a chave de rebeca - ken follet

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7/21/2019 A Chave de Rebeca - Ken Follet http://slidepdf.com/reader/full/a-chave-de-rebeca-ken-follet 1/112 A CHAVE DE REBECA Ken Follett A CHAVE DE REBECA Pino do Verão. Sopra do deserto um vento quente, carregado de poeira. E o major William Vandam está tão longe de apanhar o espião alemão como quando começou a procurá-lo. As pistas de que dispõe são reduzidíssimas: um cadáver ensanguentado, um nome, uma descrição vaga--nada mais. Entretanto, os exércitos de Rommel aproximam-se progressivamente do Cairo e parecem esgotadas as possibilidades de os deter. Porque Rommel sabe antecipadamente todas as acções planeadas pelos Ingleses. Porque o major Vandam não conseguiu decifrar o código alemão. E porque, neste fatal jogo de escondidas, o espião consegue sempre escapar-se por entre os dedos de Vandam ... "A acção é rápida, violenta, o enredo inteligente e tortuoso, a excitação aumenta e até as personagens menores adquirem vida." Publishers Weeklv  o nosso espião no Cairo é o maior herói de todos." Marechal de campo Erwin Rommel, Setembro de 1942 Capítulo 1 o último camelo caiu ao meio-dia. Era o macho branco de cinco anos que ele comprara em Jalo, o mais jovem e resistente dos três animais e o menos recalcitrante. Gostava dele tanto quanto um homem pode gostar de um camelo, o que significa que só o detestava um pouco. Subiram a encosta sotavento de uma colina, homem e camelo apoiando desajeitadamente os enormes pés na areia instável, e detiveram-se no cimo. olharam em frente e viram apenas outra colina que teriam de escalar, e depois dessa mais outras mil, e foi como se o camelo desesperasse ante tal perspectiva. Dobrou as patas dianteiras, depois a garupa abateu-se-lhe e o animal deitou-se no cimo da colina como um monumento, contemplando o deserto vazio com a indiferença dos moribundos. o homem puxou-lhe a corda presa ao focinho, mas em vão. Depois, contornou o corpo caído e desferiu-lhe pontapés nos quartos traseiros. Por fim, empunhou uma faca beduína de lamina curva e aguçada, afiada como uma navalha, e espetou-a na garupa do camelo. o sangue jorrou, mas o animal nem sequer o olhou. o homem compreendeu o que sucedera. o corpo do animal faminto deixara pura e simplesmente d- funcionar, como uma máquina cujo combustível se esgota. Já vira camelos cair assim à entrada de oásis, rodeados de folhagem revivificante que ignoravam, pois faltava-lhes a energia para a comerem. De qualquer modo, eram horas de parar. o Sol estava alto e queimava. Iniciava-se o longo Verão sariano, e a temperatura

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A CHAVE DE REBECAKen Follett

A CHAVE DE REBECA

Pino do Verão. Sopra do deserto um vento quente, carregado depoeira. E o major William Vandam está tão longe de apanhar oespião alemão como quando começou a procurá-lo.As pistas de que dispõe são reduzidíssimas: um cadáverensanguentado, um nome, uma descrição vaga--nada mais.

Entretanto, os exércitos de Rommel aproximam-seprogressivamente do Cairo e parecem esgotadas aspossibilidades de os deter.Porque Rommel sabe antecipadamente todas as acções planeadaspelos Ingleses.Porque o major Vandam não conseguiu decifrar o código alemão.E porque, neste fatal jogo de escondidas, o espião conseguesempre escapar-se por entre os dedos de Vandam ...

"A acção é rápida, violenta, o enredointeligente e tortuoso, a excitação aumenta eaté as personagens menores adquirem vida."Publishers Weeklv

 o nosso espião no Cairo é o maior herói de todos."Marechal de campo Erwin Rommel, Setembro de 1942

Capítulo 1

o último camelo caiu ao meio-dia.Era o macho branco de cinco anos que ele comprara em Jalo, omais jovem e resistente dos três animais e o menos

recalcitrante. Gostava dele tanto quanto um homem pode gostarde um camelo, o que significa que só o detestava um pouco.Subiram a encosta sotavento de uma colina, homem e cameloapoiando desajeitadamente os enormes pés na areia instável, edetiveram-se no cimo. olharam em frente e viram apenas outracolina que teriam de escalar, e depois dessa mais outras mil,e foi como se o camelo desesperasse ante tal perspectiva.Dobrou as patas dianteiras, depois a garupa abateu-se-lhe e oanimal deitou-se no cimo da colina como um monumento,contemplando o deserto vazio com a indiferença dos moribundos.o homem puxou-lhe a corda presa ao focinho, mas em vão.Depois, contornou o corpo caído e desferiu-lhe pontapés nosquartos traseiros. Por fim, empunhou uma faca beduína de

lamina curva e aguçada, afiada como uma navalha, e espetou-ana garupa do camelo. o sangue jorrou, mas o animal nem sequero olhou.o homem compreendeu o que sucedera. o corpo do animal famintodeixara pura e simplesmente d- funcionar, como uma máquinacujo combustível se esgota. Já vira camelos cair assim àentrada de oásis, rodeados de folhagem revivificante queignoravam, pois faltava-lhes a energia para a comerem.De qualquer modo, eram horas de parar. o Sol estava alto equeimava. Iniciava-se o longo Verão sariano, e a temperatura

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do meio-dia atingiria os sessenta graus à sombra. Semdescarregar o camelo, o homem abriu um dos alforges, do qualretirou a tenda, que montou ao lado do animal moribundo, noalto da colina.Sentou-se de pernas cruzadas do lado aberto da tenda, comeuumas tâmaras e viu o camelo morrer enquanto esperava que o Solpassasse por cima deles. Devia a sua tranquilidade àexperiência. Percorrera mais de mil e quinhentos quilómetrosdaquele deserto. Partira havia dois meses de El Agheila, na

costa mediterrânica da Líbia, e viajara oitocentos quilómetrospara sul, via Jalo e Kufra, até ao coração deserto do Sara. Aívirara para leste e atravessara a fronteira para o Egipto, semser visto por homem ou animal. Próximo de Kharga virara paranorte, e agora já não se encontrava longe do seu destino.Conhecia o deserto e temia-o, como todos os homensinteligentes, mas nunca permitiria que esse temor setransformasse em pânico. Havia sempre catástrofes: erros deorientação devido aos quais se perdia um poço por dois ou trêsquilómetros, odres de água que se rompiam ou rebentavam ecamelos aparentemente saudáveis que adoeciam. A única soluçãoera dizer: "Inshallah" --é a vontade de Deus.Por fim, o Sol começou a descer para ocidente. o homem olhoupara a carga do camelo, calculando que parte dela poderia

transportar. Havia três pequenas malas europeias, de couro,duas pesadas e uma leve, todas importantes. Havia uma maletade roupa, um sextante, mapas, víveres e um odre de pele decabra. Era demais: teria de abandonar a tenda, o cobertor e acaçarola de cozinhar.Reuniu as três malas e prendeu-lhes no cimo a roupa, osvíveres e o sextante. Depois amarrou o conjunto com uma tirade pano. Podia enfiar os braços pelas pegas que formara com atira e transportar a carga às costas, como uma mochila.Suspendeu o odre da água do pescoço. Era uma carga pesada.Três meses antes teria sido capaz de transportar aquela cargao dia inteiro e jogar a seguir ténis, mas o desertoenfraquecera-o. os seus intestinos pareciam de água, a sua

pele apresentava-se coberta de feridas e cicatrizes e perderaquase dez quilos. Sem o camelo não poderia ir longe.Começou a andar. Seguia as indicações da bússola e resistia àtentação de atalhar caminho contornando as colinas, pois tinhade percorrer os últimos quilómetros segundo cálculos exactos,e um erro

fraccional poderia desviá-lo do percurso uns centos de metrosque Lhe seriam fatais.Com o cair da tarde, a temperatura desceu. A medida queconsumia a água, o odre que levava suspenso do pescoçotornava-se-Lhe mais leve. Sabia que a água não chegaria paraoutro dia. Atrás dele o Sol pôs-se e transformou-se num enorme

balão amarelo. Pouco depois, uma lua branca surgiu no céu corde púrpura. Pensou em parar. Não seria possível caminhar todaa noite. Mas não tinha tenda nem cobertor e estava certo deque se encontrava perto do poço. Pelos seus cálculos, já ládeveria ter chegado.Continuou a andar. A calma começava a abandoná-lo. Jogara asua força e a sua experiência contra o deserto implacável, ecomeçava a parecer-lhe que o deserto ia ganhar. Já nãoconseguia reprimir o medo. Quando a morte se tornasseinevitável, correria ao seu encontro. Não se resignaria a

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horas de agonia e loucura crescentes. Tinha a sua faca.Pareceu-lhe ver a mãe à distância e ouvir um comboio aacompanhar o ritmo lento do seu coração. Atravessavam-se-lheno caminho pequenas pedras, como ratos a fugir. Cheirou-lhe acordeiro assado. Subiu uma encosta e viu a fogueira onde ocordeiro fora assado e ao lado um rapazinho a chupar os ossos.Viu tendas em torno da fogueira, os camelos a manquejar e opoço em frente. Penetrou na alucinação. As personagens do

sonho olharam-no assombradas. Um homem alto levantou-se efalou. o viajante puxou o howli e desenrolou-o parcialmente,revelando o rosto.o homem alto aproximou-se, agitado, e exclamou:--Meu primo!o viajante compreendeu que afinal não se tratava de umailusão. Teve um sorriso e caiu.

Quando acordou, ao alvorecer, pensou por momentos que eraoutra vez um rapaz e que a sua vida adulta fora um sonho.Alguém Lhe tocava no ombro e Lhe dizia na linguagem dodeserto:--Acorda, Achmed.Havia anos que ninguém Lhe chamava Achmed. Apercebeu-se de queestava embrulhado num cobertor áspero e deitado na areia fria,

com a cabeça envolta num howli. Abriu os olhos e viu oesplendoroso nascer do Sol, como um arco-íris recto reflectidono horizonte plano e negro. Sentiu no rosto o gélido ventomatinal. Nesse instante experimentou de novo toda a confusão eansiedade dos seus quinze anosA primeira vez que acordara no deserto sentira-secompletamente perdido. "o meu pai morreu", pensara. E depois:"Tenho um novo pai." Haviam-lhe ocorrido ao pensamento trechosdo Corão, de mistura com passagens do credo cristão que a mãeainda Lhe ensinava em segredo e em alemão, que fora também alíngua do seu falecido pai. Evocou a longa viagem de comboiodurante a qual se interrogara sobre os seus primos do desertoe perguntara a si próprio se desprezariam o seu corpo pálido e

os seus hábitos citadinos. Saíra da estação do caminho deferro e vira os dois árabes sentados ao lado dos camelos napoeira do pátio, envoltos em mantos da cabeça aos pés, àexcepção da abertura no howli, através da qual se Lhes viam osolhos escuros e indecifráveis. Tinham-no levado para o poço.Fora assustador; ninguém Lhe falara a não ser por gestos. Noentanto, apesar de duros, aqueles homens eram bondosos.Tinham-se convencido de que ele não sabia falar a sua língua,razão por que haviam tentado estabelecer comunicação por meiode sinais.Todos esses pensamentos Lhe haviam atravessado a mente aoadmirar o seu primeiro nascer do Sol no deserto. E agoravoltavam, decorridos vinte anos, com as palavras "Acorda,

Achmed", pronunciadas pelo seu companheiro de mocidade.Sentou-se bruscamente, a cabeça a desanuviar-se. Atravessara odeserto no cumprimento de uma missão de uma importância vital.Encontrara o poço, não fora uma alucinação: os primos estavamali, como sempre naquela altura do ano. Invadiu-o um pânicosúbito e angustiante ao lembrar-se da sua preciosabagagem--ainda a traria quando chegara?--, mas depois viu-aordenadamente empilhada a seus pés.--Grandes preocupações, primo--observou Ishmael, acocorando-sea seu lado.

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--Há guerra--confirmou Achmed com um aceno da cabeça.Ishmael afastou-se. Subserviente, uma das mulheres serviu cháa Achmed, que o aceitou sem agradecer e o bebeu rapidamente.Depois, comeu um pouco de arroz cozido e frio, enquanto otrabalho moroso do acampamento decorria em seu redor. Segundoparecia, aquele ramo nómada da família continuava próspero:havia diversos criados, muitas crianças, numerosos carneiros e

mais de vinte camelos.Achmed acabou de tomar o pequeno-almoço e examinou a bagagem.Abriu uma das malas pesadas, e quando os seus olhos pousaramnos interruptores e mostradores do compacto aparelho derádio, assaltou-o uma recordação clara e rápida, como asimagens de um filme: a movimentada cidade de Berlim; uma rualadeada de árvores chamada Tirpitzufer; um edifício de arenitode quatro andares; um labirinto de corredores; um gabinete eum almirante prematuramente encanecido a dizer: "Rommel querque eu coloque um agente no Cairo."A mala continha também um livro, um romance em inglês.Distraidamente, Achmed leu a primeira frase: "A noite passadasonhei que regressava a Manderley." De entre as páginas dolivro caiu uma folha de papel dobrada. Achmed apanhou-acuidadosamente e repô-la entre as páginas do romance. Depois,fechou-o e guardou-o de novo na mala, que também fechou.

Ishmael estava de pé a seu lado.--Foi uma viagem longa?--perguntou.--Vim da Líbia--respondeu Achmed, acenando afirmativamente.--Do mar.--Do mar!--exclamou Ishmael, estupefacto, pois nunca vira omar. --Mas porquê?--Tem a ver com esta guerra.--Dois bandos de europeus a lutarem entre si pela posse doCairo ... Que interessa essa luta aos filhos do deserto?--o povo da minha mãe participa na guerra--respondeu Achmed.--Um homem deve seguir o seu pai.--E se tem dois pais?Ishmael encolheu os ombros. Sabia o que eram dilemas.

Achmed pegou na mala e pediu-lhe:--Guardas-me isto?--Guardo--respondeu o primo, retirando-lha das mãos. -Quemestá a ganhar a guerra?--o povo da minha mãe. São como os nómadas: orgulhosos, cruéise fortes. Vão dominar o Mundo.os dois primos entreolharam-se. Tinham passado cinco anos semse verem. o Mundo mudara. Achmed pensou em tudo quanto poderiacontar: o encontro crucial de Beirute, em 1938, a sua viagem aBerlim, o seu grande golpe em Istambul ... Nenhum destesincidentes significaria fosse o que fosse para o primo--eIshmael pensava provavelmente o mesmo a respeito deacontecimentos dos seus últimos cinco anos. Em rapazes

tinham-se estimado ferozmente, mas nunca tinham tido nada paradizer um ao outro.Após um momento, Ishmael levou a mala para a sua tenda. Achmedfoi buscar um pouco de água numa tigela. Abriu a mala daroupa, da qual retirou um pouco de sabão, um pincel, umespelho e uma navalha. Enterrou o espelho na areia, fixou-o ecomeçou a desenrolar o howli que Lhe envolvia a cabeça.o rosto que viu reflectido no espelho assustou-o.A sua testa forte e normalmente lisa estava coberta decrostas, a barba escura crescia-lhe, emaranhada e revolta, nas

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faces de malares salientes e a pele do nariz, grande e adunco,apresentava-se vermelha e gretada. Entreabriu os lábiosempolados e notou que os seus dentes, pequenos e regulares,estavam imundos.Espalhou sabão na barba com o pincel e começou a barbear-se.Pouco a pouco, o rosto antigo reapareceu. Era mais forte do

que belo e normalmente apresentava uma expressão que, nos seusmomentos de maior relaxamento, ele reconhecia como levementedissoluta. Mas naquele momento apresentava-se simplesmentedevastado.Levou a mala para a tenda de Ishmael. Despiu a roupa dodeserto e envergou uma camisa inglesa branca, uma gravata àsriscas, peúgas cinzentas e fato castanho aos quadrados. Quandotentou calçar os sapatos, verificou que tinha os pés inchados.Foi um tormento tentar enfiá-los no cabedal novo e duro. Porfim, cortou-os com a faca de lamina curva e calçou-os semapertar os atacadores.Necessitava de mais coisas: um banho quente, um corte decabelo, creme fresco e balsâmico para as feridas, uma camisade seda, uma pulseira de ouro, uma garrafa de champanhe geladoe o corpo tépido e macio de uma mulher. Mas isso teria deesperar.Quando saiu da tenda, os nómadas olharam-no como se fosse um

desconhecido. Ishmael aproximou-se e os primos abraçaram-se.Achmed retirou uma carteira do bolso do casaco para verificaros seus documentos. Ao olhar para o bilhete de identidade,consciencializou que era de novo Alexander Wolff, de trinta equatro anos, morador na Villa les oliviers, Garden City,Cairo. Homem de negócios de ascendência europeia.Colocou o chapéu, pegou nas duas malas restantes--uma pesada eoutra leve--e preparou-se para percorrer os últimosquilómetros de deserto até à cidade.

A antiga estrada das caravanas, que Wolff seguira de oásis emoásis através do deserto imenso e vazio, atravessava umdesfiladeiro da montanha e acabava por se fundir com uma

estrada moderna, ladeada de uma parte por colinas amarelas, poeirentas e áridase da outra por viçosos campos de algodão sulcados por valas deirrigação, onde os camponeses se curvavam sobre as suascolheitas. Enquanto palmilhava a estrada para norte, aspiravaa brisa fresca e húmida que soprava do Nilo próximo eobservava os sinais crescentes de civilização urbana, Wolffcomeçou a sentir-se novamente humano. Por fim, ouviu o motorde um automóvel e compreendeu que conseguira.o veículo que se aproximava vindo da direcção da cidade deAsyut era um jipe militar. Quando ficou perto, Wolff viu osuniformes do Exército Britânico dos homens que viajavam nelee compreendeu que deixara para trás um perigo apenas paraenfrentar outro.

Fez um esforço deliberado para se manter calmo. "Tenho todo odireito de estar aqui", pensou. "Nasci em Alexandria. A minhanacionalidade é egípcia. Possuo uma casa no Cairo. os meusdocumentos são autênticos. Sou um homem rico, um europeu e umespião alemão atrás das linhas inimigas."o jipe parou com um chiar de pneus e uma nuvem de poeira. Umdos homens saltou para a estrada. ostentava três tiras detecido em cada ombro da camisa: era capitão. Coxeava um pouco.--De onde diabo surgiu você?--perguntou.Wolff pousou as malas e apontou com um polegar para trás, por

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cima do ombro.--o meu carro avariou-se na estrada do deserto.--Mostre-me os seus documentos, por favor.Wolff entregou-lhos. o capitão examinou-os e depois ergueu os

olhos.--Parece estafado, Mr. Wolff. Quanto tempo veio a pé?--Desde ontem à tarde--respondeu Wolff, com uma fadiga que nãoera inteiramente simulada. --Andei perdido.--o quê?! Passou toda a noite no deserto? Meu Deus, é melhoraceitar uma boleia nossa! --o capitão voltou-se para o jipe eordenou: --Cabo, pegue nas malas deste senhor.Wolff abriu a boca para protestar, mas imediatamente a voltoua fechar. Um homem que tivesse caminhado toda a noiteaceitaria de bom grado que Lhe carregassem a bagagem. Enquantoo cabo colocava as malas na retaguarda do jipe, Wolfflembrou-se, apavorado, de que nem sequer se dera ao trabalhode as fechar à chave. "Como pude ser tão estúpido?", pensou.Mas sabia a resposta: ainda estava sintonizade, com o deserto,onde a última coisa que alguém pensaria em roubar seria um transmissor de rádio que tinha deser ligado a uma tomada de corrente. Mas agora precisava depensar em polícias e documentos, fechaduras e mentiras.Decidiu ter mais cuidado e subiu para o jipe.

o capitão instalou-se a seu lado e disse ao motorista:--Voltamos para a cidade. --Depois apresentou-se a Wolff,estendendo-lhe a mão:--Capitão Newman.Wolff apertou-lha e observou-o com atenção. o seu companheiroera novo--pelo aspecto teria vinte e poucos anos--, caía-lhesobre a testa uma madeixa de cabelo agarotada e tinha umsorriso fácil; mas percebia-se na sua atitude o cansaço damaturidade que os homens que combatem adquirem precocemente.--Já esteve em combate?--perguntou-lhe Wolff.--Um pouco. --o capitão Newman tocou na pera coxa eexplicou:--Arranjei isto no deserto líbio, na Cirenaica. Foipor isso que me mandaram para esta vilória.--Sorriu.--De ondeé o seu sotaque?

A pergunta inesperada apanhou Wolff de surpresa. Aliás,pareceu-lhe intencional: o capitão Newman era esperto.Afortunadamente, Wolff tinha uma resposta preparada:--os meus pais eram bóeres que vieram da África do Sul para oEgipto. Cresci a falar africânder e árabe.--Hesitou, enervadopor parecer demasiado ansioso por fornecer explicações:--Aorigem do apelido Wolff é holandesa.Newman pareceu cortesmente interessado.--Que o trouxe cá?--Tenho interesses comerciais em várias cidades a montante dório.--Wolff sorriu e acrescentou:--Gosto de fazer visitassurpresa aos meus representantes.Estavam a entrar em Asyut. Pelos padrões egípcios, era uma

grande cidade, com fábricas, hospitais, uma universidademuçulmana e uns sessenta mil habitantes. Wolff estava quase apedir que o deixassem na estação do caminho de ferro, masNewman evitou-lhe esse erro:--Vamos levá-lo à garagem do Nasif--disse o capitão.--Ele temum reboque.--obrigado seco.Continuava a não raciocinar com a rapidez necessária. "E odeserto", pensou. "Tomou-me lento." Consultou o relógio. Tinha

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agradeceu Wolff com esforço, e engoliu em

tempo para uma farsa na garagem, sem no entanto perder o

comboio diário que o levaria cerca de quinhentos quilómetrospara norte, até ao Cairo. Teria de entrar na garagem edemorar-se até os soldados partirem. Pediria informaçõesacerca de peças para automóveis ou qualquer outro acessório,após o que seguiria para a estação. Se tivesse sorte, talvez ogaragista e o capitão Newman nunca chegassem a trocarinformações a respeito de Alex Wolff.o jipe percorria as ruas estreitas e movimentadas. Wolffapreciava os aspectos familiares de uma cidade egípcia: asmulheres com carregos à cabeça, os espertalhões de óculos desol, as pequenas lojas disseminadas nas ruas esburacadas, osautomóveis amachucados e os burros sobrecarregados. Pararamdefronte de uma série de construções baixas de tijolo. Aestrada estava semibloqueada por uma velha camioneta e pelosrestos de um Fiat desfeito.--Tenho de o deixar aqui--disse Newman.--Questões de serviço.--Foi muito amável--redarguiu Wolff, apertando-lhe a mão.--Custa-me abandoná-lo assim ...--prossegui Newman.-lá sei!Deixo-lhe o cabo Cox para olhar por si.--É muito amável, mas, francamente ...

o capitão não Lhe deu ouvidos e ordenou:--Pegue nas malas deste senhor, Cox. Quero que cuide delecompreende?--Sim, meu capitão!--respondeu Cox.Wolff praguejou intimamente. A amabilidade do capitão Newmanestava a transformar-se num incómodo. Seria acaso intencional?Wolff apercebeu-se de que o seu plano de entrar no Egiptodespercebidamente podia muito bem fracassar. Ele e Coxapearam-se e o Jipe arrancou.Wolff entrou na garagem de Nasif e Cox seguiu-o com as malas.Nasif, um jovem sorridente, estava a reparar um automóvel àluz de um candeeiro a petróleo. Wolff dirigiu-se-lherapidamente num árabe egípcio:

--o meu carro avariou-se. Disseram-me que tinha um reboque.--Tenho. Podemos partir imediatamente. onde está o carro?--Na estrada do deserto, a setenta ou oitenta quilómetrosdaqui. E um Ford. Mas nós não vamos consigo.--Retirou acarteira do bolso e deu a Nasif uma nota de librainglesa.--Encontra-me no Grande Hotel, junto da estação decaminho de ferro.Nasif aceitou o dinheiro com alacridade.--Muito bem!--exclamou.Wolff acenou secamente com a cabeça e girou nos calcanhares.Ao sair da garagem seguido por Cox, consultou de novo orelógio. Ainda tinha tempo para apanhar o comboio.Livrar-se-ia do cabo no átrio do hotel e depois comeria

qualquer coisa enquanto esperasse.Cox era um homem baixo e moreno, com um sotaque regionalbritânico que Wolff não sabia identificar. Pareciaaproximadamente da idade de Wolff e o facto de ainda ser cabotalvez significasse que não era muito inteligente.Entraram no hotel e Wolff virou-se para Cox:--Muito obrigado, cabo. Agora já pode voltar para o seutrabalho.--Não tenho pressa, Mr. Wolff--redarguiu Cox alegremente.--Levo-lhe as malas para cima.

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--Tenho a certeza de que têm mandaretes e ...--No seu lugar não confiava neles, Mr. Wolff.

A situação assemelhava-se cada vez mais a um pesadelo ou umafarsa em que pessoas bem-intencionadas o forçavam a umcomportamento cada vez mais insensato em consequência de umapequena mentira. ocorreu-lhe a ideia tremendamente absurda deque talvez soubessem tudo e estivessem a brincar com ele.Afastou semelhante ideia e disse a Cox:--obrigado.Foi à recepção e pediu um quarto. Viu as horas: faltavamquinze minutos para o comboio partir. Um mandarete núbiolevou-os ao quarto e Wolff gratificou-o à porta. Cox colocouas malas sobre a cama.--Bem, cabo, foi muito útil ...--Deixe-me desfazer-lhe as malas, Mr. Wolff--interrompeu-oCox.--Não, obrigado--respondeu Wolff em tom firme.--Querodeitar-me.--Deite-se à vontade--insistiu Cox generosamente. --Não levomais de ...--Não abra isso!Cox erguia a tampa da mala mais leve. Wolff levou a mão aointerior do casaco, pensando: "Diabo do homem, lá se foi o

segredo!" E: "Conseguirei fazer isto sem barulho?" o cabocontemplava os montes ordenadamente acondicionados de librasinglesas novas que enchiam a mala. Comentou:--Meu Deus, está bem aviado!--Cox começou a virar-se para ele,enquanto dizia: --o que quer com toda esta ...?Wolff sacou da mortífera faca beduína de lamina curva, que Lhecintilou na mão quando os seus olhos encontraram os de Cox eeste se encolheu e abriu a boca para gritar. A lamina afiadacomo uma navalha cortou-lhe a garganta, o grito de medotransformou-se num gorgolejar de sangue e ele morreu. Wolffsentiu apenas desapontamento.

Capítulo 2

CoRRIA o mês de Maio e soprava o khamsin, um vento quente ecarregado de poeira procedente do sul. De pé sob o chuveiro,William Vandam teve o pensamento deprimente de que aquelemomento seria o único em que se sentiria fresco durante todo odia. Fechou a torneira e enxugou-se rapidamente. Tinha o corpodorido. Na véspera jogara críquete pela primeira vez em anos.o Estado-Maior dos Serviços de Informação formara uma equipapara jogar com os médicos do hospital de campanha--espiõescontra curandeiros, como Lhe tinham chamado--, e Vandam ficaramuito maltratado numa jogada mais violenta. Era forçado aadmitir que não se encontrava em boa forma. os cigarroshaviam-lhe encurtado o fôlego e as muitas preocupações

tinham-no impedido de se concentrar no Jogo.Acendeu um cigarro, tossiu e começou a barbear-se. Fumavasempre enquanto se barbeava--era a única maneira que conheciade tornar menos enfadonha aquela inevitável tarefa diária.Quinze anosantes jurara a si próprio que deixaria crescer a barba assimque saísse da tropa, mas estava-se em 1942 e continuava noExército.Vestiu o uniforme de todos os dias: sandálias grossas, peúgas,camisa de mato e calções de caqui. Depois desceu. Gaafar

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estava na cozinha a fazer chá. o criado de Vandarn era um

copta idoso, de cabeça calva e andar arrastado, com pretensõesa mordomo inglês. Claro que nunca o seria, mas tinha uma certadignidade e era honesto.--Billy já se levantou?--perguntou-lhe Vandam.--Já sim, Sr. Major. Desce já.Vandam dirigiu-lhe com a cabeça um sinal de assentimento.Sobre o fogão a água borbulhava numa pequena caçarola. Vandamintroduziu-lhe um ovo dentro e regulou o relógio. Feztorradas, barrou-as com manteiga, retirou o ovo da água e cortou-lhe umadas extremidades.Billy entrou na cozinha:--Bons dias, pai!Vandam sorriu ao filho, de dez anos, e anunciou:--o pequeno-almoço está pronto.o rapaz sentou-se e começou a comer. Vandam sentou-se à suafrente com uma chávena de chá, observando-o. Era afirmaçãocorrente que Billy se parecia com ele, mas Vandam nãoconseguia descobrir a semelhança. Detectava, no entanto, nacriança traços da mãe: os olhos cinzentos, a pele delicada e aexpressão levemente arrogante que arvorava quando alguém oirritava.Vandam preparava sempre o pequeno-almoço do filho. A maior

parte do tempo era o criado quem olhava pelo rapaz, mas Vandamgostava de reservar para si aquele pequeno ritual.Frequentemente, era o único momento do dia que passava com ofilho.Depois de tomar o pequeno-almoço, Billy foi lavar os dentes,enquanto Gaafar trazia para a porta a motocicleta de Vandam,uma veloz BSA 350, muito prática para atravessar osengarrafamentos de transito do Cairo. Billy regressou com oboné da escola e Vandam colocou também o seu. Como todos osdias, fizeram a continência um ao outro e Billy disse:--Muitobem. Vamos lá ganhar a guerra.Depois saíram.

o gabinete do major Vandam situava-se num grupo de edifícioscercados de arame farpado que constituíam o Quartel-General doMédio oriente. Quando chegou, o oficial encontrou sobre asecretária o relatório de um incidente. Sentou-se, acendeu umcigarro e começou a ler.o relatório procedia de Asyut e inicialmente Vandam nãocompreendeu por que motivo fora enviado para o Serviço deInformações. Uma patrulha dera boleia a um europeu que,posteriormente, assassinara um cabo com uma faca. o corpo foraencontrado na noite anterior, várias horas após a morte. Umhomem cuja descrição correspondia à do referido europeucomprara um bilhete para o Cairo na estação de caminho deferro local. Não havia qualquer indicação quanto ao móbil do

crime.Nesse momento a Polícia Egípcia e a Polícia Militar Britânicadeviam já estar a proceder a investigações em Asyut e noCairo. Qual a razão para intrometer no caso o Serviço deInformações?

Vandam franziu a testa, pensativo. Depois compreendeu. Ligoupara Asyut e mandou chamar o capitão Newman.--Esse assassínio à facada parece dever-se a um disfarce quefoi ao ar--observou Vandam.

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--Foi o que me pareceu, meu major--respondeu Newman, que pelavoz parecia ser jovem.--Por isso mandei o relatório para oServiço de Informações.--Bom raciocínio. Que impressão Lhe deixou o homem? Tenho aquia descrição dele--um metro e oitenta, setenta e sete quilos ecabelo e olhos escuros--, mas isso não me diz como ele era.--Bem, para ser franco, inicialmente não desconfieidele-confessou Newman. --Pareceu-me um cidadão honesto:decentemente vestido, bem falante, com um sotaque que disseser holandês, ou melhor, africânder, e documentos autênticos.--Mas?...--Disse-me que andava em viagem de negócios a visitarrepresentantes de interesses comerciais que tinha no AltoEgipto, mas não me pareceu homem para passar a vida a investirnumas lojazitas e numas herdades de algodão. Era muito mais otipo cosmopolita senhor de si. Se tivesse dinheiro parainvestir, provavelmente trataria com um corretor londrino ouum banco suíço. Depois, lembrei-me de que aparecera de repenteno deserto sem que eu soubesse de facto de onde poderia tervindo, e por isso disse ao pobre do Cox que ficasse com ele, apretexto de o ajudar, até termos possibilidade de confirmar asua história. Devia tê-lo prendido, claro, mas tinha apenasuma suspeita muito vaga ...

--Não creio que alguém o censure, capitão-- interrompeuVandam.--Já foi bom ter fixado o nome e o endereço mencionadosnos documentos. Alexander Wolff, Villa les oliviers, GardenCity,não é?--Exactamente, meu major.--Muito bem. Mantenha-me ao corrente se houver alguma novidadedo seu lado.Vandam desligou. As suspeitas de Newman corroboravam o que oseu próprio instinto Lhe dizia a respeito do crime. Resolveufalar com o seu superior e saiu do gabinete, levando orelatório do incidente.o superior de Vandam, o tenente-coronel Bogge, era um

director-adjunto do Serviço de Informações. Bogge eraresponsável pela segurança do pessoal e dedicava a maior partedo seu tempo ao funcionamento do aparelho de censura. A cargo de Vandamestavam as fugas de segurança por outros meios que não cartas.Ele e os seus homens tinham várias centenas de agentes noCairo e em Alexandria; Vandam tinha informadores na maioriados clubes e dos bares e entre o pessoal doméstico dos maisimportantes políticos árabes. o criado de quarto do rei Faruktrabalhava para Vandam, bem como, ocasionalmente, Abdullah, omais rico ladrão do Cairo, cujos serviços estavam à venda afavor de qualquer dos lados. Vandam estava interessado emsaber quem falava demais e quem ouvia, e entre estes últimosos nacionalistas árabes constituíam o seu alvo principal. No

entanto, o misterioso homem de Asyut parecia representar umtipo de ameaça diferente.Até àquele momento, a carreira militar de Vandam em tempo deguerra fora distinguida por um êxito espectacular e um grandefracasso. Este verificara-se na Turquia, onde Rashid Ali,primeiro-ministro nacionalista do Iraque, conseguiraexilar-se. os Alemães tinham querido levá-lo do país eutilizá-lo para fins de propaganda. A missão de Vandamconsistira em certificar-se de que Ali permaneceria em

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Istambul, mas este trocara de roupa com um agente alemão esaíra do país mesmo nas barbas de Vandam. Poucos dias depois,Ali proferia discursos de propaganda para o Médio orienteatravés da rádio nazi. Vandam redimira-se no Cairo, ondedescobrira uma importante fuga de segurança: um diplomataamericano comunicava com Washington através de um código quenão oferecia confiança. o código fora alterado, a fuga desegurança colmatada e Vandam promovido a major.Se fosse um soldado em tempo de paz, ter-se-ia sentidoorgulhoso do seu triunfo e resignado com a sua derrota: "Umasvezes ganha-se, outras perde-se." Mas em guerra os erros de umoficial causavam mortes. Em consequência do caso Rashid Ali,uma agente -- uma mulher ainda jovem-- fora assassinada, eVandam não conseguira perdoar-se a Sl mesmo.Bateu à porta do tenente-coronel Bogge e entrou. Reggie Boggeera um cinquentenário de baixa estatura e entroncado, cabelopreto untado de brilhantina, que envergava um uniformeimaculado. Tinha uma tosse nervosa, a que recorria quando nãosabia que dizer, o que se verificava frequentemente. Sentado auma enorme secretária curva, despachava o trabalho amontoadono seu tabuleiro. Quando Vandam se sentou, Bogge disse:--Mais umas malditas notícias desagradáveis. Esperávamos que

Rommel atacasse a linha de Gazala a direito, mas devíamos ter

pensado melhor. Ele contornou o nosso flanco sul e tomou oQuartel-General do 7.o de Blindados.--Quando é que vamos detê-lo?-- perguntou Vandam, preocupado.--Não avançará muito mais--respondeu Bogge, que não queriacriticar os generais. --Que traz aí?Vandam entregou-lhe o relatório do incidente e observou:--Parece tratar-se de um disfarce que foi ao ar.Bogge leu o relatório.--Quer dizer que ele era um espião?--indagou, e riudesdenhosamente. --Como Lhe parece que chegou a Asyut? Depára-quedas? ou veio a pé?o mal de Bogge era aquele, pensou Vandam. Tinha deridicularizar a ideia por não ter sido ele a tê-la.

--Não é impossível um pequeno avião conseguir passar. E tambémnão é impossível atravessar o deserto.Bogge atirou o relatório pelo ar, através da secretária, edeclarou:--Acho muito improvável. Não perca tempo com isso.--Muito bem, meu coronel.--Vandam apanhou o relatório do chãocontendo a cólera habitual.--No entanto, vou pedir à Políciaque nos mantenha informados, por uma questão de rotina.Ao regressar ao seu gabinete, uma mulher de bata hospitalarbranca fez-lhe a continência, que ele retribuiudistraidamente. A mulher interpelou-o:--É o major Vandam, não é?o oficial deteve-se e olhou-a. Ela assistira ao jogo de

criquete, e agora Vandam lembrava-se do seu nome:--Bons dias, Dr.a Abuthnot--saudou.Era uma mulher alta e morena, aproximadamente da sua idade, eVandam recordou-se também de que era cirurgia e tinha apatente de capitão.--ontem esforçou-se muito no jogo, major.--Mas gostei--afirmou Vandam, sorrindo.--Também eu.--Tinha uma voz baixa e clara e via-se que possuía

uma grande dose de confiança.--Vemo-lo na sexta-feira?

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--onde?--Na recepção do Union.--Ah!--o Anglo-Egyptian Union, clube para europeusenfastiados, oferecia ocasionalmente uma recepção a convidadose egípcios para tentar justificar o seu nome.--Vou com certeza.--Vandamestava profissionalmente interessado em comparecer: tratava-sede uma ocasião em que alguns egípcios poderiam ouvir algumascoscuvilhices de serviço, as quais continham por vezesinformações úteis para o inimigo. --Com todo o gosto.--óptimo. Vemo-nos lá. --E a médica afastou-se.Vandam acompanhou-a com o olhar, enquanto ela atravessava ohall. Era esbelta, elegante e senhora de si. Recordava-lheAngela, a sua mulher.Entrou no seu gabinete de novo a pensar no relatório docapitão Newman. Não tencionava esquecer o assassínio de Asyut.Bogge que fosse para o inferno. Ele ia trabalhar no assunto.Começou por telefonar à Polícia Egípcia, e foi-lhe confirmadoque naquele dia seriam visitados os hotéis e as pensõesbaratas do Cairo. Contactou também a segurança de campobritânica e pediu que acelerassem o controle de documentos deidentificação. Transmitiu instruções ao oficial tesoureiropara que fosse prestada especial atenção à eventual existênciade notas falsas. Recomendou aos serviços de escuta de TSF queestivessem atentos a qualquer transmissão de um novo emissor

local, e destacou um sargento para visitar todos osestabelecimentos de rádio da área e pedir-lhes quecomunicassem qualquer venda de peças e equipamento quepudessem ser utilizados para reparar ou fabricar um emissor.Depois, dirigiu-se ao endereço indicado nos documentos de AlexWolff.A Villa les oliviers devia o nome a um pequeno jardim públicoexistente do outro lado da rua e no qual um reduzido olival seencontrava naquele momento em flor, disseminando sobre a ervaseca e castanha pétalas brancas semelhantes a poeira.A casa tinha um muro alto, interrompido por um pesado portãode madeira trabalhada. Servindo-se dos ornamentos como deapoios para os pés, Vandam escalou o portão, saltou e

encontrou-se num vasto pátio. As paredes caiadas de brancoestavam sujas e a tinta das portadas fechadas apresentava-seestalada. Havia pelo menos um ano que ninguém ali vivia.Vandam abriu uma portada, partiu uma vidraça, enfiou a mãopela abertura para abrir a janela e saltou pelo parapeito paradentro de casa.Não parecia a casa de um europeu, pensou ao percorrer as salasescuras e frescas. Não havia gravuras de caça suspensas nasparedes. nem fiadas de romances de sobrecapas coloridas, nemmobiliário

importado dos Harrods, de Londres. Em seu lugar viam-segrandes almofadas, mesas baixas, tapetes tecidos à mão e

tapeçarias.No primeiro andar, por detrás de uma porta fechada à chave queabriu a pontapé, encontrou um escritório limpo e arrumado, comalguns móveis bastante luxuosos: um diva largo e baixo forradode veludo, uma mesa de apoio entalhada à mão, uma secretáriacom belos embutidos e uma cadeira de couro. Na gaveta dasecretária descobriu relatórios de empresas da Suíça, da

Alemanha e dos Estados Unidos. A acumular pó numa prateleiraatrás da secretária havia livros em várias línguas: romances

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franceses do século XIX, o Shorter oxford English Dictionary,um volume de poesia árabe com ilustrações eróticas e a Bíbliaem alemão. Não havia documentos pessoais, nem cartas, nem umaúnica fotografia.Vandam sentou-se à secretária na macia cadeira de couro eolhou em redor. Era uma sala masculina, o lugar privado de umintelectual cosmopolita, de um homem simultaneamentecuidadoso, meticuloso e arrumado e sensitivo e sensual.Vandam sentia-se intrigado. Um nome europeu e uma casatotalmente árabe. Uma abundância de informações a respeito docarácter do proprietário, mas nem uma pista que ajudasse aencontrar o homem. Deveria haver extractos de contasbancárias, contas uma certidão de nascimento, um testamento,fotografias de pais ou filhos. o homem, porém, não deixaranenhum vestígio da sua identidade, como se soubesse que um diaalguém os iria procurar.--Alex Wolff, quem és tu?--perguntou Vandam em voz alta.Levantou-se da cadeira e saiu da casa. Escalou de novo oportãoe saltou para a rua. Do outro lado da estrada, um árabeenvergando uma galabia branca--nome por que é designado ovestuário solto dos nativos--, sentado no chão, de pernascruzadas, à sombra das oliveiras, observava Vandamnegligentemente. o major pensou noutras fontes onde poderia

procurar informações sobre o dono da casa: arquivosmunicipais, comerciantes locais e vizinhos. Encarregaria dessatarefa dois dos seus homens e inventaria uma história qualquerpara contar a Bogge como justificação. Montou na motocicletae embraiou. o motor roncou e Vandam afastou-se.

