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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE UNI-BH ARTHUR BARRETO PAULA A CONSTRUÇÃO DE UMA LIDERANÇA IRANIANA NO ORIENTE MÉDIO CONCOMITANTE À INVASÃO ESTADUNIDENSE DE 2003 BELO HORIZONTE 2010

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH

ARTHUR BARRETO PAULA

A CONSTRUÇÃO DE UMA LIDERANÇA IRANIANA NO ORIENTE MÉDIO CONCOMITANTE À INVASÃO

ESTADUNIDENSE DE 2003

BELO HORIZONTE 2010

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ARTHUR BARRETO PAULA

A CONSTRUÇÃO DE UMA LIDERANÇA IRANIANA NO ORIENTE MÉDIO CONCOMITANTE À INVASÃO

ESTADUNIDENSE DE 2003

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito para a aprovação da matéria Monografia II e conclusão do curso de Relações Internacionais. Orientador: Professor Túlio Sérgio Henriques Ferreira

BELO HORIZONTE 2010

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RESUMO

Após os ataques de 11 de Setembro de 2001 e o constante temor do terrorismo ao

redor do globo, nota-se o crescimento da projeção do Oriente Médio no cenário

internacional, tornando cada vez mais evidente a preocupação das grandes

potências com possíveis erupções de lideranças regionais. Neste presente estudo,

será analisada a situação do Irã no contexto regional, permeada pela tentativa

estadunidense de disseminação de seus valores democráticos na região. Utilizando-

se da conceituação Gramsciana de hegemonia para avaliar a posição norte-

americana perante o Sistema Internacional, estabelecemos como ponto de

referência para a análise os eventos de 2003 da Guerra do Iraque. A partir de então,

podemos estabelecer parâmetros para a seguinte questão: seria o Irã o grande

vencedor da Guerra? Para que seja respondida esta questão, será considerada a

capacidade de Irã e Iraque para cooperar apesar de seus históricos atritos, o papel

do Irã após a queda de Saddam, bem como o histórico da diplomacia estadunidense

no Oriente Médio e todos os desafios inerentes a ela.

Palavras-chave: Irã; EUA; Política Externa; Guerra do Iraque; Oriente Médio;

Hegemonia.

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ABSTRACT

After the events of 9/11 and the growing fear of terrorism around the globe, there is a

huge growth of importance of the Middle East on the international system, becoming

evident the concern of great powers with possible outbreaks of regional leaders. In

this study, we will analyze the situation of Iran in a regional context, permeated by

the U.S. attempt to spread its democratic values in the region. Using Gramsci‘s

concept of hegemony to evaluate the U.S. position leading the International System,

we have established as a reference point for this analysis the events occurred in

2003 Iraq War. Since then, we can establish parameters for the following question: is

Iran the great winner of the Iraq War? To be capable of answering that question, we

will consider the ability of Iran and Iraq to cooperate despite their historical

disaffections, the role of Iran after the fall of Saddam and a brief history of American

diplomacy in the Middle East and all challenges inherent by it.

Key-words: Iran; United States; International Politics; Iraq War; Hegemony.

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1 - INTRODUÇÃO

É visível como é galopante o crescimento da importância e notoriedade do Oriente

Médio na arena internacional. Contudo, seria imprudente afirmar que este é um

‗fenômeno‘ estritamente contemporâneo. A constante luta pela obtenção de

combustíveis fósseis e o temor pela possível erupção de potências regionais de

cunho fundamentalista são fatores condicionantes para a atenção concedida por

países do Hemisfério Norte a este determinado espaço do globo.

Especialmente no século XXI, os debates de segurança encontram-se voltados

majoritariamente à iminência do ataques terroristas e uma nomeada ―Guerra ao

Terror‖ encabeçada pelos EUA. Neste presente trabalho, o objetivo é apresentar

uma análise restrita ao caso iraniano, mas com uma abrangência temporal capaz de

contemplar eventos remotos capazes de corroborar e ilustrar a premissa de que, em

diversos momentos históricos, este país esteve presente no campo de atenção

estadunidense, sendo determinante para a decisão da estratégia de ação no Oriente

Médio. Ao caso iraniano também devemos salientar as mudanças ocorrentes após a

queda de Saddam Hussein no Iraque, fator crucial para a mudança da dinâmica de

poder da região. Após 2003, é notada uma alteração expressiva na diplomacia

iraniana para com seus vizinhos.

O foco específico no Irã se deve a dois fatores: primeiramente, este país tem se

mostrado como um grande desafio para a diplomacia norte-americana pelo caráter

arrojado e supostamente destemido de seu líder Mahmoud Ahmadinejad; em

segundo lugar, pela crescente importância da securitização dos temas em Relações

Internacionais, sendo a obtenção de Armas de Destruição em Massa a maior das

preocupações. E é justamente o desenvolvimento do programa nuclear iraniano que

desperta tanto receio.

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Ademais, segundo Mearsheimer(2007), o Irã é, atualmente, o Estado Islâmico mais

poderoso no Golfo Pérsico, com potencial para dominar uma das regiões

notabilizadas por sua riqueza em petróleo.

Iraq had been Iran‘s principal rival in the region, but it is now a divided and wartorn society and is in no position to check Iran. Iran has links to several of the dominant Shia factions in Iraq, giving it far more influence over Iraq‘s evolution than it possessed when Saddam Hussein ruled in Baghdad. This dramatic shift in the regional balance of power explains why some believe that ―Iran looks like the winner of the Iraq War.‖(MEARSHEIMER, 2007, p. 281)

Portanto, este estudo será dividido em quatro partes: primeiramente, uma elucidação

teórica a respeito de conceitos essenciais para a compreensão da análise, incluindo

hegemonia e balanceamento de poder; em um segundo momento, uma

apresentação do histórico do relacionamento Irã-Iraque, englobando condicionantes

de uma possível rivalidade, bem como evidências empíricas de cooperação; terceiro,

o histórico da diplomacia estadunidense em relação aos países do Oriente Médio,

em especial o Irã e, por fim, uma conclusão das mudanças ocorrentes na balança de

poder local após os eventos da ―Guerra do Iraque‖ em 2003.

2 - A HEGEMONIA NOS TERMOS DE GRAMSCI

Para a presente análise, é importante que haja uma apresentação teórica do termo

hegemonia, uma vez que tem se tornado cada vez mais questionável a posição

estadunidense perante os outros países do Sistema Internacional. Inclusive, a

própria conceituação do Sistema Internacional no mundo Pós-Guerra Fria se faz

necessária.

