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A CENA DA ENSINAGEM: VIRTUAL POTENCIA AO DAR
ABERTURA A NOVOS POSSIVEIS
O setor de ensino superior no Brasil passou por grandes mudanças desde o início dos
anos 1990 até os primeiros anos do século XXI. Houve grande aumento do número de
alunos matriculados, especialmente na rede privada. Nesse contexto, o presente estudo
tem como objetivo analisar uma avaliação diagnóstica dos ingressantes a fim de
identificar deficiências lingüísticas, as quais podem prejudicar a aprendizagem de
disciplinas cursadas ao longo do ensino superior. Além disso, com base nas análises
realizadas, é feita uma reflexão acerca da habilidade e competências pretendidas e a
necessidade do compreender questões de coesão, inferências, variações lingüísticas,
aplicação das novas regras de ortografia, emprego correto da concordância nominal e
argumentos usados na construção de texto de opinião. Com os resultados pudemos
verificar que as questões que apresentaram maiores dificuldades foram observadas nas
questões em que eram avaliadas a capacidade de identificação e uso correto dos
mecanismos de coesão e a aplicação das novas regras de ortografia quanto à acentuação.
Desta forma, o texto reflete sobre o histórico e motivos destes erros propondo práticas
de nivelamento e mostrando que novos tipos de aprendizagens devem ser elaborados,
buscando soluções não culpados para tais dificuldades.
Palavras-Chave: Ensino Superior, Práticas de Ensino, Avaliação
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
12ISSN 2177-336X
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DES(INVENTANDO) A FORMAÇÃO NO CEFAPRO/MT
Marcia Regina Gobatto
Cefapro/MT
Resumo
A narração que segue é a do encontro. Do encontrar-se. Encontrar a/o outra/o. Encontrar
alguém. O encontro é com as/os professoras/es-formadoras/es do Centro de Formação e
Atualização dos Profissionais da Educação Básica do estado de Mato Grosso
(Cefapro/MT), polo de Diamantino. Para que? Resistir. Re-existir. Decidir. Des-cindir.
O corpo avançando com as ações, com o olhar. Quebrar. Quebrar-se. Catar os cacos.
Catar os cacos de gente. Montar gente. Montar-se. Formar-se. Deformar-se.
Transformar-se. Afectar-se. Des(inventar) a formação. O encontro se deu no turbilhão
do desfazimento. Das conexões. Das amarras. Dos aprisionamentos nos tempos e
espaços de cada um/a de nós, professor/a-formador/a. Aceitar a dança da/o outra/o.
Romper com a demarcação de fronteiras. Incorporar as multiplicidades. Quebrar com as
(de)marcações identitárias. O encontro se deu através do Modo Operativo AND, que se
traduz em um jogo, o qual é atravessado por uma abordagem ético-estética e atua no
acontecimento. No agora. É a produção de uma caixa de ferramentas que nos ajuda no
exercício de uma convivência sustentável com interface prático-teórica. O exercício do
jogo põe em um mesmo plano o pensar e o fazer, permitindo a experimentação singular
do coletivo para a composição de um plano comum. O M.O._AND foi para nós o meio
do encontro. A possibilidade do parar e reparar no acontecimento. Na dança. Parar a
ação/re-ação padrão. Parar o modelo. Inventar aquilo que ainda não tem nome. Que não
tem idioma. Construir um mapa-vivo. O encontro com o M.O._AND no Cefapro/MT
nos possibilitou criar “zonas de atenção” em nosso ser professor/a-formador/a. Nos
possibilitou perceber que esse “ser professor/a-formador/a” está sempre em processo de
devir. Que nossa formação está no processo constante de des(invenção). Sempre nova,
sempre outra... Ou...
Palavras-chave: Des(invenção). Cefapro/MT. Formação.
A narração
De(formar). Trans(formar). Vida. Arte. Dança. Formação. Criação. Experiência.
Experimentação. São todos sinônimos do mesmo processo. Do processo da vida. Do
processo do agora. Arte. Arte/vida. Arte/vida/formação. Formação de Vida. Dança.
Nosso bailado. Nossas multiplicidades.
A narração que segue é a do encontro. Do encontrar-se. Encontrar a/o outra/o.
Encontrar alguém. O encontro é com as/os professoras/es-formadoras/es do Centro de
Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica do estado de Mato
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Grosso (Cefapro/MT), polo de Diamantino. Para que? Resistir. Re-existir. Decidir. Des-
cindir. O corpo avançando com as ações, com o olhar. Quebrar. Quebrar-se. Catar os
cacos. Catar os cacos de gente. Montar gente. Montar-se. Formar-se. Deformar-se.
Transformar-se. Afectar-se. Des(inventar) a formação.
O encontro
O único saber do encontro é o afeto. Saber que afetamos e somos afetados.
Afetar-se. Afetar a/o outra/o. Não há razão. Não há culpadas/os.
Se há alguma razão no encontro, não é a das causas e a dos sensos, mas a
razão – o ratio – das distâncias que o com-põe enquanto modulação
distributiva de diferenças dinâmicas, autônomas porque co-dependentes. É
este tipo de “razão” que aparece quando nos envolvemos na estimativa das
variantes em jogo, no cálculo infinitesimal dos encaixes e das proporções
suficientes (FIADEIRO e EUGÉNIO, 2013, p. 12).
Experimentamos juntas/os. Nós. Professoras/es-formadoras/es à espreita do
afeto. Vivenciados no tempo e no espaço existente entre nossas velocidades e lentidões.
Vivenciado na dor e no medo de cair/re-cair no hábito. Nas respostas prontas. No
significar pronto. No medo e na vontade de saciar o não saber. Não sabíamos. Não
sabemos. Caminho precário. Entre. Meio. Rizoma. Incontrolável. Tragédia!
Encontrar é ir “ter com”. É um entre-ter que envolve (des)dobrar a
estranheza que a súbita aparição do imprevisto nos traz. (Des)dobrar o que
ela “tem” e, ao mesmo tempo, o que nós temos a lhe oferecer em retorno.
Desfragmentar, nas suas miudezas, as quantidades de diferença
inesperadamente postas em relação. Retroceder do fragmento (parte de um
todo) ao fractal (todo de uma parte) (FIADEIRO e EUGÉNIO, 2013, p. 14).
Encontrar-me com as/os professoras/es-formadoras/es do Cefapro/MT foi um
exercício do conter-se. Do não-julgar. Do não-significar. Do des-cindir. Simplesmente
deixar acontecer. Deixar o imprevisível acontecer. Diferenças aflorarem. Miudezas
perversas. Um trabalho do transformar o saber em sabor. Saborear o encontro. Estar no
meio. Estar no jogo. Presente. Agora. “Em plena navegação sem ideias, no corpo a
corpo da mistura com o que temos e o que nos tem” (EUGÉNIO e FIADEIRO, 2014,
p.306).
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Confiar! Os encontros resgatam a confiança na/o outra/o. No mundo. No
acontecimento. No fazer junto. O encontro é convocado por presença, por
pertencimento. A paisagem transforma-se, embora não seja possível dizer quando esta
começa. Confiança. Movimentos. Afetos. Abertura ao inesperado. Devir. Encontrar-se é
entregar-se ao caos e experienciar/experimentar no/com ele. É ter a coragem da entrega.
Entregamos-nos!
Como dizia o poeta Manoel de Barros, “desfazer o normal há que ser uma
norma”. Desfizemos a normalidade da formação! O encontro se deu no turbilhão do
desfazimento. Das conexões. Das amarras. Dos aprisionamentos nos tempos e espaços
de cada um/a de nós, professor/a-formador/a. Aceitar a dança da/o outra/o. Romper com
a demarcação de fronteiras. Incorporar as multiplicidades. Quebrar com as
(de)marcações identitárias. Transformar o baile de máscaras em uma dança alegre,
como nos diz Larrosa (2004). Somos todas/os estilhaços lançados ao vento, eternamente
no Aion. Uma experiência que transborda, pois
a experiência é sempre de alguém, subjetiva, é sempre daqui e de agora,
contextual, finita, provisória, sensível, mortal, de carne e osso, como a
própria vida. A experiência tem algo da opacidade, da obscuridade e da
confusão da vida, algo da desordem e da indecisão da vida (LARROSA,
2014, p. 40).
Cada um/a experienciou o encontro à sua maneira. Participou como pode. Como
se permitiu. Vivenciamos o encontro como ele aconteceu, como a possibilidade nos
permitiu. Como a contemporaneidade nos deixou. Encontro...
Des(inventando) a formação no Cefapro/MT
O Modo Operativo AND (antropologia e dança) nasceu do encontro entre a
antropóloga Fernanda Eugénio e do coreógrafo João Fiadeiro, com suas inquietações
referentes à dança e a etnografia, que se resumiram em uma, ou seja, no como viver
juntas/os em um mundo fragmentado e controlado pelo saber. A experimentação desse
processo transformou-se em um jogo que aciona o nosso parar e re-parar nos
acontecimentos/acidentes de nosso percurso.
A experimentação primeira do Modo Operativo AND foi minha. Atendi ao
chamado! Imediatamente conectei o “Jogo das Perguntas” com nosso grupo no
Cefapro/MT, desejei fazer um encontro com o jogo. Realizamos o encontro!