SENTADo defronte da sua casa, dominado pela cólera e pelodesespero Wolff viu o oficial britânico partir. o oficial eraarrogante e intrometido invadira e violara o domínio deWolff. Este lamentou não Lhe ter visto o rosto, pois gostariaum dia de o matar.Pensara naquela casa durante toda a viagem. Em Berlim eTripoli, na travessia do deserto e na fuga apressada de Asyut,

a vivenda representara sempre um porto de abrigo, um lugaronde poderia repousar, purificar-se, recuperar-se a si mesmo.Mas agora tinha de se afastar e de se manter afastado.Permanecera ali toda a manha, com a galabia que comprara nomercado nativo, não fosse o capitão Newman ter fixado a moradae mandado alguém revistar a casa. Fora um erro mostrardocumentos de identificação autênticos. Compreendia-o agora,retrospectivamente. o problema é que não confiava nasfalsificações feitas pelos Serviços. Secretos Alemães. Emconversas com outros espiões ouvira histórias pavorosas sobreerros primários que os documentos deles registavam: impressãoempastada, erros ortográficos em palavras inglesas correntes,etc. Wolff avaliara as alternativas e optara pela que Lhe

parecera menos arriscada. Enganara-se e agora não tinha paraonde ir.Levantou-se, pegou nas duas malas e começou a andar.Pensou na sua família. A mãe e o padrasto egípcio tinhammorrido, mas tinha três meios-irmãos e uma meia-irma no Cairo.Seria, porém, difícil esconderem-no. Seriam interrogados

quando os Ingleses descobrissem o seu relacionamento com eles.Talvez mentissem, mas os seus criados falariam com certeza.Deixou Garden City e dirigiu-se para o centro. As ruas estavam

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ainda mais movimentadas do que quando deixara o Cairo. Haviainúmeros uniformes--não só britânicos, mas tambémaustralianos, neozelandeses, polacos, jugoslavos,palestinianos, indianos e gregos. os mendigos e os vendedorestinham saído para as ruas em força, a fim de tirarem partidodo afluxo de estrangeiros ingénuos.o transito também piorara. os lentos e miseráveis troleicarrosandavam mais cheios do que nunca, com passageiros empoleiradosnos estribos e sentados, de pernas cruzadas, nos tejadilhos.No tocante a autocarros e táxis, a situação não era melhor:parecia haver falta de peças, pois muitos dos automóveistinham janelas partidas, pneus carecas e motores avariados. osúnicos veículos decentes eram as monstruosas limusinasamericanas dos paxás ricos. De mistura com os veículosmotorizados viam-se gharries puxadas a cavalos e carroças decamponeses puxadas por parelhas de muares e gado: camelos,carneiros e cabras.E o barulho ... Wolff esquecera-se do barulho. Tilintavamcampainhas de troleicarros, buzinavam automóveis e condutoresde carroças e camelos gritavam a plenos pulmões. Rádios baratosde lojas e cafés, com o volume no máximo, transmitiam músicaárabe que ecoava pelas ruas. Vendedores apregoavam e cãesladravam. De vez em quando, todos esses ruídos eram abafadospelo roncar de um avião.

"Esta é a minha cidade", pensou Wolff. "Aqui não me podemapanhar. "Lembrou-se de uma pensão barata, gerida por freiras, em Bulaq,o bairro do porto. Acolhia principalmente marinheiros quedesciam o Nilo em rebocadores a vapor e faluchos carregados dealgodão, carvão, papel e pedra. Ninguém se lembraria de oprocurar aí.o albergue estava instalado num grande edifício em ruínas, quefora em tempos vivenda de algum paxá. Através da arcada dafrente, Wolff viu o átrio fresco e sossegado. Nesse diacarregara as malas durante quilómetros, e estava ansioso pordescansar.Dois polícias egípcios saíram do albergue.

Wolff sentiu-se sucumbir. Virou-se e continuou a andar. Erapior do que imaginara. A Polícia devia estar a investigar emtoda a parte. Começava a experimentar a sensação que tivera nodeserto, de que caminhava sem descanso sem chegar a ladonenhum.Viu um táxi, um grande Ford velho de sob cujo capot o vaporirrompia, sibilante. Meteu-se nele e mandou seguir para oCairo Copta, o antigo bairro cristão. Pagou ao motorista edesceu os degraus que Lhe davam acesso.o bairro era uma ilha de escuridão e silêncio no martempestuoso do Cairo. Wolff percorreu os becos estreitos epenetrou na mais pequena das cinco antigas igrejas. o serviçoreligioso estava prestes a iniciar-se. Colocou as preciosas

malas ao lado de um banco e sentou-se.o coro começou a entoar uma passagem das Escrituras. Wolffinstalou-se no banco. Ali estaria em segurança até escurecer.Depois despiria a alabia e tentaria a última cartada.

o Cha-Cha era um grande clube nocturno situado num jardimjunto ao rio. Estava cheio, como de costume, mas Wolffconseguiu arranjar uma mesa e pediu uma garrafa de champanhe.A noite estava quente e as luzes do palco tornavam-na ainda

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mais quente. A assistência turbulenta começou a gritar pelaestrela do espectáculo. Sonja el-Aram. Por fim, ouviu-se umrufar de tambores, as luzes a a aram-se e fez-se silêncio.

Quando o projector se acendeu, Sonja permaneceu imóvel no meiodo palco, de braços erguidos para o céu. Vestia umas calçasdiáfanas e um corpete coberto de lantejoulas. A músicasoou--tambores e uma flauta--e ela começou a mover-se. Wolffobservava-a, sorrindo, sorvendo o champanhe. Ela continuava aser a melhor.Meneava as ancas com lentidão, apoiando firmemente no chão oraum pé, ora outro. os braços começaram-lhe a tremer, depoismoveu os ombros e sacudiu os seios. E por fim o seu ventrefamoso agitou-se hipnoticamente. o ritmo acelerou-se. Sonjafechou os olhos. Cada parcela do seu corpo parecia mover-seindependentemente do restante. A assistência mantinha-sesilenciosa, fascinada. Ela prosseguiu com rapidez crescente,como que em transe. A música atingiu o auge, clangorosamente.No instante de silêncio que se seguiu, Sonja soltou um gritoagudo e breve; depois caiu para trás, as pernas dobradas sob ocorpo, até tocar com a cabeça nas tábuas do palco. Sustentou aposição um momento, até o projector se apagar. A assistêncialevantou-se numa tempestade de aplausos, as luzes acenderam-se... e ela desaparecera.

Sonja nunca bisava.Wolff ofereceu uma libra ao criado--três meses de salário paraa maioria dos Egípcios--e pediu-lhe que o conduzisse aosbastidores. o homem mostrou-lhe a porta do camarim de Sonja eafastou-se. Wolff entrou.Ela estava sentada num banco, de robe de seda, removendo acaracterização. Quando o viu no espelho, rodou sobre si.--olá, Sonja--saudou-a Wolff.os olhos dela coruscaram de cólera.--Que fazes aqui?Não mudara. Era uma mulher bonita. Tinha cabelo comprido elustroso; grandes olhos castanhos com fartas pestanas; malaressalientes e nariz curvo e graciosamente arrogante; duas fiadas

de dentes brancos e regulares. Não obstante as curvas sinuosasdo seu corpo, não parecia roliça, pois era mais alta do que amédia.Wolff pousou as malas e sentou-se no diva. Ela ergueu-se epostou-se à sua frente, mãos nas ancas, queixo lançado para afrente, a seda verde do robe a delinear-lhe os seios.--és bela--disse-lhe ele.--Vai-te embora.Wolff observou-a cuidadosamente. Parecia zangada e desdenhosa,mas está-lo-ia?--Preciso de auxílio--confessou francamente.--os Inglesesandam atrás de mim, estão a vigiar a minha casa. Quero irviver contigo.

--Vai para o inferno.--Espera um minuto, deixa-me contar-te por que motivo teabandonei.--Ao fim de dois anos, não há desculpa que sirva. --Sonja

lançou-lhe um olhar furioso e depois abriu a porta.Wolff julgou que fosse pô-lo fora, mas em vez disso estendeu acabeça para o exterior e gritou:--Tragam-me uma bebida!--Wolff descontraiu-se um pouco e Sonjafechou a porta.--Tens um minuto--declarou. Sentou-se de novo

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Sonja fechou os olhos e gemeu:--odeio te.

NA frescura do entardecer, Wolff caminhava ao longo do cais,junto ao Nilo, em direcção ao barco habitação de Sonja, oJlhan. As feridas do seu rosto estavam curadas, vestia um fatobranco novo e tranSportava dois sacos cheios dos seus génerosde mercearia preferidos.o subúrbio insular de Zamalek era sossegado. Só vagamente seouvia, através de uma ampla extensão de água, o ruídoinsuportável do centro do Cairo. o rio, calmo e lodoso, batialevemente nos barcos habitações atracados ao longo da margem.o de Sonja era mais pequeno e mais luxuosamente mobilado doque a maioria. Um portaló unia o caminho ao convés superior.Wolff entrou no barco e desceu a escada para o interior, atravancadode cadeiras, divas, mesas e armários cheios de bugigangas.Havia uma cozinha minúscula à proa. Reposteiros de veludodividiam o resto do interior em duas divisões, isolando oquarto. A seguir ao quarto, à popa, havia uma casa de banho.Sonja estava sentada numa almofada a pintar as unhas dos pésantes de seguir para o Cha Cha Club. Wolff colocou o saco dascompras sobre uma mesa e começou a despejá-lo:--Champanhe francês ... marmelade inglesa mães ... salmãoescocês

Sonja ergueu os olhos, estupfacta.--Ninguém tem coisas dessasWolff sorriu.--Há um pequeno merceeiro g. ;u ... wal ua loja u únicolugar do Norte de África onde se consegue arranjar caviar.Sonja introduziu a mão num dos sacos.--Caviar!--Abriu o boião e começou a comer com os dedos.Wolff pôs uma garrafa de champanhe no frigorífico, retirou umjornal de um dos sacos e começou a folheá-lo.--Ainda não vem nada a meu respeito.--Contara a Sonja o que sepassara em Asyut.--Dão sempre as notícias atrasadas--observou ela com a bocacheia de caviar.

--Não é isso. os Ingleses não querem que se desconfie que osAlemães têm espiões no Egipto. Dava mau aspecto.Sonja retirou se para o quarto, a fim de mudar de roupa. Dooutro lado do reposteiro, perguntou:--Isso significa que deixaram de te procurar?--Não. Vi o Abdullah no mercado e ele disse-me que um talmajor Vandam continua a exercer pressão.--Como é que o Abdullah sabe?--perguntou Sonja.--É ladrão, ouve coisas.Wolff foi buscar o champanhe ao frigorífico. Não estavasuficientemente gelado, mas ele encheu duas taças. Sonja saiudo quarto, ligeiramente maquilhada, com um finíssimo vestidocor de cereja e sapatos a condizer. Dois minutos depois,

chegou o táxi para a levar.Wolff foi ao armário onde arrumara o rádio, do qual retirou o

romance inglês e a folha de papel com a chave do código, queestudou. Estava se a 28 de Maio e ele tinha de acrescentar42--o ano--a 28 para obter o número da página do romance quedeveria

 utilizar para cifrar a sua mensagem. Como Maio era o quintomês, todas as quintas letras da página seriam descontadas.

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Decidiu enviar a seguinte mensagem: "Cheguei. Acusem recepção. Começando pelo cimo da página 70 do livro, procurou aletra c ao longo da linha. Era a décima, descontando todas asquintas letras. No seu código seria, portanto, representadapela décima letra do alfabeto, j. A seguir precisava de um h.No livro, a quarta letra depois do c era um h.Consequentemente. o h de < cheguei" seria representado pelaquarta letra do alfabeto, d. Havia normas especiais pararepresentar as letras menos vulgares, como o x. Para descodificar a mensagem, quem a ouvisse precisaria de ter o livro e achave, o que tornava o código indecifrável a estranhos, nateoria e na prática.Depois de cifrar a mensagem, consultou o relógio. Tinha detransmitir às vinte e quatro horas--meia-noite. Ainda tinhatempo. Encheu outra taça de champanhe e resolveu acabar com ocaviar. Foi buscar uma colher e pegou no boião. Estava vazio,Sonja comera-o todo.

A pista de aterragem era uma faixa de deserto que foraapressadamente desbravada de cactos e pedras grandes. ErvinRommel fitou o solo que parecia subir ao seu encontro. oStorch, um avião ligeiro que utilizava para pequenas viagenspelo campo de batalha, aterrou como uma mosca e parou. Rommelsaltou para o chão.

Sentiu primeiro o impacto do calor e depois o da poeira. No arestivera relativamente fresco; agora sentia-se como se tivesseentradonum forno. Começou imediatamente a transpirar, e uma finacamada de pó cobriu-lhe os lábios.Friedrich von Mellenthin, o seu oficial do Serviço deInformações, atravessou a areia, correndo na sua direcção, eanunciou:--Kesselring está cá.--Auch das noch--explodiu Rommel.--Só me faltava isto.Albert Kesselring, o sorridente marechal de campo,representava tudo quanto era antipático a Rommel nas forçasarmadas alemãs. Era oficial do Estado-Maior, e Rommel

detestava o Estado-Maior; era um dos fundadores da Luftwaffe,que tantas vezes já colocara mal Rommel na guerra do deserto,e era um pedante.Rommel avançou pesadamente pela areia na direcção do carro decomando seguido por Von Mellenthin. Entraram pela retaguardado enorme camião. Kesselring, que estava inclinado sobre ummapa, ergueu os olhos.--Meu caro Rommel, graças a Deus que voltou!--exclamou em vozsedosa.Rommel tirou o boné e redarguiu-lhe:--Estive a travar um combate.--Já sabia. Que aconteceu?Rommel apontou para o mapa e respondeu-lhe:

--Isto é a linha de Gazala. --Tratava-se de uma série de

"boxes" fortificadas, interligadas por campos de minas que seprolongavam da costa, em El Gazala, para sul, até ao desertolíbio, numa extensão de cerca de oitentaquilómetros.--Contornámos a extremidade sul descrevendo umacurva pronunciada e atacámo-los pela retaguarda. Depoisesgotaram-se nos a gasolina e as munições. --Sentou sepesadamente, tomado de uma súbita fadiga.--outra vez --acrescentou significativamente. Kesselring, como comandante

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chefe (Sul), era responsável pelo aprovisionamento de Rommel.--Mas estou a ganhar--continuou Rommel. -- Se tivesse dispostodos aprovisionamentos necessários, a esta hora estaria noCairo.--Não vai para o Cairo--redarguiu Lhe Kesselring vivamente.--Vai para Tobruk e fica lá até eu ter tomado Malta. São essasas ordens do Führer.--Claro.--Rommel não ia reabrir essa discussão, pelo menos demomento. o objectivo imediato era Tobruk, o porto britânicofortificado próximo da fronteira egípcia. Uma vez tomado, oscomboios de navios procedentes da Europa poderiam seguirdirecta mente para a linha da frente, evitando assim a longaviagem através do deserto.--Mas para chegarmos a Tobruk temosde penetrar na linha de Gazala.--Que tenciona fazer a seguir?--Recuar e reagrupar--respondeu Rommel.--os Ingleses vão perseguir nos, mas nãoimediatamente-interveio Von Mellenthin.--São sempre lentos atirar partido de uma vantagem. Mas mais cedo ou mais tarde vãotentar uma avançada.--A questão é quando e como--observou Rommel.--Sem dúvida--concordou Mellenthin.--Há um apontamento nosrelatórios de hoje que Lhe vai interessar: o espião deunotícias.

--o espião? -- perguntou Rommel. Depois lembrou se. Deslocarase de avião até ao oásis Jalo, bem no interior do desertolíbio, a fim de transmitir instruções ao indivíduo, antes deele iniciar uma longa maratona a pé para leste. o espiãochamava-se Wolff eRommel ficara impressionado com a sua coragem.--De onde falouele?--Do Cairo.--Então sempre chegou lá! Se foi capaz disso, é capaz de tudo.Talvez ele possa prever a avançada.Kesselring interveio:--Meu Deus, não está agora a depender de espiões, pois não? Asinformações obtidas através de espiões são da pior espécie.

--De acordo--anuiu Rommel calmamente.--Mas tenho opressentimento de que este pode ser diferente.

Capítulo 3

ELENE Fontana viu o seu rosto reflectido no espelho e pensou:"Tenho vinte e três anos. Devo estar a perder a beleza."Aproximou-se mais do espelho e observou-se cuidadosamente, àprocura de sinais de deterioração. A sua tez era perfeita. osseus olhos, castanhos, redondos, continuavam límpidos comolagos de montanha. Não tinha rugas. o seu rosto era quaseinfantil, delicadamente modelado e com uma expressão dedesamparada inocência. Sorriu. Tinha um sorriso leve, íntimo,

com um laivo de malícia-um sorriso que, sabia o, era capaz decausar suores frios a qualquer homem.Pegou no bilhete e releu-o.

Minha querida EleneLamento, mas acabou tudo. A minha mulher descobriu. Claro quepodes continuar no andar, mas não posso continuar a pagar-te arenda.Lamento o que aconteceu, mas creio que ambos sabíamos que não

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podia durar sempre. Felicidades. TeuClaud

"Assim sem mais nem menos", pensou, enquanto rasgava obilhete. Claud, um negociante gordo, semifrancês e semigrego,era instruído e generoso, mas não queria saber de Elene. Era oterceiro em seis anos. Era tanto por culpa dela como doshomens que os affairs terminavam. A verdadeira causa erasempre a mesma: Elene sentia se infeliz.Pensou na perspectiva de outra conquista. Talvez um italianode olhos rutilantes e cabelo lustroso. Poderia conhecê-lo no bardo Metropolitan Hotel, que os repórteres costumavamfrequentar. Ele abordá-la-ia e depois oferecer-lhe-ia umabebida. Ela sorrir-lhe-ia e ele ficaria rendido. Marcariam umencontro, a que se seguiria outro. Ele passaria cada vez maistempo em casa dela e começaria a pagar a renda e as contas.Elene teria então tudo quanto queria: um lar, dinheiro eafecto. Começaria a pensar porque se sentiria tão infeliz.Haveria discussões. Ela amuaria se ele chegasse meia horaatrasado. Por fim, a crise eclodiria: a mulher deledesconfiaria, ou um filho adoeceria, ou surgir Lhe iamdificuldades económicas. E Elene encontrar-se-ia de novo noponto em que se encontrava: à deriva sozinha, mal afamada--eum ano mais velha.

Contemplou de novo o rosto reflectido no espelho. A sua caraera a causadora de tudo. Se fosse feia, teria sempre desejadoaquela vida e nunca teria descoberto o seu vazio. "Tudesencaminhaste-me", pensou. "Fingiste que eu era outrapessoa. Não és a minha cara: és uma máscara. Não sou umabeleza da sociedade cairota, sou uma rapariga dos bairros dalata de Alexandria. Não sou egípcia, sou judia. o meu nome nãoé Elene Fontana, é Abigail Asnani. E quero ir para a minhaterra."

o jovem sentado à secretária da Agência ludaica no Cairo usavasolidéu. A parte uma pequena barbicha, tinha as faces lisas.Parecia bastante confuso, condição a que Elene já estava

habituada; em geral, os homens ficavam levemente atrapalhadosquando Lhes sorria.--Mas porque quer ir para a Palestina?--perguntou o homem.--Sou judia--respondeu bruscamente. Não podia explicar. a suavida àquele rapaz. --Toda a minha família morreu. estou adesperdiçar a minha vida.--A primeira parte não era verdade; asegunda era.--Que trabalho faria na Palestina? É essêncialmente agricola.--optimo.o funcionário sorriu amavelmente. Começava a recuperar acompostura.--Não quero ofender, mas não parece uma trabalhadora agrí

cola. Que faz agora?--Canto, e quando não arranjo trabalho para cantar, danço, equando não arranjo trabalho para dançar, sirvo àmesa.--Executara todas essas tarefas numa ou noutraocasião.--Porquê todas essas perguntas? Neste momento aPalestina só aceita universitários?--É muito-difícil entrar lá. os Ingleses impuseram uma quota,e todos os lugares estão ocupados por fugitivos dos nazis.--Porque não me disse logo isso?--perguntou, irritada.--Por duas razões. Primeira, porque conseguimos meter lá gente

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ilegalmente; segunda ... Importa se de esperar um momento?Preciso de telefonar a uma pessoa.Dirigiu se ao telefone, situado numa sala das traseiras, eElene esperou impacientemente. Sentia se um pouco idiota.Devia ter calculado que Lhe fariam perguntas e podia terpreparado as respostas. Também podia ter vestido qualquer traje menos vistoso.o homem regressou.--Está tanto calor!--observou.--Vamos beber um refresco dooutro lado da rua?Era então esse o jogo!--Não--respondeu. --Você é demasiado novo para mim.--oh, por favor, não me interprete mal!--explicou extremamente embaraçado. -- Quero apenas apresentá la a uma pessoa,mais nada.Elene considerou que não tinha nada a perder.--Está bem--concordou.Ele segurou a porta, dando Lhe passagem, atravessaram a rua eentraram num café. o jovem pediu uma limonada. Elene, gin comágua tónica.--Disse que conseguiam que entrasse gente ilegalmente ...--As vezes--admitiu o rapaz, e bebeu metade da limonada de umtrago.--Fazemo lo, por exemplo, a quem tenha feito mui .o pelacausa.

--Quer dizer que tenho de merecer o direito de ir para aPalestina?--Talvez um dia todos os Judeus tenham o direito de ir paralá. Mas enquanto houver quotas terá de haver critérios.--Que tenho de fazer?--perguntou Elene.--Nós não gostamos muito dos Ingleses, mas qualquer inimigodos nazis é um amigo nosso. Por issa, neste momento estamos atrabalhar com o Serviço de Informações Britanico. Pensei quevocê pudesse ajudá-los.--Mas como, meu Deus?!Uma sombra projectou-se na mesa e o jovem ergueu os olhos.--Ah--exclamou, e fitou de novo Elene.--Apresento Lhe o meuami o, maior William Vandam.

Era um homem alto, de ombros largos. Elene calculou quedeveria orçar os quarenta anos e começava a perder dinamismo.Tinha um rosto redondo e franco e cabelo castanho encrespado.o recém chegado apertou Lhe a mão, sentou-se, acendeu umcigarro e pediu gin. Tinha uma expressão severa, como seconsiderasse a vida um assunto muito sério.o homem da agência perguntou-lhe:--Que notícias tem?--A linha de Gazala está a aguentar, mas combate-se láviolentamente.A voz de Vandam foi uma surpresa. Falava em tom preciso mas

suave, e carregava levemente no r.

--De onde é o senhor, major?--perguntou-lhe Elene.--Do Dorset, no Sudõeste da Inglaterra. Porque pergunta?--Por causa do sotaque.--É observadora. Eu julgava que não tinha sotaque.--E muito ligeiro.o jovem da agência ergueu-se para se ir embora e disse aElene:--o major Vandam explica Lhe tudo. Espero que trabalhe comele. É muito importante.Vandam apertou Lhe a mão e agradeceu-lhe, e o jovem saiu.

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--Fale-me de si--pediu o major a Elene.--Não. Fale me você de si.Ele arqueou uma sobrancelha, levemente surpreendido e um poucodivertido.--Está bem--acedeu.--o Cairo está cheio de homens que conhecemsegredos: as nossas forças, as nossas fraquezas e os nossosplanos. os Alemães têm gente no Cairo encarregada de tentarobter esses segredos. A minha missão é impedi-lo.--Simples, hem?--É simples, mas não é fácil-- admitiu o major após unsmomentos de reflexão.Tomava tudo quanto Elene dizia a sério, o que Lhe agrada va.Geralmente, os homens consideravam a sua conversa irrelevante.--E a sua vez--disse Vandam decorridos alguns momentos.Resolveu dizer lhe a verdade:--Sou uma má cantora e uma bailarina medíocre, mas às vezesarranio um homem rico Para me Pa ar as contas.

Vandam não pronunciou uma palavra, mas pareceu perplexo.Apoderou-se de Elene o desejo de ser maliciosa:--Não é isso o que a maioria das mulheres faz quando casa?Arranjar um homem para pagar as contas? Eu limito-me a mudarde homem um pouco mais depressa do que a média das mulheres.

Vandam rompeu a rir. De súbito, pareceu um homem diferente.Lançou a cabeça para trás e a tensão abandonou-lhe o corpo.Quando a gargalhada terminou, sorriram-se. Depois, elerecuperou a expressão sena.--o meu problema é a informação. Ninguém diz nada a um inglês.É por isso que preciso de si. Como é egípcia, ouve o tipo deconversas que não chegam aos meus ouvidos. Por outro lado,como é judia, repetir-mas-á. Espero.--Que género de conversas?--Estou interessado em qualquer pessoa que revele curiosidadepelo Exército Britanico e procuro em especial um homem chamadoAlex Wolff. Viveu em tempos no Cairo, aonde regressourecentemente, via Asyut. Anda com certeza a colher informações

sobre as forças britanicas.Elene encolheu os ombros.--Depois de todos os seus preliminares, esperava que mepedisse que fizesse qualquer coisa muito mais complexa ...como valsar com Rommel e revistar-lhe as algibeiras, porexemplo.Vandam riu-se de novo e Elene pensou: "Podia ser conquistadapor este riso."--Bem, apesar de não ser complexo, está disposta a fazê-lo?Preciso de pessoas como você, Miss Fontana. É observadora, tem

um disfarce perfeito e é obviamente inteligente. Desculpe sertão franco . . .

--Não tem que pedir desculpa, gosto assim. Continue a falar.--Na sua maior parte, as pessoas que trabalham para mim nãosão de muita confiança. Trabalham por dinheiro, enquanto vocêtem um motivo mais forte para ...--Um momento!--interrompeu-o.--Eu também quero dinheiro.Quanto é que pagam?--Quanto quer?--o suficiente para pagar a renda do meu apartamento. Setentae cinco por mês.--Teria de ser muitíssimo útil para justificar setenta e cinco

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por mês. Mas está bem, vamos experimentar um mês.

Elene esforçou-se por disfarçar uma expressão de triunfo.--Como contacto consigo?--Mande-me uma mensagem.--Vandam pegou num lápis e numa folhade papel.--Vou deixar-lhe a direcção e o número do telefonetanto do quartel-general como de minha casa. Assim que tivernotícias suas, vou a sua casa.Elene escreveu também a sua morada.--Se me perguntarem quem você é, digo que é meu amante.--Muito bem--concordou o major, mas desviou o olhar.--Mas acho que seria melhor representar o papel para nãolevantar suspeitas--continuou Elene sem que a expressão se Lhealterasse. -- Devia levar-me braçadas de flores e caixas dechocolates.--Não sei ...--os In leses não oferecem flores e chocolates às amantes?--Nunca tive nenhuma amante--respondeu, fitando-a sempestane)ar."Toma que é para saberes", pensou Elene, mas disse em vozalta:--Então tem muito que aprender.Levantaram-se.--Fico à espera de notícias suas--disse o major.

Ela apertou-lhe a mão e afastou-se. Sem saber porquê, teve aimpressão de que o olhar dele não a se uiu.

VANDAM vestiu-Se à civil para a recepção do Anglo-EgyptianUnion. Não iria ao Union se a mulher fosse viva. Elaconsiderava o clube "plebeu". E quando ele Lhe observava quenão fosse snobe, ela replicava-lhe que era snobe.Vandam amara-a então e continuava a amá-la agora.o pai dela era um diplomata bastante abastado a quem nãoagradara a perspectiva de a filha casar com o filho de umcarteiro. Não o apaziguara muito saber que Vandam eraconsiderado um dos jovens oficiais do Exército maisprometedores, mas acabara por aceitar desportivamente o

casamento.Nada disto importara a Vandam; também não Lhe importara ofacto de a mulher ser irascível e ter modos imperiosos. Angelaera graciosa e digna, o epítome da feminilidade. o contrasteentre ela e Elene Fontana não poderia ser mais flagrante.o dia arrefecia quando Vandam estacionou a sua motocicleta no

  ion e se dirigiu para o relvado. Aceitou um copo de sherrycipriota e juntou-se à multidão, trocando amabilidades com

pessoas conhecidas. ouviu chamar o seu nome e voltou-se.--Dr.a Abuthnot.--Aqui podemos ser infommais--disse a médica.--Chamo-me Joan.

--E eu William. o seu marido está cá?--Não sou casada.--Desculpe.Começou a vê-la sob uma luz nova. Ela era solteira e eleviúvo, e tinham sido vistos a falar um com o outro três vezesnuma semana. Tanto bastava para que a colónia britanica noCairo já os considerasse praticamente noivos.--É cirurgia?--perguntou.--Hoje em dia limito-me a coser e a remendar pessoas-respondeua médica sorrindo.--Mas antes da guerra era cirurgia.

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--Como conseguiu isso? Não é fácil para uma mulher.--Lutei com unhas e dentes. --Continuava a sorrir, mas Vandamdetectou um certo ressentimento subjacente e não esquecido. --Você também é um pouco inconvencional, segundo me constou,pois cria pessoalmente o seu filho.--Não tenho alternativa. Se tivesse querido mandá-lo paraInglaterra, não teria conseguido: só há passagens parainválidos e generais.--Mas não quis.--É meu filho. Não quero que mais ninguém o crie, e eletão-pouco.--Compreendo. Desculpe ter-me intrometido. Toma outra bebida?Vandam olhou para o copo de sherry e respondeu:--Creio que tenho de ir lá dentro procurar uma bebida a sério.--Desejo-lhe sorte.--E a Dr.a Abuthnot sorriu e afastou-se.Vandam atravessou o relvado na direcção do clube. A médica erauma mulher atraente, corajosa e inteligente, e dera claramentea entender que desejava conhecê-lo melhor. "Porque diabo mesinto tão indiferente para com ela?", pensou Vandam.

DE galabia e fez, Alex Wolff postara-se a trinta metros doportão do Quartel-General Britanico a vender leques de papel.A perseguição abrandara. Há uma semana que não via os Inglesesa verificar documentos na via pública. Apenas se sentira razoavelmente

seguro, dirigira-se ao quartel-general. Embora a sua chegadaao Cairo tivesse constituído um triunfo, tudo seria inútil senão obtivesse, e rapidamente, as informações que Rommelpretendia.Algures no interior do QG havia papéis com a indicação donúmero de soldados, dos nomes das divisões e dos números detanques em campo e na reserva, da quantidade de municões,víveres e gasolina, bem como das intenções estratégicas etácticas do Alto Comando Britanico. Eram esses papéis queWolff queria.os Ingleses tinham requisitado para o seu QG uma quantidade decasas grandes--na sua maioria pertencentes a paxás--da GardenCity. As casas requisitadas estavam cercadas por uma vedação

de arame farpado. As pessoas fardadas transpunham rapidamenteo portão, mas os civis eram detidos e interrogadosdemoradamente, enquanto as sentinelas faziam telefonemas parase assegurarem da autenticidade das credênciais.Wolff passara muito tempo, na escola de espionagem da Abwehr,a aprender a identificar uniformes, sinais de identificaçãoregimentais e os rostos de, literalmente, centenas de oficiaissuperiores britanicos. Ali, durante várias manhas

consecutivas, espreitara através das janelas dos automóveis doEstado-Maior que chegavam e vira coronéis, generais,almirantes, comandantes de esquadrilha e o própriocomandante-chefe do Médio oriente, Sir Claude Auchinleck.

o Estado-Maior-General viajava de automóvel, mas os seusajudantes andavam a pé. Todas as manhas os capitães e osmajores chegavam a pé, transportando pastas. Cerca do meio-diasaíam alguns, novamente com as pastas, e todos os dias Wolffseguia um deles.Na sua maioria, os ajudantes trabalhavam no QG, onde os seusdocumentos secretos deviarn estar fechados à chave. Porém, umreduzido número de outros trabalhava noutros pontos da cidadee tinha de transportar consigo, do quartel-general para esseslocais de trabalho, os papéis com instruções. Um deles ia para

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o Semiramis Hotel, onde estava instalado um departamentoqualquer chamado Tropas Britanicas no Egipto. Dois iam para ascasernas de Kasr-el-Nil e um quarto para um edificio semqualquer identificação, na Shari Suleiman Pasha. Wolff ânsiavapor examinar essas pastas. Naquele dia ia tentar umaexperiência.Quando os ajudantes saíram, Wolff seguiu os dois que sedirigiam para as casernas. Um minuto depois, Abdullah saiu deum café e calocou-se a seu lado, acertando o passo com o seu.

--Aqueles dois?--perguntou.--Sim, aqueles dois.Abdullah era um homem gordo com um dente de aço. Embora fosseum dos homens mais ricos do Cairo, ao contrário da maioria dosárabes abastados, não imitava os Europeus. Usava sandálias,uma vestimenta suja e um fez. o cabelo gordurosoencaracolava-se-Lhe em torno das orelhas e tinha as unhaspretas. A sua fortuna advinha-lhe do crime: Abdullah eraladrão.Wolff gostava dele. Era manhoso, velhaco, cruel, generoso eestava sempre a rir. Personificava, para Wolff, os vícios e asvirtudes seculares do Médio oriente. Havia trinta anos que oseu exército de filhos, netos, sobrinhos e sobrinhas roubavacasas e limpava algibeiras no Cairo. Tinha tentáculos em toda

a parte.Seguiram os dois oficiais até ao centro moderno da cidade.--Queres uma pasta ou as duas?--perguntou Abdullah.Wolff meditou um instante. Uma, seria um roubo casual; duas,pareceria um roubo organizado.--Uma--respondeu, -- Não importa qual.Wolff encarara a ideia de pedir auxílio a Abdullah depois dedescobrir que a Villa les oliviers deixara de ser segura. Masresolvera não o fazer. Abdullah poderia, com certeza,escondê-lo em qualquer lado, mas apenas o ocultasse iniciarianegociações para o vender aos Ingleses. Abdullah dividia omundo em dois: a sua

confiava inteiramente. A parte isso, intrujava toda a gente eesperava que toda a gente tentasse intrujá-lo.Chegaram a uma esquina movimentada. os dois oficiaisatravessaram a rua, esquivando-se ao transito. Wolffpreparava-se para os seguir, mas Abdullah colocou-lhe a mão nobraço.--Vai ser aqui--disse o ladrão.

Wolff olhou em redor, observando os prédios, o cruzamento deestradas e os vendedores ambulantes.--o lugar é perfeito--declarou sorrindo.

F'lzERAM-No no dia seguinte. Abdullah escolhera de facto um

lugar perfeito para o roubo, na junção de uma movimentada ruatMnSversal cam uma artéria principal. A esquina havia um cafécom mesas no passeio, cuja largura ficava assim reduzida ametade. Defronte do café, na artéria principal, havia umaparagem de autocarros e os passageiros que esperavamtransporte contribuíam para congestlonar maus am a o passelo. A rua transversal eraum pouco mais desimpedida, mas Abdullah remediara essadesvantagem mandando dois acrobatas exibir-se nela.Apreensivamente sentado à mesa do canto, Wolff receava pelo

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sucesso da operação. Aterrorizava-o a ideia de ser preso.Podia dispensar a boa mesa, o vinho e as mulheres desde quetivesse a vastidão agreste e erma do deserto para o consolar.E também conseguia prescindir da liberdade do deserto paraviver numa cidade populosa desde que dispusesse dos luxosurbanos servindo-lhe de compensação. Mas não podia perderambas as coisas. A ideia de viver numa cela exígua e incolor,entre a escória da terra, comendo mal e privado de ver o céuazul ou as extensas planícies ... o panico apoderou-se dele eteve de o expulsar da mente.As onze e quarenta e cinco, viu o vulto avantajado e sujo deAbdullah passar pelo café. o rosto do ladrão era inexpressivo,mas os seus pequenos olhos pretos olhavam atentamente em redorverificando se as disposições que tomara tinham sidoefectivadas. Abdullah atravessou a estrada principal edesapareceu.As doze e cinco, Wolff divisou à distância dois bonésmilitares entre a massa de cabeças. Sentou-se na beira dacadeira. os oficiais aproximavam-se ... Traziam as respectivaspastas.Do outro lado da rua foi ligado o motor de um automóvelestacionado. Um autocarro chegou à paragem, e Wolff pensou:"Aquilo não pode ter sido arranjado por Abdullah; é uma sorte,um bonus. "

os oficiais encontravam-se a cinco metros de Wolff.o automóvel do outro lado da rua, um grande Packard preto,arrancou repentinamente, atravessou a estrada como um elefantelançado numa carga, com o motor a roncar em primeira, edirigiu-se para a rua transversal, fazendo soar a buzina. Aesquina a curta distância de Wolff, embateu na frente de umvelho táxi Fiat.os dois oficiais detiveram-se ao lado da mesa de Wolff aobservar o acidente. o motorista do táxi, um jovem árabe decamisa à ocidental e fez, saltou do carro. Do Packard saiu umjovem grego de fato de mohair. o árabe esbofeteou o grego e ogrego esmurrou o árabe. os passageiros à espera do autocarro eos que dele haviam saido aproximaram-se mais.

Do outro lado da esquina, o acrobata que se encontrava de pésobre a cabeça do colega virou-se para observar a contenda,pareceu a

desequilibrar-se e caiu em cima da assistência. Um rapazinhopassou a correr pela mesa de Wolff, que se ergueu, apontou

para ele e gritou a plenos pulmões: "Agarra que é ladrão!"o rapaz esgueirou-se por entre os dois oficiais sem deixar decorrer. Wolff precipitou-se no seu encalço e quatro clientessentados perto de Wolff ergueram-se e tentaram agarrar orapaz. Chocaram todos com os oficiais e lançaram ambos aochão. Diversas pessoas começaram a gritar: "Agarra que é

ladrão!" Alguns recém-chegados concluíram que o ladrão era umdos motoristas engalfinhados. A multidão da paragem doautocarro, os espectadores dos acrobatas e a maioria dosfrequentadores do café avançaram e começaram a atacar um ououtro dos motoristas. Alguém brandiu uma cadeira do café eatirou-a contra o pára-brisas do Packard. os criados, opessoal da cozinha e o proprietário do café surgiramprecipitadamente e começaram a agredir quem quer que seencostasse à sua mobília ou tropeçasse ou se sentasse nela.Todos gritavam entre si em cinco línguas. Alguns condutores

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que passavam detinham os automóveis para ver a balbúrdia, otransito congestionava-se em três direcções e não havia buzinade veículo parado que não tocasse. Um cão soltou-se da trela ecomec,ou a morder as pernas dos circunstantes num frenesi deexcitação. Todos os passageiros desceram do autocarro.Motoristas que se haviam detido para apreciarem o espectáculonão tardaram a arrepender-se quando a refrega se alastrou aosseuspróprios automóveis. Homens, mulheres e crianças saltavam paraos tejadilhos, lutavam sobre os capots e caíam nos estribos.Uma cabra assustada entrou na loja de recordações contígua aocafé e começou a derrubar todas as mesas carregadas deporcelanas, ceramica e vidros. Um babuíno surgiu não se sabede onde--provavelmente viera a cavalo na cabra, o queconstituía uma forma de divertimento corrente nas ruas--ecorreu por sobre as cabeças da multidão. De uma janelasobranceira ao café uma mulher despejou um balde de água sujapara cima da turba. Ninguém se apercebeu do facto.Finalmente, a Polícia chegou.Quando se ouviram os apitos, a multidão dispersou-se em todasas direcções, antes que comec,assem as detenções. Wolff, quecaira no início da contenda, levantou-se e atravessou aestrada para assistir ao desenlace. Na altura em que seencontravam seis pessoas algemadas já ninguém lutava, à

excepção de uma velha vestida de preto e de um mendigo a quemfaltava uma perna, que se empurravam frouxamente um ao outrona valeta. o proprietário do café e o dono da lojade recordações insultavam veementemente a Polícia por não terchegado mais cedo.Quando a Polícia tentou retirar os dois veículos que haviamchocado, verificou que, durante a refrega, garotos da ruatinham levantado a retaguarda de ambos os automóveis e roubadoos pneus. Tinham igualmente desaparecido todas as lampadas doautocarro.Bem como uma pasta do Exército Britanico.Pouco tempo depois, Wolff encontrava-se sentado na sala deAbdullah. Como o seu dono, era suja, confortável e rica. Três

crianças e um cachorro perseguiam-se à volta dos sofás caros edas mesas com embutidos. Sentado numa almofada bordada, depemas cruzadas e com um bebé ao colo, Abdullah sorria a Wolff.--Que êxito, meu amigo!--Foi maravilhoso--concordou Wolff, sentado defronte dele.

--Que zaragata! E o autocarro a chegar no momento exacto!Wolff observou mais atentamente o que Abdullah estava a fazer.No chão a seu lado encontrava-se um monte de carteiras, malasde mão e relógios. Enquanto falavam, Abdullah começou aexaminar uma carteira.--Velho tratante! --exclamou Wolff. --Mandaste os teus rapazespara a maralha limpar algibeiras.

o sorriso de Abdullah revelou-lhe o dente de aço.--Todo aquele trabalho para roubar só uma pasta ...--Mas apanhaste a pasta, não apanhaste?--Evidentemente.--No entanto, Abdullah não fez menção de aapresentar. --Ficaste de me pagar cinquenta libras pelaentrega.Wolff contou as notas e estendeu-lhas. Abdullah introduziu amão sob a almofada em que se sentava e retirou a pasta.Wolff recebeu-a e forçou a fechadura. No interior da pastaencontravam-se dez folhas de papel compactamente

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dactilografadas em inglês. Leu a primeira e, com crescenteincredulidade, folheou as restantes.--Meu Deus! --exclamou baixinho, e rompeu a rir.Roubara um conjunto completo de ementas da cantina do quartelpara o mês de Junho.

VANDAM disse ao coronel Bogge:--Redigi uma nota a recordar aos oficiais que não devem andarcom os documentos do Estado-Maior pelas ruas da cidade. Umadas minhas informadoras, a nova rapariga de que Lhe falei,ouviu umboato segundo o qual aquela zaragata foi organizada porAbdullah. E ste e uma espécie de Faginl egípcio ... e porcoincidência também é informador.--Com que fim foi a zaragata organizada?--Roubo. Roubaram muitas coisas, mas temos de considerar apossibilidade de o principal objectivo ser a pasta. Abdullahpode ter sido encarregado da operação por Alex Wolff, ofaquista de Asyut.--Francamente, julguei que tínhamos esquecido toda essahistona.--o assassino de Asyut continua à solta--insistiu Vandam.-Podeser significativo o facto de, pouco depois da sua chegada aoCairo, terem roubado a pasta a um oficial do Estado-Maior.Falei com Abdullah, que nega qualquer conhecimento de Alex

Wolff, mas penso que mente. Podíamos encarregar a segurança decampo de o deter e fazê-lo suar um bocado.Bogge sorriu.--Se eu fosse contar à segurança de campo esta história deementas de cantina roubadas, corriam comigo deste lugar àgargalhada. Já discutimos o assunto o suficiente, major. Nãoacredito que o tumulto tenha sido organizado, não acredito queAbdullah tencionasse roubar a pasta e não acredito que Wolffseja um espião nazi. Entendido?--Sim, meu coronel.--óptimo. Pode ir.

