a construÇÃo da alianÇa de estados unidos e israel...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A CONSTRUÇÃO DA ALIANÇA DE ESTADOS UNIDOS E ISRAEL: INCENTIVOS ESTRUTURAIS, IDENTIDADE E
LOBBY
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Júlia Loose
Santa Maria, RS, Brasil.
2015
A CONSTRUÇÃO DA ALIANÇA DE ESTADOS UNIDOS E ISRAEL: INCENTIVOS ESTRUTURAIS, IDENTIDADE E
LOBBY
Júlia Loose
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como
requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais.
Orientador: Prof. Dr. Igor Castellano da Silva
Santa Maria
2015
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Departamento de Ciências Econômicas
Curso de Relações Internacionais
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova a Monografia
A CONSTRUÇÃO DA ALIANÇA DE ESTADOS UNIDOS E ISRAEL:
INCENTIVOS ESTRUTURAIS, IDENTIDADE E LOBBY
Elaborada por
Júlia Loose
Como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Relações Internacionais
COMISSÃO EXAMINADORA:
Igor Castellano da Silva, Dr.
(Presidente/Orientador)
(UFSM)
Arthur Coelho Dornelles Júnior, Dr.
(UFSM)
José Renato Ferraz da Silveira, Dr.
(UFSM)
Santa Maria, 02 de dezembro de 2015.
AGRADECIMENTOS
O que antes foi um objetivo, hoje é realidade. Chegar até este patamar não foi uma
tarefa fácil. Nós, enquanto estudantes do Ensino Médio, idealizamos a graduação como um
espaço cujo conhecimento científico e técnico adquirido é suficiente para nos prepararmos
para os braços do futuro. Grande falha. Ao longo destes 5 anos como aluna de Relações
Internacionais pude perceber que a graduação lhe proporciona a maior virtude da humanidade:
o conhecimento. Entretanto, o conhecimento jamais será absorvido e aplicado de maneira
prudente se não for complementado por motivação, carinho e afeto. Hoje, afirmo que essa
tarefa seria inatingível se eu não tivesse ao meu lado pessoas maravilhosas que impulsionaram
a minha dedicação para a concretização desta conquista. E por isso, celebro o fim desta etapa
manifestando meu sincero agradecimento e carinho a vocês: meus verdadeiros mestres.
Agradeço a minha família, os quais foram o meu pilar de sustentação e acompanharam
de perto todos os momentos da faculdade. A minha mãe, Zair da Rosa Loose, pelo
imensurável amor, amizade e companheirismo que sempre me foi prestado durante toda a
minha vida. Devo a ti o meu respeito, amor e admiração. Você é meu exemplo e o meu
esforço é por você, mãe. Ao meu pai, Airton Loose, por sempre enfatizar a importância do
estudo em minha vida desde o primeiro contato com a escola e apoio nas minhas decisões, por
mais inesperadas que fossem. Para você pai, o meu imenso respeito e carinho. Ao meu irmão
e melhor amigo, Felipe Loose, pelo incansável estímulo e confiança em mim depositado e por
estar sempre pronto para o abraço de consolo nos momentos que pensei em desistir. Pela
dedicação, mesmo em meio a suas tarefas rotineiras, em me fornecer auxílio quando precisei.
Você, mano, será sempre a minha maior inspiração.
Agradeço à minha grande amiga, Angela Lena, por estes 16 anos de amizade e por não
hesitar em me apoiar nos momentos que precisei, mesmo diante da distância. Para você amiga, o
meu eterno afeto. Ao meu companheiro, amigo e cúmplice, Gustavo Manduré por acreditar em
mim e me motivar a seguir em frente com suas palavras de afeto nos momentos bons e ruins desta
reta final. A você, Mandu, o meu carinho e amor. Às minhas amigas e colegas, Marina Cargnelutti
e Ana Laura Anschau por compartilharem comigo momentos memoráveis em Santa Maria e pelo
apoio prestado sempre. Vocês moram no meu coração. Agradeço ao meu Professor e orientador,
Dr. Igor Castellano, o qual encontrei no final da graduação que através do seu profissionalismo e
dedicação acreditou no meu potencial para a continuidade desta pesquisa e fez despertar-me a
paixão pelo ensino. Ao senhor, meu eterno respeito e gratidão.
Por fim, expresso minha gratidão à todos os Professores que passaram pela minha
graduação formal e informalmente, da Universidade Federal de Pelotas e da Universidade
Federal de Santa Maria por contribuírem com o amadurecimento pessoal e profissional que
compõe a pessoa que sou hoje. Á todos: o meu muito obrigada!
“We make our world significant by the courage of our questions and by the depht of our
answer.”
(Carl Sagan)
RESUMO
Trabalho de Conclusão de Curso
Curso de Relações Internacionais
Universidade Federal de Santa Maria
A CONSTRUÇÃO DA ALIANÇA DE ESTADOS UNIDOS E ISRAEL: INCENTIVOS ESTRUTURAIS, IDENTIDADE E LOBBY
AUTOR: Júlia Loose ORIENTADOR: Igor Castellano da Silva
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 02, Dezembro de 2015.
O estudo do processo de formação de alianças no Sistema Internacional implica no
engajamento de uma análise teórica acerca do que entende-se por sistema e do funcionamento
e interação dos elementos atuantes neste sistema. Para entender as motivações que formam a
postura dos Estados, esta pesquisa parte do pressuposto formulado por Buzan, Jones e Little o
qual consiste na divisão de três níveis de análise do sistema: estrutural, interacional e das
unidades. O problema de pesquisa consiste em estabelecer o que explica a construção da
aliança entre Estados Unidos e Israel. A escolha do objeto caracteriza-se pela herança
histórica de aliança dos dois países desde 1948 com sua evolução a partir da década de 1960
de cooperação nas esferas política, econômica e securitária. Considera-se que a aliança dos
dois países é sustentada através de um processo multidimensional composto pela relação entre
as seguintes variáveis: incentivos estruturais traduzidos em interesses estratégicos dos Estados
Unidos no Oriente Médio, identidade presente entre as duas nações no espectro político e
religioso e papel exercido pelo lobby israelense no âmbito interno estadunidense. A partir
disso, a pesquisa consiste em um estudo de caso de abordagem hipotético-dedutiva com dados
quantitativos e qualitativos a partir de técnica de pesquisa de revisão bibliográfica, cujo
objetivo apresenta-se por identificar a relação destas variáveis para a explicação do processo
de construção da aliança de Estados Unidos e Israel.
Palavras-chave: Sistema Internacional. Estados Unidos. Israel.
ABSTRACT
Senior Thesis
International Relations Major
Universidade Federal de Santa Maria
UNITED STATES AND ISRAEL: STRUCTURAL INCENTIVES,
IDENTITY AND LOBBY
AUTHOR: Júlia Loose
ADVISER: Igor Castellano da Silva Presentation‟s Date and Place: Santa Maria, December 02.
The study on alliance formation process in the International System implies in a theoretical
analysis engagement on what is understood by system and interaction between the active
elements in this system. To understand the motivations that form the State‟s behavior, this
research is based on the Buzan, Jones and little assumption in which consists in division of the
three levels of analysis of the system: the structure, the interaction between units and the
units. The research problem consist in trying to measure what explains the historic alliance
between the two countries since 1948 evolving in the 1960‟s to cooperation on the economic,
securitarian and diplomatic realms. Considering that the alliance is sustained through the
relations between the variables: U.S.‟ strategic interests in the Middle East, identity present
between the two nations in the political spectrum and religious and the Israeli‟s lobby role
inside the U.S. Having that in mind, the research consists in a hypothetical- deductive case
study approach, analyzing quantitative and qualitative data from a bibliographic review,
which aims to identify the relation between these variables to explain the alliance construction
between the Unites States and Israel.
Keywords: International System. United States. Israel
LISTA DE SIGLAS
AIPAIC – The American Israel Public Affairs Committee
APC – American Palestine Committee
AZEC – American Zionist Emergency
Council EUA – Estados Unidos da América JVT – Jewish Voice for Peace MAGREB – Região noroeste da África. Marrocos, Sahara Ocidental, Argélia e
Tunísia ONU – Organização das Nações Unidas
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
URSS – União Soviética
LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: Análise Estrutural de Waltz ................................................................................. 18
FIGURA 2: Variação aliança de Estados Unidos para Israel na esfera política, econômica e securitária: 1948 -1973 ............................................................................................................. 51
FIGURA 3: Aliança Estados Unidos e Israel: contraste de variáveis .....................................73
FIGURA 4: Modelo de análise: Interação das variáveis ......................................................... 75
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO GERAL ................................................................................ 12
2. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE ALIANÇAS NO SISTEMA INTERNACIONAL: ABORDAGEM CONCEITUAL ............................. 16 2.1. INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO. ............................................................................. 16 2.2. FORMAÇÃO DE ALIANÇAS: EXPLICAÇÕES ESTRUTURAIS .......................... 16
2.2.1 A Teoria estrutural de Kenneth Waltz ................................................................ .16
2.2.2. O estruturalismo marxista: perspectiva do Sistema Mundo ..................................20 2.3 O NÍVEL DE INTERAÇÃO E O ELEMENTO IDENTIDADE ............................... 22 2.4 O NÍVEL DAS UNIDADES E O PROCESSO DECISÓRIO DE POLÍTICA EXTERNA ....................................................................................................................... 25
2.4.1 A interação entre Política Interna e Política Externa ........................................... ..25
2.4.2.O processo de decisão de política externa: a intersecção entre o âmbito interno e externo nos Estados Unidos e a atuação de grupos de lobby ............................................................ 29
2.5. CONCLUSÃO DO CAPÍTULO ................................................................................ 31
3. A CONSTRUÇÃO DA ALIANÇA DE ESTADOS UNIDOS E
ISRAEL ........................................................................................................................ 33
3.1. INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO .......................................................................... 33
3.2. GÊNESE DA ALIANÇA: PROCLAMAÇÃO ESTADO DE ISRAEL ................... 33
3.3 ALIADOS A DISTÂNCIA: DE 1953 à 1958 .......................................................... .38
3.4 1958 – 1973: REAPROXIMAÇÃO ........................................................................ .42
3.4.1 O programa nucelar israelense ............................................................................ 43
3.4.2 A guerra dos Seis Dias – junho de 1967 .............................................................. 45
3.4.3 A Guerra do Yom Kippur – outubro de 1973 ........................................................ 47
3.5 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO ............................................................................. 50
4. ALIANÇA DE ESTADOS UNIDOS E ISRAEL: FATORES CAUSAIS ..................................................................................................................... 52
4.1 INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO ......................................................................... ..52
4.2 ESTADOS UNIDOS NO ORIENTE MÉDIO: INCENTIVOS ESTRUTURAIS..... 52
4.2.1 Bipolaridade e balança de ameaças ..................................................................... 52
4.2.2 Incentivos econômicos: a geopolítica do petróleo no Oriente Médio ...................... 59
4.3 ESTADOS UNIDOS E ISRAEL: IDENTIDADE ................................................... 63
4.3.1 Identidade Religiosa ......................................................................................... .64
4.3.2 Identidade política ............................................................................................. 65
4.4 O LOBBY ISRAELENSE NOS ESTADOS UNIDOS ............................................. 66
4.4.1 Lobby israelense: definição e mecanismos de ação ............................................... 66
4.4.2 Década de 1940: Início da influência sionista nos Estados Unidos ......................... 68
4.4.3 Lobby na Mídia ................................................................................................. 71 4.5 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO ............................................................................. 72
5. CONSIDERAÇÕE FINAIS ......................................................................... 74
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 78
1. INTRODUÇÃO GERAL
As alianças são definidas pelo “ato ou efeito de aliar-se; um pacto; um ajuste um
acordo; união entre duas ou mais entidades em prol de um objetivo comum.” (HOLANDA, 2004, p.110). A compreensão das causas que levam os Estados a aliarem-se a outros na busca
por cooperação ou equilíbrio de poder no Sistema Internacional remete a uma análise acerca
das abordagens teóricas das Relações Internacionais que buscam explicações para o
entendimento das ações dos Estados frente aos constrangimentos impostos pelo Sistema.
O estudo do processo de formação de alianças no Sistema Internacional implica no
engajamento de uma análise teórica acerca do que entende-se por sistema e do funcionamento e
interação dos elementos atuantes neste sistema. De acordo com Singer, a abordagem sistêmica é a
maneira mais eficiente para compreenderem-se os padrões de coalizões e dissoluções de alianças
no sistema bem como específicas configurações de poder e sua duração, pois permite analisar as
relações internacionais como um todo. (SINGER, 1961, p.80).
Para entender as motivações que formulam a postura dos Estados em relação aos
outros, esta pesquisa parte primordialmente do pressuposto formulado por Buzan, Jones e
Litlle (1993) o qual consiste na divisão de três níveis de análise do sistema: a estrutura,
interação entre as unidades e unidades. (BUZAN, JONES, LITTLE, 1993, p.18). Neste
sentido, o esforço aqui prestado é representado pela noção de que a integração destes três
níveis compõe um processo multidimensional de análise da política internacional pois inclui
diferentes variáveis a serem consideradas no que tange as relações entre os Estados.
A construção da aliança entre Estados Unidos e Israel além de elucidar como iniciam-
se os processos de cooperação e consequentemente de formação de alianças no Sistema
Internacional conota sua singularidade para os estudos na área de política externa à medida
em que é revista. A escolha dos objetos caracteriza-se pela herança histórica da aliança entre
os dois países que tem início a partir da construção do Estado Judeu, mas que tem sua
evolução 20 anos depois, precisamente a partir da década de 1960, a qual salienta-se: nunca
teve um acordo formal, mas jamais foi questionada quanto ao seu nível de comprometimento
por ambas as partes. (WALT, 1987, p.12).
A análise da relação da aliança entre Estados Unidos e Israel apresenta a existência de
um forte insumo de política interna norte-americana importante para entender os mecanismos
de formulação da política externa norte-americana. (FELDBERG, 2003, p.23). Face a esse
cenário a pesquisa é orientada pelo seguinte questionamento: o que explica a construção da
12
aliança de Estados Unidos e Israel? A partir desse questionamento, como poderá ser
constatado na evolução da análise dos acontecimentos que sustentam esta aliança, optou-se
como objeto de análise a perspectiva da política externa norte-americana para o estado de
Israel. A escolha em abordar as diretrizes da política externa dos Estados Unidos para Israel, e
não o processo inverso, justifica-se pelo papel assumido pelos Estados Unidos no período pós
Segunda Guerra Mundial de potência global líder da aliança vitoriosa e pela sua favorável
situação econômica, concentração de poder político, diplomático e preponderância militar de
suas forças convencionais. (PECEQUILO, 2003, p.125). Além disso, no contexto de
bipolaridade, as ações exercidas pela potência dominante conferem maior impacto nas
dinâmicas regionais da região do Oriente Médio, seja pela busca por zonas de influência, seja
para a manutenção da estabilidade do sistema regional ou seja pela sua capacidade coercitiva
perante as demais regiões periféricas do sistema internacional.
A hipótese a ser testada considera que a aliança dos dois países é sustentada através da
relação entre as seguintes variáveis: incentivos estruturais representados por interesses
estratégicos dos Estados Unidos na região do Oriente Médio, identidade presente entre as duas
nações no espectro religioso e político e papel do lobby israelense no âmbito interno
estadunidense. Através da eclética vinculada aos elementos dessas variáveis considera-se que
as variáveis integram-se entre si pois a aliança dos dois países trata-se de um processo
multidimensional que abarca os níveis de análise da estrutura, da interação entre as unidades e
da unidade.
O objetivo geral da pesquisa concentra-se em identificar a relação presente entre as
variáveis que explicam a aliança entre os dois países. Os objetivos específicos, desenvolvidos em
cada capítulo, buscam respectivamente: compreender o processo de formação de alianças no
sistema internacional sob o nível de análise estrutural, interacional e das unidades; analisar o
processo de construção da aliança de Estados Unidos e Israel de 1948 à 1973 e identificar seus
pontos de variação e por fim relacionar com o referencial teórico abordado as causas da aliança
sob as três variáveis orientadoras da pesquisa: incentivos estruturais, identidade e lobby.
O recorte temporal, iniciado no contexto da criação do Estado Judeu, com a
administração Truman justifica-se pelo apoio dado publicamente pelo presidente em relação a
autodeterminação do povo judeu frente a comunidade internacional dentro de um contexto
herdado pelo Holocausto. Ao tratar do processo de construção da aliança dos dois países, cabe
a necessidade de delimitar a pesquisa até o início da década de 1970, no governo Nixon visto
que posteriormente a este período a aliança sofre um processo de amadurecimento e
13
manutenção. Além disso, o recorte temporal justifica-se pela disponibilidade de fontes que
apresentam a cooperação dos dois países nas esferas diplomática, econômica e securitária,
visto que a busca e utilização de fontes primárias não são requisitos necessários para a
formulação de um trabalho final de graduação.
Em termos sociais, ao tratar da aliança entre Estados Unidos e Israel, a pesquisa
justifica-se por demonstrar sua relevância ao passo que afeta um terceiro agente externo: o
povo Palestino. A prospecção de um cenário de mudança no conflito árabe-israelense torna-se
improvável enquanto os Estados Unidos manterem incondicionalmente seu apoio material e
diplomático à Israel frente às tentativas da Organização das Nações Unidas e de outros
Estados para o reconhecimento dos crimes cometidos pelos israelenses ao povo palestino.
Trata-se de uma dimensão moral, a qual Mearsheimer e Walt classificam como negativa para
o interesse estratégico dos norte-americanos perante seus demais parceiros visto que tornam-
se cúmplice de violações do Direito Internacional ao apoiar a construção de assentamentos no
território palestino e no descumprimento dos Acordos de Oslo feitos posteriormente na
administração Clinton. (MEARSHEIMER, WALT, 2006, p.76).
Em termos acadêmicos, a pesquisa demonstra sua relevância para o campo teórico de
Relações Internacionais ao passo que analisa o processo de interação dos Estados no Sistema
Internacional, o qual as teorias dominantes de Relações Internacionais desconsideram. O que
de fato auxilia para o melhor entendimento das relações dos Estados frente ao princípio
ordenador do Sistema Internacional. Além disso, salienta a hierarquização de poder presente
entre os Estados, ao passo que elucida como forças domésticas de potências extra regionais
aliadas a potências regionais afetam no processo de consolidação e reconhecimento de demais
Estados, neste caso a Palestina.
De uma maneira geral, desconhece-se um esforço a nível acadêmico que considere a
relação presente entre as variáveis desta pesquisa para a compreensão da construção da
aliança entre Estados Unidos e Israel. Salienta-se que os esforços que contribuam para
mensurar as variáveis envolvidas no processo que levou os Estados Unidos a transformar
Israel como seu forte aliado desde a criação do Estado e com seu amadurecimento a partir da
década de 1960 ainda são incipientes nos estudos contemporâneos de Relações Internacionais
e concentram-se em universidades de países centrais, o que contribui para a singularidade da
pesquisa ser feita no Brasil.
É a partir da verificação de tais variáveis: incentivos estruturais, identidade e lobby, que
esta pesquisa consiste em um estudo de caso que adota o método de abordagem hipotético-
14
dedutivo alicerçado em técnica de pesquisa bibliográfica. Será feita uma análise bibliográfica
de autores para obter-se o embasamento teórico acerca dos conceitos utilizados. Ademais,
serão utilizadas como base para a pesquisa, referências sobre a construção do ideal do
sionismo político, bem como estudos históricos para a contextualização cronológica do início
da proximidade de Estados Unidos e Israel.
Quanto a estrutura textual, o trabalho será dividido em três capítulos e considerações
finais. O primeiro capítulo, intitulado como “O processo de formação de alianças no Sistema
Internacional: abordagem conceitual” possui caráter teórico e tem como objetivo caracterizar
o processo de formação de alianças no Sistema Internacional sob os três níveis de análise
elencados pela abordagem sistêmica aqui considerada: estrutural, interacional e das unidades.
Para o entendimento acerca das razões que levam os Estados a aliarem-se a outros serão
utilizadas como referencial teórico as contribuições do neorrealismo, do marxismo, do
construtivismo e da teoria dos jogos de dois níveis.
Já o segundo capítulo, intitulado como “A construção da aliança de Estados Unidos e Israel” possui carácter descritivo e apresentará uma análise histórica acerca do início da
aproximação dos Estados Unidos para Israel nas esferas política, econômica e securitária. O
capítulo será dividido de acordo com estas variáveis com o intuito de estabelecer pontos de
variação que demarcam a aliança dos dois países. O objetivo central consiste em elucidar os
marcadores de mudanças históricas que variam de acordo com as diferentes conjunturas e
interesses norte-americanos, de modo a identificar os pontos de transformação na aliança dos
dois países.
O terceiro capítulo, intitulado de “A aliança de Estados Unidos e Israel: fatores
causais” possui carácter analítico e apresentará a relação do processo de construção da
aliança de Estados Unidos e Israel com o referencial teórico tratado no capítulo I sob as três
variáveis: incentivos estruturais (estrutura), identidade (interação) e lobby (unidade). O
objetivo consiste em constatar a associação existente entre as três variáveis manifestadas na
pesquisa para posteriormente obter-se uma conclusão quanto aos diferentes impactos de cada
sob o nível de análise estrutural, interacional e das unidades.
Por fim, nas considerações finais será retomado o objetivo central da pesquisa e
posteriormente as conclusões dos debates abordados em cada capítulo. Ao concluir, o propósito
consiste em identificar e apresentar os fatores que contribuíram para a relação das variáveis e seus
impactos diversos nos momentos de variação da aliança, conforme a hipótese a ser testada. Além
disso, servirá como espaço para proposição de pesquisas futuras acerca do tema.
15
2. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE ALIANÇAS NO SISTEMA INTERNACIONAL: ABORDAGEM CONCEITUAL
2.1. INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO
O presente capítulo, embasado na abordagem sistêmica para o entendimento das
razões que levam os Estados a formarem coalizões tem como objetivo apresentar o referencial
teórico que dá suporte à análise do processo de formação de alianças sob os seguintes níveis
de abordagem sistêmicos: nível estrutural, nível interacional e nível das unidades. A partir
disso, primeiramente será identificado com base nas contribuições teóricas estruturais do
neorrealismo e do marxismo, quais as motivações e constrangimentos que levam os Estados a
aliarem-se a outros e qual a relação presente entre agente e estrutura no Sistema Internacional.
Na segunda sessão, será feita uma abordagem com base na perspectiva construtivista, cujo
objetivo é analisar os processos de interação entre as unidades e como fatores sociais exercem
influência nas ações dos Estados. Por fim, na última sessão será feita uma análise a nível da
unidade, considerando o Estado como uma instituição composta por forças constitutivas que
exercem participação na tomada de decisões de política externa, ao passo que analisa o
impacto que forças políticas domésticas exercem no processo decisório de política externa
relacionando com o objeto desta pesquisa.
2.2. FORMAÇÃO DE ALIANÇAS: EXPLICAÇÕES ESTRUTURAIS 2.2.1 A Teoria estrutural de Kenneth Waltz
No fim da década de setenta, Kenneth Waltz escreveu sua obra: Theory of International
Relations (1979).1 Partindo do pressuposto de que os estados são os únicos atores do sistema
internacional, o núcleo duro da teoria estrutural proposta por Waltz consiste em definir
separadamente o conceito de sistemas; estrutura; a relação presente entre unidade-estrutura e
1 Dentro de um contexto cuja necessidade do avanço dos estudos das relações internacionais estava em pauta
frente as novas conjunturas e atores internacionais emergidos, a proposta de Waltz consiste em uma teoria
sistêmica das relações internacionais, cujo próprio autor define como realismo estrutural1, justamente por propor
uma análise estrutural do sistema. (NOGUEIRA, MESSARI, 2005: 42). 16
como esta estrutura afeta as unidades, assim como elas por sua vez afetam a estrutura.
