a cor da informação: o canal papo de preta e a formação da

23
A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da identidade negra The Color of Information: the Black Chat Channel and the Formation of Black Identity Bárbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro | [email protected]ff.br Graduada em Biblioteconomia e graduanda em Arquivologia pela UFF Resumo O presente estudo aborda o uso da informação para constituição da identidade coletiva negra. Para tanto, apoia-se no conceito de informação étni- co-racial e estuda o canal Papo de Preta, hospedado pelo YouTube, objetivando verificar como a informação étnico-racial disseminada pelo canal impacta a identi- dade racial de seus internautas. Recorre à aplicação de questionário dirigido aos inscritos do canal como instrumento para coleta de dados. A partir dos dados coletados com a pesquisa empírica, infere que os internautas respondentes buscam o canal para informar-se sobre questões raciais, sobretudo aquelas relativas à existência de pessoas negras, bem como às questões políticas e históricas desta população, modificando suas percepções raciais a partir da informação dissemina- da nos vídeos. Palavras-chave Informação étnico-ra- cial; Negritude; Identidade negra; YouTu- be; Papo de Preta Ensaio Geral, n. 2 (2022), p. 141-163 141

Upload: others

Post on 17-Jul-2022

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negraThe Color of Information the Black Chat Channel and the Formation of Black Identity

Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro | barbara_marquesiduffbr

Graduada em Biblioteconomia e graduanda em Arquivologia pela UFF

Resumo O presente estudo aborda o uso da informaccedilatildeo para constituiccedilatildeo da identidade coletiva negra Para tanto apoia-se no conceito de informaccedilatildeo eacutetni-co-racial e estuda o canal Papo de Preta hospedado pelo YouTube objetivando verificar como a informaccedilatildeo eacutetnico-racial disseminada pelo canal impacta a identi-dade racial de seus internautas Recorre agrave aplicaccedilatildeo de questionaacuterio dirigido aos inscritos do canal como instrumento para coleta de dados A partir dos dados coletados com a pesquisa empiacuterica infere

que os internautas respondentes buscam o canal para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas agrave existecircncia de pessoas negras bem como agraves questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo dissemina-da nos viacutedeos

Palavras-chave Informaccedilatildeo eacutetnico-ra-cial Negritude Identidade negra YouTu-be Papo de Preta

Ensaio Geral n 2 (2022) p 141-163 141

Abstract This research addresses the use of information for the constitution of black collective identity To this end it relies on the concept of ethnic-racial information and conducts a case study from the Papo de Preta channel located on YouTube with the aim of verifying how the ethnic-racial information disseminat-ed by the channel impacts the racial iden-tity of its Internet users It uses the appli-cation of a questionnaire to subscribers of the channel as an instrument for data col-lection From the data collected with the empirical research it is inferred that the

Internet respondents of the questionnaire seek the channel to inform themselves about racial issues especially those relat-ed to the existence of black people as well as the political and historical questions of this population changing their per-ceptions racials based on the information disseminated in the videos

Keywords Ethnic-racial information Blackness Black identity YouTube Papo de Preta

142Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

1 Introduccedilatildeo

A informaccedilatildeo assumiu papel central na sociedade contemporacircnea tambeacutem denomi-nada de ldquosociedade da informaccedilatildeordquo Nesse sentido Alves e Santos (2018) argumentam

[hellip] a atual sociedade caracteriza-se pelo volume expressivo de informaccedilatildeo que torna-se um recurso importante para as organizaccedilotildees e tem se tornado um recurso de impacto social produtivo econocircmico poliacutetico cultural e pessoal (ALVES SANTOS 2018 p 72)

Para Lima e Aquino (2009) esta sociedade eacute baseada sobretudo na centralidade da informaccedilatildeo do ponto de vista mercadoloacutegico e simultaneamente na eclosatildeo de identidades culturais Em relaccedilatildeo agraves identidades culturais nesse contexto Wander-ley (2009) aponta que este modelo pode provocar a homogeneizaccedilatildeo cultural bem como fortalecer a reafirmaccedilatildeo das identidades existentes

Nesse sentido cabe mencionar o uso de sites de redes sociais que apesar de originalmente atenderem a uma loacutegica de mercado tambeacutem foram apropriados como recursos de organizaccedilatildeo sociopoliacutetica por grupos marginalizados por meio de denuacutencias e da promoccedilatildeo de debates Para realizaccedilatildeo do presente estudo o site escolhido foi o YouTube tendo como corpus de anaacutelise o canal Papo de Preta

Protagonizado por Maristela Rosa e Nataacutelia Romualdo

[hellip] o canal Papo de Preta existe para dar vez e voz agrave mulher negra Cultura pop co-tidiano beleza sociedadehellip Tudo comentado com o olhar de duas mulheres negras Representatividade Isto define nosso canal (PAPO DE PRETA 2021)

O canal foi criado em 2015 e conta com 433 viacutedeos distribuiacutedos em catorze lis-tas de reproduccedilatildeo e 176 mil inscritos (dados de fevereiro de 2021) Considerando a importacircncia da informaccedilatildeo nesse cenaacuterio e o uso de sites de redes sociais como forma de ativismo por grupos marginalizados esta pesquisa busca responder ao seguinte problema como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta im-pacta a identidade racial de seus internautas

Tendo em vista a resoluccedilatildeo do problema norteador do estudo recorreu-se agrave concepccedilatildeo de informaccedilatildeo eacutetnico-racial que consiste em

[hellip] todo elemento inscrito num suporte fiacutesico (tradicional ou digital) passivo de sig-nificaccedilatildeo linguiacutestica por parte dos sujeitos que a usam tendo o potencial de produzir conhecimento sobre os aspectos histoacutericos e culturais de um grupo eacutetnico na pers-pectiva de sua afirmaccedilatildeo na diversidade humana (OLIVEIRA AQUINO 2012 p 487)

143A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A realizaccedilatildeo da pesquisa eacute motivada pelo lugar social ocupado pela autora consi-derando as tiacutemidas discussotildees raciais vivenciadas ao longo da graduaccedilatildeo o que por sua vez pode ser observado tambeacutem na produccedilatildeo cientiacutefica da aacuterea de modo que

na literatura das aacutereas de BiblioteconomiaCiecircncia da Informaccedilatildeo pouco se discute sobre a importacircncia o valor e o uso da informaccedilatildeo de interesse de grupos especiacutefi-cos (negros indiacutegenas deficientes homossexuais mulheres dentre outros) (SILVA AQUINO 2014 p 204)

Assim espera-se que os campos natildeo estejam alheios aos acontecimentos que demarcam a dinacircmica coletiva particularmente ao aspecto eacutetnico-racial buscando inserir os estudos informacionais agrave luz deste Ademais Lima e Aquino (2009) cha-mam atenccedilatildeo para a importacircncia dos estudos a respeito da identidade na era da informaccedilatildeo pois ldquo[hellip] esses estudos podem contribuir para uma reflexatildeo sobre o contexto das relaccedilotildees sociais que atuam no processamentoconsumo de informaccedilatildeo elemento de produtividade e poder na sociedade contemporacircneardquo (LIMA AQUINO 2009 p 40) Assim detalhamentos desta associaccedilatildeo entre relaccedilotildees sociais e infor-maccedilatildeo (mais precisamente relaccedilotildees eacutetnico-raciais) seratildeo tecidos na seccedilatildeo a seguir

2 Desenvolvimento

Nesta seccedilatildeo pretende-se discutir o conceito de fonte de informaccedilatildeo situando a atuaccedilatildeo do canal Papo de Preta nesse sentido Tambeacutem objetiva-se tratar sobre a noccedilatildeo de identidade negra conforme os termos de Kabengele Munganga (2020) Se-ratildeo apresentados ainda os resultados obtidos a partir de aplicaccedilatildeo do questionaacuterio proposto aos inscritos do canal Papo de Preta investigando o impacto das informa-ccedilotildees disseminadas pelo canal na identidade eacutetnico-racial de seus espectadores Por fim seratildeo expostos os procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

21 Consideraccedilotildees sobre o conceito de ldquofonte de informaccedilatildeordquo

Na introduccedilatildeo do presente estudo buscou-se discorrer brevemente sobre o poten-cial da informaccedilatildeo eacutetnico-racial Entretanto eacute vaacutelido pontuar que o acesso agrave in-formaccedilatildeo ocorre por meio de fontes especiacuteficas De maneira geral uma fonte pode ser compreendida como um recurso que possibilita a origem de outro Segundo Cunha (2001) ldquoo conceito de fonte de informaccedilatildeo ou documento eacute muito amplo pois pode abranger manuscritos e publicaccedilotildees aleacutem de objetos como amostras minerais obras de arte ou peccedilas museoloacutegicasrdquo (CUNHA 2001 p 7)

144Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Cendon (2000) descreve a evoluccedilatildeo da internet como fonte de informaccedilatildeo ale-gando que eacute com o surgimento da web e seus recursos para microcomputadores em 1993 que o uso da internet se populariza A autora tambeacutem pontua

A ampliaccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios somada agrave ampla interconectividade robustez interatividade e facilidade com que recursos informacionais podem ser criados e acessados fazem da internet um meio atraente para divulgaccedilatildeo de uma variedade de informaccedilatildeo Ao mesmo tempo essa combinaccedilatildeo de fatores faz supor que o ritmo atual de expansatildeo seraacute mantido e que ela continuaraacute a se consolidar como fonte de informaccedilatildeo fundamental (CENDON 2000 n p)

Na atualidade pode-se afirmar que as previsotildees anunciadas pela autora estavam corretas Considerando este novo horizonte Arauacutejo e Fachin (2015 p 84) definem fon-tes de informaccedilatildeo como ldquoregistros utilizados ao longo da vida do ser humano possibi-litando ampliar a visatildeo do mundo em que vive e sobre as coisas que estatildeo agrave sua voltardquo Aleacutem disso as autoras classificam as fontes em relaccedilatildeo ao suporte e agrave finalidade

Quanto ao suporte dividem as fontes em impressas eletrocircnicas e multimiacutedias As fontes impressas estatildeo associadas ao papel como suporte de modo que seu surgimento refere-se ao periacuteodo poacutes-Gutenberg A fontes eletrocircnicas satildeo aquelas que utilizam a eletricidade como meio de acesso a exemplo do raacutedio e da TV Jaacute as fontes de informaccedilatildeo multimiacutedias satildeo aquelas que possibilitam a interaccedilatildeo no ambiente virtual Neste uacuteltimo caso tem-se o Flickr Instagram Twitter Facebook blogs e sites como exemplos

Constata-se que as concepccedilotildees acerca do que vem a ser fonte de informaccedilatildeo es-tatildeo alinhadas com a tese de Capurro e Hjorland (2007) no sentido de que a ideia de informaccedilatildeo depende estritamente do puacuteblico a que se destina ressaltando seu ca-raacuteter social e cultural Santos e Aquino (2016) reafirmam esta noccedilatildeo comprovando que as fontes denotam a complexidade do contexto em que foram produzidas orga-nizadas e acessadas

Ainda conforme estes uacuteltimos autores

As fontes de informaccedilatildeo com a temaacutetica eacutetnico-racial satildeo instrumentos para mini-mizar as praacuteticas de discriminaccedilatildeo inferiorizaccedilatildeo e invisibilidade da populaccedilatildeo ne-gra na sociedade brasileira O contato e apreensatildeo dos elementos culturais presentes fomentam a construccedilatildeo do conhecimento criacutetico sobre a composiccedilatildeo da sociedade multicultural brasileira e o reconhecimento das distintas raccedilas que caracterizam esta populaccedilatildeo (SANTOS AQUINO 2016 p 50)

145A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Em estudo sobre as fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-racial na web Silva e Aquino (2014) listam nove tipos de fontes a saber sites e websites portais blogs micro blog redes sociais grupos de discussatildeo ou comunidades virtuais buscadores me-ta-buscadores e o YouTube objetodo presente estudo visto que o canal Papo de Preta integra o YouTube

22 Consideraccedilotildees sobre a noccedilatildeo de ldquo identidade negrardquo

A melhor compreensatildeo do conceito de identidade requer anaacutelise preacutevia da articulaccedilatildeo entre identidade e diferenccedila Silva (2000) ensina que tais conceitos possuem entre si uma relaccedilatildeo de interdependecircncia Segundo o autor do ponto de vista do senso comum identidade e diferenccedila tendem a ser encarados enquanto elementos puramente autos-suficientes Sob esta oacutetica tratam-se de elementos da natureza e portanto inocentes com o objetivo de cumprir uma positivaccedilatildeo Dizer por exemplo ldquosou brasileirordquo

Entretanto o autor elucida mais adiante que identidade e diferenccedila satildeo cons-truccedilotildees sociais indicando relaccedilotildees de forccedila e poder sendo a diferenccedila a causa pri-maacuteria da identidade Assim ao afirmar sua identidade nacional como brasileira um indiviacuteduo estaacute simultaneamente alegando que natildeo eacute por exemplo chinecircs Ou seja essa afirmaccedilatildeo revela natildeo soacute a positivaccedilatildeo de um atributo mas tambeacutem a ex-clusatildeo de tantos outros

Tratando sobre a diferenccedila Munanga (2005) reitera

[hellip] a diferenccedila estaacute na base de diversos fenocircmenos que atormentam as sociedades humanas As construccedilotildees racistas machistas classistas e tantas outras natildeo teriam outro embasamento material a natildeo ser as diferenccedilas e as relaccedilotildees diferenciais en-tre seus grupos humanos As diferenccedilas unem e desunem satildeo fontes de conflitos e de manipulaccedilotildees socioeconocircmicas e poliacutetico-ideoloacutegicas Quanto mais crescem as diferenccedilas favorecem a formaccedilatildeo dos fenocircmenos de etnocentrismo que constituem o ponto de partida para a construccedilatildeo de estereoacutetipos e preconceitos diversos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Fernandes e Souza (2016) defendem que a anaacutelise da constituiccedilatildeo das identidades das diferenccedilas eacute uacutetil pois as relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo formadas historicamente como aporte das representaccedilotildees Desta forma as representaccedilotildees geradas a partir das identidades e diferenccedilas dos grupos produzem impactos na realidade social

Tratando da representaccedilatildeo social do negro especificamente a objeccedilatildeo ou produ-ccedilatildeo das diferenccedilas foi formulada a partir de marcas corporais bioloacutegicas que foram usadas para sustentar o argumento de raccedilas superiores e inferiores como forma de manutenccedilatildeo do regime escravocrata A este respeito Munanga (2005) adverte

146Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

[hellip] com o descobrimento da Ameacuterica e da Aacutefrica os povos autoacutectones receacutem-des-cobertos receberam a identidade coletiva de ldquoiacutendiosrdquorsquo e ldquonegrosrdquo A questatildeo colocada tanto pelos teoacutelogos ocidentais dos seacuteculos XVI e XVII quanto pelos filoacutesofos iluminis-tas do seacuteculo XVIII era saber se esses iacutendios e negros eram bestas ou seres humanos como os europeus Questatildeo cuja resposta desembocou numa classificaccedilatildeo absurda da diversidade humana em raccedilas superiores e inferiores (MUNANGA 2005 n p)

A partir dessa construccedilatildeo racista a identidade do negro foi fixada num polo de inferiorizaccedilatildeo e desumanizaccedilatildeo Isto eacute possiacutevel pois conforme demonstra Larrain (2008) a identidade consiste na ldquo capacidade de considerar a si mesmo como um objeto e nesse processo construir uma narrativa sobre si mesmo Mas essa habi-lidade soacute eacute adquirida em um processo de relaccedilotildees sociais mediado por siacutembolosrdquo (LARRAIN 2008 p 32)

Dessa forma a identidade atua em duplo movimento no sentido de que essa capacidade de criaccedilatildeo de narrativas embora recaia sobre si mesma depende es-tritamente das relaccedilotildees sociais Por isso no caso dos negros brasileiros as tensas relaccedilotildees sociais agraves quais eles foram submetidos contribuiacuteram natildeo apenas para a imposiccedilatildeo de uma identidade pejorativa como tambeacutem possibilitou que essa iden-tidade fosse introjetada pelo proacuteprio grupo

Castells (2018) difere ldquoidentidaderdquo de ldquopapeacuteisrdquo alegando que a principal distinccedilatildeo entre esses elementos eacute justamente a capacidade dos atores sociais internalizarem as identidades submetendo-as a um processo de individuaccedilatildeo mesmo que estas sejam impostas pelas instituiccedilotildees Munanga (2005) confirma este raciociacutenio ao en-sinar o seguinte

[hellip] nossa identidade eacute parcialmente formada pelo reconhecimento ou pela maacute per-cepccedilatildeo que os outros tecircm dela ou seja uma pessoa ou grupo de pessoas pode sofrer prejuiacutezos ou uma deformaccedilatildeo real se as pessoas ou sociedades que os rodeiam lhes devolverem uma imagem limitada depreciativa ou despreziacutevel deles mesmos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Variadas foram as estrateacutegias para imposiccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo da identidade de desumanizaccedilatildeo do negro Uma das mais importantes foi o projeto da miscigenaccedilatildeo induzida pelo modelo racista universalista Sobre a configuraccedilatildeo deste modelo e seus impactos na identidade negra pode-se comentar o seguinte conforme Munanga (1999)

[hellip] ele se caracteriza pela busca de assimilaccedilatildeo dos membros dos grupos eacutetnicos- ra-ciais diferentes na ldquoraccedilardquo e na cultura do segmento eacutetnico dominante na sociedade

147A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Esse modelo supotildee a negaccedilatildeo absoluta da diferenccedila ou seja uma avaliaccedilatildeo negativa de qualquer diferenccedila e sugere no limite um ideal impliacutecito de homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenaccedilatildeo e pela assimilaccedilatildeo cultural A mesticcedilagem tanto bioloacutegica quanto cultural teria entre outras consequecircncias a destruiccedilatildeo da identidade racial e eacutetnica dos grupos dominados ou seja o etnociacutedio (MUNANGA 1999 p 110)

Nesse sentido o autor afirma que eacute a partir da tomada de consciecircncia das relaccedilotildees entre identidade e diferenccedila que se torna possiacutevel a construccedilatildeo de identidades con-trastantes agraves impostas pela ideologia dominante Em relaccedilatildeo agrave identidade negra o autor defende que esta ganha tocircnica sobretudo no acircmbito do movimento da negritude

A origem dos preceitos deste movimento ideoloacutegico remonta ao Estados Uni-dos na deacutecada de 1920 associado agrave figura do afro-americano William Edward Burghardt Du Bois considerado um dos primeiros liacutederes a defender o discurso de orgulho racial negro Entretanto o termo ldquonegrituderdquo propriamente dito aparece pela primeira vez em 1939 em poema de autoria do poeta dramaturgo e ensaiacutesta martinicano Aimeacute Fernand David Ceacutesaire (1913-2008) (DOMINGUES 2005)

Para esse autor ldquonegritude eacute simplesmente o ato de assumir ser negro e ser consciente de uma identidade histoacuteria e cultura especiacutefica Ceacutesaire definiu a ne-gritude em trecircs aspectos identidade fidelidade e solidariedaderdquo (MUNANGA 2020 p 50) A identidade estaacute associada ao ato de o negro assumir com orgulho a sua condiccedilatildeo racial A fidelidade estaacute direcionada agrave praacutetica de estabelecer ligaccedilotildees com suas origens africanas e a solidariedade estaacute associada ao sentimento de irman-dade que une pessoas negras (MUNANGA 2020 p 50)

O movimento da negritude contou com duas fases principais A primeira estava voltada agrave negaccedilatildeo da assimilaccedilatildeo cultural europeia e agrave construccedilatildeo da consciecircncia ra-cial O principal instrumento de expressatildeo desse primeiro momento foi a literatura A segunda mais abrangente estava direcionada agrave contestaccedilatildeo da ordem colonial bem como a luta pela emancipaccedilatildeo poliacutetica dos povos africanos (DOMINGUES 2005)

