a avaliação , o currículo e a escola

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  • 7/24/2019 A Avaliao , o Currculo e a Escola

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    2. edio

    2008

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    IESDE Brasil S.A.Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200Batel Curitiba PR0800 708 88 88 www.iesde.com.br

    Todos os direitos reservados.

    2004-2008 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autoriza-o por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

    P345 Albuquerque, Targlia de Souza; Oliveira, Eloiza da Silva Go-

    mes de. / Avaliao da Educao e da Aprendizagem. /

    Targlia de Souza Albuquerque. Eloiza da Silva Gomes de Oliveira.

    2. ed. Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2008.

    340 p.

    ISBN: 978-85-387-0124-8

    1. Planejamento educacional. 2. Avaliao educacional. 3. Apren-

    dizagem avaliao. 4. Formativa. 5. Emancipadora. I. Ttulo.II. Oliveira, Eloiza da Silva Gomes de.

    CDD 371.207

    Capa: IESDE Brasil S.A.

    Imagem da capa: Inmagine

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    Doutora em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo(PUC-SP). Mestre em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio deJaneiro(PUC-Rio). Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernam-

    buco (UFPE).

    Targlia de Souza Albuquerque

    Doutora em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).Professora adjunta, coordenadora do Laboratrio de Estudos da AprendizagemHumana (LEAH) e do Curso de Pedagogia a distncia da Faculdade de Educaoda Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua na rea de Psicologia,com nfase em Aprendizagem e Desempenho Acadmicos.

    Eloiza da Silva Gomes de Oliveira

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    Sumrio

    tica e avaliao: uma discusso necessriapara a construo da escola democrtica ....................... 15

    Pela afirmao total da vida: por uma tica inseparvel da prtica educativa ... 17Avaliao compartilhada, dialgica no exerccio da pedagogia da autonomia .... 25

    A avaliao como estratgia de gesto educacional:da regulao emancipao ............................................... 33

    Para iniciar o dilogo ........................ .......................... ......................... .......................... ........... 33

    As transformaes sociais, o carter estratgico da educao e a questo daavaliao educacional ......................... .......................... ......................... .......................... ....... 37

    A avaliao como estratgia de gesto educacional: compreendendo asinter-relaes entre sociedade, Estado, polticas educacionais/deavaliao e a escola .......................... .......................... ......................... .......................... ........... 40

    As polticas pblicas de avaliao: uma reflexo crticasobre o Sistema Nacional de Avaliao daEducao Bsica (SAEB).......................................................... 53

    Questo importante ......................... .......................... ......................... .......................... ........... 54

    O SAEB Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica.................................. 55

    O ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio ......................... .......................... ............... 65

    Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior SINAESem substituio ao ENC ....................... ......................... .......................... ......................... ....... 69

    Um olhar crtico sobre as polticas pblicas de avaliao: em foco o SAEB ......... 72

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    Trajetria da avaliao educacionale da aprendizagemno Brasil: fundamentos e prticas ...................................... 85

    Dialogando e refazendo caminhadas ...................... ......................... .......................... ....... 85

    Vocs sabem o que docimologia? ......................... ......................... .......................... ....... 87

    Linha de tempo (por dcadas) a avaliao educacional/daaprendizagem no Brasil ...................... .......................... ......................... .......................... ....... 88

    Retomemos a nossa trajetria, adentrando-nos nas dcadas de 1990 enos trs primeiros anos do sculo XXI (1990-2003) .......................... ......................... ... 93

    Vamos refletir sobre os resultados de grande parte das pesquisas com

    respeito s concepes e prticas da avaliao da aprendizagem ....................... .. 95

    A avaliao diagnstica.........................................................................................................102

    A avaliao formativa.............................................................................................................105

    A avaliao, o currculo e a escola:enfrentamentos e desafios coletivos naconstruo da avaliao emancipadora ........................111

    Colocando os ps no cho da escola e desvelando a avaliaono movimento curricular ......................................................................................................111

    As cenas da escola...................................................................................................................113

    Silenciamento dos sem-terra no espao escolar: o que pode/deve e o queno pode/deve entrar na escola ........................................................................................126

    Currculo e avaliao: reciprocidade na construo de umconhecimento-solidariedade/emancipao .................................................................132

    A avaliao da aprendizagem numa perspectivaformativa e emancipadora I: fundamentos tericose metodolgicos .....................................................................143

    A avaliao emancipatria ...................................................................................................144

    Avaliao formativa: uma avaliao a servio da aprendizagem ..........................147

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    A avaliao da aprendizagem numa perspectivaformativa e emancipadora II: autoavaliao eemancipao............................................................................163

    Avaliando com os ps no cho da escola, da sala de aula........................................164

    A autoavaliao institucional instrumentaliza a escola para a realizaode seu projeto poltico-pedaggico .................................................................................169

    A avaliao da aprendizagem: orientaes metodolgicas para a prtica daavaliao formativa e emancipadora na escola ...........................................................172

    A avaliao da aprendizagem numa perspectivaformativa e emancipadora III: introduo aoestudo de tcnicas e instrumentos de avaliaoda aprendizagem ...................................................................183

    A observao como base da avaliao formativa e emancipadora ...................... 183

    Os testes de aproveitamento escolar I: reflexocrtica e orientaes metodolgicas para a elaborao,aplicao e avaliao .....................................................................203

    A avaliao no cotidiano escolar .......................................................................................208

    O significado dos testes de aproveitamento escolar como um auxlio aprendizagem ..............................................................................................................................210

    Como avaliar a produo dos alunos e das alunas: experincias na reade Lngua Portuguesa ...........................................................................................................213

    Os testes de aproveitamento escolar II:mais alguns desafios .............................................................227

    A avaliao em Matemtica: pontos para discusso ..................................................227

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    Algumas pistas para elaborao de testes de aproveitamento escolar .............232

    Problematizando as notas escolares e os pareceresavaliativos: preciso mudar o rumo da histria .........243

    Historiando... .............................................................................................................................243

    Revendo pontos sobre a relao entre desenvolvimento e aprendizagem:colocando em questo os testes e as notas escolares ......................... ...................... 248

    A avaliao normativa e a avaliao criteriada: elementos para discusso .......270

    Os pareceres avaliativos: uma possibilidade de anlise crtica,deciso e ressignificao curricular ..................................................................................273

    A voz e a vez dos(as) professores(as): um dilogosobre a avaliao no cotidiano escolar ...........................283

    Refazendo o caminho. Um convite aos caminhantes ...............................................285

    Algumas preocupaes dos alunos sobre a avaliao da aprendizagem ..........298

    Dos princpios s prticas: saberes necessrios construo da avaliao

    da aprendizagem numa perspectiva formativa e emancipadora .........................299

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    Apresentao

    Caros(as) colegas educadores e educadoras1

    Vamos participar juntos(as) de uma fascinante e desafiadora caminhada

    sobre Avaliao Educacional e Avaliao da Aprendizagem. Temos vrios de-

    safios durante esta trajetria e precisamos estar juntos(as) para enfrent-los.

    O nosso curso ter como princpios fundamentais: o dilogo, a participao

    organizada, a crtica, a autonomia e o conhecimento solidariedade/emanci-

    pao articulados a trs eixos: tica, poltica e educao, tendo como norte a

    (re)criaoda educao/da escola substantivamente democrtica.

    com os ps no cho da escola, compreendendo-a no bojo das relaes

    entre sociedade, Estado, educao, cultura e currculo, numa perspectiva

    de totalidade social que, coletivamente, investiremos na ressignificao

    da avaliao numa perspectiva formativa e emancipadora.

    Aprendemos com Paulo Freire que o sonho de um mundo melhor

    nasce nas entranhas de seu contrrio. , portanto, na nossa escola, no

    trabalho pedaggico coletivo que realizamos com os alunos(as), em cada

    pensar e agir cotidianos que nos afirmamos como sujeitos sociais constru-tores da qualidade educacional como um bem, como direito, como cida-

    dania. Pois, como nos ensina Pablo Gentili, qualidade para poucos no

    qualidade, privilgio.

    Os captulos desta obra unificam-se com base na tica universal do ser

    humano de Paulo Freire em ntima articulao com a tica da libertao

    de Enrique Dussel, pois elas oferecem os fundamentos para que possamos

    fazer rupturas com a cultura da avaliao repressora, seletiva, classificat-

    ria, produtora da excluso. Juntos(as) enfrentaremos criticamente e comresponsabilidade social as contradies, os conflitos cotidianos, os nossos

    equvocos e valorizaremos o outro e a outra, como parceiros na luta pela

    construo de um projeto comunitrio de sociedade, de uma proposta

    1A obra, em seu conjunto, procurou garantir o respeito aos educadores e s educadoras, bem como aos edu candos e s educandas,

    considerando a questo de gnero, no uso tambm da linguagem. Durante a reviso, percebemos que, em alguns perodos, ficavaredundante ou repetitivo ao se usar as palavras no masculino e no feminino e, especialmente, no uso do plural. Concordamos em usar,por exemplo: professores e alunos, para indicar os professores e as professoras e os alunos e as alunas. Isto, no significa privilegiar ognero masculino.

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    pedaggica prxis emancipadora pois comprometidos com a vida, com a pro-

    duo de uma existncia humana digna, fraterna e justa.

    Nesta perspectiva, defendemos que uma avaliao formativa e emancipadora

    deve ser construda por todos(as) que fazem a escola, afirmando-se em cada

    gesto, tempo e espao dentro e fora da sala de aula, ultrapassando os limites ins-

    titucionais e ganhando fora comunitria, articulando outras escolas, movimen-tos sociais, coparticipando das lutas democrticas, nos mais diversos recantos

    deste nosso pas e qui do mundo.