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O Modo Operativo AND (M.O._AND) é um sistema de ferramentas-conceito
e conceitos-ferramenta de aplicabilidade transversal à arte, à ciência e ao
quotidiano para a tomada de decisão, a gestão sustentável de relações e a
criação de artefatos (EUGÉNIO e FIADEIRO, 2014, p.285).
A inquietação provocada, do como viver juntas/os em um mundo representado
pela segmentação e pelas dualidades, se traduz na pergunta síntese: como podemos
viver “sem” ideia e “com” o que há? Essa pergunta desliga a programação padrão, que
requer sempre novas ideias na criação de uma realidade ideal colonizada. Assim o jogo
das perguntas é
um jogo em que o espetáculo é concebido enquanto “condição”, e não
enquanto “condicionante”. Um jogo cujas regras emergem enquanto se joga,
sustentadas na “consistência” (e não na “coerência”) do que se vive e do que
a partilha. Um jogo que só acontece porque deixamos de nos ocupar em
“saber por que” e nos concentramos em “saborear o que”, desdobrando “o
que sabe” o acontecimento (EUGÉNIO e FIADEIRO, 2014, p.287).
O jogo atua no meio. No encontro. No imprevisto. No acontecimento. No
acidente. Estar no meio é experienciar o que nos acontece. Nas palavras de Fernanda
Eugénio e João Fiadeiro é parar, re-parar e reparar, ou seja, “voltar a parar lá onde o
acidente irrompe e nos interrompe” (2014, p. 289).
O Modo Operativo AND é atravessado por uma abordagem ético-estética e atua
no acontecimento. No agora. É a produção de uma caixa de ferramentas que nos ajuda
no exercício de uma convivência sustentável com interface prático-teórica. O exercício
do jogo põe em um mesmo plano o pensar e o fazer, permitindo a experimentação
singular do coletivo para a composição de um plano comum. Isto porque as ações são
concretizadas com jogadas que se expressam através de objetos quaisquer, que tiverem
disponíveis. Nós utilizamos fitas, canetas, papeis coloridos, cola, tesoura, tampas de
garrafa, brinquedos,... a composição do tabuleiro com as jogadas são realizadas em
silencio, assim o plano de expressão é preenchido pelas ações, representadas pelos
objetos e suas posições/composições no tabuleiro.
O jogo se inicia com a construção de um tabuleiro com fita adesiva, o qual serve
somente para delimitar um espaço. As regras emergem no próprio jogar. A condição é
inibir o hábito de querer compreender, interpretar, julgar... e ativar a sensibilidade do
saborear o acontecimento. Vivenciar o agora. O agora-coletivo. Acidentes. Responder
as perguntas com outras perguntas sem chegar a uma resposta, “um caminho para a
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colaboração baseada na confiança, para a conjuração da competição e das certezas”
(EUGÉNIO e FIADEIRO, 2014, p. 287).
Fizemos três variações do jogo, na primeira construímos um único mundo
(tabuleiro) e agimos o grupo inteiro no mesmo. Fizemos uma primeira rodada! Uma
segunda e uma terceira com a mesma variação. Sempre fazendo rodadas de conversas
entre as mesmas. Depois nos dividimos em pequenos grupos. Construímos vários
tabuleiros menores. Uma. Duas. Três rodadas com direito a mudanças de parceiras/os.
Por último fizemos a troca de mundos. Cada grupo jogava em seu tabuleiro e de tempos
em tempos mudava para o tabuleiro do vizinho. O choque foi visível! Como agir no
mundo da/o outra/o? E ao chegar ao seu mundo: Quem mexeu aqui? O que fizeram com
o que construí? Por quê?
Nós no jogo em setembro de 2015 (arquivo pessoal).
A grande contribuição do Modo Operativo AND para nós foi o próprio encontro.
Os diálogos estabelecidos. As danças improvisadas. Os acidentes reparados. A
des(invenção) da formação... O nos encontrar possibilitou afectos, que não teriam
acontecido sem o encontrar-se. Nos possibilitou a atuação coletiva, na tentativa da
construção de um plano comum. Um plano que nos fez sentir, mais que interpretar. Nos
fez agir juntas/os. Ofertando nossas “obras” no encontro. No jogo do viver juntas/os.
Sem respostas. Sem ideias. Saboreando o momento. O jogo nos possibilitou nos
percebermos enquanto gente, enquanto profissionais que trabalham com/no coletivo.
Quanto a relação coletiva aguenta/aguentará? Quanto tempo o coletivo se
sustenta/sustentará? Quanto tempo o coletivo de professoras/es-formadoras/es do
Cefapro/MT aguenta/aguentará? Consigo me movimentar em grupo? Consigo expor
minhas ideias no/para/com o grupo? Como nosso trabalho funciona no grupo?
Questionamentos que perambularam nossa mente...
Fica evidente que a gente está junto, mas está separado. Agimos
separadamente. Esse enxergar de outra maneira é muito difícil (Sirley).
Achei uma bagunça total, não consegui me encontrar (Doya).
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Abrir para as possibilidades. Não existe nada definido. É permitido a ação
dos diferentes, de cada particularidade (Hermógenes).
Interessante a gente se perceber (Rosirene).
Observar é muito importante (Luiza).
Às vezes estamos só fazendo nossas coisas e esquecemos do outro,
esquecemos que o trabalho é coletivo. É tão sério isso, tão assustador, que a
gente percebe a grande dificuldade de cada um de nós quando tem que ouvir
o outro, prestar atenção no outro... (Rosi).
Quando a gente olha e está na velocidade a gente não vê. Na velocidade a
gente só enxerga aquilo que está acostumado a ver (Anderson).
Fragmentos de discussões que estiveram presente durante o jogo. Percepções.
Reflexões. Devaneios. Formação. De(formação). Trans(formação). “Repetir repetir –
até ficar diferente. Repetir é um dom do estilo” (Manoel de Barros, 2010, p.300). Será o
nosso dom? Des(obrigar). Des(inventar). Criar no agora. Respeitar nossas limitações.
Respeitar as limitações da/o outra/o. Parar. Re-parar. Reparar.
Despertar este outro modo de operar para lidar tanto com o que acontece á
nossa volta enquanto matéria daquilo que nos afeta e nos põe a trabalhar,
envolve abdicar da lógica do “era uma vez” e de uma relação linear com o
tempo, dispondo-nos a começar (e acabar) a história pelo “meio” (EUGÉNIO
e FIADEIRO, 2014, p. 288).
O meio é o próprio encontro. O próprio jogo. O estar juntas/os. É deixar
manifestar quaisquer possibilidades do encontro. Da formação, permitindo o seu
des(inventar). Dando possibilidade ao inesperado, ao acidente... à vida! O jogo nos
permitiu despirmo-nos. Falamos de nossos limites... de nossas possibilidades...
Dançamos coletivamente!
Nietzsche diz em Ecce Homo (2008), que a crença no ideal não é um erro, uma
cegueira, erro é covardia, mas cada conquista, cada passo adiante no conhecimento é
consequência da coragem, da dureza consigo, da limpeza consigo. Sendo assim a
expressão/exposição de nossas danças/cantos/ritmos é um ato de coragem. Coragem de
expor quem somos ou o como se chega a ser o que se é.
Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não
pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma
gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma (Manoel de
Barros, 2010, p. 300).
Des(inventar) a formação. Des(obrigá-la) de ser máquina. De ser coerente. De
ter objetivo. De ter resultado. Iniciar pelo meio. Pela situação. Nossa atuação no
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Cefapro/MT. Quanto nossa relação de professor/a-formador/a agüenta/aguentará? Até
que ponto o ser professor/a-formador/a resiste? Coletividade! Outras possibilidades
formativas, que não é uma afronta ao instituído, mas uma valoração do humano. Da
formação humana. Não é a destruição do instituído, da formação instituída, mas um
pensar com, através de... Uma crítica aos seus pressupostos. Uma dança construída na
coletividade, não uma imposição. Quero/queremos participar do espetáculo.
Quero/queremos criar! Rizoma.
Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre
as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança,
unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como
tecido a conjunção “e... e... e...”. Há nesta conjunção força suficiente para
sacudir e desenraizar o verbo ser. Para onde vai você? De onde você vem?
Aonde quer chegar? São questões inúteis. Fazer tabula rasa, partir ou repartir
de zero, buscar um começo, ou um fundamento, implicam uma falsa
concepção da viagem e do movimento (metodológico, pedagógico, iniciático,
simbólico...) (DELEUZE e GUATTARI, 2011, p.48).
A conjunção e é meio. Meio onde estamos nós... professoras/es-formadoras/es;
e os outras/os; e as prioridades das/os outras/os; e as escolas; e as/os professoras/es das
escolas; e as condições de trabalho das/os professoras/es; e as nossas condições de
trabalho; e as/os alunas/os; e as possibilidades das/os alunas/os; e as mães e pais; e as
possibilidades das mães e pais; e as condições de trabalho das mães e dos pais; e as
comunidades escolares; e a qualidade de vida das comunidades escolares; e o
Cefapro/MT; e a organização do Cefapro/MT; e as possibilidades do Cefapro/MT; e a
Seduc/MT; e as possibilidades da Seduc/MT; e nós... e nós? E a formação? E o devir-
dança-formação? E...
