a bárbarie de berlim - g.k.chesterton - tradução gustavo corção

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    A BRBARIE DE BERLIM

    GILBERT KEITH CHESTERTON

    Traduo de Gustavo Coro. Original:The Barbarism of Berlin (1914)

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    SUMRIO

    Introduo da Primeira Edio...................................3

    Os Fatos.......................................................................4

    A guerra pela palavra..................................................8

    A recusa da reciprocidade.........................................13

    O apetite da tirania....................................................18

    Anexo Orao pela beatificao de Chesterton.....................26

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    Introduo da Primeira EdioTalvez espere o leitor encontrar aqui uma descrio da Barbaria de Berlim, talcomo se manifestou, atravs de Hitler e do nazismo. Encontrar muito mais. Pois

    no de Hitler que se ocupa Chesterton, nem o poderia ser: ultima guerra, jno esteve presente o grande comentador de idias e interprete de fatos quedignificou a literatura inglesa, em tantas obras, de aspectos to variados. Este livro,escrito h perto de trinta anos, tambm no alude ou no alude apenas, barbariade Berlim da qual se fizeram encarnao o Kaiser e seu apetite de devorar aEuropa e o mundo. A barbaria de Berlim, objeto deste ensaio, fenmeno porassim dizer, permanente. Se Chesterton o viuencarnado em Guilherme II, nodeixa de convidar os que se interessam pela origem dos problemas humanos areportar-se a um velho escritor da poca vitoriana (Macaulay), que consagrou otlimo e mais compacto de seus ensaios histricos a Frederico-o-Grande, fundadordessa poltica prussiana que desde ento no mudou.Eis o grande interesse deste livro e de sua apresentao agora em portugus: as

    concluses que chegou Chesterton, pelo que pde presenciar nos anos de 1914-1918, facilmente sero confirmadas pelo leitor de 1946, que viveu a experincia dasegunda grande guerra. Quando formos levados a dizer sim a tudo o que afirmaChesterton sobre as principais linhas do carter prussiano, entocompreenderemos melhor alguns fatos de que tivemos notcia, e maisprofundamente entraremos no significado de muitas contradies de idias e deatitudes a que at hoje assistimos.

    Alis, a guerra ainda no terminou, a guerra contra a barbaria de Berlim.Enquanto no se firmarem os fundamentos da paz, a guerra estar em curso.

    Muitas vezes ainda, seremos convidados a tomar posio ideolgica ou moral,

    perante os acontecimentos. Ajudar-nos- muito este livro de Chesterton.

    Do que se afirma, hoje, por exemplo, a favor e contra as relaes entre a Rssia eas democracias ocidentais encontrar o leitor preciosas informaes no captulosobre a guerra pela palavra1

    De que modo deve ser tratada a Alemanha de aps-guerra? Pergunta-se comfreqncia. Lendo-se os captulos sobre a recusa da reciprocidade e o apetite datirania, muita coisa se aprender a respeito.

    E de quanto se devero esforar as naes civilizadas pela reeducao do prussiano(nem todo alemo da Prssia), dir-nos- suficientemente o quarto ensaio sobre a

    evaso da loucura.

    Alm do mais, um livro de Chesterton. Isto bastante para interessar o leitor. Equem o traduziu foi um discpulo do grande escritor ingls: Gustavo Coro, menosum herdeiro das idias e do estilo de Chesterton, do que um igual a ele pelotemperamento e o gosto literrio.

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    Os FatosA menos que todos sejamos loucos, existe sempre uma histria por trs do maisestranho e inquietante caso; e se todos somos loucos, ento no existe o que se

    chama loucura. Se eu ateio fogo a uma casa pode acontecer que venha, com esseato, iluminar fraquezas alheias ao mesmo tempo que evidencio as minhas. possvel que o dono da casa seja queimado porque estava embriagado; possvelque a dona da casa seja queimada por ser avara, e sucumba discutindo a despesade um aparelho de salvamento. A verdade, porm, que ambos foram queimadosporque eu lhes pus fogo na casa. Essa , no caso, a histria. Os simples fatos dahistria, relativos atual conflagrao europia, so igualmente fceis de contar.Antes de abordarmos as questes mais profundas, que fazem desta guerra a maissincera da histria humana, to fcil responder pergunta de como a Inglaterranela se acha envolvida, como fcil perguntar a um indivduo o que fez ele paracair num bueiro ou para falhar numa entrevista. Os fatos no so a verdadecompleta. Mas os fatos so fatos, e neste caso so poucos e simples. A Prssia, a

    Frana e a Inglaterra tinham, todas, prometido no invadir a Blgica. A Prssiaprops a invaso da Blgica porque era o nico caminho praticvel para a invasoda Frana. Mas a Prssia prometeu que, mediante a ruptura da sua e da nossapromessa, arrombaria, mas no roubaria. Em outras palavras, oferecia-nos umapromessa de fidelidade para o futuro e uma proposta de perjrio para o presente.Os que se interessam pela origem dos problemas humanos podem reportar-se a umvelho escritor ingls da poca vitoriana, que consagrou o ltimo e mais compactode seus ensaios histricos a Frederico-o-grande, fundador dessa poltica prussianaque desde ento no mudou. Depois de descrever como Frederico rompeu o tratadoque tinha assinado a favor de Maria Teresa, passa a descrever como tentouFrederico reajustar as coisas a seu favor com uma promessa que era um insulto.Se Maria Teresa consentisse em lhe abandonar a Silsia, ento ele tomaria a sua

    defesa contra qualquer potncia que tentasse depoj-la de seus outros territrios.Assim dizia ele, como se j no tivesse prometido a defesa, ou como se a novapromessa pudesse valer mais que a antiga. Esta passagem foi escrita porMacaulay mas, em relao aos fatos contemporneos, poderia ter sido escrita pormim.

    A respeito do imediato interesse ingls, de sua lgica e legal origem, no podehaver razovel controvrsia. H coisas to simples que podem ser provadas, quase,com planos e linhas, como em geometria. Seria possvel fazer uma espcie decalendrio cmico, contando o que iria acontecer com um diplomata ingls que, emcada circunstncia, fosse reduzido ao silncio pelo diplomata prussiano.

    24 de julho: A Alemanha invade a Blgica.25 de julho: A Inglaterra declara guerra.26 de julho: A Alemanha promete no anexar a Blgica.27 de julho: A Inglaterra retira-se da guerra.28 de julho: A Alemanha anexa a Blgica; a Inglaterra declara guerra.29 de julho: A Alemanha promete no anexar a Frana; a Inglaterra retira-se daguerra.30 de julho: A Alemanha anexa a Frana; a Inglaterra declara guerra.31 de julho: A Alemanha promete no anexar a Inglaterra.

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    1 de agosto: A Inglaterra retira-se da guerra. A Alemanha invade a Inglaterra.

    Quanto tempo pode algum esperar que se prolongue um jogo dessa espcie ouque se mantenha a paz com to ilimitado preo? At que ponto deveramosprosseguir neste caminho em que as promessas so fetiches quando esto nafrente e escombros quando ficam para trs? No. De acordo com os fatos, os

    ntidos fatos, das ltimas negociaes, contador por qualquer dos diplomatas emqualquer dos documentos, no h duas interpretaes para a histria. E no hdvida tambm sobre quem representou nela o papel do vilo.

    Esses so os ltimos fatos, os que envolveram a Inglaterra. igualmente fcilestabelecer os primeiros fatos, os que envolveram a Europa. O prncipe, que erapraticamente senhor da Austria, foi assassinado por pessoas que o governo daustria acreditou serem conspiradores srvios. O governo da ustria acumulouarmas e homens sem dizer palavra, nem suspeitada Srvia, nem aliada Itlia.Pelos documentos infere-se que a ustria guardou segredo para todo mundo,exceto para a Prssia. Mais prximo da verdade, provavelmente, seria dizer que aPrssia guardou segredo para todo mundo inclusive para a ustria. Tudo isso,

    porm, o que se costuma chamar opinio, crena, convico ou bom-senso; e no do que tratamos aqui. O fato objetivo que a ustria advertiu a Srvia que osoficiais srvios deveriam se submeter autoridade dos oficiais austracos; e que aSrvia tinha quarenta e oito horas para se submeter a essa advertncia. Em outraspalavras, o Rei da Srvia estava praticamente convidado a se despojar, nosomente dos louros de duas grandes campanhas, mas de sua prpria coroa, de seupoder nacional e legal, e num lapso de tempo mais curto do que se exige,habitualmente, para a liquidao de uma conta de hotel. A Srvia pediu umaprotelao; uma arbitragem. A paz, enfim. Mas a Rssia j tinha comeado amobilizao; a Prssia, presumindo que a Srvia ia receber socorro, declarou aguerra.

    Entre esses dois acontecimentos, o ultimato Srvia e o ultimato Blgica, e noque se refere conexo entre eles, algum poder, evidentemente, discorrer comose todas as coisas fossem relativas. Se perguntar por que se apressou tanto o Czara correr em auxlio da Srvia, fcil perguntar-lhe tambm por que se apressou oKaiser a correr em auxlio da ustria. Se algum diz que os franceses estavam paraatacar os alemes, basta responder que os alemes atacaram os franceses.Restam, entretanto, duas atitudes a considerar; talvez mesmo dois argumentos arefutar, e parece-me que tanto a refutao como a considerao se enquadrambem nesta introduo que, de um modo geral, trata dos fatos. Para comear, huma espcie de estranho e brumoso argumento muito apreciado pelos retricosprofissionais que a Prssia envia para instruir e retificar as mentes americanas eescandinavas. Consiste este argumento em convulses de incredulidade e escrnio

    simples meno da responsabilidade que teriam a Rssia com a srvia e aInglaterra com a Blgica. E consiste tambm em insinuar que, com tratados ou semtratados, com fronteiras ou sem fronteiras, a Rssia sairia a massacrar teutes, e aInglaterra correria a lhes furtas colnias. Neste ponto, como alis nos outros, euacho que os professores que pululam na plancie bltica carecem de lucidez e desimples discernimento. bvio que a Inglaterra tem interesses materiais adefender, e provvel que no deixar passar a oportunidade de os defender; ou,em outras palavras, a Inglaterra certamente ficaria muito mais tranqila, comotodo mundo, se a predominncia da Prssia fosse menor.

