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A CRIAÇÃO DA COMISSÃO ESTADUAL DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA NO CAMPO E NA CIDADE (COECV): importante instrumento de mediação no cumprimento das reintegrações de posse no estado do Maranhão Tatiana Alves Tavares Ferreira 1 Brenda de Abreu Sá 2 Jonata Carvalho Galvão da Silva 3 RESUMO O presente artigo trata da criação da Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (COECV) que, dado histórico de conflitos agrários no Maranhão, apresenta o desenvolvimento dos trabalhos da Comissão durante o período de agosto de 2015 a dezembro de 2016, segundo os critérios estabelecidos pela Lei nº 10.246/2015, do Decreto nº 31.048, de 25 de agosto de 2015 de e no Regimento publicado pela Portaria nº 95 - GAB/SEDIHPOP de 22 de abril de 2016. Retrata a estrutura e o funcionamento da Comissão como experiência pioneira enquanto instrumento de mediação e de prevenção de conflitos rurais e urbanos com a participação dos Órgãos Governamentais, da Sociedade Civil e Órgãos fiscalizadores de Justiça. Palavras chave: Questão Agrária. Mediação de conflios agrários. COECV ABSTRACT This article deals with the creation of the State Commission for the Prevention of Violence in the Field and in the City (COECV), which, given the historycal of agrarian conflicts in Maranhão, presents the development of the work of the Commission during the period from August 2015 to December 2016, According to the criteria established by Law 10246/155, Decrete 31.048 of August 25, 2015 and the Rules of Procedure published by Administrative Rule 95 - GAB / SEDIHPOP dated April 22, 2016. It describes the structure and functioning of the Commission as a pioneering experience as an instrument for mediation and prevention of rural and urban conflicts with the participation of Governmental Organs, Civil Society and Justice Inspection Bodies. Key - words: Agrarian Question. Mediation of agrarian conflicts. COECV 1 Pós-Graduanda em Gestão Pública Instituto Alfa. 2 Graduanda em DireitoUniversidade Federal do Maranhão (UFMA). 3 Especialista em Direito Processual CivilInstituto Brasiliense de Direito Público (IPD)

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A CRIAÇÃO DA COMISSÃO ESTADUAL DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA NO

CAMPO E NA CIDADE (COECV): importante instrumento de mediação no cumprimento

das reintegrações de posse no estado do Maranhão

Tatiana Alves Tavares Ferreira1

Brenda de Abreu Sá2

Jonata Carvalho Galvão da Silva3

RESUMO

O presente artigo trata da criação da Comissão Estadual de

Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (COECV) que,

dado histórico de conflitos agrários no Maranhão, apresenta o

desenvolvimento dos trabalhos da Comissão durante o período

de agosto de 2015 a dezembro de 2016, segundo os critérios

estabelecidos pela Lei nº 10.246/2015, do Decreto nº 31.048, de

25 de agosto de 2015 de e no Regimento publicado pela Portaria

nº 95 - GAB/SEDIHPOP de 22 de abril de 2016. Retrata a

estrutura e o funcionamento da Comissão como experiência

pioneira enquanto instrumento de mediação e de prevenção de

conflitos rurais e urbanos com a participação dos Órgãos

Governamentais, da Sociedade Civil e Órgãos fiscalizadores de

Justiça.

Palavras – chave: Questão Agrária. Mediação de conflios

agrários. COECV

ABSTRACT

This article deals with the creation of the State Commission for the

Prevention of Violence in the Field and in the City (COECV),

which, given the historycal of agrarian conflicts in Maranhão,

presents the development of the work of the Commission during the

period from August 2015 to December 2016, According to the

criteria established by Law 10246/155, Decrete 31.048 of August 25,

2015 and the Rules of Procedure published by Administrative Rule

95 - GAB / SEDIHPOP dated April 22, 2016. It describes the

structure and functioning of the Commission as a pioneering

experience as an instrument for mediation and prevention of rural

and urban conflicts with the participation of Governmental Organs,

Civil Society and Justice Inspection Bodies.