Começar pelo meio é começar pelo imprevisível, ou melhor: começar justo
aí, no imprevisível, nesse lugar-situação envolvente em que acidente e
acidentado irrompem e se interrompem mutuamente, funcionando como
ocasião recíproca para encontrar um novo jogo, um outro jogo, para substituir
o jogo do saber e o jogo das respostas pelo “jogo do sabor” e pelo “jogo das
perguntas” (EUGÉNIO E FIADEIRO, 2014, 289).
Criar possibilidades para a singularidade. Des(inventar) a formação.
Des(construir). Re(construir). Criar! A criação não permite a angústia, a culpa... Me/nos
angustio/angustiamos porque não estou/estamos vivenciando o agora. O presente.
Estou/estamos pensando no passado – que já foi – nas coisas que não fiz/fizemos. E que
deveria/deveríamos ter feito! Ou estou/estamos pensando no futuro – naquilo que ainda
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não veio. Mas que já existe no plano virtual... Libertar a formação dos objetivos ou dos
fins. Viver o AGORA. Experienciar isso...
O M.O._AND foi para nós o meio do encontro. A possibilidade do parar e
reparar no acontecimento. Na dança. Parar a ação/re-ação padrão. Parar o modelo.
Inventar aquilo que ainda não tem nome. Que não tem idioma. Construir um mapa-vivo.
Uma cartografia à moda Deleuze. Estamos no meio! Des(inventando) a formação...
[...] aqui, nesse terreno, o saber de nada serve – a não ser na medida em que
também tem, como tudo o que lá está, matéria passível de ser trabalhada.
Saber não permite reparar, mas apenas “olhar” (operação de constatação do
por que) ou “ver” (a operação de interpretação do porquê). Mas, quando
aguentamos “ficar no meio”, quando aguentamos não saber, eis que o reparar
se ativa: já não há uma procura por respostas, mas uma navegação pelas
perguntas que a teia de relações ali presentes nos oferece (EUGÉNIO e
FIADEIRO, 2014, p. 290).
É parando e reparando que nos reinventamos e caminhamos nos processos de
singularização, cada um/a afirmando sua posição/composição no Cefapro/MT, se
conectando aos processos das/os outras/os professoras/es-formadoras/es, produzindo
movimentos de resistência. Produzindo Singularidades. Produzindo dança. Dança no
entre. No meio. Entre-dois. Ritmo. Encontrar espaços de criação na rotina da dança da
vida. Na formação. Na dança da formação. No devir-dança-formação.
Quando paramos...
O encontro com o M.O._AND no Cefapro/MT nos possibilitou criar “zonas de
atenção” em nosso ser professor/a-formador/a. Nos possibilitou perceber que esse “ser
professor/a-formador/a” está sempre em processo de devir. Que a formação só
“funciona” quando está em constante des(invenção). Des(envelopamento).
A cartografia construída foi a da inquietação. Do movimento. Da criação. Do
viver juntos sem respostas. Da potência do encontro. Da pot~encia da formação
desinventada. Cada qual a seu modo, no plano comum. Com as diferenças imersas e
emersas des(inventamos) a formação no Cefapro/MT. Jogamos coletivamente. Jogamos
o jogo do viver juntos sem ter ideias. Compomos a formação! Ou...
Referências
BARROS, Manoel de Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.
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DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia. Vol.
01. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. 2ª Ed.
São Paulo: Editora 34, 2011.
EUGÉNIO, Fernanda e FIADEIRO, João Jogo das perguntas: o modo operativo “and” e
o viver juntos sem ideias. In PASSOS, Eduardo et. all. (orgs.) Pistas do método da
cartografia: a experiência da pesquisa e o plano comum. Porto Alegre: Sulina, 2014.
FIADEIRO, João e EUGÉNIO, Fernanda O encontro é uma ferida. Lisboa: Ghost,
2013.
LARROSA, Jorge Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução:
Alfredo Veiga-Neto. 4ª Ed. Belo Horizonte/MG: Autêntica, 2004.
LARROSA, Jorge Tremores: escritos sobre a educação. Tradução de Cristina Antunes
e João Wanderley Geraldi. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm Ecce Homo: como alguém se torna o que se é.
Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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EDUCAÇÃO TRANSCRIADORA: AÇÕES DIDÁTICAS QUE CONSTITUEM A
AULA NO ENSINO SUPERIOR
Elisabet Aguirre*
* Pedagoga, Mestre em Educação/UFC. Doutoranda em Educação/UFMT
Resumo
Este estudo procura exercitar o pensamento no que diz respeito à aula em seus processos
de criação ancorados na concepção deleuziana e cunhada por Sandra Corazza. Uma
aposta na perspectiva de uma Didática da criação, para criar um plano de registro da
escuta da aula singular onde não há regras nem soluções universais. Sinto-me instigada
a criar um plano de escuta da aula no ensino superior, mapeando a atividade do
pensamento como ato de transcriação, de diferenças, de devires e de criação ao enfocar
os conceitos de educação, aula, ato de criação no ensino superior, no curso de
Psicologia, nas instituições de ensino superior UFMT em Cuiabá – MT e o Centro
Universitário de Várzea Grande – UNIVAG, no município de Várzea Grande - MT. A
pesquisa-criação aqui proposta corresponde à tentativa de constituição da aula,
consubstanciada sobremaneira na construção de Corazza ao anunciar uma educação
transcriadora. Perspectiva traçada no âmbito do ensino superior quanto ao
desenvolvimento da aula, o desafio situa-se na experimentação de uma didática da
tradução/transcriação. Nesse sentido, verifico se a aula no ensino superior impede o
surgimento de um novo pensamento e também impossibilita a formulação de um
pensamento que não esteja previamente determinado nos métodos anteriormente
formulados; por esse motivo, pesquisar tal tema faz-se necessário para compreender a
possibilidade da didática da transcriação na educação superior e as mudanças possíveis
na prática pedagógica de modo a impulsionar a criar formas de experimentação,
interpretação e perspectivas outras, numa pesquisa feita entre Deleuze e a educação...
com Deleuze... tendo deleuze no meio. Finalmente, tomo o estatuto pedagógico dos
conceitos presentes em aula, na ótica da didática da transcriação aqui denominada por
um olhar o ensino superior e como a aula é produto, é produtora de novos pensamentos,
produtora de novos conceitos e, sobretudo, uma práxis tradutória.
Palavras-chave: tradução, transcriação, ato de criação, aula.
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Introdução
O texto que se segue tem como proposito discutir os processos nos quais o
docente está enredado desde uma perspectiva centrada no ato de criação e seus embates
no plano institucional das universidades. Para tanto, nos aproximamos da educação
tendo como foco os modos através dos quais ela se agencia à questão da subjetividade:
constituição de identidades, maneiras de agir, sentir e pensar, normalizadas, sujeitadas,
regulamentadas, cujo pensamento dá-se pelo viés da recognição e representação; e, por
outra via, na qual a educação se encontra implicada na invenção de maneiras singulares
de relação a si e com a alteridade – um pensar que traz consigo as composições de
forças que engendram a criação e a transcriação.
O docente não procede, em meio a prescrições, receitas; já não se trata de
realizar (por imitação) um modelo ideal de composição, segundo um sujeito dançante já
dado, com características essenciais já definidas de antemão. O que está em questão, são
as potências de conexão, de produção, de que são possíveis “o” compor e “o” inventar.
Trata-se de averiguar, pela experimentação, e não com base em probabilidades, o que
podem composição e invenção, ensino e aprendizagem.
Em seu artigo intitulado Artistas docentes: incursões e mutações nos modos de
existência, Primo (2014) nos fala do artista professor como um duplo: do que se diz e
ainda assim da ordem do não dito. O que se transforma dai, é múltiplo: o que pensamos,
a relação que temos com o que pensamos, o que sabemos, a relação que temos com o
que sabemos, o que somos, a relação que temos com o que somos. Compondo com as
palavras de Walter Kohan (2003, p. 15) “a única coisa segura que permanece nesse
estado imediato e constante de invenção de si é a impossibilidade de continuar sendo o
que se era”. Trata-se de algo que não existe antes que se encontre que se faça. Portanto,
nem passado, nem futuro, apenas o instante que se compõe guardando o que foi no que
é. E assim vamos sendo horas mais artistas ... hora mais docentes ... hora mais artistas
docentes.
Na vida, além de seu pedaço no ensino superior, artistas docentes, discurso e
pratica agenciam-se em seus devires, propiciando encontros, colocando-se lado-a-lado,
num mesmo plano de produção ou de coemergência. Nesse processo, estamos diante de
condições para produzir pensar no pensamento. Trata-se de uma corporeidade dançante
que, estando inscrita no tempo, numa espessura temporal que faz coexistir passado,
presente e futuro – uma atualidade em movimento – torna inseparável conhecer e fazer,
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impedindo qualquer pretensão à neutralidade ou mesmo suposições de um sujeito e um
objeto cognoscente prévios à relação que os liga.
