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1 A “canha não tem parente”: relações de substância e consumo de álcool entre os Mbyá-Guarani, RS Luciane Ouriques Ferreira 1 O presente artigo tem como objetivo analisar o fenômeno do uso abusivo de bebidas alcoólicas vigente entre os Mbyá-Guarani no Rio Grande do Sul, a partir das teorias que consideram o corpo humano enquanto uma construção sociocultural, lugar onde se inscreve os valores e significados da sociedade que o ‘modela’. A produção de corpos e de pessoas são elementos centrais na compreensão de como são criados, estabelecidos, mantidos e atualizados os vínculos sociais, constituindo-se enquanto instância mediadora que, através das trocas e partilhas de substâncias, instituem os sistemas de parentesco e as lógicas que o sustentam. Nesse sentido, a partilha de substâncias entre os Mbyá-Guarani apresenta-se como processamento simbólico das relações de parentesco enquanto relações de substância. Essa partilha envolve desde a troca de fluídos corporais e de alimentos, até as experiências compartilhadas dos rituais, das festas ‘profanas’ e do próprio ‘trabalho’ (plantação e colheita, artesanato, esperar troquinho, etc) estabelecendo assim relações entre as pessoas e o espaço a que se unem os parentes Mbyá. Tais relações de substância também são articuladas ao idioma do cuidado (Gow, 1991) responsável por criar na pessoa a memória, o amor e o sentimento de pertencimento ao seu grupo. Os estudos sobre parentescos realizados por Da Matta (1979), Teixeira-Pinto (1993) e Mellati (1979) apontam para a correspondência existente entre os sistemas terminológicos de parentesco, as relações sociais estabelecidas entre parentes e as suas respectivas ideologias. Entretanto neste trabalho não pretendo dar conta dessa correspondência, mas sim me deter sobre o idioma de substancialidade enquanto lógica que informa a compreensão nativa do uso que as pessoas fazem das bebidas alcoólicas (canha) introduzidas através do contato interétnico. 1 Dra. em Antropologia Social. Bolsista de PDJ/CNPQ da Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz; professora visitante do Departamento de Saúde Coletiva/Universidade Federal de Brasília.

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A “canha não tem parente”: relações de substância e consumo de álcool entre

os Mbyá-Guarani, RS

Luciane Ouriques Ferreira1

O presente artigo tem como objetivo analisar o fenômeno do uso abusivo de bebidas

alcoólicas vigente entre os Mbyá-Guarani no Rio Grande do Sul, a partir das teorias que

consideram o corpo humano enquanto uma construção sociocultural, lugar onde se inscreve

os valores e significados da sociedade que o ‘modela’. A produção de corpos e de pessoas

são elementos centrais na compreensão de como são criados, estabelecidos, mantidos e

atualizados os vínculos sociais, constituindo-se enquanto instância mediadora que, através

das trocas e partilhas de substâncias, instituem os sistemas de parentesco e as lógicas que o

sustentam.

Nesse sentido, a partilha de substâncias entre os Mbyá-Guarani apresenta-se como

processamento simbólico das relações de parentesco enquanto relações de substância. Essa

partilha envolve desde a troca de fluídos corporais e de alimentos, até as experiências

compartilhadas dos rituais, das festas ‘profanas’ e do próprio ‘trabalho’ (plantação e

colheita, artesanato, esperar troquinho, etc) estabelecendo assim relações entre as pessoas e

o espaço a que se unem os parentes Mbyá. Tais relações de substância também são

articuladas ao idioma do cuidado (Gow, 1991) responsável por criar na pessoa a memória, o

amor e o sentimento de pertencimento ao seu grupo.

Os estudos sobre parentescos realizados por Da Matta (1979), Teixeira-Pinto (1993)

e Mellati (1979) apontam para a correspondência existente entre os sistemas terminológicos

de parentesco, as relações sociais estabelecidas entre parentes e as suas respectivas

ideologias. Entretanto neste trabalho não pretendo dar conta dessa correspondência, mas

sim me deter sobre o idioma de substancialidade enquanto lógica que informa a

compreensão nativa do uso que as pessoas fazem das bebidas alcoólicas (canha)

introduzidas através do contato interétnico.

1Dra. em Antropologia Social. Bolsista de PDJ/CNPQ da Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação

Oswaldo Cruz; professora visitante do Departamento de Saúde Coletiva/Universidade Federal de Brasília.

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Considerando que uma das funções da teoria é direcionar o olhar do antropólogo em

campo, aqui o caminho tomado foi o inverso, ou seja, os pressupostos teóricos serão

empregados na leitura de dados coletados em uma pesquisa que não teve a pretensão de

buscar informações relacionadas ao sistema de parentesco Mbyá-Guarani. Por outro lado,

os dados que emergiram durante o trabalho de campo expressavam e expressam o quanto o

sistema de parentesco sustentado pelo idioma da substancialidade ordena a relação entre os

Mbyá, que se dizem todos parentes, e deles com os seres e as ‘coisas’ que habitam o seu

cosmos, sendo um desses ser/coisa a bebida alcoólica.

Os dados etnográficos aqui apresentados foram levantados durante distintos

momentos do processo de pesquisa entre os Mbyá-Guarani: 1º.) durante o Diagnóstico

Antropológico Participativo sobre a Manifestação do Alcoolismo entre Mbyá-Guarani

realizado nos anos de 2000 e 20012; 2º.) durante as Reuniões Gerais dos Karaí, Caciques e

Lideranças Mbyá-Guarani sobre o Uso Abusivo de bebidas alcoólicas e alcoolismo; e nos

encontros promovidos pelo Percurso Terapêutico dos Xondaro Marãgatu (guardiões,

policias do espírito) às comunidades com uso abusivo de bebidas alcoólicas para levarem as

mensagens e as boas palavras dos Karaí3. Estas reuniões e encontros constituíram-se em

eventos discursivos onde o aconselhamento através das boas palavras, gênero de fala

cerimonial que compõe a arte verbal deste grupo, foi usado como uma forma terapêutica de

intervir sobre a problemática do uso abusivo de bebidas alcoólicas. Dezesseis comunidades

Mbyá-Guarani do RS foram percorridas e estão envolvidas neste projeto.

