a bioÉtica: histÓrico, conceito e classificaÇÃo

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A BIOÉTICA: HISTÓRIC CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO A BIOÉTICA: HISTÓRICO, CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO Prof. Dr. HC João Bosco Botelho Considerações gerais A bioética compõe parte importante das novas exigências do movimento social em torno das aquisições da ciência e tecnologia, a partir da segunda metade do século 20, com o pensamento molecular, fruto da genética, que introduziu no cotidiano científico as mudanças impostas pelos estudos e aplicações da genética dos seres vivos, especialmente, dos humanos. Por essa razão não pode estar desvinculada da historicidade das práticas médicas e das construções gerais da ética medica. Estruturalmente, do ponto de vista pedagógico, pode ser considerada como subárea da filosofia Essa extraordinária mudança na ciência e tecnologia com aplicação imediata dos produtos da genética em caráter pessoal, coletivo e industrial chegou simultaneamente às transformações sociopolíticas que alcançaram o indivíduo, a família e o mercado consumidor. O surgimento da estrutura teórica que fundamentaria a bioética está ligado ao livro “Bioética: uma ponte para o futuro”, do

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A BIOÉTICA: HISTÓRICO,CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

A BIOÉTICA: HISTÓRICO, CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

Considerações gerais

A bioética compõe parte importante das novas exigências domovimento social em torno das aquisições da ciência etecnologia, a partir da segunda metade do século 20, com opensamento molecular, fruto da genética, que introduziu nocotidiano científico as mudanças impostas pelos estudos eaplicações da genética dos seres vivos, especialmente, doshumanos. Por essa razão não pode estar desvinculada dahistoricidade das práticas médicas e das construções gerais daética medica.

Estruturalmente, do ponto de vista pedagógico, pode serconsiderada como subárea da filosofia

Essa extraordinária mudança na ciência e tecnologia comaplicação imediata dos produtos da genética em caráterpessoal, coletivo e industrial chegou simultaneamente àstransformações sociopolíticas que alcançaram o indivíduo, afamília e o mercado consumidor.

O surgimento da estrutura teórica que fundamentaria a bioéticaestá ligado ao livro “Bioética: uma ponte para o futuro”, do

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médico cancerologista Van Rensselaer Potter, em 1971. Paraesse autor o termo “bioética” por ele proposto estariavinculado em dois alicerces: os saberes biológicos associadosaos valores humanos da ética e da moral.

É possível resgatar alguns eventos degradantes, nos anoscinqüenta e sessenta, nos Estados Unidos, relacionados àspesquisas médicas, que podem estar relacionados aosacontecimentos que culminaram com a adição da bioética aosdomínios teóricos da ética e da moral.

– Estudos experimentais em seres humanos, não autorizados, datransmissão e complicações neurológicas da sífilis, em homensnegros, depois da comercialização da penicilina;

– Abandono intencional do tratamento com penicilina empacientes portadores de estreptococcias, para o estudo dascompicações;

– Injeção de células cancerosas vivas em doentes idosos paraestudo da imunoterapia em cancerologia;

– Injeção do vírus da hepatite B em crianças em um hospital deNova Iorque.

– Um comitê de ética médica, o Comitê de Seattle, como ficouconhecido, decidia quem iria para a hemodiálise, isto é, quemiria viver ou morrer, já que existiam mais doentesnecessitados do que máquinas disponíveis;

– Publicação do médico anestesista Henry Beecher, relacionandopesquisas médicas envolvendo seres humanos, chamados de“segunda classe”, hospitalizados em hospitais de caridade,adultos com distúrbios mentais, crianças com graves retardosmentais, idosos e presidiários, todos sem possibilidade deassumir postura ativa de questionamento junto ao pesquisador;

Esse conjunto de acontecimentos culminou, em 1974, nos EstadosUnidos, na “Comissão nacional para a proteção de sujeitos

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humanos na pesquisa biomédica e comportamental”, que gerou oRelatório Belmont com o objetivo de resguardar a ética e amoral nas pesquisas envolvendo seres humanos.

O Relatório Belmont abrange três fundamentos básicos:

– Respeito pelas pessoas: a significante maior deverá estarexpressa na absoluta lisura para que os sujeitos saibampreviamente de todos os riscos prováveis da pesquisa e queestejam de acordo atestando por meio de documento livre eesclarecido;

– Justiça: mais relacionado às teorias da filosofia, ética emoral;

– Beneficência: é o que faz a ponte entre a própria históriada Medicina entendendo a profissão e os médicos como agentesaderidos à virtude sempre com o compromisso do pesquisadorpara assegurar segurança e bem-estar das pessoas envolvidasdireta ou indiretamente com os procedimentos experimentais.

A bioética está associada à reflexão e ao desenvolvimento detolerância nos conflitos, onde a divergência nos valoresmorais e crenças e idéias religiosas (Aula – Bioética:reflexos e conflitos. Luciano Eloi Santos e Paulo Fortes,2009; cedida pelo Prof. Mst. Aristóteles):

– Reflexão Multidisciplinar em questões relacionadas aosbinômios compondo saúde-doença, vida-morte e controle da dor;

– Método ou técnica de análise para buscar solução deconflitos éticos envolvendo necessidade de ação;

Bioética é o resultado de nova abordagem ambiental, onde apreservação da vida, em especial, a humana, é o enfoqueprincipal.

Características da bioética:

– Pluralista;

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– Secularizada;

– Multiprofissional;

– Transdisciplinar;

– Intercultural.

Paradigma principalista;

– Beneficência;

– Não malificência;

– Justiça;

– Autonomia.

Classificação da bioética:

A. Nas situações cotidianas ou persistentes:

– Aborto;

– Eutanásia;

– Miséria;

– Prostituição infantil;

– Violência.

B. Nas situações de fronteiras ou emergentes:

– Nascimento e morte;

– Natureza humana;

– Sexualidade humana.

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Bioética e o sistema de saúde:

Modelo assistencial de saúde, de caráter hospitalocêntrico,induz a manutenção da reflexão bioética sobre questões doinício e fim da vida.

Reflexão bioética atual:

O contexto social de expressiva urbanização da populaçãobrasileira, ampliação da violência urbana e transiçãodemográfico-epidemiológica com o maior envelhecimento dapopulação.

Processo histórico que interliga a bioética à ética e àspráticas médicas

O alfabeto grego possui duas letras “e” longo = eta e o “e”curto = epsílon. Dessa forma, êthos com a letra eta significa:característica, modo habitual de se comportar; éthos com aletra épsilon, corriqueiro, costume, usual. O processohistórico linguístico impôs semelhança etimológica entre osdois termos: ambos estão vinculados à virtude. Talvez tambémpor essa razão, no cotidiano, a ética oriunda da tradiçãogrega tem caminhado ao lado da moral.

A palavra “moral” é de origem latina, “mores” significa“costume”, mas não qualquer costume, e sim estritamenteaderido à virtude. Assim, Kant de modo genial caracterizou aação moral, em caráter universal, plena de virtude erealizada, exclusivamente, por dever legalista, em respeito àsleis.

Em muitas circunstâncias, essa característica universal daação moral, citada por Kant, isso é, a busca incessante para

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que o comportamento humano estivesse sempre ao lado davirtude, independente do processo fiscalizador, ultrapassa asrelações sociais em si mesmas. Não é impertinência pensar queesse desejo humano, desde um passado impossível de precisar,de valorizar a virtude, como antagonismo ao vicio, seja umprocesso sócio-genético gerado ao longo da humanização, ligadoà sobrevivência desde os ancestrais mais distantes.

Incontáveis culturas, nos quatro cantos do mundo, pelo menosdesde os primeiros registros de natureza religiosa e laica,continuam lutando para instrumentalizar regras valorizando aética junto da moral como características insubstituíveis euniversais, como genialmente Kant descreveu, da condiçãohumana.

Dessa forma, é possível articular um pensamento teóricoentendendo esse conjunto como pré-social, isto é, inserido naherança genética, ao longo da ontogenia, resultando naexistência de uma ou mais memórias-sócio-genéticas (MSGs)ligadas à valorização da virtude, da moral, da ética, comoinstrumentos para adequar a sobrevivência coletiva e superaros contrários que dissolvem sem reconstruir. Simultaneamente,essas MSGs também interferem na manifestação pessoal ecoletiva dodesprezo ao vício que corrompe e compromete asobrevivência.

Esse conjunto organizador social presente nas MSGs da espéciehumana, vinculado à sobrevivência, atado ao ajuste ético-moral, no processo da ontogenia, amparando a vida pessoal ecoletiva claramente desprezando o vício (aqui compreendidocomo oposição ao ético-morais, à virtude) se manifestasocialmente por meio de categorias metamórficas, tambémpresentes nos cinco continentes, entre culturas que nuncamantiveram contato, amparando a sobrevivência pessoal ecoletiva:

É possível entender a possibilidade da existência da éticapré-social por meio de certas categorias metamórficas:

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– Linguagens-culturas;

– Idéias e crenças religiosas edificando pontes entre osseres-tempo (pessoas visíveis, mensuráveis) e os seres-não-tempo (deuses e deusas invisíveis, não mensuráveis);

– Relações médico-míticas exigindo comportamentos específicos,inseridos em éticas valorizando a fidelidade, para que osseres-tempo recebam as dádivas curadoras de doenças esofrimentos dos seres-não-tempo;

– Dores-históricas trazendo à memória certos sofrimentoscoletivos, sempre lembrados por meio do conhecimentohistoricamente acumulado e socialmente muito mais poderoso esignificativo de que as dores-pessoais. Podem atuar comoefeitos multiplicadores dos alertas pessoais e coletivos,ligadas às lembranças recentes e ancestrais, contra situaçõesvisíveis ou imaginadas que lembram dores ou ameaças dossofrimentos.

O fato de na atualidade, ainda não existem mecanismos naengenharia genética capazes de identificar os genes e asrespectivas proteínas que ativam as MGSs, não invalida aconstrução teórica da existência da ética pré-social.

É difícil atribuir a atávica busca da virtude somente àsrelações sociais!

Em incontáveis ações humanas, sejam pessoais ou coletivas, nosgrupos sociais das mais diversas etnias, nos quatro cantos doplaneta, existem fortes indicativos de esse encanto coletivopela virtude, ético-moral voltado ao bem comum, seja motivadopor impulsos que transcendem o exclusivamente social.

Sob essa perspectiva, os significantes da ética ligada àmoral, oriundos da escrita grega, com o “e” longo, o eta, oucom o “e”curto, o épsilon, reproduzem importantes eindispensáveis mecanismos sócio-genéticos da sobrevivência daespécie humana, materializados nos códigos de ética de muitas

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atividades, nas quais a ética médica é somente um deles.

Práticas e agentes da Medicina-divina, Medicina-empírica eMedicina-oficial

Ainda em torno da associação entre o ético-moral gerando obem, o bom, o melhor, antepondo-se ao vicio ligado ao mal, aomau, ao pior, é interessante assinalar um ensaio teórico paraapreender a ética médica integrada à virtude. Na tese dedoutorado, defendida em Paris, em 1955, intitulada “A éticamédica”, o professor Derrien, firmou relações conceituais daética médica voltada ao benefício do paciente, isto é, aosbons resultados das práticas médicas. No entendimento desseconceituado professor, é possível entender a virtude kantiananas práticas médicas, obrigatoriamente, ligada ao “bem”, ao“bom”, no qual o médico controla a dor e adia os limites davida, sempre festejado pelo doente. Dessa forma, seriainadmissível pensar a Medicina como uma especialidade socialpara provocar a dor ou a morte. Essa vertente ligando a éticamédica aos bons resultados entendidos como “boas práticas”,gerando bem-estar ao doente, está presente na historicidade ena maior parte das atuais abordagens teóricas referenciais.

Nesse sentido, é possível resgatar relações do conhecimentohistoricamente acumulado atando a ética médica à boa prática,entendida pelo senso comum como aquela que oferecia bonsresultados às demandas da clientela atados às ações quedeveriam, obrigatoriamente, trazem melhorias à vida pessoal ecoletiva.

A historicidade dos códigos de éticas da Medicina-divina,Medicina-empírica e Medicina-oficial se construiu entendendoos respectivos curadores como especialistas sociais que devemsaber controlar a dor e aumentar os limites da vida:

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– Medicina-divina:

Fortificada nos templos dedicados às muitas divindades, cujosagentes, sacerdotes e sacerdotisas, reconhecidos comointermediários dos seres-não-tempo, deusas e deuses curadores,com forte destaque social, ofereciam a cura e a adivinhaçãopor meio de rezas e encantamentos. Como uma facção muitoforte, nesse conjunto, os adivinhos floresciam comoalternativas para superar as adversidades futuras. Nesse caso,quem se mostrasse capaz de adivinhar o futuro para impedir adoença ou o sofrimento, além de desfrutar da imaginada ligaçãocom os seres-não-tempo, também eram reconhecidos comocuradores competentes. Apesar de terem existido outrasfórmulas divinatórias, especialmente na Mesopotâmia, a leiturado fígado do carneiro sacrificado ritualmente era a maisimportante, a ponto de terem produzidos vários textos emescrita cuneiforme, que ensinam os procedimentos maisadequados para adivinhar o futuro por meio da hepatoscopia. Épossível que a escolha do fígado como a parte corpórea maisimportante estivesse relacionada ao predomínio sanguinolentodo órgão, mesmo imediatamente após a morte do animal,reproduzindo conhecimento historicamente acumulado, muitoanterior ao sedentarismo, do sangue como elemento vital queligava os ancestrais aos outros animais. Enfim, algunsregistros, nas tábuas de escrita cuneiforme, atestam que osagentes das três Medicinas, na Mesopotâmia, além de curadorese encantadores, eram reconhecidos como exímios adivinhos. Essacaracterística dos curadores, na Mesopotâmia, não passoudespercebida aos que redigiram alguns livros do AntigoTestamento, no período do cativeiro mesopotâmico, quedemonstram forte influência da adivinhação.