Key - words: Agrarian Question. Mediation of agrarian conflicts.

COECV

1 Pós-Graduanda em Gestão Pública – Instituto Alfa. 2 Graduanda em Direito–Universidade Federal do Maranhão (UFMA). 3 Especialista em Direito Processual Civil–Instituto Brasiliense de Direito Público (IPD)

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1. INTRODUÇÃO

A questão agrária no Maranhão compreende um conjunto de problemas inerentes

ao desenvolvimento do capitalismo no campo, tornando-se latente imbróglio atemporal no

que concerne a problemática de direitos humano, levando-se em consideração a

multiplicidade de violações de direitos presente nos conflitos de natureza fundiária, seja por

moradia ou trabalho.

Criada pela Lei Estadual n. 10.246, de 29 de maio de 2015, a Comissão Estadual

de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, é um mecanismo que visa reduzir a

violência no campo e na cidade, diante do quadro grave de conflitos fundiários existentes no

estado do Maranhão. Constitui-se importante mecanismo de promoção e proteção de direitos

humanos, agindo em plena consonância com a legislação nacional e internacional que trata

sobre o tema, inclusive a Convenção 169 da OIT, a Constituição Federal (art. 4º, incisos II, VI

e VII, e art. 5º, caput, e incisos XI, XXII, XXIII), a Constituição Estadual (os artigos 2º, III, e

3º), o novo Código de Processo Civil (art. 565), além do Provimento 29/2009-CGJ do TJMA

e o próprio Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de

Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, editado pela Ouvidoria Agrária Nacional.

De acordo com o artigo 2º da Lei 10.246, dentre as competências da Comissão,

destacam-se: desenvolver estudos, projetos e ações coordenadas com vistas a prevenir,

combater e erradicar a violência no campo e na cidade, relativa a conflitos fundiários; avaliar

as medidas necessárias a serem adotadas em ações possessórias coletivas e reivindicatórias,

inclusive dialogando com Ministério Público e o Poder Judiciário quanto ao Provimento nº

29/2009, da Corregedoria-Geral de Justiça do Maranhão; sugerir medidas para agilizar o

andamento dos processos administrativos e judiciais referentes à regularização fundiária

urbana e rural; sugerir medidas para assegurar que, no cumprimento das decisões judiciais,

sejam respeitados os direitos humanos dos envolvidos em conflitos fundiários e agrários.

(MARANHÃO, 2015).

Não obstante, estimular o diálogo e a negociação entre os órgãos governamentais

e a sociedade civil organizada, com o objetivo de alcançar soluções pacíficas nos conflitos

fundiários e agrários; elaborar, semestralmente, relatório circunstanciado sobre as decisões

judiciais referentes a ações possessórias e reivindicatórias expedidas no Estado do Maranhão,

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identificando as comarcas e regiões com maior grau de incidência de conflitos fundiários; e

elaborar um Plano Estadual de Enfrentamento à Violência no Campo e na Cidade, contendo

as diretrizes para o cumprimento pelo Poder Executivo de decisões judiciais de

reintegração/manutenção de posse, também são importantes atribuições do referido

mecanismo.

Vinculada à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular –

SEDIHPOP, a COECV deverá ser cientificada, de imediato, pela Secretaria de Estado da

Segurança Pública de todas as requisições judiciais para cumprimento de mandados de

reintegração/manutenção de posse, devendo manifestar-se sobre o Estudo de Situação

elaborado pela Polícia Militar. Além disso, pode receber denúncias sobre quaisquer ameaças,

atentados e atos de violência extrajudicial em conflitos agrários.

