(...)

Decreta:

Ficam isentas do imposto de consumo (...)”172.

No percurso da crise algumas medidas tardias foram expedidas pelo

governo estadual com o fim de incentivar a plantação racional de seringueiras. A lei

nº 832 de 9 de outubro de 1915 concedia: “(...) anualmente diversos prêmios a

pessoa ou empresa que plantar e organizar um seringal, ou um castanhal, ou um

cacaual, ou um coqueiral (...)”173. Para receber o prêmio em dinheiro, a lei exigia

“haver plantado, no mínimo, cinco mil pés de uma das espécies acima referidas”. A

iniciativa árdua deveria ser totalmente particular sem ajuda do poder público, talvez

por isso não se tenha notícia da conquista dos prêmios.

171 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.380, 19 de abril de 1928. 172 Revista da Associação Comercial do Amazonas, n 79, 10 de janeiro de 1915. 173 Leis, Decretos e Regulamentos do Estado do Amazonas. Tomo XVIII. 1915.

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73

Com o passar do tempo “Campos Experimentais”, local onde o governo do

Estado passou a realizar plantações de seringueiras, começaram a surgir ao longo

das estradas de penetração nos arredores de Manaus. Está iniciativa era na

realidade uma forma de realizar propaganda de um solo visto como promissor, onde

segundo as elites, a borracha florescia em qualidade superior a oriental. Uma vez

vingada a plantação passaria as mãos de particulares, “porque neste assunto o

interesse público deve limitar-se somente à propaganda, sem objetivos industriais

maiores”174. O outro centro de propaganda da cultura da hevea foi o Seringal Miry,

de propriedade da Associação Comercial do Amazonas. Tais iniciativas não

conseguiram prosperar, pois tanto, o poder público estadual quanto a ACA não

estavam dispostos a consolidar empreendimentos deste porte.

Outra lei decretada nesse período e sancionada pelo governador do Estado

Alcântara Bacellar foi a de nº 963 de 4 de setembro de 1918, proibindo a saída do

território nacional de sementes de hevea:

É expressamente proibida a exportação de sementes de hevea, em todas as suas

espécies botânicas e bem assim sementes ou mudas de vegetais de ouricury,

inajás, tucumã e todas as palmeiras da mesma natureza ou que se prestarem á

defumação da borracha, bem assim sementes de guaraná, sob pena de multa de

dez contos de réis (10.000$000), que será cobrada mediante ação executiva175.

Devido ao descaso do governo e a imensidão do território dificilmente essa lei, se

sancionada em tempos anteriores evitaria o envio clandestino de sementes de

hevea por Henry Wickman, em 1876. As sementes foram remetidas ao Jardim

Botânico de Kew, na Inglaterra, onde muitas brotaram nos viveiros, sendo

transportadas para o Ceilão e depois para outras colônias inglesas no Oriente.

Com a crise da borracha, as elites locais desenvolveram projetos políticos e

planos econômicos para valorizar e vender o produto, inclusive, procurando outros

centros comerciais. Como forma de externar as riquezas da Amazônia, a

propaganda através do cinema foi um meio de divulgação de seus interesses. O

chefe do poder executivo estadual propôs a “organização de um vantajoso serviço

que compreenda a exposição permanente dos produtos do Estado e indústrias

174 Mensagem do Governador do Estado do Amazonas, Sr. Ephigenio Ferreira de Salles, 14 de julho de 1928. p. 112. 175 Leis, Decretos e Regulamentos do Estado do Amazonas, 1918.

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anexas e sua propaganda no país e no estrangeiro, por todos os meios de sucesso,

inclusive a cinematografia...”176.

Silvino Santos e Agesilau de Araújo com o patrocínio da firma J. G. Araújo

documentaram em vários filmes as potencialidades dos produtos extrativos e as

possibilidades econômicas da região. No paiz das Amazonas, filme de 1922,

propunham a implantação racional da pecuária nos campos das ex-fazendas

nacionais do Rio Branco, localizadas nos dias de hoje em Roraima177.

Algumas revistas também foram lançadas com o intuito de realizar a

propaganda do Amazonas no Brasil e no estrangeiro. A Revista Redenção em sua

primeira fase (1924 - 1927) surgiu dessa iniciativa. Seu subtítulo era: Resenha

Mensal de Propaganda do Estado do Amazonas, complementando-se como: Revista

Política, Literária, Econômica, Social e Comercial. Seu primeiro número foi lançado

em novembro de 1924 e em suas páginas transitavam intelectuais como: Álvaro

Maia, Paulo Eleutherio, Péricles Moraes, João Leda, Joaquim Gondim, Aurélio

Pinheiro, Araújo Lima, Adriano Jorge, Leopoldo Peres, Cosme Ferreira Filho,

Raymundo Nonato Pinheiro, em sua maioria membros do Instituto Geográfico e

Histórico do Amazonas e da Academia Amazonense de Letras.

Redenção surgia também, como um dos instrumentos do discurso regionalista

desenvolvido e difundido pelas elites locais nesse período. No primeiro momento,

esse regionalismo assumia uma face romântica, onde o índio, o caboclo, a

abundância de recursos naturais existentes na grande floresta, assim como, o amor

do povo à sua terra eram exaltados e serviam para consolidar a construção de uma

identidade coletiva que enfatizava a igualdade entre as classes, destacando os seus

valores comuns e a tradicional relação de solidariedade existente entre as mesmas.

No segundo momento, o regionalismo expressava a sua face política, denunciando a

indiferença e o descaso do governo federal para com a região Norte do país: “A

união tem preconceito com o norte, e a ACA, que esse tempo todo propôs soluções

vem sendo ignorada pela União”178. A elite econômica local usava esse discurso

como forma de pressionar as autoridades estaduais, objetivando, principalmente,

barganhar e garantir benefícios financeiros, mas também, tentava com essa

176 Revista da Associação Comercial do Amazonas, n 118, março de 1919. In: COSTA, Selda Vale da. Eldorado das ilusões. op. cit., p. 116. 177 COSTA, Selda Vale da. Eldorado das ilusões. op. cit., p. 116 - 117. 178 Revista da Associação Comercial do Amazonas. Manaus, n 101, 10 de novembro de 1916.

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75

iniciativa, mascarar as divergências existentes entre esse segmento social e seus

trabalhadores, redimensionado, portanto, suas insatisfações179.

Neste contexto, Redenção tornava-se, portanto, instrumento de divulgação

das ideias de reorganização econômica e valorização regional, além de fomentadora

de debates no campo político, econômico e literário. Inicialmente seu objetivo era

exaltar a Amazônia, usando para isso vários artifícios, entre eles o uso de imagens

que procuravam chamar a atenção para a beleza regional através de seus aspectos

físicos, naturais e humanos. Seguindo firmemente o propósito de fazer propaganda,

em suas folhas apareciam, também, os principais pontos turísticos de Manaus como

o Palácio Rio Negro, a Alfândega, o Teatro Amazonas, o Palácio da justiça, e etc.

Juntamente com as forças políticas locais que tentavam perante o governo

federal viabilizar economicamente uma saída para a crise, nas páginas dessa revista

surge o elemento intelectual com temáticas regionais, apresentando que, embora

um futuro promissor fosse incerto e distante, poderia ser alcançado pela exploração

das riquezas, reservas naturais e potencialidades de recursos aqui existentes. Trata-

se de um discurso-proposta para reabilitar o Amazonas, beneficiando não só a elite

local, da qual faziam parte, mas segundo eles toda a “coletividade”.

Sua produção discursiva foi dominada pelo passado áureo da borracha e pela

inevitável decadência do presente. Em um desses discursos, Paulo Eleutherio

enfatizava as possibilidades agrícolas e extrativas das terras amazônicas,

principalmente, o plantio do algodão, a cultura e exploração racional da seringueira e

o aproveitamento regular das exuberantes florestas180. Na mesma crônica, o autor

insiste que venha do Sul um auxílio, igual aquele dos pais que socorrem os filhos

gastadores, ou que acolhe sob o teto de sua casa aqueles que um dia partiram para

o grande mundo:

“Dê-nos o Governo Federal trabalho e custeie esses serviços com assiduidade e

interesse, mobilize os seus capitais – para os quais tanto contribuíram nossas

rendas – e assim teremos em breve um aspecto novo na nossa terra e na nossa

gente, ainda capazes de surpreendentes conquistas nos diversos ramos da

atividade humana”181.

179 AVELINO, Alexandre Nogueira. op. cit., p. 118. 180 ELEUTHERIO, Paulo. Ouro branco, ouro negro e ouro verde. In: Revista Redenção, n 2, dezembro de 1924, p. 5. 181 Idem.

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76

As pessoas que ilustravam suas páginas pertenciam às elites locais e eram

ligadas às atividades políticas e econômicas da cidade. Eram eles, os mais

interessados em reviver os tempos de fausto. A revista noticiava sobre a cidade de

Manaus, o que mais interessava a esses segmentos sociais, seu teor de civilidade,

apresentava-se bela e atraente aos investidores, embora os discursos fossem

contraditórios, passando a ideia de uma crise econômico-financeira sem solução

imediata.

Citamos anteriormente que a ideologia contida nos discursos da imprensa

elaborados e difundidos pelos intelectuais pretendia mascarar a realidade, pois entre

as suas funções está segundo Marilena Chauí (2007), o ocultamento ou a

dissimulação do real. Sendo assim, os discursos camuflavam a intencionalidade das

elites de recuperar as vantagens econômicas de outrora. Afirmavam que agiam em

nome da coletividade, mas por ela, pouco faziam. Para corroborar está afirmação

vejamos o que Agnello Bittencourt relata sobre um livro denominado: Geographia

Commercial escrito por Lindolpho Xavier em 1922.

No citado livro seu autor aborda um pouco sobre a realidade amazônica,

incluindo a extração da borracha, especificamente, comenta:

“(...) Na região Amazônica o que dificulta é o intricado da mata virgem, o

isolamento, a falta de recursos. O SERINGUEIRO É UM ENTE PROSCRITO DO

MUNDO, QUANDO AFUNDA NO AMAZONAS, MORREU PARA A SOCIEDADE.

O impaludismo o empolga desde logo e ele fica marcado para sempre. Os insetos

o atordeam. As serpentes e as feras o espreitam. Entre os animais que o cercam,

o mais inofensivo é o índio selvagem. (...)”182.

Bittencourt denomina o livro de mentiroso e continua a sua análise condenando o

autor: “(...) para o autor das linhas transcritas, o Amazonas não é somente o inferno

verde simbolizado e descrito pelo sr. Alberto Rangel. É pior ainda. Penetrar esta

terra, na qualidade de extrator, equivale a transpor a porta inferi, da soturna e

apavorante região bíblica, pois “o seringueiro é um ente proscrito do mundo”. (...)

Não vale a pena contestar esta e as precedentes protervias, porquanto está ainda

vivo na memória de todos assinalado nas estatísticas, o formidável movimento de

passageiros entre o porto de Manaus e os do Nordeste. No fim de cada safra os

navios abarrotados de indivíduos endinheirados, de regresso aos lares, onde iam

182 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.707, 15 de janeiro de 1923.

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77

passar o inverno, gozar os proventos do trabalho e de novo, retornar ao

Amazonas”183.

Xavier continua sua abordagem: “(...) Os objetos custam ali (nos seringais) VINTE E TRINTA VEZES MAIS do que

nos outros lugares. Os aviados são cativos para toda vida. No fim do ano

entregam o que fizeram e estão em dívidas crescentes. MORREM SEM PODER

VOLTAR. Mas é desta gente que se está povoando a Amazônia. É principalmente

o homem do nordeste acossado pela seca. Fogem de um flagelo e caem no outro.

(...)

A Amazônia nada cultiva. Extrai a borracha, o cacau, o cumaru, o açaí, a

castanha, a sapucaia, a baunilha; (...)”184.

Já viram os leitores maior soma de despautérios em tão pequena quantidade de

linhas? Pergunta Bittencourt acusando o autor de proferir através de seu livro

“inverdades caluniosas” sobre o Amazonas.

O que levaria um professor altamente respeitado em sua região a querer

encobrir determinadas verdades sobre as condições de vida do seringueiro e as

relações sociais de trabalho no interior da floresta? Ele compunha o quadro das

elites locais e assim como outros intelectuais estava interessado na manutenção dos

privilégios desses segmentos sociais, do qual fazia parte. O discurso em prol da

coletividade era um engodo. As opiniões ideológicas que professavam seriam, no

essencial, apenas o produto de uma estratégia para recuperar os benefícios e os

privilégios econômicos proporcionados pelo apogeu de uma época que só eles

usufruíram e que paulatinamente a crise soterrava.

Muitas vezes, a imprensa do Sul emitiu a sua opinião sobre a crise da

borracha. Em vários desses momentos, as críticas não poupavam adjetivos aos

comerciantes de Manaus e ao governo local, denominando-os de “nababos

mendicantes, perdulários, imprevidentes, inaptos, esbanjadores, inconscientes e

desonestos”185, e culpando-os explicitamente pelo momento de instabilidade

econômica que atravessava o Estado. Esse comportamento aguçava ainda mais a

disputa política travada entre os representantes do café e da borracha pelos

recursos e proteção da União. Tal postura era objeto de queixas da imprensa local:

183 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.707, 15 de janeiro de 1923. 184 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.707, 15 de janeiro de 1923. Grifo meu. 185 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.450, 4 dezembro de 1913.

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78

“Na realidade, o procedimento da maioria da imprensa carioca, teve todos os risos de

desumanidade, quando em fins de setembro, por alguns dias, se ocupou da crise

amazônica; pois, quando um enfermo carece dos auxílios médicos, não é justo

recriminá-lo pelos erros cometidos, que lhe originaram a doença, em vez de aplicarem

os remédios necessários, a fim de proporcionar-lhe o seu restabelecimento”186.

Ao comentar uma reportagem da imprensa do Sul, o representante dos

grandes comerciantes locais, Armindo R. da Fonseca, em sua coluna intitulada Ouro

Negro, expressava o comportamento de São Paulo perante as sucessivas crises

vivenciadas pelo café, que ao contrário do que ocorria no Amazonas, diversificava

seus investimentos mesmo contando com a proteção e ajuda do governo federal: “O Estado de São Paulo, atingido pela crise, em vez de desanimar, tem tratado de

multiplicar os seus meios de defesa, elevando ao triplo o capital do Banco Hipotecário e

Agrícola, cria novos armazéns gerais, alargando os créditos aos produtores, a fim, de

dar aos produtos e ao comércio os meios de não se deixarem dominar pelas manobras

dos compradores, e poderem lutar eles de potência em potência.

Continua a mesma folha dizendo que a atividade do povoamento do solo, a

multiplicação da mão de obra agrícola, o aperfeiçoamento dos métodos de cultura e a

diversidade de produtos da terra, continua a exercer-se, durante a crise, como era

exercida nas horas da mais invejável prosperidade; e que neste exemplo que deviam-

se inspirar os homens de Estado, que têm a pesada responsabilidade da situação

econômica do país”187.

Segundo o autor da coluna Ouro Negro, o mesmo não podia ser feito no

Amazonas e na tentativa de corroborar a sua defesa, ilustrava a gradual

desvalorização dos seringais amazônicos:

“De tudo que em São Paulo se está fazendo, nada se pode fazer aqui, embora as leis

sejam as mesmas. Em São Paulo, as propriedades têm valor, maior ou menor, e há

quem sobre elas faça transações. Aqui, falando-se em – seringais – atualmente, todos se riem, porque estão totalmente desvalorizados. Há os penhores agrícolas,

mas não há quem os aceite. Estão decretados os armazéns gerais, porém ainda não

existe nenhum, e se existisse, sucederia o mesmo que aos penhores agrícolas e aos

seringais. Em S. Paulo, o solo não é mais rico do que no Amazonas. O que ele tem

tido, é mais proteção e felicidade de ser atendido em todos os seus pedidos, vantagem

que sempre gozou”188.

186 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.490, 13 de janeiro de 1914. 187 Idem. 188 Idem.

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79

Em um dos embates travados, a imprensa do Sul, consciente da situação real

que envolvia o sistema de aviamento, acusou as casas aviadoras de dominadoras e

exploradoras dos seringueiros189, despertando a ira da imprensa local, que logo saiu

em defesa desses empreendimentos comerciais: “(...) Convêm que se saiba no sul do país, onde o comércio faz as suas operações

cercado de todas as garantias, que os seringueiros na Amazônia, em geral, não

dispõem de capital e negociam com o crédito, que lhes dão as casas aviadoras.

Estas aviam os seringueiros aos cinquenta, cem, duzentos, quinhentos, e mesmo

mil contos de réis, sem que estes tenham um real para garantir créditos tão

elevados. Se são felizes, dentro de alguns anos fazem fortunas, à custa do crédito que obtiveram das casas aviadoras. Quando assim acontece, obtêm o

seu capital e quase sempre o seu sonho dourado é abrir uma casa comercial

aviadora na capital, julgando que dobrarão de fortuna com os lucros colossais

que deixam os negócios de aviamentos. Raro é o que escapa. A falências, com

pequenas exceções, lhes bate às portas.

Se, pelo contrário, são infelizes não pagam os aviamentos, que lhes foram feitos e

as casas aviadoras, vítimas das suas facilidades, são subjugadas pelas falências

(...)190.

“(...) Não acusem, pois, as casas aviadoras, já de si tão sacrificadas com tão

tormentosa crise. Elas procuram solucionar a crise da melhor forma e para o bem de

todos”191 apelava o editor mascarando, dessa forma a realidade das relações de

poder existentes nos seringais. Esses lucros colossais foram originários da

exploração, a que foram submetidos os seringueiros, que em suas longas jornada de

trabalho proporcionaram às casas aviadoras e não o contrário.

Internamente, as vozes dissonantes daqueles, que ousavam criticar as elites

locais pela sua falta de iniciativa e reação à crise, vociferavam, principalmente contra

a não modernização dos métodos de produção empregados nos seringais,

destacavam a urgência do plantio racional de seringueiras e reclamavam do tempo,

que esses segmentos sociais ficaram a espera de soluções para a instabilidade

econômica, na qual estavam envolvidos desde 1913, limitando-se: “a esperar... dez,

onze, doze anos, que o preço da borracha subisse, como afinal subiu a partir de

1924"192:

189 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.998, 26 de março de 1918. 190 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.998, 26 de março de 1918. Grifo meu. 191 Jornal do Comércio, Manaus, 26 de março de 1918. 192 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.350, 15 de março de 1928.

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80

“(...) Por um espaço de dez anos veio o comércio da borracha amazônica sofrendo a

inclemência de semelhante situação. Mas, ao invés de aparelhar-se convenientemente,

ao invés de modernizar os seus métodos de produção, de maneira a aumentar, nos

seringais, o rendimento, per capita, de seus trabalhadores, já realizando sua

independência alimentar, facilmente obtenível em terras que quase tudo produzem, já

praticando a medida, ainda hoje indispensável do plantio em grande escala, capaz, por

si só, decuplicar a produção com o mesmo elemento racial e numérico, já preparando

racionalmente o látex, de forma a evitar a lavagem pré-manufatura, ao invés de tudo

isto, de onde resultaria, inevitavelmente, o barateamento da produção e suas

consequentes possibilidades de lucro a qualquer tempo, manteve-se a indústria da

borracha (se é licito chamar indústria a simples colheita e subsequente endurecimento,

por métodos primitivissimos, do precioso sangue vegetal das seringueiras) no uso de

seus lamentáveis processos iniciais, aparecendo ainda hoje, em todos os mercados

como um produto silvestre, inçado de vícios e prejuízos, que fábricas têm a corrigir

antes de seu aproveitamento industrial. (...)”193.

Diante de um sebastianismo inconfessável das elites locais que ainda

acreditavam em uma melhor cotação do preço da borracha, os críticos locais

insistiam:

“(...) tenhamos a coragem de reagir construindo, semeando como os outros as

sementes da árvore bendita e, como os outros, realizando a indústria regular da

borracha, que colocará o produto amazonense, a mercê de várias circunstâncias

particulares em condições de superar o estrangeiro em preço mínimo e qualidade, os

dois atributos essenciais e inseparáveis para sua definitiva hegemonia”194.

Para parte deles, mesma com a produção asiática subindo ano a ano, a saída viável

ainda seria o investimento no plantio racional de seringueiras. A borracha por muitos

anos permanecia sendo vista como a grande riqueza da Amazônia, somente o

aparecimento da borracha sintética vai definitivamente, soterrar, as ilusões e os

sonhos que ainda perduravam no imaginário das elites locais.

Alguns governadores do Estado, já sem esperança em 1928, manifestavam

pelo menos teoricamente, uma certa preocupação com os novos rumos do trabalho

no Amazonas: “(...) nestas terras é preciso plantar; quando, afinal nos convencermos

que não mais devemos viver apenas do que a natureza nos oferece (...)”195. Na

prática onde era fundamental mão-de-obra, trabalho e investimentos, o que se viu,

193 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.350, 15 de março de 1928. 194 Idem. 195 Mensagem do Governador do Estado do Amazonas, Sr. Ephigenio Ferreira de Salles, 14 de julho de 1928.

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81

difere do proposto. A castanha, o cacau, o guaraná, a madeira, enfim, os extrativos

ainda figuravam com os principais produtos da economia do Estado.

Apesar dos incontáveis apelos ao governo federal, o auxílio esperado não foi

concretizado. Isso nos faz rever alguns itens relevantes. Como alguns autores têm

demonstrado a inteligibilidade da sociedade subdesenvolvida latino-americana, só

se torna possível quando considerada como parte integrante da expansão capitalista

da Europa Ocidental, a partir do século XVI. No Brasil, o desenvolvimento do

sistema capitalista possibilitou a implantação e o declínio de uma economia de

exportação, centralizada inicialmente no Nordeste e depois, em Minas Gerais e

Centro-Sul (cana-de-açúcar, ouro e café). As regiões que não participaram

ativamente desse processo ficaram marginalizadas, suas relações com os núcleos

modernos ou capitalistas não foram de oposição, mas de complementaridade196.

As regiões do Brasil voltadas para o comércio exterior estavam assentadas

na propriedade da terra e suas oligarquias rurais, dada a sua importância

desenvolveram um certo poder sobre o governo central. O que não foi possível na

Amazônia, desde os tempos coloniais sua economia foi baseada no extrativismo, o

que impossibilitou a formação de uma elite poderosa197.

Os discursos conjunturamente de crise que emanam das documentações

citadas retratam as elites locais – fração que é da classe dominante nacional – como

marginalizada. A crise do seu principal produto de exportação ocasionou a lenta

perda de seu poder político, que na realidade só complementava e obedecia a um

poder maior. Enquanto isso, a fração cafeeira rotulada nos discursos de províncias

do Sul, devido a força econômica e política de suas elites conseguem alguns

privilégios retardando, dessa forma a queda do café.

Subserviente e incapaz de grandes embates com a classe dominante

nacional composta de grandes latifundiários e de uma burguesia industrial

emergente passaram a frequentar as ante-salas do poder, pedindo, solicitando,

sempre embalados nas asas da quimera, a espera de providências que nunca

passaram de paliativas. Internamente, pouco, fizeram para debelar a crise, na qual

196 FAUSTO, Boris. A revolução de 1930: historiografia e história. 16 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 116-117. 197 NOGUEIRA, Ricardo José Batista. Amazônia e questão regional: um regionalismo sufocado. In: GEOUSP: Espaço e Tempo. São Paulo: Revista publicada pelo departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1999. p. 72.

Page 82: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

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estavam imersos. Acostumadas com lucros grandes e rápidos oriundos do sistema

de aviamento realizaram investimentos superficiais, acreditando que essa iniciativa

deveria partir do poder público estadual e este da iniciativa privada. A mentalidade

extrativa predominante desde a inserção da Amazônia na economia de mercado,

onde era mais fácil extrair do que investir, cultivar e produzir contribuiu para essa

postura.

Para Marilena Chauí, o discurso ideológico pretende anulando as diferenças,

engendrar uma lógica de identificação que unifica pensamento, linguagem e

realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os sujeitos com

uma imagem particular universalizada, isto é, a imagem da classe dominante198. Os

discursos apelativos proferidos e escritos pelos intelectuais eram fomentados em

nome da coletividade, buscavam resgatar uma identidade coletiva invocando para

isso, um inimigo comum, no caso específico a crise, porém como a grande parte da

população pouco usufruiu do apogeu da economia gumífera, as elites não

conseguiram sua adesão para juntos somar forças perante a União. A Amazônia

viveu um bom período de ostracismo voltando a ser lembrada pelo Brasil, somente a

partir da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), quando novamente a produção

asiática foi interrompida.

198 CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. op. cit., p. 15.

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Capítulo 2

Mundos do trabalho e a crise

2.1 – Mundos do Trabalho em Crise

2.1.1 – Os caixeiros

Nas duas primeiras décadas do século XX alguns grupos de trabalhadores

pobres do Brasil influenciados por diversas ideologias iniciaram um processo lento

de organização operária. A partir dessa iniciativa surgiram sociedades de benefícios

mútuos, “partidos de trabalhadores”, associações dos operários católicos, grupos

socialistas e anarquistas, e sindicatos. Todos de uma forma geral tinham como

prioridade unir os trabalhadores e defender seus interesses199.

Manaus não ficou imune a esse novo momento histórico. Associações

beneficentes e mutualistas aparecem com certa frequência nos jornais: Sociedade

Italiana de Mútuo Socorro (1900); Sociedade Beneficente União dos Foguistas

(1906); Corporação dos Maquinistas do Amazonas (1906); Associação dos

Empregados no Comércio do Amazonas (1906); Sociedade Beneficente dos

Práticos no Amazonas (1906); Associação Beneficente dos Oficiais Aduaneiros de

Manaus (1908). Com o tempo, novas agremiações sindicais passaram a configurar o

universo do trabalho urbano buscando, pelo menos no nome, um afastamento com

as sociedades consideradas mutualistas: Sindicato dos Estivadores (1914);

Federação Marítima (1914); Sociedade das Artes Gráficas do Amazonas (1913);

Sindicato dos Trabalhadores Gráficos (1914); Comitê Obreiros Unidos (1914); União

Operária Nacional (1917); União dos Foguistas (1914), União dos choferes,

Carroceiros e Bolieiros (1914)200.

Pesquisas recentes realizadas pela nova historiografia regional apontam para

duas correntes ideológicas predominantes em diferentes níveis no movimento

199 HAHNER, June E. Pobreza e política: os pobres urbanos no Brasil (1870- 1920). trad. Cecy Ramires Maduro. Brasília: Edunb, 1993. p. 239. 200 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros: trabalho e conflito no porto de Manaus (1899 - 1925). 2 ed. Manaus: Edua, 2003. p. 142 - 143.

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operário organizado em Manaus: a dos socialistas reformistas e a dos

anarquistas201. A primeira considerada predominante no interior do movimento

operário amazonense pregava o advento de uma sociedade melhor. Para isso era

necessário lutar contra os capitalistas, o que só seria possível mediante a junção de

forças entre os trabalhadores. A estratégia a ser seguida era nitidamente centrada

na reforma social, e não na revolução violenta. As reformas sociais almejadas só

poderiam ser concretizadas através de leis, sendo fundamental a inserção político-

partidária do operariado no regime republicano. Na concretização desse projeto

defendiam a participação e o diálogo com outros segmentos sociais e em grande

medida, a colaboração entre as classes202.

Conforme o programa defendido pelos socialistas reformistas, o trabalhador

deveria se organizar via partido político e por isso precisava não só se unir em

associações de artes, profissões e resistência, como também deveria combater o

álcool e à ociosidade. O trabalhador ideal seria aquele elemento moralmente digno e

voltado para o trabalho, o que consequentemente lhe daria legitimidade para a

participação política. Nas lutas eleitorais, o projeto pregava uma ação permanente

de qualificação eleitoral, com o direito de voto para todos os cidadãos a partir de 18

anos, inclusive para as mulheres. Em relação ao Estado, reivindicava a elaboração

de uma legislação em defesa do trabalho. Quanto ao patronato defendia a existência

de mecanismos de pressão como a greve para se conseguir a limitação das horas

de trabalho, os aumentos salariais e a conquista de direitos sociais. A educação da

classe trabalhadora era considerada como elemento fundamental para a sua

ascensão social203.

O anarquismo, corrente ideológica de menor abrangência, entre os

trabalhadores locais defendia mudanças fundamentais na estrutura da sociedade.

Seus seguidores rejeitavam a luta política e a autoridade do Estado que através da

ação econômica direta e disputa ideológica - não disputa política - seria substituída

por alguma forma de associação e cooperação entre indivíduos livres. Os sindicatos

eram responsáveis pela organização e resistência dos trabalhadores. Por se

201 COSTA, Francisca Deusa Sena da. op. cit., p. 175 - 202; TELES, Luciano Everton Costa. A vida operária em Manaus: imprensa e mundos do trabalho (1920). Dissertação de Mestrado em História. Manaus: UFAM, 2008. p. 139 - 147. 202 GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. 2 ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. p. 51 - 53. 203 Idem.

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85

recusarem a cumprir função de serviço social, os anarquistas se opunham às

associações de auxílios mútuos acusadas de criar falsas expectativas entre os

trabalhadores. Na luta contra o capital pregavam a “ação direta” que incluía greves,

boicotes, sabotagens e manifestação públicas. Para o alcance de uma sociedade

libertária, a liberdade absoluta, toda a liberdade, o caminho a ser trilhado pela classe

trabalhadora seria a educação204.

A exposição sucinta acima se fez necessária devido à influência dessas

vertentes ideológicas nas ações políticas de organização e mobilização, resistência

e luta de algumas categorias de trabalhadores urbanos no decorrer da crise

econômica. Não estamos afirmando que tais vertentes comandavam as ações dos

trabalhadores na cidade, porque mesmo filiados às associações ou sindicatos esses

segmentos sociais mantinham certa autonomia na condução de seus atos. Como

sujeitos históricos, os trabalhadores participaram de forma ativa do processo por

eles vivenciado. No período estudado, Manaus passou por momentos de

efervescência social onde os trabalhadores expressaram o seu inconformismo e

suas reivindicações através de greves e manifestações coletivas de protesto.

O fazer-se dos sujeitos históricos em sua prática social será recuperado

seguindo o conceito de classe defendido por Edward Thompson. O historiador inglês

num diálogo constante com as fontes, realizando as possíveis leituras de outras

experiências, de outras realidades afirmava que “a classe acontece quando alguns

homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem

e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos

interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus (...)”205. A classe, afirmava,

não surgiu como o sol em uma determinada hora “estava presente ao seu próprio

fazer-se”206, é no processo de luta que se forja a identidade social da classe

trabalhadora.

Ao elaborar um fazer-se histórico diferente do praticado nas universidades

britânicas, propunha resgatar as “experiências” vividas dos trabalhadores, não

considerando somente o aspecto econômico como pregava a teoria marxista, mas

204 HAHNER, June E. op. cit., p. 249 - 250. 205 THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. In: FENELON, Déa Ribeiro. E. P. Thompson. História e política. Projeto História, nº 12, out. 1985, p. 81. 206 “A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é sua única definição”. In: THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. v. 1, p. 9 - 12.

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também, a cultura, na qual estavam envolvidos: “visto que a classe é uma formação

tanto cultural como econômica”. Pretendia, dessa forma, valorizar a luta diária do

trabalhador, seu modo de vida, hábitos, valores, formas de vestir e morar, de cantar,

de festejar, de transmitir suas tradições orais, de resistir às possíveis transformações

do seu cotidiano propondo consequentemente, uma nova maneira de ver a luta de

classes em seu processo histórico207. Assim, pretendemos analisar dentro de nossas

limitações o universo do trabalho em Manaus não só enfatizando a tradicional

relação entre patrão e empregado, capital e trabalho, mas também valorizando as

experiências vividas dos trabalhadores, seja no ambiente do trabalho ou em outra

espacialidade. Resgatando as estratégias de sobrevivências de atores sociais

citadinos que tentavam sobreviver à crise.

Para sabermos com quem a classe trabalhadora interagia de forma direta

realizando embates muitas vezes tensos e conflituosos se faz necessário elencar o

patronato de Manaus no período estudado. Alexandre Nogueira Avelino (2008) em

um estudo recente aponta que esse patronato era composto basicamente de

comerciantes, em sua grande maioria de origem portuguesa (importavam gêneros

de primeira necessidade como alimentos e até vestuários, exportando borracha,

castanha e outros produtos regionais); de donos de seringais (alguns oriundos deste

comércio ou da atividade de aviamento); aviadores que forneciam mercadorias

necessárias para o trabalho e a sobrevivência do seringueiro nos seringais; e em

menor número de donos de embarcações, pequenos comerciantes, industriais e

políticos208.