– Medicina-empírica:

Desde o passado distante, nas primeiras cidades, também comforte partilha com as idéias e crenças religiosas, os agentesque compreendem parteiras, erveiros, encantadores ebenzedores, homens e mulheres sem escolaridade, exercem as

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práticas fora dos templos. Até hoje, em muitas linguagens-culturas, são respeitados e festejados. Particularmenteimportantes porque dominam certos conhecimentos historicamenteacumulados dos recursos da natureza circundante.

Heródoto, no seu extraordinário livro “História” descreveu umdia de festa, numa praça, na Mesopotâmia, quando doentes ecuradores se encontravam, para buscar as curas das doenças nosexemplos de doentes que tiveram algo semelhante e se curaramfazendo ou bebendo isso ou aquilo. Ao cruzarem com alguém queapresentava sinais e sintomas de alguma doença que sabiam comocurar, os curadores paravam para orientar, oferecer otratamento.

– Medicina-oficial:

Muitíssimo mais recente em relações as anteriores, tanto naMesopotâmia, quanto em outras culturas que se organizaram eprosperaram, no segundo milênio a.C., os processos dosaprendizados, amparados pelos poderes dominantes, na formaçãodo médico, como o único agente da Medicina-oficial, estavamdentro dos templos das divindades curadoras mais importantes.Também por essa razão, é possível compreender, historicamente,certos laços da Medicina-oficial com as idéias e crençasreligiosas. Por outro lado, também é importante relembrar que,desde aquelas culturas, tem havido inter-relação entre osagentes das Medicinas-divina, Medicina-empírica e Medicina-oficial.

A Medicina-oficial é a única que construiu, desconstruiu econtinua reconstruindo propostas teóricas para desvendar asetiologias das doenças nas dimensões cada vez menores damatéria. Historicamente, tem vencido as barreiras paradiminuir a abstração e aumentar a materialidade das doenças.

Parece razoável pressupor que o conhecimento historicamenteacumulado, desde os primeiros registros do médico comopersonagem social, se ajustou na maior inclusão dos curadores

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(aqui compreendidos tanto os médicos, como representantes daMedicina-oficial, aquela amparada pelo poder dominante, quantoos benzedores, erveiros, parteiras, sacerdotes, encantadores emuitos outros agentes da Medicina-divina e da Medicina-empírica) que obtinham melhores resultados nos respectivosprocedimentos de curas. Do outro lado, nos mesmos milhares deanos, os curadores que não conseguiam firmar o reconhecimentocoletivo em torno da competência na solução dos problemasexpostos pelos postulantes, não recebiam o reconhecimentocoletivo.

Entre esses dois grupos — aquele obtendo bons resultados e osque não satisfaziam as demandas dos doentes —, as organizaçõessociais, em diferentes instâncias, ao mesmo tempo em quereconheciam e nominavam o médico, compondo parte do conjuntodas profissões, procuraram refletir, identificar, coibir epunir a má prática médica, estabelecendo critérios naedificação da historicidade da ética do médico.

De modo geral, a má prática esteve e, de certo modo, continuamais atada ao resultado desfavorável na busca da cura dodoente, seja pessoal ou coletivo. Nenhum procedimento médico,no passado e no presente, tem sido aceito se provoca piora noestado de saúde do doente.

Esse esboço normativo ético-moral voltado aos bons resultados,no movimento de secularização das práticas médicas, claramenteexposto no Código de Hammurabi, no século 16 a.C., culminoucom o aparecimento na Grécia, no século 4 a.C., do conceito dedeontologia (do gr. déontos, “o que é obrigatório, necessário”+ logia), que evoluiu para “o estudo dos princípios,fundamentos e sistemas de moral”.

A palavra deontologia ligada à prática médica, em torno doconjunto ético-moral, apareceu pela primeira vez, em 1845, noCongresso Médico de Paris, no trabalho do médico M. Simonintitulado “Deontologia médica ou dever e direitos dos médicosno estado atual da civilização”.

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De modo geral, os códigos de ética do médico e deontologiacomportam três fundamentos estruturantes, reafirmando mais oindivíduo em relação ao coletivo, reforçando a proximidade comos bons resultados das práticas e a consequente satisfação dosdoentes. Na atualidade, caminhando paralelamente aos avançosda ciência e da tecnologia pode comportar os sequintesaspectos :

– O médico deve estar sempre a serviço do indivíduo,respeitando a vida e sua dignidade, e da saúde pública;

– O médico deve exercer a profissão com liberdade de decidir,prescrever e indicar tratamento, ao mesmo tempo em que odoente deve manter a liberdade de escolher o médico paradirigir o tratamento. Essa plena liberdade dos médicos deveestar atada ao conjunto de explicações por meio dos “termos deconsentimentos livres e esclarecidos” para que o doente tenhamaior conhecimento da doença e do tratamento proposto;

– O médico é responsável pelos seus atos entendidos comovalores de competência amparada na ciência.

De modo geral, mais entre os doentes, há dificuldade deseparar os bons resultados da má prática, isto é, se ocorreu acura da doença causadora da dor e adiando os limites da vida,não existiria má prática. Continua sendo mais impactante,desde o Código de Hammurabi, associar os maus resultados à máprática. Em associação, mais entre os médicos, na Medicina-oficial, torna-se especialmente importante separar os bonsresultados da má prática, isto é, em determinadascircunstância poderia ocorrer “bom resultado” determinado pelamá prática. É possível que alguns maus resultados estejamtambém vinculados aos incontáveis vetores de incertezas evariáveis que regem o funcionamento do corpo. Dessa forma,parece lógico pressupor que os conceitos que entendem e julgamas más-práticas e os maus resultados têm variado, nos tempos enas sociedades, junto aos processos da melhor compreensão dafisiologia do corpo.

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Esse caminhar tem sido adaptado nas propostas terapêuticas,aceitas como boas práticas, ajustadas à busca da materialidadedas doenças, na direção das menores dimensões da matéria viva.Logo, algumas ações médicas éticas, aqui compreendidas comoaceitáveis, no medievo europeu, hoje, não recebem o mesmoentendimento.

Por outro lado, Tão ou mais importante do que a obtenção dosbons resultados, a historicidade da ética do médico incluiucomo essencial na relação médico-paciente o respeito àdignidade do paciente, exposto com absoluta clareza de modogenial, pela primeira vez, no “Juramento”, da Escola de Cós,sob a liderança de Hipocrátes, na Grécia do século 4 a.C.

Construções da ética médica ajustadas à busca da materialidadeda doença nas primeiras cidades

– Mesopotâmia

Nas culturas que se desenvolveram mais intensamente, duranteno segundo milênio a. C., no Oriente, as práticas médicastambém estavam claramente dependentes das idéias e crençasreligiosas por meio de muitos deusas e deuses taumaturgos. Nãoexistia um processo teórico para explicar a saúde e a doençafora das idéias e crenças religiosas. O primeiro a reconhecere legislar a prática médica, atribuindo deveres e direitos aosmédicos e doenças, além de estabelecer o valor jurídico dopagamento pelos serviços médicos e penalidades pela máprática, foi o rei Hammurabi (1728-1686 a.C), da Babilônia,autor do código de Hammurabi.

Em 1531 a.C., o rei Hitita Mursuli I saqueou e incendiou acapital babilônica. O último descendente de Hammurabi,

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Sansuditana (1561-1531 a.C.) parece ter morrido nessa batalha.Acredita-se que os elamitas, sob o comando do reiShutruknahhum, invadiram a Babilônia no ano 1.155 a.C. elevaram como presa de guerra para Susa a pedra de dioritonegro, onde está gravado na escrita cuneiforme, o código deHammurabi.

Foi a expedição arqueológica francesa de Morgan, nasescavações da acrópole da capital elamita de Susa, quemencontrou o diorito negro com dois metros de altura, contendoo código, hoje, conservado no Museu de Louvre, em Paris.

Apesar de o código de Hammurabi não ter sido a primeiratentativa de legislar o comportamento do homem, fora dascrenças e idéias religiosas, sem dúvida, foi pioneiro parareconhecer o trabalho médico como capaz de gerar conflitosocial suficientemente forte para provocar respostadisciplinadora da autoridade dominante.

Antes de Hammurabi, outros dirigentes legislaram, no OrienteAntigo, as relações sociais do homem. Os mais conhecidosforam: o código do rei Ur-Nammu (2050-2030 a.C.), a coleção deleis de Urukagima, de Lagas, da mesma época, o código do reiBilalama, de Eshnuma, (1825-1787 a.C.) e o de Lipit-istar, deIsin, (1875-1865 a.C).

O Código de Hammurabi permite entender certos critérios,sempre em torno dos bons resultados, das leis que regiam aação médica, na Babilônia, governada pelo rei Hammurabi. Osartigos que penalizavam ou premiavam o trabalho médico estãocontidas na coluna que , regulamentava os direitos e deveresdos barbeiros, pedreiros e barqueiros.

Torna-se necessário para a compreensão da importância socialda prática médica naquela região, conhecer a divisão dosdiferentes extratos sociais. O primeiro e mais importantegrupo que compunha a sociedade babilônica, rigidamentehierarquizada, os awilum, homens e mulheres livres:

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funcionários da administração pública e pagos pelo rei,escribas, sacerdotes, comerciantes, camponeses e grande partedos soldados. O segundo grupo compreendia os muskenum. Apesarde os registros históricos serem escassos e não se sabeexatamente o papel social desempenhado por eles, sabe-se queexerciam papeis intermediários entre os awilum e os escravos.

A regulamentação da ação médica contida no código de Hamurabicita a inequívoca relação da ética do médico ligada aos bonsresultados do trabalho médico.

No parágrafo duzentos e quinze e nos seguintes consta:

– 215: Se um médico fez em um awilum uma incisão difícilcom uma faca de bronza e curou o awilum ou se abriu anakkaptum (supercílio) de um awilum com uma faca de bronze ecurou o olho do awilum: ele tomará dez sicios de prata.

– 216: Se foi o filho de um muskenum: tomará cincosicios de prata.

– 217: Se foi o escravo de um awilum: o dono do escravodará ao médico dois cicios de prata.

– 218: Se um médico fez em um awilum uma incisão difícilcom um faca de bronze e causou a morte do awilum ou abriu anakkaptum de um awilum com uma faca de bronze e o destruiu oolho do awilum: eles cortarão a sua mão.

– 219: Se um médico fez uma incisão difícil com uma facade bronze no escravo de um muskenum e causou a sua morte: eledeverá retribuir um escravo como o escravo morto.

– 220: Se ele abriu a sua nakkaptum com uma faca debronze e destruiu o seu olho: ele pagará a metade do seupreço.

– 221: Se um médico restabeleceu o osso quebrado de umawilum ou curou um músculo doente: o paciente dará ao médicocinco sicios de prata.

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– 222: Se foi o filho de um muskenum: dará três siciosde prata.

– 223: Se foi o escravo de um awilum: o dono do escravodará dois sicios de prata.

– 224: Se um médico de boi ou de jumento dez uma incisãoprofunda em um boi ou em um jumento e curou-o: o dono do boiou do jumento dará ao médico como seus honorários meio siciode prata.

– 225: Se ele fez uma incisão difícil em um boi oujumento e causou a morte do animal: dará ao dono do boi ou dojumento a metade do seu valor.

Após quase quatro mil anos de o Código de Hammurabi ter sidoelaborado, existem diversos pontos naquelas leis que merecemreflexão:

– A primeira legislação do trabalho médico fora da influênciadas idéias e crenças religiosas;

. Monetarização do trabalho médico para os agentes dasMedicina-divina, Medicina-empírica e Medcina-oficial;

– Os agentes da cura, inclusive o médico, recebiam de acordocom a complexidade do trabalho, com o sucesso alcançado pelotratamento e com a camada social do doente;

– A penalidade mais severa se o mal resultado fosse em alguémlivre e socialmente destacado.

Como as leis também surgem a partir das necessidades sociais,é admissível supor que as leis babilônicas, no Código deHammurabi, foram feitas para coibir o grande número de mausresultados que geravam conflito social.

A divisão histórica das sociedades em estamentos, comimportâncias diversas, cujos componentes exerciam diferentesfunções, consolidou práticas médicas também distintas, de

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certo modo, semelhante as da atualidade, nos quatro cantos domundo.

As principais fontes históricas que fornecem informações daspráticas médicas, na Mesopotâmia, são as tábuas de escritacuneiforme da biblioteca de Assurpanibal e Hammurabi, pinturasesculturas do período de Hammurabi. Os registros tambémapontam que o médico babilônico, agente da Medicina-oficial,iníciou o processo consistente laicizador da boa e da mápráticas, quanto:

– Entender e dominar as formas e funções do corpo;

– Estabelecer parâmetros do normal e da doença;

– Vencer as limitações impostas pelo determinismo da dor e damorte fora de controle.

Um dos fortes indícios de prática construída na Medicina-oficial e executada por médicos, reconhecidos pelas estruturasde poderes, é exatamente o Código de Hammurabi, do fim doséculo 16 a.C. Na realidade, constitui a primeira estrutura deleis contendo os direitos e deveres dos médicos, estabelecendoo pagamento pelos bons serviços e severas punições pela máprática, associando a boa Medicina ao bom resultado. Também éinteressante assinalar que os preços e castigos variavam deacordo com o estamento social do doente. Os maiores preçospelos serviços prestados e castigos mais severos pelos mausresultados estavam ajustados aos doentes mais ricos esocialmente importantes.