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    Sobra entretanto o fato: ns no fizemos o que os alemes fizeram. No invadimosa Holanda para adquirir vantagens navais e comerciais; se disserem que nossacupidez nos incitava ao ato ou que nossa covardia no-lo impediu, mantm o fato:ns no invadimos a Holanda. Uma vez abandonado esse simples bom senso, euno posso conceber a possibilidade de julgamento de um conflito. Um contrato

    pode ser feito entre duas pessoas para vantagem material recproca; mas avantagem moral, ainda geralmente admitido que ela fique com a pessoa quecumpre o contrato. No h certamente desonestidade em ser honesto, ainda que ahonestidade seja a melhor poltica. Imagine o leitor o mais intrincado Ddalo demotivos e intenes; sempre, invariavelmente, o homem que mantm sua palavrapor interesse financeiro no pode ser apontado como pior do que o homem quefalta palavra por interesse financeiro. E fcil observar que esse critrio se aplicado mesmo modo Srvia, Blgica e Gr-Bretanha. Os srvios podem no sermuito pacficos, mas no caso que estamos discutindo eram eles, certamente, quedesejavam a paz. O leitor pode, entre outras opinies, considerar o srvio como umsalteador congnito, mas no caso, neste caso que estamos discutindo, era oaustraco, certamente, que tentava assaltar. Nessa mesma ordem de idias,

    fazendo uma espcie de sumrio histrico no vedado dizer que a Inglaterra prfida, nem h inconveniente em considerarmos, em nosso foro ntimo, que Mr.Asquith1estava votado desde a tenra infncia destruio do Imprio Germnico,como um Anbal ou um devorador de guias. Contudo, ser sempre pouco sensatodizer que um homem prfido porque manteve o que prometeu. absurdoqueixar-se da inopinada traio que comete um homem de negcio quando chegapontualmente na entrevista aprazada, ou do choque desleal produzido no credorpelo devedor que vem pagar sua conta.

    Para terminar, h uma atitude, muito divulgada nesta crise, contra a qual eu faoquesto de levantar um especial protesto. Dirijo-me aos enamorados da paz, aosperseguidores da paz, que inconsideradamente, e em mais de uma ocasio,

    tomaram a referida atitude. Refiro-me impacincia que eles demonstraramquando se discutia quem fez isto ou aquilo, ou se tinha razo ou no tinha. Eles secontentam com dizer que uma monstruosa calamidade, chamada guerra, foidesencadeada por uns ou por todos ns e deve ser encerrada por uns ou por todosns. Para essas pessoas este captulo preliminar, relativo aos acontecimentos comose passaram, parecer no somente rido (ele efetivamente a parte mais rida datarefa) mas sobretudo desnecessrio e estril. Ora, eu fao empenho em dizer aessas pessoas que elas no tm razo; que elas no tm razo, de acordo com osprincpios da justia humana e da continuidade histrica; e que, acima de tudo, elasesto erradas, particularmente e soberanamente enganadas em nome de seusprprios princpios de arbitragem e de paz internacional.

    Esses sinceros e magnnimos enamorados da paz esto sempre a nos repetir queos cidados cessaram de resolver suas disputas pela violncia privada, e que asnaes deveriam cessar de resolver as suas pela violncia pblica. No se cansamde nos dizer que j abolimos os duelos e que j tempo de abolirmos as guerras.Em resumo, eles baseiam invariavelmente suas propostas de paz no fato de haverpassado a poca em que um cidado comum se vingava a golpes de machado. Mascomo se consegue evitar que esse cidado resolva suas pendncias de modo tosumrio? Que fazemos quando ele fere seu vizinho com a machadinha dacozinheira? Ficamos de mos dadas, como crianas, brincando de ciranda-

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    cirandinha, dizendo: Somos todos responsveis por isto, mas esperemos que ofato no se generalize. Esperemos dias melhores, em que nos absteremos deagredir os vizinhos a machado; em que nunca, jamais!, se lembre algum de picarquem quer que seja? Ou dizemos: O que est feito, est feito; para que voltar aesses obscuros preliminares do caso? Quem poder informar que sinistrasintenes tinha aquele homem que ficou ao alcance do machado?

    No; no assim que costumamos resolver esses casos. Mantemos a paz na vidaprivada examinando os fatos, investigando de onde veio a provocao e quemdevemos punir. Entramos em detalhes obscuros, inquirimos as origens,procuramos, com insistncia, saber quem deu o primeiro golpe. Em resumo,costumamos fazer o que estou fazendo, um pouco sucintamente, neste captulo.

    Assentado este ponto, convenho que atrs desses fatos existem verdades,verdades de uma espcie terrvel: verdades espirituais. Como simples fato, o podergermnico foi desleal com a Srvia, desleal com a Rssia, desleal com a Blgica,desleal com a Inglaterra, desleal com a Itlia. Mas havia uma razo para que elefosse sempre desleal; e dessa primordial razo, que levantou contra ele a metade

    do mundo, que falarei nos captulos seguintes. Trata-se de uma coisa onipresentedemais, que dispensa provas, e to indiscutvel que no lucra com acmulo dedetalhes. Refiro-me, nem mais nem menos, localizao do mal europeu moderno,depois de um sculo de recriminaes e falsas explicaes; ou descoberta do focode onde saiu o veneno que se espalhou sobre todas as naes do mundo.

    1. 1.[Nota da Permanncia]Hebert Henry Asquith (12/9/1852-15/2/1928) foi Primeiro Ministro do Reino Unido

    de 1908 a 1916.

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    A guerra pela palavra inegvel que existe uma persistente dvida no esprito de muitas pessoas, quereconhecem a legtima defesa na viva rplica da espada britnica, e que morrem deamores pelo sabre devastador de Sadowa e Sedan1. Duvidam que a Rssia,comparada com a Prssia, seja suficientemente democrtica e decente para ser

    aliada de potncias liberais e civilizadas. Comearei, pois, por essa questo decivilizao. essencial, numa discusso desse gnero, assegurarmo-nos de que no nosprendemos a meras palavras, mas s significaes. No necessrio, numaargumentao, estipular o que uma palavra significa ou deveria significar. Mas indispensvel, em cada caso, deixar bem claro o que pretendemos dizer com aspalavras. Desde que nosso adversrio compreenda qual a coisa de que estamosfalando, pouco importa para a clareza da discusso que ele preferisse outrapalavra. Um soldado no diz: Temos ordens de ir a Mechlin, mas eu prefiriria ir aMalines2. Durante o caminho ele poderia discutir a diferena, sob o ponto de vistaetimolgico ou arqueolgico: o essencial, porm, que ele saiba aonde deve ir.Desde que saibamos o sentido que determinada palavra tem em determinada

    discusso, no importa muito que ela possa tomar outro sentido em outradiscusso. Temos, indubitavelmente, o direito de dizer que a largura de uma janelaora por quatro ps, ainda que, de repente, desloquemos o assunto para ospaquidermes dizendo que o elefante tem quatro ps. A identidade das palavras noimporta onde no existe dvida sobre o sentido. Ningum ir, provavelmente,pensar que o elefante mede quatro ps ou que a janela tenha duas presas e umatromba flexvel.

    essencial insistir no conhecimento bem consciente da coisa discutida, em conexocom duas ou trs palavras que so, por assim dizer, as palavras-chave destaguerra. Uma delas a palavra brbaro. Os prussianos aplicam-na aos russos; osrussos aplicam-na aos prussianos. Ambos querem designar, creio eu, alguma coisa

    que existe, que existe realmente, qualquer que seja o nome. Cada um, porm,designa uma coisa diferente. E, se perguntarmos quais so e qual a diferena,compreenderemos ento por que a Inglaterra e a Frana preferem a Rssia, econsideram que a Prssia realmente, das duas, a mais brbara e perigosa. Paracomear, devo advertir que a questo mais profunda do que o exame dasatrocidades, cuja prtica, pelo menos no passado, foi equitativamente partilhadapelos trs imprios da Europa central, como tambm entre eles foi partilhada aPolnia. Um escritor ingls, tentando nos desviar da guerra e prevenindo-noscontra a influncia russa, disse que havia, entre ns e a aliana, os dorsosfustigados das mulheres polonesas. Mas no faz muito tempo que um generalaustraco foi linchado pelas ruas de Londres, pelos carroceiros de Barclay e Perkin,por ter esbordoado mulheres. Quanto terceira potncia, parece claro que o

    tratamento infligido pelos prussianos s mulheres belgas teve tal estilo que, emcomparao, o espancamento pode ser considerado mera formalidade. Mas, comoj disse, existe algo mais profundo do que as recriminaes atrs do sentido dapalavra que ambas as partes empregam. Quando o Imperador da Alemanha sequeixa da nossa aliana com uma potncia brbara semi-oriental, no est eu ogaranto derramando lgrimas sobre o tmulo de Kosciusko3. E quando eu digo e veementemente o afirmo que o Imperador da Alemanha um brbaro, noestou exprimindo apenas os preconceitos que eu possa ter contra a profanao deigrejas e crianas. Meus concidados e eu, quando tratamos de brbaros os

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    prussianos, exprimimos uma idia certa e inteligvel, que difere daquela que seatribui aos russos e que, de fato, no pode ser atribuda aos russos. muitoimportante que o mundo neutro aprenda essa idia.