    O nosso curso alia-se a vrios educadores crticos, cujas referncias esto

    explcitas durante toda a obra, objetivando estimular o debate, o estudo e, em

    especial, contribuir com a construo do dilogo crtico sobre esta rea to com-

    plexa:a avaliao educacional e da aprendizagem.

    Como nos lembra Philippe Perrenoudi a avaliao inspira paixes. Apaixo-nada pela escola, pela rea da avaliao, entrego a vocs esta obra um trabalho

    coletivo sob a minha responsabilidade como autora, mas que contou com a

    valiosa contribuio, competncia e o incansvel esforo humano da equipe pe-

    daggica, administrativa, de direo tcnica e produo, no sentido mais amplo

    dos profissionais do IESDE.

    A construo de cada captulo contou direta ou indiretamente com a partici-

    pao de vrios professores e alunos, por meio de depoimentos pessoais e cole-

    tivos, de relatos de experincias, entrevistas e resultados de pesquisas, nos quais

    eles foram seus principais sujeitos. O captulo X, especialmente, amplia o dilogo

    sobre a avaliao no cotidiano escolar, garantindo a vez e a voz dos educadores

    vinculados ao IESDE e de outras regies do pas.

    O conjunto da obra rene doze captulos e doze aulas produzidas em vdeo, que

    se intercomplementam, articulando fundamentos e prticas, dispostos a seguir.

    Captulo I tica e avaliao: uma discusso necessria para a construo

    da escola democrtica. (Aula 01).

    Captulo II A avaliao como estratgia de gesto educacional: da regu-

    lao emancipao. (Aula 02).

    Captulo III As polticas pblicas de avaliao: uma reflexo crtica sobre

    o Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica. (Aula 03).

    Captulo IV Trajetria da avaliao educacional e da aprendizagem no

    Brasil: fundamentos e prticas. (Aula 04).

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    Captulo V A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios

    coletivos na construo da avaliao emancipadora. (Aula 05).

    Captulo VI A avaliao da aprendizagem numa perspectiva formativa e

    emancipadora I: fundamentos tericos e metodolgicos. (Aula 06).

    Captulo VII Avaliao da aprendizagem numa perspectiva formativa e

    emancipadora II: autoavaliao e emancipao. (Aula 07).

    Captulo VIII Avaliao da aprendizagem numa perspectiva formativa

    e emancipadora III: introduo ao estudo de tcnicas e instrumentos de

    avaliao da aprendizagem. (Aula 08).

    Captulo IX Os testes de aproveitamento escolar I: reflexo crtica e orienta-

    es metodolgicas para a elaborao, aplicao e avaliao. (Aula 09).

    Captulo X Os testes de aproveitamento escolar II: mais alguns desafios.

    (Aula 10).

    Captulo XI Problematizando as notas escolares e os pareceres avaliati-

    vos: preciso mudar o rumo da histria. (Aula 11).

    Captulo XII - A voz e a vez dos(as) professores(as): um dilogo sobre a

    avaliao no cotidiano escolar. (Aula 12).

    Conto com vocs, contem comigo. Fraternalmente,

    Targlia de Souza Albuquerque

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    Targlia de Souza Albuquerque

    A resposta sempre um trecho do caminho que est atrs de voc.

    S uma pergunta pode apontar o caminho para a frente.

    Gaarder

    Colocando os ps no choda escola e desvelando aavaliao no movimento curricular

    Aos companheiros(as) de trabalho educacional sempre digo que muito

    bom colocar os ps no cho da escola, sentir o pulsar educativo do cotidia-

    no escolar, encontrar as pessoas nas suas dificuldades, desafios e possibili-

    dades, conversar com professores(as), alunos(as), profissionais da equipe de

    gesto, funcionrios(as), pais, mes e outros responsveis dialogar com

    gente que faz a escola.

    Durante trs anos, ao construir a minha tese de doutorado, Pelos Ca-

    minhos da Avaliao: uma possibilidade de reconstruir a escola numa pers-

    pectiva democrtica, tive a felicidade de estar junto com muita gente que

    faz escola na escola e aprendi como a avaliao, o currculo e a escola se

    tecem numa rede de prticas sociais/educativas, produzindo uma multi-

    plicidade de significaes culturais e sociais, que por sua vez interferem

    nas direes do prprio projeto da escola e na vida das pessoas envolvidas

    com a instituio.

    Pude compreender como educao, currculo e avaliao so partes

    integrantes e ativas de um processo de produo e criao de sentidos, de

    significaes, de sujeitos, a partir dos estudos sobre educao e currculo

    de Moreira e Silva (2000, p. 27).

    A avaliao, o currculo e a escola:enfrentamentos e desafios coletivos naconstruo da avaliao emancipadora

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    Para compreender a inter-relao: avaliao, currculo e escola foi neces-

    srio ampliar os estudos tericos em constante dilogo com a prtica.

    Durante o processo de pesquisa de campo, percebi a importncia e necessi-

    dade de ampliar meus estudos tericos, mas estabelecendo um constante dilo-

    go com a escola. Foi uma experincia e tanto! Estas aprendizagens coletivas nosfizeram superar o senso comum conservador e construir novas vises sobre o

    nosso trabalho como profissionais da educao e das nossas possibilidades reais

    de recriar a escola numa perspectiva democrtica.

    O que aprendemos nestedilogo com a escola?

    Percebemos que no conseguamos transformar, porque no sabamos

    olhar diferente daquilo que estvamos acostumados.

    Foi necessrio romper com concepes anteriores, arraigadas, incrustradas.

    Tivemos que apreender e aprender novos conhecimentos, novos modos

    de olhar e de atuar. Mas, uma coisa estava clara para todos(as) ns: no

    dava para negar a realidade.

    Constatamos que, se desejvamos mudar alguma coisa, s havia um pon-to de partida o lugar em que estvamos, o nosso lugar, a nossa escola.

    Parafraseando Paulo Freire, ningum consegue atravessar uma rua, a no

    ser que se mova do lugar em que est.

    Decidimos compartilhar estas lies/aprendizagens educativas, demonstran-

    do que so verdadeiras as chances de construir algo melhor nas nossas escolas,

    e que a avaliao um desses bons caminhos.

    Dialogando com a escola sobreavaliao, currculo e educao

    Vamos conversar sobre a escola, a sua fora educativa, o movimento de (re)

    criao do seu projeto pedaggico, dialeticamente articulado prxis curricular;

    dialogaremos sobre a construo de uma avaliao educacional/escolar numa

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    perspectiva emancipadora: dos encontros e desencontros pedaggicos, dos im-

    passes interpessoais e coletivos, de dvidas e equvocos, do cotidiano escolar,

    de pessoas e de coisas bem reais que fazem a vida da escola, da esperana de

    reconstru-la democrtica. Uma esperana que no fica na pura espera, mas que

    se transforma no tempo do que fazer, como ensina Freire (1999).

    Colocamos os ps no cho da escola, refletimos sobre o seu cotidiano e per-cebemos como currculo e avaliao se tecem numa teia social e cultural, entre

    limites e possibilidades histricas; coparticipamos assim das suas cenas. Desve-

    lamos a avaliao no movimento curricular.

    As cenas da escola1

    Vamos transitar por trs cenas: a primeira retrata parte do processo de mu-

    dana da escola para um bairro afastado do centro de Curitiba; a segunda, acon-tece no incio do ms de fevereiro de 2000, quando a escola se rene durante

    uma semana para discutir sobre a sua proposta pedaggica e o planejamento

    didtico para cada srie, rea e/ou disciplina; a terceira, que de certa forma um

    prolongamento das anteriores, vai-se construindo ao longo do semestre letivo e

    fala dos temas que so permitidos ou silenciados no currculo da escola. Ambas

    permitem compreender esta articulao entre avaliao, currculo e escola.

    As cenas da escola constroem-se em tempos e espaos diversos. O cenrio

    da escola articula diferentes cenas: mais prximas, mais distantes; relaes declasse, de gnero, de sexo, de religio, de parentesco, que se entrelaam e se

    tecem, definem dependncias e inter-relaes; nele, um currculo tem a sua

    parte de vida. O currculo faz-se entre cenas, com elas, mas pode ser a prpria

    cena, na qual o jogo pedaggico se desenrola.

    As cenas so feitas de palavras pronunciadas, de pequenos gestos, que muitas

    vezes se tornam grandes, seus significados esto imersos na rede de relaes so-

    ciais e culturais que as constituem: elas so prticas sociais de significao.

    Participamos do currculo da escola, ao lado dos professores e dos alunos das

    diferentes linguagens sociais. Fomos ao encontro das cenas e, delas, chegamos

    a fazer parte para interpret-las; compreendemos que elas se fazem na diferena

    e se tecem numa multiplicidade de significados, podendo ser conduzidas por

    determinaes externas que nelas exercem a sua fora.

    1A pesquisa foi realizada numa escola de Educao Infantil e Ensino Fundamental, na cidade de Curitiba, no perodo de 1999-2002. Para este texto,

    tomamos como referncia o nosso trabalho de campo, durante os primeiros oito meses da investigao do ano 2000.

