a contribuiÇÃo de elio fazzalari para a compreensÃo do juiz natural

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  • 7/28/2019 A CONTRIBUIO DE ELIO FAZZALARI PARA A COMPREENSO DO JUIZ NATURAL

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    ISSN 1982-0496

    V. 8, n. 8, (jul./dez. 2010), p. 101-111.

    UniBrasil - Faculdades Integradas do BrasilRua Konrad Adenauer, 442, Tarum. CEP: 82820-540 Curitiba - PR - BrasilTelefone: 55 (51) 3361.4200revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/

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    A CONTRIBUIO DE ELIO FAZZALARI PARA A [CORRETA]COMPREENSO DO PRINCPIO DO JUIZ NATURAL NO

    MBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR1

    A CONTRIBUTION TO THE ELIO FAZZALARI [CORRECT] UNDERSTANDING OF THE PRINCIPLEOF NATURAL JUDGE UNDER ADMINISTRATIVE DISCIPLINARY PROCEDURE

    Alexandre Morais da Rosa

    2

    Mrcio Ricardo Staffen3

    O problema que, para se fazer efetiva a regra constitucional, h de

    se pagar um preo, o preo da democracia, respeitando a regra do jogo.

    Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

    Sumrio: 1. Introduo; 2. Consideraes gerais sobre o princpio do juiz natural; 2.1 Notcia

    histrica; 2.2 Finalidade(s) do princpio do juiz natural; 2.3 A incidncia do princpio

    do juiz natural no processo administrativo disciplinar; 3. Fazzalari: o processo comoprocedimento em contraditrio; 4. A contribuio de Fazzalari...; 5. Consideraes

    finais; 6. Referncias bibliogrficas.

    RESUMO

    O presente artigo busca trabalhar sinteticamente a contribuio de Elio Fazzalaripara a [correta] compreenso do princpio do juiz natural na rbita do processo

    1 Artigo recebido em: 18/10/2010. Aceito para ublicao em 22/11/2010.2 Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paran (UFPR), com estgio de ps-doutoramento

    em Direito (Universidade de Coimbra e Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS).Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor Adjunto naUniversidade Federal de Santa Catarina. Ex-professor do Programa de Mestrado e Doutorado naUniversidade do Vale do Itaja (UNIVALI). Juiz de Direito (TJSC). E-mail:[email protected]. Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de CinciasJurdicas. Campus Reitor Joo David Ferreira Lima Trindade - 88040-970 - Florianopolis, SC -Brasil - Caixa-Postal: 476 - Telefone: (048) 37219292 Ramal: 9815.

    3 Possui graduao em Direito pela Universidade do Vale do Itaja - UNIVALI. Mestrando em CinciaJurdica pela Universidade do Vale do Itaja, rea de concentrao: Fundamentos do Direito Positivo,linha de pesquisa: Principiologia, Constitucionalismo e Produo do Direito. Bolsista CAPES.

    Advogado (OAB/SC). E-mail: [email protected]

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    administrativo disciplinar. esta a temtica deste estudo que se inicia com umlevantamento histrico acerca das origens da figura do juiz natural e seu

    desenvolvimento nos sistemas jurdicos globais. Com base nas orientaes doutrinriasse analisa o conceito, a finalidade e a incidncia do juiz natural na esfera do processoadministrativo disciplinar, capaz de controlar a Administrao Pblica que nesses casos

    jurisdiciona em causa prpria. Para tanto, aps a compreenso da figura do juiz naturalse desenvolve uma investigao sobre a proposta de Fazzalari de processo como

    procedimento em contraditrio, a qual possibilita o desenvolvimento do processoadministrativo disciplinar num espao formal e materialmente democrtico, lugar esteem que as partes possam apresentar suas razes e contrarrazes em simetria de armas.

    PALAVRAS-CHAVE

    Elio Fazzalari, Juiz natural, Processo administrativo disciplinar.

