a bancarrota de portugal

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A bancarrota de Portugal – Teremos que sair da Zona Euro? Parte I Antes de responder a esta questão tenho que explicar como funciona uma zona monetária e como o sistema responde a um desequilíbrio externo. Simulo uma aldeia que tem uma moeda e comparo o seu funcionamento em câmbios flexíveis e em câmbios fixos. A aldeia de Santo Aleixo dos Mendigos Tem moeda própria, o Falso. Circulam na aldeia 10000F e o governo do sistema cambial é assegurado pelo Cambista que tem reservas de 1000€ e 1000F. As transacções dentro da aldeia são em Falsos e as realizadas com o exterior são em Euros. Por exemplo, um agricultor compra uma camisa ao Alfaiate por 10F; o Alfaiate compra no exterior 5€ de pano, um agricultor vende no exterior 10€ de batatas. Para poderem comprar bens no exterior, os aldeões trocam os Falsos por Euros e, quando voltam de vender bens ao exterior, trocam os Euros por Falsos. 1. A Balança Comercial da aldeia está em equilíbrio com uma cotação do Falso de 1€/F. Cada dia uns aldeões cambiam 100F por 100€ que gastam na importação de bens. Nestas operações, o Cambista reduz as suas reservas em Euros para 900€ e aumenta as suas reservas em Falsos para 1100F. A quantidade de Falsos em circulação diminui em 100F. Outros aldeões exportam produtos no valor de 100€ que cambiam por 100 Falsos. Nestas operações, o cambista aumenta as suas reservas em Euros para 1000€ e reduz as suas reservas em Falsos para 1000F. A quantidade de Falsos em circulação aumenta em 100F.

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Como Portugal foi à bancarrota

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Page 1: A bancarrota de Portugal

A bancarrota de Portugal – Teremos que sair da Zona Euro? Parte IAntes de responder a esta questão tenho que explicar como funciona uma zona monetária e como o sistema responde a um desequilíbrio externo. Simulo uma aldeia que tem uma moeda e comparo o seu funcionamento em câmbios flexíveis e em câmbios fixos.

A aldeia de Santo Aleixo dos Mendigos

Tem moeda própria, o Falso. Circulam na aldeia 10000F e o governo do sistema cambial é assegurado pelo Cambista que tem reservas de 1000€ e 1000F.

As transacções dentro da aldeia são em Falsos e as realizadas com o exterior são em Euros. Por exemplo, um agricultor compra uma camisa ao Alfaiate por 10F; o Alfaiate compra no exterior 5€ de pano, um agricultor vende no exterior 10€ de batatas.

Para poderem comprar bens no exterior, os aldeões trocam os Falsos por Euros e, quando voltam de vender bens ao exterior, trocam os Euros por Falsos.

1. A Balança Comercial da aldeia está em equilíbrio com uma cotação do Falso de 1€/F.

Cada dia uns aldeões cambiam 100F por 100€ que gastam na importação de bens. Nestas operações, o Cambista reduz as suas reservas em Euros para 900€ e aumenta as suas reservas em Falsos para 1100F. A quantidade de Falsos em circulação diminui em 100F.

Outros aldeões exportam produtos no valor de 100€ que cambiam por 100 Falsos. Nestas operações, o cambista aumenta as suas reservas em Euros para 1000€ e reduz as suas reservas em Falsos para 1000F. A quantidade de Falsos em circulação aumenta em 100F.

Ao fim do dia mantêm-se as reservas e a quantidade de moeda em circulação.

2. A Balança Comercial desequilibra-se e o Cambista implementa câmbios flexiveis

Page 2: A bancarrota de Portugal

Há uma crise e os exportadores começam a exportar apenas 90€ por dia o que desequilibra a Balança Comercial, BC. Se o cambista não actuar, as suas reservas em Euros diminuem, as em Falsos aumentam e a quantidade de Falsos em circulação diminui.