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    A cena comea com umadiferena (BARTHES, 2000, p. 65)

    Ns somos participantes construtores das cenas da escola, de sua histria,

    e cada um de ns, dependendo do nvel de engajamento sua proposta pe-

    daggica, com certeza enxergaremos a realidade de maneiras diferentes. Pre-cisamos, pois, pronunciar a cena, dizer aquilo que dela vemos, os significados

    que queremos colher, ou escutarmos aqueles que constituem a prpria cena,

    para compreender por que dela participam. O que querem com ela? O que so

    e por que esto ali? Por que uns conseguem falar e outros so silenciados? Pre-

    cisamos construir a unidade o coletivo pedaggico demarcando as nossas

    diferenas.

    As cenas da escola contam a histria de um currculo em construo, da qual

    a avaliao parte.

    O currculo uma produo socialO processo de fabricao do currculo no um processo lgico, mas um processo social, noqual conviveu lado a lado, com fatores lgicos, epistemolgicos, intelectuais, determinantesmenos nobrese menos formais, tais como interesses, rituais, conflitos simblicos e culturais,necessidades de legitimao e de controle, propsitos de dominao dirigidos por fatoresligados classe, raa, ao gnero. (GOODSON, 1995, p. 8)

    Se olharmos nossa volta, colocando-nos como parte da realidade da escola,vamos observar que o projeto da escola (elaborao, desenvolvimento e avalia-

    o), a gesto educacional, a organizao do trabalho pedaggico (por temas,

    reas, disciplinas etc.), a relao espao e tempo na escola, os resultados dos

    egressos e relativos aos desempenhos individuais e coletivos no cotidiano esco-

    lar, a grade curricular, as propostas pedaggicas e planejamentos didticos, as

    atividades curriculares, os rgos colegiados, a estrutura administrativa, a par-

    ticipao de cada professor e/ou funcionrio na vida da escola, a articulao da

    escola com a comunidade, as mltiplas interferncias polticas, sociais, culturaise, especificamente, educacionais... tudo escola, tudo faz o currculo, tudo en-

    volve avaliao.

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    A autoavaliao caminho escolhidopela escola para interpretar a sua histriae fortalecer o coletivo pedaggico

    Durante o ano de 1999, a escola solicitou a ajuda de profissionais da rea deavaliao para mediar as discusses sobre a sua proposta de avaliao da apren-

    dizagem. A equipe de gesto reconhecia que a avaliao colocada em prtica na

    escola precisava ser reorientada. Os procedimentos de elaborao de relatrios

    e de atribuio de notas pareciam equivocados. A avaliao no estava contri-

    buindo para o aperfeioamento da proposta da escola, do ensino e muito menos

    para a melhoria da aprendizagem dos alunos(as). A escola havia decidido puxar

    o fio da avaliao e desencadeou um processo de autocrtica da sua histria.

    Esta autoavaliao vai passo a passo ganhando fora e se constituindo emum movimento de tica-crtica, movendo a escola a se rever, a abrir novos cami-

    nhos, a reconstruir sua proposta pedaggica numa perspectiva democrtica.

    Vamos relembrar o conceitode proposta pedaggica?

    Uma proposta pedaggica um caminho, no um lugar.

    Uma proposta pedaggica construda no caminho, no caminhar. (...) Nas-

    ce de uma realidade que pergunta e tambm busca de uma resposta.

    Toda proposta situada, traz consigo o lugar de onde fala e a gama de

    valores que a constitui, traz tambm as dificuldades que enfrenta, os pro-

    blemas que precisam ser superados e a direo que a orienta.

    E essa sua fala a fala de um desejo, de uma vontade eminentemente

    poltica, no caso de uma proposta educativa, e sempre humana, vontade

    que, por ser social e humana, no nunca uma fala acabada, no aponta

    o lugar, a resposta, pois a resposta, j no uma pergunta. Aponta, isso

    sim, um caminho tambm a construir (MOREIRA, 1999, p. 169).

    Caminho e caminhantes constroem e reconstroem caminhadas, que se fazem

    mediadas por um movimento avaliativo, em que h uma disputa de espaos, de

    ideias, da posse do outro, do direito de ser reconhecido como diferente, como

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    algum que merece ser ouvido; disputa de identidades, de vez e de voz de

    optar, de decidir, de intervir.

    O que nos ensinam as cenas da escola?

    Elas nos ensinam a perguntarAs cenas da escola ensinam como precisamos exercitar um pensar crtico

    sobre nossas decises curriculares, perguntando sempre: Quem somos ns? De

    que lado estamos? Que vozes representamos, silenciamos ou expandimos? Que

    consequncias sociais adviro disto? Que referncias usamos para compreen-

    der nossos modos de interpretar o mundo, para produzir novos conhecimentos,

    para definir nossas identidades, para produzir o currculo da nossa escola?

    A primeira cenaO cenrio social revela-se na construo do currculo da escola. E o currcu-

    lo escolar vai-se construindo nesses cenrios contraditrios, entre foras que

    negam o dilogo multicultural e a dialogicidade multicultural das relaes so-

    ciais do dentro e do fora da escola: a escola produz histria, produz-se na histria

    ao se fazer. Ela fala-nos da possibilidade de compreenso do conhecimento que

    ali se produz, em rede de mltiplas inter-relaes sociais, culturais e polticas,

    construindo-se e transformando-se em linguagem curricular, no texto do curr-culo, de sua proposta poltico-pedaggica.

    Estamos na primeira semana de fevereiro de 2000. A escola mudou-se de

    um bairro mais central para uma rea mais perifrica da cidade. Muito trnsi-

    to, muitas lojas, hospitais, prdios e casas de classe mdia, no antigo bairro. No

    novo, mora muita gente de classe mdia baixa e muitos pobres.2

    Naquele territrio, j havia morado uma outra escola uma escola de Edu-

    cao Infantil com uma creche que atendia s crianas da comunidade e comturmas de 1. a 4. sries. As irms (religiosas) responsveis pela administrao da

    escola tiveram que fechar a escola, porque no dava para sobreviver com os m-

    nimos recursos que o municpio pagava s professoras e sem qualquer ajuda do

    Estado e/ou e de outras instituies[...] . O dinheiro que ns pagava por crian-

    a R$20,00 por ms - no dava pr todas as despesas , falou pr ns a diretora

    2Conseguimos essas informaes com a direo e funcionrias da nova escola, de alguns moradores prximos escola e atravs de conversas com

    umas dez mes que em diferentes dias circundavam a escola.

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

    117

    da escola, (falas aproximadas de umas quatro mes, que tinham filhos nessa

    escola). A escola teve de ser fechada, para aluguel; a irm falou pr gente procu-

    rar uma escola do governo, s assim eles do ajuda... (enfatizou outra me).

    As crianas tiveram que deixar a escola. Destituram-nas de seu territrio

    real e simblico. Elas no entendiam porque tinham de mudar, se para aquele

    lugar viria uma nova escola: bem mais equipada, mais bonita, com muitosprofessores(as).

    A comunidade pobre deixa a escola para a nova escola dos ricos. Sofre muito,

    demonstra alguma resistncia, talvez, a possvel naquele momento: algumas

    mes e crianas com o rosto entre as grades (que cercam a escola) querendo

    entrar forando seu corpo como se ele fosse capaz de abrir as grades, mas a

    nova escola custa quinze vezes mais do que a outra e tem segurana que no

    deixa gente estranha entrar.

    O novo espao ocupado por uma classe social diferente da anterior, um

    novo grupo de pessoas entram naquela comunidade com uma nova cultura:

    novos modos de vestir, novas preferncias, diferentes hbitos. Os carros chegam,

    os carros saem. Crianas e jovens entram com um novo uniforme. Um novo trn-

    sito na rua de veculos, bicicletas, pessoas. As pessoas que chegam quela escola

    j no so as mesmas de antes.

    Ao ser ocupado o novo espao, uma nova cultura foi estabelecida ali.

    A comunidade parece no acreditar na mudana. Pensa que a escola, ainda, sua. Tenta reconquist-la. As crianas olham atravs das grades verdes a linda

    escola, cheia de rvores e flores (o jardim foi restaurado), com banquinhos for-

    mando uma roda de conversa. Que bom poder esperar os pais com um bom

    bate-papo! Tudo ficou to lindo!

    Conversamos com algumas mes e crianas, que no entendem muito bem

    o que est acontecendo. Sentem-se lesadas. Sentem uma forte dor da perda.

    Tiraram-lhes (elas no sabem bem quem) o espao, o lugar de deixar as crianas

    para irem trabalhar, desestruturaram suas famlias, negaram aos seus filhos(as) odireito de aprender naquela nova escola com aquelas professoras.

    As mes com suas crianas tentam ocupar o seu espao. Vo nova escola,

    telefonam, conversam com as funcionrias ora tranquilas, ora revoltadas (lingua-

    gem das funcionrias da escola), abordam algumas professoras e a pesquisadora

    da escola. O muro da escola chega a ser pichado (a comunidade deixa seu grito de

    protesto); rapidamente repintado, apagando um to brevereclamo social.

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    A comunidade comea a desejar a nova escola. Dizem que ela excelente,

    que nela as crianas e jovens aprendem, que no tem greve, que seria bom

    estar l para poder conseguir ser gente.3

    Novas necessidades foram criadas naquelas pessoas, um novo panorama edu-

    cacional ali comea a se inscrever. Para aquelas pessoas de nada mais adiantaria

    ficar brigando com o mais forte. O lugar estava definitivamente ocupado. Elestambm estavam ocupando um lugar que no era o seu a escola era das freiras.

    Talvez, a sada, naquele momento, fosse batalhar por concessespara que alguns

    felizardos(as) pudessem usufruir das coisas boas que a nova escola poderia fazer

    pelos filhos(as) daquela comunidade, conquistar algum tipo de incluso.

