a contribuicao da psicopatologia do trabalho da ergonomia

Upload: paulo-cesar-queiroz

Post on 06-Apr-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    1/14

    A CONTRIBUIO DA PSICOPATOLOGIA DO TRABALHO E DAERGONOMIA NO PROCESSO SADE-DOENA

    Regina Mrcia Rangel de OliveiraOutubro de 2001

    Este texto faz parte originalmente do quarto captulo de minha tese de mestrado intituladaA abordagem das Leses por Esforos Repetitivos/Distrbios OsteomuscularesRelacionados ao Trabalho-LER/DORT no Centro de Referncia em Sade do Trabalhadodo Esprito Santo-CRST/ES, apresentada Escola Nacional de Sade Pblica-ENSP/FIOCRUZ do Rio de Janeiro.

    1- INTRODUO

    O trabalho tem sido considerado por muitos autores como fundamentalno desencadeamento e evoluo das doenas. necessrio ressaltar, que paraidentificar e analisar os problemas de sade num dado processo de trabalho preciso conhecer as situaes de trabalho, compreender as condies e aorganizao do mesmo, onde as cargas de trabalho provocam danos sadedo trabalhador. Neste sentido, a Psicopatologia do Trabalho e a Ergonomia seapresentam como reas de conhecimento para esta anlise.

    Wisner (1994) ao expressar a importncia da anlise e modificao dassituaes de trabalho, atravs dos saberes articulados da Ergonomia ePsicopatologia do Trabalho, ratifica a opinio de outros autores e ressalta que,apesar das diferenas destes campos de saberes, ambos trabalham a partir da perspectiva do papel central do trabalho e de suas atividades em relao aohomem.

    1.2 - A CONTRIBUIO DA PSICOPATOLOGIA DO TRABALHO

    No estudo das relaes homem/trabalho e suas conseqncias para a

    sade mental, cabe destacar o papel de uma corrente francesa de pensamentodenominada Psicopatologia do Trabalho, que se construiu a partir dasconcepes e pesquisas desenvolvidas por Christophe Dejours. Inicialmenteesta corrente tinha como objetivo o estudo das relaes que, no realizar dotrabalho, conduziam ora ao prazer, ora ao sofrimento. No decorrer do tempo,esta escola amplia seu enfoque para alm da dinmica sade/doena, passandoa ser chamada Psicodinmica do Trabalho.

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    2/14

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    3/14

    normalidade observada nos trabalhadores, apesar das presses do trabalho e para isso compreender as estratgias defensivas. Desta forma, aPsicopatologia do Trabalho define como seu objeto de estudo, o sofrimento notrabalho e os procedimentos de regulao.

    O sofrimento ser concebido como a vivncia subjetivaintermediria entre doena mental descompensada e o conforto(ou bem-estar) psquico. (Dejours & Abdoucheli, 1994: 127).

    Enquanto expresso dinmica, o sofrimento consistir na luta do sujeitocontra as adversidades da organizao do trabalho, que pode acarretar adoena mental; mas o conflito que surge entre a organizao do trabalho e ofuncionamento psquico, pode originar sofrimento, como tambm suscitarestratgias defensivas.

    Conforme assinalam Dejours & Abdoucheli (1994), as estratgias

    defensivas so defesas que os trabalhadores utilizam para minimizar a percepo das presses da organizao do trabalho, que geram sofrimento. uma atividade realizada a nvel mental, j que no institui nenhuma mudanareal da presso.

    Pode-se dizer que as estratgias coletivas de defesa funcionam comoregras que supe um acordo entre os indivduos coletivamente, no sesustentando a no ser por consenso. A partir do momento que os sujeitosdescumprem o acordo ou este para de existir, as estratgias passam a nofuncionar, pois sua existncia est na dependncia de condies externas. Asestratgias defensivas coletivas so fundamentais para se contrapor aosofrimento engendrado pela organizao do trabalho, possibilitando ao sujeitouma estabilidade que ele, unicamente com suas prprias defesas individuaisno conseguiria atingir.