(WALTZ, 1979, p.63).
Primeiramente, para compreender-se o que define um sistema faz-se necessário esclarecer
a definição dos elementos que o compõe: estrutura e unidades em interação. A estrutura é definida
pela disposição das capacidades de suas partes: as unidades, sendo o sistema a composição desta
estrutura e das partes que interagem. Cabe ressaltar que para Waltz, as “definições de estrutura devem deixar de lado, ou pelo menos abstrair-se das características
das unidades, do seu comportamento e das suas interações.” (WALT, 1979, p.114). Ou seja,
Waltz não separa o nível interacional do nível das unidades, o que torna-se problemático visto
que desconsidera agentes que exercem papel fundamental na estrutura do sistema.
Waltz considera a existência de sistemas políticos internos e externos2, cuja
diferenciação é determinada por três características: princípio ordenador, o carácter das
unidades e distribuição das suas capacidades. Neste sentindo, obtém-se que nos sistemas
políticos internos o princípio ordenador é a hierarquia e existe uma divisão de trabalho. Nos
sistemas políticos externos o princípio ordenador é a anarquia e não há uma diferenciação das
unidades, mas sim das suas capacidades e seu comportamento em relação a essas capacidades. Os Estados são “unidades semelhantes, enquanto unidades políticas autônomas”. (WALTZ, 1979, p.135). As capacidades das unidades além de “classificar” a posição que as unidades
dispõem na estrutura do sistema, também definem esta estrutura e o modo como elas irão
interagir. Ou seja, a variação da estrutura é introduzida, não através das diferenças no carácter
e função das unidades, mas apenas através das distinções entre elas de acordo com as suas
capacidades.
Para alcançar seus objetivos e manter a sua segurança, as unidades numa condição de anarquia – sejam elas pessoas, corporações, estados, ou qualquer outra coisa – devem confiar nos meios que podem gerar e nos acordos que podem fazer para elas próprias. Auto-ajuda é, necessariamente, o princípio de ação numa ordem anárquica. (WALTZ, 1979, p.155).
Partindo do pressuposto que o elemento chave da estrutura é a anarquia, obtém-se que
a própria estrutura define quais serão as ações e interações destas unidades no sistema e não
vice e versa. Ou seja, assim como Mearsheimer propõe em sua obra The Great Powers of 10
century, a teoria de Waltz parte de uma análise da política internacional do “todo para as
partes”, como demonstra a figura a seguir:
2 Também referenciados como sistema e subsistemas, respectivamente.
17
Figura 1: Análise estrutural de Waltz (WALTZ,
1979, p.63)
As unidades são elementos chave para o funcionamento do sistema, pois é através das
suas interações e capacidades que este sistema será definido. Para o autor, os Estados são as
unidades cujas interações formam a estrutura dos sistemas nas relações internacionais.
(WALTZ, 1979, p.35). Dessa forma, ao beber de suas raízes realistas, entende-se que as
condições constrangedoras as quais as unidades estão sujeitas são designadas pela estrutura
anárquica do sistema que impõe um único objetivo para suas unidades: a sobrevivência.
Portanto a estrutura, constrange, limita e orienta a ação dos agentes. (WALTZ, 1959, p. 63).
Um sistema é então definido como um conjunto de unidades em interação. Num primeiro plano, um sistema consiste numa estrutura, sendo a estrutura o nível sistêmico propriamente dito que torna possível pensar nas unidades como formando um conjunto, algo mais do que uma mera coleção. Noutro plano, o sistema consiste em unidades em interação. O objetivo da teoria sistêmica é mostrar como os dois níveis operam e interagem e isso requer a demarcação um do outro. Só podemos perguntar como A e B se afetam mutuamente, e continuar para procurar uma resposta, se A e B puderem ser mantidos distintos. (WALTZ, 1979, p.63)
A formação das alianças ou nas palavras de Waltz, as “relações que se formam e se
dissolvem dentro de um sistema” (WALTZ, 1979, p.139), consistem na busca das unidades
em assegurarem sua sobrevivência. Parte-se da noção de que nenhum estado tem capacidade
de atuar exclusivamente para a garantia da sua sobrevivência, por isso necessitam de coalizões
com outros. Além do motivo da sobrevivência, os objetivos dos estados podem ser muito
variados e vão desde a ambição de conquistar o mundo ao mero desejo de serem deixados em
paz ou preferir a fusão com outros estados à sua própria sobrevivência, ou seja, para balancear
poder. (WALTZ, 1979, p.130).
18
Sob outra perspectiva de análise, Stephen Walt em seu livro de 1987, The Origins of
Alliances, efetivamente traz contribuições que explicam quais os fatores influenciam os
Estados a escolherem seus aliados e novamente quais as forças3 que levam os estados a
apoiarem outros nas suas relações internacionais (WALT, 1987, p.13). Walt esclarece que
mesmo sendo um conceito difícil de ser mensurado, as alianças são definidas como “arranjos
formais ou informais de cooperação entre um ou mais Estados que consiste na troca de
benefícios entre ambos que garantam os seus interesses”. (WALT, 1987, p.12, tradução da
autora)4. Afirma também que as alianças variam em relação ao seu nível de
institucionalização, pois podem ser apenas coalizações que envolvam interação recíproca
entre os países, ou acordos formais institucionalizados por meio de organizações com
burocracia e processos de decisão elaborados. (WALT, 1997, p.157).
Walt concentra sua teoria no elemento da balança de ameaças em detrimento do
elemento da balança de poder. Nessa perspectiva, os Estados formam alianças para
responderem a possíveis ameaças, se posicionando não em resposta aos poderosos, mas sim
em resposta aos ameaçadores. Nas palavras do autor: "Estados formam alianças contra
ameaças em vez de poder sozinho (...) O grau de ameaça de um Estado para outro é o produto
da sua capacidade como potência, sua proximidade geográfica, a sua capacidade ofensiva e
agressividade das suas intenções" (WALT, 1987, p.265, tradução da autora).5
Estados decidem pela balança de ameaças por duas razões principais . Primeiro , eles
colocam sua sobrevivência em risco caso não consigam refrear um hegemon potencial
antes que se torne demasiado forte. Ou seja, aliar-se com o poder dominante significa
colocar sua confiança em sua contínua benevolência. A estratégia mais segura é juntar
com aqueles que não podem facilmente dominar seus aliados , a fim de evitar ser
dominado por aqueles que podem. (WALT, 1987, p.18. Tradução da autora).6
3 Broad Forces.
4I define alliance as a formal or informal relationship of security cooperation between two or more sovereign
states. This definition assumes some level of commitment and an exchange of benefits for both parties; severing the relationship or failing to honor the agreement would presumably cost something, even if it were compensated in other ways. (WALT, 1987, p.1). 5 States balance against threats rather than power alone (...) The degree to wich a state theatens others is the product of its aggregate power, its geographic proximity, its offensive capability and the aggressiveness of its intentions. (WALT, 1987, p.265).
6 States choose to balance for two main reasons. First, they place their survival at risk if they fail to curb a potential hegemon before it becomes too strong. To ally with the dominant power means placing one‟s trust in its continued benevolence. The safer strategy is to join with those who cannot readily dominate their allies, in order to avoid being dominated by those who can. (WALT, 1987, p.18).
19
2.2.2. O estruturalismo marxista: perspectiva do Sistema Mundo
Na segunda metade da década de 1970, com a publicação do primeiro volume de The
Modern World System (1974), Emmanuel Wallerstein, um cientista social com bases no
materialismo da vertente marxista, consolida seu pensamento através de uma abordagem
sistêmica com a formulação da teoria do Sistema-Mundo7. O escopo teórico de Wallerstein
consiste na abordagem de uma explicação estruturalista da desigualdade global. Busca-se
identificar as características estruturais que formam a hierarquia do sistema e como a lógica
do processo de acumulação de capital se organiza no tempo e no espaço.
A configuração estrutural, segundo Wallerstein é formada ao longo do processo
histórico de acumulação, o qual produz uma organização do sistema pautada na divisão
internacional do trabalho8. A divisão internacional do trabalho caracteriza-se pela organização
social do sistema-mundo, onde “alguns grupos de algumas áreas possuem a habilidade de
explorar o trabalho de outros e receber em troca maior parte do excedente” (WALLERSTEIN,
1974, p.349, tradução da autora)9.
Esse estruturalismo é composto por Estados que situam-se em três áreas: o centro, a
semiperiferia e a periferia10
. O centro caracteriza-se por dominar as principais atividades
econômicas globais e tem o poder de domínio tanto econômico quanto ideológico sobre as duas
outras áreas. Ou seja, os denominados “core-states” usufruem da lógica da economia capitalista
global para o domínio do sistema. A periferia caracteriza-se por sua condição de dependência do
centro, visto que suas economias especializam-se na produção de bens primários e na intensiva
mão-de-obra. E por fim, a semiperiferia consiste na área situada entre o centro e a periferia, pois
ainda que os países tenham um certo nível de industrialização, suas economias permanecem em
um estado de dependência das economias do centro. Nas palavras do autor:
7 O pensamento de Wallerstein tem o mérito de combinar a análise marxista das contradições do capitalismo com uma consideração da dimensão política das relações internacionais superando, portanto, as limitações das demais contribuições, demasiadamente centradas nos tipos de formação estatal e suas consequências internacionais, como fizeram Marx, Lênin e os teóricos da dependência. O que aproxima o autor de teorias semelhantes de Relações Internacionais, como o neorrealismo, que procuram explicar a ação dos Estados considerando os constrangimentos estruturais que circunscrevem suas escolhas e estratégias. (NOGUEIRA, MESSARI, 2009, p.127).
8 We have defined a world-system as one in which there is extensive division of labor. This division is not merely functional-that is, occupational-but geographical. (WALLERSTEIN, 1974, p.349).
9 But for the most part, it is a function of the social organization of work, one which magnifies and legitimizes the ability of some groups within the system to exploit the labor of others, that is, to receive a larger share of the surplus.(WALLERSTEIN, 1974, p.349).
10 Core-States, Semiperipheral areas and Peripheral areas.
20
Economias mundiais , em seguida, são divididas em estados centras e regiões periféricas
. Eu não defino „estados periféricos‟ porque uma característica de uma área periférica é
que o estado é fraco, que vai desde a sua inexistência (isto é, uma situação colonial ) a
um estado com baixo grau de autonomia ( isto é, uma situação neocolonial ) . Há
também áreas semi-periféricos que estão em entre o centro e a periferia em uma série de
dimensões, tais como a complexidade das actividades económicas, a força da máquina
do Estado, a integridade cultural , etc. Algumas dessas áreas talvez já tenham sido
„estados centrais‟ em outras versões de um dado sistem-mundo, assim como alguns já
tenham sido sido áreas periféricas que mais tarde foram promovidas, por assim dizer ,
como resultado das mudanças geopolíticas de um sistema-mundo em expansão.
(WALLERSTEIN, 1974, p.349. Tradução da autora.)11
A conversão de regiões em situações periféricas e semi-periféricas conota a hierarquia de
poder tanto econômico quanto político no Sistema Internacional que gira em torno do centro.
Cabe ressaltar que a semi-periferia não é apenas uma categoria residual, mas sim um elemento
estrutural necessário para o ordenamento do sistema, visto que são “áreas que desviam
parcialmente as pressões políticas que os grupos localizados nas áreas periféricas poderiam, de
outro modo, dirigir contra os Estados do centro, contra os grupos que operam em seu interior e por
meio de seu aparelho de Estado”. (WALLERSTEIN, 1974, p.350, tradução da autora).
O pensamento de Wallerstein, demarcado por um profundo estruturalismo estabelece
que as ações dos Estados são desenvolvidas sob os condicionamentos do mercado mundial e
de acordo com a sua posição na divisão internacional do trabalho. Os vínculos transnacionais
que o capital estabelece nas relações internacionais são refletidos nas alianças que se formam
neste Sistema em função das elites capitalistas. Ou seja, em contraponto aos neorrealistas e
fazendo jus a sua origem de teorização pautada no marxismo, Wallerstein estabelece que a
estrutura do sistema é o capital.
Até o momento, nesta seção buscou-se analisar o processo de formação de alianças sob
duas perspectivas de análise: neorrealismo estrutural e marxismo estrutural. As escolhas destas
duas concepções de análise justificam-se sobretudo por ambas abordarem uma análise sistêmica
do sistema internacional, porém com o princípio ordenador distinto. Como visto na teoria de
Waltz, o princípio ordenador do sistema, caracterizado pela anarquia apresenta-se como o fator
determinante para o engajamento dos Estados na construção de alianças. Os Estados formam
coalizões com o objetivo de assegurarem sua sobrevivência dado os constrangimentos impostos
11
World-economies then are divided into core-states and peripheral areas. I do not say peripheral states
because one characteristic of a peripheral area is that the indigenous state is weak, ranging from its nonexistence (that is, a colonial situation) to one with a low degree of autonomy (that is, a neo-colonial situation). There are also semiperipheral areas which are in between the core and the periphery on a series of dimensions, such as the complexity of economic activities, strength of the state machinery, cultural integrity, etc. Some of these areas had been core-areas of earlier versions of a given worldeconomy. Some had been peripheral areas that were later promoted, so to speak, as a result of the changing geopolitics of an expanding worldeconomy. (WALLERSTEIN, 1974, p.349).
21
pela estrutura. Em contrapartida, na análise proposta por Wallerstein a estrutura do Sistema
Internacional é o capital, que consequentemente é ditado pelos core-states, ou seja, pelos
estados do centro. As demais categorias, como a periferia e a semi-periferia estão
subordinadas à elite do sistema, que possuem suas economias embasadas no modelo de
acumulação de capital. As alianças portanto são coalizões de poder que objetivam manter a
lógica de desigualdade do sistema e cabe as semi-periferias alterar a situação da divisão
internacional do trabalho. De acordo com Wallerstein, o sistema capitalista atingirá seu
colapso visto que pressupõe um fim de si mesmo.
Em síntese, obtêm-se que os incentivos estruturais são determinados da seguinte
maneiras em ambas as teorias: na perspectiva neorrealista estão associados à política de
balanceamento de ameaças. Na perspectiva estruturalista marxista, estão associados ao acesso
a recursos econômicos essenciais para a liderança sistêmica.
2.3 O NÍVEL DE INTERAÇÃO E O ELEMENTO IDENTIDADE
Como visto na subseção anterior, a análise estrutural proposta por Waltz de uma
maneira sucinta, considera o comportamento dos Estados de acordo com a posição que
ocupam uns em relação aos outros na estrutura do sistema. Ou seja, é a estrutura que
condiciona a ação do Estado. (WALTZ, 1979, p.94). Entretanto, essa análise torna-se limitada
ao passo que desconsidera o papel de atores sociais domésticos e fatores subjetivos internos,
como identidade e interesse na influência nas decisões de um ator estatal. A partir deste
questionamento e utilizando-se da abordagem construtivista feita primeiramente no fim da
década de oitenta como opção analítica desta seção, discorre-se a respeito da inclusão dos
elementos de identidades e interesses como parte constituinte do sistema considerando seu
impacto no processo de interação entre agente e estrutura. (WENDT, 2013, p.435).
Primeiramente há de contextualizar-se o surgimento da abordagem construtivista bem
como sua consolidação como teoria das Relações Internacionais. A abordagem construtivista
trouxe para o campo teórico das relações internacionais um debate ontológico que busca
questionar a relação entre agente e estrutura, predeterminada anteriormente pelos
neorrealistas.12
Para os construtivistas, assim como para Buzan (1993) a insuficiência do
12
A partir do final da década de oitenta, o debate dos neorrealistas e neoliberais centrava-se na tentativa de explicar
até que ponto as ações estatais são influenciadas pela estrutura do sistema e como isso confrontava-se com os processos de interação dos Estados. Neste contexto, através das contribuições dos acadêmicos Nicholas Onuf e Alexander Wendt surge o construtivismo (considerado por muitos autores como uma metateoria e não uma teoria
22
neorrealismo está em desconsiderar o nível de interação das forças sociais exercidas pelo
próprio Estado em detrimento da estrutura que é imposta e supostamente inalterável. A
superação deste debate consiste na definição dos elementos estrutura e unidade e na tentativa
de ampliar as interações que englobam esse sistema.
De acordo com Wendt, um dos principais percussores do construtivismo, a tendência
nos estudos de Relações Internacionais em ver o poder e as instituições como duas
explanações opostas de política externa é ilusória, uma vez que a anarquia e a distribuição de
poder só têm significado para a ação estatal em virtude dos entendimentos e expectativas que
constituem identidades e interesses institucionais. (WENDT, 1995, p.435). E é partindo deste
pressuposto que em 1992, Wendt contrapõe a posição determinista de Waltz ao considerar o
impacto que os interesses e identidades dos agentes exercem no processo de interação dos
Estados nas relações internacionais com a publicação da obra “Anarchy is What States Make
of It: the social construction of power politics”.
Na sociologia, entende-se por identidade o conjunto de características singulares e
distintas que influenciam na construção de valores e identificação de um indivíduo seja com
um determinado grupo, comunidade, gênero, religião, país, etc. Segundo Anthony Giddens a
construção da identidade depende das experiências de vida pelas quais o indivíduo passa, ou
seja, a identidade é construída com base naquilo que vivemos e buscamos.
Cabe destacar que a inclusão do estudo da identidade na política internacional faz-se
presente, primordialmente, nas construções teóricas do quarto debate13
das Relações
Internacionais. Em contraponto as abordagens teóricas dominantes das Relações Internacionais, a
teoria crítica não é identificada como uma teoria única de Relações Internacionais, mas sim por
um conjunto de teorias cujo objetivo é a análise de como a política internacional é socialmente
construída, considerando que sua estrutura não dispõe somente de elementos materiais, mas
também de elementos sociais14
. (WENDT, 1995, p.71). Neste sentido, o estudo
propriamente dita) como uma tentativa de explicar que a estrutura do mundo não é predeterminada, mas sim constitui-se de uma construção social de interesses e identidades dos agentes que a compõe. 13 De acordo com Pedro Emmanuel Mendes, a disciplina de Relações Internacionais pode ser compreendida em função
da evolução dos grandes debates que têm marcado a sua história enquanto campo de estudo científico. Foi o fim da Guerra Fria que proporcionou o desenvolvimento de um novo pensamento em r.i, onde a discussão sobre a mudança e
sobre o papel das ideias passou a ser central. Esta nova atitude no ambiente disciplinar das ri deu lugar a um espaço de discussão teórica que se foi organizando em torno de um novo grande debate, inicialmente conhecido por contrapor os
racionalistas (realistas, neorrealistas e neoliberais institucionalistas) e os reflexivistas (pós-modernistas, pós-estruturalistas, teorias críticas e feministas). Este debate desenvolveu-se em torno de questões metateóricas, ou seja, em
torno de questões ontológicas e epistemológicas. (MENDES, 2012, p.107).
14 De acordo com Wendt, o Construtivismo está incluído no arcabouço das Teorias Críticas.
23
do conceito de identidade é fundamental para analisar as preferências e interesses dos Estados,
pois estes dois se formam através da construção destas identidades nas suas sociedades.
Segundo Hopf, as identidades são definidas por um conjunto de interesses que
implicam nas preferências e ações deste Estado, pois um Estado só pode compreender o outro
de acordo com a identidade que lhe é atribuída. (HOPF, 1998, p.175). Ao passo que o
neorrealismo admite que todos os Estados possuem uma identidade em comum15
, o
construtivismo assume que essas identidades mudam ao decorrer do tempo pois são
influenciadas por fatores históricos, culturais e sociais. É a partir deste argumento que o
construtivismo salienta ainda mais a sua importância para o estudo do funcionamento das
Relações Internacionais, pois abarca fatores que até então não eram considerados
significativos a serem incluídos na análise da política internacional. De acordo com Hopf:
Enquanto o construtivismo trata a identidade como uma questão empírica a ser
teorizada dentro de um contexto histórico, o neo-realismo pressupõe que todas as
unidades na política global têm apenas uma identidade: a de Estados com interesses próprios. Dessa forma, o Construtivismo salienta que esta proposta isenta da
teorização os próprios fundamentos da vida política internacional e a natureza da definição dos atores. Em outras palavras, o neo-realismo considera que o Estado na
política internacional, através do tempo e espaço possui um único significado. Em
contrapartida, o Construtivismo assume que as identidades dos estados são uma variável, que depende do contexto histórico, cultural, política e social. (HOPF, 1998,
p.175, tradução da autora)16
O princípio ordenador do sistema, principal pilar do construtivismo, dentre suas
diversas vertentes17
, é o de que a anarquia presente no sistema internacional é socialmente
construída e portanto não constitui-se como um elemento pré-determinado o qual os Estados
estão subordinados.
15 O Neorrealismo de Waltz ao considerar que o objetivo dos Estados não está passível de mudança, ou seja, que a busca pela balança de poder é um fator constante, denota a sua incapacidade em suprir as falhas que o realismo não conseguiu suprir. Para Nogueira e Messari, Waltz declarou sua teoria como uma teoria de política internacional, utilizando o estruturalismo para reduzir o leque de mudanças possíveis na política internacional, o que leva a inevitabilidade da mudança. (NOGUEIRA, MESSARI, 2005, p.49).
16 Whereas constructivism treats identity as an empirical question to be theorized within a historical context, neorealism assumes that all units in global politics have only maningful identity, that of self-interested states. Constructivism stresses that this proposition exempts from theorization the very fundamentals of international political life, the nature and definition of the actors. In other words, the state in international politics, across time and space, is assumed to have a single eternal meaning. Constructivism instead assumes that the selves, or identities of states are a variable; they likely depend on historical, cultural, political, and social context. (HOPF, 1998, p.175).
17 Nogueira e Messari argumentam que não há como tratar de apenas um construtivismo. Mas sim que existem vários construtivismos que permeiam desde teóricos declaradamente positivistas até os pós-modernos. Todos são construtivistas, mas todos exibem relações diferentes com as práticas discursivas: a ciência e a o conhecimento. O que não significa que existam tantos construtivismos quanto há autores construtivistas. (NOGUEIRA, MESSARI, 2005, p.185).
24
Argumento que a autoajuda e a política de poder não seguem lógica ou casualmente da
anarquia, e que se hoje nos encontramos em um mundo de auto ajuda, isto se deve ao
processo, não à estrutura. Não há uma “lógica” da anarquia à parte das práticas que criam
e instanciam uma estrutura de identidades e interesses em detrimento de outras; a
estrutura não tem existência ou poderes causai à parte do processo. A autoajuda e a
política de poder são instituições, não características essenciais da anarquia. A anarquia
é o que os estados fazem dela. (WENDT, 2013, p.426).
Ao tratar da anarquia e das razões que levam os Estados a cooperarem, Wendt destaca que
seu objetivo de análise é o mesmo que o de Waltz: esclarecer a lógica da anarquia e estabelecer
quais são os princípios da autoajuda. Neste sentido, Wendt desconsidera a anarquia como
princípio ordenador imposto. Entende-se que a auto ajuda e a política de poder são produzidas
causalmente por processos de interação entre Estados, nos quais a anarquia possui papel
unicamente permissivo, justamente por ser uma construção dos agentes que a compõe.
Considera-se a auto ajuda como uma instituição, entre as várias estruturas de
identidade e interesse que podem existir sob a anarquia. Sendo esse processo a “internalização
de novas identidades e novos interesses, não algo acontecendo fora destes e afetando somente
o comportamento”. (WEND, 2013, p.432).