    Na cena final da escola, a ltima palavra ficou com a nova escola. Do lado de

    fora deixaram suas marcas, as pegadas de crianas e adultos que no consegui-

    ram mais entrar num lugar, que antes havia sido deles, porque, como explica

    Santos (1999, p. 23) o territrio vai sendo sempre moldado por quem manda.

    Com certeza, a nova escola no teve intencionalidade de deslocar a escola

    anterior e invadir seu espao, percebemos isto em algumas falas da diretora da

    nova escola.

    A segunda cena: a escola recria os seus

    princpios pedaggicos luz da avaliao crticaOs dois primeiros dias da Semana Pedaggica foram, praticamente, dedica-

    dos avaliao da escola: a situao atual da escola, do ponto de vista adminis-

    trativo, os seus problemas pedaggicos, impasses, tomando-se como referncia

    as questes seguintes:

    qual a concepo de sociedade, de escola que deveria nortear a proposta

    pedaggica?;

    quais os princpios educacionais de que a escola no abriria mo e investi-ria todos os esforos para desenvolver aes para concretiz-los?;

    quais os compromissos pedaggicos/sociais da escola com a formao

    plena de seus alunos(as) e com a melhoria da qualidade de vida da comu-

    nidade em que est inserida?

    3Falas de mes da comunidade ou de jovens que procuraram se matricular na escola, tentando negociar uma forma diferentede pagar a escola. A

    diretora da escola confirma o contedo dessas falas, dando exemplos de conversas estabelecida com trs jovens que procuraram a escola e, posterior-mente, com representantes de suas famlias.

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    Parecia que, ao longo desses anos de existncia, a escola tinha centralizado

    os fundamentos e diretrizes da sua proposta na equipe de gesto, apenas per-

    mitindo certa autonomia aos professores mais antigos, isto era justificado, em

    parte, pela rotatividade de professores, que, por sua vez, acontecia por proble-

    mas de falta de preparo pedaggico para desenvolver a proposta da escola, no

    domnio dos contedos da rea, ter arranjado outro trabalho mais bem remune-

    rado, questes pessoais, entre outros.4

    A escola reconhece: precisa investir num processoamplo de dilogo, participao e autonomia

    A prpria direo reconhecia que precisava investir num processo mais amplo

    de dilogo, participao e autonomia na escola. A escola rompe com o centra-

    lismo pedaggico e investe na construo coletiva de princpios educacionais,princpios de que no pode abrir mo norteadores de sua tica.

    A construo coletiva dos princpios da escolaUm dos resultados dessa avaliao foi uma redao provisria dos princpios

    educacionais, que evidenciou, no seu processo de construo, a aprendizagem

    do trabalho coletivo.

    Depois de muita discusso e anlise da redao de propostas, um grupo sis-tematizador conseguiu dar esta redao:

    Princpios que pautam o trabalho educacional e pedaggico da escola5:

    senso crtico e autonomia intelectual e moral;

    valorizao da investigao;

    dilogo, argumentao e reflexo;

    a cooperao;

    a preservao do ambiente;

    combate a toda forma de preconceito;

    valorizao do vnculo afetivo, respeito ao indivduo.

    4Depoimento da coordenao pedaggica e de uma das diretoras.

    5A explicao detalhada dos princpios pode ser encontrada na Tese de Doutorado: Pelos Caminhos da Avaliao[...], 2003, de autoria de Targlia

    de Souza Albuquerque.

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    O que observamos nesse processode reconstruo dos princpios?

    Pudemos observar a preocupao de cada professor, de cada professora e

    demais funcionrias da escola (presentes) em refletir sobre o contedo de cada

    princpio e de antever como a escola deveria se comportar, agirpara torn-losexeqveis. Vrias falas exigiam do grupo ali presente e, em particular, das equi-

    pes de direo e coordenao quais as condies objetivas para fazer a propos-

    ta acontecer, o currculo se concretizar nas aes pedaggicas cotidianas. A ava-

    liao continuava a fazer a sua tessitura, como uma reflexo crtica da realidade,

    mas como uma exigncia de transformao nos caminhos pedaggicos.

    O coletivo pedaggico tinha uma certeza: os princpios precisavam ter mate-

    rialidade histrica. Precisava-se transformar o currculo pr-ativo em currculo

    ativo/interativo (GOODSON, 1995).

    Currculo pr-ativoe currculo ativo/interativo

    Percebeu-se, durante a maioria das falas, que os professores falavam de uma

    proposta para os alunos. De vez em quando, a assessora pedaggica (convi-

    dada) provocava o grupo: mas, os professores no participam da proposta? Osprincpios so da escola ou s se referem aos alunos?

    Diante dessa problematizao, o grupo voltava a discutir como a escola, em

    seu conjunto: direo, coordenao, professores, funcionrios(as), pais, mes;

    deveriam se envolver na proposta para garantir coerncia entre teoria e prtica.

    Parecia ser verdade que a postura avaliativa estimulava uma reflexo sobre toda

    a escola, a prpria organizao do trabalho pedaggico em relao direta com

    os processos de gesto.

    A avaliao desvela, coloca em xeque hora de propor metas e aes

    Mesmo com a intencionalidade explcita do compromisso da escola com a

    qualidade social, no momento da elaborao das metas e aes da proposta

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    pedaggica, a ideia que se destacava era de desenvolver o currculo numa pers-

    pectiva crtica de mundo, de sociedade, investindo nos processos de socializa-

    o do aluno na escola. Porm, no momento das aes, parecia que a comuni-

    dade local ainda no era prioridade da escola.6

    Discutiu-se bastante sobre as exigncias da sociedade contempornea, a

    questo do currculo oficial, as habilidades e competncias que a escola precisa-va dar conta, hoje, segundo o modelo oficial. Analisou-se o que a escola pensava

    e as exigncias a ela imposta, principalmente atravs das polticas curriculares e

    das polticas de avaliao da Educao Bsica.

    A direo marcava posio, de que se poderia considerar os parmetros cur-

    riculares propostos pelo governo, afinal eles estavam ali e, com certeza, o go-

    verno saberia us-los para orientar as escolas, mas a escoladefenderia os seus

    princpios, a sua filosofia.

    A avaliao coloca s claras as contradiese os enfrentamentos na construo do currculo

    Percebemos, contudo, que se havia um consenso sobre os princpios, muita

    contradio permeava as propostas de torn-los prtica escolar. A Educao In-

    fantil enfatizava a questo mais sociolgica da infncia, defendendo um investi-

    mento em seu desenvolvimento pleno, articulando as dimenses de individual/social; as professoras de 1. a 4. sries insistiam em demarcar diferenas de seu

    trabalho com o da Educao Infantil e argumentavam, em face do que estava

    sendo exposto por algumas professoras de 5. a 8. sries que no estavam tra-

    balhando com adultos, mas com crianas em processo de aprendizagem. Preci-

    savam investir na construo de valores, de atitudes e habilidades de convivn-

    cia grupal e garantir o interesse pelo estudo, pela descoberta, pela investigao

    e, em especial, deixar as crianas criarem.

    Os professores(as) de 5. a 8. variaram muito nos seus posicionamentos:tm-se que pensar nos princpios da escola, mas no podemos esquecer

    dos contedos, pois os alunos quando sarem daqui vo para um segundo

    grau[...]

    6A equipe de gesto e grande parte dos professores justificavam que precisavam ainda pensar em como conhecer a comunidade local e dela se

    aproximar. Isto demandava cuidados e deveria se fazer sem pressa[...] (linguagem de muitos).

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    tudo bem, mas eu no abro mo do que os alunos devem aprender nas

    matrias de ensino. Se a gente afrouxar demais, eles j no querem nada,

    vo sair sabendo menos ainda.

    Ideologia e poder no currculo e na avaliaoPercebe-se uma diviso ideolgica no grupo entre os que defendem que con-tedos, princpios e aes tm que caminhar juntos e constiturem a linguagem

    pedaggica da escola e aqueles que defendem a primazia dos contedos, mesmo

    que se valorize o processo de cada criana, a sua aprendizagem e avaliao.

    Observava-se um movimento avaliativo em que se confrontavam os dese-

    jos pessoais de cada professor(a) (suas concepes pedaggicas individuais), os

    princpios coletivamente construdos referenciais educativos e as condies

    objetivas que a escola estava disposta a oferecer. Os professores, com os psno cho da escola, faziam uma anlise crtica da instituio, das suas prticas,

    das proposies que am construindo e comeavam a construir coletivamente

    as decises curriculares.

    Confronto entre o currculo oficial e o currculo da escola: a avaliao entra

    em cena.

    Observamos que o currculo oficial e o currculo da escola, ora se conciliam

    ora se confrontam ora disputam espao na prpria escola. O currculo da escolatece-se entre foras de tendncias mais democrticas que se enfrentam com

    foras conservadoras no dia-a-dia escolar. Mesmo constatando-se um movimen-

    to de resistncia de alguns educadores no seu interior, agregado participao

    de alguns paisprogressistas, percebe-se que h uma certa cumplicidade entre a

    imprensa oficial, a mdia em geral (jornais locais e nacionais da TV, sites educacio-

    nais na internet), livros didticos, vdeos, as diretrizes e orientaes pedaggicas

    mais especficas dos Conselhos Estaduais de Educao, atravs das deliberaes

    e normasdas Secretarias de Educao, em mbito municipal ou estadual, entre

    outros, para que o currculo oficial se torne hegemnico nas escolas pblicas eprivadas.

    A negociao pedaggica integra a avaliao que vai mediando o currculo.

