a contemplação do belo como forma de libertação do ser humano, segundo arthur schopenhauer...

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FACULDADE SÃO LUIZ ARLINDO MURARA A CONTEMPLAÇÃO DO BELO COMO FORMA DE LIBERTAÇÃO DO SER HUMANO, SEGUNDO ARTHUR SCHOPENHAUER

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FACULDADE SÃO LUIZ

ARLINDO MURARA

A CONTEMPLAÇÃO DO BELO COMO FORMA DE LIBERTAÇÃO DO SER HUMANO, SEGUNDO ARTHUR

SCHOPENHAUER

Brusque2013

ARLINDO MURARA

A CONTEMPLAÇÃO DO BELO COMO FORMA DE LIBERTAÇÃO DO SER HUMANO, SEGUNDO ARTHUR SCHOPENHAUER

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia pela Faculdade São Luiz.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Glória Dittrich.

BRUSQUE2013

ARLINDO MURARA

A CONTEMPLAÇÃO DO BELO COMO FORMA DE LIBERTAÇÃO DO SER HUMANO, SEGUNDO ARTHUR SCHOPENHAUER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Filosofia da Faculdade São Luiz como requisito à obtenção do grau de Bacharel.

BANCA AVALIADORA

______________________________________________

Profa. Dra. Maria Glória DittrichFaculdade São Luiz

______________________________________________

Prof. Ms. Luiz Carlos BerriFaculdade São Luiz

_______________________________________________

Prof. Dr. Adilson José ColombiFaculdade São Luiz

Brusque, _____ de ____________ de ________.

Dedico o presente trabalho monográfico aos meus pais José Murara e Eva Pereira de Jesus Murara, aos meus irmãos Orlando e Eliana, bem como a todos aqueles que me apoiaram e me incentivaram neste itinerário.

Agradecimentos

Ao Deus da Vida, sustentáculo desta minha peregrinação. Que possa ser sempre mais presença na minha existência, Àquele que irradia a verdadeira beleza, por Ele é que eu estou aqui.

Ao Deus Providente que, ao dar a vida, também pensou na necessidade de o se humano realizar-se. Por isso, Ele é capaz de intervir em nossa existência sem nos tirar a liberdade.

Ao Deus Pessoal/Relacional que se manifesta na estrutura fundante (criada) do ser humano. Este último emana do Criador a busca pelo Belo, pelo Bem e pela Verdade.

À minha família que tem se dedicado na minha etapa formativa, sendo amparo no que estava às suas condições e minhas necessidades.

Aos amigos do SEFISC (Seminário Filosófico de Santa Catarina); aos colegas de turma (Edilson, Edson, Fábio Jr., Marcelo, Otávio, Jeferson J., Tiago, Élisson, Rodrigo C. e Samuel) que marcaram minha caminhada pelos ensinamentos.

Igualmente, meus agradecimentos aos formadores (Pe. Wanderlei, Pe. Adenir), pela preocupação paciência para comigo. Também ao Pe. Luiz Carlos Berri, pela sabedoria nas palavras.

À Diocese de Rio do Sul, bem como os seminaristas comigo presentes (Éverton, Mateus e Kelvin), meu muito obrigado por fazerem parte de minha vida.

Em especial, dedico aqui o agradecimento à Profª. Drª. Maria Glória Dittrich, que por livre e espontânea vontade me convidou a ser seu orientando.

“O autêntico modo de consideração filosófico do mundo, ou seja, aquele que nos ensina a conhecer a sua essência íntima e, dessa maneira, nos conduz para além do fenômeno, é exatamente aquele que não pergunta “de onde”, “para onde”, “por que”, mas sempre e em toda parte pergunta apenas pelo QUÊ do mundo, [...] A filosofia como arte, procede de tal conhecimento.” (A. Schopenhauer).

“É preciso que o espírito saia de si mesmo para atingir tantas coisas, mas ele não pode sair de si mesmo sem se dissipar.” (N. Malebranche).

“A Sabedoria é radiante, não fenece, facilmente é contemplada por aqueles que a amam e se deixa encontrar por aqueles que a buscam. Ela mesma se dá a conhecer aos que a desejam.” (Sabedoria 6, 12-13).

RESUMO

O presente trabalho tem como tema a contemplação do belo como forma de libertação do ser humano, para Arthur Schopenhauer. Com objetivo de superar as determinações do principium individuationis e, consequentemente, a submissão às dores do mundo, intui-se conceber o belo enquanto ideia: este se encontra em processo dialético com a finitude humana. Disso sobressai a contemplação do belo como via para o desenvolvimento do caráter humano, isto é, a libertação do ser humano pela negação do querer (puro sujeito do conhecer). Tal ontologia propõe leitura epistêmica de mundo (saber desinteressado) pela apreensão e intelecção da hierarquia das artes. A elaboração do trabalho se dará pelo método de interpretação hermenêutico-fenomenológico, quando se seguirá os seguintes passos: 1) leitura e percepção dos dados teóricos; 2) leitura de sínteses e a compreensão das que implicarão em respostas ao problema de pesquisa; 3) descrição sobre o problema encontrado. Algumas máximas que, espontânea e reflexivamente aparecem: do ser humano, de inclinação ao belo que assombra-o, segue-se a contemplação estética como que essencial à visão filosófica proeminente de sua natureza. O belo, no devir existencial humano, direciona-o para fora de si e, efetivamente, proporciona em meio às dores do mundo a beleza escondida nele mesmo. Em aspectos gerais, a problemática da filosofia de Schopenhauer – enquanto paradoxo para o sustentáculo de seu filosofar – está na tentativa/iniciativa de platonizar a filosofia kantiana, enfatizando-a ao caráter metafísico: propensa à oscilação entre o empírico e o ideal. Antropologicamente falando, isso culmina em constante dialética entre vontade e intelecto.

Palavras - chave: 1. Ser humano; 2. Contemplação do belo; 3. Libertação.

RESUMEN

El presente trabajo tiene como tema la contemplación del bello como forma de libertación del ser humano, hacia Arthur Schopenhauer. Com el objetivo de superar las determinaciones del principium individuationis y, consecuentemiente, la sumisión a los dolores del mundo, intuyese concebir el bello mientras idea: este se encuentra en proceso dialéctico con la finitud humana. De este destaca la contemplación del bello como camino hacia lo desarrollo del carácter humano, es decir, la libertación del ser humano por la negación del quierer (puro subjecto del conocer). Tal ontología propone lectura epistémica de mundo (saber desinteresado) por la aprensión y intelección de la jerarquía de las artes. La elaboración del trabajo se dará por el método de la interpretació hermenéutico-fenomenológico, cuándo se seguirá los siguientes pasos: 1) lectura y percepción de los dados teóricos; 2) lectura de sínteses y la comprensión de las que implicarón en respuestas al problema de la pesquisa; 3) descripción sobre el problema encontrado. Algunas máximas que, espontánea y reflexivamente aparecen: del ser humano, de la inclinación al bello que asombrarlo, segue la contemplación estética tan esencial a la visión filosófica proeminiente de su naturaleza. El bello, en el devir existencial humano, direccionarlo hacia fuera de sí y, efectivamente, proporciona en medio a los dolores del mundo la belleza oculta em sí mismo. En aspectos generales, el problema de la filosofia de Schopenhauer – mientras paradoja hacia la base de su filosofar – está en la tentativa/iniciativa de platonizar la filosofia kantiana, haciendo hincapié al carácter metafísico: propensos a la oscilación entre el empírico y el ideal. Antropologicamente hablando, esto culmina en constante dialéctica entre la voluntad y el intelecto.

Palavras - chave: 1. Ser humano; 2. Contemplación del bello; 3. Libertación.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................10

1. A CONCEPÇÃO DE SER HUMANO EM ARTHUR SCHOPENHAUER...........13

1.1. O homem, ser de consciência, submetido às dores do mundo..................14 1.2. O ser humano enquanto determinado pelo principium individuationis.............................................................................................17 1.2.1. O principium individuationis na leitura aos pré-socráticos ...............18 1.2.2. As características epistemológicas do fenômeno kantiano:

tempo, espaço e causalidade ...........................................................21 1.2.3. O ser humano enquanto indivíduo....................................................24 1.3. O desenvolvimento do caráter na antropologia schopenhaueriana............25 1.3.1. O caráter inteligível...........................................................................27 1.3.2. O caráter empírico............................................................................28 1.3.3. O caráter adquirido...........................................................................30 1.4. As razões da essência antropológica, na finitude existencial humana.......31

2. CONCEPÇÃO DE BELO PARA O FILÓSOFO DE DANZIG.............................34

2.1. O homem: conhecedor de sua essência íntima..........................................35 2.1.1. O belo enquanto negação do querer................................................36 2.1.2. O conhecimento da essência íntima.................................................39 2.2. O conhecimento estético e seus respectivos componentes.......................40 2.2.1. O belo enquanto Ideia.......................................................................42 2.2.2. O puro sujeito do conhecer...............................................................45 2.3. O valor da arte na estética..........................................................................48 2.4. O belo e a arte: ideia e vontade..................................................................50 2.4.1. O fenômeno (do belo) como ideal e a coisa-em-si como real...........52

3. A CONTEMPLAÇÃO DO BELO COMO FORMA DE LIBERTAÇÃO DO ESPÍRITO DO SER HUMANO..........................................................................56

3.1. O mundo como vontade vistoriado ao horizonte antropológico..................57 3.2. A contemplação do belo.............................................................................58 3.2.1. O gênio: manipulador da realidade designada pela vontade............61 3.2.2. O belo e o sublime............................................................................64

3.3. A libertação do espírito das amarras da vontade.......................................65 3.3.1. O ser humano como puro sujeito do conhecer destituído de

vontade: sobre o espaço de relações...............................................68 3.3.2. O sujeito atemporal: as hierarquias das artes ..................................70 3.4. O coroamento antropológico a partir da contemplação do belo: oposição de Schopenhauer a Fichte..........................................................73

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................76

REFERÊNCIAS.....................................................................................................81

OBRAS CONSULTADAS......................................................................................85

INTRODUÇÃO

No mais íntimo de cada ser, a essência das coisas e, em especial, do ser

humano não se caracteriza pela racionalidade, mas pela vontade. Assim, todos os

seres são representação de uma vontade universal. Acontece que, o homem, devido

à sua racionalidade, sente-se superior a ponto de querer se autoafirmar como

indivíduo. Isso repercute em sua incapacidade de chegar à realidade em si,

individuando-se e, por conseguinte, passando à mera representação. A partir dessa

motivação, o presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como tema a

contemplação do belo como forma de libertação do ser humano, para Arthur

Schopenhauer.

A presente pesquisa teórica se propõe, a partir do método de interpretação

hermenêutico-fenomenológico, a pesquisar de modo aprofundado em que consiste a

abertura do ser humano à experiência estética ou a contemplação do belo, como

forma do ser humano se libertar de sua individualidade. Sobre o método

hermenêutico-fenomenológico, este estrutura-se nos seguintes passos: 1) leitura e

percepção dos dados teóricos; 2) leitura de sínteses e a compreensão das que

implicarão em respostas ao problema de pesquisa; 3) descrição sobre o problema

encontrado.

Em se tratando de uma compreensão pormenorizada do ser humano em um

aspecto problematizado e pessimista, o filósofo de Danzig, Arthur Schopenhauer

parte do seguinte pressuposto: mostrar – em primeira instância – a concepção de

ser humano enquanto principium individuationis, segundo Schopenhauer. A partir do

ponto de vista epistemológico e antropológico, procura-se elencar as características

do indivíduo que, por sua vez, é determinado pelas categorias kantianas de tempo,

espaço e causalidade. Este primeiro estado do homem se encaixa nas dores e

11

sofrimentos que o situa no mundo: ele é submetido à finitude e ao limite de tudo o

que quer e, por sua vez, não pode alcançar.

O segundo capítulo, em oposição ao enredo da visão antropológica

desenvolvida no primeiro, tem por critério identificar a concepção de belo para o

filósofo de Danzig. Se, por um lado tem-se na visão do real, o ser humano como ser

de vontade e de consciência, submetido às dores do mundo, por outro lado, há o

mundo ideal representado pela ideia de belo, enquanto expresso na arte. O belo,

porsua vez, representa a infinitude e a eternidade na reprodução daquilo que é

corruptível.

Em sequência, os capítulos anteriores preparam o terreno para sustentar o

terceiro capítulo: relacionar a contemplação do belo com os sofrimentos presentes

no ser humano, como forma de libertação de si mesmo ou de sua vontade. Para o

filósofo de Danzig, a arte é uma das condições que o homem encontra para se

libertar das situações de aversão à própria vida. A contemplação do belo propicia ao

ser humano a possibilidade do mesmo conhecer a realidade em si, tendo como

consequência a libertação do espírito, que é oprimido pelas dores e sofrimentos

presentes no mundo.

Assim, em primeiro momento, o ser humano concebido a partir do principium

individuationis, estabelecer-se-ia no estudo de sua natureza, de caráter mais

científico, supõe-se afirmar sobre o que o ser humano é ou se define. Para o

segundo momento, entra nitidamente o papel crítico que compete intrinsecamente à

filosofia: a partir da concepção de belo aprendida pelo homem, este se pergunta:

como que o eu, sendo um ser pertencente à classe dos seres determinados pelo

limite existencial, pode ao menos pensar algo eterno, diferente de minha própria

condição ontológica? Aqui cabe à filosofia, enquanto vestida nas roupagens da

estética schopenhaueriana, desenvolver criticamente a respeito do não ser, ou

ainda, aquilo que o ser humano não é, mas que abre-se para o ser mais, quando

este se abre para o conhecimento do belo enquanto ideia.

Embora a estética de Arthur Schopenhauer seja sustentada muito mais

através da parte objetiva, ou seja dos graus de objetividade, a preocupação maior

neste presente trabalho está em sustentar uma compreensão em relação à parte

subjetiva da satisfação estética. Assim, em consonância ao problema de pesquisa,

dar-se-á base para uma nova concepção de ser humano, a partir de uma releitura

nos escritos do pensador Arthur Schopenhauer.

12

Se o ser humano, conquanto, tem inclinação ao belo, que lhe provoca

assombro, então a contemplação estética é essencial para uma visão filosófica da

própria realidade. Visto que este modo de ser provoca no homem admiração, ele

precisa descobrir-se, conhecer melhor sua própria natureza. Concomitante, é do

interesse da ciência certificar-se de como o ser humano pode ter uma vida com mais

qualidade.

A visão schopenhaueriana a respeito da estética é o aporte teórico com o

qual nos identificamos na consecução desta pesquisa. Em meio aos dias atuais, a

contemplação do belo parece ser desconhecida na realidade em que vivemos. Por

isso, é de nossa vontade querer adentrar-se nessa atividade que é um passo para a

nossa própria busca de contemplação do belo que se traduz pela libertação do

espírito frente ao grande mal do individualismo, sendo este último uma deturpação

da identidade do ser humano.

No trabalho aqui elaborado, além de refletir o pensamento de Arthur

Schopenhauer, procura-se respeitar os direcionamentos propostos à pesquisa. Os

resultados alcançados por este quer abranger uma melhor compreensão da visão

estética para o autor em destaque, bem como a relevância desta para a vida do ser

humano em sua integralidade.

Assim como o belo captado como ideia dá regras para a arte, da mesma

forma o homem enquanto ser que é capaz de captar o belo, por meio do

conhecimento desinteressado, torna-se apto a adquirir uma determinada liberdade

de ser, sendo ele mesmo capaz de regrar e regar a sua vida. O belo é para o ser

humano, assim como o objeto está para o sujeito.

O presente trabalho monográfico é digno de ser apreciado por estudantes de

filosofia que queiram fazer da filosofia uma degustação, isto é, o saber filosófico

precisa estar intimamente relacionado à própria existência a fim de que suscitem no

leitor questionamentos que perpassem seu ser de ordem tanto sustentada ao crivo

da experiência quanto ao teórico. Para tanto, o público-alvo deste tem sua

especificidade para filósofos estudantes que almejam saborear o saber.

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1. A CONCEPÇÃO DE SER HUMANO EM ARTHUR SCHOPENHAUER

Ao questionar-se sobre o íntimo de cada ser, da essência das coisas e em

especial do ser humano, percebe-se que a racionalidade não é resposta cabal para

as questões que surgem na vida. Assim, entender o ser humano apenas do ponto de

vista de sua racionalidade, é limitá-lo. No entanto, é evidente que ele também se

caracteriza como ser de vontade, ou seja, de uma afecção que o impulsiona, dá-lhe

ânimo, desejo pela vida e preservação desta.

O ser humano, em seu estado de consciência, depara-se com sua finitude e

limitação existencial e, por isso, sente-se impelido à reflexão de sua própria

existência. Concomitantemente, o belo se caracteriza como ideia que é eterna e

imutável, a qual é captada tal ideia a partir da contemplação.

De acordo com isso, Arthur Schopenhauer1 contribui para o desvelar do

conhecimento estético, ou sobre o belo na arte, como imprescindível para a

concepção de ser humano. Assim, pela possibilidade que esse pensador tem de se

abrir para esse ilustre exercício que é, propriamente, encontrar-se como participante

na vida contemplativa do belo, seja pela arte ou por outra forma de manifestação

criativa.

1 Arthur Schopenhauer nasceu em Danzig, em 22 de fevereiro de 1788, filho do comerciante Heinrich Floris Schopenhauer e de Johanna Henriette Trosiener. Encaminhado ao comércio pelo pai, Schopenhauer decide, porém, dedicar-se aos estudos depois do desaparecimento do mesmo, que se suicidou em 1805. Por conselho de seu professor Schulze estudou os filósofos Kant e Platão. Em 1813 recebeu a láurea em filosofia na Universidade de Jena, com a dissertação Sobre a quádrupla raiz do princípio de razão suficiente. Em 1818 concluiu a obra O mundo como vontade e como representação. Viveu o restante de sua vida em Frankfurt e morreu em 21 de setembro de 1860. Nesse meio tempo, publicara A vontade da natureza, em 1836, e Os dois problemas fundamentais da ética, em 1841. Sua última obra, publicada em 1851, Parerga e Paralipomena é um conjunto de ensaios que contribuiu para difundir o pensamento do autor. [Cf. REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do romantismo ao empiriocriticismo. Tradução: Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005, p. 209-210. 5. v.].

14

Em primeira instância quer-se mostrar a concepção do autor a respeito do

ser humano, em seu estado primitivo. Para tanto, haverá uma exposição

antropológica do autor, centrada ao aspecto epistemológico, envolvendo os

elementos e conceitos mais básicos para ter-se boa proximidade do pensamento de

Arthur Schopenhauer.

1.1.O ser humano: ser de consciência submetido às dores do mundo

Desse modo, o autor procede o seu pensamento antropológico a partir de

uma visão pessimista da natureza, sendo esta última, a que segue desde os seres

mais elementares aos mais complexos:

O animal conhece a morte tão-somente na morte; já o homem se aproxima dela a cada hora com inteira consciência e isso torna a vida às vezes questionável, mesmo para quem ainda não conheceu no todo mesmo da vida o seu caráter de contínua aniquilação (SCHOPENHAUER, I, § 8).2

Ora, perceber no âmbito da concretude da existência algo ante a experiência

possível de seu destino individual/singular – a morte – é algo fundamental para se

afirmar que tem e produz consigo uma complexidade de elementos, que possibilita o

alcance e elevação de sua capacidade reflexiva. Tais elementos enquanto produtos

são as representações abstratas oriundas ou dependentes das representações

intuitivas.

É a própria consciência do ser humano que o faz se aproximar do

sofrimento, da morte. Ao tratar da origem dos sofrimentos presentes no mundo,

Schopenhauer afirma que isso ocorre devido à ausência da faculdade de juízo, ou

ainda, a incapacidade do ser humano empregar os conceitos universais para os

casos particulares. Isto é, afirma-se a vontade individual, sendo que esta acaba por

substituir a vontade universal (Cf. SCHOPENHAUER, I, § 16).3

Em sua obra Dores do mundo, Arthur Schopenhauer concebe a inserção do

ser humano no mundo, sumamente ligado às dores e sofrimentos que este lhe

impõe:

2 SCHOPENHAUER, O mundo como vontade e como representação. 1º Tomo. Tradução: Jair Barbosa. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 84.

3 SCHOPENHAUER, 2005, p. 144.

15

Se a nossa existência não tem por fim imediato a dor, pode dizer-se que não tem razão alguma de ser no mundo. Porque é absurdo admitir que a dor sem fim que nasce da miséria inerente à vida e enche o mundo, seja apenas um puro acidente, e não o próprio fim.4

Falar conceitualmente do ser humano enquanto ser que vive intensa e

conscientemente as dores da existência tem sentido quando, independente de

época ou lugar, seja possível perceber como intrínseco à sua ontologia uma vida

ligada às insatisfações que beira entre o tédio à sede de autorrealização.

A finitude humana associada ao conatus da vontade haure para o extremo

vazio que cada ser pensante pode se deparar: o não-ser.5 Esta expressão última

deve ser entendida, neste contexto, àquilo que é oposto e, por sinal, ausente (ou

ainda, carente de presença) no plano existencial imediato do ser humano.

Notoriamente, a perspectiva ou a tendência pela qual se esvanece, abre caminho

para a discussão que opõe o ser humano consigo mesmo: o descontentamento com

sua vida atual induz à pergunta pelo que extrapola os limites deste frágil ser que

inspira e expira – a busca pela infinitude.

Se, segundo o que se passa ao crivo dos sentidos mediata ou

imediatamente, o homem enquanto ser vivo e finito assim o é percebido apenas

como uma breve sombra que passa, quem dera falar em segundo estágio daquilo

que se pode apenas aspirar – a sede ou vontade de infinito, perpétuo – ou

representar meramente o que é ilógico. Porém, aqui está o jogo da felicidade.

Concomitantemente, a profundidade do viver é marcada pela dor, isto é, o

ser humano enquanto ser de vontade6, tem nas profundezas de sua existência, tudo

aquilo que lhe fica incrustado em sua memória (lembranças e fatos degradantes,

dores) e que este não consegue se libertar. Nesse sentido, ao se fixar nos 4 SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do mundo: a metafísica do amor, a morte, a arte, a moral,

o homem e a sociedade. 4. ed. Trad. revista por José Souza de Oliveira. Edições e publicações Brasil Editôra S. A.: São Paulo, 1960, p. 5.