    Se um alemo chama o russo de brbaro, quer dizer imperfeitamente civilizado. Hum certo caminho que as naes ocidentais trilharam nesses ltimos tempos, e

    admissvel dizer que a Rssia no avanou tanto como os outros; incontestvelque ela est atrasada em relao aos nossos modernos sistemas em cincia, emcomrcio, em tcnica, em meios de transporte e em instituies polticas. O russolavra a terra com uma velha charrua; usa uma barba hirsuta; adora relquias; e suavida to rude e to dura como a de um sdito de Alfredo, o Grande. Assim queo russo brbaro no sentido alemo. Pobres-diabos como Gorki e Dostoievski teroque se arranjarem, sozinhos, nas suas prprias reflexes sobre as paisagens, sem oauxlio de grossas citaes de Schiller pintadas nos bancos de jardim, ou deinscries convidando-os a agradecerem, com recolhimento, ao Todo-Poderoso, obelssimo panorama de Hesse-Pumpernickel. Os russos, no possuindo seno suaf, seus campos, sua grande coragem, e suas comunas autnomas, estoabsolutamente excludos daquilo que, nos quarteires mais elegantes de Frankfurt,

    chamado o Verdadeiro, o Belo e o Bem. Existe realmente um sentido que nosautoriza a considerar como brbaro um pas to retardatrio em comparao com aKaiserstrasse; e, nesse sentido, os russos so brbaros.

    Mas no nisso que pensamos, ns outros franceses e ingleses, quando chamamosos prussianos de brbaros. Ainda que suas cidades se elevassem acima de seusnavios areos, e seus trens viajassem mais rpidos que suas balas, ns ainda oschamaramos de brbaros. preciso saber exatamente o que queremos dizer; e preciso saber que verdade. O que designamos no uma civilizao imperfeitapor acidente, mas algo que hostil civilizao de propsito. Algo que estvoluntariamente em guerra contra os princpios que tornaram possvel at hoje avida humana em sociedade. Sem dvida, preciso ser parcialmente civilizado,

    mesmo para destruir a civilizao. Selvagens indolentes e incultos no seriamincapazes de to importante devastao. No poderamos ter hunos sem cavalos;ou cavalos sem a arte da equitao. No poderamos ter piratas dinamarquesessem navios, e navios sem a arte de navegao. Esse personagem que eu chamo oBrbaro Positivo deve estar, de um modo geral, mais ao par das coisas do que esseoutro que eu chamo o Brbaro Negativo. Alarico era oficial nas legies romanas, oque no o impediu de destruir Roma. Ningum ir supor que os esquimspudessem fazer o mesmo e to bem. Mas, no sentido que adotamos, a barbaria no uma questo de mtodos, mas de fins. Afirmamos que esses vndalos postiostm o objetivo perfeitamente definido de destruir certas idias que, na opiniodeles, se tornaram estreitas demais para o mundo, e sem as quais, em nossaopinio, o mundo sucumbiria.

    essencial que essa perigosa particularidade do Prussiano ou Brbaro Positivo, sejabem apreendida. Ele possui uma coisa que imagina ser uma idia nova, e estprocurando aplic-la a todos. Na verdade, trata-se apenas de uma falsageneralizao, mas ele est realmente tentando torn-la geral. Ora, isso no seaplica ao Brbaro Negativo; no se aplica aos russos e aos srvios, ainda que elessejam brbaros. Se um campons russo espanca sua mulher, porque seus pais jantes dele o faziam; provvel at que espanque cada vez menos, porque ascoisas do passado tendem a se desvanecerem. No lhe passa pela idia, como

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    aconteceria a um Prussiano, ter feito uma nova descoberta em fisiologia,observando que a mulher mais fraca do que o homem. Se um srvio apunhalaseu rival sem uma palavra, porque outros srvios antes dele fizeram o mesmo.Talvez mesmo considere isso um ato de piedade, mas certamente no consideraum progresso. Ele no cr, como o Prussiano, ter fundado uma nova escola emcronometria pelo fato de sair correndo antes do sinal de partida. No pensa que

    est adiantado em militarismo em relao ao resto do mundo somente porque estatrasado em costumes. No; o prussiano perigoso porque est preparado paracombater por velhos erros como se fossem verdades novas. Ouviu falar,vagamente, de algumas simplificaes pouco interessantes, e imagina que nsnada sabemos a respeito. Como j disse, sua mesquinha mas sincera demnciaconsiste em querer duas idias, as duas razes gmeas da sociedade humana. Aprimeira a idia de registro e promessa; a segunda, a idia de reciprocidade.

    claro que a promessa, ou extenso da responsabilidade no tempo, aquilo quenos diferencia principalmente, no digo dos selvagens, mas das bestas e dosrpteis. Assim o reconhece, com sagacidade, o Antigo Testamento, quando resumenestas palavras a sombria e irresponsvel monstruosidade do Leviat: Far ele um

    pacto contigo? A promessa, como a roda, desconhecida da natureza: aprimeira marca do homem. Relativamente civilizao humana que se pode dizercom convico que no princpio era a Palavra. O juramento est para o homemcomo o canto est para o pssaro ou o latir para o co; sua voz, pela qual eleconhecido. Assim como o homem, que no pode ser pontual num encontro, no bom mesmo para um duelo, tambm o homem, que no pode manter aspromessas que a si mesmo faz, no so, mesmo para o suicdio. No fcil citaruma coisa da qual se possa dizer que dela depende toda a enorme complexidade davida humana. Mas, se de alguma coisa depende, dessa frgil corda estendidaentre as colinas estendidas do ontem e as invisveis montanhas do amanh. Nestefio solitrio e vibrtil esto penduradas todas as coisas, desde o Armageddon at oalmanaque, desde uma revoluo bem sucedida at um bilhete de volta. E esse

    fio solitrio que o Brbaro golpeia pesadamente com um sabre, que felizmente jest bastante embotado.

    Basta ler as ltimas negociaes entre Londres e Berlim, para que isso se torneevidente. Os prussianos fizeram uma nova descoberta em poltica internacional:que muitas vezes conveniente fazer uma promessa, e que curiosamentedesvantajoso mant-la. Ficaram encantados, em sua ingenuidade, com essadescoberta cientfica e desejaram comunic-la ao mundo. Fizeram, ento, Inglaterra uma promessa, sob a condio de romper ela uma promessa, e ficandoimplicitamente entendido que a nova promessa poderia ser quebrada to facilmentequanto a primeira. Com profunda estupefao da Prssia, essa razovel oferta foirecusada! E eu estou convencido da perfeita sinceridade da estupefao prussiana.

    E nesse sentido que eu digo que o Brbaro est tentando cortar o fio dahonestidade e dos lmpidos testemunhos em que est suspenso tudo o que oshomens tm feito.

    Os amigos da causa alem queixaram-se de termos trazido da ndia e da Algria,contra os alemes, asiticos e africanos que vivem no limiar da selvageria. Emcircunstncia ordinrias eu simpatizaria com tal queixa formulada por um povoeuropeu. Mas as circunstncias atuais no so ordinrias. Aqui, mais uma vez, atranqila e incomparvel barbaria prussiana desce profundamente abaixo do que

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    chamamos barbaridades. Em matria de barbaridade estou certo que o rabe e osikh levariam vantagens sobre o superior teuto. De um modo geral, a razo justapara evitar o emprego de tribos no europias contra os europeus foi dada porChatham a propsito do uso dos pele-vermelhas: aliados dessa espcie seriamcapazes de atos diablicos. Mas o pobre rabe que passasse um week-end naBlgica, poderia perguntar, muito razoavelmente, que diablicos atos teriam ficado

    para ele depois do que fizeram por conta prpria os alemes de alta cultura.Entretanto, como j disse, a justificao dos auxlios extra-europeus maisprofunda do que as discusses desses detalhes. Baseia-se em que, mesmo asoutras civilizaes, mesmo as mais retrgradas civilizaes, mesmo as remotas erepulsivas civilizaes, dependem tanto quanto a nossa prpria desse primordialprincpio, ao qual a supermoralidade de Potsdam4 declarou guerra aberta. Osprprios selvagens fazem promessas, e respeitam quem as mantm. Os prpriosorientais registram seus compromissos por escrito, e embora escrevam da direitapara a esquerda, eles sabem a importncia que tem um farrapo de papel. Muitosnegociantes nos diro que um sinistro e quase desumano chins muitas vezes umhomem de palavra; e foi no meio das palmeiras e das tendas srias que a grandevoz abriu o tabernculo quele que presta juramento contra o seu interesse e que o

    cumpre. H, sem dvida alguma, um intrincado labirinto de duplicidade entre osorientais, e talvez maior dose de malcia num asitico tomado isoladamente do quenum alemo. Mas no estamos aqui tratando das violaes da moral humana nasdiferentes partes do mundo. Estamos tratando de uma nova e desumana moral quese gaba de sonegar o dia do compromisso. Os prussianos ouviram dizer, de seushomens de letras, que tudo depende de um impulso da vontade, e de seus polticosque todos os arranjos se dissolvem diante da necessidade. Eis a o alcance dafrase pronunciada pelo chanceler alemo. Ele no alegou, no caso da Blgica,alguma especial desculpa que pudesse apresentar esse caso como uma exceoconfirmando a regra. Ao contrrio, argumentou nitidamente em nome de umprincpio aplicvel a outros casos, que a vitria uma necessidade, e a honra umfarrapo de papel. evidente que a imaginao semi-educada de um prussiano no

    pode, realmente, ir muito alm disso. No pode chegar a descobrir que, se fossemas aes humanas completamente imprevisveis em cada instante, seria o fim nosomente de todas as promesas mas de todos os projetos. A incapacidade decompreender isto coloca o filsofo de Berlim, em nvel mental, abaixo do rabe querespeita o sal, ou do brmane que preserva a casta. E nesta pendncia temos odireito de comparecer com a cimitarra ou com o sabre, com arcos ou com fuzis,com a azagaia, com o tomahawk, com o boomerang porque em todas essascoisas existe, ao menos, uma semente de civilizao que esses anarquistasintelectuais quereriam matar. E se, em nosso ltimo reduto, em nosso ltimocombate, eles nos encontrarem equipados com to estranhas armas ou formadosem torno de to exticas bandeiras, e se nos perguntarem por que combatemos emto singular companhia, saberemos o que responder: Ns combatemos pelo

    crdito e pela palavra; pelo registro da memria e pela possibilidade de umcomrcio entre os homens; por tudo que distingue a vida humana de umdesgovernado pesadelo. Combatemos pelo longo brao da honra e da lembrana,por tudo que eleva o homem acima das areias movedias de seus humores, e quelhe d o domnio sobre o tempo.