Os registros médicos nas tábuas de argilas são claros quantoas descrições precisas de muitas doenças: malária, hepatite,tumores no pescoço, amigdalite, fraturas com ou semcomplicações, febres, transtornos mentais e outras.

Dos 282 artigos do Código de Hammurabi, 12 deles regulavam ostrabalhos dos médicos, contidos num conjunto de outros quetambém tratava dos direitos e deveres dos veterinários,

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barbeiros, pedreiros e barqueiros;

– As 12 leis que identificavam as boas e más práticas médicasestão voltadas aos resultados de cirurgias. Como as leis sãoconstruídas para controlar as situações sociais conflituosasafetando a coesão social, é possível teorizar que os conflitosentre médicos e doentes eram mais significativos nosprocedimentos invasivos;

– Os direitos e deveres dos médicos que executavamprocedimentos invasivos e os dos doentes submetidos àscirurgias estavam vinculados, estritamente, à ordem escravistanuma sociedade rigidamente hierarquizada. Nesse sentido, opagamento pela boa prática e o castigo para má prática, eramproporcionais à importância social do doente, respectivamente,quanto maior a posição social do doente, mais dispendioso opagamento e os castigos mais severos;

É importante ressaltar que o Código de Hammurabi legislando demodo explícito os direitos e deveres dos médicos e doentes,somente nos procedimentos cirúrgicos, em detrimento de outrosque não foram citados, sugere que os conflitos sociaisdeterminados pelas más práticas e/ou maus resultadosalcançaram níveis de conflitos suficientes para gerarrespostas administrativas.

Novamente, parece ser adequado refletir que esse controle daprática médica valorizava mais o pessoal, voltado aos bonsresultados. Dito de outra forma, pelo menos desde o Código deHammurabi, estava presente o pressuposto de associar a boaprática médica ao bom resultado, que beneficia o doente.

Dessa forma, na Mesopotâmia, no período Hammurabi, apesar deas doença ser considerada como mal determinado pela vontadedos deuses e deusas, foi iniciado o processo laico para ocontrole das atividades profissionais dos médicos.

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Egito

As principais fontes históricas que fornecem informações daspráticas médicas, no Egito, são:

– Livro de Heródoto, “História”;

– Livro de Deodoro de Sicília, “Livro Sagrado”;

– Papiros que receberam os nomes das pessoas que divulgaram osrespectivos conteúdos, Smith, Eberth.

Do mesmo modo que na Mesopotâmia, no Egito no segundo milênioa.C.:

– A doença era considerada como mal causado pelos deuses edeusas como forma de castigo ao desobediente da vontadedivina;

– A inter-relação da Medicinas–divina, Medicina-empírica eMedicina-oficial;

– Inexistência de processo teórico capaz de estruturar aMedicina-oficial fora das idéias e crenças religiosas;

– Os tratamentos eram espécies de receitas de bolo, usadas semvariações. Contudo, algumas são particularmente muitointeressantes porque além de prescreverem corretamente, como ouso do digital para as doenças do coração, adicionavamprognósticos, em duas vertentes, as doenças curáveis e asincuráveis;

– O médico era um especialista social reconhecido e remuneradopela administração do faraó;

– Os médicos com diversas especialidades e funçõesadministrativas eram identificados com nomes diferentes,prestavam serviço em várias áreas do reino: na corte, templos,minas e cidades conquistadas.

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É possível que os conflitos entre médicos e pacientes nãotenham alcançado níveis suficientemente intensos para gerarrespostas junto à administração do faraó. No Egito, do segundomilênio a. C., não se conhecem registros específicos decódigos que regessem, a exemplo do de Hammurabi, as práticasmédicas.

Os papiros de Smith e Ebers descrevem vários quadros clínicoscom muita precisão, as receitas médicas como receitas de bolo,sem qualquer vestígio de processo teórico para explicar asaúde e a doença. Mesmo sob esse ponto de confluência com aMedicina mesopotâmica, também não ha registro no Egito antigode tentativa sistematizada de laicizar o diagnóstico eterapêutica.

Construções da ética, na Grécia, anterior ao século 4 a.C.

As principais fontes históricas são os dois livros de Homero,“Ilíada” e “Odisséia”, que fornecem informações quanto àexistência de práticas médicas semelhantes as da Mesopotâmia edo Egito. Apesar de existir a Medicina-oficial e médicosreconhecidos socialmente, eram muito fortes as relações daspráticas médicas com deuses e deusas curadores e/ouprovocadores de doenças.

Como nas culturas que se desenvolveram nas margens de rios elagos férteis, na Mesopotâmia, Índia e Nilo, na Gréciahomérica não havia um processo teórico para entender aMedicina fora das crenças e idéias religiosas e a doença eraconsiderada como mal e causada pela vontade dos deuses edeusas.

Do mesmo modo, apesar dessa forte ligação, os representantesdas três Medicinas, divina, empírica e oficial, tambémpensaram e praticaram tratamentos para curar as feridas da

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guerra de Tróia, com claros registros nos livros de Homero,para controlar a dor e ampliar os limites da vida. Esse genialescritor e historiador grego, nos extraordinários livros“Ilíada” e “Odisséia”, apesar da forte presença dos deuses edeusas dos panteões gregos amparando as práticas médicas,existem dezenas de descrições cheias de detalhes de condutascirúrgicas e curativos, fartas de competências, indicadas paraos ferimentos de guerra. Nessas circunstâncias, os bonsresultados dos médicos, especialmente os obtidos pelos exímioscirurgiões, filhos de Hipócrates, Macaon e Podalírio,receberam fervorosos elogios.

Os registros enaltecem os bons resultados do trabalho médico edistinguem a pericia do curador, seja humano, um deus ou umadeusa. Esse imbróglio avizinha a prática médica grega pré-socrática, entre os séculos 7 e 5 a.C.,das Medicina-divina,Medicina-empírica e Medicina-oficial, praticadas no segundomilênio a.C., nas culturas mesopotâmica e egípcia, todas semregistros de processo teórico para explicar a saúde e a doençafora das crenças e idéias religiosas.

Desse modo, a ética do médico na Grécia anterior ao século 4a.C., está ligada ao bom resultado.

Construções da ética médica ajustadas à busca da materialidadeda doença na Grécia do século 4 a.C.

O marco organizador da nova e fundamental etapa da Medicina naconstrução dos procedimentos éticos atados à busca damaterialidade da saúde e da doença, foi a escola de Cós, sob aliderança de Hipócrates. Apesar de saber-se, pelos indicativosetimólogos e lingüísticos, que das 72 obras contidas no “CorpoHipocrático”, como é conhecido o conjunto de textos produzidosna ilha de Cós, somente 12 foram reconhecidamente escritos porHipócrates. Esse extenso conjunto filosófico e médico iniciou

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o processo da separação, ainda em curso, da Medicina-oficialdas idéias e crenças religiosas.

Nesse contexto, um dos livros mais importantes foi escrito porPolíbio, genro de Hipócrates, que elaborou a teoria dos QuatroHumores, a primeira estrutura edificada com o objetivo deexplicar a saúde e as doenças fora das idéias e crençasreligiosas. O processo teórico explicita o corpo humanoconstituído de quatro humores: sanguíneo, linfático, biliosoamarelo e bilioso preto. A saúde seria consequente aoequilíbrio dos humores e a doença apareceria após odesequilíbrio, isso é, a predominância de um sobre os outros.

É importante ressaltar que Políbio estratificou a teoria dosQuatro Humores atada à mais antiga teoria dos Quatro Elementosde Empédocles. Esse genial médico e filósofo pré-socrático,tentando entender o mundo, fora das idéias e crençasreligiosas, explicou mundo visível pormeio da combinação dequatro elementos fundamentais: água, terra, fogo e ar. Dessemodo, para cada elemento de Empédocles, existiria um humor.

Com imediata resposta à genialidade de Políbio, duastransformações mudariam, definitivamente, a Medicina noOcidente:

– As terapêuticas ficaram mais livres da presença dos deuses edeusas curadoras e firmaram propósito para retirar do corpoo(s) excesso(s) do(s) humor(es) desequilibrado(s), por meiodas sangrias, suadouros, diarréias, vômitos e diurese.

– O primeiro código de ética médica – Juramento de Hipócrates– com admirável avanço indicou, simultaneamente, a necessidadedos bons resultados estarem unidos ao respeito à dignidade dodoente.

Por essa razão, usando a linguagem do filósofo francêsBachelar, é possível considerar esse acontecimento – a teoriados Quatro Humores – como o primeiro corte epistemológico daMedicina-oficial.

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O professor Joffre Marcondes Rezende, em 2003, publicou artigoresgatando a historicidade e a disponibilidade dos manuscritosmais antigos do Juramento e assinalou pontos marcantes doJuramento de Hipócrates:

– Bons resultados e respeito à intimidade e autonomia dodoente;

– Competência, sigilo e responsabilidade profissional.

Em acréscimo ao estudo do professor Joffre, é possível juntaralguns argumentos para enaltecer o Juramento de Hipócrates. Aordenação ética sob a liderança de Hipócrates (460-375? A.C.),na Escola Médica de Cós, ocorreu no esplendor grego,contemporâneo de Sócrates (468-399 a.C.) e de Platão (429-347a.C) e da luta entre a democracia ateniense e a oligarquiaespartana na guerra do Peloponeso. É também desta fase obrilho da inteligência dos sofistas Gorgias de Leontino eProtágoras de Abdera. Nesse ambiente de intensa elaboraçãointelectual nasceu a base teórica da ética da Medicina.

Sem dúvida, Hipócrates era muito conhecido e respeitado comomédico de excepcional capacidade técnica, atuando de acordocom as normas e preceitos estabelecidos pelos padrões sociaisda época. Uma das testemunhas desse reconhecimento foi Platão,que o mencionou nos livros “Protágoras” e “Fédon”.

Essas conjunções de fatores contribuíram para a cristalizaçãoda ética nascida na Escola de Cós, acrescidas dos livros dePlatão, que além de reconhecer a notabilidade de Hipócrates,deixam claros algumas características da Medicina grega desseperíodo, com forte influência dos conceitos jônicos danatureza, entre os mais importantes a noção de físis, comoelemento de ligação à materialidade da Medicina.

Nesse contexto, com certa influência jônica das igualdades doclima sobre todos, no extraordinário livro “Leis” (857D e 720C-D), pela primeira vez na História, Platão expôs a marcantediferença entre as práticas médicas nos ricos e pobres. De

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modo satírico, Platão descreve que quando os médicos estãocontando pessoas ricas, explicam detalhadamente a doença e ascaracterísticas do tratamento. Ao contrário, quandoconsultavam os escravos, as consultas eram rápidas, semqualquer explicação sobre a doença e o tratamento.

Um exemplo marcante da presença do pensamento jônico é o livro“Dos ventos, águas e regiões”, de autor desconhecido, doséculo 4 a. C., que assegura a impossibilidade de ser bommédico os que não conheciam as características das estações doano, o clima, os ventos, as águas e o curso do Sol.

Historicamente os médicos gregos, do século 4 a.C., foram osprimeiros que refutaram a forte ligação da Medicina com osdeuses e deusas curadoras do panteão grego, no livro “DoençasSagradas”, no qual afirma que as doenças ditas sagradas, comoa epilepsia, que era atribuídas aos castigos dos deuses e eramtratadas pelos sacerdotes e mágicos por meio de proibições,purificações e encantamentos, nada continham de sagrado e eramconseqüência de causas naturais. Essa enorme diferençadistanciou a Medicina grega das que floresceram naMesopotâmia, Egito e Índia dos primeiros milênios a.C. Dessemodo, também interferiu para a construção de outra ética, queiria consolidar no “Juramento” da Escola de Cós.

Se na Mesopotâmia, nos tempos de Hammurabi, o código laicizouas remunerações pelas boas praticas e os castigos pelas máspráticas, o “Juramento”, conhecido como de Hipócrates,definitivamente, marcou os pilares éticos da relação médico-paciente, e iniciou o processo de adaptação do código de éticado médico às mudanças futuras sociais, políticas etecnológicas.

Em uma das melhores traduções oferecida pelo trabalho do Prof.Joffre, o Juramento reza:

“Eu juro por Apolo, médico, e Esculápio, Hígia e Panacéia etodos os deuses e deusas, que de acordo com minha habilidade e

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julgamento, cumprirei este juramento e estes compromissos:respeitar quem me ensinou esta arte como se fora meu pai;repartir com ele os meus bens; suavizar suas necessidades, sefor necessário; olhar para seus filhos como se fossem meusirmãos; ensinar-lhes esta arte se quiserem aprendê-la, semretribuição nem condições de espécie alguma; e pelo preceito,leitura e qualquer conhecimento da arte aos meus própriosfilhos e aos dos meus mestres e discípulos ligados porcompromisso ou juramento, conforme a lei da Medicina, mas aninguém mais. Seguirei aqueles que de acordo com a minhahabilidade e julgamento considerar benéficos aos meus doentese me obsterei de tudo que for nocivo e deletério. Não dareivenenos mortais a ninguém (1). Mesmo que seja instado, nemdarei a ninguém tal conselho e, do mesmo modo, não darei àsmulheres pessário para provocar aborto (2). Viverei epraticarei a minha arte com pureza e santidade. Não operareios que sofrem de pedra, mas deixarei que isto seja feito porhomens que são práticos nesses ofício (3). Qualquer que seja acasa em que penetre, lá irei em benefício dos doentes eabster-me-ei de qualquer ato voluntário de maldição oucorrupção e ainda da sedução de mulheres, jovens, libertos eescravos. Tudo aquilo que tenha relação com a prática da minhaprofissão, vir ou ouvir da vida dos homens, que não deve serdivulgado, não divulgarei, respeitando tudo aquilo que devaficar secreto. Enquanto conservar sem violação este juramento,que me seja concedido gozar a vida e a prática da arterespeitado por todos os homens em todos os tempos. Que outroseja o meu destino se transgredir ou violar este juramento”.