5 Segundo o tradutor desta obra, Paulo Perdigão, a palavra conatus vem do latim, que significa “impulso”. [Cf. SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 15].

6 Para compreender a concepção antropológica de Schopenhauer, há a necessidade de haver clareza no que ele define, a visão de mundo em duas dimensões: representação e vontade. Considerado autêntico leitor das obras de Kant, Schopenhauer adota a definição que este faz em relevância à coisa-em-si diferenciando-a do fenômeno. “[...] na linguagem de Kant, o tempo, o espaço e a causalidade não pertencem à coisa-em-si, mas exclusivamente ao seu fenômeno, do qual são as formas, o que, na minha linguagem, soa: o mundo objetivo como representação não é o único, mas apenas um lado do mundo, por assim dizer o seu lado exterior: o mundo ainda possui um outro lado completamente diferente, a sua essência mais íntima, o seu núcleo, justamente a coisa-em-si. Este lado nós o consideraremos no livro seguinte, nomeando-o, conforme a mais imediata de suas objetivações, Vontade” (SCHOPENHAUER, I, § 7). [SCHOPENHAUER, 2005, p. 76].

16

momentos cruciais, este limita a sua própria história de vida, o que invalida sua

autonomia frente os determinismos de sua existência.

Se por um lado as coisas boas da vida, aquilo que está de acordo com a

própria vontade do indivíduo, são passageiras e dificilmente ficam na lembrança

deste, por outro, as dores são marca registrada na identidade do ser humano:

Tudo o que se ergue em frente da nossa vontade, tudo o que a contraria ou lhe resiste, isto é, tudo que ha [sic] de desagradável e de doloroso, sentimô-lo [sic] ato contínuo e muito nitidamente. [...] O bem-estar e a felicidade são portanto negativas, só a dor é positiva.7

A partir disso, o filósofo compreende que a gênese das dores do mundo,

estas sendo profundamente sencientes ao ser humano, dá-se na individuação da

vontade: “Tudo o que procuramos colher resiste-nos; tudo tem uma vontade hostil

que é preciso vencer.”8 Em outras palavras, é a própria consciência deste que o faz

se aproximar do sofrimento, da morte gradativa.

Com isso, na luta para estender a vida o máximo que puder, o homem

procura se autoafirmar, enquanto ser de vontade. No tocante à temporalidade ou

existência muito breve, o ser humano se depara com uma ansiedade, algo

inalcançável, ou ainda, inapreensível:

Ao tormento da existência vem ainda juntar-se a rapidez do tempo, que nos inquieta, não nos deixa respirar, e se conserva atrás de cada um de nós como um vigia dos forçados de chicote em punho. – Poupa apenas aqueles que entregou ao aborrecimento.9

Diante da opressão provinda do fenômeno da vontade, pergunta-se: como

se pode obter alguma felicidade se a interioridade de cada ser vivo é impulsionada

por uma volição que causa dependência, visto que a própria sobrevivência exige a

vitalidade de outro ser apenas para se manter em estado de conservação? E ainda,

para o ser humano, que tem a priori a capacidade de reter para si uma sucessão

temporal acompanhada de mudanças bruscas e significativas, como este pode

suportar a ideia de que está caminhando para um nada, sendo este já o seu

significativo vazio interior?

7 SCHOPENHAUER, 1960, p. 5-6.8 Ibid., p. 7.9 Ibid., loc.cit.

17

A partir dessa perspectiva delineia-se o mal existencial no ser humano, isto

é, a luta para se manter distante do não-ser, afirmando, assim, a sua vontade de

vida.

1.2.O ser humano enquanto determinado pelo principium individuationis10

Ao se referir à vontade individual, seria o mesmo que o principium

individuationis, ao representar o fenômeno da vontade, se manifesta em maior

intensidade no ser humano. A partir dessa consideração, vale informar que a

centralidade da filosofia de Schopenhauer é herdada de Kant11, ou seja, a

designação do que é fenômeno12 e o que é númeno resulta na discussão sobre a

constituição da individualidade e como o ser humano procura conservar sua

identidade a partir da sua razão.

O númeno vai além da representação. No entanto, é insubstituível a

relevância da compreensão de fenômeno para assim delinear o que é propriamente

o númeno ou a dita coisa-em-si. Comumente, é tão costumeiro as pessoas estarem

tão presas às coisas segundo as imagens, os signos. No entanto, o filósofo é aquele

que se pergunta pelo sentido, o que algo enquanto representação quer expressar,

ou ainda qual a ideia que este carrega consigo.

10 Para se compreender o que Schopenhauer conjuga e define por principium individuationis, faz-se menção à intelecção da coisa-em-si, isto é, como ela é tornada conhecida quando se dispõe no tempo e no espaço. “Nesse sentido, servindo-me da antiga escolástica, denomino tempo e espaço pela expressão principium individuationis, que peço para o leitor guardar para sempre. Tempo e espaço são os únicos pelos quais aquilo que é uno e igual conforme a essência e o conceito aparece como pluralidade de coisas que coexistem e se sucedem, Logo, tempo e espaço são o principium individuationis, objeto de tantas sutilidades e conflitos entre os escolásticos, compilados por Suarez (Disp. 5, sect. 3)” (SCHOPENHAUER, II, § 23). [SCHOPENHAUER, 2005, p. 171].

11 Immanuel Kant (1724-1804) nasceu em Königsberg, na Prússia. Estudou filosofia, matemática e teologia na universidade de sua cidade natal. A filosofia de Kant não parte do pressuposto de que haja uma realidade exterior pré-ordenada, mas que a realidade é construção nossa, como sujeitos inteligentes. [Cf. MONDIN, Battista. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 7. ed. Tradução de J. Renard; revisão técnica de Danilo Morales; revisão literária de Luiz Antônio Miranda. São Paulo: Edições Paulinas, 1980, p. 227].

12 Fenômeno: segundo sua etimologia (tó phainómenon, particípio substantivado de phaínesthai, “aparecer”), a palavra fenômeno indica em filosofia aquilo que aparece, que se manifesta, independentemente do nível (sensível ou inteligível) no qual se dá a aparição ou manifestação. É fácil perceber que no “aquilo que aparece” podem ser distinguidos o “aquilo que”, ou seja, o conteúdo, a coisa, o ente e o ser; e a aparição ou manifestação, ou seja, a sensação, o conhecimento, a consciência. A partir dessa distinção está também o problema da relação dos dois pólos: o objeto e o sujeito, que culmina na distinção entre ser e pensamento, verdade e certeza. A problemática apresenta duas ordens ou dimensões diferentes de realidade, de tal modo que a realidade da coisa seja diferente de sua manifestação. [Cf. MOLINARO, Aniceto. Léxico de metafísica. Tradução de Benoni Lemos, Patrizia G. E. Collina Bastianetto. São Paulo: Paulus, 2000].

18

Desse modo, entende-se que o fenômeno é, propriamente, representação,

enquanto que a coisa-em-si é apenas vontade ou aquilo que é sem fundamento.

Esta última, a vontade “[...] é o mais íntimo, o núcleo de cada particular, bem como

do todo. Aparece em cada força da natureza que faz efeito cegamente, na ação

ponderada do ser humano” (SCHOPENHAUER, II, § 21).13

O conceito de vontade abarca tanto o que constitui a individualidade bem

como é o que se faz presente em tudo e no todo. A partir desse pressuposto, faz-se

menção ao procedimento da vontade individual, isto é, como ela se expressa

enquanto princípio de individuação, sendo a causa originária das incessantes lutas

dos seres na natureza.

1.2.1. O principium individuationis na leitura dos pré-socráticos

Devido ao fato de a própria vontade ser esta força da natureza que age

cegamente, sem determinismo sobre si, o pensador alemão percebe, na filosofia de

Anaxágoras, que sobre o intelecto e as homeomerias há uma descrição para se

entender e fundamentar seu pensamento a respeito da relação entre intelecto e

vontade.

Destas, ele as compreende nos termos: em tudo, o todo, é a descrição do

dogma das homeomerias. “Por conseguinte, na caótica massa originária, ocultavam-

se, de modo totalmente completo, as partes similares (no sentido fisiológico) de

todas as coisas. Para separá-las e combinar, ordenar e formar coisas

especificamente diferentes [...]”14, tem-se por necessidade a presença de um

intelecto, que, “[...] mediante a seleção dos componentes, ordenaria a confusão,

uma vez que o caos continha a mais completa mistura de todas as substâncias

(Scholia in Aristot)”.15

Respectivamente, Schopenhauer dá continuidade à reflexão, a partir do

pensador pré-socrático Empédocles. Este, diferente de Anaxágoras, não tratava a

respeito de inúmeras homeomerias, mas apenas quatro elementos. Para

Empédocles, as coisas deveriam derivar como produtos de tais elementos, e não

13 SCHOPENHAUER, 2005, p. 168.14 SCHOPENHAUER, Arthur. Fragmentos sobre a história da filosofia: precedido de Esboço

de uma história da doutrina do ideal e do real. Tradução Karina Jannini; prefácio Jair Barboza. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 49. [grifo do autor]

15 SCHOPENHAUER, 2007, loc. cit. [grifo do autor]

19

como extratos, segundo Anaxágoras.16 Com isso, conceber as coisas como produtos

denota uma totalidade que se pode obter dos elementos que produziram, e não

apenas uma mera parcialidade. A realidade, para Empédocles é, portanto, um todo

desse processo.

No que diz respeito ao elementos amor e ódio como determinantes ou que

ordenam o intelecto, ele prossegue:

Ambos são muito mais sensíveis. Com efeito, ele transfere a disposição das coisas não ao INTELECTO [...] mas à VONTADE [...], e os diferentes tipos de substâncias não são, como em Anaxágoras, meros extratos, mas sim verdadeiros produtos. Se enquanto Anaxágoras as representa por meio de uma compreensão que separa, Empédocles o faz por um impulso cego, isto é, por uma vontade sem conhecimento.17

Aqui cabe afirmar que o princípio último que dá regras às coisas é sem

regra. Se este princípio – a vontade – fosse por outro algo determinada então

sobraria dizer que as determinações da vontade, amor e ódio, nem sequer poderiam

ser manifestação desta. Dado que da vontade como fundamento estão também as

disfunções que permitem a dinâmica da vida, amor e ódio jamais poderiam se

manifestar, pelo menos naquilo que conhecemos empiricamente, pois se opõem à

justaposição do intelecto. Ora, este – o intelecto – pensa as coisas

figurativa/representativamente em estabilidade, isto é, os conceitos.

Outro fato é que o intelecto está mais para a percepção da causalidade, a

partir das impressões retidas dos sentidos. Para tanto, em si a nossa mente vai ao

encontro de indagações a respeito da existência das coisas, no estilo racional ou

lógico. Quando afetado pela vontade, o intelecto passa por um processo imaginativo,

ao que Freud chamaria de subconsciente. O pensador Schopenhauer contribui muito

nessa perspectiva, quando esclarece a participação e influência dos desejos, gostos

e interesses da vontade no intelecto.

Com base nessa reflexão, entende-se que desde a natureza inorgânica até

os seres mais complexos, no caso o ser humano, a vontade que se manifesta por

amor e ódio, é a força cega que desempenha a unificação ou separação das coisas.

“E o que mais é essa oposição polar, que em geral se manifesta em toda a natureza

16 Cf. Ibid., p. 50.17 Ibid., loc. cit.

20

sempre sob as mais diversas formas, senão uma desunião que sempre se renova,

seguida pela reconciliação ardentemente ansiada?”18

E ainda, entende-se que a amizade ou afetividade de uma pessoa à outra ou

inimizade e desprezo, depende da disposição ou o estado da alma e as

circunstâncias que lhe advém. Nesse caso, a vontade aí presente se demonstra um

tanto quanto sem rumo definido. Ao se perguntar pela formação do caráter do

homem, nessas condições, este se sente preso ao determinismo da vontade

mesma. No entanto,

[...] a prudência nos manda persistir no ponto da indiferença, embora ele seja, ao mesmo tempo, o ponto de congelamento. Do mesmo modo, o cachorro estranho que se aproxima de nós também se encontra instantaneamente pronto para usar de um registro amistoso ou hostil e, com facilidade, deixa de latir e rosnar para abanar a cauda, bem como o contrário.19

Diante disso, como o ser humano, determinado por uma vida finita e sob o

princípio da causalidade, pode fugir da ação cega da vontade? Princípio de

causalidade pode se entender o processo como se dá e pode ser explicada a

sucessão de acontecimentos ou ações, mas sem deixar de lado a capacidade

reflexiva específica e predominante no homem. Este, ao guardar as imagens

sensitivas no intelecto, adapta-as juntamente para o procedimento abstrato mental.

Em se tratando do questionamento de que por porventura pode se libertar

das falta de direção dos impulsos da vontade, faz-se mister trazer a ótica de Maria

Glória Dittrich, dentro da leitura aos pré-socráticos – imprevisivelmente em reforço

ao pensamento de Arthur Schopenhauer –, ao contemplar as duas forças

propulsoras (amor e ódio) da vontade sob o intelecto, no que se refere ao amor, a

mestra em educação assim entende a posição de Aristóteles:

Aristóteles, na sua concepção de criação, como atualização de uma força divina desde um deus – Motor imóvel, via o amor como a essência que dava vida à matéria. Ele engendrava a matéria como potência e atualização do ser nas suas múltiplas formas de poder ser na experiência concreta.20

18 Ibid., p. 51.19 Ibid., loc. cit.20 DITTRICH, Maria Glória. Arte e criatividade, espiritualidade e cura: a teoria do corpo

criante. Blumenau: Nova Letra, 2010, p. 159.

21

É exatamente nesse aspecto que se quer exaltar a contribuição de Arthur

Schopenhauer frente a natureza do ser humano, que embora caminha para o não-

ser, é ao mesmo tempo aberto na busca pelo ser mais.

A superação do ser humano não se encerra na sua elevação aos demais

seres, no campo da imanência, ou que se pode falar na experiência possível. A

categoria para a qual se projeta – o ser mais – oportuna à possibilidade de

superação de si-mesmo, no que tange aos fixismos/confortos por uma vida

meramente prazerosa.

1.2.2. Características epistemológicas do fenômeno kantiano: tempo espaço e causalidade

Como supracitado, a concepção fenomenológica de ser humano, visto na

dimensão epistemológica, tem seu fundamento na contribuição em Immanuel Kant.

Arthur Schopenhauer sustenta que uma das formas de aprisionamento do ser

humano está em se limitar às determinações espaço-temporais, desconhecer-se a si

próprio como ser de vontade. Isto é, em primeira instância, limitar-nos-emos a

conceber o homem no aspecto da representatividade/fenômeno.

Tendo por preocupação a verdade do conhecer, o autor entende o mundo

como intuição de quem intui, objeto para o sujeito, ou ainda, representação. Tal

assertiva, segundo ele, vale tanto para o presente como para o passado e futuro,

tanto para o próximo como para o distante, dado é que tal regra é aplicável tanto ao

tempo quanto ao espaço.21

Ao partir de uma visão epistemológica do ser humano, faz-se mister que

este enquanto sujeito, a esses parâmetros, torna-se um desafio de se descrever

algo referente ao mesmo. Pois, segundo Schopenhauer, aquele que conhece mas

não é conhecido por ninguém é o sujeito. “Este é, por conseguinte, o sustentáculo

do mundo, a condição universal e sempre pressuposta de tudo o que aparece, de

todo objeto, pois tudo o que existe, existe para o sujeito”.22

Assim, enquanto sujeito que conhece, o homem tem como sendo

unicamente e propriamente dele, a capacidade de formular conceitos por meio da

razão. A esse procedimento dão-se as representações abstratas. Porém, o que se

21 Cf. SCHOPENHAUER, 2005, p. 43-44.22 Ibid., p. 45.

22

propõe, a este momento, é uma definição do que seriam as representações intuitivas

como proposta de Schopenhauer, como compreensão do “[...] mundo visível, ou a

experiência inteira, ao lado das suas condições de possibilidade”.23

Os conceitos de tempo, espaço e causalidade, adotados da filosofia

kantiana, são trazidos como constituintes do pensamento schopenhaueriano, como

determinantes da capacidade representativa do ser humano. Este está sob o crivo

da experiência bem como impera nele a capacidade de pensar, que possui certa

independência em relação aos sentidos:

[...] o pensamento como lei de fundamentação dos sentidos, assume uma figura inteiramente peculiar, à qual dei o nome de PRINCÍPIO DE RAZÃO DE SER, que, no tempo, é a seqüência [sic] de seus momentos e, no espaço, é a posição de suas partes que se determinam reciprocamente ao infinito.24

A categoria a priori de tempo é, em sua essência, sucessão ou sequência de

momentos: “Quem reconheceu a forma do princípio de razão que aparece no tempo

puro como tal e na qual se baseia toda numeração e cálculo, também compreendeu

toda a essência do tempo”.25

Já, a categoria a priori de espaço é, em sua essência, a posição,

determinações recíprocas de suas partes. “Quem, ademais, conheceu o princípio de

razão tal qual ele rege no mero espaço puramente intuído esgotou com isso toda a

essência do espaço, [...]”26

As categorias a priori de tempo e espaço dizem respeito à forma da

perceptibilidade. Esta, por sua vez, é a matéria enquanto conteúdo.

[...] quem compreendeu a figura do princípio de razão que rege o conteúdo daquelas formas // (tempo e espaço), da sua

23 Ibid., p. 47. Em continuidade, o autor de O mundo como vontade e como representação, a respeito das representações intuitivas nos diz que trata-se “[...] de uma descoberta muito importante de Kant o fato de que justamente semelhantes condições, formas do mundo visível, o mais universal em sua percepção, o elemento comum a todos os seus fenômenos, isto é, tempo e espaço, possam ser não apenas pensados in abstracto por si e separados do seu conteúdo, mas também intuídos imediatamente. Intuição que não é como um fantasma, extraído por// repetição da experiência, mas tão independente desta que, ao contrário, a experiência tem antes de ser pensada como dependente dela, visto que as propriedades do espaço e do tempo, conhecidas a priori pela intuição, valem para toda experiência possível como leis com as quais, na experiência, tudo tem de concordar” (SCHOPENHAUER, I, § 3). [Ibid., loc. cit.].

24 Ibid., p. 48. [grifo do autor]25 Ibid., p. 49.26 Ibid., loc. cit.

23

perceptibilidade, isto é, a matéria, portanto a causalidade, também compreendeu a essência inteira da matéria como tal, [...] O ser da matéria é o seu fazer-efeito.27

Os elementos tempo e espaço, acima descritos por Schopenhauer, tem suas

raízes na estética transcendental de Kant, em sua obra Crítica da razão pura. A

interação e compreensão destes elementos correspondem à justificativa de como se

dá o conhecimento e ainda, a partir disso, o ser humano se posiciona ou busca uma

reciprocidade com o meio.

Com efeito, a própria experiência é uma forma de conhecimento que exige concurso do entendimento, cuja regra devo pressupor em mim antes de me serem dados os objetos, por consequência, a priori e essa regra é expressa em conceitos a priori pelos quais têm de se regular necessariamente todos os objetos da experiência e com os quais devem concordar.28

Tendo como aporte teórico a Crítica da razão prática de Immanuel Kant,

procurar-se-á analisar mais a fundo a relação entre as categorias a priori de tempo e

espaço como determinantes da faculdade de conhecer do sujeito na problemática da

liberdade enquanto lei/princípio de motivação. A liberdade do ser humano quanto à

sua autonomia de saciar sua vontade, se justapõe no postulado da razão pura

prática, na discussão que Kant intenciona, de certo modo, sobre a própria existência

de Deus.

Segundo ele, no que diz respeito à moralidade, esta tem como elemento

fundante a eternidade. “Esta mesma lei deve igualmente conduzir à possibilidade do

segundo elemento do soberano bem, a saber, à felicidade adequada a essa

moralidade, e de um modo tão desinteressado [...]”.29 Assim, para melhor situar a

posição de Kant na filosofia, faz-se mister trazer à lume um pequeno trecho presente

no final do prefácio de sua obra:

Ora, quando esta se encontra em contradição com a razão, que unicamente autoriza princípios empíricos, como isso é inevitável na

27 Ibid., p. 49-50.28 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 5. ed. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 46.29 KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução de Artur Morão. Lisboa: edições 70,

1986, p. 143. [grifo nosso]

24

antinomia em que a matemática demonstra irrefutavelmente a divisibilidade infinita do espaço, o empirismo não pode admiti-la: a maior evidência possível da demonstração encontra-se então em contradição manifesta com as pretensas conclusões tiradas de princípios de experiência; [...].30

Assim, o filósofo de Königsberg dá continuidade, por meio do seguinte

exemplo: “[...] e deve então perguntar-se como o cego de Cheselden: o que é que

me engana, a vista ou o tacto [sic]? (Com efeito, o empirismo funda-se numa

necessidade sentida, mas o racionalismo numa necessidade discernida.)”.31

1.2.3. O ser humano enquanto indivíduo

Diante dos determinismos da vontade, o ser humano enquanto submetido ao

princípio de individuação, utiliza-se de sua faculdade racional à serviço da vontade

individual, a fim de sobrepô-la sobre as demais vontades. Concomitante, quando se

quer caracterizar o ser humano enquanto espécie que se difere dos animais, dado

que nestes últimos o seu caráter individual se perde no caráter geral da espécie,

para a espécie humana, entretanto, é necessário que cada indivíduo tenha de ser

estudado por si mesmo (Cf. SCHOPENHAUER, II, § 26).32

Isto é, quando se fala ou busca-se fazer a tentativa de delinear o ser

humano, em sentido genérico, há uma série de empecilhos: as diferentes

compreensões que cada ser racional pode inteligir a respeito do que é e/ou quem é

o ser humano; vê-lo como ser situado e de cultura; suas características próprias e

similarmente irrepetíveis.

Daí está a problemática, bem como a partir disso se pode afirmar que se

pode chegar ao máximo em uma noção antropológica meramente estabelecida.