    Diante destas questes, as defesas coletivas so entendidas comoformas de adaptao s presses da organizao do trabalho, porm podemtambm serem utilizadas para aumento da produtividade, em benefcio da prpria organizao do trabalho. Como possvel exemplificar, atravs do processo de auto-acelerao do ritmo da produo, que os trabalhadores seimpem, como uma estratgia contra o sofrimento desencadeado pelotrabalho. No trabalho repetitivo tambm ocorre a auto-acelerao individual,com a represso do funcionamento psquico. Tendo em vista ser esteincompatvel com o desenvolvimento de tarefas desprovidas de contedo erepetitivas, a represso permite ao trabalhador, suportar as presses psquicasexercidas pela organizao do trabalho.

    Alm das formas de adaptao do sujeito ao sofrimento desencadeado pela organizao do trabalho, as pesquisas em Psicopatologia do Trabalho

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    4/14

    mostram procedimentos que ultrapassam os processos de adaptao s presses e que contribuem na evoluo da organizao do trabalho. So osmacetes que os trabalhadores formulam para dominar os incidentes notrabalho, os procedimentos que inventam para combater os perigos dotrabalho, enfim, so as regras de trabalho ou de ofcio, que noapresentam consonncia com a organizao do trabalho prescrita. Nestasregras no existe sanes, porm aquele que no as respeita, simplesmentefica fora do jogo. A regra no foi criada para punir, ela permite o trabalhador perceber a si mesmo e ao que passa no contexto do trabalho. Essas regrasrepresentam um impacto na prpria organizao do trabalho (Cru,1988 apudDejours & Abdoucheli, 1994).

    A articulao das habilidades individuais leva construo de princpios reguladores para atuarem diante das dificuldades surgidas nodecorrer do trabalho. As regras de ofcio se relacionam forma de trabalho

    em conjunto, estabelecendo relaes de confiana entre os trabalhadores.Os sujeitos, ao imaginarem e criarem as regras de ofcio, mobilizam processos psquicos que apresentam ligao com um tipo de inteligncia, queest muito relacionada intuio, percepo e que rompe com as normas eregras, que chamada de inteligncia astuciosa. Dejours & Abdoucheli(1994), pontuam que ela utilizada sempre em relao a algo que j foiregulamentado ou estabelecido no modo operatrio prescrito, mas que precisaser modificado para atingir os objetivos do trabalho de forma eficaz. Ainteligncia astuciosa se configura como resultado do prprio sofrimento, porm ela contribui no s para diminuir o sofrimento, mas possibilita burlar aorganizao rgida do trabalho, apontando que ela ineficiente e que otrabalhador tem capacidade de criao, possibilitando a este a diminuio doseu sofrimento e muitas vezes originando prazer. Para que a intelignciaastuciosa se manifeste, solicita alm de condies psicolgicas, condiessociais: ela necessita da validao social para se tornar eficaz socialmente.

    Constata-se, ento, que o distanciamento entre a organizao prescrita ea organizao real do trabalho, que amplamente discutida pela ergonomia, seconforma num espao que mobiliza a inteligncia astuciosa e que ganharelevncia na Psicopatologia do Trabalho. Para que este espao seja utilizado, preciso que a hierarquia das empresas o reconhea, possibilitando que ostrabalhadores possam nele atuar, reconhecendo assim, a importncia dainteligncia astuciosa e rompendo com a diviso taylorista do trabalho. Cria-seento um espao de debate entre a direo e a base, constituindo um espao pblico interno (Dejours,1992).

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    5/14

    A pesquisa em psicopatologia informa que o espao da palavra fundamental para se discutir o conhecimento sobre o trabalho real que estavaocultado pelo sofrimento e pelas defesas elaboradas para suportar o mesmo.

    A partir das consideraes sobre as estratgias ou ideologiasdefensivas e as regras de ofcio, a Psicopatologia do Trabalho, redefine anoo de sofrimento. O sofrimento mental apresentado numa perspectivadinmica e pode tanto beneficiar a sade como conduzir morbidade.

    Existem dois tipos de sofrimento de acordo com Dejours &Abdoucheli (1994:137):o sofrimento criador e o patognico. Oltimo aparece quando as margens de liberdade natransformao, gesto e aperfeioamento da organizao dotrabalho j foram utilizadas .