    Os professores(as) reconhecem que difcil mudar, romper com padres an-

    tigos de conduta, mesmo reconhecendo-se que os atuais j no do mais conta

    de um bom trabalho.

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    Eles trabalham arduamente nas suas propostas pedaggicas. Comentam que

    difcil para eles mudar uma forma de pensar, pois estavam acostumados a se

    guiarem pelos contedos formais, que no entendem muito essa coisa de com-

    petncias, novas exigncias sociais do mundo globalizado, como a escola se

    situa nessa lgica, qual o seu papel e o de cada professor? Como garantir uma

    escola crtica, democrtica, emancipadora?

    H resistncia (GIROUX, 1986) de vrios segmentos da escola, tanto no sen-

    tido de transgresso s determinaes oficiais quanto no sentido de defender

    e aplicar essas determinaes. O currculo da escola construdo em meio a uma

    srie de contradies.

    Observamos que muitas vezes, ao se avaliar e decidir sobre seus rumos, a

    escola faz negociaes: cede um pouco, para avanar nas conquistas. ... ns no

    vamos abrir mo dos princpios construdos pelo nosso coletivo pedaggico,

    vamos fazer de tudo para pratic-los.7

    Isto significa que as consideraes epistemolgicaspurasou deliberaes so-

    ciais racionais e calculadas sobre o conhecimento, talvez no sejam nem mesmo

    as mais centrais e importantes na organizao do currculo escolar, tanto quanto

    formulado em nvel de polticas educacionais mais gerais, quanto na sua orga-

    nizao reorganizao e realizao no dia-a-dia da sala de aula. O currculo

    no apenas representa, ele faz. (GIROUX, p. 10)

    Segundo Moreira e Silva (2000, p. 28), o currculo , assim, um terreno de

    produo e de poltica cultural, no qual os materiais existentes funcionam

    como matria-prima de criao, recriao e, sobretudo de contestao e

    transgresso.

    O currculo vai-se construindo nummovimento de avaliao interna e externa

    O currculo vai-se construindo na escola e vai ajudando a produzi-la, nummovimento contnuo de avaliao interna e externa. Ao discutir seus princpios,

    a escola tenta estabelecer um dilogo com um projeto pedaggico maior de

    sociedade. Durante as reunies pedaggicas, percebemos uma preocupao da

    escola em procurar compreender melhor a sua contribuio para um mundo

    7Depoimento de uma diretora.

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    mais justo, mais solidrio. Havia um desafio constante em problematiz-la, em

    cobrar da direo da escola mudanas na organizao escolar. Isto, s vezes

    acontecia de modo mais explcito, atravs das falas de alguns membros da

    escola, implicitamente, em conversas nos intervalos e momentos de lanche.

    Relaes de poder definem osrumos curriculares e da avaliao

    H relaes de poder muito fortes dentro da escola que tambm definem os

    rumos curriculares e a conduo da prpria avaliao.

    A terceira cenaVozes e silncios no currculo: a avaliao constri-se como prtica social/

    poltica.

    Vamos incursionar no terreno contestado de um currculo que faz e se faz

    cultura, que um artefato social, que histria, como assinala Silva (1996).

    Um entrelace de cenas sociaisAs cenas do currculo da nova escola continuam a acontecer, demonstrando

    esse movimento: o currculo escolar desenvolve-se num entrelace entre duas

    cenas: uma, que parte da histria social mais ampla e chega escola, s salas

    de aula; e, a outra, que a partir desta se constri como cena: o direito terra

    como direito vida.

    Apple (1996a; 1996b) chama a ateno para a distncia na qual o conheci-

    mento e o currculo corporificam relaes sociais mais amplas, e nesse movi-

    mento definem seu carter de produo; de criao e demanda de seu carter

    social.

    A escola no apenas uma parte da totalidade social, ela se faz nas suas en-

    tranhas. E como lembra Freire, em Pedagogia da Indignao(2000c, p. 133): O

    sonho de um mundo melhor nasce das entranhas de seu contrrio. A escola

    pode ser recriada, a partir de suas contradies e superaes.

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    Vamos transitar por uma cena que se inicia s 8h15 do dia 2 de maio de 2000.

    Uma histria social e cultural trava-se entre os trabalhadores rurais do Movimen-

    to Sem-Terra (MST) e as foras repressoras militares estatais, que representam a

    ordem, legitimadas pelos grandes fazendeiros e por diferentes segmentos so-

    ciais que j incorporaram os ideaise valoresneoliberais.

    Os trabalhadores em marcha, os policiais em contramarcha para impe-direm o protesto do MST contra o massacre ocorrido no dia 5 de maio de 1999,

    no Paran8.

    Os trabalhadores sem-terra, no dia 2 de maio de 2000 vieram em direo

    Curitiba, ocupando 50 nibus. Foram interceptados pela polcia na BR-277. Os

    policiais obrigaram os sem-terra a sarem dos nibus e deitarem na beira da es-

    trada, apontando armas em direo s suas cabeas (notcias veiculadas atravs

    de vrios canais de televiso e da imprensa escrita jornais, locais e nacionais).

    Diante das imagens de tortura e da repercusso social deste enfrentamento,

    o poder estatal chegou a reconhecer que houve um certo exagero da polcia

    visando garantir a ordem , pois, o MST estava sendo manipulado por partidos

    de oposio. Isto foi repetido vrias vezes, por meio da imprensa local e nos jor-

    nais da televiso, em nveis local e nacional.

    Lembramos Apple (1982, 2000), Giroux (1986) e Silva (1997) entre outros

    estudiosos, quando afirmam que as foras hegemnicas rapidamente se reor-

    ganizam para fabricar um senso comum neutralizador, nesse caso, produzindo

    uma ideologia que parece estar a favor dos sem-terra. Precisamos ficar bem

    atentos aos meios pelos quais a atual modernizao conservadora alterou o

    senso comum e transformou as condies materiais e ideolgicas[...] (APPLE,

    2000a, p. 1).

    Por dentro da escolaVoltemos cena da escola na linha do tempo de 2 a 12 de maio, a escola con-

    tinuava suas atividades com o maior empenho em garantir aos alunos um con-

    junto de conhecimentos cientificamente vlidos, oficialmente aceitveis, pro-

    curando transform-los em experincias significativas e relevantes, garantindo

    a argumentao do aluno, estimulando a pesquisa, desenvolvendo atividades

    8Centro de Justia Global, Comisso Pastoral da Terra e MST. Relatrio parcial sobre Direitos Humanos. Disponvel em: .

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    que permitissem a troca de informaes, a produo de textos e sobretudo a

    convivncia solidria e o senso crtico constantes.9

    Este era o discurso da escola, sempre trazendo tona os seus princpios,

    mas...

    Silenciamento dos sem-terra no espao escolar:o que pode/deve e o que no pode/deve entrarna escola

    Estamos na 8. srie. So 7h30, do dia 12 de maio de 2000. Um encontro de

    pesquisa para conversar com os alunos(as) sobre a escola, sobre a vida, sobre

    projetos. Um encontro para falar de currculo, para fazer cultura/currculo. Aquesto do MST surgiu, a partir de uma pergunta de uma das alunas:

    M Por que trabalham com assuntos to srios na 1. srie, como por exem-

    plo, sem-terra? (Estabeleceu-se um pequeno tumulto na sala a aluna repetiu

    sua pergunta com tom enftico). Uma amiga desta aluna tinha uma irm na 1.

    srie. O assunto dos sem-terra foi trazido para esta sala de aula por um/uma

    aluno/a desta turma. A professora da 1. srie aproveitou a notcia e construiu

    com a sua classe um espao pedaggico de discusso sobre o MST, inclusive

    solicitando que as crianas trouxessem vrios tipos de notcias. De acordo como depoimento de uma das mes e da professora, foi um encontro pedaggico

    muito importante, pois as crianas tiveram acesso a diferentes vises do aconte-

    cimento e puderam colocar suas opinies e posies. (O filho desta professora

    aluno, tambm, desta 8. srie).

    A questo da aluna M desencadeou um novo nimo na turma. Muitos alunos(as)

    queriam falar de uma s vez, demonstrando ter algo importante a dizer.

    Os nimos foram acirrando-se. Os(as) alunos(as) praticamente dividiram-se

    em trs grupos. Um de meninas (aproximadamente oito) que radicalizavam,afirmando que a escola no era lugar de poltica, principalmente para tratar

    de assuntos sobre o MST, na 1. srie. Um segundo grupo, de cinco meninos

    e uma menina, que defendiam calorosamenteque a escola, pela sua proposta,

    tinha a obrigao de tratar desses assuntos e que eles/elas mesmos estavam

    sentindo falta. Um terceiro grupo, que parecia se dividir em torcida a favore

    9Falas da coordenadora pedaggica e de vrias professoras e professores, em diferentes ocasies.

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    contra. Parecia que o terceiro grupo ligava os seus argumentos de defesa e de

    ataquemuito mais dirigidos aos colegas, a depender da proximidade ou afasta-

    mento afetivo. Vrias falas eram entrecortadas de exclamaes como: detesto

    este garoto, s fala de poltica[...] ou legal! Tou com voc mesma, ele no diz

    coisa com coisa, ou ainda, ah! no fica chateada.

    Como a turma havia manifestado um interesse muito grande na questo depoltica e, em especial, do MST, foi firmado o compromisso de solicitar coor-

    denao uma proposta de trabalho, com horrios e palestrantes externos e/ou

    com os professores para aprofundar este tema. E a solicitao foi feita, mas at

    o dia 30 de junho de 2000, parecia que aquele tema havia sido silenciado por

    completo, na escola.