Concomitante, Schopenhauer traz claramente a individualidade como marca

indelével do ser humano. A pluralidade que compõe o gênero humano, por assim

dizer, precisa ser considerada para compreender a situação e complexidade em que

este se encontra.

Tratando-se de esclarecer a posição de Schopenhauer a nível de reflexão

filosófica, como questão estritamente antropológica, faz-se aqui um contraste de sua

30 KANT, 1986, p. 22.31 Ibid., loc. cit. [grifo do autor]32 SCHOPENHAUER, 2005, p. 193.

25

concepção em relação à hierarquia dos entes apresentada na metafísica tomista.

Enquanto que para Sto. Tomás33 o homem é visto como um microcosmo do

macrocosmo, ou mera criação: na hierarquização dos entes34 em perspectiva

descendente; para Schopenhauer o ser humano não é apenas a síntese, mas o

estágio último e mais complexo dos seres, em uma lógica ascendente dos seres

inorgânicos aos dotados de consciência.

1.3.O desenvolvimento do caráter na antropologia schopenhaueriana

Assim, o pensamento schopenhaueriano busca, no interior consciente do ser

volitivo e pensante, um sentimento de alegria, de visão interior de si, de encontro

consigo mesmo. O filósofo de Danzig apresenta mais detalhadamente a arte de

conhecer a si próprio, considerando o seu caráter ou personalidade que, de modo

esmiuçado ao estudá-lo, pode-se melhor compreendê-lo pelo caráter inteligível,

empírico e, de modo especial, o caráter adquirido.

O desenvolvimento do caráter, na filosofia schopenhaueriana, parte da

clareza e visibilidade quanto à maneira que a estética transcendental se justapõe.

Dado que o sujeito a ser compreendido a partir de seus atos, em sentido

estritamente moral, tem antes primado com a sua constituição ontológica e sua

natureza teleológica.

Mediante a crítica que o autor de O mundo como vontade e representação

faz à Kant, é alarmante a inversão que Schopenhauer faz em relação ao modo em

que este último concebe o procedimento da faculdade de conhecer. Por

conseguinte, abre-se discussão gradativa a respeito das fontes do conhecimento:

O fato, por Kant rigorosamente demonstrado, de uma parte de nosso conhecimento nos ser consciente a priori, não admite nenhuma outra explanação a não ser a de que é constituída pelas formas de nosso intelecto: [...] pois a priori significa apenas “não adquirido pelo caminho da experiência, portanto não vindo de fora para nós”; ora,

33 Tomás nasceu na Itália, provavelmente em 1224, no castelo de Rocca Secca, dos condes de Aquino, um vilarejo perto de Nápoles, no sul da península itálica. Estudou filosofia na Universidade de Nápolis, depois em Paris e também em Colônia, na Alemanha, tendo se destacado em todas as escolas que frequentou. Sua produção, abundante, foi desenvolvida em curto período de vida – Tomás de Aquino viveu até os 49 anos, apenas. [Cf. CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. São Paulo: Atual, 2002, p. 165].

34 Na obra O ente e a essência, santo Tomás apresenta os entes todos constituídos por uma hierarquia, no que tange das substâncias compostas até chegar a Deus que é a mais simples das substâncias. [Cf. SILVA, Márcio Bolda da. Metafísica e assombro: curso de ontologia. 4. ed. São Paulo: Paulus, 1994, p. 68].

26

aquilo presente no intelecto sem ter vindo de fora é justamente o que lhe pertence originariamente, seu ser próprio.35

O simples fato de que o intelecto não tão passível de receber o que é

empiricamente dado, ou ainda, vindo de fora; nota-se que o ser humano já tem em si

algo que o torna sujeito e, ao mesmo tempo indivíduo: seu caráter mediante as

formas nele incrustadas, que possibilitam ao entendimento absorver as intuições.

E, se aquilo presente no próprio intelecto consiste no modo e na maneira

universais como todos os seus objetos têm de se lhe apresentar, isso equivale a

dizer que essas são as formas de seu conhecer, ou seja, o modo e a maneira para

sempre estabelecidos de como ele desempenha as suas funções. Por isso, falar de

conhecimento a priori, bem como sobre as formas próprias do intelecto, tem como

significância, duas expressões para a mesma coisa.36

Frente a isso, Schopenhauer tem grande afeição à estética transcendental

de Kant. O que lhes falta é dar continuidade à sua reflexão sobre tais formas

constituintes do intelecto: as formas kantianas a priori de tempo e de espaço. Deste

modo, “[...] Kant não foi até o fim com seus pensamentos, pois não rejeitou todo o

método euclidiano de demonstração, mesmo após ter dito, [...] que todo

conhecimento geométrico tem evidência imediata a partir da intuição”.37

No entanto, tem-se de ter cuidado, ao querer avaliar a formação do caráter

do ser humano, para não cair no afobamento em que o próprio Kant veio a sofrer.

Consequentemente, ele é duramente criticado por Schopenhauer. Este último

registra queixa quanto à falta de distinção entre as representações intuitivas e as

representações abstratas.

“Nosso conhecimento”, diz Kant, “possui duas fontes, a saber, receptividade das impressões e a espontaneidade dos conceitos: [...] pela primeira um OBJETO nos é dado, pela // segunda ele é pensado”. Isso é falso: pois, do contrário, a IMPRESSÃO – unicamente para a qual possuímos mera receptividade, que portanto vem de fora, e só ela seria propriamente “DADA” – seria já uma representação, sim, até mesmo um OBJETO.38

35 SCHOPENHAUER, 2005, p. 550.36 Cf. Ibid., loc. cit.37 Ibid., loc. cit.38 Ibid., p. 551.

27

A representação que se tem de algo, deve se levar em conta que esta

sempre passa pela condição do sujeito que apreende o fenômeno segundo suas

capacidades de sentido, e dá-lhes direcionamento qualificando-os por meio de

conceitos. No entanto o fenômeno – que é a síntese entre o sujeito com suas formas

a priori e o objeto – é representação, mas não o objeto mesmo ou coisa-em-si.

1.3.1. O caráter inteligível

O caráter inteligível apresenta a individualidade de cada homem, é imutável,

substancial à sua identidade. A partir desta abordagem, bem como do contexto que

se segue, faz-se uma retomada quanto à distinção entre fenômeno (a epistemologia

kantiana explanada na estética transcendental) e a coisa-em-si (o caráter livre e

imutável do indivíduo). “O indivíduo, no seu imutável caráter inato, determinado

rigorosamente em todas as suas exteriorizações pela lei da causalidade que [...]

mediada pelo intelecto, chama-se motivação, é apenas o fenômeno”.39

Isto é, tal caráter é o que de fato poderia também ser dito como que princípio

de identidade. Ora, o ser humano se individua, torna-se único conforme as

determinações que sua natureza se compõe e assim se expressa. Por exemplo,

alguém que tenha uma audição bastante apurada é possível que possa ser um

experiente músico. Nesse caso, quando se diz experiente músico significa que a sua

própria natureza inteligível é condição para adquirir na experiência, isto é,

desenvolver seu caráter empírico para se destacar ainda mais. Em estilo

comparativo seria afirmar que a potencialidade inata do caráter inteligível é

condição, porém, muito mais ainda um determinismo para a consecução do caráter

empírico.

Disso se segue que o caráter inteligível, enquanto a coisa mesma, destituído

da lei de necessidade, tanto existe como também é fundamento que constitui a

personalidade ou individualidade. “A coisa-em-si que está no seu fundamento, como

estando fora do espaço, livre de toda a sucessão e da multiplicidade dos atos, é una

e imutável. Sua natureza em-si é o caráter inteligível [...]”40

Em Aforismos para a sabedoria de vida, Schopenhauer faz suntuosa

distinção daquilo que alguém é em si mesmo (caráter inteligível) em relação aos

39 SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre o fundamento da moral. Tradução: Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 94.

40 SCHOPENHAUER, 2001, loc. cit.

28

bens que possui e as opiniões que os ademais tem dele. “Já reconhecemos em

geral que aquilo que somos contribui muito mais para a felicidade do que aquilo que

temos ou representamos.”41 Com essa máxima entende-se mais intensamente a

relevância que a constituição da individualidade pode afetar no senso de humor,

bem como nas motivações para viver e se desenvolver intelectiva e racionalmente.

Há grande diferencial entre o que alguém de fato é em sua personalidade

em vista ao que representa, isto é, quando seu comportamento é descrito ou

apreciado por outra pessoa subjetivamente. Por isso, é necessário ter-se especial

atenção a esse detalhe. Quando o assunto é distinguir a individualidade de cada um,

constantemente corre-se o risco do observador projetar as suas características

próprias no indivíduo a ser observado. Isto é, os aspectos de conduta do primeiro

são as lentes para que se possa dizer algo desse último.

De modo mais detalhado, o caráter inteligível, enquanto que constituinte do

ser humano, “[...] está presente igualmente em todos os atos do indivíduo e

impresso em todos eles, como o carimbo em mil selos, e que determina o caráter

empírico deste fenômeno que se manifesta no tempo e na sucessão dos atos”.42

1.3.2. O caráter empírico

Em continuidade ao que foi refletido acima, embora exista inegável distinção

entre o que é inato no ser humano do que lhes passa a pertencer a partir da

experiência possível, existe também uma causalidade ou (con)sequência entre o

caráter inteligível propriamente dito e o empírico. Isto é, o primeiro é condição para o

desenvolvimento do segundo.

O caráter empírico representa os atos do indivíduo que segue as

determinações do caráter inteligível.43 Entremente, o caráter empírico é claramente

distinto do caráter inteligível, mas totalmente dependente deste. A este proceder,

Schopenhauer concorda com a máxima embutida pelos escolásticos ““operari

sequitur esse” [o que se faz segue-se do que se é – Pomponatius, De animi

imortalitate, p. 76]”.44

41 SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria de vida. Tradução, prefácio e notas Jair Barboza; revisão da tradução Karina Jannini. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 15.

42 SCHOPENHAUER, op. cit., loc. cit.43 Cf. DEBONA, Vilmar. Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-

místico. Apresentação de Jair Barboza. São Paulo: Annablume, 2010, p. 62-66.44 SCHOPENHAUER, op. cit, p. 95.

29

O agir é resultado da atualização da potência de ser, em linguagem

propriamente tomista. Mesmo para o ser humano que age deliberativamente, a ação

segue a intenção do agente. Embora nem sempre é possível apreender a verdadeira

intenção de um ato de caridade, por exemplo, o que se delineia nesse contexto é a

origem da capacidade que o indivíduo tem para realizá-lo.

Das leituras dos escolásticos por Schopenhauer, ele resgata, em sua

compreensão e definição de caráter empírico, de que

[...] cada coisa no mundo age de acordo com aquilo que ela é, de acordo com sua natureza, na qual, por isso, todas as suas manifestações já estão contidas como “potentia” [segundo a possibilidade], mas acontecem como “actu” [na realidade], quando causas exteriores as produzem, pois aquela própria natureza se manifesta.45

Disso segue-se que o próprio desejo de realizar-se em sua

individual/unicidade faz com que o ser humano se indague pelo que extrapola os

limites de suas ações possíveis. Embora um sujeito não tem qualidades o suficiente

para a música, por exemplo, ele persiste nisso pelo simples fato de querer se

apropriar dos mesmos gozos que outrem se satisfaz. Contudo, o desejo pelo bem

pertencente de outra pessoa, que é diferente de desejar o bem a outra pessoa,

causa ou pode causar sofrimento a ambas, porém sofre muito mais aquela que

deseja.

Nesse sentido, o sofrimento vem alojado também na natureza humana e não

é apenas vivencial. A posteriori, por assim dizer, ele tira provas concretas de sua

real situação como ser-do-mundo e no-mundo. O ser humano se associa ao mundo,

torna-o diferente segundo as capacidades sensitivas e cognitivas. Isto é, as dores

vivenciadas não se restringem apenas à sua exterioridade, mas ele as produz no

sentido de que vivencia e exprime a partir de sua própria fixação e tentativa de

elevar-se das condições mundanas.

1.3.3. O caráter adquirido

Já o caráter adquirido é o conhecimento que se eleva acima do caráter

inteligível e empírico, ou seja, é quando o homem toma consciência de sua própria

45 Ibid., p. 96.

30

essência e, por isso procura meios de se libertar dos determinismos impostos pela

natureza.46

Nesse aspecto, entra a perspectiva de que o ser humano busca, ao

especular e analisar a fundo sua real situação e condição, uma direção para o ser

mais.

Aqui está a afirmação da vontade de vida. Mas esta busca precisa ser

levada conscientemente para não tornar-se causa definitiva do sofrimento humano.

Isto é, afirmando os meus desejos pode significar pisar em cima da pessoa que está

ao meu lado. Isso seria ter uma tomada de consciência frente à deliberação de

escolhas e atitudes frente a outrem.

Ao elencar os elementos que ligados à tomada de consciência do homem na

formação de seu caráter/personalidade, Schopenhauer faz uma crítica a Kant nos

seguintes termos:

A suposta razão prática, com seu imperativo categórico, é manifestamente parente próxima da consciência (“Gewisen”), embora, em primeiro lugar, seja essencialmente diferente dela, pois o imperativo categórico, ao ordenar, fala necessariamente antes da ação; a consciência, porém, só fala depois.47

Nestes parâmetros, cada qual precisa o mais antes possível se humanizar,

dado que a própria vida terrena é muito curta e, para isso, a sabedoria que vem de

fora deve ser considerada para que este mundo possa ser um pouco mais habitável

de se viver.

Ao analisar o pensamento do filósofo de Danzig, Arthur Schopenhauer, em

sua obra - Sobre o fundamento da moral – o termo consciência sofre um deslize com

o imperativo categórico e proximidade com a experiência, já que “[...] a consciência

retira sempre sua matéria da experiência, o que não pode fazer o suposto imperativo

categórico, já que é puro “a priori””.48

1.4.As Razões da essência antropológica na finitude existencial humana

A existência tem suas razões. A essência está para as situações em que nos

encontramos. Isto é, as capacidades ou faculdades do ser humano atualizá-las é de

46 Cf. STAUDT, Leo Afonso. O significado moral das ações como negação da vontade, para Arthur Schopenhauer. Revista de Filosofia Aurora: 283. In DEBONA, 2010, p. 67.

47 SCHOPENHAUER, 2001, p. 86. [grifo do autor]48 Ibid., p. 87.

31

intrínseca necessidade para o progresso de uma sociedade, no desenvolvimento da

pessoa.

Assim, não se deve ignorar ou ser indiferente ao que pode ser o ser

humano, em termos de capacidade de memorização, por exemplo, em um ensino-

aprendizagem. Isso seria desperdiçar a potencialidade para o ‘ser mais’.

Em Schopenhauer, quer se pensar o ser humano em processo de

construção. Desse modo, Schelling apud Jair Barboza entende que:

O filósofo “não constrói a planta, o animal, mas a forma absoluta, isto é, o universo na figura da planta, o universo na figura do animal...” A construção é uma atividade criadora, contemplativa do “em si, ou seja, o que está no eterno mesmo” [...], [...] os fenômenos são meras cópias das quais os conteúdos da construção são, platonicamente, o original, isto é, as Idéias [sic].49

A questão é que há a necessidade de se saber balancear, ou melhor,

harmonizar idealismo e empirismo, no sentido de que “[...] os fenômenos são meras

cópias das quais os conteúdos da construção são, platonicamente, o original, isto é,

as Idéias.”50

Uma das infelicidades humanas é aquela condizente à limitação da natureza

ontológica de uma pessoa. Isso se dá pelo fato de, ao ter consciência de que sua

espécie cria indivíduos com maior potencialidade que esta (pessoa que assim se

reconhece), ela entra em colapso consigo mesma. E mais, ao deparar-se, por outro

lado, com a pressão da própria vontade sobre si, vive em profundo sofrimento. E,

enquanto esta não descobre ou ao menos se pergunta pela causa de sua agonia ou

tédio, não consegue se libertar.

Desse modo, a libertação do espírito consiste em conhecer-se a si mesmo e,

por meio de suas faculdades construtivas de seu caráter aberto/adquirido promover

uma nova antropologia.

Há uma dialética importante no que constitui o ser do humano, ao analisar-

se as dimensões de caráter. Isso se reflete na própria consecução desse trabalho.

Primeiro, tem-se em representar uma antropologia centrada no seu caráter inteligível

e empírico; ou seja, naquilo que se é. Em seguida, daremos um passo adiante em

49 BARBOZA, Jair. Infinitude subjetiva e estética: natureza e arte em Schelling e Schopenhauer. São Paulo: Ed. UNESP, 2005, p. 42.

50 Ibid., loc. cit.

32

busca de uma superação dos determinismos que regem a finitude humana, isto é,

no plano suprassensível através da via estética.

Se fosse transferir a filosofia de Schopenhauer – intelecto e vontade – nas

dimensões da autorrealização do ser humano, em contraste pensamento do filósofo

Lima Vaz51 (no primeiro e segundo volume de Antropologia Filosófica), se daria do

seguinte modo: 1) a vontade se explicita, se mostra na corporalidade52; 2) a razão se

explicita, se mostra no psiquismo53.

No entanto, a categoria do espírito54, enquanto estrutura fundamental, se

fragmenta em busca da autorrealização nas categorias de corporalidade e do

psiquismo. Isto é, deixa-se o aspecto da abertura à transcendência para se valer de

uma autotranscendência. As características do espírito (vontade e intelecto/razão)

tornam-se imanentes à nossa existência. Isso resulta em duas situações. A primeira

instância é que, no âmbito do conhecimento, elas se materializam, tornam-se mais

tangíveis – vem a ser fenômeno.

Em segundo momento, no âmbito ontológico, a fragmentação destas à

imanência corpórea/psíquica não fundamenta suficientemente uma vivência de

contemplação (sobrenatural, suprassensível) metafísica. Aqui está o desafio:

51 Pe. Henrique de Lima Vaz, S. J., é doutor em Filosofia pela Universidade Gregoriana de Roma, é professor emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (UFMG), diretor e professor da Faculdade de Filosofia da Companhia de Jesus (Belo Horizonte), editor de Síntese – Revista de Filosofia, e diretor da Coleção Filosofia. [VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia filosófica I. São Paulo: Loyola, 1991, [contra-capa]].

52 Para Lima Vaz, entende-se a corporalidade, enquanto compreensão, ou “[...] corpo próprio como pólo imediato da presença do homem no mundo ou do homem como ser-no-mundo, aberto de um lado à objetividade da natureza e, de outro, suprassumido na identidade do Eu”. [VAZ, 1991, p. 180].

53 Por psiquismo, segundo Lima Vaz, “[...] não define o domínio de nossa presença imediata no mundo. A presença psíquica é mediatizada pela presença somática, e essa mediação permite o estabelecimento de distância entre o sujeito e o mundo, sendo este não apenas captado, mas também interpretado pela atividade psíquica”. [Ibid., p. 192].

54 A compreensão da dimensão do espírito como categoria fundamental do ser humano que se revigora na categoria de relação – a transcendência – é compreendida pó Lima Vaz em estilo distinto do modo de pensar de Schopenhauer. Segundo a linha de pensamento de Pe. Lima Vaz, segue-se a via de Sto. Tomás de que “[...] razão e liberdade (intellectus et voluntas) são dois momentos necessariamente articulados da relação do espírito com o ser: relação transcendental, segundo a qual o espírito é coextensivo à totalidade do ser. Pela razão ou inteligência, o espírito é acolhimento do ser em sua forma inteligível ou na perfeição de seu ato; pela vontade ou liberdade o espírito é consentimento ou inclinação (inclinatio) ao ser em sua existência, cuja perfeição se manifesta ao espírito na forma inteligível”. [Ibid., p. 220]. Sobre a transcendência, nos escritos de Lima Vaz define-se “[...] a forma de uma relação entre o sujeito situado enquanto pensado no movimento da sua auto-afirmação – ou da construção dialética da resposta à interrogação sobre o próprio ser – e uma realidade da qual ele se distingue ou que está para além (trans) da realidade que lhe é imediatamente acessível, mas com a qual necessariamente se relaciona ou que deve ser compreendida no discurso com o qual ele elabora uma expressão inteligível do seu ser”. [VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia filosófica II. São Paulo: Loyola, 1992, p. 93].

33

fundamentar uma ontologia que possibilite uma vivência contemplativa, sem se

desviar ou tornar-se indiferente à situação da finitude humana no mundo.

34

2. CONCEPÇÃO DE BELO, PARA O FILÓSOFO DE DANZIG

Para tal, este segundo capítulo visa identificar a concepção de belo,

segundo o filósofo de Danzig. A partir do conhecimento do belo começa-se avançar

para o propósito que se assumiu querer atingir e que deu origem a esta pesquisa.

Se, por um lado tem-se na visão do real, o ser humano como ser de vontade

e de consciência, submetido às dores do mundo, por outro lado, há o mundo ideal

representado pela ideia de belo, enquanto expresso na arte. O belo, por sua vez,

representa a infinitude e a eternidade na reprodução daquilo que é corruptível.

Na obra Metafísica do belo expõe-se uma maior compreensão da realidade

para além do fenômeno, pela estética. Nas palavras de Schopenhauer, “metafísica

do belo significa, propriamente dizendo, a doutrina da representação na medida em

que esta não segue o princípio de razão, é independente dele, ou seja, a doutrina da

apreensão das Idéias [sic], que são justamente o objeto da arte”.55

A filosofia do belo é a segunda passagem do pensamento

schopenhaueriano. Dado que ele lança o problema da finitude humana, de ordem

existencial, alicerçada à consciência de seu ser, de ordem essencial, quer-se buscar

elementos que vão para além dessa imposição, de tal modo a posicionarmos um

itinerário que entre em dialética/oposição à perspectiva da visão antropológica

apresentada no primeiro capítulo.

A razão pela qual esta pesquisa não se limita aos contornos ou

delineamentos do que foi tratado até agora é justamente identificar a concepção de

belo, como já supracitado, enquanto passo diferenciado na constituição e

desenvolvimento do caráter humano, tanto no âmbito epistemológico quanto

ontológico. Nesse segundo capítulo, será acentuado mais intensamente o

epistemológico. O destaque para o âmbito ontológico do caráter humano será

tratado a posteriori.