Capítulo 4

ANWAR el-Sadat afagou o bigode, com o qual estava muitosatisfeito. Tinha apenas vinte e três anos, e no seu uniformede capitão egípcio assemelhava-se um pouco a um rapaz vestido

de soldado. o bigode ajudava-o a parecer mais velho. Precisavade toda a autoridade possível, poiS a proposta que estavaprestes a sugerir não deixava --como habitualmente--de parecerridícula. Naquelas pequenas reuniões fazia um esforço violentopara falar e agir como se o punhado de exaltados presentesfosse realmente um daqueles dias expulsar os Ingleses doEgipto.

1 Personagem do livro oliver Twist, de Charles Dickens, queensinava crianc,as a serem carteiristas.Engrossou deliberadamente a voz quando começou a falar:--Esperámos todos que Rommel derrotasse os Ingleses no desertoe libertasse assim o nosso país. Agora temos uma notíciagrave: Hitler concordou em dar o Egipto aos Italianos.Sadat exagerava: não se tratava de uma notícia, mas de umboato. A assistência, contudo, reagiu com murmúrios coléricos.Sadat continuou:--Proponho que o Movimento de oficiais Livres negoceie com a

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Alemanha um tratado segundo o qual nós organizaríamos umlevantamento contra os Ingleses no Cairo e os Alemãesgarantiriam a independência do Egipto subsequentemente àderrota dos Ingleses.Enquanto falava, teve de novo consciência da ironia dasituação: ali estava ele, um camponês acabado de chegar docampo, a falar a meia dúzia de subalternos egípciosdescontentes sobre negociações com o Reich alemão. E, noentanto, quem mais poderia representar o povo egípcio? osIngleses eram conquistadores, o Parlamento era um títere e orei Faruk era um turco gordo e licencioso que descendia deestrangeiros.Mas obedecia ainda a outra razão para apresentar aquelaproposta: Gamal Abdel Nasser fora colocado no Sudão, e a suaausência dava a Sadat uma oportunidade de se tomar o líder domovimento rebelde. Afastou esse pensamento, que consideravaignóbil. Precisava de conseguir que os outros concordassem coma proposta e depois com os meios de a pôr em prática.Foi Kemel quem primeiro falou:--Mas tomar-nos-ao os Alemães a sério?os restantes começaram a discutir as probabilidades de êxitodo eventual acordo com os Alemães. Sadat não participou nadiscussão. "Eles que falem", pensou; "é o que realmente gostamde fazer." De facto, ele e Kemel haviam combinado de antemão

que este formularia aquela pergunta, que colocava a questão embases falsas. o cerne do problema era saber se poderiamconfiar nos Alemães, se estes cumpririam qualquer acordo quefizessem com um grupo de rebeldes. Sadat não queria que esseassunto fosse discutido na reunião. Se os Egípcios sesublevassem contra os Ingleses e depois fossem traídos pelosAlemães, constatariam que apenas Lhes restava conseguirem aindependência--e talvez procurassem a liderança do homem queorganizara a sublevação. Duras realidades políticas desemelhante natureza não eram para reuniões como aquela. Kemelera a única pessoa com quem Sadat podia discutir questões detácticas.

Kemel era polícia, detective superintendente da força doCairo, um homem astuto e cuidadoso.--Mas não temos meios de contactar com os Alemães-observou

Imam, um dos pilotos. Sadat constatou com satisfação que jádiscutiam o modo de executarem a operação, e não se aexecutariam.Kemel sabia a resposta:--Podíamos enviar a mensagem de avião.--Sim!--Imam era jovem e apaixonado.--Um de nós podia levantarvoo em patrulha, desviar-se do rumo e aterrar atrás das linhasalemas.Um dos outros pilotos contrapôs:

--No regresso teria de dar contas do desvio.--Talvez nem regressasse--retorquiu Imam melancolicamente.--Talvez regressasse com Rommel--observou Sadat calmamente.os olhos de Imam iluminaram-se, e Sadat compreendeu que ojovem piloto já se estava a ver a entrar no Cairo à frente deum exército de libertação. Sadat decidiu que Imam levaria amensagem.--Vamos discutir o texto da mensagem--propôs democraticamente.-- Acho que devemos frisar quatro pontos. Um: somos egípcioshonestos e estamos organizados dentro do Exército. Dois: como

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os Alemães, estamos a lutar contra os Ingleses. Três: temospossibilidades de recrutar um exército rebelde para combaterdo lado dos Alèmães. Quatro: organizaremos uma sublevação noCairo se eles garantirem a independência do Egiptosubsequentemente à derrota dos Ingleses. Só resta saber qualde nós pilotará o avião.Sadat percorreu a sala com os olhos e por fim fixou Imam. Apósum momento de hesitação, Imam ergueu-se e os olhos de Sadatrefulgiram, triunfantes.Dois dias depois, Kemel percorria a pé os cinco quilómetrosque mediavam entre o centro do Cairo e o subúrbio onde Sadatmorava. Embora como detective superintendente pudessedeslocar-se num automóvel oficial, raramente o utilizavaquando se dirigia a reuniões de rebeldes, por razões desegurança.Kemel era quinze anos mais velho do que Sadat, mas a suaatitude para com o jovem oficial era quase a de adoraçãoperante um herói Kemel compartilhava o cinismo de Sadat, a suacompreensão realista das alavancas do poder político; masSadat tinha algo mais: um idealismo ardente que Lhe dava umaener ia ilimitada.Kemel não sabia como comunicar-lhe-a notícia.A mensagem para Rommel fora dactilografada e assinada porSadat e por todos os principais oficiais livres, à excepcão de

Nasser, ausente. Imam partira no seu Gladia or precedendo umsegundo avião pilotado por um compatriota, Baghdadi. Tinhamaterrado no deserto, num lugar previamente combinado, a fim derecolherem Kemel, que entregou a mensagem a Imam e depoissubiu para o avião de Baghdadi.Era a primeira vez que Kemel voava. o deserto, tãoincaracteristico ao nível do solo, revelara-se um mosaico deformas e padrões: as manchas do cascalho e as esculpidascolinas vulcanicas. Decorrido algum tempo, ambos os aviõeshaviam virado para leste, e Baghdadi comunicara à base,através da rádio, que Imam mudara de rumo e não respondia achamamentos pela rádio. Como se esperava, da base haviamordenado a Baghdadi que seguisse Imam. Esta pequena farsa era

necessária para que Baghdadi, que deveria regressar, não setornasse suspeito.

Haviam sobrevoado um acampamento do Exército Britanico. Ambosos aparelhos tinham aumentado a altitude. Exactamente à suafrente viam-se sinais de combate: grandes nuvens de poeira,explosões e fogo de artilharia. os dois aviões haviam descritouma volta a fim de passarem a sul do campo de batalha. "Aseguir devemos encontrar uma base alema", pensara Kemel. oavião de Imam perdera altitude. Em vez de o seguir, Baghdadisubira um pouco mais e afastara-se mais para sul. Depois,Kemel vira o que os pilotos tinham visto: um campo e uma pistade aterragem.

Ao aproximar-se agora da casa de Sadat, Kemel recordou como sesentira eufórico, no céu, quando compreendera que o tratado seencontrava quase nas mãos de Rommel.Bateu à porta. Era uma vulgar casa de família, bastante maispobre do que a do próprio Kemel. Decorridos instantes, Sadat,que envergava uma galabia e fumava cachimbo, abriu a porta.Apenas viu o rosto de Kemel, declarou imediatamente:--Correu mal.--Correu.Kemel entrou e dirigiram-se para a pequena sala que servia de

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escritório a Sadat e na qual havia uma secretária, umaprateleira de livros e algumas almofadas no chão nu.Sentaram-se e Kemel informou:--Encontrámos uma pista de aterra em alema. Imam desceu eos Alemães abriram fogo contra ele. o avião era inglês ... nãotinhamos pensado nesse porrnenor. Ele abanou as asas e suponhoque tentou comunicar pela rádio, mas eles continuaram adisparar. Acertaram na cauda do apare.lho.--Meu Deus!--Ele mergulhou, mas conseguiu aterrar com as rodas. Noentanto, saiu da pista, entrou na areia e o avião explodiu.--E Imam?--Com certeza que não sobreviveu ao fogo.--Temos de arranjar outra maneira de levar a mensagem-disseSadat.Kemel fitou-o e compreendeu que o tom brusco era fingido.Sadat tentou acender o cachimbo, mas a mão tremia-lhedemasiado e tinha lágrimas nos olhos.--Pobre rapaz!--murmurou.

WoLFF regressara ao princípio: sabia onde se encontravam ossegredos, mas não podia alcançá-los. Talvez conseguisse roubaroutra pasta, mas tal roubo começaria a parecer aos Inglesesuma conspiração. Além disso, necessitava de um acesso regular

e fácil a documentos secretos. Sonja teria de entrar no jogo.Ela estava deitada na cama, a comer chocolates. Wolff saiu dacasa de banho embrulhado numa grande toalha.--Pensei noutra maneira de ter acesso às pastas--declarou.-Voutravar amizade com um oficial inglês e depois trago-o ao barcoe revisto-lhe a pasta enquanto ele estiver aqui contigo.--oh, não!--protestou Sonja.--Sim.Ela amuou.--Prometeste arranjar-me outra Fawzi.--Pois prometi, e continuo à procura.--Não prometeste procurar, prometeste arranjar.Wolff dirigiu-se à outra sala e retirou uma garrafa de

champanhe do frigorífico. Pegou em duas taças e levou tudo

para o quarto. Encheu uma taça e estendeu-a a Sonja.--Ao oficial inglês desconhecido a quem espera a maisagradável surpresa da sua vida.--Não quero ter nada a ver com um inglês--declarou Sonja.--odeio-os.--É por isso mesmo que vais fazer o que quero: porque os odeias. Imagina só: enquanto ele estiver aqui contigo asentir-se no sétimo céu, eu estarei a ler os seus documentossecretos.Wolff começou a vestir-se para a noite. Envergou uma camisaexpressamente feita para ele numa minúscula alfaiataria da

Cidade Velha--uma camisa militar inglesa com as insígnias decapitão nos ombros.--Vais fingir que és inglês?--perguntou Sonja.--Sul-africano, creio. Se encontrar um que sirva, levo-o aoCha-Cha.--Retirou a faca do coldre axilar, que tinha sob acamisa aproximou-se dela e tocou-lhe com a ponta afiada noombro nu.-Se me deixares ficar mal, uso isto.Sonja não pronunciou uma palavra, mas os seus olhosreflectiram medo.

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CoMo sempre, o Shepheard's Hotel estava cheio: mercadoreslevantinos em ruidosas reuniões de negócios, raparigasegípcias de vestidos baratos e oficiais ingleses--o hotelestava vedado a patentes inferiores. Wolff abriu caminho,através da sala congestionada, até ao comprido balcão dofundo, onde a confusão era menor. Não era permitida a presençade mulheres no bar, e beber a sério era a ordem do dia. Seriapara ali que se dirigiria um oficial solitario.Wolff sentou-se ao balcão. Preparava-se para pedir champanhemas recordando-se do seu disfarce pediu whisky com água.Dedicara extrema atenção ao.vestuário: os sapatos castanhoslustrosamente polidos, os calções castanhos e largos com umvinco perfeito, a fralda da camisa de fora e o boné achatadoligeiramente inclinado. Para completar o disfarce deixaracrescer o bigode. Como procurava um oficial do QG,identificar-se-ia a si mesmo como pertencente às TBE-- TropasBritanicas no Egipto--, que funcionavam à parte.Estavam uns quinze ou vinte oficiais no bar, mas nãoreconheceu nenhum. Procurava especificamente qualquer dosaju;'antes que diariamente, ao meio-dia, saíam do QG com assuas pastas. Fixara-lhes os rostos e reconhecê-los-iaimediatamente. Desejou não ser obrigado a aguardar muito.Esperou cinco minutos.o major que entrou era baixo, magro e provavelmen e orçaria os

quarenta e cinco anos. As suas faces apresentavam a rede decapilares arroxeados de um grande bebedor. Tinha olhos azuisbolbosos e cabelo ralo e amarelado. Todos os dias saía do QGao meio-dia e dirigia-se a pé com a pasta para um edificio semqualquer identificação da Shari Suleiman Pasha.o ritmo cardíaco de Wolff alterou-se.o major aproximou-se do balcão, tirou o boné e pediu:--Sco ch. Sem gelo e depressa. --Voltou-se para Wolff eobservou: --Maldito tempo.--Não está sempre assim, meu major?--redarguiu Wolff.--Tem toda a razão. Sou Smith, QG.--Como está, meu major?Wolff sabia que, em virtude de sair todos os dias do QG e se

dirigir para outro edifício, Smith não podia pertencerrealmente ao QG. E durante uma fracção de segundo perguntou asi mesmo o que o levaria a mentir.--Slavenburg, TBE--declarou por sua vez, apresentando-se.--Muito gosto. Posso oferecer-lhe outro?--É muito amável, meu major.--Deixe lá o meu major, homem. Não há patentes no bar. Que éque toma?--Whisky com água, por favor.--No seu lugar não misturava água. Dizem que vem direitinha doNilo.--Estou habituado. Nasci em Africa e estou no Cairo há dez

anos. -- Wolff começava a falar no estilo abreviado de Smith."Devia ter sido actor", pensou.--Africa, hem? Pareceu-me notar-lhe um leve sotaque.--Pai holandês, mae inglesa--explicou Wolff, e ergueu ocopo. -- A sua.Beberam.--Você conhece esta terra--observou Smith.--Que pode um tipofazer à noite, além de beber no bar do Shepheard?Wolff simulou reflectir no assunto.--Já viu dança do ventre?

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Smith emitiu um som de desagrado.--Uma vez. Uma mulher gorda a sacudir as ancas.--Ah! Nesse caso devia ver um espectáculo a sério. Não há nadamais erótico do que a verdadeira dança do ventre.Um clarão de volúpia reflectiu-se nos olhos de Smith.--Ah, sim?"Major Smith, és exactamente aquilo de que preciso", pensouWolff, que respondeu:--Sonja é a melhor bailarina. Por acaso estava a pensar nahipótese de ir vê-la esta noite dançar. Quer vir comigo?--Vamos beber outro copo primeiro--propôs Smith.Enquanto o via beber, Wolff reflectia que o major pareciaenfastiado, sem força de vontade e alcoólico. Sonjaconseguiria seduzi-lo facilmente.Acabararn de beber e tomaram um táxi para o Cha-Cha Club. Acasa estava de novo cheia e quente, e Wolff teve de subomar umcriado para arranjar mesa. o número de Sonja começou momentosdepois de se sentarem. Smith observava Sonja, enquanto Wolffobservava Smith.--Boa, não é?--perguntou Wolff.--Fantástica!--respondeu Smith sem desviar o olhar.--Por acaso conheço-a ligeiramente-- continuou Wolff.-Convido-a para nos fazer companhia depois?Desta vez Smith desviou o olhar do palco.

--Meu Deus! É capaz de a convidar?Soou uma tempestade de aplausos e Sonja atravessou o palco àsescuras em direcção aos bastidores. Dirigiu-se apressadamentepara o seu camarim, despiu as calças transparentes e o corpetecoberto de lantejoulas, vestiu um robe de seda e sentou-sedefronte do espelho para tirar a caracterização. Bateram àporta e ela respondeu:--Entre.Um dos criados entregou-lhe um bilhete, onde leu: "Mesa 41.Alex. "Sonja amarrotou o papel. Já encontrara um. Fora rápido. o seuinstinto de reconhecimento da fraqueza estava de novo

desperto.Sonja compreendia-o porque era como ele. Também se servia daspessoas. Até dele se servia. Wolff tinha estilo, gosto, amigosaltamente colocados e dinheiro, e um dia levá-la-ia paraBerlim. Ser estrela no Egipto era totalmente diferente de serestrela na Europa. Queria ser rainha de cabaré na cidade maisdecadente do Mundo. Wolff seria o seu passaporte. Era comcerteza invulgar, pensou, duas pessoas serem tão íntimas esimultaneamente amarem-se tão pouco. Sabia que ele usariamesmo a faca caso ela não fizesse o que ele queria.Estremeceu e deixou de pensar no assunto. Envergou um vestidobranco decotado, calçou umas sandálias de salto alto, enfiouem cada pulso uma grossa pulseira de ouro e suspendeu ao

pescoço um fio de ouro com um pendente em forma de lágrima.Quando entrou na sala do clube, fez-se silêncio. No palcoestava separada dos espectadores por uma parede invisível, masali podiam tocar-lhe, e todos o desejavam. o perigoemocionava-a. Chegou junto da mesa 41 e os dois homensergueram-se.--Sonja, minha querida, estás magnífica, como sempre-elogiouWolff. --Deixa que te apresente o major Smith.Sonja apertou a mão ao major. Este era um homem magro, semqueixo, bigode louro e mãos ossudas e feias. olhou-a como se

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ela fosse uma sobremesa extravagante.--Encantado, absolutamente--declarou.Sentaram-se e Wolff serviu champanhe.--A sua dança foi esplêndida, mademoiselle. Muito ...artística --observou Smith.--É muito amável, major.Sonja percebia que Wolff estava nervoso. Não tinha a certezade que ela faria o que ele pretendia. Na verdade, nem elaprópria ainda decidira.--Conheci o pai de Sonja pouco tempo antes de ele morrer-disseWolff a Smith.Era mentira. Sonja sabia por que motivo ele o afirmara: paraLhe recordar. o pai fora ladrão em part-time: quando tinhatrabalho, trabalhava; quando não tinha, roubava. Um diatentara roubar a carteira a uma europeia, a qual fora atiradaao chão durante a contenda que se seguira. Era uma mulherimportante, e o pai de Sonja fora chicoteado pelo crimecometido. E morrera enquanto o chicoteavam.A partir de então Sonja passara a nutrir um ódio mor al pelosIngleses. Queria que Hitler os humilhasse. Faria tudo paraajudar. Até seduziria um inglês.--Major Smith, o senhor é um homem muito atraente--disse, eWolff descontraiu-se visivelmente.Smith ficou atrapalhado:

--Valha-me Deus! Acha que sou?--Acho sim, major.--Trate-me por Sandy.Wolff ergueu-se.--Lamento, mas tenho de me ir embora. Sonja, possoacompanhar-te a casa?--Deixe isso comigo--interveio Smith.--Isto é, se Sonja ...Sonja pestanejou e respondeu:--Com certeza, Sandy.Wolff despediu-se. Um criado serviu o jantar, que Sonja foimastigando enquanto Smith descrevia os êxitos que alcançara na

equipa de críquete da escola. Era enfadonho. Sonja lembrou-se

frequentemente do flagelamento do pai.o major bebeu incessantemente durante o jantar. Quando saíram,cambaleava ligeiramente e ela deu-lhe o braço, mais parabeneficio dele do que seu. Seguiram a pé até aobarco-habitação, sob o fresco ar nocturno.--Quer ver o interior?--perguntou Sonja.--Gostava imenso.Ela conduziu-o pelo portaló e fê-lo descer a escada. o majorpercorreu o aposento com um olhar estupefacto.--Devo dizer que é muito luxuoso.Sonja serviu-lhe uma bebida e sentou-se a seu lado. Eletocou-lhe no ombro, beijou-lhe a face e agarrou-agrosseiramente. Sonja esíremeceu, repugnada, mas puxou-o para

si.--oh, Sandy, você é tão forte!olhou por sobre o ombro dele e viu Wolff observando-a atravésda vi ia, rindo silenciosamente.

Capítulo 5

WILLIAM Vandam começava a desesperar de vir a encontrar AlexWolff. o assassínio de Asyut verificara-se havia quase duassemanas, e Vandam não estava mais perto da sua presa. Sabia

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que começava a ficar obcecado pelo homem. Fascinava-o o estilode Wolff: a maneira inesperada como entrara no Egipto, orápido assassínio do cabo Cox e a facilidade com a qual sefundira com a cidade.Vandam não conseguira nenhum progresso concreto, mas recolheraalgumas informações, as quais Lhe haviam alimentado aobsessão. A Villa les oliviers pertência a um indivíduochamado Achmed Rahmha, que herdara a casa do padrasto, GamalRahmha, um rico advogado do Cairo. Gamal casara com uma talEva Wolff, viúva de Hans Wolff, ambos de nacionalidade alema.Adoptara o filho de Hans e Eva, Alex, o que explicava o factode Achmed Rahmha possuir documentos egípcios genuínos em nomede Alexander Wolff.Entrevistas com todos os Rahmhas sobreviventes não tinhamproduzido qualquer resultado. Achmed, ou Alex, desaparecerahavia dois anos e desde então ninguém recebera notícias dele.Vandam estava convencido de que Wolff estivera na Alemanha.Havia outro ramo da familia Rahmha, mas era nómada e ninguémsabia onde os seus membros se encontravam. Certamente, pensouVandam, esse ramo da família ajudara de qualquer maneira Wolffa reentrar no Egipto.Sentado no seu gabinete, fumando cigarro após cigarro, Vandamsentia-se preocupado com Wolff. o indivíduo não era um espiãoinsignificante, interessado em ouvir conversas e boatos. o

roubo da pasta provava que pretendia material de alto nível.Mas também ele tinha os seus problemas. Precisava dejustificar a sua presença a vizinhos curiosos, de ocultar orádio em qualquer lado e de arranjar informadores. De umamaneira ou de outra, acabaria por deixar rastos.Convencido de que Abdullah, o ladrão, estava ligado a Wolff,Vandam oferecera-lhe uma importante soma a troco deinformações. Abdullah afirmara não saber nada a respeito dealguém chamado Wolff, mas a luz da ganância brilhara-lhe nosolhos.

Vandam percorria o gabinete a passos largos, meditando noestilo do assassino. Wolff quase podia ser um homem que Vandam

conhecera havia muito tempo, mas de que já não conseguialembrar-se. Estilo ...o telefone tocou e ele atendeu:--Major Vandam.--Major Calder, do gabinete do tesoureiro. o senhor mandou-nosuma nota a recomendar que estivéssemos atentos ao aparecimentode libras esterlinas falsas. Encontrámos algumas.Ali estava! Ali estava uma pista!--Excelente!--exclamou.--Preciso de vê-las o mais depressapossível.--Já vão a caminho, juntamente com uma lista das pessoas quepagaram com elas.--óptimo! --Vandam desligou.

Libras falsas. Condizia. Embora a libra esterlina já não fossea moeda corrente no Egipto, oficialmente um país soberano,quem mantinha negócios com estrangeiros aceitava geralmentelibras esterlinas, que depois trocava por dinheiro egípcio nogabinete do tesoureiro- eral. Vandam abriu a Porta e ritouDara o corredor:--Jakes! Traga-me o dossier das notas de banco falsas.--Sim,.meu major!--ouviu o grito em resposta.o capitão Jakes, um jovem solícito e merecedor de confiança,era o membro de mais alta patente da equipa de Vandam. Não

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tardou a aparecer com o dossier pedido. Vandam acendeu a luzda secretária e disse:--Muito bem, mostre-me lá uma fotografia de notas falsas tiponazi.Jakes folheou o dossier das falsificações, do qual reíiroudiversas fotografias lustrosas. Cada fotografia mostrava overso e o anverso de uma nota falsa--dinheiro apreendido aespiões alemães capturados em Inglaterra. Setas pretasindicavam os erros que permitiam identificar as falsificações.--Seria de esperar que eles tivessem a sensatez de não dardinheiro falso aos seus espiões--observou Jakes.--A espionagem é um negócio dispendioso-- redarguiuVandam.--Porque haviam de comprar dinheiro inglês na Suíça sepodem fazê-lo eles próprios? Se um espião tem documentosfalsos, também pode ter dinheiro falso.o secretário de Vandam entrou no gabinete:--Um sobrescrito do tesoureiro, meu major.Vandam assinou o recibo e rasgou o sobrescrito, que continhadiversas notas de cem libras. Colocou uma delas ao lado de umadas fotografias.--Veja, Jakes.A nota apresentava o mesmo erro da fotografia.--Não há dúvida, meu major--confirmou Jakes.--Dinneiro nazi, feito na Alemanha--comentou Vandam.

Agora temos a pista dele.Pouco tempo depois, Vandam entrava no Cha-Cha Club. o gerentedeclarou que, em virtude de mais de metade dos seus clientespagar as.contas em libras esterlinas, não podia identificarquem Lhe dera esta ou aquela nota. o chefe dos caixas doShepheard's Hotel disse-lhe mais ou menos o mesmo.Vandam esperava receber praticamente a mesma resposta na casaseguinte da sua lista, uma pequena mercearia propriedade de umtal Mikis Aristopoulos. A loja cheirava a especiarias e café,

mas as prateleiras não estavam muito bem fornecidas.Aristopoulos era um grego de baixa estatura, de cerca de.vinte e cinco anos, com um sorriso aberto que patenteava duas

fiadas de dentes brancos.--Bons dias--cumprimentou. --Em que posso servi-lo?--Não parece ter muito que vender--observou Vandam.o grego sorriu.--Se procura alguma coisa especial, talvez a tenha em armazém.Já se abasteceu aqui alguma vez?Era então esse o sistema: iguarias raras na sala dastraseiras, só para clientes habituais.--Não vim para comprar--explicou Vandam.--Há dois dias osenhor trocou cento e quarenta e sete libras inglesas nogabinete do tesoureiro-geral inglês. A maior parte dessedinheiro era falso.Aristopoulos abriu os braços e encolheu os ombros.

--Recebo o dinheiro de ingleses e devolvo-o a ingleses. Queposso eu fazer?--Pode ir parar à cadeia por passar notas falsas.o sorriso de Aristopoulos extinguiu-se.--Por favor, como podia eu saber?--Esse dinheiro foi-lhe todo pago pela mesma pessoa?--Não sei ...--Pense! Alguém Lhe pagou uma encomenda grande com librasinglesas?--Ah, sim! Cento e vinte e seis libras e dez xelins!

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--Nome?--perguntou Vandam, sustendo a respiração.--Wolff. Estou admirado, há anos que é um bom cliente.--Escute: foi você quem entregou os géneros?--ofereci-me para Lhos entregar, como de costume na sua casaVilla les oliviers, mas desta vez foi Mr. Wolff quem os levou.--Não entregou nada nessa morada recentemente?--Desde que Mr. Wolff regressou, não. Lamento muito este pro-.blema do dinheiro falso. Talvez possamos combinar alguma coisa. ..?--Talvez--respondeu Vandam, pensativo.Aristopoulos conduziu-o para a sala das traseiras, cujasprateleiras se apresentavam bem fornecidas. Vandam reparou quehavia caviar russo, presunto americano enlatado e compotainglesa. Aristopoulos servlu café forte e espesso em chávenasminúsculas. Depois de beberem, o grego sugeriu:--Talvez Lhe possa oferecer, como prova de boa vontadequalquer artigo do meu stock. Whisky escocês?--Não estou interessado nesse tipo de acordo. Preciso deencontrar Wolff e você disse que ele era um cliente habitual.Que costuma comprar?--Muito champanhe. Caviar. Café. Bebidas estrangeiras."Estilo", pensou Vandam. Era uma questão de estilo.--Quando ele voltar, tenho de descobrir onde mora. Vouarranjar-lhe um auxiliar.

--Eu quero ajudá-lo, sem dúvida, mas o meu negócio é privado .. .--Não tem alternativa. ou me ajuda ou vai para acadeia.-Vandam sorriu e acrescentou: -- Creio que conheço apessoa ideal.Nessa noite, depois do jantar, sobraçando um grande ramo deflores que o fazia sentir-se idiota, Vandam foi visitar Elene.A jovem morava num espaçoso prédio antigo, perto do Largo da

opera. o porteiro indicou-lhe o terceiro andar. Vandam subiu aescada de mármore e bateu à porta do apartamento 34.A porta abriu-se. Elene envergava um vestido simples dealgodão amarelo e saia de roda, cuja cor contrastava

harmoniosamente com o bronzeado da sua pele. olhou-o ummomento inexpressivamente e depois dirigiu-lhe um sorrisoirónico.--olá! --Aproximou-se e beijou-o na face. --Entre!Vandam entrou e Elene fechou a porta.--Não vinha à espera do beijo--confessou o major.--Faz tudo parte da representação. Deixe-me libertá-lo do seudisfarce.Ele entregou-lhe as flores com a sensação de que estava a sergozado.--Entre para ali, enquanto as ponho em água.Vandam seguiu a direcção do dedo apontado e entrou na sala. oaposento era confortável, decorado a cor-de-rosa e dourado,

com maples fundos e macios e uma mesa de carvalho clara. Erauma sala de gaveto, com janelas de dois lados, nesse momentobanhada pela luz dos últimos raios de sol. Num diva estava umlivro que, presumivelmente, ela estivera a ler quando elebatera à porta. Vandam agarrou-o e sentou-se. Chamava-seComboio de Istambul e parecia do género de espionagem.Elene trouxe as flores numa jarra, encheu a sala.--Quer beber alguma coisa?--Sabe fazer martinis?--Sei. Pode fumar, se quiser.

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--obrigado.--Vandam pensou que ela sabia ser hospitaleira esupôs que naturalmente tinha de o saber, dada a maneira comoganhava a vida. --Gosta deste tipo de leitura?--perguntou-lhe,apontando o livro.--Estive a tentar descobrir como uma espia se deve comportar.Vandam viu-a sorrir e constatou que estava de novo a sergozado.--Nunca sei quando fala a sério.--Muito raramente.--Estendeu-lhe um copo sentou-se no diva eolhou-o por sobre a borda do seu copo.--A espionagem.Vandam beberricou o martini. A dosagem era perfeita. E ela-também. o sol pálido iluminava-lhe o rosto. os seus braços eas suas pernas pareciam lisos e macios. "Bolas!", pensou,irritado. Já exercera aquele efeito sobre ele da última vez.--Em que está a pensar?--perguntou ela.--Em espionagem.Elene riu-se.--Deve adorá-la--comentou, sabendo que ele mentira."Como consegue ela fazer-me isto?", perguntou Vandam a simesmo. Mantinha-o num desequilíbrio constante com os seusgracejos, o seu discernimento, o seu rosto inocente e os seusmembros longos e bronzeados.--Apanhar espiões pode ser um trabalho compensador, mas não oadoro--afirmou.

--Porquê? Porque são enforcados quando os apanha?--Não, porque nem sempre os apanho.--orgulha-se de ser tão cruel?--Não me considero cruel. Tentamos matar mais dos deles do queeles dos nossos.--"Porque me estou a defender?", pensou, emudou rapidamente de assunto. --os seus pais estão vivos?Elene desviou os olhos e depois, como se obedecesse a um

impulso, começou a falar-lhe dos seus antecedentes. Fora amais velha de cinco filhos de um casal judeu desesperadamentepobre de Alexandria. os seus pais eram pessoas cultas esimpáticas. "o meu pai ensinou-me inglês, e a minha maeensinou-me a usar roupas limpas", disse. Quando perfizera

quinze anos, o pai, que era alfaiate, começara a cegar.Deixara de poder trabalhar. Elene empregara-se como criadanuma casa inglesa e enviava o ordenado para a família.Apaixonara-se pelo filho dos patrões, que a seduzira. Tinhamsido descobertos, o rapaz fora mandado para a universidade eElene despedida. Aterrorizada ante a perspectiva de regressara casa e contar ao pai, ultra-ortodoxo, por que motivo foradespedida,vivera da indemnização do despedimento até um comerciante ainstalar por sua conta num apartamento. Pouco depois, tinhamdescrito ao pai o modo como.ela vivia e ele obrigara a famíliaa pôr shibah por ela.--Que é shibah?--perguntou Vandam.

--Luto.Desde então não voltara a ter notícias da família, à excepçãode um recado de uma amiga comunicando-lhe que a mae morrera.--odeia o seu pai?--perguntou Vandam.Elene encolheu os ombros e respondeu:--Creio que não me saí muito mal-indicando o apartamento.--Mas é feliz?Ela olhou-o e por duas vezes pareceu prestes a falar. Depois,desviou de novo o olhar e foi a sua vez de mudar de assunto:--Que o trouxe cá esta noite, major?

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Vandam recuperou o seu profissionalismo.--Continuo à procura de Alex Wolff. Ainda não o encontrei, masencontrei o merceeiro dele. Quero colocar alguém na loja, casoele volte.--Eu.--Foi o que pensei.--Quando ele aparecer, bato-lhe na cabeça com uma saca deaçúcar e fico de guarda ao corpo inconsciente até você chegar.Vandam riu-se.--Creio que seria muito capaz disso. -- Apercebendo-se dadescontracção que começava a revelar, decidiu controlar-seantes que fizesse figura de idiota. --Falando a sério, teráque tentar descobrir onde ele mora. Pensei que talvez vocêpudesse travar amizade com ele.--Que entende por "travar amizade"?--Isso é consigo, desde que obtenha a morada dele.--Compreendo.A sua disposição mudou subitamente e a voz tornou-se-lheamarga. A mudança surpreendeu Vandam. Certamente uma mulhercomo Elene não se ofenderia com a sua sugestão?!--Porque não encarrega um dos seus soldados de o seguir atécasa?--perguntou Elene.--Ele podia perceber que estava a ser seguido e enganá-lo ...e depois nunca mais voltava à mercearia. Mas se você conseguir

persuadi-lo, digamos, a convidá-la para jantar em casa dele,então poderiamos obter a informação que pretendemos sem nosarriscarmos.--Suponho que não é pior do que o que tenho feito.--Fol o que eu pensei--disse Vandam, aliviado.Elene lançou-lhe um olhar carregado.

--Começa amanha.--o major deu-lhe a morada.--Comunico consigocom intervalos de poucos dias para ter a certeza de que corretudo bem. A propósito, o merceeiro julga que andamos atrás deWolff por falsificação. Não Lhe fale de espionagem.

A mudança de disposição tornara-se perrnanente. Já não sentiam

prazer na companhla um do outro.--Deixo-a com o seu livro--disse Vandam.Ela ergueu-se.--Eu acompanho-o à porta.Dinglram-se para a porta. Quando Vandam saiu, o inquilino doapartamento contíguo surgiu no corredor, e o major teve defazer o que decidira não fazer: tomou Elene nos braços,inclinou a cabeça e beiJou-a na boca. os lábios delacorresponderam-lhe um breve instante. o vizinho passou, entrouno apartamento e fechou a portaVandam largou-a e ela disse:--E um bom actor.--Pois sou. Adeus.

Virou-se e afastou-se, apressado, pelo corredor fora. Deveriasentir-se satisfeito com o resultado do trabalho dessa noite,mas em vez disso tinha a impressão de que cometera um actovergonhosoouviu a porta do apartamento dela bater atrás de si.

ELENE encostou-se à porta fechada e amaldiçoou William Vandam.Entrara na sua vida cheio de cortesia britanica, convidara-apara realizar um trabalho diferente e ajudar a ganhar aguerra. Ela acreditara de facto que ele ia modificar a sua

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vida, oferecer-lhe um emprego digno, algo de importante.Afinal constatava agora que se tratava ainda do mesmo velhojogo--que ela tanto desejava aban

Sentira-se curiosamente feliz com ele em casa, sentado no seudiva a fumar e a beber. Vandam tratava-a como uma pessoa.Elene sabia que ele nunca Lhe daria uma leve palmada nacabeça, dizendo: < Não preocupe a sua bela cah inh .66no fim estragara tudo. Demonstrara-lhe que a consideravaapenas uma mulher que se vendia."Mas porque me importo tanto?", pensou.

DE madrugada, Alex Wolff sentiu nos pés descalços o frio dopavimento de mosaicos da mesquita. Reinavam o silênclo e umasensação de paz na vastidão da grande sala de colunas. Um raiode sol penetrou por uma das fendas altas e estreitas da paredee, no mesmo momento, o muezim começou a gritar: ,.Allahuakbar!"Wolff virou-se para o lado de Meca.Vestia uma galabia comprida, tinha um turbante na cabeca esegurava na mão umas sirnples sandálias árabes. Não sabianunca ao certo por que razão o fazia. Era um verdadeiro crentesomente em teoria. Fora circuncidado, de acordo com a doutrinaislamica, e fizera a peregrinação a Meca, mas bebia álcool,

comia carne de porco e não orava todos os dias, quanto maiscinco vezes por dia. No entanto, de tempos a tempos, sentia anecessidade de mergulhar, por alguns minutos apenas, nosrituais familiares.Tocou nas orelhas com as mãos, que depois uniu à sua frente,

segurando a esquerda com a direita. Inclinou-se e em seguidaajoelhou-se. Tocando com a fronte no chão nos momentosapropnados recitou o el-fatha: "Em nome de Deus omisericordioso econ;passivo. Louvado seja Deus, o senhor dos mundos, omisericordioso e compassivo, o Príncipe do Dia de Juízo..."olhou por sobre o seu ombro direito e depois por sobre o es

uerdo para saudar os dois anjos-da-guarda, que registavam assuas hoas e más acções.Quando olhava por sobre o ombro esquerdo, viu Abdullah. oladrão dirigiu-lhe um sorriso aberto, que Lhe revelou o dentede aço. Wolff levantou-se e saiu. Deteve-se no exterior, acal,car as sandálias, e Abdullah seguiu-o negligentemente.--És um homem devoto como eu--comentou Abdullah.-Sabia quevirias, mais cedo ou mais tarde, à mesquita do teu pai.Afastaram-se juntos da mesquita e Alex Wolff perguntou:--Tens andado à minha procura?--Há muita gente à tua procura. Sabendo que és um verdadeirocrente, não podia trair-te. Por isso, disse ao major Vandamque não conhecia ninguém chamado Alex Wolff, nem Achmed

Rahmha.Wolff parou abruptamente. Depois, conduziu Abdullah para umcafé árabe. Sentaram-se.--Ele sabe o meu nome árabe!--exclamou Wolff--Ele sabe tudo a teu respeito ... excepto onde encontrar-tepaciente e determinado. No teu lugar teria medo dele.De súbito, Wolff teve medo.--Falou com os teus irmãos. Eles disseram-lhe que não sabiam

o proprietário do café serviu a cada um um prato de puré de

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fava um pão escuro. Abdullah continuou a falar, com a bocacheia.--Vandam oferece cem libras pela tua morada. Como se traíssenlos um dos nossos por dinheiro!Wolff engoliu em seco e observou:--Mesmo que soubessem a minha morada--Era fácil descobri-la--redarguiu Abduilah.--Bem sei. Por isso vou dizer-ta, como prova da minhaconfiança na tua amizade: trabalho nas cozinhas do Shepheard'sHotel, a lavar louça. Durmo lá, no chão.--Isso é que é esperteza! Escondes-te mesmo nas barbas deles!--Sei que guardas segredo--declarou Wolff. --Mas como sinal daminha gratidão pela tua amizade, espero que aceites uma ofertaminha de cem libras.--Mas não é necessário ...--Insisto. Mando o dinheiro a tua casa.--Muito bem.--Abdullah limpou o prato vazio com o últimobocado de pão.--Agora tenho de te deixar. Allah yisallimack(que Deus te proteja). --E saiuWolff pediu café e pensou em Abdullah. o ladrão atraiçoá-lo-iapor muito menos de cem libras, claro. A história de que vivianas cozinhas do hotel não passava de uma táctica de dilação. Eo suborno tambem. No entanto, quando Abdullah descobrisse,finalmente, que ele morava no barco-habitação de Sonja em

Zamalek, provavelmente procurá-lo-ia a pedir mais dinheiro, emvez de ir ter com Vandam. A situação estava controlada. Demomento.Wolff saiu do café e dirigiu-se para o posto central dos

Correios a fim de telefonar. Ligou para o QG e disse aotelefonista que queria falar com o major Sandy Smith.--Neste momento não está. Quer deixar algum recadoWolff sabia de antemão que não encontraria o major, pois eraainda muito cedo.--Diga-lhe: "Hoje ao meio-dia em Zamalek. Assina: S."--Emseguida, desligou e seguiu para o barco.

 X

Desde que Sonja seduzira Smith, o mapr enviara-lhe uma dúzia

pedindo outro encontro. Wolff proibira de r sp nder. Após t ns

 ie- abriu a torneira da água.Wolff abriu a porta do armario e saiu.

Sonja gritou, o que o fez soltar,uma garga E um bomesconderijo, não e?

--Para que precisas de um escondenE)lo. h je ao meio-dia

--oh não! Porquê tão cedo? i Lha a pena naquela

no cofre o . ,,

Quero que pareÇaS iirrrreessiissttívei--respondeU ela eregressoU ao

V w dt Cama e vtt

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va rapidamente, como se receasse chegar atrasado, e trazla apasta.Wolff sorriu, satisfeito.--Lá vem ele!--anunciou, e meteu-se no armário, fechando apona.ouviu os passos de Smith no ponaló e a seguir na cobena. Pelaabenura, viu-o descer a escada e entrar no barco.--Está alguém?--A voz de Smith denunciava o receio de umadecepção. -- Sonja?os reposteiros do quarto afastaram-se e Sonja apareceumantendo-os abenos com os braços erguidos. Penteara o cabelopara cima, numa piramide complicada, como às vezes fazia paraas suas exibições. Usava as calças largas e transparentes e umcolar de pedras preciosas ao pescoço.Smith largou a pasta e correu para ela. Rapidamente, eladesabotoou-lhe a camisa do uniforme, desceu-lha dos ombros edeixou-lha cair no chão. Quando ele a abracou, puxou-o para oquano e os reposteiros fecharam-se atrás deles.Wolff abriu a pona do armário e saiu. Ajoelhnu-se eexperimentou os fechos da pasta, caída no chão perto doreposteiro. Estavam fechados à chave. os seus olhosdetiveram-se na camisa do major que se encontrava onde Sonja alargara.