Ainda no encalço do mesmo autor citamos por peso econômico e prestígio

político, os patrões que comandavam a atividade produtiva no Amazonas. Para isso

tomamos a liberdade de alterar a ordem seguida pelo referido historiador. De acordo

com o critério estabelecido, as empresas concessionárias de serviços públicos em

conjunto com os representantes das empresas alemães, francesas e inglesas que

dominavam o comércio exportador de borracha (Desendschon, Zarges e Cia.,

Scholz e Cia., Albert H. Alden, Gordon e Cia., Delagotellerie e Cia.) ocupavam o

207 FENELON, Déa Ribeiro. E. P. Thompson. História e política. Projeto História, nº 12, out. 1985, p. 86. 208 AVELINO, Alexandre Nogueira. op. cit., p. 39.

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primeiro lugar, seguidas pelos comerciantes portugueses que lideravam o comércio

interno de aviamento e recebimento de borracha e depois, os donos de seringais209.

Como a cidade era movimentada pelo comércio foi esse o setor mais afetado

pela crise. No comércio trabalhava uma das maiores categorias de trabalhadores

urbanos existente na cidade, os caixeiros ou comerciários. Francisca Deusa Sena da

Costa (1997) afirma que esta categoria englobava desde o guarda-livros, um

instruído caixeiro encarregado da escrituração dos livros mercantis, chefiava a

tesouraria e a contabilidade, até os pequenos e explorados aprendizes.

Diferenciavam-se de outras categorias urbanas por serem em sua maioria

alfabetizados ou minimamente iniciados nas letras”210. Em sua grande parte eram

descendentes de portugueses e em número reduzido de judeus211.

Os caixeiros fundaram em 11 de novembro de 1906, a Associação dos

Empregados no Comércio do Amazonas (AECA)212, uma agremiação mutualista, a

exemplo do que ocorria a nível nacional. Com o passar do tempo a AECA tornou-se

o órgão representativo da prática política desse segmento social.

Essas associações eram organizadas por algumas categorias de

trabalhadores urbanos, que não gozavam de nenhuma proteção, no quadro da

sociedade oligárquica vigente na Primeira República. A consequente exclusão

política e social contribuiu de forma incisiva para que os trabalhadores elaborassem

algumas respostas para combater tal situação, uma delas foi a associação213.

A associação era considerada um instrumento capaz de produzir “união” e

“coesão”, elementos fundamentais ao processo de luta operária. Em seu interior

ocorriam debates referentes às questões de trabalho, a vida da classe trabalhadora

209 AVELINO, op. cit. p. 40 - 41. 210 COSTA, Francisca Deusa Sena da. op. cit. p. 193 - 196. 211 Nas listas de sócios encontradas nos relatórios da Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas são frequentes nomes de origem lusitana como: Antônio, Francisco, João, Joaquim, José, Luiz, Manoel e Raimundo, e em escala menor de origem judáica: Abraãm, Ezequiel, Isaac, Isaias, Jacob, entre outros. 212 Os relatórios da Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas encontrados no IGHA nos indicam sua tendência mutualista prestando assistência médica e com o tempo, jurídica a seus associados, assistência a acidentados, auxílio falecimento, entre outros. O relatório de 1928 prever desconto de 25% nas diárias para os sócios que se internarem na Santa Casa de Misericórdia e Sociedade Portuguesa Beneficente e abatimento de 10% em 3 drogarias da cidade. Ficava situada à Rua Barroso nº 28. 213 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Política e trabalho no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 93 - 96.

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e suas demandas. Para Cláudio Batalha214 o mundo associativo era em parte uma

resposta produzida pelos trabalhadores frente a um sistema político que os excluía e

os colocava à margem da sociedade.

As ações dos trabalhadores do comércio eram pautadas por caminhos

diferentes daqueles defendidos pelos socialistas reformistas e anarquistas. No

primeiro número do periódico, Tribuna do Caixeiro, no qual eram ligados,

conclamavam: “somos, porém, avessos às digladiações de partidos políticos; a

nossa missão é grande demais para consentirmos a dispersão das nossas energias

em lutas estéreis215”. Defendiam uma postura moderada com ênfase no diálogo para

resolver os conflitos existentes com o patronato e o poder público.

A relação paternalista vigorava no âmbito do trabalho dos comerciários. Costa

argumenta que:

“(...) Numa jornada de 15/16 horas diárias, que se iniciava às 6 horas da manhã e

estendia-se até as 21/22 horas, os caixeiros estavam presos por laços de dominação

presentes nas relações de dependência pessoal que extrapolavam a esfera do trabalho

e refletiam diretamente na relação com seu empregador paternalista. Muitos deles

eram tutelados, o que significava estar sob laços de extrema dependência do patrão;

outros tantos moravam nos porões ou em anexos da casa comercial. Para estes a

jornada de trabalho se estendia para além das 16 horas. Morar com o patrão significava

estar disponível 24 horas por dia, (...). Existiam ainda aqueles que tinham o patrão

como avalista em aluguéis. As relações de parentesco também inibiam uma relação

formal de trabalho, além da nacionalidade pois, estar sob “proteção” de um comerciante

conterrâneo fazia-os sentir-se avalizados e identificáveis na massa urbana, tendo em

vista as constantes investidas policiais sobre estrangeiros na cidade”216.

Na Amazônia o patronato usava a máscara do paternalismo, ou seja, o patrão

era visto como o pai que proporcionava trabalho, proteção e integração social. Por

isso muitos empregados submetiam-se sem reclamar ao controle total de sua vida

profissional e privada, obedecer todas as determinações patronais para demonstrar

fidelidade e assim permanecer no emprego e sob a proteção pessoal do patrão era

um dos requisitos essenciais nesta relação. Por trás do pai protetor e amigo estava a

intenção patronal de melhor controlar as queixas de seus trabalhadores, de inibir

suas reivindicações e de conhecer suas estratégias de luta para melhor reagir contra 214 BATALHA, Cláudio. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). op. cit., p. 180. 215 Tribuna do caixeiro, Manaus, n 01, 21 de abril de 1908. 216 COSTA, Francisca Deusa Sena da. op. cit., p. 200.

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eles. A harmonia fictícia reproduzida por essa relação escondia na realidade laços

de dominação e exploração que estavam subjacentes no interior de muitas casas

comerciais.

Como símbolo de proteção e distribuição dos rendimentos, o patrão tornava-

se instrumento por excelência da integração social, tornando possível o consenso

referente ao sentido do mundo social. Dessa forma contribuía para a reprodução da

ordem social perante aqueles atores sociais que mais a contestavam, ou seja, os

trabalhadores217.

Dentre as categorias de trabalhadores urbanos, os caixeiros eram os mais

desejosos a subir a escala social. O pequeno auxiliar aspirava ser caixeiro e este por

sua vez, um futuro comerciante218. Para a brasilianista June E. Harner:

“ao contrário de muitos outros trabalhadores, (... ) eles não viam a si mesmos como

empregados pobres e subalternos para sempre, pois eram “futuros comerciantes

honrados”. (...) Os donos das lojas encorajavam seus empregados a acreditar que

eram todos “comerciários” e que “comerciantes e balconistas tinham diferença

apenas de grau (...)”219.

Por isso, “preferiam não fazer distinções muito radicais entre si e seus patrões, aos

quais aspiravam igualar-se”220. A crença na mobilidade social era reforçada pela

carreira de sucesso de Irineu Evangelista de Sousa, barão de Mauá221, inicialmente

um “humilde caixeiro (...) que chegou às posições mais elevadas no alto comércio222.

Com apenas nove anos de idade, o futuro barão começou a trabalhar em uma

grande loja no Rio de Janeiro, numa época em que “quase um terço dos caixeiros

contratados pelos comerciantes tinha menos de catorze anos de idade”223.

Desempenhou a função de pequeno caixeiro, arrumava mercadorias nas prateleiras,

varria o chão, fazia pequenos serviços e:

“Como a maior parte dos caixeiros, passou a morar na loja; de noite dormia no meio

das mercadorias, de dia usava o balcão como mesa de refeições. Essa fusão de casa e

217 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, s/d., p.10. 218 COSTA, Francisca Deusa da. op. cit., p.196. 219 HAHNER, June E. op. cit., p. 104 - 105. 220 Idem, p. 105. 221 O barão de Mauá como ficou conhecido começou a trabalhar em uma grande loja no Rio de Janeiro, sede dos negócios do português João Rodrigues Pereira de Almeida que era ao mesmo tempo, comerciante, banqueiro, industrial, armador – além de cortesão e manipulador político. In: CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 70. 222 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.232, 30 de outubro de 1927. 223 CALDEIRA, Jorge. Op. cit., p. 61.

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local de trabalho era tão comum que estava prevista inclusive nas leis, como a de 30 de

agosto de 1770, que regulamentava a moradia no emprego como parte dos ganhos dos

caixeiros: “Devem ser, além disto, providos de casa, cama e mesa pelo negociante que

servirem, como entre eles é costume geral”224.

Com o tempo, Irineu passou a trabalhar como caixeiro de balcão, atendendo

os clientes de passagem pela loja, habilitou-se com isso a desempenhar a função de

caixeiro de fora, levava títulos para cobrança, ia à Alfândega tratar dos serviços

burocráticos como o despacho e recepção de mercadorias. As barreiras e intrigas

advindas da profissão eram respondidas com trabalho e estudos. A vaga de caixeiro

de escritório era o próximo objetivo a ser alcançado. Para isso se fazia

imprescindível um ritual de preparação, o primeiro passo incluía certos

conhecimentos como o estudo de contabilidade, saber fazer cálculo de juros, ter

noções de títulos e garantias creditícias, e até ler e escrever em língua estrangeira,

se a empresa negociasse no mercado externo. No decorrer do tempo, depois de

uma longa e solitária jornada de aprendizado, assim como seu patrão, o português

João Rodrigues Pereira de Almeida, passou a ser comerciante, banqueiro, industrial

e o primeiro grande empresário do Império225.

No contexto local, a qualificação profissional era um dos requisitos para a

possível ascensão social e uma necessidade para os patrões desejosos de mão-de-

obra especializada. Sendo assim, tornou-se fundamental colocar em prática um

projeto educacional defendido também pelos socialistas reformistas e anarquistas,

que incluía uma biblioteca226 e aulas noturnas, na realidade um passaporte para

acessar a Escola Municipal do Comércio227 localizada na sede da AECA. Sua função

principal era preparar jovens trabalhadores para as exigências do capital.

224 CALDEIRA, Jorge. op. cit., p. 61. 225 Idem, p. 55 - 70. 226 A biblioteca, uma das mais ricas da cidade, contava em 1911 com 5.500 volumes, entre obras de literatura e em menor número de ciência. Em seus salões de leitura também eram encontrados os seguintes jornais e revistas: Malho, Mala da Europa, Seculo, Pimpão, The Gruphic, La vie au grande ir, Je sais tout, Correio da Manhã, Illustração Portugueza, Illustração Brazileira, Illustration Française, Illustrazione Italiana, O Caixeiro e outros. In: Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, relatório da administração de 1911. p. 10 - 11. 227 A Associação mantinha em proveito dos associados, inicialmente dois cursos: Primário e de Música. O curso primário completo comportava: Português, Aritmética, Escrituração Mercantil e Francês e era destinado aos associados que desejavam ingressar na Escola Municipal do Comércio (criada conforme a Lei n° 578 de 26 de novembro de 1909 na administração do Superintendente Municipal Coronel Agnello Bittencourt) ou simplesmente adquirir as noções preliminares dos vários conhecimentos necessários para exercer as funções mercantis. Segundo Francisca Deusa da Sena Costa a citada escola foi inaugurada somente em 22 de fevereiro de 1910 e sua manutenção era de

Page 91: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

91

A escola fazia parte de um plano maior de qualificação da mão-de-obra

existente na cidade. A ACA (Associação Comercial do Amazonas), principal órgão

do patronato local, procurou disseminar através de escolas profissionalizantes de

formação comercial e técnica, a prática do trabalho dedicado, contínuo e ordeiro

como meio de promover a ascensão social. O trabalho, mola impulsionadora do

progresso, era considerado o elemento essencial para a produção de riquezas.

Como valor social supremo da modernidade, o trabalho era fundamental para a

sociedade e o indivíduo, na medida em que proporcionava desenvolvimento material

à uma região e a regeneração moral do trabalhador.

Nos discursos da AECA quase sempre em sintonia com as exigências

patronais em relação ao trabalhador ideal valorizava-se o trabalho e o trabalhador,

tendo como incentivo uma aspiração antiga de seus associados utilizada pelos

patrões para aumentar seus rendimentos “a co-participação dos lucros comerciais”.

Neste sentido, o comerciário era visto como “(...) o elemento vital do comércio,

porque representa o trabalho que o anima, o trabalho que o estimula, o trabalho que

o engrandece (...) pelo vosso labor fecundo, (...) ver realizado o supremo sonho de

vossa aspiração – a coparticipaçao dos lucros comerciais (...)”228.

A exaltação ao trabalho foi uma construção ideológica característica das

sociedades que experimentaram mudanças violentas no setor econômico e social

como Manaus entre os anos de 1890 a 1920 e visava prioritariamente eliminar as

velhas tradições, os velhos hábitos e costumes predominantes em grande parte da

população. O trabalhador ideal teria que deixar de lado seus costumes antigos e

assimilar novos hábitos voltados para o desenvolvimento do setor comercial que

incluía uma nova rotina de horários e comportamentos229.

Para disciplinar e tornar assíduo o trabalhador, a biblioteca dos comerciários

exerceu um papel inovador, pois objetivava contribuir “para o cultivo espiritual dos

associados – que ao invés de irem às diversões fúteis, vêm sobre esse palio

responsabilidade do Município. In: Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, relatório da administração de 1913. p. 17. 228 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, relatório exercício social de 1929, p.16. 229 “Organizações são também agentes controladores, tanto internos, sobre os membros da organização, como externo, atuando no meio ambiente organizacional relevante”. In: FLEURY, e FISCHER (orgs). Cultura e poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1989, p. 38. Elementos considerados pertinentes à cultura organizacional (devoção moral ao trabalho, dedicação, meticulosidade na execução de tarefas, honestidade) p. 42.

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92

bendito, auferir conhecimentos, ilustrando a inteligência na leitura sadia dos bons

escritores”230.

Segundo as representações construídas pelo patronato, os trabalhadores

eram vistos como uma classe formada por indivíduos promíscuos e potencialmente

predisposta aos vícios e orgias mundanas como a vadiagem, o fumo, os jogos e o

álcool. As diversões consideradas fúteis eram condenadas porque ocasionavam a

dispersão do trabalhador de seu ambiente de trabalho e consequentemente a

diminuição nos lucros do patrão231.

No contexto nacional June Hahner comenta que muitos trabalhadores

urbanos escolhiam passar seu tempo livre nas tavernas consumindo bebidas

alcoólicas “em vez de seguir propósitos educacionais”. Essa prática tornou-se um

alvo constante das reclamações do patronato por ter grande aceitabilidade entre os

pobres, estes acreditavam adquirir através dela, força extra para completar o

trabalho do dia. O alcoolismo “fruto do trabalho excessivo, brutalizante e exaustivo,

permaneceu profundamente enraizado nas classes trabalhadoras”, sendo também

condenado pelas associações e sindicatos operários que o consideravam “um

obstáculo à organização do trabalhador”232.

Ilustrativo de tal preocupação foi a realização na sede da AECA de uma

conferência antialcoólica. Diante de altas autoridades, comerciantes e inúmeros

consórcios, o palestrante proferia sobre os males do álcool e “os prejuízos advindos

de tão perigoso vício”. Procurava “incutir no espírito dos ouvintes, o horroroso futuro

reservado aqueles que se entregam ao uso de bebidas alcoólicas”233. O poder

público também reagiu contra essa prática amiúde relacionada com o crescente

aumento no índice de criminalidade234. Para combatê-la estabeleceu posturas

disciplinadoras, que além de penalidades incluíam a restrição dos espaços de

consumo de bebidas e a imposição de novos horários para o funcionamento de

bares, quiosques, botequins e cabarés. 230 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, relatório da Administração de 1911, p.10. 231 AVELINO, Alexandre Nogueira. op. cit., p. 72. 232 HAHNER, June E. op. cit., p. 233 - 234. 233 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, relatório do exercício social de 1929. p. 5. 234 “(...) entre nós, numa cidade pequena, como Manaus, em 381 prisões efetuadas de janeiro a 15 de maio do corrente ano, 97 foram simplesmente por embriaguez” In: Mensagem do Governador do Estado do Amazonas, Sr. Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt, 10 de julho de 1910 (Relatório da Chefatura de Polícia), p. 82.

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93

Na análise realizada nos relatórios da AECA, representante de uma parcela

dos comerciários, ficou perceptível a transitoriedade das lideranças dessa categoria

pelas esferas do poder estadual e principalmente municipal235, para onde recorriam

com frequência quando os comerciantes burlavam e desrespeitavam as leis. Além é

claro, da explícita ligação com a Associação Comercial do Amazonas e com a

Associação Comercial dos Retalhistas, as duas grandes forças do comércio local,

onde muitos de seus patrões eram associados. Dispostos a colaboração entre

classes, quando necessário também, aliavam-se à alta intelectualidade e aos grupos

sociais com poder de voz (médicos, advogados, professores) na sociedade local.

As relações muitas vezes amistosas das lideranças com o patronato não foi

empecilho, para que a maioria dos caixeiros lutasse pelos seus direitos e

denunciasse através dos jornais, as relações sociais de trabalho predominantes em

muitas casas comerciais onde era gritante a exploração, da qual eram vítimas. Um

jornal de cunho operário denunciava: “pena que o comércio de Manaós, salvo

poucas exceções, obrigue os empregados a trabalhar mesmo de portas fechadas

nos dias de festa nacional”236. Em 1914, seis anos após a regulamentação da lei que

proibia o comércio local de abrir suas portas depois das 18:00 horas, outro periódico

transcrevia o apelo dos comerciários aos poderes constituídos:

“empregados no comércio escrevem-nos pedindo atenção da superintendência para o

fato de diversos negociantes obrigarem, as portas cerradas, os seus auxiliares a

trabalhar até tarde da noite nos dias comuns a até quase ao meio dia nos feriados”237.

A luta pelo fechamento de portas do comércio às 18:00 horas foi o marco

inicial dessa luta. Consequentemente, o fechamento de portas no horário previsto

diminuía a longa jornada de trabalho iniciada às 6:00 horas da manhã indo até às

11:30, recomeçava às 12:30 e terminava às 18:00 horas, trabalhavam portanto, 11

horas consecutivas238. As horas trabalhadas muitas vezes prolongavam-se por 15

horas, segundo as denúncias de suas lideranças muitos comerciários ficavam até às

9:00 e 10:00 horas da noite, “prisioneiros nas casas comerciais onde trabalham, a

235 Em uma das comemorações do Dia do Empregado no Comércio foi colocado no “Salão de Honra” da Associação o retrato do Exmo. Sr. Dr. José Francisco de Araújo Lima, prefeito de Manaus. “Considerado um grande batalhador da causa caixeiral”. In: Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, Relatório correspondente ao exercício de 1928. 236 Tribuna do Caixeiro, Manaus, n 03, maio de 1908. 237 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.485, 8 de janeiro de 1914. 238 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, Relatório da administração de 1911.

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94

pretexto de fazerem as celebres arrumações noturnas”239. Sendo assim,

acreditamos que parte da categoria morava como afirma Costa, nas casas

comerciais onde labutavam ou então residiam no centro da cidade, as fontes

indicam que até por volta de 1919, os bondes partiam da área central de Manaus às

10:00 horas da noite em direção às oficinas da companhia situadas na Cachoeirinha,

impossibilitando se fosse o caso, o retorno do caixeiro que trabalhava até o horário

citado para sua respectiva casa localizada nos bairros periféricos.

Pressionado pela AECA devido as constantes denúncias contra o patronato,

o Sr. Coronel Domingos José de Andrade, presidente do Conselho Municipal,

sancionou a Lei nº 528 de 02 de dezembro de 1908 regulamentando o fechamento

de portas do comércio às 18:00 horas. O entusiasmo dos caixeiros mediante essa

conquista foi externado com uma passeata cívica ocorrida em 24 de dezembro do

mesmo ano.

A execução dessa lei se tornava difícil por vários motivos, entre eles a má

vontade dos comerciantes e outro de grande relevância: o texto da lei possibilitava

uma gama de interpretações que os comerciantes tentavam reverter a seu favor. O

caráter pendular da legislação, oscilando mais sob a pressão de comerciantes do

que de comerciários possibilitou a criação de várias leis referentes ao mesmo

assunto. O parágrafo abaixo exemplifica o que foi descrito:

“Tendo a Associação dos Retalhistas desta cidade impetrado uma ordem de habeas-corpus ao Superior Tribunal de Justiça do Estado, dizendo-se coata na sua liberdade

de comércio por não poder, em virtude de leis municipais, abrir seus estabelecimentos

depois das 6 horas da tarde nem nos dias de domingo e nos dias santificados ou de

festas móveis consagradas pela religião católica e especificados nas mesmas leis, o

referido Tribunal concedeu a ordem solicitada, para o fim exclusivo de serem os ditos

estabelecimentos abertos nestes últimos dias de festas móveis, atendendo ao princípio

constitucional de separação da Igreja do Estado”240.

Nesse momento crítico, a principal preocupação dos caixeiros se resumia em

consolidar a relevante conquista. A conquista inicialmente tolerada pelo patronato

comercial foi motivo de várias tensões entre os dois setores envolvidos. Muitas

vezes os comerciantes tentavam burlar as leis, cerravam as portas de seus

239 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, Terceiro Relatório, correspondente ao ano de 1909. 240 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, Relatório da Administração de 1911. p. 21. Grifo meu.

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95

estabelecimentos no horário determinado por lei, porém não liberavam os seus

empregados. Diante dessa realidade denunciavam com frequência: ”(...) casas há,

meus Srs., e vós sabeis bem quais são, que desde 1908 não fecharam 30 dias seus

estabelecimentos, sem que os caixeiros trabalhassem até 9 e 10 horas da noite,

excetuando os Domingos”241. Essa situação motivou os caixeiros a solicitarem uma

fiscalização mais rigorosa por parte da Municipalidade e a exigirem a intervenção e a

mediação das autoridades competentes.

É bastante ilustrativo um fato que só foi possível graças às constantes

tentativas dos comerciantes em não respeitar as leis. O desrespeito chegou a tanto

que a Municipalidade tomou medidas consideradas drásticas. Queixavam-se os

comerciantes “(...) passou-se a uma época em que as exigências foram tão

absurdas a ponto de não permitirem a entrada do comerciante em certos e

determinados dias no seu estabelecimento, sob pena de multa e prisão caso aquela

não fosse satisfeita”242. Semelhante “arbitrariedade” era segundo o discurso do

representante dos retalhistas “um atentado à liberdade individual, garantida pela

Constituição Federal”. Baseados nesse argumento recorreram ao Supremo Tribunal

Federal que julgou o pedido por falsa causa, motivo que levou diversos membros da

Associação dos Retalhistas a tentarem anular o julgamento.

Os comerciários, enquanto esperavam o julgamento colocaram-se em

posição de confronto. Desse posicionamento emergia as representações que os

patrões emitiam sobre eles:

“certo número de indivíduos é força confessá-lo, mais inteligentes que a maior parte

dos seus colegas, valendo-se de ocasião tão propícia, fazendo uso de meetings e de

artigos publicados nos jornais desta capital, pôde com grande facilidade ludibriar seus

colegas e incutir-lhes no espírito pouco cultivado e apenso à pouca reflexão a

necessidade peremptória de combater de olhos fechados as pretensões desta

Associação”243.

O impasse vivenciado por patrões e empregados continuava sendo relatado

segundo o olhar do representante comercial e evidenciava algumas estratégias de

luta empregadas pelos caixeiros :

241 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, Quarto Relatório Concernente ao ano de 1910. p. 12. 242 Associação Comercial dos Retalhistas, Relatório da Administração de 1912. p. 6. 243 Associação Comercial dos Retalhistas, Relatório da Administração de 1912. p. 5 - 6. Grifo meu.

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96

“Nunca campeou o ódio com tão acendrado entusiasmo de uma coletividade, nunca

se viu o despeito tomar foros tão avultados. Tudo porquê? Há uma resposta – a única

tolerável. Somente a ignorância na fase da sua maior desenvoltura, poderia fornecer

esses elementos perniciosos, que assobiavam à porta da moradia dos nossos diretores e vaiavam homens, sim homens limpos, comerciantes de ilibadas tradições”244.

O momento de tensão revelava alguns indícios da relação patrão e

empregado vigente em parte do universo do trabalho em Manaus. Os ânimos

exaltados dos caixeiros surpreenderam e preocuparam o patronato comercial. Os

mecanismos de dominação e controle utilizados por esse patronato muitas vezes

não funcionavam. Quando necessário os comerciários lutavam de forma ativa pela

manutenção e em defesa de seus direitos. O quadro esboçado acima, além de

evidenciar as estratégias de luta e resistência organizada de parte dos membros

dessa categoria nos remete novamente a visão que tinha sobre eles seus

“estimados patrões”.

A expressão, “estimados patrões” citada algumas vezes pela liderança dos

comerciários nos remete a um ponto relevante. Michelle Perrot (1988) alertou os

historiadores para a importância de se perceber as representações operárias

referentes ao patronato, ou seja, de como os operários viam os seus patrões. Tais

denominações davam indícios da densidade dos conflitos vivenciados por esses

segmentos sociais. Essa relação de convivência muitas vezes orientava as ações

políticas dos trabalhadores analisados245.

Assim, no confronto com o patronato, os caixeiros evitavam a “ação direta”

proposta pelos anarquistas, como por exemplo, a greve. Nas fontes pesquisadas

não encontramos referência sobre esse mecanismo de pressão. Ao contrário,

vociferavam contra ela: “estamos convencidos de que alcançaremos pela força

persuasiva da palavra o que outros só o tem conseguido a poder de esforços e

sacrifícios inauditos”246. A decisão em evitar o confronto direto reforça a existência

da relação de dependência existente em parte das casas comerciais em Manaus, o

que não impediu as constantes denúncias anônimas registradas nos jornais da

época pelos caixeiros, principalmente contra a exploração de sua força de trabalho e

244 Associação Comercial dos Retalhistas, Relatório da Administração de 1912. p. 5 - 6. Grifo meu. 245 PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres, prisioneiros. Trad. Denise Bottmann. 3 ed. Rio de Janeiro. 1988. p. 81 - 100. 246 Tribuna do Caixeiro, Manaus, n 06, 25 de maio de 1908.

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sobre as diversas tentativas do patronato em burlar as leis já regularmente

instituídas.

O artifício mais utilizado pelos representantes da AECA para contornar os

conflitos vivenciados entre patrão e empregado foi o diálogo. Muitas vezes a

mediação através desse recurso obteve êxito “(...) com a interferência amigável

desta Associação, encontramos várias firmas comerciais de Manaós, aceitando

simpaticamente as nossas justas ponderações a bem dos interesses dos nossos

associados (...)”247, porém, quando o patronato insistia em não respeitar as leis, o

poder executivo ou o judiciário entrava em cena.

Era antiga a praxe entre os comerciantes aqui estabelecidos de dispensarem

seus auxiliares abruptamente:

“(...) numerosos rapazes, que exerciam a dura profissão de empregados no comércio,

trabalhando com afinco e honradez para manter uma posição definida, embora

modesta, na sociedade, eram do dia para a noite lançados à rua, nas mais das vezes

por injusto capricho dos patrões”248.

Esse cenário começou a mudar somente a partir de 1928, quando o patronato sob

pressão da AECA passou a respeitar o velho princípio consagrado no artigo 81 do

Código Comercial, “segundo o qual o patrão é obrigado a pagar ao empregado que

despedir de seu serviço o salário de um mês, si a essa dispensa não precedeu

aviso, com antecipação de um mês”249. Antonio Dias, um dos primeiros a se

beneficiar pela citada lei, foi dispensado sem aviso prévio. Na luta pelos seus

direitos moveu uma ação no Tribunal de Justiça do Amazonas contra seus antigos

patrões que foram condenados a pagar “integralmente, a indenização reclamada e

mais as custas do processo, em que foram condenados”250.

Em setembro de 1913 imersos na crise econômica, os comerciantes liderados

pela ACA decidiram o fechamento do comércio local como forma de pressionar a

ajuda solicitada ao governo federal. Durante esse fato comentado no tópico anterior,

247 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas. Relatório da Administração de 1926. p. 20. 248 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas. Relatório da Administração de 1928. p. 14. 249 Idem. 250 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas. Relatório da Administração de 1928. p. 13.

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98

a Delegação do Comércio responsável pelas negociações solicitou ajuda à AECA, o

objetivo em comum unia a duas forças antagônicas:

“(...) em consequencia da crise que avassalou e ainda avassala o honrado comércio de

Manáos, esta Diretoria agiu nos limites de suas posses, ora dirigindo telegramas a suas

congêneres no Rio de Janeiro e Pará, ora tomando outras providências em minorar a

situação dos nossos estimados patrões, demonstrando-lhes assim a mais franca

solidariedade”251.

Para atenuar os prejuízos causados pelos dias em que o comércio

permaneceu fechado, os comerciantes lançaram uma proposta inesperada aos

caixeiros, parceiros na luta, mas empregados na prática, fazendo emergir as

representações sobre as relações de poder no ambiente de trabalho:

“(...) o senhor Porfírio Pires, proprietário da fábrica de cigarros “Ravachol”, depois de

expor o fim da reunião, apresentou a proposta de que os caixeiros não recebam seus

ordenados, enquanto o comércio se conservar fechado. Só assim poderão eles

demonstrar que nenhum interesse pessoal os move nesta campanha e que todos

pugnam pelo mesmo ideal: o soerguimento do comércio” 252.

A proposta não foi aceita pelos caixeiros. A situação de instabilidade forçava

a união entre patrões e empregados. Os comerciários sabiam que estava em jogo a

manutenção de seus empregos. Nesse momento, o discurso apesar de sutil visava

prioritariamente, o aumento da exploração, expressando a não preocupação dos

patrões com o bem-estar de seus empregados.

A crise mais agravada com a conflagração européia colocou a maioria das

atividades produtivas em completa indecisão, acarretando-lhes sensíveis atropelos e

prejuízos. Os comerciantes através de uma de suas associações davam indícios do

reflexo da instabilidade econômica em seus negócios:

“(..) esta intensa e prolongada crise social, tendo obrigado muitos comerciantes a

fecharem os seus estabelecimentos, dentre eles alguns dos nossos associados,

obrigando também outros a atrasarem-se no pagamento de suas quotas e ainda outros

a retraírem-se de entrar para o quadro social (...)”253.

As consequências da crise foram sentidas também na AECA com a diminuição de

sua receita “o número de sócios em atraso com os cofres sociais, vai n’um

251 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas. Relatório da Administração de 1913. p. 6. Grifo meu. 252 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.383, 27 de setembro de 1913. 253 Associação Comercial dos Retalhistas. Relatório da Diretoria de 17 de janeiro de 1915. p. 15.

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crescendo espantoso, o que de certo modo nos põe um sobressalto constante pelos

destinos da Associação”254. Muitos sócios já sem empregos não tinham como pagar

suas mensalidades.

Em tempos de crise, as relações sociais de trabalho mudam de acordo com o

grau em que as atividades econômicas envolvidas são atingidas. Nesse período,

enquanto algumas categorias de trabalhadores realizavam greves reivindicando

maiores salários, melhores condições de trabalho e uma jornada de oito horas, a

exemplo do que ocorria a nível nacional. Os comerciários à medida que a situação

se agravava faziam concessões a exemplo desta: “a classe caixeiral, atingida

cruelmente por essa anormalidade, está sofrendo duras privações, devido ao corte

dos seus ordenados de quarenta e cinquenta por cento, quando tudo está caro. Já

estão desempregados quatrocentos caixeiros”255.

A redução de 40 a 50% nos salários era um reflexo das negociações vigentes

entre o patronato e os trabalhadores neste período. Sem condições de impor

maiores reivindicações, já que o comercio foi o setor mais afetado pela crise, os

caixeiros, diante da possibilidade da perda de seus empregos e com receio de

passarem maiores privações, cediam às propostas pouco atraentes dos patrões.