O presente trabalho está organizado da seguinte forma: na primeira parte faço uma

revisão sobre as teorias de corporalidade apresentando três casos etnográficos exemplares

onde a partilha de substâncias é um principio organizador dos sistemas de parentesco

indígenas; na segunda etapa, trago alguns dados sobre o parentesco e a organização social

Guarani buscando me aproximar da temática relacionada à presença do idioma de

substancialidade também como um fator que informa as relações sociais entre os Mbyá-

Guarani no RS; por fim, apresento uma etnografia sobre como a lógica da substancialidade

2Os principais objetivos do Diagnóstico foram: 1º.) reconhecer se o uso de bebidas alcoólicas era considerado

um problema pelos Mbyá-Guarani no RS; 2º.) em sendo considerado um problema, diagnosticar as dimensões

sócio-cosmológicas do fenômeno do uso abusivo de álcool; 3o.) identificar os recursos do sistema médico

tradicional Mbyá para o controle do consumo de álcool, visando apontar os caminhos de intervenção. 3 Para um maior detalhamento do processo de pesquisa antropológica e intervenção intracultural, ver Ferreira,

2001, 2001ª e 2004.

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está subjacente ao discurso das lideranças espirituais Mbyá-Guarani (karaí – homem; e

cunhã-karaí - mulher) sobre o uso de bebidas alcoólicas entre este grupo étnico.

As teorias de corporalidade e de partilha de substância como princípios organizadores

dos sistemas de parentesco ameríndios

Com a constatação de que os modelos antropológicos empregados para análise dos

sistemas de parentesco africanos, centrados nas idéias de descendência e linhagem, seriam

inadequados para compreendermos estes mesmos sistemas nas sociedades indígenas da

América do Sul4, a ênfase é deslocada dos modelos formais de estudo dos sistemas de

parentesco para o conteúdo que informa as relações entre parentes. Com isso, o corpo passa

a ser considerado uma categoria central para a compreensão dos sistemas de parentesco das

sociedades indígenas sul-americanas.

O modelo teórico sobre a corporalidade proposto por Seeger, A., Da Matta, R.,

Viveiros de Castro, E.B (1987), nos permite apreender os processos de formação e

construção do indivíduo enquanto pessoa social, considerando que a fabricação e a

modelagem do corpo são realizadas pela sociedade com o objetivo de construir a pessoa e

as identidades sociais (Viveiros de Castro,1987). As ideologias de corporalidade

constituem-se assim, em um idioma simbólico focal que atuam como princípios centrais da

organização social dos indígenas, na medida que operacionalizam e informam a práxis

social. Através das relações corporais a interação entre as pessoas é instrumentalizada.

Estes autores postulam a tese da existência de uma fisiologia dos fluidos corporais –

sangue, sêmen – e dos processos de comunicação do corpo com o mundo (alimentação,

sexualidade, fala e demais sentidos) que subjazem às variações de organização sociais nas

sociedades indígenas sul-americanas, ou seja, há uma ordenação da vida social através de

uma linguagem do corpo. O corpo assim constitui-se no lugar onde se articulam as

diferentes instâncias que compõe a pessoa: nome e substância, alma e sangue.

No contexto dos estudos dos sistemas de parentesco o processo de fabricação e

modelagem do corpo tem como resultado a construção da ‘pessoa aparentada’. Através das

4 Nesse sentido, o estudo de Roberto da Matta “The Apinayé relationship system: terminology and ideology”

(1979) faz referência aos estudos de Nimuendajú sobre a organização social Apinayé, por exemplo, e a sua

constatação de que a organização social desta sociedade, e isso podemos estender para as sociedades

indígenas da América do Sul, apresentaria uma certa anomalia e um cento amorfismo por não se encaixarem

nos modelos clássicos e eurocêntricos de estudos de parentesco.

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teorias nativas de concepção, reprodução e ciclos vitais fica claro como são formados os

laços de identidade física e corporal que orientam as relações sociais de substância

enquanto base dos grupos de parentesco. Nos “grupos de pessoas relacionadas por

‘substância’ (...) um indivíduo é literalmente criado como membro de um grupo na sua

própria carne, sangue e ossos” (Seeger, 1980). As relações e posições sociais que compõe o

sistema de parentesco são assim estruturadas partir de um idioma de partilha de substâncias,

tanto através da troca de fluidos corporais, quanto através os alimentos.

Buscamos a partir de agora apresentar três exemplos etnográficos de sistemas de

parentesco de sociedades indígenas sul-americanas e suas respectivas análises

antropológicas que empregam os postulados teóricos desenvolvidos até o momento, para

ilustrar como a lógica da substancialidade está estruturando as relações sociais entre

pessoas e classe de pessoas sociais.

Da Matta (1979) propõe pensarmos o sistema de parentesco Apinayé enquanto um

sistema de relações sociais e não como um sistema formalmente estruturado. Nesse sentido,

ele busca estudar o sistema ideológico deste grupo indígena como base para analisar a sua

terminologia de parentesco. Nos deteremos aqui, como já pontuado na introdução, na

análise da dimensão ideológica deste sistema de relações por ser expressiva do lugar que o

idioma de substancialidade ocupa nesta sociedade indígena.

Para Da Matta, a família nuclear Apinayé é reconhecida socialmente como uma

unidade produtora de crianças. Seu espaço é a casa, lugar onde se come e se dorme, lugar

da vida doméstica. Duas ideologias são encontradas neste âmbito doméstico: primeiro são

as regras de evitação e de etiqueta que existem, por exemplo, nas relações entre o novo

esposo e o sogro e cunhados, ou seja, entre afins que habitam a mesma residência5. O

sentimento preponderante entre eles é o de piam que pode ser traduzido por vergonha,

respeito, distância social; e segundo, a ideologia associada aos períodos de couvade que

envolvem precauções, abstinência ou restrições relacionadas tanto a alimentação quanto a

comportamentos. Estas ideologias são fundadas nas concepções nativas sobre o

funcionamento do corpo humano, pois, o funcionamento correto depende da combinação

adequada de substâncias durante a gravidez e o período pós-parto, durante a menstruação e

também em casos de doença.

5 A regra de residência aqui é a uxorilocalidade.

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Nesse sentido, o autor postula que a família nuclear é o grupo natural, onde a

ideologia da substância expressa nas relações de precauções, abstinências ou restrições

alimentares e comportamentais criam uma continuidade entre pessoas física e socialmente

separadas, formando uma comunidade de substância6 que envolve tanto consangüíneos

quanto afins, pois os laços do casamento criam uma substância comum entre o marido e a

mulher. A função dessa comunidade de substância é o bem estar físico de seus membros. É

nesse espaço doméstico e privado que é feita a mediação entre o mundo externo (a

natureza) e o mundo interno (controlado por regras, a cultura). Aqui a pessoa é chamada

por um nome caseiro, um apelido.