    1. 1.[N. da P.]Chesterton alude s batalhas de Sadowa e de Sedan, ambas vencidas pela Prssia. A primeira

    ocorreu emHradec Krlov, em 3 de julho de 1866, e foi o confronto decisivo da guerra Austro-Prussiana; a

    segunda ocorreu prximo cidade francesa de Sedan, em 1 de setembro de 1870, durante a guerra Franco-

    Prussiana. Resultou na captura de Napoleo III.

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    2. 2.[N. da P.]Malines o nome francs, eMechlin,o ingls, deMechelen, cidade da regio de Flandres,norte

    da Blgica, prxima a Anturpia, cujo idioma no nem o ingls, nem o francs, mas o neerlands.

    3. 3.[N. da P.]Heri nacional da Polnia e da Litunia, Tadeu Kosciusko (1746-1817) liderou a revolta contra o

    Imprio Russo em 1794.

    4. 4.[N. da P.]Localizada a poucos quilmetros de Berlim, Potsdam foi residncia dos reis da Prssia at 1918.

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    A recusa da reciprocidadeNo captulo anterior eu procurei mostrar que barbaria, no sentido que adotei, no mera ignorncia, ou mesmo mera crueldade. Tem um sentido mais preciso, esignifica uma hostilidade militante a certas idias necessrias ao homem. Tomei ocaso do juramento ou do contrato, que o intelectualismo prussiano quereria

    destruir. Disse com insistncia que o prussiano um brbaro espiritual porque seconsidera desligado de seu passado, tanto como um homem que tivessesimplesmente sonhado. Confessa ele que, tendo prometido respeitar uma fronteiranuma segunda-feira, no pode prever a necessidade de a desrespeitar na tera-feira. Resumindo, ele como a criana teimosa que, depois das mais razoveisexplicaes, e das lembranas de arranjos j admitidos, diz sempre que querporque quer.

    Uma outra idia, que preside os negcios humanos, to fundamental que, porisso, pode ser esquecida; mas agora pela primeira vez essa idia negada.Poderamos cham-la idia de reciprocidade. O prussiano aparece comointelectualmente incapaz em relao a essa idia. Eu creio que ele no pode

    conceber a idia bsica de todas as comdias, isto , que aos olhos do outro elemesmo o outro. E se ns seguirmos essa pista atravs das instituies daAlemanha prussianizada, descobriremos quo curiosamente limitado tem sido oesprito deles nessa matria. O germnico difere dos outros patriotas pelaincapacidade de compreender o patriotismo. Outros europeus compadeceram-sedos poloneses ou dos galenses, por causa das margens violadas de seus rios; osalemes compadecem-se somente de si mesmos. Tomariam fora o Saverne e oDanbio, o Tmisa e o Tibre, o Garry e o Garrone, e continuariam a cantarmelancolicamente a teimosa e mesquinha vigilncia exercida sobre o Reno e avergonha que seria se algum lhes arrebatasse esse riozinho. isso o que euentendo por ausncia do senso de reciprocidade; e acharemos essa marca em tudoque eles fazem como em tudo que fazem os selvagens.

    Neste ponto, ainda uma vez, preciso evitar cuidadosamente a confuso entre aalma do selvagem e a simples selvageria no sentido da brutalidade e do massacre, qual se deixaram levar os gregos, os franceses, e os mais civilizados povos, nosmomentos excepcionais de pnico ou vingana. As acusaes de crueldade, emregra geral, so recprocas. Mas para o prussiano e este o centro da questo nada recproco. A definio do verdadeiro selvagem no depende de averiguar atque ponto ele maltrata os hspedes e os cativos mais do que as outras tribos dehomens. Define-se o verdadeiro selvagem dizendo que ele ri quando maltrata, elamenta-se quando maltratado. Essa extraordinria desigualdade de esprito seencontra em cada palavra e ato que nos vem de Berlim. Darei um exemplo. claroque nenhum homem do mundo acredita em tudo que l nos jornais, e que nenhum

    jornalista acredita na quarta parte do que l. Estaramos, por conseguinte, prontosa descontar uma grande parte das narrativas sobre atrocidades alems; poramosem dvida algumas histrias, negaramos outras. Mas h uma coisa que nopodemos negar ou por em dvida: o sinete e a autoridade do Imperador. Naproclamao imperial admitido que certas coisas terrveis foram cometidas; eso elas justificadas pelo que tinham de terrificante. A terrorizao de pacficaspopulaes por meios que no fossem civilizados e quase no fossem humanos, erauma necessidade militar. Ora muito bem. Esta uma poltica inteligvel e, namesma medida, um argumento claro. Um exrcito posto em perigo entre

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    estrangeiros pode chegar s mais terrveis extremidades. Mas, virando uma pginado dirio pblico do Kaiser, vamos encontr-lo escrevendo ao presidente dosEstados Unidos para se queixar que os ingleses esto usando balas dum-dum1, eviolando vrios artigos da conveno de Haia. Deixo de lado, momentaneamente, ocuidado de averiguar se h uma palavra de verdade nessas acusaes. Sinto-mearrebatado em xtase e satisfao-me contemplando os olhos piscos do verdadeiro

    brbaro, do Brbaro Positivo. Suponho que ele ficaria perfeitamente perplexo sedissssemos que essas violaes da conveno de Haia eram para nsnecessidades militares; ou que os artigos daquela conferncia no passam defarrapos de papel. Sentir-se-ia ofendido se lhe dissssemos que as balas dum-dum,justamente por serem terrveis, nos seriam muito teis para manter boa ordementre os alemes nas cidades conquistadas. Faa o que fizer, no pode se livrardessa idia que ele, sendo ele e no ns, tem o direito de transgredir a lei e deapelar para a lei. Dizem que os oficiais alemes gostam de um jogochamado Kriegsspiel, que quer dizer jogo de guerra. Mas na verdade eles nopoderiam praticar jogo algum, porque prprio de todo jogo ter as mesmas regraspara ambos os lados.

    Tomando uma por uma as instituies alems, observamos o mesmo fenmeno,que no importa apenas pelo sangue derramado ou pela bravata militar. O duelo,por exemplo, pode ser legitimamente considerado um costume brbaro, mas nestecaso a palavra seria usada com outro sentido. H duelos na Alemanha; mastambm os h na Frana, na Itlia, na Blgica e na Espanha; realmente, o dueloexiste em toda parte onde existem dentistas, jornais, banhos turcos, almanaques, eoutras pragas da civilizao; exceto na Inglaterra e numa parte da Amrica. possvel que o leitor veja no duelo uma relquia histrica das mais brbaras naessobre as quais se edificaram os estados modernos. Ou ento pode-se afirmar que oduelo , em toda parte, um sinal de alta civilizao, sendo sinal de um senso dehonra mais apurado, de uma vaidade mais suscetvel, ou de um maior temor dedescrdito social. Em qualquer dos pontos de vista, porm, devemos admitir que a

    essncia do duelo a igualdade de armas. No chamarei, portanto, de brbaros, nosentido que estou aqui adotando, os duelos dos oficiais alemes e mesmo oscombates de sabre que so usuais entre os estudantes alemes. No vejo motivospara negar a um moo prussiano o direito de ter o rosto cheio de cicatrizes, umavez que ele as aprecia; ainda mais, chego a crer que muitas vezes essas cicatrizesso os nicos sinais a redimir a irremedivel insignificncia de sua fisionomia. Oduelo pode ser defendido, a caricatura do duelo pode ser defendida.

    Mas o que no pode absolutamente ser defendido aquilo que peculiar Prssiae de que j temos ouvido contar inmeras histrias, algumas das quais socertamente verdadeiras. Eu diria duelo unilateral. Refiro-me idia de haveralguma dignidade em manejar uma espada contra um homem que no tem mo

    uma espada: um criado, um caixeiro ou mesmo um menino de colgio. Um dosoficiais do Kaiser, em Saverne, foi encontrado retalhando diligentemente umaleijado. Quero evitar, nestas discusses, qualquer apelo aos sentimentos. Nopercamos nossa serenidade perante a simples crueldade do ato, e prossigamosestritamente as distines psicolgicas. Muitos outros, alm dos oficiais prussianos,assassinaram pessoas indefesas para roubar, para violar, ou simplesmente paramatar. O que importante que em nenhum outro lugar, seno na Prssia, huma teoria da honra associada a esses atos, como tambm no existe tal cdigopara envenenadores e batedores de carteira. Nenhum cidado francs, italiano,

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    ingls ou americano se gabaria de ter conseguido uma afirmao de suapersonalidade pelo fato de ter retalhado espada algum ridculo quitandeiro queno tivesse mo outra coisa alm de pepinos. Dir-se-ia que a palavra quetraduzimos do alemo por honra, tem realmente um significado diferente emalemo. Parece-me que significa mais exatamente o que chamamos prestgio.