O caráter sagrado envolvendo o Juramento e as alusõesassociativas da Medicina com uma espécie de doutrina deiniciados, parece ter relação com os ritos pitagóricos eórficos.

O Juramento de Hipócrates algumas afirmações que podem receberanálise crítica:

1. “Seguirei aqueles que de acordo com a minha habilidade e

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julgamento considerar benéficos aos meus doentes e me abstereide tudo que for nocivo e deletério. Não darei venenos mortaisa ninguém”:

É difícil assegurar se tratar da exclusiva crítica à eutanásiaou, por outro lado, dos cuidados para evitar medicamentosutilizados na época, que poderiam causar a morte, como oheléboro (erva Medicinal do gênero Veratrum da família dasliláceas, que contém o alcalóide veratina com propriedadesanalgésicas);

2. “Mesmo que seja instado, nem darei a ninguém tal conselhoe, do mesmo modo, não darei às mulheres pessário para provocaraborto“.

A proibição do aborto é um dos aspectos mais curiosos do“Juramento”. Nenhum médico hipocrático o condenou, salvo pelascomplicações que podiam ocorrer, em especial, a morte dagestante. Entretanto, existe documentação que sugere ser oaborto religiosamente impuro;

3. “Viverei e praticarei a minha arte com pureza e santidade.Não operarei os que sofrem de pedra, mas deixarei para serfeito por homens que são práticos nesse ofício”.

Este parágrafo é um dos mais polêmicos. Apesar da litíase dabexiga (do grego lithes= pedra) ter sido bem conhecida,naquela época, eram grandes os riscos da realização dacirurgia, para retirada, quase sempre provocando a morte dodoente. A frase “por homens que são práticos nesse ofício”insinua o médico hipocrático preocupado com a má reputação deter provocado a morte de um paciente.

Os três trechos podem, sim, fortalecer a idéia de que a maiorde todas as preocupações éticas do médico grego era preservara vida. O médico não poderia ser o agente da morte advinda naterapêutica!

O “Juramento”, voltado ao interesse do doente, mesmo com forte

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presença das idéias e crenças religiosas ainda no parágrafointrodutório, é o estágio divisor entre o antes e depois nahistória da ética médica. Desse modo, em grande avanço paramelhor em relação ao Código de Hammurabi, a Medicina iniciououtra fase – ser útil, não ser nociva à vida humana (primumnon nocere) –, mantendo ainda mais forte relação com entre aboa prática e os bons resultados, em especial evitando a mortee não participando de nenhuma terapêutica que pudesse causar amorte. A segunda mudança também importante foi a introdução dosegredo médico. A vertente dominante para conceber a Medicinacomo suporte à vida, jamais causando malefício, também estáclaramente, fixada no juramento ao condenar o aborto e acirurgia para a retirada da pedra da bexiga, ambas quasesempre determinando a morte do doente. E, principalmente,médico entendido como o agente das ações.

No mesmo “Tratado Ético”, no capitulo “A Lei”, Hipócratesafirma na primeira fase: “A Medicina é de todas as profissõesa mais nobre, e, entretanto, por ignorância dos que já aexercem e a julgam superficialmente, ela é apresentada noúltimo plano… Mas as coisas sagradas se revelam somente aoshomens sagrados, e é proibido de ensinar aos profanos e aosque não são iniciados nos mistérios da ciência”. Parece nãohaver dúvida do fato de teóricos da Escola de Cós, ao mesmotempo em que afastavam as idéias e crenças religiosas daspráticas médicas, mantiveram a “sacralidade” da Medicina. Aomesmo tempo, essa parte do texto indicando o desprezo pelaMedicina e pelos médicos, por parte de algum segmento socialimportante, a aproximação dos ritos órficos pode ter sido aalternativa para afastar a resistência.

Um dos vestígios históricos mais impressionantes dessa ligaçãoda Medicina com os ritos do panteão grego é a data decomemoração do dia do médico – 18 de outubro -, quecorresponde, na mitologia grega, o dia em que os deus-médicoAsclépio, filho de Apolo, era celebrado na Grécia Antiga.

Ao lado desses extraordinários avanços e controle ético da

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Medicina-oficial, a Medicina- divina e Medicina-empíricacontinuavam presentes na estrutura social.

Asclépio, o deus protetor da Medicina, filho de Apolo, tambémtaumaturgo, e da bela Corones, era festejado no dia 18 deoutubro. Asclépio foi educado pelo centauro Quirão para sermais cirurgião do que médico, talvez para proteger oscirurgiões, já que naquela época as complicações das cirurgiaseram mais frequentes se comparadas com as práticas médicas nãoinvasivas.

Ainda sob a perspectiva de proteger a vida, a construção dopanteão de Asclépio deixou o legado de duas filhas, Higia ePanacéia, vinculadas aos tratamentos clínicos, e dois filhos,Podalírio e Macaão, citados por Homero, que se distinguiramcomo cirurgiões na guerra de Tróia. Nos séculos seguintes,Asclépio também representado por uma serpente enrolada numbastão da madeira, recebeu fama inimaginável, algumas vezespromovendo ressurreições dos mortos e curando todos os doentesque não conseguiam a saúde pelos favores de outros deuses edeusas. Contudo, temendo que a ordem do mundo fosse alteradapelas ressurreições, Zeus determinou a morte de Ascépio com osraios das Cíclopes.

Mais uma vez, a mitologia grega se ajustava à realidade docotidiano: ressuscitar os mortos não faz parte da natureza domundo!

Reconstruções da ética médica grega ajustadas à busca damaterialidade da doença em Roma antes da cristianização

Após a conquista militar romana da Ásia Menor e da Grécia, nosanos vinte, do século 2 a.C., ocorreu certo esvaziamentopolítico-econômico de algumas cidades-estados gregos que nãointeressavam ao poder romano. Os médicos dessas cidades,

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alguns sob forte influência da Escola de Cós, migraram paracidades romanas importantes.

O forte conjunto organizador romano impôs severo controle dasaúde pública aumentando a oferta de água potável por meio dosaquedutos, coleta dos esgotos, banhos púbicos, rígida regraspara o sepultamento fora do perímetro urbano, aterro dospântanos, presença do médico pago pelo poder público em muitascidades. No Império de Adriano, no século 2 d.C., os médicosforam dispensados do serviço militar e, nessa época, a maiorparte das cidades romanas, mesmo as nos territóriosconquistados, tinha médico remunerado pela administraçãopública.

Possivelmente para suprir a demanda crescente de médicos nosnovos territórios conquistados, Júlio Cesar ampliou asprerrogativas oferecidas por Diocleciano e ofereceu aosmédicos os direitos de cidadão romano e prerrogativas fiscais.

Claudio Galeno, um dos mais conhecidos médicos romanos, noséculo 1, construiu a teoria dos Quatro Temperamentos, aoadicionar um temperamento específico para cada um dos humoresda teoria de Políbio: fleumático, sanguíneo, bilioso preto ebilioso amarelo. Desse modo, atenuou a excessiva generalidadeda teoria dos Quatro Hunmores e possibilitou individualizar aspossibilidades de as pessoas adoecerem quando abrigassem certotemperamento.

Assim, se alguém estivesse com “um humor desequilibrado” epossuísse determinado “temperamento dominante”, seria maissuscetível de ter certa doença. Hoje, ao se fazer essareconstrução parece tudo sem sentido, mas é importanteressaltar que as teorias dos Quatro Humores e a dos QuatroTemperamentos eram de muito fácil compreensão e se situavamfora dos poderes dos deuses e deusas taumaturgos greco-romanos.

Os processos teóricos das teorias de Políbio e Galeno foram

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tão competentes e de execuções tão magnificamente simples,certamente, apresentaram resultados muito melhores comparadosaos anteriores, que atravessaram incólumes o medievo europeu epermaneceram intocados até a primeira metade do século 19,quando o viajante alemão Von Martius, esteve no Amazonas, em1844, entendeu os índios: “de temperamentos fleumáticos, compouco sangue”, com o objetivo de explicar a equivocada leituraocidental do comportamento passivo dos indígenas quandocomparado ao dos europeus.

Nesse período, até a metade do século 2, não ocorreu outroensaio teórico em torno da ética médica. Continuaram valendoas publicações da Escola de Cós, especialmente a parte voltadaaos bons resultados.

É possível que no fim do século 2 os médicos gregos ocupassemlugares destacados na estrutura administrativa da Medicinaromana. Esse fato provocou forte resistência, entre oscidadãos romanos mais cultos, gerando queixas pessoais ecoletivas que fazem pensar que tenham se distanciado dospreceitos hipocrático. Plínio, o Velho, no seu livro“Histórias Naturais” e o historiador Marco Pórcio Catãofizeram severas críticas pelos maus resultados dos médicosgregos.

Como resposta da administração aos descaminhos ético, no fimdo século 3, o imperador Júlio Cesar assinou a Lei Aquília e aLei Cornélia que puniam severamente a prática do aborto e como banimento dos médicos que provocasse a morte do doente.

Outra vez, é importante ressaltar que os maus resultados dosmédicos gregos migrantes da Ásia Menor, determinante conflitosentre doentes e a administração imperial, forçou a adiçãodessas novas leis restritivas.

Construções da ética médica ajustadas à busca da materialidadeda doença no medievo europeu

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O processo da cristianização de Roma, durante o reinado doConstantino e após, fruto do enfraquecimento das fronteirasromanas, pelas invasões dos godos e visigodos, introduziumudanças no sistema mercantil escravista para o feudal e,entre muitas mudanças em outros aspectos da organizaçãosocial, alcançou a ética da prática médica.

Nesse processo complexo, a Medicina se distanciou dosconceitos gregos jônicos da físis e se aproximou da doençacomo mal, como castigo pela afronta a Deus, já valorizada nasculturas da Mesopotâmia, Egito e Grécia antes do século 4. Sempretender simplificar muito, o tratamento mais importante paraa doença como mal, seria a força de Deus e de Jesus Cristointervindo para promover a cura por meio do milagre.

É possível compreender essa abordagem, que motivou outrosconceitos teóricos à ética e moral, alcançando também aspráticas médicas, como regressão às conquistas greco-romanas.Essas mudanças também provocariam desconstrução urbana, nomedievo cristão europeu, com as administrações das cidades sedescuidando dos cuidados com a higiene pessoal, ruasestreitas, casas abafadas e sem exposição solar, absolutodesabastecimento de água potável, retorno do enterramento doscorpos nos limites urbanos e ausência de esgoto sanitário.

É possível que os banhos públicos, presentes na sociedaderomana, usados simultaneamente por homens, mulheres ecrianças, entendidos como local de excessiva exposição doscorpos propiciando maior exacerbação da sexualidade, tenhamsido um dos aspectos que a nova ordem cristã se empenhou paracombater. Esse fato associado às outras importantes mudançasno urbanismo das cidades, sem dúvida, alcançou o novo mundocristão em ascensão, inclusive e especialmente a práticamédica, fechando as escolas de Medicina e interditando omanuseio do corpo morto para o estudo da anatomia. Esseconjunto complexo fulminou as práticas médicas grego-romanas,

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sob a égide da ética hipocrática, e introduziu outro processomonolítico ideológico, sob forte fiscalização eclesiástica,reconstruindo outra ética na Medicina, que se estenderia até abaixa idade média.

As novas concepções éticas das práticas médicas impostas pelacristianização européia mudaram a herança da Medicina greco-romana!

Os serviços profissionais dos agentes da Medicina-divina,Medicina-empírica e Medicina-oficial, até então entendidascomo trabalho profissional remunerado, passam para a categoriados trabalhos que deveriam seguir o exemplo de Jesus Cristo edos apóstolos, cujos sacerdócios incluíram muitas curasmilagrosas.

Finalmente, o milagre cristão passou a ser a principalmotivação da cura das doenças e malefícios.

A ética da Medicina absorveu, na Roma cristianizada, oentendimento da doença, como consequência da desobediência aDeus, Jesus Cristo e aos santos, se transformou em sinônimo decastigo. Com as escolas de Medicina fechadas, o ciclo deformação de médicos interrompido, sem opções, foramintensificadas as peregrinações aos santuários católicoscuradores, especialmente, Jerusalém e Santiago de Compostela,na Espanha, e devoção aos santos com poderes de curardeterminadas doenças.

Com o fechamento das escolas de Medicina, a partir do final doséculo 5, as práticas médicas se aproximaram dos abadias emosteiros, onde padres e freiras prestaram assistência aosdoentes sob a égide da ética e da moral cristã.

Nesse período, sob a guarda das proibições eclesiásticasimpondo nova ordem à ética médica, impedindo as práticascirúrgicas, mais duramente a partir do século 9, certamentemotivadas pelos maus resultados, as necessidades sociaisbuscaram caminhos alternativos para sanar as dificuldades.