De acordo com Onuf, os seres humanos são seres sociais e nós não seríamos
humanos sem as nossas relações sociais. Nas palavras do autor: “por outro lado, nós fazemos
o mundo o que ele é, desde as matérias-primas que a natureza oferece, fazemos o que fazemos
uns com os outros e dizemos o que dizemos é a maneira que nós vamos fazer do mundo o que
ele é.18
" (ONUF, 1998, p.59, tradução da autora). Ou seja, a estrutura a qual as unidades estão
subordinadas é formada por seres sociais que constroem essa estrutura de acordo com suas
percepções e identidades que por sua vez são construídas pela interação.
2.4 O NÍVEL DAS UNIDADES E O PROCESSO DECISÓRIO DE
POLÍTICA EXTERNA 2.4.1 A interação entre Política Interna e Política Externa
Na subseção anterior, discorreu-se a respeito da insuficiência da teoria neorrealista ao
desconsiderar a importância da inclusão de fatores socialmente construídos pelos Estados nas
suas ações. Observou-se, sob luz do construtivismo que as ações dos Estados estão sujeitas as
18
Conversely, we make the world what it is, from the raw materials that nature provides, by doing what we do with each other and saying what we say to way that we go about making the world what it is. (ONUF, 1998, p.59)
25
mudanças de suas identidades que podem ocorrer em detrimento de fatores históricos, sociais
e culturais e que portanto alteram seus interesses, os quais são refletidos na sua tomada de
decisões.
As teorias dominantes de Relações Internacionais tendem a considerar que o que
ocorre dentro dos Estados não é relevante para a análise das relações internacionais,
enfatizando a centralidade do Estado como ator unitário. Isso remete a imagem do Estado
como a de uma caixa-preta, onde suas ações partem de uma racionalidade em busca de
benefícios de forma a desconsiderar o papel das forças constitutivas pelas quais é composto.
Em contraponto a esta noção, esta seção tem como objetivo examinar a relação mútua
da política interna dos Estados com a política externa e a influência exercida pelas forças
domésticas nas ações dos tomadores de decisões de política externa. Trata-se do esforço em “abrir a caixa- preta” do Estado, partindo de uma análise das partes para o todo.
Primeiramente, para discorrer-se a respeito da relação presente entre política interna e
externa, é preciso definir separadamente o que consiste cada uma. Segundo Bobbio, o
conceito de Política é entendido como forma de atividade ou de práxis humana e está
estreitamente ligado ao de poder, sendo este poder traduzido no domínio da natureza ou dos
homens sobre outros homens (BOBBIO, 1983, p.954). A política interna ou doméstica,
consiste nos meios através dos quais este poder é utilizado de modo a influenciar os conteúdos
da natureza governamental, incluindo tanto aqueles que estão no governo quanto os
indivíduos que compõe a estrutura do Estado. O exercício da política é guiado dentro de uma
estrutura de acordo, de costume, lei e autoridade, onde a coerção é aceita e o monopólio de
instrumentos dessa coerção, as instituições como a polícia e as forças armadas estão sob as
mãos do Estado e correspondem a sua legitimidade. (SOUZA, 2005, p.144).
Segundo o dicionário de Relações Internacionais, política externa é definida como a
atividade pela qual os Estados agem, reagem e interagem no cenário internacional. (SOUZA,
2005, p.144). Sob uma perspectiva realista, a política externa de um Estado toma forma
através das diretrizes das ações tomadas pelos seus tomadores de decisão políticos. Assim
como da utilização de seus instrumentos e capacidades para este feito (econômicos e militares,
por exemplo) sem que haja interferência de assuntos internos deste Estado, visto que a lógica
da interação dos Estados está subordinada a estrutura anárquica do sistema.
Percebe-se um contraponto da teoria de Walt em relação a teoria de Morgenthau que
sugere que “alianças são funções necessárias da balança de poder e que operam num sistema
múltiplo de estados”. (MORGENTHAU, 2003, p.175). Assim como para Aron, que sugere que
26
“alianças não constituem um efeito mecânico da relação de forças, mas sim pode-se dizer que
algumas potências entram em conflito por causa da divergência ou da contradição dos seus
interesses e reivindicações: outros Estados, grandes ou pequenos, unem-se por interesse ou
por preferência sentimental ou simpatia da população ou por fim, pela busca do equilíbrio.” (ARON, 2002, p.158).
De acordo com Christopher Hill, as diretrizes que conduzem a política externa
iniciam-se a partir do contexto interno do Estado através da atuação de diferentes atores e
eventos e devem fundir-se com o contexto externo. O que torna-se um contraponto ao
neorrealismo, o qual assume que o objetivo principal dos estados é assegurar seus interesses,
tanto em termos de high politics19
quanto de low politics20
frente aos constrangimentos da
estrutura imposta pelo sistema. Portanto, considera-se que existem atores do âmbito
doméstico que exercem impacto na atuação da política externa. Para Hill, “atualmente,
ninguém mais acredita que a política externa não é afetada por aquilo que ocorre dentro dos
estados”. (HILL, 2003, p.220 tradução da autora)21
.
Deve-se enfrentar o fato de que os resultados da política externa são vulneráveis a
eventos, que são principalmente "domésticos" , e , por outro lado , os impactos da
política externa sobre a política interna. [...] O interno e o externo, em outras palavras,
literalmente não fazem sentido, exceto em relação uns aos outros . Mas isto não é o
mesmo que dizer que eles são idênticos. (HILL, 2003, p.219, tradução da autora).22
Do ponto de vista histórico, tradicionalmente considera-se que as decisões em política
externa são tomadas com base no cálculo entre as vantagens e desvantagens que acarreta.
Entretanto, nem todos os casos ocorrem assim (SOUZA, 2005, p.145). Hill salienta que a
política externa consiste na soma das práticas das relações exteriores conduzidas por um ator
independente, sendo este ator um Estado ou uma organização internacional23
que buscam um
grau de coerência no cenário internacional. (HILL, 2003, p.3).
Ao tratar-se da relação de interação da política interna com a externa, remete-se a
contribuição de Robert Putnam que através da Teoria dos Jogos de Dois Níveis, publicada na
19 High politics: são as políticas respeitantes à lei e ordem e à guerra e paz. São tradicionalmente as políticas de segurança e defesa ligadas aos interesses estratégicos dos Estados. (SOUZA, 2005, p.109).
20 Low politics: são as políticas relativas às vertentes socioeconômicas. (SOUZA, 2005, p.109).
21 No-one believes that foreign policy is unaffected by what occurs within states. (HILL, 2003, p.220).
22 They must face the fact that policy outcomes are vulnerable to events, which are primarily „domestic‟, and, conversely, that foreign policy impacts upon domestic politics. […] The domestic and the foreign, in other words, literally make no sense except in relation to each other. But this is not the same as saying that they are identical. (HILL, 2003, p.219).
23 Blocos Regionais. Exemplo do autor: União Europeia.
27
obra “Diplomacy and Domestic Politics: the logic of two-level games” (1988), buscou
explicar o entrelaçamento entre as duas e a partir de quando e como este processo ocorre.
(PUTNAM, 1988, p.427). De acordo com Putnam, a política doméstica e as relações
internacionais estão sempre entrelaçadas de alguma forma e as teorias que permeiam a
disciplina são ineficazes ao debater se a política doméstica realmente determina as relações
internacionais ou se o processo é inverso. Segundo o autor, a resposta para essa questão é
clara, pois “algumas vezes uma influencia a outra e as perguntas mais interessantes são:
quando influencia? e como influencia?” (PUTNAM, 1988, p.427, tradução da autora).
O ponto de partida para Putnam, bem como o seu rompimento com o neorrealismo é a
importância de se analisar o Estado a partir das suas forças constitutivas internas de modo
com que ele seja tratado de forma plural e não singular. O autor afirma que deve-se ir além da
simples constatação que a política interna influencia a política externa e vice-versa e por isso
deve-se buscar formulações teóricas que integrem essas duas esferas e expliquem o
"emaranhamento" entre elas. Para este feito, ele cria a teoria dos jogos de dois níveis. Nas
negociações internacionais, há de um lado, diversos grupos de interesse que lutam para ver
suas demandas atendidas e do outro os políticos que procuram o poder e constroem coalizões
para atender alguns desses interesses. Externamente, os governos buscam aumentar suas
capacidades de atender às pressões domésticas, ao mesmo tempo em que tentam minimizar os
efeitos danosos do quadro internacional para o seu âmbito interno. (PUTNAM, 1988, p.434).
Nas palavras do autor:
Cada líder político nacional está presente em ambos os tabuleiros. Do outro lado do tabuleiro internacional sentam as contrapartes estrangeiras, ao lado das quais sentam
diplomatas e outros assessores internacionais. Em volta do tabuleiro doméstico e
atrás do líder nacional, sentam-se figuras partidárias, parlamentares, porta-vozes das agências domésticas, representantes de grupos-chave de interesses e os assessores
políticos do próprio líder. A incomum complexidade desse jogo de dois níveis torna-se clara quando ações que são racionais para um jogador em determinado tabuleiro
(como aumentar os preços da energia, conceder território ou limitar a importação de
carros) podem ser imprudentes para esse mesmo jogador em outro tabuleiro. Entretanto, existem poderosos incentivos para que haja coerência entre esses dois
jogos. ((PUTNAM, 1988, p.434, tradução da autora).24
24
Each national political leader appears at both game boards. Across the international table sit his foreign
counterparts, and at his elbows sit diplomats and other international advisors. Around the domestic table behind him sit party and parliamentary figures, spokesperson for domestic agencies, representatives of key interest groups, and the leader‟s own political advisors. The unusual complexity of this two-level game is that moves that are rational for a player at one board (such as raising energy prices, conceding territory, or limiting auto imports) may be impolitic for that same player at the other board. Nevertheless, there are powerful incentives for consistency between the two games. (PUTNAM, 1988, p.434)
28
2.4.2.O processo de decisão de política externa: a intersecção entre o âmbito interno e externo
nos Estados Unidos e a atuação de grupos de lobby
Como visto anteriormente, de acordo com as diretrizes da teoria de Putnam, existe
uma forte atuação dos poderes institucionais domésticos do Estado no processo de tomada de
decisão nas negociações internacionais. A partir dessa discussão, esta subseção tratará da
institucionalidade e influência que demandas do âmbito interno exercem no processo de
decisão da política externa norte-americana, sobretudo considerando-se que nessas demandas
internas situam-se os grupos de lobby. A partir da discussão sobre o impacto de estruturas
domésticas nas ações de política externa e tendo em vista que o objeto central desta pesquisa é
a política externa dos Estados Unidos para Israel, torna-se necessário estabelecer quais são os
principais atores que estão inseridos no processo de tomada de decisão da política externa
norte-americana e como o país reage frente as pressões internacionais.
De acordo bom Buzan, Litlle e Jones, o comportamento das unidades constituintes do
sistema é determinado pela análise das suas características domésticas, componentes e
processos. (BUZAN, LITTLE, JONES 1993, p.27). Neste sentido, a política externa consiste
em uma atividade exercida pelo Estado que visa orientar suas relações com outros através de
um corpo burocrático próprio e especializado, o qual também é representado por consulados e
embaixadas. De acordo com Halliday, “o Estado é muito mais que governantes individuais e
seus assessores”25
(HALLIDAY, 2005, p.54, tradução da autora).
As pessoas podem acreditar que o líder e seus assessores tomam todas as decisões. Na verdade, os próprios líderes podem promover com entusiasmo tal imagem, mesmo quando eles estão conscientes de como a opinião pública pode perturbá-los. No entanto, essa latitude não existe na política, mais do que em economia ou
comportamento social. (HALLIDAY, 2005, p54. Tradução da autora).26
O conteúdo de uma determinada ação de política externa, além de ser resultante da
conjuntura do ambiente internacional e das reações dos outros Estados também é resultante
dos constrangimentos e preferências impostas pelo âmbito doméstico do Estado. De acordo
com Kappen (1994), nesta mesma linha de análise, os promotores de política externa estão
sujeitos a considerar a estrutura doméstica do Estado para o processo de tomada de decisão:
25
The state is something more than individual rulers and its advisers. (HALLIDAY, 2005, p.54). 26
People may believe that the leader and his advisers take all decisions. Indeed, the leaders themselves may enthusiastically foster such an image, even as they are aware, often to a paranoid degree, of how public opinion disturbs them. However, such latitude does not exist in politics, any more than in economics or social behavior. (HALLIDAY, 2005, p.54).
29
Os promotores transnacionais de política externa devem alinhar com coalizões nacionais de apoio a sua causa no ' estado de destino ' para exercer impacto .
Defendo que o acesso ao sistema político, bem como a capacidade de construir coligações vencedoras são determinados pela estrutura interna do estado de destino , isto é, a natureza de suas instituições políticas , as relações Estado-sociedade , e os valores e normas incorporado em sua cultura política. (KAPPEN, 1994, p.187,
tradução da autora).27
O conceito de estruturas domésticas trazido por Kappen apresenta-se como
ferramenta para a análise da relação entre os atores governamentais e os grupos de interesse
presentes nos Estados Unidos. Considera-se que “o aparato de organização das instituições
políticas e sociais, suas rotinas e os procedimentos de tomada de decisão estão incorporados
nas leis e costumes, bem como os valores e as normas que prescrevem comportamento
apropriado estão incorporados na cultura política".28
(KAPPEN, 1994, p.209, tradução da
autora). Neste sentido, as estruturas domésticas são formadas por diferentes dimensões que
exercem forte influência na lógica de formulação da política externa.
A partir da discussão da relação entre o ambiente interno e a política externa,
apresenta-se a hipótese de análise deste trabalho que considera o lobby israelense como uma
ferramenta que é refletida na política externa nos Estados Unidos para o país. Entretanto, é
preciso que seja feito um apanhado quanto a natureza da prática dos processos de lobby no
país, visto que os Estados Unidos apresentam-se como exemplo de país cujo lobby é uma
prática regulamentada por lei desde 194629
. (PORTO, 2011, p.38).
De acordo com Cintra, os processos de lobby tiveram sua natureza modificada em
função do vácuo deixado pela ausência de estrutura política dos partidos a partir da década de
1970, sobretudo com as Reformas de Financiamento de Campanha em 1974 onde o poder
político nos Estados Unidos passou a ser mais dispersamente alocado. (CINTRA, 2007, p.44).
O que antes era um exercício realizado por advogados treinados que conduziam suas
atividades de forma privada, foi substituído por grandes movimentos de base capazes de
pressionar atividades não só parlamentares, mas de grandes corporações, indústrias e demais
grupos oligopolistas, ou seja, atentar ao interesse de seus “protegidos”.
27
The transnational promoters of foreign policy change must align with domestic coalitions supporting their cause in the „target state‟ to make an impact. I argue that access to the political system as well as the ability to build winning coalitions are determined by the domestic structure od the target state, that is, the nature of its political institutions, state-society relations, and the values and norms embedded in its political culture. (KAPPEN, 1994, p.187). 28
“The organization apparatus of political and societal institutions, their routines, the decision-making roules and procedures as incorporated in law and custom, as well as the values and norms prescribing appropriate behavior embedded in the political culture.” (KAPPEN, 1994, p.209). 29
Federal Regulation of Lobbying Act (FRLA – Regulamento Federal da Prática do Lobbying) de 1946, que posteriormente foi reformulada para Lobbying Disclosure Act (LDA) em 1995.
30
Como resultado dessa mudança na estrutura da política norte-americana, aliada à
dispersão do poder político entre praticamente todos os parlamentares, como dito
anteriormente, o lobby tradicional foi substituído por um lobby de massas, significativamente
mais oneroso. As campanhas de lobby passaram a se concentrar, por vezes em apenas uns
tópicos da agenda parlamentar e comumente ultrapassavam a cifra do milhão. A exemplo, o
autor cita que a campanha de lobby da AIPAC para tratar de assuntos pró-Israel, que custou
US$750 mil em 1978, na década seguinte alcançou o valor de U$6,1 milhões (CINTRA,
2007, p.47).
Apesar do lobby ser uma prática legal nos Estados Unidos, para Mearsheimer e Walt
o lobby israelense não possui uma formalidade hierárquica e é composto por indivíduos de
diferentes setores e regiões do país, aspecto que o diferencia de outros grupos de lobby
registrados, como por exemplo da indústria do petróleo e de armas. Neste sentido, entende-se
que o lobby israelense não é uma atividade legítima ao passo que não atende as exigências
previstas em lei e aos interesses de ambos países, o que coloca em cheque sua real atuação.
(MEARSHEIMER, WALT, 2007, p.112). Entretanto, não cabe dentro do escopo desta
pesquisar analisar o grau de legitimidade das organizações do lobby israelense no âmbito
interno dos Estados Unidos, mas sim analisar o grau de coercção que estas organizações tem a
capacidade de exercer na estrutura doméstica do país, o que é refletido no comprometimento
dos Estados Unidos para Israel desde a criação do Estado.
2.5. CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
O esforço prestado no capítulo consistiu em tratar o problema norteador desta pesquisa
sob ótica dos três níveis de análise: estrutural, interacional e das unidades. Foram abordadas
contribuições teóricas de Relações Internacionais com vista a compreender quais as motivações
nos diferentes pontos de vista estruturalistas conduzem a formação de alianças no sistema
internacional; qual a influência do poder das ideias e crenças na construção de identidade
subjetivas dos Estados e o qual a relação pode ser estabelecida entre política interna e política
externa. As teorias cumprem um papel importante em facilitar o processo de compreensão do
estudo de caso que será tratado nos capítulos seguintes. Desta forma, a apresentação das diferentes
concepções teóricas sobre a formação de alianças, servirão como base para a compreensão dos
fatores que explicam a aliança de Estados Unidos e Israel, visto que não há
31
no escopo teórico das relações internacionais uma teoria que seja auto suficiente para o esclarecimento dos fatos
32
3. A CONSTRUÇÃO DA ALIANÇA DE ESTADOS UNIDOS
E ISRAEL
3.1. INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO
Este capítulo apresentará uma análise histórico descritiva acerca do início da
aproximação dos Estados Unidos para Israel nas esferas política, econômica e securitária com
base em dados quantitativos e qualitativos com técnica de pesquisa de revisão bibliográfica. O
objetivo central é elucidar os marcadores de mudanças históricas que variam de acordo com
as diferentes conjunturas e interesses norte-americanos, de modo a identificar os pontos de
variação presentes na aliança dos dois países. Dessa forma, o texto será dividido em três
seções organizadas de maneira cronológica que tange desde a proclamação de Israel em 1948
até 1973. Na primeira seção será discorrido a respeito do apoio norte-americano a
consolidação do Estado judaico já antes da sua proclamação oficial o qual foi formalizado em
1948. Após quase duas décadas de aliança, a segunda seção tratará do distanciamento nas
relações dos dois países e no bloqueio ao apoio militar que tomou forma no governo
Eisenhower demarcando um rompimento na aliança dado por uma divergência de interesses.
E por fim, a terceira seção tratará da retomada da aliança que se desenvolverá somente no
início da década de 60 embasada em uma política externa norte-americana que visa manter
intacta a supremacia israelense na região.
3.2. GÊNESE DA ALIANÇA: PROCLAMAÇÃO ESTADO DE ISRAEL
Para compreender as dinâmicas envolvidas no processo de construção do Estado de
Israel e o ambiente hostil que o país enfrenta no Oriente Médio, há a necessidade de uma análise
introdutória acerca do sionismo político como movimento nacionalista que fora o alicerce para o
ideal da construção de um estado judaico.30
Não cabe ao escopo deste trabalho analisar a
apuração histórica das raízes do sionismo em termos identitários para aquela região e suas
vertentes. No entanto, foi por volta de 70 d.C. com a conquista romana da região que os judeus
30
Pautado nos nacionalismos europeus do século XIX, a origem da palavra "sionismo" é bíblica e vem de "Zion”, usado frequentemente como sinônimo para Jerusalém e a Terra de Israel (Eretz Yisrael). Importante ressaltar que neste trabalho o termo “sionismo” está sendo utilizado para designar o sionismo político, dado que o sionismo possui diversas vertentes e interpretações.
33
foram expulsos em massa através da diáspora e dispersaram-se pelo mundo, direcionando-se
em grande parte para a região do magreb31
e da Europa32
.
Durante sua estadia na Europa, no período que seguiu a Primeira Guerra Mundial, os
judeus sofreram perseguições, expulsões e foram vítimas de massacres. A perseguição
motivada pelo sentimento antissemita na Europa Ocidental, principalmente na Rússia e na
Polônia, onde havia maior concentração de judeus foi um fator presente durante décadas na
história deste povo. 33
Face a este cenário de perseguição representado por mortes e discriminação, a reação
judaica foi a elaboração do seu próprio nacionalismo, o sionismo. Diversos intelectuais judeus
passaram a compartilhar ideais para a solução destes massacres e mostrar ao mundo o que
acontecia com seu povo. Foi neste contexto que o jornalista judeu austro húnguro, Theodor
Herzl, considerado o precursor do sionismo político publicou em 1895, o livro Der Judenstaat
– O Estado Judeu, que fundamenta o ideal da criação de um Estado judaico.34
Mais tarde, na conjuntura do fim da Primeira Guerra Mundial a região do Oriente Médio
tornou-se atrativa para as potências hegemônicas. Em 1920, o Tratado de Sam Remo criou os
mandatos britânicos sobre os territórios da Mesopotâmia (atual Iraque) da Palestina e da
Transjordânia (atual Jordânia). Esse foi o ponto inicial para que a Grã-Bretanha, atendendo as
necessidades dos sionistas escritas na Declaração de Balfour35
em 1917, passasse a apoiar a
criação do Estado judaico, fator que marcou a primeira grande vitória diplomática dos sionistas.
Foi em 1922 que a Liga das Nações aprovou o sistema de mandatos, incluindo os termos da
31 Judeus sefarditas.
32 Judeus askenazitas.
33 Na segunda metade do século XIX, em um contexto cuja ineficiência de Czar em lidar com os problemas sociais da Rússia
era evidente e com o advento da questão nacional na Europa Oriental os governos locais passaram a difundir uma política anti
judaíca, perseguindo os judeus com os pogroms: massacres ocorridos sob o comando do Czar. A polícia secreta russa chegou
a forjar a obra O Protocolo dos Sábios de Sion, peça mais elaborada do antissemitismo da época. (VIZENTINI, 2010, p.11).
34 No ano seguinte, 1896, foi realizado o Primeiro Congresso Sionista na Basileia, Suíça, onde foi aprovado a criação
de um “lar nacional” na Palestina para o povo judeu, ainda que a emigração dos judeus para a “terra
prometida” tenha começado anteriormente. No Congresso foi estabelecido um programa que permaneceria básico na
política sionista por cerca de sessenta anos, estando entre seus itens relevantes: aquisição do direito para o povo judeu
reconhecido internacionalmente; colonizar a Palestina; promoção da colonização judaica na Palestina em larga escala e
criação de uma organização para unir todos os judeus no apoio ao sionismo (GOMES, 2001, p.3). Desde então,
iniciou-se um limitado fluxo migratório de judeus para a região que posteriormente desencadearia no surgimento do
nacionalismo árabe por parte dos palestinos. (VIZENTINI, 2010, p.11). 35
A Declaração de Balfour foi uma carta enviada pelo ministro britânico das relações exteriores, James Balfour, ao Lorde L. W. Rothschild cujo conteúdo expressava o apoio da Grã-Bretanha ao projeto sionista. Na época da divulgação da declaração, a população judaica na Palestina era de cerca de 56 mil pessoas, contra uma população árabe nativa de 644 mil almas. Os sionistas acreditavam que os benefícios econômicos trazidos pela emigração judaica atenuariam a resistência árabe à entrada de judeus na Palestina. (MAGNOLI, 2006, p.428).