O Cambista estabelece uma regra de ajustamento da cotação do Falso em função das reservas cambiais: Quando as reservas em Euros diminuem (e as em Falsos aumenta), o Cambista desvaloriza o Falso (e vice-versa).

A diminuição da cotação do Falso induz um aumento proporcional no preço dos bens importados (que diminui as importações) e uma diminuição proporcional no preço dos bens exportados (que aumenta as exportações). Por exemplo, à cotação de 1.1€/F, as importações diminuem para 95€/s e as exportações aumentam para 95€/s, ficando a BC equilibrada.

O câmbio flutuante bem feito é um mecanismo muito forte de ajustamento da economia.

A BC desequilibra-se, o Cambista mantém o câmbio fixo mas a moeda perde a convertibilidade

A diminuição da moeda em circulação induz uma diminuição nos preços (deflação) que é uma força equilibradora da BC: preços mais baixos fazem expandir as exportações e diminuir as importações.

No entanto, como as reservas cambiais são pequenas (10%) e existe rigidez na diminuição dos preços, só é possível manter a convertibilidade em câmbios fixos quando há pequenos desequilíbrios na BC. Se os desequilíbrios forem grandes, as reservas em euros esgotam-se antes de haver ajustamento o que implica a perda da convertibilidade da moeda que é um mecanismo muito forte de correcção da BC.

A generalidade dos países é mal governada (por exemplo, pelo Chaves) pelo que não tem moeda convertível:

Provavelmente o Chaves não é esta mas se o google diz que sim, quem sou eu para dizer que não.

A BC desequilibra-se e o Cambista pretende manter o câmbio fixo e a convertibilidade 

Page 3: A bancarrota de Portugal

Vamos supor que a economia é pouco flexível pelo que a diminuição em 10% da quantidade da moeda em circulação não é suficiente para equilibrar a BC. O Cambista precisa endividar-se em Euros para reduzir ainda mais a quantidade de Falsos em circulação. Endividando-se em 500€, consegue aumentar as suas reservas em Falsos para 500F e diminuir a quantidade de moeda em circulação em 50%.

O câmbio fixo com endividamento é uma estratégia aceitável quando existe excesso de exportações (como é o caso da China com endividamento negativo) mas pouco recomendável para combater défices pronunciados da BC pois pode levar à bancarrota do Cambista.

O objectivo primordial do FMI é evitar que os cambistas entrem em bancarrota. É um mecanismo de ajuda mútua em que os cambistas das aldeias com excedente cambial ajudam os cambistas das aldeias com défice cambial. Mas os cambistas ajudados têm que diminuir a liquidez da aldeia senão nunca mais há equilíbrio externo.Isto porque existem cambistas que pedem Euros emprestados e depois, emprestando Falsos aos aldeões, evitam o ajustamento (tipo Guterres).

Cada aldeia tem a sua moeda

Contam-se mil aldeias e mil moedas diferentes no país. Nesse caso, teoricamente o cambista de Santo Aleixo dos Mendigos terá reservas das 1000 moedas diferentes e terá 999 taxas de câmbio. Tal seria impraticável pelo que o Cambista apenas terá reservas de 3 ou 4 moedas (Falsos e, por exemplo, Euros e Dólares). Uma pessoa que queira Contrafeitos que é a moeda de Santa Edwiges dos Endividados, troca primeiro Falsos por Dólares e, uma vez chegada à outra aldeia, troca Dólares por Contrafeitos. Dá muito trabalho.

Nota final: A variável mais importante para medir o desequilíbrio da aldeia é a Balança Corrente mas a Balança Comercial é de mais fácil compreensão.