    O fato fundamental, por conseguinte, a ausncia da idia de reciprocidade. Oprussiano no suficientemente civilizado para o duelo. Mesmo quando cruza aespada conosco, seus pensamentos no se parecem com os nossos; quando,ambos, glorificamos a guerra, so coisas diferentes que estamos glorificando.Nossas medalhas so trabalhadas como as suas, mas no significam a mesmacoisa; nossos regimentos so aplaudidos como os seus, mas o sentimento quemora nos coraes no o mesmo; a Cruz de Ferro est no peito de seu rei, masno o sinal de nosso Deus. Pois ns seguimos o nosso Deus ai de ns commuitas recadas e contradies, mas ele segue o seu muito compenetradamente.Atravs de todas as coisas que temos examinado o caso das fronteiras nacionais,o problema dos mtodos militares, as questes de honra e de defesa prpria encontramos sempre, no que se refere ao Prussiano, uma coisa de atroz

    simplicidade, uma coisa simples demais para nosso entendimento: a suposio deque a glria consiste em empunhar o ferro e no em defront-lo.

    Se outros exemplos fossem necessrios, encontraramos facilmente uma centena.Deixemos, por enquanto, as relaes de homem para homem nesse encontro quese chama duelo; e tomemos as relaes entre homem e mulher, nesse imortalduelo que se chama casamento. Aqui descobriremos, novamente, que as outrascivilizaes crists aspiram a uma espcie de igualdade que pode, embora, serconsiderada irracional ou perigosa. Assim entre as pessoas das classes ditaseducadas, na Amrica e na Frana, que encontramos os dois extremos notratamento da mulher. Os americanos escolheram o risco da camaradagem; osfranceses a compensao da cortesia. Na Amrica praticamente possvel que um

    moo saia com uma moa para que ele chama (lamento profundamente diz-lo) umdivertimento; mas ao menos o homem vai com a mulher, tanto como a mulher vaicom o homem. Na Frana, a moa resguardada como uma freira enquanto no secasa; mas quando se torna me realmente uma mulher sagrada e quando setorna av um terror sagrado. Em qualquer desses extremos a mulher leva algumacoisa desta vida. H somente um lugar onde ela pouco ou nada aproveita: o norteda Alemanha. A Frana e a Amrica, a esse respeito, aspiram desigualmente a umaigualdade a Amrica, por similaridade, a Frana por contraste. Mas a Alemanhado norte aspira deliberadamente desigualdade. A mulher fica em p, no maisirritada do que um copeiro; o homem fica sentado, no menos vontade do queum convidado. A temos uma ria afirmao de inferioridade como o caso do sabre edo caixeiro. Vais tu tratar com mulheres, diz Nietzsche, no te esqueas do

    chicote. Note bem o leitor que ele no diz o cabo de vassoura, como ocorreriamais naturalmente ao esprito de um espancador de mulheres mais comum e maiscristo, porque a vassoura faz parte da vida domstica e tanto pode ser manobradapela mulher como pelo homem. O que alis acontece s vezes. A espada e ochicote, ao contrrio, so armas de uma casta privilegiada.

    Passemos agora da mais prxima diferena, a que existe entre marido e mulher, mais distante das diferenas, aquela que existe entre as longnquas e desligadasraas, que raramente se entraram face a face, e que nunca se tingiram com o

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    mesmo sangue. Ainda aqui acharemos o mesmo invarivel princpio do prussiano.Qualquer europeu pode ter um genuno receio do perigo amarelo; e muitosingleses, franceses e russos sentiram-no e exprimiram-no. Muitos podem dizer, edisseram-no, que o chins pago efetivamente muito pago; que, se ele um diase levantar contra ns, espezinhar, torturar, devastar tudo, num estilo, de queos orientais so capazes, e que os ocidentais no conhecem. No duvido da

    sinceridade do Imperador da Alemanha quando se esfora por nos mostrar quepesadelo de monstruosidade e abominao seria essa campanha, se algum dia serealizasse. A vem, entretanto, a cmica ironia que infalivelmente acompanha astentativas que o prussiano faz para ser filosfico. Pois o Kaiser, aps ter explicados suas tropas a importncia de evitar a barbaria oriental, ordena-lhes no mesmoinstante que se tornem brbaros orientais. Diz-lhes, em muitas palavras, que sejamhunos: e que nada deixem para trs em p e com vida. Na realidade, ele oferecefrancamente um novo batalho de aborgenes trtaros ao Far-East, no lapso detempo apenas necessrio para um perplexo hanoveriano virar trtaro. Qualquerpessoa que tenha o penoso hbito da reflexo j ter percebido aqui, num relance,e mais uma vez: o princpio da no-reciprocidade. Cozido e reduzido a seus ossoslgicos, aquele pensamento significa simplesmente o seguinte: Eu sou um alemo

    e voc um chins. Eu, portanto, sendo um alemo, tenho o direito de ser chins.Mas voc no tem o direito de ser um chins porque voc no passa de um simpleschins. Esse raciocnio provavelmente um dos vrtices atingidos pela culturaalem.

    O princpio desprezado nesse caso, que pode ser denominado Mutualidade pelaspessoas que no entendem ou no gostam da palavra Igualdade, no permite toclara distino entre o prussiano e os outros povos, como o primeiro princpio deum infinito e destrutivo oportunismo, ou, em outras palavras, o princpio de no terprincpios. Tambm no permite esse segundo princpio uma to clara tomada deposio relativamente s outras civilizaes ou semicivilizaes do mundo. Hsempre uma idia de juramento e compromisso entre as mais rudes tribos e nos

    mais sombrios continentes. Mas pode ser afirmado, a respeito desse elemento dereciprocidade, mais fino e imaginativo, que um canibal em Bornu o compreendequase to pouco como um professor em Berlim. Uma estreiteza angular e umaseriedade unilateral o defeito do brbaro em qualquer ponto do globo. Talvezvenha da, pelo que julgo saber, a significao do olho nico dos ciclopes: aimpossibilidade de o brbaro ver o contorno completo das coisas ou fit-las sob doispontos de vista. Em conseqncia, torna-se uma besta cega e um devorador dehomens. Nada define mais globalmente o selvagem, como j disse, do que suaincapacidade para o duelo. o homem que no pode amar e at odiar o seuprximo como a si mesmo.

    Mas essa qualidade na Prssia tem uma conseqncia que se relaciona com o

    inqurito feito sobre as civilizaes inferiores. Ela resolve ao menos, e de uma vezpor todas, a questo da misso civilizadora da Alemanha. Os alemes so,evidentemente, o ltimo povo do mundo a que se possa confiar tal tarefa. A vistadeles to curta moralmente como fisicamente. Que vem a ser o sofisma danecessidade seno uma inaptido de imaginar o amanh? Que significa a no-reciprocidade seno a incapacidade de imaginar, j no digo um deus ou demnio,mas simplesmente um outro homem? Sero esses que devero julgar ahumanidade? Os homens de duas tribos africanas sabem no somente que todoseles so homens, mas que todos so pretos. Neste ponto esto seriamente e

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    incontestavelmente mais adiantados que o intelectual prussiano que ainda nochegou a compreender que aqui todos somos brancos. O olho vulgar no consegueperceber no nrdico teuto nenhum sinal que o destaque especialmente entre asmais incolores espcies da humanidade ariana. Ele simplesmente um homembranco, com tendncias para o cinza ou para o pardo2 Apesar disso, ele explicar,em solenes documentos oficiais que a diferena entre ns a que existe entre a

    raa de senhores e a raa inferior. O colapso da filosofia germnica ocorre sempreno comeo dos argumentos, mais do que no desenvolvimento e na concluso; e adificuldade neste ponto, est em que no existe outro meio de verificar qual araa superior a no ser investigando qual a sua prpria raa. Se no conseguimos(como geralmente o caso), ficamos reduzidos absurda ocupao de escrever ahistria dos tempos pr-histricos. Mas eu sugiro, com perfeita seriedade, que, seos alemes puderem transmitir sua filosofia aos hotentotes no h razo plausvelpara que no transmitam tambm o senso de seriedade aplicvel raa doshotentotes3. Se eles chegarem a entrever a delicada sombra que distingue um gotade um galense4, no haver meio de evitar que sombras semelhantes elevem oselvagem acima dos outros selvagens; e que um Ojibway no descubra que possuimais uma pinta de vermelhido do que os Dacotas5; ou que um negro do

    Camerun6 diga que no to negro como o pintam. Porque esse princpiointeiramente arbitrrio de superioridade racial a ltima e a pior das recusas dereciprocidade. O prussiano convida todos os homens a virem admirar a beleza deseus grandes olhos azuis. Se admiram, fica admitido que tm olhos superiores; seno admiram, fica provado que no tm olhos para ver.

    Por isso, onde estiver o mais miservel sobrevivente de nossa raa, perdido eressecado no deserto ou sepultado para sempre sob os escombros de civilizaesfalidas se ele ainda tiver uma dbil lembrana que homens so homens, quecontratos so contratos, que toda questo tem dois lados ou mesmo que precisoserem dois para uma querela, ento, esse sobrevivente ter o direito de resistir Nova Cultura, a faca, a pau e a padre; porque o prussiano comea sua cultura pelo

    ato que a destruio de todo pensamento criador e de toda ao construtiva. Elequebra na alma esse espelho onde o homem v a face de seu amigo e de seuinimigo.

    1. 1.[N. da P.]Este tipo de projtil se estilhaa dentro do corpo do indivduo atingido, provocando dores

    terrveis, o que normalmente no acontece com uma bala comum. Por essa razo, o uso de balas dum-dum foi

    condenada pela Conveno de Haia de 1899.