Em 1921 diante do preço ínfimo da borracha, a AECA enviou um apelo ao

Presidente da República onde solicitava ajuda ao comércio local “(...) mediante a

compra da borracha, no mínimo a três mil réis, o quilo, única providência de

momento que evitará a ruína da indústria da borracha e a nossa ameaçadora

miséria (...)”. A ajuda que poderia minorar a ameaçadora situação em que se

encontravam seus associados e patrões, caso não viesse ocasionaria o fechamento

de várias casas comerciais deixando aproximadamente cerca de três mil caixeiros

desempregados. Argumentavam que “sendo a indústria da borracha o único

sustentáculo do comércio, este será brevemente forçado ao extremo pungentissimo

de fechar as portas, deixando deslocados, sem meios e privados de manutenção,

cerca de três mil caixeiros”256.

Concomitantemente a crise, os empregados do comércio não aceitaram

recuos em direitos já adquiridos e lutavam para conquistar ainda mais benefícios. A

254 Associação dos Empregados no Comércio de Manaus. Relatório da Administração de 1913. p. 9. 255 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.077, 30 de março de 1921. 256 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.077, 30 de março de 1921. Grifo meu.

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lei municipal nº 1059, de 22 de outubro de 1920 determinava que: “nenhum escritório

ou estabelecimento comercial poderá abrir as suas portas nos domingos e dias

feriados” e que “nos dias úteis abrirão essas casas às sete horas e fecharão às

dezoito, com intervalo, para descanso, das onze às treze”257. Considerada um

avanço para a categoria, ainda em 1926 esta lei permanecia sendo burlada por parte

do patronato “(...) em diversos ofícios e conferências pessoais, expusemos a

situação da classe perante a lei citada, fazendo ver como era esta burlada e

solicitando do ilustre gestor da Prefeitura medidas tendentes a tornar uma realidade

os direitos daqueles de quem somos representantes”258.

Muitas vezes, o patronato comercial tentou frear essas conquistas com

ameaças e intimidações. Em uma delas iniciou uma campanha para pagar seus

auxiliares por dia e não por mês como a lei determinava. A AECA defendendo os

direitos de seus associados se colocou em posição de confronto “não recuamos nem

exitamos na luta”. Como mediador das partes interessadas foi acionado o então

Prefeito Municipal, Sr. Dr. José Francisco de Araújo Lima. No final desse importante

caso o presidente da agremiação desabafou: “a lei vai sendo cumprida; o

empregado do comércio continua com remuneração mensal; e crentes estamos de

ter cumprido o nosso dever, prestando à nossa classe um serviço inestimável”259.

O comércio já tinha sobrevivido à crise por volta de 1926 e a AECA contava

em seus registros com cerca de 2000 sócios260. Embalados pelo surto de

revigoramento da economia proporcionado pelo Plano Stevenson, que valorizou por

poucos anos, o preço da borracha, os caixeiros passaram a reivindicar o pagamento

de serviços extraordinários à noite e nos feriados. Em um memorial entregue à

Associação Comercial do Amazonas reivindicavam:

“Recompensar com cinquenta por cento, equivalente ao ordenado, o trabalho nos dias

feriados até às onze horas e à noite, nos dias úteis, até às vinte três horas. Passando

essa hora será cobrado duas vezes mais. Não será permitido trabalhar à noite mais do

que duas vezes por semana, salvo em termino de balanço, que será de quatro vezes,

257 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, Relatório da Administração de 1926. p. 3. 258 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, Relatório da Administração de 1926. p. 4. 259 Associação do Empregado no Comércio do Amazonas. Relatório da Administração de 1926. p. 5. 260 Associação do Empregado no Comércio do Amazonas. Relatório da Administração de 1926. p. 27.

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101

não podendo o tempo do balanço durar mais do que um mês. Ficarão os domingos

para descanso. (...)”261.

No decorrer do tempo, a nível nacional, outros direitos passaram a ser

conquistados por essa categoria, entre eles o direito às férias e ao aviso prévio. A

AECA manteve com suas congêneres em outros estados, principalmente com a do

Pará, Ceará e com a poderosa União dos Empregados no Comércio do Rio de

Janeiro, um diálogo constante e sempre manifestava apoio nas medidas que

viessem beneficiar, os comerciários em geral. Desta última partiu a iniciativa de

pleitear a lei de férias aprovada segundo o Decreto Federal nº 17.496, de 30 de

outubro de 1926 que concedeu 15 dias de férias anuais ao empregado do

comércio262. Uma das funções da AECA era fazer com que os associados

usufruíssem dessas leis e que as mesmas fossem respeitadas pelos comerciantes

locais, o que nem sempre aconteceu.

Uma posição inovadora e liberal ocorreu com a reforma dos estatutos da

AECA em 1928. A iconografia pertinente a esse período dá visibilidade a poucas

mulheres trabalhando como secretárias e datilógrafas em estabelecimentos

comerciais, o que não significa que esse número fosse inexpressivo. Elaborado para

atender a necessidade de uma época, que com certeza contava com o crescente

número de mulheres no espaço público, a AECA resolveu incluir em seus estatutos:

“(...) o direito de voto à mulher, que podendo fazer parte da Associação e tendo

obrigações, possui agora esse direito, que lhe vai sendo concedido nos dias que

correm no mundo inteiro, e, entre nós, (...)263. A mulher a partir desse momento

poderia ser sócia da agremiação e como tal tinha o direito, a voto nas assembléias.

Da documentação trabalhada foi a primeira Associação de trabalhadores, que incluía

em seu quadro social, a mulher. No ano citado foram admitidos 428 sócios, desse

número somente duas eram mulheres: Jacyra Rodrigues Madureira e Maria Laura

Vallez264, nos anos posteriores esse número aumenta gradualmente.

As transformações ocorridas na sociedade exigiram a partir de 1929 uma

nova postura dessa categoria, antes contrária a participação político-partidária. O

ano marcou a pretensão dos comerciários em ingressar na política. O primeiro passo 261 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.869, 12 de maio de 1926. 262 Associação do Empregado no Comércio do Amazonas. Relatório da Administração de 1926. p. 7. 263 Jornal do Comércio, Manaus, 13 de maio de 1928. 264 Associação do Empregado no Comércio do Amazonas. Relatório do Exercício Social de 1928. p. 44.

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102

era o alistamento eleitoral, por isso anunciaram: “iniciamos este ano a qualificação

dos nossos associados que desejavam se alistar eleitores (...)”265. Os caixeiros

possuíam um requisito fundamental exigido nesse processo, eram em sua maioria

alfabetizados. Para que o trabalhador pudesse votar e ser votado era preciso ser

alfabetizado. No sistema eleitoral vigente votavam homens, brasileiros, maiores de

21 anos, alfabetizados e alistados como eleitores:

“Segundo a Constituição republicana de 1891 seriam cidadãos plenos com direito a

voto todos os homens maiores de 21 anos que fossem alfabetizados. “No Império como

na República, foram excluídos os pobres (seja pela renda, seja pela exigência da

alfabetização), os mendigos, as mulheres, os menores de idade, as praças de pré, os

membros de ordens religiosas. (...) A exclusão dos analfabetos pela Constituição

republicana era particularmente discriminatória, pois ao mesmo tempo se retirava a

obrigação do governo de fornecer instrução primária, que constava do texto imperial.

Exigia-se para a cidadania política uma qualidade que só o direito social da educação

poderia fornecer e, simultaneamente, desconhecia-se este direito”266.

O voto, sinônimo de protesto, mudança e renovação era o único instrumento

capaz de afastar aqueles que marginalizavam as demandas dos trabalhadores.

Talvez a inserção no cenário político local possibilitasse ao comerciário, mesmo

como eleitor, atuar no sentido de colocar nos espaços formais de decisões políticas,

pessoas que olhassem para os problemas e para as insatisfações presentes no

mundo do trabalho. Pessoas, no caso homens que se comprometessem a defender

as demandas dos trabalhadores. Ou talvez, esta minoria de trabalhadores

qualificados e articulados dispostos a colaboração entre classes estivesse sendo

alvo de políticos interessados em seu apoio. Uma terceira possibilidade para

justificar sua inserção na política seria o início de uma nova postura, visto que na

década de 30 a AECA passou a ser sindicato, o que requeria uma atuação política

mais acirrada.

Segundo Cláudio Batalha, o número de operários que participava do processo

político eleitoral seja como candidato ou como eleitor era reduzido:

“Todo o processo eleitoral era controlado pelo partido situacionista, propiciando

fraudes, e não havia voto secreto, deixando os eleitores a mercê de todo tipo de

pressão. Assim, durante a Primeira República, as eleições de candidatos operários 265 Associação do Empregado no Comércio do Amazonas. Relatório do Exercício Social de 1929. p. 8. 266 CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 44 - 45.

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103

foram fenômenos raros, limitados a uns poucos casos: como o do tipógrafo João

Ezequiel, eleito deputado estadual, em 1913, em Pernambuco graças a sua inclusão na

lista oficial do governador general Dantas Barreto; e, em 1928, a eleição dos

comunistas Minervino de Oliveira e Octávio Brandão para o Conselho Municipal do

Distrito Federal pelo Bloco Operário e Camponês. As características do funcionamento

dos legislativos, com garantia de ampla maioria para o situacionismo, tornavam as

eleições de eventuais candidatos muito mais um feito propagandístico do que uma

possibilidade para mudanças significativas no sistema político”267.

Esta realidade não era diferente em Manaus. No decorrer da pesquisa não

encontramos documentos de trabalhadores ocupando cargos no parlamento

estadual ou no conselho municipal. Esse novo momento dos comerciários deve ser

objeto de pesquisas de outros historiadores.

É difícil inserir os caixeiros em uma das vertentes ideológicas expostas. Boris

Fausto a elas agrega uma terceira denominada de trabalhista, que na visão desse

historiador “corresponde aos que pretendem obter tão-somente a conquista de

alguns direitos operários, sem pôr em questão os fundamentos do sistema social,

inclinando-se a incentivar implicitamente a heteronomia sindical”268. Diante das

diversas correntes políticas em choque no interior do mundo do trabalho, os

comerciários transitavam com uma autonomia própria, embora, permeáveis a

cooptação patronal presente na sua trajetória de trabalhadores organizados. O

relacionamento “amigável” que tentavam manter com os patrões, nem sempre

ocorreu. Na documentação trabalhada, as constantes denúncias e a luta pela

conquista de seus direitos demonstram dimensões reais de um universo conflituoso.

Na crise perderam seus empregos, tiveram seus salários reduzidos, mas não

aceitaram retrocessos nos direitos conquistados. Passada a tempestade e suas

adversidades, esse segmento social da classe média, já reabilitado empreendeu

novas lutas em busca de novas conquistas.

267 BATALHA, Cláudio. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). op. cit., p. 173. 268 FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890 - 1920). São Paulo: DIFEL, 1986. p. 41.

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104

2.1.2 – O Funcionalismo Público

Depois do comércio, a crise afetou diretamente as rendas do Estado e do

Município. A queda prolongada do preço de seu principal produto de exportação

determinou a redução da receita a um ponto, que não foi mais possível manter o

pagamento do funcionalismo público em dia. O atraso no pagamento do

funcionalismo vinha de tempos atrás, a crise na realidade só possibilitou que essa

prática se tornasse mais frequente. A afirmação de 1908 confirma esse fato: “cinco

contos constituem o atraso de vencimentos devidos ao funcionalismo público do

Estado do Amazonas; e esta já elevada soma promete aumentar, d’aqui para

Dezembro, cerca de cinquenta por cento”269.

A ambiência vivenciada pelo funcionalismo neste período foi recuperada

através do Jornal do Comércio cujo interesse principal era como elencava em seu

primeiro número defender os interesses comerciais do Estado:

“Alistando-se, hoje em as nobres fileiras da Imprensa brasileira e entrando na arena

das lutas e discussões jornalísticas em prol da justiça e da verdade, o Jornal do

Comércio, órgão da opinião pública, trás antes de tudo e sobretudo a nobre e a

levantidia missão da defesa quotidiana dos grandes e sagrados direitos e interesses

comerciais deste futuroso Estado. Fazendo-se órgão do principal elemento de ordem e

de progresso, que é o comércio, este jornal vem, inegavelmente, satisfazer a uma das

mais palpitantes necessidades do nosso meio social e suprir a lacuna de que, já há

muito, se ressente a vida manauense – um diário que preferentemente advogue e

defenda os interesses comerciais desta vasta e rica região do Brasil”270.

A partir de 1913, quando o comércio da borracha entrou em decadência e

ocorreram constantes greves em Manaus, este importante periódico passou a apoiar

o movimento dos trabalhadores. Em muitos casos, procurou dar “voz” às

reclamações dos trabalhadores através da seção “Queixas do Povo”, onde pessoas

dos vários segmentos populares reclamavam sobre assuntos relacionados ao

sistema de bondes, à limpeza da cidade, segurança pública, saneamento,

iluminação, água, enfim, sobre os problemas cotidianos da cidade.

269 Jornal do Comércio, Manaus, n?, 15 de agosto de 1908. 270 Fundado pelo comerciante português Sr. Joaquim Rocha dos Santos em 02 de janeiro de 1904. In: Jornal do Comércio, Manaus, n 1, 2 de janeiro de 1904.

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105

O citado jornal intencionalmente divulgava até as rendas mensais do Estado,

numa tentativa de forçá-lo a honrar seus compromissos e com isso ajudar o

comércio. Rendas que na maioria das vezes eram suficientes para pagar os

vencimentos em atraso do funcionalismo público: “uma boa notícia para o

funcionalismo estadual: o tesouro rendeu, na semana passada, o numerário

bastante para pagar a todos os empregados da capital pelo menos um mês”271. O

impacto da falta de pagamento afetava especialmente o comércio a retalho

ocasionando um reflexo negativo para a economia:

“(...) Referiu-se à sorte do funcionalismo público, dizendo que o não recebimento

dos seus vencimentos importa em grande prejuízo para o comércio, porque os

retalhistas têm nele, um bom comprador e o alto comércio, por sua vez, não pôde

viver sem o concurso dos retalhistas (...)272.

O dinheiro que poderia fluir na praça iria atenuar a situação agonizante do

comércio, várias tentativas foram feitas visando normalizar essa situação:

“A Associação Comercial e o comércio em grosso, por meio de comissões,

procuraram ontem, às duas horas da tarde, o dr. governador do Estado, afim de

que este solicite do governo federal providências no sentido de ser fornecido ao

Estado, por empréstimo, a quantia necessária ao pagamento total dos

vencimentos dos empregados públicos afim de atenuar as condições precárias,

desta praça, especialmente as do comércio a retalho...”273.

Na análise das fontes em vários momentos, os jornais da época relatam as

greves dos trabalhadores da limpeza pública. O motivo era o atraso de vários meses

em seus ordenados. Os operários encarregados dos serviços da limpeza pública na

cidade não eram funcionários públicos, todavia seus salários dependiam diretamente

do repasse feito pela Municipalidade. O serviço era terceirizado e a Municipalidade

demorava a repassar a verba para a empresa fornecedora do serviço, e esta aos

trabalhadores, ocasionando vários embates entre esse segmento social, seus

patrões e o poder municipal.

Um deles nos chamou atenção por iniciar de forma organizada e utilizar como

mecanismo de pressão, o roubo de peças. Sendo a maioria, pais de família e com

seis meses de salários atrasados, vários trabalhadores se dirigiram a redação do JC

para comunicar à opinião pública e à imprensa seus atos. “(...) Estavam ali, em três 271 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.936, 11 de abril de 1915. 272 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.934, 27 de novembro de 1920. 273 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.358, 27 de agosto de 1913.

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106

turmas diversas, cerca de quarenta homens, todos empregados na limpeza pública e

todos sem a percepção dos seus ordenados há seis longos meses!”274.

No decorrer do artigo, os trabalhadores insistiam que a manifestação era

apenas um protesto e “(...) não a declaração de greve, a suspensão dos trabalhos:

esperariam até o dia quinze do corrente pelo pagamento, ao menos, de um mês”.

Caso, a exigência não fosse cumprida ameaçavam: “caso não se faça o pagamento,

caso a Intendência não se mova, a greve, nessa data, será um fato”275.

Passados alguns dias, o impasse não foi resolvido e a greve foi declarada.

Aderiram imediatamente aos seus colegas de ofício, os varredores e os

trabalhadores de carrinhos de mão. Um fato considerado “anormal” pelos patrões

chamou a atenção da sociedade: “Eis que, na manhã de ontem, deixou de se realizar a tarefa do arrecadamento do lixo,

visto como, de véspera, dando vazão ao seu descontentamento, haviam os condutores

de carroças e caminhões arrancado aos veículos em número de dezoito as porcas dos

parafusos respectivos.

Assim, logo à noite, tendo de sair o caminhão destinado ao apanhamento do lixo da

varrição geral, verificou com surpresa o encarregado desse serviço especial que lhe

faltavam as aludidas peças, impossibilitando desta forma o carro do necessário

movimento276.

As resistências implementadas pelos trabalhadores principalmente no interior

do espaço de produção, ou seja, dentro das fábricas, como roubo de peças, a

destruição de equipamentos, a sabotagem, o boicote, além das greves eram

altamente valorizadas pelos anarquistas e anarco-sindicalistas. Margareth Rago

(1985) afirma que essas lutas miúdas traduzem uma atividade radical de

contestação por parte dos trabalhadores277. Vincular os operários da limpeza pública

de Manaus a determinada corrente política, sem a documentação e o estudo

necessário não seria correto. Isso, porém, não anula a possibilidade de atuação das

mesmas, no interior dessa categoria de trabalhadores. O que afirmamos é que eles

conheciam os mecanismos de pressão utilizados por outros trabalhadores e

adaptaram essas práticas à sua realidade. As informações provenientes de outras

regiões do Brasil chegavam a Manaus e difundiam não só as dificuldades, mas 274 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.518, 10 de fevereiro de 1913. 275 Idem. 276 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.563, 28 de março de 1914. 277 RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplina. Brasil (1890 - 1930). 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 27.

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107

também as conquistas da classe trabalhadora. O roubo de peças que impediu a

locomoção dos carros da coleta e transporte do lixo foi o único meio de contestação

capaz de paralisar os serviços e suscitar a atenção da sociedade para suas

privações.

Durante as negociações com os contratantes, um paredista justificou a

deflagração da greve:

“Um da multidão reclamante, usando então a palavra, em termos simples, mas claros e

verdadeiramente comovedores na essência das dolorosas verdades expostas, explicou

e justificou perante os contratantes e o público ali presente a greve e os seus fins justos

e pacíficos”278.

O contratante visivelmente “emocionado” diante do que foi exposto

argumentou:

“(...), aconselhando-lhes calma, prudência e reflexão no momento; tratou das

dificuldades de ordem econômica e financeira que atravessa o município; ponderou que

em breves dias um novo gestor efetivo estaria à frente dos negócios da comuna, só ele

podendo no caso tomar umas tantas deliberações e medidas, pelo que todos deveriam

aguardar, confiantes e esperançosos, a sua posse próxima; conclui, garantindo, que

por estes oito ou dez dias, empenharia todos os esforços para que a intendência

efetuasse qualquer pagamento em favor deles (...)” 279.

Mediante a promessa e fragilizados pelo longo período sem salários voltaram os

paredistas ao trabalho. A trégua durou somente dois meses, quando novamente

passaram a ocupar as páginas dos jornais.

Como era praxe, no final de cada semana esses trabalhadores dirigiam-se ao

escritório da empresa contratante, para receber alguma pequena importância

referente aos seus salários. Em uma determinada semana ficaram sem receber, em

virtude da Intendência não ter enviado dinheiro. Informados que não havia dinheiro

para efetuar o pagamento semanal, os ânimos dos operários da limpeza pública se

exaltaram. Um dos contratantes solicitou que: “(...) tivessem eles moderação e

paciência, aguardando a próxima semana”280. Os trabalhadores não se conformaram

com a declaração peremptória “(...) e dali o surgimento de protestos em voz alta,

gritos de insubmissão, ameaças de abandono do serviço etc”281.

278 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.564, 29 de março de 1914. 279 Idem. 280 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.640, 14 de junho de 1914. 281 Idem.

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108

Mais tarde, porém, “já na rua uns seis lixeiros, os mais revoltados e

insubmissos, acharam que se podiam colocar a um certo ponto, proferindo dos

mesmos palavrões inconvenientes”282. Os comportamentos anti-sociais,

principalmente no centro urbanizado da cidade não eram tolerados e exigiam

providências, a polícia foi chamada e (...) chegando ao local da denúncia apenas

veio a encontrar dois dos tais, o espanhol de nome Raphael Espindola e o lusitano

Joaquim Monteiro. Ambos foram presos”283.

As greves deflagradas pelos operários da limpeza pública no período de

instabilidade econômica foram constantes. Notamos que no decorrer do tempo, o

mecanismo de pressão utilizado por eles, ainda persistia, o roubo de peças. O alvo

mudava de acordo com a ação dos contratantes e da Municipalidade, na greve de

1919 deflagrada por falta de recepção de seus salários, os lixeiros implementaram

uma reação ao patronato utilizando novamente esse mecanismo de pressão.

Com a paralisação dos serviços, a Municipalidade numa tentativa de

amenizar a situação da cidade contratou um auto-caminhão para executar a coleta

do lixo, mas para a surpresa do superintendente “todo o lixo arrecadado não foi

incinerado porque se verificou que haviam escondido uma das polias da máquina

assim como feito desaparecer várias peças da mesma, de modo que não era

possível funcionar o forno crematório”284. Diante do recurso imposto pelo

representante do poder municipal, eles só tinham uma alternativa, sumir com

algumas peças do forno crematório impossibilitando a queima do lixo.

As tensões desencadeadas no confronto e a presença da polícia mostravam

claramente a pouca disposição do superintendente em negociar com os grevistas.

No decorrer do embate, a Municipalidade rescindiu o contrato com a empresa

fornecedora do serviço e o exército de reserva sempre atento aos chamados dos

empregadores foi acionado, pulverizando, assim, o possível êxito da greve. Com

isso, a varrição das ruas foi restabelecida, e pelo menos no primeiro momento

passou a ser fiscalizada pelo próprio superintendente municipal acompanhado de

praças de cavalaria porque, “por duas vezes, os grevistas, em grupos de seis,

tentaram impedir o serviço dos novos varredores”285.

282 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.640, 14 de junho de 1914. 283 Idem. 284 Jornal do Comércio, Manaus, n. 5.504, 8 de dezembro de 1919. 285 Idem.

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109

Muitos impasses foram contornados mediante o recebimento de pequenas

quantias referentes aos seus salários como vimos acima. O que não ofusca as lutas

desencadeadas por eles na defesa de seus diretos e do que a eles pertencia.

Quando os atrasos nos salários se tornavam frequentes declaravam-se em greve

até que seus patrões resolvessem negociar ou voltassem atrás em suas

deliberações, o que nem sempre ocorreu. Em muitos casos perderam seus

empregos, na luta para receber o filão essencial para a sobrevivência de suas

famílias, o salário.

A falta de pagamento do funcionalismo público composto de ativos e inativos,

aposentados e pensionistas era trivial nas manchetes do JC e se tornava mais

frequente conforme as eleições se aproximavam. O Jornal do Comércio desde sua

fundação costumava passar a ideia de imparcialidade para seus leitores, entretanto,

como defensor de uma elite comercial constituída principalmente de luso-brasileiros

intervêm no cenário político e social conforme os interesses do setor oligárquico que

representa. As intrigas político-partidárias, da qual foi protagonista engendraram

realidades de uma época, com esta, por exemplo:

“No Amazonas atualmente impera o absolutismo. O sr. Jonathas Pedrosa não governa:

é um títere nas mãos dos filhos e do chefe de policia (...) Não se paga a ninguém,

apesar do Estado possuir uma renda relativamente animadora. No ano passado, por

exemplo, o Tesouro rendeu $492:618$917. Sabe-se isto por causa da estatística

publicada pela Manáos Harbour, pois o governador proibiu. Terminantemente, a

publicação da renda. Os jornais da capital, não podendo obter informes a esse respeito,

recorreram ao London Bank, a quem o Tesouro é obrigado a entregar mensalmente

vinte por cento do imposto sobre a borracha, o que serviria de base para os seus

cálculos. E por último até esse banco o governador proibiu que desse qualquer informe

sobre os créditos. O povo, assim, podia ser mais facilmente enganado”286.

Em outra, o JC acusava alguns membros do governo de Jonathas Pedrosa

(1913-1917) de praticarem um ato já conhecido na capital, a compra dos salários

dos funcionários públicos com a agiotagem de oitenta por cento do valor real:

“Como se sabe, pois já é um fato conhecido nesta capital, os dinheiros públicos são

desperdiçados em compra de atestados e ordenados do funcionalismo com a

agiotagem de oitenta por cento. Há emissários para essa patifaria. Os funcionários com

vinte, vinte e cinco e mais meses de atraso, vivendo quase como mendigos à porta do

286 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.960, 6 de maio de 1915.

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110

Tesouro, batidos pela fome, entregam-se a esses intermediários e, uma vez feita a

transação, imediatamente recebem as importâncias”287.

Aqueles que reclamavam e falavam contra o governo, os oposicionistas eram

lançados ao índex e ficavam sem receber seus vencimentos, como um magistrado

do interior que começou a militar nas fileiras do partido liberal e “nunca mais lhe

pagaram um mês de vencimentos, remetido que foi ao índex negro dos antipáticos

ao governo”288.

Em 1918, na administração do governador Alcântara Bacellar (1917-1920) a

realidade não era diferente. Os vexames pelos quais passavam os funcionários em

geral e os pensionistas ainda eram cruciantes. Os proprietários dos prédios em que

moravam, não podendo mais esperar pelo pagamento dos respectivos aluguéis

exigiam as casas e os ameaçavam de despejo e apreensão dos parcos móveis. Os

donos das mercearias, por sua vez tendo compromisso a atender, não podiam mais

vender a crédito, sem saber quando receber, o mesmo acontecia com o padeiro289.

Os efeitos da Primeira Guerra Mundial refletiram-se negativamente no

quatriênio desse governador devido a falta de transporte para os produtos de

exportação do Estado. No referido ano nenhum navio vindo da Europa ancorou nos

portos de Manaus. Apenas seis embarcações de origem norte-americana chegaram

à cidade trazendo os porões, em parte comprometidos com a carga paraense.

Enquanto os produtos amazonenses apodreciam nos depósitos, as rendas públicas

diminuíam sensivelmente.

Os magistrados incluídos na lista de funcionários públicos e assim como os

outros, sem a recepção de seus vencimentos aliaram-se em 1918 aos outros

poderes constitucionais do Estado, que por meio de um telegrama solicitavam à

União a intervenção federal do Amazonas. A sessão realizada no Supremo Tribunal

de Justiça pelos magistrados esboçava um quadro nebuloso do momento político,

econômico e financeiro do Estado. Segundo eles, a situação precária tornava-se

mais grave:

“(...) pelo desperdício das rendas públicas, nesta fase dificílima em que a receita

orçamentária do Estado é calculada em dez mil contos, a arrecadação chega a onze

287 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.960, 6 de maio de 1915. 288 Jornal do Comércio, Manaus, n. 3.936, 11 de abril de 1915. 289 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.221, 11 de novembro de 1918.

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111

mil e tantos e o governo gasta mais de treze mil, sem se saber como e por que motivo”290.

No debate, os magistrados expressavam opiniões favoráveis e contrárias à

intervenção federal. O desembargador Sá Peixoto justificava o seu posicionamento

contrário afirmando:

“(...) não precisamos da intervenção ampla do governo federal (...), mas unicamente de

providências de ordem econômica e financeira, que visem dar maior incremento a

exportação dos nossos produtos para os Estados Unidos, o único mercado consumidor.

Essas providências só podem ser tomadas pelo governo federal, que mantém relações

externas, motivo por que foi dirigido o telegrama em questão.(...)”291.

Esplanando-se, a favor da medida, o desembargador Estevão de Sá declarou

que o momento presente requeria atenção especial por outro motivo:

”(...) era preciso esclarecer que os magistrados não são como outros funcionários,

outros profissionais que encontram margem para ganhar recursos em outros misteres,

fora dos limites das suas funções. O magistrado só vive dos seus vencimentos e, uma

vez privado desse recurso, está no direito de estrebuchar para não morrer de inanição.

A fome é uma coisa cruel, apavorante, e ninguém a pode suportar de braços cruzados.

(...)292.

O orador referiu-se em seguida ao poder legislativo do Estado “(...) há o

inexplicável descaso do poder legislativo do Estado, que não passa de um

gramophone, nada tendo feito até hoje senão criar uma linha de navegação e uma

outra de tiro293”. Em considerações claras e precisas abordou a situação geral do

Amazonas:

“(...) dizendo que temos de preferência, enfeixado as rédeas do poder executivo nas

mãos de coronéis, quando para o desempenho de cargos administrativos se torna

preciso que o homem conheça o direito e viva em comunidade com as leis que regem

os destinos do povo. (...)294.

Concluindo o seu discurso, o desembarcador Estevão de Sá ainda citou o

movimento financeiro do Estado:

“(...) lamentando que o governo atual não siga o exemplo do dr. Lauro Sodré,

governador do Pará, que manda publicar pela imprensa o resultado das rendas

290 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.118, 26 de julho de 1918. Grifo meu. 291 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.118, 26 de julho de 1918. 292 Idem. 293 Idem. 294 Idem.

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112

arrecadadas diariamente e a relação de vencimentos pagos ao funcionalismo ou de

outros compromissos descriminadamente”295.

A intervenção federal foi sinalizada pelo judiciário uma vez passada, lembrou

o desembargador Bonifácio de Almeida, “mas o governo pagou e tudo ficou em paz”.

Foi o que deve ter acontecido nesse caso, porque o recurso solicitado não

aconteceu. O governo realizava o pagamento e os ânimos se acalmavam, pelo

menos momentaneamente.

A intervenção federal voltou a ser manchete nos jornais em 1919, quando o

deputado federal Ephigenio Salles apresentou e justificou à câmara federal um

projeto sobre a intervenção da União, no Amazonas. Entre os vários motivos que

endossavam o pedido citamos: a indevida e violenta intervenção do chefe do poder

executivo na constituição do poder legislativo; o desrespeito do governador pelo

poder judiciário, no qual, por interesses partidários deixava de cumprir sentenças

proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado; a incapacidade do representante do

poder executivo local para governar e administrar o Estado. Esse argumento

repousava no fato do credor estrangeiro haver realizado protesto judiciário,

publicado no Diário Oficial da República, por falta de cumprimento de obrigações

oriundas de contratos solenes entre o Estado e o mesmo credor; o fato de estarem

sem receber os seus vencimentos, os funcionários públicos de Manaus há mais de

dez meses e os do interior do Estado há mais de vinte. Para corroborar esse fato, o

deputado lembrava “já terem os funcionários do Estado, inclusive os membros do

Supremo Tribunal de Justiça, solicitado a intervenção do governo federal, para que

lhes fossem pagos os vencimentos atrasados”296.

Em outro momento, a constante falta de seus vencimentos motivou o

magistrado a deliberar uma reação drástica: o fechamento do Palácio da Justiça.

Essa ação assustou o comércio local, pois consequentemente todo o movimento

forense foi paralisado preocupando os comerciantes da praça privados de exercitar

em juízo, os seus direitos. O presidente da ACA em reunião anunciava:

“É de domínio público que o egrégio Superior Tribunal de Justiça do Estado, levado por

circunstância imperiosa, qual seja a falta de pagamento dos ordenados dos respectivos

295 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.118, 26 de julho de 1918. 296 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.524, 18 de setembro de 1919.

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113

juízes, consoante a justificativa do ato de verdadeiro desespero, fechou o fórum,

paralisando deste modo, todo o serviço da justiça”297.

Aludindo ao fechamento do tribunal acentuou o presidente: “Não se deve exigir o

impossível! Ninguém tem o dever de trabalhar sem remuneração”298.

Quanto aos professores, no quatriênio de Jonathas Pedrosa não recebiam em

dias “(...) os seus vencimentos e as escolas eram desprovidas de todo o material

necessário ao seu funcionamento”. Algumas escolas na capital deixaram de

funcionar por mais de um ano299. A instrução pública no Estado do Amazonas atingiu

o seu apogeu no governo do coronel Antonio Bittencourt e entrou em pleno período

de esfacelamento, no governo do citado governador.

Dados estatísticos mostram o aniquilamento desse importante serviço público.

Em 1912 eram mantidas 262 escolas no Estado, com uma freqüência média de

5.259 alunos. O número de escola foi baixando ano a ano, até que em 1916 chegou

a 138, frequentadas por 3.131 alunos. Somente a partir de 1917 adquiriu um novo

revigoramento300.

O funcionalismo no ano de 1917, na administração do governador Alcântara

Bacellar foi satisfeito em dia com seus vencimentos, a partir de 1918 em diante não

foi mais possível manter esse beneficio. Entre os motivos estavam o decréscimo

acentuado na arrecadação do Erário e os pagamentos de exercícios findos e outros

gastos, como a compra do Palácio Rio Negro por 200:000$000 para a sede do

governo. Se diante das críticas, o governador afirmava que foi uma compra

vantajosa, porque o edifício valia três vezes mais, é inconteste que aconteceu em

uma hora de grandes apertos301.