Portanto, o presente artigo tem por objetivo apresentar os primeiros relatos da

atuação da COECV no Estado, sua estrutura e funcionamento, bem como sua importante

função como experiência pioneira no Brasil na mediação e prevenção dos conflitos de terra no

estado do Maranhão, segundo os critérios estabelecidos pela Lei estadual nº 10.246/2015, do

Decreto nº 31.048, de 25 de agosto de 2015 de e no Regimento publicado pela Portaria nº 95 -

GAB/SEDIHPOP de 22 de abril de 2016. (MARANHÃO, 2015b; 2016), e resultados

alcançados no que tange ao não uso de violência de força policial nas oportunidades de

cumprimento dos mandados de reintegração de posse no Estado.

2. DOS ASPECTOS HISTÓRICOS DA QUESTÃO AGRÁRIA NO MARANHÃO

Para que haja uma compreensão acerca das particularidades da questão agrária

maranhense, é necessário um diálogo com os fundamentos históricos comuns da concentração

fundiária brasileira, pois torna possível a percepção quanto a forte presença da questão

política na crônica concentração fundiária do país.

A apropriação da terra sob o argumento do direito à propriedade privada se fez

sentir com clareza na metade do século XIX, quando o sistema agrário-exportador e o regime

escravista do Brasil estava em inevitável esfacelamento devido à abolição gradual do tráfico

de escravos, através da captura de navios negreiros e a promulgação de leis que proibiam a

importação de escravos.

Nesse contexto surge uma nova forma de colonização validada pela Lei de Terras

nº 601, de 18 de setembro de 1850. Inicia-se, então, a política de aquisição de terras devolutas

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mediante compra, obrigando colonos e trabalhadores livres a constituir força de trabalho nas

grandes propriedades agrícolas, uma vez que, devido aos elevados preços, estavam

impossibilitados de adquirir terras para subsistência.

Contudo, o fim da lei escravista deu início a um novo paradigma: o homem estava

formalmente livre (materialmente não), mas as terras aprisionadas. A partir dessa trajetória o

país e, principalmente, o estado do Maranhão seguiriam sob a égide do trinômio da

desigualdade fundiária: latifúndio/monocultura/exploração de força de trabalho.

Considerado o oitavo estado da federação em extensão territorial e o segundo do

Nordeste, o Maranhão é protagonista da evolução de diversos conflitos agrários e da

resistência dos trabalhadores rurais frente à perversa realidade da concentração fundiária.

Com este ponto central da sua questão agrária e formação socioeconômica, a história

fundiária do Maranhão contou com a forte presença de assinatura estatal que, através de

artifícios jurídicos e incentivos governamentais, legitimou um espaço atraente para o capital

em nome do progresso e do desenvolvimento.

Apesar de atualmente se apresentar em uma perspectiva globalizada, a situação de

confronto entre camponeses e segmentos latifundiários se fez sentir, principalmente, a partir

da década de 1940 em diante, devido a introdução de grandes projetos agropecuários na

realidade do campo maranhense, refletindo-se, consequentemente, no cotidiano

organizacional urbano.

Em meados de 1950, nas regiões do Pindaré e Mearim, posseiros ocupavam o

campo maranhense desbravando terras férteis para plantio. Entretanto, fazendeiros se

aproveitavam desse desmatamento realizado por eles para facilitar o avanço da pecuária,

obrigando-os a procurar novas áreas para exploração, tornando-os cada vez mais encurralados

no interior da mata. Promovia-se, então, um novo deslocamento da fronteira agrícola. “Nessas

áreas os conflitos de terra aumentaram consideravelmente, pois a ação de grileiros em muitos

casos se antecipava ao movimento da frente nordestina fazendo picadas e se apropriando das

terras devolutas”. (ALMEIDA, 1981, p. 35 apud SILVA, 2006 p. 128).

Com o advento do golpe de 1964, os trabalhadores rurais, que já enfrentavam a

violência dos latifundiários, tornaram-se alvo da perseguição do Estado autoritário. Nesse

contexto, trabalhadores rurais apoiaram em massa a candidatura de José Sarney para a eleição

do governo estadual, que até então era deputado federal e candidato da União Democrática

Nacional - UDN.