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A partir do século 10, existem muitas referências sobre umpersonagem estranho e temido, que preencheu os espaços vaziosdeixados pela proibição eclesiástica da prática cirúrgica: ocirurgião-barbeiro. Sem qualquer formação médica e vínculoinstitucional, esses homens andarilhos percorriam os caminhosentre as cidades medievais, cortando cabelos, barbas e unhas,sem qualquer obrigação ética, amputavam membros gangrenados,lancetavam abscessos, quase sempre seguidas de morte dosdoentes. Em determinas situações, essas mortes causadas pelaprática dos cirurgiões-barbeiros, causavam intensos conflitoscom a família e ou com a administração dos burgos. Muitasvezes, a revolta popular contra à má prática médica, em grandeparte consequência da cristianização da Medicina, se voltavacontra o poder laico dos burgos e os cirurgiões-barbeiros. Emcertas cidades, quando provocavam a morte de alguém comimportância social, para evitar o linchamento, eram obrigadosa fugir rapidamente.

A Medicina sem rumo, regida pela ética atada aos dogmascristãos, cada vez mais fechada sob si mesma, no interior dasabadias e conventos, distante das recomendações hipocráticas,os padres sem preparo médico que exerciam a Medicina fora dosmuros das instituições cristãs, provocaram tantos conflitos,inclusive com a destruições de igrejas e monastérios,motivados pela má prática nos procedimentos cirúrgicos, comoos cirurgiões-barbeiros, causando sequelas e mortes, obrigandoque as autoridades cristãs, nos Concílios de Rems (1131) e deRoma (1139), proibiram que os religiosos exercessem a Medicinafora das abadias e mosteiros.

Ao mesmo tempo, os grandes teóricos do cristianismo comoAbelardo, em Paris, Bernard, em Chartre, e Tomas de Aquino,entre outros, iniciam o processo de resgate doutrinário dasobras de Platão e Aristóteles, ajustando-os aos preceitoscristãos, determinando novas leituras da ética cristã, quetambém alcançaram a ética da Medicina.

Especialmente, Abelardo, considerado um dos príncipes

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intelectuais da igreja, como professor da inicianteUniversidade de Paris, semente da futura Sorbonne, quefuncionava junto à catedral Notre Damme, na época, emconstrução. Esse notável sacerdote defendeu de forma enfática,junto aos seus alunos, filhos de burguesas abastados oureligiosos importantes, outras leituras bíblicas para amenizaralguns dogmas, frutos de equivocadas interpretações bíblicas.

No século 13, para alguns grupos sociais, houve melhorescondições para construir outros patamares com o podereclesiástico com o objetivo de ajustar as práticas médicas àsnovas realidades, especialmente, certos comerciantes ecirurgiões-barbeiros mais esclarecidos.

Jean Pitard, um dos mais conhecidos cirurgiões-barbeiros, comfácil trânsito com o poderoso arcebispado de Paris, fundou aConfraria dos Cirurgiões, sob a guarda de São Cosme e SãoDamião. Pela primeira vez, desde o desmonte das práticasmédicas greco-romanas, da tradição hipocrático-galênica,alguns cirurgições-barbeiros que aderiram à Confraria,introduzem outras normas éticas voltadas aos bons resultadossem esquecer as marcas da caridade cristã. Ao manterem o clarovínculo com o poder eclesiástico, escolhem a sede próxima dacatedral Notre Dame, vestem roupas diferenciadas que osdistinguem dos que permaneceram contrários ao novo códigoético das confrarias.

A laicização da caridade, reafirmando as diretrizes neo-testamentárias, compondo um Deus que perdoa e sublima oconfronto e o contrário, antepondo-se ao Velho Testamento, temsido reconhecida como um dos mais importantes instrumentosteóricos da cristianização, identificado na afirmação deFrançois-René Chateaubriand: “A caridade, virtudeabsolutamente cristã e desconhecida dos antigos, nasceu comJesus Cristo; é essa a virtude que distingue o homem dosoutros mortais e foi o selo de renovação da natureza humana”.

Dessa forma, as corporações, confrarias e irmandades como

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instituições cristianizadas, amparavam certas setoresespecíficos de trabalhadoras e suas famílias, em váriascidades do medievo europeu, entre os séculos 14 e 15, seaproximaram da Igreja. Outra vez, a mobilidade da Igrejaconseguiu manter a presença na reconstrução das práticasmédicas e de outras profissões de clara importância no medievoeuropeu.

As decisões do Concílio de Trento, entre 1545 e 1563,colocando a Igreja em sintonia com os Estados fortes, parasuperar o avanço das idéias luteranas, também ampararam aética médica que motivou os primeiros hospitais. Essasconstruções insalubres recebiam doentes de todas as naturezas,levados pelas famílias que não os desejavam por perto, sob aassistência dos abnegados religiosos sem preparo médico, elesmorriam rapidamente. O Concílio de Trento moldou as bases nacaridade laicizada, como a unção dos enfermos como sacramentoe o reconhecimento de leigos na graça santificante.

Graças a esse concílio, a autorização eclesiástica foiformalizada para os que exercitassem a caridade cristã, teriama garantia do acesso ao Reino de Deus. Os homens e as mulheresricas encontraram na abertura conciliar a argumentação parajustificar a postura de amparo aos enfermos e necessitados coma recompensa da ida para o paraíso após a morte. Essepressuposto oferecia a quem fazia caridade a plácida sensaçãode estar garantindo a entrada no Reino, sem falar noagradecimento recebido pelo poder temporal da Igreja e doEstado, ambos interessados em repassar as tensões sociaisagravadas pela peste, fome e miséria, que flagelavam a vidados despossuídos.

A intensificação da caridade, como instrumento de controlesocial, conseguiu atenuar o brutal contraste entre os poucoscom muito dinheiro com a maioria esmagadora sem nada. Essaúltima parcela, homens e mulheres sem senhor, constituíam ashordas de mendigos itinerantes entre os burgos, que assaltavame matavam os que viajavam sem a proteção dos cavaleiros dos

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senhores feudais. Nessa parcela da população que se abateramos rigores da fome e dos primeiros surtos da peste negra.

As corporações, confrarias e irmandades, inclusive a Confrariados Cirurgiões, fundada por Jean Pitart, parecer ter sidoparte da resistência dos trabalhadores que continuavam àmargem das melhores fatias da organização social da alta IdadeMédia. O aperfeiçoamento desse processo de resistênciacontribuiu para o surgimento dos grupos de proteção mútua, nosmoldes da compagnia fundada em Gênova em 1099 e financiadapelos marítimos.

Apesar dos poucos registros escritos, devem ter existidomuitas organizações dedicadas à guarda do interesse coletivode grupo de trabalhadores especializados. A encontrada emValenciennes, floresceu entre 1050-1070, tinha umacaracterística predominantemente laica, enquanto que a deSaint-Omer, ativa entre 1072-1080, era de naturezaeclesiástica. Algumas delas já apresentavam rígida estruturaadministrativa, com um órgão de decisão (capitulum), um líder(décani) e uma sede (Guildhus).

A inserção das corporações, confrarias e irmandades, surgiramfortalecidas em regras protecionistas de solidariedadeeconômica e social, em articulação com a hierarquia dasautoridades religiosas e laicas. A Igreja se manteve próximadessa nova articulação social compreendeu a importânciahistórica e estimulou novas alianças a partir de estreitasligações com os líderes, especialmente, na Confraria dosCirurgiões, já que os cirurgiões-barbeiros se mantinham forada ordem eclesiástica. É importante relembrar que oaparecimento desse personagem social, o cirurgião-barbeiro,foi consequente da resposta social à interdição intolerante daIgreja à dissecção do corpo morto para fim de estudo daanatomia e ao fechamento das escolas de Medicina.

As corporações, confrarias e irmandades ofereciam novo tipo deproteção aos membros, sob a presença dos santos mais

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importantes ou ligados à tradição religiosa da região. Apróspera corporação de lanifício de Florença, com cerca devinte mil operários e duzentas oficinas, pode representarmuito bem esse interesse eclesiástico: a sede dessa ricacorporação, o Palácio da Lã, se ligava por meio de uma pontecom a Igreja Orsanmichele.

O aumento da circulação de moeda e do comércio pode tercontribuído para forçar, por parte da população maisorganizada, o preenchimento de um espaço vazio da organizaçãosocial na assistência à saúde e à velhice, já que, no trabalhoservil, essa preocupação não existia. Pode ter sido por aí queas normas das corporações-confrarias-irmandades passaram aprever diversas formas de amparo aos membros e suas famílias. A maior parte possuía hospital próprio, como o da ricaConfraria de São Leonardo, em Viterbo, Itália, no século XII,capazes de prestar vários tipos de atendimento e amparo àviuvez e aos órfãos. Essas ajudas mútuas estavam atadas aosresultados oferecidos pela Medicina-oficial, basicamente dosmelhores cirurgiões-barbeiros, todos aderidos à Confraria dosCirurgiões. De certa forma, nesse contexto, contribuíram paraque a ética dos médicos retornasse aos bons resultados como omelhor caminho.

Essas mudanças só protegiam pequenos grupos, a maior parte dapopulação vivia em absoluta miséria. É importante relembrarque haviam sido perdidas as conquistas sociais que a Medicinagreco-romana. O processo de dessacralização da doença,iniciado na Escola de Cós, por meio da teoria dos QuatroHumores, foi engolfado pela ética cristã valorizando a doençacomo castigo pelo pecado cometido. Essa ética cristã baseadana caridade cristianizada, que valorizou a exaustão arecompensa pessoal após a morte, da obediência aos dogmaseclesiásticos, abandonou os cuidados com a saúde pública, ahigiene pessoal, redes de abastecimento de água potável,escoamento dos esgotos e o pagamento pelo serviço profissionalmédico prestado.

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Por essas razões, a maior parte das populações da Europamedieval sofreu na pele o descaso pelas normas essenciais parapreservar a saúde coletiva. As cidades não passavam deaglomerações humanas desordenadas, em torno de suntuosascatedrais góticas, sem água potável, esgotos sanitários ehabitações inadequadas, onde, de tempos em tempos, grassavamepidemias de várias doenças infecto-contagiosas, que matavamfreqüentemente milhares de pessoas em poucas semanas.

Realmente, as regras das corporações, confrarias e irmandades,sempre ofereceram grande importância à ajuda entre os membros.O estatuto da corporação dos curtidores de couro branco, emLondres, datado de 1346, reza no artigo primeiro que o bem-estar de seus membros era o objetivo maior. Essas instituiçõescomeçaram com esse objetivo primordial: ajuda mútua emperíodos difíceis.

É sob esse enfoque assistencial que se torna possívelencontrar os pontos comuns nos objetivos das corporações-confrarias-irmandades: se organizaram com fins específicos naprodução de bens e serviços e para prestar diferentes auxíliosaos seus membros, superando os entraves da administraçãofeudal.

Outras mudanças na ética das práticas médicas foramincorporadas ao aparecimento das primeiras universidades, apartir do século 12. Simultaneamente, se iniciou luta ferozdos médicos, formados nas universidades, para conquistar acredibilidade junto à população desassistida e superar apresença dos agentes da Medicina-empírica, inclusive oscirurgiões-barbeiros, e a dos agentes da Medicina-divina,presentes nas abadias e conventos.

Nesse sentido, uma poderosa rede de calúnias, ligada àsinterpretações oportunistas da Bíblia, fomentou o descréditodos agentes da Medicina-empírica (benzedores, herveiros,parteiras e cirurgiões-barbeiros), que passaram a seridentificados como diabos, bruxos e adivinhos, mensageiros do

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diabo. Essa loucura coletiva, sustentada pela Igreja eadministração laica feudal, levou milhares de pessoas àsfogueiras de lenha verde, legitimada nas farsas dosjulgamentos montados para fomentar o medo e conter as tensõessociais da miséria, que assolou o medievo.

Esse desajuste da Igreja tentando conter as revoltaspopulares, em alguns burgos, com a participação dos adeptos daReforma Protestante, levou para a fogueira muitos agentes daMedicina-divina e Medicina-empírica, identificados comodemônios.

Os poucos médicos formados nas recentes universidades,imediatamente, perceberam a força política dos agentes daMedicina-divina, padres e freiras curadores, da Medicina-empírica, parteiras e benzedores, e trataram de reacender oconflito de competência, associando-os aos demônios descritospelo cristianismo. Não demorou muito, a intolerância conduziudezenas de milhares aos tribunais da inquisição, condenadossob a mentira dos julgamentos político e queimados vivos.

A parteira, tão antiga quanto útil durante muitos milhares deanos, era, com certeza, a mais importante representante daMedicina-empírica, simbolizando, por essa razão, o papel deinimigo mais importante da universidade cristã. É possível quetenha ocorrido relação política entre a intolerância dosmédicos e a bula Summis Desiderantes Affectibus contra osatanismo, editada pelo Papa Inocêncio VIII em 1484. Emconsequência da ordem papal, milhares de as parteiras e outrosagentes da Medicina-empírica foram implacavelmenteperseguidas, a ponto de merecerem um capítulo inteiro – “Decomo parteiras bruxas cometem os mais horrendos crimes,matando ou dedicando crianças ao diabo da maneira maisamaldiçoada” -, no terrível “Malleus Maleficarum” (“O Marteloda Bruxaria”), escrito pelos priores do Convento de Colônia,(Alemanha), Kramer e Sprenger.

Esse terrível livro, editado pela primeira vez, em 1486,

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conduziu um dos mais tenebrosos períodos de uma ética médica,ligada ao poder eclesiástico, com o objetivo de assassinarmilhares de resistentes à inflexível autoridade eclesiástica.