34
Declaração de Balfour, o que por sua vez provocou ressentimento aos árabes impulsionando
início ao interminável conflito árabe-israelense. (MAGNOLI, 2006, p.428).
Além do elo cultural que unia o povo judeu para o retorno ao seu “lar”, o contexto de
crise econômica dado pelo crash da bolsa de Nova York em 1929 e o aumento de
organizações sionistas ao redor da Europa Ocidental e Central foram fatores que
impulsionaram as ondas migratórias de judeus para a Palestina. A criação do Fundo Nacional
Judaico intensificou a compra de terras que se tornavam “propriedades eternas do povo
judaico” que poderiam somente serem arrendadas por judeus. Enquanto a emigração tornava-
se extremamente intensificada desenvolvia-se entre os árabes um movimento nacional
Palestino contra a ocupação judaica. Essa configuração por parte dos dois lados desencadeou
uma escalada de violência que obrigou o Governo Britânico a mudar sua política em relação
ao sionismo e em 1939 abandonar a defesa do lar judaico36
(MAGNOLI, 2006, p.429).
A mudança política do Governo Britânico coincidiu com a eclosão da Segunda Guerra
Mundial, na qual a questão política judaica e o projeto do sionismo adquiriram ainda maior
importância devido a ascensão do regime nazista na Alemanha. Com a revelação do genocídio
promovido por Adolf Hitler, a opinião pública mundial alinhou-se ao lado da causa judaica e
o fluxo de imigrantes judeus para a região da Palestina aumentou consideravelmente. A
população judaica na região passou de 445 mil, em 1939 para 808 mil em 1946, de uma
população total de 1,5 milhão e 1,97 milhão, respectivamente. (MAGNOLLI, 2006, p.430).
Em 1947, com a Organização das Nações Unidas já formada, a Assembleia Geral
votou na resolução 181 na qual foi decidido o fim do mandato britânico e instauração da
partilha da Palestina com o território dividido em um Estado Judeu ao lado de um “Estado”
árabe-palestino, declarando Jerusalém sob controle internacional37
. A resolução foi aceita
pela Organização Sionista Mundial, mas rejeitada pelos árabes que estavam dispostos com
todos os seus recursos, ainda que escassos, a se oporem a criação do estado judeu.
O encerramento do mandato britânico acarretou no vácuo de poder na região. No dia 14 de
maio de 1948, o estadista Ben Gurion proclamou independência do estado de Israel em Tel
36
Em 1937, uma comissão liderada por Lorde Peel concluiu que o nacionalismo judaico era tão intenso e autocentrado quanto ao nacionalismo árabe. Por isso, foi proposto um plano de partilha da Palestina entre dois Estados separados, um judeu e outro árabe. O plano foi rejeitado pelos dois lados e em 1939, Londres abandonou a defesa do lar nacional judaico e editou o famoso Livro Branco. O documento propunha o fim da imigração judaica em cinco anos limitando a 75 mil o total de imigrantes durante esse tempo; a criação de um Estado binacional para judeus e árabes. (MAGNOLI, 2006, p.430). 37
A cidade de Jerusalém seria internacionalizada, por ser considerada sagrada para cristãos, muçulmanos e judeus. 35
Aviv38
e as forças da Liga Árabe entraram em guerra contra a nova nação no dia seguinte. O
desequilíbrio de forças era evidente, visto que Israel contava com um exército equipado com
soldados que haviam atuado na Segunda Guerra Mundial. Após um período de conflito e
sucessivos cessar fogo firmados, entre 1948 e 1949 Israel havia conquistado o Negev e parte
do território palestino.
Além do ambiente de conflito constante, a fragilidade dos palestinos na capacidade
organizacional de suas próprias instituições estatais era evidente. Esse fator ocasionou no
refúgio da população palestina para os países árabes vizinhos o que se agravou com a onda de
conflitos posteriores e com as políticas de embargo econômico de Israel para a Palestina.
Nós declaramos que, com efeito a partir do momento do término do Mandato sendo esta noite, na véspera do sábado, (15 de maio, 1948), até o estabelecimento das autoridades regulares eleitos do Estado em conformidade com a Constituição que será adotada pela Assembléia Constituinte Eleita no mais tardar a 01 de outubro de 1948, o Conselho do Povo atuará como Conselho Provisório do Estado e seu órgão executivo, a Administração do Povo, será o Governo Provisório do Estado Judeu, a ser chamado "Israel". O Estado de Israel será aberto para imigração judaica e para o recebimento de exilados; ele irá promover o desenvolvimento do país em benefício de todos os seus habitantes; será baseado na liberdade, justiça e paz como imaginado pelos profetas de Israel; assegurará completa igualdade de direitos sociais e políticos a todos os seus habitantes independentemente da sua religião, raça ou sexo; ele vai garantir a liberdade de religião, consciência, língua, educação e cultura; ele vai salvaguardar os Lugares Santos de todas as religiões; e será fiel aos princípios da Carta das Nações Unidas. O Estado de Israel está preparado para cooperar com os órgãos e representantes das Nações Unidas na implementação da resolução da Assembléia Geral de 29 de novembro de 1947 e tomará medidas para alcançar a união econômica de toda Eretz-Israel. (Declaração do estabelecimento do Estado de
Israel) Diário Oficial: Número 1; Tel Aviv, 5 de Iyar 5708. 1948/05/14 Página 1) 39
.
Tradução da autora40
. 38 Além do elo cultural-religioso com a região, de acordo com o sionismo o culto ao Estado era a garantia plena de segurança e do bem comum para o povo judeu.
39 Declaration of Independence. Disponível em: < https://www.knesset.gov.il/docs/eng/megilat_eng.htm>
40 We declare that, with effect from the moment of the termination of the Mandate being tonight, the eve of Sabbath, the
6th Iyar, 5708 (15th May, 1948), until the establishment of the elected, regular authorities of the State in accordance
with the Constitution which shall be adopted by the Elected Constituent Assembly not later than the 1st October 1948,
the People's Council shall act as a Provisional Council of State, and its executive organ, the People's Administration,
shall be the Provisional Government of the Jewish State, to be called "Israel." The State of Israel will be open for
Jewish immigration and for the Ingathering of the Exiles; it will foster the development of the country for the benefit of
all its inhabitants; it will be based on freedom, justice and peace as envisaged by the prophets of Israel; it will ensure
complete equality of social and political rights to all its inhabitants irrespective of religion, race or sex; it will
guarantee freedom of religion, conscience, language, education and culture; it will safeguard the Holy Places of all
religions; and it will be faithful to the principles of the Charter of the United Nations. The State of Israel is prepared to
cooperate with the agencies and representatives of the United Nations in implementing the resolution of the General
Assembly of the 29th November, 1947, and will take steps to bring about the economic union of the whole of Eretz-
Israel. (Declaration of the Establishment of the State of Israel) Official Gazette: Number 1; Tel Aviv, 5 Iyar 5708.
14.5.1948 Page 1)
36
Como visto anteriormente, enquanto ocorria a emigração judaica também ocorria a
consolidação do estado de Israel em termos de capacidades41
, o cenário mundial estava
representado pelo fim da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria. Eventos herdados
da guerra como a ascensão do nazismo e o holocausto evidenciaram o recrudescimento do
antissemitismo e foram cruciais para o apoio da opinião pública mundial à causa do Estado
judeu.
No contexto de pós Guerra, o cenário mundial era composto pela reorganização das
relações internacionais. Os dirigentes do estado de Israel, Chaim Weizmann e seu chefe de
governo Ben Gurion tinham como desafio a busca por reconhecimento das nações na medida
em que lidavam com os constrangimentos impostos pelos seus vizinhos árabes. O embate
ideológico das duas potências salientou o surgimento da Doutrina Truman, a qual foi
sustentada pelo padrão da política norte-americana de contenção ao comunismo. Qualquer
esforço que representasse a contenção da URSS no Oriente Médio era prioridade na agenda
do governo norte-americano.
Os elementos do cálculo estratégico dos Estados Unidos de apoio a criação do estado
de Israel eram compostos pela necessidade de compensar o reconhecimento soviético ao país
israelense, além do interesse no petróleo da região. Entretanto, outro elemento estava incluído
nesse cálculo: o componente humanitário que caracteriza em princípio o início da relação dos
dois países. A opção pelo apoio a causa israelense seria decidida pelo presidente Truman
como única alternativa para resolver o problema dos refugiados judeus na Europa, mas
também devido a diversos fatores internos42
a sensibilidade do presidente perante o
Holocausto e a congruência da opinião pública norte americana com a causa judaica foram
elementos presentes nas preocupações do presidente quanto ao reconhecimento do Estado.
É minha responsabilidade ver que a nossa política em Israel se encaixa com a nossa política ao redor do mundo; segundo; é deve desejar para ajudar a construir na Palestina um Estado democrático forte, próspero, livre e independente. É necessário ser livre suficiente e forte o suficiente para fazer seu povo auto-sustentável e seguro.
(Presidente Truman, em um discurso. 28 de outubro de 1948, tradução da autora). 43
44
41 Pressões e demandas para coesão interna foram mantidas ainda por ameaças externas ao jovem e nascente Estado judeu. Contra um pano de fundo de um povo perseguido e recentemente traumatizado, preocupações com a segurança se tornaram parte de um constante complexo de segurança em Israel, que por vezes alcançou dimensões paranoides. (DEMANT, 2001:214)
42 Os quais serão tratados no capítulo III, na seção correspondente ao lobby israelense.
43 Truman speech. October 28, 1948. Disponível em: <https://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/US-Israel/foreign_aid.html>
44 It is my responsibility to see that our policy in Israel fits in with our policy throught the world; second; it is must desire to help build in Palestine a strong, prosperous, free and independent democratic state. Is must be large
37
Os Estados Unidos tiveram participação vital na criação do Estado de Israel e tornaram-se
o principal aliado israelense na disputa com os países árabes alinhados com a União Soviética
(FELDBERG 2003, p.21). De acordo com Bernard Reich, por parte de Israel, devido a sua
vulnerabilidade geográfica, isolamento político e hostilidade em meio a um mundo árabe armado,
o país identificou a necessidade do suporte de um aliado forte. (REICH, 2004, p.121).
As relações entre os EUA e Israel iniciam-se portanto, ainda antes do surgimento do Estado Judeu, na forma de uma disputa pela influência que os EUA poderiam exercer na decisão pela partilha da Palestina e subsequente criação do Estado de Israel. [...] Os EUA iniciariam seu envolvimento com a questão árabe-israelense, uma relação instável que duraria até os dias de hoje (FELDBERG, 2003, p.37).
3.3 ALIADOS A DISTÂNCIA: DE 1953 à 1958
Nunca houve um tratado formal de aliança entre Estados Unidos e Israel perante a
comunidade internacional. Porém, como mencionado por Walt, “ninguém jamais passou a
questionar o nível de compromisso entre estes dois estados" (WALT 1987, p.12). Para tratar
quais os fatores sustentam a compreensão do apoio dos Estados Unidos à causa judaica, esta
seção tem o objetivo de apresentar os pontos de variação da aliança dos dois países traduzidos
em momentos cujo choque de interesses foi evidente, representando assim um momento de
distância.
No contexto pós Guerra, até o início da década de 1950, o fornecimento de armas
para Israel era dado pela Inglaterra que no final da Segunda Guerra Mundial ainda ocupava a
posição de potência mais influente no Oriente Médio dado seu interesse pelo petróleo45
. Com
o término da Guerra, a Inglaterra na sua condição de vencedora, com desgaste econômico viu-
se obrigada a redistribuir suas bases no Oriente Médio o que armou um cenário favorável para
os Estados Unidos na região.
No início da década de 1950 frente a uma Inglaterra fragilizada e sob os traços da “nova” política de contenção apresentados com a eleição de Dwight Eisenhower, a relação de
Estados Unidos e Israel pode ser dividida em dois momentos: o primeiro momento que tange
de 1953 – 1956 e o segundo momento que tange de 1956 até os últimos anos do governo
enough, free enough, and strong enough to make its people self-supporting and secure. (President Truman, in a speech. October 28, 1948)
44.
45 A Inglaterra manteve-se por muitos anos, após o final da Segunda Guerra Mundial como a principal potência
regional no Oriente Médio. Mantinha uma força militar significativa e bases em Áden, Chipre, Egito, Iraque e Líbia, além de possuir ampla experiência e conhecimento da história e tradições dos povos do Oriente Médio. (FELDBERG, 2003, p.71).
38
Eisenhower, 1961, marcado por uma relação conflituosa caracterizada pelo choque de
interesses entre os dois países.
Os primeiros anos da administração Eisenhower (1953-1961) foram marcados pela
defesa do interesse nacional norte-americano e pela reformulação da política de contenção
herdada pela Doutrina Truman. A política externa dos Estados Unidos sob desempenho do
secretário de Estado, John Foster Dulles foi pautada em uma atuação mais assertiva e positiva
para o país (PECEQUILO, 2003, p.173). A prioridade era a preocupação com a estabilidade,
segurança e contenção da ameaça soviética, com ênfase na libertação dos povos sob a “égide
comunista”. Esse carácter de contenção que foi transformado em uma política anticomunista
refletiu-se no apoio a aliados regionais como oposição das forças pró-soviéticas. Estavam
incluídos, portanto, na agenda do governo o desenvolvimento de laços com os árabes e o
encorajamento de movimentos nacionalistas aliados ao Ocidente.
A conjuntura do Oriente Médio neste período foi marcada pela ascensão de Gamal
Adbel Nasser no Egito que após décadas tornou-se uma República com a derrubada do Rei
Faruk I promovida por um golpe arquitetado por jovens oficiais do exército. A forte imagem
carismática do oficial nacionalista, bem como seu discurso pautado em raízes nacionalistas
além de projetar o Egito como potência regional reforçou o surgimento do arabismo como um
processo de reforma social no Oriente Médio. Seus discursos eram ouvidos em todo o mundo
árabe, convertendo-o numa liderança do que era percebido como a revolução e a redenção
deste povo. (VISENTINI, 2014, p.19).
Como visto, a política de contenção contemplava o interesse dos Estados Unidos na
busca pela construção de boas relações com os árabes e flexibilidade nas negociações, as
quais foram refletidas na sua aproximação com a monarquia iraquiana e tentativa de
conciliação com o Egito. A ascensão de Nasser em um dos países com maior capacidade e
influência no Oriente Médio tornou-se preocupante para os Estados Unidos, dado que o país
aliou-se a URSS por adotar significativas políticas de reforma social.
Neste primeiro momento da administração Eisenhower, a aproximação do Egito
com a URSS tornou-se uma ameaça evidente a segurança nacional norte-americana e sua
contenção foi pauta principal da agenda do Secretário de Estado Dulles. A boa vontade dos
Estados Unidos em estabelecer laços com o Egito marcou uma postura de afastamento com
Israel, que mais tarde se tornaria problemática para sua relação com o país.
Obviamente, essa política de alinhamento com as potências regionais teria implicações para as relações entre Estados Unidos e Israel e a postura em relação ao conflito árabe-israelense seria ditada por essas lógicas regionais e globais. Se
39
coubesse aos países árabes cumprir a missão de conter a expansão comunista na região, Israel representaria um empecilho a essa política, porque representava, para os árabes, o imperialismo ocidental. (FELDBEG, 2003, p.69).
Em 1953, através de uma crise diplomática entre Estados Unidos e Israel foi dada a
largada para a postura de afastamento entre os dois países, ainda que os Estados Unidos
tenham demonstrado anteriormente seu interesse no Egito. Neste ano, Israel tinha como
planos desviar as águas do Alto Jordão junto da Ponte Bnot Yaakov (zona desmilitarizada
entre Israel e Síria) e transportá-las para irrigação do deserto de Neguev. Esse projeto
provocou uma reação contrária da Síria e da Jordânia dado que formaria uma escalada de
violência nas fronteiras e chegou ao conselho de Segurança das Nações Unidas. Além disso,
no mesmo ano o país judaico lançou um ataque retaliatório contra o vilarejo de Qybia como
resposta aos ataques dos grupos armados palestinos que eram vistos como ameaças à
segurança de suas fronteiras, o qual ocasionou na morte de mais de cinquenta civis.
Esses dois episódios marcaram a primeira crise entre Israel e Estados Unidos e foram
suficientes para que os Estados Unidos demonstrassem na Organização das Nações Unidas seu
descontentamento com a política israelense frente a seus vizinhos. Em uma entrevista coletiva
dada à imprensa em outubro de 1953, o Secretário de Estado Dulles afirmou:
A postura norte-americana de garantir ao mundo árabe a imparcialidade dos Estados Unidos pode ser vista como o resultado lógico da crença do governo de que Israel tem sido exageradamente agressivo e insistente em seus desejos e demasiado ambicioso em seus objetivos de curto prazo, sem preocupar-se com a impressão causada à opinião pública internacional. Como a conduta israelense não está de acordo com os padrões internacionais, o governo dos Estados Unidos tem de adotar, diante dela, uma atitude reservada. (FELDBERG, 2003, p.78)
No dia 30 de julho de 1956, Nasser anunciou a nacionalização do Canal de Suez e três
meses depois tropas francesas, inglesas e israelenses atacaram a zona do canal e a Península do
Sinai. Consciente de seu êxito no confronto com o exército egípcio, o objetivo de Israel era
eliminar a vantagem do rival que estava sendo abastecido pelo armamento soviético e liberar o
acesso ao porto de Eilat46
, localização de importância estratégica para os israelenses. O objetivo
dos ingleses e dos franceses traduzia-se claramente nos seus esforços em recuperar suas posições
no Oriente Médio e derrotar Nasser47
. A Guerra de Suez “representou um momento
46
Localizado no extremo norte do Golfo de Aqaba, na cidade de Eilat, é o único porto israelense no Mar Vermelho, tornando-se de grande importância estratégica para o país. 47
Abdel Nasser era visto como uma ameaça das potências do Ocidente, dado que sua luta constante consistia na descolonização do Oriente Médio. Pela primeira vez na história o povo árabe encontrou neste líder sua voz. De acordo com Hourani, a ascensão de Nasser reforçou a ascensão do arabismo como um processo de reforma social
40
de alinhamento de Israel com a França e a Inglaterra, derivado de uma convergência
momentânea de interesses.” (FELDBERG, 2003, p.47).
Devido ao mencionado alinhamento de interesses, França e a Grã-Bretanha tornaram-
se os principais fornecedores de tecnologia e armamento para Israel pois não haviam sido
desenvolvidas relações que permitissem acesso ao armamento norte-americano. Para
contrabalancear o armamento dos egípcios pelos soviéticos, o governo francês forneceu 72
aviões Mystére e 200 tanques AMX-13, fazendo o equilíbrio militar pender novamente para o
lado de Israel e iniciando uma completa modernização das forças armadas israelenses. Assim,
do ponto de vista militar, o Egito não representava mais ameaça à segurança de Israel.
(MAGNOLI, 2006, p.437).
Em 5 de novembro do mesmo ano, Israel já havia ocupado a Faixa de Gaza e pontos
estratégicos da Península do Sinai, enquanto ingleses e franceses ocuparam Port Said e Port
Fuad ao norte do canal. Em meio ao cenário conflituoso de reorganização demográfica e
política na região e perdas significativas de civis, os Estados Unidos assumiram a
responsabilidade e levaram a questão para a Assembleia das Nações Unidas com o intuito de
promover resoluções que resultassem na retirada de tropas estrangeiras do Egito e suspensão
do conflito. No dia 6 de novembro Inglaterra e França aceitaram o cessar-fogo e retiraram
suas tropas do Egito. Dois dias depois, Israel aceita recuar devido a pressão das Nações
Unidas e dos Estados Unidos, iniciativa que não durou por muito tempo.
Os anos do Governo Eisenhower serão, por um lado, de pressão sobre Israel, visto como empecilho à cooperação árabe no esforço antissoviético. A exigência da retirada das tropas israelenses do Sinai, em 1957, derivaria da necessidade de impedir que a URSS fosse vista como a responsável pelo recuo israelense. [...] Apesar da frustração norte-americana por não ter conseguido negociar uma solução diplomática para a crise, era reconhecida pelos Estados Unidos a responsabilidade dos árabes pelo aumento da tensão nos meses que antecederam ao ataque israelense. (FELDBERG, 2003, p.202).
Pode-se afirmar que a divergência de interesses entre Estados Unidos e Israel neste
período foi reflexo da conjuntura da época. De um lado, os Estados Unidos além da aplicação da
política de “boa vizinhança” no Oriente Médio orientada por Dulles estavam engajados na Guerra
da Coréia que simbolizava o avanço soviético nas bordas da Eurásia. No outro lado, Israel
encontrava-se em um ambiente hostil de divisão do mundo árabe e de luta por sua sobrevivência
marcado por sucessivas guerras com os árabes e ataques das fedayens (grupos de
inesperado onde “uma nação árabe rejuvenescida por uma autêntica revolução social e tomava seu lugar de direito no mundo” (HOURANI, 2006, p.532).
41
resistência palestina). Paradoxalmente, seus principais adversários no mundo árabe eram
justamente os países os quais os Estados Unidos dependiam para a contenção da URSS na
região.
3.4 1958 – 1973: REAPROXIMAÇÃO
A década de 60 foi representada pela nova configuração do Oriente Médio herdada pela
Guerra de Suez e pela reestruturação do padrão de política externa sob a administração do
presidente democrata John F. Kennedy. O período que tange de 1961 a Guerra dos Seis Dias de
julho de 1967 foi um período relativamente calmo no Oriente Médio e delineou o momento de
reestruturação da aliança de Estados Unidos e Israel que havia perdido sua credibilidade. Nesta
seção serão tratadas as razões que levaram a reaproximação norte-americana a Israel, tornando o
país no seu maior receptor de ajuda militar e diplomática nos governos seguintes.
A eleição do presidente John F. Kennedy em 1960 por uma pequena margem de votos
em relação ao candidato Nixon demonstrou uma significativa mudança no padrão de política
externa promovido no governo anterior. Durante sua campanha eleitoral, Kennedy prometia
aos norte-americanos que colocaria o país a se movimentar novamente e que a moderação
expressada em Eisenhower seria substituída por uma militância explícita e incansável.
(PECEQUILO, 2003, p.181). Essa “militância” seria traduzida no reconhecimento de áreas do Terceiro Mundo como centros de oportunidade para promoção da influência norte-americana,
tendo como objetivo a política de ampliação do leque de países beneficiados para expandir a
abrangência da política de contenção. (FELDBERG, 2003, p.114). Este período demarcou o
reconhecimento por parte dos Estados Unidos de que Israel era um elemento fundamental
para a matriz de contenção.
Logo nos primeiros anos do governo Kennedy a região do Oriente Médio, embora
sempre presente no cálculo estratégico norte-americano, não se encontrava mais no centro das
atenções de Washington. As pautas de segurança concentravam-se nas crises que eclodiam em
outras áreas do Terceiro Mundo, como Cuba, Sudeste da Ásia e Congo. Ao passo que a URSS
consolidava sua influência no Egito, Síria e Iraque, os Estados Unidos, além de Israel, haviam
desenvolvido como aliados os regimes conservadores da Arábia Saudita, Jordânia e Líbano, o
que mais uma vez contribuiu para a repulsa de Nasser em estabelecer laços com o país.
O governo democrata passou a engajar-se na criação de novos vínculos na região, com a
intenção de eliminar as tensões criadas durante o Governo Eisenhower, os quais muitas vezes
42
foram paradoxais. A exemplos, são citados a tentativa de aproximação com Nasser e
paradoxalmente o rompimento do bloqueio do fornecimento de armas a Israel, dado que neste
período o governo promoveu um considerável aumento de gastos no setor de defesa, o que
permitiu ao país modernizar seus arsenais. O rompimento do bloqueio do fornecimento de armas
para Israel impulsionou o engajamento por parte do governo norte-americano em promover a
invulnerabilidade israelense ao garantir sua segurança na região e assegurar que com o
fornecimento de armamentos convencionais, o país não viria a desenvolver um programa nuclear
e assim o risco da proliferação nuclear seria amenizado. O que de fato não ocorreu.