    ABSTRACT

    This article summarizes search work of Elio Fazzalari contribution to the [correct]understanding of the principle of natural judge the orbit of administrative disciplinary

    proceedings. This is the theme of this study that begins with a historical survey aboutthe origins of the figure of the judge and his natural development in the global legalsystems. Based on the doctrinal guidelines to discuss the concept, purpose and impact ofnatural judge in the sphere of administrative disciplinary proceedings, able to controlthe government in these cases, courts in his own cause. So, after understanding thenatural figure of the judge develops an investigation into the proposed Fazzalari processas adversarial procedure, which enables the development of administrative disciplinary

    proceedings within a formal democratic and materially, in this place that the parties maypresent their reasons and counter-arguments in symmetry of arms.

    KEYWORDS

    Elio Fazzalari, Judge natural, administrative disciplinary process.

    1 INTRODUOO presente artigo prope-se a analisar a contribuio de Elio Fazzalari para a

    [correta] compreenso do princpio do juiz natural no mbito do processo administrativodisciplinar. Embora, alguns doutrinadores atribuam o nome de autoridade competenteao princpio do juiz natural na seara do Direito Administrativo, tal denominao noser adotada neste texto, sem prejuzo aos temas abordados. Feito este aparte, almejaeste artigo demonstrar a compulsria aplicao do princpio do juiz natural ao processoadministrativo disciplinar. Somente com a presena de um juiz natural, imparcial,

    preexistente ao fato ser possvel obter-se a plenitude das demais garantiasconstitucionais, dos Direitos Fundamentais e da dignidade da pessoa humana.

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    Neste diapaso, faz-se necessrio estudar a proposta de Elio Fazzalari que, aoconceber o processo como procedimento em contraditrio, distribui subsdios

    suficientes para o desenvolvimento constitucional-democrtico do processo, nesteestudo, administrativo disciplinar. Alm disso, Fazzalari propicia elementos aptos superao da viso instrumentalista [antidemocrtica] do processo, que na prtica tem semostrada dbil.

    2 CONSIDERAES GERAIS SOBRE O PRINCPIO DO JUIZ NATURAL

    2.1 Notcia Histrica

    Ao longo dos perodos histricos os bens socialmente considerados de maiorrelevncia foram incorporados em documentos escritos que buscaram estabelecerlimites ao Estado, declarando direitos e assegurando medidas garantidoras dasdisposies declaratrias. O princpio do juiz natural advm originariamente, do anseiodos indivduos serem julgados por seus pares.

    A figura do juiz natural decorre do princpio do devido processo legal, assimcomo o contraditrio e a ampla defesa. A instituio do devido processo legal aosmoldes atuais, remonta publicao da Magna Charta Libertatum, imposta ao Rei JooSem Terra na Inglaterra, em 1215.

    Igualmente firmou institudo o princpio do juiz natural a Declarao Bill ofRigths, nos idos de 1688, quando vedou a criao de comisses destinadas a substituir a

    pessoa do juiz. A Repblica francesa ainda sobre o calor da revoluo estabeleceu coma organizao judiciria de 1790, seguida pela Constituio de 1791 que, os cidadosno poderiam ser subtrados dos juzes que a lei lhes indicasse por nenhuma comisso,nem por outras atribuies que as determinadas pelas leis.

    Entretanto, a alcunha juiz natural lavrou-se inauguralmente na ConstituioFrancesa de 1814, pela seguinte redao: Nul ne pourra tre distrait de ses jugesnaturels., que vertido ao vernculo se l: ningum poder ser subtrado do julgamentode seus juzes naturais. To logo, o sistema americano incorporou-o com a aprovao

    das Emendas Constitucionais V e VI.No Brasil, a Constituio do Imprio, j dispunha em seu art. 179, XVII, que

    exceo das causas que por sua natureza pertencem a juzos particulares, naconformidade das leis, no haver foro privilegiado, nem comisses especiais, nascausas cveis ou criminais. As Cartas que se seguiram trataram de proibir a instauraode foros privilegiados ou tribunais e juzos de exceo. Na CRFB/1988, a figura do juiznatural, previsto no art. 5, XXXVII e LIII, assume a caracterstica de DireitoFundamental.