Em relação às parteiras, identificadas como bruxas no livro “OMartelo da Bruxaria”, o raciocínio dos priores Kramer eSprender era muito simples e eficiente porque colocava aquestão do pecado original no centro do conflito com o diabo,como o indutor do mal: “Ora, qual o motivo desse crime infame?Presume-se que as bruxas sejam compelidas a cometê-lo acomando do espírito do mal, às vezes contra sua vontade. Poiso demônio sabe que, por causa do sofrimento da perda -poenadamni-, ou do pecado original, essas crianças são privadas deentrar no reino dos céus”.

Outro grupo que sofreu pesadamente a perseguição imposta pelaIgreja, na Contra-Reforma, sob a ética perversa da intoleranteperseguição aos contrários, emergindo das universidades,mantidas pelo poder eclesiástico, foram os cirurgiões-barbeiros, também pelo grande número e maior prestígiopolítico. Com os cirurgiões a argumentação básica daintolerância esteve assentava no fato de esses agentes daMedicina-empírica, além de cortarem o cabelo, agiam nointerior do corpo praticando a sangria, cauterizando asferidas, lancetando os abscessos, imobilizando os ossosquebrados e amputando os membros gangrenados.

A resistência por parte dos médicos formados nas universidadesacabou gerando, como resposta, uma melhor organização doscirurgiões-barbeiros. Como já foi explicado, nas linhas acima,sob a liderança inicial de Jean Pitard (1238-1315), tambémpara se protegerem dessa intolerância, se agruparam numaconfraria, sob a proteção de São Cosme e São Damião, epassaram a adotar atitudes e roupas para diferenciá-los dosbarbeiros.

A Confraria de São Cosme e São Damião reuniu centenas decirurgiões-barbeiros e foi, em grande parte, responsável pelo

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reconhecimento da sua prática como atividade médica nasdisputas com os curadores oficiais formados pela Universidadede Paris , que se arrastaram até 1436, quando foram admitidoscomo alunos regulares da Faculdade de Medicina.

As organizações de solidariedade mútua, corporações-irmandades-confrarias se multiplicaram em centenas na Europa,aliadas à Igreja, cumpriam os ensinamentos contidos no NT, naajuda caritativa dos desgraçados e amparando os doentes.

As duas opções fundamentais para cumprir as recomendaçõesfeitas por Jesus Cristo: atender aos doentes individualmenteou agrupá-los em lugares determinados, que ficaram conhecidoscomo “Xenodochium pauperum, debilium et infirmorum” (Hospitaldos pobres, dos fracos e dos enfermos”). A alternativa doshospitais acabou prevalecendo e várias irmandades foramorganizadas para administrá-los. A Ordem dos Hospitalários deSão João, dos Antoninos e do Espírito Santo foram as que maisse destacaram e acabaram ampliando a ação dessas instituições.Dessa forma, a anterior ética médica hipocrática, incorporou aética cristã da caridade.

Dentro da mesma estratégia, com o Estado e a Igreja unidospara impor mais rapidamente os valores éticos do cristianismo,os hospitais dirigidos por religiosos passaram também areceber as mulheres grávidas nas últimas semanas de gestação eos órfãos.

Essa importante e estratégica ligação política entre os novoshospitais cristãos. a partir do século 11, e o Evangelho deJesus, gerou frutos imediatos pela necessidade coletiva desuprir as grandes deficiências na atenção à saúde, funcionandotambém como mecanismo para afrouxar as tensões sociaisadvindas pelos flagelos da fome e das doenças endêmicas.

As fontes mostram que, no medievo europeu, quanto maior amiséria coletiva, maior era o chamamento para a caridade, comoo ocorrido em Portugal. A península foi particularmente

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castigada pelos efeitos da peste negra, pelo menos com duasdezenas de surtos registrados entre 1188 e 1496. Os do século14, agravados pelas guerras intestinas da nação portuguesa,mostraram-se tão desesperador que o enterro dos mortos setornou impossível; os cadáveres acumulavam-se por toda parte,dando um aspecto da chegada do fim dos tempos e o cumprimentodas previsões apocalípticas.

A adoção do modelo da urbanização feudal, mudando a estruturade saneamento e abastecimento de água potável oriunda do mundogreco-romano, contribuiu para que a devastação causada pelasepidemias de muitas doenças, agravadas pelas guerras e pelafome crônica, fosse constante durante quase quatro séculos,somente variando o número de mortes e da mobilidade depopulações inteiras que fugiam dos flagelos. Esse contexto denecessidades coletivas influenciou o crescimento dascorporações-confrarias-irmandades ao longo ds margens do rioTejo.

Acompanhando a estrada que ligava Portugal à cidade espanholade Compostela, onde ficava a igreja de São Jaime, o maisimportante santuário cristão, depois de Jerusalém, existiamcentenas de pequenos hospitais e albergues utilizados pelosperegrinos e devotos, que se dirigiam em romaria para pagarpromessas e implorar saúde.

A lepra, um dos flagelos que assolava o homem medieval, nãodistinguia ricos e pobres, poderosos e despossuídos. Adesfiguração final da doença repugnava o doente e a família,não só pelo aspecto grotesco da deformidade, como também pelomedo de contrair a enfermidade. Os leprosos, desamparadospelos familiares, tornavam-se itinerantes e rumavam, munidosde catracas, anunciando a passagem, à procura da ajuda divinanos muitos santuários milagreiros anunciados pela Igreja. Amaior parte deles morria da fome ou das complicações daprópria patologia, enquanto outros ficavam pelo caminho nasalbergarias que os aceitavam. Esses lugares, com o passar dosanos, ficaram conhecidos como leprosários.

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Nenhuma doença poderia simbolizar melhor a atenção que Jesusdeu aos homens doentes quanto a lepra. Os leprosos foramescolhidos no Terceiro Concílio de Latrão (1179), sob opontificado de Alexandre III (1159 -1181), para receberemtratamento especial dos cristãos ao mesmo tempo, foi reprovadoo isolamento a que eles estavam submetidos pela sociedade. AOrdem de São Lázaro foi criada para dar cumprimento às ordensconciliares e o grão-mestre deveria ser sempre um leproso.

Não se deve estranhar que o pano de fundo das corporações-confrarias-irmandades tenha sido também a obtenção devantagens pessoais, financeiras e políticas para os envolvidosnas edificações. Essa afirmação ganha suporte no fato de queD. Pedro, em 1420, escreveu ao seu irmão D. Duarte, sugerindoa intervenção real na administração das hospedarias, comoalternativa para reabilitar a debilitada economia do reino,cujas reservas foram gastas nas guerras e o pouco arrecadadoera consumido pelos fidalgos.

É fácil de compreender o interesse por essas instituições,tanto das ordens religiosas como da corte portuguesa, já quetodos viviam tempos difíceis, e qualquer fonte desobrevivência significava poder concreto, que podia sernegociado.

As ordens religiosas devem ter sido mais ágeis para dirigir oproduto monetário da caridade aos cofres eclesiásticos, aponto de a situação ter ficado insustentável, causandoprejuízo à arrecadação do reino. A reação foi imediata. Porordem de D. Duarte e publicada nas Ordenações Alfonsinas de1446, foi decretada a interdição real nas albergarias,determinando que todos os legados que fossem doados àsirmandades deveriam passar pelas cortes civis e não mais pelostribunais religiosos. Essa providência interrompeutemporariamente, em Portugal, um aspecto rendoso da caridadecristã, porque proporcionava o recebimento de vultosasquantias em doações e heranças dos súditos bem intencionados.Esses legados deveriam ser utilizados exclusivamente na

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atenção aos leprosos e outros despossuídos. Entretanto, amaior parte do dinheiro não era empregada para esse fim eacabaram engordando a riqueza pessoal de muitos clérigos.

A dissolução compulsória das albergarias-hospitais do reinofoi seguida de novas medidas tomadas por D. João II para aorganização de hospital único sob o controle da administraçãoreal. Como a maioria daqueles hospitais estava sob o controlede ordens religiosas, a atitude tomada pelo rei para acabarcom eles teve conotações políticas, absorvidas por Roma.Somente em 1479 , através da Bula de Xisto IV (1471 – 1484 ),o rei foi autorizado a organizar hospital único nas principaiscidades e sob a administração real.

Enquanto a união Estado-Igreja, interessada nos lucrosproporcionados pela caridade, montava a mudança paraconsolidar um hospital que substituiria centenas de pequenasalbergarias facilitando o controle das vultosas doações,muitas abadias e mosteiros que mantiveram núcleos deatendimento médico, dirigidos por padres e freiras, entre osséculos 9 e 11, serviram como sementes para as futurasuniversidades que seriam criadas a partir do século 13, emvários reinos da Europa, quando a ética médica sob forteinfluência da Igreja, passariam por novas mudanças e seaproximariam da ética hipocrática.

As abadias de Salerno e Montpelier, dois dos núcleos maisimportantes das futuras universidades, se distinguiriam porretomarem antigos conceitos éticos gregos da Escola de Cós:“Em primeiro lugar, não façam mal”.

Construções da ética médica ajustadas à busca da materialidadeda doença no renascimento europeu

Alguns acontecimentos marcaram o Renascimento como um novo

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tempo na Europa, interferindo diretamente na ética médicaoriunda do medievo:

– Publicação mecanizada dos livros;

– Ruptura com as interdições eclesiásticas: dissecção públicade corpos humanos;

– Teatros de anatomia em vários reinos europeus;

– Publicação do livro “De humani corporis fabrica” de AndréVesálio;

– Publicação do livro “A cirurgia”, de Ambroise Paré;

– Publicação do livro “Christianismno restitutio”, de MiguelServet, contestanto a veracidade da Trindade Cristã;

– Publicação do livro “De viscerum structura”, de MarceloMalpighi, descrevendo o mundo somente visível sob as lentes deaumento, iniciando o pensamento micrológico, que pode serconsiderado o segundo corte epistemológico da Medicina;

– Ampliação das fronteiras com a chegada dos europeus nasAméricas, Ásia e áfrica.

Entre outras singularidades do Renascimento, se destaca avontade coletiva de retomar os ideários políticos da Gréciaplatônico-aristotélica. Desse modo, inicia-se outra fase daética médica sob menor influência dos dogmas do cristianismomedieval. Portanto, a ética médica renascentista se adaptaráàs liberdades chegadas com o Renascimento.

– Importante e decisivo procura da materialidade da doença;

– Retomada das diretrizes teóricas da Medicina greco-romana;

– Diminuição do valor atribuído aos santuários curadores;

– Aumento do número de médicos oriundos das novasuniversidades;

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– Maior participação de médicos laicos no processo formador daMedicina;

– Livros escritos em latim;

– Presença de geniais pintores e escultores, como MiguelÂngelo, Leonardo da Vinci, Rembrandt, entre outros, detalhandonas obras de artes o corpo desnudo;

– Maior acesso aos livros produzidos n período greco-romano;

– Desenvolvimento da anatomia e fisiologia;

– Substituição das confrarias, sob a guarda dos respectivossantos protetores, como a dos cirurgiões sob a proteção de SãoCosme e São Damiào, pelos Colégios e Academias laicos, como oRoyal College of Surgeons, em Londres, e a Academia deCiências, em Paris;

– Cirurgia incorporada à Medicina;

– Recuo da compreensão da doença como mal, provocada pelafúria divina.

No Renascimento europeu, enquanto o Medicina ampliava osdomínios da compreensão da saúde, foi consolidado a busca damaterialidade da doença sob o estandarte da micrologia.

De modo geral, a ética médica retomou os preceitoshipocráticos, reafirmado pelas Escolas de Medicina deMontpelier e Salermo, ao tempo em que ratificou o projetoteórico que avançaria até hoje: a busca da materialidade dadoença nas dimensões da matéria viva invisível aos olhos.

Construções da ética médica, na Europa, ajustadas à busca damaterialidade da doença no século 17

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O século 17 também conhecido como o século da razão trouxe oencontro entre as liberdades com a ética médica. Esse complexoconjunto sócio-político foi firmemente tocado pelas idéias deNewton, Descartes, Locke, Spinoza, Leibniz, Cornelle, Racine,La Rochefoucault e Molière.

Como nunca no passado, as práticas médicas aumentaram o valorda materialização da doença, olvidando cada vez mais adependência das idéias e crenças religiosas. Centenas dedescrições de estruturas e sistemas anatômicos, que receberamos nomes dos respectivos autores, foram acrescentadas aossaberes anatômicos.

Sob o impacto dessas profundas mudanças estruturais a éticamédica foi retomada por Spinoza, em 1661, nos seus geniaislivros “A ética” e o “Tratado da reforma do entendimento”,ambos valorizando a vida e rejeitando valores negativos dacompreensão dos conflitos sociais. Nesse contexto, a Medicina-oficial e o médico como seu agente, foram reconhecidos comopartes importantes da construção do belo, do feliz, da vida,iniciando as concepções do “direito natural”.

Construções da ética médica, na Europa, ajustadas à busca damaterialidade da doença no século 18

O século 18 reconhecido como o século das luzes brilhou sobesplendor das idéias de Locke, Leibniz e Condillac. Essacaracterística foi retomada por Kant que reconheceu asupremacia da razão como instrumento para superar aignorância. Sob certas condições é possível também entendercerta semelhança com as idéias sobre a natureza dos homens,

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defendida pelos autores setecentistas, como o início dagenerosidade explícita, como manifestação da virtude, que osmédicos devem adotar no trato com os doentes. Nesse contexto,Diderot acorda ao caráter protetor na natureza e Rousseaudefende a natureza como “delicada amiga do homem” comoprincípio da verdade e da virtude. Desse modo, o século 18também refunda a idéia da generosidade virtuosa querapidamente se aderiu à Medicina. Também é interessanteassinalar que a idéia de progresso, central no século dasluzes, não se desprendeu dessa generosidade, como está clarona declaração dos Direitos do Homem.