Com um pouco de sone, talvez a chave da pasta se encontrassenum dos bolsos ... Introduziu a mão no primeiro e tacteou àprocura de uma chave. A algibeira estava vazia. Virou a camisa

até encontrar outra algibeira, apalpou ... e encontrou ummolho de chaves. Soltou um suspiro de alívio silencioso.Experimentou a chave mais pequena. AJustava-se.Abriu o fecho e levantou a tampa. No interior da pastaencontrava-se um dossier de capa dura. "Mais ementas não, porfavor!"pensou. Abriu o dossier. No cimo da primeira folha leu:

oPERAÇão ABERDEEN

1. Forças aliadas desencadearão um importante contra-ataque aoalvorecer de 5 de Junho.2. o ataque será bifurcado ...

"Meu Deus! , murmurou Wolff. "Cá está!"Prestou atenção aos ruídos procedentes do quano, naquelemomento claramente audíveis. Já não devia dispor de muitotempo. o relatório era pormenorizado. Wolff não sabiaexactamente como a cadeia de comando britanica funcionava, maspresumivelmente asbatalhas eram planeadas no QG do deseno e o planeamento eradepois enviado para o QG do Cairo para aprova,cão. os planos

de batalhas imponantes deviam ser discutidos nas conferênciasmatinais, a que Smith obviamente assistia. Wolff perguntou denovo a si mesmo que serviços estariam instalados no edifícioinidentificado da Shari Suleiman Pasha, aonde Smith se dirigiatodas as tardes.Encontrou um bloco-notas e um lápis encarnado numa gaveta ecomec,ou a tirar apontamentos. As principais forças aliadasestavam cercadas numa área a que chamavam Cauldron, e ocontra-ataque de 5 de Junho pretendia abrir uma brecha nocerco. Teria início às duas e cinquenta com o bombardeamento,

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realizado por quatro regimentos de artilharia, da cordilheiraAslagh, no flanco oriental de Rommel. Seguir-se-ia o ataque emponta de lança da infantaria da lO.a Brigada Indiana. Quandoos Indianos tivessem rompido a linha, os tanques da 22.aBrigada Blindada precipitar-se-iam através da brecha.Entretanto, a 32.a Brigada Blindada, com o apoio dainfantaria, atacaria o flanco setentrional de Rommel nacordilheira Sidra.Quando chegou ao fim do relatório, Wolff constatou queestivera tão absorvido na leitura que nem notara que os ruídosno quano haviam cessado. A cama gemeu e um par de pés pousouno chão. Wolff ficou tenso. Depois ouviu Sonja dizer:--Amor, bebe uma taça de champanhe comigo antes de te iresembora.--os teus desejos são ordens para mim.Wolff descontraiu-se. "Ela pode queixar-se " pensou, "mas fazo que eu quero! Relanceou rapidamente o resto dos papéis etomou mais algumas notas. Estava decidido a não se deixarapanhar. Smithera um achado maravilhoso, e seria uma tragédia matar agalinha quando esta acabava de pôr o primeiro ovo de ouro, aque muito provavelmente se seguiriam outros.Uma rolha saltou ruidosamente enquanto ele escrevia. Perguntoua si mesmo quanto tempo levaria Smith a beber uma ta,ca de

champanhe e.resolveu não se arriscar. Guardou os papéis nodossier e colocou este na pasta, que fechou à chave. Repôs as

chaves no bolso da camisa, introduziu-se no armário e fechou apona. Estava exultante. Encontrara uma mina de ouro.Só decorrida meia hora viu, através do orifício, Smith entrarna sala e estender a mão para a camisa. Wolff sentia-seapenado e entorpecido.--Tens de ir já?--perguntou Sonja.--Infelizmente, tenho--respondeu o major.--Para falar com todaa franqueza, não devo andar aí pelas ruas com esta pasta. Foiuma complicação dos diabos para chegar aqui ao meio-dia. Tenhode ir directamente do QG para o meu gabinete, o que hoje não

fiz. Informei o meu escntório de que almoçava no QG e disseaos rapazes do QG que almoçava no meu serviço. Mas da próximavez tenho de ir ao meu serviço largar a pasta e só de; oisvenho para cá"Pelo amor de Deus, Sonja, diz qualquer coisa!", pensou WolffE ela disse:--Mas, Sandy, a minha empregada vem todas as tardes fazerlimpeza ... não estaríamos sós.Smith franziu a testa.--Nesse caso, temos de nos encontrar à noite.--Tenho o meu trabalho ... e depois do meu número tenho deficar no clube e conversar com os clientes.--Tomou as mãos deSmith e colocou-as nas suas ancas.--oh, Sandy, diz que vens ao

meio-dia !Foi superior às forças de Smith, que respondeu:--Claro que venho.Beijaram-se e Smith pegou na pasta e saiu. Wolff ouviu ospassos atravessarem a cobena e o ponaló e só depois saiu doarmário. Sonja observou-o com maliciosa satisfação, enquantoele distendia os membros doridos.--Conseguiste o que querias?--Melhor do que poderia ter sonhado.Wolff conou pão e chouriço para o almoço, enquanto Sonja

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tomava banho. Depois do almoço, foi buscar o romance inglês ea chave do código e preparou a sua comunicação para Rommel.Nessa noite, depois de SonJa ter saído para o Cha-Cha Club,montou o radl o.As vinte e quatro horas em ponto emitiu o seu indicativo dechamada. Esfinge. Segundos depois, o posto de escuta deRommel, no deserto ou a Companhia Horch respondeu-lhe. Wolffemitiu uma série de w para permitir ao posto receptor fazeruma sintonização perfeita Depois, começou a transmitir emcódigo: "operacão Aberdeen ,;

No princípio da manha de 4 de Junho, a emissão do espiãorepresentava apenas um de vinte ou-trinta relatórios que seencontravam na secretária de Von Mellenthin, oficial deinformações de Rommel. Von Mellenthin desprezava os relatóriosde espiões. Baseados em conversas escutadas e puras conjecturas, erravamtantasvezes quantas acenavam. Mas aquele parecia diferente.o espião cujo indicativo de chamada era Esfinge começava assima sua mensagem: "operação Aberdeen." Depois, indicava a datado ataque, as brigadas implicadas e as suas missõesespecíficas, os objectivos que atacariam e o conceito demanobra dos planeadores.Embora não se sentisse convencido, Von Mellenthin mostrou-se

interessado. Quando o termómetro da sua tenda assinalou umatemperatura superior aos cinquenta e cinco graus, iniciou aronda rotineira de discussões matinais. Em pessoa e pelotelefone de campanha falou com os oficiais de informações dasdiferentes divisões e com o oficial de ligação da Luftwaffepara reconhecimento aéreo. Recomendou-lhes que estivessematentos às brigadas mencionadas no relatório do espião e queobservassem se havia sinais de preparativos para combate nasáreas de onde o contra-ataque seria supostamente desferido. Emseguida, dirigiu-se para o veículo do comando.A conversa aí foi breve, pois Rommel já tomara as decisõesprincipais e transmitira as suas ordens para aquele dia na

noite anterior. Além disso, Rommel não tinha disposição parapensar de manha; queria acção. No seu automóvel doEstado-Maior ou no seu avião Storch, percorria o deserto, deuma posição da linha da frente para outra, transmitindo novasordens, gracejando com os homens ou comandando escaramuças.Nessa manha, Von Mellenthin acompanhou-o, a fim de avaliarpessoalmente os relatórios dosserviços de informações.Ao anoitecer, a divisão italiana postada na cordilheira Aslaghcomunicou que se haviam intensificado os indícios dereconhecimento aéreo por parte do inimigo. A Luft vaffedetectou actividades na terra-de-ninguém que poderiam ser deum grupo avançado a assinalar um ponto de encontro. Foi

interceptada uma radiocomunicação confusa em que uma brigadaindiana pedia um esclarecimento urgente das ordens da manhacom referência às horas do bombardeamento de artilharia. Asprovas acumulavam-se.Consultando o seu ficheiro relativo à 32.a Brigada Blindada,Von Mellenthin verificou que a mesma fora recentementereferênciada na cordilheira Rigel--posição lógica para umataque à cordilheira Sidra. Decidiu apostar no espião Esfinge.As dezoito e trinta, levou o seu relatório ao veículo docomando, onde se enc on rzlv: m Rommel o seu chefe de

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estado-maior. coronelRommel aproveitara implacavelmente a sua vantagem. A 14 deJunho, a linha de Gazala fora rompida e naquele dia, 20 deJunho preparavam-se para cercar a guarnição costeira vital dosIngleses em Tobruk, com os seus depósitos de combustível,explosivos e veiculos.o ataque teve início às cinco e vinte.Um som semelhante ao de um trovão longínquo aumentou até setornar ensurdecedor, à medida que os S ukas se aproximavam. Aprimeira formação passou, picou na direcção das posiçõesbritanicas e largou as suas bombas. A grande nuvem de poeira efumo que se ergueu foi o sinal para todas as forças deartilharia de Rommel abrirem fogo com um estrépitoenlouquecedor.

As dez e trinta dessa manha, o tenente-coronel Bogge assomou acabeça à porta do gabinete de Vandam e anunciou:--Tobruk está cercada.E o trabalho pareceu inútil. Vandam continuou maquinalmentetentando descobrir uma nova abordagem para o caso Alex Wolffmas tudo Lhe parecia irremediavelmente banal. As notíciastornavam-se mais deprimentes à medida que o dia avançava. osAlemães haviam aberto uma brecha no perímetro de cinquenta eseis quilómetros de arame farpado em torno de Tobruk; haviam

transposto o fosso antitanques; tinham atravessado o campo deminas interior. tinham chegado ao cruzamento de estradasestratégico conhecido por King's Cross. Ao anoitecer, o 21.ode Panzers entrara em Tobruk e disparara do cais contradiversos navios britanicos que tentavam tardiamente escaparpara o mar alto. Vários navios tinham sido rapidamenteafundados.Vandam passou a noite na messe dos oficiais, à espera denotícias. o Sol nasceu. Um cozinheiro serviu café. QuandoVandam bebia o seu, um capitão chegou com um comunicado: "ogeneral Klopper entregou a guarnição de Tobruk a Rommel, aoalvorecer de hoje."

Vencido pelo desespero, Vandam saiu da messe e dirigiu-se a pépara casa. Sentia-se impotente e inútil, permanecendo no Cairoa perseguir espiões enquanto o seu país perdia a guerra nodeserto. ocorreu-lhe ao espírito a possibilidade de Alex Wolffestar relacionado com as recentes vitórias de Rommel. Masconsiderou a ideia absurda e afastou-a do pensamento.Sentia-se tão deprimido que perguntou a si mesmo se seriapossível a situação agravar-se--e compreendeu que era,evidentemente, possível.

Capítulo 6

Ao fim de duas semanas na mercearia, Elene sentia-se capaz de

esganar Mikis Aristopoulos. Não tinha nada contra a loja emsi. Gostava do cheiro a especiarias e das fileiras de latas ecaixas alegremer.te coloridas das prateleiras na sala dastraseiras. o trabalho era fácil e o tempo passava rapidamente.Mas o patrão era um tormento, sempre com atrevimentos. Nãodeixava escapar a mínima oportunidade de Lhe tocar num braçoou num ombro, e todas as vezes que passava por ela roçava-sepelo seu corpo.Elene experimentava já emoções tão confusas que nãonecessitava daquela insistência desagradável para andar

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irritada. Simpatizava e antipatizava simultaneamente comWilliam Vandam, que Lhe falara de igual para igual e depois atratara como uma mulher por conta; estava incumbida de cativarAlex Wolff, que nunca vira, e estava a ser perseguida porMikis Aristopoulos. "Todos me usam", pensava. "É a história daminha vida."Sentia curiosidade em saber como seria Wolff. Era fácil aVandam dizer-lhe que travasse amizade com ele, mas dependiamuito do espião. Alguns homens gostavam dela imediatamente.Com outros deparava-se-lhe uma impossibilidade. Metade do seuser desejava que se Lhe deparasse essa impossibilidade comWolff. A outra metade lembrava-se de que ele era um espiãoalemão, que de dia para dia Rommel se aproximava mais e que seos nazis chegassem ao Cairo ...Aristopoulos trouxe uma caixa de massa do armazém e, àpassagem, afagou-lhe a anca. Elene desviou-se e ouviu alguémentrar na loja. "Vou dar uma lição ao grego", pensou. E quandoele entrou no armazém, gritou-lhe em árabe:--Se volta a tocar-me, corto-lhe a mão!o cliente que entrara soltou uma gargalhada. Elene virou-se eolhou-o. Era europeu, mas compreendia o árabe, pois gritou emdirecção à sala das traseiras:--Que tem andado a fazer, Aristopoulos, seu malandro?

Aristopoulos espreitou pela abertura da porta e cumprimentou:--Bons dias. Esta é a minha sobrinha Elene.--o seu rostodenunciou embaraço e algo mais que Elene não conseguiuidentificar, pois a cabeça voltou a desaparecer no armazém.--Sobrinha!--exclamou o cliente olhando para Elene.--Mas quehistória!Era um homem forte na casa dos trinta anos, de cabelo, pele eolhos escuros e com um grande nariz adunco. Quando sorria,revelava dentes pequenos e regulares, como os de um gato.Elene conhecia os sinais de riqueza e identificou-os: camisade seda, relógio de pulso de ouro, calças de algodãoconfeccionadas por um alfaiate, cinto de crocodilo e sapatosmanufacturados.

--Em que posso servi-lo?--perguntou-lhe.Ele olhou-a, como se estudasse diversas respostas possíveis, epor flm respondeu:--Comecemos por marmalade inglesa.Ela foi ao armazém buscar um boião--É ele!--segredou Aristopoulos.--o homem do dinheiro falso,Wolff.--oh, meu Deus!--o cérebro de Elene ficou vazio.--Que Lhehei-de dizer?--Não sei ... dê-lhe a marmalade ... não sei ...--Ah, sim, marmalade!--Pegou num boião, regressou à loja e fezum esforço para sorrir a Wolff. --Que mais?--Um quilo de café bem moído.

observou-a enquanto ela pesava o café e o introduzia nomoinho. De súbito, Elene teve medo dele. Parecia calmo econfiante, seria difícil enganá-lo.--Mais alguma coisa?--perguntou.--Uma lata de presunto.Ela movia-se pela loja, procurando os géneros que ele pedia ecolocando-os no balcão. "Tenho de falar, de conversar comele", pensou. "Não posso limitar-me a repetir: 'Que mais?'Estou aqui para travar amizade com ele."--Que mais?--perguntou.

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--Meia caixa de champanhe. Creio que é tudo.A caixa de champanhe com seis garrafas era pesada, e elatrouxe-a a arrastar do armazém.--Calculo que quer que entreguemos esta encomenda--observou,esforçando-se por falar em tom casual.os olhos escuros dele pareciam trespassá-la.--Não é preciso--respondeu em tom firme.--Como queira--declarou, acenando numa anuência. Não esperarade facto que resultasse, mas, não obstante, sentiu-sedecepcionada.Começou a passar a conta. Wolff observou:- o Aristopoulos deve estar a ganhar bem para empregar umaajudante.--Não diria isso se soubesse quanto ele me paga.--Não gosta do emprego?Ela olhou-o, respondendo:--Faria tudo para sair daqui.--Que tem em mente?--perguntou rapidamente.Elene encolheu os ombros e recomecou a somar. Por fim disse:--Treze libras, dez xelins e catorze dinheiros.--Como sabia que eu ia pagar em libras?Tinha, realmente, um raciocínio muito ágil. Elene receou

ter-se denunciado. Mas teve uma inspiração:

--Não é um oficial inglês?A pergunta fê-lo soltar uma gargalhada ruidosa. Depois,retirou do bolso um rolo de notas de libra e deu-lhe catorze.Elene entregou-Lhe o troco em moedas egípcias, enquantopensava: "Que mais posso eu fazer? Que mais posso eu dizer?"Começou a acondicionar as compras num cartucho de papel pardo.--Vai dar uma festa?--perguntou. --Adoro festas.--Porque pergunta?--Por causa do champanhe.--Ah! Bem, a vida é uma longa festa."Falhei", pensou Elene. "Agora vai-se embora e talvez nãovoltedurante semanas. ou até nunca mais ..."

Wolff colocou a caixa de champanhe sobre o ombro esquerdo epegou no embrulho com a mão direita.--Adeus--despediu-se, mas à porta voltou-se paratrás:-Encontre-se comigo no oasis Restaurant na quarta-feira,às sete e meia da noite. Chamo-me Alex Wolff.--Está bem!--concordou, exultante, e ele desapareceu.

Fol uma longa viagem de automóvel para o interior do deserto.Jakes seguia ao lado do motorista e Vandam e Bogge sentavam-seatrás. o major estava exultante. Uma companhia australianaapreendera um posto receptor de TSF alemão. Era a primeira boanotícia que Vandam recebia em meses.Chegaram ao meio-dia. Homens do Serviço de Informações já

trabalhavam no local. Numa pequena tenda eram interrogadosprisioneiros, enquanto especialistas de material inimigoexaminavam armas e veículos. Competia à brigada de Boggeexaminar o materialdos carros de rádio apreendidos, a fim de determinar o que osAlemães tinham sabido antecipadamente a respeito dosmovimentos dos Aliados.Encarregou-se cada um do seu carro. o de Vandam estava numalástima. os Alemães tinham começado a destruir os seus papéisao aperceberem-se de que a batalha estava perdida. Tinham

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despejado caixas e ateado uma pequena fogueira, que nãoobstante fora rapidamente extinta. Um dossier apresentavamanchas de sangue: alguém morrera a defender os seus segredos.Vandam pôs mãos à obra. Como eles tentariam destruir emprimeiro lugar os papéis importantes, começou pela rimasemiconsumida pelo fogo. Havia muitas comunicações-rádioaliadas interceptadas e em alguns casos decifradas. A medidaque trabalhava, o major constatava que a radiointercepção dosServiços de Informações Alemães estava a recolher uma enormequantidade de material útil.No fundo da pilha semiqueimada viu um romance em inglês.Vandam leu a primeira linha: "A noite passada sonhei queregressava a Manderley." o título era-lhe familiar: Rebecca,por Daphne du Maurier. Vandam pensou que a mulher o devia terlido. Parecia ser a respeito de uma jovem que vivia numa casade campo inglesa.Leitura peculiar para o Afrika Korps. E porquê em ingles?Podia ter sido tirado a um soldado britanico aprisionado, masVandam duvidava. Sabia por experiência que os soldados liamromances policiais violentos e a Bíblia. Só Lhe ocorria umapossibilidade: o livro era a base de um código.

Um livro-código era uma variante do antigo bloco com letras enúmeros impressos ao acaso em grupos de cinco caracteres.

Faziam-se apenas dois exemplares de cada bloco: um para oemissor e outro para o receptor. Cada folha era utilizada parauma única mensagem e destruída. Dado que cada folha erautilizada apenas uma vez, o código não podia ser decifrado. Umlivro-código funcionava do mesmo modo, com a diferença de queas suas páginas não eram forçosamente destruídas depois deusadas.Um livro tinha uma grande vantagem sobre um bloco. Esterevelava-se inequivocamente destinado a decifrar mensagens,enquanto um livro parecia in&uo, pormenor importante para umagente a trabalhar atrás das linhas inimigas. Esta talvez arazão que explicava o facto de o livro ser em inglês. Umespião em território britanico precisaria de ter um livro em

inglês.Vandam examinou o livro atentamente. o preco fora escrito a

lápis na folha em branco do final do volume e depois apagado.o major tentou ler a impressão deixada pelo lápis e distinguiuo número SO, seguido por três letras: esc.--cinquenta escudos.Provavelmente, o livro fora comprado no Portugal neutro, umacolmeia de espionagem de baixo nível.Apenas chegasse ao Cairo, enviaria uma mensagem à secção doServiço de Informações de Lisboa pedindo que investigassem naslivrarias portuguesas que vendiam livros em inglês. Não eramprovavelmente muitas. Deviam ter sido vendidos pelo menos doisexemplares, e talvez o livreiro se lembrasse da venda. Vandam

estava convencido de que o outro exemplar se encontrava noCairo e jülgava saber quem o utilizava.Pegou no livro e saiu do carro. Bogge, lívido e dominado poruma cólera que tocava as raias da histeria, avançavapesadamente pela areia. Entregou a Vandam uma folha de papel.Era uma comunicação-rádio decifrada, datada da meia-noite de 3de Junho e com o indicativo de chamada Esfinge. A mensagemtinha como título operação Aberdeen.Vandam ficou paralisado. A operação Aberdeen efectuara-se nodia 5 de lunho, e os Alemães tinham recebido uma radiomensagem

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a esse respeito vinte e quatro horas antes.--Meu Deus, isto é uma tragédia!--Claro que é uma tragédia!--gritou Bogge.--Significa queRommel está a receber pormenores completos dos nossos ataquesantes de os desencadearmos!Jakes aproximou-se:--Com licença ...--Agora não, Jakes--disse Vandam bruscamente.--Deixe-se ficar, Jakes--ordenou Bogge.--Isto também Lhe dizrespeito.--Depois, furioso, voltou-se de novo paraVandam:-Eles devem estar a receber este material de um oficialingles. o seutrabalho refere-se às fugas de segurança ... isto é do raio dasua responsabilidade! --E afastou-se, dominado por uma cóleraviolenta.Vandam sentou-se no estribo do carro e acendeu um cigarro commão trémula "Quem será o tal Wolff?", pensou. Não sóconseguira penetrar no Cairo e escapar à rede de Vandam, comotambém obtivera acesso a segredos de alto nível. Claro que erapossível que Wolff nada tivesse a ver com a comunicacão-rádio

mas custava a crer que pudessem existir dois como ele noCairo.De pé ao lado de Vandam, Jakes olhava incrédulo a mensagem

decifrada.--Esta informação está não só a ser passada como tambémutilizada por Rommel--observou Vandam. --Se se lembra docombate de 5 de Junho ...--Foi uma chacina--disse Jakes."E a culpa foi minha , pensou Vandarn. Bogge tivera razão aesse respeito. Um homem só não podia ganhar a guerra, maspodia perdê-la. Vandam não queria ser esse homem.Jakes fez estalar os dedos:--Até me esqueci do que vinha dizer-lhe! Chamam-no ao telefonede campanha do QG. Está uma mulher egípcia no seu escritórioque diz que quer falar consigo e se recusa a sair. Afirma terum recado urgente.

"Elene!", pensou Vandam. "Deve ter estabelecido contacto comWolff." Correu para o telefone.--Está?--William?--Elene!--Desejou dizer-lhe como era bom ouvir-lhe a voz, maslimitou-se a perguntar-lhe: --Que aconteceu?--Ele foi à loja. Temos um encontro.--Bom trabalho! onde e quando?--Amanha à tarde, às sete e meia, no oasis Restaurant.--Estarei lá, Elene. Não sei dizer-lhe como Lhe estougrato-disse Vandam, e desligou.Bogge, de pé atrás dele, perguntou:--Mas que diabo de história é essa de utilizar o telefone de

campanha para marcar encontros com as suas namoradas?o major dirigiu-lhe um sorriso radioso:--Não era uma namorada, era uma informadora. Estabeleceucontacto com o espião e eu espero prendê-lo amanha à noite.

WoLFF observava Sonja a comer. o fígado estava mal passado,rosado e macio, como ela gostava, e Sonja comia com deleite,como habitualmente. Sabiam ambos que Wolff corria um risco,pequeno mas desnecessário, levando-a a um restaurante, maseram ambos de opinião que valia a pena corrê-lo. o mais

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importante na vida para os dois era a satisfação dos seusapetites e a vida quase não valeria a pena ser vivida sem boacozinha.Sonja acabou o fígado e o criado serviu um sorvete. Quando,finalmente, deixasse de dançar, engordaria. Wolff imaginou-adali a vinte anos: teria três queixos e um seio imenso.--De que estás a sorrir?--perguntou-lhe ela.--De ti, quando fores velha, com um vestido preto informe e umvéu.--Não vou ficar assim. Hei-de viver num palácio, rodeada porjovens de ambos os sexos, atraentes e ansiosos por satisfazero meu mais pequeno capricho. E tu?Wolff riu. Chamou o criado e pediu café, brandy e a conta.--Tenho notícias para ti--disse a Sonja.--Foste tão eficaz como major Smith que mereces uma recompensa. Creio que tedescobri outra Fawzi.Sonja ficou subitamente imóvel.--Quem é ela?--A sobrinha do merceeiro. Uma beleza. E está morta por se

livrar do Aristopoulos. Convidei-a para jantar amanha à noite.--E leva-la ao barco?--Talvez. Não quero estragar tudo apressando-a.Wolff beberricou o brandy. Sentia-se bem: comera opiparamente,

bebera um vinho capitoso, conseguira resultados frutuosos nasua missão e tinha a perspectiva de uma nova aventura. QuandoLhe apresentaram a conta, pagou com notas de libra inglesas.Quando estavam prestes a sair do restaurante, Ibrahim, oproprietário, aproximou-se com a garrafa do brandy.--Monsieur, madame, espero que aceitem um cálice de brandy comos cumprimentos da casa.--E muito amável--respondeu Wolff.Ibrahim serviu-lhes o brandy, inclinou-se numa vénia eafastou-se. Aquela oferta demorá-los-ià um pouco mais, pensou.Dois dias antes, um amigo que era caixa do Metropolitan Hotelinfor nara-o de que o tesoureiro-geral inglês se recusara atrocar algumas notas de -libra inglesas qué tinham sido

passadas no seu bar. As notas eram falsas. E a maior injustiçaresidia no facto de os Ingleses terem confiscado o dinheiro.Tal não aconteceria a Ibrahim. o seu amigo do Metropolitanensinara-lhe a identificar as falsificações, e desde entãoverificava todas as notas de libra recebidas antes de asguardar. Quando recebeu as notas falsas pagas pelo europeualto que pedira os pratos mais caros para a famosa dançarinado ventre, resolvera chamar a Polícia Militar Britanica. APolícia evitaria que o cliente fugisse e talvezajudasse a persuadi-lo a pagar por cheque ou mediante uma notade dívida. Ibrahim saiu pela porta das traseiras, a fim deutilizar o tçlefone de um vizinho.Regressou decorridos minutos, e Wolff viu-o falar em segredo

com um criado. Calculou que o tema da conversa fosse a famosaSonja.Ela bocejou. Eram horas de a meter na cama. Wolff dirigiu umaceno ao criado e pediu-lhe:--Traga-me, por favor, o abafo da senhora.o homem afastou-se, de passagem segredou umas palavras aoproprietário e continuou a dirigir-se para o vestiário. Soouum alarme no cérebro de Wolff.Brincou com uma colher enquanto esperava pelo agasalho deSonja. o proprietário saiu pela porta principal e entrou de

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novo. Dirigiu-se à mesa deles e perguntou:--Desejam que chame um táxi?--Apetece-me tomar um pouco de ar--respondeu Wolff.-Vamosandar um bocado.o criado trouxe o agasalho de Sonja. o proprietário nãodesviava os olhos da porta. Wolff ouviu outro alarme, destavez mais forte, e perguntou ao proprietário:--Aconteceu alguma coisa?o homem pareceu preocupado.--Tenho de abordar consigo um problema delicado ... -ouviu-seum veículo parar ruidosamente à porta.--o dinheiro com que mepagou ... é falso.A porta do restaurante foi violentamente aberta e entraramtrês polícias militares. Wolff fitou-os, boquiaberto. osacontecimentos sucediam-se com uma rapidez espantosa! PolíciaMilitar. Dinheiro falso. De súbito, teve medo. Podia serpreso. Aqueles imbecis de Berlim deviam ter-lhe dado notasfalsas.

os PMs, dois ingleses e um australiano, dirigiram-se para amesa. Cada um deles trazia uma arma pequena no coldre docinto. o inglês de patente mais elevada perguntou:--É este o homem?--Um momento--pediu Wolff, e ficou estupefacto com a calma que

transparecia na sua voz.--o proprietário acaba de me dizer queo meu dinheiro é falso. Não acredito, mas estou disposto asatisfazê-lo. Tenho a certeza de que podemos chegar a umacordo. Francamente, não era necessário chamar a Polícia.o PM de patente mais elevada redarguiu:--É crime passar dinheiro falso.--Desde que se saiba que o dinheiro é falso.--Ao ouvir a suaprópria voz, serena e persuasiva, Wolff sentiu a sua confiançaaumentar.--Bom, passo um cheque para pagamento da minha contae pago a gorjeta em dinheiro egípcio. Amanha levo as supostasnotas falsas ao tesoureiro-geral inglês para as examinar, e seforem realmente falsas, entrego-lhas. Creio que esta soluçãosatisfaz todos.

--Mesmo assim, tem de vir comigo--redarguiu o PM. -Precisamosde Lhe fazer algumas perguntas. São as ordens que tenho.--Muito bem--concordou Wolff. Sentia o medo a incutir-lhe nosbraços uma força desesperada.Quando se ergueu, levantou a mesa e lançou-a ao PM. A arestaatingiu a cana do nariz do oficial, que caiu para trás. A mesatombou sobre ele.Wolff agarrou no proprietário e atirou-o ao segundo PM inglês.Depois lançou-se ao terceiro PM, o australiano, e desferiu-lheum soco na cara. o australiano, porém, não caiu. o PM inglêsafastou o proprietário do caminho e atirou Wolff ao chão comum pontapé.Wolff caiu pesadamente e bateu com as costas no pavimento de

mosaico. o inglês saltou-lhe para o peito, agredindo-o nacabeça. oaustraliano sentou-se sobre os pés de Wolff. Então o espiãoviu sobre ele o rosto de Sonja, distorcido pela cólera. Numrelampago percebeu que ela recordava outro espancamentoadministrado por soldados ingleses. A dançarina ergueu no aruma pesada cadeira e abateu-a com toda a sua forca sobre ospolícias. Um canto atingiu a boca do PM inglês, que soltou umgrito de dor.o australiano levantou-se e agarrou Sonja por detrás. Wolff

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empurrou o inglês ferido e ergueu-se de um salto.Levou a mão ao interior da camisa e retirou a faca.o australiano empurrou Sonja para o lado, deu um passo emfrente, viu a faca e deteve-se. Wolff viu os olhos do homempassarem de um lado para o outro, onde os seus companheirosjaziam no chão. Depois, levou a mão ao coldre.Quando Sonja se atirou ao PM, Wolff virou-se e correu para aporta, que abriu ruidosamente. Ao mesmo tempo soou um tiro.

VANDAM conduzia a motocicleta através das ruas a umavelocidade perigosa. Arrancara do farol a cobertura doblackout e guiava com o dedo pole ar na buzina. serpenteandopor entre o transito, indiferente às buzinadelas indignadas dos automobilistas e aos seuspunhosfechados e ameaçadores.o subchefe da Polícia Militar telefonara-lhe para casa:--Vandam, acabámos de receber um telefonema de um restaurante

onde um europeu está a tentar passar dinheiro falso.- onde? - o subchefe informou-o e Vandam saiu de casa no mesmomomento, desesperadamente ansioso por apanhar Alex Wolff.Guinou para evitar um buraco, depois acelerou e desceuvelozmente uma rua tranquila. A direccão era próximo da CidadeVelha. Contornou mais duas esquinas e chegou. Encontrava-se a

meio da rua, estreita e escura, quando ouviu um tiro de armaligeira e o som de um vidro estilhaçado. Um homem alto saiu acorrer de uma porta. Tinha de ser Wolff.Vandam sentiu um ímpeto de selvajaria e lancou-se emperseguição do homem, que mantinha iluminado pelo feixeluminoso do farol. o fugitivo corria velozmente, movimentandoagilmente as pernas possantes. Quando a luz o atingiu, olhoupara trás, por sobre o ombro. Vandam vislumbrou um nariz defalcão, um bigode e uma boca aberta e ofegante. Se os oficiaisdo QG andassem armados, tê-lo-ia alvejado a tiro.A motocicleta ganhava rapidamente terreno. Quando seencontrava quase a par do espião, Wolff dobrou subitamente umaesquina. Vandam travou, a roda de trás derrapou e

imobilizou-se e a motocicleta arrancou de novo, veloz.Viu Wolff desaparecer num beco estreito. Sem afrouxar, Vandamdescreveu a curva e entrou também no beco. A motocicletamergulhou no vácuo e o estômago de Vandam revolveu-se. o conede luz branca do farol não iluminou nada. o major supôs quecaía num buraco. A roda traseira bateu em qualquer coisa, adianteira desceu e bateu também. o farol iluminou um lanco dedegraus. A motocicleta saltou pousou de novo e foi descendo osdegraus numa série de solavancos. A cada solavanco, Vandamconvência-se de que ia perder o controle do veículo edespenhar-se pela escada abaixo. Mas chegou ao fundo. ViuWolff contornar outra esquina e seguiu-o. Estavam numlabirinto de becos. Wolff subiu a correr um curto lanço de

degraus.Vandam acelerou. IJm momento antes de chegar ao fundo daescada, torceu o guiador e a roda da frente levantou-se. Amotocicleta subiu os degraus, de novo aos solavancos, e Vandamchegou ao cimo.Encontrou-se num corredor comprido, entre paredes altas enuas. Wolff precedia-o ainda, sem deixar de correr. Vandamacelerou,

alcançou-o, abrandou para o ultrapassar e depois travou

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bruscamente. A roda de trás derrapou e a da frente chocou comuma parede. o major saltou quando a motocicleta caiu e aterroude pé, voltado para Wolff. o farol partido projectava um feixede luz na escuridão do corredor. Sem afrouxar a corrida, Wolffsaltou sobre a motocicleta e chocou com Vandam. Este, aindadesequilibrado, cambaleou para trás e caiu. Tacteou às cegas,no escuro, encontrou o tornozelo de Wolff, agarrou-o epuxou-o. Wolff estatelou-se também no chão.o motor da motocicleta desligara-se e, no silencio, Vandamouvia a respiração do seu adversário, entrecortada e rouca. Esentia também o seu cheiro: uma mistura de álcool, suor emedo. Mas não Lhe via o rosto. Durante uma fraccão de segundoos dois homens permaneceram no chão, um exausto e o outromomentaneamente atordoado. Depois, levantaram-se ambos eVandam atirou-se a Wolff. Tentou imobilizar-lhe os braços, masnão conseguiu agarrá-lo. De súbito, mudou de táctica e

desferiu-lhe um soco. Acertou em qualquer coisa mole e Wolffdeixou escapar um som cavo. Vandam vibrou novo golpe, visandoa cara, mas Wolff esquivou-se. A luz mortiça do beco, Vandamviu algo brilhar-lhe na mão. "Uma faca!", pensou.A lamina faiscou, direita à sua garganta, e ele lançou acabeca para trás, num reflexo instantaneo. Sentiu uma dor norosto semelhante a uma queimadura e levou a mão à face, onde o

sangue quente jorrava abundantemente. Em seguida, percebeu quecaía, ouviu Wolff afastar-se a correr e mer ulhou naescuridão.

No hospital, uma enfermeira anestesiou metade da cara deVandam, após o que a Dr.a Abuthnot Lhe suturou o golpe.Aplicou um penso e segurou-o com uma ligadura, que Lhe amarrouem torno da cabeca.--Devo parecer a caricatura de alguém com dores de dentes-comentou o major.Ela mantinha uma expressão grave. Não tinha o menor sentido dehumor.--Não vai sentir-se tão espirituoso quando o efeito do

anestésico passar--preveniu.--A cara vai doer-lhe. Vou dar-lheum analgésico.--Não quero, obrigado-- respondeu Vandam.--Não arme em duro, major, que se arrepende.Ao observar a médica na sua bata branca hospitalar e calcandosapatos de salto baixo, Vandam perguntou a si próprio comopudera ter-se sentido atraído por ela. Era atraente, massimultaneamente fria, superior e anti-séptica. Nada comoElene.--Um analgésico poe-me a dormir e eu tenho um trabalhoimportante e urgente para fazer--esclareceu.--Você não pode trabalhar. A perda de sangue enfraqueceu-o, edentro de poucas horas vai sentir-se tonto e exausto.

--Vou sentir-me pior se os Alemães ocuparem o Cairo.Levantou-se, apertou-lhe a mão e saiu.Jakes esperava-o à porta com um carro.--Já sabia que não conseguiam conservá-lo lá dentro muitotempo, meu major. Levo-o a casa?--Não--respondeu Vandam, cujo relógio parara.--Que horas são?--Duas e cinco.--Presumo que Wolff não estava a jantar sozinho?--Não, meu major. A sua companheira está no QG, sob prisão.Uma autêntica brasa chamada Sonja.

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--A dançarina?--Nem mais.--Leve-me lá. --o automóvel arrancou.Wolff era ousado, pensou Vandam, para sair assim com a maisfamosa dançarina de ventre do Egipto nos intervalos entre osroubos de segredos militares britanicos. Bem, naquele momentojá não devia sentir a mesma ousadia, o que, de certo modo, eralamentável: advertido pelo incidente de que os Ingleses Lheandavam no encalço, passaria a ter mais cuidado.Chegaram ao QG e apearam-se.--Que Lhe fizeram desde que ela chegou?--perguntou Vandam aJakes.--Nada. Está numa sala vazia sem comida, nem água, nemperguntas.--óptimo.--Era, no entanto, de lamentar que a jovem tivesse

disposto de tempo para ordenar os pensamentos.Jakes conduziu-o à sala onde Sonja se encontrava. Vandamespreitou pelo ralo. Era uma sala quadrada e sem janelas, masbem iluminada electricamente, onde havia uma mesa e duascadeiras. Jakes tinha razão: Sonja era uma brasa. Contudo, nãoera de modo algum bonita. Tinha um não-sei-quê de amazona, como seu corpo maduro e voluptuoso e as suas feições de traçosvincados. Envergava um

vestido comprido amarelo-vivo e percorria o aposento a passoslargos.Vandam abriu a porta e entrou. Sentou-se à mesa sem pronunciaruma palavra, deixando a dançarina em pé, o que constituía umadesvantagem psicológica para uma mulher. "o primeiro ponto émeu", pensou. ouviu lakes entrar atrás dele, olhou para Sonjae disse-lhe:--Sente-se.Ela continuou em pé, fitando-o, e um sorriso alastrou-lhe pelorosto. Apontou para a ligadura e perguntou:--Foi ele que Lhe fez isso?"o segundo ponto é dela."

--Sente-se -- repetiu Vandam, e ela sentou-se. "ele " ?--Alex Wolff, o homem que vocês tentaram espancar es a noite.--E quem é Alex Wolff?--Um frequentador rico do Cha-Cha Club.--Há quanto tempo o conhece?Ela consultou o relógio antes de responder:--Há cinco horas.--Quais são as suas relações com ele?--Saímos juntos--respondeu com um encolher de ombros.--Como se conheceram?--Do modo habitual. Mr. Wolff convidou-me para uma mesa,ofereceu-me uma taça de champanhe e perguntou-me se queriajantar com ele. Aceitei.

--Porquê?--Mr. Wolff pareceu-me um homem invulgar. --olhou de novo parao rosto de Vandam e sorriu.--É de facto um homem invulgar.--Qual é a sua morada?--Jlhan, Zamalek. É um barco-habitação.--Idade?--Que indelicadeza! Recuso-me a responder.--Está a pisar terreno perigoso ...--Não, quem está a pisar terreno perigoso é você!--A sua fúriasúbita assustou Vandam.--Pelo menos dez pessoas viram os seus

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fanfarrões fardados prender-me. Por volta do meio-dia, metadedo Cairo saberá que os Ingleses prenderam Sonja. Se eu nãoaparecer no Cha-Cha, haverá uma amotinação. Não, senhor, não sou eu queestou a pisar terreno perigoso.o rosto de Vandam permaneceu inexpressivo. o oficial teve deignorar o que ela dizia, porque era verdade.--Recapitulemos--disse brandamente.--Disse que conheceu Wolffno Cha-Cha ...--Não, eu não recapitulo nada--interrompeu-o.--Respondo aperguntas, mas não serei interrogada.--Ergueu-se, virou acadeira e sentou-se de costas para Vandam.o major fitou-lhe a nuca com um misto de cólera consigo mesmopor Lhe permitir manobrá-lo daquela maneira e uns laivos deadmiração pela forma como ela agia. Ergueu-se bnuscamente e

saiu. seguido por lakes. No corredor disse ao seu subordinado:--Temos de a deixar ir embora.Jakes afastou-se, a fim de transmitir as instruc,oesnecessárias. Enquanto esperava, Vandam pensou em Sonja eperguntou a si mesmo a que reservas teria ela ido buscar aforça para o desafiar. Era verdade que a fama de que gozavaLhe conferia uma certa protecc,ao mas utilizá-la para oameaçar reflectia uma atitude de jactância e de um certodesespero.

Evocou mentalmente a conversa. Ela mostrara-se calma einexpressiva, excepto quando se rira do seu ferimento. No fim,quando se insurgira contra ele, que Lhe lera no rosto? Nãofora apenas ira. Nem medo. Finalmente, compreendeu: ódio. Elaodiava-o. Mas ele não Lhe era nada, era um mero oficialinglês. o que significava que ela odiava os Ingleses. E fora oódio que Lhe incutira força.Vandam sentiu-se subitamente cansado. Sentou-se pesadamentenum banco do corredor. onde iria ele buscar força? Imaginou osnazis a entrarem no Cairo. Para pessoas como Sonja, o domíniobritanico no Egipto não se diferênciava do nazi. E, encarandoos Ingleses pelos olhos dela, essa concepção justificava-seaté certo ponto: os nazis consideravam os judeus sub-humanos,

e os Ingleses consideravam os negros crianças; não havialiberdade de imprensa na Alemanha, tal como não havia noEgipto, e os Ingleses, como os Alemães, tinham os seus presospolíticos.o efeito da anestesia no rosto começava a desaparecer. Sentiana face uma linha de dor aguda. Pensou em Billy. Não queriaque o rapaz desse pela sua falta ao pequeno-almoço. "Talvezfique acordado, o leve à escola e depois volte para casa edurma."Como seria a vida de Billy sob o domínio nazi? Ensiná-lo-iam adesprezar os Arabes. os seus professores actuais não eramgrandes admiradores da cultura africana, mas ele, pelo menos,podia esforçar-se por que o filho compreendesse que rac,as

diferentes não eram forçosamente infenores.Pensou em Elene num campo de concentração e estremeceu. <Não somos muito admiráveis, especialmente nas nossascolónias , pensou, < mas os nazis são piores. Basta pensaresnas pessoas que amas para a situação se tornar mais clara.Procura força nisso."Jakes regressou e Vandam disse Lhe:--Ela é uma anglófoba, odeia os Ingleses. Não acredito queWoit`f tenha sido uma conquista casual. Agora leve me para acsquíldra central da Polícia.

