a contribuição da física para um novo ensino médio

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  • 5/24/2018 A Contribui o Da F sica Para Um Novo Ensino M dio

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    Os ltimos anos tm sido marcados por mudanassignificativas no discurso sobre a educao, oensino, e, particularmente, sobre o Ensino Mdio.

    Nas propostas educacionais, est sendo at mesmointroduzido um novo vocabulrio, que inclui palavrascomo contextualizao, interdisciplinaridade, competnciase habilidades, apenas para exemplificar algumas, cujossignificados vm pouco a pouco se tornando mais claros,no seu sentido amplo, mas continuam sendo difceis deserem traduzidos em sala de aula.

    E nem poderia ser diferente. fcil falar, mas difcilfazer. A escola real muito mais complexa do que os ins-trumentos disponveis para descrev-la ou analis-la. Mais

    do que isso, propostas, como resultado de prticas ereflexes, apenas sinalizam possveis caminhos e nopodem (nem deveriam) dar conta de propor receitas demudanas. Em tempos de mudana, a situao parti-cularmente estressante, pois preciso encontrar opesnovas, modificar hbitos, romper com rotinas, quasesempre sem a certeza nem a segurana das vantagens edesvantagens dos esforos desenvolvidos.

    A implantao das novas diretrizes que esto sendopropostas, ou seja, sua traduo em prticas escolaresconcretas, no ocorrer por decreto nem de forma direta.Depende, ao contrrio, do trabalho de incontveis

    professores, em suas salas de aula, nas mais diversas rea-lidades. Depende, tambm, de um processo contnuo dediscusso, investigao e atuao, necessariamente per-meado do dilogo constante entre todos os envolvidos.Um processo lento, com idas e vindas, atravs do qualespera-se que possam ser identificadas as vrias dimen-ses dos problemas a serem enfrentados e ir introduzindoa correo de rumos necessria. Um processo de construocoletiva.

    Maria Regina Dubeux KawamuraeYassuko HosoumeInstituto de FsicaUniversidade de So Paulo

    Este artigo apresenta, de forma resumida, asOrientaes Educacionais Complementares aos

    Parmetros Curriculares Nacionais (PCN+), quebuscam complementar as idias apresentadasna proposta original dosParmetros Curriculares

    Nacionais para o Ensino Mdio, publicados em1999. As autoras participaram da equipe queelaborou ambos os projetos (publicado origi-nalmente na Fsica na Escola v. 4, n. 2, p. 22-27 (2003)).

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    As mudanas em educaoesto sendo acompanhadaspor um novo vocabulrio,

    que inclui conceitos comocontextualizao,

    interdisciplinaridade,competncias e habilidades

    Assim, o novo Ensino Mdio uma proposta ainda em aberto, que inclui a compreenso de todaa educao bsica como um percurso sem rupturas, onde os valores, atitudes e competncias possamser continuamente promovidos, respeitadas as especificidades de cada etapa, e consolidados emnveis progressivos de profundidade e autonomia.

    No final de 2002, foram publicados os PCNs+ (MEC/SEMTEC, 2002 disponvel em www.sbfisica.org.br), dirigidos aos professores, onde se busca aprofundar, atravs de exemplos e estratgias detrabalho, a proposta inicial que foi apresentada nos Parmetros Curriculares para o Ensino Mdio(PCNEM), (MEC/SEMTEC, 1998). Foi o resultado de um trabalho longo, envolvendo professores das

    diferentes disciplinas da rea de Cincias e Matemtica, buscandoinvestigar e explicitar os vnculos e semelhanas entre os pro-cessos de ensino e aprendizagem a serem desenvolvidos em todasas disciplinas da rea (Fsica, Qumica, Biologia e Matemtica).Esse texto trata da organizao do trabalho escolar, discutindo as

    competncias em Fsica e de como elas se articulam com osdiferentes contedos, de forma a estruturar o conhecimento e osobjetivos formativos. Aponta, ainda, algumas sugestes deestratgias para o trabalho cotidiano. Mas no pretende trazersolues, pois essas, como sinalizamos, devem necessariamente

    ser construdas dentro de cada realidade escolar.Retomamos, aqui, algumas das propostas apresentadas, exemplificando-as, para estimular o

    debate e para explicitar a necessidade de construir espaos de propostas e construo articulados,tornando mais coletivo o trabalho de ensinar. Essa uma condio indispensvel, ainda que nosuficiente, para um novo ensino e uma nova escola.

    Os novos rumos

    Do ponto de vista oficial, as idias educacionais que vinham sendo gestadas e discutidas nasdcadas anteriores foram explicitadas, pela primeira vez, em um documento legal, na Lei de Diretrizese Bases para o Ensino (MEC, LDB 1996).

    Dentre as sinalizaes mais expressivas, introduzidas nessa proposta, est a mudana quanto aocarter do Ensino Mdio. Durante muitos anos esse perodo da escolaridade vinha sendo consideradouma preparao para o ensino universitrio, tendo como objetivo ltimo o sucesso no vestibular.Essa proposta era coerente com uma educao mdia restrita a apenas uma pequena parcela dapopulao e com o ensino universitrio como um caminho natural para os concluintes do EnsinoMdio. No entanto, os tempos mudaram: a escolaridade mdia vem sendo bastante ampliada, assimcomo tambm o espao de atuao social dos egressos da escola mdia, que no necessariamentebuscam o ensino superior.

    O objetivo da escola mdia deve, assim, estar voltado para a formao de jovens, independentede sua escolaridade futura. Jovens que adquiram instrumentos para a vida, para raciocinar, paracompreender as causas e razes das coisas, para exercer seus direitos, para cuidar de sua sade,para participar das discusses em que esto envolvidos seus destinos, para atuar, para transformar,enfim, para realizar-se, para viver. Essa , portanto, nossa compreenso do que seja uma educaopara a cidadania e sobre do objetivo do ensino.

    E como isso se reflete no ensino de Fsica?Um primeiro aspecto importante pela prpria necessidade de explicitar e discutir objetivos.

    No que antes eles no estivessem presentes, mas, apenas, no eram to discutidos. Ensinar Fsicasignificava fazer compreender aos alunos uma srie de conhecimentos, ainda que de forma

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    O objetivo da escola mdiadeve, nos dias de hoje, estarvoltado para a formao de

    jovens, independente de suaescolaridade futura

    resumida, que seriam mais tarde retomados de forma mais completa na continuao de seusestudos. O conjunto desses conhecimentos estava pr-determinado nos livros didticos e no coletivodas pessoas, de uma forma to completa que parecia no haver espao para outras escolhas:cinemtica, dinmica, esttica, eletrosttica etc. Essa era a Fsica. No entanto, fixar objetivosimplica definir estratgias para alcan-los e selecionar contedos. Contedos propostos, comoveremos, no em funo da lgica da Fsica, mas em decorrncia da proposta de educao e da lgicado ensino. A educao vem, ainda que muito vagarosamente, voltando a ocupar seu espao, poiseducar mais do que ensinar conhecimentos: promover o desenvolvimento dos jovens, possibilitara construo de uma tica, expor os valores em que acredita-mos e discuti-los.

    Um segundo aspecto da mudana necessria, e fcil de serconstatado ao analisarmos os livros didticos tradicionais, dizrespeito ausncia neles de muitos dos conhecimentos necess-

    rios compreenso do mundo contemporneo. No estopresentes, por exemplo, conhecimentos de Fsica que permitamcompreender as telecomunicaes, internet, telefonia celular, ou acontribuio da Fsica aos desenvolvimentos atuais da rea de diagnstico mdico, ou, ainda a Fsicados fenmenos ambientais. E no se trata somente da ausncia de temas relacionados FsicaModerna, mas tambm de aspectos cotidianos relacionados ao funcionamento dos aparelhos, comogeladeiras, condicionadores de ar, motores etc. Mais do que isso, tambm no so abordados aspectosrelacionados Cosmologia, mesmo reconhecendo que a preocupao com a origem e a evoluo doUniverso seja uma indagao humana constante. Para uma formao mais completa de jovenspreparados para a cidadania, os temas atuais do mundo contemporneo devero necessariamenteestar presentes.

    Finalmente, outro marco importante das mudanas que esto em curso vem da percepo de que

    a educao um processo complexo, que requer muitas aes articuladas. Ou seja, de que no podeser fragmentada e distribuda para que cada professor tome conta apenas do seu espao disciplinar.Em uma escola, os alunos dos diversos professores so os mesmos, com as mesmas necessidades eanseios. Cabe escola no apenas ser o lugar onde cada professor atua, mas transformar-se emespao e agente de definio e articulao do que aprender e ensinar. Cada escola passa a ter auto-nomia para pensar no perfil de seus alunos e em suas necessidades mais significativas, organizan-do-se para atend-las, refletindo e definindo metas, estabelecendo um projeto que possa organizarsua ao pedaggica.

    Nesse sentido, para estabelecer as condies que possam propiciar uma ao mais integrada, foiproposta, tambm, uma organizao do conhecimento por grandes reas, reunindo em cada readiversas disciplinas afins. Ao contrrio do que muitas vezes parece, no se trata de acabar com asdisciplinas e substitu-las por um s professor de rea. Essa seria uma enorme deformao. Trata-se,sim, de estabelecer objetivos e estratgias de ao mais convergentes para um conjunto de disciplinasque tenham caractersticas comuns.

    Assim, foram definidas trs grandes reas de conhecimento [1] , para permitir uma maiorarticulao das competncias e contedos de diferentes disciplinas:

    Linguagens e Cdigos(Portugus, Lngua estrangeira, Artes, Educao Fsica, Informtica edemais formas de expresso).

    Cincias da Natureza e Matemtica(Biologia, Fsica, Qumica e Matemtica).Cincias Humanas(Histria, Geografia e demais reas das Cincias Humanas, como, por

    exemplo, Psicologia, Sociologia e Filosofia).

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    Alm disso, nessa busca por um conhecimento mais integrado, cada rea no pode serconsiderada como um domnio de conhecimento isolado das outras reas. Ainda que a Fsicapertena rea de Cincias da Natureza, seu ensino deve tambm contemplar as dimenses delinguagem e contedo humano-social. Essa uma das faces da interdisciplinaridade desejada.Assim, o trabalho de aprendizagem em cada disciplina deve estar atento ao domnio das outrasdisciplinas e das outras reas. E para dar conta dessa inter-relao, em cada disciplina podem serconsideradas trs dimenses. Uma delas, interna prpria rea, diz respeito investigao ecompreensopropriamente dita dos fenmenos fsicos. A outra, para expressar a relao da Fsicacom a rea de linguagens e cdigos, diz respeito a questes relativas representao e comunicaoem Fsica, ou seja, linguagem especfica da Fsica e s formas de expresso prprias ao seucampo. Finalmente, para estabelecer com mais clareza a relao da Fsica com as CinciasHumanas, h que se considerar a contextualizao scio-cultural dos conhecimentos cientficos,que incluem os aspectos histricos e sociais envolvidos na produo de seu conhecimento e no

    desenvolvimento tecnolgico. So essas trs dimenses, portanto, que possibilitam melhor or-ganizar o trabalho em uma dada disciplina de forma integrada com as demais, que esto repre-sentadas, para o caso da Fsica, na Figura 1.