Esse ideário de generosidade, direito e ética se transformouem mensagens de liberdades e acenderam os pavios dasrevoluções que forçariam, outra vez, a abordagem da ética, soba ótica do genial Kant. Esse homem extraordinário sem jamaissair de sua cidade natal Kõnigsberg, na antiga Prússiaoriental, publica dois livros que mudariam algumas abordagensda ética e da moral em 1788, “Crítica da razão prática” e, em1790, “Crítica da faculdade de julgar”, essencialmente contrao autoritarismo que dominava o mundo político no qual vivia,sob o reinado de Frederico II, rei da Prússia, cujosjulgamentos sumários lembravam os realizados pela Inquisiçãocatólica, nos quais o réu já entrava no julgamento previamentecondenado e só eram permitidas as respostas “sim” ou “não” dopróprio réu e das testemunhas, tudo feito para evitar asemoções nos julgamentos. O desfecho contra o vício nosjulgamentos viria na introdução do não menos genial “Críticada razão pura”, onde a categoria metafísica é utilizada pararepudiar todos os dogmatismos despóticos, falsas genealogias,as indiferenças quanto as diferentes naturezas dos sabereshumanos.

Por outro lado, a presença do pensamento micrológico,inaugurado por Marcelo Malpighi, no Renascimento, atingiu eocupou a maior parte do ideário da Medicina na busca damaterialidade da doença sob as lentes de aumento.

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Por outro lado, chegaram os avanços nos saberes em váriosaspectos da Medicina:

– Fisiologia: a anatomia já não bastava à liberdade, asacademias e sociedades médicas promoviam debates sobre ofuncionamento dos órgãos;

– Fisiologia experimental: muitas funções foram monitoradas emelhor compreendidas nos animais de experimentação,principalmente o cachorro e o gato domésticos;

– Os estudos de Virchow foram fundamentais para a consolidaçãoda histologia;

– Com a associação entre anatomia-fisiologia-micrologia-histopatologia nasceria a anatomia patológica explicando osmecanismo da morte causada pelas doenças;

– Muitos cirurgiões descrevem técnicas cirúrgicas com oobjetivo de diminuir as complicações per e pós-operatórias.Contudo, permanecia a temeridade pelas cirurgias cavitárias,no crânio, tórax e abdome, quase sempre sinônimo de morte dodoente.

Claramente, uma vez mais, a ética médica estava ligada aosbons resultados das práticas.

Construções da ética médica, na Europa, ajustadas à busca damaterialidade da doença no século 19

Esse século foi caracterizado:

– Busca do agente etiológico de mutas doenças;

– Aumento do nível de investigação das doenças, agrupá-lasquando diferentes manifestações clínicas pertencem à mesmadoença;

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– Utilização de equipamentos que podem alcançar onde os olhosdesarmados não alcançam;

– Exame histopatológico de partes do corpo ou de doenças parafirmar o diagnóstico clínico;

– Reprodução nos laboratórios de reações físicas ou químicasque se passam no corpo;

– Melhor compreensão das doenças infecciosas que provocaramepidemias temidas;

– Entender o desenvolvimento fetal.

Sob essa perspectiva foram descritos as bases da micrologiabacteriana tanto preventiva quanto curativa responsável peloaumento da longevidade e certa tranqüilidade quanto algumasdoenças infecciosas que causaram medo desde a baixa IdadeMédia: hanseníase, tuberculose, estafilococcias,estreptococcias, malária, tifo, tétano, entre outras.

A Medicina se acoplou, sem esforço, às idéias evolucionistasde Charles Darwin e, sem imaginar a grandeza da descoberta, em1865, presenciou a publicação de Gregor Mendel, sobre ocruzamento de ervilhas, que inauguraria o pensamentomolecular, o Terceiro Corte Epistemológico da Medicina.

O século 19 fortaleceria a anatomia-clínica que assentou asbases da atual formação médica e a fisiologia, ampliando asrespostas quanto os mecanismos da digestão, respiração,urinário, vascular venoso e arterial.

Ao mesmo tempo em que as ordens sociais compensavam comelogios a Medicina e os médicos com pelos inimagináveisprogressos no controle de muitas doenças infecciosas, asidéias políticas giravam em torno de seis vertentes, que nosanos seguintes proporcionariam outras discussões na éticamédica:

– Humanismo de Feuerbach;

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– Evolucionismo de Dawvin;

– Individualismo romântico de Chateaubriand;

– Manifesto de Marx e Engels;

– Positivismo de Comte;

– Historicismo de Hegel.

Construções da ética médica, na Europa, ajustadas à busca damaterialidade da doença no século 20

O século 20 foi marcado por transformações tão profundas ecomplexas nas práticas médicas que se torna difícilcompreender como em pouco mais de cinquenta anos, alongevidade humana, em certos países, foi aumentada em mais devinte anos.

O maior destaque que iria dominar, completamente, a segundametade do século vinte foi a genética a partir da descobertada cadeia espiralada do ADN, em 1953, por Watson e Crick. Comtodas as variáveis, inclusive o estudo do genoma humano,inseminação artificial, antibióticos, métodosanticoncepcionais, métodos terapêuticos experimentais e osnovos saberes na virologia, imunologia, cancerologia,traumatologia, radioterapia, quimioterapia, vacinas, queforçaram outras mudanças e novas leituras dos códigos de éticamédica.

Ao mesmo tempo, é impossível pensar o século 20 sem relembrar

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os horrores das duas guerras mundiais, as propostas doeugenismo e os campos de concentrações dos nazistas. Em poucomenos de cinco anos, em alguns países, as raízes históricas daética médica foram destruídas junto com as experimentações emseres humanos, a mortalidade proporcionada pelas bombasatômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, aumento da quantidade depessoas que vivem em condições de miséria absoluta,vertiginoso desenvolvimento industrial com dezenas de milhõesde trabalhadores trabalhando em condições insalubres gerandodesconstruções pessoais e familiares.

Os vencedores da II Guerra Mundial impactados sob esseshorrores praticados pelos vencidos, alguns realizados com aparticipação de médicos, em novembro de 1946, em Nuremberg,instalaram o Tribunal Militar Internacional, onde a maiorparte dos oficiais alemães capturados pelas nações aliadasvencedoras foi condenada à morte, prisão perpétua e outraspenas.

A escolha da cidade de Nuremberg não foi um ato isolado, aocontrário, estava mesclado de grande valor simbólico, já quenaquela importante cidade alemã ocorreram festividadesapoteóticas ao nazismo.

Nesse contexto nasceu o Código de Nuremberg com a humanidaderetornando o caminho da valorização da dignidade humana e dareflexão ética sobre a vida em torno das pesquisas em sereshumanos. Entre recomendações se destacam:

– O consentimento voluntário do sujeito humano é absolutamenteessencial;

– A experiência deverá trazer resultados práticos para o bemda sociedade impossível de serem obtidos por outros meios depesquisa;

– Os fundamentos da experimentação deverão estar,anteriormente, consolidados e compreendidos em animais deexperimentação;

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– A experimentação deverá ser executada sem sofrimento físicoou psicológico ao sujeito humano da pesquisa (de certo modo,associando os bons resultados à boa prática de pesquisa);

– A execução da pesquisa deverá ser realizada por pessoascientificamente qualificadas para o fim proposto;

– O sujeito humano deverá ter o direito de interromper, aqualquer hora, a experimentação;

– O responsável pela execução da pesquisa deverá estarpreparado para interromper os procedimentos que possamprovocar ferimentos físicos no sujeito da pesquisa ou riscosde traumas psicológicos.

Por outro lado, infelizmente, o Código de Nuremberg, único nogênero na história da humanidade, com enorme simbolismo naética médica, não tem valor de lei. Por essa razão, énecessário relembrar outros horrores perpetrados por médicos,todos sem autorização dos sujeitos das pesquisas, amparadospelo poder público, nos Estados Unidos, não muito tempo apósNuremberg:

– Estudos experimentais em seres humanos, não autorizados, datransmissão e complicações neurológicas da sífilis, em homensnegros, depois da comercialização da penicilina:

– Injeção de células cancerosas vivas em doentes idosos paraestudo da imunoterapia em cancerologia;

– Injeção do vírus da hepatite B em crianças em um hospital deNova Iorque.

Em 1964, os médicos e pesquisadores reunidos na 18ª Assembléiada Associação Médica Mundial editaram a Carta de Helsinki I,anunciando cinco princípios de base, que como o Código deNuremberg não impôs força de lei:

– As pesquisas clínicas devem estar contidas nos princípiosmorais e científicos, que só deverão ser iniciadas após o

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sucesso nas experimentaçõe animais;

– As pesquisas devem ser dirigidas por pessoas cientificamentecompetentes e sob controle de um médico qualificado;

– Todo projeto de pesquisa deverá ser precedido de uma listadetalhada e circunstanciada dos riscos e benefícios esperados.

Outros códigos de ética médica, ajustados às mudanças sociaise tecnológicas, se seguiram, com pontos comuns: a Medicina eos médicos devem sempre manter e defender a completa proteçãodo doente, promovendo a saúde e o bem estar da sociedade. Decerto modo, em grande parte, todos retornaram ao ideário éticogrego hipocrático:

– Congresso de Moral Médica, Paris, 1966;

– Declaração de Tóquio ou Helsinki II, 1975;

– Declaração de Manilha ou Hensinki III, 1981;

– Resolução de Madri, 1987.

Tanto no Helsinki II quanto no Helsinki III estava norteado oindicativo para a criação dos Comitês de Ética, que deveriam:

– Manter estrutura administrativa independente para investigarprojetos que envolvam seres humanos direta ou indiretamente;

– Aprovar ou desaprovar projetos de pesquisas;

– Supervisionar e acompanhar os projetos de pesquisasaprovados;

Organismos como Associação Médica Mundial (AMM), Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial da Saúde (OMS)estabeleceram metas para ampliar os Comitês de Ética em todo omundo em três etapas:

– Período da criação;

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– Período de expansão;

– Período de estabilização.

Esses comitês de ética, pelos menos os que estão nas fases deexpansão e estabilização, se organizam para manter permanentevigilância nos padrões éticos das pesquisas médicasacompanhando os movimentos de transformações nas praticasmédicas, ajustando-as aos avanços tecnológicos e ao aumento dalongevidade, em blocos de debates, acrescidos de outros deacordo com o movimento social e os avanços tecnológicos.

Por outro lado e concomitantemente, os Conselhos de Medicina,no Brasil e em outros países vinculados ONU, UNESCO, OMS, seadaptaram às novas exigências sociais e tecnológicas econtinuam discutindo deveres e direitos dos médicos einstituições médicas públicas e privadas em bloco dinâmico dediscussões temáticas que são acrescidas de outras de acordocom a aquisição de novos procedimentos, mas mantendo sempreposições doutrinárias da Medicina e os médicos como partes dacooperação entre pessoas e povos, das virtude que amparam asrelações humanas. No momento, podem ser citadas algumas:

– Princípios gerais da humanidade;

– Inovações tecnológicas;

– Ética e psiquiatria;

– Ética e biotecnologia;

– Ética e novos procedimentos cirúrgicos indicados parapromover o embelezamento;

– Ética e técnicas de fertilização fora do útero;

– Ética e fim da vida;

– Ética e deontologia;

– Ensinamento da ética.

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Ajustes do código de ética do médico frente às mudanças daciência e da tecnologia

Ao aceitarmos a pós‑modernidade, como sugere Jean‑FrançoisLyotard, moldada pelo desencanto aos metarrelatosuniversalizantes, será inevitável o repensar do enquadramentometafísico de muitas palavras‑sentimentos, como “razão”,“sujeito”, “totalidade”, “verdade” e “progresso”.

Por esta razão, não existirá mais lugar para os super‑heróiscom as super‑propostas separando um mundo socialista eprogressista do outro burguês e explorador.

As relações de conhecimento ficarão entre o antagonismo dedois outros mundos,o desenvolvido e o subdesenvolvi-do,separados pela produção tecnológica oriunda do trabalhosistematizado nos laboratórios de pesquisa.

Se abordarmos a pós‑modernidade da Medicina sob esse enfoquetécnico‑científico, veremos com transparência que o pilarsustentador está fincado na aquisição de um saber ‑ aengenharia genética ‑ vendido ou negado pelos paísesdesenvolvidos aos subdesenvolvidos de acordo com asconveniências político‑econômicas.

A condição pós‑moderna, resultante dessas pesquisas de ponta,obrigou a completa reformulação dos antigos conceitos emrelação à saúde e a doença, aceitos desde o aparecimento damicrologia no século 17.

Quando o mundo microscópico começou a ser revelado pelaslentes de aumento e foram identificadas as primeiras bactériaspatogênicas, se pensou que tudo estava resolvido no trato dasdoenças. Para isto bastaria classificar o microorganismo e

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descobrir o antídoto. Nos anos sequintes, foi evidenciado queo corpo humano tinha muitos componentes, ainda desconhecidos,também interferindo diretamente no processo. Com a ajuda dofantástico aparato médico‑industrial da modernidade, asmáquinas passaram a mapear cada centímetro dos tecidos nabusca das modificações ocorridas no período de tempo entre aentrada da bactéria e a instalação da doença. Tudo issoresultou na aquisição de um novo saber ‑ os mecanismosimunológicos de defesa. Foram três décadas de pesquisas pararevelar o quanto é importante o papel dos linfócitos (célulasresponsáveis por grande parte da defesa do organismo) naimunologia do homem.

Entretanto, a grande conquista tinha sido realizada apenasparcialmente. A função imunológica de proteção à vida obedeciaàs ordens vindas do núcleo da célula, onde está o genoma(conjunto de genes).