Tenciono aprofundar este estudo, a partir da questão o que é possível criar em
educação?, acompanhado das indagações: Quando se fala da aula no ensino superior
será que se está falando de uma prática pedagógica configurada num exercício de
docência de autoria, de interpretação e experimentação?A aula com a didática da
transcriação é o fazer nascer do que ainda não existe, em vez de simplesmente
representar o que já está dado, rompendo com harmonia do senso comum,
desestabilizando nossas certezas? Como entrar e sair da aula?A aula transcriada seria a
possibilidade de pensar sem álibi, ser levado pela incerteza, questionando os saberes,
constituindo a tentativa de chegar perto da vida, de escolher a escolha? Quais os
impulsos presentes numa aula, mantendo as diferenças, cultivando a vontade a criação?
com as contribuições da filosofia, agregando autores que como Deleuze oferecem
vertiginosa incursão nos domínios e constituições dos conceitos privilegiados, para
responder tais indagações.
Deleuze atualizou ideias como as de devir, acontecimentos, singularidades,
enfim conceitos que nos impelem a transformar a nós mesmos, incitando-nos a produzir
espaços de criação e de produção de acontecimentos-outros. O tema da intensidade e
das produções entre atual e virtual, tão caros a Deleuze, atravessam cotidianamente a
área da educação. Trata-se de uma filosofia do acontecimento, uma filosofia da
multiplicidade, cujas bases rompem com a filosofia do sujeito, da consciência. Propõe
lidar com a criação de conceitos e com a produção de acontecimentos que os atualizem
no perpétuo jogo entre virtuais e atuais.
O pensamento-tema desenvolvido por Deleuze durante toda a sua trajetória – é
compreendido como produção do novo, entretanto não podendo ser compreendido como
fruto de uma faculdade apenas, mas sim, uma elaboração que envolva várias faculdades
e outro pensamento que o force a pensar e elaborar um novo pensamento, como ele
mesmo denomina algo que seja fora do sujeito e o force a esse pensar (DELEUZE,
2006, p. 203) podendo ser a arte, a filosofia, a ciência, enfim, aquilo que possibilita a
diferença e um novo pensamento.
Ao conceber a vida como acontecimento que se produz como um devir, um
fazer-se, Deleuze vem nos desafiar com uma lógica do sentido, não com categorias
entrincheiradas, fazendo abstrações dos acontecimentos num a priori já dada e já
equacionadas. Assim, a realidade proposta já está dada, de antemão. Com Deleuze,
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lidamos com uma ética do acontecimento, em cuja internalidade se busca não o tempo
constituído pela continuidade e eternidade, mas o aberto pelo intempestivo da
atualidade, sem categorias fixas, pelo qual o sujeito torna-se diferente do que é, sendo
ele mesmo. Desafia-nos, nessa linha, entre outras, à idéia de que a educação não está
preocupada com a instauração de nenhuma falsa totalidade. Não interessa criar modelos,
propor caminhos, impor soluções. Importa fazer conexões, trabalhando o entre dois,
entre as coisas, no intermezzo. Assumir a potência do pensamento ao colocar-se o mais
perto possível do infinito, pois um pensamento é tanto mais criativo quanto menor for
seu abrigar.
Deleuze nos provoca com ideias de pensar e de criar conceitos, como
dispositivos, ferramentas, algo que é inventado, criado, produzido, a partir das
condições dadas e que opera no âmbito mesmo destas condições. O conceito é um
dispositivo que faz pensar. Nossa prática, como intercessores, coloca-nos em condição
de não se refugiar na reflexão sobre, mas de operar, criar, experimentar, sem ser, como
nos dia Deleuze (1992) agitando velhos conceitos estereotipados como esqueletos
destinados a intimidar toda criação. Deixando emergir as multiplicidades é que me
coloco na busca de resposta às questões do projeto de pesquisa ancorada no pensamento
de Gilles Deleuze e na didática da tradução/transcriação cunhada por Corazza ao
discutir a educação transcriadora e o sentido da aula no ensino superior.
Aula - situação singular que se efetiva no âmbito das práticas educativas
cotidianas, que atualiza o presente a partir do movimento, da experimentação, que
expressa uma reativação permanente de uma prática ainda não instituída e implica uma
atualização e uma problematização da realidade, produzidas num lugar e num momento
singular.
Entende-se, a partir daí, que um conceito nunca é criado do nada, mas, sim, de
uma multiplicidade de situações. Nesse sentido, um conceito é um acontecimento que
desperta interesse e substitui a noção de verdade, na qual passa a ser matéria de
apropriação.
Um conceito pode ser entendido como acontecimento, que se produz na mente e
permite um ponto de vista do real (produzido/fabricado). Exige, para sua criação, não
apenas a existência do problema, sob o qual remaneja ou substitui conceitos
precedentes, mas uma encruzilhada de problemas que se aliam a outros conceitos
existentes. Compondo com as palavras de Corazza (2015), refletir sobre o conceito de
aula, na perspectiva da didática da tradução/transcriação, faz-me indagar de que maneira
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ocupamos esse nicho prazeroso de criação no campo educacional e aqui tomado no
espaço do ensino superior.
Considera a autora a Didática da tradução/transcriação, como um movimento do
pensamento, uma direção tradutória dos atos curriculares – por si próprios
transcriadores de elementos artísticos, filosóficos e científicos.
A Didática da tradução é pragmática, tendo a ação operatória perceptos, afectos,
funções e conceitos. A partir de obras já realizadas fissura certezas e versalidades
herdadas ou mesmo produzidas; sistema aberto, distante do equilíbrio e do
apaziguamento. Constitue, dessa feita, processo de produção do novo através da criação
de codificações em campos de comutabilidade e de diferencialidades que circunscrevem
o seu funcionamento e limites
Explicita-nos ainda que a didática da tradução considera que todas as línguas são
diferenciais e que o seu trânsito dos currículos às aulas, feito por meio da língua
didática, requer diálogos entre elas, com a condição que cada língua esqueça a própria
origem, para se tornar dupla de si mesma. Dotada de um anacronismo latente, leva as
matérias a compartilhar espaços e tempos heterogêneos e simultâneos, fazendo com que
a sua tradução não assimile, mas aproxime distâncias, numa espécie de heterofilia, que
desfaz as identidades sedentárias.
Na compreensão da tradução/transcriação, a autora referendada atribui à
tradução nada mais que a transposição de uma língua na outra mediante um continnum
de transformações e se ancora em Campos (1992, p. 35) para nos colocar a transcriação
como o corolário da possibilidade, também em princípio, da recriação.
Logo nos afirma que quando ensinamos, traduzindo, tomamos as heranças como
tradição viva, que dão o que pensar, ao assumirmos a concomitante responsabilidade de
traduzi-las como não mortuárias. Preparamos, portanto, as condições de criação do que
ainda não foi criado, já que o conhecimento efetivo do que – foi – feita é a melhor
maneira de nos prepararmos para fazer e entender o – que – não – foi – feito e o – que –
se- pode- fazer- de - novo (Campos, Pignatari & Campos, 1991, p. 29 in Corazza,
2015).
Traçar, Inventar, Criar.
O desafio situa-se no problema da criação da diferença quanto à experiência
educativa - a aula numa perspectiva didática artística da tradução: transcriação. Trata-se
de criar um plano de escuta do professor e da aula, mapeando a atividade do
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pensamento como ato de invenção, de diferenças, de devires ao enfocar os conceitos de
tradução, transcriação ato de criação e a aula no ensino superior.
Nosso olhar se detém na constituição de uma aula para o ensino superior,
convidando o corpo docente do curso de psicologia, a criar conceitos e diferenças, com
o maior desafio de tornar a Didática como resultante dos atos de criação pedagógica e a
aula enquanto uma ação livre, para criar pensamentos, criar simultaneamente novas
possibilidades de ver o mundo e transformá-lo. Dito de outra maneira, uma aula no
ensino superior que não se reduz a interpretar, a dominar os conceitos como já dados,
instituídos, mas recriá-los, criar novos conceitos, pensar o ainda não pensado. Fazer da
aula um diferencial – criar conceitos, não apenas interpretá-los; ter uma compreensão,
um domínio erudito da história e seus teóricos; compor uma atividade de pensamento
criativo, pois há, na grade curricular dos cursos de graduação, as disciplinas que já se
nutrem da função de interpretar, compreender, dominar o conhecimento, cabendo à aula
momento de exclusividade do ato de criar conceitos, pensamentos sempre novos para
criar saídas para os acontecimentos - eis o ponto e partida e de chegada dos quatro
encontros intitulados Oficinas de criação com o corpo docente da educação superior.
Ao tomar a aula no ensino superior, o farei pelo viés da DidáticArtística da
tradução, da transcriação, compreendendo ser a aula dotada de uma didática da tradução
que a percorre a aula como um dispositivo que desencadeia a sua dramaticidade, ou
como uma prática que desdobra, lidando com a própria vida, tratada como processo
criador, que é necessário traduzir. Fica, assim, integrada a uma pedagogia ativa, dotada
de força criadora, que privilegia os construtos que afetaram ou revolucionaram cada
área de conhecimento, que toma a didática como inseparável de variadas traduções e
definições comunicáveis, provisórias e com continuas e sucessíveis reformulações.