No Brasil dois agentes foram fundamentais para a disseminaccedilatildeo dos ideais da negritude sendo estes Luiacutes Gama e o Teatro Experimental do Negro Munanga (2012) considera que a inserccedilatildeo do movimento da negritude foi determinante para os rumos do movimento negro brasileiro Conforme Domingues

[hellip] no terreno cultural a negritude se expressava pela valorizaccedilatildeo dos siacutembolos cul-turais de origem negra destacando-se o samba a capoeira os grupos de afoxeacute No plano religioso negritude significava assumir as religiotildees de matriz africana sobre-tudo o candombleacute Na esfera poliacutetica negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista organizada pelas centenas de entidades do movimento negro (DOMIN1049730GUES 2005 n p)

148Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Outro legado do movimento foi a intensificaccedilatildeo da discussatildeo a respeito da cons-ciecircncia racial o que por sua vez tambeacutem suscitou o debate em torno da identidade negra Em relaccedilatildeo agrave identidade negra pode-se a partir das formulaccedilotildees de Ceacutesaire afirmar que ela

[hellip] consiste em assumir plenamente com orgulho a condiccedilatildeo de negro em dizer de cabeccedila erguida sou negro A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado como desprezo transformando este uacuteltimo numa fonte de orgulho para o negro (MU1049730NANGA 2020 p 50)

Dessa forma a identidade negra envolve tanto o orgulho quanto a consciecircncia da condiccedilatildeo do negro De acordo com Munanga (2020) a construccedilatildeo da identidade cole-tiva negra deve considerar trecircs aspectos principais a saber o fator histoacuterico o fator linguiacutestico e o fator psicoloacutegico O primeiro consiste na construccedilatildeo de uma consciecircncia histoacuterica permitindo que a populaccedilatildeo empenhe esforccedilos para compreender sua traje-toacuteria possibilitando tambeacutem que essa histoacuteria seja conhecida pelas futuras geraccedilotildees

O segundo refere-se agraves diversas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos compo-nentes relacionados aos cabelos estilos musicais e agrave proacutepria linguagem utilizada em contextos religiosos Por fim tem-se o fator psicoloacutegico que deve abranger questotildees relativas ao aspecto emocional do negro

Eacute importante ressaltar que no escopo deste estudo pretende-se tratar da iden-tidade do ponto de vista coletivo Ainda nos termos de Munanga (2012) a identidade coletiva pode ser compreendida como

[hellip] uma categoria de autodefiniccedilatildeo de um grupo Esta definiccedilatildeo pode ser feita pelo proacuteprio grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos ou pode ser uma identidade atribuiacuteda por outro grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos que natildeo foram selecionados pelo proacuteprio grupo (MUNANGA 2012 p 9)

Difere-se da identidade individual atribuiacuteda geralmente pelos pais com a pro-posta de demarcar a individualidade do ser no mundo Castells (2018) atenta ainda para outras tipologias de identidade a exemplo da identidade legitimadora de re-sistecircncia e identidade de projeto

A identidade legitimadora eacute imposta pelas instituiccedilotildees Jaacute a identidade de re-sistecircncia e de projeto satildeo ambas produzidas pelos grupos marginalizados A de re-sistecircncia como o proacuteprio nome sugere busca agir como instrumento capaz de se contrapor agraves opressotildees vivenciadas pelo grupo A de projeto se consolida quando o grupo se apropria do material cultural disponiacutevel tendo em vista redefinir sua po-siccedilatildeo na sociedade reelaborando toda estrutura social (CASTELLS 2018)

149A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 2: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Abstract This research addresses the use of information for the constitution of black collective identity To this end it relies on the concept of ethnic-racial information and conducts a case study from the Papo de Preta channel located on YouTube with the aim of verifying how the ethnic-racial information disseminat-ed by the channel impacts the racial iden-tity of its Internet users It uses the appli-cation of a questionnaire to subscribers of the channel as an instrument for data col-lection From the data collected with the empirical research it is inferred that the

Internet respondents of the questionnaire seek the channel to inform themselves about racial issues especially those relat-ed to the existence of black people as well as the political and historical questions of this population changing their per-ceptions racials based on the information disseminated in the videos

Keywords Ethnic-racial information Blackness Black identity YouTube Papo de Preta

142Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

1 Introduccedilatildeo

A informaccedilatildeo assumiu papel central na sociedade contemporacircnea tambeacutem denomi-nada de ldquosociedade da informaccedilatildeordquo Nesse sentido Alves e Santos (2018) argumentam

[hellip] a atual sociedade caracteriza-se pelo volume expressivo de informaccedilatildeo que torna-se um recurso importante para as organizaccedilotildees e tem se tornado um recurso de impacto social produtivo econocircmico poliacutetico cultural e pessoal (ALVES SANTOS 2018 p 72)

Para Lima e Aquino (2009) esta sociedade eacute baseada sobretudo na centralidade da informaccedilatildeo do ponto de vista mercadoloacutegico e simultaneamente na eclosatildeo de identidades culturais Em relaccedilatildeo agraves identidades culturais nesse contexto Wander-ley (2009) aponta que este modelo pode provocar a homogeneizaccedilatildeo cultural bem como fortalecer a reafirmaccedilatildeo das identidades existentes

Nesse sentido cabe mencionar o uso de sites de redes sociais que apesar de originalmente atenderem a uma loacutegica de mercado tambeacutem foram apropriados como recursos de organizaccedilatildeo sociopoliacutetica por grupos marginalizados por meio de denuacutencias e da promoccedilatildeo de debates Para realizaccedilatildeo do presente estudo o site escolhido foi o YouTube tendo como corpus de anaacutelise o canal Papo de Preta

Protagonizado por Maristela Rosa e Nataacutelia Romualdo

[hellip] o canal Papo de Preta existe para dar vez e voz agrave mulher negra Cultura pop co-tidiano beleza sociedadehellip Tudo comentado com o olhar de duas mulheres negras Representatividade Isto define nosso canal (PAPO DE PRETA 2021)

O canal foi criado em 2015 e conta com 433 viacutedeos distribuiacutedos em catorze lis-tas de reproduccedilatildeo e 176 mil inscritos (dados de fevereiro de 2021) Considerando a importacircncia da informaccedilatildeo nesse cenaacuterio e o uso de sites de redes sociais como forma de ativismo por grupos marginalizados esta pesquisa busca responder ao seguinte problema como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta im-pacta a identidade racial de seus internautas

Tendo em vista a resoluccedilatildeo do problema norteador do estudo recorreu-se agrave concepccedilatildeo de informaccedilatildeo eacutetnico-racial que consiste em

[hellip] todo elemento inscrito num suporte fiacutesico (tradicional ou digital) passivo de sig-nificaccedilatildeo linguiacutestica por parte dos sujeitos que a usam tendo o potencial de produzir conhecimento sobre os aspectos histoacutericos e culturais de um grupo eacutetnico na pers-pectiva de sua afirmaccedilatildeo na diversidade humana (OLIVEIRA AQUINO 2012 p 487)

143A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A realizaccedilatildeo da pesquisa eacute motivada pelo lugar social ocupado pela autora consi-derando as tiacutemidas discussotildees raciais vivenciadas ao longo da graduaccedilatildeo o que por sua vez pode ser observado tambeacutem na produccedilatildeo cientiacutefica da aacuterea de modo que

na literatura das aacutereas de BiblioteconomiaCiecircncia da Informaccedilatildeo pouco se discute sobre a importacircncia o valor e o uso da informaccedilatildeo de interesse de grupos especiacutefi-cos (negros indiacutegenas deficientes homossexuais mulheres dentre outros) (SILVA AQUINO 2014 p 204)

Assim espera-se que os campos natildeo estejam alheios aos acontecimentos que demarcam a dinacircmica coletiva particularmente ao aspecto eacutetnico-racial buscando inserir os estudos informacionais agrave luz deste Ademais Lima e Aquino (2009) cha-mam atenccedilatildeo para a importacircncia dos estudos a respeito da identidade na era da informaccedilatildeo pois ldquo[hellip] esses estudos podem contribuir para uma reflexatildeo sobre o contexto das relaccedilotildees sociais que atuam no processamentoconsumo de informaccedilatildeo elemento de produtividade e poder na sociedade contemporacircneardquo (LIMA AQUINO 2009 p 40) Assim detalhamentos desta associaccedilatildeo entre relaccedilotildees sociais e infor-maccedilatildeo (mais precisamente relaccedilotildees eacutetnico-raciais) seratildeo tecidos na seccedilatildeo a seguir

2 Desenvolvimento

Nesta seccedilatildeo pretende-se discutir o conceito de fonte de informaccedilatildeo situando a atuaccedilatildeo do canal Papo de Preta nesse sentido Tambeacutem objetiva-se tratar sobre a noccedilatildeo de identidade negra conforme os termos de Kabengele Munganga (2020) Se-ratildeo apresentados ainda os resultados obtidos a partir de aplicaccedilatildeo do questionaacuterio proposto aos inscritos do canal Papo de Preta investigando o impacto das informa-ccedilotildees disseminadas pelo canal na identidade eacutetnico-racial de seus espectadores Por fim seratildeo expostos os procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

21 Consideraccedilotildees sobre o conceito de ldquofonte de informaccedilatildeordquo

Na introduccedilatildeo do presente estudo buscou-se discorrer brevemente sobre o poten-cial da informaccedilatildeo eacutetnico-racial Entretanto eacute vaacutelido pontuar que o acesso agrave in-formaccedilatildeo ocorre por meio de fontes especiacuteficas De maneira geral uma fonte pode ser compreendida como um recurso que possibilita a origem de outro Segundo Cunha (2001) ldquoo conceito de fonte de informaccedilatildeo ou documento eacute muito amplo pois pode abranger manuscritos e publicaccedilotildees aleacutem de objetos como amostras minerais obras de arte ou peccedilas museoloacutegicasrdquo (CUNHA 2001 p 7)

144Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Cendon (2000) descreve a evoluccedilatildeo da internet como fonte de informaccedilatildeo ale-gando que eacute com o surgimento da web e seus recursos para microcomputadores em 1993 que o uso da internet se populariza A autora tambeacutem pontua

A ampliaccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios somada agrave ampla interconectividade robustez interatividade e facilidade com que recursos informacionais podem ser criados e acessados fazem da internet um meio atraente para divulgaccedilatildeo de uma variedade de informaccedilatildeo Ao mesmo tempo essa combinaccedilatildeo de fatores faz supor que o ritmo atual de expansatildeo seraacute mantido e que ela continuaraacute a se consolidar como fonte de informaccedilatildeo fundamental (CENDON 2000 n p)

Na atualidade pode-se afirmar que as previsotildees anunciadas pela autora estavam corretas Considerando este novo horizonte Arauacutejo e Fachin (2015 p 84) definem fon-tes de informaccedilatildeo como ldquoregistros utilizados ao longo da vida do ser humano possibi-litando ampliar a visatildeo do mundo em que vive e sobre as coisas que estatildeo agrave sua voltardquo Aleacutem disso as autoras classificam as fontes em relaccedilatildeo ao suporte e agrave finalidade

Quanto ao suporte dividem as fontes em impressas eletrocircnicas e multimiacutedias As fontes impressas estatildeo associadas ao papel como suporte de modo que seu surgimento refere-se ao periacuteodo poacutes-Gutenberg A fontes eletrocircnicas satildeo aquelas que utilizam a eletricidade como meio de acesso a exemplo do raacutedio e da TV Jaacute as fontes de informaccedilatildeo multimiacutedias satildeo aquelas que possibilitam a interaccedilatildeo no ambiente virtual Neste uacuteltimo caso tem-se o Flickr Instagram Twitter Facebook blogs e sites como exemplos

Constata-se que as concepccedilotildees acerca do que vem a ser fonte de informaccedilatildeo es-tatildeo alinhadas com a tese de Capurro e Hjorland (2007) no sentido de que a ideia de informaccedilatildeo depende estritamente do puacuteblico a que se destina ressaltando seu ca-raacuteter social e cultural Santos e Aquino (2016) reafirmam esta noccedilatildeo comprovando que as fontes denotam a complexidade do contexto em que foram produzidas orga-nizadas e acessadas

Ainda conforme estes uacuteltimos autores

As fontes de informaccedilatildeo com a temaacutetica eacutetnico-racial satildeo instrumentos para mini-mizar as praacuteticas de discriminaccedilatildeo inferiorizaccedilatildeo e invisibilidade da populaccedilatildeo ne-gra na sociedade brasileira O contato e apreensatildeo dos elementos culturais presentes fomentam a construccedilatildeo do conhecimento criacutetico sobre a composiccedilatildeo da sociedade multicultural brasileira e o reconhecimento das distintas raccedilas que caracterizam esta populaccedilatildeo (SANTOS AQUINO 2016 p 50)

145A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Em estudo sobre as fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-racial na web Silva e Aquino (2014) listam nove tipos de fontes a saber sites e websites portais blogs micro blog redes sociais grupos de discussatildeo ou comunidades virtuais buscadores me-ta-buscadores e o YouTube objetodo presente estudo visto que o canal Papo de Preta integra o YouTube

22 Consideraccedilotildees sobre a noccedilatildeo de ldquo identidade negrardquo

A melhor compreensatildeo do conceito de identidade requer anaacutelise preacutevia da articulaccedilatildeo entre identidade e diferenccedila Silva (2000) ensina que tais conceitos possuem entre si uma relaccedilatildeo de interdependecircncia Segundo o autor do ponto de vista do senso comum identidade e diferenccedila tendem a ser encarados enquanto elementos puramente autos-suficientes Sob esta oacutetica tratam-se de elementos da natureza e portanto inocentes com o objetivo de cumprir uma positivaccedilatildeo Dizer por exemplo ldquosou brasileirordquo

Entretanto o autor elucida mais adiante que identidade e diferenccedila satildeo cons-truccedilotildees sociais indicando relaccedilotildees de forccedila e poder sendo a diferenccedila a causa pri-maacuteria da identidade Assim ao afirmar sua identidade nacional como brasileira um indiviacuteduo estaacute simultaneamente alegando que natildeo eacute por exemplo chinecircs Ou seja essa afirmaccedilatildeo revela natildeo soacute a positivaccedilatildeo de um atributo mas tambeacutem a ex-clusatildeo de tantos outros

Tratando sobre a diferenccedila Munanga (2005) reitera

[hellip] a diferenccedila estaacute na base de diversos fenocircmenos que atormentam as sociedades humanas As construccedilotildees racistas machistas classistas e tantas outras natildeo teriam outro embasamento material a natildeo ser as diferenccedilas e as relaccedilotildees diferenciais en-tre seus grupos humanos As diferenccedilas unem e desunem satildeo fontes de conflitos e de manipulaccedilotildees socioeconocircmicas e poliacutetico-ideoloacutegicas Quanto mais crescem as diferenccedilas favorecem a formaccedilatildeo dos fenocircmenos de etnocentrismo que constituem o ponto de partida para a construccedilatildeo de estereoacutetipos e preconceitos diversos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Fernandes e Souza (2016) defendem que a anaacutelise da constituiccedilatildeo das identidades das diferenccedilas eacute uacutetil pois as relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo formadas historicamente como aporte das representaccedilotildees Desta forma as representaccedilotildees geradas a partir das identidades e diferenccedilas dos grupos produzem impactos na realidade social

Tratando da representaccedilatildeo social do negro especificamente a objeccedilatildeo ou produ-ccedilatildeo das diferenccedilas foi formulada a partir de marcas corporais bioloacutegicas que foram usadas para sustentar o argumento de raccedilas superiores e inferiores como forma de manutenccedilatildeo do regime escravocrata A este respeito Munanga (2005) adverte

146Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

[hellip] com o descobrimento da Ameacuterica e da Aacutefrica os povos autoacutectones receacutem-des-cobertos receberam a identidade coletiva de ldquoiacutendiosrdquorsquo e ldquonegrosrdquo A questatildeo colocada tanto pelos teoacutelogos ocidentais dos seacuteculos XVI e XVII quanto pelos filoacutesofos iluminis-tas do seacuteculo XVIII era saber se esses iacutendios e negros eram bestas ou seres humanos como os europeus Questatildeo cuja resposta desembocou numa classificaccedilatildeo absurda da diversidade humana em raccedilas superiores e inferiores (MUNANGA 2005 n p)

A partir dessa construccedilatildeo racista a identidade do negro foi fixada num polo de inferiorizaccedilatildeo e desumanizaccedilatildeo Isto eacute possiacutevel pois conforme demonstra Larrain (2008) a identidade consiste na ldquo capacidade de considerar a si mesmo como um objeto e nesse processo construir uma narrativa sobre si mesmo Mas essa habi-lidade soacute eacute adquirida em um processo de relaccedilotildees sociais mediado por siacutembolosrdquo (LARRAIN 2008 p 32)

Dessa forma a identidade atua em duplo movimento no sentido de que essa capacidade de criaccedilatildeo de narrativas embora recaia sobre si mesma depende es-tritamente das relaccedilotildees sociais Por isso no caso dos negros brasileiros as tensas relaccedilotildees sociais agraves quais eles foram submetidos contribuiacuteram natildeo apenas para a imposiccedilatildeo de uma identidade pejorativa como tambeacutem possibilitou que essa iden-tidade fosse introjetada pelo proacuteprio grupo

Castells (2018) difere ldquoidentidaderdquo de ldquopapeacuteisrdquo alegando que a principal distinccedilatildeo entre esses elementos eacute justamente a capacidade dos atores sociais internalizarem as identidades submetendo-as a um processo de individuaccedilatildeo mesmo que estas sejam impostas pelas instituiccedilotildees Munanga (2005) confirma este raciociacutenio ao en-sinar o seguinte

[hellip] nossa identidade eacute parcialmente formada pelo reconhecimento ou pela maacute per-cepccedilatildeo que os outros tecircm dela ou seja uma pessoa ou grupo de pessoas pode sofrer prejuiacutezos ou uma deformaccedilatildeo real se as pessoas ou sociedades que os rodeiam lhes devolverem uma imagem limitada depreciativa ou despreziacutevel deles mesmos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Variadas foram as estrateacutegias para imposiccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo da identidade de desumanizaccedilatildeo do negro Uma das mais importantes foi o projeto da miscigenaccedilatildeo induzida pelo modelo racista universalista Sobre a configuraccedilatildeo deste modelo e seus impactos na identidade negra pode-se comentar o seguinte conforme Munanga (1999)

[hellip] ele se caracteriza pela busca de assimilaccedilatildeo dos membros dos grupos eacutetnicos- ra-ciais diferentes na ldquoraccedilardquo e na cultura do segmento eacutetnico dominante na sociedade

147A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Esse modelo supotildee a negaccedilatildeo absoluta da diferenccedila ou seja uma avaliaccedilatildeo negativa de qualquer diferenccedila e sugere no limite um ideal impliacutecito de homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenaccedilatildeo e pela assimilaccedilatildeo cultural A mesticcedilagem tanto bioloacutegica quanto cultural teria entre outras consequecircncias a destruiccedilatildeo da identidade racial e eacutetnica dos grupos dominados ou seja o etnociacutedio (MUNANGA 1999 p 110)

Nesse sentido o autor afirma que eacute a partir da tomada de consciecircncia das relaccedilotildees entre identidade e diferenccedila que se torna possiacutevel a construccedilatildeo de identidades con-trastantes agraves impostas pela ideologia dominante Em relaccedilatildeo agrave identidade negra o autor defende que esta ganha tocircnica sobretudo no acircmbito do movimento da negritude

A origem dos preceitos deste movimento ideoloacutegico remonta ao Estados Uni-dos na deacutecada de 1920 associado agrave figura do afro-americano William Edward Burghardt Du Bois considerado um dos primeiros liacutederes a defender o discurso de orgulho racial negro Entretanto o termo ldquonegrituderdquo propriamente dito aparece pela primeira vez em 1939 em poema de autoria do poeta dramaturgo e ensaiacutesta martinicano Aimeacute Fernand David Ceacutesaire (1913-2008) (DOMINGUES 2005)