2.1 - O Sistema Internacional no Pós-Guerra Fria

Podemos caracterizar a configuração do Sistema ao início da década de 90 pela

alteração substancial no nível de análise, principalmente em decorrência da força

recente de dois fatores: instabilidade e imprevisibilidade. Dependendo do foco dado,

era possível prever cenários diametralmente distintos. O primeiro, de uma relativa

estabilidade após um grande período de fricções, enquanto o outro previa

justamente o avanço da instabilidade, através da erupção de novos conflitos

regionais pela disputa de poder.

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Contudo, o que não se pode desconsiderar é o fato de que, ao longo das últimas

cinco décadas, os EUA acumularam grande poder, principalmente econômico e

militar. O debate acerca do Sistema Internacional, portanto, passa a girar em torno

da capacidade dos norte-americanos de se sustentar em uma possível condição de

hegemon. Este é o questionamento da viabilidade de estabelecimento de um

sistema unipolar.

Se no campo econômico podemos perceber uma condição de maior equilíbrio com a

projeção de países europeus e o Japão, o campo da segurança ainda apresentava

uma proeminência norte-americana. Suas capacidades militares ainda eram as

maiores do mundo, acima de qualquer suspeita. Além de obter um orçamento

superior às outras potências, passava a ser o único país no mundo capaz de realizar

investidas militares em qualquer lugar do globo.

O aumento da cooperação internacional é percebido pela expansão expressiva da

atuação de Organizações Internacionais e Organizações Não-Governamentais na

discussão de temas econômicos, em sua maioria, e técnico-estratégicas. Intensifica-

se o escopo de ação de instituições como a Organização Mundial do

Comércio(OMC) e das instituições de Bretton Woods, assim como percebemos uma

maior força dos blocos comerciais e uma nova onda de integração regional.

Concluindo, a transição é então feita entre um sistema de ordem bipolar, com a

disputa armamentista e econômica entre as superpotências EUA e URSS, para um

sistema ―unimultipolar‖1. Neste sistema, os EUA continuam como hegemônicos, mas

com a companhia incômoda de potências regionais em ascensão, como Alemanha,

Japão, China, Rússia, Índia e Brasil. Cabe frisar que todos os países citados

anteriormente não estão no mesmo patamar de desenvolvimento, mas cada um

merece o devido destaque por sua capacidade de projeção de poder regional.

1 Com a apresentação deste conceito, destaco a autoria de Samuel Huntington (Choque das Civilizações e a

Recomposição da Ordem Mundial, 1993). Huntington previa que a fragmentação e o posterior alinhamento dos

países em blocos regionais delineados por suas raízes culturais levaria ao „Choque das Civilizações‟.

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2.2 – A construção do termo ‘hegemonia’

Para a construção deste termo na presente análise, serão utilizados os preceitos

gramscianos, cujas idéias de hegemonia seguem duas correntes principais: A

primeira é originada dos debates da Terceira Internacional sobre a estratégia da

Revolução Bolchevique e a possibilidade de criação de um Estado socialista

soviético; A outra, oriunda dos textos de Maquiavel.

Pode-se dizer que o prodígio de Gramsci consiste no viés dado à primeira corrente:

aplicada à burguesia, aos mecanismos de hegemonia da classe dominante. E é

justamente esta visão de hegemonia que faz com que Gramsci amplie seus

horizontes no que diz respeito à conceituação de Estado. Segundo ele, quando todo

o aparato administrativo, executivo e coercitivo do governo estava subordinado à

hegemonia da classe dirigente de uma formação social inteira, não seria coerente

limitar a definição de Estado àqueles elementos tradicionais do governo. Para que

fosse completa, a noção estatal deveria também englobar os preceitos da estrutura

política da sociedade civil.

Entretanto, não podemos afirmar que Gramsci desconsiderava a segunda corrente.

Também era de seu interesse encontrar a liderança e bases de apoio ideais para

configurar uma alternativa para o fascismo. Segundo ele, a imagem do poder seria

metaforizada como um centauro: metade homem, metade animal. Esta seria uma

combinação necessária de consentimento e coerção. Enquanto o aspecto

consensual do poder estiver em primeiro plano, o hegemon será capaz de perdurar.

Tal coerção deverá estar sempre latente, mas somente deverá ser aplicada em

casos marginais, anômalos.

Todos os conceitos apresentados são formulados acerca das relações sociais, mas

o próprio Gramsci escreve sobre sua aplicabilidade nas relações internacionais:

As relações internacionais precedem ou derivam (logicamente) das relações sociais fundamentais? Não há dúvida que derivam. Qualquer inovação orgânica da estrutura social, por meio de suas expressões técnico-militares,

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também modifica organicamente relações absolutas e relativas no campo internacional.(GRAMSCI, 1971. In: GILL, 1993. p. 113)

Gramsci não ignorava, de forma alguma, o papel do Estado nas relações

internacionais, mantendo-o como entidade básica. O Estado era o palco onde

aconteciam os conflitos sociais e, portanto, é o lugar onde as hegemonias das

classes sociais podem ser construídas. Partindo para o plano da política externa, as

potências teriam uma liberdade maior de determinar suas políticas externas em

termos de seus interesses nacionais. Tal autonomia não pode ser observada para as

potências menores.

Tendo exposto os preceitos conceituais gramscianos, partimos para a conceituação

ipsis litteris do termo ‗hegemonia‘. Este termo é constantemente utilizado para

indicar o domínio de um país sobre outros, sendo vinculado exclusivamente a um

relacionamento interestatal. Através de uma análise histórica, partindo da

hegemonia britânica do século XIX até a hegemonia norte-americana do pós

Segunda Guerra Mundial, Gramsci constata que, para se tornar hegemônico, um

Estado deve estabelecer uma ordem que seja universal, não sendo necessária uma

exploração de outros. Isto porque todos considerariam os interesses do hegemon

compatíveis diretamente com seus interesses. Seria uma hegemonia pelo consenso.

O conceito de hegemonia em termos mundiais não pode ser fundamentado somente

na regulação de conflitos interestatais, mas também numa sociedade civil concebida

mundialmente. Deverá ser, portanto, uma projeção externa da hegemonia nacional

estabelecida por uma classe social dominante.

Concluindo, a hegemonia no âmbito internacional não deve ser unicamente um

ordenamento estatal. Nas palavras de Cox(1983):

É uma ordem no interior de uma economia mundial com um modo de produção dominante que penetra todos os países e se vincula a outros modos de produção subordinados. (…) A hegemonia mundial pode ser definida como uma estrutura social, uma estrutura econômica e uma estrutura política, e não pode ser apenas uma dessas estruturas tem de ser todas as três ao mesmo tempo. Além disso, a hegemonia mundial se

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expressa em normas, instituições e mecanismos universais que estabelecem regras gerais de comportamento para os estados e para as forças da sociedade civil que atuam além das fronteiras nacionais – regras que apóiam o modo de produção dominante.

3 - IRÃ-IRAQUE: RIVALIDADE HISTÓRICA OU COOPERAÇÃO REGIONAL?