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Quando Jakes estacionou à porta da esquadra, Vandam disse:--Quero falar com o chefe dos detectives.--Não me parece que ele esteja cá a estas horas ...--Pois não. Vá saber a morada dele e vamos acordá lo.Jakes entrou no edifício e Vandam contemplou o exterioratravés do p;ira brisas. A madrugada rompia. As estrelastinham se apagado e o negro do céu transformava se emcinzento.Jakes regressou e informou: "Gezira." Atravessaram a ponte queligava à ilha e Jakes parou defronte de uma casa pequena,agradável, de um só andar e com jardim. Vandam conc;uiu que ochefe dos detectives estava a auferir lucros razoáveis, emboranão exorbitantes, com os subornos. Devia ser um homem

cauteloso, o que era bom sinal.Subiram o caminho e bateram à porta. Jakes usou a sua voz desargento instrutor:--Serviço de Informações Militar. Abra!Decorrido um minuto, um árabe de baixa estatura, mas deconfiguração elegante, abriu a porta, ainda a afivelar o cintodas calças, e perguntou em inglês:--Que se passa?Vandam respondeu Lhe:- --Uma emergência. Deixa nos entrar?

--Claro.--o detective, que parecia assustado, conduziu os auma pequena sala. --Que aconteceu?--Não há motivo para panico--tranquilizou o Vandam. -Queremosum serviço de vigilância e precisamos de o montarimediatamente.--Com certeza. Sentem se.--o detective procurou um livro depontamentoS e um lápis. --Quem é pessoa?--Sonja el-Aram, a dançarina. Quero a sua residência vigiadavinte e quatro horas por dia. Mora num barco-habitação chamadoJlhan, em Zamalek.Enquanto o detective escrevia, Vandam pensava que gostaria denão ser obrigado a utilizar a Polícia Egípcia para aqueletrabalho. Mas num país africano era impossível recorrer a

brancos, que se tornavam notados, para missões de vigilância.--E qual é a natureza do crime?--perguntou o detective."Não te vou dizer a ti", pensou Vandam, enquanto respondia:--Supomos que é associada de alguém que anda a passar librasesterlinas falsas.--Quer portanto saber quem entra e sai ...--Exactamente. Há um homem em particular no qual estamosinteressados: Alex Wolff, o suspeito do assassínio de Asyut.Já tem a sua descrição. Se Wolff for visto, quero serimediatamente informa do. Pode comunicar com o capitão Jakesou comigo para o QG durante o dia. Dê-lhe os nossos números detelefone, Jakes.Vandam ergueu-se. De súbito, fugiu-lhe a vista e perdeu o

equilíbrio. Iakes acorreu imediatamente e agarrou-lhe numbraço.--Sente-se bem, meu major?Vandam recuperou lentamente a visão.--Já estou bem.--Recebeu um ferimento grave--observou o detective comsimpatia. E quando chegaram à porta acrescentou:--Podem ter acerteza, meus senhores, de que me encarregarei pessoalmente davigilância que me pedem. Conheço a área. o caminho do cais éum bom lugar para um mendigo se sentar. Um mendigo passa

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sempre despercebido. Não entrará um rato a bordo desse barcosem que os senhores saibam.Vandam apertou-lhe a mão e apresentou-se:--A propósito, sou o major Vandam.o detective inclinou-se numa ligeira vénia:--Superintendente Kemel, às suas ordens, meu major.

Capítulo 7

SoNJA alimentava uma leve esperança de encontrar Wolff nobarco-habitação quando regressou quase ao alvorecer, masdeparou-se-lhe o barco deserto. Inicialmente, quando fora

presa, sentira apenas cóleracontra Wolff, que a abandonara à mercê dos esbirros ingleses.Como cúmplice de um espião, aterrara-a pensar no que Lhepoderiam fazer. Mas depois compreendera que Wolff forainteligente. Ao abandoná-la, desviara dela as suspeitas.Correra tudo pelo melhor. Sentada sozinha na pequena salavazia do QG, Sonja dirigira a sua ira contra os Ingleses.Desafiara-os e eles tinham recuado.Na ocasião não tivera a certeza de que o homem que ainterrogava era o major Vandam, mas quando fora solta oamanuense deixara escapar o nome. A confirmação encantara-a.

Sorriu de novo ao evocar a grotesca ligadura na cara doinglês. Wolff devia tê-lo cortado. Que noite espantosa! Masonde estaria Wolff? Gostaria que estivesse ali paracompartilhar o seu triunfo.Vestiu a camisa de dormir e preparou um whisky. Quando oprovou, ouviu passos no portaló e chamou: "Achmed?" Depois,compreendeu que os passos não eram os dele.A escotilha foi erguida e um rosto árabe assomou através daabertura.--Sonja?--Sim . . .--Creio que esperava outra pessoa.o homem desceu a escada e Sonja interrogou-se sobre o

significado daquela visita. o desconhecido era um indivíduo debaixa estatura, configuração elegante e movimentos rápidos eprecisos. Vestia à europeia: calças escuras, sapatos pretos ecamisa branca de mangas curtas.  Sou o superintendente detective Kemel e tenho muito prazerem conhecê-la--apresentou-se, de mão estendida.Sonja virou-se e sentou-se no diva.--Que é que quer?--Estou interessado no seu amigo Alex Wolff.--Não é meu amigo.Kemel ignorou o desmentido e prosseguiu:--os Ingleses disseram-me duas coisas a respeito de Mr. Wolff:a primeira, que esfaqueou um soldado em Asyut; a segunda, que

tentou passar notas inglesas falsas. Porque esteve ele emAsyut? onde arranjou o dinheiro falso?--Não sei nada acerca desse homem--insistiu Sonja.--Mas sei eu--af mou Kemel.--Sei quem é Alex Wolff. o seupadrasto foi advogado aqui no Cairo, e a sua mae era alema.Também sei que Wolff é um nacionalista. Sei que foi seu amantee sei que você é uma nacionalista.Sonja estava gelada. Permaneceu imóvel, sem tocar na bebida.Kemel continuou:--onde arranjou ele o dinheiro falso? Não creio que haja no

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Egipto um impressor capaz de fazer um trabalho desses. Porconseguinte, o dinheiro veio da Europa. Wolff, tambémconhecido por Achmed Rahmha, desapareceu discretamente há doisanos. onde esteve? Na Europa? Voltou--via Asyut. Porquê?Queria entrar no país sem ser notado? Talvez se tenha aliado auma quadrilha de falsários ... Mas não o creio, pois não setrata de um homem pobre. Portanto, há um mistério."Ele sabe", pensou Sonja. "Meu Deus, ele sabe."--os Ingleses pediram-me que mandasse vigiar estebarco-habitação. Esperam que Wolff cá venha. E nessa alturaprendem-no. E terão as respostas.

o barco vigiado! "Porque está Kemel a dizer-mo?"--Penso que a chave do mistério reside na natureza de Wolffque é simultaneamente alemão e egípcio.--Kemel atravessou asala e sentou-se ao lado de Sonja. --Creio que ele está alutar pela Alemanha e pelo Egipto. . Acho que o dinheiro falsoveio dos Alemães e que Wolff é espião. Se é, posso salvá-lo.Sonja olhou-o e perguntou:--Que quer dizer?--Eu e o capitão Anwar el-Sadat, um dos líderes do Movimentodos oficiais Livres, queremos conhecê-lo em segredo. Você nãoé a unica pessoa a querer que o Egipto seja livre. Somosmuitos a querê-lo. Queremos ver os Ingleses derrotados e não

somos escrupulosos em relação a quem os derrote. Queremosfalar com Rommel. Se Achmed é espião, deve ter uma maneira defazer chegar mensagens aos Alemães.No cérebro de Sonja as ideias entrechocavam-se confusamente.De acusador Kemel passara a co-conspirador--a não ser que tudoaquilo se tratasse de uma armadilha.Kemel insistiu calmamente:--Pode conseguir-nos um encontro?Não Lhe era possível decidir tão rapidamente. Respondeu:--Não.--Lembre-se da vigilância ao barco. os relatórios davigilância passarão pelas minhas mãos antes de serem enviadosao major Vandam. Se você conseguir arranjar um encontro, eu, por meu

lado, posso garantir que os relatórios serão censurados demodo que não contenham nada ... embaraçoso.Sonja compreendeu que não tinha alternativa.--Eu arranJo um encontro.--óptimo.--o superintendente levantou-se.--Telefone para oComando Central da Polícia e deixe um recado a dizer queSirhan deseja ver-me. Quando receber esse recado, comunicoconsigo para combinarmos a data e as horas.--Telefono assim que puder--garantiu Sonja.--obrigado. -- Estendeu a mão, que desta vez ela apertou.Kemel subiu a escada, saiu e fechou a escotilha.Sonja sentia-se cansada. Acabou de beber o whisky que tinha nocopo e dirigiu-se para o quarto. ouviu uma pancada e virou-se

bruscamente para a vigia do costado voltado para o rio. Pordetrás do vidro assomava uma cabeça. Sonja gritou e a cabeçadesapareceu.Compreendeu que fora Wolff e subiu a correr para a coberta.Debruçou-se sobre a amurada e viu-o na água. Parecia estar nu.Wolff suliiu:,peh .costado do barco, utilizando as vigias comoapoios, e Sonja estendeu- a mão, agarrou-lhe o braço e puxou-opara bordo. Ele desceu a escada e ela seguiu-o.Wolff parou sobre a- carpete, a pingar e a tremer.--Que aconteceu?--. perguntou ela.

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--Poe-me um banho a correr--pediu ele:Sonja entrou.na casa de banho e abriu as torneiras. Wolffintroduziu-se na banheira e deixou a água cobrir-lhe o corpo.--Não me quis arriscar a vir pelo-caminho do cais, por issodespi-me na outra margem e vim a nado Espreitei e vi aquelehomem contigo. outro polícia?--Sim.--Tive de esperar dentro de água que ele se fosse embora. MeuDeus, estou gelado! o raio da Abwehr deu-me dinheiro falso.Fecha a água, sim?--pediu, enquanto começava a tirar o lodo do

rio das pernas.--Isso significa que vais ter de usar o teu própriodinheiro-observou Sonja.--Não posso ur buscá-lo. Podes ter a certeza de que o bancotem instruções para chamar a Polícia assim que eu aparecer."Nesse caso, vais ter de usar o meu dinheiro", pensou Sonja."Mas não vais pedir; vais limitar-te a utilizá-lo."--o detective que cá esteve vai mandar vigiar o barco, segundoinstruções de Vandam.Wolff sorriu.--Era então o Vandam!--Esfaqueaste-o?--Esfaqueei, mas estava escuro e não pude ver onde.

--Na cara. Traz uma grande ligadura.Wolff riu-se.--Gostava de o ver! Foi ele quem te interrogou?--Foi. Disse-lhe que mal te conhecia.--Linda menina!--olhou-a apreciativamente e ela compreendeuque estava satisfeito. --Ele acreditou-te?--Presumivelmente não, uma vez que ordenou a vigilância aobarco. Mas não te preocupes. o detective é dos nossos.--Nacionalista?--Sim. Quer utilizar o teu rádio.--Como sabe que eu tenho rádio?--perguntou Wolff.--Não sabe. Deduziu que eras espião e presume que um espiãodeve ter meio de comunicação com os Alemães. os nacionalistas

querem enviar uma mensagem a Rommel.Wolff abanou a cabeça e respondeu:--Prefiro não me envolver.--Não tens outra solução--replicou ela secamente.--Também acho--admitiu, fatigado.--Eles estão a apertar ocerco. Gostava de abandonar este barco, mas não sei para ondeir. Raios!Sonja sentou-se na borda da banheira, fitando-o. Wolff parecia... não ... não, não era derrotado, mas pelo menosencurralado. Pela primeira vez dependia dela. Precisava do seudinheiro e da sua casa. Poucas horas antes apenas dependera doseu silêncio durante o interrogatório, e agora acabava de sersalvo graças ao acordo feito por ela com o detective

nacionalista. Sonja experimentou uma estranha e inebriantesensação de poder. Era como se fosse ela quem detivesse ocontrole da situação.--Pergunto a mim mesmo se deva comparecer ao encontro com atal rapariga, Elene, logo à noite. Talvez seja mais seguro nãome arriscar.--Não--contrapôs Sonja em tom firme. --Quero-a.Ele olhou-a através dos olhos semicerrados, e Sonja perguntoua si mesma se ele teria reconhecido a força que ela acabara deadquirir.

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Está bem -- acedeu Wolff. -- Só vou ter de tomar precauções.Ele cedera. Sonja pusera à prova a sua força contra a dele evencera. Sentiu um frémito de excitação.

SENTADo no oasis Restaurant, ao lado de Jakes, a saborear ummartini fresco, Vandam sentia-se na melhor das disposições.Dormira todo o dia e acordara com a sensação de um vencidopronto a ripostar. Fora ao hospital, onde a Dr.a Abuthnot Lhe

substituira o penso por outro menor que não precisava de serseguro por uma ligadura. E agora, decorridos alguns minutos,apanharia Alex Wolff.Vandam e Jakes estavam no fundo do restaurante, de onde podiamabarcar toda a sala. A mesa mais próxima da entrada estavaocupada por dois corpulentos sargentos que comiam frangofrito. No exterior, num automóvel sem qualquer distintivo,encontravam-se dois PMs à paisana e com armas ligeiras nobolso do casaco. A armadilha estava montada: faltava apenas aisca. Elene deveria chegar de um momento para o outro.De manha, ao pequeno-almoço, Billy ficara abalado ao ver aligadura. Depois de pedir ao filho que jurasse guardarsegredo, Vandam contara-lhe a verdade: "Lutei com um espiãoalemão que tinha uma faca. Ele safou-se, mas penso que vou

apanhá-lo esta noite." Atentara contra a segurança aocontar-lhe a verdade, mas o rapaz precisava de saber por quemotivo o pai estava ferido. Billy sentira-se emocionado.Vandam consultou o relógio. Sete e meia. De um momento parao outro Alex entraria no restaurante. Vandam tinha a certezade que o reconheceria: um europeu alto, forte e desempenado,de nariz adunco, cabelo e olhos castanhos. Mas não esboçariaqualquer movimento enquanto Elene não chegasse e se sentasseao lado de Wolff. Nesse momento, Vandam e Jakesaproximar-se-iam. Se Wolff fugisse, os dois sargentosbloqueariam a porta e os PMs do exterior dariam apoio.Sete e trinta e cinco. A porta do restaurante abriu-se e Eleneentrou. Estava fascinante, de vestido de seda de cor creme,

cujas linhas simples realçavam a sua figura esbelta e cuja core textura estabeleciam um contraste harmonioso com a sua pelebronzeàda.Percorreu com os olhos o restaurante, à procura de Wolff, semo encontrar o seu olhar cruzou-se com o de Vandam, masdesviou-se sem hesitar. o chefe de mesa indicou-lhe uma mesaperto da porta.onde estaria Wolff? Vandam acendeu um cigarro e começou aficar preocupado. E se, após o susto da noite anterior, Wolfftivesse decidido manter-se inactivo por uns tempos? Noentanto, e sem qualquer justificação concreta, o major sentiaque permanecer inactivo não era o estilo de Wolff. Pelo menosesperava que não fosse.

Um criado serviu uma bebida a Elene. Eram sete e quarenta ecinco. A porta do restaurante abriu-se. Vandam ficou tenso,mas logo se descontraiu, decepcionado. Era apenas um rapaz queentregou um papel a um criado e voltou a sair.Vandam viu o criado dirigir-se à mesa de Elene e entregar-lheo papel. Franziu a testa. Que significava aquilo? Uma desculpade Wolff, alegando uma impossibilidade de comparecer aoencontro? Elene olhou para Vandam e encolheu ligeiramente osombros. Pegou na mala que colocara na cadeira ao ladb eergueu-se. Yandam pensou que ela ia ao lavabo das senhoras,

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mas em vez disso viu-a dirigir-se para a porta e abri-la.Vandam e Jakes levantaram-se simultaneamente. Enquantoatravessavam rapidamente o restaurante em direcção à saída,Vandam ordenou aos sargentos: "Sigam-me. "Quando chegaram à rua, viram Elene meter-se num táxi, a poucosmetros de distância. Vandam desatou a correr, mas a porta dotáxi bateu e o carro arrancou.Do lado oposto da rua o automóvel dos PMs arrancou também e

colidiu com um autocarro. Vandam alcançou o táxi e saltou parao estribo. o automóvel guinou bruscamente, eledesequilibrou-se e caiu. Ergueu-se, sentindo uma dorlancinante no rosto: o ferimento sangrava de novo. Jakes e osdois sargentos rodearam-no. Do outro lado da rua os PMsdiscutiam com o motorista do autocarro.o táxi desaparecera.

ELENE estava aterrorizada. Correra tudo mal. Wolff deveria tersido preso, mas estava ali no táxi com ela, ostentando umsorriso ferino. A jovem permanecia imóvel, com o cérebrovazio.--Quem era ele?--perguntou Wolff.--Aquele homem que correuatrás de nós. Não consegui vê-lo bem, mas pareceu-me europeu.Elene dominou o medo e respondeu:

--Não sei.--De súbito, teve uma inspiração:--Tinha estado aincomodar-me. Por sua culpa, que veio atrasado.--Pec o desculpa-- murmurou apressadamente. --Mas tiveuma ideia maravilhosa: vamos fazer um piquenique. Trago umcesto com comida no porta-bagagem.Elene ficou sem saber se deveria ou não acreditá-lo. PorqueLhe teria ele enviado um rapaz com a mensagem "Saia. A. W.",senão porque desconfiava de uma armadilha? E que faria agora?Levá-la-ia para o deserto e esfaqueá-la-ia? Sentiu o desejosúbito e imperioso de saltar do automóvel, mas obrigou-se apensar calmamente. Se ele suspeitara de uma armadilha, porquecomparecera? Não, a situação era com certeza mais complexa doque parecia.

--Aonde vamos?--perguntou.--A um lugar junto ao rio, a poucos quilómetros da cidade,onde podemos ver o pôr do Sol.--Não quero ir. Mal o conheço.--Por favor--pediu, e tocou-lhe ligeiramente no braço. -Tenhono cesto salmão fumado, um frango frio e uma garrafa dechampanhe. Aborreço-me tanto nos restaurantes!Elene reflectiu. Podia deixá-lo naquele momento e ficaria emsegurança. "Mas sou a única esperança de Vandam", pensou.Tinha de ficar com Wolff e tentar descobrir onde ele morava.Dirigiu-lhe um sorriso forçado e aquiesceu:--Está bem.Wolff desviou a sua atenção para o motorista. Encontravam-se

já fora da cidade, e o espião começou a dar-lhe instruções.Atravessaram uma série de aldeias, seguiram um atalho sinuosoque subia uma colina e emergiram num pequeno planalto, no cimode uma escarpa. o rio corria imediatamente abaixo e, do ladooposto, Elene viu a manta de retalhos nitidamente delineadados campos cultivados quese estendiam até à orla do deserto.--Não é um lugar maravilhoso?--perguntou Wolff.Elene teve de concordar com ele. Um bando de andorinhões quelevantou voo da margem oposta atraiu-lhe o olhar. Notou então

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que as nuvens vespertinas já se orlavam de cor-de-rosa. Umfalucho solitário navegava rio acima, impelido por uma ligeirabrisa.o motorista saiu do automóvel e afastou-se uns cinquentametros. Sentou-se de costas para eles e abriu um jornal. Wolfffoi buscar o cesto do piquenique ao porta-bagagem e colocou-oentre ambos.

--Como descobriu este lugar?--perguntou-lhe Elene.--A minha mae vinha para aqui comigo quando eu era pequeno.--Estendeu lhe uma taça de champanhe.--Depois de o meu paimorrer a minha mae casou com um e ípcio. De vez em quando,quando achava o ambiente muçulmano opressivo, vínhamos paraaqui.--Você gostava?--Naquela idade preferia a minha família árabe. os meusmeios-irmãos eram maus e ninguém tentava corrigi-los.Costumávamos roubar laranjas e furar camaras-de-ar debicicletas. Só a minha mae se preocupava e estava sempre adizer: "Ainda um dia te apanham, Alex ! "Mentalmente, Elene deu razão à mae.--onde mora agora?--perguntou.--A minha casa foi ... requisitada pelos Ingleses. Moro comamigos.

Estendeu-lhe uma fatia de salmão fumado num prato de porcelanae depois cortou um limão ao meio. Elene perguntou a si mesmaque quereria ele dela para se esforçar tanto por Lhe agradar.

DoíAM a cara e o orgulho a Vandam. A grande prisão fora umfracasso. Falhara profissionalmente--Alex Wolff sobrepujara-oem esperteza, e por sua culpa Elene corria perigo.Estava em casa, com a cara pensada de novo, a beber gin paraaliviar a dor. Tinham o número de matrícula do táxi, e todosos polícias e PMs da cidade haviam recebido ordens para odeterem e prenderem os ocupantes. Haviam de encontrá-lo, maiscedo ou mais tarde, mas Vandam tinha a certeza de que seriademasiado tarde. No entanto, permanecia sentado junto do

telefone.Que faria Elene naquele momento? Talvez se encontrasse numrestaurante iluminado a velas, bebendo vinho e rindo dosgracejos de Wolff. Que fariam depois? Se fossem para casadele, Elene comunicaria com ele na manha seguinte e Vandampoderia prender Wolff com o seu rádio e o seu livro-código.Profissionalmente, esta situação seria preferível, mas poroutro lado significaria que Elene teria passado uma noite comWolff, ideia que o enfurecia mais do que deveria. Se, comoalternativa, se dirigissem para casa dela, onde Jakesaguardava com dez homens, Wolff seria apanhado antes de teroportunidade de ...Vandam levantou-se e começou a percorrer o aposento a passós

largos. Já uma vez colocara outra jovem em perigo. Após o seuoutro grande fracasso, quando Rashid Ali, o nacionalistairaquiano, fugira da Turquia nas suas próprias barbas, Vandamencarregara uma mulher de localizar o agente alemão queajudara Ali a fu ir, na esperança de atenuar o fracassoapurando a verdade sobre o indivíduo. No dia seguinte, porém,a mulher fora encontrada morta numa cama de hotel. Era umparalelo arrepiante.Seria inútil tentar dormir. Reunir-se-ia a Jakes em casa deElene, não obstante as ordens da Dr.a Abuthnot. Vestiu um

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casaco e retirou a motocicleta da garagem.

ELENE e Wolff permaneciam de pé junto ao rebordo do alcantil,contemplando as luzes distantes do Cairo. Elene consideravachegado o momento de Wolff tentar a sorte. Tinham terminado arefeição, esva7iado a garrafa de champanhe e comido as uvas

todas. Agora ele devia esperar a recompensa. Sem uma palavra,Elene virou costas à paisa em e regressou ao automóvel. Elepermaneceu mais um m( rnento junto da escarpa e depoisreuniu-se a Elene, chamou o mo!orista e entrou no carro.--Gostou do piquenique?--perguntou, quando se sentou ao ladodela.--Gostei, foi delicioso--respondeu, fazendo um esforço para semostrar animada.o automóvel arrancou. Quer a convidasse para ir a casa dele,qucr a levasse a casa dela e pedisse para subir, a fim detomarem uma bebida, teria de encontrar maneira de recusar.Chegaram aos subúrbios da cidade. Passava da meia-noite e asruas estavam silenciosas.--onde mora?--perguntou Wolff.Ela disse-lhe. Seria então em sua casa.A alguns quilómetros de sua casa, porém, Wolff mandou omotorista parar e virou-se para ela:

--obrigado por esta noite encantadora. Volto a vê-la em breve.E saiu do táxi.Ela ficou estupefacta, enquanto ele se inclinava junto dajanela do motorista, Lhe dava algum dinheiro e Lhe indicava amorada de Elene. o motorista acenou afirmativamente earrancou. Elene olhou para trás e viu Wolff caminhar nadirecção do rio."Que te parece isto? Nenhum atrevimento, nenhum convite parair a casa dele, nem sequer um beijo de despedida ...", pensou.Que jogo seria o dele? Fosse qual fosse, sentia-se grata porele a ter deixado.o táxi deteve-se defronte de casa dela. De súbito, ouviram.-seos motores de três automóveis e surgiram homens das sombras.

As quatro portas do táxi foram violentamente abertas e quatroarmas apontadas para o interior. Elene gritou.Depois, assomou uma cabeça, e ela reconheceu Vandam.--Foi-se embora?--perguntou o major.--Há quanto tempo odeixou?--Há cinco ou dez minutos. Posso sair do carro?Vandam estendeu-lhe a mão e ela apeou-se do táxi.--Desculpe termo-la assustado--disse ele. Tinha a expressão deum homem derrotado.Elene sentiu um ímpeto de afecto por ele e tocou-lhe no braço.--Porque não manda os seus homens embora e não sobe econversamos em minha casa?Após uma ligeira hesitação, Vandam voltou-se para um dos

homens e disse-lhe:--Jakes, veja o que pode arrancar ao motorista. Vemo-nosdepois no QG.Elene entrou em casa, precedendo-o. Experimentou uma sensaçãoagradável por entrar na sua própria casa e deixar-se cair nosofá. A provação terminara. Wolff partira e Vandam estava alicom ela.--Que é que correu mal?--perguntou ela.Vandam sentou-se à sua frente e explicou:--Esperávamos que não tomasse precauções e caísse na armadilha

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... mas ele desconfiou, ou, pelo menos, foi cauteloso, eperdemo-lo. Que é que aconteceu?Elene relatou-lhe o piquenique. Falava em frases curtas esecas: queria esquecer e não recordar. Quando acabou, disse:--Prepare-me uma bebida e outra para si.

Vandam dirigiu-se ao bar e Elene sentiu a sua fúria. Reparoupela primeira vez no penso que ele tinha na face.--Que aconteceu à sua cara?--Quase apanhámos Wolff a noite passada.--oh, não!o que significava que falhara duas vezes em vinte e quatrohoras. Não admirava que parecesse derrotado. Desejouconsolá-lo, envolvê-lo nos braços, deitar a cabeça dele no seucolo e afagar-lhe o cabelo.Vandam estendeu-lhe a bebida que preparara. Quando ele seinclinou, Elene estendeu a mão e, apoiando as pontas dos dedosno queixo dele, virou-lhe o rosto de frente de modo a ver-lhea face ferida. Ele consentiu que ela Lhe examinasse oferimento durante apenas um segundo, mas depois desviou acabeça.

Elene nunca até então o vira tão tenso. Ele atravessou a salae sentou-se de novo em frente dela, na borda da cadeira, numa

postura erecta. Via-se que continha uma emoção, algosemelhante a raiva, mas quando Elene o fitou nos olhos viudor, e não cólera.--Que Lhe pareceu Wolff?--perguntou Vandam.--Encantador. Inteligente. Perigoso. Que pretende você saber?--Nada-- respondeu, sacudindo a cabeça com irritação. Tudo.Mas que tinha ele? Havia um não-sei-quê de familiar na suacólera. Não era apenas o sentir que falhara, era também a suaatitude para com ela.--Wolff disse que voltava a vê-la?--Disse "Temos de fazer isto outra vez", ou qualquer colsadesse genero.--Em sua opinião que tinha ele ao certo em mente?

--outro encontro--respondeu Elene, encolhendo os ombros.Mas que tem você, William?--Sinto-me curioso, mais nada--respondeu com um sorrisolorçado.--Gostava de saber o que fizeram os dois além de comere beber. Todo esse tempo juntos, às escuras, um homem e umamulher . . .--Cale-se--pediu Elene, e fechou os olhos. Agora compreendia.--Vou-me deitar--disse, sem abrir os olhos.--Você não precisaque o acompanhe para sair.Poucos segundos depois, a porta bateu.Elene aproximou-se da janela e olhou para a rua. Viu-o sair doprédio, montar na motocicleta, ligar o motor e descervelozmente a .estrada Não obstante o cansaço, Elene não se

sentia infeliz, pois conhecia a causa da irritação de Vandam,e esse conhecimentoinfundia-lhe esperança. Esboçou um breve sorriso e murmurou:"William Vandam, creio que estás com ciúmes."

Capítulo 8

QUANDo o major Smith fez a sua terceira visita da hora doalmoço ao barco-habitação Wolff e Sonja já tinhamestabelecido uma rotina. Wolff ocultava-se no armário quando

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via o major aproximar-se e Sonja aguardava-o na sala com umabebida. Fazia-o sentar-se para se assegurar de que ele pousavaa pasta, e decorridos um ou dois minutos começava a beijá-lo eobrigava-o a despir a camisa. Pouco

depois, levava-o para o quarto. Assim que ouvia a cama ranger,Wolff saía do armário, retirava a chave da algibeira da camisado major e com o lápis e o livro de apontamentos preparados,abria a pasta.A segunda visita de Smith fora decepcionante; mas desta vezWolff acertou de novo em cheio. Descobriu que o general SirClaude Auchinleck, comandante-chefe do Médio oriente, assumirao controle directo do 8.o Exército Britanico. Só esse facto,significativo do panico dos Aliados, constituiria uma boanotícia para Rommel. E também poderia vir a facilitar a missãode Wolff, pois implicava que os planos de combate passariam aser gizados no Cairo, e não no deserto, pelo que era maisprovável que Smith obtivesse cópias deles.o papel mais importante da pasta de Smith era um resumo danova linha defensiva dos Aliados em Mersa Matruh. A nova linhacomeçava na aldeia costeira de Matruh e estendia-se para sul,penetrando no deserto até uma escarpa conhecida pelo nome deSidi Hamza. o lO.o Destacamento encontrava-se em Matruh.seguia-se um campo de minas com vinte e quatro quilómetros de

extensão, outro campo de minas mais esparsas prolongando-sepor dezasseis quilómetros, a escarpa e, a sul desta, o 13.oDestacamento.o quadro era relativamente claro: a linha aliada oferecia umadefesa forte nas duas extremidades e pouca resistência nomeio. Munido dessa informação, Rommel poderia atacar o centroe lançar as suas forças pela brecha, como uma torrente aromper um dique. Wolff sorriu para consigo. Sentia que estavaa representar um papel importante na luta pelo domínio alemãodo Norte de Africa, e considerava tal situação extremamentegratificante.Saltou uma rolha no quarto, sinal de que tudo terminara. Wolffrepôs os papéis na pasta, fechou-a e introduziu de novo a

chave no bolso da camisa. Seguidamente, já não se escondia noarmário-bastara uma vez. Subia silenciosamente a escada embicos de pés, atravessava a coberta, descia a escada doportaló e ia almoçar.

Ao fim da tarde do dia seguinte ao piquenique Elene foi fazercompras. o apartamento começara a parecer-lhe claustrofóbico.Passara a maior parte do dia percorrendo-o a passos largos,incapaz de se concentrar no que quer que fosse, alternadamentetriste e feliz. Consequentemente, envergou um alegre vestidoàs riscas e saiu.Gostava do mercado das frutas e das hortaliças. Era um lugarcheio de vida, principalmente ao fim do dia, quando os

vendedores tentavam livrar-se dos seus últimos produtos. Comprou tomatese ovos, pois decidira fazer uma omeleta para o jantar.Infundia-lhe segurança transportar um cesto de alimentos--maisdo que conseguiria consumir numa refeição. Lembrava-se dasvezes em que não houvera jantar, de quando, aos dez anos,perguntava a si mesma, em segredo, quanto tempo serianecessário para se morrer de fome.Saiu do mercado e foi ver montras e vestidos. Um dia, desejavater a sua própria modista. Poderia William Vandam proporcionaresse luxo a uma mulher?

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Quando pensava em Vandam, sentia-se feliz--até pensar emWolff. Sabia que só poderia escapar se recusasse outroencontro com este. Não tinha qualquer obrigação de servir de

isca de armadilha para apanhar um assassino esfaqueador. Essaideia obcecava-a, irritante como um dente a abanar: "Não souobrigada a fazer isso."Subitamente, perdeu o interesse pelos vestidos e dirigiu-separa casa. Quando entrou no átrio do prédio, ouviu uma vozchamá-la: "Abigail. " Ficou petrificada de surpresa. Era a vozde um fantasma. Virou-se com esforço e viu um vulto emergir dasombras: um velho judeu andrajosamente vestido, de barbasemaranhadas e pés sulcados de veias calçando sandálias detiras de pneus.--Pai!Ele parou defronte dela, olhando-a apenas, como se receoso deLhe tocar.--Continuas bonita, e não és pobre--disse.Impulsivamente, Elene aproximou-se dele e beijou-o na face.Depois, deu-lhe o braço e conduziu-o pela escada acima. Toda asituação Lhe parecia irreal, como um sonho.Já no apartamento, disse:--Precisa de comer.Levou-o para a cozinha, pôs uma frigideira ao lume e começou a

bater os ovos.--Como me encontrou?--perguntou ao pai.--Soube sempre onde estavas. A tua amiga Esme escreve pai, aquem vejo de vez em quando.--Não queria que me pedisse para voltar.--Que te poderia eu dizer? Volta para casa, é teu dever passarfome com a tua família? Não. Mas sabia onde estavas.Elene partiu tomates às rodelas para a omeleta.--o pai diria que era melhor passar fome do que viverimoralmente--observou.--Sim, diria isso. E estaria enganado7Elene virou-se e olhou-o. o glaucoma que Lhe roubara a vistado olho esquerdo havia anos estava a alastrar para o olho

direito. Calculou que o pai deveria orçar os cinquenta e cincoanos. Mas aparentava setenta.--Sim, estaria enganado. É sempre melhor viver.--Talvez. Já não tenho as certezas que tinha sobre esseassunto.Elene serviu a omeleta e colocou pão na mesa. o pai abençoou opão: "Bendito sejais, Senhor nosso Deus ..." Surpreendida,Elene constatou que a prece não a irritava. Nos momentos maisnegros da sua solidão amaldiçoara o pai e a sua religião poraquilo a que a haviam condenado.o pai, esfomeado, devorou a refeição. Elene perguntava a simesma por que razão teria ele vindo. Perguntou pelas irmas.Depois da morte da mae, as quatro, cada uma à sua maneira,

tinham rompido com o pai. Duas tinham ido para a América, umacasara com o filho do maior inimigo do pai e a mais novamorrera. Elene comec ou a perceber que o pai estava destruído.Ele perguntou-lhe o que fazia e ela resolveu dizer-lhe averdade:--os Ingleses estão a tentar apanhar um espião alemão eincumbiran..-me de travar amizade com ele. Mas acho que não osposso ajudar mais.--Tens medo?--perguntou o pai, parando de comer.--Ele é muito perigoso--respondeu, acenando afirmativamente

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com a cabeça.Terminaram a refeição e Elene levantou-se para Lhe fazer uma

chávena de chá.--os Alemães vêm aí--disse o pai.--Vai ser terrível para osJudeus. Vou para Jerusalém.--Como? os comboios estão cheios, há uma quota para a en r".lade Judeus ...Vou a pé.--Sorriu e acrescentou:--Já o fizeram antes de

Se bem me lembro, Moisés não conseguiu lá chegar retrucouElene, irritada. --o.pai é doido!--Não fui sempre um pouco doido?--Foi!--respondeu, e de súbito a irritação dissipou-se.--Foi eeu devia saber que não ganho nada em tentar fazê-lo mudar dedelas.--Hei-de pedir a Deus que te poupe. Hás-de ter uma chanceaqui. És nova e bonita, e talvez eles não saibam que és judia.Mas eu, um velho inútil ... a mim enviavam-me para um campopara morrer. É sempre melhor viver. Tu própria o disseste.Elene tentou em vão persuadi-lo a ficar com ela, ao menos umanoite. Por fim, deu-lhe uma camisola e um cachecol e todo odinheiro que tinha em casa. Chorou, limpou os olhos e choroude novo. Quando ele saiu, viu-o através da janela caminhar ao

longo da rua: um velho que ia sair do Egipto e embrenhar-se nodeserto, seguindo os passos dos filhos de Israel. Ao pensar nasua coragem, compreendeu que não podia abandonar Vandam.

--É uma rapariga intrigante--disse Wolff. --Não consigopercebê-la bem. --Estava sentado na cama, enquanto Sonja sevestia.--Acho-a um pouco nervosa. Quando Lhe disse que íamosfazer um piquenique, pareceu bastante assustada. No entanto, écapaz de ser muito franca e frontal.--Trá-la cá e vais ver como a entendo logo.--Preocupa-me--confessou Wolff de testa franzida, expressandoem voz alta os seus pensamentos.--Alguém tentou saltar para otáxi connosco.

--Esta cidade está cheia de doidos, como sabes--observouSonja, que escovava o cabelo.--Quando posso dizer ao Kemel quete encontras com ele? Já deve saber que estás a viver aqui.Wolff suspirou. outra exigência, outro perigo.--Telefona-lhe esta noite do clube. Não tenho pressa nenhumade me encontrar com ele, mas precisamos de o manter dócil.--Está bem.--Sonja estava pronta e o táxi esperava-a.--E marcaum encontro com Elene--recomendou antes de sair.Wolff compreendeu que Sonja já não estava em seu poder comonoutros tempos. As paredes que uma pessoa constrói para seproteger também a emparedam. E Sonja era capaz de sersuficientemente louca para o atraiçoar, se se irritasse defacto. Ergueu-se da cama, foi buscar papel e caneta e

sentou-se para escrever a Elene.

o recado chegou poucos dias depois de o pai de Elene terpartido para Jerusalém. Um rapazinho bateu à porta com umsobrescrito. Ela gratificou-o e abriu o envelope. < Minhaquerida Elene, gostava que se encontrasse comigo no oasisRestaurant às oito horas de quinta-feira. Estou ansioso porvê-la. Afectuosamente, Alex Wolff." ouinta-feira ... dali adois dias. Ficou sem saber se deveria sentir-seeufórica ou assustada. o seu primeiro pensamento foi telefonar

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a Vandam, mas depois hesitou.

Sentia uma curiosidade crescente a respeito de Vandam, sobre oqual sabia muito pouco. Que fazia ele quando não perseguiaespiões? Como era a sua casa? Com quem vivia? Queria fazer aspazes com o major e agora tinha um pretexto para contactar comele ... mas em vez de telefonar iria pessoalmente a sua casa.Resolveu levar o vestido cor-de-rosa-pálido, com mangastufa.das, que apertava com botões à frente. Pôs um pouco deperfume e sentou-se ao espelho para pentear o cabelo curto. Asbelas madeixas escuras brilhavam. "Estou lindamente", pensou.Saiu do apartamento e dirigiu-se para casa do major, em GardenCity. Sentia-se alegre e ousada. Que feliz ideia a de ir acasa dele! Muito preferivel a ficar sozinha no apartamento.Encontrou a casa sem dificuldade. Era uma pequena moradiaestilo colonial francês, cheia de colunas e janelas altas,cujas pedras brancas reflectiam, com uma intensidade dolorosa,o sol da tarde. Subiu o pequeno carreiro e tocou à campainha.Atendeu-a um egípcio idoso e calvo.--Boas tardes, minha senhora--saudou-a como um mordomo inglês.--Queria falar com o major Vandam. Chamo-me Elene Fontana.--o Sr. Major ainda não regressou, minha senhora.--Talvez eu possa esperar?...--Com certeza, minha senhora--aquiesceu, e conduziu-a à sala.

--Chamo-me Gaafar. Queira chamar se precisar de alguma coisa.Elene sentiu-se encantada por ficar sozinha e poder olhar àsua volta. A divisão, com um enorme fogão de sala com umaprateleira de mármore e mobiliário muito inglês, estava limpae arrumada e parecia pouco vivida.A porta abriu-se e entrou um rapaz. Era bonito, com cabelocastanho encaracolado e pele aveludada. Devia ter uns dez anose o seu rosto pareceu-lhe familiar.--olá--cumprimentou-a. --Sou Billy Vandam.Elene fitou-o horrorizada. Um filho, Vandam tinha um filho!Compreendia agora por que motivo o rosto da crianc,a Lheparecera familiar: era uma miniatura do do pai. Por que razãonunca Lhe teria ocorrido que Vandam podia ser casado? Era

pouco provável um homem como ele--encantador, atraente,inteligente--chegar quase aos quarenta anos sem ser casado.Apertou a mão de Billy:--olá! Sou Elene Fontana.--Nunca sabemos a que horas o pai chega a casa--informouBilly.--Espero que não tenha de esperar muito tempo. Quer umabebida?Tal como o pai, era de uma extrema cortesia e de um formalismoaté certo ponto cativante.--Não, obrigada--respondeu Elene.--Bem, tenho de ir jantar. Desculpe deixá-la sozinha.o rapaz saiu e Elene sentou-se pesadamente. Sentia-sedesorientada, como se tivesse encontrado na sua própria casa a

porta de um quarto cuja existência ignorara. Reparou numafotografia pousada sobre a prateleira de mármore do fogão desala e levantou-se para a observar. Representava uma mulherbonita, de vinte e poucos anos, serena, de ar aristocrático esorriso levemente arrogante. os olhos, claros, límpidos einteligentes, eram iguais aos de Billy. Tratava-se, portanto,da mae de Billy, da mulher de Vandam: uma beldade clássicainglesa com ar superior.Elene deu uma volta pela sala perguntando a si mesma se Lheestariam reservadas mais surpresas. Junto de uma parede estava

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um pequeno piano vertical. Talvez Mrs. Vandam tocasse aoserão, enchendo o ar de Chopin, enquanto o marido se sentavana poltrona a observá-la ternamente. Elene pegou num romanceque estava sobre o piano e leu a primeira frase: "A noitepassada sonhei que regressava a Manderley." A fraseintrigou-a. Continuou a ler, enquanto pergunta a a si mesma seo livro pertenceria à mulher de Vandam.Pouco depois, Billy regressou. Elene colocou de novo o livrosobre o piano, com a sensação de ter sido intrometida.--Esse não presta--disse Billy. --É a respeito de uma raparigaidiota que tem medo da governanta do marido. É muito parado.Não tem acção.Elene sentou-se e Billy também, ficando evidente que iaservir-lhe de anfitrião.--Então já o leste?--Rebeca? Iá, mas não gostei. Gosto mais de romancespoliciais. Li os da Agatha Christie todos. Mas dos que gostomais é dos americanos: S. S. Van Dine e Raymond Chandler.--A sério? Eu passo a vida a ler romances policiais.--oh! Quem é o seu autor preferido?Elene pensou antes de responder:

--Georges Simenon. Escreve em francês, mas alguns dos seus

livros foram traduzidos para inglês.--Empresta-me um? É tão difícil arranjar livros novos -todosos que há nesta casa e na biblioteca da escola.--Está bem, eu empresto-te a ti e tu emprestas-me a mlm. ( uetens para me emprestar?--Empresto-lhe um de Chandler. os americanos são muito maisrealistas. Já me fartei daquelas histórias de casas de campoinglesas e pessoas que provavelmente não seriam capazes dematar uma mosca.Era estranho, pensou Elene, que um rapaz para quem a casa decampo inglesa devia fazer parte da vida quotidianaconsiderasse os romances policiais americanos mais realistas.Hesitou, antes de perguntar:

--A tua mae lê romances policiais?--A minha mae morreu o ano passado, em Creta--respondeu Billyem tom brusco.--oh!--Elene levou a mão à boca. Afinal Vandam não eracasado!--Que terrivel deve ter sido para ti, Billy! Tenhomuita pena.--obrigado. É a guerra, sabe?Parecia outra vez o pai. A máscara estava afivelada: a máscarada cortesia, do formalismo. "É a guerra, sabe?" ouvira a frasena boca de outra pessoa e adoptara-a em sua defesa própria.Elene resolveu abordar outros assuntos.--Suponho que, em virtude de o teu pai trabalhar no QG, estásmais bem informado acerca da guerra que o resto das

pessoas-observou, embaraçada.--Creio que estou, mas geralmente não a compreendo bem. Quandoele chega a casa de mau humor, sei que perdemos outra.batalha. --Começou a roer uma unha e em seguida introduziu asmãos nas algibeiras dos calções.--Quem me dera ser mais velho!; --Queres combater?olhou-a furiosamente, como se pensasse que ela estava a troçardele.--Tenho é medo que os Alemães ganhem. Nesse caso teria sido

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Vandam deu-lhe as boas-noites e saiu do quarto. Ao fechar aporta, pensou como o beijo de boas-noites de Eleneprovavelmente fora compensador para o filho.Encontrou Elene na sala a preparar martinis. Pensou quedeveria ressentir-se mais do que aparentava com o modo comoela parecia à vontade em sua casa, mas estava demasiadofatigado para assumir falsas atitudes. Sentou-se, grato, numacadeira e aceitou um martini.--Que a trouxe cá?--perguntou.--Tenho um encontro marcado com Wolff.--óptimo. Quando?--Quinta-feira--respondeu, e estendeu-lhe a carta.Ele leu-a com atenção.--Como Lhe foi parar às mãos?. --Um rapaz levou-ma a casa. Que fazemos?--A mesma coisa da última vez, mas melhor.Vandam tentava parecer mais confiante do que se sentia. Wolffera imprevisível e muito capaz de gizar outro estratagema.Como se Lhe lesse o pensamento, Elene declarou:--Não quero passar outra noite com ele. Assusta-me. Se tentarseduzir-me, receio que não aceite um < não" em resposta.Vandam sentiu-se culpado--"Lembra-te de Istambul"--, masreprimiu esse sentimento.--Aprendemos a lição--declarou com falsa segurança. Desta vez

não haverá erros.Intimamente, estava surpreendido com a determinação simples aeElene de não ir para a cama com Wolff. Presumira que atitudesdessas não eram significativas para ela. Afinal, julgara-amal. Sem saber porquê, encará-la sob aquela nova perspectivadava-lhe alegria.Gaafar entrou na sala e anunciou:--o jantar está servido, Sr. Major.Vandam sorriu. o criado estava a representar mordomo inglês.--Que é o jantar, Gaafar?--Para o Sr. Major, caldo, ovos mexidos e iogurte. Mas tomei aliberdade de grelhar uma costeleta para Miss Fontana.--Come sempre assim?--perguntou Elene a Vandam.