Peculiar desse período foi a greve do Ginásio Amazonense iniciada dia 4 de

maio de 1920 e liderada pelos professores catedráticos Raymnundo de Carvalho

Palhano e Olympio Martins Menezes. A base do descontentamento estava segundo

o ofício expedido ao Inspetor Federal do Ensino, a falta de pagamentos de seus

vencimentos e a precária situação de alguns:

297 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.759, 13 de maio de 1920. 298 Idem. 299 Jornal do Comércio, Manaus, n. 4.833, 13 de outubro de 1917. 300 Idem. 301 BITTENCOURT, Agnello, Corografia do estado do Amazonas. Manaus: ACA-Fundo Editorial, 1985. p. 311.

Page 114: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

114

“Sr. Dr. Sebastião Barroso Nunes, Inspetor Federal junto ao Gymnasio Amazonense -

Comunicamos a V. Exc. pedindo que leve o fato ao conhecimento do Egrégio Conselho

Superior de Ensino, que por falta de pagamentos dos nossos vencimentos de

professores do Gymnasio Amazonense, achando-nos na impossibilidade de exercer o

magistério, deixamos de dar as aulas das respectivas matérias que professamos.

Outrossim protestamos contra qualquer ato lesivo aos nossos direitos que jamais

renunciamos, visto como voltaremos imediatamente ao cumprimento dos nossos

deveres, desde que sejamos pagos, portanto, desde que ao menos com equidade o

Governo cumpra também o seu dever”302.

Posteriormente, o ofício foi assinado por outros professores: Coriolano

Durand, Agnello Bittencourt, Dr. Adriano Jorge, Dr. José Francisco de Araújo Lima,

Cônego Dr. Israel Freire da Silva e Plácido Serrano Pinto de Andrade. A intenção

era fechar o Ginásio com a adesão de todos os professores, o que não aconteceu.

Como nas greves existem sempre os fura-greves, os professores grevistas entravam

nas salas de aulas proferindo discursos no sentido de provocar a simpatia dos

alunos.

Na visão do diretor, Vivaldo Palma Lima, os professores subversivos queriam

instalar a anarquia no estabelecimento e:

“(...) não tinham razão; os atrasos nos pagamentos estavam muito mais reduzidos no

mês de Maio do que em Fevereiro, porque com a arrecadação do imposto de indústria

e profissão, em Março o governo pagara, não somente aos professores como também

ao pessoal do corpo administrativo muitos meses dos vencimentos atrasados, sendo

que o professor Coriolano Durand havia recebido os seus vencimentos do ano anterior

e o professor Olympio nove meses de uma vez”303.

A greve no importante colégio público da cidade, único de ensino secundário,

teve reflexo imediato e no dia 10 de maio, o Tesouro do Estado pagou a folha

correspondente a janeiro de 1920 do Ginásio Amazonense instalando a dissidência

no movimento. No dia 12, o professor Agnello Bittencourt apresentou-se pronto para

o serviço e continuou depois a ministrar suas aulas. O confronto entre professores e

poder estadual personificado na pessoa do diretor gerou várias consequências como

nomeações de professores substitutos, exonerações, a declaração de

disponibilidade envolvendo os dois líderes do movimento e mais o professor Plácido

Serrano. Estes pediram ao Supremo Tribunal de Justiça do Estado uma ordem de

302 Documentos do Ginásio Amazonense cedidos pela mestranda: Elissandra Lopes Chaves Lima. 303 Idem.

Page 115: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

115

habeas - corpus no sentido de serem mantidos em suas respectivas cadeiras, ordem

essa que lhes foram concedida. Não se conformando com a decisão do Tribunal, do

qual era presidente o chefe de oposição ao partido situacionista, o diretor resolveu

suspender por 30 dias, os professores líderes. As consequências oriundas do

impasse indicam inicialmente a ineficácia das medidas punitivas, já que elas não

frearam o movimento, e a resistência de um grupo de professores às imposições do

governo.

Na falta de seus pagamentos muitos funcionários públicos exerciam outras

profissões para sobreviverem, entre eles os professores:

(...) outras não são honradas com a presença dos respectivos professores porque estes

exercem outras profissões incompatíveis com o magistério, alegando eles que essa

falta de cumprimento de dever é resultante da impontualidade no pagamento de seus

vencimentos”304.

A situação financeira do Amazonas tornou-se aflitiva em 1924, “(...) a redução

de sua receita que minguando sempre veio até a angustiosa situação que atravessa

– não poder pagar os juros e amortização de sua dívida externa, não poder pagar os

juros de suas apólices e empréstimos internos e que vai até ao extremo de não

poder pagar seu Funcionalismo”305. A minguada renda que se conseguia arrecadar

era absolvida pelo pagamento do funcionalismo ativo e pelos serviços mais

essenciais do Estado.

Os movimentos tenentistas que eclodiram pelo Brasil afora como as rebeliões

de 1922, 1924 e a Coluna Prestes não deixou de fora o Amazonas. Os

revolucionários contestavam o poder das diversas oligarquias regionais. Em 1924, o

tenente Ribeiro Junior expulsou do Amazonas a oligarquia corrupta de Rego

Monteiro estabelecendo um governo popular que durou pouco mais de 30 dias. A

Revolução Tenentista liderada por Ribeiro Junior instituiu o Tributo da Redenção

“meio indireto de reaver dos dilapidadores os dinheiros públicos que eles

alapardaram do Tesouro”306. Com isso, a revolução tomou contornos perigosos para

as elites locais confiscando dinheiro e realizando leilões com bens móveis dos

poucos endinheirados da cidade. Com essa atitude, Ribeiro Junior adquiriu capital e 304 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.179, 10 de julho de 1921. 305 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.381, 13 de dezembro de 1924. 306 Discurso do 1º tenente Alfredo Augusto Ribeiro Júnior ao povo amazonense. JORNAL DO POVO: “órgão reivindicador das liberdades nacionais”. Manaus, 26 de julho de 1924. In: SANTOS, Eloína Monteiro dos. op. cit., p. 87.

Page 116: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

116

providenciou o pagamento do funcionalismo público. O restante seria distribuído

entre a população miserável existente, dessa forma garantiu a popularidade do

movimento entre esse segmento social.

Em 1925 o interventor federal, Alfredo Sá revelou o drama financeiro do

Estado e do funcionalismo ativo e inativo:

“Quando assumi a administração em 2 de dezembro de 1924, encontrei em cofre

apenas a soma de 1:490$000 e os pagamentos desse ano ao funcionalismo ativo feitos

somente até o mês de junho inclusive, não se falando nos inativos, aos quais nenhum

pagamento se fizera. Esses atrasos provém de muitos anos já, tendo, por isso, os

funcionários ativos e inativos avultados créditos no Tesouro”307.

Para melhorar essa situação tomou várias medidas em sua administração,

possibilitando o aumento nas rendas do Estado. Expediu um ato suspendendo, o

que considerava uma injustiça, a cobrança do imposto sobre os vencimentos do

funcionalismo público de acordo com a lei orçamentária nº 1.216, de 3 de dezembro

de 1923 “(...) não só por não serem exagerados os vencimentos do funcionalismo

estadual como por não ser licito à administração mandar fazer este desconto quando

não era pontual nos pagamentos aos empregados públicos”308. Durante o período

em que esteve no governo, o Tesouro arrecadou numerário suficiente para

regularizar a situação vexatória em que se encontrava o funcionalismo e ainda

acudir às obras de reparo e conservação de edifícios públicos, pontes, estradas e

outros.

Quando as oligarquias locais voltaram ao poder as práticas viciosas, a

corrupção e a desordem voltaram a reinar nas várias ramificações do poder. Ainda

em 1929, uma prática não tão antiga permanecia sendo usada conforme as charges

publicadas no JC:

- Uma esmola, minha senhora. - O Snr. Não está empregado?

- Estou, mas há quatro meses não recebo. - E quanto tem a receber?

- Nada mais. Vendi com oitenta por cento...309.

Outra charge dava indícios da aplicação do dinheiro público:

- Quantos são os pecados mortais?

307 Mensagem do Interventor Federal no Amazonas, Sr. Alfredo Sá, 15 de dezembro de 1925. p. 9. 308 Mensagem do Interventor Federal no Amazonas, Sr. Alfredo Sá, 15 de dezembro de 1925. p. 14. 309 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.801, 8 de setembro de 1929.

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117

- São sete.

- Diga alguns.

- As placas, [das inaugurações das obras públicas], as estradas, as gratificações...

- Basta, menino!310.

No final da Primeira República o funcionalismo ainda não conseguia receber

seus salários em dia:

“(...) Havia dentro e fora umas oitocentas pessoas. (...) Homens e mulheres se

acotovelavam na ânsia de chegar o momento de abrir-se o guichet da pagadoria. (...)

Era que haviam prometido pagar o funcionalismo com o dinheiro que fosse apurado

com a renda que deixasse o [navio] Hildebrand. Nessa convicção, movimentaram-se

velhos servidores do Estado, que estampavam na fisionomia o sinal do sofrimento, a

miséria íntima que os vem torturando de cinco meses a essa parte, sem receber um

real de seus vencimentos. Lá encontravam também os pensionistas do montepio, (...).

Os aposentados, (...). O magistério (...). O magistrado (...)”311.

Suspendam as obras! Paguem o funcionalismo! Era a manchete do JC de 21

de dezembro de 1929. Apesar de não ter dinheiro para pagar o funcionalismo com

cinco meses de atraso em seus vencimentos. Dinheiro tinha para as obras, estradas,

e outros meios considerados pelos políticos essenciais para justificar seus fins

eleitoreiros e garantir o poder. As oligarquias cada vez mais pobres e decadentes se

apropriavam da única fonte rentável no Amazonas, ou seja, do poder. De onde

inteiramente divorciadas da opinião pública procuravam atender somente aos seus

interesses particulares e beneficiar os apadrinhados que transitavam em sua órbita

de influências. Se quisessem pagar o funcionalismo poderiam fazê-lo como fez o

interventor federal, mas somente os privilegiados, os apadrinhados recebiam o

pagamento em dia.

310 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.939, 13 de fev. de 1930. 311 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.880, 10 de dezembro de 1929.

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118

2.2 – O Universo do Trabalho em Manaus

[...] a história não pode ser comparada a um túnel por onde um trem expresso corre até levar sua carga de passageiros em direção a planícies ensolaradas. Ou então, caso o seja, gerações após gerações de passageiros, nascem, vivem, na escuridão e, enquanto o trem ainda está no interior do túnel, aí também morrem. Um historiador deve estar decididamente interessado, muito além do permitido pelos telcologistas, na qualidade de vida, nos sofrimentos e satisfações daqueles que vivem e morrem em tempo não redimido.

E. P. Thompson. “As peculiaridades dos ingleses”.

A expansão da economia gumífera proporcionou a diversificação do mundo

do trabalho em Manaus e uma nova configuração à classe trabalhadora, além dos

nativos da terra, imigrantes nacionais como os nordestinos e estrangeiros, entre

eles: portugueses, espanhóis, italianos, ingleses, franceses, alemães, sírios, turcos,

árabes, marroquinos, barbadianos, somados aos latinos passaram a compor as

diversas categorias de trabalhadores urbanos.

A maioria desses trabalhadores era composta de analfabetos. Aqueles que

dominavam a arte da escrita e da leitura em Manaus pertenciam ao segmento médio

da sociedade (professores, advogados, médicos, comerciantes, militares, etc.), a

eles estava agregada somente, uma pequena parcela de trabalhadores qualificados,

em geral estrangeiros. Em uma sociedade ainda marcada pela oralidade é relevante

observarmos que “por vezes, a introdução da escrita, menos que desarticular ou

sobrepujar o pensamento oral, vê-se apropriada por ele e submetida a seus próprios

termos”312. E assim, é necessário perceber não só “as limitações estruturais, mas

também as estratégias empreendidas pela cultura letrada para se impor dentro

312 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Letramento e periodismo no Amazonas (1880 - 1920). Tese de doutorado em História. São Paulo: PUC, 2001. p. 65 - 66.

Page 119: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

119

desse contexto cultural adverso”313. Dentre as estratégias utilizadas enfatizamos a

leitura coletiva de jornais e panfletos realizada nas ruas, botequins, bares, cafés,

clubes, associações de classe, ambiente escolar e etc. Este tipo de leitura se

destaca enquanto estratégia da cultura letrada para se fazer presente em um

ambiente cultural adverso, marcado ainda, em grande parte pela oralidade.

Na aquarela de rostos misturavam-se de forma majoritária os nativos e os

nordestinos. Trabalhadores de várias nacionalidades labutavam nos serviços

públicos, nas áreas de educação, saúde e saneamento como médicos, enfermeiras,

juízes, delegados, policiais, professores, amanuenses, engenheiros, etc. Na

expansão da economia gumífera, a crescente receita oriunda da arrecadação fiscal

tornou o poder público, um dos principais empregadores desse período. O comércio

também abarcava uma significativa quantidade de trabalhadores entre eles:

balconistas, caixeiros, secretários e guarda-livros. Ao iniciar o século XX, o comércio

contava com mais de três mil trabalhadores314.

Uma das características do trabalho urbano em Manaus foi a concentração no

setor de serviços do maior contingente de trabalhadores. Nesse ramo estavam os

trabalhadores ligados ao porto: catraieiros, carroceiros e estivadores e os

trabalhadores marítimos: marinheiros, taifeiros, maquinistas, práticos, pilotos e

foguistas, além das categorias ligadas à prestação de serviços urbanos (água,

bondes, esgoto, luz, telefonia e etc.)315.

Outra característica pertinente ao mundo do trabalho em Manaus foi a

predominância masculina, uma vez que a presença feminina apenas começava a

ganhar visibilidade no espaço público. No âmbito do privado, as mulheres

continuavam a exercer funções tradicionais como de domésticas: cozinheiras,

passadeiras, lavadeiras, estas muitas vezes realizavam seus trabalhos na beira dos

igarapés. No final do século XIX, o trabalho feminino avança em direção ao

magistério infantil e posteriormente para as funções de secretárias e datilógrafas.

Nas atividades fabris, as mulheres labutavam na Fábrica de Roupas Amazonense e

nas fábricas de beneficiamento de castanhas. Em todos os casos, embora

313 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte. op. cit., p. 65 - 66. 314 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Nos meandros da cidade: cotidiano e trabalho na Manaus da borracha (1880-1920). In: Associação Nacional de História – ANPUH. XXIV Simpósio Nacional de História – 2007. 315 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Nos meandros da cidade. op. cit.

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120

realizasse a mesma jornada de trabalho dos homens, seus ganhos eram inferiores

aos destes. A maioria dessas mulheres era pobre e não podia recusar o ganho

proveniente das atividades exercidas, a necessidade estava acima dos preconceitos

sociais em voga316.

O trabalho infantil317, graças às iconografias existentes, também vigorou na

Manaus da borracha. A transitoriedade desses pequenos atores sociais se

materializava no viver da cidade, seja como entregadores de encomendas e recados

ou como jornaleiros, engraxates, vendedores ambulantes, pequenos caixeiros e etc.

O trabalho do menor, assim como, da mulher era frequentemente necessário para

complementar os ganhos e a renda da família. Em diversas ocasiões, as firmas

locais e a concessionária inglesa Manáos Harbour utilizaram essa força de trabalho,

como alternativa estratégica para a manutenção da acumulação de capitais. A baixa

remuneração também foi regra predominante nesse meio318.

Enquanto, o setor terciário (comércio e serviços) englobava uma grande

quantidade de trabalhadores, o setor fabril pouco se desenvolveu alocando um

pequeno número de trabalhadores em empresas de beneficiamento de produtos

regionais como a castanha, na fábrica de gelo e cerveja, nas de vassouras, sabão,

funilarias ou ainda nas oficinas gráficas locais319.

A ampliação do mercado de trabalho na cidade se processou ancorado

nessas bases. Com isso diversas categorias profissionais vão se consolidando e

posteriormente, devido os embates travados na relação capital e trabalho, algumas

delas passam a fomentar o lento processo associativo. Neste sentido, a organização

dos trabalhadores era vista como essencial para empreender movimentos visando

mudanças e melhorias em prol de melhores condições de trabalho e de vida:

“Mas, como opormo-nos a estas condições, como obtermos a melhoria de nossa

situação, forçando o capital a concedê-las? É bem justo pedirmos, mas o operariado

pedindo sozinho e desamparado do apoio de seus companheiros de classe fica em

situação inferior ao patrão. O medo de perder o seu trabalho tira-lhe a coragem de

protestar ou pedir. É certo que um operário só, ou os operários de uma só fábrica

isolada das outras, não tem meios de defender-se, pois o patrão é quem pode exigir e

316 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Nos meandros da cidade. op. cit.,. 317 Ver o importante trabalho realizado pela historiadora: PESSOA, Alba Barbosa. Infância e trabalho: dimensões do trabalho infantil em Manaus (1890 - 1920). 318 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Nos meandros da cidade, op. cit.,. 319 Idem.

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121

ditar as condições. Recusando o pedido de seus operários, o patrão está certo da

vitória, porque as necessidades de manter a família, e a própria fome, os forçarão, em

poucos dias, a capitulação ao trabalho. De fato, o patrão pode registrar longo tempo; o

operário só, não. Os recalcitrantes são substituídos facilmente, mas trabalho novo é

difícil de encontrar, porque o patronato fica os conhecendo como rebeldes.

(...)

Desta situação nasceu a necessidade das associações (...) a associação, nós bem o

sabemos, dá ao operariado coesão e meios de pedir, e de exigir, se necessário for

resistindo por longo tempo, pois a associação solidariza os operários (...). Assim, os

patrões perdem as vantagens de tratar com um só operário, fraco e isolado, e serão

obrigados a tratar com a associação, tão forte como eles”320.

Essas associações inicialmente beneficentes e mutualistas passaram a atuar

como sindicatos em pleno período de recessão econômica, e seu interesse maior se

resumia em defender os direitos e as demandas do trabalhador. A relevância da

organização dos trabalhadores era um consenso nos jornais operários da época,

tanto os Reformistas quanto os Anarquistas apoiavam e incentivavam essa iniciativa.

A crise afetou em graus diferenciados a população citadina, tanto o

trabalhador que vivia das rendas das casas comerciais e do transporte de

mercadorias, agora com pouco fluxo, assim como àqueles que dependiam

indiretamente do pouco dinheiro trazido pelos seringueiros para ser gasto na cidade.

Estes foram os primeiros a sentirem os efeitos da convalescença econômica

regional. Em meio à crise, as elites locais teimavam em encontrar um culpado, e

para eles a culpa era dos trabalhadores, dos seringueiros especificamente, por sua

ineficiência produtiva e sua incapacidade de reação às demandas externas 321.

Esqueceu esse segmento social privilegiado dos seus desperdícios e delírios

modernistas centralizados mais na preocupação em embelezar o espaço central da

cidade, do que em realizar investimentos visando renovar e aprimorar o processo

produtivo, e da inércia das autoridades públicas que na sua ganância por mais

impostos sobre as exportações, não implementaram políticas públicas visando evitar

a derrocada da economia gumífera.

Nos debates entre o patronato e os trabalhadores, sobre a culpabilidade da

crise, os líderes sindicais foram enfáticos ao afirmar: se havia uma crise ameaçando

320 O Extremo Norte, Manaus, n 19, 20 de maio de 1920. 321 AVELINO, Alexandre Nogueira. op. cit., p. 102 - 103.

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122

a todos, esta existia não por culpa dos trabalhadores, seja ele da cidade ou dos

seringais, a culpa era da acomodação dos patrões, que ficavam de braços cruzados

a esperar a terminação da crise, ou então, a ajuda federal “cair dos céus”322.

O cotidiano dos trabalhadores, mesmo durante o apogeu da economia

gumífera foi permeado de dificuldades, os baixos salários, a longa jornada de

trabalho e a carestia de vida, agregados ao desemprego tornaram-se mais

acentuados na vigência da crise. A crise agravada a partir de 1913 passou a ter

reflexo na vida dos trabalhadores causando desemprego e ameaçando sua

sobrevivência. A queda gradual do preço da borracha e a consequente retração

comercial deixaram pencas de desempregados transitando pela cidade em busca de

novos postos de trabalho. No início da crise esse objetivo se tornava mais difícil.

Uma testemunha da época relatava que: “(...) foi abordado por um “barbadiano” que

lhe pediu um níquel, para comprar um pão, declarando lhe que tem procurado

emprego e que por toda a parte o repelem”323.

O desemprego atingiu em graus variados, os trabalhadores de diferentes

nacionalidades, a começar pelos portugueses, a maior colônia estrangeira na

cidade, nos legando quadro como este:

“Alguns portugueses que se encontram desempregados e, nesta quadra difícil de crise,

desesperançados de conseguir trabalho, escreveram ontem ao JORNAL pedindo-nos

[que] solicitássemos ao cônsul português o fornecimento de passagens para o sul do

país, onde, de certo, encontrariam mais probabilidade de conseguir colocação. Lembra

esse grupo de lusitanos que assim procede para com os seus patrícios o cônsul da

Espanha”324.

Os lusitanos controlavam boa parte do comércio lojista, padarias e mercearias

da cidade e ainda segundo o cônsul português: “a colônia portuguesa em Manaus

[possuía] mais da metade da propriedade urbana, que [rendia] anualmente a

Portugal cerca de mil contos fortes”325. Para aqueles desprovidos de tais recursos

restavam os trabalhos oferecidos pela cidade e foram esses, que mais sentiram os

efeitos da crise. A brasilianista June Hahner relata que poucos imigrantes desejavam

cortar os laços com a terra natal. Sempre que possível, enviavam dinheiro para seus

parentes na Europa. Em geral, os imigrantes celebravam os feriados de seus países 322 AVELINO, Alexandre Nogueira. op. cit., p. 100. 323 Jornal do comércio, Manaus, n 3.242, 7 de maio de 1913. 324 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.509, 1 de fevereiro de 1914. 325 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros. op. cit., p. 88.

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123

de origem, filiavam-se às associações de bem-estar baseadas na nacionalidade, e

esperavam que os representantes de seus governos os protegessem em tempos de

crise326.

No contexto local, as afirmações da brasilianista foram aplicadas tanto no

caso dos portugueses, como dos espanhóis. Estes últimos, assim como os

portugueses, fundaram na cidade sociedades beneficentes como a Sociedad

Espanola Recreativa y de Beneficencia e a Sociedad Espanola de Soccorros

Mútuos. No momento difícil de crise, a única saída para aqueles em precárias

condições de vida foi recorrer ao cônsul, na expectativa de serem ajudados ou

auxiliados pelo governo espanhol, como demonstra o caso a seguir:

Sensibilizada com a sorte de alguns patrícios que se encontram, nesta cidade, em

precárias condições, uma comissão de espanhóis, composta dos srs. Joaquim

Azpilicueta, Adrião Ruiz Breval e Anselmo Garcia, convidara o respectivo cônsul e

todos os membros da colônia para uma reunião, cujo objetivo era tomar providências

em amparo dos indigentes.

Essa reunião realizou-se ontem, às dezesseis horas, na sede do Luso Brasileiro Sport

Club, comparecendo à mesma oitenta espanhóis. O cônsul fez-se representar pelo seu

secretário, sr. Adolpho Martins, que presidiu os trabalhos, ladeado pelos presidentes da

Sociedad Espanola Recreativa y de Beneficencia e da Sociedad Espanola de

Soccorros Mutuos.

Lembrou um dos oradores que se redigisse e enviasse ao governo espanhol, por

intermédio do cônsul, um minucioso memorial, descrevendo a situação em que se

encontram os espanhóis nesta cidade, e pedindo-lhes um auxílio no sentido de serem

repatriados, com urgência, os súditos necessitados. (...)327.

No período de efervescência da economia gumífera grandes contingentes de

população pobre se deslocava para Manaus, a procura de trabalho. É importante

ressaltar que mesmo nessa época existia desemprego, principalmente para os

trabalhadores com pouca qualificação profissional. Na crise, as oportunidades de

emprego tornam-se mais difíceis e raras. Os infortúnios pelos quais passavam os

trabalhadores latinos em Manaus, no período de recessão econômica, emergem de

forma parcial em um artigo de jornal, onde várias questões se destacam. Muitos

latinos, no caso específico os peruanos, saíam de sua terra natal em busca de

trabalho, expulsos pelas adversidades da vida. Em geral, era gente do campo com

326 HAHNER, June E. op. cit., p. 253. 327 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.061, 14 de março de 1921.

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124

pouca qualificação, imbuídos de expectativas e atraídos pelas falsas promessas de

trabalho promovidas pelos agenciadores de trabalhadores. Quando chegavam à

cidade se deparavam com outra realidade, não existia trabalho para todos, os

poucos que conseguiam empregos não eram pagos pelos agenciadores, ou então,

não recebiam, destes, os salários prometidos, aqueles que insistiam em seus

direitos eram abandonados a própria sorte. A situação delicada de vários

trabalhadores peruanos era preocupante em 1928, como não tinham nenhuma

ocupação eram considerados pela polícia como vagabundos, sendo alvo constante

de perseguição e repressão policial. O cônsul peruano, único elo com a terra natal,

articulava com diversas empresas, passagens gratuitas para mandá-los de volta ao

mundo que outrora deixaram. Como poucos imigrantes latinos contribuíam com os

seus governos, nos momentos difíceis se tornavam um peso extra para estes. Eis o

teor do artigo:

“LA MÁLA SITUACION DE LOS TRABALHADORES PERUANOS EM MANAOS

Por comunicaciones diversas dirigidas a la Prefectura por el Consulado General del

Peru en Manáos, se tiene conocimiento que los trabajadores peruanos que se

encuentran por esas regiones atraviezan una situación bastante delicada a

consecuencia de causas diversas, especialmente la falta absoluta de trabajo y el

engano de que son victimas nuestros compatriotas que son llevados a esos lugares,

atraidos por las falsas promesas que los hacen ciertos individuos inexcrupulosos; pues

una vez Allá, los abandonan completamente y no les quierem pagar sus salarios

dejándolos a su propria suerte en esos solitarios parajes.

El Consul tiene que estar gestionando con empresas diversas el que traigan a nuestros

desdichados compatriotas gratuitamente hasta Remate de Males, para que de alli

puedan regresar nuevamente al Peru. En uno de los parrafos el Consul dice que la

policia brasilera está persiguiendo a infinidad de peruanos que como no tienen trabajo,

los consideran como VAGOS; y entre otras cosas dice: “Como es enorme el numero de

peruanos que se encuentran en estas condiciones he creido necesario llamar sua

atención a fin de ver si le es possible evitar en alguna fórma la emigración de nuestra

gente de campo tan poco capacitado para obtener trabajo y creo que seria conveniente

poner algun aviso em los diarios indicado que aqui no hay trabajo y que si alguno viene

a buscarlo debe pensar en que no puede contar con la idea de ser regresado al Peru

por cuenta del Gobierno”.

Page 125: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

125

Com todo agrado damos a la publicidad este hecho, para que los obreros peruanos no

se dejen surprender y vayan al extranjero a suffrir padecimientos y miserias

incalculables”328.

Nessa conjuntura de crise e desemprego não só os caixeiros tiveram seus

salários diminuídos, outras categorias citadinas foram vítimas desse artifício utilizado

pelos patrões, como por exemplo, os estivadores329, agregado, neste caso, ao

aumento da jornada de trabalho. Diante da nova realidade imposta e da exploração

de sua força de trabalho, esse segmento social protestou e reclamou. Em vários

momentos de sua história declararam-se em greve quando necessário, e bradaram

contra a diminuição gradativa dos salários, frequentes desde 1914 e pela falta de

pagamento da jornada extra:

“Em nome de cinquenta e quatro companheiros de trabalho esteve ontem, nesta

redação o estivador Manoel Gomes, ex-empregado da Manáos Harbour Limited, o qual

nos contou o seguinte: Há mais de seis anos são empregados nessa companhia no

serviço de capatazias. Antes da guerra européia recebiam alguns deles duzentos e dez

mil réis mensais e outros cento e noventa mil réis. Com a declaração da guerra

passaram a receber cinco mil trezentos e trinta e três réis nos dias de trabalho,

acontecendo que a companhia quando trabalhavam à noite não o gratificam pelo

serviço extraordinário como fazia outrora, pagando oito mil por meia noite de trabalho e

dezesseis mil réis por uma noite. Nestes últimos meses cortaram essas gratificações,

percebendo os queixosos os cinco mil trezentos e trinta e três réis, embora o trabalho se prolongue pela noite a dentro.

328 “A má situação dos trabalhadores peruanos em Manaus. Por comunicações diversas dirigidas à Prefeitura pelo Consulado Geral do Peru em Manaus, se tem conhecimento que os trabalhadores peruanos que se encontram nessas regiões, passam por uma situação bastante delicada, em conseqüência de causas diversas, especialmente a falta absoluta de trabalho e o engano de que são vítimas nossos compatriotas, que são levados a esses lugares, atraídos por falsas promessas feitas por certos indivíduos inescrupulosos; pois uma vez lá, os abandonam completamente e não querem pagar seus salários, deixando-os à própria sorte nessas paragens solitárias. O cônsul tem que estar tramitando com diversas empresas para que tragam os nossos miseráveis compatriotas gratuitamente até Remate de Males, para que dali possam regressar novamente ao Peru. Em um dos parágrafos o cônsul disse que a polícia brasileira está perseguindo uma infinidade de peruanos que, como não tem trabalho, os consideram vagabundos, e entre outras coisas disse: “Como é enorme o número de peruanos que se encontram nestas condições. Creio que é necessário chamar atenção a fim de ver se é possível evitar de alguma forma, a emigração de nossa gente do campo, tão pouco capacitada para obter trabalho, e creio que seria conveniente pôr algum aviso nos diários, indicando que aqui não há trabalho e que se alguém vier em busca deve estar ciente de que não pode contar com a idéia de regressar ao Peru por conta do governo”. Com satisfação publicamos este fato, para que os operários peruanos não se iludam e venham ao estrangeiro padecer e sofrer misérias incalculáveis”. In: Jornal El Dia de Iquitos, edição de 24 de julho de 1928. Apud.: Jornal do Comércio, Manaus, n 9.110, 2 de setembro de 1930. 329 Ver o importante trabalho sobre essa categoria específica em: PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros: trabalho e conflito no porto de Manaus 1899 - 1925. 2 ed. Manaus: Edua, 2003.

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126

No serviço de descarga e carga do Anselm [navio] esses estivadores trabalharam

quatro dias e quatro noite consecutivas, o que acharam demasiado, pois ficaram

esfalfados. Entenderam então, reclamar uma gratificação por tão pesado trabalho,

desde que a companhia cobra do comércio capatazia dobrada, quando o serviço é feito

à noite. O reclamante adiantou-nos que houve promessa de atendê-los, mas, quando

terminaram o trabalho, foram todos expulsos apesar de mais de seis anos de bons

serviços”330.

Os carroceiros e os bolieiros também foram vítimas dessa prática. Em 1917,

Manuel Maria, membro da União dos Carroceiros, informou que estavam em greve,

o motivo foi terem os patrões diminuídos seus ordenados:

“(...) é a exigüidade dos ordenados, principalmente na época que atravessamos (...).

Adiantou-nos que outrora percebiam os carroceiros e bolieiros duzentos e quarenta e

trezentos mil réis mensais, respectivamente. Os patrões baixaram esses ordenados

para duzentos e duzentas e cinqüenta mil réis, o que, no entender deles, não

compensa o trabalho”331.

Sobre a remuneração do trabalhador, as fontes indicam que na maioria das

vezes, não eram suficientes para suprir as exigências mínimas de sobrevivência. A

baixa remuneração predominante no apogeu do extrativismo da borracha persistiu

na crise. Como destaca o artigo abaixo, qualquer imprevisto no cotidiano do

trabalhador, como por exemplo uma doença, tornava a situação mais crítica, uma

vez que compromissos assumidos não seriam cumpridos. Outro item relevante

refere-se ao atraso nos pagamentos, frequentes para diversas categorias como, por

exemplo, o funcionalismo público e os gráficos da imprensa oficial:

“Não há cousa mais triste, do que a vida do pobre trabalhador numa quadra como esta

(...). A desgraça bate-lhe a porta e vai encontrá-lo vacilante e acabrunhado, pensando

como há de sustentar a prole, com tão mesquinho salário que percebe (e as vezes não

recebe); que não chega a atender as primeiras necessidades do lar. Então pensativo, e

dentro do círculo de ferro em que se acha exclama: que miséria! Não tenho dinheiro

nem crédito!...