    O sofrimento patognico causado pelas presses da organizao prescrita do trabalho e surge quando as possibilidades de liberdade demudanas na organizao do trabalho j foram utilizadas, ou seja, quandosomente o medo, presses, existem nesta organizao. Quando todos osrecursos defensivos forem utilizados, comea a aparecer a destruio doaparelho mental e o equilbrio psquico do sujeito, levando-o a umadescompensao ou doena (Dejours & Abdoucheli,1994).

    Para a Psicopatologia do Trabalho, o desafio na prtica consiste namodificao do destino do sofrimento, para que possa ser transformado. Aquesto encontra-se em transformar este sofrimento em criatividade, poisassim possibilita ao trabalhador a realizao de sua identidade. O sofrimentocriativo, aumenta no trabalho a resistncia desestabilizao psquica esomatizao. O trabalho pode ser considerado como um mediador da sade.Contudo se a organizao do trabalho estiver impregnada de situaes que proporcionam o sofrimento patognico, o trabalho vai atuar como umdesestabilizador da sade.

    Diante destes apontamentos, Seligmann-Silva (1994), observa que anova Psicopatologia do Trabalho, mais do que um estudo direcionado para aidentificao de doenas mentais do trabalho, apresenta uma preocupaocom a dinmica mais abrangente, em relao ao surgimento e stransformaes do sofrimento mental vinculadas organizao do trabalho. Odesafio que a Psicodinmica do Trabalho se prope a superao dodistanciamento entre a organizao prescrita e a organizao real do trabalho,considerando todos perigos que tal situao representa para a sade dossujeitos, assim como para a segurana e a qualidade do que produzido.

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    6/14

    Nestes termos, a ergonomia enquanto um campo de estudos que buscaentender o homem em atividade no trabalho, procurando conhecer empiricamente a dinmica da atividade, poder contribuir efetivamente parareduzir a defasagem entre a organizao prescrita e a organizao real dotrabalho.

    1.3 - A CONTRIBUIO DA ERGONOMIA

    As LER/DORT se apresenta na maioria da vezes como uma doenainvisvel. Com exceo dos casos em que h presena de edema na regioafetada, seu diagnstico carece de objetividade. Essa ausncia de sinaisvisveis pode acarretar diagnsticos tardios, onde as conseqncias geralmenteso irreversveis.

    A viso difundida pela medicina do trabalho, onde a sade atingida

    em situaes extremas e a relao causa e efeito evidente, leva a ocultar processos de adoecimento, tendo em vista que os aspectos referentes organizao e condies de trabalho deixam de serem abordados, como:...acombinao sinrgica dos riscos; as situaes crnicas de desgaste, que

    flutuam na tnue linha que divide oficialmente o patolgico do no patolgico; e os componentes mentais e afetivos (Brito e Firpo 1991: 8) . Neste sentido as LER/DORT que nas fases iniciais no manifestam sinaisvisveis, podem no ser diagnosticadas, na abordagem da medicina dotrabalho.

    Brito e Firpo (1991) prope para a superao destes limites, a utilizaoda Ergonomia Situada e o conceito de carga de trabalho, como elementos quecontribuem para dar visibilidade aos riscos ocultos.

    Apesar de no ser nosso objetivo aprofundar os aspectos terico-metodolgicos da ergonomia, necessrio tecer algumas consideraes. Aergonomia se configura como uma rea interdisciplinar, abrangendo umcampo formado pelas cincias que estudam o homem e o mundo do trabalho. Nestes termos, encontramos neste campo conhecimentos provenientes da psicologia, fisiologia, ecologia humana, antropologia, engenharia, sociologiaque se articulam.

    A Ergonomia enquanto disciplina cientfica possui como objetode conhecimento o funcionamento do homem em atividade detrabalho, e esta a sua especificidade terica. Seus objetivos soconhecer o trabalho, do ponto de vista da atividade de trabalho

    para transform-lo, intervindo em situaes de trabalho.(Echternacht,1998: 28)

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    7/14

    A ergonomia tal como ela praticada hoje no mundo, diferencia-se a partir de duas principais correntes e respectivas abordagens: a anglosaxnica ea francofnica. Uma de carter acentuadamente experimental, voltada para aeficincia da relao homem-mquina, atravs da incorporao deconhecimentos sobre o ser humano, esta corrente mais disseminada nosEstados Unidos e pases de lngua anglosaxnica, sendo tambm conhecidacomo Human Factors ou Human Engineering. Uma outra corrente bastante conhecida na Europa, especialmente na Frana, considerada comoErgonomia Situada, rompe com a abordagem experimental em ergonomia.