    De forma sinttica, o que queremos enfatizar que as mudanas dizem respeito a toda aescola de Ensino Mdio e forma de pensar o trabalho de ensinar. No se restringem a repensaro ensino de Fsica, mas busca de uma postura diferente em muitos e diversificados aspectos. AFsica continuar sendo uma disciplina especfica, com presena no currculo. Mas repens-latem de necessariamente extrapolar os limites disciplinares que lhe so prprios. Ou seja, aindaque possamos passar a falar s de Fsica, do que e do como ensin-la, sem a compreenso dessepanorama mais amplo que est sendo proposto, ficar inviabilizada uma mudana significativa.

    Em resumo, o que muda para o ensino de Fsica?

    A Fsica enquanto um corpo de conhecimento estruturado permanece sendo a mesma, comsuas leis e princpios reconhecidos e estabelecidos, ainda que continuamente incorporando novosconhecimentos e estabelecendo novas descobertas. Mas entre a Fsica dos fsicos e a Fsica doEnsino Mdio h certamente um longo percurso. Assim, podem mudar as selees de contedos,as escolhas de temas, as nfases, as formas de trabalhar ou os objetivos formativos propostospara a Fsica a ser trabalhada no Ensino Mdio.

    possvel estabelecer novas escolhas e para isso seria necessrio pensar em quais critriosutilizar. Esses critrios deveriam, entre outras condies, deixar de considerar o que um futuroprofissional vai precisar saber para sua formao universitria, passando a tomar como referncia

    o que precisar saber um jovem para atuar e viversolidariamente em um mundo tecnolgico,complexo e em transformao. Os critrios bsicospassam, ento, a referir-se ao que esse jovem deve

    saber e saber fazer, s competncias em Fsica quedeve ter para lidar com o seu dia-a-dia, suasaspiraes e seu trabalho.

    De forma bastante resumida, poderamos dizer,portanto, que a principal conseqncia das mudan-as propostas que teremos de passar a nos preo-cupar menos com a lista dos tpicos a serem ensi-nados, para passar a concentrar nossa ateno nascompetncias em Fsica que queremos promover.

    Cinciasda Natureza

    e Matemtica

    CinciasHumanas

    Linguagense Cdigos

    Representaoe Comunicao

    ContextualizaoScio-Cultural

    Fsica

    Investigao eCompreenso

    Figura 1Relao da Fsica com as reas de conhecimento

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    Ou seja, privilegiar competncias e habilidades. J que no ser possvel ensinar todaa Fsica,pois isso implicaria uma viso muito superficial e abreviada do conhecimento, mais informativae pouco formativa, teremos de identificar aquelas competncias que caracterizam o saber daFsica e concentrar nossa ateno em desenvolv-las.

    H uma grande discusso na literatura atual sobre o que sejam competncias, o que sejamhabilidades. Talvez no seja necessrio um aprofundamento desses conceitos, mesmo porque socontrovertidos e permitem entendimentos diferentes. Uma opo ao rigor de definies tericasconsiste em, sempre que possvel, fazer uso de exemplos concretos, estabelecendo, atravs daprtica, uma linguagem comum.

    Quais as competncias que a Fsica deve promover? Quais so as caractersticas quereconhecemos como especficas dosaber Fsicae que podem ser consideradas essenciais para umaformao nessa rea? De novo, no h listas confiveis e completas, no h elencos oficiais decompetncias. E certamente no haveria um acordo dentro da prpria comunidade dos fsicos

    quanto a isso. Nenhuma proposta pode ser nica e universal, substituir a percepo e a experinciaprofissional do professor a partir da realidade que vivencia.

    Como exemplo, apresentamos algumas das competncias que consideramos importantespromover, para estimular a discusso e orientar possveis escolhas. Levando em conta as trs dimensesdescritas, organizamos essas competncias em trs conjuntos distintos.

    Onde ficam os contedos bsicos? Podemos abrir mo de alguns deles?O conhecimento acumulado pela humanidade atravs de sua Histria constitui um patrimnio

    precioso e tambm funo da educao dar-lhe continuidade. Em nenhum momento, o que seprope deixarmos de promover a construo do conhecimento em Fsica. Mesmo porque, com-petncias e habilidades somente podem ser desenvolvidas em torno de assuntos e problemasconcretos, que se referem a conhecimentos e temas de estudo. E para enfrentar uma situao-

    problema dentro de uma abordagem fsica necessrio conhecer leis, conceitos e princpios,aprendidos atravs de um processo de construo cuidadoso, com determinadas relaes internasque necessrio identificar e respeitar.

    No entanto, no ser possvel tratar de todaa Fsica no curto intervalo de tempo do EnsinoMdio, especialmente com a nfase no desenvolvimento das competncias de que estamos tratando.Por outro lado, h certos assuntos ou tpicos com maior potencial que outros para os objetivospretendidos, o que impe escolhas criteriosas. Essas escolhas dependem, novamente, de cadarealidade escolar, e os critrios para estabelec-las devem levar em conta os processos e fenmenosfsicos de maior relevncia no mundo contemporneo, alm de procurar cobrir diferentes camposde fenmenos e diferentes formas de abordagem, privilegiando as caractersticas mais essenciaisque do consistncia ao saber da Fsica e permitem um olhar investigativo sobre o mundo real.

    O tratamento de diferentes campos de fenmenos implica preservar, at certo ponto, a divisodo conhecimento em reas da Fsica tradicionalmente trabalhadas, como Mecnica, Termologia,tica e Eletromagnetismo, no s pela unidade conceitual que esses campos estabelecem, mastambm por permitir uma transcrio da proposta nova em termos da compartimentalizaoanteriormente adotada, reconhecendo-a para super-la.

    No entanto, essencial que se faa uma releitura dessas reas, para que a definio dos temasprivilegie os objetos de estudo, explicitando, desde o incio, os objetivos estabelecidos.

    Apresentamos, no quadro da pgina anterior, uma proposta de temas estruturadores. Essestemas apresentam uma das possveis formas para a organizao das atividades escolares, explici-tando para os jovens os elementos de seu mundo vivencial que se desejam considerar. No se

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    Desenvolver a capacidade de investigao fsica: observar, classificar, organizar,sistematizar. Estimar ordens de grandeza. Compreender o conceito de medir. Fazerhipteses, testar. Conhecer e utilizar conceitos fsicos. Reconhecer a relao entre diferentesgrandezas ou relaes de causa e efeito, como meios para estabelecer previses.Compreender e utilizar leis e teorias Fsicas. Identificar regularidades, reconhecer a existncia de transformaes econservaes, assim como de invariantes. Saber utilizar princpios bsicos deconservao. Reconhecer, utilizar, interpretar e propor modelos explicativos ou representativospara fenmenos ou sistemas naturais e tecnolgicos. Diante de situaes fsicas, identificar parmetros relevantes, quantificar

    grandezas e relacion-las. Investigar situaes problemas: identificar a situaofsica, utilizar modelos, generalizar de uma a outra situao, prever, avaliar,analisar previses.Articular o conhecimento fsico com conhecimentos de outras reas do sabercientfico.

    Compreender enunciados que envolvam cdigos, smbolos e a nomenclaturade grandezas fsicas, como por exemplo aqueles presentes em embalagens, manuaisde instalao e utilizao de equipamentos ou artigos de jornais. Ler e interpretar tabelas, grficos, esquemas e diagramas. Compreender quetabelas, grficos e expresses matemticas constituem-se em diferentes formasde representao de relaes fsicas, com especificidades. Ser capaz de diferenciare traduzir entre si as linguagens matemtica, discursiva e grfica para a expressodo saber fsico.

    Expressar-se corretamente utilizando a linguagem fsica adequada e elementosde sua representao simblica. Apresentar de forma clara e objetiva oconhecimento apreendido, atravs de tal linguagem. Conhecer fontes de informaes e formas de obter informaes relevantes,sabendo interpretar e criticar notcias cientficas veiculadas nas vrias mdias.

    Compreender a construo do conhecimento fsico como um processo histrico,em estreita relao com as condies sociais, polticas e econmicas de umadeterminada poca. Compreender a Fsica como parte integrante da cultura contempornea,identificando sua presena em diferentes mbitos e setores. Reconhecer o papel da Fsica no sistema produtivo, compreendendo a evoluodos meios tecnolgicos e sua relao dinmica com a evoluo do conhecimentocientfico.

    Dimensionar a capacidade crescente do homem, propiciada pela tecnologia, emtermos de possibilidades de deslocamentos, velocidades, capacidade para armazenarinformaes, produzir energia etc., assim como o impacto da ao humana,fruto dos avanos tecnolgicos, sobre o meio em transformao. Reconhecer e avaliar o carter tico do conhecimento cientfico e tecnolgico eutilizar esses conhecimentos para o exerccio da cidadania. Ser capaz de emitirjuzos de valor em relao a situaes sociais que envolvam aspectos fsicos e outecnolgicos relevantes (uso de energia, impactos ambientais, uso de tecnologiasespecficas etc.).

    Investigao ecompreensoem Fsica

    Representao ecomunicaoem Fsica

    Contextualizaoscio-culturalda Fsica

    Exemplos de habilidades e competncias

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    Temas estruturadores: Uma propostaMovimentos: variaes e conservaes

    A rea tradicionalmente associada Mecnica pode corresponder s competncias que permitem,por exemplo, lidar com a observao e classificao dos movimentos de coisas que observamos,identificando seus motores ou suas causas, sejam carros, avies, animais, objetos que caem, ouat mesmo as guas do rio ou o movimento do ar. Nessa abordagem, a Mecnica permite desenvolvercompetncias para lidar com aspectos prticos, concretos e macroscpicos, ao mesmo tempo quepropicia a compreenso de leis e regularidade, expressos nos princpios de conservao. Pode propiciar,tambm, elementos para que os jovens tomem conscincia da evoluo tecnolgica relacionada sformas e velocidade do transporte ou do aumento da capacidade produtiva do ser humano.

    Calor, ambiente e usos de energiaO estudo do calor e de fenmenos trmicos ser importante para desenvolver competnciasque permitam lidar com fontes de energia, processos e propriedades trmicas de diferentes materiais,permitindo escolher aqueles mais adequados a cada tarefa. Podero ser promovidas, tambm,competncias para compreender e lidar com as variaes climticas e ambientais ou, da mesmaforma, com os aparatos tecnolgicos que envolvem o controle do calor em ambientes.Acompanhando a evoluo do trabalho humano ao longo da histria, haver que saber reconhecera utilizao do calor para benefcio do homem, em mquinas a vapor ou termeltricas, ou o calorcomo forma de dissipao de energia, impondo limites s transformaes de energia e restringindoo sentido do fluxo de calor. Nesse contexto, ser ainda indispensvel aprofundar a questo daproduo e utilizao de diferentes formas de energia em nossa sociedade, adquirindo ascompetncias necessrias para a anlise dos problemas relacionados aos recursos e fontes de energia

    no mundo contemporneo, desde o consumo domstico ao quadro de produo e utilizaonacional, avaliando necessidades e impactos ambientais.