--Não, é por causa da ferida: não posso mastigar.Entraram na sala de jantar e sentaram-se. Gaafar serviu ojantar.--o seu filho parece mais velho do que é--observou a jovem.--Passou por algumas coisas que deviam ser reservadas aadultos.--Sim, compreendo.--Hesitou, antes de perguntar:--Quandomorreu a sua mulher?--Em 28 de Maio de 1941, à noite.--Billy disse-me que foi em Creta.--Foi. Ela trabalhava em criptoanálise para as forças aéreas.ocupava um posto temporário em Creta quando os Alemãesinvadiram a ilha. os Ingleses perderam e decidiram partir.

Segundo parece, ela foi atingida por uma granada perdida eteve morte instantanea. Claro que, na altura, o quepretendíamos era evacuar os vivos, e não os cadáveres, porisso ... Não há sepultura, compreende? Não resta nada.--Ainda a ama?--perguntou Elene serenamente.--Creio que a amarei sempre. Acontece assim com as pessoas querealmente amamos. Se elas partem ou morrem, não faz diferença.

--Eram muito felizes?--Nós ...--Hesitou, a recordar a filha do diplomata, a jovem

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graciosa e autoritária que casara com o ignorado oficial doExército. --Não foi um casamento idílico. Era eu que estavaapaixonado. Angela estimava-me.--Acha que volta a casar?Vandam encolheu os ombros. Não sabia a resposta. Elene pareceucompreender, pois calou-se e começou a comer a sobremesa.Depois, Gaafar serviu-lhes café na sala. Vandam mandou ocriado deitar-se e fumou um cigarro enquanto bebiam o café.Apeteceu-lhe ouvir música. Houvera um tempo em que adoraramúsica, embora posteriormente a tivesse banido da sua vida.Naquele momento, aspirando o suave ar nocturno que penetravapelas

janelas abertas, apeteceu-lhe ouvir as notas claras evibrantes de uma harmonia. Sentou-se ao piano e começou atocar Für E;lise, de Beethoven. Recuperou imediatamente aperícia, quase como se nunca tivesse deixado de praticar. Assuas mãos sabiam como mover-se de um modo que sempreconsiderara miraculoso.Quando terminou, aproximou-se de Elene, sentou-se a seu lado ebeijou-a na face, que estava húmida de lágrimas.--William, amo-o de todo o meu coração--disse ela.

Capítulo 9

RoMMEL aspirava o cheiro a maresia. Em Tobruk, o calor, apoeira e as moscas eram tão incomodativos como no deserto, masbastava aquele ocasional sopro de humidade transportado pelabrisa para a situação se tornar suportável.Von Mellenthin entrou no veículo do comando com o seurelatório do Serviço de Informações.-- Boas tardes, meu Marechal de Campo.Rommel sorriu. Fora promovido depois da Batalha de Tobruk eainda não se habituara ao novo título.--Alguma novidade?--perguntou.--Uma emissão do agente do Cairo. Diz que a linha de MersaMatruh é fraca no meio.

Rommel pegou no relatório e relanceou-o.--Se esta informação é correcta, podemos romper a linha assimque lá chegarmos.--Claro que vou fazer o possível por confirmar o relatório doespião--afirmou Von Mellenthin.--Mas da última vez ele tinharazão.A porta do veículo abriu-se de rompante e Kesselring entrou.--Marechal de campo!--exclamou Rommel.--Julgava que estava naSicília.--Estive -- respondeu Kesselring, batendo com os pés parasacudir a poeira das botas.--Vim de avião para Lhe falar. Comos diabos, Rommel, isto tem de acabar! As suas ordens erampara avançar até Tobruk e não mais.

Rommel recostou-se na sua cadeira de lona. Esperara manterKesselring fora daquela questão.--As circunstâncias alteraram-se--alegou.--Mas as suas ordens primitivas foram confirmadas pelo Supremo Comando Italiano. o seu apoio aéreo e marítimo énecessáriopara o ataque a Malta. Depois de tomarmos Malta,

terá comunicações asseguradas para avançar sobre o Egipto.--Vocês não aprenderam nada!--exclamou Rommel.--Enquanto nósnos reforçamos, o inimigo também se reforça. Não cheguei até

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aqui mercê do velho jogo de avançar, consolidar, avançar denovo. Eles agora estão em fuga, é agora o momento de tomar oEgipto.Kesselring virou-se para Von Mellenthin e perguntou-lhe:--Quantos tanques e quantos homens temos?Rommel conteve o desejo de ordenar a Von Mellenthin que nãorespondesse; sabia que se tratava de um ponto fraco.-- Sessenta tanques. meu Marechal de Campo, e dois mil equinhentos homens. os Italianos têm seis mil homens e catorzetanques.Kesselring voltou-se para Rommel e inquiriu:--E vai tomar o Egipto com um total de setenta e quatrotanques? Von Mellenthin, segundo os nossos cálculos, qual é aforça do inimigo?--As forças aliadas são três vezes superiores às nossas, masnós estamos bem aprovisionados e o moral dos nossos homens éexcelente.--Von Mellenthin, vá ao carro das comunicações e veja o quechegou--ordenou Rommel.Von Mellenthin saiu e Rommel disse a Kesselring:--As forças aliadas estão a reagrupar-se em Mersa Matruh.Esperam que avancemos e contornemos a extremidade sul da sualinha, mas em vez disso vamos atacar-lhes o meio, onde sãomais fracas

  omo sabe tudo isso'!--indagou Kesselring, interrompendo-o.--Avaliação do nosso Serviço de Informações, baseada norelatório de um espião ...--Meu Deus! Não tem tanques, mas tem o seu espião!--Ele acertou da última vez.Von Mellenthin regressou.--Além do mais, nada do que me diz importa--afirmouKesselring.--Estou aqui para confirmar as ordens do Führer:não deve avançar mais.--Mandei um enviado especial ao Führer--informou Rommel,sorrindo. --Creio que Von Mellenthin deve ter a resposta.

Von Mellenthin leu a mensagem que recebera:

--"A deusa da vitória só sorri uma vez na vida. Avante para o

QuANDo chegou ao seu gabinete na quarta-feira de manha, Vandamfoi informado de que na noite anterior Rommel avançara aténoventa e cinco quilómetros de Alexandria. Parecia inviáveldeter o marechal alemão. A linha Mersa Matruh partira-se aomeio como um fósforo. os Aliados tinham recuado mais uma vez.A nova linha de defesa estendia-se através de uma brecha decinquenta quilómetros entre o mar e a intransponível depressãode Qattara, e se essa linha caísse não haveria mais defesas. oEgipto seria de Rommel.A notícia não bastou, porém, para extinguir a euforia deVandam. Desde o alvorecer, quando acordara no sofá da sua sala

com Elene nos braços, sentia-se invadido por uma espécie dealegria adolescente.No início da manha recebeu a visita de um tal capitão Brown,da unidade de ligação especial do Serviço de InformaçõesMilitar. Brown apoiou-se na borda da secretária e falou, de

cachimbo na boca:--Vai ser evacuado, meu major!--o quê? Evacuado? Porquê?--perguntou Vandam.--o nosso grupo parte para Jerusalém, assim como todos aqueles

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que sabem demais. Convém não deixar essas pessoas nas mãos dosAlemães. Tenho uma novidadezinha para si: Rommel tem um espiãono Cairo.--Como sabe?--Notícias vindas de Londres, meu major. -- A unidade deligação especial tinha uma fonte de informaçãoultra-secreta.--o tipo foi identificado como o "herói do casoRashid Ali". Diz-lhe alguma coisa?Vandam ficou petrificado.--Diz!--respondeu.--Bem, meu major, é tudo--disse Brown. --Felicidades. Talveznão o veja durante uns tempos.--obrigado-- murmurou Vandam distraidamente, enquanto Brownsaía.o herói do caso Rashid Ali. Era incrível que Wolff fosse ohomem que Lhe levara a melhor em Istambul. No entanto, tinhaló ica Vandam recordou-se da estranha sensação queexperimentara estilo de Wolff, que Lhe parecia familiar. Arapariga que Vandam encarregara de conquistar o homemmisterioso morrera com a garganta cortada.E agora ia mandar Elene contra o mesmo homem.Um cabo entregou-lhe uma ordem. Vandam leu-a com crescentehorror. Todos os departamentos deveriam retirar dos seusarquivos os papéis susceptíveis de serem perigosos nas mãos do

inimigo e queimá-los. Era evidente que as altas patentesencaravam a possibilidade de os Alemães tomarem em breve oEgipto. "Está tudo a desmoronar-se", pensou Vandam. "Está aruir."Chamou Jakes e observou-o enquanto ele lia a ordem. Jakesacenou com a cabeça, como se Ja a esperasse.--Fazemos a fogueira no pátio das traseiras, meu major disse.Depois de Jakes sair, Vandam abriu a gaveta do seu arquivo ecomeçou a escolher os seus papéis: nomes e moradas, relatóriosda segurança sobre indivíduos, pormenores de códigos e umpequeno dossier sobre Alex Wolff. Jakes trouxe-lhe uma grandecaixa de cartão que Vandam começou a encher de papéis,enquanto pensava: "E assim se perde uma guerra."

A caixa estava semicheia quando o cabo de Vandam introduziu nogabinete um tal major Smith, um homem de baixa estatura, olhosazuis bolbosos e expressão de autoconfiança. Apertou a mão aVandam e apresentou-se:--Sandy Smith, SSI.--Em que posso ser útil ao Serviço Secreto de Inforrnações?--Sou o oficial de ligação entre o SSI e oEstado-Maior-General -- explicou Smith. -- A sua inquiriçãoacerca de um romance chamado Rebeca foi encaminhada pornós.--E, com um floreado, Smith apresentou um papel.Vandam leu o comunicado. o chefe do SSI em Portugalencarregara um dos seus homens de visitar todas as livrariasdo país que vendiam livros em inglês. Na zona turística do

Estoril encontrara um livreiro que se lembrava de ter vendidoseis exemplares de Rebeca à mulher do adido militar alemão emLisboa.--Isto confirma uma desconfiança que eu tinha--observou

Vandam.--obrigado pelo incómodo de me vir trazer o documento.--Não foi incómodo nenhum--redarguiu Smith. -- Aliás venhoaqui todas as manhas. Tive o maior prazer em ajudar--e salu.

Vandam reflectiu na notícia enquanto continuava com o seu

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trabalho. Havia apenas uma explicação plausível para o factode o livro ter percorrido o caminho do Estoril até ao Sara.Era, indubitavelmente, a base de um código. Lamentavelmente, achave do código não fora encontrada juntamente com o livro!Quando a caixa se encheu, Vandam colocou-a ao ombro e saiu.Jakes mandara acender a fogueira num tanque de aço ferrugento,colocado sobre tijolos. Um cabo lançava papéis às chamas.Fragmentos chamuscados flutuavam numa coluna de ar quente.Vandam largou a caixa e foi-se embora.Precisava de reflectir, de caminhar. Saiu do QG e dirigiu-separa o centro da cidade. A cara doía-lhe. Pensou que deviasentir-se satisfeito com a dor, considerada indício de queestava em curso o processo de cicatrização. Deixara crescer abarba para encobrir a cicatriz, o que Lhe minoraria o mauaspecto quando retirasse o penso.Lembrou-se de Elene. Era, evidentemente, uma catástrofeterem-se apaixonado. os seus pais, os amigos e o Exércitocondenariam o seu casamento com uma egípcia e, para mais,judia. Mas Vandam resolveu não se preocupar com essa ideia.Ele e Elene poderiam estar mortos dentro de poucos dias. <Aquecer-nos-emos ao sol enquanto ele durar", pensou.Lembrava-se constantemente da rapariga que fora degolada, aoque parecia por Wolff, em Istambul. Aterrava-o a ideia deElene se encontrar de novo sozinha com Wolff na noite

seguinte.olhou à sua volta e apercebeu-se da atmosfera festiva que orodeava Passou por um cabeleireiro e reparou que estava cheioe que havia mulheres de pé à espera. As lojas de vestuáriotambémpareciam estar a fazer bom negócio. Compreendeu que osEgípcios viviam já o momento da libertação.Não conseguia evitar uma sensação de catástrofe iminente. Atéo céu parecia escuro. Ergueu os olhos e verificou que estavade facto escuro. Parecia estender-se sobre a cidade umaneblina cinzenta e turbilhonante, salpicada de partículasescuras: fumo misturado com papel queimado. Em todo o Cairo osIngleses queimavam os seus arquivos, e o fumo obscurecia o

sol.Subitamente, Vandam sentiu-se furioso consigo próprio e com osexércitos aliados por se prepararem tão fatalisticamente paraa derrota. Que acontecera àquela famosa mistura de obstinação,engenho e coragem que supostamente caracterizava a naçãobritanica? "E tu",perguntou a si mesmo, "que planeias fazer nestascircunstâncias?" Voltou-se e retrocedeu na direcção do QG.Visualizou o mapa da linha de El Alamein, onde os Aliadosofereciam a sua última resistência. Tratava-se de uma linhaque Rommel não poderia contornar, pois abaixo dela ficava avasta e intransponível depressão de Qattara. Rommel teria deromper a linha. Mas onde? Imediatamente atrás dela ficava a

cordilheira de Alam Halfa, solidamente fortificada. Claro quebeneficiaria os Aliados a hipótese de Rommel consumir a suaforça a atacar Alam Halfa. Além do mais, o acesso sul à

cordilheira fazia-se através de traiçoeira areia movediça. Eraimprovável que Rommel soubesse da existência da areiamovediça, pois nunca até então penetrara tanto para leste, esó os Aliados dispunham de bons mapas do deserto."Por conseguinte", pensou Vandam, "o meu dever é impedir AlexWolff de dizer a Rommel que Alam Halfa está bem defendida e

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não pode ser atacada pelo sul." De repente, teve uma ideia:"Suponhamos que apanho Wolff, Lhe apreendo o rádio e descubroa chave do código. Podia passar por ele e transmitir umamensagem para Rommel dizendo-lhe que a linha de El Alamein erafraca na extremidade meridional e que as próprias defesas deAlam Halfa eram deficientes."A tentação seria demasiado grande para Rommel Lhe resistir.Romperia a linha pela extremidade sul e viraria para norte, nadirecção de Alam Halfa. Encontraria então a areia movediça.Enquanto se debatesse para a atravessar, a nossa artilhariadizimaria as suas forças, e quando chegasse a Alam Halfaencontrá-la-ia fortemente defendida. Nessa altura, trariamosreforços da linha da frente e esmagaríamos o inimigo como numquebra-nozes."Se a emboscada resultasse, poderia não só salvar o Egiptocomo aniquilar o Afrika Korps."Vandam começou a sentir-se eufórico. Sabia que tinha deapresentar esta ideia aos chefes. Escreveria um memorando paraBogge o quah evidentemente. o bloquearia. Mas enviaria umacópia directamente para o director do Serviço de InformaçõesMilitar. Dispunha de tempo para Lha fazer chegar às mãos antesda conferência do Estado-Maior do dia seguinte. Estugou opasso, direito ao seu escritório. Subitamente, o futuroparecia-lhe diferente. Talvez as botas altas germanicas não

ressoassem no pavimento de mosaicos das mesquitas. TalvezBilly não fosse obrigado a viver sob o domínio de Hitler.Talvez Elene não fosse enviada para Dachau."Podemos salvar-nos todos", pensou. "Se eu apanhar Wolff."

NA quinta-feira, o major Smith chegou ao barco-habitação aomeio-dia, vindo directamente da conferência matinal efectuadano QG, onde Auchinleck e o seu estado-maior tinham discutido aestratégia aliada.  Ele e Sonja entregaram-se à rotina já familiar, que seiniciava no sofá e terminava no quarto. Quando Wolff saiu doarmário, encontrou no chão a pasta e a camisa de Smith, com omolho das chaves.

Wolff abriu a pasta e começou a ler.Decorridos minutos, apercebeu-se de que tinha na mão umesquema completo da última defesa dos Aliados na linha de ElAlamein: artilharia nas cordilheiras, tanques no terreno planoe campos de minas em toda a extensão. A cordilheira de AlamHalfa, oito quilómetros atrás do centro da linha, estavafortemente defendida. A extremidade meridional da linhaoferecia menor resistência, tanto em contingentes como emminas.A pasta de Smith continha também um papel delineando a posiçãoinimiga. os Serviços de Informação Aliados analisavam apossibilidade de Rommel tentar abrir caminho através daextremidade sul. Em baixo, escrito a lápis, provavelmente por

Smith, encontrava-se uma nota que Wolff considerousupremamente importante: "o major Vandam propoe um plano de

dissimulação: encorajar Rommel a penetrar pela extremidadesul, atraí-lo a Alam Halfa, apanhá-lo em areia movediça edepois o quebra-nozes. Plano aceite por Auchinleck."Que descoberta! Além de ter na mão os pormenores da linha dedefesa aliada, Wolff estava também ao corrente do seu plano dedissimulação. Era o maior golpe de espionagem do século.Dever-se-ia ao próprio Wolff a vitória de Rommel no Norte de

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Africa. "Deviam fazer-me rei do Egipto só por isto", pensou.Ergueu os olhos e viu Smith a observá-lo, enquanto mantinhacom uma mão o reposteiro aberto.--Quem diabo é você?--berrou Smith.Furioso, Wolff apercebeu-se de que não prestara atenção aosruídos do quarto. Algo correra mal; não houvera o aviso darolha da garrafa de champanhe a saltar.--Essa pasta é minha!frente.Wolff estendeu o braço, agarrou o pe de Smith e puxou-o para olado. o major estatelou-se ruidosamente no chão. Ambos oshomens se ergueram rapidamente.Smith era baixo, dez anos mais velho do que Wolff e estava emmá forma física. Recuou com uma expressão de medo no rosto.Chocou com uma prateleira, olhou para o lado, viu uma fruteirade vidro, agarrou-a e lançou-a a Wolff. Errou o alvo e afruteira estilhaçou-se ruidosamente na banca da cozinha. "obarulho", pensou Wolff, "se ele faz mais barulho, vem genteinvestigar." Avançou para Smith. Este, de costas para aparede, gritou:--Socorro!Wolff desferiu-lhe um murro no queixo e ele escorregou pelaparede e ficou sentado, inconsciente, no chão.Sonja saiu do quarto e fitou Smith.

--Que vamos fazer com ele?--Não sei.Matar Smith seria perigoso. A morte de um oficial--e odesaparecimento da sua pasta--causaria grande agitação nacidade.Smith gemeu e abriu os olhos.- --Você ... você é Slavenburg.--olhou para Sonja e depois denovo para Wolff. --Foi você quem ma apresentou ... no Cha-Cha... foi tudo planeado--Caluda--ordenou-lhe Wolff em tom suave. o tmha uma opção:conservá-lo ali, amarrado e amordaçado, até Rommel chegar aoCairo.--Malditos espiões--increpou-os Smith, lívido.

--E você pensou que eu estava doida por si--observou Sonjacruelmente.--Acaba com isso!--disse Wolff.--Tens alguma corda para oamarrar?Sonja reflectiu um momento antes de responder:--Lá em cima, na coberta. No armário.Wolff retirou da gaveta da cozinha o pesado amolador de aço eentregou-o a Sonja.--Se ele se mexer, bate-lhe com isto ...Subiu a escada para a coberta e abriu o armário, do qualretirou um rolo de corda. Nesse momento ouviu um grito deSonja e passos precipitados na escada. Rodou sobre si mesmo eviu Smith irromper pela escotilha. Sonja não devia ter-lhe

acertado com o amolador oe aço.

Wolff correu através da coberta em direcção ao portaló, a fimde impedir a passagem ao oficial. Smith virou-se, correu parao outro -extremo do barco e saltou para a água. Wolff olhourapidamente à sua volta. Não se via ninguém nas cobertas dos outrosbarcos--era a hora da sesta. o caminho do cais também estavadeserto, à excepção do "mendigo", que presumiu ter sidodestacado por Kemel para aquele posto. Este teria de negociarconsigo. No rio navegavam dois faluchos, a uma distância de

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pelo menos quatrocentos metros.Wolff correu para a amurada. Smith emergiu, sem fôlego, ecomeçou a nadar sem perícia, afastando-se do barco. Wolffrecuou alguns passos, correu e atirou-se também ao rio. Caiude pés sobre a cabeça de Smith.Durante alguns segundos os dois corpos debateram-se emconfusão. Wolff submergiu num emaranhado de pernas e braços eprocurou empurrar Smith para o fundo. Quando já não conseguiareter a respiração, soltou-se de Smith e emergiu.Aspirou e limpou os olhos. Smith emergiu também à sua frente,tossindo e ofegante. Wolff colocou-se por detrás dele,rodeou-lhe o pescoço com um braço e com o outro empurrou-lhe acabeça para baixo. Smith continuava a debater-se debaixo deágua, agitando os braços e esperneando.Era demasiado arriscado, estava a prolongar-se por muitotempo. Wolff largou Smith e puxou da faca. Agarrou o majorpelos cabelos e esfaqueou-o repetidamente. A sua volta a águado rio tingiu-se de um vermelho lamacento.Wolff meteu a faca na bainha e arrastou o corpo para o barco.Sonja, que vestira um robe, espreitou por sobre a amurada.--Está morto?--perguntou.--Está. Temos de afundar o corpo. Dá-me a corda!Sonja desapareceu por um instante e regressou com a corda.--Agora mete qualquer coisa pesada na pasta dele. olha,

garrafas de champanhe cheias.Ela desapareceu de novo. Através da vigia, Wolff viu-a descera escada para a sala. Pegou na pasta, levou-a para a cozinha eabriu o frigorífico, do qual retirou quatro garrafas queintroduziu na pasta, juntamente com o amolador de aço e umpesa-papéis de vidro. Depois, fechou a porta e regressou àcoberta.--E agora?--perguntou.--Ata a ponta da corda à asa da pasta.--os dedos de Sonjamoviam-se apressadamente. --Agora atira-me a corda.Ela atirou-lhe a extremidade livre da corda. Batendo os péspara se manter à superfície, Wolff passou a corda por sob asaxilas do morto, rodeou-lhe com ela duas vezes o torso e deu

um nó.--Atira a pasta à água--disse a Sonja.Ela atirou pela borda fora a pasta, que caiu pesadamente a unsdois metros do barco e se afundou. A corda ficou tensa e ocorpo submergiu também. Wolff agitou as pernas debaixo deágua, no ponto onde o corpo desaparecera: não sentiu nada. ocorpo mergulhara profundamente.Wolff subiu para a coberta, olhou para trás e verificou que aonalidade rosada da água desaparecera rapidamente.Em baixo, Sonja deixou-se cair no sofá e fechou os olhos.Wolff despiu a roupa molhada.--Foi a pior coisa que me aconteceu--murmurou Sonja.--Não te preocupes que sobrevives--redarguiu-lhe Wolff.

--Pelo menos era inglês.Wolff dirigiu-se à casa de banho e abriu as torneiras dabanheira. Quando regressou, Sonja perguntou-lhe:--Valeu a pena?--Valeu.--Wolff indicou com um gesto os documentos militaresque continuavam no chão, onde os largara quando Smith osurpreendera.--Esse material é importantíssimo. Com ele,Rommel pode ganhar a guerra.--Quando transmites?

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--Hoje, à meia-noite.--Esta noite trazes cá Elene.Wolff hesitou.--Teria de transmitir com ela cá ...--Eu entretenho-a. Com os diabos, Alex, estás em dívida paracomigo!--Está bem.--Wolff dirigiu-se para a casa de banho e meteu-sena banheira de água quente, pensando como Sonja era incrivel.--Mas agora Smith não te traz mais segredos--disse-lhe ela dasala.--Não me parece que precisemos deles depois da próximareplicou Wolff. --Ele teve a sua utilidade.

Capítulo 10

VANDAM bateu à porta do apartamento de Elene uma hora antes doencontro da jovem com Alex Wolff. Ela abriu. Envergava umvestido de cocktail preto, sapatos pretos de saltos altos emeias de seda. Maqllilhara-se e tinha o cabélo brilhante. Estivera àespera de Vandam.Ele sorriu-lhe, apreciando a sua beleza invulgar.--olá!--Entra--convidou, e conduziu-o para a sala. --Senta-teVandam queria beijá-la, mas ela não Lhe deu oportunidade para

o--Quero falar-te dos pormenores para esta noite Vandam,sentando-se no sofá.--Está bem--redarguiu Elene, e sentou-se numa cadeira.--Sequeres uma bebida, serve-te.--Aconteceu alguma coisa?--perguntou o major, fitando-a.--Não, nada. Prepara uma bebida e depois dá-me as tuasinstrucões.Vandam franziu a testa. Ergueu-se, atravessou a sala eajoelhou-se defronte da cadeira dela.--Que foi, Elene?Ela fitou-o. Parecia prestes a romper em lágrimas.

--onde estiveste nos últimos dois dias? alta.--A trabalhar.--E onde pensas que eu estive?--Aqui, suponho.--Exactamente!Vandam não compreendeu o que ela queria dizer.--Eu estive a trabalhar, tu estiveste aqui e por isso estászangada comigo?--Estou! Podias ter-me mandado um bilhete ou um ramo de flores!--Flores? Para que servem as flores? Já não precisamos defazer esse jogo.

--Ah, não?! Fizemos amor na noite de anteontem, caso te tenhasesquecido. Trouxeste-me a casa e deste-me um beijo deboas-noites. Depois ... nada.Ele sentou-se no chão e desviou o olhar.--Caso tl te tenhas esquecido, um certo Er\,vin Rommel está abater-nos à porta com um magote de nazis a reboque, e eu souuma das pessoas que estão a tentar impedir-lhe a entrada.--Podias ter arranjado cinco minutos para me mandar umbilhete.

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Continuava a não fazer sentido, mas desta vez ele ouviu o tommagoado da sua voz. Virou-se para a olhar.--És a coisa mais maravilhosa que me aconteceu nestes anostodos, talvez em toda a minha vida. Perdoa-me, por favor. Fuiidiota. --Pegou-lhe nas mãos.Elene mordeu o lábio, tentando conter as lágrimas.--Foste, sim--murmurou, ao mesmo tempo que o olhava e Lhetocava no cabelo. -- Um grandessíssimo idiota-- segredou,afagando-lhe a cabeça.--Tenho tanto que aprender a teu respeito!--E eu a teu.Vandam tentou ser sincero:--Escuta, eu não tenho jeito para gestos simbólicos. ou nosamamos ou não nos amamos, e nem odas as flores do Mundo farãoqualquer diferença. No entanto, o meu trabalho pode terinfluência no facto de vivermos ou morrermos. Pensei em ti,pensei em ti o tempo todo. Mas não me preocupo contigo quandosei que estás bem. Achas que poderás habituar-te a essa minhamaneira de ser?--Vou tentar--respondeu-lhe com um sorriso lacrimoso.--o que gostava de te dizer, depois de tudo isto, era:"Esquece o combinado para esta noite, não vás. , Mas nãoposso. Precisamos de ti e é tremendamente importante.--Está bem, eu compreendo.

--Mas, antes de mais nada, posso dar-te o beijo que deviater-tedado à entrada?Ajoelhou-se ao lado do brac o da cadeira dela, segurou-lhe orosto com a sua enorme mão e beijou-a. A boca de Elene eramacia e dócil. e ele sentiu que seria capaz de continuar abeijá-la eternamente.Por fim, ela recuou, respirou fundo e disse:---Meu Deus, creio que foste sincero.--Podes ter a certeza de que fui.Elene riu-se.--Quando disseste isso, foste por momentos o velho majorVandam. Instrua-me, meu major.

--Para isso tenho de me colocar a uma distância que não mepermita beijar-te.Vandam atravessou a sala e dirigiu-se ao bar, do qual retirouuma garrafa de gin.Hoje desapareceu um major do Serviço de Informações juntamente com uma pasta cheia desegredos. Veio a saber-seque ele tem andado a desaparecer à hora do almoço umas duasvezes por semana sem que ninguém saiba para onde vai. Tenho opressentimento de que talvez se tenha andado a encontrar comWolff.--Que continha a pasta?

--Uma discriminação tão completa das nossas defesas que

estamos convencidos de que poderá modificar o resultado dapróxima batalha. Por isso temos de apanhar Wolff esta noite.--Mas talvez já seja demasiado tarde!--Não é. Há tempos encontrámos a descodificação de uma dasemissões de Wolff. Tinha sido transmitida à meia-noite.Geralmente, os espiões comunicam todos os dias à mesma hora,pois a outra hora aqueles para quem trabalham não estão àescuta. Penso que Wolff vai transmitir as informações a que mereferi hoje à meia-noite, a não ser que eu o apanheprimeiro.--Hesitou, mas depois concluiu que ela tinha o

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direito de conhecer a importância de que se revestia a missãode que estava encarregada. --Há mais uma coisa: ele serve-sede um código baseado num romance chamado Rebeca. Tenho umexemplar desse livro. Se pudesse obter a chave do código . . .--Que é isso?--Uma folha de papel com as instruções que permitem codificaras transmissões. Se eu conseguir arranjar a chave do código dolivro, posso passar por Wolff na radiotransmissão e enviarinformações falsas a Rommel. Isso poderia salvar o Egipto. Massó se tiver a chave.--Muito bem. Qual é o plano para esta noite?--o mesmo da outra noite, mas mais completo. Eu estou norestaurante com Jakes, ambos armados com pistolas.os olhos dela dilataram-se.--Tens uma pistola?--Agora não, mas vou ter. Estarão outros dois homens norestaurante, mais seis cá fora e carros civis preparados parabloquear todas as saídas da rua ao som de um apito. Fac,aWolff o que fizer, esta noite, se quiser ver-te, é apanhado.ouviu-se uma pancada à porta do apartamento.--Quem será?--perguntou Vandam. --Esperas alguém?--Não, claro. São quase horas de me ir embora.o major franziu a testa.--Não me agrada isto. Não vás lá.

--Tenho de ir. Pode ser o meu pai. ou notícias dele.Elene saiu da sala e Vandam permaneceu sentado à escuta,enquanto ela abria a porta. ouviu-a exclamar:--Alex!E ouviu a voz de Wolff:--Já está pronta. Está uma maravilha!--Era uma voz profunda econfiante, com um sotaque muito leve.--Mas ficámos de nos encontrar no restaurante ...--observouElene.--Eu sei. Posso entrar?Vandam saltou por sobre o sofá e estendeu-se no chão atrásdele.

A voz de Wolff soou mais próxima:--Por aqui?---Hum ... sim ...Vandam ouviu os dois entrarem na sala e Wolff dizer:--É um óptimo apartamento! Mikis Aristopoulos deve pagar-lhebem.--oh, não trabalho lá regularmente! É da família; dou umaajuda.--olhe, são para si.--oh, flores! obrigada.

"Diabos te levem!", pensou Vandam.--Posso sentar-me?--perguntou Wolff.

Vandam sentiu o sofá gemer quando o espião se sentou. Pensou:"Podia saltar-lhe em cima agora." Deviam pesar aproximadamenteomesmo e estavam equilibrados um para o outro--à excepção dafaca. Em caso de luta e se tivesse a faca, Wolff venceria. Jáacontecera uma vez, no beco. "Porque não trouxe eu apistola?", pensou Vandam.Se lutassem e Wolff vencesse, que aconteceria? Wolff ficaria asaber que Elene andara a tentar apanhá-lo. Em Istambul, numasituação semelhante, ele cortara o pescoço a uma rapariga.

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1 --Vejo que estava a tomar uma bebida antes de euchegar-observou Wolff. --Posso fazer-lhe companhia?--Claro--aquiesceu Elene. --Que toma?--Que é isso?--Wolff cheirou a bebida, tentando identificá-la.Um pouco de gin também."Era a minha bebida", pensou Vandam. "Graças a Deus, Elene nãotinha também uma! Dois copos teriam denunciado a situação." .ouviu o tilintar de gelo.--A sua!--A sua.Na opinião de Vandam, Elene estava a desempenhar bem o seupapel. "Que pensará ela que estou a planear? Já deve teradivinhado onde me escondi. Pobre Elene!" Encontrava-se maisuma vez numa situação mais complexa do que supusera. Vandamesperava que fosse passiva e confiasse nele.--Parece nervosa, Elene--observou Wolff.--Espero que a minhavinda aqui não a tenha perturbado. Para ser franco, estoufarto de restaurantes. Combino jantar com pessoas, mas quandochega a altura de sair nunca me apetece e começo a pensarnoutro programa.Não iam, portanto, ao oasis, pensou Vandam. "Raios! Issosignifica que não vou ter a ajuda do Jakes nem dos outros."--Então que é que quer fazer?--Posso fazer-lhe outra vez uma surpresa?

"obriga-o a dizer!", pediu mentalmente Vandam.Mas Elene respondeu:--Está bem.o major praguejou intimamente: se Wolff revelasse aonde iriam,poderia contactar com Jakes e deslocar a emboscada para outrolocal.--Vamos?--convidou Wolff, e o sofá gemeu de novo quando ele selevantou."Podia atirar-me a ele agora", pensou de novo Vandam. Mas erademasiado arriscado.ouviu-os sair da sala, a porta abrir-se e bater.Vandam levantou-se. Teria de os seguir e aproveitar a primeiraoportunidade para contactar com Jakes. Dirigiu-se para a porta

e escutou. Não ouviu nada. Abriu uma frincha. Tinham saído.Atravessou rapidamente o corredor e desceu a escada.Quando chegou à porta do prédio, viu-os do outro lado da rua.Wolff abria a porta de um automóvel para Elene entrar. Não eraum táxi. o espião devia ter alugado, pedido emprestado ouroubado um carro para aquela noite. Wolff fechou a porta dolado de Elene, contornou o veículo e sentou-se ao volante.Vandam montou a sua motocicleta.o carro arrancou e Vandam seguiu-o. Conseguiu manter-se cinco

ou seis carms atrás sem perder de vista a sua presa. Se aomenos Wolff parasse em algum lado onde houvesse um telefone...

Saíram da cidade, na direcção de Gizé. Escurecia e Wolffacendeu os faróis. Vandam não o imitou, para que o adversárionão notasse que estava a ser seguido. Várias vezes esteveprestes a cair da motocicleta, devido aos numerosos buracosque acidentavam a estrada do deserto.A sua frente erguiam-se as piramides. Wolff afrouxou e por fimparou. Iam fazer um piquenique junto das piramides. Vandamdesligou o motor e conduziu a máquina à mão sobre a areia.ocultou-a atrás de um montículo rochoso e deitou-se a seulado.

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o automóvel permanecia imóvel, com o motor desligado e ointerior às escuras. Que estariam a fazer? o ciúme apoderou-sedele. Disse a si mesmo que não fosse estúpido: estavam acomer, mais nada. Decidiu arriscar-se a fumar um cigarro.Cinco cigarros depois, o silêncio do deserto foi quebrado peloroncar do motor do automóvel de Wolff. Vandam viu-o virar etomar a estrada que conduzia ao Cairo. Ergueu-se de um salto,conduziu a motocicleta para a estrada e seguiu-os. Aonde iriaagora Wolff?Começou a suspeitar da resposta quando, nos arredores dacidade, atravessaram a ponte para Zamalek, onde a dançarinaSonja tinha o seu barco-habitação. Seria possível que Wolff láestivesse a viver? o barco estava vigiado havia dias e Kemelnão comunicara nada de anormal.Wolff arrumou o automóvel e apeou-se. Vandam encostou amotocicleta a uma parede e seguiu o espião e Elene, quepercorriam o caminho do cais. Por detrás de um arbusto viu-osentrar num dos barcos. Wolff ajudou Elene a transpor a escadado portaló, subiu atrás dela para a coberta e ambosdèsapareceram no interior da embarcação.Chegara a sua oportunidade de pedir auxílio. Devia haver umpolícia nas proximidades.--Eh! --chamou baixi ho.

Está aí alguém? Polícia?Um vulto escuro surgiu de trás de uma árvore e uma voz comsotaque árabe respondeu:--Sim.--Sou o major Vandam. Você é o agente da Polícia encarregadode vigiar o barco?--Sou sim, meu major.--o homem que procuramos encontra-se neste momento a bordo.Tem uma arma?--Não, meu major.--Diabo!--Vandam considerou a hipótese de atacar o barco com oárabe, mas rejeitou-a imediatamente como inviável: naquele confinado, a faca de Wolff era uma ameaça temível.--Vá

ao telefone mais próximo, ligue para o QG e transmita umrecado ao capitão Jakes ou ao coronel Bogge: ataquemimediatamente o barco-habitação. Compreendeu?--Capitão Jakes ou coronel Bogge, QG. Compreendi sim, meumajor.o árabe afastou-se com passos rápidos. Recebera instruçõespara comunicar com o seu oficial superior e com mais ninguémrelativamente àquele caso, pelo que iria à esquadra e ligaria

para casa do superintendente Kemel. Este saberia o que fazer.Vandam encontrou uma posição que Lhe permitia simultanea.mentepermanecer oculto e vigiar o barco e o caminho do cais.Decorrido um bocado, viu uma mulher dirigir-se para a

embarcação. Pareceu-lhe familiar. Entrou no barco e Vandamcompreendeu que era Sonja.Sentiu-se aliviado. Pelo menos Wolff não molestaria Elene comoutra mulher a bordo. Preparou-se para esperar.

ELENE desceu a escada e percorreu nervosamente com os olhos ointerior do barco. Esperara encontrar uma decoração reduzida ecom motivos náuticos, mas deparava-se-lhe um ambiente luxuoso,embora um pouco decadente. Havia carpetes espessas, divasbaixos

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mesas e ricos reposteiros de veludo do chão ao tecto, queseparavam aquela área do que calculou ser o quarto.--E seu?--perguntou a Wolff.--É de uma amiga--respondeu ele. --Sente-se.Elene sentia-se encurralada. onde estava William Vandam?Tivera várias vezes a impressão de que uma motocicleta osseguira, mas não pudera certificar-se do facto, receosa dealertar Wolff. Este retirou do frigorifico uma garrafa dechampanhe, fez saltar a rolha procurou duas taças e encheu-as.Elene sentia-se aterrorizada. Que tipo de jogo seria o dele?Percorreu-a um calafrio.--Está com frio?--perguntou Wolff, estendendo-lhe uma taça dechampanhe.--Não, não é frio.Wolff ergueu a sua taça e brindou:--A sua saúde.Elene tinha a boca seca. Sorveu um golo e depois um grandetrago da bebida gelada. Sentiu-se um pouco melhor.Ele sentou-se a seu lado no diva e disse:

--Aprecio imenso a sua companhia. Você é uma feiticeira.--Ecolocou a mão sobre o joelho dela.Elene ficou petrificada. "Pronto, é agora", pensou.--Você é enigmática--continuou ele. --Atraente, bastante

reservada, extremamente bonita, por vezes ingénua e por vezessabida. --Enquanto falava, percorria-lhe com a ponta do dedoos contornos do rosto, testa, nariz, lábios, queixo. --Porquesai comigo?Que quereria ele dizer? Seria possível que suspeitasse dopapel que ela desempenhava? ou tratar-se-ia apenas da faseseguinte do jogo?olhou-o e respondeu:--Você é um homem muito atraente.--Agrada-me que tenha essa opinião. --Inclinou-se para abeijar e ela ofereceu-lhe a face. os lábios de Wolffroçaram-lhe pela pele e depois ele perguntou nummurmúrio:--Porque tem medo de mim?

ouviu-se um ruído na coberta--passos rápidos e leves--e aescotilha abriu-se. Elene pensou: "William!"Vislumbrou no degrau um sapato de salto alto e um pé demulher. Esta desceu e Elene reconheceu Sonja, a dançarina doventre."Que diabo é isto?", pensou.