Para esse autor ldquonegritude eacute simplesmente o ato de assumir ser negro e ser consciente de uma identidade histoacuteria e cultura especiacutefica Ceacutesaire definiu a ne-gritude em trecircs aspectos identidade fidelidade e solidariedaderdquo (MUNANGA 2020 p 50) A identidade estaacute associada ao ato de o negro assumir com orgulho a sua condiccedilatildeo racial A fidelidade estaacute direcionada agrave praacutetica de estabelecer ligaccedilotildees com suas origens africanas e a solidariedade estaacute associada ao sentimento de irman-dade que une pessoas negras (MUNANGA 2020 p 50)

O movimento da negritude contou com duas fases principais A primeira estava voltada agrave negaccedilatildeo da assimilaccedilatildeo cultural europeia e agrave construccedilatildeo da consciecircncia ra-cial O principal instrumento de expressatildeo desse primeiro momento foi a literatura A segunda mais abrangente estava direcionada agrave contestaccedilatildeo da ordem colonial bem como a luta pela emancipaccedilatildeo poliacutetica dos povos africanos (DOMINGUES 2005)

No Brasil dois agentes foram fundamentais para a disseminaccedilatildeo dos ideais da negritude sendo estes Luiacutes Gama e o Teatro Experimental do Negro Munanga (2012) considera que a inserccedilatildeo do movimento da negritude foi determinante para os rumos do movimento negro brasileiro Conforme Domingues

[hellip] no terreno cultural a negritude se expressava pela valorizaccedilatildeo dos siacutembolos cul-turais de origem negra destacando-se o samba a capoeira os grupos de afoxeacute No plano religioso negritude significava assumir as religiotildees de matriz africana sobre-tudo o candombleacute Na esfera poliacutetica negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista organizada pelas centenas de entidades do movimento negro (DOMIN1049730GUES 2005 n p)

148Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Outro legado do movimento foi a intensificaccedilatildeo da discussatildeo a respeito da cons-ciecircncia racial o que por sua vez tambeacutem suscitou o debate em torno da identidade negra Em relaccedilatildeo agrave identidade negra pode-se a partir das formulaccedilotildees de Ceacutesaire afirmar que ela

[hellip] consiste em assumir plenamente com orgulho a condiccedilatildeo de negro em dizer de cabeccedila erguida sou negro A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado como desprezo transformando este uacuteltimo numa fonte de orgulho para o negro (MU1049730NANGA 2020 p 50)

Dessa forma a identidade negra envolve tanto o orgulho quanto a consciecircncia da condiccedilatildeo do negro De acordo com Munanga (2020) a construccedilatildeo da identidade cole-tiva negra deve considerar trecircs aspectos principais a saber o fator histoacuterico o fator linguiacutestico e o fator psicoloacutegico O primeiro consiste na construccedilatildeo de uma consciecircncia histoacuterica permitindo que a populaccedilatildeo empenhe esforccedilos para compreender sua traje-toacuteria possibilitando tambeacutem que essa histoacuteria seja conhecida pelas futuras geraccedilotildees

O segundo refere-se agraves diversas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos compo-nentes relacionados aos cabelos estilos musicais e agrave proacutepria linguagem utilizada em contextos religiosos Por fim tem-se o fator psicoloacutegico que deve abranger questotildees relativas ao aspecto emocional do negro

Eacute importante ressaltar que no escopo deste estudo pretende-se tratar da iden-tidade do ponto de vista coletivo Ainda nos termos de Munanga (2012) a identidade coletiva pode ser compreendida como

[hellip] uma categoria de autodefiniccedilatildeo de um grupo Esta definiccedilatildeo pode ser feita pelo proacuteprio grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos ou pode ser uma identidade atribuiacuteda por outro grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos que natildeo foram selecionados pelo proacuteprio grupo (MUNANGA 2012 p 9)

Difere-se da identidade individual atribuiacuteda geralmente pelos pais com a pro-posta de demarcar a individualidade do ser no mundo Castells (2018) atenta ainda para outras tipologias de identidade a exemplo da identidade legitimadora de re-sistecircncia e identidade de projeto

A identidade legitimadora eacute imposta pelas instituiccedilotildees Jaacute a identidade de re-sistecircncia e de projeto satildeo ambas produzidas pelos grupos marginalizados A de re-sistecircncia como o proacuteprio nome sugere busca agir como instrumento capaz de se contrapor agraves opressotildees vivenciadas pelo grupo A de projeto se consolida quando o grupo se apropria do material cultural disponiacutevel tendo em vista redefinir sua po-siccedilatildeo na sociedade reelaborando toda estrutura social (CASTELLS 2018)

149A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 3: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

1 Introduccedilatildeo

A informaccedilatildeo assumiu papel central na sociedade contemporacircnea tambeacutem denomi-nada de ldquosociedade da informaccedilatildeordquo Nesse sentido Alves e Santos (2018) argumentam

[hellip] a atual sociedade caracteriza-se pelo volume expressivo de informaccedilatildeo que torna-se um recurso importante para as organizaccedilotildees e tem se tornado um recurso de impacto social produtivo econocircmico poliacutetico cultural e pessoal (ALVES SANTOS 2018 p 72)

Para Lima e Aquino (2009) esta sociedade eacute baseada sobretudo na centralidade da informaccedilatildeo do ponto de vista mercadoloacutegico e simultaneamente na eclosatildeo de identidades culturais Em relaccedilatildeo agraves identidades culturais nesse contexto Wander-ley (2009) aponta que este modelo pode provocar a homogeneizaccedilatildeo cultural bem como fortalecer a reafirmaccedilatildeo das identidades existentes

Nesse sentido cabe mencionar o uso de sites de redes sociais que apesar de originalmente atenderem a uma loacutegica de mercado tambeacutem foram apropriados como recursos de organizaccedilatildeo sociopoliacutetica por grupos marginalizados por meio de denuacutencias e da promoccedilatildeo de debates Para realizaccedilatildeo do presente estudo o site escolhido foi o YouTube tendo como corpus de anaacutelise o canal Papo de Preta

Protagonizado por Maristela Rosa e Nataacutelia Romualdo

[hellip] o canal Papo de Preta existe para dar vez e voz agrave mulher negra Cultura pop co-tidiano beleza sociedadehellip Tudo comentado com o olhar de duas mulheres negras Representatividade Isto define nosso canal (PAPO DE PRETA 2021)

O canal foi criado em 2015 e conta com 433 viacutedeos distribuiacutedos em catorze lis-tas de reproduccedilatildeo e 176 mil inscritos (dados de fevereiro de 2021) Considerando a importacircncia da informaccedilatildeo nesse cenaacuterio e o uso de sites de redes sociais como forma de ativismo por grupos marginalizados esta pesquisa busca responder ao seguinte problema como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta im-pacta a identidade racial de seus internautas

Tendo em vista a resoluccedilatildeo do problema norteador do estudo recorreu-se agrave concepccedilatildeo de informaccedilatildeo eacutetnico-racial que consiste em

[hellip] todo elemento inscrito num suporte fiacutesico (tradicional ou digital) passivo de sig-nificaccedilatildeo linguiacutestica por parte dos sujeitos que a usam tendo o potencial de produzir conhecimento sobre os aspectos histoacutericos e culturais de um grupo eacutetnico na pers-pectiva de sua afirmaccedilatildeo na diversidade humana (OLIVEIRA AQUINO 2012 p 487)

143A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A realizaccedilatildeo da pesquisa eacute motivada pelo lugar social ocupado pela autora consi-derando as tiacutemidas discussotildees raciais vivenciadas ao longo da graduaccedilatildeo o que por sua vez pode ser observado tambeacutem na produccedilatildeo cientiacutefica da aacuterea de modo que

na literatura das aacutereas de BiblioteconomiaCiecircncia da Informaccedilatildeo pouco se discute sobre a importacircncia o valor e o uso da informaccedilatildeo de interesse de grupos especiacutefi-cos (negros indiacutegenas deficientes homossexuais mulheres dentre outros) (SILVA AQUINO 2014 p 204)

Assim espera-se que os campos natildeo estejam alheios aos acontecimentos que demarcam a dinacircmica coletiva particularmente ao aspecto eacutetnico-racial buscando inserir os estudos informacionais agrave luz deste Ademais Lima e Aquino (2009) cha-mam atenccedilatildeo para a importacircncia dos estudos a respeito da identidade na era da informaccedilatildeo pois ldquo[hellip] esses estudos podem contribuir para uma reflexatildeo sobre o contexto das relaccedilotildees sociais que atuam no processamentoconsumo de informaccedilatildeo elemento de produtividade e poder na sociedade contemporacircneardquo (LIMA AQUINO 2009 p 40) Assim detalhamentos desta associaccedilatildeo entre relaccedilotildees sociais e infor-maccedilatildeo (mais precisamente relaccedilotildees eacutetnico-raciais) seratildeo tecidos na seccedilatildeo a seguir

2 Desenvolvimento

Nesta seccedilatildeo pretende-se discutir o conceito de fonte de informaccedilatildeo situando a atuaccedilatildeo do canal Papo de Preta nesse sentido Tambeacutem objetiva-se tratar sobre a noccedilatildeo de identidade negra conforme os termos de Kabengele Munganga (2020) Se-ratildeo apresentados ainda os resultados obtidos a partir de aplicaccedilatildeo do questionaacuterio proposto aos inscritos do canal Papo de Preta investigando o impacto das informa-ccedilotildees disseminadas pelo canal na identidade eacutetnico-racial de seus espectadores Por fim seratildeo expostos os procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

21 Consideraccedilotildees sobre o conceito de ldquofonte de informaccedilatildeordquo

Na introduccedilatildeo do presente estudo buscou-se discorrer brevemente sobre o poten-cial da informaccedilatildeo eacutetnico-racial Entretanto eacute vaacutelido pontuar que o acesso agrave in-formaccedilatildeo ocorre por meio de fontes especiacuteficas De maneira geral uma fonte pode ser compreendida como um recurso que possibilita a origem de outro Segundo Cunha (2001) ldquoo conceito de fonte de informaccedilatildeo ou documento eacute muito amplo pois pode abranger manuscritos e publicaccedilotildees aleacutem de objetos como amostras minerais obras de arte ou peccedilas museoloacutegicasrdquo (CUNHA 2001 p 7)

144Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Cendon (2000) descreve a evoluccedilatildeo da internet como fonte de informaccedilatildeo ale-gando que eacute com o surgimento da web e seus recursos para microcomputadores em 1993 que o uso da internet se populariza A autora tambeacutem pontua

A ampliaccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios somada agrave ampla interconectividade robustez interatividade e facilidade com que recursos informacionais podem ser criados e acessados fazem da internet um meio atraente para divulgaccedilatildeo de uma variedade de informaccedilatildeo Ao mesmo tempo essa combinaccedilatildeo de fatores faz supor que o ritmo atual de expansatildeo seraacute mantido e que ela continuaraacute a se consolidar como fonte de informaccedilatildeo fundamental (CENDON 2000 n p)

Na atualidade pode-se afirmar que as previsotildees anunciadas pela autora estavam corretas Considerando este novo horizonte Arauacutejo e Fachin (2015 p 84) definem fon-tes de informaccedilatildeo como ldquoregistros utilizados ao longo da vida do ser humano possibi-litando ampliar a visatildeo do mundo em que vive e sobre as coisas que estatildeo agrave sua voltardquo Aleacutem disso as autoras classificam as fontes em relaccedilatildeo ao suporte e agrave finalidade

Quanto ao suporte dividem as fontes em impressas eletrocircnicas e multimiacutedias As fontes impressas estatildeo associadas ao papel como suporte de modo que seu surgimento refere-se ao periacuteodo poacutes-Gutenberg A fontes eletrocircnicas satildeo aquelas que utilizam a eletricidade como meio de acesso a exemplo do raacutedio e da TV Jaacute as fontes de informaccedilatildeo multimiacutedias satildeo aquelas que possibilitam a interaccedilatildeo no ambiente virtual Neste uacuteltimo caso tem-se o Flickr Instagram Twitter Facebook blogs e sites como exemplos

Constata-se que as concepccedilotildees acerca do que vem a ser fonte de informaccedilatildeo es-tatildeo alinhadas com a tese de Capurro e Hjorland (2007) no sentido de que a ideia de informaccedilatildeo depende estritamente do puacuteblico a que se destina ressaltando seu ca-raacuteter social e cultural Santos e Aquino (2016) reafirmam esta noccedilatildeo comprovando que as fontes denotam a complexidade do contexto em que foram produzidas orga-nizadas e acessadas

Ainda conforme estes uacuteltimos autores

As fontes de informaccedilatildeo com a temaacutetica eacutetnico-racial satildeo instrumentos para mini-mizar as praacuteticas de discriminaccedilatildeo inferiorizaccedilatildeo e invisibilidade da populaccedilatildeo ne-gra na sociedade brasileira O contato e apreensatildeo dos elementos culturais presentes fomentam a construccedilatildeo do conhecimento criacutetico sobre a composiccedilatildeo da sociedade multicultural brasileira e o reconhecimento das distintas raccedilas que caracterizam esta populaccedilatildeo (SANTOS AQUINO 2016 p 50)

145A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Em estudo sobre as fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-racial na web Silva e Aquino (2014) listam nove tipos de fontes a saber sites e websites portais blogs micro blog redes sociais grupos de discussatildeo ou comunidades virtuais buscadores me-ta-buscadores e o YouTube objetodo presente estudo visto que o canal Papo de Preta integra o YouTube

22 Consideraccedilotildees sobre a noccedilatildeo de ldquo identidade negrardquo

A melhor compreensatildeo do conceito de identidade requer anaacutelise preacutevia da articulaccedilatildeo entre identidade e diferenccedila Silva (2000) ensina que tais conceitos possuem entre si uma relaccedilatildeo de interdependecircncia Segundo o autor do ponto de vista do senso comum identidade e diferenccedila tendem a ser encarados enquanto elementos puramente autos-suficientes Sob esta oacutetica tratam-se de elementos da natureza e portanto inocentes com o objetivo de cumprir uma positivaccedilatildeo Dizer por exemplo ldquosou brasileirordquo

Entretanto o autor elucida mais adiante que identidade e diferenccedila satildeo cons-truccedilotildees sociais indicando relaccedilotildees de forccedila e poder sendo a diferenccedila a causa pri-maacuteria da identidade Assim ao afirmar sua identidade nacional como brasileira um indiviacuteduo estaacute simultaneamente alegando que natildeo eacute por exemplo chinecircs Ou seja essa afirmaccedilatildeo revela natildeo soacute a positivaccedilatildeo de um atributo mas tambeacutem a ex-clusatildeo de tantos outros

Tratando sobre a diferenccedila Munanga (2005) reitera

[hellip] a diferenccedila estaacute na base de diversos fenocircmenos que atormentam as sociedades humanas As construccedilotildees racistas machistas classistas e tantas outras natildeo teriam outro embasamento material a natildeo ser as diferenccedilas e as relaccedilotildees diferenciais en-tre seus grupos humanos As diferenccedilas unem e desunem satildeo fontes de conflitos e de manipulaccedilotildees socioeconocircmicas e poliacutetico-ideoloacutegicas Quanto mais crescem as diferenccedilas favorecem a formaccedilatildeo dos fenocircmenos de etnocentrismo que constituem o ponto de partida para a construccedilatildeo de estereoacutetipos e preconceitos diversos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Fernandes e Souza (2016) defendem que a anaacutelise da constituiccedilatildeo das identidades das diferenccedilas eacute uacutetil pois as relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo formadas historicamente como aporte das representaccedilotildees Desta forma as representaccedilotildees geradas a partir das identidades e diferenccedilas dos grupos produzem impactos na realidade social

Tratando da representaccedilatildeo social do negro especificamente a objeccedilatildeo ou produ-ccedilatildeo das diferenccedilas foi formulada a partir de marcas corporais bioloacutegicas que foram usadas para sustentar o argumento de raccedilas superiores e inferiores como forma de manutenccedilatildeo do regime escravocrata A este respeito Munanga (2005) adverte

146Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

[hellip] com o descobrimento da Ameacuterica e da Aacutefrica os povos autoacutectones receacutem-des-cobertos receberam a identidade coletiva de ldquoiacutendiosrdquorsquo e ldquonegrosrdquo A questatildeo colocada tanto pelos teoacutelogos ocidentais dos seacuteculos XVI e XVII quanto pelos filoacutesofos iluminis-tas do seacuteculo XVIII era saber se esses iacutendios e negros eram bestas ou seres humanos como os europeus Questatildeo cuja resposta desembocou numa classificaccedilatildeo absurda da diversidade humana em raccedilas superiores e inferiores (MUNANGA 2005 n p)

A partir dessa construccedilatildeo racista a identidade do negro foi fixada num polo de inferiorizaccedilatildeo e desumanizaccedilatildeo Isto eacute possiacutevel pois conforme demonstra Larrain (2008) a identidade consiste na ldquo capacidade de considerar a si mesmo como um objeto e nesse processo construir uma narrativa sobre si mesmo Mas essa habi-lidade soacute eacute adquirida em um processo de relaccedilotildees sociais mediado por siacutembolosrdquo (LARRAIN 2008 p 32)

Dessa forma a identidade atua em duplo movimento no sentido de que essa capacidade de criaccedilatildeo de narrativas embora recaia sobre si mesma depende es-tritamente das relaccedilotildees sociais Por isso no caso dos negros brasileiros as tensas relaccedilotildees sociais agraves quais eles foram submetidos contribuiacuteram natildeo apenas para a imposiccedilatildeo de uma identidade pejorativa como tambeacutem possibilitou que essa iden-tidade fosse introjetada pelo proacuteprio grupo

Castells (2018) difere ldquoidentidaderdquo de ldquopapeacuteisrdquo alegando que a principal distinccedilatildeo entre esses elementos eacute justamente a capacidade dos atores sociais internalizarem as identidades submetendo-as a um processo de individuaccedilatildeo mesmo que estas sejam impostas pelas instituiccedilotildees Munanga (2005) confirma este raciociacutenio ao en-sinar o seguinte

[hellip] nossa identidade eacute parcialmente formada pelo reconhecimento ou pela maacute per-cepccedilatildeo que os outros tecircm dela ou seja uma pessoa ou grupo de pessoas pode sofrer prejuiacutezos ou uma deformaccedilatildeo real se as pessoas ou sociedades que os rodeiam lhes devolverem uma imagem limitada depreciativa ou despreziacutevel deles mesmos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Variadas foram as estrateacutegias para imposiccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo da identidade de desumanizaccedilatildeo do negro Uma das mais importantes foi o projeto da miscigenaccedilatildeo induzida pelo modelo racista universalista Sobre a configuraccedilatildeo deste modelo e seus impactos na identidade negra pode-se comentar o seguinte conforme Munanga (1999)

[hellip] ele se caracteriza pela busca de assimilaccedilatildeo dos membros dos grupos eacutetnicos- ra-ciais diferentes na ldquoraccedilardquo e na cultura do segmento eacutetnico dominante na sociedade

147A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Esse modelo supotildee a negaccedilatildeo absoluta da diferenccedila ou seja uma avaliaccedilatildeo negativa de qualquer diferenccedila e sugere no limite um ideal impliacutecito de homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenaccedilatildeo e pela assimilaccedilatildeo cultural A mesticcedilagem tanto bioloacutegica quanto cultural teria entre outras consequecircncias a destruiccedilatildeo da identidade racial e eacutetnica dos grupos dominados ou seja o etnociacutedio (MUNANGA 1999 p 110)

Nesse sentido o autor afirma que eacute a partir da tomada de consciecircncia das relaccedilotildees entre identidade e diferenccedila que se torna possiacutevel a construccedilatildeo de identidades con-trastantes agraves impostas pela ideologia dominante Em relaccedilatildeo agrave identidade negra o autor defende que esta ganha tocircnica sobretudo no acircmbito do movimento da negritude