    Som, imagem e informao

    A tica e o estudo de ondas mecnicas podem se tornar o espao adequado para discutir aimagem e o som como formas de transmisso de informao, analisando os fenmenos e processosde formao de imagens e de produo de sons, mas tambm os processos de codificao, registroe transmisso de informaes atravs do som e da imagem. O estudo do som pode ainda permitir

    trata, certamente, da nica releitura e organizao dos contedos da Fsica em termos dos obje-tivos desejados, mas serve, sobretudo, para exemplificar, de forma concreta, as possibilidades e os

    caminhos para o desenvolvimento das competncias e habilidades em Fsica. Exemplificam tambmcomo reorganizar as reas tradicionalmente trabalhadas, como a Mecnica, Termologia, Eletromag-netismo e Fsica Moderna, de forma a atribuir-lhes novos sentidos.

    Cada um desses temas, contudo, no pode ser compreendido como um tema isolado, j que hinmeras sobreposies e inter-relaes entre os objetos que se pretende estudar. Com certeza, elessomente completam seu sentido atravs de suas intersees e de suas relaes com outras reas doconhecimento.

    Da mesma forma, dentro de cada tema, haver que realizar novas escolhas sobre como e oqu trabalhar, que aspectos e fenmenos privilegiar. Para organizar o trabalho dentro de cada

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    uma interface importante com as artes, a msica em particular, ou ainda, o reconhecimento dosvrios instrumentos associados a diferentes culturas. Nessa releitura, o tema imagem e somredireciona o estudo da tica e das ondas mecnicas, colocando em destaque as competncias paraa compreenso do mundo da informao que se deseja privilegiar.

    Equipamentos eltricos e telecomunicaes

    O desenvolvimento dos fenmenos eltricos e magnticos, por exemplo, pode ser dirigidopara a compreenso dos equipamentos eltricos que povoam nosso cotidiano, desde aqueles deuso domstico aos geradores e motores de uso industrial, provendo competncias para utiliz-los, dimension-los ou analisar condies de sua utilizao. Ao mesmo tempo, esses mesmosfenmenos podem explicar os processos de transmisso de informaes, desenvolvendocompetncias para lidar com as questes relacionadas s telecomunicaes. Dessa forma, o sentidopara o estudo da eletricidade e do eletromagnetismo pode ser organizado em torno desses aspectos

    mais presentes no mundo vivencial.

    Matria e radiao

    Alguns aspectos da chamada Fsica Moderna sero indispensveis para permitir aos jovensadquirir uma compreenso mais abrangente sobre como se constitui a matria, de forma a quetenham contato com diferentes e novos materiais, cristais lquidos e laserspresentes nos utensliostecnolgicos, ou com o desenvolvimento da eletrnica, dos circuitos integrados e dosmicroprocessadores. A compreenso dos modelos para a constituio da matria deve, ainda,incluir as interaes no ncleo dos tomos e os modelos que a cincia hoje prope para ummundo povoado de partculas. Mas ser tambm indispensvel ir mais alm, aprendendo aidentificar, lidar e reconhecer as radiaes e seus diferentes usos. Ou seja, o estudo da matria eradiao indica um tema capaz de organizar as competncias relacionadas compreenso do

    mundo material microscpico.Universo, terra e vida

    Finalmente, ser indispensvel uma compreenso de natureza cosmolgica, permitindo aojovem refletir sobre sua presena e seu lugar na histria do universo, tanto no tempo como noespao, do ponto de vista da cincia. Espera-se que ele, ao final da educao bsica, adquira umacompreenso atualizada das hipteses, modelos e formas de investigao sobre a origem e evoluodo Universo em que vive, com que sonha e que pretende transformar.

    tema, as atividades planejadas podem ser sistematizadas em trs ou quatro unidades temticas,cuja delimitao e seqncia favoream o objetivo desejado. Essa estruturao pode contribuir

    para evitar que as limitaes de tempo ou outras dificuldades acabem por restringir o mbito e osentido, em termos de compreenso de mundo, que se venha a atribuir a cada tema estudado.Uma proposta mais detalhada de possibilidades em relao s unidades temticas pode ser encon-trada nos PCNs+, onde realizada uma tentativa de exemplificar as possibilidades de relao entretemas e competncias.

    Estratgias para o ensino de FsicaA discusso sobre as competncias e os conhecimentos a serem promovidos no pode ocorrer

    dissociada da discusso sobre as estratgias de ensino e aprendizagem a serem utilizadas em sala de

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    Nota[1] Artigo 10 da Resoluo n 3, CEB/CNE, jun. 1998.

    aula, na medida em que so essas mesmas estratgias que expressam, de forma bem mais concreta,o que se deseja promover. As mudanas esperadas para o Ensino Mdio se concretizam na medidaem que as aulas deixem de ser apenas de quadro negro e giz.

    Para enfatizar os objetivos formativos e promover competncias, imprescindvel que osconhecimentos se apresentem como desafios cuja soluo, por parte dos alunos, envolve mobilizaode recursos cognitivos, investimento pessoal e perseverana para uma tomada de deciso. Nessascircunstncias, importa o desenvolvimento de atividades que solicitem dos alunos vrias habilidades,entre elas, o estabelecimento de conexes entre conceitos e conhecimentos tecnolgicos, odesenvolvimento do esprito de cooperao, de solidariedade e de responsabilidade.

    Fazer opes por determinadas formas de ao ou encaminhamento das atividades no tarefa simples, j que exige o reconhecimento do contexto escolar especfico, suas caractersticas eprioridades, expressas nos projetos dos professores e alunos e nos projetos pedaggicos das escolas.Discutir estratgias no deve, tambm, confundir-se com a prescrio de tcnicas a serem

    desenvolvidas em sala de aula.Mesmo reconhecendo a complexidade da questo, ser sempre possvel apresentar alguns

    exemplos, com o objetivo de reforar o significado ltimo que se deseja do trabalho escolar, no quediz respeito mais de perto ao fazer da Fsica. Algumas propostas nessa direo esto apresentadasnos PCNs+. Dizem respeito necessidade de tomar o mundo vivencial como ponto de partida, derefletir mais detidamente sobre o sentido da experimentao esua importncia central na formao em Fsica. Tratam danecessidade de reconhecer e lidar com a concepo de mundodos alunos, com seus conhecimentos prvios, com suas formasde pensar e com a natureza da resoluo de problemas. Por outrolado, e respondendo s exigncias dos jovens, discutem possveisespaos da Fsica enquanto atividade cultural e as formas de

    tornar realidade a responsabilidade social deles frente s exi-gncias do ambiente em que vivem.

    Concluso

    O conjunto das idias aqui resumidas (e um pouco maisbem detalhadas nos PCNs+) apenas um ponto de partida parauma nova forma de encarar a presena da Fsica na escola mdia. Ser somente atravs deprticas concretas, tentativas, erros e sucessos, experincias compartilhadas e muita discussoque, de fato, comearo a ser produzidas novas alternativas ao ensino atual.

    necessrio que seja dada uma ateno toda especial para a articulao entre as competncias,conhecimentos e estratgias a serem propostos e desenvolvidos. Essa, com certeza, umaarticulao que demanda ateno e discusso, para que gradualmente possam ser identificadosos fatores que integrem esses vrios aspectos, concretizando novas prticas de sala de aula.Discusso, reflexo, troca de experincias e vivncias so as tarefas de sempre, mas prioritriasno momento. E embora a questo educacional tenha sempre se revelado como altamente com-plexa, a garantia de sucesso para a empreitada nunca perder de vista o objetivo ltimo dacidadania desejada, uma cidadania consciente, atuante e solidria.

    Para enfatizar os objetivosformativos e promover

    competncias, imprescindvelque os conhecimentos se

    apresentem como desafioscuja soluo, por parte dos

    alunos, envolve mobilizaode recursos cognitivos,investimento pessoal eperseverana para uma

    tomada de deciso

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    ALei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional(LDB/1996) aponta para a necessidade de uma

    reforma em todos os nveis educacionais, que seinspira, em parte, nas visveis transformaes por quepassa a sociedade contempornea. Isso mais claramenteexpresso nas Diretrizes Curriculares Nacionais para oEnsino Mdio (DCNEM), que traduzem os pressupostosticos, estticos, polticos e pedaggicos daquela lei sen-do, portanto, obrigatrias.

    Para o nvel mdio, foram elaborados os ParmetrosCurriculares Nacionais (PCN) e, mais recentemente, osPCN+ [1], os quais procuram oferecer subsdios aos pro-fessores para a implementao da reforma pretendida eso divididos por reas de conhecimento, a fim de faci-

    litar, conforme as DCNEM, um trabalho interdisciplinar.Entretanto, h uma distncia entre o que est propostonesses documentos e a prtica escolar, cuja superaotem se mostrado difcil. As dificuldades vo desde pro-blemas com a formao inicial e continuada poucadisponibilidade de material didtico-pedaggicos; desdea estrutura verticalizada dos sistemas de ensino incom-preenso dos fundamentos da lei, das Diretrizes e Par-metros. Especialmente essas ltimas que sero tratadasnesse texto, discutindo-se, ainda, possveis caminhospara sua superao.

    Um dos pontos centrais da LDB/96 a nova identi-

    dade dada ao Ensino Mdio como sendo a etapa final doque se entende por educao bsica. Ou seja, espera-seque ao final desse nvel de ensino o aluno esteja em con-dies de partir para a realizao de seus projetos pessoaise coletivos; a formao necessria para a constituiodo cidado, na concepo da lei. Assim, no por outrarazo que as DCNEM destacam a formao tica e odesenvolvimento da autonomia intelectual e do pensa-mento crtico como objetivo central do Ensino Mdio.

    Elio Carlos Ricardo

    Doutorando em Educao Cientfica eTecnolgica UFSCE-mail: [email protected]

    Este artigo discute alguns conceitos presentes

    nas Diretrizes Curriculares Nacionais e nosParmetros Curriculares Nacionais para oEnsino Mdio, cuja incompreenso tem semostrado um dos entraves implementaodas propostas desses documentos em sala deaula. Aponta ainda para a dimenso da reformapretendida e a necessidade de rever no s oscontedos a ensinar, mas as concepes eprticas educacionais correntes (publicadooriginalmente na Fsica na Escola v. 4, n. 1,p. 8-11 (2003)).

  • 5/24/2018 A Contribui o Da F sica Para Um Novo Ensino M dio

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    O Ensino Mdio ir prepararno s para o

    prosseguimento dosestudos, mas tambm para

    que o aluno possa fazerescolhas e, tanto quanto

    possvel, decidir seu futuro

    Somente esse carter de terminalidade j seria suficiente para compreender que a reforma pretendidatranscende a mera alterao de contedos a ensinar, mas tem a dimenso mais ampla de desenvolveras vrias qualidades humanas; da a idia de um ensino por competncias.