--ESTA bem, sargento--disse Kemel pelo telefone damesa-de-cabeceira.--Procedeu exactamente como devia aocontactar comigo. Eu trato de tudo pessoalmente. Pode atéabandonar o serviço a partir deste momento.--Muito obrigado, Sr. Superintendente--agradeceu o sargento.

Boas noites.Kemel desligou. Era uma catástrofe. os Ingleses tinham seguidoAlex Wolff até ao barco-habitação e Vandam estava a tentarorganizar um ataque. As consequências seriam duplas. Primeiro,a possibilidade de os oficiais Livres utilizarem o rádio deWolff para estabelecerem contacto com Romel desapareceria.Segundo, quando os Ingleses descobrissem que o barco-habitaçãoera um ninho de espiões, compreenderiam que ele, Kemel, osprotegera. Que podia fazer? Vestiu-se apressadamente.--Que é?--perguntou-lhe a mulher, da cama.

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--Serviço--sussurrou ele.--oh, não! --E virou-se para o outro lado.Kemel retirou uma pistola da gaveta fechada à chave dasecretána e introduziu-a no bolso do casaco. Depois, beijou amulher e saiu silenciosamente de casa. Meteu-se no carro eligou o motor. Tinha de consultar Sadat a respeito dosucedido, mas entretanto a impaciência podia levar Vandam acometer qualquer acto precipitado. Tinha de resolver primeiroo problema de Vandam.Kemel seguiu para Zamalek e estacionou perto do caminho docais. Retirou do porta-bagagem um pedaço de corda e avançoucom a pistola na mão direita segura pelo cano, à guisa dematraca.Chegou à margem do rio. olhou para o Nilo prateado e para asformas pretas dos barcos-habitações. Vandam devia estar ocultoalgures entre os arbustos. Kemel avançou sub-repticiamente.A sua frente, uma voz perguntou num murmúrio:--Quem vem aí? Jakes?Kemel ergueu o braço e abateu-o violentamente. A pancadaatingiu em cheio a cabeça de Vandam e deixou-o inconsciente.Kemel ajoelhou-se ao lado do corpo caído de costas e,rapidamente, descalçou-lhe as sandálias e tirou-lhe as peúgas,que Lhe introduziu na boca, para evitar que o oficial gritassea pedir socorro. Em seguida, virou-o de bruços, cruzou-lhe os

pulsos atrás das costas e amarrou-os com a corda. Depois,amarrou-lhe também os tornozelos e, por fim, atou a corda auma árvore.Vandam recuperaria os sentidos dentro de minutos, masser-lhe-ia impossível mover-se ou gritar. Kemel resolveu daruma vista de o!hos rápida ao barco-habitação. Seguiu o caminhodo cais em dlrecção ao Jlhan. Havia luzes no interior, mas ascortinas das vigias estavam corridas. Sentiu-se tentado asubir a bordo, mas considerou preferivel consultar primeiroSadat, pois não estava certo do que convinha fazer. Virou-se edirigiu-se para o automóvel.

SoNJA sorriu:

--Alex disse-me tudo a seu respeito, Elene.Elene retribuiu o sorriso. Seria aquela a amiga de Wolff aquem o barco pertência? Não a teria ele esperado tão cedo? Porque razão nenhum deles parecia irado ou embaraçado?`Wolff serviu uma taça de champanhe a Sonja--Trabalha então na loja do Mikis?--perguntou a dançarina a

--Não, não trabalho. Ajudei-o durante uns dias, mais nada.Somos aparentados.--Então é grega?--Exactamente.Aquela conversa incutiu confiança em Elene, que sentiu o medodiminuir. Acontecesse o que acontecesse, Wolff não iria com

certeza violentá-la, de faca na mão, diante de uma dasmulheres mais famosas do Egipto. Sonja proporcionava-lhe, pelomenos, alguns momentos para respurar. William estava decididoa apanhar Wolff antes da meia-noite ... Meia-noite!Quase se esquecera. A meia-noite, Wolff contactaria com oinimigo pela TSF e comunicar-lhe-ia os pormenores da linha dedefesa. Mas onde estava o rádio? Estaria no barco? Eletransmitiria a mensagem na presença delas?Wolff sentou-se ao lado de Elene, que se sentiu vagamenteameaçada com um de cada lado.

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--Sou um homem feliz!--exclamou ele.--Aqui sentado com duasmulheres tão belas!Elene olhava em frente, sem saber que dizer.--Ela é bonita, não é, Sonja?--É!--Sonja tocou no rosto de Elene e depois pegou-lhe noqueixo e virou-lhe a cabeça. --Acha-me bonita, Elene?--Com certeza. --Elene franziu a testa: a situação estava atornar-se esquisita.--Ainda bem!--afirmou Sonja, e colocou a mão sobre o joelho daoutra.Então, Elene compreendeu.As peças do puzzle ocuparam os seus devidos lugares: a falsacortesia de Wolff, o barco-habitação e o aparecimentoinesperado de Sonja. Elene apercebeu-se de que não estava detodo em segurança.Aqueles dois queriam usá-la de qualquer maneira. o medo quesentia por Wolff ressurgiu e recrudesceu."Pára com isso! Não vou ter medo. Posso bem ser molestada pordois idiotas depravados. Está em jogo um assunto maisimportante. Esquece-te de ti, pensa no rádio e na maneira deimpedires Wolff de contactar com Rommel." Consultoufurtivamente o relógio: faltava um quarto para a meia-noite.ERA quase alvorada. No quarto do barco, Wolff e Sonja dormiamprofundamente o jogo em que tinham obrigado Elene a participar

fora para benefício de Sonja: era evidente que se tratava dasua fantasia, da sua mania. Quanto mais Wolff dedicava a suaatenção a Elene, tanto mais Sonja tentava intrometer-se entre ambos, atéque no desenlace, Wolff rejeitara Elene e fizera amor comSonja. Fora tão idiota, tão ridículo, que Elene quaseconsiderara a cena cómica. Porém, não of erecendo resistência,conseguira que Wolff esquecesse a sua emissão da meia-noitepara Rommel.Naquele momento, ao acordar no diva da sala, perguntou a simesma o que teria acontecido a Vandam. Teria perdido a pistado automóvel de Wolff na confusão do transito ou sofrido algumacidente? Fosse por que motivo fosse, o certo é que Vandam jánão estava a velar por ela. Encontrava-se entregue a si mesma.

Que impediria Wolff de enviar a sua mensagem noutra noite?Seria importante saber se o rádio se encontrava no barco.Recordou as palavras de Vandam: "Se conseguir arranjar a chavedo código do livro, posso passar por Wolff na radiotransmissão... Isso poderia salvar o Egipto."

"Talvez eu consiga encontrar a chave", pensou Elene. Vandamexplicara-lhe que se tratava de uma folha de papel com asinstruções que permitiam utilizar o livro para codificarmensagens. Resolveu passar revista ao barco, começando pelapopa e acabando na proa.Entrou no quarto em bicos de pés. Wolff respirava serena eregularmente. Sonja não se movia. Elene penetrou na exígua

casa de banho. Havia uma bacia, uma pequena banheira e umarmário que continha uma máquina de barbear e comprimidos. orádio não estava na casa de banho.Atravessou de novo o quarto e regressou à sala. o diva estavaaparafusado ao chão. o rádio não podia estar ali. Passou àcozinha. Havia um armário alto, que abriu silenciosamente.Continha uma vassoura e algum material de limpeza. Nenhumrádio. Abriu seis pequenos armários. Continham louça,conservas, tachos e copos. Havia diversas gavetas. Abriu uma eo chocalhar dos talheres esfrangalhou-lhe os nervos. outra

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continha frascos de especiarias e temperos. outra ainda, facasde cozinha.Perto da cozinha havia uma pequena secretária com tampo decorrer e ao lado outro armário. Elene abriu-o e viu uma mala.o seu ntmo cardíaco acelerou-se. Retirou a mala para o chão.Era pesada.o rádio ajustava-se perfeitamente na mala, como se estativesse sido fabricada com o propósito expresso de o conter.Sobre o rádio viu um livro, cujo título leu: Rebeca. Haviaqualquer coisa entre as páginas. Abriu o livro, de entre cujasfolhas caiu um pedaço de papel. Elene apanhou-o e verificouque era uma li.cta nlímlor c

datas, com algumas palavras em alemão. Tratava-se com certezada chave do código.Tinha na mão aquilo de que Vandam necessitava para modificar orumo da guerra. Agora só precisava de fugir com o livro e achave.A cama rangeu. Por detrás dos reposteiros ouviu o ruídoinequívoco de alguém a levantar-se. Elene dirigiu-se para aescada e subiu a correr os estreitos degraus. olhou para baixoe viu Wolff aparecer entre as cortinas e olhá-la, estupefacto.os seus olhos desviaram-se dela para a mala aberta no chão.Elene voltou-se para a escotilha, fechada do lado de dentro

por meio de dois trincos. Correu-os e, pelo canto do olho, viuWolff precipitar-se para a escada. Abriu a escotilha e saiupara a coberta. Wolff subia apressadamente a escada. Quandoele agarrou a borda da abertura, Elene baixou-lhe a escotilhasobre a mão com toda a força. Soou um berro de dor. Eleneatravessou a coberta a correr e desceu o portaló. Na margem dorio baixou-se, levantou a extremidade do portaló e deixou-ocair no rio.Wolff saiu pela escotilha, o rosto transformado numa máscarade dor e fúria. Ao vê-lo atravessar a coberta a correr, Eleneentrou em panico. "Está nu", pensou, "não me pode perseguir!"Mas ele saltou por sobre a amurada do barco e aterrou na orlada margem, agitando os braços para se equilibrar. Com um

súbito ímpeto de coragem, Elene correu para ele e empurrou-opara trás, para a água. Depois, voltou-se e fugiu ao longo docaminho do cais.Quando chegou ao troço inferior do caminho que conduzia à rua,

deteve-se e olhou para trás, com o coração a baterdescompassadamente. Experimentou uma sensação de euforiaquando viu Wolff, nu e a pingar, emergir da água e subir amargem lodosa. Começava a clarear e ele não a podia perseguirnaquele estado. Virou-se na direcção da rua, desatou a correre chocou com alguém.Braços fortes imobilizaram-na. Ela debateu-sedesesperadamente. o homem que a segurava passou-lhe um braço

pelo pescoço, impedindo-a de gritar.Wolff aproximou-se e perguntou:--Quem é você?--Sou Kemel. Você deve ser Wolff.--Graças a Deus que você está aqui! É melhor vir abordo.-Wolff precedeu-os, recuperou a prancha flutuante doportaló e repô-la no lugar, entre o barco e a margem. -- Poraquiconvidou.Kemel conduziu Elene através da coberta e pela escada abaixo,

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empurrou-a para o diva e obrigou-a a sentar-se.Wolff passou por entre os reposteiros e regressou decorridosmomentos com uma grande toalha enrolada à cintura. Sentou-se ee aminou a mão.---Quase me partiu os dedos--observou, fitando Elene com ummisto de cólera e surpresa.--onde está Sonja?--perguntou Kemel.--Na cama--respondeu Wolff, indicando com a cabeça a direcc,aodo quarto por detrás do reposteiro.--Nem um tremor de terr aconsegue acordar.--Você está em apuros--observou Kemel.--Bem sei. Suponho que esta mulher trabalha para Vandam.--Lá isso não sei. Recebi um telefonema do homem que pus de uirda ao caminho do cais. Vandam veio até aqui e mandou-o pedirau liio.Wolff ficou assustado.--Foi por pouco!--exclamou com ar preocupado.--onde estáVandam agora?--Ainda está ali. Dei-lhe uma pancada na cabeça e amarrei-o.Elene sentiu o coração desfalecer-lhe. Vandam estavaimobilizado ... e mais ninguém sabia onde ela se encontrava.Fora tudo inútil.Wolff acenou com a cabeça e observou:--Vandam deve tê-la seguido. Com ele são duas pessoas que

sabem que vivo aqui. Se quiser cá ficar, tenho de os matar aambos.--Não basta--declarou Kemel.--Se você matar Vandam, oassassínio acaba por me ser atribuído.--Fez uma pausa,observando Wolff através de olhos semicerrados, e acrescentou:--E se me matasse a mim, ficava ainda o homem que me telefonoua noite passada.--Portanto ...--Wolff franziu o cenho--... tenho de me irembora. Raios partam!Kemel acenou afirmativamente e disse:--Se você desaparecer, creio que posso compor as coisas. Maspreciso de uma coisa de si. Lembre-se do motivo por que otemos aiudado Queremos falar com Rommel.

--Esta noite transmito. Diga-me o que quer transmitir e eu--Não. Queremos ser nós a fazê-lo. Queremos o seu rádio.As instruções de Sadat haviam sido claras no que respeitava a

essa questão.Wolff franziu de novo a testa. Elene compreendeu que Kemel eraum rebelde nacionalista que tentava cooperar com os Alemães--Podíamos transmitir a sua mensagem--acrescentou Kemel--Não é necessário--respondeu Wolff, que parecia ter tomadouma decisão. --Tenho outro rádio.--Então está combinado.o rádio está ali.--Wolff apontou para a mala, ainda aberta nochão.--Já está sintonizado no comprimento de onda corrente. Só

têm de transmitir às vinte e quatro horas de qualquer noite.Kemel aproximou-se do aparelho e examinou-o. Elene perguntou asi mesma por que motivo não teria Wolff mencionado o códigoRebeca. Percebeu que o espião estava a jogar pelo seguro: daro codigo a Kemel seria arnscar-se a que este o desse aqualquer outra pessoa.--onde mora Vandam?--perguntou Wolff.Kemel, que procedera a algumas investigações nesse campodeu-lhe o endereço do major."Que pretenderá agora?", pensou Elene.

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--Ele é casado, suponho?--Viúvo. A mulher foi morta em Creta o ano passado.--Tem filhos?--Tem um rapaz chamado Billy. Porquê?Wolff encolheu os ombros.--Estou um pouco obcecado com o homem que esteve prestes aapanhar-me--respondeu, mas Elene teve a certeza de que mentia.Kemel fechou a mala, aparentemente satisfeito, e Wolffpediu-Lhe:--Tome conta dela um minuto, sim?--Claro.Wolff reparara que Elene segurava ainda o livro na mão.Tirou-Lho e depois desapareceu por detrás do reposteiro.Decorridos poucos minutos, regressou já vestido e sem o livro.--Tem um indicativo de chamada?--perguntou-lhe Kemel.--Esfinge--respondeu Wolff secamente.--Código?--Nenhum.--Que estava naquele livro?--Um código--respondeu Wolff em tom irritado.--Mas não Lhodou. Vão ter de se arriscar a transmitir às claras.--Desúbito, Wolff sacou da faca.--Não discuta. Sei que tem umaarma, mas sedisparar vai ter de justificar a bala aos Ingleses. É melhor

ir-se embora.Sem uma palavra, Kemel pegou na mala e saiu pela escotilha.Wolff guardou a faca na bainha, sob a camisa. Foi buscar olivro ao quarto, retirou o papel da chave, amarrotou-o,colocou-o num cinzeiro de vidro e pegou-lhe fogo com umfósforo.< Deve ter outra chave com o outro emissor, , pensou Elene.Após se certificar de que o papel ardera completamente, Wolffabriu uma vigia e atirou o livro à água.Retirou uma pequena maleta de um armário e comec,ou a emalaralguns objectos.--Aonde vai?--perguntou-lhe Elene.--Já vai saber; também vai.

--oh, não!--Que Lhe faria? Surpreendera-a a enganá-lo ...Teria imaginado algum castigo apropriado? o medo apossou-se

dela. Nada do que fizera resultara.Wolff continuou a fazer a mala. Quando acabou, lançou umúltimo olhar à sua volta.--Não tenho coragem para perturbar o sono de Sonja--declarou,sorrindo. --Vamos.Caminharam ao longo do caminho do cais, Wolff segurando a malacom uma das mãos e o braço de Elene com a outra. Porqueabandonaria Sonja? Elene considerou-o desprovido deescrúpulos, e a ideia fê-la estremecer.Viraram para a rua e dirigiram-se para o automóvel de Wolff.

Este obrigou-a a entrar pelo lado do motorista e a passar porsobre aalavanca de mudanças, para se sentar no banco do passageiro àfrente. Depois, instalou-se ao lado dela e partiram."Para onde iremos?", perguntou-se Elene. Para onde quer quefossem, o outro emissor encontrava-se lá, juntamente com outroexemplar de Rebeca e outra chave do código. "Quando chegarmos,vou ter de tentar de novo." Agora que Wolff abandonara obarco-habitação, Vandam nada podia fazer, mesmo depois de serlibertado. Elene teria de tentar, sozinha, impedir Wolff de

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contactar com Rommel e, se possível, roubar a chave docódigo. A ideia era ridícula. o que realmente desejava eralibertar-se daquele homem diabólico e perigoso, ir para casae sentir-se de novo em segurança. Mas pensou no pai, viajandoa pé para Jerusalém, e compreendeu que tinha de tentar.Wolff parou o automóvel e Elene exclamou:-- Esta é a casa de Vandam!--olhou-o sem compreender. Mas elenão está em casa.--Pois não--concordou Wolff com um sorriso cínico.--Mas estáBilly.

Capítulo 11

ANWAR el-Sadat ficou encantado com o rádio. Ligou-o para oexperimentar e declarou a Kemel que era muito potente.Esconderam-no no forno da cozinha de Sadat. Depois, Kemelregressou de carro a Zamalek, ensaiando pelo caminho ahistória que preparara para encobrir o papel que desempenharanos acontecimentos nocturnos.Estacionou o automóvel, desceu cautelosamente o caminho docais e embrenhou-se nos arbustos a trinta ou quarenta metrosdo local onde deixara Vandam. Rolou pelo chão para sujar aroupa, esfregou um pouco de terra arenosa na cara, passou osdedos pelo cabelo e esfregou os pulsos, que ficaram

congestionados e aparentemente doridos. Depois foi procurarVandam.Encontrou-o exactamente onde o deixara. os nós estavarn aindaapertados e a mordaça no seu lugar. Vandam fitou-o de olhosfixos e dilatados, e Kemel exclamou:--Meu Deus, também o apanharam!Inclinou-se, retirou a mordaça a Vandam e desamarrou-o.--o sargento contactou-me--explicou. --Vim aqui à sua procurae só me lembro de ter acordado amarrado e amordaçado e com umaenorme dor de cabeça. Libertei-me há instantes. --osuperintendente atirou a corda para o lado e Vandamlevantou-se, entorpecido. --Como se sente?--perguntou Kemel.--Sinto-me bem.

--Vamos subir a bordo e ver se descobrimos alguma coisa.

Apenas Kemel se virou, Vandam avançou e agrediu-o na nuca coma região lateral da mão, tão violentamente quanto pôde. Podiatê-lo morto, mas era-lhe indiferente. Sabia que Kemel otraíra. Estivera amarrado e amordaçado, mas pudera ouvir: "SouKemel. Você deve ser Wolff." A partir desse momento a fúria deVandam acumulara-se, e o oficial pusera no golpe toda a suaira contida.Kemel ficou caído no chão, inconsciente. Vandam virou-o aocontrário, revistou-o e encontrou a pistola. Serviu-se dacorda queamarrara as suas próprias mãos para atar as de Kemel atrás das

costas. Depois, esbofeteou-o até ele recuperar os sentidos.--Levante-se--ordenou.Kemel, cujos olhos reflectiam medo, ergueu-se com dificuldade.Vandam agarrou-o pelo colarinho com a mão esquerda e empunhoua arma com a direita.--Vamos!Dirigiram-se para o barco-habitação. Empurrando Kemel à suafrente, Vandam subiu o porlaló e atravessou a coberta.Desajeitadamente, devido às mãos atadas, Kemel desceu aescada. Vandam inclinou-se para olhar o interior. Estava

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deserto. Desceu rapidamente as escadas, empurrou Kemel para olado e correu o reposteiro. Viu Sonja a dormir, deitada nacama.--Entre para ali--ordenou.Kemel entrou e deteve-se ao lado da cabeceira da cama.--Acorde-a.Kemel acordou-a aos gritos. Sonja abriu os olhos e sentou-sena cama. Reconheceu Kemel e depois viu Vandam com a arma. Elae o major perguntaram simultaneamente:--onde está Wolff?Vandam teve a certeza de que ela não representava. Percebiaagora claramente que Kemel avisara Wolff e que este fugira semacordar Sonja. Presumivelmente, levara Elene consigo porqualquer razão.--Wolff transmitiu alguma radiomensagem ontem à noite?perguntou.Não, não transmitiu.--Que aconteceu aqui?--perguntou Vandam, temendo a resposta.--Fomos para a cama.--Quem?--Wolff e eu.E teria sido tudo? Estaria Sonja a dizer a verdade? Wolff nãoteria de facto contactado com Rommel pela rádio na noiteanterior? Desejava apenas que fosse verdade.

--Vista-se--ordenou a Sonja.Ela saiu da cama e enfiou apressadamente um vestido. Depois,landam ordenou a Kemel e a Sonja que entrassem na exígua casade banho, fechou a porta à chave e começou a revistar o barco.Encontrou um cinzeiro de vidro cheio de papel queimado ecompletamente reduzido a cinzas. Ao fim de meia hora adquirira acerteza deque não existia a bordo nenhum rádio e nenhuma chavede códigoEncontrou um pedaço de corda, fez sair os dois prisioneiros dacasa de banho, amarrou as mãos de Sonja e em seguida amarrou ohomem e a mulher um ao outro. Saiu do barco com eles econduziu-os para a rua, onde mandou parar um táxi. InstalouSonja e Kemel no banco da retaguarda e, de arma apontada para

eles, sentou-se no da frente.--Quartel-general--disse ao assustado motorista árabe.os dois prisioneiros seriam interrogados, mas havia apenasduas perguntas que interessavam: onde estava Wolff? ondeestava Elene?

SENTADo no automóvel, Wolff agarrou no pulso de Elene e sacouda faca, cujo gume afiado passou levemente pelas costas da mãoda jovem. Horrorizada, Elene olhou para a mão. Inicialmente,viu apenas uma linha, semelhante ao risco de um lápis; depois,o sangue jorrou e ela sentiu uma dor lancinante. A respiraçãotornou-se-lhe opressa.

--Vai ficar perto de mim e não dizer nada--recomendou Wolff.--Caso contrário, esfaqueia-me?--perguntou, desdenhosa.--Não. Caso contrário esfaqueio Billy.Wolff saiu do carro e Elene permaneceu imóvel, experimentandouma sensação de impotência. Que podia fazer contra aquelehomem implacável? Retirou um lenço da mala e atou-o em tornoda mão que sangrava. Wolff contornou o veículo, abriu a portado lado da jovem, agarrou-lhe no braço e obrigou-a a sair.Subiram o caminho até à casa de Vandam e Wolff tocou àcampainha. Gaafar abriu a porta, lançou um olhar rápido à mão

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de Elene e cumpnmentou-a:--Bons dias, Miss Fontana.Wolff disse:--Bons dias. Sou o capitão Alexander. o major pediu-me queviesse cá. Deixa-nos entrar?--Com certeza, Sr. Capitão. --Gaafar desviou-se e Wolff entrouno átrio de mosaicos, sem largar o braço de Elene.--Espero queo Sr. Major esteja bem--disse o criado.--Está óptimo. Mas não pode vir a casa esta manha, e comoestou de folga pediu-me para levar Billy no carro para aescola.Elene estava apavorada. Wolff ia raptar Billy. Não podiapermiti-lo. Apeteceu-lhe gritar: "Não, Gaafar, ele está amentir, leve o Billy e fuja, fuja!" Mas Wolff tinha a faca eGaafar era velho. Wolff apanharia Billy de qualquer maneira.

Gaafar pareceu hesitar e Wolff ordenou-lhe:--Vamos, Gaafar, despache-se! Não dispomos do dia todo.--Sim, Sr. Capitão. Billy está a acabar de tomar opequeno-almoço. Querem fazer o favor de esperar aqui ummomento?--E abriu a porta da sala.Wolff empurrou Elene para a sala e largou-lhe finalmente obrac,o. Sentou-se à secretária, procurou papel e lápis ecomeçou a escrever.

--Porque me trouxe aqui?--gritou Elene.Wolff ergueu a cabeça do papel e respondeu:--Para manter o rapaz sossegado. Temos um longo caminho apercorrer.--Deixe ficar o Billy--rogou a rapariga.--É uma criança.--É o filho de Vandam--replicou Wolff com um sorriso.--Epossível que Vandam calcule onde vou, e quero ter a certeza deque não vai atrás de mim. --E continuou a escrever.Elene fez um esforço para se concentrar. Iam fazer uma longaviagem. No fim, com certeza, encontrava-se o outro rádio, bemcomo outro exemplar de Rebeca e uma cópia da chave do código.Fosse como fosse, tinha de ajudar Vandam a segui-los. onde

teria Wolff deixado o outro rádio? Podia tê-lo escondidoalgures no deserto ou entre o Cairo e Asyut. TalvezBilly entrou na sala.--olá! --disse a Elene. --Trouxe-me o lal llvro!--o livro?--Fitou-o, enquanto pensava que era ainda umacriança, não obstante as suas atitudes de adulto. Vestiacalções deflanela cinzenta e camisa branca, usava a gravata da escola esegurava a pasta com os livros.--Disse que me emprestava um livro policial do Simenon.--Esqueci-me. Desculpa.Wolff, que estivera a olhar para Billy como um avarento para oseu tesouro, levantou se.

--olá, Billy -- cumprimentou com um sorriso. capitãoAlexander.Billy apertou-lhe a mão e cumprimentou:--Como está, Sr. Capitão?--o teu pai pediu-me para te dizer que está muito ocupado afazer frente ao velho Rommel. Eu levo-te à escola.--Ele teve outra luta?Wolff hesitou, antes de responder:--Por sinal teve, mas está bem. Ficou com um galo na cabeça.Billy pareceu mais orgulhoso do que preocupado.

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Wolff dirigiu-se rapidamente a Elene em árabe:--Entretenha o rapaz um bocado.--E regressou à secretária.Elene olhou para a pasta de Billy e teve uma ideia:--Mostra-me os teus livros--disse. Através da pasta aberta viaum atlas, que retirou. --Que estás a dar em geografia?--os fiordes da Noruega.Elene viu Wolff acabar de escrever e introduzir a folha depapel num sobrescrito, que fechou e guardou no bolso.--Vamos lá ver onde está a Noruega--disse Elene, folheando oatlas.Wolff pegou no telefone e discou um número. olhou para Elene edepois para o exterior, através da janela.Elene encontrou o mapa do Egipto e Billy observou:--Mas isso é ...Rapidamente, Elene tocou-lhe nos lábios com um dedo. criancacalou-se e olhou-a, franzindo as sobrancelhas.--Claro, isto é a Escandinávia--disse Elene--, mas Noruegafica na Escandinávia. olha.Desatou o lenço da mão e com uma unha abriu o golpe para ofazer sangrar de novo. Billy empalideceu.Entretanto, Elene adquirira praticamente a certeza de queWolff tencionava dirigir-se a Asyut. o espião declarara recearque Vandam adivinhasse qual o seu destino, e era provável queo major associasse essa cidade com Wolff. Nesse momento, ouviu

Wolff pedir pelo telefone:--Está? Diga-me o horário do comboio para Asyut."Eu tinha razão!", pensou a rapariga. Humedeceu o dedo comsangue da mão e com três riscos desenhou uma seta indicando acidade de Asyut, quinhentos quilómetros a sul do Cairo. Fechouo atlas e com o lenço manchou-lhe a capa de sangue. Depois,ocultou o livro atrás de si. Billy, os olhos fixos na mão deElene, permanecia mudo de assombro.Wolff pousou o telefone e disse:--Vamos. Não queres com certeza chegar atrasado à escola.Dirigiu-se para a porta e abriu-a.

De testa franzida, Billy pegou na pasta e saiu, seguido por

Elene. Wolff, antes de sair, colocou a carta que escreverasobre uma pilha de correspondência que viu numa mesa no átrio.--Sabe guiar?--perguntou a Elene.--Sei -- afirmou a jovem, compreendendo de imediato que deviater respondido negativamente.--Vocês dois vão à frente--ordenou Wolff, e sentou-se no bancoda retaguarda.Quando ela arrancou, Wolff inclinou-se para a frente, mostroua faca a Billy e perguntou-lhe:--Estás a ver isto?--Estou--respondeu o garoto em voz pouco firme.--Se não te portares bem, uso-a em ti--ameaçou Wolff.A crianca comecou a chorar.

A sala do interrogatório tinha apenas uma mesa e uma cadeira.Vandam entrou, precedido por Jakes e Kemel, e sentou-se.--onde está Alex Wolff?--perguntou o major.--Não sei--respondeu o superintendente.--ouça, Kemel, nas circunstâncias actuais será fuzilado porespionagem. Se nos disser tudo quanto sabe, talvez se safe comuma condenação a prisão perpétua. Seja sensato. Foi você quemme agrediu no caminho que conduz ao cais, não foi?--Não, senhor.

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Vandarn suspirou. Kemel tinha a sua história e agarrava-se aela. Perguntou:--De que maneira está a sua mulher envolvida em tudo isto?Kemel não respondeu, mas pareceu assustado.--Se não responde às minhas perguntas, vou ter de Lheperguntar ela.Kemel mantinha os lábios apertados numa linha dura.Vandam ergueu-se e ordenou ao capitão:--Jakes, prenda a mulher dele por suspeita de espionagem.--- Justiça britanica típica--comentou Kemel.Vandam olhou-o e insistiu:--onde está Wolff?--Não sei.Vandam saiu, seguido por Jakes.--o tipo é polícia, conhece as técnicas--observou omajor.-Há-de vergar, mas não hoje.--E ele tïnha de encontrarWolff e Elene naquele dia.Dirigiram-se para outra sala e entraram. Sonja estava sentadanuma cadeira, com um vestido prisional cinzento. A seu ladopostava-se uma oficial do Exército que teria assustado Vandamcaso este fosse seu prisioneiro: era baixa e corpulenta, comuma expressão dura e cabelo grisalho curto.Vandam e Jakes sentaram-se. Vandam já interrogara Sonjanaquela sala, e ela sobrepujara-o em astúcia. Desta vez,

porém, a segurança de Elene estava em jogo e poucos escrúpulosrestavam a Vandam.--onde está Alex Wolff?--Não sei.--Wolff é um espião alemão e você tem-no ajudado.--Ridículo.Vandam observou-lhe o rosto. Era uma mulher orgulhosa,confiante em si mesma, desprovida de medo.--Wolff atraiçoou-a--prosseguiu o major.--Kemel, o polícia,avisou Wolff do perigo, mas ele deixou-a a dormir e fugiu com

outra mulher. Vai continuar a protegê-lo depois disso?SonJa não respondeu.

--Wolff tinha o rádio no seu barco e enviava mensagens aRommel. Você sabia-o, e por isso é cúmplice dele. Seráfuzilada por espionagem.--o Cairo todo sublevar-se-ia! Não se atreveriam'--Acha que não? Que nos importa que o Cairo se subleve agora?os Alemães estão às portas da cidade ... eles que contenham arebelião.--Não me pode tocar.--Acho melhor provar-lhe que posso--respondeu Vandam, edirigiu um aceno de cabeça à oficial.Esta segurou Sonja, enquanto Jakes a amarrava à cadeira. Abailarina debateu-se um momento, mas em vão. Pela primeira vezperpassou-lhe nos olhos um vislumbre de medo. A oficial

retirou uma grande tesoura da mala, ergueu uma madeixa dolongo e espesso cabelo de Sonja e cortou-a.--Não pode fazer isso!--gritou histericamente a dançarina.A oficial continuou a cortar. A medida que cortava as pesadasmadeixas, deixava-as cair no colo de Sonja, cujos gritos setransformaram em lágrimas.--Como vê--disse Vandam--, já não nos importamos muito com aopinião pública egípcia. Estamos encostados à parede.A mulher retirou da mala sabão e um pincel da barba, ensabooua cabeça de Sonja e começou a rapar-lha. Por fim, retirou um

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espelho da mala e colocou-lho à frente. Sonja ficou derespiração suspensa ao ver a sua cabeça totalmente rapada.--Não--murmurou--, não sou eu!--E rompeu num choro convulsivo.o ódio desaparecera; estava completamente desmoralizada.--onde obtinha Wolff as suas informações? -- perguntou v n mvl m n--Do major Smith--respondeu Sonja. --Sandy Smith.Vandam dirigiu um olhar rápido a Jakes. Era o nome do major doSSI que desaparecera--passara-se o que haviam receado.--Como obtinha ele a informação?--Sandy ia ao barco visitar-me na sua hora de almoço. Enquantoestávamos juntos, Alex revistava-lhe a pasta."Tão simples como isso", pensou Vandam. "Meu Deus, sinto-mecansado!" Smith era oficial de ligação entre o SSI e o QG.Tivera acesso a todo o plano secreto de estratégia. E seguiadirectamente das conferências matinais no QG para obarco-habitação, com uma pasta cheia de segredos.--onde está agora Smith?--perguntou Vandam.--Surpreendeu Alex a mexer-lhe na pasta. Alex matou-o. Está norio, junto do barco.Vandam dirigiu um aceno de cabeça a Jakes, que saiu.--Fale-me de Kemel--pediu a Sonja.Com a resistência completamente esmagada, ela estava desejosade falar, de dizer tudo quanto sabia:

--Abordou-me e disse-me que o senhor Lhe tinha pedido quevigiasse o barco. Prometeu censurar os relatórios devigilância se eu Lhe arranjasse um encontro entre Alex e Anwarel-Sadat, um capitão do Exército.--Porque queria Sadat encontrar-se com Wolff?--Para o Movimento dos oficiais Livres poder enviar umamensagem a Rommel.Vandam ordenou à oficial:--Procure-me a morada do capitão Anwar el-Sadat.

--Sim, meu major. --E a mulher saiu., --Sabe para onde Wolff poderá ter ido?--perguntou Vandam aSonja.

--Procurar o ladrão Abdullah. Talvez tenha ido procurá-lo.--Boa ideia. Mais algumas sugestões?--os seus primos do deserto.--onde poderiam ser encontrados?--Ninguém sabe. São nómadas.--Wolff poderia estar ao corrente dos seus movimentos?--Suponho que sim.--Voltaremos a ver-nos--prometeu Vandam, e saiu.A mulher oficial entregou-lhe um papel com a morada de Sadat.Jakes esperava-o na sala de reuniões.--A Marinha vai emprestar-nos dois mergulhadores mou. --Já vêma caminho.--Muito bem. Vou prender Sadat. Já foram transmitidas

instruções a toda a gente?o capitão acenou afirmativamente e respondeu:--Sabem que procuramos um emissor de TSF` um exemplar do livroRebeca e um conjunto de instruções de código.--Quero que faça uma rusga à casa de Abdullah. Depois, vá tercomigo ao barco-habitação.Sadat vivia num subúrbio a cinco quilómetros do Cairo, nadirecção de Heliópolis. Quatro jipes aproximaram-seruidosamente da casa e os soldados cercaram-na imediatamente,começando a revistar o jardim. Vandam bateu à porta principal,

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que estava aberta, e chamou:--Capitão Anwar el-Sadat?--Sou eu.Sadat era um jovem magro, com uma expressão séria, de alturamediana e cabelo ondulado castanho, que começava já a rarear.Vestia uniforme e fez, como se estivesse prestes a sair.--Está sob prisão--declarou Vandam, e entrou em casa. onde é oseu quarto, capitão?Sadat indicou-lho. Sob a sua aparência, calma e digna, atensão estava latente. "Está com medo", pensou Vandam, < masnão de ir para a prisão; é de qualquer outra coisa."Entraram juntos no quarto. Era um quarto simples, com umcolchão no chão e uma galabia suspensa num prego. Doissoldados começaram a revistar o aposento.--Conhece Alex Wolff--disse Vandam a Sadat.--Também se chamaAchmed Rahmha, mas é europeu.--Nunca ouvi falar dele.obviamente, Sadat possuía uma personalidade relativamenteforte não era homem susceptível de quebrar e confessar tudo sóporque um punhado de soldados brutamontes começava arevolver-lhe a casa.

--Major Vandam!--gritaram de outra zona da casa.Vandam seguiu a direcção de onde viera o grito e entrou na

cozinha. Um sargento da PM abria uma mala que descobriraoculta no forno. No interior da mala encontrava-se umradioemissor. Vandam olhou para Sadat, que o seguira. Aamargura e a decepção alteravam o rosto do árabe. os rebeldestinham então avisado Wolff e, em troca, recebido o rádio doespião. Significaria tal facto que ele possuía outro?--Bom trabalho, sargento. Acabem de revistar a casa e depoislevem o capitão Sadat para o QG.

--Protesto--declarou Sadat.--A lei estipula que os oficiais doExército Egípcio só podem ser detidos na messe de oficiais edevem ser guardados por um companheiro de armas.--A lei também estipula que os espiões devem ser

fuzilados-replicou Vandam, que se voltou de novo para osargento:--o capitão é acusado de espionagem.Fitou de novo Sadat. A expressão de amargura e desapontamentodesaparecera-lhe do rosto e fora substituída por um olharcalculista. "o tipo vai tirar o máximo partido disto", pensouVandam. "Está a preparar-se para armar em mártir. É muitoadaptável. Devia ser político. "Regressou ao jipe e ordenou ao motorista:--Para Zamalek.Quando chegou ao barco-habitação, os mergulhadores já tinhamfeito o seu trabalho: dois soldados içavam o cadáver do Nilo.Jakes aproximou-se e disse-lhe:--olhe, meu major. -- E estendeu-lhe o livro encharcado:

Rebeca.o rádio fora para Sadat; o livro-código para o rio. Vandamlembrou-se do cinzeiro cheio de papel queimado. Teria Wolffqueimado a chave do código? Mas porquê, se tinha uma mensagemvital para transmitir a Rommel? A conclusão era óbvia. Wolfftinha outro rádio, outro livro e outra chave ocultos emqualquer lado.os soldados içaram o corpo para a margem do rio. Vandaminclinou-se sobre o cadáver e comentou para Jakes;--Horrendo, não acha? Esfaqueado e depois atirado ao rio.

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Wolff é rápido como o diabo a manejar o raio da faca.Vandam levou a mão à face: o penso fora retirado e a barba- dealguns dias ocultava-lhe o ferimento. Elene não, com a facanão, por favor!--Presumo que não encontrou Wolff, capitão?--Não havia sinais dele em casa de Abdullah.--Nem em casa do capitão Sadat. -- De súbito, Vandam sentiu-secompletamente esgotado; Wolff parecia levar-lhe sempre amelhor. Esfregou a cara. Há vinte e quatro horas que nãodormia.-Acho que vou para casa descansar um bocado. Talvez meajude a pensar com mais clareza. Esta tarde voltamos ainterrogar todos os presos.A caminho de cása, lembrou-se de que Sonja mencionara outrapossibilidade: os primos nómadas de Wolff. Mas quem poderiadizer onde se encontravam, a não ser o próprio Wolff? o jipeparou defronte da casa de Vandam, que se apeou e mandou omotorista embora.Havia correio na mesa do átrio. o sobrescrito de cima,endereçado a Vandam numa caligrafia vagamente familiar, nãotinha selo e ostentava a palavra "urgente . Vandam pegou nelee dirigiu-se à sala a procura de um abre-cartas. Fosse comofosse, a busca de Wolff tinha de ser circunscrita. Lembrou-seonde tudo começara. Asyut. Aparentemente, fora aí que Wolffsurgira do deserto. Consequentemente, talvez regressasse para

lá pelo mesmo caminho. Talvez os seus primos se encontrassemnessas imediações.Podia ainda fazer qualquer coisa, pensou Vandam. Era provávelque naquele momento Wolff seguisse em direcção ao sul.Impunha-se a instalação de bloqueios na estrada. E eranecessário colocar alguém em todas as estações de caminhos deferro encarregado de o procurar. Vandam sentia dificuldade em

concentrar-se.onde estava o maldito abre-cartas? Foi à porta e gritou:--Gaafar!Regressou à sala e viu o atlas escolar de Billy numa cadeira.Parecia sujo. o rapaz devia tê-lo deixado cair numa poça ou

coisa parecida. Vandam pegou-lhe e sentiu-o pegajoso. Percebeuque estava sujo de sangue. Teve a sensação de estar a viver umpesadelo. Que se passava?Gaafar entrou e Vandam perguntou-lhe:--Que porcaria é esta?--Não sei, Sr. Major--respondeu Gaafar depois de olhar para oatlas.--Eles estiveram a vê-lo enquanto o capitão Alexanderaqui esteve . . .--Eles quem? Quem é o capitão Alexander?--o of icial que o senhor encarregou de levar Billy Para aescola.

Um terrível pavor desanuviou instantaneamente o cérebro de

Vandam.--Veio aqui esta manha um capitão do Exército Britanico elevou o Billy?--Levou sim, Sr. Major, levou-o para a escola. Disse que o Sr.Major o tinha mandado ...--Gaafar, eu não mandei ninguém.o rosto moreno do criado adquiriu um tom terroso.--Não pediu ao homem que se identificasse?--Mas, Sr. Major, Miss Fontana vinha com ele! Por issopareceu-me natural.

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--oh, meu Deus!--Agora sabia por que motivo Lhe parecerafamiliar a caligrafia do sobrescrito: era a mesma do bilheteque Wolff mandara a Elene.Rasgou o envelope, em cujo interior encontrou uma mensagemescrita na mesma caligrafia:

Caro major Vandamo Billy está comigo. Elene cuida dele. Não Lhe acontecerá nadaenquanto eu estiver em seguranca. Aconselho-o a deixar-seficar ondeestá e não tomar quaisquer medidas. Não tenho qualquer desejodemolestar o rapaz. No entanto, a vida de uma crianca nada valecomparada com o futuro dos meus dois países, o Egipto e aAlemanha.Por isso pode ter a certeza de que, se me convier, matareiBilly.