Tomo a DidáticArtística como aquela que movimenta o seu processo de
pesquisa, criação e inovação. Acolhe e honra os elementos científicos, filosóficos e
artísticos – extraídos de obras já realizadas, que diversos autores criaram, em outros
planos, tempos, espaços – como as suas efetivas condições de possibilidade, necessárias
para a própria execução; e, ao mesmo tempo, com o privilegiado campo de
experimentação, necessário para as próprias criações. Com esses elementos, constitui
um campo artistador de variações múltiplas e disjunções inclusivas; que compõe linhas
de vida e devires reais, pontos de vista ativos e desterritorializações afirmativas.
A matéria principal da DidáticArtistica da tradução é a vida; via de encontro
com formas de conteúdo e formas de expressão; ao apropriar-se dessas formas desafia
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tempo/ espaço/ linguagem que as produziram simultaneamente; leva as formas de
conteúdo e formas de expressão escaparem dos meios e autores que as engendraram,
conservando traços de seus perceptos, afectos, funções e conceitos; agencia esses traços
de diferentes maneiras e avalia o valor de seus efeitos produtivos em vários espaços
educacionais.
Uma aula com uma corrente de ar fresco para o ensino, uma maneira de
inquietar, com novidades radicais, encontrando ações sempre novas para enfrentar as
dificuldades, os obstáculos, os problemas. Um mergulho na aula não para tê-la como
início ou fim, mas como meio para criar novos pensamentos, um ponto de vista próprio
sobre a realidade, pois é no meio que brotam todas as criativas e criadoras. Um caminho
dos encontros dos corpos (educador e educando) para criar novos pensamentos,
singularidades. Uma aula como diferenças, uma intensidade de devires constante na
criação de singularidade coletiva. Diferente das aulas de uma educação formal,
presentes nas orientações dos programas curriculares, com suas regras metodológicas,
avaliativas, com metas e objetivos (habilidades e competências), um modelo que se
repete, sedentário, que paralisa o pensamento.
Traduzir é reinventar. Sua meta é criação. Não de maneira exaustiva: em
percurso exemplificativo, pontilhista, forçosamente lacunar, mas nunca indiferente, nos
afirma Corazza (2015).
Por isso, fazer uma aula é também estabelecer uma relação de afetividades,
intensidade com os conceitos filosóficos. Caso eles agradem, provocam, fazem pensar,
fazem criar. É importante que o aluno capture-os, roube-os, recrie-os ou crie um novo
conceito. Isso faz do conceito investigado um instrumento para pensar os problemas:
aquele que deu origem a esse conceito e também os que contornam a realidade do
estudante. Assim, o que está em jogo numa aula é o ato criativo, a capacidade de criar
os próprios pensamentos e não o simples domínio e a compreensão de um
acontecimento, tomando seu pensamento como uma verdade absoluta, sem
problematizá-lo. Trata-se de fazer com que o estudante crie seu próprio estilo, um
agenciamento de enunciação. Ao fazer esse caminho, isso não o exclui de ter um
entendimento sobre o ser profissional, de seus desdobramentos, pois não se cria um
conceito a partir do vazio, do nada, mas de encontros. O importante no encontro com a
aula, é o ato de criar conceitos, para dela se servir como ferramenta para criar um
pensamento próprio, uma experimentação-vida.
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A DidáticArtista da tradução, em sua politica valoriza a multiplicidade,
funcionando como meio de resistência contra a mesmice e de luta contra a
mediocridade, mescla e cruza o que passou, o que nos afeta e os mundos possíveis por
vir, dai os movimentos da didática – tradução consistem em extrair acontecimentos das
coisas, dos corpos, dos estados de coisas e dos seres, localizando as dobras do mundo,
entre as obras do espirito e da matéria – acendendo planos de imanência, (filosofia),
composição (Arte) e referencia (Ciência); reinventando, novas fórmulas, significações e
posições de indivíduos e de grupos e, finalmente, traçar, inventar, criar linhas, que
dobram os saberes, fazeres, sentires uns sobre os outros – consoando-as.
Infere-se daí que a didática da tradução transcria os currículos, fazendo a
diferença, como uma crítica – clínica do pensar e do viver: fornece um roteiro fabulador
de como educar-traduzir, sob o signo da invenção, dramatizando o mapa do mundo, por
meio da alegria de ler e da liberdade vital de escrever – uma atitude autoral,
interpretativa e valorativa, nos afirma Corazza (2015).
Com a autora, aprendi que a aula nos faz ver e ouvir o mundo longe dos clichês
que cercam o pensamento, acerca do corpo, da vida, da singularidade, da criação, das
diferenças na educação superior, para ver e ouvir a vida em sua exterioridade pura, em
sua mais alta potência.
Experimento a dimensão do pensamento no processo educativo a partir
principalmente dos conceitos de aula como signos capazes de colocar a relação
pedagógica e o pensamento que dela resulta no cruzamento de intensidades e
singularidades que a didática da tradução, transcriação nos abre e da experimentação
que com ela somos capazes de criar.
Tomo a aula tendo por referência que todo aprendizado tem a ver essencialmente
com signos e que aprender é considerar uma matéria, um objeto, um ser, como emitindo
signos a ser decifrados ou interpretados. Aprender é tornar-se sensível aos signos.
Alguém só se torna marceneiro tornando-se sensível aos signos da madeira e o
profissional da psicologia, tornando-se sensível aos signos do corpo, da vida. Tudo o
que nos ensina alguma coisa emite signos, todo ato de aprender é uma interpretação
(DELEUZE, 1964/2003, p.4).
O que pretendo por consequente, é fazer pensar a educação, e, em particular, o
ensino superior, propondo exercícios de pensamento, exercícios que, por sua vez, me
faça pensar ainda mais... um verdadeiro devir, um processo, um movimento ... pensar a
aula na compreensão da didática da tradução/transcriação ... pensar que a aula é
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aprendida pelo próprio processo de ser feita, a aula como transbordamento de olhares,
como descoberta de interpretação, da adoção de algumas palavras como verdade ao
invés de outra, - a aula como confrontamento.
Esta pesquisa-criação que me instiga a farejar o que pulsando além do
constituído e determinado, no curso de psicologia, como dispositivos, agenciamentos,
para pensar o ensino, dispositivos para produzir diferenças e diferenciações no campo
da educação superior, aqui tomados no plano das possibilidades, incitação, incentivo à
criação, à subverção das relações dos modelos, a saber, os dados e os clichês.
Por conseguinte, neste estudo opero na via destes deslocamentos: 1) um
exercício de pensar a educação na perspectiva posta por Deleuze e Guattari, dialogando
com Sandra Mara Corazza na discussão da DidáticArtística da tradução/transcriação,
compreendida como signo novo, da afirmação, das diferenças e da criação no
pensamento; 2) um exercício de pensar a educação na perspectiva cunhada por Corazza
ao enunciar forte discussão/contribuição no diálogo sobre a aula na compreensão da
didática da tradução/transcriação; 3) uma experimentação do conceito de didática da
tradução/transcriação para um estilo de pensar-criar, pensar as questões da aula, da vida,
do corpo, das singularidades que se apresentam como sendo uma aventura do
pensamento que institui a aula como enfrentamento, como transbordamento de olhares,
que permita um ponto de vista sobre o vivido nos quatro encontros intitulados oficinas
de criação com os docentes do curso de psicologia das instituições envolvidas e
tomando a aula como uma linha de devir: não tem início nem fim, nem partida nem
chegada, nem origem nem destinação (...) Uma linha de devir tem somente um meio.
Um meio é uma média, é uma aceleração, é a velocidade absoluta do movimento (...)
um devir não é nem um nem dois, nem relação dos dois, mas entre-dois, fronteira ou
linha de fuga.
Algumas palavras sem finalizar
Pensar por deslocamentos... fazer do pensamento uma problematização e uma
experimentação ... eis os sentidos que atravessam a escolha que fiz na pesquisa de
doutorado, ou seja a de investir no plano de consistência da educação superior como
fundamentalmente um ato de pensamento, uma operação de traçar linhas de fuga nos
territórios, às vezes tão cinzentos, da educação; bailar por entre territórios; abrir-se;
engajar-se; indicar vazamentos diante das forças que tentam direcionar a aula; enfim,
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fabular, criar, pintar outros modos de fazer a aula na educação superior, tomando o
sentido das ações didáticas que possibilitam o acontecer da aula.
Este estudo não tem a pretensão alguma de esgotar o tema aqui proposto, mas o
efeito em conduzir o disparo de um novo pensar a aula no ensino superior: instaurar,
inventar, criar conceitos que ressignifiquem as questões do ensino e de aula, já que é
esse infinito que me permite a criatividade, que permite que conceitos sempre novos
possam brotar e então, consubstanciado nos diferentes deslocamentos, pautada no
referencial teórico elencado, construo artigos científicos que explicitem a
experimentação vivida ao longo dos encontros com os docentes envolvidos na pesquisa
- criação.
É uma ingenuidade pensar que, ao dar uma aula, o (a) professor (a) está diante
de um quadro vazio, de uma página em branco, de uma tela virgem (Deleuze, 2007). É
um equívoco o (a) professor (a) acreditar que, para fazer uma aula, basta entrar na sala,
fechar a porta, e dar a aula que quiser. É um erro o (a) professor (a) achar que a sua
aula é inexistente; e que, ao fazê-la, poderia reproduzir uma aula que já funcionara
como modelo exemplar, nos diz Corazza (2015).