Page 4: A bancarrota de Portugal

Pedro Cosme Costa Vieira, Faculdade de Economia do Porto

A bancarrota de Portugal – Teremos que sair da Zona Euro? Parte II

A aldeia, aparentemente, passou o teste dos câmbios fixos pelo que aderiu à Zona Euro. Agora o que se discute são os custos de abandonar essa zona cambial e voltar a ter moeda própria.Ver Parte I

1. Os custos dos câmbios flexíveis

Risco Cambial - Vamos supor que a cotação do Falso é 1€/F e que um agricultor faz um contrato para exportar 1000kg de batatas por 300€ daqui a 6 meses. Se a cotação se mantiver, o agricultor recebe 300F mas se a cotação subir para 1.25€/F, o agricultor só recebe 240F. Estando a maior parte dos seus custos em Falsos, irá ter prejuízo quando pensava que ia ter lucro.

Custos de transacção – A operação de câmbio tem custos administrativos. Por um lado, o Cambista devota recursos ao controle das reservas e, por outro lado, as pessoas gastam recursos a constantemente trocar Falsos por Euros. Se uma zona monetária for pequena, as trocas com o exterior serão muito importantes pelo que os custos de transacção se tornam muito elevados. Assim, não é possível que cada aldeia de Portugal tenha uma moeda própria.

Má governação – Como os desequilíbrios se corrigem com desvalorizações, o Governo pode-se manter incompetente. Além disso, a constante flutuação do câmbio dificulta a identificação pelos aldeões de que o seu rendimento é baixo: “É o câmbio que o dá. Na França ganha-se mais porque um franco dá 30$00”.

2. Santo Aleixo dos Mendigos passou o teste dos câmbios fixos

O Cavaquismo foi a fase de reestruturação da economia para ser possível deixar os câmbios flexíveis e entrar no período de teste dos câmbios fixos. O Cavaco flexibilizou a economia e foi diminuindo a flutuação da cotação do Escudo e, no seu segundo mandato, começou com os “câmbios fixos sem endividamento”.

3. A Balança Comercial desequilibra-se um pouco

Vamos supor que existe um muito pequeno desequilíbrio da Balança Comercial, BC: As exportações diminuem de 100€/dia para 99€/dia, e as importações mantêm-se nos 100€/dia. Cada dia há uma

Page 5: A bancarrota de Portugal

saída líquida de 1€ para o exterior o que faz diminuir a quantidade de Euros em circulação na aldeia.

A economia é pouco flexível porque, por exemplo, os salários não podem diminuir. No entanto, como existe uma taxa de inflação na Zona Euro de 2%/ano, é suficiente a queda da inflação em Santo Aleixo dos Mendigos para 0.5%/ano para, ao fim de uns meses, a BC de equilibrar.

4. A Balança Comercial desequilibra-se muito

Vamos supor que existe um grande desequilíbrio da Balança Comercial, BC: As exportações diminuem de 100€/dia para 90€/dia, e as importações mantêm-se nos 100€/dia. Cada dia há uma saída líquida de 10€ para o exterior o que faz diminuir rapidamente a quantidade de Euros em circulação na aldeia.

Se a economia for flexível nos preços e salários, a diminuição da liquidez irá fazer os preços e salários diminuir o que aumenta as exportações e diminui as importações equilibrando a BC.

Se a economia não for flexível (porque os salários não podem diminuir), a diminuição da inflação não é suficiente para ajustar a economia pelo que a liquidez vai diminuir muito até deixar de haver moeda em circulação. Neste caso haverá graves problemas económicos: falências, desemprego e empobrecimento.

O mecanismo de ajustamento de pequenas oscilações pelo diferencial das taxas de inflação é que tem levado alguns economistas a defender que a inflação na Zona Euro deveria aumentar para 5%/ano: Já que não temos coragem politica para diminuir os nossos salários, os outros que aumentem os deles.

Em 1993 acontece uma crise económica que induz um forte desequilibro na BC. Mesmo assim, a economia portuguesa mostrou-se capaz de ajustar atingindo 1995 já equilibrada. Como uma crise implica diminuição da qualidade de vida (senão não se chamava crise), surgiu o Guterres a prometer o paraíso e o povo acreditou.