Como instância complementar temos a relação que a pessoa estabelece com os

grupos cerimoniais, relação essa que a iniciará na dimensão estrutural da vida social adulta

Apinayé. Um dos aspectos rituais que marcam a passagem da pessoa do mundo doméstico

para o mundo propriamente social é a transmissão de nomes cerimoniais, que teria como

ideologia subjacente uma ordem simbólica e cósmica. Através dos rituais de passagem a

pessoa é separada da sua comunidade de substância e inserida no mundo social adulto,

quando estará preparado para formar o seu próprio grupo de substância. Nesse sentido, a

função dos grupos cerimoniais seria a quebra dos laços de substância de ego. Ou seja, o

idioma de substancialidade, em Da Matta, se restringe a esfera doméstica da vida social

Apinayé e não se expande para os domínios públicos, que ele interpreta como domínios

propriamente naturais, em oposição ao doméstico que seria um domínio próximo a

natureza, mas que tem como função domesticá-la.

Em síntese, aquilo que é expresso através da análise do sistema ideológico

subjacente a terminologia de parentesco Apinayé e que informa a relação entre parentes é

que enquanto a família nuclear, a esfera doméstica, a casa, o espaço do feminina e a

domesticação da natureza estão relacionados a comunidade de substância; os grupos

cerimoniais, que tem a função de romper com esses laços estão relacionados com a

comunidade de forma mais ampla, com a esfera pública, com a praça e casa dos homens,

com o masculino e com a dimensão do social.

Peter Gow (1991) ao estudar a sociedade Piro e Campa do Baixo Urubamba vai

reconhecer dois idiomas de parentesco organizadores das relações sociais: 1º.) o idioma da

6 (parafraseando o conceito de comunidade de aflição proposto por V. Turner):

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substancialidade, baseado na conexão física e substância compartilhada que é revelado nas

proibições pós-parto a serem cumpridas pelos pais do recém-nascido, momento onde o

corpo da criança tem uma ligação de contigüidade com o corpo dos pais, pois sua alma,

apesar de ser independente, é ignorante e pode ser perdida diante de determinadas

situações; e 2º.) o idioma do cuidado que se estabelece a partir do momento em que a

criança desmama e começa a dar os primeiros passos andar. A partir daí os pais devem

alimentar a criança com a ‘comida legitima’ o que evocará na criança o seu amor pelos pais

que tornar-se-á manifesto quando ela começar a chamá-los pelos termos de parentesco. O

cuidado dado pelos pais aos seus filhos criará uma memória recíproca do cuidado que se

estenderá por toda a vida adulta da pessoa.

São estes idiomas que informam o processo de produção da pessoa aparentada, na

medida que influenciam na construção identidade de gênero da sociedade do Baixo

Urubamba. A organização da economia de subsistência do grupo é sustentada pelas

relações de gênero nesta sociedade, mais especificamente nas relações entre marido e

mulher. É o sistema de trocas e de obrigações recíprocas entre marido e mulher que coloca

em movimento a produção chamados ‘alimentos legítimos’. Se por um lado, os cônjuges

devem satisfazer os desejos sexuais um do outro, por outro eles também devem atender as

suas exigências alimentares: o homem deve trazer carne de caça para a sua mulher , e a

mulher deve fazer cerveja de mandioca para o homem7. É essa dinâmica que permite a

manutenção dos idiomas centrais do parentesco – da partilha de substâncias e do cuidado –

sustentado nas relações entre os familiares vivos e na produção de pessoas autônomas que

mantém por sua vez os padrões de relações entre familiares.

“A criação dos filhos é a atividade dos pais que faz a criança em uma pessoa

aparentada, justamente como um casamento é a atividades dos maridos e mulheres

que mantém o relacionamento entre eles. Para ser real, alguém pode dizer, um

relacionamento deve ser encenado. (...) Co-residência, o viver junto na mesma vila,

é uma demonstração de cuidado” (1991; 194).

Na medida que o idioma do cuidado se estende para as demais relações

estabelecidas entre os co-residentes da comunidade, entre aqueles que vivem juntos e se

ajudam, convivem e trocam alimentos, podemos reconhecer mais um idioma organizador

7 A relação de gênero também organiza as outras atividades que compõe o ciclo da economia de subsistência

do grupo, que podem ser agrupadas nas categorias ‘trabalho’ (construção da casa e feitio da cerveja de

mandioca) e a busca por algo (caça, pesca e busca por dinheiro).

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das relações de parentesco: o idioma da co-residência. Por um lado, a comunidade é um

fenômeno do parentesco; por outro, o parentesco é um fenômeno da comunidade, pois viver

juntos é a demonstração e a atualização dos laços de parentesco8.

Apesar de Peter Gow apresentar os três idiomas – de substância, do cuidado e da co-

residência – em um esquema lógico, podemos perceber através dos dados etnográficos

apresentados pelo autor, que existe uma sobreposição entre estes idiomas na vida cotidiana

da sociedade do Baixo Urubanba: ao mesmo tempo em que o idioma da substância perpassa

todos os outros domínios da vida adulta (como por exemplo, o presente na troca de comidas

e bebidas existente entre marido e mulher) convivendo lado a lado com o idioma do

cuidado; o idioma do cuidado também está presente nos primeiros meses de vida de uma

nova criança, convivendo lado a lado com o idioma de substância. Por outro lado, através

do idioma de co-residência nos damos conta de que, diferente dos Apinayé abordado por

Da Matta, o idioma de substância e o do cuidado não se restringem ao âmbito doméstico,

mas também estruturam a relação entre parentes que são co-residentes e que também

trocam alimentos entre si, principalmente através das mulheres aparentadas9.

Por fim Teixeira-Pinto (1993), abordando os sistemas de parentesco enquanto

geradores e reprodutores de indivíduos, estará atento aos processos e conceitos nativos de

‘biologização’ de certas relações sociais que são fundamentadas em termos substantivos10

.

Em seus estudos junto a sociedade Arara, este autor reconhece a existência de dois

sistemas paralelos de classificação que se alternam e expressam categorias e modelos

diferenciados de interação social de sociabilidade: alternância entre um padrão havaiano

onde primos e irmãos são chamados pelos mesmos termos – um sistema horizontal; e por

uma aproximação ao sistema crow-omaha, sistema oblíquo – geracional onde o irmão da

mãe passa a ser chamado de irmão; e a irmã do pai passam a ser chamada de avó.

Estes dois sistemas classificatórios informam sobre uma lógica da proximidade,

distância e delimitação de fronteiras sociais entre parentes, instituída pelo idioma de

substancialidade: os parentes mais próximos são aqueles que partilham substâncias.

8 Algumas notas sobre os mortos: Os velhos escolhem o lugar que vão morrer e quando morrem os vivos

abandonam esse lugar de moradia, pois a alma do morto que ali fica residindo quer atrair os vivos para não

ficar sozinho, entretanto ela não tem como constituir família, ela é só. O parentesco é coisa dos vivos! 9 Sobre a troca de alimentos via mulheres aparentadas na sociedade do Baixo Urubamba, ver Gow, 1991.