    Mas, a escola fervilhavaem atividades pedaggicas dentro e fora de sala de

    aula, abrangendo temas diversos, provocativos de uma reflexo crtica sobre

    questes sociais: apresentao de leituras de livros, teatros e dramatizaessobre mitologia, debates sobre meio ambiente e qualidade de vida, nas aulas de

    Cincias , atividades com os alunos da 7. srie sobre excluso social, entre outras.

    Os murais estavam repletos de discusses sobre A Coluna Prestes no Brasil e

    seus ideais revolucionrios de justia e democracia. Cenas dos murais relatavam

    os trabalhadores rurais compondo a Coluna Prestes no seu trajeto pelo interior

    do Brasil. Um outro mural discutia sobre a violncia urbana: cenas de agresso

    a crianas e adolescentes, tanto pelas situaes de abandono nas ruas como de

    mortes e espancamentos (por policiais). Os quadros mostravam com as tintas

    da verdade, massacres, misria das populaes urbanas oprimidas. Havia frases

    como: no misria; retratos da violncia urbana e excluso social, vamos dar

    um basta nisso.

    A professora de Geografia da 7. srie organizou um colquio com um agr-

    nomo para discutir a questo da terra no Brasil, sobre a ocupao no estado do

    Paran. Os alunos(as) estavam animados para este evento e falavam que gosta-

    riam de discutir as ltimas notcias sobre o MST. Mas, o que aconteceu na prti-

    ca? Os prprios professores da turma nem sabiam da palestra. Uma professora

    at brigou com os alunos(as) porque eles estavam organizando perguntas para

    o colquio.

    O interessante que o contedo da palestra estava diretamente articulado s

    discusses realizadas em Histria, na 7. srie e era desejado pela 8. srie. O coti-

    diano denunciava a falta de entrosamento entre os professores, principalmente

    na realizao de propostas especficas das reas do conhecimento.

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    O colquio durou 1 hora e 55 minutos. Como o palestrante prolongou demais

    sua exposio, mesmo tendo assumido uma perspectiva crtica em relao s

    polticas neoliberais e declarado uma de base marxista, no criou um clima pe-

    daggico favorvel ao debate aberto. Foram feitas poucas questes de carter

    mais geral, porm um debate crtico sobre o Movimento dos Trabalhadores

    Rurais Sem-Terra foi silenciado.

    Os(as) alunos(as) disseram que no gostaram da palestra. Acharam-na exaus-

    tiva e muito prolongada. Reclamaram que tinham um monte de perguntas pr

    fazer sobre o MST e no tiveram chance.

    ProblematizandoPor que ser que a professora no fez uma interveno, no sentido de re-

    direcionar a dinmica da palestra?

    Por que a diretora no contribuiu para problematizar o tema com maior

    profundidade?

    Se ambas, aps a palestra, reconheceram que foi cansativo e que o pales-

    trante poderia ter criado espaos para o debate com os alunos, por que o

    autoritarismo da fala do palestrante, mesmo com contedos que falavam

    de democracia no foi bloqueado para que os alunos tivessem vez e voz,

    como expresso/declarado nos princpios da escola?Por que ser que mais uma vez, como na palestra da 7. srie, a questo do

    MST silenciada, ou apenas tocada de longe, secundarizada? No seriam as

    condies organizadas para o debate um bom momento para uma reflexo

    sria, aprofundada? Por que a escola se imobilizou diante da situao?

    A avaliao entra em cenaA escola, atravs da direo e da coordenao, justificou no ser o momen-

    to oportuno para aprofundar aquela questo do MST, pois os nimos estavam

    acirrados. Entre as professoras de 7. e 8. sries percebia-se uma controvrsia.

    No discurso de ambas, havia um conflito, expresso entre o desejo de intensificar

    os estudos sobre o MST numa viso crtica e os limites impostos pelo currculo

    oficial da escola e determinaes da equipe de gesto.

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

    129

    A avaliao possibilita a reflexo do currculoA questo dos movimentos sociais, hoje, pauta obrigatria nas discusses

    sobre democracia no pas. O MST o exemplo da participao e resistncia co-

    letivas, de lutas democrticas dos trabalhadores rurais, de esperana por uma

    sociedade justa, digna e cidad, com seus acertos, equvocos e contradies.

    (GENTILI, 1997, p. 193).

    Por que ento, este tema foi silenciado numa escola, cujos princpios edu-

    cacionais conclamam o senso crtico, a justia e a solidariedade e se ele,

    hoje, fundamental, imprescindvel para todo aquele que se aventure

    a analisar a dinmica da ao poltica do capitalismo no final de sculo

    (GENTILI, 1997, p. 193)?

    Por que, se um dos objetivos declarados do projeto integrado de Histria

    e Geografia da 8. srie desta escola o estudo dos problemas do mundoatual, promovendo situaes para que o aluno se perceba como sujeito

    social, participante ativo da histria, capaz de contribuir com uma socie-

    dade mais justa e democrtica?10

    Se a escola, por um lado, defendia princpios educacionais progressistas,

    a sua prtica, por outro, revelava-se, naquele momento, bastante contradi-

    tria, por vezes limitando ou negando o aprofundamento de reflexes e de

    prticas emancipatrias11. A avaliao feita pela escola, naquele momento,

    no s pela direo e coordenao, mas atravs das prprias professoras,manifestava um medo de enfrentar a questo social do MST e seus desdo-

    bramentos (diante dos recentes episdios ocorridos na cidade). Parecia que

    a escola, ainda, no se sentia preparada para tal enfrentamento com as fam-

    lias, que tambm tinham posies diversificadas a respeito do assunto. Este

    tema foi, assim, silenciado.

    Gentili (1997, p. 198) chega seguinte metfora: temos que sujar a escola

    de vida social para colocar em xeque as nossas aes educacionais favor ou

    contra a escola democrtica.

    10Falas aproximadas das professoras de Histria e Geografia.

    11Reconhecemos que a escola precisa investir mais na formao dos professores e na melhoria das condies de trabalho para garantir o desen-

    volvimento de sua proposta pedaggica e para no haver tanta rotatividade docente[...] (depoimento de uma das diretoras da escola)

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    O contraponto entre o currculo formal e as aprendizagenssignificativas na viso dos alunos e das alunas

    Percebemos um desejo forte dos(as) alunos(as) e dos(as) professores(as)

    de compreender por que alguns assuntos podem ser discutidos e outros no,

    de uma forma ou de outra, so secundarizados ou silenciados por completo.Alunos(as) e professores(as) esto, a todo momento, dizendo tantas coisas que,

    como escola, temos obrigao tica de investigar com maior profundidade.

    Precisamos compreender por que passamos uma grande parte do nosso

    tempo em sala de aula dizendo coisas que os alunos no querem ouvir, no

    porque elas no tenham valorpara o currculo formal, mas porque esto pratica-

    mente destitudas de vida social; ou ainda, por que a escola (professores(as), di-

    reo e, em especial, a coordenao pedaggica) vive apagando incndiostanto

    de alunos(as) como de professores(as): condutas indisciplinares dos alunos,quebra de regras pedaggicas, relacionadas aos princpios, por parte de alguns

    (algumas) docentes; a frequente no realizao dos trabalhos de casa, por muitos

    alunos(as), ou ento, a elaborao parcial de tarefas propostas; manifestaes de

    agresses desrespeitosas aos professores e aos colegas de turma sob a forma

    de dizer em tom de voz alto e com raiva: no vou responder porque no quero,

    seu trabalho (falando para outro colega) est uma porcaria...joga isto fora, entre

    outras atitudes de desinteresse e desqualificao profissional, ou ainda, atrasos

    e faltas de professores que se dizem super esgotados pelo acmulo de tarefas

    pedaggicas impostas pela escola e pelos seus prprios problemas pessoais12.

    A avaliao desejadaA escola est nos dizendo, de diferentes formas, que precisa parar com maior

    frequncia para pensar mais sobre o que faz, para exercer a avaliao como pr-

    tica educativa tica.

    A escola est dando sinais de cansao. Seus professores(as) clamam, a todomomento: Precisamos parar!; Temos que nos avaliar, rever nossas prticas;

    Gente, assim no d mais!. So diferentes linguagens e nfases, mas o sig-

    nificado maior de uma necessidade de avaliao tica crtica. A maioria dos

    professores diz acreditar na proposta da escola, reconhece que tem de se orga-

    nizar melhor para alcanar os seus propsitos, mas, cobra da escola melhores

    12Fala dos professores e registro de observaes em salas de aula de 5. a 8. sries, ratificadas, em muitas ocasies, pela coordenao pertinente.

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    condies de trabalho, para isto. De diferentes formas, gestos, depoimentos

    professor(as) demostram um bem-querer escola, mas eles falam de um sen-

    timento profundo de falta de tempo e de espao de reflexo para realizarem o

    melhor trabalho pedaggico que so capazes de fazer13.

    A escola clama por coerncia entre os princpiosde sua proposta pedaggica e a prxis cotidiana

    A escola resolve desenvolver reunies de avaliao para reorientar o currculo

    e reconstruir as prticas pedaggicas.

    A escola se coloca na berlinda. A avaliao embeleza, colorindo de refle-

    xo crtica a nova caminhada.

    A escola se colocou na berlinda, perguntando-se a todo momento:

    O coletivo pedaggico assume a sua fora educativa a avaliao acom-

    panha todo o processo.

    Quais os nossos verdadeiros compromissos educacionais?

    De que lado estamos?

    Quais as nossas metas diretamente relacionadas aos alunos?