A origem dos preceitos deste movimento ideoloacutegico remonta ao Estados Uni-dos na deacutecada de 1920 associado agrave figura do afro-americano William Edward Burghardt Du Bois considerado um dos primeiros liacutederes a defender o discurso de orgulho racial negro Entretanto o termo ldquonegrituderdquo propriamente dito aparece pela primeira vez em 1939 em poema de autoria do poeta dramaturgo e ensaiacutesta martinicano Aimeacute Fernand David Ceacutesaire (1913-2008) (DOMINGUES 2005)

Para esse autor ldquonegritude eacute simplesmente o ato de assumir ser negro e ser consciente de uma identidade histoacuteria e cultura especiacutefica Ceacutesaire definiu a ne-gritude em trecircs aspectos identidade fidelidade e solidariedaderdquo (MUNANGA 2020 p 50) A identidade estaacute associada ao ato de o negro assumir com orgulho a sua condiccedilatildeo racial A fidelidade estaacute direcionada agrave praacutetica de estabelecer ligaccedilotildees com suas origens africanas e a solidariedade estaacute associada ao sentimento de irman-dade que une pessoas negras (MUNANGA 2020 p 50)

O movimento da negritude contou com duas fases principais A primeira estava voltada agrave negaccedilatildeo da assimilaccedilatildeo cultural europeia e agrave construccedilatildeo da consciecircncia ra-cial O principal instrumento de expressatildeo desse primeiro momento foi a literatura A segunda mais abrangente estava direcionada agrave contestaccedilatildeo da ordem colonial bem como a luta pela emancipaccedilatildeo poliacutetica dos povos africanos (DOMINGUES 2005)

No Brasil dois agentes foram fundamentais para a disseminaccedilatildeo dos ideais da negritude sendo estes Luiacutes Gama e o Teatro Experimental do Negro Munanga (2012) considera que a inserccedilatildeo do movimento da negritude foi determinante para os rumos do movimento negro brasileiro Conforme Domingues

[hellip] no terreno cultural a negritude se expressava pela valorizaccedilatildeo dos siacutembolos cul-turais de origem negra destacando-se o samba a capoeira os grupos de afoxeacute No plano religioso negritude significava assumir as religiotildees de matriz africana sobre-tudo o candombleacute Na esfera poliacutetica negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista organizada pelas centenas de entidades do movimento negro (DOMIN1049730GUES 2005 n p)

148Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Outro legado do movimento foi a intensificaccedilatildeo da discussatildeo a respeito da cons-ciecircncia racial o que por sua vez tambeacutem suscitou o debate em torno da identidade negra Em relaccedilatildeo agrave identidade negra pode-se a partir das formulaccedilotildees de Ceacutesaire afirmar que ela

[hellip] consiste em assumir plenamente com orgulho a condiccedilatildeo de negro em dizer de cabeccedila erguida sou negro A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado como desprezo transformando este uacuteltimo numa fonte de orgulho para o negro (MU1049730NANGA 2020 p 50)

Dessa forma a identidade negra envolve tanto o orgulho quanto a consciecircncia da condiccedilatildeo do negro De acordo com Munanga (2020) a construccedilatildeo da identidade cole-tiva negra deve considerar trecircs aspectos principais a saber o fator histoacuterico o fator linguiacutestico e o fator psicoloacutegico O primeiro consiste na construccedilatildeo de uma consciecircncia histoacuterica permitindo que a populaccedilatildeo empenhe esforccedilos para compreender sua traje-toacuteria possibilitando tambeacutem que essa histoacuteria seja conhecida pelas futuras geraccedilotildees

O segundo refere-se agraves diversas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos compo-nentes relacionados aos cabelos estilos musicais e agrave proacutepria linguagem utilizada em contextos religiosos Por fim tem-se o fator psicoloacutegico que deve abranger questotildees relativas ao aspecto emocional do negro

Eacute importante ressaltar que no escopo deste estudo pretende-se tratar da iden-tidade do ponto de vista coletivo Ainda nos termos de Munanga (2012) a identidade coletiva pode ser compreendida como

[hellip] uma categoria de autodefiniccedilatildeo de um grupo Esta definiccedilatildeo pode ser feita pelo proacuteprio grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos ou pode ser uma identidade atribuiacuteda por outro grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos que natildeo foram selecionados pelo proacuteprio grupo (MUNANGA 2012 p 9)

Difere-se da identidade individual atribuiacuteda geralmente pelos pais com a pro-posta de demarcar a individualidade do ser no mundo Castells (2018) atenta ainda para outras tipologias de identidade a exemplo da identidade legitimadora de re-sistecircncia e identidade de projeto

A identidade legitimadora eacute imposta pelas instituiccedilotildees Jaacute a identidade de re-sistecircncia e de projeto satildeo ambas produzidas pelos grupos marginalizados A de re-sistecircncia como o proacuteprio nome sugere busca agir como instrumento capaz de se contrapor agraves opressotildees vivenciadas pelo grupo A de projeto se consolida quando o grupo se apropria do material cultural disponiacutevel tendo em vista redefinir sua po-siccedilatildeo na sociedade reelaborando toda estrutura social (CASTELLS 2018)

149A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 4: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

A realizaccedilatildeo da pesquisa eacute motivada pelo lugar social ocupado pela autora consi-derando as tiacutemidas discussotildees raciais vivenciadas ao longo da graduaccedilatildeo o que por sua vez pode ser observado tambeacutem na produccedilatildeo cientiacutefica da aacuterea de modo que

na literatura das aacutereas de BiblioteconomiaCiecircncia da Informaccedilatildeo pouco se discute sobre a importacircncia o valor e o uso da informaccedilatildeo de interesse de grupos especiacutefi-cos (negros indiacutegenas deficientes homossexuais mulheres dentre outros) (SILVA AQUINO 2014 p 204)

Assim espera-se que os campos natildeo estejam alheios aos acontecimentos que demarcam a dinacircmica coletiva particularmente ao aspecto eacutetnico-racial buscando inserir os estudos informacionais agrave luz deste Ademais Lima e Aquino (2009) cha-mam atenccedilatildeo para a importacircncia dos estudos a respeito da identidade na era da informaccedilatildeo pois ldquo[hellip] esses estudos podem contribuir para uma reflexatildeo sobre o contexto das relaccedilotildees sociais que atuam no processamentoconsumo de informaccedilatildeo elemento de produtividade e poder na sociedade contemporacircneardquo (LIMA AQUINO 2009 p 40) Assim detalhamentos desta associaccedilatildeo entre relaccedilotildees sociais e infor-maccedilatildeo (mais precisamente relaccedilotildees eacutetnico-raciais) seratildeo tecidos na seccedilatildeo a seguir

2 Desenvolvimento

Nesta seccedilatildeo pretende-se discutir o conceito de fonte de informaccedilatildeo situando a atuaccedilatildeo do canal Papo de Preta nesse sentido Tambeacutem objetiva-se tratar sobre a noccedilatildeo de identidade negra conforme os termos de Kabengele Munganga (2020) Se-ratildeo apresentados ainda os resultados obtidos a partir de aplicaccedilatildeo do questionaacuterio proposto aos inscritos do canal Papo de Preta investigando o impacto das informa-ccedilotildees disseminadas pelo canal na identidade eacutetnico-racial de seus espectadores Por fim seratildeo expostos os procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

21 Consideraccedilotildees sobre o conceito de ldquofonte de informaccedilatildeordquo

Na introduccedilatildeo do presente estudo buscou-se discorrer brevemente sobre o poten-cial da informaccedilatildeo eacutetnico-racial Entretanto eacute vaacutelido pontuar que o acesso agrave in-formaccedilatildeo ocorre por meio de fontes especiacuteficas De maneira geral uma fonte pode ser compreendida como um recurso que possibilita a origem de outro Segundo Cunha (2001) ldquoo conceito de fonte de informaccedilatildeo ou documento eacute muito amplo pois pode abranger manuscritos e publicaccedilotildees aleacutem de objetos como amostras minerais obras de arte ou peccedilas museoloacutegicasrdquo (CUNHA 2001 p 7)

144Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Cendon (2000) descreve a evoluccedilatildeo da internet como fonte de informaccedilatildeo ale-gando que eacute com o surgimento da web e seus recursos para microcomputadores em 1993 que o uso da internet se populariza A autora tambeacutem pontua

A ampliaccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios somada agrave ampla interconectividade robustez interatividade e facilidade com que recursos informacionais podem ser criados e acessados fazem da internet um meio atraente para divulgaccedilatildeo de uma variedade de informaccedilatildeo Ao mesmo tempo essa combinaccedilatildeo de fatores faz supor que o ritmo atual de expansatildeo seraacute mantido e que ela continuaraacute a se consolidar como fonte de informaccedilatildeo fundamental (CENDON 2000 n p)

Na atualidade pode-se afirmar que as previsotildees anunciadas pela autora estavam corretas Considerando este novo horizonte Arauacutejo e Fachin (2015 p 84) definem fon-tes de informaccedilatildeo como ldquoregistros utilizados ao longo da vida do ser humano possibi-litando ampliar a visatildeo do mundo em que vive e sobre as coisas que estatildeo agrave sua voltardquo Aleacutem disso as autoras classificam as fontes em relaccedilatildeo ao suporte e agrave finalidade

Quanto ao suporte dividem as fontes em impressas eletrocircnicas e multimiacutedias As fontes impressas estatildeo associadas ao papel como suporte de modo que seu surgimento refere-se ao periacuteodo poacutes-Gutenberg A fontes eletrocircnicas satildeo aquelas que utilizam a eletricidade como meio de acesso a exemplo do raacutedio e da TV Jaacute as fontes de informaccedilatildeo multimiacutedias satildeo aquelas que possibilitam a interaccedilatildeo no ambiente virtual Neste uacuteltimo caso tem-se o Flickr Instagram Twitter Facebook blogs e sites como exemplos

Constata-se que as concepccedilotildees acerca do que vem a ser fonte de informaccedilatildeo es-tatildeo alinhadas com a tese de Capurro e Hjorland (2007) no sentido de que a ideia de informaccedilatildeo depende estritamente do puacuteblico a que se destina ressaltando seu ca-raacuteter social e cultural Santos e Aquino (2016) reafirmam esta noccedilatildeo comprovando que as fontes denotam a complexidade do contexto em que foram produzidas orga-nizadas e acessadas

Ainda conforme estes uacuteltimos autores

As fontes de informaccedilatildeo com a temaacutetica eacutetnico-racial satildeo instrumentos para mini-mizar as praacuteticas de discriminaccedilatildeo inferiorizaccedilatildeo e invisibilidade da populaccedilatildeo ne-gra na sociedade brasileira O contato e apreensatildeo dos elementos culturais presentes fomentam a construccedilatildeo do conhecimento criacutetico sobre a composiccedilatildeo da sociedade multicultural brasileira e o reconhecimento das distintas raccedilas que caracterizam esta populaccedilatildeo (SANTOS AQUINO 2016 p 50)

145A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Em estudo sobre as fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-racial na web Silva e Aquino (2014) listam nove tipos de fontes a saber sites e websites portais blogs micro blog redes sociais grupos de discussatildeo ou comunidades virtuais buscadores me-ta-buscadores e o YouTube objetodo presente estudo visto que o canal Papo de Preta integra o YouTube

22 Consideraccedilotildees sobre a noccedilatildeo de ldquo identidade negrardquo

A melhor compreensatildeo do conceito de identidade requer anaacutelise preacutevia da articulaccedilatildeo entre identidade e diferenccedila Silva (2000) ensina que tais conceitos possuem entre si uma relaccedilatildeo de interdependecircncia Segundo o autor do ponto de vista do senso comum identidade e diferenccedila tendem a ser encarados enquanto elementos puramente autos-suficientes Sob esta oacutetica tratam-se de elementos da natureza e portanto inocentes com o objetivo de cumprir uma positivaccedilatildeo Dizer por exemplo ldquosou brasileirordquo

Entretanto o autor elucida mais adiante que identidade e diferenccedila satildeo cons-truccedilotildees sociais indicando relaccedilotildees de forccedila e poder sendo a diferenccedila a causa pri-maacuteria da identidade Assim ao afirmar sua identidade nacional como brasileira um indiviacuteduo estaacute simultaneamente alegando que natildeo eacute por exemplo chinecircs Ou seja essa afirmaccedilatildeo revela natildeo soacute a positivaccedilatildeo de um atributo mas tambeacutem a ex-clusatildeo de tantos outros

Tratando sobre a diferenccedila Munanga (2005) reitera

[hellip] a diferenccedila estaacute na base de diversos fenocircmenos que atormentam as sociedades humanas As construccedilotildees racistas machistas classistas e tantas outras natildeo teriam outro embasamento material a natildeo ser as diferenccedilas e as relaccedilotildees diferenciais en-tre seus grupos humanos As diferenccedilas unem e desunem satildeo fontes de conflitos e de manipulaccedilotildees socioeconocircmicas e poliacutetico-ideoloacutegicas Quanto mais crescem as diferenccedilas favorecem a formaccedilatildeo dos fenocircmenos de etnocentrismo que constituem o ponto de partida para a construccedilatildeo de estereoacutetipos e preconceitos diversos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Fernandes e Souza (2016) defendem que a anaacutelise da constituiccedilatildeo das identidades das diferenccedilas eacute uacutetil pois as relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo formadas historicamente como aporte das representaccedilotildees Desta forma as representaccedilotildees geradas a partir das identidades e diferenccedilas dos grupos produzem impactos na realidade social

Tratando da representaccedilatildeo social do negro especificamente a objeccedilatildeo ou produ-ccedilatildeo das diferenccedilas foi formulada a partir de marcas corporais bioloacutegicas que foram usadas para sustentar o argumento de raccedilas superiores e inferiores como forma de manutenccedilatildeo do regime escravocrata A este respeito Munanga (2005) adverte

146Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

[hellip] com o descobrimento da Ameacuterica e da Aacutefrica os povos autoacutectones receacutem-des-cobertos receberam a identidade coletiva de ldquoiacutendiosrdquorsquo e ldquonegrosrdquo A questatildeo colocada tanto pelos teoacutelogos ocidentais dos seacuteculos XVI e XVII quanto pelos filoacutesofos iluminis-tas do seacuteculo XVIII era saber se esses iacutendios e negros eram bestas ou seres humanos como os europeus Questatildeo cuja resposta desembocou numa classificaccedilatildeo absurda da diversidade humana em raccedilas superiores e inferiores (MUNANGA 2005 n p)

A partir dessa construccedilatildeo racista a identidade do negro foi fixada num polo de inferiorizaccedilatildeo e desumanizaccedilatildeo Isto eacute possiacutevel pois conforme demonstra Larrain (2008) a identidade consiste na ldquo capacidade de considerar a si mesmo como um objeto e nesse processo construir uma narrativa sobre si mesmo Mas essa habi-lidade soacute eacute adquirida em um processo de relaccedilotildees sociais mediado por siacutembolosrdquo (LARRAIN 2008 p 32)

Dessa forma a identidade atua em duplo movimento no sentido de que essa capacidade de criaccedilatildeo de narrativas embora recaia sobre si mesma depende es-tritamente das relaccedilotildees sociais Por isso no caso dos negros brasileiros as tensas relaccedilotildees sociais agraves quais eles foram submetidos contribuiacuteram natildeo apenas para a imposiccedilatildeo de uma identidade pejorativa como tambeacutem possibilitou que essa iden-tidade fosse introjetada pelo proacuteprio grupo

Castells (2018) difere ldquoidentidaderdquo de ldquopapeacuteisrdquo alegando que a principal distinccedilatildeo entre esses elementos eacute justamente a capacidade dos atores sociais internalizarem as identidades submetendo-as a um processo de individuaccedilatildeo mesmo que estas sejam impostas pelas instituiccedilotildees Munanga (2005) confirma este raciociacutenio ao en-sinar o seguinte

[hellip] nossa identidade eacute parcialmente formada pelo reconhecimento ou pela maacute per-cepccedilatildeo que os outros tecircm dela ou seja uma pessoa ou grupo de pessoas pode sofrer prejuiacutezos ou uma deformaccedilatildeo real se as pessoas ou sociedades que os rodeiam lhes devolverem uma imagem limitada depreciativa ou despreziacutevel deles mesmos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Variadas foram as estrateacutegias para imposiccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo da identidade de desumanizaccedilatildeo do negro Uma das mais importantes foi o projeto da miscigenaccedilatildeo induzida pelo modelo racista universalista Sobre a configuraccedilatildeo deste modelo e seus impactos na identidade negra pode-se comentar o seguinte conforme Munanga (1999)

[hellip] ele se caracteriza pela busca de assimilaccedilatildeo dos membros dos grupos eacutetnicos- ra-ciais diferentes na ldquoraccedilardquo e na cultura do segmento eacutetnico dominante na sociedade

147A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Esse modelo supotildee a negaccedilatildeo absoluta da diferenccedila ou seja uma avaliaccedilatildeo negativa de qualquer diferenccedila e sugere no limite um ideal impliacutecito de homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenaccedilatildeo e pela assimilaccedilatildeo cultural A mesticcedilagem tanto bioloacutegica quanto cultural teria entre outras consequecircncias a destruiccedilatildeo da identidade racial e eacutetnica dos grupos dominados ou seja o etnociacutedio (MUNANGA 1999 p 110)

Nesse sentido o autor afirma que eacute a partir da tomada de consciecircncia das relaccedilotildees entre identidade e diferenccedila que se torna possiacutevel a construccedilatildeo de identidades con-trastantes agraves impostas pela ideologia dominante Em relaccedilatildeo agrave identidade negra o autor defende que esta ganha tocircnica sobretudo no acircmbito do movimento da negritude

A origem dos preceitos deste movimento ideoloacutegico remonta ao Estados Uni-dos na deacutecada de 1920 associado agrave figura do afro-americano William Edward Burghardt Du Bois considerado um dos primeiros liacutederes a defender o discurso de orgulho racial negro Entretanto o termo ldquonegrituderdquo propriamente dito aparece pela primeira vez em 1939 em poema de autoria do poeta dramaturgo e ensaiacutesta martinicano Aimeacute Fernand David Ceacutesaire (1913-2008) (DOMINGUES 2005)

Para esse autor ldquonegritude eacute simplesmente o ato de assumir ser negro e ser consciente de uma identidade histoacuteria e cultura especiacutefica Ceacutesaire definiu a ne-gritude em trecircs aspectos identidade fidelidade e solidariedaderdquo (MUNANGA 2020 p 50) A identidade estaacute associada ao ato de o negro assumir com orgulho a sua condiccedilatildeo racial A fidelidade estaacute direcionada agrave praacutetica de estabelecer ligaccedilotildees com suas origens africanas e a solidariedade estaacute associada ao sentimento de irman-dade que une pessoas negras (MUNANGA 2020 p 50)

O movimento da negritude contou com duas fases principais A primeira estava voltada agrave negaccedilatildeo da assimilaccedilatildeo cultural europeia e agrave construccedilatildeo da consciecircncia ra-cial O principal instrumento de expressatildeo desse primeiro momento foi a literatura A segunda mais abrangente estava direcionada agrave contestaccedilatildeo da ordem colonial bem como a luta pela emancipaccedilatildeo poliacutetica dos povos africanos (DOMINGUES 2005)

No Brasil dois agentes foram fundamentais para a disseminaccedilatildeo dos ideais da negritude sendo estes Luiacutes Gama e o Teatro Experimental do Negro Munanga (2012) considera que a inserccedilatildeo do movimento da negritude foi determinante para os rumos do movimento negro brasileiro Conforme Domingues

[hellip] no terreno cultural a negritude se expressava pela valorizaccedilatildeo dos siacutembolos cul-turais de origem negra destacando-se o samba a capoeira os grupos de afoxeacute No plano religioso negritude significava assumir as religiotildees de matriz africana sobre-tudo o candombleacute Na esfera poliacutetica negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista organizada pelas centenas de entidades do movimento negro (DOMIN1049730GUES 2005 n p)

148Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Outro legado do movimento foi a intensificaccedilatildeo da discussatildeo a respeito da cons-ciecircncia racial o que por sua vez tambeacutem suscitou o debate em torno da identidade negra Em relaccedilatildeo agrave identidade negra pode-se a partir das formulaccedilotildees de Ceacutesaire afirmar que ela