    A interveno da Ergonomia Situada, de linhagem francofnica, estcalcada na anlise das situaes reais de trabalho e no simuladas, conformeacontece no experimentalismo e que impossibilita aos ergonomistas umcontato mais direto com a realidade social do trabalho.

    Segundo Daniellou, 1986a apud Telles (1998:11):A Ergonomia estuda a atividade de trabalho afim de contribuir

    para a concepo de meios de trabalho adaptado scaractersticas fisiolgicas e psicolgicas do ser humano. Elaest portanto ancorada nas cincias da natureza, que revelam

    propriedades prprias do ser humano. Ela produz seus prpriosresultados sobre as condies de funcionamento do homem em

    situao de atividade profissional. Ela est enfim voltada paraaconcepo de meios de trabalho, afim de que esta considere ascaractersticas humanas e a atividade real dos trabalhadores.

    A Ergonomia Situada se prope a desenvolver a anlise da atividade detrabalho, o que realmente realizado pelo trabalhador na situao de trabalho,ou seja, a anlise dos comportamentos ou das condutas, dos processoscognitivos e das interaes empregadas pelos trabalhadores, em umaabordagem mais global que envolve a anlise de fatores econmicos, tcnicose sociais do funcionamento da empresa e da populao trabalhadora.

    Um dos principais motivos dos estudos em ergonomia diminuir acarga de trabalho a que os trabalhadores esto submetidos. Deste modo, anoo de carga de trabalho importante nos estudos ergonmicos. Apesar deser bastante utilizado por esta abordagem, muitas crticas lhe so atribudas,assim como novas tentativas de melhorar sua explicitao conceitual.

    Vrios autores definem a noo de carga de acordo com sua abordagemterica. No entanto, dois termos definidos pela escola francesa de ergonomiaso importantes para a compreenso da carga de trabalho: contrainte e

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    8/14

    astreinte . O primeiro, est relacionado aos fatores objetivos das situaes detrabalho e o segundo, vivncia subjetiva dos trabalhadores diante daorganizao do trabalho (Telles,1998).

    Veremos agora algumas definies da noo em tela. No mbito daergonomia podemos citar a definio de Vidal et al., 1990 apud Telles(1998:15):

    o conceito de carga de trabalho exprime, do ponto de vistahumano, o esforo mobilizado pelo indivduo na sua atividade detrabalho, ou seja, a demanda interna de energia humananecessria para a execuo da tarefa (...) a carga de trabalhoexprime tambm tudo aquilo que pesa sobre o trabalhador naconsecuo das tarefas que lhe so atribudas: todos os fatoresexternos ao trabalhador que definem a situao, assim como as

    exigncias da tarefa .Segundo Wisner (1994) a carga de trabalho compe-se das dimenses

    fsica, cognitiva e psquica que esto inter-relacionadas e so bastantesfreqentes e precisam ser incorporadas na anlise da atividade de trabalho.

    De acordo com o enfoque epidemiolgico, segundo Telles (1998:15)as cargas de trabalho so vistas ento como exigncias ou demandas

    psicobiolgicas do processo de trabalho, que geram com o tempo desgastes particulares no trabalhador . Laurell e Noriega (1989), como vimosanteriormente, definem as cargas de acordo com a sua materialidade emrelao ao corpo do trabalhador. As cargas de materialidade externas ao corpohumano so agrupadas em: fsicas, qumicas, orgnicas e mecnicas; enquantoque as internas ao corpo do trabalhador so as fisiolgicas e psquicas.