    No obstante as Constituies, a matria do juzo natural ainda abordada pelaDeclarao Universal dos Direitos do Homem e, integra a Conveno Americana sobre

    os Direitos Humanos, recepcionada pelo Decreto 678/1992.

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    2.2 Finalidade(s) do Princpio do Juiz Natural

    Resumidamente, o princpio do juiz natural tem como finalidade a garantia de queningum ser julgado por uma autoridade inconstitucional.

    Atribui Ferrajoli ao princpio do juiz natural um triplo significado, distintos,embora correlatos: juiz pr-constitudo pela lei e no concebido aps o fato;impossibilidade de derrogao e indisponibilidade de competncia; e, proibio de

    juzes extraordinrios e especiais.

    Para Nery Junior o princpio do juiz natural uma garantia do Estado de Direito eda imparcialidade do julgador, que se manifesta atravs de trs faces: no autorizando ainstalao de juzos ou tribunais ad hoc; julgamento por juiz competente pr-constitudoem lei; e a imparcialidade do magistrado.

    Na tradio constitucional brasileira, o princpio do juiz natural emprega duplafinalidade, proibindo tribunais de exceo e no consentindo com a transferncia dacompetncia para outro tribunal (avocao). Nesta seara, o exerccio da jurisdio seopera conforme a CRFB/88, defendendo os indivduos de serem julgados por rgoscriados aps o fato; impedindo a discricionariedade na rbita da competncia.

    luz do entendimento de Bacellar Filho, o princpio do juiz natural incorpora emsi, diante de sua previso na CRFB/88 cinco sentidos, a saber: quanto ao plano da fonte;quanto ao plano da referncia temporal; quanto ao plano da imparcialidade; quanto ao

    plano da abrangncia funcional; e, quanto ao plano da ordem taxativa de competncia.

    Quanto ao plano da fonte, pela CRFB/88, a competncia do juzo reservaabsoluta da lei, solidificando a competncia prevista constitucionalmente. Neste sentido,juzo ou tribunal de exceo (ex post facto) rgo criado por ato sem eficcia de lei,ou mesmo quando criado por lei, vilipendia a competncia estabelecidaconstitucionalmente.

    O plano da referncia temporal a garantia de que ningum ser processado oujulgado por rgo jurisdicional institudo aps a ocorrncia dos fatos. Assim, acompetncia estabelecida por lei, de forma abstrata e predeterminada.

    No que tange ao plano da imparcialidade este requisito subjetivo do julgador. Aimparcialidade corolria da independncia da atividade jurisdicional que no pode se

    submeter aos desgnios de subordinao hierrquica, nos casos oferecidos ao seu crivo.Quanto ao plano da abrangncia funcional a expresso autoridade competente

    transcende a pessoa do juiz em atividade decisria. Engloba em si rgos do poderexecutivo quando em funo judicante. Em sntese, remonta a autoridade competente

    pelo processamento, e, no somente funo judiciria.

    O plano da ordem taxativa de competncia determina que as modificaessomente possam ser aceitas se previstas em lei preexistente ao fato sob anlise. Mesmoos casos de suspeio e incompetncia, e os critrios de substituio devem igualmenteestar estipulados em lei.

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    2.3 A Incidncia do Princpio do Juiz Natural no Processo Administrativo Disciplinar

    Para que se compreenda pela incidncia ou no do princpio do juiz natural noprocesso administrativo disciplinar deve-se partir da existncia ou no de jurisdio nombito da funo administrativa.