[hellip] consiste em assumir plenamente com orgulho a condiccedilatildeo de negro em dizer de cabeccedila erguida sou negro A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado como desprezo transformando este uacuteltimo numa fonte de orgulho para o negro (MU1049730NANGA 2020 p 50)

Dessa forma a identidade negra envolve tanto o orgulho quanto a consciecircncia da condiccedilatildeo do negro De acordo com Munanga (2020) a construccedilatildeo da identidade cole-tiva negra deve considerar trecircs aspectos principais a saber o fator histoacuterico o fator linguiacutestico e o fator psicoloacutegico O primeiro consiste na construccedilatildeo de uma consciecircncia histoacuterica permitindo que a populaccedilatildeo empenhe esforccedilos para compreender sua traje-toacuteria possibilitando tambeacutem que essa histoacuteria seja conhecida pelas futuras geraccedilotildees

O segundo refere-se agraves diversas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos compo-nentes relacionados aos cabelos estilos musicais e agrave proacutepria linguagem utilizada em contextos religiosos Por fim tem-se o fator psicoloacutegico que deve abranger questotildees relativas ao aspecto emocional do negro

Eacute importante ressaltar que no escopo deste estudo pretende-se tratar da iden-tidade do ponto de vista coletivo Ainda nos termos de Munanga (2012) a identidade coletiva pode ser compreendida como

[hellip] uma categoria de autodefiniccedilatildeo de um grupo Esta definiccedilatildeo pode ser feita pelo proacuteprio grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos ou pode ser uma identidade atribuiacuteda por outro grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos que natildeo foram selecionados pelo proacuteprio grupo (MUNANGA 2012 p 9)

Difere-se da identidade individual atribuiacuteda geralmente pelos pais com a pro-posta de demarcar a individualidade do ser no mundo Castells (2018) atenta ainda para outras tipologias de identidade a exemplo da identidade legitimadora de re-sistecircncia e identidade de projeto

A identidade legitimadora eacute imposta pelas instituiccedilotildees Jaacute a identidade de re-sistecircncia e de projeto satildeo ambas produzidas pelos grupos marginalizados A de re-sistecircncia como o proacuteprio nome sugere busca agir como instrumento capaz de se contrapor agraves opressotildees vivenciadas pelo grupo A de projeto se consolida quando o grupo se apropria do material cultural disponiacutevel tendo em vista redefinir sua po-siccedilatildeo na sociedade reelaborando toda estrutura social (CASTELLS 2018)

149A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 5: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Cendon (2000) descreve a evoluccedilatildeo da internet como fonte de informaccedilatildeo ale-gando que eacute com o surgimento da web e seus recursos para microcomputadores em 1993 que o uso da internet se populariza A autora tambeacutem pontua

A ampliaccedilatildeo do nuacutemero de usuaacuterios somada agrave ampla interconectividade robustez interatividade e facilidade com que recursos informacionais podem ser criados e acessados fazem da internet um meio atraente para divulgaccedilatildeo de uma variedade de informaccedilatildeo Ao mesmo tempo essa combinaccedilatildeo de fatores faz supor que o ritmo atual de expansatildeo seraacute mantido e que ela continuaraacute a se consolidar como fonte de informaccedilatildeo fundamental (CENDON 2000 n p)

Na atualidade pode-se afirmar que as previsotildees anunciadas pela autora estavam corretas Considerando este novo horizonte Arauacutejo e Fachin (2015 p 84) definem fon-tes de informaccedilatildeo como ldquoregistros utilizados ao longo da vida do ser humano possibi-litando ampliar a visatildeo do mundo em que vive e sobre as coisas que estatildeo agrave sua voltardquo Aleacutem disso as autoras classificam as fontes em relaccedilatildeo ao suporte e agrave finalidade

Quanto ao suporte dividem as fontes em impressas eletrocircnicas e multimiacutedias As fontes impressas estatildeo associadas ao papel como suporte de modo que seu surgimento refere-se ao periacuteodo poacutes-Gutenberg A fontes eletrocircnicas satildeo aquelas que utilizam a eletricidade como meio de acesso a exemplo do raacutedio e da TV Jaacute as fontes de informaccedilatildeo multimiacutedias satildeo aquelas que possibilitam a interaccedilatildeo no ambiente virtual Neste uacuteltimo caso tem-se o Flickr Instagram Twitter Facebook blogs e sites como exemplos

Constata-se que as concepccedilotildees acerca do que vem a ser fonte de informaccedilatildeo es-tatildeo alinhadas com a tese de Capurro e Hjorland (2007) no sentido de que a ideia de informaccedilatildeo depende estritamente do puacuteblico a que se destina ressaltando seu ca-raacuteter social e cultural Santos e Aquino (2016) reafirmam esta noccedilatildeo comprovando que as fontes denotam a complexidade do contexto em que foram produzidas orga-nizadas e acessadas

Ainda conforme estes uacuteltimos autores

As fontes de informaccedilatildeo com a temaacutetica eacutetnico-racial satildeo instrumentos para mini-mizar as praacuteticas de discriminaccedilatildeo inferiorizaccedilatildeo e invisibilidade da populaccedilatildeo ne-gra na sociedade brasileira O contato e apreensatildeo dos elementos culturais presentes fomentam a construccedilatildeo do conhecimento criacutetico sobre a composiccedilatildeo da sociedade multicultural brasileira e o reconhecimento das distintas raccedilas que caracterizam esta populaccedilatildeo (SANTOS AQUINO 2016 p 50)

145A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Em estudo sobre as fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-racial na web Silva e Aquino (2014) listam nove tipos de fontes a saber sites e websites portais blogs micro blog redes sociais grupos de discussatildeo ou comunidades virtuais buscadores me-ta-buscadores e o YouTube objetodo presente estudo visto que o canal Papo de Preta integra o YouTube

22 Consideraccedilotildees sobre a noccedilatildeo de ldquo identidade negrardquo

A melhor compreensatildeo do conceito de identidade requer anaacutelise preacutevia da articulaccedilatildeo entre identidade e diferenccedila Silva (2000) ensina que tais conceitos possuem entre si uma relaccedilatildeo de interdependecircncia Segundo o autor do ponto de vista do senso comum identidade e diferenccedila tendem a ser encarados enquanto elementos puramente autos-suficientes Sob esta oacutetica tratam-se de elementos da natureza e portanto inocentes com o objetivo de cumprir uma positivaccedilatildeo Dizer por exemplo ldquosou brasileirordquo

Entretanto o autor elucida mais adiante que identidade e diferenccedila satildeo cons-truccedilotildees sociais indicando relaccedilotildees de forccedila e poder sendo a diferenccedila a causa pri-maacuteria da identidade Assim ao afirmar sua identidade nacional como brasileira um indiviacuteduo estaacute simultaneamente alegando que natildeo eacute por exemplo chinecircs Ou seja essa afirmaccedilatildeo revela natildeo soacute a positivaccedilatildeo de um atributo mas tambeacutem a ex-clusatildeo de tantos outros

Tratando sobre a diferenccedila Munanga (2005) reitera

[hellip] a diferenccedila estaacute na base de diversos fenocircmenos que atormentam as sociedades humanas As construccedilotildees racistas machistas classistas e tantas outras natildeo teriam outro embasamento material a natildeo ser as diferenccedilas e as relaccedilotildees diferenciais en-tre seus grupos humanos As diferenccedilas unem e desunem satildeo fontes de conflitos e de manipulaccedilotildees socioeconocircmicas e poliacutetico-ideoloacutegicas Quanto mais crescem as diferenccedilas favorecem a formaccedilatildeo dos fenocircmenos de etnocentrismo que constituem o ponto de partida para a construccedilatildeo de estereoacutetipos e preconceitos diversos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Fernandes e Souza (2016) defendem que a anaacutelise da constituiccedilatildeo das identidades das diferenccedilas eacute uacutetil pois as relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo formadas historicamente como aporte das representaccedilotildees Desta forma as representaccedilotildees geradas a partir das identidades e diferenccedilas dos grupos produzem impactos na realidade social

Tratando da representaccedilatildeo social do negro especificamente a objeccedilatildeo ou produ-ccedilatildeo das diferenccedilas foi formulada a partir de marcas corporais bioloacutegicas que foram usadas para sustentar o argumento de raccedilas superiores e inferiores como forma de manutenccedilatildeo do regime escravocrata A este respeito Munanga (2005) adverte

146Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

[hellip] com o descobrimento da Ameacuterica e da Aacutefrica os povos autoacutectones receacutem-des-cobertos receberam a identidade coletiva de ldquoiacutendiosrdquorsquo e ldquonegrosrdquo A questatildeo colocada tanto pelos teoacutelogos ocidentais dos seacuteculos XVI e XVII quanto pelos filoacutesofos iluminis-tas do seacuteculo XVIII era saber se esses iacutendios e negros eram bestas ou seres humanos como os europeus Questatildeo cuja resposta desembocou numa classificaccedilatildeo absurda da diversidade humana em raccedilas superiores e inferiores (MUNANGA 2005 n p)

A partir dessa construccedilatildeo racista a identidade do negro foi fixada num polo de inferiorizaccedilatildeo e desumanizaccedilatildeo Isto eacute possiacutevel pois conforme demonstra Larrain (2008) a identidade consiste na ldquo capacidade de considerar a si mesmo como um objeto e nesse processo construir uma narrativa sobre si mesmo Mas essa habi-lidade soacute eacute adquirida em um processo de relaccedilotildees sociais mediado por siacutembolosrdquo (LARRAIN 2008 p 32)

Dessa forma a identidade atua em duplo movimento no sentido de que essa capacidade de criaccedilatildeo de narrativas embora recaia sobre si mesma depende es-tritamente das relaccedilotildees sociais Por isso no caso dos negros brasileiros as tensas relaccedilotildees sociais agraves quais eles foram submetidos contribuiacuteram natildeo apenas para a imposiccedilatildeo de uma identidade pejorativa como tambeacutem possibilitou que essa iden-tidade fosse introjetada pelo proacuteprio grupo

Castells (2018) difere ldquoidentidaderdquo de ldquopapeacuteisrdquo alegando que a principal distinccedilatildeo entre esses elementos eacute justamente a capacidade dos atores sociais internalizarem as identidades submetendo-as a um processo de individuaccedilatildeo mesmo que estas sejam impostas pelas instituiccedilotildees Munanga (2005) confirma este raciociacutenio ao en-sinar o seguinte

[hellip] nossa identidade eacute parcialmente formada pelo reconhecimento ou pela maacute per-cepccedilatildeo que os outros tecircm dela ou seja uma pessoa ou grupo de pessoas pode sofrer prejuiacutezos ou uma deformaccedilatildeo real se as pessoas ou sociedades que os rodeiam lhes devolverem uma imagem limitada depreciativa ou despreziacutevel deles mesmos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Variadas foram as estrateacutegias para imposiccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo da identidade de desumanizaccedilatildeo do negro Uma das mais importantes foi o projeto da miscigenaccedilatildeo induzida pelo modelo racista universalista Sobre a configuraccedilatildeo deste modelo e seus impactos na identidade negra pode-se comentar o seguinte conforme Munanga (1999)

[hellip] ele se caracteriza pela busca de assimilaccedilatildeo dos membros dos grupos eacutetnicos- ra-ciais diferentes na ldquoraccedilardquo e na cultura do segmento eacutetnico dominante na sociedade

147A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Esse modelo supotildee a negaccedilatildeo absoluta da diferenccedila ou seja uma avaliaccedilatildeo negativa de qualquer diferenccedila e sugere no limite um ideal impliacutecito de homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenaccedilatildeo e pela assimilaccedilatildeo cultural A mesticcedilagem tanto bioloacutegica quanto cultural teria entre outras consequecircncias a destruiccedilatildeo da identidade racial e eacutetnica dos grupos dominados ou seja o etnociacutedio (MUNANGA 1999 p 110)

Nesse sentido o autor afirma que eacute a partir da tomada de consciecircncia das relaccedilotildees entre identidade e diferenccedila que se torna possiacutevel a construccedilatildeo de identidades con-trastantes agraves impostas pela ideologia dominante Em relaccedilatildeo agrave identidade negra o autor defende que esta ganha tocircnica sobretudo no acircmbito do movimento da negritude

A origem dos preceitos deste movimento ideoloacutegico remonta ao Estados Uni-dos na deacutecada de 1920 associado agrave figura do afro-americano William Edward Burghardt Du Bois considerado um dos primeiros liacutederes a defender o discurso de orgulho racial negro Entretanto o termo ldquonegrituderdquo propriamente dito aparece pela primeira vez em 1939 em poema de autoria do poeta dramaturgo e ensaiacutesta martinicano Aimeacute Fernand David Ceacutesaire (1913-2008) (DOMINGUES 2005)

Para esse autor ldquonegritude eacute simplesmente o ato de assumir ser negro e ser consciente de uma identidade histoacuteria e cultura especiacutefica Ceacutesaire definiu a ne-gritude em trecircs aspectos identidade fidelidade e solidariedaderdquo (MUNANGA 2020 p 50) A identidade estaacute associada ao ato de o negro assumir com orgulho a sua condiccedilatildeo racial A fidelidade estaacute direcionada agrave praacutetica de estabelecer ligaccedilotildees com suas origens africanas e a solidariedade estaacute associada ao sentimento de irman-dade que une pessoas negras (MUNANGA 2020 p 50)

O movimento da negritude contou com duas fases principais A primeira estava voltada agrave negaccedilatildeo da assimilaccedilatildeo cultural europeia e agrave construccedilatildeo da consciecircncia ra-cial O principal instrumento de expressatildeo desse primeiro momento foi a literatura A segunda mais abrangente estava direcionada agrave contestaccedilatildeo da ordem colonial bem como a luta pela emancipaccedilatildeo poliacutetica dos povos africanos (DOMINGUES 2005)

No Brasil dois agentes foram fundamentais para a disseminaccedilatildeo dos ideais da negritude sendo estes Luiacutes Gama e o Teatro Experimental do Negro Munanga (2012) considera que a inserccedilatildeo do movimento da negritude foi determinante para os rumos do movimento negro brasileiro Conforme Domingues

[hellip] no terreno cultural a negritude se expressava pela valorizaccedilatildeo dos siacutembolos cul-turais de origem negra destacando-se o samba a capoeira os grupos de afoxeacute No plano religioso negritude significava assumir as religiotildees de matriz africana sobre-tudo o candombleacute Na esfera poliacutetica negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista organizada pelas centenas de entidades do movimento negro (DOMIN1049730GUES 2005 n p)

148Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Outro legado do movimento foi a intensificaccedilatildeo da discussatildeo a respeito da cons-ciecircncia racial o que por sua vez tambeacutem suscitou o debate em torno da identidade negra Em relaccedilatildeo agrave identidade negra pode-se a partir das formulaccedilotildees de Ceacutesaire afirmar que ela

[hellip] consiste em assumir plenamente com orgulho a condiccedilatildeo de negro em dizer de cabeccedila erguida sou negro A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado como desprezo transformando este uacuteltimo numa fonte de orgulho para o negro (MU1049730NANGA 2020 p 50)

Dessa forma a identidade negra envolve tanto o orgulho quanto a consciecircncia da condiccedilatildeo do negro De acordo com Munanga (2020) a construccedilatildeo da identidade cole-tiva negra deve considerar trecircs aspectos principais a saber o fator histoacuterico o fator linguiacutestico e o fator psicoloacutegico O primeiro consiste na construccedilatildeo de uma consciecircncia histoacuterica permitindo que a populaccedilatildeo empenhe esforccedilos para compreender sua traje-toacuteria possibilitando tambeacutem que essa histoacuteria seja conhecida pelas futuras geraccedilotildees

O segundo refere-se agraves diversas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos compo-nentes relacionados aos cabelos estilos musicais e agrave proacutepria linguagem utilizada em contextos religiosos Por fim tem-se o fator psicoloacutegico que deve abranger questotildees relativas ao aspecto emocional do negro

Eacute importante ressaltar que no escopo deste estudo pretende-se tratar da iden-tidade do ponto de vista coletivo Ainda nos termos de Munanga (2012) a identidade coletiva pode ser compreendida como

[hellip] uma categoria de autodefiniccedilatildeo de um grupo Esta definiccedilatildeo pode ser feita pelo proacuteprio grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos ou pode ser uma identidade atribuiacuteda por outro grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos que natildeo foram selecionados pelo proacuteprio grupo (MUNANGA 2012 p 9)

Difere-se da identidade individual atribuiacuteda geralmente pelos pais com a pro-posta de demarcar a individualidade do ser no mundo Castells (2018) atenta ainda para outras tipologias de identidade a exemplo da identidade legitimadora de re-sistecircncia e identidade de projeto

A identidade legitimadora eacute imposta pelas instituiccedilotildees Jaacute a identidade de re-sistecircncia e de projeto satildeo ambas produzidas pelos grupos marginalizados A de re-sistecircncia como o proacuteprio nome sugere busca agir como instrumento capaz de se contrapor agraves opressotildees vivenciadas pelo grupo A de projeto se consolida quando o grupo se apropria do material cultural disponiacutevel tendo em vista redefinir sua po-siccedilatildeo na sociedade reelaborando toda estrutura social (CASTELLS 2018)

149A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 6: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Em estudo sobre as fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-racial na web Silva e Aquino (2014) listam nove tipos de fontes a saber sites e websites portais blogs micro blog redes sociais grupos de discussatildeo ou comunidades virtuais buscadores me-ta-buscadores e o YouTube objetodo presente estudo visto que o canal Papo de Preta integra o YouTube

22 Consideraccedilotildees sobre a noccedilatildeo de ldquo identidade negrardquo

A melhor compreensatildeo do conceito de identidade requer anaacutelise preacutevia da articulaccedilatildeo entre identidade e diferenccedila Silva (2000) ensina que tais conceitos possuem entre si uma relaccedilatildeo de interdependecircncia Segundo o autor do ponto de vista do senso comum identidade e diferenccedila tendem a ser encarados enquanto elementos puramente autos-suficientes Sob esta oacutetica tratam-se de elementos da natureza e portanto inocentes com o objetivo de cumprir uma positivaccedilatildeo Dizer por exemplo ldquosou brasileirordquo

Entretanto o autor elucida mais adiante que identidade e diferenccedila satildeo cons-truccedilotildees sociais indicando relaccedilotildees de forccedila e poder sendo a diferenccedila a causa pri-maacuteria da identidade Assim ao afirmar sua identidade nacional como brasileira um indiviacuteduo estaacute simultaneamente alegando que natildeo eacute por exemplo chinecircs Ou seja essa afirmaccedilatildeo revela natildeo soacute a positivaccedilatildeo de um atributo mas tambeacutem a ex-clusatildeo de tantos outros

Tratando sobre a diferenccedila Munanga (2005) reitera

[hellip] a diferenccedila estaacute na base de diversos fenocircmenos que atormentam as sociedades humanas As construccedilotildees racistas machistas classistas e tantas outras natildeo teriam outro embasamento material a natildeo ser as diferenccedilas e as relaccedilotildees diferenciais en-tre seus grupos humanos As diferenccedilas unem e desunem satildeo fontes de conflitos e de manipulaccedilotildees socioeconocircmicas e poliacutetico-ideoloacutegicas Quanto mais crescem as diferenccedilas favorecem a formaccedilatildeo dos fenocircmenos de etnocentrismo que constituem o ponto de partida para a construccedilatildeo de estereoacutetipos e preconceitos diversos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Fernandes e Souza (2016) defendem que a anaacutelise da constituiccedilatildeo das identidades das diferenccedilas eacute uacutetil pois as relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo formadas historicamente como aporte das representaccedilotildees Desta forma as representaccedilotildees geradas a partir das identidades e diferenccedilas dos grupos produzem impactos na realidade social