    Quais as nossas responsabilidades, como educadores, nesse processo

    educativo?

    Como envolver, de modo mais intencional, os pais na proposta pedaggi-

    ca da escola?

    Como vamos enfrentar os problemas com a comunidade na qual nossa

    escola est inserida?

    Como nos aproximar da comunidade?

    Que tipo de compromisso social podemos assumir com ela, afinal temos

    uma dvida social[...]?

    13Fala de uma professora, mas que sintetiza um conjunto de falas do grupo de professor e professoras de 5. a 8. sries.

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    Qual a nossa proposta avaliativa? Que critrios avaliativos formularemos

    tendo como norte os princpios da escola?

    Esta problematizao foi resultado: da reflexo dos educadores, ali, presentes,

    de debate acirrado, de confronto de diferentes posies ideolgicas, de compro-

    missos sociais emancipadores explcitos, de reaes conservadorasno sentido

    de preservar a escola de problemas maiores com a comunidade e de atitudesde companheirismo, mas tambm, de parceria, cumplicidade na busca de cami-

    nhos para realizar um currculo mais crtico.

    Direo, coordenao, professores(as), auxiliares pedaggicos pensaram a

    escola; perceberam suas contradies, revelaram suas angstias, possibilidades

    e impossibilidades, seus desejos, expectativas, seus medos e esperanas. Deci-

    diram que teriam reunies com mais frequncia para organizar planos efetivos

    de ao.

    As cenas do currculo escolar continuam fazendo histria... e, ns, continua-

    mos a aprender bastante com ela.

    Currculo e avaliao:reciprocidade na construo de um

    conhecimento-solidariedade/emancipaoConstatamos que educao, cultura, currculo e avaliao esto em relao

    ntima e orgnica . A sala de aula foi localde um processo de comunicao mais

    amplo, em que histrias sociais estavam em jogo, posies de classe, questes

    de gnero, crenas, valores e que definiram a entrada ou no na escolade uma

    questo poltica. Em outras palavras, definem a poltica da escola em lidar com

    questes polticas.

    Percebemos quo importante elucidarmos os fundamentos e expresses

    culturais e sociais da educao. Uma tarefa que no pode ser perseguida de mododireto e linear, mas que, necessariamente, exige uma atitude de reflexo crtica e

    uma reconstruo constante de trajetrias uma avaliao emancipadora.

    Ao realizar um currculo, a escola realiza cultura, pois a cultura o contedo

    substancial da educao. Educao no nada fora da cultura e sem ela, alerta

    Forquin (1993).

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    H uma reciprocidade entre currculo e avaliao na tessitura da proposta

    pedaggica da escola. Quando esta concede, ou no, permisso para que certos

    temas sejam tratados, e considera certas questes como realmente considera-

    das problemas sociais, esta seleo j acontece no interior da seleo, no interior

    da cultura e da reelaborao dos contedos da cultura destinados a ser transmi-

    tidos s novas geraes.

    Ao realizar um currculo, a escola amplia o universo cultural de smbolos e signi-

    ficaes, consolidando uma tradio cultural ou questionando-a, ressignificando-a,

    promovendo condies de rupturas. Nesse sentido, pudemos observar como a

    escola realiza uma verso autorizada da culturae, ao assim fazer, define os rumos de

    uma cultura que tambm se constri no cotidiano escolar realiza avaliao.

    Quando a escola seleciona seus temas em foco, quando se organiza para

    trabalh-los pedagogicamente, ou no, quando concebe espaos a uns e no

    a outros, quando define seus modos de ao, suas nfases, est produzindo umcurrculo que avalia e ao mesmo tempo avaliado produz cultura e, enquan-

    to faz cultura, participa de um projeto social bem mais amplo.

    O currculo escolar a expresso de um campo contestado. Ele precisa ser com-

    preendido como prticas de significao. Se a escola, por um lado, silencia as vozes

    do MST, ou ento no discute os conflitos em que a prpria escola est envolvida,

    direta ou indiretamente com a comunidade, esperando o momento oportuno; se

    ela no amplia o seu olhar para se enxergar mais perto dos problemas sociais dos

    quais faz parte; se ela no se suja de vida social; se ela no assume isto, enquanto tempo, talvez ela no consiga ter foras para afirmar a cultura dos seus princpios

    educacionais que h 14 anos vm tentando construir.

    A nossa responsabilidade como educadores o estabelecimento dos nexos

    entre o plano local e o plano globalPensamos que a nossa responsabilidade como educadores estabelecermos

    os nexos entre o plano global e o plano local, abrirmos a nossa prtica com-

    preenso das prprias contradies que ora nos condicionam, mas que tambm

    ajudamos a construir. Se no fizermos essas lies, estaremos negando a pos-

    sibilidade de mobilidade social, e tambm o direito de as pessoas compreende-

    rem suas condies de vida. (APPLE, 1996a).

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    Aprendendo a avaliarcom os ps na realidade escolar/social

    Essas possibilidades so feitas em meio a inmeras contradies e, por isto

    mesmo, alerta Giroux (1986, p. 263), alunos deveriam aprender, no apenas

    a avaliar a sociedade existente de acordo com suas prprias pretenses, masdevem tambm ser ensinados a pensar e agir de formas que tenham a ver com

    diferentes possibilidades da sociedade e a diferentes modos de vida. Os educa-

    dores dirigentes deste processo, tambm, precisam testemunhar isto.

    Paulo Freire explica em suas obras Educao na Cidade ePedagogia da Auto-

    nomia, entre outras, que a avaliao precisa deixar de ser apenas uma retrica

    democrtica, ela precisa ser expresso de participao coletiva, de um trabalho

    intrinsicamente articulado de educadores(as) com seus(suas) educandos(as) a

    avaliao fundamentada no dilogo, na participao, na autonomia, na eman-cipao, em especial, no trabalho pedaggico tico-crtico que mude a cara da

    escola, suas relaes de poder autocrticas que se materializam no interior das

    salas de aula, nos processos de gesto escolar, e se afirme como substantividade

    democrtica em todos os espaos e tempos escolares.

    Trabalho pedaggico emancipador:

    recuperao do humano na condio existencialO trabalho pedaggico emancipador exige, como afirma Abramowicz (1992),

    que se recupere o humano na condio existencial, valorizando o aluno como

    pessoa situada, com uma histria, com emoes, motivos, interesses. Um aluno

    com uma face, um nome, uma esperana, uma estria a ser contada, para pos-

    sibilitar que os alunos(as) possam compreender sua histria como uma histria

    cultural e social. A ao pedaggica formadora-emancipadora precisa garantir a

    vez e a voz dos seus sujeitos, caracterizando-se como prxis educativa de possi-

    bilidades libertadoras/emancipadoras.

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    A construo de uma nova razo:a avaliao como conhecimento emancipao

    Precisamos construir uma nova razo, pois no h conhecimento em geral,

    como explica Santos (2000, p. 29): a razo que critica no pode ser a mesma que

    pensa, constri e legitima aquilo que criticvel. E esta razo crtica deve ser ofundamento da avaliao que, como parte e movimento do currculo, participa

    com ele da (re)construo de um projeto emancipador de escola.

    Entre duas lgicas: regulao ou emancipao?Para Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 29), podemos distinguir duas

    formas de conhecimento:

    O conhecimento-regulao, cujo ponto de ignorncia se designa por caos e cujo ponto desaber se designa por ordem;

    O conhecimento-emancipao, cujo ponto de ignorncia se designa por colonialismo e cujoponto de saber se designa por solidariedade[...]

    Por estarmos to acostumados a conceber o conhecimento como ordem, a

    dar ordens em nome do conhecimento, a controlar pessoas, atravs da regula-

    o do prprio conhecimento que fica difcil imaginar uma forma de conhe-

    cimento que funcione como princpio de solidariedade (SOUSA SANTOS, 2000,

    p. 30).

    Eis um dos desafios da escola que tenta romper com uma educao neoconser-

    vadora e com suas facetas neoliberais: construir o conhecimento-reconhecimento,

    isto , conhecimento-solidariedade. A solidariedade uma forma de conhecimen-

    to que se obtm por via do reconhecimento do outro, o outro s pode ser conhecido

    enquanto produtor de conhecimento. Da que todo o conhecimento-emancipao

    tenha uma vocao multicultural.(SOUSA SANTOS, 2000, p. 30) (grifo nosso).

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    O caminho da construo curricular da proposta da escola rduo, contradi-

    trio, sinuoso, pois a mesma escola que capaz de transgredir o discurso oficial,

    de exercer o direito infidelidade normativa (LIMA, 2000), pode-se deixar re-

    gular, ser dirigida pelas concepes da Nova Direita, pela ideologia de controle

    social que silencia e bloqueia o conhecimento das classes oprimidas. Por isso o

    conhecimento-emancipao conquista-se assumindo as consequncias do seu

    impacto (SANTOS, 2000, p. 32).

    A avaliao que rompe com o senso comumconservador e participa da construo do novosenso comum: conhecimento emancipao

    Dimenses do novo senso comumA solidariedade como dimenso tica.

    A participao como dimenso poltica.

    O prazer como dimenso esttica (SANTOS, 2000, p. 111).

    Nesse sentido, [...] a dimenso da solidariedade confere ao novo senso

    comum a sua marca tica, a dimenso da participao confere-lhe a marca po-

    ltica (SANTOS, 2000, p. 113). Portanto, a inveno social de um novo conheci-mento emancipatrio, que se transforma em senso comum, na concepo aqui

    abordada, uma das condies essenciais para romper com a autorreproduo

    do capitalismo[...] (SANTOS, 2000, p. 117).