Em qualquer discussão apresentada acerca de países que, supostamente, lutam por

uma hegemonia regional, é natural que o argumento da rivalidade exacerbada possa

vir à tona. Evidentemente, em uma região tão fragmentada e instável como o Oriente

Médio, a força desse nível de argumento pode parecer ainda maior.

Entretanto, analisando evidências empíricas, o que pode se revelar é algo diferente

do esperado. Ainda que possamos afirmar que estes dois países dominam a agenda

de segurança da região principalmente desde o confronto de 1988, é, de certa

forma, imprudente e certamente incorreto afirmar que estes são destinados à

rivalidade por eventos remetentes a milênios de história. Qualquer afirmação a

respeito de animosidades locais deve ser concentrada em atritos bem mais

recentes.

3.1 – A Revolução Iraniana de 1979

Dentre eventos recentes com implicações relevantes no relacionamento político-

diplomático do Irã para com os outros Estados analisados neste presente trabalho,

cabe destaque inicial à revolução Iraniana de 1979. Além de sua relevância regional,

não se pode desconsiderar a importância mundial destes acontecimentos, uma vez

que, conforme Nayeri e Nassab (2006), esta foi a maior insurgência urbana desde a

Revolução Russa de 1917.

O Irã, anteriormente governado pelo xá Reza Pahvlevi, estabelecia-se então como

um novo regime organizado através de diretrizes religiosas. Assim, com a

declaração oficial de uma República Islâmica, a autoridade suprema encontrava-se

centralizada na figura do líder aiatolá Khomeini. O governo perde sua estrutura

monárquica autocrática pró-Ocidente para assumir um caráter de república populista

teocrática islâmica.

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Mesmo assim, ainda que a Revolução Islâmica tenha mudado as estruturas sociais

e a fundação da legitimidade do Estado iraniano (o artigo 56 da Constituição de

1979 preza a soberania divina2), a estrutura básica de governo permanece não-

democrática.

Em contraposição, sob o comando do então recentemente eleito Saddam Hussein, o

Iraque viria a perceber o Irã como uma grande ameaça e, mais do que isso, um

desafio para sua política externa. Vivendo o início de um regime autocrático e de

extrema perseguição religiosa, toda e qualquer tentativa de ação coordenada entre

estes Estados a partir destes eventos tornava-se extremamente improvável.

É importante ressaltar que, a partir deste momento, é notável a mudança no

comportamento não somente do líder iraquiano, mas da grande maioria dos Estados

do Golfo Pérsico. Segundo de Boer (2009), a mudança de orientação na política

exterior do Irã a partir de 79 pode ser considerada fator crucial à criação do

Conselho de Cooperação do Golfo, em 1981. Este conselho foi constituído por

Arábia Saudita, Kuwait, Omã, Qatar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos.

Os demais Estados do Golfo se sentiam ameaçados pela nova linha de governo

iraniana. Assim, com o apoio tanto dos EUA como do Reino Unido, estabeleceram,

através deste conselho, uma espécie de mecanismo de proteção local, neutralizando

fricções que pareciam ser inevitáveis, dadas as divergências ideológicas aguçadas

pela revolução.

3.2 – A Guerra Irã-Iraque

O argumento de que estes dois Estados não são historicamente destinados à

rivalidade pode ser corroborado através de uma análise realista do conflito Irã-Iraque

2 Article 56

Absolute sovereignty over the world and man belongs to God, and it is He Who has made man master of his own

social destiny. No one can deprive man of this divine right, nor subordinate it to the vested interests of a

particular individual or group. The people are to exercise this divine right in the manner specified in the

following articles. (The Constitution of Islamic Republic of Iran). Disponível em: <

http://www.iranchamber.com/government/laws/constitution.php > Acesso em 30 set 2010

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durante a década de 80. Segundo as palavras de Mearsheimer (2001), a região do

Golfo Pérsico pode ser identificada como uma Multipolaridade Desequilibrada3.

Neste caso, não obstante a atuação marcante dos chamados offshore balancers 4

EUA e URSS, trata-se de um conflito envolvendo, em última instância, nada mais

que disputas territoriais, influências políticas e sobrevivência estatal. Sobre este tipo

de ação das potências, Mearsheimer(2001) constata que:

Furthermore, if a potential hegemon emerges among them, the great powers in that region might be able to contain it by themselves, allowing the distant hegemon to remain safely on the sidelines. Of course, if the local great powers were unable to do the job, the distant hegemon would take the appropriate measures to deal with the threatening state. The United States, as noted, has assumed that burden on four separate occasions in the twentieth century, which is why it is commonly referred to as an offshore balancer.(MEARSHEIMER, 2001. p. 42)

Ainda que origens étnicas e fatores geográficos possam ser fatores condicionantes

deste enfrentamento, seus maiores catalisadores não têm origens tão remotas. Pelo

lado iraniano, toda a mudança da configuração política e sua conotação religiosa

acirrou ainda mais os ânimos locais e, pelo lado iraquiano, a arrojada e agressiva

política externa revisionista de seu atual líder.

Este conflito pode ser considerado de longa extensão de acordo com os padrões

contemporâneos, e, apesar das partes não poderem ser avaliadas como grandes

potências industriais e econômicas, seus exércitos eram baseados em forte

estrutura bélica do fim do século XIX e início do século XX. Entretanto, a ilusão de

uma possível vitória levou a um engajamento excessivo, que acabou por frustrar

ambos os lados na busca da vitória. Como nas palavras de Baylis, et al.(2007):

(…) the Iran-Iraq War likely was the major conflict of the type that marked the Industrial Age: a huge clash of tanks, artillery, and infantry, but without the ―smart munitions‖ and other high technology that is closely associated with the ―American way of war.‖ The war was one of the longest interstate conflicts of the twentieth century—longer, indeed, than either of the World Wars—but entirely frustrating to both sides. Even the use of weapons of mass destruction (albeit rather crude chemical weapons, not nuclear, or even advanced chemical or biological, munitions) did not break the stalemate. Iraq and Iranian troops suffered the effects of modern weapons but neither of the armies using those devices seized victory. (BAYLIS, et al. pg. 10)

3 Nesta configuração, não existe disparidade de poder entre os Estados, havendo distribuição próxima de uma

possível equivalência entre grande parte destes. Assim, o grau de instabilidade e a possibilidade de erupção de

conflitos é iminente, uma vez que a luta pela hegemonia local permanece sempre acesa. 4 Atuação de grandes Estados para além de suas fronteiras, principalmente em outros continentes, no intuito de

impedir a insurgência de lideranças indesejadas, que possam vir a disseminar valores políticos, sociais e

econômicos incompatíveis com seus interesses. Tal prática é extremamente comum justamente neste período da

Guerra Fria. Seria a configuração de sistema mais instável conhecida. (Mearsheimer, John. The Tragedy of Great

Power Politics. Cap. 7, 8)

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3.3 – Possibilidades de Cooperação

Ainda que o papel desintegrador exercido pelas realidades econômicas e

geopolíticas destes dois países sob análise não possa ser subestimado, os vizinhos

Irã e Iraque vem demonstrando uma importante capacidade de estabelecer

cooperação bi e multilateral na busca incessante pela segurança da região do Golfo

desde o encerramento do conflito em 1988. O reestabelecimento de laços

diplomáticos, uma considerável reaproximação econômica bem como um avanço

nas discussões acerca de temas cruciais como a defesa de fronteiras e prisioneiros

de guerra são alguns dos exemplos desta capacidade e, mais do que isto, a

intenção de cooperar.