Tratando da representaccedilatildeo social do negro especificamente a objeccedilatildeo ou produ-ccedilatildeo das diferenccedilas foi formulada a partir de marcas corporais bioloacutegicas que foram usadas para sustentar o argumento de raccedilas superiores e inferiores como forma de manutenccedilatildeo do regime escravocrata A este respeito Munanga (2005) adverte

146Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

[hellip] com o descobrimento da Ameacuterica e da Aacutefrica os povos autoacutectones receacutem-des-cobertos receberam a identidade coletiva de ldquoiacutendiosrdquorsquo e ldquonegrosrdquo A questatildeo colocada tanto pelos teoacutelogos ocidentais dos seacuteculos XVI e XVII quanto pelos filoacutesofos iluminis-tas do seacuteculo XVIII era saber se esses iacutendios e negros eram bestas ou seres humanos como os europeus Questatildeo cuja resposta desembocou numa classificaccedilatildeo absurda da diversidade humana em raccedilas superiores e inferiores (MUNANGA 2005 n p)

A partir dessa construccedilatildeo racista a identidade do negro foi fixada num polo de inferiorizaccedilatildeo e desumanizaccedilatildeo Isto eacute possiacutevel pois conforme demonstra Larrain (2008) a identidade consiste na ldquo capacidade de considerar a si mesmo como um objeto e nesse processo construir uma narrativa sobre si mesmo Mas essa habi-lidade soacute eacute adquirida em um processo de relaccedilotildees sociais mediado por siacutembolosrdquo (LARRAIN 2008 p 32)

Dessa forma a identidade atua em duplo movimento no sentido de que essa capacidade de criaccedilatildeo de narrativas embora recaia sobre si mesma depende es-tritamente das relaccedilotildees sociais Por isso no caso dos negros brasileiros as tensas relaccedilotildees sociais agraves quais eles foram submetidos contribuiacuteram natildeo apenas para a imposiccedilatildeo de uma identidade pejorativa como tambeacutem possibilitou que essa iden-tidade fosse introjetada pelo proacuteprio grupo

Castells (2018) difere ldquoidentidaderdquo de ldquopapeacuteisrdquo alegando que a principal distinccedilatildeo entre esses elementos eacute justamente a capacidade dos atores sociais internalizarem as identidades submetendo-as a um processo de individuaccedilatildeo mesmo que estas sejam impostas pelas instituiccedilotildees Munanga (2005) confirma este raciociacutenio ao en-sinar o seguinte

[hellip] nossa identidade eacute parcialmente formada pelo reconhecimento ou pela maacute per-cepccedilatildeo que os outros tecircm dela ou seja uma pessoa ou grupo de pessoas pode sofrer prejuiacutezos ou uma deformaccedilatildeo real se as pessoas ou sociedades que os rodeiam lhes devolverem uma imagem limitada depreciativa ou despreziacutevel deles mesmos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Variadas foram as estrateacutegias para imposiccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo da identidade de desumanizaccedilatildeo do negro Uma das mais importantes foi o projeto da miscigenaccedilatildeo induzida pelo modelo racista universalista Sobre a configuraccedilatildeo deste modelo e seus impactos na identidade negra pode-se comentar o seguinte conforme Munanga (1999)

[hellip] ele se caracteriza pela busca de assimilaccedilatildeo dos membros dos grupos eacutetnicos- ra-ciais diferentes na ldquoraccedilardquo e na cultura do segmento eacutetnico dominante na sociedade

147A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Esse modelo supotildee a negaccedilatildeo absoluta da diferenccedila ou seja uma avaliaccedilatildeo negativa de qualquer diferenccedila e sugere no limite um ideal impliacutecito de homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenaccedilatildeo e pela assimilaccedilatildeo cultural A mesticcedilagem tanto bioloacutegica quanto cultural teria entre outras consequecircncias a destruiccedilatildeo da identidade racial e eacutetnica dos grupos dominados ou seja o etnociacutedio (MUNANGA 1999 p 110)

Nesse sentido o autor afirma que eacute a partir da tomada de consciecircncia das relaccedilotildees entre identidade e diferenccedila que se torna possiacutevel a construccedilatildeo de identidades con-trastantes agraves impostas pela ideologia dominante Em relaccedilatildeo agrave identidade negra o autor defende que esta ganha tocircnica sobretudo no acircmbito do movimento da negritude

A origem dos preceitos deste movimento ideoloacutegico remonta ao Estados Uni-dos na deacutecada de 1920 associado agrave figura do afro-americano William Edward Burghardt Du Bois considerado um dos primeiros liacutederes a defender o discurso de orgulho racial negro Entretanto o termo ldquonegrituderdquo propriamente dito aparece pela primeira vez em 1939 em poema de autoria do poeta dramaturgo e ensaiacutesta martinicano Aimeacute Fernand David Ceacutesaire (1913-2008) (DOMINGUES 2005)

Para esse autor ldquonegritude eacute simplesmente o ato de assumir ser negro e ser consciente de uma identidade histoacuteria e cultura especiacutefica Ceacutesaire definiu a ne-gritude em trecircs aspectos identidade fidelidade e solidariedaderdquo (MUNANGA 2020 p 50) A identidade estaacute associada ao ato de o negro assumir com orgulho a sua condiccedilatildeo racial A fidelidade estaacute direcionada agrave praacutetica de estabelecer ligaccedilotildees com suas origens africanas e a solidariedade estaacute associada ao sentimento de irman-dade que une pessoas negras (MUNANGA 2020 p 50)

O movimento da negritude contou com duas fases principais A primeira estava voltada agrave negaccedilatildeo da assimilaccedilatildeo cultural europeia e agrave construccedilatildeo da consciecircncia ra-cial O principal instrumento de expressatildeo desse primeiro momento foi a literatura A segunda mais abrangente estava direcionada agrave contestaccedilatildeo da ordem colonial bem como a luta pela emancipaccedilatildeo poliacutetica dos povos africanos (DOMINGUES 2005)

No Brasil dois agentes foram fundamentais para a disseminaccedilatildeo dos ideais da negritude sendo estes Luiacutes Gama e o Teatro Experimental do Negro Munanga (2012) considera que a inserccedilatildeo do movimento da negritude foi determinante para os rumos do movimento negro brasileiro Conforme Domingues

[hellip] no terreno cultural a negritude se expressava pela valorizaccedilatildeo dos siacutembolos cul-turais de origem negra destacando-se o samba a capoeira os grupos de afoxeacute No plano religioso negritude significava assumir as religiotildees de matriz africana sobre-tudo o candombleacute Na esfera poliacutetica negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista organizada pelas centenas de entidades do movimento negro (DOMIN1049730GUES 2005 n p)

148Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Outro legado do movimento foi a intensificaccedilatildeo da discussatildeo a respeito da cons-ciecircncia racial o que por sua vez tambeacutem suscitou o debate em torno da identidade negra Em relaccedilatildeo agrave identidade negra pode-se a partir das formulaccedilotildees de Ceacutesaire afirmar que ela

[hellip] consiste em assumir plenamente com orgulho a condiccedilatildeo de negro em dizer de cabeccedila erguida sou negro A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado como desprezo transformando este uacuteltimo numa fonte de orgulho para o negro (MU1049730NANGA 2020 p 50)

Dessa forma a identidade negra envolve tanto o orgulho quanto a consciecircncia da condiccedilatildeo do negro De acordo com Munanga (2020) a construccedilatildeo da identidade cole-tiva negra deve considerar trecircs aspectos principais a saber o fator histoacuterico o fator linguiacutestico e o fator psicoloacutegico O primeiro consiste na construccedilatildeo de uma consciecircncia histoacuterica permitindo que a populaccedilatildeo empenhe esforccedilos para compreender sua traje-toacuteria possibilitando tambeacutem que essa histoacuteria seja conhecida pelas futuras geraccedilotildees

O segundo refere-se agraves diversas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos compo-nentes relacionados aos cabelos estilos musicais e agrave proacutepria linguagem utilizada em contextos religiosos Por fim tem-se o fator psicoloacutegico que deve abranger questotildees relativas ao aspecto emocional do negro

Eacute importante ressaltar que no escopo deste estudo pretende-se tratar da iden-tidade do ponto de vista coletivo Ainda nos termos de Munanga (2012) a identidade coletiva pode ser compreendida como

[hellip] uma categoria de autodefiniccedilatildeo de um grupo Esta definiccedilatildeo pode ser feita pelo proacuteprio grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos ou pode ser uma identidade atribuiacuteda por outro grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos que natildeo foram selecionados pelo proacuteprio grupo (MUNANGA 2012 p 9)

Difere-se da identidade individual atribuiacuteda geralmente pelos pais com a pro-posta de demarcar a individualidade do ser no mundo Castells (2018) atenta ainda para outras tipologias de identidade a exemplo da identidade legitimadora de re-sistecircncia e identidade de projeto

A identidade legitimadora eacute imposta pelas instituiccedilotildees Jaacute a identidade de re-sistecircncia e de projeto satildeo ambas produzidas pelos grupos marginalizados A de re-sistecircncia como o proacuteprio nome sugere busca agir como instrumento capaz de se contrapor agraves opressotildees vivenciadas pelo grupo A de projeto se consolida quando o grupo se apropria do material cultural disponiacutevel tendo em vista redefinir sua po-siccedilatildeo na sociedade reelaborando toda estrutura social (CASTELLS 2018)

149A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 7: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

[hellip] com o descobrimento da Ameacuterica e da Aacutefrica os povos autoacutectones receacutem-des-cobertos receberam a identidade coletiva de ldquoiacutendiosrdquorsquo e ldquonegrosrdquo A questatildeo colocada tanto pelos teoacutelogos ocidentais dos seacuteculos XVI e XVII quanto pelos filoacutesofos iluminis-tas do seacuteculo XVIII era saber se esses iacutendios e negros eram bestas ou seres humanos como os europeus Questatildeo cuja resposta desembocou numa classificaccedilatildeo absurda da diversidade humana em raccedilas superiores e inferiores (MUNANGA 2005 n p)

A partir dessa construccedilatildeo racista a identidade do negro foi fixada num polo de inferiorizaccedilatildeo e desumanizaccedilatildeo Isto eacute possiacutevel pois conforme demonstra Larrain (2008) a identidade consiste na ldquo capacidade de considerar a si mesmo como um objeto e nesse processo construir uma narrativa sobre si mesmo Mas essa habi-lidade soacute eacute adquirida em um processo de relaccedilotildees sociais mediado por siacutembolosrdquo (LARRAIN 2008 p 32)

Dessa forma a identidade atua em duplo movimento no sentido de que essa capacidade de criaccedilatildeo de narrativas embora recaia sobre si mesma depende es-tritamente das relaccedilotildees sociais Por isso no caso dos negros brasileiros as tensas relaccedilotildees sociais agraves quais eles foram submetidos contribuiacuteram natildeo apenas para a imposiccedilatildeo de uma identidade pejorativa como tambeacutem possibilitou que essa iden-tidade fosse introjetada pelo proacuteprio grupo

Castells (2018) difere ldquoidentidaderdquo de ldquopapeacuteisrdquo alegando que a principal distinccedilatildeo entre esses elementos eacute justamente a capacidade dos atores sociais internalizarem as identidades submetendo-as a um processo de individuaccedilatildeo mesmo que estas sejam impostas pelas instituiccedilotildees Munanga (2005) confirma este raciociacutenio ao en-sinar o seguinte

[hellip] nossa identidade eacute parcialmente formada pelo reconhecimento ou pela maacute per-cepccedilatildeo que os outros tecircm dela ou seja uma pessoa ou grupo de pessoas pode sofrer prejuiacutezos ou uma deformaccedilatildeo real se as pessoas ou sociedades que os rodeiam lhes devolverem uma imagem limitada depreciativa ou despreziacutevel deles mesmos (MU1049730NANGA 2005 n p)

Variadas foram as estrateacutegias para imposiccedilatildeo e posterior internalizaccedilatildeo da identidade de desumanizaccedilatildeo do negro Uma das mais importantes foi o projeto da miscigenaccedilatildeo induzida pelo modelo racista universalista Sobre a configuraccedilatildeo deste modelo e seus impactos na identidade negra pode-se comentar o seguinte conforme Munanga (1999)

[hellip] ele se caracteriza pela busca de assimilaccedilatildeo dos membros dos grupos eacutetnicos- ra-ciais diferentes na ldquoraccedilardquo e na cultura do segmento eacutetnico dominante na sociedade

147A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Esse modelo supotildee a negaccedilatildeo absoluta da diferenccedila ou seja uma avaliaccedilatildeo negativa de qualquer diferenccedila e sugere no limite um ideal impliacutecito de homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenaccedilatildeo e pela assimilaccedilatildeo cultural A mesticcedilagem tanto bioloacutegica quanto cultural teria entre outras consequecircncias a destruiccedilatildeo da identidade racial e eacutetnica dos grupos dominados ou seja o etnociacutedio (MUNANGA 1999 p 110)

Nesse sentido o autor afirma que eacute a partir da tomada de consciecircncia das relaccedilotildees entre identidade e diferenccedila que se torna possiacutevel a construccedilatildeo de identidades con-trastantes agraves impostas pela ideologia dominante Em relaccedilatildeo agrave identidade negra o autor defende que esta ganha tocircnica sobretudo no acircmbito do movimento da negritude

A origem dos preceitos deste movimento ideoloacutegico remonta ao Estados Uni-dos na deacutecada de 1920 associado agrave figura do afro-americano William Edward Burghardt Du Bois considerado um dos primeiros liacutederes a defender o discurso de orgulho racial negro Entretanto o termo ldquonegrituderdquo propriamente dito aparece pela primeira vez em 1939 em poema de autoria do poeta dramaturgo e ensaiacutesta martinicano Aimeacute Fernand David Ceacutesaire (1913-2008) (DOMINGUES 2005)

Para esse autor ldquonegritude eacute simplesmente o ato de assumir ser negro e ser consciente de uma identidade histoacuteria e cultura especiacutefica Ceacutesaire definiu a ne-gritude em trecircs aspectos identidade fidelidade e solidariedaderdquo (MUNANGA 2020 p 50) A identidade estaacute associada ao ato de o negro assumir com orgulho a sua condiccedilatildeo racial A fidelidade estaacute direcionada agrave praacutetica de estabelecer ligaccedilotildees com suas origens africanas e a solidariedade estaacute associada ao sentimento de irman-dade que une pessoas negras (MUNANGA 2020 p 50)

O movimento da negritude contou com duas fases principais A primeira estava voltada agrave negaccedilatildeo da assimilaccedilatildeo cultural europeia e agrave construccedilatildeo da consciecircncia ra-cial O principal instrumento de expressatildeo desse primeiro momento foi a literatura A segunda mais abrangente estava direcionada agrave contestaccedilatildeo da ordem colonial bem como a luta pela emancipaccedilatildeo poliacutetica dos povos africanos (DOMINGUES 2005)

No Brasil dois agentes foram fundamentais para a disseminaccedilatildeo dos ideais da negritude sendo estes Luiacutes Gama e o Teatro Experimental do Negro Munanga (2012) considera que a inserccedilatildeo do movimento da negritude foi determinante para os rumos do movimento negro brasileiro Conforme Domingues

[hellip] no terreno cultural a negritude se expressava pela valorizaccedilatildeo dos siacutembolos cul-turais de origem negra destacando-se o samba a capoeira os grupos de afoxeacute No plano religioso negritude significava assumir as religiotildees de matriz africana sobre-tudo o candombleacute Na esfera poliacutetica negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista organizada pelas centenas de entidades do movimento negro (DOMIN1049730GUES 2005 n p)

148Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Outro legado do movimento foi a intensificaccedilatildeo da discussatildeo a respeito da cons-ciecircncia racial o que por sua vez tambeacutem suscitou o debate em torno da identidade negra Em relaccedilatildeo agrave identidade negra pode-se a partir das formulaccedilotildees de Ceacutesaire afirmar que ela

[hellip] consiste em assumir plenamente com orgulho a condiccedilatildeo de negro em dizer de cabeccedila erguida sou negro A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado como desprezo transformando este uacuteltimo numa fonte de orgulho para o negro (MU1049730NANGA 2020 p 50)

Dessa forma a identidade negra envolve tanto o orgulho quanto a consciecircncia da condiccedilatildeo do negro De acordo com Munanga (2020) a construccedilatildeo da identidade cole-tiva negra deve considerar trecircs aspectos principais a saber o fator histoacuterico o fator linguiacutestico e o fator psicoloacutegico O primeiro consiste na construccedilatildeo de uma consciecircncia histoacuterica permitindo que a populaccedilatildeo empenhe esforccedilos para compreender sua traje-toacuteria possibilitando tambeacutem que essa histoacuteria seja conhecida pelas futuras geraccedilotildees

O segundo refere-se agraves diversas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos compo-nentes relacionados aos cabelos estilos musicais e agrave proacutepria linguagem utilizada em contextos religiosos Por fim tem-se o fator psicoloacutegico que deve abranger questotildees relativas ao aspecto emocional do negro

Eacute importante ressaltar que no escopo deste estudo pretende-se tratar da iden-tidade do ponto de vista coletivo Ainda nos termos de Munanga (2012) a identidade coletiva pode ser compreendida como

[hellip] uma categoria de autodefiniccedilatildeo de um grupo Esta definiccedilatildeo pode ser feita pelo proacuteprio grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos ou pode ser uma identidade atribuiacuteda por outro grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos que natildeo foram selecionados pelo proacuteprio grupo (MUNANGA 2012 p 9)

Difere-se da identidade individual atribuiacuteda geralmente pelos pais com a pro-posta de demarcar a individualidade do ser no mundo Castells (2018) atenta ainda para outras tipologias de identidade a exemplo da identidade legitimadora de re-sistecircncia e identidade de projeto

A identidade legitimadora eacute imposta pelas instituiccedilotildees Jaacute a identidade de re-sistecircncia e de projeto satildeo ambas produzidas pelos grupos marginalizados A de re-sistecircncia como o proacuteprio nome sugere busca agir como instrumento capaz de se contrapor agraves opressotildees vivenciadas pelo grupo A de projeto se consolida quando o grupo se apropria do material cultural disponiacutevel tendo em vista redefinir sua po-siccedilatildeo na sociedade reelaborando toda estrutura social (CASTELLS 2018)

149A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 8: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Esse modelo supotildee a negaccedilatildeo absoluta da diferenccedila ou seja uma avaliaccedilatildeo negativa de qualquer diferenccedila e sugere no limite um ideal impliacutecito de homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenaccedilatildeo e pela assimilaccedilatildeo cultural A mesticcedilagem tanto bioloacutegica quanto cultural teria entre outras consequecircncias a destruiccedilatildeo da identidade racial e eacutetnica dos grupos dominados ou seja o etnociacutedio (MUNANGA 1999 p 110)

Nesse sentido o autor afirma que eacute a partir da tomada de consciecircncia das relaccedilotildees entre identidade e diferenccedila que se torna possiacutevel a construccedilatildeo de identidades con-trastantes agraves impostas pela ideologia dominante Em relaccedilatildeo agrave identidade negra o autor defende que esta ganha tocircnica sobretudo no acircmbito do movimento da negritude

A origem dos preceitos deste movimento ideoloacutegico remonta ao Estados Uni-dos na deacutecada de 1920 associado agrave figura do afro-americano William Edward Burghardt Du Bois considerado um dos primeiros liacutederes a defender o discurso de orgulho racial negro Entretanto o termo ldquonegrituderdquo propriamente dito aparece pela primeira vez em 1939 em poema de autoria do poeta dramaturgo e ensaiacutesta martinicano Aimeacute Fernand David Ceacutesaire (1913-2008) (DOMINGUES 2005)

Para esse autor ldquonegritude eacute simplesmente o ato de assumir ser negro e ser consciente de uma identidade histoacuteria e cultura especiacutefica Ceacutesaire definiu a ne-gritude em trecircs aspectos identidade fidelidade e solidariedaderdquo (MUNANGA 2020 p 50) A identidade estaacute associada ao ato de o negro assumir com orgulho a sua condiccedilatildeo racial A fidelidade estaacute direcionada agrave praacutetica de estabelecer ligaccedilotildees com suas origens africanas e a solidariedade estaacute associada ao sentimento de irman-dade que une pessoas negras (MUNANGA 2020 p 50)