2.1.O ser humano: conhecedor de sua essência íntima

55 SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do belo. Tradução: Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2003a, p. 23.

35

Cabe destacar que o pensamento schopenhaueriano de mundo, de modo

implícito, é reflexo na própria consideração que se pode ter de uma visão

antropológica. Essa visão de ser humano, de caráter pessimista, propõe um

verdadeiro e ao mesmo tempo admirável desafio de se chegar à questão do belo.

O procedimento para que o ser humano se liberte das condições de

aprisionamento do “pior dos mundos possíveis”56 bem como de si mesmo e,

principalmente, como contribuidor do sofrimento dos outros seres existentes, se dá

pela necessidade em conhecê-lo em sua essência mais íntima, perguntando-se:

quem é o homem?

[...] é digno de consideração, sim, espantoso como o homem, ao lado de sua vida in concreto, sempre leva uma segunda in abstracto. Na primeira está sujeito a todas as tempestades da realidade efetiva é à influência do presente, tendo de se esforçar, sofrer, morrer como o animal. Sua vida in abstracto, entretanto, como se dá à sua percepção racional, [...] ele se torna um mero observador e espectador (SCHOPENHAUER, I, § 16).57

Simultaneamente, a passagem da vida concreta para a vida abstrata, na

formulação do conhecimento que, consequentemente, provoca um estilo de vida

próprio do sujeito, é bem explícita na obra Sobre a visão e as cores. Com isso, o

filósofo de Danzig quer descrever como o conhecimento material/perceptivo pelos

sentidos e articulado ao intelecto se distingue dos conceitos produzidos pela razão.

Isso tudo é fundamental para se fazer uma correspondência entre a intimidade do

ser do homem e a compreensão do que é o belo.

A filosofia, nesses termos, não se separa da compreensão embasada da

ciência. Contanto que esta última ofereça teorias que expliquem o mundo físico de

maneira provisória, o que se quer é compreender o alcance desse mundo

suprassensível. Ao fazer-se uma distinção entre o conhecer aparente e o conhecer

íntimo, nas palavras de Schopenhauer a respeito da visão e das cores, ele afirma:

56 Segundo Jean Lefranc, o pessimismo de Schopenhauer é a exata oposição à doutrina do melhor dos mundos possíveis de Leibniz. Assim, “[...] o pessimismo filosófico não se deduz da consideração de “valores”, não tem por base uma exigência moral, um dogma religioso, um sentimento de decadência histórica, mas se baseia na filosofia crítica propriamente dita, isto é, na distinção inevitável do fenômeno e da coisa-em-si.” [LEFRANC, Jean. Compreender Schopenhauer. Tradução de Ephraim Ferreira alves. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2005, p. 35-36].

57 SCHOPENHAUER, 2005, p. 40.

36

Toda visão é intelectual, [...] A visão, isto é, o conhecimento de um objeto, ocorre antes de mais nada pelo fato de que o intelecto relaciona toda impressão que o corpo recebe à sua causa, colocando num espaço visto a priori de onde advém o efeito, [...] Essa passagem do efeito para a causa, porém, é imediata, viva e necessária, pois é um conhecimento do intelecto puro; não é um fluxo da razão, nem uma combinação de conceitos e juízos segundo leis lógicas.58

A filosofia é a arte de fabricar conceitos, formular princípios lógicos que

possibilitem uma reflexão pautada em compromisso com a verdade. Porém, o

filosofar vai além disso. Como já posto neste tópico, a racionalidade é faculdade

intrínseca do ser humano. Porém, o que o dinamiza e fecunda primariamente o seu

ser é a vontade mesma presente em todas as coisas e que se manifesta ao ser

humano de modo único, inovador.

2.1.1. O Belo enquanto negação do querer

A partir disso, entende-se que o belo é, em sua função, propriamente

negação do querer. Ora, como supracitado, o que caracteriza essencialmente o ser

humano é a vontade. Pelo fato da vontade ser uma força irrefreável e cega, ela

provoca no homem sofrimento existencial, dado que o mesmo procura

constantemente satisfazer aos seus desejos, porém está sempre em um devir dos

desejos para a satisfação que nunca é alcançada de modo pleno. A ausência de se

satisfazer é, propriamente, o sofrimento e a ausência do novo desejo,

consequentemente, é o anseio vazio ou tédio.59

A ação dos desejos da vontade no ser humano em confronto às aspirações

da alma são evidentes, tanto que isso remete a um dualismo a ser superado. O

próprio Leonardo Da Vinci, grande artista renascentista, faz uma bela narrativa a

respeito disso. “O bem supremo é a sabedoria, o extremo mal, a dor do corpo. Pois,

uma vez sendo nós compostos das duas coisas, alma e corpo, a primeira é melhor,

a segunda, pior” (DA VINCI, Aforismos, § 79).60

Diante do dinamismo que o ser humano se encontra consigo mesmo,

procura-se entender a dialética egóica como direção única. Isto é, de acordo com o 58 SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre a visão e as cores. Tradução de Erlon José Paschoal.

São Paulo: Nova Alexandria, 2003b, p. 29.59 Cf. SCHOPENHAUER, 2003a, p. 232.60 DA VINCI. Sátiras, fábulas, aforismos e profecias. Organização e tradução Rejane Bernal

Ventura. São Paulo: Hedra, 2008, p. 73.

37

pensamento schopenhaueriano, tem-se por objetivo dilacerar/esmiuçar as antíteses

presentes no próprio eu; e não como queria Fichte que, ao propor uma dialética

entre eu e não-eu, acabou por colocar-se em fuga à própria reflexão sobre a vida em

suas meras condições. Segundo Fichte,

O eu deve intuir; ora se é que o intuinte deve ser efetivamente um eu, isso significa: o eu deve pôr-se como intuindo; pois nada cabe ao eu, a não ser na medida em que o eu o confere a si. [...] Um intuído, que deve ser oposto ao eu, ao eu que nessa medida é intuinte, é necessariamente um não-eu; e daqui se segue, em primeiro lugar, que uma ação do eu que põe um tal incluído não é uma reflexão, não é uma atividade que vai para dentro, mas sim para fora, portanto, ao que podemos compreender até agora, uma produção.61

Como sobredito, o pensamento de Schopenhauer é inverso ao sistema

dialético fichtiano. A verdadeira filosofia, segundo o filósofo de Danzig, é aquela que

parte do ato reflexivo oriundo da existência eminentemente humana, dado que é o

ser humano unicamente que tem a capacidade de refletir sobre seus atos, e

possivelmente, encontra na onticidade as pistas que o conduz a aspirar ao

suprassensível.

Outrossim, ao tratar da busca pelo infinito, que nada mais é que uma

intensificação materializada de um ideal, o sujeito alcança uma espécie de deleite

intelectual, isto é, o que tem-se por objetivo explicitar adiante: a questão do belo

enquanto ideia.

Quando se trata do belo como ideia, faz-se um juízo deste. Isto é, o belo é

uma categoria que vai além da capacidade intelectiva de apreensão do sensível que

se torna agradável aos sentidos do ser humano. A esse rigor, a visão dos pré-

socráticos já irradia a beleza de um pensar filosófico que diz respeito à

expressividade material do ser. Ao mergulhar na sabedoria de Platão, a busca

incessante por tudo aquilo que ultrapassa o mundo sensível, e que o ser humano

almeja o suprafísico, é o limiar que se quer chegar em relação à compreensão do

que é o belo.

Consequentemente, faz-se mister relatar algumas iluminações vindas de

Platão, a fim de que estas inspirem uma visão mais purificada do que é o belo, no

âmbito que este mais se dá a conhecer, na exterioridade em que as ideias são

61 FICHTE, Johann Gottlieb. A doutrina-da-ciência de 1974 e outros escritos. Seleção de textos, tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 122.

38

captadas pelo ser humano de modo inteligível. Ademais, ao tratar de inteligibilidade,

em Platão se faz referência ao mundo suprassensível e, segundo ele, a alma

provém deste mundo. Para tanto, Schopenhauer resgata de Sexto Empírico a prova

de Platão a respeito da imortalidade da alma:

Há uma velha opinião, sustentada pelos físicos, segundo a qual os semelhantes são conhecidos pelos semelhantes. A propósito, Platão, no Timeu, para provar que a alma é incorpórea, serve-se desse mesmo gênero de demonstração: ‘pois – diz ele –, se a visão, que apreende a luz, ilumina-se de imediato; se a audição, que julga o ar percutido, isto é, a voz, imediatamente se mostra como uma espécie de ar; se o olfato, que conhece vapores, tem uma certa forma de vapor; e o gosto, que, conhecendo os humores, tem a espécie de humor; necessariamente a alma, que recebe as idéias incorpóreas, como as que são nos números e nos limites dos corpos’ (portanto, a Matemática pura), ´’é incorpórea’. 62

Mergulhado no pensamento platônico, Schopenhauer tira dele a importância

que se faz em compreender a ruptura ontológica do ser humano em relação aos

demais seres existentes no mundo. Ele não está totalmente preso aos

determinismos postos pela natureza, mas se destaca pela capacidade em dominar

os elementos da natureza, (como por exemplo: o fogo que é controlado em um

fogão a gás para cozinhar alimentos) e, por isso, tem certa liberdade frente aos

determinismos impostos aos outros seres existentes. Ao construir seu habitat, o ser

humano, enquanto ser de consciência vai tornando-se um ser de relações, dado que

a percepção que tem dele mesmo faz com que se perceba distinto dos demais

seres.

Assim, Schopenhauer distingue o ser humano dos animais, sendo que estes

últimos, por não atingirem o estado de consciência, não constituem um dualismo

neles mesmos entre a cabeça e o corpo, como ocorre no ser humano. Os animais

estão em constante servilismo à vontade que se manifesta no corpo. A cabeça deles

só obedece aos comandos e, portanto, age instintivamente. Nas palavras do filósofo

de Danzig:

Entre os animais de espécies situadas mais abaixo, a cabeça e o tronco ainda são completamente indiferenciados: em todos a cabeça está direcionada para a terra, onde se encontram os objetos da Vontade. Mesmo entre os animais de espécie mais elevada, a

62 SCHOPENHAUER, 2007, p. 64.

39

cabeça e o tronco ainda estão bem mais unidos do que no homem. Neste, o crânio parece encaixado de maneira livre no corpo, como que carregado por ele, sem o servir.63

Com isso, nota-se a influência do dualismo de Platão no pensamento de

Schopenhauer, a respeito do corpo enquanto objeto imediato da vontade no ser

humano em relação à possibilidade da mente ou a alma estar em abertura para

estar livre das necessidades do corpo. Com isso, abre-se ao horizonte do qual se

pode falar a respeito do belo, como saber buscado pelo ser humano e influente em

uma dimensão profunda espiritual deste.

2.1.2. O conhecimento da essência íntima

Schopenhauer define a vontade sendo a própria essência da realidade, isto

é, a vontade é a coisa-em-si, é além da representação. Porém, para ser mais bem

conhecida e ainda manipulada pelo gênio, a essência é percebida na representação

das artes, conforme os graus de objetividade da vontade presentes na mesma.64

Quando se refere aos graus de objetividade da vontade, quer se apresentar

esquematicamente as manifestações da vontade nos seres da natureza: desde os

simples inorgânicos aos mais complexos seres orgânicos, tendo seu cume o ser

humano que vive em dialética contínua do intelecto com a vontade.

O pensamento schopenhaueriano versa sobre uma investigação e

clarificação da ação da vontade e o intelecto, e mais intensamente da vontade com a

razão. A reciprocidade da vontade com o intelecto bem como com a razão é

compreensiva se a distinção entre intelecto e razão for estabelecida.65

Fazendo um paralelo ao tema Sobre a Visão e as Cores, na obra A arte de

ter razão Schopenhauer vai delineando as dimensões do intelecto em relação à

63 SCHOPENHAUER, 2003a, p. 44. 64 Cf. Ibid., p. 29-30. [grifo nosso]65 Para bem diferenciar intelecto e razão, faz-se questão de trazer pequenos trechos do

estimado Schopenhauer, a fim de deixar mais claro e distinto um termo do outro. “[...] na Terra coube à espécie humana, a saber, as representações abstratas, não visíveis, isto é, os conceitos. Através deles, porém, são dadas ao homem as suas grandes prerrogativas; a língua, a ciência e sobretudo a sensatez possível de transformar em conceitos a visão geral do todo da vida que o mantém independente da impressão do presente, tornando-o capaz de agir de maneira ponderada, premeditada e metódica, [...]. Isso tudo o homem deve aos conceitos, isto é, à razão. A lei da causalidade enquanto princípio abstrato é, no entanto, como todos os princípios in abstracto é, portanto, um objeto da razão, mas o conhecimento verdadeiro vivo, direto, necessário da lei da causalidade precede toda reflexão, assim como toda experiência, e localiza-se no intelecto”. [SCHOPENHAUER, 2003b, p. 30].

40

vontade e em distinção ao que se pode entender por razão: “[...] as fraquezas de

nosso intelecto e a perseverança de nossa vontade apoiam-se reciprocamente”.66

Partindo de fora, respectivamente, não se pode chegar à interioridade, à

essência das coisas. De qualquer maneira que nos atenhamos a elas, obteremos

apenas imagens e nomes. Só partindo daquilo que conhecemos imediatamente, ou

seja, de nós mesmos, podemos conhecer as coisas. Ora, na interioridade de cada

qual a vontade está como princípio geral e presente em cada ser no particular.67

2.2.O conhecimento estético e seus respectivos componentes

Para o modo de conhecimento estético há dois componentes

imprescindíveis e inseparáveis: “[...] o conhecimento do objeto não como coisa

isolada, mas como Ideia; depois a consciência de si daquele que conhece, não

como indivíduo, mas como puro sujeito do conhecimento destituído de vontade”.68

O conhecimento estético, diferentemente de outros, é uma epistemologia

que é indiferente e independente do princípio de razão. Isto é, o modo de conhecer

da estética, kantianamente falando, a partir dos juízos de gosto, não se limita ou

delimita conceitos estabelecidos unicamente pela razão.

“Pois, visto que não se funda sobre qualquer inclinação do sujeito (nem

sobre qualquer outro interesse deliberado), mas, visto que o julgante sente-se

inteiramente livre com respeito à complacência que ele dedica ao objeto; [...]”.69 A

esse dado, é evidente que para se ter uma boa apreensão, e principalmente, boa

compreensão do conhecimento estético, tem-se por prioridade que o sujeito possa

julgá-los com liberdade para tal.

Ora, se alguém vai com segundas intenções para descrever algo, tanto o

foco perceptivo quanto os pré-juízos e pré-conceitos serão passiveis de

dissimulação da verdade do objeto a ser analisado. Se o sujeito não é livre em

relação ao objeto, faltar-lhes-á sua integridade quanto ao juízo que este faz do

66 SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ter razão: exposta em 38 estratagemas. 3. ed. Organização e ensaio Franco Volpi. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 5.

67 Cf. PONCHIROLLI, Osmar. Uma reflexão antropológica da violência a partir das atividades liberativas da filosofia de Schopenhauer. Revista Filosófica São Boaventura. Curitiba: Centro Universitário Franciscano do Paraná, v. 1, n. 1, p. 37-45, ju./dez. 2008. Disponível em: <http://www.saoboaventura.edu.br/galeria/getImage/45/4787162027013750.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2013.

68 SCHOPENHAUER, 2003a, p. 89. [grifo do autor]69 KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Tradução de Valerio Rohden e António

Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 56.

41

mesmo. A esse proceder, o que precisa ser trabalhado no ser humano não é o

princípio de razão, mas os juízos de gostos que correspondem a duas perspectivas:

1) a liberdade que o ser humano tem de ter, quando este vai conhecer algo

(segundo Kant); 2) a busca por um saber desinteressado, isto é, o valor pelo saber

está no próprio saber e não no que ele seria útil ao ser humano (na visão de

Schopenhauer).

Concomitantemente, quando há integridade por parte do sujeito que julga

bem a respeito do objeto, dando-lhe qualidades adequadas, é possível se ter em

mãos um conhecimento estético que envolve desde os juízos de gosto aos conceitos

fundados na percepção plural dos indivíduos, na tentativa de alcançar uma

objetividade da subjetividade. Por isso vem o seguinte questionamento: o ser

humano, em sua subjetividade ou modo de conhecer próprio, consegue falar das

qualidades primárias do objeto? E mesmo chegando a um puro modo do que se

pode dizer qualitativamente do objeto, isso diz respeito à essência dele?

Nesses parâmetros, a contribuição de Kant é insubstituível para

compreender assertivamente o próprio Arthur Schopenhauer, quando este último

dirige o seu pensamento estético como atividade de caráter desinteressado do

conhecer. Segue-se que o sujeito, ao conter-se a essa prescrição, fará bom uso de

sua capacidade reflexiva de julgar o intuído:

Ele fará pois, do belo como se a beleza fosse uma qualidade do objeto e o juízo fosse lógico (constituindo através de conceitos do objeto um conhecimento do mesmo), contanto ele seja somente estético e contenha simplesmente uma referência da representação do objeto ao sujeito; [...].70

A função do conhecimento estético é o alcance objetivo de um saber que se

dirige tanto à reflexão possível do sujeito em relação ao objeto, quanto à purificação

das intenções que o sujeito tem em si, ao buscar apreender o belo contido nas

coisas a parte. Por isso, o estudo esmiuçado da vontade que se manifesta no ser

humano corpórea e intencionalmente, é autêntico e fidedigno para o alcance de uma

concepção de belo que apraz à especulação.

Pelo conhecimento estético se dá o processo relevante e revelador da

dialética entre o belo, momentaneamente acessado pelo ser humano que se dedica

70 Ibid., loc. cit.

42

a esse exercício, e sua vida atrelada aos próprios limites de ordem existencial e

humana.

2.2.1. O belo enquanto Ideia

Diante de um parecer circunstancial de tantas pessoas que sentem vazias

de sentido, e outras com sentimentos de arrependimentos, pergunta-se: o que é o

belo? E qual sua importância na vida do ser humano? Considerando

veementemente a busca por uma definição, ao menos, do que é o belo, em Sto.

Agostinho faz-se menção da beleza enquanto harmonização, isto é, o belo parece

seguir de uma natureza justaposta e que funcione segundo suas leis. Nesse sentido,

o próprio mundo, na ótica daquele que o contempla, é cosmos.

Dado que este possui uma ordem para o espectador, ele não é um agregado

de matéria apenas, se mostra de modo inteligível. Para Agostinho: “O que é que

nos atrai e nos liga aos objetos que amamos? Se não tivessem harmonia e encanto,

não seríamos atraídos”.71

Em continuidade, as palavras de Agostinho são inspiradoras para

compreender a concepção de belo em Schopenhauer. Dado que o primeiro segue

uma linha platônica, há espaço para uma comunhão de pensamento com o

Schopenhauer, sendo que este também se serve deste modo de pensar. De outra

vez, na obra Confissões se encontra exposto o âmbito em que se manifesta o belo:

“Eu via e observava, então, que, num corpo, uma coisa é a beleza no seu todo, e

outra é a sua sintonização com os outros corpos, e isso é a harmonia, tal como a

parte em relação ao todo, o calçado em relação ao pé, e coisas semelhantes”72.

Comungando desta mesma linha, o Schopenhauer concebe a sua teoria de

belo como que “[...] um conhecimento em nós, um modo todo especial de conhecer,

e nos perguntamos que esclarecimentos esse modo de conhecer nos fornece acerca

do todo de nossa concepção de mundo”73.

O belo, assim como a moral que tem como base a busca pelo bem e a

justiça; e a epistemologia à verdade, também é referência para um tipo de

conhecimento. Ao esmiuçar o pensamento do autor, percebe-se que o belo é um

71 AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução Maria Luiza Jardim Amarante; revisão por Antônio da Silveira Mendonça. São Paulo: Paulus, 1984, p. 101.

72 Ibid., op. cit.73 SCHOPENHAUER, 2003a, p. 25.

43

conhecimento que, para ser adquirido, exige o trabalhamento de uma pré-disposição

no ser humano. Em outras palavras, é a busca de um saber desinteressado, isto é, o

valor de tal conhecimento contém valor em si mesmo e não tanto no que a aquisição

deste vem a acarretar de ganho, acúmulo ou utilidade.

Dar uma explicitação sobre o Belo enquanto Ideia se justifica também em

falar a respeito da Ideia de Belo. Por isso, Schopenhauer faz distinção entre Ideia

em Platão e a coisa-em-si em Kant: ambas superam os limites prescindidos das

categorias a priori de tempo e espaço.

[...] a Idéia [sic] de Platão e a coisa-em-si de Kant, opostas ao fenômeno, não são absolutamente uma única e mesma coisa. A Idéia [sic] é já a objetidade da Vontade, porém imediata, e, por conseguinte, adequada; a coisa-em-si, entretanto, é a Vontade mesma, na medida em que ainda não se objetivou, não se tornou representação.74

A corroboração para a existência das Ideias em Platão está na seu caráter

objetal. E Schopenhauer percebeu muito bem isso. Ora, a própria linguagem

enquanto expressão empírica do pensamento é uma convenção, vários indivíduos

compartilham de uma mesma língua, por exemplo, associadas a seus costumes. Se

a linguagem tem necessariamente caráter comum para possibilitar o entendimento

entre as pessoas, aquilo que antecede a própria fala – isto é, as Ideias – também

precisa ter consigo uma objetividade e universalidade. Pois, à ausência disso não

haveria entre os seres humanos um referencial que viesse a possibilitar a própria

comunicação.

O aspecto da objetividade das Ideias em Platão, adotadas no sistema

schopenhaueriano, parecem ser muito mais evidentes, quanto à sua natureza e

origem, do que as próprias categorias kantianas a priori de tempo e espaço. A este

proceder, faz-se uma reflexão em cima da facilidade ou dificuldade que se poderia

elencar a respeito de tais evidências ou supostas aderências.