É uma verdade. Porque se recorre ao taverneiro que é seu amigo (...) pede-lhe logo

crédito, este logo lhe diz: não posso! Outros dizem sim, mas... exploram tão

estupidamente o pobre trabalhador, que não sabe o meio de julgá-lo. E ai daquele que

diz; não posso pagar esta semana; tenha um pouco de paciência. Fica

terminantemente cortado, e entregue à sua própria desventura... Não sabem eles que o

330 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.567, 11 de janeiro de 1917. Grifo meu. 331 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.785, 24 de agosto de 1917. Grifo meu.

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127

pobre é honrado, e se não lhe pôde pagar foi por não ter recebido, ou teve que atender

à doença em casa, e o que ganhou, não deu para o médico e farmácia. Mas que há de

fazer? (...)”332.

Um aspecto que deve ser sublinhado nesse período é a falta de pagamento

do salário do trabalhador. A política de atrasar os salários dos trabalhadores era

uma das muitas vicissitudes pelas quais passava o operariado, e ilustra bem as

condições inseguras do trabalho permanente em Manaus:

“Escreveram-nos ontem uma carta vários operários que trabalharam na oficina “Nova

Empreza”, dizendo-nos, relativamente a uma notícia anteontem incerta nessa folha,

que todos eles se acham no desembolso das importâncias que venceram, quando ali

trabalharam, acrescentando que são maltratados pelo gerente Borges sempre que

procuram receber o que lhes devem”333.

No parque industrial brasileiro durante o primeiro grande surto de

desenvolvimento, não existia o contrato de trabalho com garantias legais, sendo a

admissão e dispensa do operário, acertos resolvidos de forma oral, sem aviso prévio

e sem indenização ao trabalhador demitido. Os trabalhadores viviam

constantemente amedrontados, o medo de perder seu emprego era iminente, não

havia direito à estabilidade no trabalho. Não havia “direitos adquiridos” e soluções

jurídicas ao alcance dos empregados, às quais eles pudessem recorrer para

reclamar as reduções, o atraso e mesmo a falta de seus pagamentos. Nessas

circunstâncias, o único recurso utilizado para pressionar os empregadores e fazer

valer os seus direitos era a greve334.

Em Manaus, são poucos, mas existentes, os casos onde os trabalhadores

mesmo não tendo “direitos adquiridos” procuraram de alguma forma reaver os

ganhos do trabalho realizado. Uma tentativa nesse sentido foi realizada por um

grupo de trabalhadores que pretendia entrar na Justiça solicitando, principalmente,

os pagamentos dos salários sonegados pelos patrões. Jeronymo Antonio Garcia,

Malchiades Pauxis, Gregório Fortes, Celso Ferreira de Souza, Faustino Galdino,

Antonio Oliveira, Francisco Aureliano de Araujo e Antônio Paes declararam ser

tripulantes da lancha Bazilio, respectivamente, na ordem de colocação de seus

nomes, maquinista, prático, mestre, moço de convés, marinheiro, foguista e taifeiro.

332 Vida Operária, Manaus, n 6, 14 de março de 1920. 333 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.3.19, 12 de dezembro de 1914. 334 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência: a vida do trabalhador na cidade de São Paulo (1890 - 1914). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994. p. 81.

Page 128: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

128

Todos eram trabalhadores do porto e delegaram poder através de uma procuração,

a um advogado, para que este defendesse os seus direitos perante o juízo local e

federal contra os proprietários da lancha citada, por se recusarem a pagar as

soldadas vencidas, os quatro últimos declararam ao tabelião, não saber ler e nem

escrever, elementos estes recorrente ao mundo do trabalho vigente335. A procuração

demonstra o inconformismo desses atores sociais com determinadas decisões

patronais e a luta para receber os ganhos provenientes da labuta diária. A derrocada

da economia gumífera reduziu drasticamente o fluxo de cargas e passageiros no

porto de Manaus, o que pode ter ocasionado o fato, trivial também na época de

grande movimento portuário.

A recessão econômica mais visível e acentuada, a partir de 1920 impôs ao

trabalhador pobre outro agravante, o elevado custo de vida começou a corroer os

salários, muitas vezes já reduzidos, dificultando ainda mais o viver na cidade:

“É tenebroso, principalmente para os operários, falar em carestia de vida, porque para

dizer o que ela é vai ferir muita gente boa.

A alta de preços na velha Europa é um fato, porém aqui no Brasil, é uma fonte de

riqueza dos senhores comerciante que famintos do ouro, e sedentos de ver os seus

capitais aumentarem de dia para dia, lançam mão de todas as especulações.

É verdade que em todas as praças houve alterações, devido a exportação que até

então era nenhuma, mas, o que não chegou a tanto, como os senhores apregoam.

Admito mesmo que tudo custe o olho da cara, porém não admito é a exploração que

esses mesmos senhores são useiros e vaseiros.

(...)

Não admito que esses senhores sedentos de ouro, amparados pela mentira

convencionada, sustentados pela necessidade do Povo, explore esse mesmo Povo,

sem dó nem piedade.

(...)

O ano atrasado eles aproveitaram-se da miséria do Povo, vendendo a caixa de

kerozene a 80$000, quando as duas casas representantes desse líquido, vendiam a

27$500.

No mesmo ano na quadra calamitosa da gripe, certo taverneiro da E. Epaminondas

vendeu a lata de leite a 5$000!

Durante uma semana o açúcar oscilou de 800 a 3$000.

Alguns comerciantes obtiam o leite no Cambixe a 300 réis, e venderam a 3$000.

(...)

A maior parte dos retalhistas possui dois ternos de peso e medida! 335 Manuscritos encontrados no Arquivo Público de Manaus.

Page 129: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

129

Entra ano, sai ano, e cada vez tudo mais caro.

O Povo além de comprar caro é ludibriado no peso e na medida.

(...)

O freguês, não tem dinheiro suficiente para satisfazer todas as necessidades de sua

casa, vai comprando de tudo um pouquinho, nesta mercadoria perde meio tostão,

naquela outra, e no fim de suas compras perdeu 200 ou 300 réis.

E quem ganhou? O negociante (...)”336.

Segundo o historiador Luciano Everton Costa Teles (2008), o elevado custo de

vida em Manaus era explicado a partir de três elementos. O primeiro corresponde à

ênfase dada ao extrativismo da borracha, relegando ao segundo plano a agricultura.

Os gêneros de primeira necessidade, com exceção do pescado, eram oriundos de

outras regiões, a farinha de trigo provinha basicamente dos Estados Unidos, o feijão

de Portugal, o arroz da Argentina e Estados Unidos, o charque do Rio grande do Sul

e do Prata, a farinha, produto de consumo popular era importada do Pará. O mesmo

ocorria a nível nacional, o Brasil ainda era um grande importador de alimentos.

Por sua vez, o segundo relaciona-se à crise da economia gumífera associada

às consequências da Primeira Guerra Mundial. A literatura sobre o desenvolvimento

da industrialização na região Centro-Sul informa que a Guerra possibilitou a uma

parcela de cafeicultores, a diversificação de seus investimentos. Estes passaram a

produzir produtos cujo fornecimento fora interrompido nesse período, impulsionando

um incipiente processo de industrialização. Para a Amazônia, os efeitos da Guerra

foram desastrosos contribuindo para intensificar a crise na cidade de Manaus, “para

esses senhores, ainda não terminou a guerra, as mercadorias, a cada dia sobem de

cotação, nunca se fartam, sempre famintos”337, esclarecia o jornal.

A centralização da venda de gêneros alimentícios no mercado público surge

como foco principal do terceiro fator. O contrato com a empresa concessionária

Manáos Markets provocou um aumento nos preços dos produtos comercializados

naquele recinto, devido às constantes elevações das taxas correspondentes aos

boxes alugados aos feirantes. O contrato proibia também, a venda praticada pelos

vendedores ambulantes, o que se acontecesse atenuaria o custo de vida, no

entanto, este obrigava a população citadina a abastecer-se somente no

336 Vida Operária, Manaus, n 3, 24 de fevereiro de 1920. 337 TELES, Luciano Everton Costa. A vida operária em Manaus: imprensa e mundos do trabalho, trabalho (1920). Manaus: UFAM (dissertação de mestrado), 2008. p. 74.

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130

estabelecimento público citado. Sobre o monopólio exercido pela firma inglesa,

Pinheiro relata:

“Com o arrendamento do mercado público em 1905 a Alfredo de Azevedo Alves, e

no ano seguinte o seu repasse a The Manáos Markets Slaughterhouse Limited,

provocou um aumento abusivo dos gêneros, em função das constantes elevações

das taxas que recaiam sobre a utilização dos seus boxes e sobre os gêneros

comercializados. Essa política de centralização, amparada por um contrato que

dava plenos poderes à firma inglesa, gerou proibições e dificuldades às vendas

dos ambulantes, obrigando dessa forma, a população manauara a abastecer-se

exclusivamente ali”338.

Nesse período foram constantes os embates entre a Manáos Markets e os

trabalhadores do mercado público, o motivo basicamente era sempre o mesmo. “(...)

Veio declarar-nos, na qualidade de interprete dos demais colegas, que vendem

carne de porco e de carneiro naquele logradouro público que, desde honte-hontem,

que se achavam em greve pacífica, em virtude de não se conformarem com as taxas

que estão sendo cobradas pela Manáos markets”339. A Municipalidade também

vivenciou vários embates com a empresa inglesa acusando-a não só de sugar o

sangue do povo, mas também do desequilíbrio das finanças municipais340.

O alto custo de vida em Manaus foi argumento para diversas categorias de

trabalhadores pleitearem aumento salarial. Os carroceiros, agora membros da

Associação Beneficente dos Carroceiros, muitas vezes declararam-se em greve em

função desse motivo, todavia, para que isso acontecesse era necessário o aumento

do preço das carradas de carga conduzida, o que incentivava também a adesão dos

carroceiros particulares:

“Os carroceiros amanheceram ontem em greve pacífica. Havia pouco tempo grevaram

eles pedindo aumento de preço de carradas, de dois mil e quinhentos para três mil réis.

Agora, alegando a carestia da vida, com a subida do preço dos principais gêneros de

consumo resolveram fazer outra parede pleiteando desta forma, novo aumento”341.

As greves deflagradas por essa categoria nem sempre se mostraram coesas,

o medo de perder seus empregos não dava unidade às greves, em uma delas os

338 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros. p. 71. 339 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.334, 9 de março de 1919. 340 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.466, 30 de janeiro de 1925. 341 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.495, 3 de março de 1925. Grifo meu.

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131

não grevistas chegaram a solicitar proteção policial, a fim de continuarem a labuta

diária. Sobre esse fato comenta o jornal:

“A cidade foi, quando devia principiar a parede, policiada desde manhã por soldados da

força do Estado, pelo delegado auxiliar e por diversos comissários, afim de que não se

registrassem atos reprováveis, nem fossem desacatados, por se haverem inibido de

tomar parte na greve, diversos carroceiros que haviam solicitado providências às

autoridades afim de poder exercer livremente a sua profissão”342.

Essa atitude mostra claramente não haver solidariedade de classe entre eles,

entretanto, em três greves analisadas as principais reivindicações foram atendidas, o

que não significa que os carroceiros obtiveram êxito em todas as paralisações

realizadas:

“Terminou a greve dos carroceiros de modo favorável a estes. A proposta apresentada

pelos proprietários de veículos, para fazer vigorar a tabela de trezentos e quarenta mil

réis para os choferes e ajudantes e de duzentos e oitenta mil réis para os carroceiros,

não foi aceita pela Associação Beneficente dos Carroceiros. Em vista disso, a

Associação Comercial resolveu tratar novamente do caso, realizando ontem uma

sessão, na qual ficou solucionada a questão, pois os proprietários [de carruagens]

cederam aos desejos dos carroceiros343”.

O saldo positivo nas greves consistia na importância desses trabalhadores

para a economia. Eles movimentavam a cidade, transportando em carroças as

mercadorias recém chegadas ao porto para o abastecimento do comércio local.

Enquanto, as carroças, em número superior aos caminhões nesse período não

trafegavam devido a paralisação, o JC revelava a reação do patronato diante da

situação: “(...) o transporte de mercadorias, saídas ontem do armazém dez da

Manáos Harbour foi feito em carrinhos de mão e por diversos carregadores, a fim de

evitar que as mesmas ficassem molhadas pela chuva”344. A pressa em solucionar as

greves evitava principalmente, prejuízos avultados à praça comercial.

Os cigarreiros também pleiteando aumento salarial se confrontaram com um

fenômeno pertinente ao mundo do trabalho em Manaus, ou seja, o avanço crescente

das mulheres no mercado de trabalho. A necessidade econômica forçava a entrada

das mulheres em um mundo majoritariamente masculino onde eram miseravelmente

exploradas. No contexto nacional, June Hahner comenta a atitude ambivalente da

342 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.840, 2 de junho de 1923. 343 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.497, 5 de março de 1925. 344 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.495, 3 de março de 1925.

Page 132: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

132

liderança operária masculina em relação ao trabalho feminino. Essa atitude torna-se

evidente no relatório da União dos Alfaiates, norteado pelo sindicalismo, do Rio de

Janeiro, enviado ao II Congresso Operário Brasileiro em 1913. Os líderes desse

sindicato com associados prejudicados pelo trabalho feminino demonstravam não só

a sua compaixão pelo sofrimento das trabalhadoras, quanto o medo pela competição

feminina, “as mulheres são de longe as pessoas mais exploradas em nossa

profissão e, embora lamentemos dizer isto, agora são nossas competidoras mais

perigosas, contribuindo enormemente para nossa situação angustiosa”345.

A greve dos cigarreiros foi assim anunciada no Jornal do Comércio: “acham-

se em greve os cigarreiros. Exigem eles de seus patrões o aumento de salários.

Ganhavam três mil reis por milheiro de cigarros e agora desejam que este serviço

seja pago a quatro mil réis”. Os proprietários das tabacarias deliberaram aumentar

apenas quinhentos réis, comprometendo-se, porém, a pagar, de janeiro em diante,

os quatro mil réis por milheiro de cigarros. A proposta não foi aceita pela maioria dos

cigarreiros. A minoria divergente concordante com a proposta feita pelos patrões e

disposta a iniciar o trabalho foi ameaçada pelos grevistas que cobravam

solidariedade de classe. Em vista do impasse entre os membros da mesma

categoria de trabalhadores, a opção encontrada foi a mão-de-obra barata feminina:

“a Tabacaria Globo fez um anúncio, nesta folha, dizendo precisar de moças para ali

trabalhar na confecção de cigarros”. Diante da ameaça e concorrência feminina,

quando o chefe da oficina explicava o serviço a uma pretendente, “penetraram na

dita tabacaria quatro grevistas e declararam que o serviço não podia ser feito sem

que fosse dada uma solução para o caso”. Com o quadro de animosidade, o

proprietário solicitou a intervenção da polícia, e esta mandou resguardar todas as

tabacarias da cidade, por praças da força policial. As contradições internas inerente

a cada categoria de trabalhadores, as divergências de opiniões entre os grevistas e

os não-grevistas aguçadas pela presença feminina foram motivos de acaloradas

discussões, havendo segundo o jornal até lutas corporais entre eles, em uma praça

da cidade346.

As fontes trabalhadas sinalizam a presença feminina no comércio como

secretárias e datilógrafas, na instrução primária como professoras, na área de saúde

345 HAHNER, June E. op. cit., p. 257. 346 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.996, 6 de novembro de 1923.

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133

desempenhado o papel de enfermeiras, nos ateliês, nas tabacarias, nas fábricas de

beneficiamento de castanhas, na Fábrica Brasil-Hevea e na Fábrica de Roupas

Amazonense347.

O filme do português Silvino Santos, No paíz das Amazonas, de 1922 mostra

mulheres trabalhando em uma fábrica de propriedade da firma J. G. Araújo & Ca.,

dedicada a exportação em grande escala de castanhas descascadas. Nessa época

ainda não existiam máquinas automáticas específicas para essa atividade, o

trabalho sob o olhar vigilante masculino era realizado manualmente de forma

repetitiva, contínua e monótona exigindo, das operárias, grande agilidade com as

mãos. Como sabiam que estavam sendo filmadas, algumas se arriscavam em sorrir

timidamente, enquanto, a maioria permanecia séria e produtiva, concentrada no

trabalho rotineiro, já que a principal finalidade do filme era, no momento de crise,

evidenciar as potencialidades das terras amazônicas objetivando atrair novos

investimentos para a região.

As trabalhadoras eram pagas de acordo com que produziam, ou seja, aquelas

que trabalhavam mais, recebiam maior remuneração por tarefa realizada em

detrimento das outras, dessa forma os patrões forçava-as a aumentar o rendimento

e instalava entre elas a concorrência e a rivalidade, o que deve ter gerado muitos

conflitos. Infelizmente, a fonte utilizada sobre essas trabalhadoras se restringiu

somente ao filme, não tivemos acesso a outra documentação, por isso, as doenças

oriundas dessa atividade, a luta por maiores salários e por uma jornada de trabalho

menos extenuante, assim como as relações de poder existentes no interior da

fábrica, a opressão e vigilância das quais, com certeza, eram vítimas ainda teimam

em ficar obscuras. Esperamos que novas pesquisas desencadeadas no âmbito

acadêmico possam dar visibilidade aos impasses protagonizados por essas

mulheres nos espaços de produção, enfatizando não apenas sua condição de

trabalhadora e sua reivindicação por melhores condições de trabalho, mas também

sua vivência em outros espaços de sociabilidade, até agora silenciados pela

historiografia local.

347 O historiador Eric Hobsbawn afirma que a utilização da força de trabalho feminina se deu inicialmente nas pequenas indústrias domésticas (tecelagem manual, bordados, tricotagem e etc.), posteriormente se estendeu para o setor de serviços e para a indústria (têxtil, confecções e alimentos), para somente depois, de posse do ensino primário, as mulheres direcionaram-se para as lojas e escritórios. In: HOBSBAWM, Eric J. A era dos Impérios. (1875 - 1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 271 - 306.

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134

Na Fábrica de Roupas Amazonense labutavam cerca de sessenta

costureiras, a maioria de origem lusitana, assim como, seus proprietários. Sobre as

condições de trabalho no espaço da fábrica pouco sabemos, porém o relato do

jornal anarquista A Lucta Social ao abordar o ritual de comemoração do dia 1º de

maio em Manaus, informando sobre o relevante dia dedicado ao trabalho e sobre

como o trabalhador utilizava a área central da cidade para tornar públicas as suas

reivindicações, assemelha a fábrica à uma bastilha, sinalizando os mecanismos de

dominação, controle e vigilância que atuavam em seu interior:

“(...) Foi assim que o operariado amazonense interpretou e sagrou o 1º de maio

levando a cabo manifestações diversas quer internas quer externas. Aquelas nas

associações de classe, e estas na praça pública, tendo por ponto de partida o largo de

S. Sebastião, o qual às 16 horas se juntaram proletários e estudantes dando início ao

comício o acadêmico Adail Couto (...). (...), o qual foi procedido no uso da palavra pelo

artista gráfico, J. Azpilicueta (...) concluiu exortando os presentes a seguirem pelas ruas

da cidade a fim de receber diversas corporações que aguardavam a passagem dos

manifestantes para se incorporar. (...). (...) os manifestantes encaminhavam-se pela

avenida Eduardo Ribeiro, dando entusiásticos vivas ao operariado livre, aos

estudantes, e abaixo os tiranos sintetizados nos governos e estes caracterizados no

Estado salva-guarda da burguesia infrene. Pacificamente observando a maior e mais

sensata cordura, ás vezes em silêncio sepulcral, interrompido pelas pisadas dos

homens de trabalho a onda humana proletária caminhou serena à rua da Instalação,

detendo-se em frente da pequena bastilha denominada Fábrica de Roupas Amazonense, onde as operárias d’aquela indústria receberam os seus companheiros

de trabalho como outrora, os cristãos o fizeram a Jesus cobrindo a rua com aromáticas

flores, que também derramaram sob as cabeças do operariado, desde o alto do

edifício, orando em seguida a operária Cecilia Miranda que leu um belo discurso no

qual hipotecava a solidariedade de sua classe ao operário irmão em luta e em

sacrifícios. (...). Da janela da Casa Avaneza, também orou o acadêmico Euclides

Bentes (...). Terminou saudando as operárias da Fábrica e convidando-as a seguirem

no préstito dos trabalhadores, pois que elas também eram exploradas! (...). Uma voz

fez-se ouvir então, e, de repente, a multidão operária desfilava levando na vanguarda o

grupo de operárias da fábrica, em direção ao teatro Alcazar (...)”348.

Os mecanismos de dominação e controle se estendiam para fora da bastilha

simbólica, nas diversas vezes em que o paternalismo manipulou as operárias para

conseguir diante da ameaça de fechamento da fábrica e da perda de seus

empregos, barganhar principalmente, do poder público, benefícios a seu favor. Em

348 A Lucta Social, Manaus, n 3, 1 de junho de 1914. Grifo meu.

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135

1913, a fábrica não conseguia solver os compromissos assumidos e ameaçava

fechar as portas. A despesa só com a energia elétrica atingia a mais de setecentos

mil réis mensais, perante isso, as operárias com a ajuda de seus patrões resolveram

retribuir a visita do governador do Estado realizada anteriormente ao

estabelecimento onde trabalhavam, o ritual que envolveu tal visita reforça a

afirmação do envolvimento do patronato. Essa retribuição consistia, prioritariamente,

em solicitar à mesma autoridade, auxílio à fábrica e a imediata redução da taxa de

energia:

“Domingo último, as operárias da Fábrica de Roupas Amazonense, precedidas da

banda de música do batalhão militar, foram à residência do governador do Estado

agradecer-lhe a visita feita à mesma fábrica, por ocasião da inauguração da caixa de

socorros.

Em presença da mesma alta autoridade, foi lida a mensagem que lhe dirigiram as

operárias e na qual, após hipotecaram à S. Exc.ª sua gratidão pela visita feita ao seu

estabelecimento, dizem das condições precárias em que se acha a fábrica e pedem

seu valioso auxílio para que continue ela dar a tantas moças o pão que honradamente

ganham.

S. Exc.ª, agradecendo, expôs as condições difíceis em que se encontra o Estado,

assoberbado de prementes compromissos; prometeu, entretanto, que empregaria seus

esforços para corresponder ao apelo das operárias”349.

Na luta contra o possível fechamento do local da labuta diária, as operárias

contaram com o apoio da imprensa local que noticiava seus atos e comunicava as

últimas resoluções tomadas: “sabemos que a Fábrica de roupas feitas Amazonense

reclamou da Manáos Tramways um abatimento de cinquenta por cento sobre o seu

consumo de energia elétrica, prometendo fechar, caso não seja atendida”350.

Como o prazo marcado pela referida firma para a espera da resolução da

companhia estrangeira expirou, sem que esta se manifestasse de forma favorável,

os proprietários anunciaram para o dia seguinte, o fechamento da fábrica. Uma

comissão formada pelas obreiras: Maria Coelho, Santina de Jesus, Maria da Silva

Jitahy, Rosa Del Aguila, Possidonia Coelho, Rosa Lima resolveu intermediar o

impasse:

“Acabamos de saber que, em vista da teimosia da Companhia da luz, não atendendo

ao pedido de abatimento sobre o preço da energia elétrica que se gasta na fábrica,

349 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.200, 25 de março de 1913. 350 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.339, 13 de agosto de 1913.

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136

estamos sem serviço de segunda-feira em diante, por ter a firma proprietária resolvido

assim proceder devido às enormes dificuldades com que vem lutando para dar-nos pão

e trabalho.

E como, conosco ficam a sofrer as torturas da fome perto de trezentas pessoas de

nossas famílias, a quem sustentamos com os esforços de nossos labores, apelamos

para todas as classes sociais de Manáos, a fim de que sejam solidárias conosco na

defesa dos nossos interesses”351.

A comissão ficava reunida na própria fábrica “por gentileza do gerente da

mesma”352 e deliberou manter-se unida na defesa de sua causa, para isso

recorreram às várias sociedades de classes existentes na cidade conforme nos

relata uma delas, a Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas:

“A 16 de agosto do ano que findou [1913], fomos surpreendidos pelo pedido de auxilio

que nos foi feito em ofício, bem como a outras Associações, pelas operárias da Fábrica

de Roupas Amazonense, sita à Rua da Instalação.

Essas patrícias nossas estavam na iminência de ficarem sem pão para acudir as

necessidades da família, pois que a Manáos Tramways cobrava taxa exorbitante da

energia elétrica derivada para a fábrica, para mover os maquinismos.

A firma Cunha & Ca., proprietária do estabelecimento, não podendo fazer face às

despesas, resolveu fechar a fábrica, daí a reclamação justa dessas operárias. A 19 do

mesmo mês atendemos após havermos deliberado, conjuntamente com as sociedades

Artes Gráficas, União Acadêmica, Núcleo Ginasial e Centro Agronômico, as

reclamações que nos eram feitas.

Em conseqüência, mandamos um comissionado nosso, entre os outros das sociedades

já mencionadas, a entender-se com os Srs. Cunha & Ca., proprietários da Fábrica,

resultando daí sermos todos gentilmente atendidos: a Fábrica de Roupas Amazonense

começou então seus trabalhos”353.

As articulações se mostraram positivas para as operárias, pelo menos nesse

primeiro momento, resultando na manutenção de seus empregos. Empregos que já

estavam ameaçados pela introdução de máquinas elétricas com capacidade para

cortar uma grande quantidade de calças, fazer caseados, pregar botões, entre

outras funções. Na tentativa de aprovar um projeto que isentasse “(...) dos impostos

municipais, por cinco anos, a Fábrica de Roupas Amazonense (...)”354, o gerente da

351 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.343, 17 de agosto de 1913. 352 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.343, 17 de agosto de 1913. 353 Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, Relatório da Administração de 1913. p. 7. Grifo meu. 354 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.307, 12 de julho de 1913.

Page 137: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

137

fábrica apresentava às autoridades constituídas, os equipamentos onde se

concentrava o capital investido:

“O diligente gerente da Fábrica, Sr. Tenreiro Júnior, fez, perante a numerosa

assistência, experiências com os maquinismos elétricos, instalados no

estabelecimento, procedendo ao corte de roupas, caseamento e pregamento de

botões, tudo com a máxima presteza e acabamento, sendo de notar que, em quatro

minutos, foram cortadas cento e duas calças”355.

Em 1875, um jornal feminista no Rio de Janeiro acertadamente realizou uma

previsão sobre a introdução das máquinas, principalmente, a de costura e tecer,

afirmando que tais inovações, ao mesmo tempo em que beneficiaria a

“humanidade”, custaria o emprego de “milhares de mulheres”356.

Para manter seus empregos e salários que mesmo sendo baixos e

insuficientes, a exemplo do que acontecia no Sul do Brasil onde as mulheres:

“concentradas em um número pequeno de indústrias, (...) trabalhavam em alguns dos

mais exigentes e menos desejáveis empregos de fábricas, por salários até mais baixos

do que a ninharia paga aos homens. As tecelagens, processamento de alimentos e

indústria do vestuário que fabricavam mercadorias anteriormente produzidas por

mulheres em suas próprias casas, permaneciam como seus maiores empregadores.

(...) Enquanto, um terço dos operários brasileiros ganhava de 4$000 até 8$000 por dia,

somente um décimo das mulheres estava nessa classe. No Rio de Janeiro, onde

aproximadamente um quarto de todos os trabalhadores industriais conseguia emprego,

as mulheres adultas recebiam um salário médio de 4$600, enquanto os homens

ganhavam 6$900, cinqüenta por cento a mais. (...) Mesmo quando as mulheres faziam

o mesmo trabalho dos homens, elas recebiam menos. De acordo com o Sindicato dos

Trabalhadores em Fábricas de Tecidos do Rio de Janeiro, em 1913, homens e

mulheres trabalhavam em condições iguais nas fábricas, mas nas divisões de tecidos

de lã os homens geralmente ganhavam 3$000 por dia e as mulheres 2$000. Os

homens que produziam tecidos de linho e algodão recebiam uma média de 4$000 por

dia, enquanto as mulheres recebiam somente 2$000. Os salários industriais das

mulheres continuariam a ficar atrás dos dos homens”357.

As operárias tornaram-se vulneráveis à manipulação paternalista, principalmente

porque os salários complementavam a subsistência cotidiana beneficiando cerca de

trezentas pessoas de suas famílias, porém esses laços de dependência não eram

355 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.306, 11 de julho de 1913. 356 HARNER, June E. op. cit., p. 220. 357 HARNER, June E. op. cit., p. 214 – 215.

Page 138: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

138

fortes o suficiente para impedir, que elas ameaçassem paralisar suas atividades e

entrassem em greve pacífica surpreendendo a sociedade da época:

“Não sabemos ao certo se as ideias revolucionárias das terríveis e turbulentas

sufragistas chegaram a se inocular no espírito pacato e ordeiro da mulher brasileira. O

feminismo, em verdade é coisa quase completamente esquecida entre nós,

principalmente nestas terras das Amazonas, (...). Esses conceitos nos vêm a propósito

de uma “greve” pacífica em que se declararam ontem cinquenta e seis representantes

do belo sexo, operárias da fábrica de roupas “Amazonense”. A causa não foi, como

sucede nas “greves” masculinas, interesses pecuniários: não se cogitou de aumento de

salário, nem tampouco da diminuição de horas de trabalho. (...)” 358.

Elas exigiam a volta do gerente da fábrica que teria abandonado o cargo

depois de um desentendimento sério com um dos sócios do estabelecimento:

“Diversas costureiras, inquiridas por um nosso repórter, declararam que Rosário tratara

por vezes a Tenreiro muito grosseiramente, sendo este, entretanto, um funcionário

probo e trabalhador. Devido a isso, Tenreiro viu-se na contingência de abandonar a

casa. As costureiras então, descontentes com o procedimento de José do Rosário,

resolveram não voltar ao serviço enquanto Tenreiro Júnior não voltasse a seu cargo”359.

Diferente das greves masculinas, elas não cogitavam aumento de salário e

nem diminuição das horas de trabalho conforme indica o JC, no entanto, ao

questionarem as atitudes de um dos sócios exigindo que este se retratasse

mostravam, no mínimo, que determinadas decisões patronais não eram, por elas,

aceitas passivamente. Na época em que viveram, mesmo sob as condições acima

citadas, as fontes trabalhadas indicam que foram as primeiras mulheres a lutar

diretamente pela manutenção de seus empregos e a iniciar mesmo de forma

pacífica, uma ação direta de contestação como a greve. Na comemoração do dia 1º

de maio diante do olhar confinado de outras mulheres, cercadas de uma multidão

masculina, de trabalhadores, que assim como elas, tentavam dar visibilidade as

suas reivindicações acerca das relações de trabalho, elas saíam pelas ruas da

cidade intervindo na cena histórica e escrevendo elas próprias, as suas incontáveis

histórias. Histórias silenciadas, no primeiro momento pela ausência de

documentação disponível e pela exclusão, a elas dada, pela historiografia

tradicional. À nova historiografia regional cabe resgatar e inserir a mulher no

processo histórico, no qual sempre esteve presente.

358 Jornal do Comércio, Manaus, 14 de novembro de 1912. 359 Idem.

Page 139: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

139

De volta ao mundo do trabalho masculino, Richard J. Blackburn (1992) afirma

que no decorrer da história as classes dominantes para legitimar a sua dominação

invocam um inimigo comum ou fictício, como fonte de alguma ameaça iminente a

toda sociedade, facilitando com isso a cooperação entre os segmentos ligados ao

poder e justificando medidas repressivas e de austeridade perante as classes

subalternas360. A crise foi utilizada pelo patronato como uma ameaça que a todos

afligia e visava como isso diminuir as conquistas da classe trabalhadora, gerando,

portanto, perdas para os trabalhadores. O corte nos salários, nos benefícios e até as

demissões decorrentes das retrações conjunturais do setor produtivo, eram

justificadas pelo patronato como medidas necessárias para gerar algum capital

circulante durante o período de queda do preço da borracha. A intenção era diminuir

ao máximo os custos com mão de obra, investimentos em segurança e corte de

benefícios, para que o patrão pudesse manter seus rendimentos num patamar

positivo361.