    Consoante Alcal-Zamora y Castilho o Estado o ponto de partida da jurisdio.Quando cada indivduo cedeu uma parcela de sua liberdade ao Estado com o objetivo dever protegido seus bens, renunciou consequentemente a autodefesa e a autocomposioem troca de uma parte imparcial destinada a resoluo dos conflitos. Alcal-Zamora yCastilho admite que a funo jurisdicional possa ser exercida pela prpriaAdministrao Pblica. Ademais, a jurisdio no se limita apenas ao Poder Judicirio.

    Assim, o princpio do juiz natural elemento representante do Estado Democrtico

    de Direito deve ser praticado em todas as espcies de processo, judicial ou extrajudicial,compreendido neste o administrativo disciplinar.

    Defende Nery Junior que o princpio do juiz natural aplica-se sem distino tantono processo civil, como no penal e igualmente no processo administrativo, tendo comodeterminantes fundamentais a pr-constituio na forma da lei e a imparcialidade pararealizar o julgamento.

    Neste diapaso, a competncia obrigatoriamente deve preexistir ocorrncia dofato a ser apurado, processado e julgado. Basicamente, caracterstica do princpio do

    juiz a capacidade estabelecida antes do fato acontecido. Por conseguinte, torna-se ilcitaa designao de rgo julgador aps a notcia da irregularidade, sob pena de tipificar ainstituio de tribunal de exceo, defeso pelo art. 5, XXXVII, CRFB/88.

    O princpio se aplica compulsoriamente autoridade que acusa, que conduz oprocesso na sua competncia instrutria e que guarda a competncia decisria,tipificando e pondo em prtica a sano administrativa, no caso de responsabilizao doservidor, ou ordenando o arquivamento do processo .

    Igualmente, suprema a importncia da existncia de um julgador preexistente eimparcial no mbito do processo administrativo disciplinar, especialmente porquenesses casos a Administrao Pblica figura como vtima, e atua como ente instaurador,instrutor e julgador, transitando por uma tnue linha entre a obteno da verdade,

    reparao e vingana, onde por vezes, o controle do ilcito assume contornos de ilicitudeno controle.

    Salienta Moreira que a desobedincia ao princpio do juiz natural no processoadministrativo causa a invalidade deste desde seu incio . Por esta razo flagrante aofensa ao texto constitucional a instalao, mediante portaria, de rgo processantedestinado a apurar anomalias ocorridas no servio pblico aps a cincia dos fatos aserem analisados. Destarte, a comisso processante deve ser natural, ou seja,

    preexistente aos fatos, definida nos termos da lei, de forma genrica e abstrata.

    Conforme expe Roza:

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    A garantia insculpida na Constituio Federal/1988 princpio fundamental,norma de primeira grandeza, de aplicao imediata, e com comandoconstitucional fundante, de modo que se deve irradiar pelo ordenamento

    jurdico e ter efetividade prtica, no sentido de sua maior eficincia eotimizao, consoante dico do art. 5, 1, da Constituio Federal/1988,obrigando os poderes pblicos e a sociedade.

    Assim, os princpios provenientes do devido processo legal ultrapassam ainstncia judiciria, devendo ter aplicao incondicional sempre que interfira ouintimide direitos individuais. Todos os rgos da Administrao Pblica, direta ouindireta, so compelidos a efetivar o princpio do juiz natural em processosadministrativos processados e julgados na esfera federal, estadual, municipal oudistrital.

    3 FAZZALARI: O PROCESSO COMO PROCEDIMENTO EM CONTRADITRIO

    Simplicidade e genialidade, eis dois adjetivos atribudos por Ada PellegriniGrinover para a obra de Elio Fazzalari, que lecionou na Universidade de Perugia at1964, na de Pisa at 1972, e na Universidade de Roma La Sapienza quando desta sedesligou em outubro de 2000, sendo agraciado com o ttulo de Professor Emrito.