Ademais, na busca de um maior compartilhamento de interesses duradouro e

institucionalizado, deve ser salientada também a capacidade de criação de acordos

técnicos de âmbito multilateral, envolvendo parceiros significativos.

Em termos de segurança, podemos destacar a assinatura de acordos de

cooperação em 2005. O primeiro, assinado em julho, regulamentaria uma

cooperação militar entre as partes, incluindo treinamento militar de tropas iraquianas

por oficiais iranianos. Este acordo foi exaltado pelo Ministro da Defesa Iraniano, o

Almirante Ali Shamkhani, uma vez que este era um avanço nas relações

diplomáticas entre os países desde os atritos da década de 80. Além do mais,

mostrava o caráter das ações do Irã para com seus vizinhos transfronteiriços,

contrariando acusações de uma possível tentativa de implementação de relações

unilaterais entre os dois países. Já o segundo, assinado em dezembro, consistia em

um plano de acordo para ações conjuntas intentando a eliminar minas terrestres

plantadas durante o conflito. Segundo dados do Ministério da Saúde Iraquiano,

estima-se que as minas deixaram mais de 2000 pessoas mutiladas após o cessar-

fogo em 1988.

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No plano econômico, é inevitável que exista ao menos o mínimo de cooperação

entre os dois países, ainda que existam algumas divergências políticas. Após o fim

do regime de Saddam Hussein, houve a proposta de implementação de uma Zona

de Livre Comércio entre estes países, uma vez que houve um incremento das

transações bilaterais de mais de 150% desde 2006 (de $1,5 bi para $4,0 bi em

2009).5 Além deste tipo de acordo, o Irã já mostrou interesse em abrir instituições

bancárias em Bagdá.

Já existe, inclusive, um acordo formal fomentando a integração econômica destes

dois países. Um memorando assinado em 2009 visa remover possíveis obstáculos

de transação. Esta proposta aborda até mesmo setores delicados na região como o

setor energético. Um acordo firmado em 2010 prevê a exportação de

aproximadamente 19.000 barris de diesel por dia para o Iraque. Este contrato,

avaliado em torno de $600 mi, é capaz de suprir a necessidade iraquiana por todo o

ano.6

Neste mesmo ano de 2010, como exemplo desta cooperação técnica, está o

encontro de importantes líderes de Turquia, Síria, Irã e Iraque para uma ação

coordenada de proteção do meio ambiente, das florestas e prevenção de

queimadas. O Ministro do Meio Ambiente turco Veysel Eroglu, Ministro do Meio

Ambiente iraquiano Nermin Othman, Ministro Sírio para Questões Ambientais

Kawkab Dayeh, além do Vice Presidente iraniano para a Proteção Ambiental

Mohammad Javad Mohammadizadeh se reuniram em Ancara para a assinatura e

anúncio da ―Declaração de Ancara‖, estabelecendo um plano de ação para o biênio

2010-2011. Este plano consistiria em um aprimoramento nos estudos

meteorológicos, bem como a criação de banco de dados para consolidação de um

sistema de alerta para desastres ambientais.

5 Fonte: “Iran To Open FTZ On Border With Iraq,” Press TV, 14 de Agosto de 2008; Kenneth Katzman, “Iran‟s

Activities and Influence in Iraq,” Congressional Research Service, 13 de Fevereiro 2009 6 Fonte: “Iran to Sell Diesel to Iraq – agency,” Reuters, 25 de Janeiro de

2010<http://televisionwashington.com/floater_article1.aspx?lang=en&t=1&id=17400>

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Por fim, no campo diplomático, tem-se percebido grande evolução assim como

análises anteriores. Ainda que persistam elementos de desentendimento, como a

recente ocupação iraniana de poços de petróleo na província iraquiana de Maysan,

caminhamos para uma manutenção de laços diplomáticos estreitos entre os

representantes de governo dos dois países. Visitas como a de Ahmadinejad ao

Iraque em 2008 tem sido mais constantes, visando a institucionalização de acordos

de segurança, bem como a coordenação nas ações inter e intraregionais.

Então, por mais que possam parecer irremediáveis os atritos locais, por sua origem

étnica e geopolítica, os fatos mostram que, principalmente após a queda de Saddam

em 2003, as atitudes dos governantes dos dois países indicam uma capacidade

maior de integração, o que reduziria os atritos locais, beneficiando o

desenvolvimento local.

3.4 – O Papel do Irã no Iraque após 2003

Os grupos iranianos no Iraque ganharam considerável força não somente após a

invasão do Iraque em 2003, mas desde o início do Governo de George W. Bush.

Pode-se dizer que os EUA retiraram a grande fonte de insegurança do Golfo e, mais

do que isso, o maior rival potencial do Irã.

É de interesse da população iraniana que sejam mantidas boas e estáveis relações

com o Iraque por suas origens e pelas prioridades culturais e religiosas. Não seria

falacioso afirmar também que este é um interesse comum dos iraquianos. O governo

iraniano tem feito grandes esforços para tentar manter a segurança de imigrantes

que transitam pela fronteira Irã-Iraque desde as invasões. Famílias de soldados e

civis mortos na guerra conclamam a necessidade de que estes não tenham falecido

em vão.

Além do que, estabelecer laços com o ―novo Iraque‖ poderia ser um importante

ponto de convergência com os EUA, auxiliando no balanceamento de poder com o

restante do mundo árabe. Evidentemente, a preocupação consiste na possibilidade

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de estes laços comprometerem o alcance de objetivos estratégicos nacionais. As

elites iranianas concordam que o Iraque pós-invasão apresente igualmente desafios

e oportunidades. Não seria de interesse, porém, do Conselho Nacional de

Segurança do Irã espalhar insegurança e instabilidade pelo Iraque. A manutenção

da segurança acaba por ser a principal diretriz das ações iranianas no Iraque.