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Para uma melhor compreensão sobre esse apoio decisivo dos trabalhadores rurais,

é mister salientar que o grupo hegemônico que até então “mandava e desmandava” no

Maranhão era liderado pelo senador Vitorino Freire, coronel reconhecido pelo controle

eleitoral rural de cabresto4. Como a UDN era o principal partido de oposição e seu eleitorado

era essencialmente urbano, o partido estrategicamente se aliou às entidades representativas

dos trabalhadores rurais, uma vez que 82% do eleitorado maranhense era rural, naquele

período.

Entretanto, o êxito de Sarney nas eleições não só gerou frustações aos que

acreditaram na possível mudança, como instalou uma nova ordem oligárquica no estado.

Assim, os trabalhadores continuaram a enfrentar as mesmas situações de violência no campo:

Em seu cotidiano, os trabalhadores rurais continuaram a enfrentar as mesmas atrocidades,

com a ação dos grileiros avançando sobre a posse da terra e o gado alimentando-se das

lavouras. A omissão das autoridades locais não deixou muitas alternativas aos lavradores, que

passaram a sacrificar o gado encontrado em suas roças e a envolver-se cada vez mais em

confrontos armados contra os jagunços dos latifundiários. A atuação dos representantes do

Estado, nitidamente favorável aos grandes proprietários e poderosos, a partir de então, veio a

incitar ainda mais a violência no campo maranhense. (SILVA, 2006, p. 151).

A partir de então, cria-se a reserva estadual de terras, as delegacias de terras e, sob

a égide do discurso desenvolvimentista de promoção da modernização do campo, surge, nesse

contexto, o instrumento jurídico legitimador da transformação do espaço maranhense em

atração do capital: a Lei Sarney de Terras de 1850, que permitia a venda de terras devolutas

do estado para grupos empresariais sem a necessidade de realização de processo licitatório.

Para tanto, criou-se a Companhia Maranhense de Colonização - COMARCO -

responsável pela implantação de grandes projetos agropecuários, favorecendo grandes

corporações nacionais e estrangeiras através de incentivos fiscais governamentais. Assim,

além contribuir para o desenvolvimento pecuarista da região, o projeto de colonização

ocasionou a exploração de muitas famílias camponesas, pois

[...] ofertava-se também a população como mão de obra barata, elemento essencial para a

materialização de tal processo de acumulação, considerando-se as condições técnicas

vigentes. Quanto a este aspecto particular, o projeto de colonização da COMARCO

implantado mais tarde, parece ter sido concebido de modo a localizar os produtores familiares

no centro da área transferida aos grupos empresariais. Com esse desenho do projeto, esses

4 Sobre o tema, o autor Victor Nunes Leal, em sua obra Coronelismo, enxada e voto, trata do assunto ao afirmar

que “Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o “coronel”,

que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe

prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras. Dentro

da esfera própria de influência, o “coronel” como que resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes

instituições sociais. Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e

desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam”. (LEAL, 1976, p.

23, grifo do autor).

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produtores viriam a fornecer a mão-de-obra que as fazendas poderiam demandar

sazonalmente, nas etapas de implantação de cercas, desmatamento ou corte de ervas daninhas.

(SILVA, 2006, p.152).

Ademais,

[...] passa-se a gerar um cenário no qual as possibilidades de acesso à terra pelos

trabalhadores rurais – antes aliados na campanha do governador – passam pela necessidade de

confronto, agora não somente com os tradicionais latifundiários individuais, mas com

parcelas do capital especulativo em busca das facilidades de reprodução proporcionadas pelos

incentivos fiscais e de crédito. (SILVA, 2006, p.154).

Desse modo, a implantação desses grandes projetos de modernização do campo

contribuiu para expulsar decisivamente famílias camponesas de suas terras, empurrando-as

para as cidades. Os impactos afetaram não só o cotidiano familiar dos camponeses, mas

também ocasionaram mudanças nas tradicionais relações de trabalho e o crescimento

desordenado das cidades devido ao inevitável e forçado êxodo rural.