Embora as Ideias sejam difíceis de se falar, pois não são captadas no

mundo empírico, pelo fato de elas serem tão fundamentais para representar e

sustentar um ponto de encontro dentre a diversidade de pensamento dos indivíduos,

por isso mesmo são amplamente aceitas na estrutura de nosso pensar e inteligir a

realidade.

74 Ibid., p. 39. [grifo do autor]

44

Mesmo que haja muitos críticos ou desentendidos que não conseguem

perceber tal importância que as Ideias platônicas portam, a noção de que estas

carregam o caráter de gênero é fundamental para a sustentação de uma

epistemologia. Disso segue-se que, empiricamente vemos os indivíduos (entes) e

racionalmente o gênero (essência).

No entanto, quando se fala sobre as categorias tempo e espaço, há grande

ausência de reflexão e indagação crítica quanto à natureza e origem destas. O

pensador Kant – juntamente com Platão, é também base para o pensamento de

Arthur Schopenhauer – traz as categorias de tempo e espaço como a priori que

fundamentam nosso conhecimento sensível, porém não se confundem com este.

Elas são, por assim dizer, formas a priori (anterior à experiência).

A matéria é percebida pelos sentidos, e estes são orientados por tais

categorias (tempo e espaço), intrínsecas ao ser humano. Porém, pergunta-se: como

podemos tirar tal certeza, afirmamos isso ou concordamos com tal posição kantiana,

fundamentados em que critério? Ora, se as categorias a priori são independentes da

experiência (a posteriori), como podemos fundamentar a natureza das mesmas

apenas pelo simples fato de que a percebemos por via empírica?

Nessa perspectiva de raiz kantiana, percebe-se a estrutura da subjetividade

ou o modo subjetivo de se interpretar a realidade. No entanto, a perspectiva

platônica da visão objetiva do real, isto é, as Ideias representando o ser verdadeiro

das coisas também tem em si um modo persuasivo de pensamento. Aqui parece

que as dúvidas, de acordo com a reflexão acima, são mais intensas no que diz

respeito aos supostos fundamentos embasados na “pedra de toque”75 da experiência

que na objetividade das Ideias, mesmo quando estas últimas pareçam tão formais e

até tão distantes de ser compreendidas.

Diante da explícita apresentação do elemento belo como componente do

conhecimento estético, tem-se também o sujeito que apreende o belo, isto é, o puro

sujeito do conhecer. Para Arthur Schopenhauer, é por meio do sujeito que o belo

passa a ser representado e, portanto, representado nas coisas.

75 Segundo Kant: “No tocante aos objetos, na medida em que são simplesmente pensados pela razão – e necessariamente – mas sem poderem [...] ser dados na experiência, todas as tentativas para os pensar [...] serão, consequentemente, uma magnífica pedra de toque daquilo que consideramos ser a mudança de método na maneira de pensar, [...]” [KANT, 2001, p. 46-47, [grifo nosso]].

45

2.2.2. O puro sujeito do conhecer

Segue-se que, a atitude crítica do filósofo pode ser entendida como que um

passo crucial para dar terreno na possibilidade de advir uma ideia ou ação criativa.

Porém, quando não se faz a passagem de um passo para o outro, isto é, quando o

ser humano se prende à criticidade e nela se fixa, então ele corre o risco de tornar

verossímil a concepção de realidade que gira ao seu redor. Nesse contexto, o

âmbito da criatividade pode ser entendido e apreciado como que o âmbito do belo.

Com esse pensamento, quer se expressar a perspectiva que o filósofo que se

pergunta pelo belo deve se posicionar.

A respeito do segundo componente que possibilita o conhecimento estético

– o puro sujeito do conhecer – limitar-se-á a falar dele de modo geral, já que é parte

sumamente importante e própria de ser tratado no terceiro capítulo deste trabalho.

Para tal, o ser humano é o microcosmo que explicita o macrocosmo ou

vontade cósmica. O modo de conhecer tem sua dependência na disposição de

caráter do indivíduo. Por isso,

O caráter de cada homem isolado, em virtude de ser por completo individual e não estar totalmente contido na espécie, pode ser visto como uma Idéia [sic] particular, correspondendo a um ato próprio de objetivação da Vontade. Esse ato mesmo seria seu caráter inteligível, enquanto seu caráter empírico seria // o fenômeno dele (SCHOPENHAUER, II, § 28).76

A respeito do caráter que constitui a individualidade do ser humano, ele se

integra no processo de desenvolvimento da consciência melhor77, isto é, na medida

em que o sujeito é apto ao conhecimento, ele vai sofrendo mudanças em sua

estrutura subjetiva. Para conhecer precisa-se disponibilidade para tal. Se tratando do

conhecimento da vontade, o sujeito do conhecer tem de adquirir um caráter de

76 SCHOPENHAUER, 2005, p. 224.77 A expressão consciência melhor, ou ainda, o caráter adquirido que visa a abertura do ser

humano para o ser mais, para Jair Barboza (que é autêntico tradutor e comentador de obras basilares de Arthur Schopenhauer) se dá na estruturação que segue. “Devemos, pois, começar criticamente, negativamente o exame da origem da representação, sem no entanto nos deter neste ponto. É por isso que Schopenhauer, para ir além da consciência empírica, postula uma outra região da mente, uma realidade que não se esgota nos sentidos, ou no corpo humano como núcleo analógico das coisas, e que se manifesta imediatamente em imagens estranhas à razão. Schopenhauer, por conseqüência [sic], sustenta que ao lado da consciência empírica convive uma outra “melhor”, eterna.” [BARBOZA, 2005, p. 116].

46

amenização da ação da vontade sobre ele mesmo, para assim poder delinear os

objetos que fenomenicamente se apresentam como que seres de vontade.

É pelo sujeito que a possibilidade do conhecimento da vontade como

princípio universal vem à tona:

[...] se trata de uma única e mesma Vontade que se objetiva no mundo. Esta não conhece tempo algum, visto que a figura temporal do princípio de razão não pertence a ela, nem à sua objetividade originária, as Idéias [sic], mas só à maneira como estas são conhecidas pelos indivíduos – eles mesmos transitórios –, isto é, aos fenômenos das Idéias [sic] (SCHOPENHAUER, II, § 28, p. 226).78

O conhecimento subjetivo deixa as marcas da individualidade de cada ser

humano, no sentido de que este último, enquanto determinado pelo princípio de

individuação, faz distinções daquilo que quer aprender e apreender. Ele, para tornar-

se aberto ao saber sem pré-juízos que o impeçam de se colocar na busca do

conhecer, precisa despertar a consciência para ver a realidade na sua essência

íntima.

Nesse contexto, o pensamento de Schopenhauer acerca de tal capacidade

humana tem influência da filosofia de Schelling, no que diz respeito à noção deste

último da intuição intelectual79. A busca pelo conhecimento íntimo das coisas exige

do ser humano a busca igualmente de uma liberdade deste, em relação ao

servilismo da vontade. Esse aspecto será tratado com maior rigor no próximo

capítulo desta monografia. Recompondo, faz-se mister trazer o que o filósofo de

Danzig quer dizer com a categoria puro sujeito do conhecer em contraste ao

indivíduo.

Como foi dito, é possível uma transição do conhecimento comum, que concebe somente coisas isoladas, para o conhecimento da Idéia [sic]. Mas isso é uma exceção. Semelhante transição ocorre

78 SCHOPENHAUER, op. cit., p. 226.79 Na obra Infinitude subjetiva e estética, Jair Barboza abre o primeiro capítulo da mesma a

partir do tema Intuição intelectual e absoluto, presente no primeiro ítem – O ponto firme da filosofia –. “Em todos nós reside um poder misterioso, maravilhoso de recolhermo-nos da mudança do tempo para o nosso mais íntimo, de tudo o que vem do exterior para o nosso eu desnudado e, assim, sob a forma da imutabilidade intuirmos o eterno em nós. Essa intuição é a experiência mais íntima da qual depende tudo o que sabemos e acreditamos de um mundo supra-sensível [sic]. Tal intuição é a primeira que nos convence de que algo é em sentido próprio, enquanto todo o resto apenas aparece, e ao qual transmitimos aquele verbo. [...] Essa intuição intelectual aparece quando cessamos de ser objeto para nós mesmos; quando quem intui, recolhido em si mesmo, é idêntico com o que é intuído [...].” [BARBOZA, op. cit., p. 21].

47

subitamente. O conhecimento se liberta da servidão da vontade: justamente por aí o sujeito de tal conhecimento cessa de ser indivíduo, cessa de conhecer meras relações em conformidade com o princípio de razão, cessa de conhecer nas coisas só os motivos de sua vontade, tornando-se puro sujeito do conhecimento destituído de Vontade: [...].80

Nesse sentido, o cessar de conhecer as meras relações tem como intuito a

possibilidade de se ter um conhecimento que trate do em-si da coisa. Isto é, a

aproximação da coisa mesma não significa, na particularidade, a explicitação

individual em confronto ao conhecimento dos entes por relações ou estados de

coisas81. Pelo contrário, ao se ter uma compreensão de mundo como conjunto de

coisas, estas são investigadas na sua essência.

A pergunta pela essência é a pergunta pelo ser. A filosofia, enquanto tal, tem

como função investigar o fundamento que é origem do mundo fenomênico.

Notoriamente, a intuição das coisas sempre vem acompanhada à forma como as

apreendemos. Schopenhauer entende que as formas sensíveis a priori de tempo e

espaço são categorias emprestadas do mundo numênico. Em uma escrita muito

bela, o filósofo expressa isso na comparação com as sombras de coisas reais:

[...] este mundo que aparece aos sentidos não possui nenhum verdadeiro ser, mas apenas um incessante devir, ele é, e também não é; [...] Platão expressa miticamente na passagem mais importante de todas as suas obras, [...] quando diz que os homens, firmemente acorrentados numa caverna escura, não viam nem a autêntica luz originária, nem as coisas reais, mas apenas a luz débil do fogo na caverna, e as sombras de coisas reais passando à luz desse fogo atrás de suas costas: eles opinavam contudo que as sombras eram a realidade e que a determinação da sucessão dessas sombras seria a verdadeira sabedoria.82

Ao trazer o relato de Platão, faz-se conotação da maneira limitada de se

captar da realidade apenas as sombras – destituídas de cores ou vida – com as

80 SCHOPENHAUER, 2003a, p. 45.81 “O estado de coisas é uma ligação de objetos.” (Aforismo 2.01). Para Wittgenstein, estado de

coisas diz respeito ao ‘como o pensamento leva ao conhecimento’, isto é, como o sujeito deve ordenar o seu pensamento condicionado à estrutura da realidade. A compreensão de Wittgenstein a respeito do estado de coisas se justapõe à maneira que Schopenhauer interpreta a ciência: esta é uma espécie de conhecimento por relações, isto é, as representações submetidas ao princípio de razão. [WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus lógico philosophicus. Tradução, apresentação e estudo introdutório de Luiz Henrique Lopez dos Santos: Introdução de Bertrand Russell, 2. ed. São Paulo: EDUSP, 1994, p. 135].

82 SCHOPENHAUER, 2005, p. 528.

48

formas a priori, nota-se a confusão de interpretação daquilo que se pensa ser real.

Enquanto há reducionismo ou falta de abertura da consciência, de uma possível

existência independente e superior aos limites dos sentidos, a apreensão que se tem

do mundo pode cair em dois grandes erros: 1) ausência de inteligibilidade da

percepção; 2) ausência de perceptibilidade (racional e não de crivo sensitivo) daquilo

que provém do intelecto (as formas a priori).

Disso segue-se que o puro sujeito do conhecer é fruto do desenvolvimento

das capacidades perceptivas e, também, a ampliação e aplicação da ação

intelectiva.83 Nesse sentido, o belo consiste na harmonização entre a intelecção do

real enquanto expressão da ideia. Por isso, um conhecimento sensitivo que não tem

em si a interrogação sobre a expressividade deste, ou ainda, a que tal elemento

percebido se refere, é expropriado de saber. Ora, se o belo é o itinerário para o

conhecimento das coisas em sua essência, segundo Schopenhauer, então seria

inadequado conceber o belo reduzido apenas à intelecção ou à sensação de algo.

2.3.O valor da arte na estética

Nessa perspectiva, a obra Metafísica do belo dá novo enfoque à existência e

valor da arte em relação à estética. Ele ressalta que a estética ensina o caminho

através do qual o efeito do belo é atingido, este dá regras à arte, segundo as quais

ela deve produzir o belo. Por metafísica do belo, entretanto, dá-se em investigar a

essência íntima da beleza, tanto em relação ao sujeito, que possui a sensação do

belo, quanto em relação ao objeto, que o ocasiona.84

A arte é operativa. A beleza é contemplativa. A primeira é um fazer artístico

que garante a boa execução das obras que servem aos interesses humanos, já a

segunda diz respeito às obras que subordinam à beleza para servir ao espírito.85

No que trata-se das artes enquanto imitação da natureza, o ser humano

procura expressar nela a ideia ou gênero, ao contrário do que as ciências

particulares propõem ao se fazerem de conceitos. A arte é a tentativa de trazer a 83 Cf. SCHOPENHAUER, 2003b, p. 32. E disso segue-se um pequeno trecho para melhor

compreender o processo de maturação do intelecto: “A criança, nas primeiras semanas de vida, percebe com todos os seus sentidos, mas não vê, não apreende; por isso fita o mundo de modo abobalhado. Logo, porém, começa a aprender a usar o intelecto, a aplicar a lei de causalidade presente em sua consciência antes de toda experiência e a relacioná-la com as formas dadas igualmente a priori de todo conhecimento, do tempo e do espaço; assim ela vai da sensação à visão e à apreensão, e a partir daí olha o mundo com olhos sensatos e inteligentes.” [Ibid., loc. cit.].

84 Cf. SCHOPENHAUER, 2003a, p. 24.85 NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte. São Paulo: Editora Ática, 1991, p. 32-33.

49

ideia que se faz presente no pensamento do artista e este, por sua vez, procura

materializá-la no seu fazer artístico. Isto é, a arte, enquanto produção material, se

efetiva na temporalidade e ocupa lugar no espaço. Mas, enquanto sendo arte porque

representa o belo, conserva em si a Ideia de sua razão de ser e, por isso, a arte tem

em si um valor de infinitude.

Tem-se de saber que as artes não reproduzem simplesmente o visível, mas remontam a princípios (lógoi) nos quais a própria natureza tem sua origem. Ademais, elas acrescentam e complementam justamente lá onde falta para algo atingir a perfeição, pois possuem beleza.86

Precisamos sempre, e cada vez mais, reaprender a pensar, dado que as

coisas pensadas ou o puro pensamento não se dá unicamente na delimitação da

linguagem. No entanto, a linguagem guarda – mesmo que aparente ou

fenomenicamente – o pensamento como conceito.

De aqui poder-se-ia fazer a distinção schopenhaueriana de conceito e ideia:

1) conceito – fenômeno do pensamento na linguagem, isto é, a imitação que leva a

maneiras diferentes de se interpretar a realidade, devido à pluralidade dos indivíduos

e da forma particular de cada qual captar (sensitiva e inteligentemente) a realidade;

2) ideia – é a ontologia (ser verdadeiro das coisas) dada no pensamento: tem sua

finalidade a satisfação intelectual. Essa é a finalidade da filosofia: levar o ser

humano a contemplar o ser, realizando-se na satisfação intelectual.

Da analítica a respeito da diferenciação entre conceito e ideia, tem-se por

expectativa apresentar a direção que a estética ganha, ao fato da arte expressar seu

real valor para tal episteme. Há essa tentativa de, por meio da arte, comunicar a

ideia apreendida de um horizonte que, em primeira instância, foge às nossas

condições empíricas de conhecer.

“Por isso a Idéia [sic] não é integral, mas apenas condicionalmente comunicável; pois a Idéia [sic] apreendida pelo artista e repetida em sua obra só pode dizer algo de acordo com a medida de seu próprio valor intelectual. Daí as obras mais excelsas de cada arte, as criações mais nobres do gênio existirem somente para poucos [...]”87

86 Cf. PANOFSKY, E. Idea, ein Beitrag zur Begriffsgeschichte der älteren Kunsttheorie. Berlim, Volker Spiess, 1982, p. 11-12. Apud SCHOPENHAUER, op. cit., p. 124.

87 SCHOPENHAUER, 2003a, p. 176. Na obra Metafísica do belo, o filósofo distingue de conceito e ideia: “O conceito é abstrato, discursivo, completamente indeterminado no interior de sua esfera, determinado apenas segundo seus limites, alcançável e apreensível por qualquer um que

50

A arte é essencial para a estética porque é a materialização no tempo e no

espaço do belo enquanto ideia presente no artista e expressa pela sua vontade. A

arte expressa vivamente e, ao mesmo tempo, em estado de permanência de um

momento simultâneo vital, a ação da vontade nos seres. A vontade, por sua vez, é a

mola propulsora pela qual a natureza se move e a é arte representada pelo sujeito

criativo. Ao fazer-se tal comparação (mola propulsora da vontade), entende-se que

na mola – na vontade – tem-se uma inteligibilidade de ser: na sua própria estrutura

está, de algum modo, presente a sua força. E o seu impulso se efetiva conforme é

atingido.

Aqui há uma análise material ou empírica de se comparar a vontade em

relação à obra de arte. No próximo tópico, tratar-se da perspectiva formal ou

abstrata: a vontade enquanto sendo representada pelo belo enquanto ideia.

2.4.O belo e a arte: ideia e vontade

Os graus de objetividade da vontade, para Schopenhauer, traduzem-se nas

Ideias de Platão. Sendo assim, o filósofo nos remete que o conhecimento da

vontade é o da coisa-em-si. Essa afirmação é correspondente “[...] Idéia [sic],

entretanto, como a objetividade imediata (isto é, que ainda não entrou no tempo e no

espaço) da Vontade num determinado grau”.88

Assim, “Schopenhauer identifica expressamente o belo com a Ideia

platônica, o conhecimento estético com o descobrimento intuitivo da ideia, além das

formas do princípio de razão”.89 No processo de explicitação do belo na arte, a pura

contemplação do sujeito, referente ao objeto, se dá pela sua capacidade intuitivo-

racional das Ideias serem captadas em uma obra por meio do gênio, a que designa

possua razão, [...]. A Idéia, ao contrário, embora se possa defini-la como representante adequada do conceito, é absolutamente intuitiva e, apesar de representar uma multidão infinita de coisas isoladas, é inteiramente determinada, nunca sendo conhecida pelo simples indivíduo enquanto tal[...].” [Ibid., p. 175-176].

88 Ibid., p. 33-34. Os graus de objetivação da vontade, ou ainda, as ideias de Platão, se constituem nos seguintes termos: “[...] os diferentes graus de objetivação da Vontade expressos em inumeráveis indivíduos e que existem como seus protótipos inalcançáveis, ou formas eternas das coisas, que nunca aparecem no tempo e no espaço, médium do indivíduo, mas existem fixamente, não submetidos a mudança alguma, são e nunca vindo-a-ser, enquanto ascoisas nascem e perecem, sempre vêm-a-ser e nunca são; os GRAUS DE OBJETIVAÇÃO DA VONTADE, ia dizer, não são outra coisa senão as IDÉIAS DE PLATÃO” (SCHOPENHAUER, II, § 25). [SCHOPENHAUER, 2005, p. 191].

89 LEFRANC, 2005, p. 191.

51

ser obra de arte autêntica. Ao tratar-se da autenticidade da obra de arte, esta se

apresenta de modo mais claro a Ideia de belo do que a intuição do belo na natureza:

[...] isso se deve em grande parte ao fato de o artista, que conheceu só a Idéia [sic] e não mais a efetividade, também ter reproduzido puramente em sua obra somente a Idéia [sic], destacada da efetividade com todas as suas casualidades perturbadoras; portanto, ele expõe de maneira mais pura do que se encontra na efetividade o essencial e característico desta.90

Desse modo, Schopenhauer dá continuidade à diferenciação entre

fenômeno e coisa-em-si, denotando-se a existência de dois respectivos mundos:

“[...] o ideal, ou seja, aquilo que pertence unicamente a nosso conhecimento

enquanto tal, do real, em outros termos, aquilo que existe independentemente de

nosso conhecimento [...]”.91 Conseguinte, o ideal é o fenômeno, isto é, a existência

captada no tempo e no espaço; o real é a coisa-em-si, ou seja, a realidade

independente do princípio de razão para ser.

Para diferenciação entre vontade e Ideia, se diz que ambas não são

exatamente a mesma coisa, porém equivocadamente se assemelham. Desse modo,

“[...] divergem apenas mediante uma determinação, a citar: a Idéia [sic] é a Vontade

assim que se tornou objeto, contudo ainda não entrou no espaço, no tempo e na

causalidade”.92

Schopenhauer se utiliza das fontes de Platão e de Kant. Deste último adota

os termos a priori da sensibilidade de espaço e tempo e a categoria de causalidade.

Segundo essa doutrina, as categorias de espaço, tempo e causalidade não são

determinações da coisa-em-si, mas pertencem apenas ao seu fenômeno, são meras

formas de conhecimento. Em oposição ao conhecimento das coisas pelos sentidos,

Platão afirma que as coisas percebidas pelos sentidos que, para Kant, é o

fenômeno, não possuem nenhum valor verdadeiro: elas sempre vêm-a-ser, mas

90 SCHOPENHAUER, 2003a, p. 84-85. O filósofo de Danzig faz uma distinção capital entre vontade (minúscula) e Vontade (maiúscula). Na pesquisa desse trabalho, procurou-se, por convenção, limitar-se ao termo ‘vontade’ em minúsculo. Isso porque o termo vontade é aqui visto a partir da perspectiva antropológica de Schopenhauer e, portanto, o ser humano é (no sentido stricto) fenômeno ou explicitação da Vontade (no sentido lato). Assim, como dizem os idealistas alemães, segue-se a compreensão de vontade (ora como fenômeno nas afecções explicitadas no ser humano, ora como coisa-em-si) a partir do espírito e não da letra.

91 SCHOPENHAUER, 2007, p. 6.92 SCHOPENHAUER, op. cit., loc. cit.

52

nunca são. As coisas percebidas nesse mundo pelos sentidos são apenas objeto de

opinião.93

Para Platão, o que se apresenta como verdade são as Ideias, sendo estas

infinitas e imutáveis, não submetidas ao processo de geração e corrupção.