    Em relao primeira dificuldade que ser aqui tratada, qual seja, a estrutura atual da escolae sua hierarquia verticalizada, imperativo que os professoresleiam e discutam a LDB/96 e os documentos elaborados peloMinistrio da Educao (MEC), a saber: DCNEM, PCN e PCN+.Essa exigncia serve at para que os professores no sejam enga-nados em nome desses documentos, a partir de discussesisoladas e fragmentadas. Ao contrrio, o professor ter de as-sumir seu papel de ator principal da reforma, assegurado pelalei, e deixar de ser mero executor de programas impostos. Para

    isso, a leitura, a discusso e a busca de compreenso dosdocumentos do MEC em seu todo, assim como do projetopoltico-pedaggico da escola, so condies necessrias. Neces-srias mas no suficientes, pois as propostas por elas mesmasno mudam as prticas de sala de aula, mas a reflexo e a ava-liao dessas podem levar a reorientaes significativas.

    Essa apropriao do todo da proposta, e no apenas de partes isoladas, enfatizada pelos PCNe DCNEM, pois, dada a dimenso da proposta de reforma, inovaes solitrias em uma disciplinacorrem o risco de serem um clamor no deserto e no envolvem a escola. A elaborao do projetopoltico-pedaggico da escola deveria ser uma construo coletiva. Isso, por outro lado, noimplica inventar novas disciplinas ou que a escola trabalhe com um nico tema, mas que hajauma ao articulada com vistas aos problemas e desafios da comunidade, da cidade, enfim, que

    a escola no seja mero cenrio, mas que de fato seja um ambiente privilegiado das relaessociais. E, que a tica, valores e atitudes sejam tambm contedos a ensinar.

    Nesse sentido, as DCNEM ressaltam como princpios pedaggicos a identidade, a diversidade ea autonomia. Autonomia para a escola elaborar seu projeto verdadeiramente poltico e substan-cialmente pedaggico, que contemple as caractersticas regionais e ao mesmo tempo cumpra abase curricular comum estabelecida em lei e que ser objeto deavaliao pelo MEC, envolvendo tambm a diversidade. E, quecada escola tenha e assuma uma identidade, proporcionadaespecialmente pela parte diversificada do currculo, na qualpodero ser complementados e aprofundados alguns dos saberestrabalhados no ncleo comum. Nessa parte do currculo a escolapode ousar mais, ou seja, partir para o desenvolvimento deprojetos inovadores, engajar os alunos, a comunidade, enfim,no h uma receita pronta, h sim uma escola que precisa mudare os professores querem mudar! Como educar um sujeito autnomo se a escola no d espaopara que o aluno discuta, fale, participe? Como levar os alunos a continuar aprendendo se oprofessor no o faz?

    Certamente, essa reorientao no se d de uma hora para outra. um processo de continui-dade e rupturas. Continuidade das propostas, avaliaes, reavaliaes e inovaes que do resultadossatisfatrios; e rupturas com prticas que se mostram inadequadas ou ineficientes, como o ensino

    Um dos pontos centrais daLDB a nova identidade

    dada ao Ensino Mdio comosendo a etapa final do quese entende por educao

    bsica. Ou seja, espera-seque ao final desse nvel deensino o aluno esteja emcondies de partir para arealizao de seus projetos

    pessoais e coletivos

    Implementao dos PCN+ em sala de aula: dificuldades e possibilidades

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    20 Coleo Explorando o Ensino, v. 7 - Fsica

    Os PCN+ se aliam aos PCNprocurando dar um novo

    sentido ao ensino da Fsica,destacando que se trata de

    construir uma viso daFsica voltada para aformao de um cidadocontemporneo, atuante e

    solidrio, com instrumentospara compreender, intervir e

    participar na realidade

    propedutico, no qual o que se ensina s ter sentido, se que tem, em etapas posteriores educao formal. Isso no se aplica mais a um nvel de ensino que etapa final. O Ensino Mdioir preparar no s para o prosseguimento dos estudos, mas tambm para que o aluno possafazer escolhas e, tanto quanto possvel, decidir seu futuro, que pode no ser um vestibular, masum curso profissionalizante, por exemplo. Isso no significa admitir que haja um caminho inevi-tvel ao mercado de trabalho, significa sim, pensar que nem todos os alunos egressos do EnsinoMdio iro imediatamente para um curso superior. Para esses, do que servir a escola? Do que

    servir a Fsica?Algumas dessas preocupaes esto presentes nos PCN+,

    que trazem importantes subsdios para a implementao daproposta de reforma. O objetivo central desse documento pro-porcionar uma possibilidade de organizao escolar, dentro de

    cada rea de conhecimento, buscando esclarecer formas dearticulao entre as competncias gerais e os conhecimentos decada disciplina em potencial. Para isso, oferecem ainda umconjunto de temas estruturadores da ao pedaggica. Entre-tanto, o documento salienta que no se trata de uma imposi-o, mas de um exerccio que procura contemplar as competn-cias gerais e os conhecimentos, os quais no se excluem, mas secomplementam, se desenvolvem mutuamente.

    A partir das trs grandes competncias de representao e comunicao, investigao ecompreenso, contextualizao scio-cultural, os PCN+ sugerem para a Fsica os seguintes temas:movimentos: variaes e conservaes; calor, ambiente e usos de energias; som, imagens e informaes;equipamentos eltricos e telecomunicaes; matria e radiao; Universo, Terra e vida. Cada um desses

    temas so subdivididos em unidades temticas e evidenciadas suas relaes entre as competnciasmais especficas e os conhecimentos fsicos envolvidos. Os PCN+ se aliam aos PCN procurandodar um novo sentido ao ensino da Fsica, destacando que se trata de construir uma viso daFsica voltada para a formao de um cidado contemporneo, atuante e solidrio, com instru-mentos para compreender, intervir e participar na realidade [2]. , portanto, de se perguntar nosomente sobre o que ensinar de Fsica, mas principalmente para que ensinar Fsica. Acrescentamainda os PCN+ que o nvel de aprofundamento e as escolhas didticas dependem das necessidades/

    realidade de cada escola, por isso que o projeto poltico-pedaggico ter de ser uma elaborao coletiva, pois taisdecises ultrapassam o alcance de um professor isoladamente.

    Mas, o que se poderia entender por competncias nocontexto da reforma? Ao que parece, a discusso acerca da noode competncias na educao brasileira ganhou fora aps aLDB/96. Um dos autores que tem sido fonte de leitura e

    discusso sobre esse tema Philippe Perrenoud, j com vrios livros traduzidos para o portugus.Paradoxalmente, a compreenso do que seria um ensino por competncias ainda est longe deacontecer. Segundo esse autor, a noo de competncias pode ser entendida como uma capaci-dade de agir eficazmente em um determinado tipo de situao, apoiada em conhecimentos, massem se limitar a eles [3]. As competncias seriam ento a mobilizao de recursos cognitivos,entre eles o conhecimento, a fim de responder a uma situao-problema em tempo real. Essa

    de se perguntar nosomente sobre o queensinar de Fsica, mas

    principalmente para que

    ensinar Fsica

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    utilizao, integrao e mobilizao se dar em uma transposio de contextos, com vistas ainferir possveis solues ou elaborar hipteses.Assim, possvel dizer que no se ensinam diretamente competncias, mas criam-se condies

    para seu desenvolvimento. As habilidades, que estariam maisao alcance da escola, no deveriam ser compreendidas comoum simples saber-fazer procedimental, mas talvez umsaber oque fazer, ou aindasaber e fazer, articulando assim competn-cias e habilidades, pois essas so indissociveis.

    Entretanto, alm de se compreender o conceito decompetncias, tambm essencial repensar a concepo de edu-cao presente na escola. pr em perspectiva os objetivoseducacionais e se perguntar que sujeito pretende-se formar e

    para qual sociedade? Em um ensino por competncias no se-ro os contedos que determinaro as competncias, mas ocontrrio. No ensino tradicional poderia se pensar que a se-qncia para as escolhas didticas : contedo, transposio didtica, sala de aula, pr-requisitos,expectativa futura a cargo do aluno. Ou seja, os contedos so os primeiros a serem escolhidos eo que se vai fazer com eles ao final do Ensino Mdio est a cargo do aluno. Ele tem todos os pr-requisitos, basta juntar tudo! Ser que isso ocorre?

    O que se pretende em um ensino por competncias mudar essa seqncia de modo que ascompetncias gerais norteiem as escolhas didticas e prticas pedaggicas, inclusive dos contedos,exigindo uma nova transposio didtica. Certamente que esse caminho no linear, mas din-mico, a partir das exigncias do que se pretende conhecer/ensinar. Ao proporem novas orientaespara o ensino por meio de temas estruturadores, os PCN+ ressaltam quecompetncias e conhe-

    cimentos so desenvolvidos em conjunto e se reforam reciprocamente. [4]Um outro autor que trata do tema competncias Guy le Boterf [5], o qual descreve o desenvol-

    vimento de competncias como sendo a passagem pelos estados de incompetente inconsciente, noqual o sujeito no sabe que no sabe alguma coisa; deincompetente consciente, onde o sujeito sabe que no sabe algo;de competente consciente, no qual o sujeito sabe o que sabe sobrealgo; e de competente inconsciente, onde o sujeito no sabe o quesabe, pois teria recursos cognitivos mobilizveis em situaes-problema que ainda no conhece. A palavra incompetente podeparecer pejorativa, mas no esse sentido usual dado ao termoaqui.

    Nos textos de Philippe Perrenoud aparecem ainda outrosconceitos, especialmente da didtica francesa, que podem serobstculos compreenso da noo de competncias, entre eleso de transposio didtica e de contrato didtico. A idia de trans-posio didtica ganhou notoriedade no ensino das cincias apartir de Yves Chevallard [6], a qual trata basicamente dos processos de descontextualizao,despersonalizao, e outros por que passa umsaber sbio, ou acadmico, at chegar nos progra-mas escolares (saber a ensinar) e na sala de aula (saber ensinado). Essa transposio implica umamudana de forma e contedo e uma passagem de um domnio a outro. Philippe Perrenoud alerta

    No se ensina diretamentecompetncias, mas cria-se

    condies para seu desenvol-vimento. As habilidades, queestariam mais ao alcance da

    escola, no deveriam sercompreendidas como um

    simples saber-fazer

    procedimental, mas talvezumsaber o que fazer, ou

    aindasaber e fazer

    Alm de se compreender oconceito de competncias, tambm essencial repensara concepo de educaopresente na escola. por

    em perspectiva os objetivoseducacionais e se perguntar

    que sujeito pretende-se

    formar e para qualsociedade

    Implementao dos PCN+ em sala de aula: dificuldades e possibilidades

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    22 Coleo Explorando o Ensino, v. 7 - Fsica

    que no garantido que a mera transposio da fsica dos fsicos seja seguro para fazer osadolescentes adquirirem noes de Fsica, especialmente os que no se destinam formaocientfica. Para esse autor a noo de competncias um problema de transposio didtica, em

    sentido amplo, pois no basta a legitimao acadmica do quese pretende ensinar, mas h necessidade de se buscar legiti-mao cultural, tanto quanto de compreender esse processo.