Outra meta do Irã nesta investida em seu país vizinho é o estabelecimento de

acordos e oportunidades econômico-culturais e políticas. Atualmente, dadas as

circunstancias comerciais presentes, o Irã tem a capacidade de suprir os mercados

de seus vizinhos, criando oportunidades de crescimento e expansão para as

indústrias locais.

Por fim, um dos fatores que mais preocupa o lado estadunidense da questão é o alto

nível de relacionamento entre o Governo Iraniano e as facções Iraquianas. As

autoridades iranianas vem tentando manter um alto nível de influência com grande

parte, se não a totalidade, das facções Shia. Estes contatos existem

independentemente das tentativas norte-americanas de minar as relações políticas

iranianas com os grupos de interesse remanescentes no Iraque.

4 – A DIPLOMACIA ESTADUNIDENSE NO ORIENTE MÉDIO

Desde a Revolução Iraniana, é uma forte crença dos formadores de Política Externa

dos Estados Unidos o fato de que, caso o Islamismo ascenda ao poder, este

passará a buscar um viés de maior confrontação com os interesses estadunidenses

e seus objetivos estratégicos na região, incluindo o acesso a reservas de petróleo,

cooperação militar e a manutenção da segurança de Israel. Contudo, a situação dos

EUA em relação ao Oriente Médio, principalmente no que concerne ao Irã, atingiu

um ponto decisório crucial. Isto porque não é mais possível manter as diretrizes de

ação para com esta região no passado. As atitudes eram planejadas a curtíssimo

prazo, tendo que ser redesenhadas após cada crise, de modo preemptivo, à mercê

dos próximos acontecimentos e de suas possíveis implicações políticas e

diplomáticas.

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A entrada de grupos como o Hamas(Palestina) e o HezBollah(Líbano) no cenário

político internacional de maneira mais contundente acabou por dificultar ainda mais

a atuação da diplomacia norte-americana na região, aumentando ainda mais o temor

dos regimes Islamistas. Por trás destes regimes, figura um receio mais

contemporâneo, porém não menos significativo: o terrorismo. Assim, com a

manutenção de milícias armadas e a utilização da força, ficava mais evidente a

necessidade de reformulação das diretrizes de Política Externa nesta região.

Ainda que houvesse um caráter ‗doutrinador‘ em algumas intervenções, o foco era

estritamente econômico e buscando vantagens comerciais. Assim, estando mantido

o regime político de cada país, o principal fator motriz das crises era mantido, sendo

uma nova tensão somente questão de tempo. O que pode ser constatado é que o a

Política Externa estadunidense na contemporaneidade carrega consigo um caráter

‗democratizador‘, no intuito de corrigir justamente esta deficiência.

Contudo, cabe apenas apontar que os regimes Árabes não estão invariavelmente

ligados ao terrorismo. Governos de países como Egito, Síria e Algéria têm uma

história própria de combate aos grupos extremistas. A única dificuldade consiste

justamente na identificação e diferenciação de governos extremistas e ‗não-

violentos‘. Estes governos sofrem ainda com cerceamentos de direitos no que

tange sua participação política na arena internacional.

Many of these groups exist in what some experts call a ―gray zone,‖ in which their participation in politics is permitted but limited. Since these so-called ―moderate‖ Islamist groups have renounced violence and terrorism, it would seem logical that U.S efforts to promote Arab democracy would include seeking more rights for all legitimate actors, including these Islamists. However, circumstances differ across the Arab world, and democracy promotion in the Middle East is a complex issue with many outstanding questions, particularly when examining Islamism. This report examines how U.S. democracy promotion efforts interact with the political realities on the ground in three Arab countries (Morocco, Egypt, and Jordan) and raises the following questions: Who are the Islamists? (SHARP, 2006. p. CRS-2)

4.1 – As mudanças pós 11/09

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As evidências históricas nos mostram que o planejamento de política externa é de

suma importância, não só em seu planejamento, mas também na coerência das

medidas tomada em relação a estas diretrizes. Todavia, eventos ocorridos

principalmente neste século XXI foram responsáveis por mudanças no curso das

ações estadunidenses em relação ao Oriente Médio.

Com tais mudanças, é verificada também uma necessidade de mudança interna,

uma readequação nos padrões de ação da diplomacia norte-americana nos anos

subseqüentes ao ataque. Estas constatações são feitas por um estudo realizado em

2004 pelo ‗Institute for the Study of Diplomacy‘7 com diplomatas, embaixadores e

oficiais do corpo diplomático dos EUA. Segundo este, a diplomacia estadunidense

tem sofrido dura pressão que afetou profundamente seu modus operandi no exterior.

Bem como na atitude, nota-se uma agressividade e arrojo maior no planejamento e

gestão das instituições. Um aumento de recursos (financeiros e de pessoal)

destinado ao Departamento de Estado pelo Secretário Colin Powell foi muito bem

visto pelos diplomatas, apesar de reconhecerem que ainda não seria o suficiente

para os desafios deste combate ao terror.

Os atentados de 11/9 se enquadram nos acontecimentos que tiveram papel

relevante no processo de reordenamento do poder mundial. Não somente

catalisaram esses ajustes, como culminaram no desmoronamento da sensação de

invulnerabilidade norte-americana, acarretando em mudanças substanciais na

política externa norte-americana, culminando na criação do que posteriormente ficou

conhecido como a ―Doutrina Bush‖. Foram então determinados, em nome da

segurança nacional, possíveis alvos de intervenção denominados ―Eixo do Mal‖: Irã,

Iraque, Coréia do Norte, acenando para medidas unilaterais e preventivas contra

qualquer perigo à segurança nacional.

7 MELIA, Thomas O. How Terrorism Affects American Diplomacy. Disponível em:

<http://www.guisd.org/terrorism_diplomacy.pdf> Acesso em 02 Mai 2010

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O Governo lança então o que viria ser a principal referência da Doutrina, a adoção

de Guerra Preventiva. Neste caso, o palco da guerra deveria ser em solo inimigo.

Invasões e ataques retaliatórios seriam capazes de manifestar o repúdio aos valores

incrustados nas atitudes de grupos extremistas, bem como tentar recuperar parte do

prestígio e respeito maculados após os ataques. Contudo, tal embate não poderia

obter sucesso sem o consentimento e, mais do que isto, o apoio da sociedade civil.

George W. Bush orquestra, então, sua Guerra Psicológica, manipulando medo e

ansiedade coletivos, criando a névoa de uma constante ameaça de novos

ataques(inclusive biológicos).

A partir de 2002, portanto, é percebido um engajamento que há muito não podia ser

percebido por parte dos EUA. Trazendo para si a responsabilidade concedida

somente às superpotências, Bush argumentava que era necessário responder a

estas atitudes para que não fosse criada uma imagem de impunidade no Sistema

Internacional. Apesar desta responsabilidade e de sua posição privilegiada, os EUA

podem finalmente estar vivenciando a sua própria queda hegemônica.