    2. 2.With a tendency to the grey or the drab. J ogo de palavras sem traduo. (N. T.).

    3. 3.Famlia de grupos tnicos existente na regio sudoeste da frica existente, sobretudo na Nambia, ento

    ocupada pelos alemes.

    4. 4.[N. da P.]Ou um Godo de um Gauls.

    5. 5.[N. da P.] Ojibway e Dacotas so os nomes de dois grupos indgenas norte-americanos.

    6. 6.[N. da P.]Camares era colnia alem quando Chesterton escreveu esse livro.

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    O apetite da tiraniaO Imperador da Alemanha queixou-se da aliana que nosso pas firmou com umapotncia brbara e semi-oriental. J esclarecemos o sentido que atribumos palavra brbaro: aquele que hostil civilizao e no o que insuficientementecivilizado. Mas se passarmos da idia de barbaria para a idia de orientalismo, o

    caso se torna ainda mais curioso. Nada h particularmente trtaro nos negciosrussos, exceto o fato de terem os russos expulsado os trtaros. O invasor orientalocupou e oprimiu o pas durante longos anos; o mesmo, porm, aconteceu com aGrcia, a Espanha e com a prpria ustria. Se a Rssia sofreu alguma coisa dooriente, sofreu por lhe resistir, e um pouco difcil admitir que o milagre de sualibertao venha agora pesar como um equvoco em suas origens. Tenha ou noJonas vivido trs dias no interior de um peixe, nem por isso se tornou um trito. Eno caso de todas as outras naes europias que escaparam de monstruososcativeiros, admitimos perfeitamente a pureza e a continuidade do tipo europeu.Consideramos a antiga dominao oriental como um ferimento mas no como umamancha. Homens de pele cobreada, vindos de frica, governaram durante sculos areligio e o patriotismo dos espanhis. Nunca ouvi dizer, entretanto, que Dom

    Quixote fosse uma fbula africana no gnero de Uncle Remus1 Tampouco ouvidizer que os vigorosos tons negros da pintura de Velasquez fossem devidos influncia de um antepassado africano. No caso de Espanha que est to prximade ns, fcil reconhecer a ressurreio da nao civilizada e crist depois desculos de servido. Mas a Rssia no est to perto, e a maioria das pessoas, paraas quais as naes no passam de letreiros no jornal, capaz de imaginar, como oamigo de Mr. Baring, que todas as igrejas russas so mesquitas. A terra deTurguenieff no uma selva de faquires; e mesmo o fantico russo tem tantogarbo de no ser mongol, como o fantico espanhol se orgulha de no ser mouro.A cidade de Reading, atualmente, oferece poucas oportunidades pirataria de altomar; nos tempos de Alfredo foi, entretanto, um couto de piratas. Seria, a meu ver,um pouco excessivo tratar os habitantes de Berkshire de semidinamarqueses,

    simplesmente porque expulsaram os dinamarqueses. Em resumo, uma temporriasubmerso em ondas de selvageria foi a sorte de muitas das mais civilizadasnaes da cristandade; e perfeitamente ridculo concluir que a Rssia, tendo sidoa que mais duramente combateu, deve ser a que menos recuperou. Em toda parte,sem dvida, o oriente espalhou uma espcie de esmalte nas regies conquistadas,mas em toda parte o esmalte estalou. A verdadeira histria, de fato, exatamenteo contrrio do provrbio barato inventado contra os moscovitas. No exato dizer:Raspe o russo, encontrar o trtaro. Nas horas mais sombrias da dominaobrbara, ainda era mais certo dizer: Raspe o trtaro, encontrar o russo. Era acivilizao que sobrevivia sob a barbaria. Esse vital romance da Rssia, a revoluocontra a sia, pode ser provado por puros fatos, no somente pela atividade quasesobre-humana da Rssia durante a luta, mas tambm (o que muito mais raro no

    decorrer da histria humana) pela perfeita coerncia de sua conduta desde ento. a Rssia a nica das grandes naes que realmente expulsou o mongol de seu solo,e que continuou a protestar contra a presena do mongol em seu continente.Sabendo o que ele tinha sido para a Rssia, sabia bem o que seria para a Europa.Seguia, deste modo, uma linha de pensamento lgico que era, tanto quantopossvel, hostil s energias e s religies orientais. No injusto dizer que todas asoutras naes tiveram alianas com o oriental, mongol ou muulmano. A Franaserviu-se deles, como de peas de artilharia, contra a ustria; a Inglaterra apoiou-os calorosamente durante o regime Palmerston; at mesmo os jovens italianos

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    enviaram tropas Crimia. Quanto Prssia e sua vassala austraca, suprfluodizer qualquer coisa hoje2. Seja como for, por este ou por aquele motivo, o fatohistrico que a Rssia a nica das potncias da Europa que nunca defendeu oCrescente contra a Cruz.

    Isto, sem dvida, no parece ser um assunto muito importante; mas pode tornar-

    se em certas condies especiais. Suponhamos, para maior facilidade de raciocnio,que existisse na Europa um poderoso prncipe que se desviara de seu caminho,com ostentao, para tributar homenagens aos trtaros, aos mongis e aosmuulmanos que ainda se mantinham em postos avanados da Europa.Suponhamos que existisse um Imperador cristo que nem sequer pudesse visitar otmulo do Crucificado sem se deter para congratular o ltimo crucificador vivo. Seexistisse um imperador que oferecesse canhes, guias, mapas e instrutoresmilitares para defender os remanescentes mongis na cristandade, que lhediramos ns? Creio que poderamos, pelo menos, pedir contas de sua impudnciaquando ele alude ao apoio dado a uma potncia semi-oriental. No exato quetenhamos apoiado uma potncia semi-oriental; o que exato que aqueleimperador apoiou uma potncia inteiramente oriental, e isso ningum poder

    contestar, nem ele mesmo.

    Deve ser notada aqui, porm, a diferena essencial entre a Rssia e a Prssia, echamo a especial ateno daqueles que usam os habituais argumentos liberaiscontra a Rssia. A Rssia tem uma poltica que ela vem seguindo se quiserem atravs do mal e do bem. Em todo caso, e por isso mesmo, tem produzido ora obem ora o mal. Admitamos como certo que essa poltica a levou a oprimir osfinlandeses e os poloneses, observando de passagem que os poloneses russos sesentem menos oprimidos que os poloneses prussianos. entretanto um fatohistrico que a Rssia, tendo sido desptica para alguns pequenos pases, foilibertadora de outros. Emancipou, na medida que pde, os srvios e osmontenegrinos. Mas quais so os pases que a Prssia um dia libertou, mesmo por

    acidente? No deixa de ser assaz extraordinrio que nas perptuas mutaes desua poltica internacional os Hohenzollerns nunca, jamais!, se tenham extraviadopara o caminho da luz. Fizeram e desfizeram alianas com quase todas as naes:com a Frana, com a Inglaterra, com a ustria, com a Rssia. Haver um indivduobastante cndido para descobrir o mais leve vestgio de progresso e de libertao,deixado por eles nesses povos? A Prssia foi inimiga da monarquia francesa, masainda pior inimiga da revoluo francesa. Foi inimiga do Czar, mas pior inimiga daDuma3. Ignorou totalmente os direitos austracos, mas hoje est pronta para servirs injustias austracas. Esta precisamente a forte diferena entre os doisimprios. A Rssia est procurando atingir certos fins inteligveis e sinceros, quepara ela so ideais, pelos quais ser capaz de sacrifcios e proteger os fracos. Maso nrdico alemo uma espcie de tirano terico, sempre e em toda parte

    devotado tirania materialista. Esse teuto uniformizado tem sido visto em lugaresestranhos: fuzilando fazendeiros diante de Saratoga4 e aoitando soldados nocondado de Surrey5; enforcando negros na frica e raptando moas em Wicklow;mas jamais, por alguma misteriosa fatalidade, foi ele visto prestando auxlio para alibertao de uma nica cidade, ou ajudando a independncia de uma s bandeira.Onde houver, porm, uma orgulhosa e prspera opresso, a estar o prussiano,inconscientemente lgico, instintivamente coercivo, inocentemente cruel;perseguindo as trevas como um sonho.