Os genes são formados por uma malha muito complexa de infor-mações codificadas responsáveis por todas as característicasinternas e externas dos seres vivos. No homem e na mulher,respondem desde a cor dos cabelos ao tamanho dos pés.

A partir dessa certeza, a Medicina dos países desenvolvidosfoi afastada dos princípios passivos da classificaçãomorfológica das doenças e passou a utilizar a engenhariagenética na busca de soluções para os problemas de saúde dapopulação economicamente ativa,como o câncer e oenvelhecimento.

A Medicina do subdesenvolvimento, ainda continua empenhada,com muita dificuldade, no estudo da morfologia celular, semprealterada pela desnutrição crônica e pelas doenças infectocontagiosas que dizimam de milhões de crianças por ano.

Podemos afirmar, sem receio de estar cometendo um exagero,salvo exceções, que a Medicina do Terceiro Mundo continuaaperfeiçoando o diagnóstico da morfologia dos tecidos, ainda

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ligado à microscopia celular e bacteriana. A maior parte dasinstituições de saúde está voltada ao tratamento dos tumores edas infecções hospitalares.

A tendência geneticista é a nova abertura aos conhecimentos daMedicina desde a micrologia seiscentista de Marcelo Malpighi(1628 ‑1694). Todas as certezas trazidas pelo conhecimentoexclusivo da morfologia foram colocadas em descrédito, quasenada continua tendo sentido. Não avançar nesse rumo significapermanecer no conhecimento contido no espaço hermético dadoença já instalada,onde o olho clínico e o diagnósticomicroscópico (a biópsia) são as diretrizes maiores.

A Medicina é na atualidade um grande trem caminhando veloz-mente em direção dos laboratórios de estudo do genomahumano,com a saúde sendo conduzida para a intimidade daestrutura molecular dos genes.

Esta posição, nascida com a pós‑modernidade, está rompendomuitas fronteiras do homem com a linearidade do tempoorganizado,onde é impossível saber com precisão a diferençaentre doença e saúde.

O despertar desta consciência que floresce na descrença dascertezas acabadas está muito longe da simplicidade damorfologia célular e acaba compondo ,inevitavelmente,uma novaleitura da ética da Medicina.

Desde a retomada das experiências pioneiras do fundador dagenética, o abade agostiniano Gregor Mendel (1822 ‑ 1884), nasprimeiras décadas do nosso século, quando se consolidou acerteza de que muitas patologias estavam localizadas nogenoma, a atenção da Medicina foi dirigida para os recursosilimitados do conhecimento da reserva genética dos seresvivos.

Logo após o término da Segunda Guerra, ao ser projetado osignificado futuro da biotecnologia na produção de alimentos,de energia e o no controle de muitas doenças, as estações para

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suprir o trem da engenharia genética ficaram todas localizadasnos países do Primeiro Mundo. Contudo, os recursos que comprama energia que movimenta a locomotiva tem a significativaparticipação dos países subdesenvolvidos, principalmenteatravés da compra das patentes dos fármacos,a maioria deeficácia duvidosa,consumidos desordenadamente.

As notícias sobre a engenharia genética são cada vez maisfrequentes e completas,fazendo com que esse tema entre nascasas como o anúncio de qualquer outro produto de consumo. Amídia mostra com grande destaque uma grande colheita de grãosou a cura de certa doença antes não imaginadas, tudo graças àspesquisas reveladoras dos segredos dos genes.

Hoje, mais do que nunca,é imperativo o repensar dospressupostos teóricos da Medicina nesse novo contexto, maisespecificamente depois da publicação dos trabalhos dopesquisador Tonegawa, ganhador do Nobel da Medicina de 1987,esclarecendo muitas dúvidas de como se efetiva a defesainterna do corpo frente aos microorganismos patogênicos.

Ficou demonstrado que quando os linfócitos B se desenvolvem,segmentos do seu material gênico são selecionados e misturadospara fornecer novos genes, dando origem a milhões desequências variadas, capazes de iniciar a luta contra muitasdoenças.

Graças aos novos conhecimentos, é possível afirmar que parteda estrutura genética humana é plástica capaz de desenvolvermuitas combinações gênicas adaptativas às necessidades davida. Para que esse mecanismo biológico ocorra na suaplenitude é indispensável, entre outros fatores, que o corpodisponha de uma quota mínima da sua fonte de energia ‑ oalimento.

A partir dessa certeza, ficou fácil demonstrar o que já fazparte, após milhares de anos, do conhecimento historicamenteacumulado: as pessoas não alimentadas com uma quantidade

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mínima de calorias, jamais terão defesa imunológica suficientepara enfrentar a maioria das patologias.

As enfermidades teriam uma marca dinâmica no genoma e seriamativadas a partir de um ou mais estímulos vindos de fora ou dedentro do corpo. Costumamos dar o seguinte exemplo: oequilíbrio dinâmico entre a saúde e a doença é como o tecladode um piano (genoma) tocado permanentemente por muitas mãos(estímulos externos), o som produzido depende do instrumento ede quem está tocando.

A doença se manifestará clinicamente no momento em que os doismecanismos acionados (o interno contido nos genes e o externorepresentado pelos estímulos de natureza física, química ebiológica, diretamente relacionado com a totalidade social dohomem) forem suficientemente fortes para vencer as barreirasimunológicas.

A partir dessa abordagem pós‑moderna na Medicina, caíramdefinitivamente por terra os pressupostos étnicos racistas,diferenciando grupos sociais mais inteligentes e mais fortesdo que outros, sempre alimentados por interesses dos gruposdominantes.

O processo histórico indica a necessidade de a ética daMedicina do presente e do futuro deve estar próxima dos bonsresultados das práticas médicas, se necessário, interferirpara evitar que as pesquisas atentem contra a dignidade humanae estimular que o desvendar da doença, nas menores dimensõesda matéria, possa beneficiar todos os homens e mulheres, ricose pobres.

Estruturas teóricas que fundamentaram a bioética comopensamento disciplinador

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Esse processo teórico foi iniciado nos anos 1970, mas tomourumo com a publicação, em 1976, dos livros do filósofos SamuelGorovitz “Problemas morais na Meicina”, e em 1979, do tambémfilósofo Tom Beauchamp e do teólogo James Childress“Princípios da ética biomédica”.

Na obra de Beauchamp e Childress – compreendida como teoriaprincipialista – é acrescido um novo pressuposto à ética emoral da pesquisa médica de modo geral e, especialmente, asque envolvem seres humanos como sujeitos da pesquisa: não-maleficência, de clara influência hipocrática.

Existem críticas na originalidade da teoria principialista,mas não no conteúdo ético e moral. Os que autores queduvidaram da originalidade sustentam que a obra de Beauchamp eChildress somente uniu alguns princípios de outros autores:

– Autonomia, de Kant;

– Beneficência: de John Stuart Mill;

– Não maleficência: de Hipócrates, ou até melhor, da Escola deCós;

– Justiça: de John Rawls.

Seja com ou sem crítica, o certo é que nesse contexto de uniãode esforços teóricos resultou também na salva-guarda para osindivíduos fragilizados na saúde física ou mental e que nãopossam entender parcial ou totalmente os riscos da pesquisa ese desejam ou não dela participar. Nesse sentido, foiintroduzida a obrigatoriedade do “termo de consentimento livree esclarecido” como alternativa administrativa para protegeros que não podem decidir sobre as vantagens e risco dapesquisa.

Essa questão ainda não estava clara em 1964, quando os médicose pesquisadores reunidos na 18ª Assembléia da AssociaçãoMédica Mundial editaram a Carta de Helsinki I, anunciando

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cinco princípios de base, que como o Código de Nuremberg nãoimpôs força de lei:

– As pesquisas clínicas devem estar contidas nos princípiosmorais e científicos, que só deverão ser iniciadas após osucesso nas experimentaçõe animais;

– As pesquisas devem ser dirigidas por pessoas cientificamentecompetentes e sob controle de um médico qualificado;

– Todo projeto de pesquisa deverá ser precedido de uma listadetalhada e circunstanciada dos riscos e benefícios esperados.

Outros códigos de ética médica, ajustados às mudanças sociaise tecnológicas, se seguiram, com pontos comuns: a Medicina eos médicos devem sempre manter e defender a completa proteçãodo doente, promovendo a saúde e o bem estar da sociedade. Decerto modo, em grande parte, todos retornaram ao ideário éticogrego hipocrático:

– Congresso de Moral Médica, Paris, 1966;

– Declaração de Tóquio ou Helsinki II, 1975;

– Declaração de Manilha ou Hensinki III, 1981;

– Resolução de Madri, 1987;

– Congresso de bioética Estados Unidos – Japão, em Tóquio,1994;

Os resultados de Helsinki I, Helsinki III e de Tóquio estavamnorteados para o indicativo para a criação dos Comitês deÉtica, que deveriam:

– Manter estrutura administrativa independente para investigarprojetos que envolvam seres humanos direta ou indiretamente;

– Aprovar ou desaprovar projetos de pesquisas;

– Supervisionar e acompanhar os projetos de pesquisas

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aprovados;

Organismos como Associação Médica Mundial (AMM), Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial da Saúde (OMS)estabeleceram metas para ampliar os Comitês de Ética em todo omundo em três etapas:

– Período da criação;

– Período de expansão;

– Período de estabilização.

De modo geral, os comitês de ética em alguns países europeus enos estados Unidos da América já estão na terceira fase, emoutros, se encontram na peimrira ou segunda fases.

Esses comitês de ética, pelos menos os que estão nas fases deexpansão e estabilização, se organizam para manter permanentevigilância nos padrões éticos das pesquisas médicasacompanhando os movimentos de transformações nas praticasmédicas, ajustando-as aos avanços tecnológicos e ao aumento dalongevidade, em blocos de debates, acrescidos de outros deacordo com o movimento social e os avanços tecnológicos.

Por outro lado e concomitantemente, os Conselhos de Medicina,no Brasil e em outros países vinculados ONU, UNESCO, OMM, seadaptaram às novas exigências sociais e tecnológicas econtinuam discutindo deveres e direitos dos médicos einstituições médicas públicas e privadas em bloco dinâmico dediscussões temáticas que são acrescidas de outras de acordocom a aquisição de novos procedimentos, mas mantendo sempreposições doutrinárias que mantêm a Medicina e os médicos comopartes da cooperação entre pessoas e povos, das virtude queamparam as relações humanas. No momento, podem ser citadasalgumas:

– Princípios gerais da humanidade;

– Inovações tecnológicas da pós-modernidade;

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– Ética e psiquiatria;

– Ética e biotecnologia;

– Ética e novos procedimentos cirúrgicos indicados parapromover o embelezamento;

– Ética e técnicas de fertilização fora do útero;

– Ética e fim da vida;

– Ética e deontologia;

– Ensinamento da ética.

Bioética no Brasil

A estruturação da bioética brasileira se iniciou em 1990. Em1993, o Conselho Federal de Medicina lançou o periódico“Bioética”, com publicações regulares até a atualidade,abrangendo temas de interesses médicos, sociais e políticosrelacionados à ética, moral e bioética. Em 1996, foi criada aSociedade Brasileira de Bioética, que reuniu os médicos epesquisadores com focos comuns à bioética. Contudo, o marcofundamental iniciando a construção da bioética brasileira foia edição da Resolução 196/96, do Ministério da Saúde, deabrangência no território nacional, como ato de criação daComissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), instânciareguladora das futuras Comissões de Ética em Pesquisa (CEP),que seriam instaladas nas instituições de ensino ehospitalares, públicas e privadas, para analisar eticamente eacompanhar os projetos de pesquisas de qualquer naturezaenvolvendo seres humanos. Hoje, existem 596 CEPs, registradosno Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Em 1999, o CNS editou a Resolução 292/99, sobre as pesquisas

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com cooperação estrangeira; em 2000, o CNS editou a Resolução304, complementar da Resolução 196/96, tratando das pesquisasrealizadas em área de povos indígenas, reconhecendo o direitodos índios nas decisões que os afetem.

LEITURA COMPLEMENTAR

BELLINO, Francesco. Fundamentos da bioética: aspectosantropológicos, ontológicos e morais. Trad. Nelson SouzaCanabarro. Bauru. EDUSC.1997.

BOTELHO, João Bosco. História de Medicina: da abstração àmaterialidade. Manaus. Valer. 2004.

BOTELHO, João Bosco. Arqueologia do prazer. Manaus. MetroCúbico. 1992.

BOTELHO, João Bosco. O ato de escrever e as memórias-sóciogenéticas. In: Bianchetti, Lucídio. (org.) Trama & Texto:leitura crítica e escrita criativa. São Paulo. v. 1. 1997.

BOTELHO, João Bosco. Os limites da cura. São Paulo. Plexus.1998.

BOTELHO, João Bosco. O Deus-genético. Manaus. EDUA. 2000.

CLOTET, Joaquim; GOLDIM, Jose Roberto (Org.); FRANCISCONI,Carlos Fernando. Consentimento informado e a sua prática naassistência e pesquisa no Brasil. Porto Alegre. EDIPUCRS.2000.

DINIZ, Debora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética? 4ªreimpressão. São Paulo. Brasiliense. 2008

NOËL, Didier. L’évolution de la pensée em éthique médicale.Paris. Conaissances et Savoirs. 2005.

PEGORARO, Olinto A. Ética e bioética: da subsistência àexistência. Petrópolis. Vozes. 2002.

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SGRECCIA, Elio. A bioética e o novo milênio. Trad. ClaudioAntonio Pedrini. Bauru. EDUSC. 2000.