É nesse contexto, da década de 1940 para a atualidade, que a violência no campo

adquiriu diversos contornos, desde os conflitos decorrentes da colonização antiga, passando

pela pressão da grilagem pelas terras devolutas do Estado, o cercamento de campos públicos

pelos fazendeiros para a expansão do rebanho bubalino até a instalação do agronegócio sob a

justificativa desenvolvimentista de progresso.

Visando modificar esse quadro histórico de conflitos fundiários e evitar que

outros se instalem, em 2015, com a ruptura do ciclo oligárquico outrora vigente, criou-se a

Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, cujo objetivo é atuar na

mediação de conflitos agrários de forma preventiva trazendo novas perspectivas à promoção,

proteção e respeito aos direitos humanos dos segmentos mais vulnerabilizados no que tange à

situação de moradia. Sobre esta Comissão, trataremos a seguir.

3. DO FLUXO ESTALECIDO PARA O FUNCIONAMENTO DA COECV

Foi sancionada em 26 de maio de 2015 a lei de autoria do Poder Executivo, que

dispõe sobre a criação da Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade

(COECV). Elaborado pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular

(Sedihpop), visa ampliar a garantia dos direitos humanos e mediar os conflitos fundiários no

campo e na cidade. Após a criação do mecanismo legal que instituiu a COECV, houve um

período de articulação dos órgãos públicos e das organizações da sociedade civil, para compor

este espaço de deliberação.

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Segundo a determinação da Lei nº 10.246, a COECV está vinculada à Secretaria

de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP), sendo esta

responsável pela Coordenação dos trabalhos da Comissão, como a articulação da agenda de

visitas e organização das reuniões.

Além da SEDIHPOP compõem a COECV como membros efetivos:

a) a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP);

b) a Secretaria de Estado das Cidades (SECID);

c) a Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária (SAGRIMA);

d) o Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA);

e) o Comando Geral da Polícia Militar do Maranhão (CGPMMA);

f) a Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE).

Como Instituições convidados a participar da COECV, estão:

a) a Superintendência Regional do INCRA;

b) a Defensoria Pública da União;

c) o Ministério Público do Estado;

Além das intuições citadas, a COECV conta com a participação de entidades

da Sociedade Civil Organizada, cujo o critério de escolha está definido no Capítulo II, art.

3º no inciso que segue:

§ 2º A COECV também será composta por 04 (quatro) entidades da sociedade civil, que serão escolhidas pelo Fórum Estadual de Direitos Humanos do Maranhão (FEDH-MA). Como critério de escolha, o FEDH-MA deverá selecionar entidades que tenham reconhecida atuação estadual em confl itos fundiários no campo e na cidade. (MARANHÃO, 2015b).

Deste modo, escolheu-se as seguintes instituições, passando estas, compor a COECV como membros efetivos:

a) a Comissão Pastoral da Terra (CPT);

b) a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Maranhão;

c) a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos;

d) a União por Moradia Popular (UMP).

Os titulares e suplentes de cada Órgão e Instituição são indicados por seus

dirigentes.

Segundo o art. 4º do Capítulo II outros órgãos federais e estaduais, entidades

ou especialistas podem ser convidados a participar das reuniões para assessorar os

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trabalhos e contribuir na construção de ações desenvolvidas pela Comissão quando

houver pautas e demandas que justifiquem. (MARANHÃO, 2015b).

Nos termos do artigo 5º da Lei nº. 10.246/2015 e do § 1º do artigo 5º do

Regimento Interno, que instituiu e regula a Comissão de Prevenção à Violência no Campo e

na Cidade, a coordenação desta fica a cargo da Secretaria de Estado de Direitos Humanos

(SEDIHPOP). (MARANHÃO, 2016).