4.2 – O relacionamento Irã - EUA

A análise dos eventos anteriores no relacionamento Teerã – Washington é um

mecanismo de extrema valia para uma análise e compreensão dos atuais atritos

entre estes dois países. Desde o início de suas relações diplomáticas oficiais em

1856, um histórico misto de cooperação e atrito pode ser percebido entre as partes.

O Irã é considerado um desafio maior aos estadunidenses se comparado a países

como a Síria. Ambos apóiam o Hezbollah, Hamas e a Guerra Santa Islâmica (Jihad),

além de serem potenciais ameaças nucleares. Porém, o Irã se destaca por alguns

fatores: Em primeiro lugar, por estar completando o ciclo de desenvolvimento da

tecnologia nuclear, principalmente no que concerne o enriquecimento de urânio. Em

segundo lugar, pelas polêmicas declarações de líderes iranianos que ignoram

alguns fatos e até mesmo questionam a existência do Holocausto e impugnam o

direito à existência de Israel. Por fim, pelo fato de o Irã configurar a maior força

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Islâmica na região do Golfo Pérsico, região esta de suma importância econômica

pelas reservas de petróleo.

O ponto crítico, de fato, é a Revolução Iraniana de 1979, bem como os efeitos do

choque do petróleo da mesma década de 1970. Entre 1953 e 1979, Irã e EUA

mantiveram boas relações, mas a derrocada do Xá Mohammad Reza Pahlevi e a

transformação do Irã em um regime Islâmico azedou as relações político-

diplomáticas entre o maior expoente ocidental e os iranianos. Israel também tem

mantido relações diplomáticas ruins desde a chegada do aiatolá Khomeini ao poder.

Entretanto, a década de 80 representou certa panacéia neste relacionamento, uma

vez que todas as atenções iranianas estavam concentradas no embate contra o

vizinho Iraque, não havendo energia e recursos suficientes para qualquer tipo de

ameaça.

No começo de 1993, com o início da administração Clinton nos EUA, representantes

de Israel iniciavam seus questionamentos ao curso de ação que vinha sendo tomado

pelos iranianos, que passavam a ser vistos como uma ameaça. Clinton então

desenvolveu o que veio a ser chamado de ―dual containment‖, que lidava com as

preocupações tanto de Saddam Hussein no Iraque quanto da Republica Islâmica.

Durante este período, as relações eram pautadas quase exclusivamente em termos

econômicos e acerca da negociação envolvendo transações de barris de petróleo.

Porém, não se pode dizer que houve qualquer tipo de avanço nas relações entre os

EUA e o Oriente Médio neste período. Como nas palavras de Gregory Gause(1994):

The dual containment policy is shot through with logical flaws and practical inconsistencies and is based on faulty geopolitical premises. It is hard to see how either Iraq or Iran could be contained, in the administration‘s sense, without the cooperation of its hostile counterpart. American allies in the region and elsewhere have shown no enthusiasm for dual containment, making its implementation highly problematic. Dual containment offers no guidelines for dealing with change in the gulf, and it ties American policy to an inherently unstable regional status quo. Worse yet, it assigns to the United States a unilateral role in managing gulf security issues at a time when the American capacity to influence events in Iran and Iraq is at best limited. The policy could end up encouraging the very results, regional

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conflict and increased Iranian power, that the United States seeks to prevent. (GAUSE III, 1994. p. 56)

A administração Bush, concomitantemente com os ataques de 11/09, representa o

abandono ao ―dual containment‖ e a busca por objetivos mais arrojados e, na

mesma medida, arriscados. Quanto ao lado iraquiano, não entraremos no mérito da

invasão e retirada de Saddam Hussein no poder, o que representa exatamente o

oposto do propósito de Clinton. Já pelo lado iraniano, os atritos giram em torno de

seu programa nuclear, e da desaprovação dos estadunidenses em relação aos

rumos tomados por um Estado estritamente guiado por rumos religiosos, na figura

de um extremista que tem amedrontado até mesmo aos mais anti-ortodoxos,

Mahmoud Ahmadinejad.

4.2.1 – Sanções econômicas como instrumento de coerção e regulação

Assim como citado anteriormente, o ano de 1979 deve ser analisado com maiores

rigor e atenção no que tange o relacionamento entre Irã e EUA. Este ano marcou o

fim de uma relação simbiótica entre os dois países, na qual o primeiro garantia os

interesses políticos e econômicos dos norte-americanos no Golfo Pérsico, enquanto

o segundo prestava auxílio na manutenção da legitimidade de poder do Xá.

Com o fim desta dinâmica de cooperação, o que se percebe é uma nova linha de

conduta estadunidense, que intenta conter os avanços de um regime, desta feita,

teocrático. Fayazmanesh (2001), apresenta breve lista de sanções econômicas

registradas entre 1979 e 1997, incluindo a (1) ordem executiva de 14 de Novembro

de 1979 bloqueando propriedades ou interesses de propriedades ao governo

iraniano; (2) ordens executivas de 7 e 17 de abril de 1980, estendendo as sanções

incluindo o banimento de qualquer comércio ou viagem entre Irã e EUA; (3) a

designação de 13 de janeiro de 1984, indicando o Irã como sustentáculo do

terrorismo internacional, cessando qualquer tipo de apoio internacional, empréstimos

ou concessão de armamentos; (4) a ordem executiva de 29 de outubro de 1987

declarando que nenhum bem de origem iraniana poderia ser importado para os

Estado Unidos; (5) a posterior Regulação de Transações Iranianas de 17 de

novembro de 1987, informando detalhes sobre os produtos e os procedimentos

vetados pela ordem; (6) o Ato de 1993 de Não Proliferação de Armas de Irã-Iraque,

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banindo qualquer transferência que auxilie Iranianos ou Iraquianos a conseguirem

armas químicas, biológicas, nucleares ou qualquer tipo de armas convencionais de

porte tecnológico avançado; (7) a ordem executiva de março de 1995, proibindo

qualquer cidadão norte-americano a firmar qualquer tipo de contrato que fomente o

desenvolvimento de recursos oriundos do petróleo na região do Estado Iraniano ou

qualquer território sob sua jurisdição; (8) a ordem executiva de 6 de maio de 1995,

proibindo exportações dos EUA para o Irã de qualquer tipo de bens, tecnologias,

serviços e até mesmo transações bancárias; (9) a assinatura em 5 de agosto de

1996 do Ato de Sanções para Irã e Líbia; e, finalmente, (10) a ordem executiva de

19 de agosto de 1997, esclarecendo as ordens anteriores, e reforçando que todas

negociações e investimentos direcionados ao Irã por cidadãos norte-americanos

estariam proibidos.