A crise nos jornais operários de Manaus surge como mais um dos recursos

utilizados pelo patronato para aumentar a mais valia na força de trabalho. Na visão

dos trabalhadores, os patrões simplesmente mentiam para aumentar ainda mais a

exploração sobre os seus empregados, o que obviamente gerava greves e protestos

cada vez mais frequentes na cidade. Sobre o fechamento do comércio em 1913, um

jornal argumentava:

Os burgueses pançudos e encharcados de dinheiro querem nós matar de fome... o Zé

povinho é quem paga o pato, pois os malditos... além de explorarem

escandalosamente, ainda acham pouco e agora inventam que a crise os arruína...

fecham as portas de seus estabelecimentos, pouco se importam que os pobres morram

de fome a míngua, porque eles são ricos e nada lhes faltam.(...) Em vez do dinheiro

que eles querem, devemos dar-lhes pau, pau, muito pau para ver se assim eles ficam

mais humanitários e menos exploradores; e depois de uma boa sova, mandarmos eles

plantar batatas lá em Portugal362.

As greves para o patronato local não eram vistas como um ato reivindicatório

por melhores condições de trabalho, quase sempre “eram taxadas como ações de

arruaça movidas por pessoas que queriam ter uma “vida mansa”, sem muito

360 BLACKBUNS, Richard James. O vampiro da razão: um ensaio de filosofia da história. São Paulo: UNESP, 1992. p. 301. 361 AVELINO, Alexandre Nogueira. op. cit., p. 121. 362 O Chicote, Manaus, n 13, 27 de setembro de 1913.

Page 140: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

140

trabalho”363. Segundo a ACA, os trabalhadores que se aventuravam nas greves

estavam em busca de aumentar ainda mais seus salários, com isso estavam

penalizando o patronato com mais uma despesa. Para os patrões, os trabalhadores

grevistas e arruaceiros deveriam ser punidos por atrapalharem o processo produtivo

e o crescimento da sociedade: “Acabe-se com a indisciplina industrial e comercial,

estabelecendo-se crédito apenas para os que trabalharem deixando-se os

preguiçosos levar uma vida digna deles”364. O discurso punitivo que incluía

demissões e multas oscilava entre uma série de iniciativas onde o patronato cedia e

realizava concessões face às reivindicações dos grevistas. O que se pretendia de

fato era depreciar as manifestações operárias e enfraquecer seu processo

associativo.

Por volta de 1917 a 1920, uma onda de greves se espalhou pelo Brasil afora

trazendo em seu bojo a luta pela diminuição da jornada de trabalho365. Esse período

foi considerado um dos mais ativos na história das organizações operárias no

decorrer da Primeira República. Ações como passeatas, comícios, greves e demais

manifestações foram intensificadas pelos trabalhadores. Como exemplo deste

fenômeno foi criado em São Paulo, o Comitê de Defesa Proletária, cujo programa

contemplava às oito horas de trabalho, semana de cinco dias e meio, fim do trabalho

infantil, segurança do trabalho, pagamento pontual e aumento de salários366. Em

Manaus, movimentos grevistas marcaram todo o período de instabilidade econômica

variando de intensidade e formas segundo as conjunturas.

A luta pela jornada de oito horas de trabalho remonta a última década do

século XIX367. Em comum acordo com que ocorria no eixo Sul-Sudeste do país, a

363 AVELINO, Alexandre Nogueira. op. cit., p. 115. 364 Revista da Associação Comercial do Amazonas. Manaus, n 52, 10 de outubro de 1912. 365 “Em 1917, uma onda de grandes greves correu pelo Brasil todo. Não apenas trabalhadores qualificados mas também grupos nunca antes efetivamente sindicalizados, (...). Os anos de 1917 até 1920 marcaram um dos períodos mais ativos na história das organizações operárias, durante a Velha República, antes que o movimento operário fosse esmagado pelo governo”. In: HAHNER, June E. Pobreza e política: os pobres urbanos no Brasil (1870 – 1920). Trad. Cecy Ramires Maduro. Brasília: Edunb, 1993. p. 306. 366 PINHEIRO, Paulo Sérgio. O proletariado industrial na Primeira República. In: FAUSTO, Boris. (org). História geral da civilização brasileira. Vol. 9. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 156 - 157. 367 Na década de 1890, o Rio de Janeiro presenciou a fundação de três Partidos Operários. Um deles liderado por Luiz França e Silva teve vida efêmera desaparecendo depois das eleições de 1890, na qual seu animador e outro candidato receberam respectivamente 804 votos. “Em 1892, França e Silva organizou o chamado I Congresso Operário Nacional, ao qual compareceram cerca de 400 pessoas. O programa aprovado na reunião foi lido na Câmara dos Deputados pelo Deputado Lauro

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141

greve geral eclodiu em 1919 deixando a cidade agitada. Várias categorias de

trabalhadores urbanos: choferes, boleeiros, carroceiros, estivadores, oficiais de

alfaiate, padeiros, lixeiros, oficiais de sapateiros, operários da construção civil, em

conjunto com os trabalhadores das firmas inglesas Amazon Engineering, Booth Line,

Manáos Harbour e Manáos Tramways participaram de forma decisiva, na luta pela

regulamentação das oito horas de trabalho vivenciando momentos de animosidade e

se confrontando:

“de forma incisiva com o patronato e as autoridades locais para fazer vigorar na

cidade a jornada de oito horas, alvo, naquele momento, de intensas manifestações

no Sul e Sudeste do País. Nitidamente a greve aparece como sendo uma forma

de pressão pela aprovação do projeto de lei que tramitava na Câmara Federal em

vias de ser votado em plenário”368.

A participação política desses trabalhadores com a deflagração da greve no

dia 13 de maio inquietou e paralisou a economia da cidade. Muitos curiosos

aglomeravam-se nas principais ruas e praças de Manaus, o centro urbanizado era o

espaço utilizado pelo trabalhador para tornar públicas as suas reivindicações.

Entre os curiosos com certeza havia muitos trabalhadores informais, que transitavam

pela área central com seus armários, paneiros, carrinhos, tabuleiros, etc., na

tentativa de improvisar sua sobrevivência na cidade. Muitos acreditavam na

possibilidade de uma greve geral, outros na iminência de graves acontecimentos,

em virtude de alguns estabelecimentos e principalmente, das companhias

estrangeiras resistirem à limitação do trabalho para oito horas. No decorrer do dia

várias categorias aderiram ao movimento paredista369.

Para negociar com o patronato, as várias categorias de trabalhadores

urbanos em greve criaram o Comitê de Operários Amazonenses cujos líderes,

Nicodemos Pacheco, Anacleto Reis, Elesbão Luz, Cursino Gama entre outros, eram

velhos conhecidos do meio operário local. O programa do Comitê visava resolver o

problema do operariado usando a moderação e a prudência, e insistia que dentro da

ordem os operários persistissem na greve pacífica distribuindo o seguinte boletim:

“Oito horas de trabalho – O comitê operário do Estado do Amazonas previne aos

estivadores e às classes trabalhadoras em geral que não voltem ao trabalho sem uma

Muller, que defendeu a instituição das oito horas diárias de trabalho”. In: FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890 - 1920). 4 ed. São Paulo: DIFEL, 1986. p. 44. 368 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros. op. cit. p. 172. 369 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.398, 14 de maio de 1919.

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142

resolução definitiva e segura das companhias inglesas Manáos Harbour, Amazon

Engeneering, Manáos Tramways e Amazon River – Pela ordem! – Avante

companheiros! – Vivam as oito horas de trabalho! – A união faz a força – O comitê”370.

Em geral, as notícias sobre a greve expressam uma maior aceitabilidade por

parte do patronato local, em relação à limitação do trabalho para oito horas,

entretanto, os representantes das firmas estrangeiras mantinham um

posicionamento contrário a nova carga horária proposta. Essa atitude gerou

descontentamento e ansiedade entre os trabalhadores grevistas dessas últimas, o

que obrigou o exército e a força policial que já transitavam pelo centro da cidade, a

fim de evitar tumultos e violências, a guardar e vigiar seus estabelecimentos

comerciais. Tal pretensão não foi exclusividade desse momento, em 1915, os

trabalhadores da Manáos Harbour, já sinalizavam neste sentido:

“os empregados da “Manáos Harbour Limited”, no justo desejo de ver diminuído o

tempo de serviço diário a que são obrigados, apresentaram, ontem, uma petição

coletiva ao diretor, solicitando que a hora de entrada para o trabalho seja às sete horas

e não às seis como tem sido”371.

A ordem defendida pelo Comitê como sendo necessária para o sucesso da

greve, em alguns momentos não existiu gerando pequenos confrontos entre o

patronato e os trabalhadores, contornados mediantes intervenções das autoridades

constituídas. O primeiro deles aconteceu na oficina da Manáos Tramways, na

Cachoeirinha, de onde saiam às 6:00 horas, os bondes em direção ao centro da

cidade. Como estavam em greve os motorneiros e condutores, o gerente de tráfego

deliberou a saída dos bondes sob a direção dos trabalhadores de linha, sem

qualificação para executarem esse serviço. Avisado pelos grevistas que ali se

encontravam com o fim de obstruir a saída dos veículos, o comandante da força

policial, alegando a falta de habilitação daqueles trabalhadores, suspendeu o

serviço, pelo menos naquele dia372. O chefe de polícia nos momentos de confronto

representava o papel de “mediador” da situação tentando acalmar os ânimos,

especialmente dos trabalhadores.

No dia seguinte, os bondes saíram das oficinas, guiados pelos diretores da

Manáos Tramways, para evitar qualquer atentado solicitaram a ajuda das

370 Jornal do Comércio, Manaus, n. 5.399, 15 de maio de 1919. 371 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.905, 10 de março de 1915. 372 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.399, 15 de maio de 1919.

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143

autoridades, do chefe de polícia e do delegado auxiliar. Em virtude desse fato, os

grevistas romperam o silêncio e protestaram aos gritos, e quando o primeiro bonde:

“(...) dobrava a curva, quase em frente à feira municipal, d’aquele subúrbio, o carro foi

interrompido na sua marcha por uma onda de paredistas que atravessava a linha,

tomando todos os pontos de passagem. (...) O chefe de polícia, que viajava no veículo,

desceu do mesmo e pediu aos operários que não fizessem o menor obstáculo, pois o

Brasil é um país essencialmente livre e a companhia tinha o direito de locomover os

seus bondes. (...) Na sua chegada à praça do Comércio que estava literalmente cheia

de grevistas, os carros foram abordados, ouvindo-se, por essa ocasião, diversas

manifestações de desagrado. Alguns populares tentaram virar os carros, sendo nisso

obstados pelo coronel Luiz Marinho de Araujo, que conseguiu acalmar os ânimos e dar

passagem aos bondes, os quais trafegaram d’ahi por diante, livremente em diversas

ruas da cidade, recolhendo-se às dez horas às oficinas da companhia”373.

Diante do acontecido, a reação dos grevistas foi imediata. Eles decidiram

inutilizar “(...) a agulha de desvio que fica em frente à Bolsa Universal, bem como a

que demora no meio da praça do Comércio”374. Outro momento de animosidade

aconteceu quando os trabalhadores souberam da demissão do motorista da Manáos

Tramwyas, Antonio Dias de Oliveira acusado de ser um dos principais insufladores

da greve. As perseguições individuais contra os líderes do movimento iniciaram, os

operários sabendo da demissão dirigiram-se à Praça do Comércio. Em grupos

isolados eles iam chegando e se fixaram em frente ao escritório da companhia, onde

protestaram contra o ato do gerente, exigindo que o motorista fosse readmitido. O

chefe de polícia solicitou à multidão que se contivesse, porém mais tarde “(...) os

operários romperam em novos protestos, originando-se dahi uma confusão infernal,

que chegou aos paroxismos da loucura”375. Em face da situação, a autoridade

insistiu que não poderia permitir que se alterasse a ordem pública e ameaçou: “si

não evacuarem o local, farei cumprir as minhas ordens por meios violentos”376.

Diante da ameaça, os operários recuaram, sem calar completamente o protesto.

Pouco depois ficaram sabendo que o chefe de polícia conseguiu junto ao gerente da

Manáos Tramwyas, a readmissão do motorista. Ciente disso, a multidão foi se

dispersando aos poucos, ainda envolvida pela névoa de animosidade gerada pelos

últimos acontecimentos.

373 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.400, 16 de maio de 1919. 374 Idem. 375 Idem. 376 Jornal do Comércio, Manaus, n. 5. 401,17 de maio de 1919.

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144

A recusa das firmas inglesas em aderir à limitação da jornada de trabalho

para oito horas fez com que o governador do Estado entrasse nas negociações e

prometesse ao Comitê intervir junto às mesmas. Na reunião realizada entre o

Comitê, o representante do governador e as companhias estrangeiras tornava-se

cada vez mais difícil chegar a um consenso que agradasse a todos. O advogado da

Manáos Tramwyas alegava: “que a anuição das oito horas importava, para a

companhia, num prejuízo anual de cento e vinte contos de réis visto que seu pessoal

tinha de ser aumentado”377. Em virtude da relutância dessas companhias, o

representante do governador realizou algumas concessões:

“(...) O representante do governador ponderou que, a vista das ponderações do

advogado da companhia e desde que o tráfego dos bondes não ficasse paralisado, o

Estado se comprometia a entrar com uma parte dos prejuízos resultantes da limitação

do trabalho, isto é, com quarenta contos de réis, por ano (...)”378.

As negociações entre os representantes dos trabalhadores e as firmas

estrangeiras avançavam, porém, os representantes do capital inglês na cidade

deixaram claro que, sua anuência a jornada de oito horas era temporária e

dependiam de uma resposta definitiva de Londres. Enquanto a resposta não

chegava o gerente da Manáos Tramways aceitou a proposta do governador

limitando para oito horas o trabalho nas oficinas da companhia, seguido pelo gerente

da Manáos Harbour, responsável pelos serviços do porto, que alegava:

“(...) prejuízos gerais para o comércio, desde o dia quatorze do corrente, tornando-se

cada vez mais difícil a solução desse caso. Achando-se no porto sem poder carregar e

descarregar várias embarcações de alto mar e fluviais, provocando reclamações dos

interessados, esta gerência, tendo em atenção as obrigações contratuais da companhia

com o governo federal (...) começa a efetuar os serviços dos armazéns alfandegados,

de acordo com o horário imposto pelo Comitê de Operários, (...)379.

Com a adesão dessas firmas, a greve do operariado parecia terminada. E no

dia seguinte os estivadores, a maior categoria de trabalhadores envolvidos na greve,

da Manáos Harbour, da Amazon River e da Booth Line compareceram a hora

regulamentada e iniciaram a labuta diária. Os carroceiros também colocaram em

marcha seus respectivos veículos.

377 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.400, 16 de maio de 1919. 378 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.400, 16 de maio de 1919. 379 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.401, 17 de maio de 1919.

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145

Diante do pequeno número de grevistas cujos patrões não aderiram à jornada

de oito horas, entre eles, os da Amazonas Engineering, ou talvez cientes das

respostas dos representantes do capital estrangeiro na cidade, as autoridades

demonstravam sua impaciência e intolerância com o movimento, baixando a

seguinte portaria:

“O chefe de polícia do Estado, no intuito de evitar a reprodução das cenas lamentáveis

desenroladas nesta capital nos dias 14, 15 e 16 do corrente, por ocasião da greve geral

promovida pelo operariado determina ao sr. delegado auxiliar e a todas as demais

autoridades da polícia civil, que tomem enérgicas providências no sentido de não

admitirem, em absoluto, aglomerações de pessoas nas ruas e praças da cidade,

promovendo arruaças, impedindo o trânsito público e, sobretudo, obstando que os

operários e trabalhadores, livremente, se dirijam aos seus pontos de trabalho afim de

exercitarem sua atividade; devendo as referidas autoridades observar strictamente as

disposições do Código Penal da República e o regulamento da polícia civil. Tomando

esta providência, a bem da ordem e da tranquilidade públicas, a polícia civil do Estado,

com o auxílio das forças armadas de que usará, se for mister, empregará toda energia

na repressão de qualquer movimento subversivo. Cumpra-se. Chefiatura de polícia

(...)380.

Londres finalmente se manifestava anunciando a resposta negativa para a

jornada de oito horas preterida pelos trabalhadores da Manáos Tramwyas e Light

Company Limited, e assim colocava um ponto final no acordo provisório realizado

por esta, com o comitê e o governo estadual. A diminuição nas rendas da empresa e

o encarecimento do material por ela utilizado nortearam essa decisão. Aos

trabalhadores anunciaram: “(...) a gerência lealmente comunica aos seus empregados (operários e trabalhadores):

Primeiro – que pagará aos mesmos os seus salários, sem diminuição durante os dias

em que vigorou o acordo provisório, demonstrando assim, a sua boa fé:

Segundo – Que, de hoje em diante, aceitará e porá em vigor para os que quiserem, o dia de oito horas, com diminuição proporcional dos salários: Terceiro – Que manterá também o regime antigo observado, sem alteração de horário

e salários”381.

A Manáos Harbour também voltou a adotar o antigo regime equivalente a dez

horas de trabalho, para aqueles que quisessem trabalhar oito horas, os salários

380 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.403, 19 de maio de 1919. 381 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.404, 20 de maio de 1919. Grifo meu.

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146

seriam diminuídos em duas horas. A empresa na intenção de defender seus direitos

e lucros argumentava:

“A companhia, tomando esta providência, tem em vista acautelar seus interesses, num

período de crise que, especialmente no Estado do Amazonas, afeta todos os ramos de

atividade, atingindo a todos os ofícios e profissões, nas suas múltiplas especialidades,

com prejuízo evidente do capital. Usa de um direito, que lhe é garantido em toda sua

plenitude pela Constituição da República Brasileira”382.

Sem força para arregimentar novamente os trabalhadores e sem o apoio das

autoridades locais, o Comitê foi expulso de seu local de funcionamento e em

seguida dissolvido:

“O dr. Hamilton Mourão, chefe de polícia, foi ontem, às quinze horas, no edifício do

grupo escolar Marechal Hermes, onde funcionava a sede da União Operária Nacional e

ai cientificou ao comitê operário que o governador do Estado deliberara não mais ceder

o prédio para as sessões operárias, visto necessitar do mesmo para trabalhos

exclusivamente escolares”383.

Na fala de seus líderes: “a missão do comitê havia sido terminada com a solução da

greve, que se não foi radical, ao menos trouxe algumas regalias para o

operariado”384. As regalias exíguas foram usufruídas por pouco tempo,

paulatinamente, a maioria das firmas voltou a adotar o horário de nove ou dez horas,

entretanto, essa pretensão não deixou de ser bandeira de luta dos trabalhadores

locais.

Alguns dias depois, a cidade estava novamente sob a perspectiva de uma

greve agora dos operários da construção civil: pedreiros, carpinteiros, estocadores e

pintores. Na greve do operariado, as firmas construtoras se comprometeram a

adotar o horário de oito horas para o serviço diário, no entanto, algumas voltaram a

trabalhar com o horário antigo, motivo pelo qual os trabalhadores resolveram

deflagrar a greve. Um dos construtores concedeu ao jornal uma entrevista, na qual

explicava que a aceitação do horário exigido na greve geral do operariado estava

condicionada a um fator ”(...) se as demais empresas e companhias continuassem a

adotar esse horário, de modo definitivo, nós também o adotaríamos, muito embora

em prejuízo dos nossos interesses. No caso contrário voltaríamos ao horário

382 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.404, 20 de maio de 1919. Grifo meu. 383 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.404, 20 de maio de 1919. 384 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.495, 21 de maio de 1919.

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147

antigo”385. A argumentação do construtor engendrava e expressava o

comportamento do mundo do trabalho, depois da greve, que uniu várias categorias

de trabalhadores urbanos:

“Até mesmo as serrarias já estão observando o horário de dez horas, sem que haja,

entretanto, a menor reclamação por parte de seus operários. Eles compreendem

perfeitamente que, na época atual, as coisas estão difíceis não se podendo fazer certas

concessões que, por muito razoáveis que sejam, só podem redundar no sacrifício dos

patrões. (...)”386.

As firmas que adotaram o horário de oito horas de trabalho, pelo menos

inicialmente, eram as preferidas dos trabalhadores e muitos, como os grevistas da

construção civil, passaram a procurar empregos nessas construtoras. A

determinação com que a Associação das Quatro Artes e a União dos Pedreiros

defendia os interesses de seus filiados desencadeou por parte dos construtores, a

iniciativa de fundar a Sociedade dos Construtores e Mestres de Obras387. Tal

associação tinha poderes especiais para agir em relação a greve dos operários,

como também para defender os interesses gerais de todas as firmas construtoras.

Ângela de Castro Gomes (1994) afirma que as eclosões do operariado muitas vezes

encontravam um patronato ainda despreparado, sendo justamente por essas razões

que eles começam a se articular em associações e a planejar medidas mais

eficientes para a proteção de seus interesses388.

Devidamente legalizada, a Sociedade dos Construtores e Mestres de Obras

da cidade iniciou uma ação no sentido da amparar os interesses da classe que

representava, conseguindo a adesão de todos os sócios ao horário de serviço

estabelecido. O horário imposto correspondia a nove horas de trabalho para os

operários da construção civil389.

A crise foi usada também pelo patronato local como desculpa para os

trabalhadores voltarem ao labor de nove ou dez horas por dia: “a crise tenebrosa

385 Jornal do Comércio, Manaus, n. 5.418, 4 de junho de 1919. 386 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.418, 4 de junho de 1919. 387 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.419, 5 de junho de 1919. 388 GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. 2 ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. p. 45. 389 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.420, 6 de junho de 1919.

Page 148: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

148

que atravessamos, não permite a redução do trabalho para oito horas”390, insistia

um deles.

O jornal O Construtor Civil lançado no ano de 1920, em seu primeiro e último

número abordava de forma fugaz, a vida árdua e difícil do operário da construção:

“(...) o operário empresta dinheiro a juros de 6 e 10 por 100 e que ele vive que nem um

nababo, todo aborrecido e empertigado; negando-se a receber os credores, quando

sonolento se encontra a fazer a digestão do almoço. (...), um pequeno calote de vinte

mil réis, é o bastante para fazer oscilar até aos alicerces, as depauperadas finanças

d’um operário? (...)”391.

Embates e conflitos permearam as relações de trabalho entre as firmas

estrangeiras e seus trabalhadores, dentre as formas de resistência, segundo os

jornais, a mais utilizada continuou sendo a greve. A luta pela jornada de oito horas

de trabalho, ainda persistia como meta, principalmente, entre os trabalhadores da

Manáos Tramways e Light Company Limited. Em 1925, os empregados da oficina da

Cachoeirinha e da luz pública e particular, ainda labutavam nove horas diárias e

declararam-se em greve pleiteando as oito horas de serviço, a eles associaram-se

os motoristas e condutores da mesma empresa. Estes requeriam aumento diário de

dois mil réis nos salários, a reforma de alguns dispositivos do regulamento da

empresa, a extinção da classe de empregados extranumerários (não pertencente ao

quadro efetivo dos funcionários ou empregados) e a readmissão de dois

companheiros demitidos392.

Com a greve dos motoristas e condutores da Manáos Tramways, as

contradições do mundo do trabalho emergiam e davam conta de um patronato

pouco propenso as negociações e as confrontações internas. Os embates também

ocorriam entre os membros da mesma categoria, o que enfraquecia o movimento,

ocasionando perdas significativas para o mesmo. Os fura-greves eram um problema

a mais para os trabalhadores grevistas, estes muitas vezes por medo de perderem

seus empregos davam funcionalidade aos serviços das empresas em detrimento do

interesse da classe, a qual pertenciam. Na greve de 1925, os bondes em número

reduzido não deixaram de trafegar “(...) conduzidos por empregados da oficina da

companhia, que não aderiram à parede, fiscais e empregados do escritório da

390 Jornal do Comércio, Manaus, n. 5.418, 4 de junho de 1919. 391 O Construtor Civil, Manaus, n 1, 5 de janeiro de 1920. 392 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.515, 23 de março de 1925.

Page 149: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

149

mesma empresa, sob a guarda de praças da força policial, devidamente

embaladas”393.

As reivindicações acima citadas foram colocadas em negociação por Pedro

Ribeiro da Silva, presidente da União Operária Amazonense, acompanhado de uma

comissão de grevistas e do advogado destes, Paulo Eleutherio. Nessa reunião, a

companhia atendia em parte, as reivindicações dos paredistas deixando de atender

ao pedido de aumento salarial e a readmissão dos dois motoristas dispensados.

Numa segunda reunião, a Manáos Tramways resolveu readmitir, por interferência do

chefe de polícia, o motorista Leopoldo Araújo. Este passava a partir da readmissão,

a trabalhar na oficina e não mais em convívio com seus companheiros, a desculpa

fornecida recaía sobre seu estado de saúde. A empresa delegava aos grevistas, a

responsabilidade pelo comparecimento e assiduidade do motorista ao serviço, sob

pena de ser novamente demitido. Quanto ao outro trabalhador demitido, Arnaldo

Cruz, a empresa não quis readmiti-lo prontificando-se apenas a fornecer-lhe uma

passagem para Belém394.

Depois de analisar as recentes propostas, os grevistas da Manáos Tramways

resolveram: “Concordar com os quatros primeiros itens, nos quais a Tramways se propõe a

readmitir, em atenção ao pedido do dr. chefe de polícia, apenas o motorista vinte um,

Leopoldo Araújo, em outro serviço, na oficina, em virtude de seu estado de saúde;

revogar as disposições do regulamento que os grevistas pleiteiam; a extinguir o

quadro de extranumerários e a aumentar a classe dos reservistas, obrigando todos

ao fardamento e fiança; e a só dispensar empregados quando estes caíssem em

grave falta.

Ao quinto, no qual a companhia declara não poder aumentar para dois mil réis o

salário diário dos motoristas e condutores, os grevistas formularam uma nova

proposta pedindo, ao invés de dois mil réis, o aumento de mil réis. Quanto ao sexto, em que a Tramways declara não poder satisfazer presentemente o

horário de oito horas de trabalho, solicitado pelos operários da oficina da

Cachoeirinha e empregados da luz pública e particular, e pede que os grevistas

aguardem a chegada do gerente efetivo para resolver o caso, não foi aceito,

mantendo os paredistas de pé a sua proposta.

O sétimo e último, em que a companhia não quer readmitir o motorista quarenta e

quatro, de nome Arnaldo Cruz, mas se compromete a dar-lhe uma passagem para

393 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.515, 23 de março de 1925. 394 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.515, 23 de março de 1925.

Page 150: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

150

Belém, desapareceu em virtude do interessado haver declarado que abria mão dos

favores que lhe eram dispensados e se considerava demitido da companhia, não

pretendendo voltar mais para esta, ainda mesmo que a greve fosse vitoriosa”395.

Nada sabemos sobre os itens do regulamento da firma estrangeira que foram

priorizados pelos grevistas, todavia, sabemos que os extranumerários eram uma

ameaça constante aos trabalhadores efetivos, sendo acionados sempre que

necessário, como por exemplo, nas greves “muitas dessas pessoas já prestaram

serviços a Manáos Tramways, contando-se também alguns motoristas que

trabalharam em Belém e Recife”396.

Como acontece na maioria das greves, o impasse e a demora nas

negociações acabam ocasionando o retorno gradual dos grevistas ao trabalho, e

assim o movimento a cada dia vai perdendo coesão e força, a premissa neste caso

não foi diferente, “(...) manifestaram-se também os grevistas da luz pública e

particular, dizendo que, já tendo alguns furado a greve, voltaram ao trabalho das

nove horas”397.

Esse tipo de estratégia utilizada pelo patronato foi muitas vezes reforçada

através da pressão e cooptação exercida, principalmente, sobre aqueles

encarregados das negociações em nome dos grevistas. Neste caso, como os

paredistas não recuavam em suas reivindicações, o fim da greve deveria ser

apressado, a cooptação recaiu sobre o presidente da União Operária Amazonense,

ocasionando dissonância entre este e a base do movimento. Essa postura tornou-se

visível através das linhas a seguir: “o sr. Pedro Ribeiro da Silva, presidente da União

Operária Amazonense, resolveu não mais ceder a sede desta sociedade para serem

realizadas as reuniões que os grevistas ali vinham efetuando com relação ao caso

em foco”398. Os interesses antagônicos entre o capital e o trabalho colidiram, e o

mais forte impôs a sua vontade:

“Foi lido o ofício, no qual a companhia se negava a satisfazer o aumento de mil réis nos salários, ultimamente proposto. Negava-se também a atender o pedido dos

empregados da oficina e da luz pública e particular, sobre as oito horas de trabalho. No

referido ofício, (...), a companhia lamentava a resolução dos grevistas em não

quererem voltar mais ao serviço se não fossem atendidos, declarando-lhes que se via

395 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.516, 24 de março de 1925. Grifo meu. 396 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.517, 25 de março de 1925. 397 Idem. 398 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.516, 24 de março de 1925.

Page 151: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

151

forçada nessas condições, a considerá-los despedidos e a procurar outros auxiliares”399.

A ameaça de substituir os grevistas por outros trabalhadores e a imposição

da concessionária inglesa forçava os grevistas a reconsiderarem determinadas

posições, e em virtude disso voltaram ao labor e reintegraram-se a normalidade da

vida citadina. Como em greves anteriores, a crise do extrativismo foi novamente

usada como desculpa para a firma estrangeira não conceder o reajuste salarial

reivindicado:

“A situação atual do mercado cambial, a crise continuada que desorganizou econômica

e financeiramente este Estado, trazendo como consequência a redução de nossas

rendas, tudo isso, impossibilita esta companhia, muito a contragosto, a não poder

atender o aumento do salário desejado”400.

Sobre a jornada de nove horas de trabalho foi assim justificada:

“(...) quanto aos empregados das nossas oficinas, eles atualmente percebem dez

dias de salários pelas nove horas que trabalham. Reduzir esse trabalho para oito

horas com a remuneração das mesmas dez horas, redundaria num aumento de

vencimentos ou salários, em prol de uma classe em detrimento e prejuízo das outras

que servem esta companhia e que olhamos com as mesmas simpatias”401.

Um fato singular nos chamou atenção nessa greve, essa singularidade recaía

sobre Arnaldo Cruz, aquele trabalhador demitido, a quem a Manáos Tramways

prometia fornecer uma passagem só de ida para Belém e recusou terminantemente

incluí-lo novamente em seu quadro de funcionários. Para chegarmos até ele é

necessário inicialmente, uma explicação. Nas greves analisadas dos motoristas e

condutores da Manaós Tramways, o Jornal do Comércio não cita que os

trabalhadores demitidos eram na realidade, os líderes operários. Ao serem

novamente readmitidos como uma das exigências dos grevistas, os mesmos não

voltavam mais ao convívio social direto com seus companheiros de trabalho,

passavam a exercer outras funções dentro da companhia, porém longe daqueles

que tinham influenciados e liderados, como aconteceu com Leopoldo Araújo. Na

greve de 1927, depois dos embates travados, outro líder operário anônimo tinha o

mesmo destino ”a companhia readmitirá no quadro do seu pessoal, mas em serviço

399 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.517, 25 de março de 1925. 400 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.517, 25 de março de 1925. 401 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.517, 25 de março de 1925.

Page 152: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

152

diferente, o condutor, chapa número dezoito, que havia sido precedentemente

despedido ”402. Para os outros grevistas determinava: Segundo – Do total dos condutores e motoristas que aderiram à greve, abandonando o

serviço, trinta serão readmitidos imediatamente ao serviço, por ordem de antiguidade,

sendo que vinte e dois irão para o quadro efetivo e oito para o da reserva efetiva;

Terceiro – Os quinze restantes grevistas ficarão na reserva, devendo ser aproveitados

sempre que o serviço da Companhia permitir, por aumento de tráfego, no mínimo na

razão de dois, por ordem também de antiguidade. (...)403

Quanto a Arnaldo Cruz, que predicados caberiam a este homem? Seria ele

um anarquista, “criador de problemas”, ou simplesmente, um propagandista de

ideologias políticas, ou quem sabe, um insuflador de greves com capacidade

suficiente para influenciar e mobilizar trabalhadores na luta por melhores condições

de trabalho? O que afirmamos é que além de líder operário404, ele representava uma

ameaça constante, um perigo que a Manaós Tramways desejava ver longe de seu

território, preferencialmente em uma outra cidade. A fala de Arnaldo Cruz revela

indícios de sua personalidade, ao saber que a firma inglesa não pretendia mais

readmiti-lo e intencionava dar-lhe uma passagem para Belém, este havia declarado:

“(...) que abria mão dos favores que lhe eram dispensados e se considerava

demitido da companhia, não pretendendo voltar para esta, ainda mesmo que a greve

fosse vitoriosa”405.