Considerando a doutrina das Ideias de Platão com a doutrina da coisa-em-si de

Kant, Schopenhauer procura dar início ao seu próprio pensamento, confrontando o

que Kant dizia a respeito da impossibilidade de se conhecer o númeno,

apresentando a vontade como propriamente a coisa-em-si.94

2.4.1. O fenômeno (do belo) como ideal e a coisa-em-si como real

Assim compreende-se o mundo por um lado como inteiramente

representação, por outro o entendemos como inteiramente vontade. Schopenhauer

define o mundo como representação nas seguintes palavras:

[...] o que existe para o conhecimento, portanto o mundo inteiro, // é tão somente objeto em relação ao sujeito, intuição de quem intui, numa palavra, representação. Naturalmente isso vale tanto para o presente quanto para o passado e o futuro, tanto para o próximo quanto para o distante, pois é aplicável até mesmo ao tempo, bem como ao espaço, unicamente nos quais tudo se diferencia. Tudo o que pertence e pode pertencer ao mundo está inevitavelmente investido desse estar-condicionado pelo sujeito, existindo apenas para este. O mundo é representação. (SCHOPENHAUER, I, § 1).95

Considerando a visão kantiana da possibilidade do conhecimento como

fenômeno, o filósofo de Danzig chama a esse procedimento de representação,

porém, a sua visão de mundo não se limita apenas ao ideal, mas também na

possibilidade do conhecimento da coisa-em-si ou o em-si volitivo do mundo. Arthur

propõe o em-si volitivo como primário à natureza e a razão como secundária. Assim,

o conhecimento racional é mero instrumento do querer.96

Concomitante, ele procura desenvolver esse pensamento, colocando em

crise a identidade entre ideal e real proposto por Schelling. Para este, toda coisa é

condicionada pelo conhecimento e, por consequência, precisa ser percebida, logo,

93 Cf. Ibid., p. 34-35.94 Cf. Ibid., p. 39.95 SCHOPENHAUER, 2005, p. 43-44. 96 Cf. BARBOZA, Jair. História da filosofia não é filosofia. In: SCHOPENHAUER, 2007.

53

não pode ser em-si ou independente da própria consciência. Em oposição ao

idealista Schelling, o autor de O mundo como vontade e como representação

apresenta o irracional, o inconsciente, em uma linguagem freudiana.

Ora, o ideal é o fenômeno, a existência captada no tempo e no espaço e o

real é propriamente a coisa-em-si, ou seja, a própria realidade é independente do

princípio de razão para ser.

Assim, tem-se “dois domínios em gênero inteiro diferentes, um criado no

sujeito, outro independente dele e que é a sua base”.97 O mundo visto como

vontade, nas palavras do autor, é:

[...] uma verdade que não é tão imediatamente certa quanto a verdade da qual partimos aqui e à qual só a investigação mais aprofundada, a abstração mais difícil, a separação do diferente e a unificação do idêntico podem conduzir: tal verdade, que tem de ser séria e grave para cada um, quando não terrível, e que cada um justamente pode e tem de dizer, soa: “O mundo é minha vontade”. (SCHOPENHAUER, I, § 1).98

Em se tratando do mundo como vontade, percebe-se que, na visão do

filósofo, se a mesma quiser se revelar, será possível através do isolamento, da

individuação. Diz-se que o princípio de individuação, portanto, é dado no tempo e no

espaço, isto é, como representação. Eis aí o porquê de as coisas estarem em luta

constante, dado que, em sua individuação procuram conservar o seu ser por meio

das atividades o querer.99

O conhecimento está submetido ao próprio indivíduo enquanto este

externaliza sua vontade própria manifesta pelo seu corpo. O corpo, na metafísica da

natureza de Schopenhauer, é visto como vontade tornada visível. Sendo o corpo o

“[...] objeto imediato, isto é, aquela representação que constitui para o sujeito o ponto

de partida do conhecimento [...]”100, é o corpo que como objetivação da vontade de

onde perpassa a ‘sensação dos sentidos’.101

Na apreensão do belo enquanto ideia, tem-se por objetivo alcançar um

conhecimento independente do princípio de razão. Para Schopenhauer, o princípio

97 Ibid., loc. cit.98 SCHOPENHAUER, 2005, p. 44-45.99 Cf. HIRSCHBERGER, Johanes. História da filosofia contemporânea. São Paulo: Herder,

1963, p. 37.100 SCHOPENHAUER, op. cit., p.62.101 Cf. Ibid., p. 63.

54

de razão (ou de individuação) é o que envolve os conceitos de tempo, espaço e

causalidade como que determinantes do conhecimento submetido às necessidades

de realização da vontade individual.

Desse modo, há no ser humano a abertura para um conhecimento especial

– o conhecimento estético – que, à luz da renúncia aos impulsos da vontade, ele se

põe a ler o mundo de forma neutra. Isto é, procura-se desvincular os desejos como

que anteriormente entendidos por serem os propulsores (no ser humano eles agem

por motivação) daquilo que se convém a conhecer, desde que esteja para a

satisfação e conservação da individualidade.

A representação ou fenômeno das estruturas da vontade, isto é, o

conhecimento que se dá na leitura da realidade como ela é, pelo sujeito consciente,

é possível quando se refere ao belo enquanto ideia. De qualquer forma, o mundo

externo está a todo momento aí, mas a suposição de sua existência é dependente

do processo representativo de concebê-lo e afirmá-lo pelo próprio ser humano. Em

outras palavras, ontologicamente o mundo é independente para ser o que é, mas

quanto ao mundo epistêmico, ele é totalmente submisso aos seres de entendimento

e, principalmente, ao ser humano enquanto ser de vontade e de razão.

A fim de melhor compreender a dislexia epistêmica, com relação à

pluralidade dos indivíduos, em referência à tentativa de se ler a realidade sob

princípios, põe se em declive a atuação da ideias enquanto que regentes do modo

de conhecer. Com isso, apresenta-se o seguinte paradoxo: o ser humano pensa as

formas lógicas; ele busca reduzir a realidade ao pensamento (= UNIVERSAL). No

entanto, é difícil falar da categoria de ser humano, já que é de imediato entendê-lo

mais como indivíduo do que de gênero. Entretanto, é ele que se encarrega de

conceituar, pensar as coisas genericamente, mesmo quando ele mesmo é

submetido à uma pluralidade, dado que o ser humano mesmo é um mundo

(microcosmo, plural).

Ao trazer as perspectivas platônica e kantiana de ideia, o autor de O mundo

como vontade e como representação abarca uma compreensão de espírito destes

dois distintos autores, e não no dogmatismo da etimologia da letra. Se, enquanto

Platão (em perspectiva idealista) traz a concepção de ideia como que a estrutura

ontológica permanente do ser, Kant concebe o pensamento humano (em suas

formas a priori) como que categorias emprestadas do suprassensível, porém não

55

atingindo a coisa-em-si. Grosso modo, o ser material das coisas é representado,

mas não é captado ou intuído.

Esse posicionamento de Schopenhauer é muito crítico e contundente,

quando a tentativa é ler espiritualmente a relação da filosofia platônica das ideias

enquanto arquétipos do real, e de Kant que põe em xeque a compreensão de mundo

dada pelas condições da razão humana. Assim, o que une essas duas formas de

pensar e que se refletem na filosofia de Schopenhauer, se consuma na perspectiva

dessa pesquisa: a busca pela infinitude (em acepção platônica) como forma de

atingir a verdadeiro conhecimento, independentemente das distorções do

conhecimento que se fricciona às formas subjetivas do ser humano (em acepção

kantiana).

Diante dessa reflexão, pode-se dizer que é possível, de modo inverso,

prover uma criticidade às formas a priori enquanto regentes da intuição que está fora

para, assim, atingir as verdadeiras formas do saber (que são as coisas na sua

composição mesma), as ideias de Platão. Na estética, portanto, encontra-se um

ponto de equilíbrio entre o ideal e o real. O belo é o conhecimento desinteressado e,

assim, aquele que presa unicamente pelo saber, tem como preocupação única,

transmitir a verdade do ser e o ser verdadeiro que apraz aos gostos relativos à

faculdade exclusiva do ser humano: a razão.

56

3. A CONTEMPLAÇÃO DO BELO COMO FORMA DE LIBERTAÇÃO DO ESPÍRITO DO SER HUMANO

No processo de explicitação do belo na arte, a pura contemplação do sujeito

referente ao objeto se dá pela capacidade de as Ideias serem captadas em uma

obra por meio do gênio, a que Schopenhauer designa serem obras de arte

autênticas.

O espírito livre é, propriamente, o espírito contemplativo, isto é, pela

contemplação do belo na arte, o autor entende que é expresso no ser humano o

prazer desinteressado pela busca de conhecimento das Ideias. Assim, “[...] a origem

única da arte é o conhecimento das Ideias; o seu fim, a comunicação desse

conhecimento”.102 A este procedimento, ultrapassam-se as possibilidades da

experiência e da ciência: é metafísica.

Ao tratar dos capítulos anteriores que em acordo se manifestam em dois

momentos (ser para o não-ser), agora quer-se afirmar ou pelo menos sustentar a

possibilidade do não-ser tornar-se ser. Ora, o ser humano, em quanto ser consciente

de sua finitude se depara em segundo momento com algo diferente dele: o belo

enquanto ideia que se manifesta em sua consciência e, assim, expressa a sua força

volitiva que o motiva ao querer sempre mais, em nível de insatisfação.

O terceiro capítulo quer, por meio da possibilidade da contemplação do belo

enquanto ideia, libertar o ser humano de sua individualidade, tornando-o na escala

das hierarquias das artes, o sujeito capaz de conhecer e expressar a coisa-em-si

nas artes. Isso significa afirmar, trazer em expectativa de desvelamento a ideia de

belo tornada real/ser na arte, de modo representativo.

A contemplação das ideias suscita outras agonias e em desilusões

existenciais. O ser humano se vê limitado existencialmente frente à absolutidade das

ideias. O que o faz superar isso é quando este é capaz de materializar a ideia de

belo em alguma obra de arte. Com isso, amplia o horizonte de seu ser ao

contemplar o belo na concretude da natureza e da arte.

3.1.O mundo como vontade vistoriado ao horizonte antropológico

102 HIRSCHBERGER, 1963, p. 38.

57

Quando se trata do mundo externo, físico e material entende-se no

pensamento de Schopenhauer que é a vontade que se externaliza e se deixa

conhecer parcialmente no corpo dos seres vivos, mas que no ser humano permeia o

horizonte da curiosidade sobre a origem dessas impulsões e também das repulsões.

Com isso, faz-se mister compreender sempre mais a fundo como o ser

humano coabita no mundo: seu relacionamento com o meio em que se insere, os

questionamentos que se faz frente a sua presença no mundo. Dado que ao mesmo

tempo ele se individua da mundanidade, conforme se dá o desenvolvimento da

consciência de si como ser único, o ser humano vai também constituindo um espaço

próprio dentro desse cosmos.

O mundo, por conseguinte, para o homem, é o horizonte no qual pode satisfazer sua fome de verdade e seu desejo de realidade. Por limitação e por apropriação, faz seu próprio mundo, ou seja, um mundo essencialmente humano. A limitação indica a dimensão físico-espacial do mundo. [...] O sentido de apropriação [...] o mundo é edificado a partir da transformação do cosmos. O homem transforma o cosmos para desfrutá-lo como mundo.103

O ser humano, por conseguinte, delimita à sua maneira o mundo de tal

modo que se torne habitável para si. Para tanto, sendo o mundo um lugar de

habitação para si, não significa que ele (o ser humano) de imediato reconheça a

necessidade de que tornar suave a sua vida consiste em tornar agradável também o

espaço de convívio com os demais seres ao seu redor. Ora, para bem desfrutar do

que o mundo proporciona – e em segundo momento, tudo o que o mundo nos

propicia – precisa-se levar em consideração que cada indivíduo, enquanto ser de

vontade, age de tal modo a ponto de também querer se apropriar ao máximo o que o

mundo o oferece.

Com isso, o espaço de relações humanas precisa sempre retornar a uma

harmonização entre os mesmos, afim de que este mundo possa ser um pouco mais

habitável. Isso significa que a nossa vontade precisa ser bem orientada e, por

conseguinte, bem conhecida. A compreensão da concepção de belo em Arthur

Schopenhauer é um dos passos que se pode almejar na busca do ser humano

103 SILVA, Metafísica e assombro, 1994, p. 34. [grifo do autor]

58

propor para si esse desejo outro de libertar-se de si. A essa perspectiva, se entende

o belo como negação da vontade, como já trabalhado no capítulo anterior.

Para o seguinte momento, manter-se-á toda a discussão acerca da

concepção antropológica de Schopenhauer bem como a concepção de belo para

ele, e isso se atualizará na síntese da discussão: a contemplação do belo e a

afecção tal provocada no ser humano.

3.2.A contemplação do belo

Para uma compreensão ainda mais aprofundada, faz-se menção em expor o

que significa, propriamente a palavra contemplação:

Contemplar é, originariamente, ver, contemplação é, pois, visão, isto é, teoria (VER). Segundo os dados proporcionados por A.-J. Festugière (Contemplation et vie contemplative selon Platon, 2ª Ed., 1950), ƟƐƜƥíᶐ é um composto de dois temas que indicam igualmente a ação de ver: Ɵἐᶐ e Fop (ὁƥἀƜ). A raiz ‘Fop’ designa a ação de “prestar atenção a”, “cuidar de”, “vigiar” e, por conseguinte, “observar” (cf. Boll, Vita contemplativa, 1922). Por isso, empregou-se muito ƟƐƜƥíᶐ no sentido de divisão de algum espetáculo, do mundo etc.104

Na contemplação do belo percebe-se que a ideia de belo faz-se presente,

mesmo que momentaneamente, na ação ou determinados atos dos indivíduos. O

sujeito que conhece o belo ao captá-lo como Ideia, passa por um estado de

passividade, no modo relativo de se entender. Se o estado de contemplação

consiste na intuição do objeto pelo sujeito e isso exija uma afecção provocada neste

último, então ele assume – em certo sentido – o papel de paciente.

Por outro lado, o sujeito torna-se agente, ou ainda, protagonista na

possibilidade do conhecimento apreensivo do mundo enquanto representação para

o ser humano.

O belo enquanto ideia é contemplado na natureza ou em alguma obra de

arte enquanto é percebido em si o gênero, a objetividade pelo sujeito que conhece.

É um esquecer de si mesmo, por parte do sujeito, afim de mergulhar na ideia que se

expressa de um objeto.

104 MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia, I tomo (A-D). 6. ed. São Paulo:Loyola, 2000, p. 565.

59

Tal apreensão das Idéias [sic], segundo sua série, é o autoconhecimento propriamente dito da Vontade universal. Pois o indivíduo que serve a essa contemplação como objeto e o indivíduo que serve a ela como sujeito são, tirante o mundo como representação, em si mesmos a Vontade, cuja objetividade é justamente o mundo, Ora, como eles se tornam uma coisa só na contemplação, convergindo na consciência da Idéia [sic], assim tornada presente, eles são também, em si mesmos, uma coisa só – a Vontade.105

A contemplação do belo consiste em promover um saber ou episteme que

revele ao ser humano uma consciência de si, e esta não se dissocie ao que está de

fora. Concomitantemente, a realidade como tal não é tão estranha ao sujeito, mas é

a capacidade racional alicerçada à satisfação da vontade individual que o faz ser

diferente e se sentir acima das demais criaturas. Ora, a hierarquia dos seres vivos

não é, por isso, negada quando se tem a experiência contemplativa. Mas, pela pura

intuição passa-se a compreender melhor o princípio ou arché que sustenta a todas

as coisas e torna-as unas segundo a força centrípeta da vontade.

Ter maior similaridade dos contornos da vontade que age no ser humano,

que é tanto sujeito do querer bem como do conhecer, é passo significante para se

propor – em segundo momento – uma vivência em busca da autorrealização. Para

tal, compete aqui compreender a relevância do belo para a existência humana.

A ideia que se tem de algo é o mesmo que ter o acesso direto à realidade

originante e permanente. Disso segue-se que na contemplação estética é possível

empreender a harmonia entre o ideal e o real. “O conhecimento estético é, para

Schopenhauer, mediado apenas pela Idéia [sic], ou seja, o gênero, a unidade

apresenta ou expõe a Idéia [sic], que, segundo ele, é a objetivação mais perfeita da

vontade”.106 O autor faz distinção do saber estético frente aos demais. Este é

105 SCHOPENHAUER, 2003a, p. 48. A contemplação do belo, na filosofia de nosso estimado filósofo – Arthur Schopenhauer – se dá, epistemologicamente falando, conforme a disposição de duas esferas: puro sujeito do conhecer e o objeto do conhecimento que se dá a conhecer como ideia. “Considere-se que a espécie de mudança acontece no sujeito quando a contemplação estética (não importa seu tipo) entra em cena. Ou se trata de um objeto que, pelo poder de sua beleza, isto é, de sua figura significativa, finalmente subtrai por inteiro nosso conhecimento da própria vontade e seus fins, ou se trata, por uma disposição interna, de o conhecimento liberar-se do serviço da vontade.” [Ibid., p. 91].

106 CACCIOLA, Maria Lúcia. O conceito de interesse. TERCEIRA MARGEM: Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Literatura. Universidade Federal de Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes, Faculdade de Letras, Pós-Graduação, Ano IX, n. 10, p. 125-134, 2004, p. 126. Maria Lúcia Cacciola dá continuidade, em seus apontamentos ao autor, nos presentes termos: “Schopenhauer explicita que a noção de Idéia tal como a emprega provém de Platão e significa o que há de imutável, de perene nas coisas, ou seja, o gênero, a unidade, antes de qualquer multiplicidade. Assim a ideia [sic] está fora do tempo e do espaço, sendo algo aquém ou além do mundo fenomênico, que manifesta o que ele é.” [Ibid., loc. cit.].

60

puramente desinteressado, isto é, há o saber que é livre de todo e qualquer fim

utilitário: este último é a causa destrutiva do ser humano. Faz-se menção daquelas

pessoas que se movem apenas pelo que lhes traz prolongamento de seu existir as

condições materiais que as favorecem unicamente seu bem-estar.

Um saber que se oponha a esse ditame é o itinerário para a superação do

ego-ísmo que se instaura no ontológico do ser humano. Desse modo, para combater

o bom combate, faz-se mister fazer um levantamento do procedimento que prende o

ser da pessoa afectada pelo amor-próprio:

Aquilo que representamos, ou seja, a nossa consciência na opinião dos outros, é, em consequência [sic] de uma fraqueza especial de nossa natureza, geralmente bastante apreciado; embora a mais leve reflexão já nos possa ensinar que, em si mesma, tal coisa não é essencial para a nossa felicidade. Portanto, é difícil explicar o quanto cada homem se alegra interiormente todas as vezes que percebe sinais de opinião favorável dos outros e sua vaidade é de algum modo adulada.107

A proposta é contemplar no saber desinteressado o reflexo do bom caráter

que salva o outro lado da individualidade humana: o puro sujeito do conhecer é

propedêutica para o sujeito ético, na medida em que busca bens exteriores à

vontade individualizadora. Em instância, conceber o ser humano como que ser

racional, isto é, o fundamento valorativo da razão – enquanto destaque na

composição/estrutura ontológica deste – se consolida de todo quando este faz da

capacidade de pensar uma arte. E uma arte não tem outra razão de ser que a

maneira pela qual se expressa a liberdade de ser e, por isso, ela carrega em si o

aspecto da criatividade.

3.2.1. O gênio: manipulador da realidade designada pela vontade

Assim, a genialidade [grifo nosso] consiste na “[...] capacidade de proceder

de maneira puramente intuitiva”.108 O puro sujeito do conhecer é, propriamente, o

107 SCHOPENHAUER, 2006, p. 61. Na mesma obra Aforismos para a sabedoria de vida, o autor reflete sobre a questão da honra associada ao amor-próprio. “A ilusão contrária nos torna infelizes. Se se exclamar com ênfase: “A honra está acima da vida”, na verdade, o que se quer dizer é: A existência e o bem-estar não são nada; mas o que os outros pensam de nós é o que importa”. [Ibid., p. 64]. Aqui, é claro, Schopenhauer retrata o bem-estar como que preocupação humana – relativa ao prolongamento da própria existência – mas que tem antes seu fundamento na honra, no respeito (seja ele conquistado ou preservado).

108 SCHOPENHAUER, 2003a, p. 61.

61

que consegue se libertar de todas as fontes de escravidão da vontade e, se ausenta

de satisfazer-se às suas aspirações e desejos para entrar em seu estágio de

libertação de espírito.

Entre o gênio e as pessoas comuns há alguns aspectos que os caracterizam

e os diferenciam, a saber:

[...] o homem sem gênio conhece [...] meramente as relações, ele adquire nestas uma visão geral plena de uma totalidade fechada; ao contrário, a essência que se exprime no fenômeno - as suas Ideias -, não a toma por verdadeira. As Ideias, entretanto, são justamente as que impõem com frequência ao homem genial e de imediato reprimem o conhecimento das relações ou o turvam.109

Se, conforme a figura do gênio, o conhecimento, em sua forma mais

adequada, deve estar presente de maneira pura e límpida, isto é, o conhecimento

das Ideias. Então é preciso opor-se à própria vontade, sendo que “nosso querer

constantemente turva nosso conhecer”.110

O gênio é aquele que inspira autonomia e expira criatividade. A criticidade

pode até parecer implícita na percepção e ação do gênio, mas não é miragem

alguma. É, pois, a expressão vivaz de uma ideia – seja no discurso ou na obra – o

intuitivo no gênio que contempla e o materializa na realidade.

A passividade nos coloca no determinismo, assim como o autoritarismo

torna a ação impensável. A solução disso é encontrar o justo-meio para tal situação.

No íntimo do seu ser, as pessoas dotadas de espírito livre e espontâneo dão clara

apresentação de como a vontade no ser humano se impõe a ele, quando o assunto

é autorrealização.