Portanto, ao se fazer uma análise conjunta destes termos com a cronologia

apresentada anteriormente, vemos que o número de sanções econômicas é

consideravelmente maior desde 1993. Isso em decorrência da política do ‗dual

containment‘ de Clinton, que visava uma regulamentação econômica das

divergências estadunidenses com alguns países do Oriente Médio.

Não obstante, o que se vê através das sanções econômicas aplicadas pelos EUA,

nada mais é do que um conjunto de medidas com aplicabilidade e resultados sem

grandes chances de perdurar. Os congelamentos de 1979 e os acordos

subseqüentes levaram a ganhos de curto-prazo para corporações norte-americanas.

Porém, à medida que o nível e a especificidade das sanções foram aumentando, as

mesmas corporações se viram forçadas a acabar renovando os laços com o Irã.

O que poderia ser uma medida alternativa para a contenção de insurgências locais,

acabou por ser um efeito catalisador de fricções regionais, envolvendo,

principalmente, Irã e Iraque. Grandes custos humanos e políticos envolvidos, a

invasão do Iraque no Kuwait, a invasão norte-americana do Iraque, e mais de uma

década de escaramuças entre os governos dos EUA e de Saddam Hussein. Estes

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são alguns dos exemplos de resultados não calculados da política do ‗dual

containment‘.

Ainda segundo Fayazmanesh (2001), esta pode ser considerada um ‗tiro pela

culatra‘ por alguns motivos. Primeiramente, se o objetivo de EUA e Israel com estas

medidas era o de causar o colapso da economia iraniana, este pode ser considerado

um completo fracasso. Não somente os efeitos não foram os suficientes, como se

analisados friamente podem ter resultados somente marginais. Em segundo lugar, a

aliança entre EUA e Israel acabou por fortalecer a mais fanática facção do regime

Islâmico, que acabou utilizando a própria configuração desta aliança como

justificativa para sua existência. Por fim, a estratégia de colocar os interesses de

Israel como condições para a retirada das sanções acabou por tornar

infundamentadas as cobranças norte-americanas. Ao fim da era Clinton, tudo o que

se tinha eram resquícios de uma política inconsistente e incoerente perante o Irã.

4.2.2 – O papel de Israel

Em uma análise que englobe as forças motrizes do elevado número de sanções

apresentadas na década de 1990, é extremamente relevante que consideremos o

papel de Israel na contrução da política externa estadunidense no Oriente Médio,

sobretudo em relação ao Irã. Assim como os EUA, Israel tinha boa relação política

com o Xá, incluindo numerosas negociações econômicas entre estes dois países.

(...) Israel had a historically symbiotic relationship with the Shah. This

relation included economic deals between the two countries, such as oil

imports from Iran to Israel or the Shah‘s financing of na oil pipeline from Eliat

to the port of Ashkelon; Israel‘s assisting the Shah with intelligence services

and internal security forces to put down dissent, such as training the Shah‘s

secret police; and military relations, such as helping the Shah‘s development

of missile technology and establishing a partnership with the Shah to counter

the military strength of Iraq. (FAYAZMANESH, 2001. p. 227)

Do lado iraniano, esta relação foi utilizada por líderes religiosos como instrumento de

fomento à criação de grupos radicalmente opostos à ocupação israelense de terras

árabes, como Hamas e Hezbollah.

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Em contrapartida, podemos notar importantes traços desta relação na construção de

interesses de Israel. Diferentemente do que pode ser notado nos interesses

estadunidenses, houve total parcialidade de Israel durante o embate Irã-Iraque. O

governo israelense se mostrou tendencioso à destruição do Iraque, haja vista a

ocorrência de vendas secretas de armamentos para o Irã durante os combates. Com

a derrocada econômica e política destes dois países após oito anos de combate, o

governo israelense se viu com a possibilidade de reverberar, de fato, os interesses

norte-americanos na região.

Entretanto, o foco, desta feita, era no assolamento do poderio iraniano, que se

mostrava potencialmente mais hostil. A manutenção das sanções era justificada por

três grandes motivos: o suposto apoio iraniano ao terrorismo, a sua oposição ao

processo de pacificação do Oriente Médio e a polêmica busca por Armas de

Destruição em Massa.

Segundo Kemp (1994), estes três argumentos fazem parte de um importante lobby

israelense, suficiente para justificar as medidas político-econômicas naquela região.

By Iran‘s support for ―international terrorism‖ and opposition to the peace

process, Israel and its affiliated lobbies clearly mean Iran‘s backing of

organizations that are hostile to the Israeli occupation and answer violence

with violence. ―Weapons of mass destruction‖ is a vague and catchall term,

which may cover such things as ―bombers with a range of more than 600

nautical miles and missiles‖ (KEMP, 1994. p. 108).

Em suma, ainda que consideremos mal-sucedidos os resultados das políticas norte-

americanas em relação ao Oriente Médio, não podemos nos furtar a relatar que o

papel de Israel como mecanismo de influências fora de seus domínios. Este sucesso

se deve particularmente à forte articulação do lobby em conjunto com o AIPAC

(American-Israeli Public Affairs Committee). Comitê, inclusive, que recebeu fortes

elogios do Primeiro Ministro Yitzhak Rabin, que reforçou o fato de que a organização

havia sido extremamente eficiente ao ―educar o congresso norte-americano‖ e

trabalhar conjuntamente os interesses destes dois governos.

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5 – A QUESTÃO NUCLEAR IRANIANA

Não obstante todo o contexto suficiente para o acirramento de nervos entre o Irã e

os EUA (carregando consigo os outros Estados ocidentais que compartilham grande

parte de suas premissas democráticas e liberais), outro fator tem sido determinante

para entravar o alinhamento entre iranianos e ocidentais: a tecnologia nuclear.

Segundo Bonab (2009), a questão nuclear iraniana tornou-se um símbolo da relação

de confrontação entre este Estado e o Ocidente. Ainda que o Irã tenha reivindicado

o direito de prosseguir com as pesquisas sob a prerrogativa de que tenham fins

unicamente pacíficos, a contestação e temor dos grandes Estados ocidentais são

recorrentes. Isto porque, aos olhos destes, o debate acerca da tecnologia nuclear é

completamente dominado pela segurança.

Contrário à visão neo-realista ocidental de que o desenvolvimento nuclear é

recorrentemente utilizado como instrumento de projeção de poder internacional, o

entendimento iraniano é o de que a questão nuclear deve ser analisada sob a

perspectiva de uma política doméstica. O rechaçamento internacional com relação à

política nuclear de qualquer país seria uma espécie de ‗apartheid nuclear‘, nas

palavras de Ahmadinejad. (Bahgat, 2006). O direito, portanto, de desenvolver uma

política de avanço nuclear, seria inerente ao Estado.