Depois da greve de 1925, os motoristas e condutores da Manaós Tramways

não se mantiveram calmos por muito tempo. Em 1927, declararam-se novamente

em greve por não aceitarem a demissão de dois companheiros de trabalho. O caso

a seguir exemplifica a referida situação, “pela manhã de ontem os condutores e

motoristas da Manáos Tramways entraram em greve pacífica. Procurando saber a

causa dessa resolução, fomos informados de que eles assim procederam em virtude

de haver a companhia dispensado dois colegas seus”406. Ambos pertenciam à

diretoria da recém fundada Sociedade dos Motoristas e Condutores. A diversidade

de experiências vividas e os diferentes processos de politização, nos termos

defendidos por Thompson, por essa categoria de trabalhadores, principalmente na 402 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.103, 2 de junho de 1927. Grifo meu. 403 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.103, 2 de junho de 1927. 404 Jane Hahner afirma que a liderança operária era em grande parte composta por trabalhadores qualificados, tanto brasileiros quanto europeus, o que significa que no mínimo eles sabiam ler e escrever. In: HAHNER, June E. op. cit., p. 255. 405 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.516, 24 de março de 1925. 406 Jornal do Comércio, Manaus, n. 8.193, 21 de maio de 1927.

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153

greve de 1925 deixaram lições claras e uma certa consciência de classe,

impulsionando à organização de uma sociedade cujo objetivo maior era a defesa de

seus interesses. Isso colocava em pauta uma série de demandas e visavam

prioritariamente modificar as suas condições de trabalho e de vida.

O movimento paredista de 1927, no qual se envolveu essa categoria obteve o

apoio de grande parte das associações pertinentes à classe trabalhadora de

Manaus, e demonstra como estava organizado o mundo do trabalho na cidade, no

final da Primeira República. Para apoiar mais uma greve dos motoristas e

condutores da Manáos Tramwyas compareceram em sua sede provisória, os

delegados das seguintes sociedades: Associação dos Empregados no Comércio do

Amazonas, União Beneficente dos Taifeiros, União Beneficente dos Práticos, União

dos Choferes, Associação das Quatro Artes, União Beneficente dos Cigarreiros,

União Operária Amazonense, União Beneficente dos Foguistas e Sindicato dos

Estivadores407.

No período estudado, o conjunto de trabalhadores urbanos manauaras se

confrontou com inúmeras vicissitudes pertinentes ao universo do trabalho, ainda

sem direitos adquiridos legalmente, lutaram através de vários mecanismos de

pressão, que incluía denúncias, apelos às autoridades constituídas, roubo de peças

e principalmente greves, por aquilo que acreditavam melhorar as suas condições de

trabalho e de vida. Magareth Rago afirma que “a profusão de manifestações

combativas desmitifica o mito do atraso político dos operários em geral”408, as lutas

implementadas a nível local corroboram para tal afirmação e afastam

consequentemente, o estigma de trabalhadores “ordeiros e pacatos” existente

somente no imaginário disciplinar das elites.

Os mecanismos de pressão por eles utilizados indicam que no interior de

cada categoria, diversas correntes de orientação social reformista e anarquista

atuavam. O que não significa como afirma Pinheiro (2003) que sua simples presença

tenha desencadeado de fato as posturas políticas tradicionalmente associadas a

essas formas de organização409. As contradições internas e os dilemas não

resolvidos pertinentes a cada categoria, onde muitos trabalhadores, poucas vezes

407 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.199, 28 de maio de 1927. 408 RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar. op. cit., p. 30. 409 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros. op.cit., p. 146.

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154

ou talvez nunca tenham ouvido falar sobre as posturas políticas citadas

anteriormente, possibilitaram a esses sujeitos históricos transitar de forma autônoma

pelo mundo do trabalho em Manaus, mais preocupados com a sua sobrevivência, do

que com a crise.

Para eles o discurso de crise difundido pelo patronato, como procuramos

demonstrar, não funcionou. A crise não fazia parte do conjunto de preocupações

desses trabalhadores, nessa conjuntura desfavorável, eles tinham reivindicações de

caráter mais imediatista exercida principalmente pela carestia de vida e pela fome,

na realidade viviam em crise permanente, na labuta diária para adquirir recursos

mínimos necessário à subsistência. Nas greves deflagradas bradaram contra as

reduções, o atraso e mesmo a falta de seus pagamentos e reivindicaram: jornada de

oito horas, melhores condições de trabalho e aumento salarial, este último refletia

em termos módicos, na sua qualidade de vida.

As lutas evidenciadas e esboçadas neste trabalho colaboram para afirmar

que o movimento operário em Manaus não era incipiente como afirmam alguns

historiadores. Essa luta inicia antes do processo de urbanização da cidade e

permeia toda a fase de expansão e euforia da economia gumífera, se acentuando no

período de recessão econômica, devido a própria dinâmica cotidiana de

sobrevivência, que dificultou ainda mais a vida do trabalhador pobre na cidade e o

intercambio realizado na esfera nacional com as novas exigências da “classe

trabalhadora”. A preocupação em sobreviver na cidade não restringiu a luta desses

trabalhadores somente a nível local. A luta pela jornada de oito horas de trabalho

refletia não só a sintonia com as demandas dos trabalhadores do Sul e Sudeste do

Brasil, mas evidenciava também, uma maior preocupação com o movimento da

“classe trabalhadora” que avançava em suas conquistas pelo mundo afora.

Page 155: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

155

2.3 - Trabalho Informal e Pequenas Ocupações Autônomas

Ao lado do mercado formal de trabalho no período estudado, observa-se a

predominância acentuada do trabalho informal e das pequenas ocupações

autônomas. A maioria dessas pequenas ocupações independentes e trabalhos

ocasionais vigoraram tanto nos tempos de euforia e expansão, como também na

derrocada da economia gumífera. Geralmente, o grosso da população pobre,

economicamente ativa, sobreviva trabalhando por conta própria e vivia por meio de

expedientes variados, à base do trabalho não-institucionalizado.

No tempo de crise e recessão econômica, o mercado de trabalho assalariado

ficou restrito e as dificuldades vividas no setor informal da economia tornaram-se

acentuadas, por isso o aumento da população miserável cresceu consideravelmente

embalado pelos grandes contingentes de seringueiros depauperados que chegavam

à cidade. Os recém chegados juntaram-se aos citadinos pobres e foram condenados

ao semi-emprego crônico tentando sobreviver das pequenas ocupações autônomas

e do trabalho informal. O estudo superficial que realizamos a partir dos

acontecimentos miúdos da vida diária manauara nos permite citar uma profusão

acentuada de pequenos profissionais autônomos, entre os quais: calceteiros,

carvoeiros, lenheiros, vidraceiros, pintores especializados, carpinteiros, marceneiros,

ferreiros, ourives, escultores, gravateiros, sapateiros, cabeleireiros, barbeiros,

alfaiates, capinadores, garapeiros, confeiteiros, açougueiros, magarefes, jornaleiros,

carreiros, roçadores, varredores, capatazes, trabalhadores em olarias, talhadores

em pedra, carreteiros, tintureiros, serradores, embaladores, cordoeiros, mecânicos,

torneadores, envernizadores, cuteleiros, etc.

Entre o trabalho informal pertinente a paisagem agitada e movimentada de

Manaus, os mascates se destacavam. Em um caso relatado pelo JC, os vendedores

ambulantes, especificamente, os mascates, também chamados de teques, nos

legaram um pouco de seu cotidiano ao desencadearem certa resistência, ao

pagamento do imposto de indústria e profissão410. O pagamento do referido imposto

era necessário para quem desejasse vender mercadorias no centro da cidade.

410 Instituído conforme a Lei nº 840, de 18 de outubro de 1915.

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156

Para amenizar a situação das rendas públicas em declínio nesse momento, o

poder público estadual aumentava os impostos. O aumento do imposto de indústria

e profissão para o ano de 1916 escondia a intencionalidade do Estado em atender

as constantes reclamações dos comerciantes locais, em relação aos vendedores

ambulantes, a quem amiúde atacavam exigindo a tributação de modo a colocá-los

em igualdade de condições, quanto aos impostos, com os retalhistas estabelecidos:

“(...) o comércio fixo por mais de uma vez tem formulado contra a desleal concorrência

que lhe é feita por essa praga daninha que se derrama por todos os cantos e recantos

da cidade, ora carregando e conduzindo caixões e carrinhos que mais parecem

grandes armazéns, ora carregando e conduzindo miseras caixinhas e caranguejolas de

bufarinheiros, sem contudo ter logrado obter dos Poderes Públicos medidas que

colocassem essa extravagante classe comercial, ao menos, em relativo grau de

igualdade tributária411.

Para que o comércio regularmente estabelecido não continuasse a ser

prejudicado com a concorrência dos vendedores ambulante, a Associação

Comercial dos Retalhistas representando 48 firmas “sugeria”:

“Achando razoáveis, como de fato eram, as ponderações que nos permitimos fazer

junto aos Poderes Públicos, a Lei Orçamentária do Estado para o exercício de 1916

elevou o imposto de indústria e profissão de negociantes ambulantes, que era de 200$

e 400$000, para 500$000 e 1:000$000, criando ainda a nova classe de negociantes

ambulantes de miudezas e quinquilharias, para a qual fixou a taxa de 200$000; e o

Conselho Municipal coletou-os com taxas que atingem a cerca de 500$000 anuais,

resoluções estas que se tornam credoras dos nossos agradecimentos”412.

Os mascates considerados “os mais rebeldes contribuintes” se negaram a

realizar o pagamento referente ao ano de 1916, já com o aumento sugerido pela

Associação Comercial dos Retalhistas, o que tornou o comércio ambulante proibido

para muitos deles. Depois dos sucessivos prazos dados pela fazenda estadual para

o pagamento do imposto, o pega-pega iniciou e a polícia, a serviço da repartição

arrecadadora, exercia sua atividade capturando, de preferência as mercadorias dos

chamados “teques”. Essa denominação provém do som, peritamente arrancado por

eles a dois longos pedaços de madeira, vibrados um contra o outro e que lhes serve

de metro. Em seus armários ou carrinhos envidraçados carregam mercadorias de

411 Associação Comercial dos Retalhistas. Relatório da Diretoria de 17 de janeiro de 1915. p. 7 Grifo meu. 412 Associação Comercial dos Retalhistas. Relatório da Diretoria de 17 de janeiro de 1915. p.8.

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157

todos os gêneros e qualidades, desde o simples papelinho de agulhas Garibaldi e do

dedal de ferro, até as mais custosas cambraias e coleções de finíssimas e apuradas

rendas413. Esses atores sociais, assim justificavam o momento de impasse junto ao

Tesouro Estadual:

“A taxa de indústria e profissão a pagar pelos mascates, tem sido, a cada ano, que

passa aumentada, duplicada, triplicada a ponto de pelo orçamento em vigor, encontrar-

se o seu comércio taxado proibitivamente. O resultado foi que, ao contrário dos outros

anos, grande parte desses vendedores ambulantes, cuja mercadoria apregoada muitas

vezes não chega à importância do imposto cobrado, viu-se obrigada a entregar aos

agentes do fisco estadual as caixas de bugigangas, chitas e armarinhos, todo o stock

de seu negócio ao Tesouro do Estado, aos que pagaram, devolvem, posteriormente, o

objeto de seus negócios, resolvendo meter em leilão as caixas daqueles que até hoje

não tivessem pago o tributo devido. (...)”414.

Com as mercadorias confiscadas pela polícia e prestes a serem leiloadas, um

grupo de 28 mascates devedores, a maioria turcos415, entrou com um mandato no

Supremo Tribunal de Justiça para suspender o leilão, no qual foi favorecido. O

remédio judiciário determinou a suspensão do leilão e que se fizesse cessar os

constrangimentos, que sofriam os peticionários. Posteriormente “(...) obrigava a

entrega aos mascates das mercadorias, que os agentes daquela repartição haviam

capturado, a fim de garantir o aumento do imposto de indústria e profissão, na coleta

deste ano416.

A vitória dos mascates na Justiça inflamou a cólera de seus velhos rivais, os

comerciantes, que ao expressarem a sua insatisfação, sinalizavam os meios

empregados por esses vendedores ambulantes para burlarem as leis:

“São os teques ou mascates [...], singulares comerciantes sem residência fixa

publicamente conhecida, alapando-se hoje aqui, amanhã ali e no outro dia acolá,

adotando nomes de esquisitas firmas comerciais que variam, momentaneamente,

consoante o seu capricho, e que, portanto, os transforma, e os oculta às vistas do fisco.

E desta forma estabelecem tremenda e desleal concorrência ao comércio regularmente

estabelecido, porque conseguem eximir-se ao dispêndio de avultadas somas para

custeio do negócio e fugir ao cumprimento de obrigações impostas por lei”417.

413 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.409, 5 de agosto de 1916. 414 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.407, 3 de agosto de 1916. 415 Alli Mamud, Ibrahem José, Assen Calil, Ligan Antonio, Abbib Azrau, Sallin Alli, Assem Assen, José Ismail, (...). 416 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.409, 5 de agosto de 1916. 417 Idem.

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158

No combate aos mascates, os componentes da Associação Comercial dos

Retalhistas insistiam em solicitar ao governador do Estado, a mesma tributação para

o ano vindouro de 1917, assim como, a elaboração de leis para obrigá-los a pagar o

imposto de Indústria e Profissão no primeiro mês do ano, evitando dessa forma o

calote no Estado:

Exm.º Snr. Dr. Governador do Estado. (...) animou a Diretoria da Associação Comercial

dos Retalhistas a ir solicitar os bons ofícios de V. Ex.ª junto ao Poder Legislativo do

Estado, para que sejam mantidas na Lei Orçamentária para o exercício de 1917, as

taxas de imposto de Indústria e Profissão que lhes foram aplicadas para o exercício de

1916. Seria também de bom aviso, Exm.° Snr. Dr. Governador do Estado, para que

eles não consigam escapulir-se novamente ao cumprimento das obrigações que devem

ao Estado, rastejando pelas dobras e refegos de qualquer outra decisão judiciária

semelhante àquela que os libertou milagrosamente do encargo do imposto de Indústria

e Profissão relativo ao primeiro semestre do exercício corrente, legislar-se também de

maneira a obrigá-los a satisfazer seus impostos no decurso do primeiro mês do ano

econômico; pois, de contrário, ficarão sempre com longo prazo para exercerem

livremente a sua safra e acabarem por calotear o Estado depois de terem prejudicado a

seu bel-prazer o comércio regularmente estabelecido, com uma concorrência

alimentada pelo próprio capital fornecido pela economia do pagamento de Impostos”418.

Para os vendedores ambulantes em geral, os comerciantes locais requeriam

o aumento dos tributos e mais rigor nas cobranças dos mesmos, no entanto, para

eles usando como desculpa a crise comercial solicitavam sempre que houvesse

conveniência, a prorrogação do prazo para o pagamento sem multa do citado

imposto:

“Ainda em virtude de reclamações que lhe foram dirigidas, baseadas nos efeitos da

terrível crise que tem assoberbado o comércio, oficiou esta Diretoria a S. Ex.ª o Snr. Dr.

Governador do Estado, solicitando-lhe a prorrogação do prazo para pagamento sem

multa do imposto de indústria e profissão dos 1º e 2º trimestres do ano corrente, tendo

S. Ex.ª atendido, e fazendo publicar o Decreto Nº 1116 de 30 de junho, que prorrogou

aquela cobrança até 31 de agosto. (...)”419.

O trabalho dos mascates ou teques era árduo e na tentativa de obter recursos

para sobreviver, pequenos contrastes na prática cotidiana de alguns ocasionava

sérios atritos entre eles, como relata o caso a seguir. O turco Felippe Jorge, de 25

anos descia a Rua Joaquim Nabuco, lá pelo final da tarde, o suor a escorrer pelo

418 Associação Comercial dos Retalhistas. Relatório da Diretoria de 1916. p. 7. 419 Associação Comercial dos Retalhistas. Relatório da Diretoria de 1915. p. 17.

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159

rosto, arriou lentamente a sua caixa de miudezas sobre uma calçada, descansando

de agitar o metro no seu compassado e infindável teque-teque. E na calma, no

repouso daquela via pública começou a pensar no seu dia, a freguesia procurou-o

muito e o resultado disso estava em seu bolso e afagou satisfeito, o embrulho

machucado das cédulas. O barulho seco de outro teque-teque feriu-lhes os ouvidos,

outro patrício se dirigia até ele, arrastando o peso de suas bugigangas, e depois

mais um e mais um. Três companheiros que junto dele pararam para descansar as

fadigas do dia. No decorrer da conversa ficaram sabendo que Felippe Jorge

praticava o comércio de seus objetos pela metade do preço e com isso não

concordaram. Insistiam que essa prática os prejudicava imensamente e foi motivo,

para que os três conterrâneos de Felippe pegassem o metro e a ele desferissem

vários golpes abrindo-lhe uma brecha na cabeça. Enquanto os agressores Aristides

Ali Mustaphá, Jorge Maria e Jorge Camillo se dirigiam para a delegacia, Felippe

recebia curativos na Santa Casa de Misericórdia420.

No ano de 1917, também os quitandeiros que circulavam em volta do

movimentado Mercado Público Municipal foram beneficiados por um habeas corpus

“(...) concedido pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado, a favor dos quitandeiros

que circundam o Mercado Público, permitindo-lhes que negociem aos domingos e

dias feriados, até o meio dia”421. Inconformados com a permissão concedida aos

quitandeiros, os comerciantes achando esta concessão em manifesta discordância

com as exigências da Lei Municipal sobre o Encerramento dos Estabelecimentos,

tentaram saber se tal concessão não importava em nulidade desta lei. À autoridade

municipal pediam providências e coerência na aplicação da Lei, baseados no

princípio que a mesma a todos deve obrigar por igual.

Os exemplos citados mostram os embates e conflitos desenvolvidos no

interior do espaço urbano, frutos da expansão da economia gumífera e seus

desdobramentos, com destaque para a urbanização e modernização, e mantidos

também na recessão econômica. As tensões desencadeadas no confronto com os

setores dirigentes mostram que muitas vezes, esses atores sociais não aceitaram

passivamente as decisões impostas de cima para baixo e que em alguns casos

420 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.332, 17 de maio de 1916. 421 Associação Comercial dos Retalhistas, Relatório da Diretoria de 1917. p. 8.

Page 160: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

160

conseguiram reverter determinada situação a seu favor, quando não, burlavam as

leis na tentativa de sobreviver na cidade.

Era muito comum a presença, nas ruas, do engraxador ambulante com seus

rústicos instrumentos de trabalho: o caixote com graxa, no qual também sentava

para realizar o trabalho diário, escovas, panos de ilustrar e um vidro de água, além

do suporte para o pé do freguês. Eles permaneciam horas inativos, a espera de

fregueses e ficavam nas esquinas das ruas de maior movimento, como por exemplo,

na Rua Municipal (hoje 7 de setembro) com a Joaquim Nabuco, apesar do preço

irrisório cobrado por estes profissionais, seus ganhos eram complementados

algumas vezes pelas gorjetas provenientes da boa vontade dos clientes. O imposto

de indústria e profissão também os atormentava, não só pelo fato de terem de

pagar, mas também pelos imprevistos dele oriundo:

“Veio dizer-nos, ontem, Francisco Constanci, engraxador ambulante, que apesar de

haver pago o imposto de indústria e profissão, referente a este ano, o respectivo

lançador, prende-o, ontem, fazendo-o recolher à delegacia de polícia, onde esteve

preso das dezessete horas e meia até às vinte”422.

O imposto de indústria e profissão necessário também para evitar a desordem

urbana, segundo o olhar dos setores dirigentes, foi motivo para declararem-se em

greve pacífica, os horteleiros da cidade. Dois colegas em atraso com o citado

imposto foram executados judicialmente, por não terem efetuado o pagamento,

sendo proibidos pelo fisco estadual de venderem os seus produtos. Os horteleiros

em solidariedade a estes, resolveram deixar de efetuar as vendas no Mercado

Público, nas ruas e nos domicílios:

“As bancas do mercado público acharam-se ontem desprovidas de verduras, não se

notando também nas ruas da cidade nenhum dos vendedores ambulantes de

hortaliças. (...) Procurando indagar a causa desse fato, soubemos que dois horteleiros

haviam sido executados judicialmente para o pagamento dos impostos de indústria e

profissão, em atraso, para com o tesouro estadual, sendo compelidos a não vender os

seus produtos, sem que satisfizessem primeiro aqueles compromissos”423.

Um expressivo número de desempregados do comércio, do setor de serviços

e seringueiros, desde que pudessem pagar o imposto de indústria e profissão podia

422 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.945, 20 de abril de 1915. 423 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.288, 27 de outubro de 1921.

Page 161: A Crise da Economia Gumífera e o Mundo do Trabalho em Manaus

161

facilmente empregar-se como vendedores ambulantes, já que esse tipo de trabalho

sem exigência de qualificação, não requeria nenhuma habilitação específica.

Os choferes, os cocheiros e vendedores ambulantes no ano de 1917

deflagraram-se em greve pacífica, a fim de conseguirem a revogação de uma

portaria do chefe de polícia, que proibiu a prática estabelecida pelas delegacias de

Manaus, até então convertidas em cobradoras de contas perdidas:

“Os choferes, os cocheiros, os vendedores ambulantes quando se viam enganados

pelos seus fregueses caloteiros corriam a uma das delegacias, apresentavam uma

queixa contra o devedor relapso e dentro de pouco tempo era este levado preso à

presença da autoridade de permanência e intimado a liquidar a sua conta.

Si cumpria a ordem e pagava, era mandado em paz, mas si ou por não ter dinheiro ou

por ser mesmo um caloteiro negava-se a satisfazer o pagamento, era o denunciado

metido no xadrez até efetuar o pagamento ou dar as devidas garantias ao credor,

comprometendo-se a indenizá-lo brevemente ”424.

A campanha contra essa prática foi liderada pelo Jornal do Comércio. A

cobrança de dívidas conforme alegava o representante do JC, não era da alçada da

polícia e nenhuma lei do país permitia a praxe que vinha tomando foros em Manaus.

A portaria determinava aos delegados que orientasse os seus auxiliares para não

tomar conhecimento de queixas sobre dívidas de automóveis, carros de praça, de

hotéis, e quaisquer outras, sob pena de suspensão ou demissão nos casos de

reincidência.

Os choferes e os cocheiros dos carros de praça sentindo-se prejudicados com

a portaria declararam-se em parede, como não conseguiram novas adesões e nem

o apoio da população, a greve não obteve êxito, mantendo o chefe de polícia a

referida portaria. No decorrer da greve para acalmar os ânimos, a citada autoridade

“ordenou mais que fosse efetuada a prisão de alguns grevistas, dentre os quais

Alfredo Silva, cinesphoro do auto número trinta e oito, conhecido pela alcunha de

Medalha e apontado como cabeça do movimento”425.

As cobranças realizadas pelas delegacias e abolidas pelo chefe de polícia

são indícios dos constantes calotes recebidos por esses trabalhadores informais e

da instabilidade financeira, por eles vivenciada. Os choferes ficavam ao longo da

Avenida Eduardo Ribeiro à espera de entrar no serviço. Às vezes, o tempo sem 424 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.768, 7 de agosto de 1917. 425 Idem.

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162

ocupação remunerada era abundante e de um modo geral havia uma coexistência

entre o trabalho e a diversão, enquanto o trabalho não aparecia reuniam-se em

agrupamentos às portas dos botequins, nessas concentrações informais, falava-se

dos problemas da vida diária, comentavam-se os crimes noticiados pelo JC,

abordava-se a situação política do momento, a crise e as greves do operariado,

trocavam-se convites para alguma festa, ainda por acontecer, além é claro de

tomarem alguns tragos de cachaça.

A prática de permaneceram às portas dos botequins foi alvo de uma ação

conjunta entre o chefe da Municipalidade e o chefe de polícia, este último “(...)

determinou ao delegado do segundo distrito providências no sentido de evitar que os

choferes abandonassem os seus autos em meio à Avenida Eduardo Ribeiro e outros

pontos para se reunir em agrupamentos às portas dos botequins”. Devendo “(...) os

choferes se conservarem sempre à boléia do seu veículo, ou, pelo menos, às suas

aproximidades”426. O JC focado no combate aos velhos costumes, também

reclamava do cotidiano desses trabalhadores informais:

“(...) há um abuso que ultrapassa os outros. É posto em ação pelos choferes. Acontece

isso de dia e de noite, em pleno sol canicular ou em plena treva densa. Levam os autos

numa carreira desabalada, fazendo curvas perigosas, verdadeiras curvas da morte. E,

como um hino de zombaria, vão esses autos soltando fon-fons! estridentes ruas afora.

Parados ao longo da Avenida Eduardo Ribeiro, não deixam o costume velho.

Empregam-no para seduzir os que passam. O fon-fon! (...)”427.

A comercialização dos mais variados doces e salgados está relacionada com

a existência de um vasto exército de trabalhadores casuais disponíveis no mercado,

com o trabalho caseiro de suas famílias e com o esforço coletivo destes

trabalhadores para sobreviver no espaço citadino428.

Os doceiros, os padeiros e os vendedores ambulantes de guloseimas eram

alvos frequentes do JC, por conduzirem pelo centro da cidade e pelos bairros pobres

mais populosos, seus tabuleiros sem a devida cobertura, “sob um nojento chuveiro

de moscas”429, a mercê de várias doenças. Essas práticas sinalizavam segundo o

jornal, uma cidade ainda mergulhada em seus velhos costumes, fora dos domínios

426 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.134, 18 de janeiro de 1913. 427 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.301, 14 de abril de 1916. 428 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência: a vida do trabalhador na cidade de São Paulo (1890 – 1914). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994. p. 153 - 154. 429 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.312, 27 de abril de 1916.

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163

do progresso. No combate aos velhos hábitos e costumes não condizente com a

civilidade imposta pelas elites, o jornal solicitava providências das autoridades, seu

principal argumento era as crianças, as vítimas mais expostas que cheias de

gulodice podiam adquirir por cem réis, uma calamidade que poderia durar a vida

toda. Os vendedores ambulantes de guloseimas devem trazer o seu produto dentro

de uma cobertura especial, livre do pernicioso inseto, era o que indicava as regras

da boa higiene, afirmava o jornal.

Na campanha realizada pelo jornal visando incutir na população regras de

higiene, peculiar ao mundo civilizado aspirado pelas elites, os barbeiros também

foram alvos do JC. Em relação a estes, chamava a atenção das autoridades

constituídas para os desleixos de certos barbeiros, frisando a necessidade urgente

de serem desinfetadas as suas respectivas navalhas430.

Muitos vendedores de guloseimas que transitavam com seus tabuleiros,

paneiros, cestas e carrinhos de cocadas, bolos, pés-de-moleque, bananas em

caldas e fritas, pastéis, salgados e outras iguarias regionais, principalmente pelas

ruas e praças do centro urbanizado, por onde transitava um maior número de

pedestres, traziam seus produtos, em grande parte, arrumados e cobertos, a

fiscalização das autoridades sanitárias nesse perímetro da cidade era mais rigorosa.

Assim, doces, quitandas e petiscos caseiros confeccionados pelas mulheres de suas

famílias eram vendidos aos trabalhadores em trânsito, homens de negócios,

funcionários públicos, moças chics, senhoras elegantes vestidas em muitos casos à

francesa, habitualmente as crianças e adolescentes constituíam o grosso da

freguesia. Uma minoria, porém, continuou sob o olhar atento da população que

reclamava solicitando “providências de quem de direito a fim de ser proibido que os

doceiros, que andam a apregoar guloseimas pelas ruas da cidade, tragam as suas

caixas descobertas, enchendo assim de poeira os doces que as mesmas contêm”431.

A capacidade de criar novos meios informais de ganhos, mesmo que esses

ganhos fossem parcos, mas o suficiente para lhe propiciar sobreviver, não deixa de

constituir a cultura de resistência do homem marginalizado pela barbárie de um

430 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.312, 27 de abril de 1916. 431 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.859, 21 de junho de 1923.

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164

capitalismo emergente, como no caso da Amazônia, que o condenava a perecer no

desemprego crônico432.

Os carregadores avulsos também faziam parte da agitada paisagem social de

Manaus. Os locais preferidos por esses trabalhadores casuais eram os arredores do

Mercado Público, conforme relata o JC em uma de suas páginas: “um grupo de

carregadores italianos, estacionados às sete horas da manhã, no portão principal do

Mercado Público, aguardando quem o chame para condução de compras”433, e

também, as principais esquinas da cidade onde esses imigrantes paupérrimos

ficavam a espera de chamados.

Os chamados variavam de acordo com a corrente de sociabilidade

desenvolvidas por eles com outros trabalhadores e a clientela. As conversas banais

realizadas nas ruas com os companheiros eram o meio usual de tornar-se conhecido

e ser inserido em um amplo círculo, onde através de referências, esse trabalhador

poderia ser contratado para realizar pequenos serviços ou arranjar trabalho.

A citação abaixo demonstra a grande relevância de desfrutar da “amizade” e

“simpatia” de algumas pessoas, isso aumentava a possibilidade se serem preferidos

ou não para a realização de algum trabalho:

“Vários carregadores, que trabalham junto aos armazéns da “Manáos Harbour”, vieram

ontem, em comissão, a esta redação, afim de que tornemos público o procedimento

que ali tem o vigia de nome Salvino Gabriel da Silva, pois que este, sem motivo, os

persegue, não consentindo que recebam bagagens dos passageiros, quando é certo

que outros carregadores e indivíduos, porque se “expliquem” melhor com o referido

vigia, têm franco acesso na ponte e podem ganhar, sem vexame, o produto de seu

trabalho”434.

Além dos imigrantes italianos, os carregadores avulsos da cidade

comportavam também nordestinos e nativos da terra. Entre eles, era comum ficarem

bebendo cachaça e contando histórias, enquanto aguardavam serviço, por isso no

final da tarde, quando se encerrava o dia árduo de trabalho, quase sempre alguém

desmaiado de fome ou de pinga, ou da combinação desses dois fatores era

432 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência: a vida do trabalhador na cidade de São Paulo (1890 – 1914). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994. p. 155 - 156. 433 Jornal do Comércio, Manaus, 14 de setembro de 1912. 434 Jornal do Comércio, Manaus, n 3.443, 27 de novembro de 1913.

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165

recolhido pelos guardas de quarteirão ou mais precisamente pelos companheiros de

luta435.

Como os ganhos eram pagos ao termino de cada serviço, estes poderiam de

vez em quando praticar algum tipo de jogo existente na cidade, na tentativa de

aumentar os parcos recursos. Jogos como o entrudo, a rasa, a roleta, o jaburu, o

bilhar, a tabola, o quino eram frequentemente condenados pelos jornais da época: “o

jogo, surgiu a princípio, num botequim escuro onde operários e pobres homens iam

ao delírio de poucas horas, atirar ao azar o ganho de uma semana, o saldo de um

mês, enquanto, no lar humildemente a família pacientemente esperava”436. A

jogatina também considerada uma fonte de desgraça para os trabalhadores em

geral era atacada com veemência pelos jornais ditos operários: “(...) a maior parte

das vezes, infelizes operários, atraídos por esse maldito quino perdem o último

vintém, e no dia seguinte, as suas famílias ficam entregues aos negrumes da fome.

Além de tudo estes antros perniciosos convertem os habitues em alcoólatras

invertebrados, maus cidadãos e maus chefes de família (...)”437.

As denúncias constantes na imprensa sobre o jogo indicavam o crescimento

dessa prática em Manaus: “não bastava a crise aniquiladora, não chegavam os

cortejos de desgraças, que nos aguilhoam, que nos matam. Faltava alguma coisa,

com efeito, para perfazer as sete pragas do Egito”438. Assim, se referia o JC para a

chegada na receptiva cidade de mais um jogo, as loterias.

Segundo Pinto (1994), este tipo de trabalho casual não envolvia nenhuma

habilidade específica do trabalhador e devido a grande invasão cotidiana dos

concorrentes e a superabundância de trabalhadores casuais, os ganhos pagos por

tarefa realizada eram insignificantes e intermitentes e geralmente estavam abaixo do

nível mínimo de sobrevivência439.

Carregando seus rústicos tabuleiros, os peixeiros ofereciam peixes de água

doce, muitas vezes pescados por eles mesmos aos moradores da cidade, em troca

de pouco dinheiro, alimentos ou roupas usadas. Em geral, eram populações pobres,

ribeirinhas, pescavam para a sua sobrevivência diária e comercializavam os

435 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência. op. cit., p. 145. 436 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.296, 9 de abril de 1916. 437 Vida Operária, Manaus, n 21, 25 de julho de 1920. 438 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.296, 9 de abril de 1916. 439 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência. op. cit., p. 144.