    Nesse sentido, tambm as prticas sociais, as experincias,os saberes dos alunos entram em jogo e preciso compreenderque muitas regras desse jogo da aprendizagem so implcitas,o que se poderia entender como um contrato didtico. Nessarelao entre o professor, o saber e o aluno/alunos no h umnico saber, embora exista um programa, mas os alunos tm

    suas relaes pessoais com os saberes que, em muitos casos,so de difcil acesso. Colocar o aluno em jogo e fazer com queele continue essa relao com os saberes, agora saberes cientficos, para alm da escola tambmtem a ver com a noo de competncias. Esse um dos objetivos da negociao desse contratodidtico, qual seja, de ampliar os espaos de dilogo, a fim de que a relao didtica no se torneum dilogo de surdos [7].

    Dois outros conceitos presentes nos PCN e DCNEM, entendidos como eixos estruturadores daorganizao curricular, carecem de discusso a contextualizao e a interdisciplinaridade. A contex-tualizao visa a dar significado ao que se pretende ensinar para o aluno. Ou seja, se o ponto departida a realidade vivida do aluno, tambm ser o ponto de chegada, mas com um novo olhar ecom uma nova compreenso, que transcende o cotidiano, ou espao fsico proximal do educando. Acontextualizao auxilia na problematizao dos saberes a ensinar, fazendo com que o aluno sinta a

    necessidade de adquirir um conhecimento que ainda no tem. Todavia, a aprendizagem se d pelaelaborao de pensamento e capacidade de abstrao, de modo que no se pode confundir a con-

    textualizao com uma diluio em informaes genricas e su-perficiais, desprezando o rigor que as disciplinas cientficas exi-gem.

    Tambm a interdisciplinaridade mais que a mera justapo-sio de metodologias e linguagens de mais de uma disciplina. a complexidade do objeto que se pretende conhecer/compreenderque exige reconhecer e ultrapassar os limites de uma nica disci-plina. o dilogo, o complemento, o confronto com outrosconhecimentos com vistas a uma melhor compreenso do mun-do. Isso coloca a interdisciplinaridade em uma dimenso episte-molgica e no apenas uma prtica metodolgica, ou multidis-

    ciplinar, ou ainda simples exemplos ilustrativos que envolvam outras reas.As DCNEM, os PCN e os PCN+ ainda so documentos relativamente novos e, portanto, suas

    propostas precisam ser discutidas e debatidas. Um exemplo disso so alguns entendimentos de que anoo de competncias, ao centralizar unicamente no indivduo o processo formativo, poderia escondera inteno de lhe atribuir a responsabilidade por no conseguir realizar seus planos pessoais e cole-tivos, em vez de responsabilizar aspectos scio-econmicos excludentes ainda presentes em nossasociedade. Por outro lado, tais documentos oferecem importantes subsdios que possibilitam uma

    Perrenoud alerta que no garantido que a mera

    transposio da fsica dosfsicos seja seguro para fazeros adolescentes adquiriremnoes de Fsica, especial-mente os que no se desti-nam formao cientfica

    As mudanas na sociedadeatual esto ocorrendo e h,bem ou mal, uma reforma

    educacional em andamento.Podem-se considerar duas

    alternativas: protagonizar areforma, dentro do alcance

    de cada um, ou seratropelado por ela

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    Referncias

    [1] MEC, Secretaria de Educao Mdia eTecnolgica. PCN+ Ensino Mdio: Orientaes

    Educacionais Complementares aos ParmetrosCurriculares Nacionais. Cincias da Natureza,

    Matemtica e suas Tecnologias. (MEC SEMTEC,Braslia, 2002). 144 p.

    [2] MEC, Secretaria de Educao Mdia e

    Tecnolgica. PCN+ Ensino Mdio: OrientaesEducacionais Complementares aos ParmetrosCurriculares Nacionais. Cincias da Natureza,

    Matemtica e suas Tecnologias (MEC SEMTEC,Braslia, 2002b), p. 59.

    [3] P. Perrenoud, P. Construir as Competncias desde aEscola (Trad. Bruno Charles Magne, ArtesMdicas Sul, Porto Alegre, 1999), 90 p.

    [4] P. Perrenoud, Construir as Competncias desde aEscola (Trad. Bruno Charles Magne, ArtesMdicas Sul, Porto Alegre, 1999b), p. 13.

    [5] Guy le Boterf. Lingnierie des comptences (Paris,1998). Pode ser encontrado resumido no site:http://www.adbs. fr/site/emploi/guide_emploi/competen.pdf.

    [6] Yves Chevallard, La Transposicin Didctica: delsabe sabio al saber enseado(Trad. Claudia Gilman,

    Aique Grupo Editor, Buenos Aires, 1991), 196 p.[7] J.P. Astolfi e M. Develay,A Didtica das Cincias(Trad. Magda S. Fonseca, Papirus, So Paulo,1995), 132 p., 5. ed.

    [8] E.C. Ricardo,Ensaio - Avaliao e Polticas Pblicasem Educao. 1010101010, 141-160 (2002).

    [9] E.C. Ricardo e Arden Zylbersztajn, CadernoBrasileiro de Ensino de Fsica 1919191919, 351-370 (2002).

    reorientao no ensino das cincias que pode contribuir para a superao dessa condio. O que aFsica pode fazer pelos alunos? Essa uma questo fundamental.Observa-se ainda que h uma distncia a ser vencida entre a proposta e a prtica, cujo sucesso

    depende da superao de algumas dificuldades detectadas em pesquisas anteriores [8], dentre asquais se destacam: falta de espao para discusso das propostas do MEC em seu todo e para aelaborao coletiva do projeto poltico-pedaggico da escola; ausncia de programas de formaocontinuada; desencontro de informaes entre as instncias federais, estaduais e a escola; poucomaterial didtico disponvel verdadeiramente compatvel com os PCN e outras.

    No entanto, as mudanas na sociedade atual esto ocorrendo e h, bem ou mal, uma reformaeducacional em andamento. Podem-se considerar duas alternativas: protagonizar a reforma,dentro do alcance de cada um, ou ser atropelado por ela. Espera-se que esse convite reflexo sejatambm um convite a se optar pela primeira possibilidade.

    AgradecimentoGostaria de agradecer ao Prof. Dr. Arden Zylbersztajn, do Departamento de Fsica da UFSC,

    pelas contribuies dadas a este artigo.

    Implementao dos PCN+ em sala de aula: dificuldades e possibilidades

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    24 Coleo Explorando o Ensino, v. 7 - Fsica

    Introduo

    Nas ltimas trs dcadas houve no Brasil umnotvel avano nos programas de ps-graduao e uma expanso significativa do sistemauniversitrio como um todo. Entretanto, o pas ocupaainda uma posio muito modesta no cenrio interna-cional no que concerne gerao de patentes e de inova-o tecnolgica, para no mencionar o enorme contin-gente de pessoas excludas socialmente.

    O cenrio descrito acima pode ser tambm atribudoao nosso sistema educacional, em todos os nveis, qued pouca nfase valorizao do esprito empreendedor

    e ao trabalho manual criativo voltado para a inovao.O ensino de cincias praticado no Brasil, na grande maio-ria das escolas de nvel Mdio e Fundamental e, em grandeextenso, tambm nas universidades, pressupe umaatitude passiva dos alunos que no favorece a criativi-dade, a inovao e a transformao de conhecimentoem riquezas. Ciente dessa realidade, desenvolvemos noDepartamento de Fsica da UFMG um projeto-piloto dedivulgao cientfica de baixo custo que pretende esti-mular uma atitude mais pr-ativa no nosso sistema edu-cacional e estreitar a relao das escolas com a comu-nidade. A experincia que acumulamos gerou uma

    metodologia de ensino de cincias [1] com potencial parareverter o quadro vigente.Neste trabalho apresentamos um relato de nossa tra-

    jetria e as vrias estratgias adotadas para popularizar acincia a partir de prottipos baseados em materiais reci-clados e de baixo custo, aliando trabalho em equipe, cria-tividade e o prazer da descoberta. Alguns experimentosso tambm descritos visando a ilustrar o esprito dapresente proposta.

    Eduardo de Campos ValadaresCentro de Inovao MultidisciplinarDepto. de Fsica ICExUniversidade Federal de Minas GeraisC.P. 702, CEP 30123-970 BeloHorizonte-MGE-mail: [email protected]

    Este artigo apresenta um novo enfoque dedivulgao cientfica voltado para a revitalizaodo ensino de Cincias nas escolas dos ensinosMdio e Fundamental. Sua meta a realizaode projetos prticos de baixo custo visando aodesenvolvimento da criatividade e da cidadaniaatravs de uma atitude pr-ativa de alunos eprofessores (publicado originalmente na Fsicana Escola v. 2, n. 2, p. 10-13 (2001)).

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    25

    O autor deFsica Mais que Divertida, prof. EduardoValadares, no programa de J Soares.

    Exposies interativas em shoppings, praas e em outros locais pblicosA idia original de nosso projeto2era disponibilizar para o grande pblico uma srie de prottiposde baixo custo associados aos avanos tecnolgicos de nossa poca (aquecimento solar, robtica,foguetes, fibras pticas de gua, discos voadores/hovercraftse testes aerodinmicos, dentre outros).Para implementar a nossa proposta, contamos com a simpatia e o apoio financeiro do InstitutoEuvaldo Lodi de Minas Gerais (IEL-MG), da Federao das Indstrias de Minas Gerais (FIEMG) e daUFMG atravs das Pr-Reitorias de Graduao e de Extenso. Com isto pudemos realizar pesquisa edesenvolvimento utilizando materiais reciclados e de baixo custo em condies compatveis com arealidade da maioria de nossas escolas do Ensino Mdio e Fundamental. Nossa meta era demonstrarque possvel dotar as escolas de uma nova metodologia vivel que revitalize o interesse de nossascrianas e adolescentes pela cincia e suas aplicaes prticas e que contribua ao mesmo tempo parao desenvolvimento de uma atitude pr-ativa. notrio em nosso meio a predominncia do ensino

    estritamente livresco e formal, sem vnculos com a realidade prtica, e a ausncia de desafios, o queinevitavelmente contribui para o desinteresse dos alunos pelas cincias e suas aplicaes prticas, adespeito de elas estarem presentes no seu dia-a-dia.

    Organizamos diversas exposies em parques,shoppings[2,3] festas infantis e at em acampa-mentos de escoteiros, alm de participarmos da UFMG-Jovem, evento anual realizado no campusdaUFMG que abrange as diversas reas do saber e que atrai milhares de crianas e adolescentes. Umapreocupao que sempre tivemos foi o uso de uma linguagem acessvel ao pblico leigo e a criao deum ambiente favorvel descoberta. A excelente acolhida do pblico nos encorajou a dar o prximopasso a organizao de oficinas de criatividade.

