a autoeuropa um modelo de produção

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739 António Damasceno Correia* Análise Social, vol. XXXV (156), 2000, 739-779 A AutoEuropa: um modelo de produção pós-fordista I. INTRODUÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO O modelo de produção da AutoEuropa tem vindo a ser alvo de enorme curiosidade por parte de cientistas sociais de diferentes áreas. O facto de este projecto representar o mais importante e moderno inves- timento estrangeiro desde sempre realizado em Portugal, a circunstância de permitir a introdução de novas tecnologias nunca antes utilizadas entre nós, a particularidade de envolver a criação de vários fornecedores de componen- tes da fileira automóvel na região de Palmela, o modo como eles procedem just-in-time ao fornecimento das respectivas mercadorias, as condicionantes e metodologias relativas à selecção, formação e gestão de carreiras da mão- -de-obra, as técnicas inerentes à própria organização do trabalho, a estratégia de relações laborais adoptada e a novidade de ter surgido um projecto num sector considerado dos mais competitivos — se não mesmo o mais competi- tivo — a nível mundial permitiram atribuir uma importância própria à empre- sa, independentemente do juízo político apriorístico que possa fazer-se. A todas estas condições, «de per si» suficientes para uma análise pontual ou global à gestão da empresa, junta-se uma outra de natureza pessoal: o autor exerceu funções de gestão na área de recursos humanos durante alguns anos na empresa, o que permitiu conhecer de forma mais directa e nos bastidores do «palco social» o processo decisório e as envolventes do modo de produção. Por esta razão pareceu oportuno partilhar a experiência ali vivida. * Doutorando no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.

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739Antnio Damasceno Correia* Anlise Social, vol. XXXV (156), 2000, 739-779A AutoEuropa: um modelo de produops-fordistaI.INTRODUOESISTEMATIZAOO modelo de produo da AutoEuropa tem vindo a ser alvo de enormecuriosidade por parte de cientistas sociais de diferentes reas.O facto de este projecto representar o mais importante e moderno inves-timento estrangeiro desde sempre realizado em Portugal, a circunstncia depermitir a introduo de novas tecnologias nunca antes utilizadas entre ns,a particularidade de envolver a criao de vrios fornecedores de componen-tes da fileira automvel na regio de Palmela, o modo como eles procedemjust-in-time ao fornecimento das respectivas mercadorias, as condicionantese metodologias relativas seleco, formao e gesto de carreiras da mo--de-obra, as tcnicas inerentes prpria organizao do trabalho, a estratgiade relaes laborais adoptada e a novidade de ter surgido um projecto numsector considerado dos mais competitivos se no mesmo o mais competi-tivo a nvel mundial permitiram atribuir uma importncia prpria empre-sa, independentemente do juzo poltico apriorstico que possa fazer-se.A todas estas condies, de per si suficientes para uma anlise pontualou global gesto da empresa, junta-se uma outra de natureza pessoal: o autorexerceu funes de gesto na rea de recursos humanos durante alguns anosna empresa, o que permitiu conhecer de forma mais directa e nos bastidoresdo palco social o processo decisrio e as envolventes do modo de produo.Por esta razo pareceu oportuno partilhar a experincia ali vivida.*DoutorandonoInstitutoSuperiordeCinciasdo TrabalhoedaEmpresa.740AntnioDamascenoCorreiaNo que concerne sistematizao, o artigo subdivide-se em seis partes,versando, respectivamente, alm da introduo, o significado deste investi-mento em Portugal, o modelo organizacional, os recursos humanos da em-presa, as relaes laborais, analisa uma crtica feita ao modelo de produoda autoEuropa e, finalmente, a concluso.II.OSIGNIFICADODOINVESTIMENTO1. O PROJ ECTO DA AUTOEUROPAA AutoEuropa resultou de um empreendimento conjunto entre a Ford eaVolkswagen,atravsdoqualestasempresas,beneficiandodevantagenspropiciadas pelo Estado portugus, se comprometeram a fabricar um auto-mvel do tipo monovolume.FicouacordadoentreasduasempresasqueaVolkswagenconduziriatodooprogramadeengenhariaedesenvolvimentodoproduto,cabendoFord a responsabilidade pelo planeamento da fbrica, programa de produo,compra de materiais, rea financeira e recursos humanos.A primeira pedra para a construo da fbrica de Palmela local ondeficou sediado este projecto ocorreu a 3-12-1991 e a introduo no mer-cadodomonovolume(marcasFordGalaxy,VolkswagenSharaneSeatAlhambra) deu-se no 1. semestre de 1995, altura da inaugurao oficial dafbrica (26-4-1995). A 1-1-1999 a Volkswagen passou a controlar sozinhatodo o projecto, embora o acordo entre as duas empresas preveja a continuaoda produo do monovolume com a marca da Ford.Este investimento, superior a 400 milhes de contos, o maior desde sem-prerealizadoemPortugal,envolviaacriaode4671postosdetrabalhodirectos1 