O movimento da negritude contou com duas fases principais A primeira estava voltada agrave negaccedilatildeo da assimilaccedilatildeo cultural europeia e agrave construccedilatildeo da consciecircncia ra-cial O principal instrumento de expressatildeo desse primeiro momento foi a literatura A segunda mais abrangente estava direcionada agrave contestaccedilatildeo da ordem colonial bem como a luta pela emancipaccedilatildeo poliacutetica dos povos africanos (DOMINGUES 2005)

No Brasil dois agentes foram fundamentais para a disseminaccedilatildeo dos ideais da negritude sendo estes Luiacutes Gama e o Teatro Experimental do Negro Munanga (2012) considera que a inserccedilatildeo do movimento da negritude foi determinante para os rumos do movimento negro brasileiro Conforme Domingues

[hellip] no terreno cultural a negritude se expressava pela valorizaccedilatildeo dos siacutembolos cul-turais de origem negra destacando-se o samba a capoeira os grupos de afoxeacute No plano religioso negritude significava assumir as religiotildees de matriz africana sobre-tudo o candombleacute Na esfera poliacutetica negritude se definia pelo engajamento na luta anti-racista organizada pelas centenas de entidades do movimento negro (DOMIN1049730GUES 2005 n p)

148Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Outro legado do movimento foi a intensificaccedilatildeo da discussatildeo a respeito da cons-ciecircncia racial o que por sua vez tambeacutem suscitou o debate em torno da identidade negra Em relaccedilatildeo agrave identidade negra pode-se a partir das formulaccedilotildees de Ceacutesaire afirmar que ela

[hellip] consiste em assumir plenamente com orgulho a condiccedilatildeo de negro em dizer de cabeccedila erguida sou negro A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado como desprezo transformando este uacuteltimo numa fonte de orgulho para o negro (MU1049730NANGA 2020 p 50)

Dessa forma a identidade negra envolve tanto o orgulho quanto a consciecircncia da condiccedilatildeo do negro De acordo com Munanga (2020) a construccedilatildeo da identidade cole-tiva negra deve considerar trecircs aspectos principais a saber o fator histoacuterico o fator linguiacutestico e o fator psicoloacutegico O primeiro consiste na construccedilatildeo de uma consciecircncia histoacuterica permitindo que a populaccedilatildeo empenhe esforccedilos para compreender sua traje-toacuteria possibilitando tambeacutem que essa histoacuteria seja conhecida pelas futuras geraccedilotildees

O segundo refere-se agraves diversas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos compo-nentes relacionados aos cabelos estilos musicais e agrave proacutepria linguagem utilizada em contextos religiosos Por fim tem-se o fator psicoloacutegico que deve abranger questotildees relativas ao aspecto emocional do negro

Eacute importante ressaltar que no escopo deste estudo pretende-se tratar da iden-tidade do ponto de vista coletivo Ainda nos termos de Munanga (2012) a identidade coletiva pode ser compreendida como

[hellip] uma categoria de autodefiniccedilatildeo de um grupo Esta definiccedilatildeo pode ser feita pelo proacuteprio grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos ou pode ser uma identidade atribuiacuteda por outro grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos que natildeo foram selecionados pelo proacuteprio grupo (MUNANGA 2012 p 9)

Difere-se da identidade individual atribuiacuteda geralmente pelos pais com a pro-posta de demarcar a individualidade do ser no mundo Castells (2018) atenta ainda para outras tipologias de identidade a exemplo da identidade legitimadora de re-sistecircncia e identidade de projeto

A identidade legitimadora eacute imposta pelas instituiccedilotildees Jaacute a identidade de re-sistecircncia e de projeto satildeo ambas produzidas pelos grupos marginalizados A de re-sistecircncia como o proacuteprio nome sugere busca agir como instrumento capaz de se contrapor agraves opressotildees vivenciadas pelo grupo A de projeto se consolida quando o grupo se apropria do material cultural disponiacutevel tendo em vista redefinir sua po-siccedilatildeo na sociedade reelaborando toda estrutura social (CASTELLS 2018)

149A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 9: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Outro legado do movimento foi a intensificaccedilatildeo da discussatildeo a respeito da cons-ciecircncia racial o que por sua vez tambeacutem suscitou o debate em torno da identidade negra Em relaccedilatildeo agrave identidade negra pode-se a partir das formulaccedilotildees de Ceacutesaire afirmar que ela

[hellip] consiste em assumir plenamente com orgulho a condiccedilatildeo de negro em dizer de cabeccedila erguida sou negro A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado como desprezo transformando este uacuteltimo numa fonte de orgulho para o negro (MU1049730NANGA 2020 p 50)

Dessa forma a identidade negra envolve tanto o orgulho quanto a consciecircncia da condiccedilatildeo do negro De acordo com Munanga (2020) a construccedilatildeo da identidade cole-tiva negra deve considerar trecircs aspectos principais a saber o fator histoacuterico o fator linguiacutestico e o fator psicoloacutegico O primeiro consiste na construccedilatildeo de uma consciecircncia histoacuterica permitindo que a populaccedilatildeo empenhe esforccedilos para compreender sua traje-toacuteria possibilitando tambeacutem que essa histoacuteria seja conhecida pelas futuras geraccedilotildees

O segundo refere-se agraves diversas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos compo-nentes relacionados aos cabelos estilos musicais e agrave proacutepria linguagem utilizada em contextos religiosos Por fim tem-se o fator psicoloacutegico que deve abranger questotildees relativas ao aspecto emocional do negro

Eacute importante ressaltar que no escopo deste estudo pretende-se tratar da iden-tidade do ponto de vista coletivo Ainda nos termos de Munanga (2012) a identidade coletiva pode ser compreendida como

[hellip] uma categoria de autodefiniccedilatildeo de um grupo Esta definiccedilatildeo pode ser feita pelo proacuteprio grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos ou pode ser uma identidade atribuiacuteda por outro grupo atraveacutes de sinais diacriacuteticos que natildeo foram selecionados pelo proacuteprio grupo (MUNANGA 2012 p 9)

Difere-se da identidade individual atribuiacuteda geralmente pelos pais com a pro-posta de demarcar a individualidade do ser no mundo Castells (2018) atenta ainda para outras tipologias de identidade a exemplo da identidade legitimadora de re-sistecircncia e identidade de projeto

A identidade legitimadora eacute imposta pelas instituiccedilotildees Jaacute a identidade de re-sistecircncia e de projeto satildeo ambas produzidas pelos grupos marginalizados A de re-sistecircncia como o proacuteprio nome sugere busca agir como instrumento capaz de se contrapor agraves opressotildees vivenciadas pelo grupo A de projeto se consolida quando o grupo se apropria do material cultural disponiacutevel tendo em vista redefinir sua po-siccedilatildeo na sociedade reelaborando toda estrutura social (CASTELLS 2018)

149A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 10: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

A seguir pretende-se verificar a ocorrecircncia dos elementos constitutivos da iden-tidade coletiva negra com base no instrumental proposto por Munanga A anaacutelise seraacute feita a partir da informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta conside-rando as respostas obtidas em questionaacuterio aplicado aos seus internautas tendo em vista o delineamento do perfil socioeconocircmico e de gecircnero destes bem como os usos que fazem do canal

23 Procedimentos metodoloacutegicos e limitaccedilotildees do estudo

Antes poreacutem cabem algumas palavras sobre a metodologia deste trabalho bem como as limitaccedilotildees da pesquisa propriamente dita Em relaccedilatildeo ao canal selecionado eacute importante pontuar que a escolha pelo canal deriva da experiecircncia pessoal da au-tora da presente pesquisa que conheceu o Papo de Preta em 2017 atraveacutes de reco-mendaccedilatildeo do proacuteprio YouTube Na ocasiatildeo a autora acompanhava outros canais de mulheres negras como Naacutetaly Nery Luci Gonccedilalves e Pati Avelino buscando princi-palmente conteuacutedos relacionados aos cuidados com cabelos crespos tendo em vista a aceitaccedilatildeo de seu proacuteprio cabelo crespo e natural Assim do ponto de vista pessoal o canal foi utilizado como fonte de informaccedilatildeo para autoafirmaccedilatildeo ou identidade

Dito isso cabe recorrer a Gil (2008) para quem eacute possiacutevel classificar a pesquisa em niacuteveis de acordo com afinalidade ou objetivos do estudo Em relaccedilatildeo agraves pesqui-sas do niacutevel descritivo o autor declara ldquosatildeo incluiacutedas neste grupo as pesquisas que tecircm por objetivo levantar as opiniotildees atitudes e crenccedilas de uma populaccedilatildeo Tam-beacutem satildeo pesquisas descritivas aquelas que visam descobrir a existecircncia de associa-ccedilotildees entre variaacuteveisrdquo (GIL 2008 p 28)

Por buscar levantar as opiniotildees e crenccedilas dos inscritos do canal Papo de Preta com a pretensatildeo de associar as variaacuteveis ldquoinformaccedilatildeordquo e ldquoidentidade negrardquo entende-se que o presente estudo seja categorizado como do tipo descritivo Gil (2008) descreve que eacute possiacutevel ainda caracterizar a pesquisa quanto ao delineamento Nos termos do autor o delineamento eacute o fator responsaacutevel por permitir o confronto entre a teoria e a realidade Em relaccedilatildeo ao desenvolvimento do delineamento assegura que

[hellip] o elemento mais importante para a identificaccedilatildeo de um delineamento eacute o procedi-mento adotado para a coleta de dados Assim podem ser definidos dois grandes gru-pos de delineamentos aqueles que se valem das chamadas fontes de ldquopapelrdquo e aqueles cujos dados satildeo fornecidos por pessoas (GIL 2008 p 50)

Nesse sentido a presente investigaccedilatildeo prevecirc o uso dos dois meacutetodos para a coleta de dados sugeridos pelo autor na medida em que utiliza a pesquisa biblio-graacutefica como forma de instrumentalizaccedilatildeo teoacuterica e conhecimento da literatura e

150Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 11: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

posteriormente busca dados fornecidos pelas proacuteprias pessoas que no caso satildeo os inscritos do canal Papo de Preta

Para a etapa da pesquisa bibliograacutefica relativa agrave primeira seccedilatildeo do estudo foram realizadas duas buscas principais a primeira busca direciona-se ao levantamento de literatura das aacutereas de Biblioteconomia Documentaccedilatildeo e Ciecircncia da Informaccedilatildeo tendo em vista o cumprimento do primeiro objetivo especiacutefico validar o canal Papo de Preta enquanto fonte de informaccedilatildeo o que por sua vez implica no levantamento de literatura especializada sobre a informaccedilatildeo de maneira mais abrangente jaacute que o entendimento sobre fontes de informaccedilatildeo se torna mais luacutecido quando se com-preende a noccedilatildeo de informaccedilatildeo como um todo

A segunda etapa da pesquisa bibliograacutefica versa sobre o segundo objetivo espe-ciacutefico do estudo descrever formas de resistecircncia da populaccedilatildeo negra no contexto brasileiro Nesta segunda etapa tambeacutem foi realizado levantamento sobre a iden-tidade negra Aleacutem dos artigos levantados nas bases tambeacutem foram consultados livros sobre escravidatildeo racismo e temaacuteticas relacionadas Os livros tambeacutem foram consultados no caso do levantamento sobre informaccedilatildeo e fontes de informaccedilatildeo

O segundo momento da metodologia constitiuiu no estudo de caso A escolha justi-fica-se a partir da impossibilidade de estudo dos impactos da informaccedilatildeo disseminada a partir de canais no YouTube de forma mais generalista sendo necessaacuterio a seleccedilatildeo de um caso especiacutefico (GIL 2008 p 58) A escolha pelo canal Papo de Preta deriva de gosto pessoal da autora resultante de sua identificaccedilatildeo com o conteuacutedo do canal

Em relaccedilatildeo agrave teacutecnica de coleta de dados a pesquisa recorreu ao uso de questio-naacuterio que se trata de uma teacutecnica

[hellip] composta por um conjunto de questotildees que satildeo submetidas a pessoas com o pro-poacutesito de obter informaccedilotildees sobre conhecimentos crenccedilas sentimentos valores in-teresses expectativas aspiraccedilotildees temores comportamento presente ou passado etc (GIL 2008 p 121)

A sequecircncia de perguntas do questionaacuterio buscou seguir as recomendaccedilotildees de Guumlnther (2003) priorizando num primeiro momento a obtenccedilatildeo de dados mais gerais e impessoais para posteriormente solicitar os mais especiacuteficos e delicados que no caso do presente estudo satildeo aqueles relativos ao perfil socioeconocircmico e de gecircnero dos internautas O questionaacuterio foi composto por dez questotildees sendo nove abertas e uma fechada Sua aplicaccedilatildeo teve iniacutecio em 14122020 e durou ateacute 19032021 No dia 20122020 ocorreu divulgaccedilatildeo do instrumento por uma das idealizadoras do canal Maristela Rosa via stories do Instagram Antes desse periacuteodo o questionaacuterio foi apli-cado em caraacuteter de teste tendo em vista elucidar os melhores horaacuterios para aplicaccedilatildeo

151A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 12: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

bem como a necessidade de eventuais ajustes A divulgaccedilatildeo nesta fase ocorreu no Ins-tagram do canal Papo de Preta bem como no proacuteprio canal no YouTube

A partir dos testes a autora optou pela aplicaccedilatildeo exclusivamente atraveacutes doYou-Tube abordando diretamente os inscritos que faziam comentaacuterios nos viacutedeos par-tindo do pressuposto de que o internauta que se dispocircs a tecer comentaacuterios e debater ideias estaria mais disposto a contribuir com o questionaacuterio Aleacutem disso na fase de testes foi constatado que o engajamento pelo Instagram do canal ainda eacute tiacutemido si-tuaccedilatildeo frequentemente mencionada em viacutedeos pelas idealizadoras do Papo de Preta

Entretanto a partir de 19032021 a autora percebeu que os comentaacuterios de con-vite para colaborar com o questionaacuterio que foram postados acabaram sendo excluiacute-dos pelo YouTube inviabilizando a visualizaccedilatildeo por parte dos internautas compro-metendo o nuacutemero de respostas ao estudo Consultando as poliacuteticas de spam do site constatou-se a existecircncia de uma seacuterie de restriccedilotildees para links externos e spam

Acredita-se que pelo texto de apresentaccedilatildeo do instrumento ter sido postado nos comentaacuterios dos viacutedeos de maneira repetitiva a plataforma tenha sinalizado os comentaacuterios da autora como spam inviabilizando a continuidade da aplicaccedilatildeo do questionaacuterio o que somado ao curto periacuteodo disponiacutevel para o desenvolvimento do estudo culminou em baixo percentual de respondentes

Dessa forma conveacutem alertar que as conclusotildees expostas neste estudo valem somente ndash e tatildeo somente ndash para o conjunto de 374 internautas que respondeu ao questionaacuterio e natildeo pretende fazer generalizaccedilotildees para o canal como um todo Para a anaacutelise dos dados a autora buscou relacionar as respostas fornecidas pelos inter-nautas com aspectos presentes no referencial teoacuterico levantado sobretudo aquele sobre identidade negra

23 Identidade negra e o canal Papo de Preta aproximaccedilotildees

O primeiro indicador buscou avaliar os principais usos aos quais do ponto de vista dos internautas o canal se presta Assim os internautas poderiam escolher ateacute trecircs opccedilotildees dentre os principais usos elencados no questionaacuterio satildeo eles 1) informar-

-se sobre muacutesicas filmes livros e outras produccedilotildees artiacutesticas de pessoas negras 2) informar-se sobre datas histoacutericas e personalidades negras brasileiras 3) in-formar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil 4) in-formar-se sobre a histoacuteria do povo negro no Brasil 5) informar-se sobre questotildees existenciais proacuteprias das pessoas negras brasileiras 6) informar-se sobre questotildees sexuais e de gecircnero especiacuteficas das pessoas negras e 7) informar-se sobre questotildees especiacuteficas sobre beleza das pessoas negrasAo total foram obtidas 374 respostas a esta questatildeo conforme expresso no graacutefico abaixo

152Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 13: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Graacutefico 1 Principais motivos do acesso ao canal Papo de Preta

Fonte pesquisa da autora (2021)

A partir do graacutefico 1 eacute possiacutevel notar que os principais uso do canal foram infor-mar-se sobre questotildees existenciais especiacuteficas das pessoas negras no Brasil seguido por informar-se sobre questotildees poliacuteticas especiacuteficas das pessoas negras no Brasil com um percentual de diferenccedila de 7 entre as duas opccedilotildees O terceiro uso predominante foi informar-se sobre a histoacuteria do povo negro Tais fatores podem ser associados ao elementohistoacuterico da identidade negra conforme supracitado no iniacutecio da seccedilatildeo

Ou seja para a maioria dos usuaacuterios o canal eacute uma fonte de autoconhecimento ou autoconsciecircncia do povo ou do ser negro O proacuteximo graacutefico pretende descrever o impacto do canal na formaccedilatildeo de opiniatildeo dos internautas Assim foi questionado se os internautas jaacute mudaram de opiniatildeo a respeito da negritude a partir da infor-maccedilatildeo disseminada pelo canal

Graacutefico 2 Influecircncia do canal

Fonte pesquisa da autora (2021)

153A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 14: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Dessa forma verifica-se que dos 374 respondentes 331 alegaram jaacute ter mudado de opiniatildeo em relaccedilatildeo aos aspectos eacutetnico-raciais a partir da informaccedilatildeo dissemi-nada pelo canal

O questionaacuterio tambeacutem reservou espaccedilo para que os internautas selecionassem afirmaccedilotildees extraiacutedas de viacutedeos do canal com as quais concordavam ou discorda-vam Seguindo o modelo da questatildeo anterior os internautas deveriam selecionar ateacute 3 opccedilotildees com as quais concordavam Os resultados em relaccedilatildeo agraves afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 3 Afirmaccedilotildees com as quais os internautas concordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

A alternativa mais assinalada quanto agraves afirmaccedilotildees divulgadas no canal foi ldquoA histoacuteria do povo preto natildeo comeccedilou com a escravidatildeo A gente tem um passado glorioso a gente tem uma cultura muito rica e que a gente natildeo conhece que foi ti-rada negada demonizada Eacute bom a gente tentar recuperar isso e eacute bom que a gente pense que nosso povo eacute resistente sim teve resistecircncia simrdquo Tal afirmaccedilatildeo obteve 235 das 374 respostas o que equivalente a 628 Repare-se que eacute uma afirmaccedilatildeo de autoestima e de negaccedilatildeo de estereoacutetipos depreciativos ou que reduzem a memoacuteria do povo negro a uma atitude meramente passiva e de sofrimento

A segunda afirmaccedilatildeo mais votada pelos internautas foi ldquoDeterminados grupos tecircm mais privileacutegios mais vantagens do que outrosrdquo com um total de 178 respon-dentes ou 476 Em terceiro lugar com 148 respostas aparece ldquoA gente estaacute num paiacutes racista que construiu que ser negro eacute ruim e pejorativo [hellip] Essa ideia estaacute em todos os lugares Ela estaacute nas telenovelas o personagem negro eacute sempre barra-queiro malandro desprestigiado Aquela pessoa que vocecirc gostaria de ser nunca eacute a pessoa negrardquo Nesse caso o iacutendice de respostas foi de 396

154Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 15: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Eacute interessante notar a distacircncia em relaccedilatildeo ao primeiro colocado indicando que a autoestima eacute prioritaacuteria A segunda colocada diz respeito agrave consciecircncia do abismo social entre brancos e negros no Brasil enquanto que a terceira com quase 40 refere-se agrave consciecircncia do racismo