Respectivamente, a passividade do sujeito – no processo de conhecimento –

para com o objeto não é problemática, mas um procedimento que exige a

criatividade enquanto episteme artística. Agora, ao tratar da relação sujeito (eu) e

sujeito (outro) surge a problematização resultante da pluralidade que se externaliza

do gênero humano: a reciprocidade entre indivíduos; a dialética.

No primeiro caso, em Antropologia Filosófica, poder-se-ia trabalhar a

categoria de objetividade (categoria antropológica das estruturas de relação). Nesse

horizonte, sendo a vontade enquanto força propulsora que dá forma, matéria e

109 Ibid., p. 64.110 Ibid., p. 85.

62

efetividade (movimento) às coisas para serem e existirem, o sujeito cognoscente

dissociado de diálogo com o objeto cognoscido – até porque, risotonicamente

falando, o objeto não possui estrutura de linguagem e por isso não é concebido à

esfera do sujeito pensante – se limita ao simples conhecer especulativo. Essa é a

dimensão fundamental atinente da contemplação estética de Arthur Schopenhauer.

Contudo, na estrutura hierárquica dos entes, em linguagem tomasiana,

insurge no espaço das relações humanas o ponto mais elevado (antropologicamente

falando) da discussão: a depuração e possibilidade de diálogo dos indivíduos

(reciprocidade) e, com isso, a construção de uma nova lógica ou saber (a dialética).

Em última instância, percebe-se que a manifestação (identificação) e contemplação

do belo prepara o terreno para o coroamento de uma antropologia em vigor.

Para tal faz-se mister entender esse pensamento: À presença corpórea (do

ser humano), diante de alguma criatura ou até mesmo o próprio Criador, torna-o

ausente na reflexão; idem à ausência, esta última torna-o presente, diante do

Criador ou da criatura que emanam a beleza, mediante a ação. Isso se dá no

horizonte das relações humanas, de modo mais profundo, enquanto fundamentado

na arte.

Nesse sentido, expressa-se o modo como o ser humano, em geral, se

comporta frente sua presença empírica propriamente dita e da representação

artística que constitui o aparato cultural, e também humano. A arte não se dissocia

ou destitui a humanidade, ao contrário, a contemplação dela é fundamento para a

elevação da pessoa.

Prova disso é que, na bela arte alguém, mesmo que após o limite de sua

existência, pode ser lembrado por outros que o sucedem, e essa é uma tentativa e

superatividade da finitude humana: as ideias que proviram de tal pessoa tornam

reproduzida junto com a obra e/ou pensamento dela na mente dos demais. Isso

contempla uma satisfação tanto individual quanto em vista ao bem-comum, dado

que somos inclinados à benignidade e aspiramos à verdade pelo acolhimento do ser

(em versão tomista).

O gênio deixa se mover pela fantasia. Essa é o impulso volitivo que permite

ver a realidade além do que é comum, ou ao que se pode apreender nos limites da

visão empírica. Desse modo, a fantasia desperta a imaginação, as possibilidades e

modos de ser. Nisso consiste a criatividade enquanto superação dos determinismos

das formas a priori de conhecer.

63

[...] a fantasia põe o sujeito na condição de, a partir do pouco que chegou à sua apercepção efetiva, também construir todo o resto e assim deixar desfilar diante de si quase todas as imagens possíveis da vida. A fantasia amplia o círculo de visão do gênio segundo a quantidade. Contudo, também segundo a qualidade, a saber: os objetos efetivos são quase sempre apenas exemplares imperfeitos da Idéia [sic] que neles se expõe; por isso, o gênio precisa igualmente da fantasia para ver nas coisas não o que a natureza realmente formou, mas o que se esforçava por formar, [...]111

A criatividade pressupõe o anseio pela realização, mas não de modo

individualista. Segue-se que o gênio, ao se apossar da capacidade imaginativa, lê o

mundo como realidade incompleta e, por isso, a realidade é inacabada quando

comparada ao ideal que se exprime na mente genial.

O gênio colabora no processo formativo do real que ainda não se idealizou,

mas, ao menos expressa a ideia de ser. Para tal, ao tomar nota disso, a pessoa que

percebe esse desejo de realização da vontade em cada e todas as coisas é e tem,

em seu ser, um caráter desinteressado (dado que é condição para se friccionar sua

atenção para as coisas fora de si, desconhecendo seus caprichos).

Para o próximo tópico – O belo e o sublime – faz-se mister sustentar em tal

epistemologia o aspecto doloso, vivenciado gênio, que culmina na tragédia. Com

isso, a limitação existencial e a finitude humana são o aporte dialético em meio à luta

incessante pela vida. Tal condição humana, se analisada no horizonte da

sublimidade (pela intelecção), em algum outro momento é simples e naturalmente

coibida a uma aceitabilidade da finitude (que é um processo contemplativo do belo,

portanto, intuitivo).

Concomitantemente, há as duas balizas no ser humano que o constitui e, ao

mesmo tempo, o representa: a intuição e a intelecção. Há a realidade dada (na sua

singularidade) e a realidade idealizada (na sua subjetividade objetivizada pela

comunicação/representatividade).

3.2.2. O belo e o sublime

Nesse contexto, em primeira instância, Arthur Schopenhauer apresenta

linhas gerais do modo estético de conhecimento. Concomitante à obra Metafísica do

111 Ibid., p.64.

64

Belo, o autor pretende dispor-se a uma investigação pormenorizada do belo e do

sublime, ou seja, “conhecer o que ocorre no homem quando o belo e o sublime o

comovem”.112 Para o modo de conhecimento estético há dois componentes

imprescindíveis e inseparáveis: “o conhecimento do objeto não como coisa isolada,

mas como Ideia; depois a consciência de si daquele que conhece, não como

indivíduo, mas como puro sujeito do conhecimento destituído de vontade”.113

O sublime é a tentativa do sujeito ou o ser humano, apto ao conhecimento

estético, tornar objetiva uma realidade que parece não se adequar a tais condições.

Para tal, na busca de esclarecer ou diferenciar o belo do sublime, portanto, é que a

contemplação do belo se dá pela preponderância do sujeito sob o objeto, sem a

necessidade de lutas ou pressões. Em consideração, no sublime o puro sujeito do

conhecer passa constantemente a ser conquistado ou furtado por um estado de

consciência por relações, ou seja, há uma dissociação entre objeto e vontade.114

Enquanto o espírito se abre para a contemplação do belo, para

Schopenhauer, da mesma forma a impressão do sublime é dimensionado a um

conhecimento do corpo, visto na universalidade ou no ser humano enquanto espécie

e não como indivíduo.

Entre o sublime e o belo percebe-se uma graduação da capacidade do

sujeito conhecer o estético em seus estados de perfeição enquanto representação

objetiva da vontade, ou assim chamadas na doutrina platônica, Ideias. A esses

graus de objetivação da vontade nas artes dá-se, por compreensão, que as artes se

constituem em obediência a uma hierarquia, enquanto expressão ou manifestação

do belo.

A contemplação do belo é o caminho mais viável, posto que por ele se

apreende a natureza das coisas, é dado o devido respeito aos seres da natureza e a

realização se faz na plenitude e constância do que somos sem haver possível

alteração na essência.

3.3.A libertação do espírito das amarras da vontade

O processo de libertação da vontade, o esquecimento do próprio si-mesmo

como indivíduo e a elevação da consciência ao puro sujeito do conhecer atemporal e

112 Ibid., p. 87.113 Ibid., p. 89.114 Cf. Ibid., p. 103 et. seq.

65

destituído de vontade se define pelo lado subjetivo da contemplação estética, sendo

o lado objetivo o próprio conhecimento intuitivo da Ideia.115

Para o processo de libertação das amarras da vontade, o ser humano

precisa vivenciar: a negação do si-mesmo volitivo e, consequentemente, se

predispor ao conhecimento fora de si mesmo. Poder-se-ia trazer o pensamento de

Malebranche116 para dizer sobre este aspecto: “É preciso que o espírito saia de si

mesmo para atingir tantas coisas, mas ele não pode sair de si mesmo sem se

dissipar”.117

O conhecimento intuitivo, no entanto, é o caminho mais viável para a

consecução do conhecimento estético, ao passo que o conhecimento abstrato está

para a ciência e se define pelo princípio de razão, sendo este o responsável pela

individuação das coisas que, anteriormente, eram Ideias e tornaram-se individuadas

pela abstração e, desse modo, conhecidas por relações e não de modo imediato, ou

intuitivo, ou em sua essência.

Assim, faz-se uma retomada do modo de conceber o conhecimento

desinteressado, a partir da relação entre os elementos intelecto e vontade no ser

humano:

[...] o intelecto pode obter resultados extraordinários para a vontade e seus objetivos mas não para a filosofia e para a arte. Pois estas impõem como primeira condição que o intelecto aja apenas por impulso próprio e cesse, durante o período dessa atividade, de servir à vontade, ou seja, por ter em vista os objetivos da própria pessoa.118

A libertação do ser humano das amarras da vontade consiste na liberdade

do intelecto em conceber o conhecimento desinteressado, desprendido de

utilitarismos e futilidades.

A filosofia, enquanto meio para libertar o ser humano das futilidades dos

sistemas que acentuam a satisfação daquela vontade que nunca se satisfaz, tem a

tarefa de apresentar a realidade como ela é. Trazendo um pouco das reflexões

115 Cf. Ibid., p. 98.116 Nicolas Malebranche nasceu em Paris, em 1638. Entrou em 1660 na Congregação dos

Padres do Oratório, onde estudou, sobretudo, a Escritura e o agostinismo, e em 1664 tornou-se sacerdote. Neste ano iniciou a leitura sistemática de Descates, que marcou de modo decisivo o seu pensamento. Morreu em 1715. [Cf. REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: de Spinoza a Kant. Tradução: Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005, p. 5. 4. v].

117 MALEBRANCHE, Nicolas. A busca da verdade (textos escolhidos). Seleção, introdução e notas de Plínio Junqueira Smith. São Paulo: Discurso Editorial, 2004, p. 52.

118 SCHOPENHAUER, 2007, p. 29-30.

66

anteriores, a episteme adequada deve ser aquela que leva ao verdadeiro ser das

coisas. O conhecimento da realidade como ela é, induz ao ser humano, a busca pela

libertação de si mesmo.119

Considerando que as dores constitutivas do ser humano estão relacionadas

à sua temporalidade, nada seria mais justo que trazer a compreensão

schopenhaueriana de tempo. Ora, o próprio ser do ser humano é temporal e

espacialmente. Por isso, faz-se mister compreender o que seria o presente, a ideia

de eternidade e o que ela pode representar para a nossa existência humana

concreta.

[...] apenas o ponto de contato do objeto, cuja forma é o tempo, com o sujeito, o qual não possui figura alguma do princípio de razão por forma, constitui o presente [...]. Porém, todo objeto é a Vontade na medida em que esta se tornou representação, e o sujeito é o correlato necessário do objeto. Objetos reais, entretanto, estão apenas no presente. Passado e futuro contém meros conceitos e fantasmas, por consequência o tempo presente é a forma essencial e inseparável do fenômeno da Vontade. Somente o presente é aquilo que sempre existe e se mantém firme e imóvel, e, empiricamente apreendido, é o mais fugidio de tudo; contudo à mirada metafísica, a ver através de todas as formas da intuição empírica, se apresenta como o único permanente, o Nunc stans dos escolásticos. (SCHOPENHAUER, IV, § 54).120

O filósofo de Danzig resgata o sentido de eternidade já dado, muito antes,

pelos escolásticos. Para estes, a eternidade não é uma sucessão sem começo nem

fim, mas um presente contínuo. Desse modo, a eternidade tem, em sua etimologia,

um pouco da dialética entre a finitude existencial humana e o seu anseio por aquilo

que ultrapasse esse condicionamento. A saber, a geração e corrupção é o modo

próprio de entender o desejo de perpetuação da espécie, ocasionado pelos

indivíduos.

Embora de existência muito breve, os indivíduos (o homem e a mulher) tem

em si a capacidade de contribuir para a geração de outro ser vivo, despertando

assim, o desejo de infinitude ou eternidade. Esse é um aspecto indagador da

119 Cf. ZIMMERMANN, Roque. O Não-Ser: uma abordagem filosófica a partir de Enrique Dussel. Petrópolis: editora Vozes, 1986, p. 43-45.

120 SCHOPENHAUER, 2005, p. 362-363. Em outro momento, ele escreve: “A Vontade, // como coisa-em-si, está tão pouco submetida ao princípio de razão quanto o sujeito do conhecimento, que definitivamente, numa certa perspectiva, é a Vontade mesma ou sua exteriorização. E, assim como à Vontade é certa a vida, seu fenômeno próprio, também é certo o presente, única forma da vida real. Conseguintemente, não temos de invstigar o passado anterior à vida, nem o futuro posterior à morte, mas antes temos de conhecer o PRESENTE como a única forma na qual a Vontade aparece; ele não escapará da Vontade, nem esta, a bem dizer, escapará dele” (SCHOPENHAUER, IV, § 54). [Ibid., p. 363].

67

estrutura ontológica dos seres vivos. E é o ser humano que se pergunta: como que

um ser, apregoado pela presença da própria morte dos outros e a aproximação da

sua própria extinção, e com que razões ele aspira à continuidade de sua

genealogia?

Sabe-se que a finitude humana, enquanto relativa à dos indivíduos e não da

espécie humana, é inevitável. Porém, não se exclui de vista a compreensão e

possível apreensão da libertação (mesmo que parcial) do ser humano desses limites

intransponíveis aos demais seres vivos. Com isso, o ser humano se desafia a

especular o horizonte criativo dele mesmo: a vida contemplativa. Isto é, a vivência

intensa daquilo que é incerto e passageiro se fricciona, adere-se à tentativa de se

viver íntegra e eficazmente segundo normas que fundamentem o bem-estar. No

entanto, o que ainda não se dissolve é: qual o fundamento ou razão de ser para que

cada qual colabore para a busca de um mundo melhor e menos sofrível?

Há duas perspectivas para tal questionamento: 1º) um Ser supremo, ou

ainda, normas que finalisticamente oriente a ação humana, bem como o seu modo

de pensar; 2º) a busca pelo bem dado pelo próprio sujeito que se compadece do

outro, dado que ele se confunde na pessoa do outro (pois ambos compartilham da

mesma essência íntima).

Assim sendo, a perspectiva de Schopenhauer vem de encontro ao segundo

caso, dado que aqueles que se destacam de um caráter diferenciado, tem maior

domínio sobre a própria vontade e, ao mesmo tempo, se importam com a miséria do

outro.

Ao fazer um paralelo à dimensão ontológica-antropológica e à dimensão da

estrutura estética, estes dois caminhos que, unidos em uma única dimensão

possibilitam á liberdade tão almejada no ser humano e a liberação do belo que é

contemplado por ele.

3.3.1. O ser humano como puro sujeito do conhecer destituído de vontade: sobre o espaço de relações

Assim como é possível um conhecimento objetivo que tende ao saber dos

elementos estruturantes que tornam as coisas comuns, do mesmo modo o ser

humano, enquanto sujeito do conhecer, tem por oportunidade investigar a unidade

individual bem como o que une os indivíduos. O puro sujeito do conhecer percebe

68

que a verdadeira sabedoria, portanto, pode ser apreendida também na arte de

conhecer a si mesmo. Para tal:

A verdadeira sabedoria não é adquirida medindo-se o mundo ilimitado ou, o que seria mais pertinente, sobrevoando pessoalmente o espaço infinito, mas antes investigando qualquer coisa em particular, procurando conhecer e compreender perfeitamente a sua essência verdadeira e própria (SCHOPENHAUER, II, § 25).121

O fundamento do conhecimento verdadeiro, isto, o sujeito que se

compromete com a verdade tem, por necessidade, de buscar a coerência de si

primeiramente. Desde o caráter de sua pré-disposição bem como a sua ação efetiva

sobre as coisas circundantes, contribuem para a procura de um estado de

comportamento humano. Assim, a postura epistemológica também revela uma

postura ética, dado que a busca pela verdade do saber induz ou corresponde ao

caráter do bem agir.

Quando a questão sobre a capacidade eletiva, isso não significa que a

possibilidade de escolhas ocasione a liberdade (ou pelo menos passe a ser

conhecida) no ser humano. Esta seria nada mais que uma exteriorização do caráter

individual. A decisão eletiva, portanto, não deve ser vista como que liberdade do

querer individual, isso só porque os homens a tem em acréscimo ao que os animais

apenas se assemelham ao ser humano, enquanto também sendo determinados por

motivos da vontade (Cf. SCHOPENHAUER, IV, § 55).122

O puro sujeito do conhecer é aquele que se apraz pelo saber

desinteressado. O saber desinteressado é o fim para a vida contemplativa. Pela

busca do saber pelo saber há o amor puro pela verdade. Assim, constrói-se a

filosofia enquanto obra exclusivamente humana. A contemplação do belo é, desse

modo, a promoção do saber desinteressado no intuito da satisfazer às necessidades

do ser humano, sem haver desrespeito de um ao outro. Aqui o belo é predominante

no ser humano, em relação ao sublime.

Cumpre ainda tratar um pouco da constituição do valor de pessoa, como se

manifesta na perspectiva da filosofia de Schopenhauer. O que constitui o valor de

121 Ibid., p. 190.122 Ibid., p. 389. Em se tratando do termo liberdade, esse vem em confronto ao conceito de

necessidade. “[...] a liberdade propriamente dita, isto é, a independência do princípio de razão, pertence tão-somente à Vontade como coisa-em-si, não ao seu fenômeno, cuja forma essencial em toda parte é o princípio de razão, o elemento da necessidade” (SCHOPENHAUER, IV, § 70). [Ibid., p. 508].

69

pessoa, enquanto ser situado e de relações, no que confere à categoria de espaço,

não cabe apenas cada indivíduo ter seu espaço próprio, pois estaria se ignorando o

campo das relações. No campo das relações há a partilha do espaço como, por

exemplo, o da convivência familiar e no ambiente de trabalho. A individualidade de

cada qual espelha-se de modo profícuo na consciência de si e em sentido dialético,

na consciência alheia.

“Daquilo que alguém é” e “Daquilo que alguém tem”. Pois o lugar em que estas coisas têm a sua esfera de ação é a própria consciência. Ao contrário, o lugar daquilo que somos para outrem é a consciência alheia, é a representação sob a qual nela aparecemos, junto com os conceitos que são aplicados. Ora, isso é algo que não existe imediatamente para nós, mas apenas de modo mediato, vale dizer, na medida em que determina a conduta dos outros para conosco. E mesmo isso só é levado em conta caso tenha influência sobre alguma coisa que possa modificar aquilo que somos em nós e para nós mesmos.123

No entanto, fazer dos indivíduos uma rede de relações que não se esquiva

ao campo da individualidade propriamente dita, dá-se a massificação que culmina na

ausência do valor da pessoa. Há a necessidade de se reconhecer tanto o lado

relacional quanto o espaço primitivo e autônomo da pessoa.

No modo de pensar ocidental, o ser humano recebe uma antropologia

alicerçada aos valores intrínsecos ao próprio gênero (humano). Para os orientais, no

entanto, isso não faz parte da racionalidade deles. É claro que as pessoas do

oriente, por isso, não deixarão de agirem e trabalharem com o propósito de

satisfazerem suas vontades, o que é próprio da individuação. Porém, os seus atos

não precisam necessariamente vir acompanhados de uma intenção, o que se reflete

nas culturas e costumes bem como o modo de politicamente se organizarem.

3.3.2. O sujeito atemporal: a hierarquia das artes

Ao tratar da hierarquia das artes, como processo da Objektität des Willens

(Objetividade da Vontade), esta assume diferentes graus e vai desde o reino

inorgânico, passando pelo reino orgânico até chegar à sua maior manifestação no

reino animal (animais e homem).124 Assim, a obra de arte se caracteriza, como

123 SCHOPENHAUER, 2006, p. 62-63.124 Cf. DEBONA, 2010, p. 79.

70

manifestação do belo, em seus graus de objetividade, variando entre a tentativa de

propor utilidade do objeto como finalidade de sua criação e de tê-la unicamente

como fim estético.

Em sequência, ascendendo à arquitetura tem-se as artes produzidas em

jardinagem e pintura de paisagem consideradas belas-artes. Em seguida, o autor

considera, em maior grau de objetividade as pinturas de animais. Estes representam

propriamente a noção de espécie, dado fundamental para compreendermos a

divergência entre o indivíduo e o gênero ou espécie propriamente dita.125

No âmbito do conhecimento ou da epistemologia, faz-se uma distinção entre

a história e a poesia. Para Arthur, “[...] a história dá o verdadeiro no particular, a

poesia, o verdadeiro em sua universalidade”.126 Ao que se entende, a arte poética

está em grau ascendente à história, já que esta última constantemente está para o

homem enquanto indivíduo, portanto, e não como gênero. Aqui Schopenhauer quer

explicitamente dar uma nova visão de ser humano não como ser racional, já que é

justamente o princípio de razão que o individua, mas para se ter uma Ideia de ser

humano, diferente de conceito, precisa-se considerá-lo enquanto ser que é capaz de

nulificar sua própria vontade ou querer.

Para dar plena visão de sua filosofia, em especial no conhecimento estético,

Arthur Schopenhauer vê o mundo perfeitamente compreendido em seus graus de

objetividade da vontade precisamente na música. Expondo sobre a música, o

filósofo diz que “conhecemos nela não a cópia, repetição das coisas do mundo. No

entanto, é uma arte a tal ponto elevada e majestosa, que é capaz de fazer-efeito

mais poderoso que qualquer outra no mais íntimo do homem”.127

Entre os vários objetos de arte, a música é, para Schopenhauer, o que de

forma mais intensa atinge a pessoa. Por isso, ele a chama por “linguagem universal,

cuja compreensibilidade é inata e cuja clareza ultrapassa até mesmo a do mundo

intuitivo”.128

A música, diz o filósofo, “[...] proporciona um prazer desinteressado e

mantém ainda com o mundo uma relação de representação”.129 O autor faz uma bela

comparação e aproximação da música como releitura da nossa compreensão de

125 Cf. SCHOPENHAUER, 2003a, p. 149 et. seq.126 Ibid., p. 205.127 Ibid., p. 227.128 Ibid., p. 228.129 LEFRANC, 2005, p. 206.