O Guterres decidiu abandonar os “câmbios fixos sem endividamento”.

5. A aldeia de Santo Aleixo dos Mendigos aderiu à Zona Euro

O Guterres escondeu que Portugal se estava a endividar e os nossos parceiros acreditaram. Isso aconteceu porque o endividamento foi desorçamentado: Foram as empresas públicas, as PPP e os particulares que tiveram o principal papel nesse processo.

No dia 31 de Dezembro os Falsos são cambiados à cotação fixa que estava vigente e o Euro começou a circular no dia 1 de Janeiro.

Page 6: A bancarrota de Portugal

6. O que fizeram o Guterres – Sócrates – Teixeira?

O raciocínio do Guterres - Sócrates – Teixeira foi que a crise era passageira e já tinha acabado.

Então, julgaram que não havia necessidade de flexibilizar mais a economia. Mas a liquidez continuava a baixar pelo que o Estado se começou a endividar no exterior e a injectar esses euros na aldeia. Também incentivou os privados a endividarem-se, por exemplo, bonificando os juros do crédito à habitação, descendo a taxa de juro dos Certificados de Aforro e fazendo pressão sobre os bancos e as empresas.

No mês seguinte deram conta que, afinal, a crise ainda não tinha acabado mas agora já estava terminada.

O governo endivida-se mais e incentiva ainda mais os privados a endividarem-se ao exterior.

O Governo continua a anunciar todos os dias que a crise já acabou.

A crise perdura há 15 anos e Portugal acaba por entrar em bancarrota.

5. Não há grande problema em sairmos da Zona Euros

Sair da Zona Euro é fazer a viagem de volta para os câmbios flexíveis. De Euros passa-se a Eurês com câmbios flexíveis. Não existe nenhum problema grave nisso. Introduzem-se apenas os normais problemas dos câmbios flexíveis: risco cambial, custos de transacção com o exterior e o Governo poder continuar a governar mal.

O Governo decide criar uma nova moeda, o Eurês

Contrata os Israelitas (que serão os únicos capazes de guardar segredo) a imprimir 50000milhões de Eurês.

Num dia de nevoeiro, no telejornal das 20h, o Sócrates anuncia:

“Acabamos de sair da Zona Euro. Por causa do Passos Coelho e do Rato Mickey, saímos da Zona Euro. Vamos ficar muito mais ricos porque agora podemos fazer notas.”

Nesse momento desactiva as Caixas Multibanco, interrompe as transferências internacionais em Euros, e chegam os aviões carregados com notas de Eurês que são distribuídas durante a noite pelos bancos.

Page 7: A bancarrota de Portugal

Os Euros existentes nos bancos passam para o Banco de Portugal que fica o Cambista e faz-se a transferência dos saldos, salários e preços ao câmbio de 1Eurês/€.

Depois, logo se vê como evolui a cotação do Eurês que irá diminuir até a BC se equilibrar. Uma vez equilibrada a BC, pode-se passar de novo para câmbios fixos e re-entrar na Zona Euro.

E as nossas dívidas?

Haverá uma parte das dívidas que fica em Euros e outras passa para Eurês.

Os bancos e o governo avaliam no total de dívidas a percentagem que é ao exterior e, por uma questão de justiça relativa, aplicam essa percentagem a todas as dívidas que se compensam entre eles. Por exemplo, eu devo ao banco 50000€ e o governo calcula que a percentagem em Euros é de 30%. Eu pago os 15000€ à cotação do dia mais os 35000Eurês. Se a cotação do Eurês diminuir, as minhas dívidas em Euros aumentam proporcionalmente.

Mas isto é grave? Não. É perfeitamente equivalente a uma diminuição dos salários.

É obrigação do governo informar o povo e compete a este decidir se quer uma coisa ou outra.

Fica para a parte III ver se a bancarrota obriga Portugal a sair da Zona Euro

Pedro Cosme Costa Vieira, Faculdade de Economia do Porto