Destaca-se que, embora o artigo 6º da lei que institui a Comissão preveja que as

reuniões ordinárias ocorrerão com periodicidade bimestral, o mecanismo tem se organizado

em reuniões mensais (ordinárias e extraordinárias) para atender a alta demanda de casos que

exigem a deliberação e providências. E, neste sentido, abordaremos, a sequir, sobre casos

desta Comissão.

4. DA ATUAL SITUAÇÃO DOS CASOS ANALISADOS PELA COECV

Desde a sua criação até dezembro de 2016, tramitaram 436 (quatrocentos e trinta e

seis) casos pela COECV, distribuídos em 241 (duzentos e quarenta e um) casos identificados

como COLETIVOS; 133 (cento e trinta e três) identificados como INDIVIDUAIS; e, 62

(sessenta e dois) casos NÃO IDENTIFICADOS devido à ausência do Estudo de Situação.

(MARANHÃO, 2017).

4.1. Dos casos despachados para cumprimento

Em atenção às discussões desenvolvidas pelo Plenário desta Comissão, foram

estabelecidos os critérios citados e consolidados no seu Regimento Interno. Este foi aprovado

pela Portaria nº 95 – GAB/SEDIHPOP, publicada no Diário Oficial do Poder Executivo do

Estado do Maranhão no dia 22 de abril de 2016, conforme itens a seguir:

1. O caso não é de interesse da Comissão por se tratar de demanda individual ou ocupação coletiva não consolidada e sem medidas de prevenção de conflitos aplicáveis; 2. O caso não é de interesse da Comissão, pois o conflito se desenvolve em áreas de preservação ambiental permanente, áreas de assentamento criadas por órgãos fundiários e outras áreas públicas, que tenham por objeto serem destinadas à execução de obras e serviços públicos. 3. Apesar de se encontrar dentro do escopo de atuação desta Comissão, esgotaram-se as medidas de prevenção de conflitos aplicáveis; 4. Não persistem os fundamentos jurídicos para a realização da ação policial, mormente revogação da medida liminar, ou sentença favorável aos ocupantes da área em litígio, ou suspensão da liminar para realização de audiência de conciliação, ou realização de acordo entre as partes, ou extinção do processo, etc. (MARANHÃO, 2016, p. 30).

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Segundo os incisos do artigo 7º do Regimento Interno da Comissão, em sua

atuação para evitar e mediar conflitos decorrentes de mandados de reintegração de posse

expedidos pelo Poder Judiciário, a COECV atuará prioritariamente em conflitos pela posse

coletiva de área urbanas e rurais onde há famílias e trabalhadores utilizando a terra para morar

ou cultivar de maneira efetiva, de modo que os casos individuais estão fora do escopo de

atuação da Comissão. (MARANHÃO, 2016).

Por conseguinte, os casos identificados como individuais são encaminhados ao

Comando-Geral da Polícia Militar, informando que não há óbice à disponibilização de força

policial para auxiliar no cumprimento da decisão judicial de reintegração de posse, por não

haver medidas de mediação aplicáveis. Ressalva-se, por oportuno, que casos individuais que

envolvam possibilidade de grave violação de direitos humanos têm o condão de atrair

excepcionalmente os trabalhos da COECV.

Encontram-se, ainda, no bojo da atuação desta Comissão os casos que envolvem

comunidades tradicionais e os territórios tradicionalmente ocupados por estas, em ocupações

antigas e habituais de qualquer tipo. Ademais, ainda que não haja ação de reintegração de

posse judicializada, a Comissão tem desenvolvido trabalho em casos com lideranças,

comunidades e trabalhadores rurais ameaçados em decorrência de conflitos pela posse da

terra, a fins de evitar violações de direitos humanos, mortes no campo e atentados à

integridade física.

Ainda, segundo a previsão do § 5º do artigo 7º, são excluídas da apreciação da

COECV, ocupações situadas em áreas de preservação ambiental (reserva legal, áreas de

preservação permanente, entre outras), projetos de assentamento criados em órgãos fundiários

e áreas públicas destinadas à execução de obras e serviços públicos. Esta ressalva se deve à

sobreposição de direitos difusos e transindividuais a um meio ambiente equilibrado e a boa

prestação de serviços públicos, para o pleno exercício da cidadania, sobre as comunidades que

ocupam as referidas áreas. (MARANHÃO, 2016).