A quarta e quinta posiccedilatildeo satildeo ocupadas pelas afirmaccedilotildees ldquoA histoacuteria do Brasil estaacute repleta de revoltas de povos pretos O fim da escravizaccedilatildeo eacute uma luta pretardquo com 266 e ldquoSer uma pessoa negra eacute ser uma pessoa pluralrdquo com 187 das res-postas Tambeacutem vale atentar paraa frase ldquoO que nos foi ensinado eacute negar nossa proacute-pria cultura e nossa proacutepria existecircncia enquanto pessoas negras a negar nossas raiacutezes Entatildeo o que estamos tentando fazer eacute um resgate de quem a gente eacute de nossa cultura de nossas raiacutezesrdquo destacando que o percentual que separa esta afir-maccedilatildeo da anterior eacute apenas de 1 somando assim 176 das respostas

Todas as concepccedilotildees mais votadas vatildeo diretamente ao encontro da proposta de identidade negra adotada por este estudo contemplando tanto a valorizaccedilatildeo do ne-gro quanto aconsciecircncia de sua situaccedilatildeo de exclusatildeo No graacutefico a seguir satildeo apre-sentadas as afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Graacutefico 4 Afirmaccedilotildees das quais os internautas discordam

Fonte pesquisa da autora (2021)

O maior nuacutemero de respondentes foi para a opccedilatildeo ldquoCota eacute pra gente preguiccedilosardquo (762) seguido por ldquoSe a pessoa eacute minha amiga se eu gosto da pessoa ela nunca vai ser racistardquo Tambeacutem com 35 tem-se a afirmaccedilatildeo ldquoEacute soacute correr atraacutes que vocecirc consegue Qualquer um consegue Se noacutes brancos estamos aqui com os melhores salaacuterios nos melhores cargos ocupando as melhores posiccedilotildees sociais tendo mais acesso agrave Justiccedila agrave educaccedilatildeo e aos direitos eacute porque noacutes merecemosrdquo

155A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 16: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

A primeira colocada com percentual proacuteximo a 80 reflete a tensatildeo gerada pela discussatildeo em torno das cotas que enfrentaram grande resistecircncia finalmente pacifi-cada pelo Supremo Tribunal Federal Ao mesmo tempo esse alto percentual reflete a consciecircncia desses internautas ao direito conquistado pelo povo negro em relaccedilatildeo ao acesso ao ensino superior puacuteblico ndash ateacute entatildeo reduto excludente de pessoas brancas

O indiacutece de discordacircncia da segunda afirmaccedilatildeo indica a consciecircncia a respeito da disfuncionalidade da meritocracia na sociedade brasileira sendo esta inclusive um argumento fundamental para a manutenccedilatildeo do racismo estrutural conforme visto na segunda seccedilatildeo desta pesquisa Com 243 e 24 respectivamente estatildeo as frases ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute ser sujordquo e ldquoNoacutes que falamos a respeito do racismo eacute que somos racistasrdquo A frase ldquoCabelo crespo eacute pra ser feio eacute sujordquo pode ser associada ao componente linguiacutestico da identidade negra que refere-se agraves di-versas formas de comunicaccedilatildeo a exemplo dos estilos musicais e a esteacutetica negra conforme apresentado no iniacutecio da presente seccedilatildeo

Tambeacutem foi solicitado aos inscritos que mencionassem livros peccedilas teatrais se-riados filmes e similares que lembrassem de ter consumido por recomendaccedilatildeo do ca-nal Papo de Preta nos uacuteltimos trecircs meses A pergunta obteve 222 respostas Trecircs inter-nautas alegaram natildeo ter consumido nenhum conteuacutedo desse tipo recentemente em virtude da pandemia Onze internautas disseram natildeo lembrar dos tiacutetulos Removendo esses dados a pergunta obteve 208 respostas vaacutelidas Os principais itens consumidos a partir das indicaccedilotildees feitas pelo canal podem ser visualizados no graacutefico a seguir

Graacutefico 5 principais itens consumidos

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto o predomiacutenio de obras com a temaacutetica racial dentre as quais cinco satildeo produccedilotildees audiovisuais (Pantera Negra Black is King Greenleaf

156Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 17: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Corra e Cara gente branca) Nota-se que todas satildeo norte-americanas (envolvendo pois temaacuteticas ou caracteriacutesticas proacuteprias do racismo dos EUA que natildeo eacute idecircntico ao do Brasil ndash onde inclusive as pessoas negras satildeo maioria)

As demais produccedilotildees ndash todas brasileiras ndash consistem em histoacuterias em quadrinhos nos casos de Angola Janga (de Marcelo DrsquoSalete) Jeremias Alma e Jeremias Pele (es-tas duas uacuteltimas publicaccedilotildees dos estuacutedios Mauriacutecio de Sousa) Os nomes de Michelle Obama e Carolina de Jesus aparecem associadas a dois livros No caso de Carolina de Jesus foi mencionada a obra Quarto de despejo No caso de Michelle Obama ex- pri-meira-dama dos EUA destaca-se sua biografia cujo tiacutetulo eacute Minha histoacuteria

Quanto ao perfil racial dos internautas eacute possiacutevel observaacute-lo no graacutefico abaixo

Graacutefico 6 Perfil racial dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observa-se portanto que pretos e pardos (que compotildeem a categoria ldquonegrordquo de acordo com o IBGE) representam 641 do puacuteblico dedicado a responder ao questio-naacuterio ndash bem acima do percentual da populaccedilatildeo brasileira como um todo Pode- se considerar este resultado surpreendente pois o percentual de pessoas brancas que responderam ao questionaacuterio foi de 343 percentual equiparaacutevel ao nuacutemero de pessoas pretas que foi de 341 Em relaccedilatildeo ao gecircnero os percentuais satildeo dispostos no graacutefico abaixo

157A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 18: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Graacutefico 7 Perfil de gecircnero dos iinternautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Percebe-se portanto a presenccedila hegemocircnica de mulheres (cis ou trans) que acompanham o canal e optaram por colaborar com o questionaacuterio Talvez isso se deva ao fato de as apresentadoras e idealizadoras do canal serem mulheres Jaacute o grau de escolaridade dos inscritos pode ser consultado no graacutefico a seguir

Graacutefico 8 Grau de escolaridade dos internautas

Fonte pesquisa da autora (2021)

Observando o graacutefico eacute possiacutevel afirmar que a maior parte do puacuteblico estaacute envol-vida na graduaccedilatildeo seja cursando (20) ou jaacute concluiacuteda (26) Em seguida tem-se o puacuteblico de ensino meacutedio completo com 17 Nesse caso considera-se a presenccedila dosinternautas no canal particulamente significativa visto que o ensino meacutedio

158Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 19: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

regular sobretudo o puacuteblico ainda eacute um espaccedilo em que as discussotildees raciais satildeo tiacutemidas Seja como for se comparada agrave meacutedia da populaccedilatildeo brasileira a escolari-dade desse puacuteblico eacute alta Os proacuteximos graacuteficos esboccedilam as condiccedilotildees de emprego e renda dos inscritos

Graacutefico 9 Taxa de emprego

Fonte pesquisa da autora (2021)

Em relaccedilatildeo ao exerciacutecio de trabalho formal 557 dos internautas afirmaram trabalhar enquanto 443 natildeo O proacuteximo graacutefico busca identificar o perfil salarial dos internautas

Graacutefico 10 Faixa salarial

Fonte pesquisa da autora (2021)

159A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 20: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Assim entre os internautas que trabalham a faixa salarial dominante foi de 1 a 3 salaacuterios-miacutenimos conforme expresso no graacutefico acima o que aponta para um puacuteblico majoritariamente entre meacutedia e baixa renda

Em suma os resultados permitem inferir que os internautas respondentes do questionaacuterio buscam o canal Papo de Preta para informar-se sobre questotildees raciais sobretudo aquelas relativas a existecircncia de pessoas negras bem como as questotildees poliacuteticas e histoacutericas desta populaccedilatildeo modificando suas percepccedilotildees raciais a partir da informaccedilatildeo disseminada nos viacutedeos

A mudanccedila dessas percepccedilotildees ocorre sobretudo a partir de informaccedilotildees dire-cionadas agrave afirmarccedilatildeo da autoestima e conscientizaccedilatildeo do grupo o que se daacute pela disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abordadas pelas idealizadoras do ca-nal bem como pela divulgaccedilatildeo de obras audiovisuais e literaacuterias que versem sobre a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo negra tanto no territoacuterio brasileiro quanto estadunidense

Quanto ao seu puacuteblico pode-se inferir que eacute majoritariamente composto por mulheres negras entre o ensino meacutedio e o ensino superior com enfoque na gra-duaccedilatildeo neste segundo caso Considera-se a presenccedila de mulheres negras particu-larmente relevante pois conforme visto na segunda seccedilatildeo esta populaccedilatildeo sofre de maneira mais direcionada com as restriccedilotildees impostas pelo racismo e sexismo que atingem inclusive sua capacidade de acesso agrave informaccedilatildeo

Os dados tambeacutem permitem inferir que a maior parte do puacuteblico que se dispocircs a responder o questionaacuterio eacute composto por trabalhadores ativos no mercado de trabalho possuindo renda salarial de 1 a 3 salaacuterios ndash miacutenimos Neste caso tambeacutem infere-se que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal seja simboacutelica visto que a classe trabalhadora tambeacutem sofre empecilhos de acesso agrave informaccedilatildeo em ambientes tradicionais como bibliotecas e universidades em virtude de condiccedilotildees adversas como horaacuterio de fun-cionamento que natildeo contempla a jornada de trabalho dos indiviacuteduos localizaccedilotildees de difiacutecil acesso aos trabalhadores cujas residecircncias estatildeo nas periferias e outros

3 Consideraccedilotildees finais

A proposta do presente estudo foi verificar como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade racial de seus internautas Para tanto a concepccedilatildeo de informaccedilatildeo utilizada foi a de Oliveira e Aquino (2012) isto eacute ldquoinforma-ccedilatildeo eacutetnico-racialrdquo

Constatou-se que uma das caracteriacutesticas do racismo brasileiro eacute o mito da con-vivecircncia harmoniosa entre brancos iacutendios e negros Esta situaccedilatildeo propicia o apaga-mento da discussatildeo racial na sociedade de modo mais amplo e contribui para o o ani-quilamento ndash ou a tentativa sistemaacutetica de aniquilar ndash a identidade do negro visto que um cenaacuterio de harmonia torna dispensaacuteveis as reivindicaccedilotildees de um grupo especiacutefico

160Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 21: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Dessa forma a busca por informaccedilotildees eacutetnico-raciais deve ser constante A au-tora Djamila Ribeiro (2019) chama a atenccedilatildeo em seu Pequeno manual antirracista para a necessidade de informaccedilatildeo a respeito do tema no capiacutetulo que inaugura a obra sob o tiacutetulo ldquoInforme-se sobre o racismordquo Em relaccedilatildeo agrave informaccedilatildeo para a identidade especificamente pode-se compreender que a partir do acesso agrave infor-maccedilatildeo o grupo pode se autodefinir criando consciecircncia do seu papel na conjuntura social promovendo o engajamento na luta por reivindicaccedilotildees contra as opressotildees

Ademais deve-se considerar que poliacuteticas puacuteblicas satildeo orientadas por pesquisas como as realizadas pelo IBGE que por sua vez utilizam a autodeclaraccedilatildeo como um de seus criteacuterios E natildeo haacute autodeclaraccedilatildeo racial consciente sem identidade E natildeo haacute identidade sem saber E natildeo haacute saber sem informaccedilatildeo

Dessa forma o indiviacuteduo que natildeo eacute capaz de se definir como negro e entender seu papel no corpo social impacta a realidade de outros sujeitos do grupo como um todo Assim informaccedilatildeo pode gerar identidade que por sua vez pode promover mudanccedilas ou pelo menos a busca por elas Isso se torna mais evidente ao considerar que a in-formaccedilatildeo disseminada pelos escravocratas privilegiava a manutenccedilatildeo das opressotildees raciais informando ao negro que sua posiccedilatildeo era a da inferioridade e serviccedilo

Em relaccedilatildeo ao problema de pesquisa a questatildeo norteadora desse estudo foi como a informaccedilatildeo disseminada pelo canal Papo de Preta impacta a identidade ra-cial de seus internautas As respostas obtidas por meio do questionaacuterio permitem inferir que a informaccedilatildeo disseminada pelo canal promove impactos na identidade racial de seus internautas atraveacutes da disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees eacutetnico-raciais abrangendo sobretudo aspectos poliacuteticos e histoacutericos dessa populaccedilatildeo

Sugere-se que futuramente sejam realizadas novas anaacutelises aprofundando os dados obtidos relacionando variaacuteveis como dados obtidos a partir das respostas fornecidas por internautas brancos e dados obtidos a partir dos internautas pre-tos e pardos jaacute que a identidade tratada no estudo eacute a do tipo de autodefiniccedilatildeo ou seja aquela atribuiacuteda pelo proacuteprio grupo A necessidade de maior aprofundamento tambeacutem adveacutem do proacuteprio caraacuteter da identidade que conforme mencionado por Munanga (2020) eacute fluida

Por fim eacute possiacutevel considerar que a pesquisa tambeacutem realiza sua contribuiccedilatildeo para a identidade negra a medida em que busca valorizaccedilatildeo e conscientizaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo de um grupo que durante o periacuteodo compreendido de fevereiro a abril de 2021 (periacuteodo de realizaccedilatildeo deste estudo) ainda tem sido severamente asso-lado por variados complicadores como a miseacuteria a evasatildeo escolar e o desemprego demonstrando a necessidade de valorizaccedilatildeo de sua existecircncia o que pode contar com o fazer cientiacutefico e a informaccedilatildeo visto que ambos satildeo capazes de direcionar os rumos da sociedade conforme se tem visto no proacuteprio corpo social brasileiro

161A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 22: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Referecircncias

ALVES Fernanda Faria Melo SANTOS Bruno Almeida dos Fontes e recursos de informa-ccedilatildeo tradicionais e digitais propostas internacionais de classificaccedilatildeo Biblios [s l] n 72 p 35-50 2018 Disponiacutevel em bibliospitteduojsindexphpbibliosissueview75 Acesso em 10 fev 2021

ARAUacuteJO Nelma Camecirclo FACHIN Juliana Evoluccedilatildeo das fontes de informaccedilatildeo BIBLOS [sl] v 29 n 1 fev 2016 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosfurgbrbiblosarticleview5463gt Acesso em 9 abr 2020

CAPURRO Rafael HJORLAND Birger O conceito de informaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ana Maria Pereira Cardoso Maria da Gloacuteria Achtschin Ferreira Marco Antocircnio de Azevedo Perspectivas em Ciecircncia da Informaccedilatildeo Belo Horizonte v 12 n 1 p 148-207 janabr 2007 Disponiacutevel em lthttpportaldeperiodicoseciufmgbrindexphppciarticleview54gt Acesso em 20 maio 2020

CASTELLS Manuel Paraiacutesos comunais identidade e significado na sociedade em rede In CASTELLS Manuel O poder da identidade Satildeo Paulo Paz e Terra 1999 p 21-84

CENDON Beatriz Valadares A internet In CAMPELLO Bernadete Santos CENDOacuteN Beatriz Valadares KREMER Jeannette Marguerite (Org) Fontes de informaccedilatildeo para pesquisado-res e profissionais Belo Horizonte Editora UFMG 2000

CUNHA Murilo Bastos da Para saber mais fontes de informaccedilatildeo em ciecircncia e tecnologia Brasiacutelia Briquet de Lemos Livros 2001 168 p Disponiacutevel em lthttpsrepositoriounbbrhandle1048215121gt Acesso em 5 fev 2021

DOMINGUES Petrocircnio Joseacute Movimento da negritude uma breve reconstruccedilatildeo histoacuterica Me-diaccedilotildees - Revista de Ciecircncias Sociais [sl] v 10 n 1 p 25-40 2005 Disponiacutevel em ltht-tpswwwrevistasuspbrafricaarticleview74041gt Acesso em 25 mar 2021

FERNANDES Viviane Barboza SOUZA Maria Cecilia Cortez Christiano de Identidade negra entre exclusatildeo e liberdade Revista do Instituto de Estudos Brasileiros [s l] n 63 p 103-120 2016 Disponiacutevel em lthttpswwwrevistasuspbrriebarticleview114868gt Acesso em 15 mar 2021

GIL Antonio Carlos Meacutetodos e teacutecnicas de pesquisa social 6 ed Satildeo Paulo Ediitora Atlas SA 2008

GUumlNTHER Hartmut Como elaborar um questionaacuterio Brasiacutelia UNB Laboratoacuterio de Psicolo-gia Ambiental p 37-54 2003

LARRAIacuteN J O conceito de identidade Revista FAMECOS Porto Alegre v 10 n 21 p 30-42 11 abr 2008 Disponiacutevel em lthttpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindexphprevistafa-mecosarticleview3211gt Acesso em 20 mar 2021

LIMA Celly Brito AQUINO Mirian de Albuquerque A construccedilatildeo de identidades afrodes-cendentes na cibercultura o olhar da ciecircncia da informaccedilatildeo Informaccedilatildeo amp Sociedade

162Baacuterbara Cristina Marques dos Santos Ribeiro

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra

Page 23: A cor da informação: o canal Papo de Preta e a formação da

Estudos Joatildeo Pessoa v 19 n 1 p 37-43 2009 Disponiacutevel em lthttpsbrapciinfbrindexphpresv92114gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Negritude e identidade negra ou afrodescendente um racismo ao avesso Revista da Associaccedilatildeo Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas (ABPN) [sl] v 4 n 8 p 06-14 2012 Disponiacutevel em lthttpsabpnrevistaorgbrindexphpsiteissueview14gt Acesso em 20 mar 2021

MUNANGA Kabengele Rediscutindo a mesticcedilagem no Brasil identidade nacional versus iden-tidade negra Rio de Janeiro Vozes 1999

OLIVEIRA Henry Pocircncio Cruz de AQUINO Mirian de Albuquerque O conceito de informaccedilatildeo eacutetnico racial na ciecircncia da informaccedilatildeo Liinc em revista Rio de Janeiro v 8 n 2 2012 Dis-poniacutevel em lthttpswwwbrapciinfbrindexphpresv90559gt Acesso em 22 maio 2020

PAPO DE PRETA Paacutegina de apresentaccedilatildeo do canal [Sl] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomchannelUCvu2MvWjNozGxCdRlY1034Qgt Acesso em 22 maio 2020

RIBEIRO Djamila Pequeno manual antirracista Satildeo Paulo Companhia das Letras 2019SANTOS Thais Helen do Nascimento AQUINO Mirian de Albuquerque Entre os estudos cul-

turais e a ciecircncia da informaccedilatildeo fontes de informaccedilatildeo eacutetnico-raciais Informaccedilatildeo e Infor-maccedilatildeo Londrina v 21 n 1 p 29-55 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwuelbrrevistasuelindexphpinformacaoissueview1143gt Acesso em 22 maio 2020

SILVA Leyde Klebia Rodrigues da AQUINO Mirian de Albuquerque Fontes de informaccedilatildeo na web apropriaccedilatildeo uso e disseminaccedilatildeo da informaccedilatildeo eacutetnico-racial no movimento negro da Pa-raiacuteba Transinformaccedilatildeo Campinas v 26 n 2 p 203-212 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103=37862014000200203-amplng=enampnrm-isogt Acesso em 10 fev 2021

SILVA Tomaz Tadeu (org) Identidade e diferenccedila a perspectiva dos estudos culturais Pe-troacutepolis Vozes 2000

WANDERLEY Alba Cleide Calado A construccedilatildeo da identidade afro-brasileira nos espaccedilos das irmandades do Rosaacuterio do sertatildeo paraibano 2009 259 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) - Universidade Federal da Paraiacuteba Joatildeo Pessoa 2009Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufpbbrjspuihandletede4684mode=fullamplocale=pt_BRgt Acesso em 27 mar 2021

YOUTUBE Sobre o YouTube [S l] Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomintlpt-BRaboutgt Acesso em 22 maio 2020

163A cor da informaccedilatildeo o canal Papo de Preta e a formaccedilatildeo da identidade negra