A autora referenda que o verdadeiro problema do (a) professor (a) não é entrar
na aula, mas sair da aula. Isso porque, antes mesmo de começar, a aula já está cheia, e
tudo está nela, até o (a) próprio (a) professor (a). O professor carrega, encontra-se, há
cargas ao seu redor, nos alunos, no plano de ensino, nos livros, na escola. Antes que o
(a) professor (a) comece a dar a sua aula, dela pode ser dito tudo, menos que se trata de
a sua aula; pois a aula está cheia, atual ou virtualmente, de dados, os quais levam o (a)
professor (a) a dar uma aula que já está dada, antes que ele a dê.
A didática da tradução considera que a potência artística de uma aula, exercida
por meio de um processo criador de verdades (imanentes), valores (não representativos),
sujeitos (pré-índividuados) e poderes (provisórios), não se equaliza com uma adesão
sem resistência ou como uma simples rejeição das normas.
Não há receita: aprende-se a fazer uma aula fazendo-a, pelo coração, pelo
desejo, pela vontade de educar. Portanto, uma aula é aprendida pelo próprio processo de
ser feita. Como bem destaca professora Sandra Mara Corazza aula é de verdade, sobre
verdade para chagar lá na verdade. Dessa feita, um jogo de montar e desmontar. São
provisórias. Vejo que pode ser movimentada, que passa pelo corpo, pelos instintos,
pelos sentidos, pela vontade. Que precisa de espaço e de riscos, que remetem a
significados, presenças, encontros.
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NOVOS UNIVERSITÁRIOS E PRÁTICAS DE ENSINO: O QUE PRECISA
MUDAR? Gabriela de Luccia Dutra*
“Ensinar não é apenas transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção
ou a sua construção. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.
(Paulo Freire)
Resumo
O setor de ensino superior no Brasil passou por grandes mudanças desde o início dos
anos 1990 até os primeiros anos do século XXI. Houve grande aumento do número de
alunos matriculados, especialmente na rede privada. Nesse contexto, o presente estudo
tem como objetivo analisar uma avaliação diagnóstica dos ingressantes a fim de
identificar deficiências lingüísticas, as quais podem prejudicar a aprendizagem de
disciplinas cursadas ao longo do ensino superior. Além disso, com base nas análises
realizadas, é feita uma reflexão acerca da habilidade e competências pretendidas e a
necessidade do compreender questões de coesão, inferências, variações lingüísticas,
aplicação das novas regras de ortografia, emprego correto da concordância nominal e
argumentos usados na construção de texto de opinião. Com os resultados pudemos
verificar que as questões que apresentaram maiores dificuldades foram observadas nas
questões em que eram avaliadas a capacidade de identificação e uso correto dos
mecanismos de coesão e a aplicação das novas regras de ortografia quanto à acentuação.
Desta forma, o texto reflete sobre o histórico e motivos destes erros propondo práticas
de nivelamento e mostrando que novos tipos de aprendizagens devem ser elaborados,
buscando soluções não culpados para tais dificuldades.
Palavras chaves: Ensino Superior, práticas de ensino, avaliação.
Introdução
O primeiro curso superior do Brasil foi criado em 1808, com a chegada da
família real portuguesa ao país. Durante todo o século 19, o ensino superior brasileiro
esteve restrito a uma parcela extremamente limitada da população, com pouquíssimas
instituições no país. No entanto, logo no início do século 20, com o crescimento da
industrialização e das cidades, os estudantes também cresceram em número e
importância1.
No Brasil, a Educação Superior (ES) abarca um conjunto complexo e
diversificado de Instituições de Educação Superior (IES), públicas e privadas, cuja
normatização encontra-se formalizada na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei nº 9.394/1996, além de um grande número
de decretos, regulamentos e portarias complementares2.
* Fonoaudióloga. Doutora em Ciências – UNIFESP
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No final da década de 1990, buscando conferir maior organicidade às políticas
de ES, bem como entre estas e a Educação Básica (EB), foi elaborado o Plano Nacional
de Educação (PNE) 2001-2010, que apresentava como principais objetivos: i) a
elevação global do nível de escolaridade da população; ii) a melhoria da qualidade do
ensino em todos os níveis; iii) a redução das desigualdades sociais e regionais, no
tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública; e iv) a
democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos oficiais, obedecendo
aos princípios da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola e a participação das comunidades, escolar e local, em conselhos
escolares ou equivalentes2.
O PNE 2001-2010 foi aprovado pela Lei nº 10.172/2001, em que constavam 295
metas para a educação, sendo 35 para o Ensino Superior. Estas refletiam a preocupação
com a expansão qualificada, propondo: i) o aumento da oferta de vagas (e, por
conseqüência, de matrículas), em especial para a população de 18 a 24 anos; ii) a
expansão regional; iii) a diversificação do sistema pelo estímulo ao desenvolvimento da
Educação a Distância (EAD); e iv) a institucionalização de um sistema nacional de
avaliação2.
Entretanto, mais do que as IES públicas, a abertura para oferecimento de cursos
superiores a distância foi aproveitada pelas universidades privadas. Após 2002, elas
passam a adotar esta modalidade de ensino. Segundo dados do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)3, em 1999 havia apenas duas
IES credenciadas para EAD. Em 2007, esse número saltou para 104, sendo que 59,61%
(62) eram instituições particulares.
Para tal, além dos programas de assistência estudantil que já existiam, o
Governo Federal em 2010, criou o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) que tinha
como objetivo ser um programa do Ministério da Educação (MEC) destinado à
concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos
superiores presenciais não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos
pelo MEC4, e que proporcionou uma grande explosão no número de matrículas em todo
o país, principalmente nas instituições privadas.
Com a expansão do aumento de vagas, o grande desafio das instituições privadas
tornou-se justamente compreender as heterogeneidades dos ingressantes nos cursos,
visto que, com o advento dos auxílios estudantis proporcionados pelo governo federal o
ingresso ao ensino superior tornou-se mais fácil e por vezes menos comprometido no
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que se diz respeito a qualidade do ingresso, considerando as dificuldades encontradas no
ensino médio e amplamente expostas em avaliações do MEC, como por exemplo na
prova Brasil e no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) .
A partir destas hipóteses, o objetivo deste presente trabalho é identificar o nível
de conhecimento e de envolvimento dos alunos ingressantes, de três cursos da saúde de
um Centro Universitário em Mato Grosso, através de uma avaliação diagnóstica, afim
de compreender o perfil deste ingressante e propor um novo olhar para o planejamento
do ensino a partir das análises efetuadas.
Para tal, foi elaborado um breve questionário em que questões de coesão,
inferências, variações lingüísticas, aplicação das novas regras de ortografia, emprego
correto da concordância nominal e argumentos usados na construção de texto de
opinião, foram avaliados. Estes critérios foram escolhidos considerando que na maioria
das vezes as falhas lingüísticas discursivas e de interpretação textual são comumente
verificados nos recém universitários. Muitas vezes é verificado pelo professor que o
conteúdo específico da disciplina é apreendido, mas apresenta-se de maneira errada em
uma prova escrita, pois o estudante não interpretou de forma correta a pergunta.
Compreender a metalinguagem, em que a linguagem que descreve acerca de si
mesma ou de uma outra linguagem, é uma tarefa apreendida entre 6 e 7 anos de idade5
em que os processos envolvidos na realização das atividades metalingüísticas são os
mesmos que se desenvolvem durante o estágio operatório concreto6.
Entretanto, é comum questionar sobre o porquê da necessidade deste linguajar
em processos avaliativos. Porque uma linguagem mais rebuscada deve ser exigida ao
aluno? Porque ser punido por erros ortográficos já que o conteúdo é assertivo? Seria
porque este modelo lingüístico faz parte de nossas atividades lingüísticas habituais?
Seria porque a cobrança destes aspectos é o centro de questões de concursos públicos,
do Exame nacional dos Estudantes (ENADE) e dos processos avaliativos que
acontecem após a graduação e que são vitais tanto pára o aluno quanto para instituição?
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, com emprego da pesquisa de campo,
descritiva e quantitativa, por meio do método dedutivo. Foram submetidos a uma
avaliação diagnóstica, 91 alunos egressos do Centro Universitário de Várzea Grande –
UNIVAG dos cursos de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Biomedicina, de ambos o sexo e
diferentes idades. A avaliação aconteceu durante a disciplina de Produção de Leitura e
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texto, sendo que o questionário avaliativo foi elaborado pelos professores responsáveis
pela disciplina na época da integração de cursos na matéria em questão.
Para a confecção do questionário de avaliação diagnóstica, foram pensados os
respectivos pontos avaliativos. Questão 1 e 3: perceber a capacidade de identificação e
uso correto dos mecanismos de coesão, questão 2: analisar as dificuldades de realizar
inferências, questão 4: identificar o conhecimento acerca de variações lingüísticas,
questão 5: perceber o conhecimento e aplicação das novas regras de ortografia quanto à
acentuação e questão 6: verificar o emprego correto da concordância nominal.
Resultados
A amostra foi composta de forma aleatória, por 91 alunos, sendo 33 alunos de
curso de fonoaudiologia, 15 do curso de biomedicina e 43 de curso de fisioterapia, em
ambos períodos, matutino e noturno.