    Ao estabelecer com primazia a noo de processo como procedimento emcontraditrio, e fazer do contraditrio o elemento distintivo de processo e procedimento,Fazzalari afastou o retrgado clich da relao jurdica processual que sustenta a

    instrumentalidade do processo, capitaneada no Brasil por Dinamarco e alicerada emLeibmann e Chiovenda, incapaz neste momento de dar respostas efetivas aos problemassociais.

    Neste quarto, a proposta do processo como procedimento em contraditrio traduzo pice do pensamento jurdico na conduo efetivamente dialtica e democrtica do

    processo. justamente o contraditrio que distingui o processo do procedimento:

    A referncia estrutura dialtica como a ratio distinguendi permite superaranteriores tentativas de definir o processo, como aquele conceito segundo o qual existe

    processo onde exista, em ato ou em potncia, um conflito de interesses, e aquelesegundo o qual existe processo toda vez que participe da formao do ato um sujeito

    portador de um interesse distinto daquele interesse do autor do ato nos quais osinteresses e as suas possveis combinaes so dados metajurdicos.

    Para se identificar, portanto, o processo fundamental a participao dosdestinatrios da deciso em contraditrio paritrio. Isso no significa a mera

    participao dos sujeitos do processo, no o dizer e o contra dizer, no se resume emdiscusso. Para Gonalves o contraditrio a igualdade de oportunidade no processo, a igual oportunidade de igual tratamento, que se funda na liberdade de todos perante alei.

    Acrescente-se, que a exteriorizao do princpio do contraditrio, na proposta deFazzalari se opera em dois momentos, conforme atesta Rosa. Inicialmente com a

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    informazione, consistente no dever de informao para que possam ser exercidas asposies jurdicas em face das normas processuais e, em seguida, num segundo

    momento, a reazione, revelada pela possibilidade de movimento processual, sem seconstituir, todavia, em obrigao.

    Deste argumento brota a noo de contraditrio em simtrica paridade, quevincula compulsoriamente o autor, o ru, o interveniente, o juiz, o representante doMinistrio Pblico (quando necessrio) e seus auxiliares a atuarem em p de igualdade.Aqui novamente visualiza-se um contraponto a noo instrumental do processo, poisgarante a dialtica participao no s de autor e ru, tradicionais destinatrios do ato,mas tambm das demais pessoas envolvidas na atividade jurisdicional. Sob esteenfoque, todos so partes, como bem observa Pellegrini.

    Contudo, as lies de Fazzalari no se encerram na noo de processo como

    procedimento em contraditrio. Traz a baila o conceito de norma como um cnone devalorao de uma conduta, entendida como alguma coisa de aprovvel, de prefervel emdeterminada cultura . Assim, a exposio deste panorama permite afastar a nefasta

    proposta de Kelsen que concentrou o estudo da juridicidade no ilcito, para quem oprocesso traduz um ilcito. Para Fazzalari, portanto, o processo deve ser compreendido epraticado como uma garantia, logo, quando se inicia um processo no se exercita umilcito, ao reverso, se pratica um direito constitucionalmente assegurado.

    4 A CONTRIBUIO DE FAZZALARI...

    A tarefa de sintetizar em parcas palavras a contribuio de Elio Fazzalari para a[correta] compreenso do princpio do juiz natural no mbito do processo administrativodisciplinar deveras arriscada, haja vista, a vultuosidade das lies contidas em seu

    pensamento. Contudo, duas orientaes surgem com maior brilho para o caso doprocesso administrativo disciplinar: a primeira refere-se ao contraditrio; a segunda, anoo de processo como garantia.

    A compreenso do processo como procedimento em contraditrio representa umplus em relao velha e impotente ideia de instrumentalidade do processo. Nestemomento, a proposta de Fazzalari produz uma aproximao entre a Teoria Geral doProcesso e a Constituio. Principalmente no que diz respeito participao das partes

    em simtrica paridade de armas, a qual produz um ato final democrtico na medida emque todos contriburam efetivamente no processo.