10 Segundo ele, esse é um traço característico da organização social dos grupos indígenas Sul-americanos.

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Considerando que a regra de casamento entre os Arara é uxorilocal, o sistema de

havaianização está relacionado com as relações estabelecidas no interior das ‘casas’, que é

o espaço dos parentes consagüineos (mães e irmãs de ego) e do grupo de substância ligado

pela partilha de serviços, dádivas e reciprocidade, formando assim uma comunidade de

substância. Por outro lado, o sistema crow-omaha marca a relação estabelecidas entre as

casas através dos laços de casamento e de afinidade. Com o casamento o homem muda de

casa e também de regime de sociabilidade, assim ele entre no universo da afinidade real.

A passagem de um sistema classificatório ao outro sistema está relacionada à

dinâmica de relações estabelecida entre as casas e ao trânsito do homem da esfera

consangüínea para a da afinidade, sendo que essa passagem também está relacionada ao

idioma da substancialidade. O sistema classificatório oblíquo expressa a sociabilidade entre

os diferentes grupos residenciais através da ‘transmissão de substâncias’: com o casamento

ego muda-se para a casa de sua esposa e passa a viver com seus parentes afins, mas ainda

continua associado ao seu grupo de substância por um sistema de visitação e de prestações

recíprocas estabelecidas entre ele e suas parentas consangüíneas – por ocasião da visita, ego

agora casado oferece carne de caça as suas mães e irmãs e elas, por sua vez, retribuem

oferecendo a ego cerveja de mandioca. Como o irmão da mãe casou na mesma casa que

ego casou e como ele foi cuidado por sua irmã que lhe ofereceu cerveja de mandioca por

ocasião de suas visitar, a mesma mulher que amamentou ego, então o irmão da mãe (tio)

passa a ser chamado de irmão. Por outro lado, como a irmã do pai, foi aquela que ofereceu

cerveja de mandioca para ele quando ele as ia visitar, ela estabelece um mesmo tipo de

relação com ele que a mãe do pai estabelecia quando lhe dava de mamar, logo a irmã do pai

passa a ser chamada de avó Correspondência entre as irmãs que alimentam ego com a

cerveja de mandioca e a mãe que alimenta ego com leite materno (mãe).

Diferente de Da Matta, Teixeira-Pinto aponta para a continuidade e o rearranjo das

relações de substância durante o ciclo de vida masculino, ou seja, não há entre os Arara um

sistema cerimonial que estabeleça uma ruptura entre o idioma de substancialidade e o de

afinidade, a lógica da substância permanece orientando a interação de ego com seus

parentes mesmo depois do seu casamento. E mais é ela que organizará o sistema de

classificatório de parentesco Arara.

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Breve panorama sobre a organização social e o parentesco Guarani

Aqui centraremos nossa atenção nos dados etnográficos apresentados por Egon

Schaden (1974) e Aldo Littaif (1996) e os dados historiográficos trazidos por André Soares

(1997) sobre a organização social Guarani que possam lançar luz sobre o tema que aqui

estamos desenvolvendo. Na medida que se fizer interessante acrescentaremos dados

referentes ao meu trabalho de campo realizado entre os Mbyá-Guarani no Rio Grande do

Sul desde 1996.

Shaden (1974) afirma que a organização social Guarani está baseada na família

extensa. Este mesmo grupo é definido por Soares (1997) como kindred, ou seja, um grupo

de parentes ligados por laços de consangüinidade e de afinidade organizados em torno a

uma pessoa de prestígio que pode ser a liderança política e/ou religiosa do grupo. O

cunhadasco (tovadjá: cunhado) é uma instituição baseada em regras de reciprocidade e

central na organização social Guarani, pois através dele que são estabelecidas as alianças

políticas entre as famílias. Nesse sentido, a poligamia torna-se uma forma de tornar o outro

em cunhado, de “ligar-se com parentesco” (Soares, 1997).

No RS a maior parte das aldeias (teko’á: lugar da vida; aldeia) são composta por

famílias extensas e outras famílias agregadas a estas por laços de afinidade ou de aliança de

natureza política. Cada família nuclear que ali mora constitui-se em uma unidade social

elementar com a sua própria casa e o seu próprio fogo de chão usado para cozinhar, para

esquentar a água do chimarrão, para aquecer, para esquentar os ferros com os quais são

preparadas as esculturas em madeira, e também para fornecer remédio. No centro ideal da

comunidade encontramos a casa de reza (opy) onde mora a liderança religiosa e onde são

realizados os rituais cósmico-religioso e de cura.

Aldo Littaif (1996) citando Maria Inez Ladeira, afirma que a regra de residência

Guarani-Mbyá é uxorilocal e temporária, ou seja, o homem habita com a família da esposa,

prestando serviço para os sogros, até o nascimento do primeiro filho, depois o casal estaria

livre para escolher o lugar para morar. André Soares contesta esta informação defendendo a

idéia de que a regra de residência é definida pelo prestígio da liderança do grupo.

Entre os Mbyá no RS a regra vigente é realmente a da uxorilocalidade temporário,

entretanto, os chefes de prestígio podem influir sobre a situação e fazer, por um lado, que

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suas noras venham morar junto a seus filhos, e por outro, a partir do segundo casamento do

chefe, que as esposas venham morar diretamente com ele11

.

Segundo Soares (1997) a regra de filiação entre os Guarani é indiferenciada

(cognática), reconhecendo tanto os parentes do lado materno quanto do lado paterno.

Enquanto que a terminologia do sistema de parentesco expressa uma estrutura complexa,

onde há uma ausência da regra matrimonial positiva, prescritiva, sendo a busca de prestígio

o que orientaria a escolha do cônjuge.

No RS os Mbyá falam que antigamente as famílias dos jovens é que decidiam sobre

o casamento dos filhos, mas que hoje quem escolhe e acerta o casamento são os próprios

jovens. Isso não isenta ao homem de consultar os pais da noiva e pedir a permissão para o

casamento. O casamento é ministrado pelo cacique, que aconselha os recém-casados quanto

aos deveres e direitos dos dois cônjuges. É o cacique que também intervirá em caso de

problemas e discórdias entre o casal.