Em relação aos dados sociodemográficos observamos que 73 entrevistados
(80,2% do total) são do sexo feminino, 43 entrevistados (47,3% do total) tem entre 16-
20 anos, 71,4% do total tem entre 16 e 25 anos e 28,6% mais de 25 anos, 77
entrevistados (84,6% do total) cursaram o ensino médio em escola pública, 28
entrevistados (30,8% do total) não lêem nenhum livro 80,2% do total lê até 2 livros, 54
entrevistados (59,3% do total) usam apenas a internet como fonte informação, sendo
que 78% do total usa a internet e a TV e 45 entrevistados (49,5% do total) quase nunca
consulta o dicionário para escrita. Em seguida, foi realizado o teste não paramétrico
Kruskal – Wallis para análise estatísticos dos dados pois a distribuição do total de
acertos não foi normal. Observamos que quando compramos a tipo de ensino, público
ou privado não houve diferença estatística, P-valor = 0,302.
Em relação as respostas das questões do questionário de triagem diagnóstica,
tivemos os seguintes resultados.
Tabela 1: Respostas dos estudantes do questionários
Questão 1 Questão 2 Questão 3 Questão 4 Questão 5 Questão 6
A: 49,5% A: 7,7% A: 8,8% A: 20,9% A: 39,6% A: 28,6%
B: 6,6% B: 73,6% B: 2,2% B: 14,3% B: 12,1% B: 6,6%
C: 23,1% C: 4,4% C: 62,,6% C: 48,4% C: 3,3% C: 49,5%
D: 13,2% D: 3,3% D: 13,2% D: 6,6% D: 23,1% D: 4,4%
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E: 6,6% E: 9,9% E: 12,1% E: 5,5% E: 14,3% E: 5,5%
Na tabela acima observamos que a questão 1 e 5 foram respondidas de maneira
incorreta, enquanto as outras apresentaram a maior porcentagem de acerto à resposta
correta. Além disso, não observamos diferença estatística entre a mediana de acertos
entre os estudantes de acordo com o curso, P-valor = 0,114 (>0,05).
Discussão
Uma das principais transformações do ensino superior no século XX consistiu
no fato de destinarem-se também ao atendimento à massa e não exclusivamente à elite.
Num dos estudos da década de 1990 8, observou-se que no ensino superior, estudantes
oriundos de famílias com renda de até 6 salários mínimos representavam
aproximadamente 12% dos matriculados em instituições privadas e 11% em instituições
públicas. Tanto no setor privado, quanto no público, a proporção de estudantes oriundos
de famílias com renda acima de 10 salários mínimos ultrapassa os 60%.
Entretanto, este perfil, vem sendo desconstruído na última década. Segundo
dados do Inep 9
, houve um grande aumento de ingressos no início dos anos 2000, eles
representavam 15,9% dos novos estudantes. Em 2006, eram 18,7% do total. O último
Censo da Educação Superior divulgado pelo Inep 10
em 2013 aponta que a quantidade
de alunos matriculados nas universidades públicas e privadas do país cresceu 3,8% em
2013 na comparação com 2012, passando de 7,03 milhões para 7,3 milhões.
Quando olhamos a quantidade de universitários por região do país, dos 7
milhões de alunos, na região Norte temos 546.503, já no Nordeste 1.434.825, no
Sudeste 3.226.248, no Sul 1.163.671 e no Centro-Oeste são 666.441 alunos. Ingressam
2.747.089 alunos em todo Brasil, sendo 196.562 (7,2% do total) no Norte; 496.562 no
Nordeste (18,1%); 1.339.159 no Sudeste (48,8%); 443.207 no Sul (16,1%); e 271.599
no Centro-Oeste (9,9%) 11
.
Nos últimos dez anos, foram criadas mais 2,8 milhões de vagas no ensino
superior. Esse crescimento deve-se à expansão das universidades federais e às políticas
de inclusão de jovens de baixa renda em universidades particulares, como o ProUni
(Programa Universidade para Todos) e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil).
Segundo o Censo Inep/MEC 012 12
por meio dessas políticas, apenas na região
Nordeste, o percentual subiu de 17,2% para 23% e no centro oeste, de 3,6% para 9,9%
15. Este novo perfil empreendedor dos jovens estudantes, no entanto, pode ter sido
influenciado por uma política de maior acesso da classe C, a chamada nova classe
média, ao ensino superior. Nos últimos dez anos, o número de universitários no país
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cresceu 77,1% e, hoje, 67,7% desses estudantes são oriundos da classe C - percentual
semelhante ao número de universitários que trabalham ao mesmo tempo em que
estudam.
O ingresso ao ensino superior de uma classe menos favorecida, não seria problema
se encontrássemos no Brasil, um ensino médico público de boa qualidade. O que ocorre, é
que segundo últimos dados do IBOPE (2012) 11 a escola particular é considerada melhor
que a pública em todos os níveis de educação: 77% dos entrevistados pela pesquisa Retratos
da Sociedade Brasileira - Educação Básica, feita pelo IBOPE Inteligência para a
Confederação Nacional da Indústria (CNI), consideram o ensino em escolas particulares
bom ou ótimo. Quando se trata da escola pública, o número cai para 50%. Alguns fatores
comprometem a rede de escolas públicas de educação básica quando analisados em
conjunto, como: infraestrutura, material de apoio didático, segurança nas escolas, motivação
discente e docente práticas pedagógicas adequadas, remuneração e atualização de
profissionais da área.
As dificuldades que os alunos enfrentam quando vão produzir um texto são
inúmeras e comumente relatadas pelos professores. Na maioria dos casos, eles não
apresentam dificuldades em se expressar na oralidade através da linguagem coloquial,
os problemas aparecem quando surge necessidade de produção textual. Segundo
FIORIN (2012) 13
na linguagem oral o falante se expressa não só através da fala, mas
também através de gestos, sinais e expressões. Esses recursos não são explorados na
modalidade escrita, pois ela tem normas próprias, como regras de ortografia. Já a
pontuação é a tentativa de reproduzir a entonação da fala, ou seja, muitas vezes é mal
empregada visto que a prosódia dificilmente é bem substituída por pontos, vírgulas e
aspas13
.
Não adianta saber que escrever é diferente de falar. Para que o discurso tenha
êxito, ele deve construir um todo significativo. Devem existir elementos que
estabeleçam ligação entre as partes, isto é, que confiram coesão ao discurso 14
.
Na tabela 01, podemos observar que as maiores dificuldades foram observadas nas
questões em que eram avaliadas a capacidade de identificação e uso correto dos
mecanismos de coesão, e perceber o conhecimento e aplicação das novas regras de
ortografia quanto à acentuação. Após análise, verificamos que os dados se contradizem,
afinal tanto a questão 1 (um) quanto a questão 3 (três) apesar de ambas avaliarem a
capacidade de identificação e uso correto dos mecanismos de coesão, encontramos um
resultado diferente de acertos. Enquanto a questão um, 49,5% doa alunos erraram na
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questão três, 62,4% dos alunos acertaram. Este fato pode ser explicado se considerarmos
que na questão 1 (um) as respostas oferecidas fazem parte de um contexto textual, enquanto
na questão 3 (três), são apresentadas sentenças, seguida de exemplos. Esta diferença
acontece porque implica diretamente no conceito de coesão textual, considerando que na
questão 1 (um) a coesão encontra-se implícita para os leitores e na 3 (três) explícita. Se
partirmos do pressuposto que coesão, é a conexão, ligação ou harmonia entre os elementos
de um texto e que as palavras, as frases e os parágrafos estarão entrelaçados, um dando
continuidade ao outro, estes elementos de coesão determinarão a transição de idéias entre as
frases e os parágrafos, para que um texto tenha o seu sentido completo, ou seja, para a
correta coesão textual, são necessários mecanismos linguísticos que permitem uma
sequencia lógico-semântica entre as partes de um texto que necessitam de elementos
coesivos e que permitem as articulações e ligações entre suas diferentes partes, bem como a
sequenciação das idéias14.
A primeira hipótese levantada para esta dificuldade poderia ser a falta de leitura
observada nesta pesquisa. Dos 28 entrevistados (30,8% do total) não lêem nenhum livro
por ano, 80,2% do total lê até 2 livros, 54 entrevistados (59,3% do total) usam apenas a
internet como fonte informação, sendo que 78% do total usa a internet e a TV e 45
entrevistados (49,5% do total) quase nunca consulta o dicionário para escrita.
Sabemos que as tecnologias do mundo moderno fizeram com que as pessoas
deixassem a leitura de livros de lado, o que resultou em jovens cada vez mais
desinteressados pelos livros, possuindo vocabulários cada vez mais pobres. O fato é que a
leitura é algo crucial para a aprendizagem do ser humano, pois é através dela que podemos
enriquecer nosso vocabulário, obter conhecimento, dinamizar o raciocínio e a interpretação.
Muitas coisas que aprendemos na escola são esquecidas com o tempo, pois não as
praticamos. Dúvidas que temos ao escrever poderiam ser sanadas pelo hábito de ler; e talvez
nem as teríamos, pois, a leitura torna nosso conhecimento mais amplo e diversificado 15. O
mau leitor ou aquele que simplesmente não lê, geralmente são decorrentes de fatores
extrínsecos, como o ensino deficiente ou ambiente linguístico restrito ou problemático,
limitando as oportunidades de aprendizado e desenvolvimento de competências para a
leitura 16 .