    Nessa viso, h necessidade de ampliar a discusso sobre o currculo escolar,

    seus contedos, suas prticas de sala de aula, seus projetos interdisciplinares,

    seus compromissos e/ou descompromissos sociais, entre outras questes; em

    sntese, avaliar a escola e na escola numa perspectiva emancipadora, consoli-

    dando mecanismos e estratgias de participao, convertendo a comunidadeescolar em comunidade social fonte de autoconhecimento e autonomia.

    Dilogo uma opo emancipadora para democratizar a avaliao na es-

    cola.

    O dilogo este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para

    pronunci-los, no se expondo, portanto, na relao eu-tu.

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    O dilogo uma exigncia existencial. E se ele o encontro em que se solidarizam o refletire o agir de seus sujeitos endereados ao mundo a se transformado e humanizado, no podereduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-sesimples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes (FREIRE, 1987, p. 78-79).

    A escola, quando se abre ao dilogo, ouvindo os seus professores, defenden-

    do a participao dos alunos como sujeitos histricos, parece fazer uma opo

    por uma metodologia dialgica; entendido o dilogo como um ato de criao,como conquista do mundo para a libertao dos homens (FREIRE, 1987, p. 79).

    Porm, nenhuma relao dialgica doada, ela se faz num processo de con-

    quista. preciso muita coragem e indignao para desejar a vida, o conhecimento-

    -solidariedade, para no se deixar sucumbir, para construir educao emancipadora

    como eixo curricular.

    Como esta escola, ns tambm podemos tomar iniciativas para ampliar os

    momentos de dilogo, incentivando a formao de grupos de reflexo sobre as

    nossas prticas, nossos anseios e medos, nossas dvidas, nossos no-sei-fazer

    e quero-fazer-aprender14; para concretizar um movimento de avaliao, funda-

    mentada no conhecimento-emancipao/solidariedade [...] como o jardineiro

    prepara o jardim para a rosa que se abrir na primavera. (FREIRE, 1999).

    Texto complementar

    Avaliao de aprendizageme currculo: algumas reflexes

    (TENREIRO; BRANDALISE, 2002, p. 137-138)

    [...] A quarta gerao, que inicia na dcada de noventa, emerge um novo

    conceito de avaliao em que a caracterstica principal a negociao, o

    equilbrio buscado entre pessoas de valores diferentes, respeitando as di-

    vergncias, de que quanto maior a participao das questes avaliativas, dos

    mtodos e da interpretao dos resultados, maior o nvel de negociao.

    uma gerao, que caracteriza a avaliao como um processo interativo, ne-

    gociado, fundamentado num paradigma construtivista.

    14Expresses usadas por APPLE (1996a).

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    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    Vale dizer que os recursos utilizados nas geraes anteriores so aprovei-

    tados ao mximo e o papel do avaliador o de comunicador. Trata-se de uma

    abordagem madura, que vai alm da cincia porque capta tambm os as-

    pectos humanos, polticos sociais, culturais e ticos envolvidos no processo.

    Em sntese, a primeira gerao parte dos resultados de testes, de pontosde escores; a segunda, de objetivos; a terceira preocupa-se com o julgamen-

    to de valor que se vai atribuir e a quarta gerao inicia com o processo de

    negociao.

    A base que fundamenta a concepo de avaliao da dcada de 1990

    est assentada num paradigma construtivista, que estabelece uma nova

    relao entre professor, aluno e conhecimento, considerado o processo de

    construo do conhecimento contnuo e progressivo, em que o aluno no

    apenas um receptor e acumulador de informaes seno construtor do seuconhecimento.

    Conforme os pressupostos, os aspectos qualitativos predominam sobre

    os quantitativos, a avaliao deve ter finalidade diagnstica, preocupada

    com as dificuldades dos alunos, com vistas correo de rumos e preocu-

    pao de reformular encaminhamentos e objetivos didticos.

    Em sntese, a avaliao escolar deve ser considerada um instrumento de

    estmulo, de promoo da aprendizagem e colocada a servio do avano,

    com qualidade, do processo de escolarizao do aluno.

    Certamente, a avaliao, ao adquirir mais sentido, abranger contedos

    e atividades atrativas e essenciais. E, ela s ser possvel, quando existir um

    currculo e um encaminhamento metodolgico interessante para os alunos.

    As reflexes sobre avaliao e currculo levam a perceber quanto o cur-

    rculo um elemento vivo na escola, porque a efetivao dele s ocorrer

    com o compromisso de todos os profissionais da educao. Para a efetiva-

    o de um currculo escolar que permita incluir o aluno na vida cidad, preciso que os profissionais da educao sejam preparados. Atualmente, a

    tarefa que a escola deve assumir exige profissionais capazes de exercer com

    autonomia intelectual, a conduo de um processo de ensino que v alm

    da simples transmisso de alguns conhecimentos.

    Percebendo o currculo em sentido mais abrangente, como a expresso

    da funo socializadora da escola, englobando tudo o que nela acontece, e

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    o processo avaliativo permeando todo esse movimento educacional, por-

    quanto, atravs da avaliao, que o currculo construdo e reconstrudo por

    todos os que nele esto inseridos.

    A constante mudana social implica a necessidade de avaliao e reava-

    liao do currculo. A avaliao da aprendizagem, que o currculo em ao,vai remeter avaliao do prprio currculo, e atravs dele, conseguir-se-o

    subsdios para repensar e reelaborar a renovao curricular, cujo posiciona-

    mento deve ser planejado de modo a levar em conta todas as consideraes

    lgicas e racionais relevantes.

    A renovao curricular torna-se inevitvel em todo processo de desenvol-

    vimento do currculo, e se faz necessrio para ele ser um organismo vivo e di-

    nmico e, no, um organismo carente de vitalidade. Vivo e dinmico, porque

    o conhecimento continua a se desenvolver, a sociedade evolui, as pessoasse modificam e o currculo precisa acompanhar tudo isso. Acredita-se que,

    numa situao de mudana, qualquer teoria que no disponha de subsdios

    para incentiv-la, deve ter valor duvidoso. Sem a existncia da avaliao,

    qualquer novidade curricular se torna inexpressiva, e, com certeza tambm,

    impossvel.

    Enfim, as questes sobre currculo e avaliao, como todas as relativas

    educao devem permanecer abertas e sujeitas constante reviso e

    reelaborao.

    Dicas de estudoA nossa dica da estudo o documento Indagaes sobre o currculo

    currculo e avaliao.

    Trata-se de uma coletnea de textos organizada pela Secretaria de Educao

    Bsica do MEC em torno de um foco central: desenvolvimento humano, educan-

    dos e educadores: seus direitos e o currculo, conhecimento e cultura, diversida-

    de e avaliao.

    Disponvel em: http://.

  • 7/24/2019 A Avaliao , o Currculo e a Escola

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    140

    Avaliao da Educao e da Aprendizagem

    Atividades1. Qual o papel da avaliao nas decises curriculares?

    2. Explique qual a relao entre a avaliao emancipadora e a construo de

    um currculo para uma escola substantivamente democrtica.

  • 7/24/2019 A Avaliao , o Currculo e a Escola

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    A avaliao, o currculo e a escola: enfrentamentos e desafios coletivos na construo da avaliao emancipadora

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    A avaliao, o currculo e a escola:

    enfrentamentos e desafios coletivos

    na construo da avaliao emancipadora

    1. So esperados, na resposta elaborada pelo aluno, aspectos como:

    a compreenso do currculo como em constante construo, no

    cristalizado e eterno;

    a necessidade de historizao do currculo, compreendendo que

    ele evolui de acordo com as mudanas sociais e polticas;

    os resultados da avaliao auxiliam a problematizar o currculo

    existente e provocar-lhe mudanas;

    a avaliao fornece informaes importantes para a reformu-

    lao curricular: qual a concepo de sociedade, de escola que

    deveria nortear a proposta pedaggica, quais os princpios edu-

    cacionais de que a escola no abriria mo e investiria todos os

    esforos para desenvolver aes para concretiz-los, quais os

    compromissos pedaggicos/sociais da escola com a formao

    plena de seus alunos(as) e com a melhoria da qualidade de vida

    da comunidade em que est inserida, entre outros;

    coloca s claras as contradies e os enfrentamentos na constru-

    o do currculo.

    2. Como diz o texto, a avaliao emancipadora calcada em princpiosque se recuperem o humano na condio existencial, valorizando o

    ser humano e possibilitando que os alunos(as) possam compreender

    sua histria como uma histria cultural e social.

    A ao pedaggica formadora-emancipadora precisa garantir a vez e

    a voz dos seus sujeitos, caracterizando-se como prxis educativa de

    possibilidades libertadoras/emancipadoras.

    Gabarito

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    O conhecimento pode ser compreendido sob duas lgicas: como regulao

    ou como emancipao. A partir da segunda pode ser construda uma nova

    razo avaliativa, baseada em princpios de solidariedade, de dilogo, de par-

    ticipao coletiva, de prazer e significado nos processo de ensino e de apren-

    dizagem.

    Nesta viso a avaliao contribui firmemente para a construo de umnovocurrculo, de novos contedos, prticas de sala de aula, projetos interdiscipli-

    nares, compromissos sociais.

    Segundo o texto da aula: [...] avaliar a escola e na escola numa perspectiva

    emancipadora, consolidando mecanismos e estratgias de participao,

    convertendo a comunidade escolar em comunidade social fonte de au-

    toconhecimento e autonomia.

    Avaliao da Aprendizagem