A noção dualista da alma, o nome e a pessoa Tupi-Guarani enquanto devir

Os estudos clássicos sobre as três parcialidades étnicas Guarani – Kayová, Xiripa ou

Ñandeva e Mbyá – não apresentam dados etnográficos sistemáticos sobre o sistema de

parentesco vigente nestas sociedades. Todos eles são unânimes em afirmar a

preponderância do sistema religioso guarani sobre os demais sistemas que compõe a cultura

Guarani. Dois temas foram amplamente explorados por estes autores: um deles foi à noção

de dualidade da alma Guarani como chave para a compreensão do seu sistema religioso e o

outro foi as grandes migrações em busca da Terra sem Mal e sua associação com a

centralidade mítica e cosmológica que a linguagem, a bela linguagem, possui nesta

sociedade12

.

A pessoa guarani possui duas almas: uma que é a alma divina (nhe’ë) e alma

telúrica para os Mbyá ou alma animal para os Kayová e Ñandeva. Os nhe’ë13

são

proveniente das moradas dos Pais Verdadeiros dos espíritos: Kuaray, Karaí, Tupã, Jakairá.

11

Ao cacique geral (uvicha guaçu) é permitido ter até 7 esposas, desde que ele consiga sustentá-las. 12

Curt Nimuendajú (1987), Helené Clastres (1978), Leon Cadógan (1950), Bartomeu Meliá (1988; 1989),

Susnik (1984; 1989), Egon Schaden (1974). 13

“(...) espécie de espírito protetor, incumbe a segurança do indivíduo, vigiando-o. (...) É parte integrante do

seu eu. (...) A sede da alma – ou das almas, como veremos mais adiante – (...) é o corpo todo. Ademais as ñe’ë

caracterizam-se por existência relativamente livre, isto é, existem independentemente do corpo, podendo

deixá-lo, (...) e retirar-se para regiões longínquas” (Schaden, 1974:137-138).

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É na cerimônia de batismo (nhemongaraí) realizado na Casa de Reza (Opy)14

, depois que a

criança começa dar os seus primeiros passos e a articular as suas primeiras palavras (mais

ou menos com um ano de idade) que os deuses revelarão ao Karaí a proveniência divina do

espírito encarnado e o seu nome divino15

. Esse nome divino faz parte da pessoa e é ele que

‘sustentará erguido o fluir do seu dizer’ (Cadogan, 1950).

Por outro lado o espírito telúrico, no caso Mbyá, é desenvolvido durante a

caminhada da pessoa neste mundo como condição de sua verticalidade. Ao viver nessa terra

a pessoa compartilha das qualidades imperfeitas dela. Essas qualidades imperfeitas que

constituem pessoa são denominadas teko achÿ (teko: vida; achÿ: dor). São essas qualidades

imperfeitas que a pessoa deve superar através de resguardo sexual, restrições alimentares e

comportamentos adequados para com os parentes, se ela quiser alcançar a terra sem mal e

habitar junto aos deuses, atravessando o grande oceano verticalmente com o ‘corpo e tudo’.

Aqui se manifesta o ideal de pessoa Mbyá-Guarani enquanto devir-outro: “a pessoa não é

um ente, mas um entre” (Viveiros de Castro, 1986), a alteridade é constitutiva dessa pessoa

pois ela está localizada entre as suas duas almas sendo o espírito divino o outro que a

constitui, entretanto essa pessoa só se realiza em plenitude enquanto devir-outro, enquanto

devir-deus, quando ela consegue superar a condição de teko achÿ e integrar o corpo

humano à sua condição de divindade.

Entretanto a terra sem mal é destino de poucos e atualmente com uma quantidade

enorme de substâncias do ‘mundo do branco’ que foram incorporadas ao universo Mbyá, a

morte é o destino da maior parte dos parentes que aqui “deixam o seu corpo como terra”16

.

Com a morte a pessoa se fragmenta: ”Assim que morremos a pessoa se divide. Corpo, alma

e sombra explodem em direções diversas e divergentes” (Viveiros de Castro, 1986:495):

O nhe’ë retorna para a sua morada divina, o corpo apodrece e a alma telúrica, e o espírito

14

O Batismo (nhemongaraí) dura alguns dias e acontece em janeiro quando o milho está pronto para ser

colhido, pois para que haja batismo é preciso que haja milho: esse é o batismo do milho. Também nesse

período as outras crianças e também adultos são observados pelos karaí para ver se está tudo bem com o

espírito e se o nome está adequado. Se o nome não é adequado a criança não desenvolve e quando a pessoa

está doente, a troca de nome também é um recurso terapêutico. 15

Esse nome dependerá e indicará a filiação divina do espírito, por exemplo: Filhos de Karaí: Karaí (H) e

Crechu (M); filhos de Nhamandu: Kuaray (H) e Gerá (M); filhos de Tupã: Verá (H) e Pará (M); filhos de

Jakairá: Tataendy (H e M). 16

Yvyramo (deixar seu corpo como terra) e uma palavra empregada em um gênero de fala específico dos

Mbyá-Guarani chamado ayvu porã (boas palavras).

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12

do morto fica a vagar pela terra em torno aos parentes vivos causando doenças e levando

alguns à morte.

O idioma de substancialidade como lógica organizadora do sistema de relacionamento

Guarani

Egon Schaden (1974) vai interpretar esses momentos de resguardo como estados de

crise na vida guarani que envolveria os momentos relacionados ao ciclo vital - o

nascimento, maturação biológica, doenças, nascimento dos filhos e morte. Para este autor o

resguardo e restrições alimentares a que se submete o pai do recém-nascido no período pós-

parto “se trata, primordialmente, de extensão, para o pai, de medidas de precaução

necessárias à segurança do recém nascido. Através de uma espécie de ‘participação’, o pai

representa o filho e, até certo ponto, também a mãe” (1974: 81). Ou seja, em nenhum

momento Schaden estará relacionando estas práticas à construção das relações de

parentesco entre os Guarani. No entanto, é justamente neste período de resguardo pós-parto

que as relações de substância tornam-se evidentes, assim como durante o período da

menarca feminina17

.

Para os Mbyá a mulher possui uma fecundidade localizada que é instigada pela

vontade divina, entretanto durante a gestação sua função é passiva, enquanto o homem que

é o responsável pela formação do sangue e do corpo do feto da criança através de repetidas

relações sexuais durante a gravidez. Em torno ao sangue gira uma séria de concepções e de

cuidados no sentido de mantê-lo puro. Esse cuidado com a manutenção da pureza do

sangue é primordial para que o nhe’ë permaneça ligado à pessoa.