    Oficinas de criatividade:Desafios e descobertas

    O objetivo das oficinas criar um verdadeiro ateli cientfico e tecnolgico, um ambiente

    instigante onde os participantes se sintam estimulados a trabalhar em equipe e a desenvolvernovas idias, associando conceitos bsicos a projetos prticos. Um dos desafios a realizao deprojetos inovadores utilizando materiais reciclados e de baixo custo, o que torna a nossa propostaacessvel a todasas escolas.

    Num primeiro estgio os participantes realizam projetos simples, visando a adquirir habi-lidades manuais e uma base prtica de como resolver problemas especficos utilizando ferramentasde uso domstico e materiais encontrados em todaparte. J nesse estgio comum surgirem novasidias e o projeto adquire ento um carterinovador. Os prottipos so testados exaustiva-mente, convertendo-se em instrumentos de des-coberta e tornando-se fonte de novas idias.

    Em uma etapa posterior das oficinas colo-cado aos participantes o desafio de conceber eimplementar os seus prprios projetos.

    Temos testado nossa metodologia em esco-las pblicas e privadas, centros de criatividade ena prpria UFMG, abrangendo crianas na faixade 6 a 12 anos, adolescentes e adultos, incluindoprofessores do Ensino Mdio e Fundamental,com excelentes resultados.

    Novas estratgias de divulgao cientfica cientfica e de revitalizao do Ensino de Cincias nas escolas

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    26 Coleo Explorando o Ensino, v. 7 - Fsica

    J Soares torna invisvel uma garrafa contendo gli-cerina ao inser-la em um copo contendo tambmglicerina, cujo ndice de refrao quase igual ao dovidro.

    Fsica Mais que Divertida,com mais de 100

    experimentos de baixocusto, leva uma viso mais

    prtica do ensino decincais para um nmerocada vez maior de escolas

    Estamos oferecendo, pela primeira vez naUniversidade, um curso de divulgao cientficapara a graduao, voltado concepo e organi-zao de tais oficinas e de exposies interativasdo acervo nelas produzido. A idia central queas escolas possam gerar o seu prprio acervo deinovaes e organizem exposies interativaspara o grande pblico em shoppings, parques eem eventos socioculturais, ampliando assim oseu papel social. A nossa experincia temdemonstrado que tais exposies aumentamconsideravelmente a auto-estima e a auto-con-fiana de professores e alunos e permitem levar

    comunidade projetos criativos e ldicos queilustram a importncia da cincia e da tecno-logia no nosso dia-a-dia, contribuindo assim parauma melhoria da cultura cientfica de nossa

    populao e para a disseminao da importncia da criatividade e da atitude empreendedora parao nosso desenvolvimento socioeconmico. Outro ponto fundamental a ser ressaltado o inter-esse da mdia por projetos educacionais dessa natureza, permitindo atingir um pblico bastanteamplo.

    Produo de material didtico

    Como resultado de nossas aes produzimos um livro com mais de 100 experimentos debaixo custo, Fsica Mais que Divertida4, cuja verso em alemo ser publicada no incio de 2002.

    Atualmente estamos atuando no ambiente das escolas atravs de oficinas com projetos baseadosno livro. Os resultados obtidos so bastante animadores. A nossa expectativa levar uma visomais prtica do ensino de cincias para um nmero cada vez maior de escolas e, uma vez geradauma massa crtica, pretendemos realizar competies locais de projetos inovadores e incentivar as

    equipes mais inovadoras a participarem de competiesinternacionais.

    A nossa meta ampliar o escopo do nosso projeto atravsda produo de novos livros e de um portal na internet com umbanco de idias e espao para troca de experincias. Concebemostambm uma exposio interativa permanente de Fsica di-vertida, sediada no Museu de Histria Natural da UFMG, aprimeira do gnero de Belo Horizonte. Alm disso, estamosconcebendo programas educacionais voltados para professorese pretendemos divulgar nossa metodologia em escolas de peri-

    feria, em esforo integrado envolvendo a universidade, o poder pblico e a comunidade. Umponto a ser ressaltado que o sucesso de tais aes depende crucialmente da formao de umaampla rede envolvendo escolas, universidade, mdia, livrarias, shoppings, indstria, governosestaduais e municipais e agncias federais de fomento, dentre outros. Vivemos um momentoextremamente propcio disseminao de novos paradigmas educacionais, j que tais instituiesdemostram conscincia da importncia da inovao no contexto educacional para o progressoeconmico e social do pas, disponibilizando recursos financeiros para programas dessa natureza.

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    Exemplos de experimentos de baixo custoSustentao das asas de avies

    Material: folha de papel, linha fina de costura ou pequenas tiras de papel, cola ou fitaadesiva.

    Passo a passo:Segure uma folha de papel (asa) com os dedos das duas mos e depois soprepor cima da folha e depois por baixo dela, como indicado na Figura 1. Esse experimento mostraque tanto as correntes de ar que passam por baixo da asa como as que passam por cima damesma contribuem para a sustentao da asa. A velocidade do ar que sai da boca praticamente stem uma componente horizontal. A folha de papel fora o ar a se mover ao longo de sua superfciecurva, de modo que a velocidade do ar adquire uma componente vertical no sentido para baixo.Para observar este efeito basta voc fixar uma das pontas de pequenos pedaos de linha fina decostura ou tiras de papel com cola ou fita adesiva em diferentes pontos na parte de cima e na parte

    de baixo da folha. Observe as linhas/tiras enquanto voc sopra. A fora de reao correspondente,em ambos os casos, para cima, contrabalanando o peso da folha.

    Tnel de vento e ngulo de ataque

    Material:garrafa pet de 2 L, cartolina, arame, cola, canudinho, ventilador (ou um bomflego)

    Passo a passo:Corte a garrafa de modo a obter um tubo de 21 a 22 cm de comprimento comduas aberturas (tnel de vento). Com o arame, fabrique um garfo com dois longos dentes, conformeindicado na Figura 2. Faa dois rasgos paralelos de 7 cm de comprimento e uns 3 mm de largura naparte superior do tubo e dois furos na parte inferior do mesmo para encaixe dos dentes (veja a figura).Fabrique uma asa de cartolina com 7 cm de comprimento, como indicado. Faa nela dois furos como dimetro ligeiramente menor que o dos canudinhos atravessando a sua parte de cima e a de baixo

    e encaixe neles dois pedaos de canudinho (veja a Figura 2). Introduza os dentes do garfo nos doisrasgos, depois nos furos da asa e finalmente nos furos do tubo. Ao mover o cabo do garfo voc podemodificar facilmente a inclinao da asa (o ngulo de ataque). Coloque a sada do tnel em frentea um ventilador ligado, como mostrado, e veja o que acontece com a asa quando voc varia o ngulo

    Figura 1. Ilustrao do princpio de sustentao de uma asa de avio.

    Novas estratgias de divulgao cientfica cientfica e de revitalizao do Ensino de Cincias nas escolas

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    28 Coleo Explorando o Ensino, v. 7 - Fsica

    de ataque. Ao aumentar este ngulo, o vento,que acompanha o perfil da asa, adquire umacomponente vertical cada vez maior, no sentidopara baixo, como observado no experimento an-terior com a folha de papel. A fora de reaopara cima tende ento a aumentar. Entretanto,para ngulos de ataques acima de um certo valorcrtico, a fora de sustentao (reao) comea adiminuir devido ao aparecimento de turbuln-cia. Para observar esses efeitos basta fixar naextremidade inferior da asa pedaos de fio de li-nha ou tiras pequenas de papel e aumentar gra-

    dualmente o ngulo de ataque da asa. Pode-sedemonstrar facilmente que a asa se mantmsuspensa pela ao do vento mesmo quando oavio fica de cabea para baixo [5,6].

    Raquetadas de sbo [4,7]

    Material: aro de arame com cerca de12 cm de dimetro (tente aros com dimetrosmenores!), tubo de caneta, gua, detergente eglicerina (encontrada em farmcias em tubosde 100 mL).

    Soluo de sabo: Misture em um

    recipiente gua (2 L), 250 mL de detergente100 mL de glicerina.Passo a passo:Mergulhe o aro na soluo.

    Ao retir-lo, um filme de sabo ficar ancoradono aro. Eis a sua raquete! Segure o seu cabo emergulhe a ponta do tubo de caneta por algunssegundos na soluo de sabo. Retire o tubo esopre pela outra extremidade para obter umabolha de sabo. Est pronta a bola! Pode comeara dar suas raquetadas. Voc pode jogar tnis des-sa forma graas s propriedades das molculastpicas dos detergentes, chamadas de hidrocar-bonetos. Cada uma dessas molculas tem uma

    cabea e uma cauda. Se a cabea da molculaadora gua, a sua cauda detesta. Pelas figuras,voc pode ver que tanto na bola como na raqueteas caudas das molculas de detergente estodo lado de fora do filme de sabo. A bola e araquete tendem a no se grudar porque as cau-das de uma procuram evitar a gua que est nofilme da outra, devido a foras de repulso devan der Waals (interao dipolo-dipolo).

    Figura 3. Ilustrao de como a interao dipolar atuaem uma soluo de sabo.

    Figura 2. Esquema do tnel de vento.

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    Figura 4. Exemplo macroscpico de tunelamentoquntico: a bolinha passa pela barreira sem alteraras caractersticas da mesma.

    Tunelamento de objetos macroscpicos

    4

    Material adicional:bola de isopor com aproximadamente 2,4 cm de dimetro ou bolinha degude ou pedra (tente outros objetos) e uma garrafa pet de 2 L.

    Passo a passo:Mergulhe o aro na soluo para obter um filme de sabo ancorado nomesmo (a raquete). Mergulhe em seguida a bola de isopor ou a bolinha de gude (ou outroobjeto qualquer) na soluo e em seguida deixa-a cair sobre a raquete. Esse experimentomostra que a bola pode atravessar o filme sem destru-lo, de modo anlogo ao fenmenoatmico conhecido como tunelamento quntico. Nesse caso um eltron pode atravessar umabarreira sem alterar as caractersticas da mesma. como se o eltron cavasse um tnelenquanto atravessa a barreira, que se fecha medida que ele avana. Voc pode ainda ancorarnas paredes internas de um tubo de garrafa pet (veja tnel de vento) dois filmes de saboparalelos (barreira dupla) e fazer a bola tunelar com ambos os filmes sem destru-los.

    Tente repetir o truque com duas raquetes, uma em cima da outra. pura diverso!6. Observaes finais

    Acreditamos que a valorizao da criatividade e da inovao, atravs das aes pro-postas, possa criar um clima mais favorvel inovao nas escolas e ao desenvolvimentopleno de nossas crianas e adolescentes e, por conseguinte, de nossa sociedade como umtodo. Essa preocupao nos parece pertinente tendo em vista a crescente eliminao de pos-tos de trabalho decorrentes do uso de robs esoftwares. Trata-se, em ltima anlise, de umaquesto de cidadania e de insero socioeconmica, j que na sociedade do conhecimento aspessoas sero valorizadas pela sua capacidade criativa de encontrar oportunidades e soluespara problemas e desafios.