A administração de Israel neste momento estava a comando do Primeiro Ministro Ben
Gurion48
, cuja principal característica da política externa era a tentativa de aproximação com
potências ocidentais como esforço à consolidação do Estado e êxito no conflito árabe-
israelense. O apoio francês permanecia ao país judaico, tendo em vista que possuíam um
inimigo em comum: Nasser. Entretanto, Ben Gurion explicitava a importância de
aproximação com outros aliados fortes. O objetivo foi cumprido com a retomada do
fornecimento de armamentos por parte dos Estados Unidos. Neste período Israel tornou-se o
primeiro país fora da OTAN a receber tecnologia tão avançada tornando-se o maior receptor
de ajuda militar dos norte-americanos no período pós Segunda Guerra Mundial, com o
fornecimento dos primeiros mísseis anti-aéreos Hawk F16. (FELDBERG, 2003, p.113).
3.4.1 O programa nucelar israelense
No final de 1962, já na metade da administração Kennedy, houve uma reunião do
presidente Kennedy com a Ministra israelense de Relações Exteriores, Golda Meir, onde foi
estabelecido a formalização do comprometimento dos Estados Unidos com Israel na história dos
dois países. Novamente, os dois países viam-se mais próximos do que foram anteriormente e a
substituição da França pelos Estados Unidos no fornecimento de armas, culminou no
fornecimento dos primeiros mísseis anti-aéreos Hawk F16. Em seu discurso, como justificativa à
aliança, o presidente Kennedy afirmou que os interesses dos Estados Unidos eram
primordialmente ao reconhecimento e direito de existência a um grupo de nações soberanas no
Oriente Médio e por isso não deixaria de manter suas relações com os países árabes.
48
Ben Gurion exerceu a função de primeiro-ministro do Estado de Israel desde a Declaração de Independência, em 1948 até dezembro de 1953 e novamente seu segundo mandato foi entre 1955 e 1963.
43
O governo norte-americano esperava o reconhecimento por parte de Israel de que este
relacionamento geraria tensões para os Estados Unidos e que a relação era de duas mãos: a
segurança de Israel dependeria de sua atitude com os árabes, mas também de suas atitudes
com os Estados Unidos. O desconhecimento por parte dos Estados Unidos em não reconhecer
que seu principal aliado estava com um programa nuclear já iniciado com a construção do
Estado foi evidente.
O envolvimento israelense com tecnologia militar iniciou-se já no projeto de
construção do Estado na década de 1940, dado a configuração de escassez de recursos
naturais na região e na construção da política defensiva do país49
. Parte da imigração para o
território da Palestina entre os anos 1930 e 1940 envolvia cientistas que deram início a esse
processo por meio de programas de pesquisa em parceria com a França na década de 1950 e
1960, os quais posteriormente seriam substituídos pela parceria com Estados Unidos. As bases
do programa foram criadas em 1952 com a fundação da Comissão de Energia Atômica sob
controle do Ministério da Defesa.
Como visto anteriormente, a convergência de interesses de Israel e França foi
determinante para a manutenção da relação dos dois países na esfera securitária. A França teve
participação fundamental na construção de um Israel armado nuclearmente, visto que entre 1954 a
1966 tornou-se seu principal fornecedor de armas. Reflexo desta proximidade foi o acordo
firmado em 1957 para a construção de reator de 18 MV com capacidade equivalente de produção
de plutônio50
. Todo o processo de auxílio a campanha nuclear de Israel era justificado por
estabelecer um contrapeso ao Egito que estava sendo armado pela URSS, fator determinante para
a aproximação norte-americana posteriormente. A cooperação entre Israel e França chegou ao
ponto de os dois países compartilharem os primeiros estágios do desenho dos jatos Mirage,
projetados para lançar bombas nucleares (GREEN, 1984, p.152 in FELDBERG).
Enquanto Israel armava-se a preocupação dos Estados Unidos estava centrada na coerção
para evitar o desenvolvimento do programa nuclear israelense, o que não teve sucesso. No
encontro de Kennedy com Golda Meir, havia sido determinado mediante concordância de Israel,
inspeções no reator de Dimona como garantia que o reator não produzisse armas
49
Ressalta-se a alta capacidade do Estado desde seu projeto de criação, em relação a sua forma organizacional em utilizar-se da promoção e investimento na ciência e tecnologia como ferramenta para o desenvolvimento em discrepância aos vizinhos árabes. Fator que já havia sido apresentado por Herzl em seu livro ao mencionar que o Lar judaico além de um lar espiritual e cultural, deveria ser um grande centro científico. Frente a isso, destaca-se a importância dada pelos israelenses ao poder do conhecimento o qual unido com o investimento externo contribuiu significativamente para a formação das suas capacidades estatais.
50 A cooperação com a França forneceu a Israel diversos elementos para a confecção de armas nucleares: o reator, a
tecnologia e uma fábrica para a extração de plutônio do combustível utilizado.
44
nucleares. A justificativa de Israel foi a de que o reator havia sido construído para fins
pacíficos como comprometimento da não utilização na região com objetivos ofensivos. Outro
fator que entrou na agenda de preocupações de Washington foi a não assinatura de Israel no
Tratado de Não-Proliferação Nuclear o que manteve constante a ameaça de utilização do seu
armamento nuclear frente aos seus inimigos.
As atitudes de Israel nunca dependeram do aval dos Estados Unidos. Os traços da política
de Ben Gurion juntamente com Golda Meir, os quais teriam continuidade posteriormente no
governo de Levi Eshkol caracterizam-se pelo empenho do país em aumentar suas capacidades
estatais ao armar-se em meio a uma região hostil. Nesse contexto, ao mesmo tempo em que
Estados Unidos não tinham alternativa a não ser acalmar os israelenses por meio de ajuda
econômica, política e militar também usufruíam do programa nuclear israelense como dissuasão
contra a União Soviética. Um Israel isolado internacionalmente e sem apoio de qualquer das
grandes potências estaria muito mais propenso a atacar preventivamente Egito ou Síria por
exemplo, travando um conflito ameaçador para a segurança das superpotências dado o contexto da
Guerra Fria (FELDBERG, 2003, p.120).
3.4.2 A guerra dos Seis Dias – junho de 1967
Em novembro de 1963 o mundo ficou em choque com o assassinato inesperado do
presidente Kennedy após três anos de mandato. O novo governo, assumido em 1963 pelo
Presidente Lyndon B. Johnson, o qual em 1948 e 1956 já havia se manifestado a favor da
manutenção de Israel, caracterizou-se pela continuidade das relações com Israel, tendo um
aumento considerável inclusive no fornecimento de armamentos sofisticados como os aviões
Phantom F4.
O cenário da política externa norte-americana estava pautado no engajamento do país
no Vietnã51
o que corroborou para uma relativa ausência na região do Oriente Médio que
viria a ser reformulada posteriormente com a Guerra dos Seis Dias. Além disso, a atenção do
governo concentrava-se também nas intervenções impostas no Congo Belga e na República
Dominicana para fornecer apoio ás forças alinhadas com o ocidente.
As relações dos Estados Unidos com o Egito, as quais no governo anterior haviam
atingido um certo grau de melhoria, se dissolveram ao passo que o prestígio de Nasser crescia
51
A intervenção dos Estados Unidos no Vietnã teve início em 1965. 45
na região e fomentava a força do discurso do pan-arabismo52
. No que tange a relação com
Israel, neste período iniciou-se o fornecimento dos aviões Skyhawk A4 e tanques Sherman.
Seria o primeiro grande acordo para fornecimento de armas a Israel, tendo o valor total
superior a todas as armas fornecidas entre 1948 e 1965. Enquanto isso, a URSS continuava a
reposição e modernização dos arsenais de Síria, Iraque e desenvolvia cada vez mais sua
aproximação com Nasser. O cenário estava dado:
Na realidade, o que pode-se perceber é que nos anos que sucederam a crise de Suez até a Guerra dos Seis Dias, as tensões ideológicas na região do Oriente Médio não mais diziam respeito aos vestígios de domínio imperial francês e britânico, mas sim ao conflito bipolar no nível sistêmico internacional e suas repercussões no nível subsistêmico árabe. Ou seja, entre os Estados governados por grupos comprometidos com uma rápida mudança ou revolução – e que eram identificados como pró soviéticos – e os governados por dinastias ou grupos mais cautelosos com a mudança política e social, e mais hostis à propagação da influência nasserista – e portanto, vistos como pró- Ocidente (FERABOLLI, 2009, p.42).
As transformações conjunturais no Oriente Médio na década de 1960 são
fundamentais para a compreensão das razões que desencadearam na Guerra dos Seis Dias. Na
região do Levante, os regimes nacionalistas, baasista e nasserista passaram a ser uma ameaça
a segurança de Israel, visto que eram abastecidos por armamento soviético. Era preciso uma
atitude por parte de Israel frente ao desenvolvimento dos seus vizinhos rivais. Tratava-se de
um problema de segurança nacional. De acordo com a análise de Visentini, Israel sentia-se
militar e economicamente forte, mas necessitava e desejava a guerra, antes que a correlação
de forças pudesse se alterar a favor dos árabes. Era preciso, acima de tudo, destruir o
nasserismo e a capacidade ofensiva do Egito (VISENTINI, 2012, p.39).
A combinação da aproximação de Síria e Egito com o aumento das hostilidades frente a
conjuntura interna de Israel que favorecia o conflito, levou Nasser a tomar atitudes que
preservassem sua liderança no mundo árabe. Em maio de 1967, Nasser enviou suas tropas para o
deserto do Sinai, expulsando as forças de paz da ONU que desde 1956 policiavam o local. O
conflito estava dado. No dia 5 de junho de 1967, em resposta, Israel iniciou um ataque às três
frontes com ênfase ao ataque às bases aéreas egípcias. Durante os dias que se seguiram, a Força
Aérea Israelense com sua tática de avanço, destruiu no solo um grande contingente de aviões
52
O pan-arabismo, culminado com a figura de Nasser marcou o início do nacionalismo árabe moderno porque ele, mais do que qualquer outro líder da região conseguiu articular a difusa ideologia pan-árabe em torno de objetivos políticos práticos: exigiam o fim do controle britânico e francês sobre seus territórios e clamavam por uma nova ordem regional, na qual os Estados Árabes seriam verdadeiramente livres para usufruírem de seus recursos e para agirem politicamente. (FERABOLLI, 2009, p.35).
46
de combate egípcios e manteve o domínio da Faixa de Gaza e Península do Sinai à sudoeste,
da Cisjordânia à leste e das Colinas de Golã à nordeste.
A guerra dos seis dias foi um conflito que nenhuma das partes desejava e que, ao contrário do que possa parecer, careceu de planejamento político e estratégico por parte de Israel, embora muitos analistas árabes acreditassem que o conflito fora deliberadamente provocado pelos israelenses para expandir seu território. (MAGNOLI, 2006, p.441).
A reação dos Estados Unidos foi imediata visto que o país reconheceu que não só
estava em jogo o direito de trânsito por uma via marítima internacional, mas também sua
posição diante de uma ação que poderia demonstrar a influência dos regimes apoiados pela
URSS. Após o êxito de Israel na Guerra, o interesse dos Estados Unidos não mais era a
manutenção do equilíbrio de poder, mas sim a necessidade de garantir a superioridade
qualitativa e quantitativa das forças israelenses. (FELDBERG, 2003, p.159).
Como consequências do conflito, o Conselho de Segurança da ONU reagiu e votou com a
Resolução 242, que pedia a retirada completa das Forças Armadas Israelenses dos territórios
ocupados e o “respeito ao direito de cada Estado na área de viver em paz dentro das fronteiras
seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou atos de força” (MAGNOLLI, 2006:441). O Estado de Israel simplesmente ignorou a medida; Egito perdeu muito do prestígio que havia
conquistado no mundo árabe, mas fortaleceu seus laços com a Síria; com o grande número de
refugiados, sobretudo palestinos. Inicia-se o processo de movimentos de libertação da
Palestina. O vencedor foi Israel que derrotou os três inimigos, conquistando porções
estratégicas de território não necessariamente por interesse geográfico, mas sim como peça de
futura barganha, e fortaleceu uma imagem de “invencibilidade” em meio ao mundo árabe. A
atitude paradoxal dos Estados Unidos no Conselho de Segurança em apoiar a retirada de Israel
dos territórios ocupados demarca a parcela de preocupação norte-americana ao apoio as
atitudes de Israel perante a comunidade internacional, o que salienta-se mais tarde com a
construção dos assentamentos.
3.4.3 A Guerra do Yom Kippur – outubro de 1973
Iniciava-se um outro momento na política dos Estados Unidos. O presidente Johnson
que havia perdido sua credibilidade devido as reações negativas da atuação no Vietnã não
concorreu as eleições seguintes que elegeram o candidato republicano Richard Nixon, eleito
em 1969. Nixon teve na sua administração os efeitos da guerra do Vietnã, da Guerra do Yon
47
Kippur e a relativa perda da hegemonia norte-americana no sistema internacional dada pelo
momento de paridade nuclear com a URSS.
A Doutrina Nixon, anunciada no mesmo ano, pautava-se na garantia do apoio
econômico e assistência militar aos aliados em meio a um contexto de derrota do Vietnã e
abertura do mercado com a China. O objetivo, arquitetado pelo importantíssimo assessor de
segurança nacional, Henry Kissinger, era o de promover a distensão da URSS e a
incorporação da China no seu esquema de equilíbrio de poder. Além disso, o interesse norte-
americano de contenção a URSS era compatível com o interesse israelense de combater o
fortalecimento dos países árabes radicais, o que foi modificado com a guerra de 1973.
Entre os anos 1967 e 1973, o sucesso de Israel na tomada dos territórios árabes, bem
como a construção dos assentamentos em territórios palestinos representaram o plano de
Israel de alargamento do seu território. O fracasso da diplomacia para resolver a dupla questão
do fortalecimento de Israel e do conflito árabe-israelense convenceu os governantes árabes de
que uma ação militar conjunta era necessária para recuperar não apenas as terras perdidas,
mas principalmente, a “honra” árabe que estava fragilizada. (FERABOLLI, 2009, p.76).
Neste período até a metade da década de 70, o governo israelense estava sob comando
de Golda Meir (1969-1974) que viveu uma situação de imobilismo autoconfiante que só foi
rompida quando os árabes atacaram o país de surpresa em outubro de 1973 em uma data
sagrada para o povo judeu, o dia do Yom Kippur53
. Logo no início do seu governo, em 1970,
primeiramente o Egito de Nasser desencadeou uma “guerra de atrito” que consistiu em
bombardeios de artilharia e ataques aéreos e por terra às posições de Israel no Canal de Suez.
Na impossibilidade de vencer, a estratégia dos egípcios era deixar Israel permanentemente
amedrontado e exaurido. (MAGNOLI, 2003, p.443).
Frente ao desencadeamento de um conflito preeminente, o Departamento de Estado
dos Estados Unidos buscou elaborar um plano de paz baseado nos termos da Resolução 242
da ONU, mas o gabinete israelense rejeitou a proposta. O período da Guerra de Atrito foi
fundamental para a aliança de Estados Unidos e Israel. Como analisa Magnoli:
Para os Estados Unidos, Israel agora se tornara uma peça fundamental no tabuleiro da Guerra Fria na região, para contrabalançar a influência soviética sobre os países árabes. Afinal, o Egito e a Síria estavam recebendo modernos armamentos dos soviéticos, bem como assessoria militar. [...] A par disso, os “falcões” israelenses
53
Na cultura judaica o dia do Yom Kippur é o dia do perdão. No calendário judaico começa no crepúsculo que inicia o décimo dia do mês hebreu de Tishrei continuando até ao seguinte pôr do sol. Os judeus tradicionalmente observam esse feriado com um período de jejum de 25 horas e oração intensa.
48
também tinham em mente a redução da dependência de Israel de fornecimento de armas dos americanos. Afinal, o embargo armamentista imposto pela França a Israel em 1967 deixou o país à mercê da boa vontade de Washington. (MAGNOLI, 2003, p.443).
A percepção dos Estados Unidos arquitetada por Nixon e Kissinger de que Israel
poderia levar o conflito a outras proporções com a utilização do seu arsenal nuclear, levou o
engajamento absoluto do governo no fornecimento de milhares de equipamentos. Nixon e
Kissinger haviam reconhecido a necessidade, não só de apoiar seu aliado e cliente, mas
também de transmitir a URSS a mensagem de que seu apoio à agressão não seria deixado sem
resposta. (FELDBERG, 2003, p.186). Como declarou Kissinger: “nosso objetivo estratégico
consiste em evitar que os soviéticos obtenham uma posição dominante no Oriente Médio.
Quem obtém ajuda da URSS não pode alcançar seus objetivos”.54
Em 1970, a morte de Nasser e a substituição por Anuar Sadat simbolizou a disposição
do país em assinar um tratado de paz com Israel nos termos da Resolução 242, o qual não
obteve êxito. A preocupação de Sadat estava em chamar a atenção norte-americana para o
Egito e reconquistar os territórios perdidos no governo anterior. Após a tentativa fracassada de
um acordo cuja proposta consistia na reabertura do canal de Suez e na retirada parcial das
tropas israelenses, as tropas egípcias aliadas as tropas sírias arquitetaram uma nova ofensiva
militar. No dia 6 de Outubro de 1973, em um sábado no dia do Yom Kippur, os exércitos
egípcios e sírios iniciariam um ataque conjunto a Israel, primeiramente no Sinai e no Canal de
Suez e depois nas Colinas de Golã.
A ofensiva começou positivamente para o lado árabe que reconquistou áreas
importantes na Península do Sinai e nas Colinas de Golã, tendo em vista que as tropas
estavam armadas com modernos mísseis soviéticos antitanques e antiaéreos que impuseram
baixas às forças blindadas israelenses. Em meio a um momento de derrota, a urgência
israelense na reposição do seu armamento por parte dos Estados Unidos foi imediata. No dia 9
de outubro o embaixador israelense em Washington, Simcha Dinitz, transmitiu a Kissinger
uma mensagem declarando a urgência na reposição de armamento e munição perdida. No
plano mundial, Estados Unidos e União Soviética embatiam-se diplomaticamente.
Em uma tentativa de influenciar a reação dos Estados Unidos às solicitações de Israel,
Dinitz teria enfatizado, ao final da reunião com Kissinger, a urgência da situação,
introduzindo o elemento nuclear. Kissinger foi informado que os mísseis Jericó haviam
sido armados com ogivas nucleares e colocados em alerta. [...] A evolução das posições
dos Estados Unidos permite concluir que a decisão de iniciar o abastecimento de armas a
Israel teria sido composta pela combinação do interesse de
54
Kissinger speech. Disponível em: <http://www.us-israel.org/jsource/history/73wardocs.html> 49
evitar uma derrota israelense com a urgência de evitar um rompimento da nítida linha que separa um conflito convencional de um conflito nuclear. (FELDBERG, 2003, p. 203).
Embora Israel tenha vencido a guerra e mantido suas possessões, Síria e Egito saíram
fortalecidos quanto à questão psicológica e nacionalista, diante das baixas imprimidas no
exército de Israel no início do conflito o que desconstruiu o mito de invencibilidade de Israel.
Israel por sua vez, ao desocupar o canal de Suez, devolvendo-o ao controle egípcio, abria
brecha para o início das relações diplomáticas entre os dois países. O governo de Israel foi
exonerado da responsabilidade de conflito, por não tê-lo iniciado, porém a insatisfação
popular israelense foi grande, diante das baixas sofridas. Sendo assim, a Primeira-Ministra
Golda Meir, importante peça na política externa de Israel – inclusive na guerra dos seis dias –
renunciou em abril de 1974.
A guerra provocou uma mudança nas atitudes do Governo norte-americano, que
segundo as diretrizes de Kissinger, compreendeu a necessidade de envolver mais ativamente
os árabes nas negociações. Em janeiro de 1974, foi firmado um acordo de desocupação militar
entre Egito e Israel, o qual seria concretizado em 1978 no acordo de Camp David.
3.5 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
Através da revisão cronológica do recorte temporal apresentado nas subseções, o
objetivo deste capítulo delineou-se em estabelecer os pontos de variação identificados na
aliança de Estados Unidos e Israel de 1948 à 1973. Identificou-se primeiramente como
“gênese da aliança”, o apoio político dado pelo discurso do Presidente Truman em relação a
construção do Estado Judeu já em 1948 e da crise dos refugiados judeus do Holocausto. O que
posteriormente, com o início da administração Eisenhower transformou-se em um período de
distanciamento, caracterizado por uma relação conflituosa dada pela divergência de interesses
entre os dois países na esfera política e securitária, devido ao alinhamento dos Estados Unidos
com potências regionais, o que tornava-se um empecilho nas relações com Israel. Por fim, o
período denominado neste capítulo como “reaproximação”, iniciado com a nova política de Kennedy na década de 1960 assegurou a reaproximação de Estados Unidos e Israel e a
reafirmação dos Estados Unidos como parceiro econômico do país judaico. O interesse dos
Estados Unidos não mais era a manutenção do equilíbrio de poder mas sim garantia da
supremacia israelense em contraponto a supremacia egípcia aliada a URSS. A síntese do
50
período analisado no que tange os pontos de variação da aliança na esfera política, econômica e securitária pode ser analisada de acordo com a tabela abaixo:
ECONÔMICA
Período POLÍTICA
Importação
Exportação SECURITÁRIA
1948: Apoio político
Fundação do estado de
GÊNESE DA Israel; Total bruto Total bruto no Não havia fornecimento
Apoio político a crise dos
período:
de armas.
no período:
ALIANÇA
refugiados judeus
$474.000.000
Operation Stockpile
(1948-1953) $42.400.000
(Componente
humanitário);
Apoio diplomático:
Resolução 181 – ONU.
Alinhamento a outras
potências regionais; Suez 1956: limitar a ação
Israel como empecilho à de um Israel “poderoso”;
cooperação árabe no Total bruto Total bruto no Bloqueio ao
esforço anti-soviético;
fornecimento de armas;
DISTANCIAMENTO no período: período:
Apoio a regimes
Suspensão da entrega de
(1953-1958) $100.000.000 $543.000.000
nacionalistas;
lotes de aviões Skyhawk;
Crise diplomática 1953: 1957: exigência retirada
Israel: desvio águas Alto tropas SINAI.
Jordão e invasão cidade
de Qybia.
Rompimento do
Israel torna-se elemento bloqueio. Objetivo era
fundamental na manter equilíbrio com
contenção; URSS;
Apoio: construção do Torna-se principal
REAPROXIMAÇÃO arsenal nuclear Total bruto Total bruto no fornecedor de
Guerra 1967: EUA
no período:
período: $
armamentos
(1958-1973)
oferece incentivos à
$826.000.000
2.754.000.000
convencionais e não-
adaptação israelense a 55 convencionais;
seus objetivos Primeiro acordo
fornecimento armas:
mísseis antiaéreos Hawk
F16, envio de 50 aviões
Phantom F4.
Figura 2: Pontos de variação aliança de Estados Unidos para Israel na esfera política, econômica e securitária no
período de 1948 -1973. Fonte: Elaborado pela autora, com bases nos dados retirados do Office of the United
States Trade Representative: executive office of the president.56
,The Jewish Virtual Library57
e Departamento
de Estado dos Estados Unidos58
55 Observa-se o aumento considerável nas trocas comercias no período da reaproximação. A partir da década de 1970 as relações econômicas de Estados Unidos e Israel apresentam crescimento exacerbado.