Quando uma criança nasce os pais devem permanecer em reclusão porque existe o

perigo do espírito da criança sair andando com eles e perder-se no caminho. Nessa fase,

enquanto o corpo da criança ainda está em formação o espírito dela está especialmente

ligado aos pais. Por ocasião do nascimento de sua sétima filha, o cacique José Cirilo

Morinico nos fala sobre os cuidados e procedimentos que os pais e a família deve ter no

período pós-parto18

:

17

Na primeira menstruação a menina deve ficar reclusa por determinado período, nos próximos períodos

menstruais as mulheres não podem cozinhar para os homens para que os mesmos não fiquem doentes. 18

Ao me falar sobre esse tema José Cirilo tinha como intenção a elaboração de um documento para ser

encaminhado ao Ministério Público Federal buscando reivindicar o direito a atenção diferenciada a saúde

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13

“Em primeiro lugar, a parteira guarani tem que sentar e cuidar da mãe com o

cachimbo e fazer o remédio das cinzas da fogueira para que a mãe tome antes de

nascer a criança. Muitas vezes tem espírito mau dentro do mundo e por isso é

importante que a criança nasça normal e a mãe fique bem. Então minha esposa

ficou com dor de cabeça, com dor de barriga, isso é normal. Mas tem outra coisa

que acompanha essa doença que é por causa do espírito. Em primeiro lugar é

preciso pegar a cinza e colocar no copo pra mãe tomar pra não ficar com dor no

corpo todo. E o pai a mesma coisa. Nós temos que colocar uma panela cheia de

cinza misturada na água, chamar todos os filhos e molhar as pernas de todos com

isso e também todo o corpo. Isso é pra evitar problema, não ter dor, e nem ter

algum problema de doença de virar animal. Quando a criança nasce o pai tem que

fazer balaio pra menina e arco-e-flecha pro menino para evitar acidente do

espírito, para que ele fique na aldeia com esse brinquedo, pra que ele va brincar

com esse brinquedo e não acompanhar o pai se ele tiver que sair em outra aldeia.

Se o espírito o acompanha ele pode se perder no caminho. Depois que o filho nasce

o pai tem que ficar de resguardo durante 30 dias, depois disso ele pode voltar as

suas atividades normais. Neste período ele também não pode usar faca para que o

umbigo do recém-nascido não inflame. Agulha também não, a mãe não pode

costurar. Mas o principal é fazer o balaio para a menina e o arco para o menino.

Se não há resguardo as crianças sofrem muito, ficam com dor no corpo, choram. A

mãe também tem que evitar de dar mama deitada pra criança, para que não entupa

o nariz do nenê. Depois de quinze dias da criança ter nascido a mãe deve lavar os

pés na água quente de cinzas. Durante trinta dias a mãe não pode comer feijão, sal,

coisas doces, carne de porco. Ela só pode comer mandioca, batata doce, milho.

Antigamente se proibia de comer tudo que é carne para que a mãe não tenha

tonturas, porque quando matamos os animais eles não morrem na hora, eles ficam

tonto antes de morrer. Hoje a gente come carne pra ter força, mas isso também é

decisão do branco. É importante que a mãe permaneça na aldeia para que ela não

tenha recaída pois ela está espiritualmente fraca, sem conseguir falar alto, ainda

está fraca a voz; e principalmente para que não cause doença na criança. Para que

a mãe possa comer galinha depois de 15 dias a cunha-karaí tem que fazer oração e

baixar a fumaça na galinha pra tirar o veneno que tem ali na galinha. A placenta

também é importante, temos obrigação de enterrar na hora em que o nenê nasce.

Também não se pode cortar o umbigo com faca ou tesoura, nós cortamos com

taquara. É importante enterrar a placenta para que a criança lembre sempre da

nossa cultura e da nossa tradição, porque senão ele vai esquecer. Porque a pessoa

é natureza, ai ela se une com a natureza, com a terra. Na hora que enterramos a

placenta vai a informação dos deuses, para o Pai Verdadeiro do Espírito. Também

é preciso ter cuidado com a criança. É proibido que outras pessoas vejam a

criança, por exemplo, se numa aldeia vem o bebedor e quer mexer nela ela pode

ficar com dor de cabeça, ter pressão alta por causa da bebida alcoólica, porque ela

é recém-nascida não está segura ainda, por isso pode pegar muita doença”.

indígena, explicando o que é o diferenciado do ponto de vista Mbyá. Isso porque Patrícia nasceu no hospital e

teve que permanecer por alguns dias na Unidade de Tratamento Indensivo Neo-natal. A maior preocupação de

Cirilo e de sua esposa era de que os profissionais de saúde não dessem leite materno de mulher branca para a

sua filha, pois se isso acontecesse o sangue da criança seriam corrompido e ela iria morrer.

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14

Com o processo histórico de contato interétnico, algumas substâncias produzidas

pelo ‘mundo do branco’ foram incorporadas no universo relacional dos Mbyá-Guarani. Tais

substâncias contaminam a pessoa e as relações entre os Mbyá. Entre estas substâncias

temos alguns alimentos (sal, azeite, açúcar, arroz) e também a canha (bebida alcoólica).

A canha e o idioma de substancialidade

Existem múltiplos fatores que contribuem para a construção do uso abusivo de

bebidas alcoólicas entre os Mbyá-Guarani. O primeiro deles, reconhecido pelos Mbyá, diz

respeito ao processo histórico de contato interétnico19

. Esse processo é o responsável pela

construção de uma cultura do beber que articula um conjunto de práticas, significados e

relações próprias da sociedade Mbyá-Guarani aos elementos da sociedade ocidental que

foram incorporados à este universo: alimentos, músicas, bebidas alcoólicas.

Práticas associadas ao consumo de álcool e incorporadas pelos Mbyá durante o

contato são os “bailes do branco” e os jogos de futebol. Estes são momentos de bebedeiras

coletivas onde a maior parte das famílias que residem em uma determinada comunidade se

envolvem. A bebida utilizada com mais freqüência é a cachaça. As comunidades onde os

‘bailes do branco’ são recorrentes são lugares onde não há casa de reza (opy) e nem rezador

(karaí no caso de homem, e cunhã-karaí no caso de mulher), onde a liderança não tem

autoridade para orientar o seu grupo com bons conselhos, pois ela mesma bebe.Os Mbyá

afirmam que quando as pessoas bebem e dançam ao som da música sertaneja, o

pensamento é direcionado para o sexo (jerokua), enquanto os rituais realizados na casa de

reza mantêm o pensamento da pessoa ligado aos Deuses.

Na compreensão dos karaí e cunhã-karaí, a pessoa que torna-se bebedora estabelece

um laço com a bebida alcoólica, uma espécie de matrimônio entre os espíritos de diferentes

substâncias: a do corpo e a da canha.