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    Suponhamos um personagem (dotado de certa longevidade) que tenha ajudadoAlva a perseguir os protestantes holandeses, e depois tenha ajudado Cromwell aperseguir os catlicos irlandeses, e depois ajudado Claverhouse a perseguir ospuritanos escoceses; acharamos mais razovel cham-lo de perseguidor do quecham-lo de protestante ou catlico. Tal a curiosa posio que o prussiano ocupana Europa. O fato que nenhum argumento pode alterar, que em trs casos

    convergentes e concludentes, ele esteve ao lado de trs governos distintos dediferentes religies, que nada tinham de comum seno o exerccio da opresso.Nesses trs governos, tomados separadamente, possvel encontrar algo dedesculpvel ou pelo menos de humano. Quando o Kaiser encorajava os russos aesmagarem a revoluo, os dirigentes russos acreditavam sem dvida que estavamcombatendo um inferno de atesmo e de anarquia. Um socialista, de uma espciecomum na Inglaterra, ps-se a gritar diante de mim quando falei em Stolypin6, edisse que sua maior fama provinha do sistema de forca chamado gravata deStolypin. Na verdade, a respeito de Stolypin, h muitas outras coisas dignas deinteresse alm de sua gravata: sua poltica sobre a propriedade rural, suaextraordinria bravura pessoal, e, mais interessante ainda, o gesto que fez no leitode morte, quando traou o sinal da cruz na direo do Czar, coroa e cabea da

    cristandade. Mas o Kaiser no considera o Czar como chefe de uma cristandade.Longe disso. O que ele prestigiava em Stolypin era a gravata, apenas a gravata.Era a forca e no a cruz. O chefe russo acreditava na ortodoxia da Igreja Ortodoxa;o arquiduque austraco realmente desejava tornar catlica a Igreja Catlica, eacreditava que se batia pelo catolicismo batendo-se pela ustria. Mas o Kaiser noera pr-catolicismo ou pr-ustria; ele era, pura e simplesmente, anti-Srvia.Ainda mais: mesmo no cruel e estril esforo da Turquia, um indivduo dotado deimaginao poder ver algo da trgica e portanto da comovente sinceridade docrente. O pior que se pode dizer do muulmano, como disse o poeta, que eleoferece ao homem a escolha entre o Coro e a espada. O melhor que se pode dizerdo Imperador da Alemanha que ele no faz questo do Coro e que lhe basta aespada. Tenho para mim que os prprios pecados dos outros trs esforados

    imprios, em comparao, se revestem de tristeza e dignidade: eles no merecemque esse pequeno velhaco luterano venha patrocinar o que neles h de mal,ignorando o que neles h de bem. Ele no catlico; no ortodoxo; no muulmano. apenas um velho cavalheiro que deseja ter parte no crime, nopodendo ter parte nas crenas. Deseja ser o perseguidor pela tortura sem a palma.To fortemente o prussiano arrastado por seus instintos contra a liberdade, queseria capaz de oprimir os sditos de outras naes por no suportar a idia deexistirem pessoas privadas dos benefcios da opresso. uma espcie de dspotadesinteressado. Desinteressado como um demnio que est sempre disposto afazer um servio sujo para algum.

    Tudo isso pareceria fantstico, evidentemente, se no fosse o apoio de slidos fatos

    que de outro modo seriam inexplicveis. Na verdade, isso seria inconcebvel se setratasse de um povo inteiro composto de indivduos livres e vrios. Mas na Prssiaa classe dirigente de fato uma classe que dirige: e muito poucas pessoas sonecessrias para estabelecer a linha de conduta que os outros seguiro. Oparadoxo da Prssia o seguinte: seus prncipes e nobres, enquanto s tm, nomundo, o objetivo de destruir a democracia onde quer que se manifeste,conseguiram se convencer que so eles, os prussianos, no os guardies dopassado, mas os precursores do futuro. Mesmo sem acreditarem na popularidadede suas teorias, crem na possibilidade de sua expanso. Novamente encontramos

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    aqui um abismo espiritual entre as duas monarquias em questo. As instituiesrussas, em muitos casos, esto realmente atrasadas em relao ao povo russo; emuitos so entre eles os que no ignoram esse fato. Mas as instituies prussianasso consideradas como estando adiantadas em relao ao povo da Prssia; emuitos so, entre eles, os que crem nisso. Torna-se, assim, muito mais fcil aossenhores da guerra ir por toda parte impondo uma escravido desesperanada,

    visto que conseguiram impor uma esperanosa escravido aos homens de suaprpria raa. E quando nos vierem falar das decrpitas iniqidades russas e de suasretrgradas instituies, saberemos responder: exato; esta a superioridade daRssia. Suas instituies fazem parte de sua histrica, j como relquias, j comofsseis. Seus abusos foram um dia usos que se tornaram usados.

    Se possuem velhos engenhos de tortura e terror, com o tempo e a ferrugem eles sedesmantelaro como as velhas cotas de malhas. Mas no caso da tirania prussiana proclama-se que ela no antiga e que, ao contrrio, vai comear agora comono circo. H na Prssia florescentes indstrias de algemas, movimentadas lojas derodas, cavaletes e pelourinhos tudo conforme os mais modernos e perfeitosmodelos com os quais pretende recuperar a Europa para a causa da

    Reao... infandum renovare dolorem. Se quisermos examinar o quanto isso verdadeiro, podemos adotar o mesmo mtodo que nos mostrou que a Rssia, comsua raa e sua religio, dando s vezes invasores e opressores, dar outras vezesum libertador e um cavaleiro andante. Do mesmo modo, se exato que asinstituies russas esto fora de moda, tambm exato que eles exibemhonestamente o bom e o mau que sempre existem nas coisas fora de moda.

    Em sua organizao policial, eles mantm uma desigualdade que contraria a idiaque temos de lei. Mas em suas organizaes comunais, eles tm uma igualdadeque mais velha do que a prpria lei. Mesmo quando se esbordoam mutuamente,como brbaros, eles se tratam pelos nomes de batismo, como crianas. No que tmde pior, mantm o que h de melhor numa sociedade rstica. No que tm de

    melhor, so bons, com simplicidade, como meninos bons, como boas irms decaridade. Mas na Prssia, tudo o que h de melhor, em matria de civilizadosmaquinismos, est ao servio do que existe de pior, em matria de mentalidadebrbara. Ainda aqui o prussiano no tem um dos mritos fortuitos, uma dessassobrevivncias felizes, um desses arrependimentos tardios, que formam aheterclita mas autntica glria da Rssia. Aqui, tudo est apurado em ponta, eapontado para um propsito, e esse propsito, se as palavras e os atos aindaconservam algum sentido, a destruio da liberdade nos quatro cantos do mundo.

    1. 1.Figura do folclore negro norte-americano.

    2. 2.Em 1915 a Turquia era aliada Alemanha e ustria.

    3. 3.Conselho de Estado criado na Rssia (1905) e dissolvido (1909). (N. T.).

    4. 4.[N. da P.]Nas imediaes do condado de Saratoga, Nova York, ocorreram as Batalhas de Saratoga (19 de

    setembro e 7 de outubro de 1777), que marcaram a reviravolta da Guerra de Independncia dos EUA. Boaparte dos soldados eram alemes contratados como mercenrios.

    5. 5.[N. da P.]Ver, do mesmo autor, The Crimes of England, captulo V, The Lost England.

    6. 6.[N. da P.]Pyotr Arkadyevich Stolypin (1862-1911) serviu a Nicolau II e considerado um dos maiores estadistas da Rssia imperial. Reprimiuduramente revoltosos.

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    A evaso da loucuraDurante as consideraes feitas sobre o esprito prussiano, estivemos observandoum fenmeno que parece ser, principalmente, uma limitao mental: uma espciede n no crebro. Perante o problema da populao eslava, da colonizao inglesaou do armamento e reforo do exrcito francs, a mesma estranha m disposio

    filosfica se manifesta. Na medida em que a posso acompanhar, seria possvelresumi-la nesta frase: muito injusto que vocs sejam superiores a mim porqueeu sou superior a vocs. Os porta-vozes desse sistema parecem dotados de umcurioso talento de concentrar confuses ou contradies no mesmo perodo emuitas vezes na mesma frase. J mencionei a famosa sugesto do Imperador daAlemanha que nos incitava a nos tornarmos hunos para conjurar o perigo doshunos. Um exemplo mais eloqente o da ordem que recentemente transmitiu stropas em guerra no norte da Frana. Como muita gente sabe rezava assim aordem: meu Real e Imperial desejo que concentreis vossas energias, nopresente momento, sobre um nico objetivo e que apliqueis toda vossa habilidade etodo valor de meus soldados em exterminar antes de tudo os traidores ingleses eem esmagar o desprezvel pequeno exrcito do general French. A grosseria da

    observao pode no ser levada em conta por um ingls; o que me interessa amentalidade, o encadeamento de idias que consegue se embaraar em to curtoespao. Se o pequeno exrcito de French desprezvel, parece evidente que o valore a capacidade do exrcito alemo andaria mais avisado no se concentrando sobreele, e sim sobre maiores e menos desprezveis foras. Se todo valor e recurso doexrcito alemo se concentra contra o exrcito de French, ento ele no est sendoconsiderado como pequeno e desprezvel. Mas o retrico da Prssia tem doissentimentos incompatveis no esprito, e insiste em enunci-los ao mesmo tempo.Ele precisa considerar o exrcito ingls uma pequena coisa, mas precisa tambmconsiderar a derrota inglesa uma grande coisa. Tem necessidade de exultar, nomesmo momento, com a completa fraqueza de um ataque ingls, e com ahabilidade e o valor dos alemes que repelirem aquele ataque. preciso, de

    qualquer maneira, apresentar o mesmo fato como um esperado e banal colapsoingls, e como um ousado e inesperado triunfo alemo. Tentando exprimirsimultaneamente essas percepes contraditrias, ele tornou-se um pouco confuso.E por isso ele incitou a Alemanha a cobrir todos os seus vales e montes com osespasmos de agonia desse inseto quase invisvel; e a tingir de vermelho as guasdo Reno, at o mar, com o impuro sangue dessa barata. Seria, entretanto, injustobasear uma crtica nas alocues de um prncipe acidental e hereditrio, mas o fato que o mesmo fenmeno aparece com igual evidncia nas palavras dos filsofosque tm sido apresentados, mesmo na Inglaterra, como os verdadeiros profetas doprogresso. E em circunstncia alguma aparece com maior nitidez do que no confusodiscurso sobre raa; e ainda mais especialmente sobre a raa teutnica. Oprofessor Havnack, e os indivduos de sua espcie, nos censuram, se bem os

    compreendi, pelo fato de termos rompido os laos do teutonismo, lao este queos prussianos teriam observado estritamente, tanto nas observncias como nasbrechas. Temos a prova disso na completa anexao de terras exclusivamentehabitadas por negros, como a Dinamarca. Outra prova ns temos na rapidez e naalegria com que eles reconheceram os cabelos claros e os olhos azuis dos turcos.Mas , sobretudo, o princpio abstrato do Professor Havnack que mais meinteressa; procurando segui-lo, tenho sempre a mesma complexidade nainvestigao, mas a mesma simplicidade no resultado. Comparando o meticulosoescrpulo do Professor a respeito do Teutonismo, com sua displicncia a respeito da