    Nesta mesma perspectiva, no campo da Sade do Trabalhador, Brito&Firpo (1991: 9-10) considera que:

    ...vem-se incorporando paulatinamente o conceito de carga detrabalho, oriunda principalmente da ergonomia francesa oucontempornea. Este conceito busca sintetizar a idia de que , ao

    nvel dos processos de trabalho, a sade dos trabalhadores umaconseqncia da relao complexa e dinmica entre otrabalhador e a sua atividade de trabalho. Ao realizar umaatividade especfica o trabalhador enfrenta uma srie dedificuldades , gerando processos de adaptao que setraduziriam em desgaste.

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    9/14

    Diante destas assertivas, cabe pensar que a carga de trabalho, tem a ver com a dinmica do processo de trabalho no qual o trabalhador, em face dasexigncias da produo, elabora modos operatrios para realiz-la, com omenor prejuzo possvel para sua sade. A carga de trabalho diminui ou eleva-se de acordo com a margem de manobra encontrada pelo trabalhador paraelaborar modos operatrios para alcanar os objetivos da produo. Assim, oimportante a explicitao das atividades dos trabalhadores nas situaes detrabalho.

    Neste contexto, objetivando conhecer empiricamente a organizaodinmica da atividade, a variabilidade da situao e assim descrever o modooperatrio dos trabalhadores, a Ergonomia Situada utiliza a metodologia daAnlise Ergonmica do Trabalho-AET, cujo principal objetivo oconhecimento da atividade em situao de trabalho, para a compreenso dasdeterminaes e suas repercusses, visando a transformao das situaes de

    trabalho, para a melhoria da relao sade-trabalho.Entende-se, ento que para o conhecimento da atividade em situao detrabalho, com suas variabilidades, cargas, entre outros aspectos presentes nadinmica do processo, fundamental compreender a organizao do trabalho.

    A organizao real e prescrita do trabalho

    A diviso do trabalho separa de forma radical a concepo da execuo.A partir desta concepo de trabalho e dos meios de produo, surge otrabalho prescrito, ou seja, a prescrio literal da maneira como o trabalhodeve ser executado: a forma de utilizao das mquinas, os instrumentos detrabalho, o tempo e espao para a realizao de cada operao, enfim, osmodos operatrios. Porm, o trabalho prescrito no corresponde ao real, que o efetivamente realizado pelo trabalhador por diversas questes (Daniellou etal,1989).

    Para compreender o trabalho, Daniellou utilizou o conceito de modooperatrio, que na verdade o observvel num mtodo de trabalho, so todosos gestos realizados em determinado tempo e espao.

    A partir do surgimento do Taylorismo ocorre uma reduo da tarefa,limitando o trabalhador realizao do modo operatrio exclusivamente,eliminando sua capacidade de reflexo sobre o trabalho que desenvolve, suacapacidade cognitiva. Desta forma, o Taylorismo exacerbou o trabalho prescrito em detrimento do trabalho real. Tudo se torna pr-determinado e aatividade humana de produo se resume realizao de gestos. Surge a

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    10/14

    questo: como fica a ocorrncia das variabilidades que podem aparecer nodesempenhar das tarefas?

    A variabilidade um conceito fundamental da ergonomia apresenta-senas situaes de trabalho, de duas formas: variabilidades das condies de produo e variabilidades humanas. A primeira se constitui dasindeterminaes que ocorrem no espao, ambiente de trabalho. A segundarefere-se susceptibilidade das dinmicas inter (diferenas entretrabalhadores) e intra individual (variao interna de cada trabalhador). Juntocom este conceito, importante ressaltar os de regulao e modo operatrio(Telles, 1998).

    Neste sentido, para dar conta das variabilidades no trabalho entra emcena a atividade de regulao, que muito mais do que simplesmente fazer a produo acontecer. A regulao a gesto das variabilidades; dessa forma, oseu exerccio desemboca na alterao dos modos operatrios, o modo de fazer

    o trabalho, visando preservar as normas de segurana na consecuo doobjetivo final do trabalho. Na atividade de regulao os trabalhadores produzem modos operatrios que preservam sua sade.

    Assim sendo, importante considerar na estruturao das tarefas asvariabilidades, para que estas no se constituam em impecilhos nodesenvolvimento do trabalho, e inclusive, gerando sofrimentos no trabalhadorquando no so previstas. Ao mesmo tempo que possibilite a este trabalhadorcondies de se adaptar quando d existncia de outras variabilidades.