“Porque como você tá bebendo, quando você toma, não está pensando lá em cima,

porque você ama, você gosta, você se apaixona por beber. Porque essa bebida

alcoólica tem espírito! Porque não quer parar? Essa bebida tem espírito, e esse

espírito está casado com seu corpo. Esse é o princípio! Quando você sente tonto de

tomar bebida alcoólica se sente livre, sente uma coisa de natureza (vontade de

fazer sexo), sente muita coisa. Esse espírito quando casa comigo, não quero parar

19

Para uma descrição mais aprofundada sobre as diferentes situações alcoólicas das comunidades Mbyá-

Guarani no RS e as múltiplas causas do beber ver Ferreira, 2002.

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15

nem um dia, parece que não vai conseguir parar!” (Cuña karaí Marcelina, Salto do

Jacuí).

A violência entre parentes e mais particularmente a violência entre cônjuges é um

dos problemas desencadeado pelo uso abusivo de álcool. Geralmente quando embriagados,

o motivo das desavenças entre maridos e mulheres é o ciúme e a desconfiança por parte de

um dos componentes do casal. Esse é um dos fatores que contribuem para a separação de

muitos casais Mbyá. Por isso os karaí aconselham os casais:

“Quando falamos de casamento, tem que mostrar bem pro parente, um casal certo,

de verdade. Isso que é importante pra nós. Quando separa e casa com outro e

assim continua, isso não é bom pra nós. O jovem quando casa, tem que tratar bem

a sua esposa. Não pode dar sofrimento pra mulher. A mulher e o homem a mesma

coisa: não pode dar sofrimento nem pra mulher nem para o homem. Todos os que

casam tem que procurar viver bem. Essa separação existe em todas as partes, não

é só aqui. Nisso tem ainda quando o pai da sua filha bebe e fala bobagem. Ai a

mulher fica sofrendo, porque ela não bebe. Então isso acontece em alguns casais,

isso é que causa dor. Então qualquer coisa chega o momento de entregar o corpo

pra outro espírito. Se casal bebe junto não tem controle”.(Juanzito)

O tornar-se violento afeta as pessoas mais próximas ao bebedor que não tem limites

e nem controle para beber: o bêbado (cau). De acordo com os Mbyá, o cau não tem

condições de cuidar de sua família, pois bebe até cair ou até acabar a bebida, além disso ele

maltrata os seus filhos pois tornar-se violento. Como diz o karaí Alex Benitez, “a canha

não conhece pai, nem mãe, nem irmão, nem filho! Não gosto desse álcool”.

A grande preocupação dos karaí e cunhã-kara (mulher religiosa) é com o cuidado

para com as crianças, pois com o consumo abusivo de bebidas alcoólicas os pais

esqueceram a forma correta ensinada pelos deuses de educarem seus filhos. Eles afirmam

que hoje os pais não sabem mais o porque dos deuses terem enviado os espíritos dos seus

filhos para o mundo e por isso que eles não seguem as restrições recomendadas para o

período de gravidez e do pós-parto, como por exemplo, a proibição relacionada ao

consumo de bebidas alcoólicas, para que não seja prejudicada a saúde da criança.

“Porque hoje em dia, o pai e a mãe não sabem respeitar a criança, o seu

filho? Porque quando a mulher ta grávida não pode andar com outro

homem ou com outra mulher. O pai e a mãe tem que valorizar as crianças,

se a mãe está grávida o marido tem que respeitar a mulher, não pode fazer

sexo com outra mulher. Ai o espírito chora, se vê o pai fazendo sexo com

outra mulher. Então não pode fazer nada, para que o espírito venha com

alegria, pra nascer saudável, vir bem de saúde. O pai e a mãe tem que

saber que está vindo as crianças dos deuses. Porque antes de incorporar

nas crianças, Deus manda uma prova pro pai e pra mãe. Se acontece de

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16

não passar na prova, na criança vai chegar outro espírito, porque o pai

não sabe esperar a incorporação da criança. As vezes o espírito vai

embora por causa da briga do pai e da mãe. Isso já aconteceu aqui. A

segunda vez, não se pode assustar as crianças, porque senão o espírito

pode voltar pra sua casa. Quando nós temos crianças, nós temos que

cuidar bem, não podemos brigar. A criança tem que ser bem tratada. Se a

mãe ou o pai matam os seus filhos, tem que ir pra cadeia. Porque que o Sol

está vindo? Brilhando neste mundo ainda? Porque ainda existem as

crianças, porque elas estão nascendo ainda. Quando tem criança pequena,

os pais não podem beber muito. A canha é que traz doença pras crianças.

Porque quando a mãe bebe, se a criança está na barriga, a criança fica

sofrendo pelo calor da bebida alcoólica” (cunha-karaí Pauliciana).

Outro problema causado pelo consumo de bebidas alcoólicas é, por um lado, a

quebra das normas que proíbem a relação sexual entre membros do próprio grupo (incesto);

e por outro, é levá-la ter relação sexual com o branco(a). Os filhos gerados nestas relações,

não podem ser nem batizados e nem atendidos pelo karaí em casos de doença. O karaí

Horácio Lopes, nos explica o que acontece com aquele que bebe e que mantém relações

sexuais inapropriadas aos olhos da tradição.

“Porque se não é uma mulher índia tomadora de cachaça, também não vai

gostar branco. Pero, uma vez que tomo,qualquer branco aceita pra

aproveitar! Porque antes, quando não existe tomadora de cachaça, a

quenga não existe dentro dos índio! De aí trouxe a doença pra dentro da

aldeia, pega homem, pega esposo... Por culpa disso agora, o médico do

índio não pode resolver todo enfermidade agora. O médico do índio é

karaí!! Para levar dentro do karaí, pra tratar junto com karaí também

muita família tem que pensar primeiro! Família de quem é? Quem é que é

pai? Quem é que é mãe? Quem é que começou essa criança? Porque agora

criança não se sabe quem é que é pai, quem é que começou ela, eh... Até

por aí, muito problema tem, muito trabalho tem que fazer. Então quando

está doente karaí não sabe ou karaí não quer trabalhar, porque pai não

tem!”.