    Na seara do processo administrativo disciplinar o conceito de processodesenvolvido em igualdade na produo de alegaes e contra-alegaes, por todas as

    partes de fundamental importncia, haja vista estar a Administrao Pblica atuandocomo autor e juiz da questo. No processo administrativo disciplinar a vontade quemove o processo a mesma que fundamenta a deciso, majoritariamente, a punio.

    Por esta razo o processo administrativo disciplinar necessita ser praticado comoprocedimento em contraditrio, onde a supremacia do interesse pblico contido naAdministrao Pblica, no se sobreponha aos direitos e garantias do servidor. O

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    servidor carece ser ouvido e ter resguardado seu direito de produzir alegaes em p deigualdade com a Administrao e, com igual tratamento em relao a ela.

    Somente com a isonmica dialeticidade do processo estar-se- de acordo com oEstado Democrtico de Direito, pois a Constituio precisa ser vista como um projetoaberto e permanente de construo de uma sociedade de cidados livres e iguais.

    Possibilita, ainda, o processo como procedimento em contraditrio, desenvolvidoem simtrica paridade, um acordo semntico [deciso] resultante da fuso de horizontes,como quer Gadamer , do qual decorre uma deciso substancialmente democrtica, pois

    possibilitou a ativa participao dos destinatrios do ato final e, pedagogicamente vlidano intuito de prevenir novas infraes. Portanto, levar o contraditrio a srio, produzidomediante a fuso de horizontes dos argumentos trazidos pelos contraditores, resulta emum julgamento socialmente integrador da ordem jurdica.

    No entendimento de Habermas, pode-se dizer que todos os participantes noprocesso, quaisquer que sejam seus motivos, aportam contribuies ao discurso que, naperspectiva da autoridade julgadora, ajude a que se alcance um veredicto imparcial.

    Tal pensamento combinado com Fazzalari possibilita a substancial satisfao doprincpio do juiz natural, especialmente na observncia do vnculo negativo [carter deinviolabilidade] e no vnculo positivo, haja vista ningum estar autorizado a lhe deixarde aplicar. Sem erro, possvel estabelecer que a dialtica e sua simtrica conduo no

    processo administrativo disciplinar resulta na imparcial deciso do juiz natural.

    Destarte, o princpio do juiz natural no mbito do processo administrativo

    disciplinar no se resolve somente com a pr-constituio e a imutabilidade dacompetncia de julgamento. Requer mais, requer a imparcialidade do juiz pr-existente,que conduza o processo luz do contraditrio desenvolvido em p de igualdade e, igualtratamento dos contraditores. Ressalte-se, por bvio que a necessidade de um juizimparcial no pode ser compreendida como sinnimo de juiz neutro, avalorado,

    pasteurizados, isto porque, todos possuem uma bagagem ideolgica preexistente, o quese quer um juiz que saiba considerar seus valores sem interferir na deciso.

    J no basta mais um simples e individual acordo semntico [deciso], precisobuscar novos mares. A deciso necessita ser prolatada num ambiente democrtico, emsentido alm da vontade da maioria. Vale alertar, e nunca demais dizer que sobre osDireitos Fundamentais, o processo um deles, no se negocia, no se renuncia, no setransige. Constituem os Direitos Fundamentais ncleo jurdico irredutvel, nem mesmo

    pela vontade da maioria.