Deve-se, pois, ressaltar que, conforme o disposto no artigo 10 do referido

regimento, ainda que se encontrem dentro do escopo de atuação da Comissão, caso seja

verificado o esgotamento das propostas de mediação cabíveis no âmbito da COECV, os casos

devem ser encaminhados ao Comando-Geral da Polícia Militar informando que não há óbice

para a disponibilização de força policial, a qual deverá cumprir as determinações do Poder

Judiciário com o uso exclusivo dos meios proporcionais indispensáveis à execução da

medida. (MARANHÃO, 2016). Assim, propõe-se uma mudança no fluxo do cumprimento de

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mandados de reintegração de posse prolatadas em decisões judiciais de ações possessórias

que, outrora eram encaminhados direto ao Comando-Geral da Polícia Militar, e hoje passam

primeiro por propostas de prevenção e mediação em direitos humanos.

5. CONCLUSÃO

Desde a implantação desta Comissão, não se tem notícias de ocorrência sobre ações de

violência policial em cumprimento de reintegração de posse, o que confere a COECV

importante mecanismo de promoção e proteção de direitos humanos para redução da violência

no campo e na cidade, agindo em plena consonância com a legislação nacional e internacional

que trata sobre tema, inclusive a Convenção 169 da OIT, a Constituição Federal (art. 4º,

incisos II, VI e VII, e art. 5º, caput, e incisos XI, XXII, XXIII), a Constituição Estadual (os

artigos 2º, III, e 3º), o novo Código de Processo Civil (art. 565), além do Provimento 29/2009-

CGJ do TJMA e o próprio Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados

Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, editado pela Ouvidoria Agrária

Nacional.

Ante o exposto, infere-se, pois, que, apesar do pouco tempo de atuação, a Comissão

tem desenvolvido importante trabalho na mediação e prevenção de conflitos decorrentes de

decisões judiciais prolatadas em sede de ações possessórias no Estado do Maranhão.

É necessário ressaltar que o cumprimento das ordens judiciais de ações

possessórias segue dinâmica administrativa estabelecida em lei. A partir do surgimento da

Comissão, e do Decreto nº 31.048, no entanto, a utilização de força policial no cumprimento

das decisões judicias em ações possessórias coletivas, passou a seguir fluxo diferenciado que

garante o respeito aos direitos fundamentais dos envolvidos, evitando situações de violações

de direitos, de acordo com a legislação nacional e internacional sobre o tema.

REFERÊNCIAS

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: município e o regime representativo no

Brasil. São Paulo: Alfa - omega, 1976.

MARANHÃO. Decreto nº 31.048, de 25 de agosto de 2015. Dispõe sobre o uso de Força

Policial para atendimento às determinações do Poder Judiciário relativas às reintegrações de

posse e similares, nos meios urbanos e rural. Diário Oficial do Estado Maranhão, Poder

Executivo, São Luís, 26 ago. 2015, p. 1. Disponível em:

<http://diariooficial.ma.gov.br/DiarioOficial/public/index.jsf>. Acesso em: 20 fev. 2017.

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MARANHÃO. Lei n. 10.246, de 29 de maio de 2015. Dispõe sobre a criação da Comissão

Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade COECV e dá outras providências.

Diário Oficial do Estado Maranhão, Poder Executivo, São Luís, 29 maio 2015, p. 3.

Disponível em: < http://diariooficial.ma.gov.br/DiarioOficial/public/index.jsf>. Acesso em:

20 fev. 2017.

MARANHÃO. Portaria nº 95 - GAB/SEDIHPOP de 15 de abril de 2016. Diário Oficial do

Estado Maranhão. Poder Executivo, São Luís, 22 abr. 2016, p. 30. Disponível em:

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