    Desta forma complementa Dejours (1999: 30): na verdade, sejam quais forem as qualidades da organizaodo trabalho e da concepo, impossvel, nas situaes comunsde trabalho, cumprir os objetivos da tarefa respeitandoescrupulosamente as prescries, as instrues e os

    procedimentos...

    Diante das questes apontadas, pode-se inferir, que a Psicopatologia doTrabalho e a ergonomia, so reas de conhecimento que apresentam um papelrelevante no estudo do processo sade-doena, ao explicitar que sobretudona organizao do trabalho, nas situaes reais de trabalho, que se encontramas condies potencializadoras para o adoecimento dos trabalhadores.

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    11/14

    2-REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AGUIAR, M.C.F., 1998.O Trabalhador sem seu trabalho: um estudo sobre a identidadede bancrios afastados do trabalho por leses por esforo repetitivo. Vitria:

    DPSO/UFES.ANTUNES, R., 1995. Fordismo, Toyotismo e Acumulao Flexvel. In:Adeus ao

    Trabalho? So Paulo. Universidade Estadual de Campinas.

    ARAJO, A. V. e NUNES, R. B., [199--].Contribuio da psicologia: relato de umaexperincia com grupos de portadores de LER. cap.16, p. 319-340.

    ARAJO, J. et al, 1997.LER : dimenses ergonmicas e psicossociais, Belo Horizonte:HEALTH.

    ASSUNO, A. A. e ROCHA L. E., 1994. Agora... at namorar fica difcil: uma histride leses por esforos repetitivos. In: BUSCHINELLI, T. et al.Isto trabalho degente? vida, doena e trabalho no Brasil. Petrpolis: Vozes, p.461-493.

    , 1999.Os Sentidos do Trabalho. Ensaio sobre afirmao e a negao dotrabalho. So Paulo: Boitempo.

    BECKER, H., 1999.Mtodos de pesquisa em cincias sociais. So Paulo: HUCITEC.

    BORGES, L. H.,1999.Sociabilidade, sofrimento psquico e leses por esforo repetitivoem processos de trabalho repetitivo: Estudo de Caixas Bancrios. Tese deDoutorado. Rio de Janeiro: IPUB/UFRJ.

    BOURGUIGNON, D. R. et al, 1998. Implantao de um Centro de Referncia emSade do Trabalhador.Cadernos de Pesquisa da UFES. Vitria/ES, n.7, p.139

    - 145.

    , 1998. Norma Tcnica sobre distrbios osteomusculares relacionados aTrabalho - DORT.Dirio Oficial [da] Repblica Federativa do Brasil, PoderExecutivo, Braslia, DF, 19 ago. Seo 1.

    , 2000. Ministrio da Sade.Protocolo de investigao, diagnstico,tratamento e preveno das leses por esforos repetitivos: LER/DORT distrbiososteomusculares relacionados ao trabalho. Braslia: Ministrio da Sade.

    BRITO, J.C. e PORTO, M.F.S., 1991.Processo de trabalho riscos e cargas Sade.Rio de Janeiro: CESTEH/ ENSP/ FIOCRUZ. Mimeo.

    BRITO, J. C. de, e OLIVEIRA, S., 1997. Diviso sexual do trabalho e desigualdadenos espaos de trabalho. In: : FILHO, F.S. e JARDIM, S. [orgs]A danao do

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    12/14

    trabalho: Organizao do trabalho e sofrimento psquico. Rio de Janeiro: Te Cor, p.245-262.

    CANGUILHEN, G., 2000.O normal e o patolgico.Rio de Janeiro: ForenseUniversitria.

    CAPONI, S., 1997. Georges Canguilhen y el estuto epstemolgico del concepto de saludHistria, cincias, sade. [s.l.]: v.5, n.2, p.287 307, jul./out.

    CRU, D., 1987.As regras do ofcio. Paris: AOCIP, Trad. Mimeo.

    DANIELLOU, F. et al, 1989. Fixao e realidade do trabalho. In:Revista brasileira desade ocupacional, n.68 v.17: 7-13.