    Agradecimento

    As ilustraes dos experimentos, gentilmente cedidas pela Editora UFMG, foram retiradas dasegunda edio do livro Fsica Mais que Divertida.

    Referncias[1] Propostas de experimentos de baixo custo centra-

    das no aluno e na comunidade, Eduardo de Cam-pos Valadares, Qumica Nova na Escola1313131313 (2001).Veja tambm na internet: www.fisica.ufmg.br/divertida.

    [2] Eduardo de Campos Valadares, Physics World 12,64 (1999).

    [3] Eduardo de Campos Valadares, Cincia Hoje dasCrianas 97, 23 (nov. 1999).[4] Eduardo de Campos Valadares, Fsica Mais Que

    Divertida(Editora UFMG, Belo Horizonte, 2000).[5] Klaus Weltner, Am. J. Phys. 55, 50-54 (1987)[6] Klaus Weltner, The Physics Teacher 28, 78-82

    (1990).[7] Alexsandro Jesus Ferreira de Oliveira, Esdras Garcia

    Alves e Eduardo de Campos Valadares, Cincia Hojedas Crianas 106, 14-15 (2000).

    Novas estratgias de divulgao cientfica cientfica e de revitalizao do Ensino de Cincias nas escolas

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    Introduo

    Aqualidade do ensino provido pelos sistemasescolares s crianas e jovens tem sido objeto dedebates ao longo de vrias dcadas, culminando

    com os chamados para a reforma desses sistemas e doscurrculos vigentes. O ensino tradicional de Cincias, daescola primria aos cursos de graduao, tem se mos-trado pouco eficaz, seja do ponto de vista dos estudantese professores, quanto das expectativas da sociedade. Essasituao no privilgio das Cincias, mas se estende aoutras reas de conhecimento, como indicam os resul-tados conseguidos por grupos de estudantes brasileirosnas avaliaes nacionais e no recente projeto PISA [18].

    A escola tem sido criticada pela baixa qualidade de seuensino, por sua incapacidade de preparar os estudantespara ingressar no mercado de trabalho ou na universi-dade, por no cumprir adequadamente seu papel de for-mao das crianas e adolescentes, e pelo fato de que oconhecimento que os estudantes exibem ao deixar aescola fragmentado e de aplicao limitada. Tampoucoa escola conseguiu fazer dos mesmos pessoas acostu-madas a tomar decises, a avaliar alternativas de aode maneira crtica e independente e a trabalhar em coo-perao.

    Vrias so as causas apontadas para explicar a ine-

    ficincia do sistema escolar. A educao, como absolutaprioridade nacional, ainda permanece apenas no planoda retrica oficial dos governos dos estados e federao.No entanto, algumas medidas foram e continuam sendoimplementadas, como o aumento da carga horria obri-gatria, introduo de novas disciplinas, programa deavaliao de livros didticos e mudanas na forma deorganizao do trabalho escolar. Essas mudanas ocor-rem lentamente, ao passo que outras, igualmente impor-

    A. Tarciso BorgesColgio Tcnico da UFMG,Belo Horizonte, MG

    Este trabalho discute o papel das atividades pr-ticas no ensino de Cincias e rev como olaboratrio escolar de Cincias tem sido usado.Discute os pressupostos sobre a natureza doconhecimento que suportam esses usos e osequvocos a que conduzem. Descreve algumasalternativas potencialmente mais relevantes epedagogicamente interessantes que temosestudado, em contraste com os tipos de ativi-dades fortemente estruturadas tradicionalmenteutilizadas pelos professores. Em particular,defende a adoo de uma ampla gama deatividades prtico-experimentais - no necessa-riamente dirigidas como os tradicionais roteirosexperimentais - e uma mudana de foco no tra-

    balho no laboratrio, com o objetivo de deslocaro ncleo das atividades dos estudantes da exclu-siva manipulao de equipamentos, preparaode montagens e realizao de medidas, para

    outras atividades que se aproximam mais dofazer Cincia. Essas atividades mais envolvem amanipulao de interpretaes e idias sobreobservaes e fenmenos que objetos, com opropsito de produzir conhecimento. Entre elas:a anlise e interpretao dos resultados, a refle-xo sobre as implicaes desses e a avaliaoda qualidade das evidncias que suportam asconcluses obtidas (publicado originalmenteno Caderno Brasileiro de Ensino de Fsica v.19, n. 3, p. 291-313 (2002)).

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    31Novos rumos para o laboratrio escolar de Cincias

    tantes e urgentes, vo sendo proteladas, como a valorizao dos espaos educacionais, da profissode professor e de programas para o aperfeioamento e desenvolvimento profissional dos docentes.Ao lado dessas dificuldades gerais, as vrias disciplinas que compem o currculo apresentamproblemas especficos de aprendizagem. Os pesquisadores educacionais tm se debruado sobreessas questes e, se ainda no h consenso, h um razovel entendimento do que poderia serfeito para diminuir a enorme distncia que nos separa, em termos de qualidade de educaopblica, de outras naes. No entanto, as pesquisas educacionais permanecem igualmentedesconhecidas para governantes e professores.

    No caso de Cincias, tm havido em vrios pases movimentos de reforma curricular, desde osgrandes projetos de interveno da dcada de 60 at aes mais localizadas e orientadas pelocrescente corpo de conhecimento sobre as concepes alternativas dos estudantes a respeito devrios tpicos de Fsica e das dificuldades especficas de aprendizagem que eles enfrentam. Antesde tudo preciso enfatizar que o ensino, no s de Cincias, uma atividade complexa e proble-

    mtica. Isso se deve ao fato de no existir uma tradio de prticas sociais de ensino suficientementeestveis que possam ser amplamente compartilhadas e que resistam s mudanas contnuas, nos no contexto fsico e sciocultural da escola, mas tambm mudanas nos professores e seusestudantes, provocadas por novos valores, conhecimentos e crenas, novas percepes e maturao.Isso nos remete para a formao dos professores, visto que cada um deles deveria estar conscientedesse espectro de possibilidades de transformaes - em si prprio, em seus colegas, em seusestudantes e em seu ambiente de trabalho - e flexvel paramodificar sua forma atuao em resposta s mudanas perce-bidas.

    Trata-se de um problema extremamente complexo e delarga escala. Nesse trabalho, nossa preocupao ser apenascom as conseqncias advindas de como os professores de Cin-

    cias entendem aquilo que ensinam e como crem que podemfaz-lo melhor. Isso est relacionado, em grande parte, comas metas estabelecidas pelos currculos (reconhecidas comolegtimas pelos professores), para a educao em Cincias. As mudanas nessas metas acarretammudanas nos prprios contedos de ensino e nas tcnicas de ensino. As metas que mais comumenteexpressam aquilo que os estudantes devem aprender tm sido:

    1) adquirir conhecimento cientfico;2) aprender os processos e mtodos das cincias;3) compreender as aplicaes da cincia, especialmente as relaes entre Cincia e sociedade, e

    cincia-tecnologia-sociedade [1].De acordo com essa proposta, os estudantes deveriam conhecer alguns dos principais produtos

    da Cincia, ter experincia com eles, compreender os mtodos utilizados pelos cientistas para aproduo de novos conhecimentos e como a Cincia uma das foras transformadoras do mundo.Um exemplo disso pode ser encontrado nos Parmetros Curriculares Nacionais para o EnsinoMdio [13] que propem que o ensino de Cincias deva propiciar ao educando compreender asCincias como construes humanas, entendendo como elas se desenvolvem por acumulao, continuidadeou ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento cientfico com a transformao da sociedade(p. 107).

    Os professores de Cincias, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Mdio, em geralacreditam que a melhoria do ensino passa pela introduo de aulas prticas no currculo.Curiosamente, vrias das escolas dispem de alguns equipamentos e laboratrios que, no entanto,

    Professores de Cincias dosEnsinos Fundamental eMdio acreditam que a

    melhoria do ensino passapela introduo de aulas

    prticas no currculo...

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    32 Coleo Explorando o Ensino, v. 7 - Fsica

    por vrias razes, nunca so utilizados, dentre s quais cabe mencionar o fato de no existirematividades j preparadas para o uso do professor; falta de recursos para compra de componentese materiais de reposio; falta de tempo do professor para planejar a realizao de atividades comoparte do seu programa de ensino; laboratrio fechado e sem manuteno. So basicamente asmesmas razes pelas quais os professores raramente utilizam os computadores colocados nasescolas. Muitos professores at se dispem a enfrentar isso, improvisando aulas prticas edemonstraes com materiais caseiros, mas acabam se cansando dessa tarefa inglria, especialmenteem vista dos parcos resultados que alcanam. um equvoco corriqueiro confundir atividadesprticas com a necessidade de um ambiente com equipamentos especiais para a realizao detrabalhos experimentais, uma vez que podem ser desenvolvidas em qualquer sala de aula, sem anecessidade de instrumentos ou aparelhos sofisticados. Os movimentos de reforma curricular nasltimas dcadas deram imenso destaque ao ensino no laboratrio, como por exemplo, PSSC, e osvrios cursos da Nuffield Foundation. No obstante, o papel que o laboratrio deve ter no ensinode Cincias estava longe de ser claro para o professor. Em parte, as dificuldades com as atividadesprticas derivam de uma postura equivocada quanto natureza da Cincia [10,15].

    A importncia e o prestgio que os professores atribuem ao ensino prtico deve-se popularizao, nas ltimas dcadas, das idias progressistas ou desenvolvimentalistas no pensa-mento educacional que descendem de Rousseau, Pestalozzi, Spencer, Huxley, Dewey, entre outros [1].

    A idia central : qualquer que seja o mtodo de ensino-aprendizagem escolhido, deve mobilizar a atividade doaprendiz, em lugar de sua passividade. Usualmente, os mtodosativos de ensino-aprendizagem so entendidos como sedefendessem a idia de que os estudantes aprendem melhorpor experincia direta. Embora verdadeiro em algumassituaes, esse entendimento uma simplificao grosseira,

    como apontam os trabalhos baseados nas idias de Dewey,Piaget e Vigotsky, entre outros. O importante no a

    manipulao de objetos e artefatos concretos, e sim o envolvimento comprometido com a buscade respostas/solues bem articuladas para as questes colocadas, em atividades que podem serpuramente de pensamento. Nesse sentido, podemos pensar que o ncleo dos mtodos ativos(pode-se at cham-lo de trabalhos ou atividades prticas, para significar que est orientado paraalgum propsito), no envolve necessariamente atividades tpicas do laboratrio escolar.