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    Blgica, no posso evitar a seguinte concluso: Um homem no precisa manter oque prometeu; mas deve manter o que no prometeu. Havia certamente umtratado que ligava a Gr-Bretanha Blgica, admitindo mesmo que no passassede um farrapo de papel. Se existia algum tratado ligando a Gr-Bretanha aoTeutonismo, o menos que dele se pode dizer que um farrapo de papel perdido.Quase poderamos dizer que um farrapo de papel de embrulho. Neste ponto,

    ainda uma vez, os pedantes que estamos considerando exibem uma perversidadeilgica que produz vertigens em nosso esprito. H obrigaes, e no h obrigaes:s vezes parece que a Alemanha e a Inglaterra devem manter mtua fidelidade; svezes parece que a Alemanha no precisa manter fidelidade alguma. Hoje somosns os nicos, entre os povos da Europa, que quase merecemos o ttulo degermnicos; amanh, tambm os russos e franceses so considerados como sequase alcanassem o encantador carter alemo. Mas atravs de tudo isto subsiste,brumoso mas no hipcrita, o sentimento de um teutonismo comum.O Professor Haeckel, uma das outras testemunhas invocadas contra ns, adquiriu

    um dia certa celebridade quando demonstrou a notvel semelhana de duas coisasdiversas, fazendo imprimir duas vezes a imagem da mesma coisa. A contribuiodo Professor Haeckel em biologia, nesse caso, era exatamente igual contribuio

    do Professor Havnack em etnologia. O Professor Havnack sabe como a cara deum alemo; quando deseja ter uma idia da cara de um ingls, torna a fotografar,simplesmente, o mesmo alemo. Em ambos os casos h provavelmente tantasinceridade quanta simplicidade. Haeckel estava to certo da relao e da ligaoexistentes entre as espcies ilustradas em embrio que lhe pareceu mais fcilsimplificar tudo por meio de uma repetio. Havnack tinha tamanha certeza dasemelhana existente entre alemes e ingleses, que no hesitou em arriscar ageneralizao, dizendo que eles so exatamente iguais. Ele fotografa, por assimdizer, a mesma cabea loura e tola duas vezes, e depois assinala a notvelsemelhana desses dois primos. Assim consegue ele provar a existncia doteutonismo to irrefutavelmente como Haeckel provou a proposio maissustentvel da no existncia de Deus.

    Ora, o alemo e o ingls no so de modo algum parecidos exceto no sentido deno serem negros tanto um como outro. Eles so realmente, nos defeitos e nasqualidades, mais diferentes do que qualquer par de homens tomados ao acaso nagrande famlia europia. So antagnicos pelas razes de suas histrias e, aindamais, por suas geografias. No basta dizer que a Gr-Bretanha um pas insular.Sob os golpes do mar, a Gr-Bretanha uma ilha quase dilacerada em trs ilhas, enos seus recantos mais abrigados e mais interiores ainda se pode sentir algumcheiro de sal. A Alemanha um belo, poderoso e frtil pas continental que s podealcanar o oceano por um ou dois caminhos estreitos e tortuosos, como os que voter aos lagos subterrneos. Por isso a marinha britnica realmente nacionalporque natural; ela ganhou corpo custa de centenas de acidentais aventuras

    com navios e marinheiros, antes e depois de Chaucer. Mas a marinha alem umacoisa artificial; to artificial como seria a construo de uns Alpes na Inglaterra.Guilherme II copiou simplesmente a marinha britnica como Frederico II copiou oexrcito francs: e essa insistncia na imitao, de japons ou de formiga, umadas mil qualidades que os alemes possuem e de que os ingleses sosingularmente desprovidos. H outras superioridades alemes, entretanto, que sorealmente superiores.

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    As duas ou trs coisas realmente apreciveis que os alemes possuem soexatamente aquelas que faltam nos ingleses: o verdadeiro senso da msicapopular, por exemplo, e das canes do povo que no saram das cidades nemforam buscadas entre profissionais. Nisto, os alemes mais se parecem com osgalenses, mas sabe Deus o que ficaria do teutonismo se essa semelhana tivessefundamento. A diferena entre o alemo e o ingls mais ntima, mais profunda,

    do que seria de esperar das simples aparncias; eles diferem mais do quequaisquer outros europeus pela habitual disposio do esprito. Diferem sobretudopor um trao, o mais ingls dos ingleses; diferem por esse pudor que os franceses,talvez com razo, chamam de fausse honte, e que, certamente, se compe dedoses de orgulho e desconfiana, formando um total que chamamos timidez. Aprpria grosseria de um ingls provm quase sempre de uma certa encabulao.Mas a grosseria de um alemo provm quase sempre de sua incapacidade deencabular. Ele come e ama ruidosamente. Nunca lhe parece que um discurso, umacano, um sermo ou um banquete estejam deslocados, como a ns seafigurariam em determinadas circunstncias. Quando os alemes so patriotas oureligiosos no sabem manter nenhuma reao contra o patriotismo e a religio,como os ingleses e os franceses.

    Ainda mais, o equvoco dos alemes no atual desastre em larga medida proveio deterem julgado que a Inglaterra simples, quando no contrrio ela extremamentesutil. Observando que nossa poltica se tinha tornado financeira, pensaram que elaera exclusivamente financeira; observando que nossos aristocratas se tinhamtornado regularmente cnicos, pensaram que eles eram inteiramente corruptos. Nopuderam apreender a sutilieza pela qual um gentleman arruinado pode vender umttulo mas no venderia uma fortaleza; pode baixar um estandarte e resistir parano baixar uma bandeira.

    Em resumo, os alemes esto certssimos de nos terem compreendido, justamenteporque no nos compreenderam. Se chegassem a nos compreender, possvel que

    ainda nos detestassem com mais fora: eu preferiria porm ser malquisto poralgum pequeno, mas verdadeiro motivo, do que perseguido com amor por todasorte de qualidades que no possuo nem desejo. E, quando os alemes lograrem oprimeiro vislumbre genuno do que vem a ser a Inglaterra de hoje, descobriro queessa Inglaterra tem, imperfeito embora, humilhado e tardio, um sentimento deobrigao para com a Europa; mas no sente o menor vestgio de obrigao paracom o teutonismo.

    Essa a ltima e mais forte das qualidades prussianas que aqui consideramos. Hnessa espcie de estupidez uma estranha fora escorregadia que nos arrasta, nosomente para fora das regras, mas para fora da razo. O homem que realmenteno percebe suas prprias contradies leva uma vantagem na controvrsia, se

    bem que essa vantagem se dissipe quando ele tentar aplic-la a uma simples soma,ao jogo de xadrez ou a esse jogo chamado guerra. D-se o mesmo com o caso doparentesco unilateral. O bbedo que est persuadido firmemente que um indivduototalmente desconhecido um irmo perdido h muito tempo, leva uma vantagemincontestvel at o momento de se apurarem os detalhes. Precisamos ter um caosdentro de ns, disse Nietzsche, para podermos dar a luz a uma estrela danante.

    Esbocei, nestas ligeiras notas, as principais grandes linhas do carter prussiano.Uma deficincia de honra que chega a ser uma deficincia de memria, uma

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    egolatria que honestamente cega para o ego dos outros; e, acima de tudo, umaccega de tirania e de intromisso com que o demnio atormenta, em todos oslugares, os ociosos e soberbos. Devemos ainda acrescentar qualquer coisa deinforme no esprito, algo que se contrai e se distende sem nenhuma relao com amemria e com a razo: um infinito potencial de desculpas. Se os inglesesestivessem combatendo ao lado dos alemes, os professores prussianos

    assinalariam quo admirveis eram as energias desenvolvidas pelos teutes. Comoos ingleses esto no lado oposto, os mesmos professores diro que aqueles teutesno esto perfeitamente evoludos. Ou, ento, que eles tinham apenas o necessriodesenvolvimento para mostrar que no eram teutes. Provavelmente diro as duascoisas. Mas a verdade que tudo que eles chamam evoluo merc com maisjusteza o nome de evaso. Dizem-no eles que esto abrindo janelas para a luz eportas para o progresso. A verdade que eles esto destruindo inteiramente a casada inteligncia humana para poderem escapar em todas as direes. H umparalelo quase monstruoso, um pressgio de mau agouro, entre a alta cotaoanunciada por seus filsofos, e a relativa baixa cotao de seus soldados; porqueaquilo que os professores chamam caminho do progresso , na realidade, ocaminho da fuga.

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    Orao pela beatificao de Chesterton

    Orao pela beatificao de Chesterton em portugus, traduzido doespanhol.

    Deus Nosso Pai,

    Tu que enchestes a vida de teu Servo Gilbert Keith Chesterton comaquele sentido de assombro e alegria, e lhe destes aquela f que foi ofundamento de seu incessante trabalho, aquela esperana que nascia de suaperene gratido pelo dom da vida humana, aquela caridade para com todosos homens, particularmente em relao aos seus adversrios; faz com que suainocncia e seu riso, sua constncia em combater pela f crist em um mundodescrente, sua devoo de toda a vida pela Santssima Virgem Maria e seuamor por todos os homens, especialmente pelos pobres, concedam alegria aaqueles que se encontram sem esperana, convico e ardor aos crentestbios e o conhecimento de Deus queles que no tem f.Te rogamos que nos outorgue os favores que te pedimos por sua intercesso,

    (e especialmente por....), de maneira que sua santidade possa serreconhecida por todos e a Igreja possa proclam-lo Beato.Tudo isto te pedimos por Cristo Nosso Senhor.Amm.