    A manifesta confuso entre as funes desempenhadas no processo administrativoimpede que incida uma mentalidade minimamente acusatria e garanta um julgamentoem contraditrio, munido, ademais, das respectivas garantias constitucionais, dentre elasdefesa tcnica. No se trata, por evidente, de resgatar a iluso de neutralidade, mas simde apontar para um lugar na estrutura do poder em que o sujeito processadointernamente possa buscar uma referncia democrtica, a saber, um lugar respeitadocomo tal. Isto impede a indicao de juzes de ocasio, designados para tarefasespecficas em que o processo como procedimento em contraditrio se transforma em

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    mero mecanismo de legitimao da deciso anteriormente tomada, violandoflagrantemente a Constituio da Repblica, segundo Marcon. Cabe relembrar que

    somente pode ser imparcial com muito esforo retrico, por bsico aquele que no acusador, reiterando a necessidade da separao da acusao e julgador para, somenteassim, ser o guardio dos Direitos Fundamentais. Ao reverso, estar-se-materializando a viso kafkaniana do processo. Utilizando-se de uma metfora o

    processo, em especial o administrativo disciplinar, reclama ser praticado como um jogoem detrimento da viso de luta. A luta procura pr em jugo o derrotado frente ovencedor. No jogo, ao contrrio, o adversrio essencial, existe neste uma relao decooperao, coexistncia. Enquanto na luta prevalece brutalidade, no jogo impera aracionalidade dos adversrios que buscam demonstrar a maior liquidez de seusargumentos.

    Outra contribuio de Fazzalari para o processo administrativo disciplinar anoo de processo com uma garantia constitucionalizada. Quando se instaura umprocesso est se praticando um direito e no um ilcito. Embora lgico este pensamentocontnua a vigorar mesmo com o advento da CRFB/88, produzindo na prtica, umagrave afronta a garantia da presuno de no-culpabilidade (art. 5, LVII da CRFB/88).

    Na lio de Fazzalari o processo precisa ser visto e praticado como uma tarefademocrtica inafastvel, onde o contraditrio operado em simtrica paridade assumefuno basilar. Isto importa em afirmar que todo provimento jurisdicional (entenda-seato estatal) deve ser construdo nos estreitos ditames do Estado Democrtico de Direito,concretizando a prtica da cidadania, assegurando a defesa de todos os DireitosFundamentais (e as normas processuais o so) como quer Ferrajoli, consequentemente,efetivando o exerccio verdadeiro do devido processo substancial.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    A figura do juiz natural, na qualidade de Direito Fundamental, consoantetipificao dada pela CRFB/88, reveste-se do manto da inviolabilidade,imprescritibilidade, inalienabilidade, de carter personalssimo que defende o indivduode ser julgado por rgo jurisdicional constitudo aps a cincia do fato ou parcial.

    Ademais, sem uma autoridade competente preexistente ao fato, as demais

    garantias constitucionais sucumbem no processo disciplinar onde os julgadores soescolhidos a dedo, com a inteno de favorecer ou perseguir implacavelmente oservidor acusado.

    Somente com a compreenso do processo administrativo disciplinar comprocedimento em contraditrio, desenvolvido em simetria de armas e oportunidadespelos contraditores, ser possvel obter-se plenamente um juiz natural capaz de produzirum acordo semntico [deciso] decorrente da fuso de horizontes trazidos pelosdestinatrios do ato. A participao efetiva de cada contraditor propicia um julgamentoimparcial, que compreende o processo com uma garantia e um espao democrtico. Eisa contribuio de Elio Fazzalari para a correta compreenso do princpio do juiz natural

    no mbito do processo administrativo disciplinar.

  • 7/28/2019 A CONTRIBUIO DE ELIO FAZZALARI PARA A COMPREENSO DO JUIZ NATURAL

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    ISSN 1982-0496

    V. 8, n. 8, (jul./dez. 2010), p. 101-111.

    UniBrasil - Faculdades Integradas do BrasilRua Konrad Adenauer, 442, Tarum. CEP: 82820-540 Curitiba - PR - BrasilTelefone: 55 (51) 3361.4200revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/

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    Se, neste momento, necessita-se, como nunca, da instituio de uma nova culturajurdico-processual, fundada no valor da dignidade humana, da vida democrtica e do

    desenvolvimento harmnico e sustentvel a proposta de Elio Fazzalari serve,indubitavelmente para tal propsito.

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