56 Disponível em: < https://ustr.gov/>
57 Disponível em: <http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/US-Israel/MOUs.html#Security>
58 Disponível em: <U.S. State Department>
51
4. ALIANÇA DE ESTADOS UNIDOS E ISRAEL: FATORES CAUSAIS
4.1 INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO
A partir do referencial teórico apresentado no capítulo I sobre o processo de formação
de alianças no Sistema Internacional e da análise descritiva da aliança dos dois países
apresentada no capítulo II, este capítulo tratará dos fatores causais que explicam a formação
da aliança de Estados Unidos e Israel as quais se manifestam como variáveis desta pesquisa.
A estrutura do texto a seguir será dividida em três seções, onde cada uma delas representa
uma hipótese explicativa do processo de construção da aliança de Estados Unidos com o
Estado judaico. O Objetivo principal é constatar a correlação existente entre as três variáveis.
Na primeira seção, através de explicações estruturais será tratado sobre os incentivos
estruturais dos Estados Unidos na região do Oriente Médio, primeiramente no que tange a
balança de ameaças e posteriormente no que tange os incentivos econômicos, de modo a
analisar como esse fator foi determinante para o apoio a Israel. Na segunda seção, o esforço
consiste em apresentar os aspectos identitários que podem ser elencados como comuns entre
as duas nações no espectro religioso e político. Por fim, na terceira seção será apresentado o
papel exercido pelo lobby pró-Israel no âmbito interno norte-americano, seja no Congresso ou
na opinião pública através das organizações sionistas de lobby.
4.2 ESTADOS UNIDOS NO ORIENTE MÉDIO: INCENTIVOS
ESTRUTURAIS
4.2.1 Bipolaridade e balança de ameaças
De acordo com a análise estrutural proposta por Waltz, o funcionamento do Sistema
Internacional é dado pelo seu princípio ordenador e pela distribuição das capacidades dos seus
atores, os Estados. Considerando que o princípio ordenador da estrutura é a anarquia, obtém-se
que é a própria estrutura que define qual será o princípio organizador deste sistema anárquico. O
período da Guerra Fria configurou um Sistema Internacional pautado no princípio
52
organizador da bipolaridade, o qual foi definido pelo constante confronto das duas superpotências
que emergiram da Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos e União Soviética.
Na política de grandes potências dos sistemas bipolares, quem é um perigo para quem nunca é duvidoso. Os Estados Unidos são um perigo obsessivo para a União Soviética e a União Soviética e dos Estados Unidos, uma vez que cada um pode prejudicar o outro de uma forma que nenhum outro estado pode igualar. A bipolaridade estende o escopo geográfico do interesse de ambas as potências. Também alarga a amplitude dos fatores incluídos na competição entre elas. Como os aliados pouco adicionam às capacidades das superpotências, elas concentram a sua atenção nas suas próprias disposições. (WALTZ, 1979, p.234).
O início da Guerra Fria é datado por muitos autores em 12 de março de 1947 com o
anúncio da Doutrina Truman, quando o Presidente proferiu um discurso sobre a situação da
Grécia e da Turquia no Congresso onde estabeleceu quais os compromissos norte-americanos
em relação a sua política externa. Estava dada a largada para a política de contenção dos
Estados Unidos em relação a União Soviética, produto do embate ideológico entre as duas
superpotências que posteriormente desencadearia em uma longa corrida armamentista.
A nova configuração mundial teve como principal peculiaridade a falta de conflito
direto e o predomínio da propaganda e do poder ideológico, embora o aspecto militar tenha
sido peça chave para o constante embate entre as duas potências hegemônicas. Hobsbawm
ilustra essa peculiaridade ao citar Hobbes que observou que “a guerra consiste não só da
batalha, ou no ato de lutar, mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela
batalha é suficientemente conhecida” (Hobbes, capítulo 13) estando essa peculiaridade no fato
de o conflito nuclear não ter acontecido de fato, mas o qual por cerca de quarenta anos
pareceu uma possibilidade diária.59
(HOBSBAWM, 1995, p.224).
O cenário estava definido pelo engajamento das duas superpotências na disputa por zonas
de influência ao redor do globo, seja na Europa ou nas áreas coloniais e pela clivagem entre a
democracia capitalista e o comunismo ateu. (WALTZ, 1979, p.237). A União Soviética controlava
uma parte do globo e sobre ela exercia predominante influência através das zonas ocupadas pelo
Exército Vermelho e outras Forças Armadas Comunistas no término da Guerra.
59
Essa possibilidade se traduziu na Crise dos Mísseis de 1962. O líder soviético Nikita S. Kruschev decidiu colocar
mísseis soviéticos em Cuba, para contrabalançar os mísseis americanos já instalados do outro lado da fronteira
soviética com a Turquia. Os Estados Unidos o obrigaram a retirá-los com a ameaça de guerra, mas também retiraram os mísseis da Turquia. Os mísseis soviéticos, como o presidente Kennedy foi informado na época, não faziam
diferença para o equilíbrio estratégico, embora fizessem considerável diferença nas relações públicas presidenciais. Os mísseis americanos retirados foram descritos como “obsoletos”. A crise dos Mísses cubanos de 1962, por alguns dias deixou o mundo à beira de uma guerra desnecessária, e na verdade o susto trouxe à razão por algum tempo até mesmo os mais altos fundadores de decisões. (HOBSBAWN, 1995, p.227).
53
Por outro lado, os Estados Unidos exerciam controle sobre o resto do mundo capitalista, além
do hemisfério norte e oceanos, assumindo o que restava da velha hegemonia imperial das
antigas potências coloniais e em troca disso, não intervinha na zona aceita de hegemonia
soviética. (HOBSBAWM, 1995, p.224).
Em suma, enquanto os Estados Unidos se preocupavam com o perigo de uma possível supremacia mundial soviética num dado momento futuro, Moscou se preocupava com a hegemonia de fato dos Estados Unidos, então exercida sobre todas as partes do mundo não ocupadas pelo Exército Vermelho. Não seria preciso muito para transformar a exausta e empobrecida URSS numa região cliente da economia americana, mais forte na época que todo o resto do mundo junto. A intransigência era a tática lógica. Que pagassem para ver o blefe de Moscou. (HOBSBAWM, 1995, p.231).
O vácuo de poder deixado pela Europa, o qual refletiu na emergência das duas nações
foi o fator essencial para a reorganização das relações internacionais no período pós segunda
guerra. As consequências políticas da Guerra Fria acarretaram em um mundo polarizado
controlado pelas superpotências em dois campos divididos, além de iniciar uma corrida
armamentista cada vez mais frenética no ocidente. (HOBSBAWM, 1995, p.234). O embate
ideológico das duas potências originou-se e foi sustentado pelo padrão da política norte-
americana de contenção ao comunismo, o qual desde então permaneceu como padrão
constante no discurso dos líderes norte-americanos.
No presente momento da história mundial quase toda nação precisa escolher entre
modos alternativos de vida. Frequentemente, a escolha não é livre. Um modo de vida é baseado na vontade da maioria, e se distingue pelas instituições livres,
governo representativo, eleições livres, garantias de liberdade individual, liberdade
de discurso e religião e a liberdade da opressão política. O segundo modo de vida é baseado na vontade forçosamente imposta de uma minoria sobe a maioria. Ele reside
no terror e na opressão [...] na supressão das liberdades individuais. Acredito que deve ser a política dos Estados Unidos apoiar os povos livres que estão resistindo à
tentativa de subjugação pelas minorias armadas ou pelas pressões externas. Acredito
que devemos ajudar os povos livres a construir seus próprios destinos de sua própria
maneira. (TRUMAN, 1947).60
Nos bastidores do discurso do presidente Truman que continha o anúncio do padrão da
política externa norte-americana de contenção, estava o pensamento de um dos seus principais
60
At the present moment in world history nearly every nation must choose between alternative ways of life . Often , the
choice is not free. A way of life is based on majority will, and is distinguished by free institutions , representative government , free elections , guarantees of individual freedom , freedom of speech and religion and freedom from political oppression . The second way of life is based on the will of a minority forcibly imposed rises most. He resides in terror and oppression [ ... ] the suppression of individual liberties. I believe that should be the US policy to support free peoples who are resisting attempted subjugation by armed minorities or by outside pressures . I believe we must assist free peoples to build their own destinies in their own way . (Truman , 1947).
54
mentores intelectuais e diplomata do Departamento de Estado, George Kennan61
. Em julho de
1947, Kennan publicou na revista Foreign Affairs um artigo que reunia as várias linhas que
constituíam o pensamento norte-americano no pós-guerra. Baseado em suas observações e
experiências, Kennan considerava a União Soviética muito fraca para arriscar-se a uma nova
guerra para ampliar sua influência sobre os países democráticos. Porém, a acreditava capaz de
expandir-se para o Ocidente por meio da liderança dos partidos comunistas controlados por
Moscou, principalmente nos países desmoralizados e devastados pelo conflito que acabara de
se encerrar. (PENNACHI, 2007, p.4) De acordo com Kennan, a desestabilização social,
espiritual e política da Europa Ocidental e do Japão haviam tornado suas populações
vulneráveis às pressões e atrativos oferecidos por suas minorias comunistas. (FELDBERG,
2003, p.32). Formalmente, os princípios da contenção foram expressos no National Security
Council, aprovados em 1948 pela presidência.
O objetivo fundamental dos Estados Unidos está previsto no Preâmbulo da Constituição: "para formar uma união mais perfeita, estabelecer justiça, assegurar a
tranqüilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral,
assegurar as benções... da liberdade para nós mesmos e nossa posteridade ". Em essência, o objetivo fundamental é garantir a integridade e a vitalidade da nossa
sociedade livre, que se funda na dignidade e no valor do indivíduo. Três realidades emergem como uma conseqüência desse propósito: A nossa determinação em
manter os elementos essenciais da liberdade individual, conforme estabelecido na
Constituição e da Declaração de Direitos; nossa determinação de criar condições em que o nosso sistema livre e democrático pode viver e prosperar; e nossa
determinação para lutar, se necessário, para defender o nosso modo de vida, para
que, como na Declaração de Independência ", com uma firme confiança na proteção da Divina Providência, nós mutuamente prometer uns aos outros as nossas vidas,
nossas fortunas e nossa sagrada honra.62
61
Kennan foi um funcionário de carreira do Departamento de Estado dos Estados Unidos e foi parte do primeiro
grupo de diplomatas enviado à Moscou em 1934 sob o Embaixador William C.Bullit, experimentando a cultura russa e analisando pessoalmente as características histórico-geográficas que formaram suas bases, o que fez com que se tonasse uma das maiores autoridades norte-americanas sobre o assunto. Em 1944, após ter servido em Berlin e Lisboa durante a 2ª. Guerra, ele foi convocado para retornar à missão diplomática americana em Moscou para dar suporte especializado ao Embaixador W. Averell Harriman, como seu segundo em comando. (PENNACHI, 2007, p.2).
62
The fundamental purpose of the United States is laid down in the Preamble to the Constitution: ". . . to form a
more perfect Union, establish justice, insure domestic Tranquility, provide for the common defence, promote the general Welfare, and secure the Blessings of Liberty to ourselves and our Posterity." In essence, the fundamental purpose is to assure the integrity and vitality of our free society, which is founded upon the dignity and worth of the individual. Three realities emerge as a consequence of this purpose: Our determination to maintain the essential elements of individual freedom, as set forth in the Constitution and Bill of Rights; our determination to create conditions under which our free and democratic system can live and prosper; and our determination to fight if necessary to defend our way of life, for which as in the Declaration of Independence, "with a firm reliance on the protection of Divine Providence, we mutually pledge to each other our lives, our Fortunes, and our sacred Honor. Disponível em: < http://fas.org/irp/offdocs/nsc-hst/nsc-68.htm.
55
Cabe ressaltar que a grande maioria dos governos europeus ocidentais eram
“anticomunistas” empenhados e tinham como objetivo proteger-se de um possível ataque
militar soviético. Entretanto, de acordo com Hobsbawn a “conspiração comunista mundial”
não era um elemento sério presente nas políticas internas desses governos, o que os diferiam
dos Estados Unidos, demonstrando o tamanho empenho norte-americano na contenção das
mazelas do “perigo vermelho”. Inclusive os governos membros da OTAN que seria fundada
posteriormente em 1949, tendo como membros Estados que antes pertenceram ao bloco
socialista e os quais estavam dispostos a aceitar a supremacia norte-americana como preço da
proteção contra o poderio militar soviético. (HOBSBAWM, 1995, p.234).
A possibilidade de expansão do comunismo dado pela Guerra Fria trouxe para os Estados
Unidos a necessidade da construção de redes de proteção contra os soviéticos regional e
globalmente, contendo a sua disseminação. Duplamente a isso, o país visava a construção de uma
nova ordem internacional estável e duradoura que pudesse prevenir portanto a consolidação e
aumento da influência do poder soviético. (PECEQUILO, 2003, p.128).
Basicamente, eram prioridades a garantia do experimento norte-americano e sua expansão (ainda que de forma indireta, pelo exemplo) a preservação do isolamento e
da margem de manobra do país e a expansão de fronteiras políticas estratégicas e econômicas, sem que isso implicasse alianças ou compromissos permanentes. Entretanto a experiência de duas guerras e a transformação da posição relativa e dos objetivos norte-americanos no mundo demonstravam a importância e a necessidade de que os Estados Unidos passassem a perseguir uma política externa mais
internacionalista, mudando o seu perfil tradicional. No caso, a transformação em direção ao internacionalismo se traduziu menos no domínio irrestrito e na imposição da hegemonia e mais na escolha de uma estratégia para promover o interesse nacional por meio da construção de uma ordem cooperativa liderada pelos Estados
Unidos, garantindo a existência de um ambiente internacional estável e favorável à expansão norte-americana. (PECEQUILO, 2003, p.126).
Essas redes de proteção foram traduzidas na criação do Plano Marshall, em 1947 e da
Organização do Tratado do Atlântico Norte, em 1949. O Plano Marshall tinha como objetivo
garantir a estabilidade europeia, bem como a conquista de mais aliados, considerado como
uma das mais profundas e importantes iniciativas da política externa no período, pois previa
ajuda incondicional dos Estados Unidos à Europa (PECEQUILO, 1995, p.150). Em reação ao
bloqueio de Berlim e ao golpe que derrubou o governo eleito democraticamente da Tcheco-
Eslováquia, foi criada a OTAN cujo objetivo era uma aliança militar destinada a proteger a
Europa Ocidental de uma invasão soviética63
. (FERLDBERG, 2003, p.34). Tanto a OTAN
63
Deve-se acrescentar, no entanto, que os governos membros da OTAN, embora longe de satisfeitos com a política dos Estados Unidos, estavam dispostos a aceitar a supremacia americana com o preço da proteção contra o poderio militar de um sistema político antipático, enquanto este continuasse existindo. Tinham tão pouca disposição a
56
quanto o Plano Marshall foram iniciativas que confirmaram a nova diretriz da política externa
norte americana, a qual não mais adotava políticas isolacionistas como anteriormente, mas
sim buscava a criação de um elo forte com os países europeus em resposta ao avanço da
União Soviética.
A influência de incentivos estruturais em termos de balanceamento de ameaças foram
fatores contribuintes para o apoio dos Estados Unidos à criação do Estado de Israel, chamado
neste trabalho como o momento da gênese da aliança. A expansão de fronteiras políticas
estratégicas foi traduzida na política de contenção do Governo Truman que permaneceu como
estratégia fundamental da política externa norte-americana até a década de 1970. Obter um
aliado do ocidente na região do Oriente Médio face ao cenário de bipolaridade estava presente
no cálculo estratégico dos Estados Unidos pela necessidade em compensar o reconhecimento
soviético na região.
Durante o período que tange a década de 1950 com a administração Eisenhower, o
distanciamento dos dois países foi dado pela estratégia de cooptação de possíveis aliados
soviéticos, ainda que esta cooptação pudesse enfraquecer a aliança com Israel, o que de fato
aconteceu. A política de “boa vizinhança” do novo presidente era pautada na flexibilidade nas
negociações e relações com os países árabes que eram considerados inimigos de Israel. A
aproximação com a monarquia iraquiana e a tentativa de contenção de Nasser foram
exemplos. O equilíbrio de poder na região havia se tornado pauta para a política externa norte
americana, tendo em vista que a prioridade estaria sempre na oposição de forças soviéticas ou
pró-soviéticas na região.
Os reflexos da Guerra Fria permaneceram constantes também no início da década de
1960. Entretanto, destaca-se a necessidade de balanceamento com os aliados da União
Soviética. Ao passo que a URSS armava um Egito nacionalista, a preocupação norte-
americana era utilizar-se do fortalecimento de Israel como elemento de dissuasão a URSS. O
apoio ao programa nuclear israelense justificava-se por estabelecer um contrapeso ao Egito.
Além de contar com a cooperação militar com a França, Israel contava com o apoio militar
norte-americano. A intenção dos Estados Unidos neste período era garantir a superioridade de
Israel principalmente no que tange a esfera securitária na região do Oriente Médio.
A consideração feita por Feldberg em relação a preocupação dos Estados Unidos com
a segurança de Israel refere-se ao fato de que a garantia dada pelo governo norte-americano
confiar na URSS quanto Washington. Em suma, “contenção” era a política de todos; destruição do comunismo, não. (HOBSBAWN, 1995:234).
57
quanto a sobrevivência do país, serviria para reduzir o nível de tensão de um Israel que,
ameaçado e inseguro, havia no passado atacado ou ameaçado os países árabes responsáveis
pelos interesses geoestratégicos e econômicos dos Estados Unidos na região. (FELDBERG,
2008, p.207). Com isto observa-se a preocupação dos Estados Unidos à ameaça israelense do
ponto de vista militar para uma possível desestabilização da região, o que prejudicaria o jogo
estratégico dos Estados Unidos na política de acesso a recursos energéticos.
Os reflexos deixados pela Guerra Fria no Oriente Médio foram evidentes. O término
da Guerra ainda é um período difícil de ser mensurado na história, tendo em vista que foi um
conflito que abarcou um complexo processo de embate ideológico no cenário internacional
que permeou por anos. Diversas questões podem ser mensuradas para elucidar o processo de
desmoronamento da União Soviética que vão desde guerras inter-regionais, colapsos
econômicos, enfraquecimento da estrutura interna às outras situações que fogem do escopo de
análise deste trabalho. No entanto, foi um pouco antes do fim da era Reagan, em 1991, que
houve a dissolução da União Soviética, o que para alguns autores demonstrou o fim deste
conflito. Os Estados Unidos utilizaram-se dos seus meios de comunicação e publicidade para
afirmar que a URSS havia sido derrubada pelo engajamento da campanha norte-americana
para quebrá-la ou destruí-la, o que favorecia o prestígio e popularidade do país perante a sua
população e aliados.
O fato é que a configuração mundial havia mudado e o cenário era promissor para os
Estados Unidos que não somente estavam buscando a construção de uma nova ordem mundial,
como beneficiando-se da instabilidade política do seu maior rival em detrimento próprio.
O que acabou com a Guerra Fria foi a bipolaridade, o impasse nuclear e décadas de contenção da União Soviética - aparentemente as características mais dramáticas e consequentes do pós-guerra. Mas a ordem mundial criada em meio a década de 1940 permanece, mais extensa e em alguns aspectos mais robusta do que durante o
período da Guerra Fria. Seus princípios básicos que lidam com a organização e as relações entre as democracias liberais do Ocidente, estão vivos e presentes.
(IKENBERRY, online. Tradução da autora).64
A Guerra Fria polarizou o mundo controlado pelas superpotências em dois campos
marcadamente divididos. Como constata Hobsbawm, depois da década de 1970, principalmente
64
“What ended with the Cold War was bipolarity, the nuclear stalemate, and decades of containment of the
Soviet Union--seemingly the most dramatic and consequential features of the postwar era. But the world order created in the middle to late 1940s endures, more extensive and in some respects more robust than during its Cold War years. Its basic principles, which deal with organization and relations among the Western liberal
democracies, are alive and well”. (IKENBERRY, online)64
58
devido a guerra do Yom Kippur no Oriente Médio, houve a Segunda Guerra Fria. Essa fase do
conflito se deu por uma combinação entre guerras locais no Terceiro Mundo, travadas
indiretamente pelos Estados Unidos, que agora evitavam o erro de empenhar suas próprias
forças cometido no Vietnã e uma extraordinária aceleração da corrida armamentista nuclear.
(HOBSBAWN, 1995, p.242).
4.2.2 Incentivos econômicos: a geopolítica do petróleo no Oriente Médio
Além da teoria estrutural proposta por Waltz e analisada na subseção anterior
conforme a balança de ameaças para a compreensão da configuração do sistema e seu impacto
na manutenção da aliança de Estados Unidos e Israel, será apresentada neste segundo
momento da seção a análise pautada no estruturalismo marxista das Relações Internacionais
sob luz da teoria proposta por Wallerstein. De acordo com a teoria proposta por Wallerstein,
obtém-se que o elemento norteador da estrutura é o capital o qual gera a divisão internacional
do trabalho representada pela periferia, semiperiferia e centro. Neste sentido, dado que a
estrutura do sistema é norteada pelo capital, será tratado nesta seção os incentivos econômicos
que contribuíram para os momentos de variação da aliança dos dois países.
No contexto de bipolaridade o engajamento das duas nações dominantes na busca por
zonas de influência através da penetração regional era constante. A região do Oriente Médio e
Magreb, dotada de uma herança histórica complexa marcada por dominação colonial,
conflitos de caráter étnico, religioso e geopolítico, serviu como pano de fundo da Guerra Fria
e durante a década de 1950 foi o principal palco de subordinação e disputa entre Estados
Unidos e União Soviética.
O Oriente Médio que compreende a intersecção entre Ásia, Europa e África, depois de
mais de quatro séculos de processos de dominação turca-otomana, emergiu como realidade
geopolítica no fim do século XX e início do século XXI em detrimento do insumo fundamental
para as economias mundiais: petróleo. (VIZENTINI, 2014, p.13). A fragilidade dos Estados na
busca por autodeterminação frente a dominação externa traduziu-se na instabilidade da região que
contribuiu para o campo de conflitos internos e dinâmicas que foram refletidas na formação de
novos estados e grupos insurgentes formulando a conjuntura de polaridade65
que hoje
65
A polaridade refere-se a distribuição de poder em termos materiais e imateriais em determinado sistema das
relações internacionais, como o sistema regional por exemplo. As condições materiais e imateriais definem as capacidades dos estados, sendo elas respectivamente: tamanho da população, extensão territorial, poderio militar, PIB e no campo abstrato, poder de coerção deste Estado, a garantia de direitos civis, políticos e sociais à sua população e a sua legitimidade através das suas ações. Ressalta-se que para mensurar essas capacidades, os
59
compõe o Oriente Médio. Ressalta-se que durante a Guerra Fria a subordinação das potências
periféricas fazia parte do cálculo estratégico das superpotências, tanto como elemento de
barganha como importância estratégica devido a recursos e rotas.
A guerra fria envolveu uma relação recíproca entre o "sistema" internacional como
um todo e do "sub- sistema" ou região, por um lado e manobra regional e iniciativa por outro. Na região, este marcou uma mudança significativa: em contraste com as duas guerras mundiais, o que envolveu , em grande medida, a imposição para o Oriente Médio de um conflito mais amplo, a Guerra Fria envolvidos para uma extensão muito maior do que a alta colonial época , 1918-1945 , a interação do
global com forças regionais. (HALLIDAY, 2005, p.98. Tradução da autora).66
O surgimento do pan arabismo como resistência a influência externa e a criação do
sistema árabe de estados foram elementos que contribuíram para a ascensão do nacionalismo
popular na região. Segundo Hourani, os outros principais elementos que davam o tom de
nacionalismo popular vinham da ideia do “Terceiro Mundo” que constituía uma frente comum de
países em processos de desenvolvimento pertencentes aos antigos impérios coloniais, exercendo
uma espécie de poder coletivo por uma ação conjunta. (HOURANI, 2006, p.524). Todos esses
elementos se traduzem na peculiaridade do Oriente Médio: única região do mundo a não contar
com uma potência regional capaz de hegemonizá-la e integrá-la economicamente.