Quando a pessoa bebe demais e perde o “sentido”, ultrapassa limites e faz coisas

que não deve, age contra o seu espírito divino que, ao não possuir outra alternativa, afasta-

se dela deixando-a sem proteção. Ao estar sem proteção vários perigos ameaçam-na,

inclusive o de morrer atropelada por um carro ao atravessar à estrada, ou seja, a pessoa não

morre porque está bêbada, mas sim porque está sem a proteção de seu ñe’ë. Se o ñe’ë

afasta-se os espíritos dos mortos (mbogüa) e demoníacos (anhã), aproximam-se da pessoa

e passam a exercer uma influência nefasta que leva o bebedor a brigas com os parentes,

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17

doenças e morte. Os Xondaro Marãgatu falam sobre a preocupação dos karaí com os

parentes que deixaram ‘seu corpo como terra’:

“Saudações meus parentes. Eu também não sei falar muita coisa. Eu também vou

falar um pouco sobre a bebida alcoólica. Eu também era feio (bebedor). Nossos

parentes estão diminuindo, já perdemos muito. Muitos dos nossos parentes já

ficaram com o corpo como terra só por causa da bebida alcoólica. Eu conheço

também porque eu era bebedor. Os mais velhos e mais velhas sofreram muito por

causa disso, quando o filho ou a filha é bebedor. Então quando o filho ou a filha

falam assim: quando estou bebendo o problema é meu, sou eu. Mas se ele morre,

isso é mau pra todos, isso é dor. Quando o meu parente morre, vem o sofrimento

pra todos. Os karaí estão orientando pra não chegarmos no ponto de cairmos num

buraco e morrermos. Então, por isso que os mais velhos se preocupam, por causa

da morte” (Cezário, Salto do Jacuí).

Considerações Finais

A máxima Mbyá que afirma que “a canha não tem parente, não tem irmão, não tem

pai, não tem mãe... A canha é sozinha!”, demonstra, assim como os outros dados

apresentados no decorrer deste trabalho, que o idioma da substancialidade constitui-se em

uma lógica que subjaz ao fenômeno do uso de bebidas alcoólicas e estrutura a compreensão

Mbyá-Guarani sobre o mesmo.

O uso abusivo de bebidas alcoólicas ameaça os vínculos sociais estabelecidos entre

os parentes, porque a canha é uma substância que não tem parentes e que vem justamente a

se interpor nas relações sociais atualizadas pela partilha de substâncias. O espírito da canha

almeja casar com o corpo da pessoa que bebe. Entretanto ao ser sozinho ele não tem como

estabelecer vínculos de parentesco com essa pessoa e nem pode fortalecer os vínculos já

existentes. Por outro lado, essa é uma substância proveniente do ‘mundo do branco’ que se

instala no coração do sistema de reciprocidade Mbyá, ali mesmo onde são construídas as

pessoas aparentadas através da partilha de substâncias.

Nesse sentido, a condição de violência familiar é o resultado lógico que pode ser

criado por um espírito que não possuí parentes, mas quer relacionar-se. Ao desencadear a

violência familiar (brigas, incestos, estupros) a canha leva o espírito divino da pessoa a se

afastar, deixando-a definitivamente a mercê da influência dos outros maus-espíritos

(mbogüa e anhã) que habitam esse mundo. Aqui podemos intuir que da imbricada relação

entre o nhe’ë e o corpo da pessoa Mbyá depende o bem-estar e a boa saúde das pessoas e

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das comunidades Mbyá. E que essas, por sua vez, depende de como se dá o fluxo da

partilha de substância entre as relações sociais e cósmicas. O espírito divino se afasta

quando esses princípios cosmológicos que regulam o fluxo de substâncias não são

‘respeitados’ nestas relações. Por exemplo, quando o pai ou a mãe faz uso de bebida

alcoólica durante a gravidez ou no período de resguardo pós-parto. Entretanto, essa relação

entre a dimensão dos espíritos, divinos ou não, o corpo das pessoas, mediada pelo idioma

da substância ainda deverá ser aprofundada em pesquisas posteriores20

.

Interessante percebermos que o idioma da substancialidade e o idioma do cuidado

não encontram-se numa dimensão diacrônica, como a descrita por Peter Gow para as

sociedades do Baixo Urubamba, mas que estão sobrepostos um ao outro. O cuido com o

fluxo de substâncias entre os Mbyá é fundamental para que a criança cresça com saúde e

para que o adulto a mantenha, na medida que é através desse cuidado que ele se manterá

em contato com o seu espírito divino. Por outro lado, diferente dos Apinayé descrito por Da

Matta, entre os Mbyá-Guarani a lógica da substância não apenas informa e orienta a relação

entre parentes no âmbito doméstico, ou entre grupo de parentelas, como as relações

descritas por Teixeira-Pinto, mas também se estendem para além da esfera comunitária da

vida Mbyá. Ela abarca e informa as relações sócio-cosmológicas que os humanos Mbyá

estabelecem com os outros seres – humanos ou não - que habitam o cosmos. Entre estes

seres encontramos o branco com o qual é proibida, num nível ideal, a relação sexual, e com

a ‘canha’ que é uma substância proveniente do mundo do branco e que por não ter parente

busca destruir os vínculos de parentesco entre as pessoas Mbyá.

Por fim gostaria de terminar levantando uma hipótese do porque o postulado

da substancialidade enquanto linguagem organizadora do parentesco dos povos indígenas

sul-americanos não foi utilizada para pensar o parentesco Guarani. Acredito que os estudos

clássicos produzidos sobre os guarani até o momento21

, enfatizaram a preeminência da

dimensão religiosa sobre as outras dimensões que compunha esta sociedade indígena –

política, econômica, de organização social – colocando em destaque, por um lado, sobre o

conceito de alma nativo como chave para a compreensão desse sistema, sendo que apenas

20

Uma leitura a ser desenvolvida em outro momento é olhar para este fenômeno a luz das teorias sobre o

perspectivismo ameríndio propostas por Viveiros de Castro, 1996. 21

Cadogan (1950), Meliá (1988; 1989), Helene Clastres (1978), Egon Schaden (1974), Nimuendajú (1987),

Susnik (1984;1989).

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19

algumas notas são endereçadas ao lugar do corpo no interior desta sociedade, mas nunca

como um princípio tão importante, quanto o princípio metafísico; e por outro lado, a ênfase

que recai sobre o tema mitológico da busca da terra sem mal e de como tal busca refletiria a

negação Mbyá da própria sociedade22

. Nesse sentido, podemos perceber que este não se

constituiu em um solo fértil para que estudos sobre as relações sociais Guarani enquanto

mediadas por um idioma da substância.

Além disso, essas etnografias compartimentalizam esferas desta sociedade que de

forma alguma estão separadas. Isso porque tais sociedades possuem um sistema

cosmológico-xamânico onde as fronteiras entre religião, política, economia, organização

social, medicina e a arte não são bem demarcadas; por outro, porque é através do idioma de

substancialidade que os vínculos entre corpo e espírito são estabelecidos e que a pessoa, em

relação com as outras, é construída. Assim, gostaria de terminar esse trabalho reforçando o

postulado colocado por Seeger, Da Matta e Viveiros de Castro de que a ênfase “na noção

de pessoa, e na corporalidade como idioma focal, evita ademais os cortes etnocêntricos em

domínios ou instâncias sociais como ‘parentesco’, ‘economia’, ‘religião’” (1987: 26).

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Ver Helene Clastres, 1978.

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