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excedentes de porta em porta nos domicílios urbanos. O cotidiano dos peixeiros que

moravam na cidade e viam nesta atividade, o único meio de sobrevivência não era

fácil. Seu Raimundo tinha o rosto duro e sofrido, acordava de madrugada e se dirigia

para a orla do Mercado Público onde comprava: jaraqui, matrinxã, tambaqui,

curimatã, sardinha, pacu, acari-bodó, tucunaré e outros peixes regionais para vender

em frente de sua casa ou nas principais ruas do bairro onde morava, para facilitar a

vida de seus fregueses trazia também limão, cebolinha, pimenta cheirosa e cheiro

verde. Os ganhos oriundos dessa prática eram suficientes para a compra do dia

seguinte, o pouco que sobrava era gasto com bebidas e mulheres.

As ruas eram ainda o centro onde se efetuava o pequeno comércio

ambulante de aves, ovos, leite, quelônios e miúdos de carne. A maneira rústica com

que certos vendedores ambulantes conduziam o seu produto, inúmeras vezes

tocando o animal solto pelas ruas ou sobre suas respectivas cabeças, exigia desses

trabalhadores certas habilidades e muita paciência. Apesar de atraírem contra si as

queixas de alguns moradores, a resistência e os atritos com inúmeros comerciantes

de mercearias estabelecidos nas adjacências por onde circulavam, e a intolerância

do pessoal da limpeza pública, estes ambulantes atraíam a simpatia da maioria das

donas-de-casa, por ofereceram produtos a preços baixos e conquistavam a

criançada que ficavam afoitas e alegres ao presenciarem as algazarras realizadas

pelos animais440.

Os vendedores ambulantes de galinhas e ovos que comercializavam seus

produtos no interior do Mercado Público foram acusados de contribuir para o

elevado custo de vida da cidade, por venderem a preços excessivos suas

mercadorias, no intuito de conter a alta, o Superintendente Municipal deliberou “a

administração do Mercado Público Municipal que entrasse diretamente no comércio

das aves e dos seus produtos. Por intermédio de empregados do Mercado fazia-se a

provisão suficiente de galinhas e ovos, que eram revendidos ao público pelo preço

de aquisição”441. Isso foi o suficiente para que os mercadores de galinhas e ovos se

reunissem e fossem a presença do Superintendente solicitar a retirada da

Municipalidade do mercado, mediante determinadas condições, aceitas pelo chefe

440 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência. op. cit., p. 126. 441 Relatório do Superintendente Municipal. Dr. Hugo Ribeiro Carneiro, 1925 (2ª sessão ordinária, 1 de outubro de 1925). p. 29 - 30.

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do poder municipal, este então passou a tabelar esses artigos a preços que

considerava justos, a contento geral da população.

Movendo-se com muita agilidade de uma rua a outra, o padeiro, português na

maioria das vezes ou descendentes de portugueses, com seu tabuleiro à cabeça ou

cestos aos ombros, fazia a entrega bem cedo, ao raiar do sol, das encomendas para

os habituais fregueses. Muitos deles dormiam nas próprias panificadoras para

realizar esse tipo de serviço e com certeza recebiam frequentemente as

reclamações sobre o elevado preço do pão e a redução do seu tamanho. No período

estudado foram constantes os protestos da população contra o alto custo de vida

que imperava na cidade. O mais popular dos alimentos contribuiu para esse fato, em

1917, o JC publicou um artigo sobre o extraordinário preço desse alimento e

apontava para uma prática vigente nas panificadoras que consistia em burlar o peso

mínimo do pão regulamentado por lei:

“Ainda ontem, depois de termos recebido diversas reclamações, veio a nossa redação

o Sr. Febrônio Cabral, que nos trouxe o pão da fábrica Biju, pesando 55 gramas e

vendido por cem réis. O Sr. Febrônio declarou-nos que sendo freguês daquela fábrica,

vinha notando, dia a dia, a diminuição do peso e do tamanho do pão. Para não

reclamar injustamente foi a uma farmácia e em uma balança de precisão verificou que

o pão de cem réis da Biju pesava somente 55 gramas o que importa em custarem

2$000 1.100gramas”442.

Em 1925, ainda persistia na cidade essa prática:

“Pedem-nos que reclamemos contra o tamanho do pão que está sendo vendido em

certas padarias, pois, com a baixa do preço da farinha de trigo, não justifica essa

escassez. Ainda ontem veio à nossa redação um cavalheiro e aqui deixou um pequeno

pão de cem réis, que comprara em uma mercearia, à Avenida Joaquim Nabuco. O pão

era de tamanho menor do que os antigamente vendidos a dois por um tostão”443.

Os leiteiros também faziam parte do universo cultural da cidade e percorriam

várias ruas, bem cedinho, com o caldeirão de leite às costas e pequenas vasilhas

equivalentes a um e meio litro, um funil e colher, instrumentos necessários para tirar

o leite da lata e despejar na garrafa do freguês, e em muitos casos, surgiam

puxando uma vaca para vender o produto tirado na hora444.

442 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.702, 2 de junho de 1917. 443 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.736, 8 de dezembro de 1925. 444 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência. op. cit., p. 123.

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Esses vendedores ambulantes apareciam nas páginas dos relatórios

municipais por praticarem atos considerados ilícitos e perigosos, à saúde da

população, visando aumentar a produtividade do animal, e com isso os seus ganhos

adicionavam sempre que possível água ao leite. Depois de inúmeras reclamações, o

Superintendente Municipal baixou um decreto proibindo:

“(...) aos condutores de vacas para a venda de leite o uso de mais vasilhas que não as

de um e meio litro, as quais são hoje obrigados a mostrar, sempre que as queiram ver,

assim aos fiscais como aos compradores. Esses leiteiros costumavam trazer uma

bolsa, onde conduziam garrafas, umas vazias ou cheias de leite, outras contendo água

o bastante para a rendosa operação que já agora não lhes é possível”445.

Os aspectos pitorescos do cotidiano da cidade incluíam o vendedor de

tartarugas, de tracajás e quelônios, em geral. Dedicavam-se a essa profissão, os

caboclos da terra, acostumados com as agruras da floresta e a domar o grande rio.

Moravam na zona rural do Município e chegavam cedo, de canoa, catraia ou

batelões, junto com os trabalhadores rurais que vinham trazer seus produtos

agrícolas para abastecer a população citadina. Equilibravam o animal vivo sobre a

cabeça com a ajuda de uma rodinha de pano. Deles lembram os ingleses, que

moraram na cidade: “[...] o vendedor de tartaruga, carrega sobre a cabeça (viva) [...]

Tartar Ruga! Tartar Ruga! Ele chama [...] Aí você escuta Peixe Fresco! [...] não usa

sino, mas tem de corneta para neblina. Aí você ouve uma estranha cançoneta e a

voz de uma mulher: - Tartar Ruga Ova! Tartar Ruga Ova! (ovos de tartarugas),

[...]446. Os ovos crus misturados à farinha transformavam-se em arabus, uma iguaria

peculiar da região muito consumida com café pela população cabocla que habitava

os bairros periféricos.

Os tripeiros monopolizavam o comércio de miúdos de boi, porco, frango,

carneiro, entre as vísceras era comum encontrar: fígado, coração, tripas, rins,

mocotó, pés. O preço baixo desses produtos possibilitava que fossem amplamente

comprados nos bairros em que se concentravam famílias de trabalhadores pobres.

Da memória do grande poeta emerge a prática do ofício do tripeiro:

“(...) Não me lembro da figura humana do vendedor de miúdos, só lembro do seu

tabuleiro com tampa e cavalete. Mas guardo até hoje a música, o andamento rítmico e

445 Relatório do Superintendente Municipal. Dr. Basílio Torreão Franco de Sá, 14 de julho de 1920. p. V. 446 PENNINGTON, David. Manaus e Liverpool: uma ponte marítima centenária (Anos finais do Império/ meados do século XX. Manaus: EDUA/ UNINORTE, 2009. p. 257.

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169

a sequencia do seu pregão, que andei repetindo para os meus amigos ( os rapazes de

infância) em tantos lugares deste mundo. Primeiro era o anúncio da mercadoria: Miú-ú-

ú-dos, o ú demorava até o fim da última reserva de ar no pulmão (eram miúdos de

porco e de boi, ele os adquiria no Curro). Depois era a exaltação da qualidade:

“Frescos, fresquin-in-in-in-nhos”, e afinava a voz num agudo pianíssimo, entretanto

audível a muita distância. E afinal o chamamento, que se repetia em ritmo sincopado.

“Quem-vai-querer! Quem-vai-querer!”. Ora quem não queria pelo menos lá da nossa

rua ele voltava de tabuleiro vazio; (...)”447.

Depois de uma noite ao vinha-d’alhos, com muito louro, cheiro-verde e chicória e

empregando fórmulas especiais de cozimento, a panelada era cozida ao fogo de

lenha, e posteriormente servida a toda família.

Os vendedores de gelo atendiam uma restrita clientela de famílias com certo

poder aquisitivo. De madrugada, as inúmeras carroças puxadas por burros

sonolentos dirigiam-se para a fábrica de gelo, onde também ficava localizada a

fábrica de cerveja, no Plano Inclinado. No extenso pátio da fábrica, cada um recebia

o seu quinhão de pedras com que serviam a freguesia durante toda a manhã,

vendendo-as em pedaços de um e meio quilo aos domicílios localizados no centro

da cidade e sua adjacência. Ao passar na casa da freguesa, o geleiro que podia ser

um ex-seringueiro parava a carroça e buzinava denunciando a sua presença.

Naquele tempo não havia geladeira, a luz fornecida pela Manáos Tramways era

deficiente e o gelo era consumido na hora do almoço, quando as famílias

precisavam beber alguma coisa gelada. Como o número de carroças era grande,

cada uma atendia uma parte da cidade, cujos fregueses já conheciam448.

Nesse mundo masculino, as mulheres pobres circulavam pelo espaço social

transitando com uma certa desenvoltura. Sobre o cotidiano de seu trabalho,

precariamente documentado nas fontes escritas, incluindo os jornais da época, nos

deparamos com fragmentos de discursos e realidades díspares, resquícios de uma

existência autônoma que se insinuava pela cidade. Sem oportunidade de emprego e

tendo que sobreviver, o serviço doméstico, mais que os empregos nas incipientes

fábricas, no comércio, no funcionalismo público, nos ateliês, nas tabacarias

continuou a prover trabalho para as mulheres das classes populares. Nos anúncios

447 MELLO Thiago de. Manaus, amor e memória. 4 ed. Manaus: Valer, 2004. p. 67. 448 ANDRADE, Moacir. Manaus: ruas, fachadas e varandas. Manaus: Humberto Calderado, 1985. p. 109 -110.

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170

dos jornais era frequente a procura de copeiras, costureiras, cozinheiras, amas,

lavadeiras, criadas, empregadas e mulheres especialistas em doces.

Era expressivo o número de mulheres casadas, com filhos, que ganhavam

dinheiro “pegando encomendas para fora”, realizadas em suas casas, assim

permaneciam ao lado dos filhos, que em muitos casos ainda precisavam de

cuidados e orientação. Organizavam a sua rotina de trabalho de modo a incluir os

afazeres domésticos do cotidiano, as funções de subsistência da família: cozinhar,

lavar, passar, arrumar a casa, cuidar da higiene das crianças, amamentar, e nos

intervalos executavam o trabalho encomendado. Este trabalho prolongava-se até

altas horas da noite, quando não terminavam, acordavam de madrugada para

executá-lo, para elas inexistiam feriados, sábados e domingos. Apesar da dura

rotina de trabalho, das pesadas responsabilidades que assumiam, das noites mal

dormidas em consequência de uma rotina de muito trabalho, essas mulheres

acreditavam ser melhor para elas e para a família aceitar encomendas que

pudessem ser realizadas em seus domicílios. Muitas, para ajudar no orçamento

familiar, aceitavam encomendas variadas e qualquer tipo de trabalho temporário que

pudesse ser realizado no lar, desde trouxas de roupas para lavar, engomar e passar,

a pedidos de doces e salgados449.

As lavadeiras, toda a semana, pegavam a trouxa com roupas na casa da

freguesa, na maioria das vezes traziam essas trouxas em cima da cabeça, o que

consistia em um esforço a mais nessa árdua e trabalhosa profissão. Sentadas em

um jirau ou em cima de uma tora de madeira na margem de um, dos inúmeros

igarapés que cortavam a cidade, lavavam as roupas de seus fregueses ricos, entre

elas, os ternos de “linho branco” muito usado na época pelos burocratas da

sociedade e muitas recebiam salários mensais. Outras realizavam o mesmo trabalho

buscando as trouxas nos navios recém chegados à cidade: “depois do “raid” da

alfândega, chegavam ao navio as lavadeiras, levavam a roupa para lavar. Sempre

traziam de volta. Nunca houve um caso da roupa de alguém sumir”450. Tagarelando

com suas colegas de profissão contavam as novidades da redondeza e reclamavam

da quantidade de roupas sujas, aos seus olhos sempre crescentes, e pelo mesmo

preço. Lá por volta das 11:00 horas estendiam as roupas sobre a grama à margem 449 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência. op. cit., p. 174. 450 PENNINGTON, David. Manaus e Liverpool: uma ponte marítima centenária (Anos finais do Império/ meados do século XX. Manaus: EDUA/ UNINORTE, 2009. p. 257.

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171

do igarapé sob o olhar atento ou quase atento de seus filhos, dessa forma tentavam

evitar que as roupas já limpas fossem pisadas por animais como: vacas, porcos,

cachorros, carneiros, inerentes a paisagem natural onde praticavam os seus

ofícios451. Mesmo tomando o maior cuidado com as roupas de seus fregueses não

evitavam certos imprevistos:

“Os amigos do alheio penetraram, ontem, no quintal da casa da lavadeira Amélia da

Silva, à Avenida Japurá e surrupiaram, de um coradouro, dois vestidos de linho branco

e dois lençóis, no valor de trezentos mil réis, pertencentes a família do dr. Alfredo da

Mata. A ocorrência foi levada ao conhecimento da polícia, que prometeu capturar os

laparios”452.

Depois de lavadas, as roupas eram mergulhadas em um recipiente contendo

goma de mandioca para endurecer e armar as roupas, só depois de engomadas ou

não, dependendo do gosto do freguês, eram secas e passadas. Cada lavadeira

possuía um ferro médio com uma abertura onde era colocado o carvão vegetal,

ateava-se fogo ao carvão, para disseminar esse fogo assoprava-se várias vezes,

longo das roupas limpas, é claro, pois as cinzas poderiam sujá-las, quando o ferro

começava a esquentar, a etapa final da lavagem era iniciada e entrava noite

adentro.

Para fazer frente à situação difícil, ao grande número de filhos para sustentar,

um número considerável de mulheres vivia de costura, ofício que haviam aprendido

no contato diário com suas mães e avós desde a infância. Seus afazeres domésticos

eram realizados de modo que sobrasse tempo para essa atividade, em geral,

permaneciam curvadas longas horas sobre a máquina de costura, principalmente

em tempos de festas, como no carnaval, por exemplo. Uma charge saudosista do JC

reverenciava um tempo não muito longínquo e reforça essa afirmação: “– No ano

passado, no dia de hoje, os fabricantes de doces, os músicos, as costureiras, os

vendedores de bugigangas carnavalescas não tinham mãos a medir. O Zé Pereira

roncava e a gente estava a noite no meio do turbilhão no Ideal Club! (...)”453. Além de

costurar e receber baixos rendimentos, muitas mulheres também bordavam e faziam

451 ANDRADE, Moacir. Manaus: ruas, fachadas e varandas. Manaus: Humberto Calderado, 1985. p. 191. 452 Jornal do Comércio, Manaus, n 6.065, 18 de março de 1921. 453 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.794, 13 de fevereiro de 1926.

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arranjos artificiais de flores, enxovais de bebê, sob encomenda, para as senhoras da

alta sociedade454.

Aquelas que precisavam trabalhar fora, geralmente concentradas no serviço

doméstico, na casa de pessoas ricas, seja, pelo sistema de remuneração mensal ou

como diaristas, viviam um dilema diferente em relação aos filhos e as atividades

cotidianas da casa. Sobrecarregadas com as tarefas domésticas e o compromisso

com a clientela, era comum, os filhos mais crescidos ajudarem suas mães nos

afazeres mais leves e cuidarem do irmão menor, muitas famílias pobres iniciavam os

seus filhos, desde pequenos, na rotina do trabalho, através dessas pequenas

responsabilidades comunitárias. Outra saída para o núcleo familiar era colocar o

filho mais velho para trabalhar como jornaleiro, engraxate, vendedor ambulante,

carregador, pequeno caixeiro e etc., se fosse menina poderia trabalhar em casa de

família ou cuidar de uma outra criança, na expectativa que os ganhos destes,

contribuíssem para a sobrevivência da família.

A vida dessa trabalhadora era mais fácil quando vários membros das famílias

viviam próximos uns dos outros, isso possibilitava que parentes como avós, tias, e

sogros tomassem conta dos filhos menores, para que as mães pudessem

desempenhar funções de lavadeiras, passadeiras, cozinheiras, quituteiras ou

realizar o serviço necessário para deixar uma casa limpa e organizada em alguma

residência de família abastada455. A preferência na cidade era pelas portuguesas,

principalmente quando as famílias solicitantes eram de origem lusitana: “Precisa-se

de uma criada, de preferência portuguesa, para serviços de pequena família,

pagando-se bem. A tratar á rua Luiz Antony, n. 85”456.

Foi para essas mulheres intrépidas e operosas que viviam uma jornada de

trabalho extenuante, dedicada às tarefas do lar e de mercado, em sua maioria

analfabeta, que em 1916:

“Dona Rachel Fonseca de Castro e Costa comunicou ao Jornal que, ontem, iniciou os

trabalhos da Escola Operária Noturna, que fundou nesta cidade à rua Vinte e Quatro de

Maio número cento e quatorze e destinada ao ensino do curso primário às meninas e

454 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência. op. cit., p. 175. 455 Idem, p. 173 - 175. 456 Jornal do Comércio, Manaus, n 7.858, 29 de abril de 1926.

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173

moças empregadas em fábricas, serviços domésticos, costureiras, gomadeiras e outras

que desejarem instruir-se”457.

Sobre a Escola Operária Noturna destinada ao ensino do curso primário às

moças empregadas em fábricas, serviços domésticos, costureiras, gomadeiras e

outras engajadas no mundo do trabalho, pouco sabemos, todavia, esperamos que

pesquisas futuras possam iluminar sua trajetória. Afirmamos, no entanto, que como

a referida escola funcionava no período noturno, essa iniciativa beneficiou as

mulheres trabalhadoras que moravam no centro da cidade. Para um grande número

de mulheres que residia nos bairros periféricos como Educandos, São Raimundo e

Colônia Oliveira Machado cujo principal meio de transporte era as catraias e não os

bondes, pois nesse período, os citados bairros ainda não usufruíam desse meio de

transporte, tal iniciativa foi inviável.

A instrução como meio de conquistar uma vida melhor, um bom trabalho,

diferente daquele praticado por suas mães e avós ou mesmo mais independência na

vida cotidiana, motivou muitas mulheres da classe trabalhadora a saírem do âmbito

do privado e trilhar esse novo caminho. Em 1919, admirado com a crescente

presença feminina na Escola Municipal do Comércio, o superintendente Municipal

exclamou: ”(...) a presença de alunas que já sobem a 16, evidencia até que ponto

essa instituição veio despertar no balo sexo de nossa capital o sentimento de sua

independência pela conquista de um meio de vida (...)”458. Para o diretor da escola:

“O número crescente destas, (...). Expressa também a concorrência, do elemento

feminil na conquista de uma das profissões liberais, para a qual, a mulher, nos

últimos tempos, tem dado provas de alta capacidade”459. O número parece irrisório

para a população feminina da época, porém era o começo de novas conquistas e de

uma outra história.

Como a maioria dos trabalhadores autônomos não estava sujeita à rotina

regular do emprego fixo e ao controle direto ou indireto do patrão, isso possibilitava

ao mesmo, organizar o seu próprio ritmo de vida, integrando indiferentemente no

seu cotidiano o tempo-trabalho e o tempo-lazer. O tempo era determinado pelo

ritmo da natureza, seguiam o nascer e o pôr-do-sol, muitos vendedores ambulantes, 457 Jornal do Comércio, Manaus, n 4.232, 4 de fevereiro de 1916. 458 Relatório do Superintendente Municipal. Dr. Antônio Ayres de Almeida Freitas, 14 de julho de 1919. p. XVIII. 459 Relatório do Superintendente Municipal. Dr. Antônio Ayres de Almeida Freitas, 14 de julho de 1919. p. 53.

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caboclos amorenados de pele enrugada e queimada pelo tórrido sol exerciam suas

profissões, enquanto, a luz do dia teimasse em iluminar a cidade. As variações nas

condições atmosféricas interferiam diretamente no exercício das profissões

efetuadas nas ruas, os dias muitos chuvosos prendiam em casa inúmeros

trabalhadores, deixando as ruas mais movimentadas de Manaus e dos bairros

pobres mais populosos, silenciosas e quase desertas460.

Muitos trabalhadores flutuantes que exerciam suas profissões na área central

da cidade, depois de um almoço pouco nutritivo (o preço de uma refeição fora de

casa, por mais simples que se apresentasse, tornava-se inviável para eles, pois

“consumiria parte significativa dos seus soldos. Em janeiro de 1924, os proprietários

de hotéis, restaurantes e pensões de Manaus cobravam $800 réis para um “prato

comum” em um estabelecimento “de 2ª classe e $700 réis para as casas de terceira

classe”)461 descansavam das fadigas da manhã e realizavam suas sestas no espaço

público da cidade, enrolados na luz morna do começo da tarde, era comum naquela

época, os transeuntes observarem:

“(...) Dorsos recostados aos troncos das árvores da Praça Matriz, carregadores

italianos, mascates árabes, caboclos trabalhadores braçais – estiravam-se no fofo da

relva, sossegadamente a ressonar. Na Praça Tamandaré era a mesma coisa. Ali pela

rampa do Mercado o descanso era amaciado pela brisa que chegava do rio. Os

estivadores faziam a sua sesta lá mesmo pelo roadway, sobre a maciez das pranchas

de itaúba”462.

Ao cair da noite, depois do jantar, colocava-se em prática, uma das

esplêndidas instituições culturais da Manaus daquele tempo, a conversa de calçada.

Nesse espaço de sociabilidade, trabalhadores, mulheres e crianças juntavam-se

para ouvir fascinados grandes conversadores, excepcionais contadores de casos e

histórias do rio e da floresta463. Os últimos acontecimentos da cidade e da

vizinhança também eram colocados em dia, durante o momento de descontração

outras práticas diárias recorrentes nesse espaço eram alvos de queixas no JC:

“Pessoas residentes à Rua Demetrio Ribeiro pedem as vistas das autoridades para os

moradores de uns “cortiços” e quartos, existentes no princípio da mesma via pública.

460 PINTO, Maria Inez Machado Borges. Cotidiano e sobrevivência. op. cit., p. 230. 461 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros. op. cit., p. 73. 462 MELLO, Thiago de. Manaus: amor e memória. op. cit., p. 48. 463 Idem, p. 47 - 48.

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Neles residem vários indivíduos e trabalhadores que, à tarde ao cair da noite, tomam

conta da calçada, divertindo-se em atirar pilhérias a pessoas que por ali passam” 464.

Na conjuntura de crise caracterizada pela depreciação dos preços da

borracha, dada as limitadas oportunidades ocupacionais, o desemprego, os baixos

salários, a carestia de vida, a instabilidade profissional, os “excluídos do látex”

continuaram a desenvolver no espaço urbano estratégias de sobrevivência diversas,

tais como o furto, a mendicância, a prostituição, e outros expedientes como a venda

ambulante, na tentativa de obterem algum recurso para amenizar as dificuldades

vividas no dia-a-dia.

Estratégias ou manipulação das relações de forças (Certeau, 1994) foram

triviais no período estudado. Para satisfazer as necessidades mínimas da existência

cotidiana, diversos atores sociais pobres empregaram várias estratégias na luta para

sobreviver na cidade. Membros de uma mesma família, não tiveram outra saída a

não ser partilhar seus recursos e ganhos limitados:

“Das 8.000 casas que a constituem, mais de 2.000 estão desabitadas, inclusive

inúmeras nas principais ruas comerciais. As famílias menos abastadas tiveram de

constituir verdadeiras repúblicas, para assim, reunidas, repartindo as despesas,

poderem fazer em face das dificuldades da vida”465.

Para burlar as leis ou os mais poderosos recorreram a uma série de recursos

clandestinos de sobrevivência:

“Diversas pessoas que se consideram, como muitas outras, prejudicadas, escreve-nos

dizendo que, sobrecarregadas com impostos, nas suas indústrias, entretanto estão a

sofrer a competência de uma porção de indivíduos que, sob o pretexto de festejar este

ou aquele santo, desenvolvem, nos arrabaldes, um comércio sem que um ceitil de

imposto lhes seja cobrado, tendo para auxiliá-los na atração do público, música

gratuita, iluminação, etc., o que não é justo nesta época em que o comércio se debate

na maior crise”466.

A recorrência às práticas ilícitas de ganho, como o roubo, muitas vezes

associadas aos pequenos e grandes ladrões profissionais e aos desocupados, foram

também recorrentes ao trabalhador pobre destituído dos mínimos bens de

sobrevivência. Eric Hobsbawm467 sugere que o roubo, nessa perspectiva, deve ser

464 Jornal do Comércio, Manaus, n. 3.385, 29 de setembro de 1913. 465 Revista da Associação Comercial do Amazonas, n 78, 10 de dezembro de 1914. 466 Jornal do Comércio, Manaus, n 8.548, 4 de novembro de 1928. 467 HOBSBAWM, Eric. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense/ universitária, 1975. p. 7 - 23, 35 - 53.

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176

analisado como parte integrante da cultura de resistência das classes pobres, sua

precária condição de vida, a miséria vivenciada no dia-a-dia, a exigência mínima de

ter comida, pelo menos para os filhos, fizeram esse trabalhador praticar diversas

formas de rapinagem, entre elas, uma citada pelo JC, o roubo de lâmpadas elétricas.

A venda dessas lâmpadas proporcionava recursos irrisórios, mas fundamentais e

suficientes para satisfazer as necessidades imediatas de sua família:

“Aproximando-se o dia da comemoração dos defuntos, esse dia respeitado por todos

os fiéis, lembramo-nos de invocar o valioso concurso dessa ilustrada redação, no

sentido de conseguir do chefe de polícia, a adoção de medidas enérgicas tendentes a

fazer cessar a ladroeira de lâmpadas elétrica, que ultimamente vai se desenvolvendo

de maneira assombrosa no campo santo de São João. Dantes, em tempos que não vão

longe, havia o máximo respeito e a mais pronunciada veneração pela memória

daqueles que passaram ao segundo período da evolução vital, de maneira que a

ordem, o acatamento à lei, eram mantidos nos cemitérios, eram irrepreensíveis, ao

sabor de todos que ali tinham um parente querido, um ente idolatrado. Hoje, porém, e

depois que a Manáos Tramways começou a fazer o serviço de iluminação elétrica, mais

em condições com os deveres dos fiéis, numa época de crise pavorosa, que todos nós

atravessamos sabe Deus como – desenvolveu-se a roubalheira nos lugares sagrados,

a apavorar os mais valentes!”468.

O desemprego estrutural forçou um grande contingente de trabalhadores

pobres a ocupar empregos temporários e instáveis ligados a tarefas informais e

flutuantes, na tentativa de obter ganhos mínimos para sua subsistência. Uma

população que realizava trabalhos em casa sob encomenda, até altas horas da

madrugada, com uma jornada de trabalho extenuante, enquanto, outra parte

transitava intensamente pelas ruas com armários envidraçados, tabuleiros, paneiros,

caixas, carrinhos e cestos carregando produtos variados. Na luta cotidiana

esbarravam nas leis e desafiavam os mais poderosos, como os comerciantes locais,

que não hesitavam em acionar as autoridades constituídas e a força, caso

necessitassem para reprimi-los e afastá-los, principalmente das ruas de maior

movimento da cidade. Nesse momento, sobreviver na cidade era apenas mais um,

dos inúmeros desafios enfrentados pela população pobre de Manaus.

468 Jornal do Comércio, Manaus, n 5.924, 28 de outubro de 1920.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como afirmamos no decorrer do trabalho, a crise foi um fato e seu reflexo foi

sentido em diferentes graus por todos os setores envolvidos com a economia

gumífera, do urbano ao rural. Apesar do drástico efeito da crise sobre a economia do

Amazonas e da cidade de Manaus, a instabilidade econômica não chegou a causar

a desaceleração completa da economia, visto que, a supressão da borracha foi

acontecendo gradualmente, e não abruptamente. Esse fator agregado ao outro lado

do mundo do trabalho não afetado diretamente pela crise proporcionou a vivacidade

da cidade e consequentemente, de sua economia.

O comércio, o setor mais afetado pela crise, apesar dos inúmeros discursos

proferidos por seus representantes, que na realidade tentavam desesperadamente

perante, o governo federal uma política de valorização da borracha ou ajuda

financeira com a intencionalidade de resgatar as benesses usufruídas no apogeu da

economia da goma elástica, oriundas dos grandes lucros provenientes do sistema

de aviamento, já em 1923 aparecia revigorado da convalescença econômica e

abastecendo em escala menor, como faz até nos dias atuais, o interior do Estado.

Quanto ao mundo do trabalho, a crise foi utilizada pelo patronato local como

uma fonte de ameaça iminente a toda sociedade, com isso esse segmento social

privilegiado visava, prioritariamente, frear e diminuir as conquistas da classe

trabalhadora. Trabalhadores de diversas categorias não aceitaram passivamente os

recuos e retrocessos em suas conquistas. Nas greves realizadas contra as

reduções, o atraso e mesmo a falta de seus pagamentos, trivial nesse período,

também reivindicaram aumento salarial e em sintonia com a luta implementada pela

classe trabalhadora no resto do Brasil pleitearam: jornada de oito horas e melhores

condições de trabalho.

As peculiaridades da economia informal foram vivenciadas por um grande

número de trabalhadores pobres, assim como, por seringueiros depauperados que

chegavam à cidade na luta constante pela sobrevivência e se dedicavam às

pequenas ocupações autônomas e ao trabalho informal. Muitas vezes, além das

jornadas de trabalho extenuantes, do sol tórrido, da chuva e de ganhos irrisórios, ou

seja, dos obstáculos naturais pertinentes às suas atividades se confrontavam com

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os embates desencadeados com os setores dirigentes. Em muitos casos, esses

atores sociais citadinos não aceitaram passivamente as decisões impostas de cima

para baixo e tentavam reverter determinada situação a seu favor, quando isso não

era possível, burlavam as leis na tentativa de sobreviver na cidade.

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FONTES

1. Documentação oficial

Coleção de Leis, Decretos e Regulamentos do Estado do Amazonas (1910 – 1930);

Coleção das Falas, Relatórios e Mensagens dos Governadores do Estado do

Amazonas (1910 – 1930);

Coleção das Falas, Relatórios e Mensagens da Intendência do Município de Manaus

(1910 – 1930).

2. Periódicos

A Lucta Social (1914)

Jornal do Comércio (1910 – 1930)

O Chicote (1913)

O Construtor Civil (1920)

O Extremo Norte (1920)

Tribuna do Caixeiro (1908)

Vida Operária (1920)

Revista: Associação Comercial do Amazonas (1910 – 1919)

Revista: Redenção (1924 – 1927)

3. Outras Fontes:

Associação Comercial dos Retalhistas, Relatório da Administração (1912 – 1918);

Associação dos Empregados no Comércio do Amazonas, relatório da Administração

(1908 – 1928);

Documentos do Ginásio Amazonense (1920);

Filme: No paiz das Amazonas (1922);

Indicador Ilustrado do Estado do Amazonas (1910 e 1919).

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ENCARTE FOTOGRÁFICO

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Um trecho do bairro de São Raimundo, vendo-se ao fundo o rio Negro. Jornal do Comércio, nº 3.631, 5 de junho de 1914.

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Jornal do Comércio, n° 3.230, 24 de abril de 1913.

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Enquanto a produção amazônica caía drasticamente, a produção de borracha cultivada nas colônias inglesas subia a cada ano. Charge do Jornal do Comércio, n º 4.292, 5 de abril de 1916.

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Para satirizar o momento econômico e político do Amazonas, os jornais da época publicavam charges salientando o descaso da União. Na charge do Jornal do Comércio, nº 6.221, de 21 de agosto de 1921, a mulher representava a Vontade Nacional sob o olhar atento do governador César do Rego Monteiro.

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Turcas vendedoras ambulantes vindo da praça General Ozório para a rua Vinte e Quatro de

Maio. Jornal do Comércio, nº 3.641, 15 de junho de 1914.