Como dito anteriormente, o ponto de ligação do Oriente Médio com o Ocidente é até os
dias de hoje é o acesso a recursos energéticos estratégicos. Historicamente, a mais significativa
mudança geográfica da região, a qual contribuiu para o desenvolvimento do comércio
transoceânico e determinou os rumos que a região enfrentaria economicamente foi a construção
do canal de Suez em 1869. O desenvolvimento da indústria do petróleo na região data desde os
anos 1800, com a primeira perfuração realizada por uma empresa russa67
e desde então sofreu
diversas crises que foram essenciais para que a região não fosse apenas uma rota de comércio
pesquisadores defrontam-se com três principais dilemas: como averiguar as capacidades imateriais; como averiguar as capacidades qualitativas e como os estados vão utilizar-se destas capacidades nas suas ações políticas no Sistema Internacional. Entretanto, existem índices estabelecidos a respeito das capacidades materiais dos estados que auxiliam nos estudos de polaridade. Para melhor aprofundamento quanto a polaridade no Oriente Médio recomenda-Se: COSDESMAN, Anthony H. 2004. The Military Balance in the Middle East. 1o ed. London: Praege 66 The cold war involved a reciprocal relationship between the international “system” as a whole and the „sub-system‟ or region, of global revalary on the one hand, and regional manoeuvre and initiate on the other. In the region, this marked a significant shift: in contrast to the two world wars, which involved, in large measure, the imposition on to the Middle East of a wider conflict, the Cold War involved to a much greater extent than the high colonial epoch, 1918-45, the interaction of global with regional forces. (HALLIDAY, 2005, p.98).
67 O processo de descoberta, exploração e uso do petróleo como fonte de energia teve início nas regiões sob domínio russo no Oriente Médio, onde a primeira perfuração em busca de petróleo ocorreu na península de Aspheron, em 1842. Nas décadas seguintes, enquanto a indústria petrolífera do Azerbaijão desenvolvia-se, também os americanos começavam a explorar petróleo na Pensilvânia. (FERABOLLI, 2009,p.48).
60
entre os três continentes, mas sim a principal fonte de suprimento do insumo que move a
economia mundial.
A presença norte-americana no Oriente Médio é relativamente recente quando comparada
a da Inglaterra, que desde o século XIX já conquistava o Golfo Pérsico e foi decorrente da
Segunda Guerra Mundial e da necessidade de garantia de uma rota de suprimento ao esforço de
guerra russo. Entretanto, a influência dos Estados Unidos consolidou-se na região com a
substituição do apoio militar econômico que a Grécia e a Turquia antes recebiam da Inglaterra.
Em 1947 a região passou a ser parte da estrutura norte-americana de contenção, herdando o
bloqueio do avanço soviético. (FELDBERG, 2003, p.28). 68
A formulação da política externa norte-americana para o Oriente Médio tinha de
levar em conta, além do interesse no petróleo da região, os crescentes sintomas do
início da Guerra Fria, o declínio da Inglaterra como potência mundial, o crescente
nacionalismo árabe e as demandas para criação de um lar judaico na Palestina. O
envolvimento norte-americano no Oriente Médio viria a ser um dos fenômenos mais
complexos do pós-guerra, ainda mais pelo fato de os Estados Unidos serem um
„novato‟ na região. (FELDBERG, 2008, p.30).
Após o início da Segunda Guerra Mundial, os recursos petrolíferos do Oriente Médio e do
MAGREB revelaram estar entre os mais importantes do mundo. Na década de sessenta esses
países produziam 25% do petróleo bruto do mundo sendo a maior produção no Irã, no Iraque,
Kuwait e Arábia Saudita69
, também havendo produção em outros países do Golfo Pérsico e no
Egito. No futuro, parecia provável que o petróleo do Oriente Médio se tornaria mais importante
ainda: em 1960 as reservas eram estimadas em cerca de 60% das reservas conhecidas do mundo.
(HOURANI, 2006, p.494). As crises de fornecimento de petróleo durante a Primeira Guerra e
Segunda Guerras Mundiais definirão definitivamente a importância do Oriente Médio, já não
68
Foi no início do século XX que empresas norte-americanas, europeias e britânicas firmaram contratos de concessão para a exploração de petróleo e o primeiro país a ser explorado foi o Irã. Empresas como a British Petroleum (BP), Exxon, Mobil, Shell, Compagnie Français des Petroles, Texaco, Gulf e Standart Oil foram as percursoras para a formação de uma oligarquia de companhias petrolíferas internacionais que aos poucos passaram a controlar a economia mundial do petróleo desencadeando mais tarde, em meados da década de 70 em uma profunda dependência do mundo árabe em relação ao insumo. (FERABOLLI, 2009, p.48). 69
A Arábia Saudita foi o primeiro território da região à aliar-se aos Estados Unidos, o qual permitiu a instalação de empresas petrolíferas americanas em seu território, organizadas no conglomerado da Arabian-American
Company69
, rival da empresa anglo-holandesa Shell que já exercia influência no mercado do petróleo. De acordo com uma análise publicada pelo Departamento de Estado norte-americano em 1945 a Arábia Saudita era considerada como uma “estupenda fonte de poder estratégico e um dos maiores prêmios materiais na história do
mundo”69
. (CHOMSKY, 1999, p.61). A partir daí, o Oriente Médio se caracterizava por um antagonismo anglo-americano motivado pelo controle do petróleo da região, que posteriormente colocaria os interesses petrolíferos ocidentais em choque com a ascensão do nacionalismo árabe como mencionado anteriormente. (VIZENTINI, 2010, p.10).
61
como rota de comércio, senão como fonte de suprimento da matéria-prima que passará a
mover todo o mundo industrializado. (FELDBERG, 2003, p.27).
No período da construção da aliança dos dois países, com a administração Truman,
dada a conjuntura inicial da Guerra Fria, o objetivo no Oriente Médio do ponto de vista
econômico era o de assegurar o acesso a recursos energéticos estratégicos e a rotas de
comércio favoráveis. A formulação da política externa norte-americana para a região além do
interesse no petróleo, deveria considerar os crescentes sintomas políticos do início da Guerra
Fria, o declínio da Inglaterra como potência mundial, o crescente nacionalismo árabe e as
demandas para a criação de um lar judaico na palestina. (FELDBERG, 2003, p.30).
O apoio norte-americano a criação do lar nacional judaico em 1948 foi relevante no
espectro político, pois consolida a influência ocidental na região através de um Estado
influente. Entretanto, a consolidação do Estado de Israel em meio a uma região hostil foi peça
chave para o fortalecimento do nacionalismo árabe que mais tarde serviria como um
movimento de contra insurgência perante a dominação das potências do ocidente70
justificado
também pela ocupação territorial na palestina.
O cenário consistia no jogo de tabuleiro do conflito bipolar. No cálculo estratégico dos
Estados Unidos, o interesse geopolítico era fundamental para a obtenção do controle de rotas
estratégicas e de investimento econômico a longo prazo. Para este fim, o padrão norte-
americano caracterizava-se pelo estabelecimento de Estados Pivô – rogue states71
como
medida para criar aliados regionais controláveis, a exemplo da Arábia Saudita, Turquia e
posteriormente Egito. Enquanto esse vínculo era mantido, o apoio prioritário a Israel tornava-
se a garantia da sua presença na região não só economicamente, politicamente72
quanto
militarmente visto que o país detinha de um arsenal nuclear.
No início da década de 1950, o Golpe militar arquitetado pelo governo americano em
conjunto com a CIA ao líder Mossadegh73
no Irã deixou evidente o comprometimento norte-
70 O apoio norte-americano a criação do Estado de Israel foi fundamental para o fortalecimento do nacionalismo árabe. O projeto de integração regional era pautado na superação do imperialismo e colonialismo herdado nos séculos anteriores. Países como Turquia, Irã e Israel não incluíam-se neste projeto.
71 De acordo com a interpretação dada por Chomsky, os rogue states são os Estados considerados ameaças a paz internacional. Na visão do autor, embora a Guerra Fria tenha acabado, os Estados Unidos ainda se encontram no direito na sua condição de potência hegemônica dominante de assegurar a responsabilidade de proteger o mundo de “ameaças terroristas” e “nacionalismos radicais” enraizados, principalmente, no Oriente Médio. (CHOMSKY,
1998, online) Disponível em: <http://chomsky.info/199804__/>
72 Tendo em vista que Israel é considerado o “ocidente do mundo árabe”.
73 Mohammed Mossadegh assumiu o cargo de Primeiro Ministro do Irã em 28 de Abril de 1951 e foi deposto através do Golpe Militar arquitetado pela CIA em 16 de Julho de 1952. Possuía ideias de cunho nacionalista que buscavam autonomia ao Irã frente a penetração das grandes potências. Seu principal desafio foi a tentativa de nacionalização das empresas petrolíferas, o qual foi rompido com o Golpe. Após o Golpe, o governo do Irã ficou sob administração do Xá.
62
americano no que tange o controle do petróleo no Oriente Médio. A ameaça de um Irã detentor do
petróleo de seu território colocaria em cheque as trocas comerciais norte- americanas bem como
acesso ao insumo. Além disso, os Estados Unidos apropriaram-se do desgaste econômico da
Inglaterra, que até então era considerada a potência mais influente do Oriente Médio, para adquirir
maior influência com as potências regionais. O que de fato contribuiu para a concretização de sua
política de boa vizinhança que marcou o distanciamento com Israel.
4.3 ESTADOS UNIDOS E ISRAEL: IDENTIDADE
O fator identidade e seu efeito presente nas relações dos Estados parte do nível de
análise da interação destes Estados como unidades perante a estrutura do Sistema
Internacional, o qual por muito tempo foi desconsiderado pelo discurso neorrealista. Esse
fator primeiramente delineou-se através das contribuições da abordagem construtivista, as
quais trouxeram para o campo teórico das Relações Internacionais o debate ontológico
centrado no processo de interação dos estados. Neste sentido, o esforço prestado nesta seção
consiste em apresentar os componentes de identidade que podem ser identificados entre
Estados Unidos e Israel no espectro religioso e político como elementos subjetivos
contribuintes para a construção da aliança dos dois países.
A identidade coletiva de nações, grupos étnicos e religiosos se tornou recentemente
um tema que mereceu atenção acadêmica. Muitos autores acreditam hoje que a auto definição
de um grupo não é “natural” mas sim o resultado de complexos processos de interação com
outros grupos, o que leva à construção social das identidades coletivas. De forma clara, essa
posição construtivista contradiz discursos religiosos e nacionalistas tradicionais, que
consideram identidades coletivas algo preexistente. (DEMANT, 2013, p.202).
No processo de interação das unidades, de acordo com essa perspectiva, não só a
estrutura mas os fatores externos ao estado influem sim na relação entre os países. Entretanto,
ambos não são suficientes para explicar o processo. A realidade internacional é construída
socialmente pela ação dos “agentes” internacionais e por via das articulações destes agentes
na estrutura internacional, a qual não exerce papel maior do que o dos agentes na
conformação da ordem das coisas. (VASONCELOS, 2013, p.7).
63
4.3.1 Identidade Religiosa
O debate acerca da presença de identidade religiosa entre israelenses e estadunidenses
não costuma ser tratado como uma variável presente para compreensão do processo de aliança
destes países. Segundo Feldberg, “[...] alegações israelenses de herança religiosa em comum (judaico-cristã) não foram suficientes, antes das crises de 1958, para promover uma política
norte-americana mais favorável a Israel no Oriente Médio.” (FELDBERG, 2008, p.52). Isso
denota que poucos analistas poderiam considerar a preponderância de fatores subjetivos na
origem e desenvolvimento da aliança dos dois países.
Entretanto, de acordo com Barka74
é a tradição compartilhada judaico75
-cristã que une
os dois povos. O elo entre Estados Unidos e Israel é antes de tudo, religioso. Segundo Barka,
o fator religioso nos Estados Unidos é mais forte do que em outros países democráticos e isto
é chamado de “excepcionalismo americano”, devido a sua forte convicção de ser um “povo
abençoado por Deus”. Para Barka:
O „fator religioso‟ tem enorme impacto nos EUA. Essa religiosidade é histórica, remonta ao século XVII, quando judeus começam a ir aos Estados Unidos. É
conectada à certeza de que eles, os americanos, foram os escolhidos de Deus, como
dita a Bíblia. Nasce então nos americanos a certeza de que eles vivem na Nova Jerusalém. Amar Israel, especialmente para os evangélicos, os protestantes
conservadores, faz parte da fé cristã. De fato, você não pode ser cristão se não amar
Israel. Amar a Grande Israel, aquela de Abraão, como na Bíblia, é obedecer à vontade de Deus. Por isso, em 1948, sob a presidência de Harry Truman, os Estados
Unidos foram o primeiro país a ratificar Israel, como novo Estado. A criação de Israel passa a ser uma profecia cumprida. Israel torna-se o principal aliado dos EUA.
Os evangélicos, inclusive aqueles fundamentalistas, passam ainda a ter maior
influência na política exterior dos EUA sob George W. Bush. (BARKA, 2014)76
Neste sentido, observa-se que no espectro religioso é possível identificar a proximidade
religiosa, principalmente dos neoconservadores com a religião judaica desde o período do
reconhecimento do Estado, em 1948. De acordo com Mearsheimer e Walt o renascimento de
74 Professor Mokhtar Bem Barka, da Universidade de Valenciennes, França, especialista em Estados Unidos e Oriente Médio.
75 Ao tratar-se de identidade israelense, deve estabelecer-se que a ideologia sionista e israelense passou por quatro estágios mais ou menos articulados: 1) o “clássico” sionismo pré-estado. 2) o estatismo da “pequena Israel”, 1948-1967, 3) uma longa fase quando os confrontos com os territórios ocupados levaram à queda do consenco interno de Israel, 1967-1991 e 4) 1991 até agora, caracterizado pela disputa entre o pós-sionismo e um judaísmo fundamentalista. Em cada estágio, um elemento de identidade coletiva era enfatizado, outros desenfatizados. (DEMANT, 2001, p.212).
76 “As fatais afinidades religiosas entre EUA e Israel”. Entrevista de Mokhtar Ben Barka a Carta Capital publicada em 03/08/2014, 05:09. Disponível em: < http://www.cartacapital.com.br/revista/811/as-fatais-afinidades-religiosas-entre-eua-e-israel-333.html> Acesso: 17 de março de 2015.
64
Israel é o cumprimento de uma profecia bíblica, por isso destacados cristãos evangélicos77
da
Câmara dos deputados apoiam a agenda expansionista do país.
Constatou-se que a identidade religiosa aqui considerada tornou-se presente no período
de Fundação do Estado de Israel, 1948, tendo em vista a ênfase do apoio ao merecimento do
povo judeu no retorno do “seu lar sagrado” no discurso de Truman. A influência da opinião
pública norte-americana em apoio ao retorno dos judeus a seu local sagrado corroborou para a
apropriação da população norte-americana a ideia de apoio a construção do Estado Judaíco.
Não foi possível apresentar nesta pesquisa a variação do impacto que a presença da
identidade religiosa exerceu nos momentos do período estudado. Para este feito, seria
necessário um estudo aprofundado acerca de identificar quais os momentos a religião esteve
presente ou não, utilizando-se de fontes primárias para isso, como a opinião da própria
população norte-americana. Entretanto, considera-se que a provável manutenção da presença
de identidade religiosa entre as duas nações consiste em uma variável constante tanto na
construção da aliança quanto na sua perpetuação.
4.3.2 Identidade política
Além da identidade religiosa no que tange os termos em comum da tradição judaico-
cristã, outra variável que corroborou para a construção da aliança foram os valores
ideológicos políticos compartilhados pelos dois Estados, presentes desde a criação do Estado.
Como visto acima, o excepcionalismo americano consiste em presumir que os valores
americanos, o sistema político e sua história são os únicos dignos de admiração universal,
sugerindo que o país está tanto destinado quanto sancionado a desempenhar um papel distinto
e positivo no cenário mundial. Declarações deste excepcionalismo recaem na crença de que os
Estados Unidos são uma nação única virtuosa, que ama a paz, alimenta a liberdade, respeita
os direitos humanos, e abraça o Estado de Direito. (WALT, 2013. Online). Em outras
palavras, o excepcionalismo americano refere-se que através do discurso, os norte-americanos
gostam de sustentar que seu país se comporta melhor do que outros Estados e certamente
melhor do que outras grandes potências.
77
Para pesquisa aprofundada: Os cristãos evangélicos da Câmara dos Deputados são Gary Bauer, Jerry Falwell, Ralph Reed, Pat Robertson, Dick Armey, Tom DeLay. Neoconservadores como John Bolton, Robert Bartley, ex-diretor do Wall Stret Journal, William Bennett, ex-secretário de Educação; Jeane Kirkpatrick, ex-embaixadora dos Estados Unidos na ONU e o colunista George Will, também são apoiadores firmes. (MEARSHEIMER, WALT, 2006, p.51).
65
O exepcionalismo americano foi representado no período que se seguiu a Guerra Fria,
onde foi determinado por doutrinas que tinham o objetivo primordial não só de contenção a
potência rival no sentido econômico, mas sim retratou a efetivação de uma mudança profunda
no regime e no modo de vida do seu adversário, podendo levar à sua desagregação. Neste
contexto, os elementos do cálculo estratégico dos Estados Unidos de apoio a criação do estado
de Israel eram compostos pela necessidade de compensar o reconhecimento soviético ao país
israelense, interesses estratégicos na região, mas também se deu aos valores liberais
compartilhados entre os dois Estados naquele período. Como afirmou Eisenhower: “A
experiência norte-americana tem, por gerações, alimentado as paixões e a coragem de milhões
que em todos os lugares buscam liberdade, igualdade e oportunidade.” (PECEQUILO, 2003,
p.173).
Assim como a identidade religiosa, a identidade política foi um elemento que
contribuiu para o apoio a criação do Estado de Israel. Os Estados Unidos deveriam propagar
os benefícios do seu regime democrático na região do Oriente Médio, a qual sob uma visão
ocidental, sofria com governos autoritários78
. Além disso, no período que tange a década de
1960, portanto, o período de reaproximação de Estados Unidos com Israel, frente a
necessidade de balancear os aliados da comunista URSS estava a garantia da superioridade
israelense em termos securitários, pelo fato de ser um regime democrático na região.
4.4 O LOBBY ISRAELENSE NOS ESTADOS UNIDOS 4.4.1 Lobby israelense: definição e mecanismos de ação
Como visto em Hill, as diretrizes que conduzem a política externa iniciam-se a partir do
contexto interno do Estado através da atuação de diferentes atores e eventos. A partir desta
análise, obtém-se o impacto que forças políticas domésticas exercem no processo de tomada de
decisão de política externa, o qual será tratado nesta seção a luz do poder do lobby israelense.
De acordo com a hipótese de Mearsheimer e Walt, publicada em 2006 no artigo “The
Israel Lobby”79
, o resultado da convergência de interesses dos dois países bem como a
construção da aliança é dado pela atuação dos grupos de lobby pró-Israel no âmbito interno dos
78 Trata-se do grande paradoxo presente na análise de discurso norte-americano. Ainda que com a forte presença do embate ideológico nas Doutrinas que seguiram de Eisenhower a Nixon, o país nunca deixou de apoiar regimes autoritários e teocráticos quando os interesses econômicos estavam presentes.
79 Publicado primeiramente na London Review of Books, 2006.
66
Estados Unidos. Neste sentido, a seguir será apresentado o que consiste influente lobby
israelense na visão dos autores e o papel de influência exercido pelas principais organizações
no âmbito interno norte-americano. Pois como apontam Mearsheimer e Walt:
O cerne da política dos Estados Unidos na região deriva, antes, quase inteiramente da política interna, em especial das atividades do “Lobby de Israel”. Outros grupos de interesse específicos conseguiram influenciar a política externa, mas nenhum lobby conseguiu desviá-la para tão longe do que o interesse nacional indicaria, ao mesmo tempo convencendo os americanos de que os interesses dos Estados Unidos e os do outro país, no caso, Israel, são essencialmente idênticos. (MEARSHEIMER, WALT, 2006, p.44).
Na definição de Mearsheimer e Walt, o lobby israelense consiste em um instrumento
de coalisão de indivíduos e organizações judaicas que atuam no âmbito interno norte-
americano com o intuito de conduzir as tomadas de decisões de política externa em prol da
causa israelense. O lobby israelense não consiste em um “movimento” ou um grupo dotado de
um líder central, uma sede ou um organismo majoritário, mas sim é composto por grupos
individuais que exercem tal atividade em diferentes locais. Os autores ainda apontam que
desde os anos 30, o lobby se configurou nos Estados Unidos como um mecanismo difuso e
bem assegurado, fixado em várias esferas de atuação em quase todos os extratos da sociedade.
(MEARSHEIMER, WALT. 2007, p.112).
O lobby pró-Israel adota duas estratégias principais: a primeira é o exercício da
influência em Washington, de modo a pressionar tanto o Congresso quanto o executivo e o
segundo consiste em assegurar que o discurso público retrate Israel de forma positiva,
promovendo seu ponto de vista em debates públicos junto à comunidade. Portanto, o controle
dos debates políticos é essencial para a garantia do apoio dos Estados Unidos, pois uma
discussão aberta das relações dos dois países poderia levar os norte-americanos a atuarem de
maneira distinta no sistema internacional, podendo assim, valer-se de outras políticas de
aliança que não favorecessem Israel. (MEARSHEIMER, WALT. 2006, p.52)
Segundo os autores, dentro deste grande grupo que compõe o lobby, estão incluídos
neoconservadores, cristãos, judeus, cristãos-evangélicos, republicanos e intelectuais liberais norte-
americanos que tendem a dirigir-se a um ponto comum pró-Israel. Isso faz com que o lobby tenha
diferentes percepções a respeito de determinadas políticas israelenses específicas. Muitas das
principais organizações do Lobby, como o American-Israel Public Affairs Committee (AIPAC) e
a Conference of Presidents of Major Jewish Organisations, são dirigidas por alinhamentos que em
geral apoiam as políticas expansionistas do Partido Likud, entre elas
a hostilidade ao processo de paz de Oslo. Já o restante da grande parte dos judeus americanos 67
está mais inclinado a fazer concessões aos palestinos, e alguns grupos, como o Jewish Voice
for Peace80
que defendem fortemente esses passos. (MEASHEIMER, WALT, 2006, p.50).
A AIPAC considerada o núcleo de influência do lobby no Congresso tem como
objetivo fortalecer, proteger e promover o relacionamento dos Estados Unidos com Israel de
forma a aumentar a segurança de ambos países. A organização é institucionalizada e detém de
uma agenda específica divulgada no site da organização.81
Para a manutenção das políticas
pró-Israel e da promoção da causa sionista no âmbito interno norte-americano, a AIPAC
utiliza-se de diversas vias, como: influência nos principais jornais do país através de
manipulação, influência nas eleições presidenciais, influência nas universidades, entre outas
atividades. Seu sucesso se deve à capacidade de recompensar legisladores e candidatos ao
Congresso que apoiam sua agenda assegurando-os apoio financeiro e de punir aqueles que a
contestam. (MERSHEIMER, WALT, 2006, p.52).