    DEJOURS, C., 1986. Por um novo conceito de sade. In:Revista brasileira de sadeocupacional. N.54, v.(14):7-11.

    , 1988.A Loucura do Trabalho: Estudo de psicopatologia do trabalho. SoPaulo: Cortez-Obor.

    , 1992. Uma nova viso do sofrimento humano nas organizaes. In:Oindivduo na organizao: Dimenses esquecidas. So Paulo: Atlas.

    , 1994.Psicodinmica do Trabalho. So Paulo: Atlas.

    , 1999.A banalizao da injustia social. Rio de Janeiro: FundaoGetlio Vargas.

    , e ABDOUCHELI, E., 1994. Itinerrio terico em psicopatologia dtrabalho. In DEJOURS, C.Psicodinmica do trabalho. So Paulo, Atlas, p.119-143.

    ECHTERNACHT, E. H. de O., 1998.A produo social das Leses por EsforoRepetitivo no atual contexto da reestruturao produtiva. Tese de Doutorado.COOPE/UFRJ.

    FILHO, F.S. (org) e JARDIM S. (org), 1997.A danao do trabalho. Te Cor. Rio deJaneiro.

    FIALHO, F. e SANTOS, N. dos, 1997.Manual de anlise ergonmica do trabalho. 3ed. Curitiba: Gneses.

    FLEURY, A. C. e VARGAS, N., 1983. Aspectos Conceituais da Organizao do trabalhoA Obra de Taylor e a Administrao Cientfica do Trabalho e a Obra de Ford e a linhade Montagem. In:A Organizao do Trabalho. So Paulo: Atlas.

    HARVEY, D., 1994. Do Fordismo Acumulao Flexvel. In:Condio Ps Moderna.So Paulo: Loyola.

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    13/14

    LAURELL, A.C. e NORIEGA, M., 1989. Para o Estudo da Sade na sua relao com processo de trabalho. In:Processo de Produo e Sade. Trabalho e DesgasteOperrio. So Paulo: HUCITEC.

    LIMA, M.E.A. (org) et al, 1997.LER : Dimenses ergonmicas e psicossociais. BeloHorizonte: HEALTH.

    MARX, K., 1983. Introduo Crtica da Economia Poltica. In:Contribuio Crticada Economia Poltica. So Paulo: Martins Fontes.

    MATTOS, U.A. de O. et al, 1996. Novas tecnologias, organizao do trabalho e seusimpactos na sade e no meio ambiente. In: CUT [Central nica dos Trabalhadores]Sade, meio ambiente e condies de trabalho: Contedos bsicos para uma aosindical. So Paulo: CUT.

    NORIEGA, M., 1993. Organizacin Laboral, Exigencias y Enfermidad. In: LAURELLA.C. (org).Para la Investigacin de la salud de los Trabajadores. Washington,Organizacion Panamericana de la Salud. Srie Paltex.

    RIBEIRO, H.P. (org), 1997a.LER : Conhecimento, prticas e movimentos sociais. [oficinade trabalho]. So Paulo: Faculdade de Sade Pblica/USP.

    , 1997c. Leses por esforos repetitivos (LER): uma doena emblemticaCaderno de Sade Pblica, Rio de Janeiro, n.3, p. 85-93. Suplemento 2.

    , 1999. A violncia oculta do trabalho: As leses por esforos repetitivoRio de Janeiro: FIOCRUZ.

    SELIGMANN- SILVA, E., 1994. Da psicopatologia psicodinmica do trabalho: marcosde um percurso. In: DEJOURS, C.Psicodinmica do Trabalho. So Paulo: Alas. p.13-19.

    , 1995. Psicopatologia e psicodinmica no trabalho. In: MENDES, R.(orgPatologia do trabalho. Rio de Janeiro: Atheneu, p. 287-310.

    TELLES, A.L.C., 1998.Histrico, conceitos e metodologias da ergonomia. Rio deJaneiro COOPE/UFRJ. Mimeo.

    WISNER, M., 1994.A inteligncia no trabalho: textos selecionados de ergonomia. SoPaulo: FUNDACENTRO.

  • 8/3/2019 A Contribuicao Da Psicopatologia Do Trabalho Da Ergonomia

    14/14