Em 2012, o desempenho dos estudantes brasileiros em leitura piorou em relação a
2009. De acordo com dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos),
o país somou 410 pontos em leitura, dois a menos do que a sua pontuação na última
avaliação e 86 pontos abaixo da média dos países da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Com isso, o país ficou com a 55ª posição do
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ranking de leitura, abaixo de países como Chile, Uruguai, Romênia e Tailândia. Segundo
o relatório da OCDE, parte do mau desempenho do país pode ser explicado pela expansão
de alunos de 15 anos na rede em séries defasadas. Quase metade (49,2%) dos alunos
brasileiros não alcança o nível 2 de desempenho na avaliação que tem o nível 6 como teto.
Isso significa que eles não são capazes de deduzir informações do texto, de estabelecer
relações entre diferentes partes do texto e não conseguem compreender nuances da
linguagem. A pesquisa da OCDE mostra que 49,2% dos estudantes brasileiros conseguem
no máximo entender, a idéia geral de um texto que trate de um tema familiar ou fazer uma
conexão simples entre as informações lidas e o conhecimento cotidiano. Apenas um em
cada duzentos alunos atinge o nível máximo de leitura. Ou seja, cerca 0,5% dos jovens são
capazes de compreender um texto desconhecido tanto na forma quanto no conteúdo e fazer
uma análise elaborada a respeito 17.
Nossos achados também mostraram que os estudantes apresentaram menor acerto
quando avaliados em relação ao conhecimento e aplicação das novas regras de ortografia
quanto à acentuação. Este fato pode ser justificado devido ao fato da gramática da língua
portuguesa ter sofrido mudanças há alguns anos. Por ser uma língua muito rica e de
estrutura gramatical complexa, a língua portuguesa é conhecida por não ser um idioma fácil,
isto é, um tanto complexa. Pro conseguinte, se o aluno não tem um domínio razoável da
gramática, cometerá alguns erros comuns. Pode-se até considerar que há erros que foram
influenciados pela a escrita online e até a imprensa escrita popular 18. Além disso, a
distância entre a fala espontânea e o texto redigido dentro da tradição culta é grande e desta
forma as necessidades que quase sempre são suficientes na fala falada não são suficientes
para escrita, justificando assim os erros encontrados nesta presente pesquisa, mas de
maneira nenhuma justificando-os como aceitáveis, visto que todo brasileiro deve aprender
desde cedo o português correto, tanto para fala quando para e escrita.
Neste debate, podemos verificar, portanto que são muitos os problemas que estão
presentes na educação brasileira, especialmente na educação pública e nas condições sócios
econômicas da maioria da população nacional. Diversos são os fatores que proporcionam
resultados negativos, um exemplo disso são os jovens que se encontram no 3º ano do ensino
médio e não dominam habilidade de ler e escrever ou que precisam largar os estudos para
ajudar na renda familiar. Apesar da formação do ensino médio estar concluída, o aluno se
confronta com desafios diante das disciplinas ministradas em que não consegue aprender
efetivamente a compreender e a ler, por mais tentativas que faça, evidenciando uma lacuna
na compreensão gráfica e consequentemente nas interpretações gramaticais da complexa
língua portuguesa.
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Mediante estas dificuldades e a heterogeneidade, para auxiliar o discente em seu
trajeto acadêmico, varias instituições de ensino superior adotaram a prática de
mecanismo de nivelamento com vistas a favorecer o desempenho de forma integral e
continuada do aluno ingresso, devido solicitação do Ministério da Educação do Artigo
16 do Decreto nº 5.773 de 09 de maio de 2006 19
. O Programa de Nivelamento, na
maioria das vezes, é uma atividade programada para atendimento aos
acadêmicos iniciantes nos cursos da faculdade e tem como estratégia proporcionará
aulas de Nivelamento nas disciplinas em que os alunos apresentarem defasagem de
aprendizagem, ratificar sua efetiva inserção quanto à responsabilidade social da
Instituição e o favorecimento para que o discente possa prosseguir os estudos regulares,
suprindo suas dificuldades de aprendizagem, possibilitando o acompanhamento das
disciplinas constantes da Matriz Curricular do curso. Entretanto, ainda são escassos os
estudos que avaliam se este mecanismo e atividade são realmente efetivos.
Desta forma, a partir deste pressuposto, não podemos através de um pensamento
simplista pensar que as respostas ao mau desempenho dos alunos em relação à noção de
coesão e coerência são decorrentes apenas da má qualidade do ensino fundamental e
médio. É preciso ter a percepção que a lacuna no ensino da língua portuguesa é apenas
parte do problema. É preciso compreender e analisar que talvez haja alguma coisa
errada no nosso processo de docência e na formação do docente. Por exemplo, se a
metodologia utilizada é a mesma se comparada há 20 anos, se não há dinamização em
sala de aula, se nosso aluno é muito diferente do alunos que nós fomos, como querer
que o aprendizado aconteça da mesma forma?
Será que um professor mais engajado em uma pedagogia culturalmente sensível20 ou
seja, voltando suas atenções para as necessidades dos alunos através do conhecimento da
realidade linguística e social do indivíduo e suas limitações, não faria a diferença?
Isentar os alunos das dificuldades e responsabilizar os professores está longe de
ser o resultado desta pesquisa. Porém, a favor desta teoria, observamos que nas questões
4, em que o participante deveria identificar o conhecimento acerca de variações
lingüísticas, foram observados erros em apenas 20% da amostra, assim como a questão
que verificava o emprego correto da concordância nominal. Já, nas questões 2, 5 e 6 que
analisavam respectivamente as dificuldades de realizar inferências, o conhecimento e
aplicação das novas regras de ortografia quanto à acentuação e o emprego correto da
concordância nominal, observamos uma porcentagem de acerto significativo.
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Como então justificar que a culpa é apenas do ensino médio se estes mesmos
alunos são capazes de realizar inferências, fazer o uso correto da gramática da língua
portuguesa e compreender variações lingüísticas, ações de alta complexidade
considerando a gramática da língua portuguesa.
Isto mostra que nosso aluno é capaz sim. Que na atualidade não ensinamos para
os “bons” alunos apenas e sim para “todos” os alunos, todos que por um sistema falho
ou por uma política de ensino que, talvez mal gerida, estão inseridos no ensino superior.
Não se justifica mais a figura de um professor distante e pouco interessado no
ambiente social no qual esse aluno está inserido. Faz-se urgente e necessária uma postura
sensível e atenta por parte do educador, mais humana e capacitada, não apenas em técnicas
didáticas e teóricas, mas também que o professor seja um profissional perceptivo do
ambiente escolar como um todo.
Considerações Finais
Embora devamos reconhecer que existem avanços consideráveis no que se refere
à educação superior no Brasil, ainda estamos distantes de atingir as necessidades
emergentes que os universitário da atualidade apresentam. Os dados que foram
apresentados neste trabalho e as reflexões e pesquisas levantadas buscaram contribuir
para que venham à tona soluções as dificuldades encontradas pelo discente ao ingressar
ao ensino superior e distância entre o aluno e o professor que ainda persiste.
O mercado, aliás, precisa de inovações concretas. Ele quer profissionais
totalmente integrados à contemporaneidade e às possibilidades que ela anuncia para
todas as áreas. Para o Ensino Superior, isso se traduz em uma fórmula muito simples:
quebra de antigos preconceitos e busca de novos formatos. Os alunos em nossas salas de
aula já exigem isso. Não mudar é um risco para a carreira do professor e uma
estagnação da instituição que apoiar essa postura retrógrada. Ou seja – não mudar é
comprometer o ensino.
A docência e a ensinagem só serão significativas se forem sustentadas por uma
permanente atividade de construção do conhecimento 21
. Em se tratando da formação do
professor, mesmo que do ensino superior, cabe a ele o domínio da competência para
identificar as dificuldades em língua escrita dos seus alunos, de situar em que nível o
discente tem o melhor desempenho, seja conceitual, textual ou discursivo, e a de adaptar
os meios de intervenção com o objetivo de fazê-los progredir. Querer justificar o mau
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desempenho do aluno apenas pela má qualidade do ensino médio se isentando de toda
responsabilidade, não é mais admissível. Os tempos são outros, o ensino que era
praticado há 20 anos, não é suficiente para esta nova geração que enche a sala das
universidades, centro universitários e faculdades. Precisamos encarar que os novos
“calouros” apresentam, sim dificuldades, porém elas podem ser contornadas com, ações
práticas e pontuais, sendo preciso inovar.
Não cabe a nós acharmos culpados, cabe detectar os problemas existentes que
precisam ser sanados e buscar soluções, ampliando o repertório de ensino e
compreendendo esta rede de conhecimentos que o aluno possui, mobilizando-a à serviço
do seu desenvolvimento pessoal. A prática de ensino baseada na contextualização e
fundamental para melhor compreensão do contexto didática a ser ofertado pois ela
mobiliza as relações no repertório que cada um possui, ampliando o conhecimento, que
é “inerente a vida”. A contextualização quando centrada neste princípio pode trazer
situações significativas, que tenham relações com a vida para o aluno.
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