    Atividades de resoluo de problemas, modelamento e representao, com simulaes emcomputador, desenhos, pinturas, colagens ou simplesmente atividades de encenao e teatro, cum-prem esse papel de mobilizar o envolvimento do aprendiz. Essas atividades apresentam, muitasvezes, vantagens claras sobre o laboratrio usual, uma vez que no requerem a simples mani-pulao, s vezes repetitiva e irrefletida, de objetos concretos, mas de idias e representaes, com

    o propsito de comunicar outras idias e percepes. Obviamente, todas elas podem ser associadasa certos aspectos materiais. A materializao de um modelo, de uma representao, de uma ence-nao, etc., requer objetos que no so necessariamente os mesmos de uma atividade de laboratrio.A riqueza desse tipo de atividade est em propiciar ao estudante a oportunidade - e ele precisaestar consciente disso - de trabalhar com coisas e objetos como se fossem outras coisas e objetos,em um exerccio de simbolizao ou representao. Ela permite conectar smbolos com coisas esituaes imaginadas, o que raramente buscado no laboratrio, expandindo os horizontes desua compreenso.

    ...mas vrias das escolaspblicas dispem de algunsequipamentos e laboratriosque, no entanto, por vrias

    razes, nunca soutilizados...

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    O laboratrio tradicionalPara um pas onde uma frao considervel dos estudantes nunca teve a oportunidade de

    entrar em um laboratrio de Cincias, pode parecer um contra-senso questionar a validade deaulas prticas, especialmente porque na maioria das escolas elas simplesmente no existem. Defato, h uma corrente de opinio que defende a idia de que muitos dos problemas do ensino deCincias se devem ausncia de aulas de laboratrio. Para os que compartilham dessa opinio,uma condio necessria para a melhoria da qualidade de ensino consiste em equipar as escolascom laboratrios e treinar os professores para utiliz-los. Entretanto, mesmo nos pases onde atradio de ensino experimental est bem sedimentada, a funo que o laboratrio pode, e deveter, bem como a sua eficcia em promover as aprendizagens desejadas, tm sido objeto de questio-namentos, o que contribui para manter a discusso sobre a questo h alguns anos [22, 23].

    Dessa discusso parece resultar uma posio unnime de desaconselhar o uso de laboratrios

    no esquema tradicionalmente usado, pelo seu impacto negativo sobre a aprendizagem dosestudantes. White comenta que os resultados e concluses de muitas pesquisas sobre a eficciados laboratrios decepcionam, pois conflita com teorias e expectativas. Ns preferimos pensar que oslaboratrios funcionam porque acrescentam cor, a curiosidade de objetos no-usuais e eventos diferentes,e um contraste com a prtica comum na sala de aula de permanecer assentado [22]. No que denominado laboratrio tradicional, o aluno realiza atividades prticas, envolvendo observaese medidas acerca de fenmenos previamente determinados pelo professor [20]. Em geral, os alunostrabalham em pequenos grupos e seguem as instrues de um roteiro. O objetivo da atividadeprtica pode ser o de testar uma lei cientfica, ilustrar idias e conceitos aprendidos nas aulastericas, descobrir ou formular uma lei acerca de um fenmeno especfico, ver na prtica o queacontece na teoria, ou aprender a utilizar algum instrumento ou tcnica de laboratrio especfica.No se podem deixar de reconhecer alguns mritos nesse tipo de atividade: por exemplo, a reco-

    mendao de se trabalhar em pequenos grupos, o que possibilita a cada aluno a oportunidade deinteragir com as montagens e instrumentos especficos, enquanto divide responsabilidades e idiassobre o que devem fazer e como faz-lo; outro o carter mais informal do laboratrio, emcontraposio formalidade das demais aulas.

    As principais crticas que se fazem a essas atividades prticas que elas no so efetivamenterelacionadas aos conceitos fsicos; que muitas delas no so relevantes do ponto de vista dosestudantes, j que tanto o problema como o procedimento para resolv-lo esto previamentedeterminados; que as operaes de montagem dos equipamentos, as atividades de coleta de dadose os clculos para obter respostas esperadas consomem muito ou todo o tempo disponvel. Comisso, os estudantes dedicam pouco tempo anlise e interpretao dos resultados e do prpriosignificado da atividade realizada. Em geral, eles percebem as atividades prticas como eventosisolados onde o objetivo chegar resposta certa [19]. No surpreendente, assim, que o labora-trio seja pouco efetivo em provocar mudanas nas concepes e modelos prvios dos estudantes,em proporcionar uma apreciao sobre a natureza da Cincia e da investigao cientfica e emfacilitar o desenvolvimento de habilidades estratgicas [5, 22]. Alguns crticos mais veementesargumentam que, alm disso, os laboratrios de Cincias so caros, que o uso de equipamentos sencontrados nos laboratrios torna o ensino distante da experincia fora de sala de aula do alunoe que a prpria complexidade das montagens constitui uma forte barreira para que o estudantecompreenda as idias e conceitos envolvidos nas atividades prticas.

    As crticas que se colocam ao modo como as atividades prticas so tradicionalmente utilizadasnas escolas apontam que, alm de sua completa inadequao pedaggica, sua fundamentao

    Novos rumos para o laboratrio escolar de Cincias

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    epistemolgica equivocada [10, 15]. Esse quadro no exclusivo do laboratrio, haja vista quevrios dos livros-textos de Fsica e de cincias mais populares no pas sofrem da mesma deficincia[16]. Essa concepo empirista-indutivista da Cincia, a qual Chalmers [3] denomina de indutivismoingnuo, assume que o conhecimento cientfico a verdade provada ou descoberta que temorigem no acmulo de observaes cuidadosas de algum fenmeno por uma mente livre de pr-concepes e sentimentos que aplica o mtodo cientficopara chegar a generalizaes cientificamentevlidas. Essa concepo de Cincia acaba por conferir um peso excessivo observao, em detrimentodas idias prvias e imaginao dos estudantes. Alm disso, representa o mtodo cientfico comoum algoritmo infalvel, capaz de produzir conhecimento cientificamente provado, comeandocom observaes objetivas e neutras, formulao de hipteses, comprovao experimental egeneralizao das concluses. H dois problemas srios e sem soluo com essa viso.

    Em primeiro lugar, essa concepo particular do processo de produo do conhecimento sugerepara professores e estudantes que as atividades prticas escolares so da mesma natureza e tm a

    mesma finalidade que as atividades experimentais e de observao que os cientistas fazem nosseus laboratrios de pesquisa. As atividades prticas e os experimentos cientficos so atividadesbem distintas, com objetivos bastante diferentes. O cientista passou anos de sua vida estudandouma determinada rea da Cincia e quando se prepara para realizar um experimento ou conjuntode experimentos, ele o faz para resolver um problema que o interessa, e para o qual pode estarbuscando uma soluo h muito tempo. Assim, quando ele realiza um experimento, esse vemprecedido de muito estudo e reflexo, planejamento e preparao. Nesse perodo anterior efetivaconcretizao do experimento, o cientista toma uma srie de decises para definir e delimitar oque ir fazer e medir/observar, que critrios usar para checar a preciso e a confiabilidade dosresultados, que controles exercer sobre a situao, entre outras. Em segundo lugar, tendo sidocriticada por vrios filsofos, como por exemplo Popper, Russel-Hanson, Feyerabend, Kuhn eToulmin, essa imagem da Cincia, que ainda permeia muitos dos nossos livros didticos de

    Cincias Naturais, especialmente aqueles utilizados na Educao Bsica, est completamentesuperada nos crculos acadmicos h vrias dcadas.A aceitao dessas crticas no implica, entretanto, aceitar a argumentao de que as atividades

    prtico-experimentais de Cincias so suprfluas, e que elas podem, portanto, ser descartadaspara o bem dos professores, dos estudantes e da prpria escola que esses poderiam repensar oaproveitamento do tempo destinado a tais atividades, bem como dos espaos ocupados por salasespeciais de laboratrio, onde existem. Alis, da forma como vemos a questo, no h a necessidadede um ambiente especial reservado para tais atividades, com instrumentos e mesas para experincias,mas somente que haja planejamento e clareza dos objetivos das atividades propostas. SegundoTamir [20], um dos principais problemas com o laboratrio de Cincias que se pretende atingiruma variedade de objetivos, nem sempre compatveis, com um mesmo tipo de atividade. certoque, com um mesmo conjunto de materiais, um professor criativo pode planejar vrias atividadesdiferentes, com objetivos claramente distintos, como, por exemplo, aprender a usar um instrumentopara fazer leituras, obter uma imagem de um fenmeno ainda no observado, aprender estratgiaspara lidar com os erros e incertezas inerentes ao processo de medio, procurar evidncias daexistncia de alguma relao entre grandezas envolvidas na situao, e outros. Sem dvida que asatividades prticas podem propiciar ao estudante imagens vividas e memorveis de fenmenosinteressantes e importantes para a compreenso dos conceitos cientficos. Atravs delas, o estudantepode ser educado para fazer medies corretamente e procurar relaes entre variveis.

    A questo que se coloca : o laboratrio pode ter um papel mais relevante para a aprendizagemescolar? Se pode, de que maneira ele deve ser organizado? A resposta para a primeira questo

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    sem dvida afirmativa: o laboratrio pode, e deve, ter um papel mais relevante para a aprendizagemde Cincias. O fato de estarmos insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem, no s de Cincias,sugere que todo o sistema escolar deve ser continuamente repensado. Com raras excees, no secogita a extino da escola, por causa de suas dificuldades. Da mesma forma, o que precisamos encontrar novas maneiras de usar as atividades prtico-experimentais mais criativa e eficientementee com propsitos bem definidos, mesmo sabendo que isso apenas no soluo para os problemasrelacionados com a aprendizagem de Cincias.

    A Cincia, em sua forma final, se apresenta como um sistema de natureza terica. Contudo, necessrio que procuremos criar oportunidades para que o ensino experimental e o ensino tericose efetuem em concordncia, permitindo ao estudante integrar conhecimento prtico econhecimento terico. Descartar a possibilidade de que os laboratrios tm um papel importanteno ensino de Cincias significa destituir o conhecimento cientfico de seu contexto, reduzindo-o aum sistema abstrato de definies, leis e frmulas. Muito do que se faz nas aulas de Fsica em

    nossas escolas de Ensino Mdio e universidades assemelham-se a isso, preocupando-se mais coma apresentao das definies, conceitos e frmulas que os alunos memorizam para resolverexerccios. Sem dvida que as teorias fsicas so construes tericas e expressas em formamatemtica; mas o conhecimento que elas carregam s faz sentido se nos permite compreendercomo o mundo funciona e por que as coisas so como so e no de outra forma. Isso nosignifica admitir que podemos adquirir uma compreenso de conceitos tericos atravs deexperimentos, mas que as dimenses terica e emprica do conhecimento cientfico no soisoladas. No se trata, pois, de contrapor o ensino experimental ao terico, mas de encontrarformas que evitem essa fragmentao no conhecimento, para tornar a aprendizagem maisinteressante, motivadora e acessvel aos estudantes.

    Os objetivos do laboratrio

    Mesmo em locais com forte tradio de ensino experimental, por exemplo, nos cursos superiorese cursos das escolas tcnicas, quase nunca ocorre o planejamento sistemtico das atividades, coma explicitao e discusso dos objetivos de tal ensino. A formulao de um planejamento para asatividades de ensino, quando existe, destina-se mais a atender s demandas burocrticas do queexplicitar as diretrizes de ao do professor e dos estudantes, ao