Era a carta de um louco: a saudação cortês, o inglês correcto,atentativa de justificar o rapto de uma criança inocente. Wolffera louco. E tinha Billy em seu poder.Vandam estendeu o bilhete a Gaafar, que pôs os óculos com mãotrémula. Qual seria o objectivo do rapto? Para onde teriam

ido? E porquê o sangue? Gaafar chorava copiosamente--Quem estava ferido?--perguntou-lhe Vandam. --Quem sangrava?--Não houve violência. Miss Fontana tinha um golpe na mão.E espalhara sangue no atlas de Billy, que deixara sobre acadeira. Era um sinal, uma mensagem. Vandam pegou no atlas edeixou-o abrir-se Viu imediatamente o mapa do Egipto e uma

seta vermelha apontando para Asyut."Se eu comunico o facto para o QG", pensou, "Bogge transmiteordens para que prendam Wolff em Asyut. Trava-se uma luta eWolff sabe que está perdido. Que fará então? Mata o meufilho."Sentiu-se paralisado pelo medo. Claro que era esse o objectivo

de Wolff ao levar Billy: paralisar Vandam. Só havia uma opção:tinha de os seguir sozinho. Wolff viera de Asyut de comboio;tinha pois de partir do princípio de que também regressaria decomboio.Saiu da sala e deteve-se no átrio para pôr os óculos demotociclista e enrolar um cachecol em tomo da boca e dopescoço. Saiu de casa, montou na motocicleta e ligou o motor.o depósito de combustível estava cheio. Gaafar seguira-o,ainda a chorar. Vandam tocou no ombro do velho e declarou-lhe.--Hei-de trazê-los.Arrancou, entrou na rua e virou para sul.

Capítulo 12

"BILLY está tão pálido!", pensava Elene. "Está a tentar sercorajoso." Viajavam com Wolff numa carruagem de primeiraclasse para Asyut. "Que hei-de fazer?", perguntava a jovem asi mesma. Sentia um calafrio de cada vez que olhava paraWolff. o modo como ele fitava Billy, o brilho dos seus olhos,a expressão de triunfo ... Talvez devesse distrair Billy comum jogo qualquer. Que ideia tão ridícula. ou não, talvez nãofosse assim tão ridícula. Estava ali a pasta da escola, e napasta o caderno de exercícios. o garoto observava-a, curioso.

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Que jogo? o jogo do galo. Quatro linhas que se cruzavam duashorizontais e duas verticais. Uma cruz feita por ela noquadrado do centro. Billy pegou no lápis e escreveu um zero nocanto. "Desconfio que ele aceitou esta ideia para mereconfortar!", pensou Elene. Wolff arrancou-lhe o caderno damão, olhou, encolheu os ombros e devolveu-o. A cruz de Elene,o zero de Billy ... empataram."Tenho de afastar Billy daquela faca", pensou Elene. Billytracou uma cruz no centro de um novo quadriculado. Eladesenhou um zero e depois escreveu apressadamente: "Temos defugir ... Prepara-te!" Billy traçou nova cruz e escreveu:"Está bem." Um zero dela. "Próxima estação." A terceira cruzde Billy completou uma linha. Ele sorriu-lhe, jubiloso.Vencera. o comboio afrouxou. Tinha de dar a Billy umaoportunidade de fugir e depois tentar impedir Wolff de operseguir.

Elene olhou à sua volta. "Pensa depressa!" Estavam numacarruagem com quinze ou vinte filas de lugares. Ela e Billysentavam-se lado a lado, voltados para a frente. Wolff estavadefronte deles, com a mala aos pés. A seu lado havia um lugarvago e atrás dele ficava a porta para a plataforma do comboio.os outros passageiros eram uma mistura de europeus e egípciosricos, todos vestidos à ocidental. o calor apertava e todos

transpiravam. Alguns dormiam.o comboio parou na estação."Ainda não", pensou Elene, "ainda não." o momento oportunoseria quando o comboio estivesse prestes a arrancar de novo, oque daria a Wolff menos tempo para os alcançar. Permaneceu

sentada, numa imobilidade febril.Um padre de vestes coptas entrou na carruagem e ocupou o lugarvago ao lado de Wolff. Elene murmurou a Billy:--Quando o apito soar, corre para a porta e sai do comboio.--Que conversa é essa?--perguntou Wolff.o apito soou. Billy olhou para Elene, hesitante.Wolff franziu a testa.

Elene atirou-se a Wolff, procurando atingi-lo na cara. Eleprotegeu o rosto com os braços, mas não conseguiu evitar oimpetuoso ataque. Elene arranhou-lhe a cara com as unhas e viujorrar sangue. o padre soltou um grito de surpresa. Por sobreas costas do banco de Wolff, Elene viu Billy correr para aporta e tentar abri-la. Deixou-se cair sobre Wolff e tentouarranhar-lhe os olhos.Por fim, ele recuperou a voz e soltou um berro de cólera.Levantou-se do lugar e empurrou Elene, que Lhe agarrou afrente dacamisa. Ele ergueu o punho e desferiu-lhe um murro. Elene caiupara trás, no banco. Quando recuperou a visão, viu Wolffprecipitar-se na direcção do garoto. Levantou-se. Billy

transpunha a porta, seguido de perto por Wolff. Eleneseguiu-os.Billy corria ao longo do cais da estação, perseguido porWolff. os poucos egípcios que se encontravam nas imediaçõesobservavam a cena levemente surpreendidos, sem revelaremqualquer intenção de intervir. Elene precipitou-se atrás deWolff. o comboio estremeceu, prestes a arrancar. Wolffaumentou a velocidade e Elene gritou: "Corre, Billy, corre!"Billy alcançara praticamente a saída da estação. o comboiocomeçara a avançar, muito lentarmente, e Wolff tinha de

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retroceder para o apanhar. "Conseguimos!", pensou Elene.Nesse momento, Billy escorregou e caiu, batendo com força nochão. Wolff alcançou-o no mesmo instante e inclinou-se para oapanhar. Elene aproximou-se e lançou-se às costas de Wolff,que se desequilibrou e largou Billy. Elene mantinha-seagarrada a Wolff. o comboio continuava a avançar, lenta masfirmemente. Wolff soltou-se de Elene e atirou-a ao chão.Depois, levantou Billy e atravessou-o ao ombro. o rapazgritava e desferia-lhe socos nas costas. Wolff correu algunspassos paralelamente ao comboio e saltou.Elene ergueu-se penosamente. Não podia abandonar Billy. Correuaos tropeções para o comboio. Alguém Lhe estendeu uma mão, elaagarrou-a e saltou. Estava de novo no comboio, no ponto em quetudo começara. Dominada pelo desanimo, seguiu Wolff para oslugares que ocupavam, sem encarar os passageiros por quepassava. Viu Wolff aplicar uma forte palmada no traseiro deBilly e deixá-lo cair no seu lugar. o rapaz chorava emsilêncio.Wolff voltou-se para Elene e increpou-a em voz alta, para serouvido:--És louca! --Agarrou-lhe num braço e esbofeteou-a.o sacerdote ergueu-se, tocou no ombro de Wolff e murmuroualgumas palavras. Wolff largou-a e sentaram-se. Elene olhou àsua volta e verificou que era o centro das atenções. Ninguém a

ajudaria porque era uma egípcia, e no Egipto as mulheres, talcomo os camelos, precisavam de ser espancadas de tempos atempos. Dentro dela fervia uma raiva inútil e impotente. Quasetinham conseguido fugir. Passou o braço por sobre os ombros da

criança, puxou-a para si e comec,ou a afagar-lhe o cabelo.Pouco depois, Billy adormeceu.

VANDAM sabia que já se encontrava bastante à frente do comboioParara em quatro estações para perguntar se a composição jápassara. Ainda não. Conduzia rapidamente, com os óculos e ocachecol enrolado ao pescoço e tapando-lhe a boca, aprotegê-lo o mais possível da poeira. Sabia o que tinha a

fazer, mas precisava de tempo. Pararia na estação seguinte eporia o seu plano em prática.A determinada altura da viagem tomara uma decisão. Partira doCairo com o objectivo de salvar Billy e Elene, mas entretantoCompreendera não ser esse o seu único dever. A guerracontinuava.Vandam tinha a certeza de que Wolff possuía outro emissor,.outro exemplar de Rebeca e outra chave do código ocultos emAsyut. A fim de pôr em prática o plano destinado a iludirRommel, Vandam precisava do rádio e da chave--o quesignificava que tinha de deixar Wolff chegar a Asyut erecuperar esses objectos. Só entãopoderia salvar Billy e Elene. Seria duro para eles,

brutalmente duro mas viver sob o domínio nazi seria tambémbrutalmente duro.Tomada a decisão, o major precisava de ter a certeza de queWolff viajava naquele comboio. Ao mesmo tempo talvezconseguisse amenizar a situação de Elene e Billy.Quando chegou à cidade seguinte, parou à porta da esquadra daPolícia local, situada num largo central, do lado oposto ao daestacão de caminhos de ferro, e buzinou peremptoriamentediversas vezes Saíram do edifício dois polícias árabes: umhomem grisalho de uniforme branco e um rapaz de dezoito ou

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vinte anos. Vandarn apeou-se da motocicleta e gritou:"Sentido!" os dois homens perfilaram-se e fizeram acontinência, que Vandam retribuiu.--Ando atrás de um criminoso perigoso e preciso da vossa ajudadisse em tom premente--Vamos entrar.Vandam precedeu-os e dirigiu-se ao homem mais velho:--Ligue para o Quartel-General Britanico no Cairo.--Deu-lhe onúmero, e o polícia ergueu o auscultador de um telefonecolocado sobre uma mesa. Vandam voltou-se para o polícia maisnovo:--É capaz de guiar a minha motocicleta?--Perfeitamente--respondeu o jovem, encantado com a ideia.--Vá lá fora experimentar.o mais velho, que estivera a gritar ao telefone, estendeu-oVandam.--Tem o QG ao telefone.--Ligue-me ao capitão Jakes--pediu Vandam pelo telefon_. Nãotardou a ouvir a voz de lakes:--Está? Fala Vandam. Estou noSul, a seguir um palpite. A fim de conseguir o apoio máximo dagendarmaria indigena--utilizava estes termos para que opolícia não compreendesse--, quero que represente o seu papelde duro.Estendeu o telefone ao polícia grisalho, que,inconscientemente, se perfilou, enquanto Jakes o instruía, comuma clareza que não deixava lugar a qualquer dúvida, no

sentido de fazer tudo quanto Vandam quisesse, e depressa.--Sim, senhor!--repetia o polícia, que por fimacrescentou:-Pode ter a certeza, Excelência, de que faremos

tudo quanto estiver ao nosso alcance.Vandam aproximou-se da janela. o polícia mais novo descreviavoltas no largo com a motocicleta, buzinando e acelerando.Reunira-se uma pequena multidão que observava a cena. o agenteostentava um sorriso rasgado. "Serve", pensou Vandam.

--Trate do necessário para eu entrar no comboio de Asyutquando ele passar por aqui--disse ao homem mais velho.--Emande o rapaz levar a motocicleta à estação seguinte e esperar

lá por mim.--Sim, senhor! --E o homem saiu a correr.Vandam ainda não ouvia o comboio. Dispunha de tempo para fazermais um telefonema. Levantou o auscultador e pediu aotelefonista que ligasse para o capitão Newman, da Base Militarde Asyut. Newman atendeu após uma longa espera.--Fala Vandam. Creio que estou no rasto do seu faquista.--Excelente, meu major! --exclamou Newman. --Posso ser-lheútil em alguma coisa?--Chego a Asyut daqui a algumas horas. Preciso de um táxi, deuma galabia grande e de um miúdo. Pode encontrar-se comigo?--Espero por si à entrada da cidade. Acha bem?--óptimo.--Vandam ouviu o ruído distante do comboio. Tenho de

ir.Desligou. Colocou uma nota de cinco libras na mesa ao lado aolefone. Era sempre útil untar as mãos. Saiu para o largo. Nairecção norte viu o fumo do comboio que chegava. o políciamais novo aproximou-se na motocicleta. Vandam disse-lhe:--Vou de comboio, mas você segue na motocicleta até à próximaestação e espera-me lá. Está bem?--Está bem--exclamou o outro, encantado.Vandam retirou do bolso uma nota de libra, rasgou-a ao meio eu metade ao rapaz:

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--Recebe a outra metade quando se encontrar comigo.o comboio estava quase na estação. Vandam atravessou o largo eorreu ao longo do cais, a fim de poder entrar pela frente semser visto pelos passageiros. o comboio entrou na estação, avomitar uvens de fumo. Quando parou, Vandam subiu.Encontrou-se numa carruagem de segunda. Wolff viajaria comerteza em primeira classe. Vandam comec,ou a atravessar ascarruans, abrindo caminho por entre os passageiros sentados nochão om as suas caixas, as suas grades e os seus animais.Depois de percorrer três carruagens de segunda, encontrou-se àporta de uma carruagem de primeira classe. De súbito, tevedúvidas sobre se teria ;a coragem necessária para fazer o quedecidira. Wolff nunca o vira bem--no beco tinham lutado àsescuras--, e a barba cobria-lhe quase por completo o golpe dacara. o verdadeiro problema eraBilly. Tinha de forjar maneira de avisar o filho para que estefingisse não o reconhecer. Respirou fundo e abriu a porta.Quando a transpôs, olhou rápida e nervosamente para asprimeiras filas de lugares. Não viu Billy. Pediu aospassageiros que se encontravam mais perto:--os vossos documentos, por favor.--Que é que se passa, major? Exercito Egipcio.--Uma inspecção de rotina, meu coronel--respondeu Vandam, econtinuou a percorrer a coxia, inspeccionando documentos.

Quando se encontrava a meio da carruagem, adquirira já acerteza de que Wolff, Elene e Billy não se encontravam nela.

Começou a ventilar a hipótese de se ter enganado nas suassuposições.Chegou ao fim da carruagem e transpôs a porta que dava acessoao espaço entre as carruagens. A sua frente ficava a últimacarruagem. "Se eles vêm no comboio, vou sabê-lo agora",pensou.Abriu a porta e viu imediatamente Billy. Sentiu uma punhaladade angústia, como uma ferida. o rapaz dormia no seu lugar, comos pés mal tocando o pavimento, o corpo descaído para o lado eo cabelo caindo para a testa. Elene, que o enlaçava, ergueu a

cabeça e arregalou os olhos. Vandam levou rapidamente um dedoaos lábios e ela baixou os olhos. Porém, Wolff captara o seuolhar e virou a cabeça para descobrir o que ela vira. Vandamdirigiu-se-lhe:--Documentos, por favor.Era a primeira vez que via o seu inimigo cara a cara. Wolffera um indivíduo atraente, de traços fisionómicos vincados.Apenas em torno dos olhos e aos cantos da boca se Lhe revelavaa fraqueza, a depravação. E apresentava arranhões recentes nasfaces. Talvez Elene Lhe tivesse oposto alguma resistência.Wolff estendeu os documentos e depois olhou através da janela,enfadado. os documentos identificavam-no como Alexander Wolff,Villa les oliviers, Garden City.

--Aonde vai?--perguntou-lhe Vandam.--A Asyut, visitar pessoas de família.--Viajam juntos?--É o meu filho e a ama--respondeu Wolff.Vandam pegou nos documentos de Elene e relanceou-os.Apetecia-lhe atirar-se ao pescoço de Wolff. o meu filho e aama. Pulha!Devolveu os documentos a Elene.

--Não é preciso acordar a criança--disse, e virou-se para o

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sacerdote sentado ao lado de Wolff, que Lhe estendia acarteira e dizia:--Também vou para Asyut.--obrigado--agradeceu Vandam, devolvendo os documentos.Dirigiu-se à fila seguinte de lugares e continuou a examinardocumentos. Quando olhou para trás, Wolff fixava de novo apaisagem através da janela.Vandam chegara ao fim da carruagem e devolvia os últimosdocumentos quando ouviu um grito que Lhe trespassou o coração:--Aquele é o meu pai!Ergueu os olhos. Billy corria pela coxia na sua direcção, debraços estendidos, tropeçando e chocando com os lugares. ohDeus! Atrás de Billy, viu Wolff e Elene levantados aobservarem a cena-Wolff com um olhar penetrante, Elene com umaexpressão de medo. Vandam abriu a porta atrás de si, simulandonão reparar no rapaz, e saiu para a plataforma da carruagem.Billy precipitou-se também através da porta. Vandam fechou-a epegou no filho.--Está tudo a correr bem--murmurou--, não te preocupes.Wolff devia aparecer de um momento para o outro.--Eles levaram-me!--contou Billy.--Faltei à escola e estavacom muito, muito medo!--Agora já passou tudo ...Vandam sentia-se incapaz de abandonar Billy. Teria de matar

Wolff, de desistir do plano concebido para enganar Rommel e daprocura do emissor e do código ... Não, tinha de prosseguir oseu objectivo. Dominou os seus instintos e disse ao filho:--Escuta, tenho de apanhar aquele homem e não quero que elesaiba quem sou. E o espião alemão que tenho andado a procurar,compreendes?- --Sim, sim ...--És capaz de fingir que não sou teu pai e voltar para ele?Billy fitou-o, boquiaberto, com uma expressão mais elucidativa'do que qualquer recusa.--É uma história de detectives a sério, Billy, e nós doisparticipamoS nela, tu e eu. Tens de fingir que te enganaste.

Mas t lembra-te de que estarei perto e de que, juntos,apanharemos o espião.

A porta abriu-se e Wolff apareceu.--Que vem a ser isto?Vandam arvorou uma expressão compreensiva.--Parece que acordou de um sonho e me confundiu com o pai.Somos da mesma estatura. o senhor disse que era o pai, nãodisse?--Que disparate, Billy!--exclamou Wolff.--Volta para o teulugar.Billy permaneceu imóvel.--Vá, meu homenzinho--disse Vandam, pousando a mão no ombro do

garoto. --Vamos lá ganhar a guerra.A velha frase familiar produziu o efeito desejado, e Billysorriu corajosamente.--Desculpe--murmurou. --Devo ter estado a sonhar.Vandam sentiu o coração estalar-lhe.Billy virou-se e regressou à carruagem, seguido por Wolff eVandam. Enquanto caminhavam ao longo da coxia, o comboioafrouxou. Aproximavam-se da estação seguinte, onde amotocicleta de Vandam o aguardava. Billy chegou ao lugar esentou-se. Elene fitava Vandam com um olhar de incompreensão.

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Billy tocou-lhe nurn braço e disse:--Não há novidade; enganei-me.Uma estranha luz brilhou nos olhos da rapariga, que pareceu Jprestes a irromper em lágrimas. 2Vandam deteve-se à porta da carruagem e disse a Billy:--Boa viagem.--Muito obrigado.o comboio entrou na estação e parou. Vandam apeou-se, avançouum pouco ao longo do cais e deteve-se à sombra de um toldo, àespera. Soou um apito e o comboio recomeçou a andar. Vandarntinha os olhos fixos na janela que sabia ficar próximo dolugar de Billy. Quando a janela passou, viu o rosto do filho,que ergueu a mão e Lhe dirigiu um breve aceno. Vandamretribuiu o gesto e a cara desapareceu.o major constatou que estava a tremer.o comboio já quase se desvanecera à distância quando saiu daestação. Encontrou o jovem polícia montado na motocicleta.Vandam deu-lhe a outra metade da nota de libra, montou amotocicleta e seguiu pela estrada que se dirigia para sul.Segundo os seus cálculos, chegaria a Asyut trinta ou quarentaminutos antes do comboio. o capitão Newman aguardá-lo-ia.Avançou à frente do comboio que transportava Billy e Elene, asúnicas pessoas no Mundo a quem amava. Disse mais uma vez a si

mesmo que fizera o que seria melhor para todos, o que seriamelhor para Billy. Mas no fundo do seu cérebro uma vozrepetia: "Cruel, cruel, cruel

o comboio entrou na estação e parou. Elene viu um letreiro queostentava, em árabe e inglês, a palavra ASYUT. Haviam chegado.Que jogo seria o de Vandam? Compreendeu que ele devia ter emmente qualquer plano para a salvar e a Billy e simultaneamenteencontrar a chave do código. Gostaria de saber qual.Felizmente, Billy não parecia atormentado por taispensamentos. Animara-se, passara a ter interesse pela paisagemque viam desfilar e até perguntara a Wolff onde comprara a sua

faca.Elene olhou para Wolff, que parecia dominado por um misto deexcitação e nervosismo. operara-se nele uma modificaçãoqualquer nas últimas vinte e quatro horas. Quando o conhecera,era um homem brando e senhor de si. Agora essascaracterísticas haviam desaparecido. Agitava-se, olhavainquieto em seu redor e de segundo.. a segundo um canto da sua boca estremecia quaseimperceptivelnente. Curiosamente, Wolff, o implacável, estavaa ficar desesperalo, enquanto Vandam parecia tornar-se maissereno.Elene e Billy desceram do comboio para o cais congestionado,tras de Wolff. De súbito, um rapaz sujo, de pijama verde às

riscas, agarrou na mala de Wolff e gritou:--Eu arranjo táxi !r Wolff encolheu os ombros, bem-humorado, e deixou o rapazconduzi-los ao portão.Sairam para o largo e Elene olhou à sua volta, à procura dequalquer sinal da presença de Vandam. Wolff disse ao rapazárabe:--Quero um táxi automóvel.Estava um parado atrás dos carros puxados a cavalos, junto doqual o rapaz os conduziu.

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--Sente-se à frente--ordenou Wolff a Elene.Deu uma moeda ao rapaz e sentou-se atrás, junto de Billy. omotorista usava óculos escuros e um kaffiyeh--uma espécie deturbante árabe.--Siga para sul--ordenou-lhe Wolff em árabe.--Muito bem--respondeu o motorista.Elene sentiu o coração desfalecer-lhe. Conhecia aquela voz.olhou fixamente para o homem. Era Vandam.VANDAM afastou-se da estação, pensando: "Por enquanto, tudobem." Embora os seus conhecimentos de árabe fossemrudimentares, sabia dar--e consequentementereceber--instruções. Correria tudo bem enquanto Wolff nãoresolvesse discutir o tempo e as colheitas.o capitão Newman arranjara-lhe tudo quanto Lhe pedira, além deum revólver En.field .38 de seis balas. Como estudara o mapade Newman da área de Asyut, Vandam sabia encontrar a estradaque saía da cidade e seguia para sul. Atravessou o mercadosempre a buzinar, à maneira árabe, conduzindo perigosamenteperto das grandes rodas de madeira das carroças e afastando oscarneiros do caminho com leves toques de guarda-lamas.Simulando ajustar o retrovisor, lançou um olhar a Billy,perguntando a si próprio se ele o teria reconhecido. A criançatinha os olhos fitos na nuca de Vandam com uma expressão de

deleite. "Não denuncies o jogo!", pediu Vandam mentalmente.Deixaram a cidade para trás e seguiram para sul por umaestrada recta do deserto. A sua esquerda havia camposirrigados e bosquetes de árvores; à sua direita, uma muralhade penhascos de granito a que uma camada de areia pulverulentaemprestava uma tonalidade bege. Wolff disse: --Ruh yameen.Vandam sabia que a expressão significava "para a direita". Emfrente viu uma curva que parecia conduzir directamente aopenhasco. Descreveu-a e verificou que se dirigia para umdesfiladeiro através dos montes. A estrada começava a subir eo velho automóvel roncava penosamente, acabando por chegar aocimo em segunda. Vandam contemplou o aparentemente infinitoDeserto ocidental.

A estrada transformou-se num caminho. Directamente à suafrente, o Sol afundava-se nos limites do horizonte. Wolffendireitou-se no lugar. e começou a olhar à sua volta. Embreve a estrada atravessava um uadi, cuja margem Vandam desceucautelosamente. Wolff disse: --Ruh shemal.Vandam virou à esquerda. o piso era firme. Estupefacto, viugrupos de pessoas, tendas e animais no uadi. Dir-se-ia umacomunidade secreta. Quilómetro e meio adiante, encontrou aexplicação do fenómeno: um poço assinalado por uma paredebaixa e circular de tijolos de lama. Para lá dele estendia-seum grande acampamento, onde Wolff mandou Vandam parar. Haviaum aglomerado de tendas, camelos e fogueiras. Wolff estendeu obraço, desligou o motor e retirou a chave da i nicão. Saiu sem

uma palavra.

ISHMAEL estava sentado junto da fogueira, a fazer chá. Ergueua cabeça e disse tão casualmente como se Wolff tivesse saídoda tenda vizinha:--A p. seja contigo.--E contigo sejam a saúde, a misericórdia e as bênçãos de Deusrespondeu Wolff formalmente.Ishmael estendeu-lhe uma chávena e Wolff bebeu. o chá era docee muito forte.

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--E os teus amigos?--perguntou Ishmael, olhando na direcção dotáxi.--Não são amigos--respondeu Wolff.Ishmael assentiu com a cabeça. Não era curioso.--Comes connosco?--Infelizmente, não. o Sol já está baixo e eu tenho de estarde novo na cidade antes que escureça.o primo abanou tristemente a cabeça e disse:--Vieste buscar a tua mala.--Vim. Vai buscá-la, por favor, meu primo.Ishmael dirigiu algumas palavras a um homem que se encontravade pé atrás dele e que foi buscar a mala. Wolff abriu-a esentiu-se invadir por uma grande euforia ao olhar para oemissor, para o livro e para a chave do código. Sentia-se comoque embriagado. com uma sensação de força e de vitóriaiminente. Ergueu-se.--Agradeço-te, meu primo. Deus te proteja.--Vai com Deus.Wolff virou-se e dirigiu-se para o táxi.

ELENE viu Wolff afastar-se da fogueira com -disse:--Vem aí. E agora?

--Vai querer regressar a Asyut--respondeu Vandam, sem olhar

para ela nem para Billy.--Aqueles rádios não têm pilhas,precisam de ser ligados à corrente. Ele tem de ir a qualquerlado onde haja electricidade.Wolff entrou no carro e ordenou:--Asyut.! Entregou a chave a Vandam, que ligou o motor e deu a volta.eguiram ao longo do uadi e depois pela estrada. o Sol, baixo,:estava agora atrás deles. Nuvens nocturnas começavam aacumular se sobre as colinas em frente.--Vá mais depressa--ordenou Wolff em árabe. --Está escurecer.Vandam acelerou. o automóvel seguia aos solavancos e; guinadasna estrada de cascalho solto.--Estou enjoado--disse Billy.

Elene virou-se para o olhar, e viu-o pálido, sentado numapostura rígida.--Vá mais devagar--pediu em árabe.Vandam afrouxou um momento, mas Wolff repetiu:--Vá mais depressa.--E disse a Elene:--Não se preocupe com omiúdo.Vandam acelerou.Elene olhou de novo para Billy. Estava branco como a calprestes a romper em lágrimas.--Vá para o inferno!--disse a rapariga a Wolff.--Pare o carro--pediu Billy.Wolff ignorou-o e Vandam teve de fingir que não compreendiainglês.

o carro chocou com um montículo, ergueu-se no ar e pousou denovo com força. Billy gritou:--Pai, pare o carro! Pai!Vandam travou a fundo. A alavanca de mudanças dobrou-se na suamão. Elene amparou-se ao tablier e olhou para Wolff. Duranteuma fracção de segundo este pareceu atordoado pela surpresa.os seus olhos iam de Vandam para Billy e de novo para Vandam.Elene sabia que ele pensava no incidente do comboio, no rapazárabe da estação de caminhos de ferro e no kaffiyeh que cobriaa cara do motorista. Depois, percebeu que ele compreendia

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tudo.o automóvel parara, com os pneus a chiar, e Wolff envolveuBilly com o braço, puxou-o para si e sacou da faca.o carro parou. Elene viu a mão de Vandam aproximar-se da fendalateral da galabia e deter-se, ao mesmo tempo que o majorolhava para trás.Wolff tinha a faca a pouco mais de dois centímetros dagarganta de Billy, cujos olhos se apresentavam desorbitados depavor. Vandam ficou paralisado. Aos cantos da boca de Wolffdesenhava-se a sombra de um sorriso dementado.--Quase me levou a melhor--admitiu, e depois acrescentou:Tire esse trapo idiota da cabeça.

Vandam retirou o kaf iyeh e olharam todos silenciosamente paraWolff.--Deixe-me ver se adivinho ...--disse Wolff.--É o majorVandam. -- Estava a gozar o momento. --Que excelente ideiater-me apoderado do seu filho, como segurança!--Depois, dissea Elene:--Debaixo da galabia o major Vandam traz calças decaqui. Num dos bolsos, ou possivelmente no cinto, encontraráuma arma. Tire-a.

Elene encontrouWolff continuou:

--Dobre a parte de trás da arma, retire as balas e atire-aspara fora do carro.--Ela obedeceu.--Ponha a arma nochão.--Mais uma vez Elene obedeceu, e mais uma vez Wolffpassou a ser o único possuidor de uma arma: a sua faca.--Saiado carro--ordenou ele a Vandam.Vandam permaneceu imóvel.--Saia--repetiu Wolff, e com um movimento súbito e precisopicou o lóbulo da orelha de Billy com a ponta da faca.Formou-se uma gota de sangue e Vandam saiu do carro.Então Wolff ordenou a Elene:--Passe para o lugar do motorista.Elene passou por sobre a desengonçaua ala al u IllUUapé, ao lado do veículo, Vandam olhava para o seu interior.

--Arranque--ordenou Wolff.Elene ligou o motor e arrancou. Através do espelho retrovisorviu -.. olff guardar a faca e largar Billy. Atrás do carro, jáa cinquentametros de distância, Vandam continuava imóvel na estrada dodeserto, com a silhueta recortada a negro contra o poente.--Ele não tem água!--exclamou Elene.--Pois não--confirmou Wolff.Nesse momento, Billy perdeu a cabeça.--Não pode deixá-lo ficar!--ouviu-o Elene gritar.A jovem virou-se para trás, esquecida da condução. Billyatirara-se a Wolff como um gato selvagem, desferindo murros epontapés e esgatanhando-o Wolff, que se descontraira julgando

a crise terminada, ficou momentaneamente impossibilitado deresistir e ergueu os braços para se proteger.Elene olhou de novo para a frente. o carro saira da estrada ea roda esquerda da frente rolava sobre alguns arbustos. Virouo volante e carregoU no travão. As traseiras do automóvelcomeçaram a derrapar lateralmente. Tarde demais, Elene viu um sulcoprofundo que atravessava a estrada exactamente à sua frente. oveículo entrou no sulco com um impacte que pareceudesconjuntar-lhe os ossos e derrapou da berma da estrada paraa areia solta. Depois, inclinou-se e começou a rolar. Elene

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debatia-se com o volante e a alavanca das velocidades. o carroacabou por se imobilizar caído sobre o lado esquerdo. Aalavanca soltou-se e ficou na mão de Elene, que caiu contra aporta, na qual bateu com a cabeca.A rapariga pôs-se de gatas, sem largar a alavanca partida,apoiando um joelho na porta e o outro na janela. olhou para obanco de trás. Wolff e Billy tinham caído um sobre o outro,com Wolff por cima. Wolff levantou-se. Billy pareciainconsciente.Pondo-se de pé sobre a porta esquerda da retaguarda, Wolfflançou-se com todo o seu peso sobre o chão do veículo, queestremeceu. Repetiu a manobra e o carro estremeceu mais umavez. A terceira tentativa o automóvel inclinou-se e apoiouestrepitosamente as quatros rodas no solo. Wolff abriu a portae saiu. Depois, acocorou-se e sacou da faca.Elene viu Vandam aproximar-se. Acocorou-se como Wolff, prontopara saltar, erguendo as mãos para se proteger. Tinha o rostoafogueado e a respiração arfante, pois correra atrás doautomóvel. os dois homens descreveram um circulo. Wolffcoxeava ligeiramente. o Sol parecia uma laranja imensa atrás

deles.Vandam avançou e depois hesitou. Wolff brandiu a faca, mascomo a hesitação de Vandam o surpreendeu, falhou o golpe. Com

o punho cerrado Vandam agrediu Wolff, que foi bruscamenteimpelido para trás com o nariz a sangrar. os dois adversáriosenfrentaram-se de novo.Vandam saltou para a frente, o espião esquivou-se e a sua facaatingiu o ombro de Vandam. Este desferiu um pontapé e Wolffbrandiu de novo a faca, que rasgou a galabia de Vandam, emcuja perna das calças apareceu uma mancha escura. Vandamafastou-se lentamente e depois caiu, apoiado num joelho. obraço esquerdo pendia-lhe, inerte, do ombro coberto de sangue.Levantou o braço direito, defensivamente, e Wolffaproximou-se.Elene saltou do carro, ainda a segurar a alavanca partida. ViuWolff erguer o braço, pronto para esfaquear de novo Vandam.

Precipitou-se, ergueu a alavanca bem alto e bateu com toda aforça na nuca do espião. Wolff pareceu ficar um instanteimobilizado e ela agrediu-o de novo. Wolff caiu e Elene largoua alavanca, ajoelhando-se ao lado de Vandam.

--Bom trabalho-- disse este em voz débil, enquanto Lhecolocava uma mão no ombro e se levantava penosamente. --Ascoisas não estão tão más como parecem. A ora ajuda-me.Com o braço ileso agarrou uma perna de Wolff e puxou-o nadirecção do automóvel. Elene agarrou um braço do espiãoinconsciente e puxou também, até Wolff ficar caído ao lado doveículo.Vandam inclinou-se sobre o banco da retaguarda e pousou a mão

no peito de Billy.--Vivo, graças a Deus--murmurou. Billy abriu os olhos.-Acaboutudo--disse-lhe o pai, e a criança fechou de novo os olhos.Vandam sentou-se no banco da frente do táxi.--onde está a alavanca?--perguntou.--Partiu-se. Foi com ela que Lhe bati.Van,dam ligou o motor, que pegou.--optimo, ainda trabalha. Podemos sair daqui.--Que fazemos a Wolff?--Fechamo-lo no porta-bagagem.

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Vandam olhou de novo para o filho. Já estava consciente e deolhos muito abertos.--Como estás, filho?--perguntou.--Desculpe, mas não pude evitar sentir-me enjoado--disse orapaz.Vandam olhou para Elene e disse-lhe, com lágrimas nos olhos:--Vais ter de yuiar.

Capítulo 13

oWIu-sE o rugido súbito e aterrador da aviação. Rommel viu osbombardeiros britanicos surgirem por detrás dos montes eaproximarem-se.--Protejam-se!--gritou, e saltou para uma trincheira.o ruído era tão intenso que se assemelhava ao silêncio.Deitado de olhos fechados, Rommel sentia uma dor no estômago.Haviam-Lhe enviado um médico da Alemanha, mas o marechal sabiaque o unico remédio de que precisava era a vitória.Corria o dia l de Setembro e toda a operação fora um terrível

fracasso. o que crera ser o ponto fraco da linha de defesaaliada parecia-lhe cada vez mais uma emboscada. os campos deminas eram numerosos onde deveriam ser raros, havia areiamovediça ondese esperara solo duro e a cordilheira de Alam Halfa, que

deveria ser tomada facilmente, estava a ser fortementedefendida. A estratégia de Rommel estava errada; os seusserviços de informação tinham-se enganado e o seu espiãotambém.os bombardeiros passaram e Rommel saiu da trincheira. os seusajudantes e oficiais emergiram dos abrigos e reuniram-se denovo à sua volta. Rommel ergueu o binóculo e olhou para odeserto. Restavam ainda dezenas de tanques na areia, muitosdos quais a arder furiosamente. os Aliados, bementrincheirados, atingiam os Panzers como quem pesca numabarrica.Era inútil. As suas unidades avançadas encontravam-se a vintee cinco quilómetros de Alexandria, mas estavam

impossibilitadas de se mover. "Mais vinte e cincoquilómetros", pensou, "e o Egipto teria sido meu. olhou paraos oficiais que o cercavam e viu-lhes nas caras o que elesviam na sua: a derrota.

SABIA que era um pesadelo, mas não conseguia acordar.A cela media um metro e oitenta de comprimento por um metro evinte de largura e metade do espaço era ocupado por uma cama.As paredes eram de pedra cinzenta e lisa. Uma lampada pendiado tecto, suspensa de um fio. Numa das extremidades da celahavia uma porta; na outra abria-se uma pequena janelaquadrada, imediatamente acima do nível dos olhos. Através delavia o céu azul e luminoso.

No sonho, pensou: "Vou já acordar e encontrar uma mulheratraente a meu lado. Ela vai beijar-me e beberemos champanhe... " Mas o sonho da cela prisional recomeçou e ele sentiu-setão horrorizado que fez um esforço para abrir os olhos.olhou à sua volta. Estava acordado e o sonho terminara; mascontinuava numa cela prisional que media um metro e oitentapor um metro e vinte e em que metade do espaço era ocupada poruma cama. Levantou-se e, silenciosa e calmamente, começou abater com a cabec,a na parede.

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JERUSALÉM 24 de Setembro de 1942.Minha querida EleneHoje fui ao Muro das Lamentações. Detive-me diante dele commuitos outros judeus e rezei. Escrevi um kvilel e meti-o numafenda domuro. oxalá Deus atenda o meu pedido.Jerusalém é o lugar mais belo do Mundo. Atravessei o desertonumcamião militar britanico. Durmo num colchão no chão. numquarto

exíguo, com cinco outros homens. Sou muito pobre, como sempre,mas agora sou pobre em Jerusalém, que é melhor do que ser ricono Egipto.Devo dizer-te que estou a morrer. A minha doença é incurável esóme restam algumas semanas de vida. Não fiques triste. Nuncafui mais feliz na minha vida.

Quero dizer-te o que escrevi no meu kvitel. Pedi a Deus quedessefelicidade à minha filha Elene. Creio que dará. Adeus.Teu pai

o presunto fumado estava cortado em fatias finas. Naquelamanha, os paezinhos eram frescos. Havia salada de batata feitacom maionese autêntica, uma garrafa de vinho, uma garrafa degasosa e um cartucho de laranjas. Elene começou a acondicionara refeição no cesto de piquenique. Acabava de o fechar quandoouviu bater à porta. Foi abrir. Vandam entrou, fechou a portae estreitou-a com tanta força que a magoou. Abraçava-a sempreassim, mas ela nunca se queixava, pois quase se tinham perdidoum ao outro, e agora, quando estavam juntos, sentiam umaenorme gratidão.Dirigiram-se para a cozinha.--Novidades?--perguntou Elene.--As forças do Eixo em retirada total, cito.

Elene constatou quão descontraído o sentia ultimamente.Começavam a aparecer-lhe alguns cabelos grisalhos, mas riaconstantemente.Saíram. o céu crepuscular apresentava-se estranhamente escuro,e Elene observou, surpreendida:--Nunca o vi assim.Montaram na motocicleta e dirigiram-se para escola de Billy. océu escureceu mais ainda. As primeiras gotas caíram quandopassavam pelo Shepheard's Hotel. Eram pingos enormes que Lhetrespassavam o vestido e a encharcavam. Vandam virou amotocicleta e estacionou defronte do hotel. Quandodesmontaram, as nuvens rebentaram.Permaneceram sob o toldo do hotel a ver a tempestade. A chuva

era torrêncial. Em poucos minutos as sarjetas transbordaram eos passeios ficaram inundados. Defronte do hotel, os lojistasmergulhavam na enxurrada para correrem os taipais. osautomóveis tinham de parar onde se encontravam.--E Billy?--perguntou Elene.--Deixam as ctianças na escola até a chuva parar.Por rlm, a tempestade dissipou-se e o sol brilhou de novo.Quando chegar.3m à escola, viram Billy à espera.--Que tempestade! -- exclamou o rapaz, entusiasmado, esentou-se na motocicleta entre ambos.

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Seguiram p.3ra o deserto. Bem agarrada e de olhossemicerrados, Elene só viu o milagre quando Vandam parou. ostrês desmontararn e contemplaram o esi3ectáculo, mudos deassombro.o deserto estava atapetado de flores.--Foi a chuva, obviamente--disse Vandam. --Mas ...Haviam também surgido, não se sabia de onde, milhões deinsectos voadores, e borboletas e abelhas revoluteavamfreneticamente de flor em flor, arrnazenando a inesperadacolheita.--As sementes deviam estar na areia à espera--observou Billy.--Exactamente--confitmou o pai.--As sementes estiverarn naareia durante anos à espera disto.As flores, i equenas como miniahlras, apresentavam todas coresvivas. Billy saiu da estrada e inclinou-se para examinar uma.Vandam abraçou Elene e beijou-a. o beijo na facetransforrnou-se num longo beijo na boca. Por fim, ela

soltou-se, rindo.--Billy vai ficar embaraçado--declarou.--Vai ter de se habituar--disse Vandam.Elene deixou de rir e perguntou:--Vai? Vai mesmo?Vandam sorriu e beijou-a de novo.

A chave para o êxito

Há vários anos, Ken Follen, um obscuro e jovem repórter doEvenirlg Neus de !., ndres. de origem galesa, precisou delhl7enías libras para mandar reparar o eli alltomóvel. Umamigo seu ganhara cxact3mente essa importância escreven io umromance de mistério. Conseque,ueincnte, Follen sentou-se àmáquin l de escrever, escreveu um romance .,.sses em seissemanas e ganhou as duzentas libras. Não só repôs o autom(i eina estrada, como iniciou o seu cammho de escritor.Em 1978, publicou o seu primeiro b sl Sl ller, Eye of theNeedle. Nessa altura. Follen e sua mulher, Mary, viviam

confortavelmente numa casa neogeorgiana no Surrey com os seusdois filhos. Pouco depois. para evitarem os proibitivosimpostos de rendimento britanicos, mudaram-se para a pitorescacidade de Grasse, no Sul da França. Gostam da sua novavida--da cozinha, do tempo e da natação. "Arranjámos óptimosamigos, de várias nacionalidades.. declara Follett, "e, o queé mais importante, tenho continuado a trah lhar regularmente."Follett é um apaixonado pela História, e, tal como os seusantenores ronulnceS de aventuras, The Key to Rebecca teve asua génese em factos. .<ocorreu-me a ideia quando li Body uardof Lies, de Anthony Cave Brown", explica. <Mais tarde, aideia ganhou forma com a leitura de outros livros de histdria.

Em 1942, havia uma rede de espiões no Cairo; utilizaram umadancarina do ventre para seduzir um major inglês, a fim de Lherevistarem a pasta: a dançarina do ventre vivia de facto numbarco-habitação no Nilo; An ar el-Sadat pediu o rádioemprestado aos espiões para tentar negociar com Rommel, eforam todos apanhados por terem utilizado dinheiro falso.Subsequentemente os Ingleses utilizaram o código Rebeca comoparte de um plano de simulação relativo à batalha de AlamHalfa." A fim de aumentar .a autenticidade do relato etransmitir a verdadeira atmosfera do Cairo, Follett . isitou

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esta cidade.o seu próximo romance, diz, passar-se-á na Londres eduardina,tendo sufragista como heroína e um anarquista como vilão.** No page found **