71

mundo. Ressalta-se que a música é instrumento para a realização do espírito, onde

o homem se encontra em sua natureza ideal, sem se opor ao real, pois, nesse caso,

o mundo como Vontade está para o puro sujeito do conhecer como Representação.

Na obra Metafísica do belo, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer dá sua

contribuição à estética enquanto disciplina filosófica, que no período da

contemporaneidade vem tomando autonomia de modo considerado, e é de

expressividade para os movimentos que vêm surgindo e se desenvolvendo em

nossa época, dentre os quais, a fenomenologia. O filósofo tem contribuído muito

para uma nova visão antropológica, embora sua intenção seja, em geral, dar uma

explicação de mundo ora como vontade e ora como representação.

Em suma, se é a partir do sujeito que se toma por base o conhecimento da

realidade, em primeira instância é tido como representação. No entanto, o ser

humano enquanto sujeito que conhece é, por outro lado, indivíduo que deseja ou

que quer, ou ainda, vontade oriunda da Vontade. Cabe a ele, chegar ao verdadeiro

conhecer que, necessariamente, dispõe dele a tentativa de se libertar de suas

inclinações e desejos que o prendem ao que é passageiro e verossímil para, como

meio próprio, tornar-se puro sujeito do conhecer.

Nessa perspectiva, o espírito do homem preso às suas vontades procura se

libertar pelo exercício de contemplar o belo. A contemplação é entendida e possível

através da harmonia em que o sujeito se depara com a realidade. Nisto consiste o

belo. Assim, como para a música a harmonia presente na composição de suas notas

formando um acorde, do mesmo modo, o espírito se adentra à realidade

finalisticamente, pois, a realidade na composição de objeto está para o sujeito.

Se tal atitude é que se opõe ao prazer, à utilidade e ao caráter egoísta,

então a contemplação expressa e presente nas obras artísticas. Assim, o homem

passa a contemplar às Ideias, sendo que, se sente congênito a esta finalidade

proposta pelo conhecimento estético que é o encontrar-se como àquele que

consegue perceber sua própria essência, seu ser.

O mundo representativo é uma obscuridade do verdadeiro real, isto é, as

imagens são uma expressão/cópia da vontade que se (re)produz da particularidade

dos indivíduos e, quando captada inconscientemente, tende a alienar e oprimir os

indivíduos que são afetados por esta.

Em comparação a Santo Tomás, o pensador alemão (Arthur Schopenhauer)

faz uma construção hierárquica dos entes a partir do crivo da estética, isto é, ele

72

acentua o transcendental do belo. Para Santo Tomás, os transcendentais explícitos

ao ser espiritual do homem são mais acentuados o de modo da manifestação (ou

como intelecto) e o de modo da apetitividade (ou como vontade).130

Na relação entre intelecto e vontade se destacam as potencialidades de ser

da pessoa humana, isto é, tanto sua capacidade cognitiva quanto sensitiva. De sua

estrutura cognitiva pode se dizer que o pensamento é a arte de reproduzir

intuitivamente a ideia, é o modo objetivo de comunicação. A contemplação objetiva

das ideias é o que permite a convivência harmônica entre os seres humanos, pois

estes se dispõem de uma satisfação contemporânea da apreensão de um ideal

mesmo, reclusa ao escalonamento entre indivíduos de mesmo gênero.

Se pela intelecção tem-se essa abertura ao campo relacional-temporal, a

parte sensitiva se predispõe de um anseio para a autorrealização volitiva. Acresce,

nesse contexto, que, embora estando concatenado a uma vivência objetiva de

mundo, o ser humano constantemente frisa com o próprio mundo interior. Daqui

percebe-se o paradoxo ontológico e existencial-relacional: 1) ontológico – cada

indivíduo tem em si uma estrutura formal da sensibilidade a priori (de tempo e

espaço), já designada em Kant, que é objetiva enquanto fundamento para a

subjetividade; 2) existencial-relacional – nesse horizonte o ser humano procura

realizar-se, o que repercute em concretizar a individualidade (isto é, o mundo que

antes era essa estrutura ontológica agora é meio para que o sujeito se realize e crie

um mundo interno que se explicita/externaliza nas relações humanas, dá base à

produção cultural/ôntica).

3.4.O coroamento antropológico a partir da contemplação do belo: oposição de Schopenhauer a Fichte

A filosofia de Schopenhauer se opõe a de Fichte, quando este último, ao

lançar as bases de uma filosofia vitalista, acaba por transformar tal filosofia em

solipsismo e, posteriormente, negando a vida em vista do saber.

Para Schopenhauer a vida deve ser conservada na sua imediatez e o meio de não perdê-la para a reflexão é o proceder artisticamente, ou seja, por intuição estética. A filosofia não é ciência nem doutrina-da-ciência, mas arte. [...] O homem tem de ser ao mesmo tempo filosofia

130 Cf. MOLINARO, Aniceto. Metafísica: curso sistemático. Tradução de João Paixão Netto, Roque Frangiotti. São Paulo: Paulus, 2002, p. 73.

73

e vida, ‘vida ideal’ e ‘filosofia real’ – ‘teoria da vida’ (SUZUKI, 1998, p. 97 apud Jair Barboza).131

A tentativa é criar-se uma filosofia que compreenda a autenticidade da vida

humana. Para isso, o filósofo de Danzig abandona as ideias fichtenianas e passa a

buscar seus fundamentos no pensamento de Kant.

A autenticidade da filosofia se dá na correspondência com a vida, bem como

a própria existência deve dar impulso para o pensar. Ora, o pensar antes de vê-lo

deterministicamente, é a própria ação criativa do sujeito que, vitalista-

existencialmente, se percebe como ser aberto para transcender-se enquanto ser em

situação de meio. O pensar é livre, nele se expressa a potencialidade que o ser

humano tem em sua própria estrutura ontológica.

Faz-se aqui uma ponte com o filósofo Jacques Derrida, em sua obra A voz e

o fenômeno, compreende também ele que a vida não se dissocia do saber, já que a

própria especulatividade abrange tanto a idealidade quanto esta tem como

fundamento último é como que algo dado:

Ora, devemos considerar, por um lado, que o elemento da significação – ou a substância da expressão – que parece melhor preservar tanto a idealidade quanto a presença viva sob todas as formas é a palavra viva, a espiritualidade do sopro como phonè; e que, por outro lado, a fenomenologia, metafísica da presença na forma da idealidade, é também uma filosofia da vida.132

O saber, o pensamento mesmo, se expressa a partir do próprio impulso do

ser. A filosofia de Schopenhauer, no que centra à contemplação estética, precisa-se

trazê-la para o campo da dimensão antropológica da intersubjetividade. Essa

inspiração tem sua inviolabilidade na necessidade do ser humano perguntar-se

sobre o sentido da vida. Ao ver outro ser da mesma espécie, este capta no indivíduo

uma ideia que o faz semelhante, ou ainda, inserido à tal natureza.

Tais fundamentos o Fichte também foi capaz de fazer germiná-los. Mas a

centralidade dos questionamentos de ordem eminentemente prática, dizem respeito

à sua vivência reflexiva concreta.

131 BARBOZA, 2005, p. 53.132 DERRIDA, Jacques. A voz e o fenômeno: introdução ao problema do signo na

fenomenologia de Husserl. Tradução Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 16.

74

Como ser de vontade, aquele que a si mesmo se pergunta, é capaz de

conhecer profundamente o seu ser: é ser de consciência. Através desta, ele se

esquiva constantemente para mirar o que há fora de si. Nesse empreendimento,

pode-se entender dois movimentos contrastantes: o autêntico e o inautêntico.

O movimento inautêntico, segundo a interpretação que aqui se faz de

Schopenhauer, é a saída parcial do sujeito de sua própria esfera, para buscar fora

de si tudo o que satisfaz sua própria vontade. Tal indivíduo é dependente, busca um

saber interessado no sentido de querer conhecer somente aquilo que lhe agrada.

Diz-se que este pode tornar-se um sujeito talentoso, pode ter grande dom para

alguma coisa em particular, porém não habita nele o gênio.

O movimento autêntico é a disposição daquele que é simplesmente aberto

para o conhecer. Para isso, como puro sujeito do conhecer destituído de vontade, tal

ser humano é uma raridade dentre todos aqueles que a natureza capciosamente

pôde criá-los. A exemplo disso, se pode dizer que a criança tem um verdadeiro

comportamento ontológico-existencial de querer conhecer ou situar-se no mundo.

Porém, ainda não tem profunda consciência disso. Por isso, a filosofia é autêntica ao

estar contígua à própria vivência daquele que, com ela vai se amadurecendo. Assim,

a vida é a potencialidade da filosofia e a filosofia é a atitude que precisamos ter na

vida.

Ao gênio compete escrever, pois nele é evidente e claro seu elã que faz

novas suas intuições e reflexões. Mesmo que se fazendo das mesmas ideias a

serem contempladas, ao transferi-las, pela arte é capaz de proceder criativamente.

Por isso, o ente de gênio, ao procurar tornar concretas as possibilidades

intuitivo-racionais, é o transmissor/oráculo do mundo das ideias. É mister tirar todo o

saber das palavras proferidas por este e guardá-las ao menos na escrita, pois tudo

flui e nada o é duas vezes ao mesmo tempo ou simultaneamente.

Nas palavras é possível guardar, mesmo que de modo muito sutil ou

limitado, a sabedoria presente nas palavras de alguém que pensou o ilimitado/ou as

ideias. As palavras escritas guardam, de modo limitado, as ideias. Da mesma forma,

a contemplação do belo na arte mantém, mesmo que parcial e particularmente, a

ideia de belo em sua plenitude no mundo das ideias. A materialização da ideia é, no

entanto, a efetividade do belo na arte.

No que diz respeito à vontade, se esta é ontológica no ser humano, então é

compreensivo ao que se diz sobre a concepção schopenhaueriana de que esta é,

75

assim, a priori no ser humano. A experiência, no entanto, é determinada, isto é, é

teleológica o próprio ser.

Desse modo, a aprioridade da vontade no ser do homem se percebe a

posteriori nas lutas de vontades individuais. Isto é, pela experiência possível é

representativamente exposta tanto a ação quanto a intenção da vontade que

constitui a individualidade humana.

O belo é o que constitui a revigoração e desenvolvimento do caráter

humano, mostrando uma dimensão de abertura deste, enquanto ser de vontade, que

o conduz para o bem e à pureza de seu ser, em sentido integral. Isto é, o ser

humano, na capacidade que tem de transcender às situações de meio, se depara

constantemente com sua finitude existencial, o que é inevitável. No entanto, a

capacidade cognitiva, seja em apreender o desejo de perpetuação, oferece um

consolo ao ser humano, enquanto ser de vontade e de razão.

76

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas gerais, nota-se o destaque que Arthur Schopenhauer dá à

contribuição que o valor do conhecimento estético tem para a realidade humana.

Apresenta a possibilidade que o ser humano tem de abrir-se para esse ilustre

exercício que é, propriamente, encontrar-se como que participante na vida

contemplativa do belo.

O pensamento schopenhaueriano busca, no interior consciente do ser

volitivo e pensante, promover e mover neste (ser aberto ao conhecimento do belo,

sublime ao conhecimento do verdadeiro), um sentimento de alegria, de visão interior

de si, de encontro consigo mesmo.

Cabe destacar que a visão schopenhaueriana de mundo, de modo implícito,

é reflexa na própria consideração que se pode ter de uma visão antropológica. Essa

visão de homem, para o esteta estudado, é de caráter pessimista, mas, propõe um

verdadeiro e ao mesmo tempo admirável desafio de se chegar à questão do belo

como meio para a libertação do espírito do homem das forças da Vontade.

Partindo dessa concepção que, embora o mesmo, em sua individualidade

encontre-se em uma realidade que é mutável, sob o devir ou processo de geração e

corrupção, o ser humano tem, por possibilidade de ser, a abertura de tornar-se, na

figura do gênio, sujeito do puro conhecer. Isto é, para a visão schopenhaueriana, há

uma luz no fim do túnel que designamos, propriamente, beleza. O belo, por sua vez,

pode impulsionar para a elevação do espírito às Ideias, em expressão platônica, ou

seja, ao conhecimento do verdadeiro, daquilo que é eterno e imutável.

Ora, se o ser humano, enquanto tal, tem inclinação ao belo, que lhe provoca

assombro, então a contemplação estética é essencial para uma visão filosófica mais

77

acentuada da realidade. Visto que este modo de ser provoca no homem a

admiração, ele precisa descobrir-se, conhecer melhor sua própria natureza.

Em suma, é o belo, propriamente, essa finalidade última e também o que, no

devir de nossa existência, dá direção ser humano e o faz olhar para fora de si e,

como consequência, encontrar-se em meio às dores do mundo a beleza que está

escondida em si. Assim como o belo captado como ideia dá regras para a arte, da

mesma forma o homem enquanto ser que é capaz de captar o belo, por meio do

conhecimento desinteressado, torna-se apto a adquirir uma determinada liberdade

de ser, sendo ele mesmo capaz de regrar sua vida.

Desse modo, o belo é acessível para o ser humano, da mesma forma como

o objeto está para o sujeito. Porém, a efetividade do belo é muito mais intensa

quando alcançada tal intensidade ou intencionalidade, no sentido de que este se

realiza muito mais quando se pergunta pelo próprio ser.

Estas seriam as considerações mais positivas em relação à filosofia de

Schopenhauer. Mas, cabe aqui também fazer uma análise crítica ao seu

pensamento, afim de que não se torne um dogmatismo, por parte do pesquisador

deste trabalho. Dado que a filosofia, em seu contexto, não se limita a um mero

sistema de pensamento, mas, antes tem na vida o impulso para a reflexão; seja no

estilo individual, singular, comum.

O horizonte da filosofia, para se dizer ou classificar as pessoas com espírito

filosófico, não se fricciona apenas na novidade, mas é filósofo aquele que é

autêntico a uma corrente de pensamento: se posicionar e dar fundamentos ao seu

posicionamento. Assim, a filosofia, enquanto provinda da cultura grega antiga e do

período medieval, tinha uma forma própria de ser pensada, a de que a filosofia

busca as questões das origens (passado). Na contemporaneidade, a filosofia tem

recebido em vários pensadores uma nova forma de investigação. Ela tem como

papel dominante o olhar projetor, investigação essa que se limita ao tempo presente

em direção (projeção) ao futuro.

A problemática da filosofia de Schopenhauer, que ao mesmo tempo é

sustentáculo para o paradoxo de seu filosofar, está na tentativa e iniciativa de ter

platonizado a filosofia kantiana. Com isso, ele enfatizou a filosofia como que uma

disciplina de caráter metafísico e propensa a uma oscilação entre o empírico e o

ideal.

78

Desse modo, o pensamento de Schopenhauer é confuso e de difícil

compreensão, se analisado apenas à lume das palavras em sua particularidade e

imediatez. A começar, ele toma para si dois autores (Platão e Kant) quase que

impensáveis de ser comparados. Sendo que, para Platão reside a Ideia – em sentido

abstrato – como que expressão da verdade do ser, em Kant a verdade do saber tem

seu alcance – em sentido concreto – na experiência possível.

Nesse sentido Schopenhauer fundamenta seu pensamento, a partir do

princípio da filosofia kantiana que designa representação e a possibilidade de se

conhecer a coisa-em-si, tonalizando-a com o procedimento catártico de Platão. A

genialidade do filósofo vem acompanhada de uma soberba, sendo que esta atitude

última dele vem a tornar um ponto crítico de seu sistema de pensamento. Ele afirma,

com excesso de confiança, que a coisa-em-si pode ser conhecida e tornada

manifesta: a vontade. E ainda, esta é a essência íntima de nossa estrutura

ontológica.

Partindo daí, ao analisar o reducionismo schopenhaueriano de mundo sob o

crivo da vontade e por esta constituído, novamente torna-se presente o seu

pensamento eclético. A vontade ora se apresenta como que dominante no horizonte

das ideias, expressando um conceito universal; ora a vontade é manifestação

imediata pelos sentidos que interagem no corpo, que se expressa nos indivíduos.

Em outras palavras, ao se posicionar como que um filósofo voluntarista, o

Schopenhauer não deu continuidade (ou acabamento) à sua primeira postura. De

quando em quando a noção de vontade acaba tomando propriedades não-

originárias dela (mas do intelecto, do pensar que excede às coisas existentes) e

ditando-as como que fossem suas, na filosofia de Schopenhauer.

E mais, se for comparar o pensamento do filósofo de Danzig com o de

Tomás de Aquino, por exemplo, perceber-se-à a distorção que se há entre um e

outro. A respeito da diferenciação, relação e constituição das categorias

antropológicas de intelecto e de vontade em Tomás de Aquino, circunscreve-se

também ao redor do mundo visto ora como representação ora como vontade em

Arthur Schopenhauer. Para Tomás, o intelecto é a medida mensurante da medida

mensurada, isto é, ele tem em si a busca pela verdade. Enquanto isso, o filósofo de

Danzig em momentos limiares afirma que o intelecto apenas está a serviço da

vontade, por isso, este (o intelecto) mais omite o ser do que o explicita em sua

inteireza: assim, é digno de ser chamado fenômeno.

79

No que circunscreve à categoria da vontade, Tomás a compreende como

que apetecível, que tem inclinação ao bem. Evidentemente, parte-se de uma

compreensão de abertura do ser que se realiza, em uma concepção otimista de ser

humano. Com isso, o indivíduo que percebe o bem como oriente deixa-se guiar

volitivamente. Já, em Schopenhauer, a inclinação da vontade não traz fins bons,

dado que ele elenca uma antropologia com base nas necessidades infindáveis, ou

melhor, que só tem fim com finitude existencial humana. Por isso, o mérito da

bondade se dá no exercício da negação da vontade, o que pode cair em ciclo vicioso

de descomprometimento com a bondade. Ora, no sistema de pensamento de

Schopenhauer a bondade é mais um mérito humano em processo que sendo algo já

posto nas coisas e que direciona-as para o bem propriamente dito.

A visão pessimista de mundo torna-se um grande problema para a aceitação

da solução estética e também ética que o autor de O mundo como vontade e como

representação procura delinear. Aí, vem a questão: sendo o mundo regido,

circundado e governado pela vontade cega e má, de onde sobressaem o desejo

pela verdade e a busca pelo bem? Aqui está o emblema: Schopenhauer fala da

contenção da vontade (na estética) e a nulificação da vontade (na ética).

Disso segue-se, não definindo a origem do bem, após ter dado ênfase e

crédito à vontade como que o ser de tudo e de todas as coisas, ele mesmo conclui

que a estética nesses parâmetros não é solução cabal para o problema das dores

do mundo. O termo mundo, nesse contexto ganha um horizonte da pluralidade de

seres humanos, isto é, o microcosmo que de modo ambíguo é expressão e

explicitação máxima da vontade (= macrocosmo).

Com isso, a estética schopenhaueriana culmina em reducionismo

antropológico de caráter epistemológico, quando a esfera de discussão é o sujeito.

O ser humano, nesse sistema, se limita a um puro sujeito do conhecer. Mas, isso

não seria o passo para o surgimento da indiferença, enquanto que uma das causas

da propagação do sofrimento no mundo, vindo do próprio ser humano?

Vale dizer que a categoria puro sujeito do conhecer é valiosa para a

constituição da integridade do posicionamento schopenhaueriano, para sustentar

uma filosofia de índole catártica. No entanto, o ser humano não pode ser delimitado

apenas às suas estruturas fundamentais, mas ele porta também as estruturas de

relação. Para isso, o pensamento de Schopenhauer tem duas possibilidades de

mudanças: 1) assumir o posicionamento pessimista de mundo e delinear as

80

categorias de seu sistema, abordando apenas as categorias que estão de acordo

com o abarque que a concepção mesma de mundo lhe proporciona; 2) assumir o

posicionamento estético de mundo, porém se desfazer da visão pessimista, para

que a investigação pelo belo não termine fadada ao fracasso, vencendo assim, a

tragicidade humana.

Desse modo, retorna-se à problemática que permeia esta pesquisa, ao partir

da pergunta fundamental do mesmo: em que consiste a contemplação do belo como

possibilidade do ser humano libertar-se de si mesmo? Pela via estética, o ser

humano que traz algo, que cria uma obra de arte, por assim dizer, apresenta a

dialética entre a explicitação da individualidade e a sua benignidade em contribuir

para o bem comum e em vista de maiores razões para um viver ético.

Em suma, a verdadeira estética se compromete com o comportamento ético

e, para ser designada como disciplina filosófica, ela deve trazer problematicidade.

Isso é basilar, é intrínseco ao ser humano. Se uma obra de arte não tem em si a

propulsão de gerar questionamento aos olhos inteligíveis de quem a contempla,

então não é possível considera-la uma obra autêntica. Ora, os animais também

agem segundo suas necessidades, mas não interagem. A obra de arte é, por sinal,

interação que o ser humano tem frente à natureza. Quando se entende o valor que o

pensar propriamente dito causa e constitui o ser humano, compreender-se-á o valor

que se materializa em uma obra, enquanto pura expressão criativa daquele que a

pensa e a projeta.

A apreensão do belo em uma obra de arte e compreensão na vida do ser

humano é a chave para a antropologia que se instaura na metafísica do belo de

Schopenhauer. Apesar das críticas que o autor constantemente corre, ao apresentar

uma epistemologia da indiferença, tem-se de saber analisar e perceber quais as

críticas dignas de ser consideradas.

Uma das críticas mais falsas e infundadas, do comum das pessoas que não

conhecem o pensamento de Schopenhauer, é afirmar que a solidão da vida do autor

reflete-se na solidão de sua filosofia. Isso é ambíguo. Ora, a fim de sustentar a

categoria de puro sujeito do conhecer, dá-se na visão relacional, em que o ser

humano se contém de suas vontades para tornar o sofrimento no mundo um pouco

mais amenizado. A respeito da razão humana, ela não é tão neutra assim. Precisa-

se investigar a origem propulsora que provoca na maneira de a razão se posicionar.

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