a corrente majoritária

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A Corrente Majoritária Optou-se por apresentar esta corrente antes de qualquer outra, não por uma questão de preferência prévia, mas pelo volume de trabalhos que a defendem. Por certo é a teoria mais defendida e sobre a qual mais se falou. Desta forma, acredita-se que o tema já será exaustivamente tratado neste capítulo e os próximos terão suas idéias naturalmente contrapostas, completando, assim, o diálogo entre as teorias. Entendendo a polêmica Antes de adentrar na intricada questão, faz-se importante diferenciar o que é patrimônio comum e o que é patrimônio particular no regime de comunhão parcial de bens. Pela leitura dos artigos 1.658 1 e seguintes do Código Civil, pode-se resumidamente destacar que bens comuns seriam aqueles adquiridos onerosamente na vigência do casamento, enquanto que bens particulares seriam aqueles que cada cônjuge possuía ao se casar, além de eventuais doações e heranças percebidas ainda que após o casamento. A infeliz escolha de palavras por parte do legislador deu margem a uma gama variada de interpretações no que diz respeito à sucessão do cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens e que tenha deixado descendentes, comuns ou não com o falecido. Relembrando o texto legal, transcreve-se: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 1 Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes. Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III - as obrigações anteriores ao casamento; IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Art. 1.660. Entram na comunhão: I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

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Da monografia sobre sucessão do cônjuge sobrevivente

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A Corrente Majoritria

Optou-se por apresentar esta corrente antes de qualquer outra, no por uma questo de preferncia prvia, mas pelo volume de trabalhos que a defendem. Por certo a teoria mais defendida e sobre a qual mais se falou. Desta forma, acredita-se que o tema j ser exaustivamente tratado neste captulo e os prximos tero suas idias naturalmente contrapostas, completando, assim, o dilogo entre as teorias.

Entendendo a polmica

Antes de adentrar na intricada questo, faz-se importante diferenciar o que patrimnio comum e o que patrimnio particular no regime de comunho parcial de bens. Pela leitura dos artigos 1.658[footnoteRef:2] e seguintes do Cdigo Civil, pode-se resumidamente destacar que bens comuns seriam aqueles adquiridos onerosamente na vigncia do casamento, enquanto que bens particulares seriam aqueles que cada cnjuge possua ao se casar, alm de eventuais doaes e heranas percebidas ainda que aps o casamento. [2: Art. 1.658. No regime de comunho parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constncia do casamento, com as excees dos artigos seguintes.Art. 1.659. Excluem-se da comunho:I - os bens que cada cnjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constncia do casamento, por doao ou sucesso, e os sub-rogados em seu lugar;II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cnjuges em sub-rogao dos bens particulares;III - as obrigaes anteriores ao casamento;IV - as obrigaes provenientes de atos ilcitos, salvo reverso em proveito do casal;V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profisso;VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cnjuge;VII - as penses, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.Art. 1.660. Entram na comunho:I - os bens adquiridos na constncia do casamento por ttulo oneroso, ainda que s em nome de um dos cnjuges;II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;III - os bens adquiridos por doao, herana ou legado, em favor de ambos os cnjuges;IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cnjuge;V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cnjuge, percebidos na constncia do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunho.]

A infeliz escolha de palavras por parte do legislador deu margem a uma gama variada de interpretaes no que diz respeito sucesso do cnjuge sobrevivente, casado no regime de comunho parcial de bens e que tenha deixado descendentes, comuns ou no com o falecido. Relembrando o texto legal, transcreve-se:

Art. 1.829. A sucesso legtima defere-se na ordem seguinte:I - aos descendentes, em concorrncia com o cnjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunho universal, ou no da separao obrigatria de bens (art. 1.640, pargrafo nico); ou se, no regime da comunho parcial, o autor da herana no houver deixado bens particulares;

A questo que se coloca como se deve ler a parte final desse inciso. De acordo com os defensores da corrente majoritria, o cnjuge sobrevivente somente ter direito de herana concorrendo com descendentes se o de cujus tiver deixado bens particulares e somente sobre esses bens. Nas palavras de Monteiro:

Regime de comunho parcial: o vivo recebe apenas a meao dos bens comuns, sem participar da meao do autor da herana; de houver bens particulares, o sobrevivente recebe desses bens, se houver descendentes comuns, ou o mesmo quinho que tocar aos descendentes que o forem apenas do falecido; (...) O cnjuge sobrevivente, portanto, deixa de herdar em concorrncia com os descendentes se, casado pelo regime da comunho parcial, o autor da herana no houver deixado bens particulares. (Washington de Barros. PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro Frana (atualizadora). Curso de Direito Civil. Volume 6: Direito das Sucesses. So Paulo: Saraiva, 2009. 37 edio). Pg 97

A explicao que, como o cnjuge j seria meeiro do patrimnio comum, no haveria porqu ser herdeiro sobre esses bens. J sobre os bens particulares o cnjuge herdaria a quota-parte que dependeria do nmero de descendentes, nunca sendo inferior a se dividir somente com descendentes comuns.[footnoteRef:3] [3: Art. 1.830. Somente reconhecido direito sucessrio ao cnjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, no estavam separados judicialmente, nem separados de fato h mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivncia se tornara impossvel sem culpa do sobrevivente.]

Este foi o entendimento exarado pela III Jornada de Direito Civil, organizado pelo Centro de Estudos Judicirios do Conselho de Justia Federal, promovida de 1 a 3 de dezembro de 2004, realizado com a finalidade de debater as disposies do Cdigo Civil. O Enunciado 270 dispe que:

Enunciado 270 Art. 1.829: O art. 1.829, inc. I, s assegura ao cnjuge sobrevivente o direito de concorrncia com os descendentes do autor da herana quando casados no regime da separao convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunho parcial ou participao final nos aqestos, o falecido possusse bens particulares, hipteses em que a concorrncia se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meao) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes. III Jornada de Direito Civil. Organizao: Ruy Rosado. Braslia: CJF, 2004. 507 p. ISBN 85-85572-80-9

Para os autores que corroboram com o enunciado acima descrito, a norma estaria privilegiando, principalmente, aqueles que pouco tempo ou condio tiveram para amealhar juntos um bom patrimnio. Sobre o assunto, discorreu Euclides Oliveira:

Mais adequado e harmnico, portanto, entender que a concorrncia hereditria do cnjuge com descendentes ocorre apenas quando, no casamento sob regime de comunho parcial, houver bens particulares, porque sobre estes, ento sim, que incidir o direito sucessrio concorrente, da mesma forma que se d no regime da separao convencional de bens. (OLIVEIRA, Euclides de. Direito de Herana. So Paulo: Saraiva, 2005. Pg 108)

Em contrapartida, caso todo ou quase todo o patrimnio do defunto tivesse sido construdo aps o casamento, a herana do cnjuge poderia ser at mesmo insignificativa, em sendo tambm insignificativo o patrimnio particular, ao perceber somente a sua meao ou pouco mais. Dessa forma o cnjuge jamais ficaria desamparado, cumprindo a herana uma espcie de funo social ao ser repartida primordialmente entre os descendentes, mas, se considerveis os bens particulares, oferecer ao cnjuge sobrevivo tambm um quinho destes. A comparao que se faz que se o de cujus amealhou todo seu patrimnio na vigncia do casamento, o cnjuge, ao ter garantida a sua meao, estaria se equiparando, na prtica, em termos sucessrios, ao regime de comunho universal. Afinal, a metade que tudo que o casal possui j pertence ao cnjuge suprstite, por direito prprio de meao, no havendo necessidade de herdar sobre tais bens. (OLIVEIRA, James Eduardo. Cdigo Civil Anotado e Comentado. Doutrina e Jurisprudncia. 1. Ed.; So Paulo: Saraiva, 2009, pg 1377).Outros autores repetem o mesmo entendimento e acredita-se ser relevante mostrar o que escreveram at para que os mesmos figurem nesta pesquisa. Tais autores, e ainda teremos que ignorar outros igualmente proeminentes, so importantes pela influncia que exercem no meio acadmico e jurisprudencial. Assim, tambm nesta linha de raciocnio escreveram Nery Jr. e Nery:

A regra do CC 1829, I, se aplica ao cnjuge sobrevivente casado sob o regime da comunho parcial de bens, se o morto tiver deixado bens particulares (CC1659 e 1661). Ou seja: havendo descendentes, sendo o cnjuge sobrevivente casado sob o regime da comunho parcial e tendo o morto deixado bens particulares, o cnjuge sobrevivente herdeiro necessrio, em concorrncia com os descendentes do falecido. (NERY JNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Cdigo civil comentado e legislao extravagante: atualizado at 15 de junho de 2005. 3. Ed. rev., atual. E ampl. Da 2. Ed do Cdigo Civil anotado. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. P. 843. Outra autora que endossa a teoria Hironaka:

... quanto ao regime da comunho parcial de bens, o legislador impe uma dualidade de tratamento para os que, tendo sido casados sob esse regime de regncia patrimonial, possussem ou no bens particulares. Nesse caso, ento a lgica interpretativa se faz pelo seguinte vis: aqueles bens que compem o patrimnio comum do casa so divididos, no em decorrncia da sucesso, mas to-somente em virtude da dissoluo da sociedade conjugal, operando-se, via de conseqncia, a diviso dos bens separando-se as meaes que tocavam a cada um dos membros do casal. J os bens exclusivos do autor da herana, relativamente aos quais o cnjuge sobrevivente no tem direito meao, sero partilhados entre ele, sobrevivo, e os descendentes do autor da herana, por motivo da sucesso causa mortis. (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das sucesses e o novo cdigo civil / Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Rodrigo da Cunha Pereira, coordenadores. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.) p. 95

Fiuza assim explica, tambm corroborando a tese:

(...) havendo patrimnio comum, ao cnjuge j tocar a meao. O que o legislador quis foi garantir ao consorte sobrevivo a participao no patrimnio particular do decujo, uma vez que do comum ele j participa. A nica pendncia que ainda dever ser respondida quanto ao eventual patrimnio particular no regime de comunho universal de bens. A se fazer uma interpretao teleolgica da Lei, seria possvel admitir que o cnjuge participasse na diviso desses bens. (FIUZA, Csar. Direito civil: curso completo. 12 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.) pg 1015

VELOSO (2010), ALMADA (2006), CARVALHO e CARVALHO (2009), dentre inmeros outros oferecem argumentos similares aos j expostos e por tal razo considerou-se desnecessria a incluso dos mesmos.

Exemplo

Criou-se uma situao hipottica que ser aplicada para cada teoria a fim de entender-se, na prtica, como ficar a distribuio de bens na viso de cada teoria.Imagine-se que Maria era casada com Joo pelo regime de comunho parcial de bens e que Maria j tinha dois filhos, Pedro e Paulo, de outra unio. Maria, ao se casar, j possua um patrimnio particular avaliado em R$ 120 mil reais. Na vigncia de seu casamento com Joo, os dois juntos conseguem amealhar um patrimnio de outros R$ 120 mil reais. Maria no tinha qualquer dvida. Maria vem a falecer. Como fica a sucesso neste caso para os adeptos da corrente majoritria?A soluo simples. O primeiro passo separar a meao de Joo, que so bens seus e no se confundem com a herana de Maria. Joo titular de R$ 60 mil reais.O segundo passo dividir os bens particulares de Maria entre seus herdeiros: Joo, Pedro e Paulo: R$ 40 mil reais para cada um.Adiante, deve-se dividir os bens de Maria adquiridos aps o casamento. Aqui, Joo no participa. Pedro e Paulo repartem o que seria a meao de Maria, R$ 60 mil reais, bens que contribuiu para serem adquiridos com Joo. Assim, cada um dos filhos recebe mais R$ 30 mil reais.Sintetizando: os dois filhos recebem, cada um, R$ 70 mil reais e Joo, cnjuge sobrevivo, recebe R$ 40 mi reais. Herana total: R$ 180 mil reais. A tabela ficaria assim:

HERANA DE MARIA

QUEMJOO (VIVO)PEDRO (FILHO)PAULO (FILHO)

VALORR$ 40 MILR$ 70 MILR$ 70 MIL

ORIGEMBENS PARTICULARESTODOS OS BENSTODOS OS BENS

TOTAL R$ 180 MIL