4.4.2 Década de 1940: Início da influência sionista nos Estados Unidos
De acordo com o sionismo político, o culto ao Estado representa a garantia da
segurança e do bem comum da população. Essa ideologia foi associada ao estadista Ben
Gurion que com o encerramento do mandato britânico na região, proclamou em 14 de maio de
1948 a independência do estado de Israel em Tel Aviv, aprovada pela Organização das
Nações Unidas e pela Organização Sionista Mundial. A peculiaridade do estado de Israel
caracterizava-se pelo alto grau de identidade nacional. Ou seja, o compromisso do estado
juntamente com suas instituições perante a comunidade judaica global, característica que
sempre esteve presente nos antigos escritos de T. Herzl.
O declínio da Inglaterra como potência mundial depois da segunda guerra gerou um
vazio de poder na região do Oriente Médio, visto que a velha potência colonial não mais
poderia administrar a região. Os britânicos viram-se obrigados a buscar o apoio norte-
americano, pois assim poderiam de alguma forma, assegurar sua permanência na região,
mesmo que de forma debilitada. Esse apoio também foi almejado pelos judeus israelenses e
com a proclamação do estado de Israel juntamente com a eclosão da Guerra Fria o cenário no
Oriente Médio foi modificado.
80 De acordo com a própria organização: o Jewish Voice for Peace é uma organização nacional inspirada na tradição judaica para trabalhar pela liberdade, igualdade e dignidade de todas as pessoas de Israel e da Palestina. Disponível em: <https://jewishvoiceforpeace.org/>
81 http://www.aipac.org/
68
Um terceiro objetivo é proteger as minorias judaicas em toda parte do mundo e manter
suas ligações com o único estado judaico do mundo. Israel pretende se opor ao anti-
semitismo onde quer que ele possa existir ou surgir, e para garantir e assegurar a
imigração judaica para Israel como local de segurança . Isso ajuda essas comunidades
judaicas e também contribui para o bem-estar de Israel. (REICH, 2004, p.125). 82
A chegada do povo judeu nos Estados Unidos iniciou-se anteriormente a segunda
Guerra Mundial. Em 1939 já existiam entidades judaico-sionistas que trabalhavam para obter
aproximação com os parlamentares do governo (ROTTA 2012, p.97). Cerca de dois anos
depois, no início da década de quarenta, ocorreu a Conferência de Biltmore (1942), realizada
no hotel Biltmore em Nova York e organizada pelo American Zionist Emergency Council -
AZEC, conselho criado no início da Segunda Guerra Mundial para representar as lideranças
sionistas nos Estados Unidos. O conselho era formado por membros originais representantes
da Organização Sionista da América e outros líderes sionistas americanos. Durante a
conferência, que contava com a presença dos principais líderes do sionismo mundial, como
Chaim Weizmann, David Ben Gurion, que viria a tornar-se Primeiro Ministro em 1948 e
Nahum Goldman foi estabelecido o Programa Biltmore que tornou público as prospecções de
construção do Estado que haviam sido tratadas no primeiro Congresso Sionista na Basiléia.
Dentre as principais pautas da conferência estava a reivindicação para que os portões da Palestina “fossem abertos” e que o gerenciamento do controle da imigração ao território
sagrado ficasse a encargo da Agência Judaica. Inclusive o desenvolvimento de terras não-
ocupadas e não-cultivadas. O propósito era que a Palestina viesse a ser estabelecida como um
Estado Judeu integrado a estrutura do “novo mundo democrático”. (GOMES, 2001, p.55). O
projeto de criação do estado que abrangia todas as fronteiras históricas estipuladas pelos
judeus estabelecido na primeira conferência sionista tornou-se viável no encontro e até 1946
esteve no plano de ação dos sionistas.
De acordo com Richard Stevens, a estratégia do programa e do encontro de Biltmore
era a de unificar os sionistas do mundo e sobretudo trazer os sionistas norte-americanos para o
centro do movimento e através deles conquistar o apoio de toda a comunidade judaica do país.
82
A third objective is to protect Jewish minorities everywhere, and to stablish and sustain links
between then and Israel as the World‟s only Jewish state. Israel seeks to oppose anti-Semitism wherever it may exist or arise, and to secure and assure Jewish immigration to Israel from endangered as well as more security location. This helps those Jewish communities and also contributes to Israel‟s well being. (REICH, 2004, p.125).
69
Seriam esses os primeiros indícios da atuação do lobby sionista no Congresso norte-
americano, visto que o suporte e apoio de um aliado fortalecido pelo fim da Segunda Guerra
Mundial estava no topo das prioridades sionistas.
O programa de Biltmore unificou a maioria dos sionistas do mundo sob sua plataforma. A próxima tarefa seria conquistar o apoio da comunidade judaica americana, não engajada no sionismo. A partir de 1943, iniciou-se uma grande movimentação de reuniões e conferências com a participação de todas as entidades representativas das comunidades judaicas do país, com a finalidade de estabelecer uma Conferência Judaica Americana que englobasse o maior número de entidades possível, a fim de promover uma ação conjunta em prol da Palestina judaica. (GOMES, 2001, p.56).
Durante a administração Truman, ao início do processo de construção do Estado de
Israel, a Organização Sionista promoveu campanhas para que além do apoio à proclamação de
Israel o governo apoiasse que o controle total sobre a imigração judaica deveria ser
responsabilidade da Agencia Judaica. Em agosto de 1945, Truman solicitou em nome dos
interesses dos Estados Unidos que o Primeiro Ministro da Grã Bretanha admitisse 100.000
refugiados judeus na Palestina. Em 13 de novembro de 1945, o Departamento de Estado
publicou a decisão do Presidente de estabelecer um Inquiry Committe conjunto com a Grã
Bretanha para avaliar a questão da Palestina, sendo três dos seis membros americanos do
comitê declaradamente pró-sionistas. Conforme era desejo da Organização Sionista, o
problema da Palestina foi vinculado ao dos refugiados europeus. (GOMES 2001, p.76). O que
os sionistas queriam era estimular a imigração para a palestina e dar continuidade a criação de
instituições que se gestavam na região para o êxito da proclamação do Estado.
Para este feito, a propaganda sionista de 1945 à 1948 fundava-se em mostrar para os
judeus norte-americanos o sofrimento e problemas de miséria enfrentados pelos refugiados
judeus na Europa e a falta de oportunidades que esse povo tinha em reconstruírem suas vidas
nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. A grande maioria dos judeus que estavam
estabelecidos nos Estados Unidos não queriam ir embora, o que tornava-se um problema ao
processo inicial da construção do Estado. Por isso, é possível afirmar que os refugiados foram
uma manobra para o êxito da fundação do Estado em 1948.
Em 1946, o presidente Truman oficialmente pediu pela admissão imediata dos 100.000
refugiados e recomendou o plano de partilha da palestina ao longo das linhas sugeridas pela
Agencia Judaica. Esse episódio demarca o ápice da vitória do lobby israelense tendo em vista
que a ação do presidente foi criticada como um gesto feito com o claro sentido de garantir
votos. (GOMES, 2012:79). De acordo com Richard Stevens, o presidente foi contra seus
70
conselheiros em política exterior, o que deixou claro que a questão da Palestina era abordada
do ponto de vista dos políticos americanos o que prejudicava o prestígio e autoridade dos
norte-americanos ao resto do mundo.
4.4.3 Lobby na Mídia
Desde o Programa Biltmore o aparato de propaganda sionista é desenvolvido para o
convencimento da opinião pública norte-americana com a causa judaica. Para isto, foram
criadas diversas organizações cuja finalidade era doutrinar não apenas o público em geral e os
políticos, mas os judeus não-sionistas. Na metade da década de 1940, a propaganda sionista
era caracterizada, de uma maneira geral, por referir-se a Palestina como um centro cultural
capaz de unir todos os judeus norte-americanos. (GOMES, 2001, p.57) Claramente, a
propaganda ostensiva omitia a presença da população árabe na Palestina e a realidade
enfrentada por este povo devido à grande leva de imigrantes.
Outra forma de propaganda foram os panfletos, distribuídos em enormes quantidades em
centros comunitários, bibliotecas, para educadores, ministros, escritores e outros. A
publicação e distribuição de livros também era subsidiada. As escolas foram um dos
mais importantes instrumentos para a expansão da ideologia sionista. [...] A propagando
sionista teve como seus principais apoiadores os rabinos americanos conservadores e
ortodoxos, reconhecidos como importantes líderes dentro e fora dos círculos judaicos,
exercendo grande influência. (GOMES, 2001, p.59).
O tema do sionismo costumava ser destaque nos jornais conceituados do país não
abrindo espaço para a discussão da causa árabe e dos problemas enfrentados pelos palestinos
com os fluxos da imigração judaica. A primeira vitória política do sionismo de extrema
importância para obtenção de apoio do senado foi com o American Palestine Comittee, que
fora criado ainda na década de 1930 sob presidência do senador Robert F. Wagner que atuou
dinamicamente por anos no Congresso em apoio a criação do estado judaico. Wagner mostrou
o caso da criação de Israel como causa humanitária. No fim da Guerra o APC possuía como
membros 6.500 personalidades públicas, incluindo senadores, congressistas, membros do
governo, oficiais do Estado, prefeitos, juristas, cléricos, editores entre outros. (GOMES, 2001,
p.60). Cabe ressaltar que muitos judeus norte-americanos foram contrários ao programa de
Biltmore, visto que viam o judaísmo como uma religião de valores universais e não de
nacionalidade.83
83
O Presidente de uma das principais organizações judaicas, Juiz Joseph M. Proskauer, da Suprema Corte de Nova York e presidente do American Jweish Committe, apoio a resolução pedindo a continuação da imigração para a
71
Como visto, as organizações do lobby se esforçaram para influenciar as instituições que
têm mais peso na moldagem da opinião pública e esse exercício permaneceu durante anos. De
acordo com o jornalista e historiador Eric Alterman o lobby israelense é dominado por pessoas
que não conseguem imaginar crítica a Israel, o qual deve ser apoiado de forma reflexiva e
irrestrita. Qualquer crítica levantada a atuação de Israel é considerada pela maioria sionista como
antissemitismo, o que dificulta o pronunciamento das autoridades internas em relação ao conflito.
Além disso, de acordo com dados levantados por Mearsheimer e Walt, a parcialidade editorial a
favor de Israel pode ser encontrada em jornais como New York Times e revistas como Commentary, New Republican e Weekly Stantard.
A atuação do lobby israelense no período estudado teve seu ápice no período anterior e
durante a fundação de Israel. A capacidade de coerção e atuação do lobby foi fundamental
para o apoio do governo a fundação do Estado. Considerou-se a manutenção constante da
atuação do lobby israelense nos governos seguintes. No entanto, foi no governo Nixon,
contexto em que Israel tornou-se o maior receptor de ajuda econômica e militar dos Estados
Unidos, que o lobby reascendeu sua atuação. Para alguns autores, como Mearsheimer e Watl
o apoio a manutenção do arsenal nuclear de Israel só foi possível devido a atuação do lobby.
4.5 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO
O esforço prestado no capítulo consistiu na análise dos fatores causais nos momentos
de variação da aliança de Estados Unidos e Israel. A primeira variável, que corresponde aos
incentivos estruturais dos Estados Unidos para o Oriente Médio, tratada sob a ótica estrutural
da bipolaridade do período da Guerra Fria manteve-se constante no período que tange dos
governos Truman a Kennedy. A segunda variável, correspondente ao lobby israelense no
âmbito interno norte-americano sobressaiu-se no final da década de 40 até metade da década
de 1950, na fundação do Estado e posteriormente a partir do início da década de 1970. Por
fim, constatou-se que a terceira variável a qual refere-se a presença de identidade entre os dois
países no espectro religioso e político trata-se de um fator causal constante que perpassa desde
a construção até a manutenção da aliança dos dois países no período estudado. Os diferentes
Palestina, mas não apoiou a criação de um Estado separado dos árabes. O American Jewish Committe abandonou a Conferência, mantendo a posição de apoio a um plano que convertesse o mandato da Palestina numa administração internacional sob responsabilidade das Nações Unidas. (GOMES, 2001, p.56).
72
impactos das variáveis nos momentos de variação da aliança são clarificados na Figura 3 que
consta a seguir:
INCENTIVOS ESTRUTURAIS IDENTIDADE LOBBY
PERÍODO
Balança de ameaças Incentivos econômicos
APROXIMAÇÃO ESTRUTURAÇÃO
Bipolaridade: política de Assegurar acesso a recursos Identidade política Capacidade
contenção ao comunismo; energéticos estratégicos e com governo organizacional do
GÊNESE DA 1947: Plano Marshall; rotas de comércio; democrático de Israel; lobby desde década
1949: Fundação da OTAN;
Garantia a mercados e
Identidade religiosa:
de 1930 no âmbito
ALIANÇA
(1948-1953) Estratégia: expansão de oportunidades de apoio ao interno dos EUA;
fronteiras políticas investimentos na região; merecimento do povo Lobby na mídia: apoio
estratégicas. Aliança com judeu no retorno do construção do Estado;
petromonarquias do Golfo84
. “seu lar sagrado”; Programa de Biltmore.
Cooptação aos possíveis Manutenção
aliados da URSS – “política
de Golpe Militar M. Mossadegh
boa vizinhança” Eisenhower; Irã: contenção a ameaça da
Aproximação com nacionalização das empresas MANUTENÇÃO MANUTENÇÃO
DISTANCIAMENTO adversários de Israel: Iraque, petrolíferas; (Provável) (Provável)
(1953-1958) Egito (tentativa que falhou) 1956: Nacionalização Suez.
1957: retirada tropas Pressão para evacuação de
israelenses SINAI. aliados do Egito – contenção
a ameaça do nacionalismo;
Balanceamento aos aliados
da URSS/ garantia MANUTENÇÃO MANUTENÇÃO MANUTENÇÃO
superioridade israelense; Tentativas de controlar Identidade política: Governo Nixon 1973:
Conjuntura alianças: políticas autonomistas do garantia Israel torna-se maior
URSS: Egito, Síria, Iraque petróleo superioridade receptor anual de
EUA: Israel, A.S, Jordânia, 1960: criação OPEP econômico e militar assistência direta
REAPROXIMAÇÃO Líbano; 1970: Aumento preço israelense por ser um econômica e militar;
(1958-1973)
Guerra 1967: Israel como petróleo governo democrático Apoio ao programa
trunfo estratégico dos EUA; Início era dependência do no Oriente Médio. nuclear israelense.
Apoio ao programa nucelar Petróleo do Mundo Árabe (Provável) Atuação lobby. 85
israelense: utilizado como
dissuasão a URSS;
Impactos políticos pós Suez.
Figura 3: Aliança Estados Unidos e Israel: contraste de variáveis
84 O termo petromonarquias diz respeito, única e exclusivamente, às monarquias petrolíferas do Golfo: Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos e Catar. (FERABOLLI, 2009, p.96).
85 De acordo com as referências coletadas a respeito da influência do lobby, é possível identificar que sua evolução ocorre após a década de 1980, tendo seu marco nas eleições de 1984. Devido à escassez de fontes que possam identificar atuação no período estudado desta pesquisa considera-se que houve a manutenção da articulação das organizações do lobby pró-Israel no território norte-americano, sendo uma variável constante na aliança dos dois países.
73
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender o processo de formação de alianças no Sistema Internacional, o qual
perpassa a maneira como os Estados comportam-se resulta no entendimento acerca da natureza
dos eventos e fenômenos que moldam o espaço internacional. Em outras palavras, consiste em
compreender o mundo em que vivemos. O complexo processo que determina as diretrizes da
interação dos Estados exerce direta ou indiretamente impacto sobre os problemas sociais
enfrentados por um mundo globalizado e as dinâmicas globais que são refletidas no cotidiano das
pessoas. A construção da aliança de Estados Unidos e Israel é um exemplo deste processo.
Desde a formal fundação do Estado judaico, em 1948, Estados Unidos e Israel firmaram
seu aperto de mãos permanente que jamais fora questionado. Através dos debates constatados ao
longo da estrutura textual apresentada, a pesquisa foi norteada pelo objetivo principal
representado pela tarefa em identificar a relação das variáveis que explicam a construção desta
aliança, tendo como recorte temporal o período que tange de 1948 ao início da década de 1970.
Cada capítulo cumpriu com o propósito em elucidar os objetivos específicos da pesquisa.
Neste sentido, o primeiro capítulo consistiu na adoção de uma abordagem teórica cujo
objetivo foi tratar o problema de pesquisa sob ótica dos três níveis de análise: estrutural,
interacional e das unidades com a finalidade de compreender o processo de formação de
alianças no sistema internacional. Primeiramente foram abordadas as contribuições teóricas de
Relações Internacionais através de uma visão estruturalista das relações internacionais,
considerando a teoria estruturalista de Kenneth Waltz e o Marxismo estruturalista de
Wallerstein. No segundo momento foi abordada a influência do poder das ideias e crenças na
construção de identidades subjetivas dos Estados e como essas identidades afetam as relações
interestatais. E no último momento foi tratado acerca da relação estabelecida entre política
interna e política externa e qual a influência dos insumos de política interna no processo de
tomada de decisão de política externa. A utilização destas teorias como base introdutória da
pesquisa justifica-se pela importância ao servir como cenário para o esforço em estabelecer-se
a relação das variáveis presentes na construção desta aliança, as quais foram tratadas nos
outros capítulos.
O segundo capítulo, de carácter descritivo, delineou-se através de uma revisão
cronológica para estabelecer os pontos de variação identificados na aliança de Estados Unidos
e Israel de 1948 ao início da década de 1970. Identificou-se primeiramente que o marco inicial
para a construção da aliança dos dois países iniciou em 1948, já com o discurso do Presidente
74
Truman em apoio a construção do Estado Judeu. O que posteriormente com o início da
administração Eisenhower culminou no distanciamento, devido aos momentos marcados por
uma relação conflituosa caracterizada pela divergência de interesses entre os dois países na
esfera econômica e securitária. Por fim, constatou-se que o reestabelecimento da aliança
iniciado com a nova política de Kennedy assegurou a reaproximação de Estados Unidos e o
Estado judaico. A elucidação dos pontos de variação da cooperação dos dois países serviu
como alicerce para a análise das varáveis no terceiro capítulo, consideradas os fatores causais
desta aliança.
Já o terceiro capítulo, de caráter analítico, consistiu na análise dos fatores causais da
aliança de Estados Unidos e Israel. Para a identificação do contraste das variáveis nos
momentos de variação da relação dos países foi elaborada uma tabela cujo objetivo foi
elucidar os impactos das variáveis desta pesquisa nos momentos de variação da aliança de
Estados Unidos e Israel.
A partir da análise realizada com a aplicação do método hipotético-dedutivo neste
estudo de caso conclui-se que o processo de construção da aliança dos dois países compõe um
processo multidimensional sustentado através da relação das seguintes variáveis: incentivos
estruturais por parte dos Estados Unidos no Oriente Médio, identidade presente entre as duas
nações no espectro político e religioso e papel exercido pelo lobby israelense no âmbito
interno estadunidense. Constatou-se que as variáveis relacionam-se entre si, porém possuem
impactos diversos nos períodos analisados. O esquema a seguir demonstra a interação das
variáveis de acordo com os níveis de análise considerados:
Figura 4: Modelo de análise: interação das variáveis.
75
Constatou-se que a primeira variável, que corresponde aos incentivos estruturais, o
qual na perspectiva de Waltz é analisado pela balança de ameaças e na perspectiva de
Wallertsein pelos incentivos econômicos, mantém-se constante ao longo do período estudado,
porém com diferentes impactos na aliança com Israel. Observou-se que o balanceamento com
os aliados da URSS foi constante ao passo que afetou a relação com Israel em diferentes
maneiras. Por outro lado, os incentivos econômicos mantiveram-se durante todo o período
tendo em vista a garantia dos Estados Unidos no acesso a recursos energéticos e rotas
comerciais da região. Tais fatores contribuíram para a variação da aliança com Israel. Pois
como visto, no período do distanciamento os incentivos estruturais sobressaíram-se, visto que
a ameaça a aliança com Israel não estava incluída na preocupação dos Estados Unidos.
A segunda variável, a qual refere-se a presença de identidade entre os dois países no
espectro religioso e político trata-se de um fator causal constante no período estudado. Entretanto,
sobressaiu-se no período do apoio a fundação do Estado, tendo em vista a aproximação de
identidade política dos dois países, por ambos serem governos democráticos, bem como a
justificativa do apoio estar enraizada na proximidade religiosa entre as duas nações.
A terceira variável, correspondente ao lobby israelense no âmbito interno norte-
americano teve sua estruturação no período anterior a 1948, o que corroborou para a atuação
das organizações do lobby em promover campanhas que direcionassem a opinião pública
norte americana ao apoio a fundação do Estado judaico. Devido à falta de fontes primárias
para tratar acerca da atuação do lobby israelense, não foi possível obter informações a respeito
do período que tange de 1953 à 1958. Entretanto, dada a capacidade organizacional do lobby
presente no país desde a década de 1930 segundo as fontes analisadas, considera-se que esta
atuação manteve-se constante no país, ainda que em esferas menores do âmbito interno norte-
americano.
Em face de tais conclusões, o esforço prestado na utilização da abordagem teórica
buscou salientar a necessidade do estudo de teorias de Relações Internacionais que
congreguem fenômenos factuais para além do campo das ideias. Trata-se do estímulo a
aplicação do trabalho realizado pelos pesquisadores de Relações Internacionais em fenômenos
internacionais que vivenciamos em nosso cotidiano.
Entretanto, salienta-se algumas limitações impostas a pesquisa. Frente a dificuldade
de acesso a fontes primárias correspondentes a atuação das organizações do lobby no país no
período estudado, tendo em vista a carência de pesquisas aprofundadas sobre essa atuação
face ao questionamento pelos próprios israelenses, não foi possível estabelecer propriamente o
76
período o qual o lobby sobressaiu-se. Porém, a pesquisa cumpriu o seu papel em apresentar a
caracterização da presença coercitiva constante do lobby israelense no âmbito interno norte-
americano no período estudado.
Outra limitação derivou-se da dificuldade de acesso a materiais, livros e artigos, cujo
acesso é privado e muitas vezes restrito ao ambiente norte-americano. O que contribuiu para a
dificuldade de mensuração e aprofundamento da relação de identidade presente entre a
população das duas nações e sua aplicação em relação as diretrizes da política externa norte-
americana.
Tais limitações podem ser traduzidas na proposição de objetos de estudos futuros
acerca do tema. Tendo em vista que o desafio central desta pesquisa consistiu em apresentar a
relação das variáveis explicativas que compõe o processo de construção da aliança de Estados
Unidos e Israel, sugere-se como proposta a elaboração de estudos que possam mensurar as
variáveis que contribuíram para o processo de manutenção desta aliança em um recorte
temporal mais atual, tendo em vista que as relações econômicos e diplomáticas entres os dois
países mantiveram-se constantes mesmo frente a outras conjunturas internacionais. Outra
prospecção possível a pesquisas futuras refere-se a possibilidade de um estudo de campo
correspondente ao levantamento da opinião pública norte-americana em relação a presença de
elementos indentitários com a população israelense e vice e versa. Mensurar esses elementos
contribuiria significativamente para a compreensão da manutenção da aliança dos dois países
no nível da interação.
Por fim, através da verificação das variáveis propostas, a hipótese inicial foi testada:
obtém-se que a aliança de Estados Unidos e Israel trata-se de um processo multidimensional
tratado nesta pesquisa sob o nível de análise estrutural, interacional e das unidades. As
proposições as quais foram mencionadas referem-se a sugestões que traduzem a possibilidade
de estudos aprofundados que possam complementar o esforço prestado nesta pesquisa em
mensurar o que explica a construção da aliança de Estados Unidos e Israel.
77
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