The right to develop nuclear power is a matter of national pride, where the

population is largely united behind the regime (…) developing an indigenous

nuclear capability would go a long way in restoring a sense of pride and

respect. Driven by these popular and official sentiments, the Iranians insist

that they have an ―inalienable right‘ to produce nuclear fuel and to be self-

sufficient in their nuclear program. (Bahgat, 2006. p. 323).

Internamente, entretanto, não podemos afirmar que existe completa coesão a

respeito deste programa. Podemos identificar quatro grupos de influência, segundo

Hadian(2008), que segmentam as orientações dentre a opinião pública. Seriam eles:

(1) um pequeno grupo de elites que não considera a energia nuclear essencial para

o Irã por fatores ambientais e econômicos; (2) pessoas que apóiam o

desenvolvimento da energia nuclear, baseando seu argumento na necessidade do

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país de adquirir fontes de energia alternativa, bem como simplesmente pelo orgulho

nacional; (3) influenciados pelo contexto de segurança no qual o Irã está envolvido,

alguns preferem que o país tenha a capacidade de produzir armas nucleares, ao

invés de tê-las; por fim, (4) justificando-se pela hostilidade da comunidade

internacional para com o Irã, existe um pequeno grupo que apóia a aquisição de

armas nucleares, efetivamente.

De fato, ainda que tratemos a questão da energia nuclear como um elemento de

política doméstica, não podemos desconsiderar as influências da dinâmica de

segurança internacional na construção do perfil de ação iraniano. As constantes

ameaças estadunidenses desde o começo dos anos 2000 tiveram forte impacto na

criação de políticas do Irã. Em contrapartida, o comportamento iraniano também

acaba por incitar cada vez mais a hostilidade norte-americana, moldando esta

relação de maneira co-constitutiva.

As invasões no Iraque e Afeganistão em conjunto com a forte presença de tropas

aliadas no Oriente Médio são elementos que, porventura, levaram ao contínuo

desrespeito iraniano às resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Como

chave no entendimento da percepção iraniana de seu papel no sistema

internacional, Hadian (2008) apresenta o conceito de ―solidão estratégica‖. Segundo

ele, essa característica peculiar surge juntamente com a revolução islâmica, mas é

reforçada ao fim da guerra Irã-Iraque, com a maioria do mundo expressando

solidariedade e apoio aos iraquianos. Hadian acrescenta que estes fatores criaram

uma psicologia iraniana na qual falta confiança nas instituições e alianças

internacionais, que somente depositam sua confiança nos próprios recursos visando

proteção nacional e defesa. A constante percepção de ameaça criada por essa linha

psicológica de comportamento explica parte da hostilidade latente em algumas

negociações iranianas. O esquema abaixo (Figura 1) representa o conjunto de

fatores que moldam a política nuclear deste país, ilustrando os argumentos

apresentados:

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Fonte: DE BOER, Lucinda. Analyzing Iran‘s Foreign Policy: the Prospects and Challenges of Sino-

Iranian Relations

Por fim, não seria inoportuno reforçar que a questão nuclear tende a ser o principal

fator a moldar o futuro da política externa do Irã. As percepções de ameaça levaram

os EUA a utilizarem sua capacidade de pressão política para pressionar outros

países a não cooperarem com os esforços iranianos de desenvolvimento

tecnológico. Esta contenda, evidentemente, é fortemente condicionada pelo histórico

de desconfiança de ambos. Assim, ainda que a Agência Internacional de Energia

Atômica não tenha encontrado reais evidências apontando para um intuito militar

das pesquisas nucleares iranianas, está perfeitamente clara para os membros da

comunidade internacional a posição a ser ocupada por cada país (EUA e Irã) nesta

discussão.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise dos fatores mencionados, é percebido que o sistema político e de

segurança do Golfo Pérsico foi delineado para se manter sob ameaças, tendo em

vista o histórico recente das últimas décadas. Mais do que isso, a balança de poder

local sempre esteve ligeiramente equilibrada em termos de Irã e Iraque. Não se

pode deixar de analisar a importante atuação de forças externas. Europa e, neste

caso específico, os EUA mantêm parte de suas atenções sempre voltadas ao

Oriente Médio.

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Com as orientações teóricas apresentadas e os fatos explicitados, percebemos que

a incursão no Oriente Médio sob o pretexto de Guerra ao Terror pode ser visto como

o ―teste hegemônico‖ estadunidense, uma vez que estavam em jogo seus objetivos

estratégicos e sua doutrina político-econômica. À medida em que se passam os

anos, torna-se mais inviável a permanência norte-americana nestes territórios. As

medidas de segurança aplicadas acabam, paradoxalmente, por ser a origem de um

dos maiores focos de insegurança a longo prazo. A presença de tropas regulares em

solo iraquiano aliadas à tentativa de implementação do modelo democrático acirram

os atritos com o Irã, cujo sistema político vem sendo duramente criticado desde o

início da ocupação.

Como resultado da intentona norte-americana, vimos um aumento na projeção do Irã

no mundo árabe, seja pela perpetuação de valores políticos e de influências em

grupos estratégicos, ou simplesmente pelo crescimento de suas indústrias locais

como provedoras de oferta para as demandas do mercado do Golfo.

Trazendo novamente o conceito de hegemonia à tona, utilizando do arcabouço

teórico que norteia este trabalho, podemos perceber evidências empíricas que

corroboram a idéia do resultado insatisfatório da intentona norte-americana. O

caráter democratizados das invasões remete à premissa Gramsciana de hegemonia

pelo consenso, uma vez que a exploração, ainda que indireta, de Estados

democráticos é cada vez mais institucional. Menos coerção para relações mais

duradouras e previsíveis. O caso do Oriente Médio mostra inúmeras falhas desta

tentativa de consenso.

Sendo assim, pela nova configuração que vem sendo formada nesta importante

região do globo, e pelo esgotamento de possibilidades apresentadas aos líderes

norte-americanos de solução desta contenda, percebe-se na figura do Irã uma

importante resistência no Golfo, com forças em setores estratégicos como o nuclear,

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capaz de criar tamanho impasse. Dadas as configurações pré e pós-invasão, é

importante ressaltar que é extremamente arriscado e aparentemente inadequado

fazer qualquer tipo de avaliação final sobre os resultados da Guerra, uma vez que

muitos deles ainda estão por acontecer. Porém, considerando o nível de

investimento financeiro e político depositados nesta região na última década,

principalmente pelos EUA, e realizando uma espécie de ―soma vetorial‖ dentre os

resultados políticos, sociais e econômicos desta disputa, temos que, regionalmente,

o Irã pode ser visto como grande beneficiado. Sob a batuta de um líder

extremamente marcante nos dias atuais, tem galgado seu espaço no contexto

internacional com peculiar ousadia e não pode ser minimizado em qualquer cálculo

racional político.

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