e cerca de 12 000 a 15 000 indirectos, prevendo-se que a capaci-dade produtiva poderia atingir os 180 000 veculos por ano.2. SIGNIFICADO DO INVESTIMENTO NA ECONOMIA NACIONALUm projecto desta natureza, quer pelo volume de emprego gerado de formadirecta e indirecta, quer pelos saldos cambiais positivos permitidos durante v-1 Este nmero consta da Resoluo do Conselho de Ministros n. 25/91, de 4-7-91. Con-tudo, na data de inaugurao da empresa (26-4-95), na informao distribuda aos convidadose imprensa j se admitia que at ao final de 1995 a AutoEuropa viesse a empregar cerca de3000 pessoas e que outras 1500 trabalhariam no parque industrial. Esta diminuio de 4671trabalhadoresparacercade3000representoudurantealgumtempoumabandeiraparaoscrticosdoprojecto.Contudo,elasemprefoicontestadacomoargumentodequeoquadro741A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistarios anos, quer ainda atendendo ao impacte positivo na balana de pagamentos,quer no mercado imobilirio sobretudo no segmento procurado por quem temmaior poder de compra , nas actividades de comrcio, servios e lazer, nodinamismo introduzido no sector dos componentes da indstria automvel, naintroduodetecnologiadepontanestesectoreaindapelosefeitosmultiplicadores potenciais, sobretudo ao nvel econmico, para no falar j doprestgio que esta fbrica representava extrafronteiras para o nosso pas, eraum projecto que deveria ser defendido a todo custo pelo nosso governo.De facto,nostermosdaresoluo do Conselho de Ministros que apro-vou este contrato de investimento, a AutoEuropa foi considerada como deespecial interesse para a economia nacional e de relevante importncia paraa modernizao da indstria. Com a incorporao no produto final de umvalor acrescentado nacional (matria-prima e matrias subsidirias de origemportuguesa) de cerca de 46%, com um peso significativo nas exportaes eno PIB e acautelando o governo os interesses nacionais para o caso do nocumprimento total ou parcial do contrato de investimento (v. n.os 9 a 12 dareferida resoluo), apostou-se num projecto pertinente e potenciador de umdesenvolvimento que se estende para alm da regio de Palmela. Da que naavaliaoexantepareatersidoclaramentemaximizadooconjuntodebenefcios resultantes deste enorme projecto para o Estado portugus2.O que no podemos esquecer que a exigncia de maiores contrapartidas nanegociao ou a inflexibilidade na cedncia de algumas das vantagens concedi-das pelo Estado portugus Ford e Volkswagen poderiam ter feito malograresteinvestimento,canalizando-o,provavelmente,paraolitoralsulespanhol.3. A INTEGRAO VERTICAL NA PENNSULA DE SETBALCom a entrada deste magno projecto na pennsula de Setbal desenvol-veu-senoeixoPalmela-Setbalumaorganizaoemcadeiaqueculminoude pessoal da empresa aumentaria quando se implementasse um terceiro turno e a capacidadeprodutivaseaproximassedoseuvolumemximo.Todavia,sabia-seperfeitamentequeessenmero de trabalhadores inicialmente anunciado nunca seria atingido em circunstncias nor-maisdevidadaempresa.2Emsentidodiferentedaopiniomanifestadav.A.OliveiradasNeves,Avaliao exante do impacto de grandes projectos sobre o desenvolvimento local: um contributo metodo-lgicodoprojectoFord/VW,inSociologia,n.22,1996,pp.43a59.Curiosamente,esteautor,emborareconheaenormesvantagensnesteprojecto,acabaporafirmarqueaAutoEuropa no foi objecto de uma avaliao ex ante, entendido este conceito numa perspec-tiva de ndole regional. Mas logo a seguir sustenta que os critrios utilizados foram tenden-cialmente semelhantes aos observados para a avaliao ex ante. Finalmente, afirma que nosevalorizaramdimensesdecontextualizaoquepoderiamcontribuirsignificativamentepara ampliar os impactes de investimento vultuosos, mas no refere de que forma nem comopoderiamtersidoimplementadasestasdimensesdecontextualizao.742AntnioDamascenoCorreianum processo de integrao vertical3, onde a par de empresas de produoemontagemautomvelsesituamfornecedoresdecomponentes,empresassubcontratadas, distribuidores e vendedores de automveis, factor que trouxeum progresso e um desenvolvimento sobretudo pela criao de postos detrabalho envolvidos dificilmente imaginveis sem este projecto.III.OMODELOORGANIZACIONAL4. A ORGANIZAO DO TRABALHONas diversas reas da empresa a organizao do trabalho est aliceradana aplicao rigorosa dos modernos conceitos e na racionalizao de mto-dos e procedimentos. Assim, o conceito do trabalho em equipa com aplica-oprticadaestratgiaKaizenprocessoininterruptodemelhoriacontnua4eassalasdeexperimentaofazemparteessencialdomodonormal como o trabalho se encontra organizado. Com esta estratgia impor-tadadoJ apo5,asequipasdetrabalhodesenvolvemassuasideiascomoobjectivo de atingirem melhoramentos sistemticos na actividade que desen-volvem, enquanto nas salas de experimentao so postos prova os novosprocessos de trabalho, sem que se interfira na produo corrente.O objectivo destas equipas de trabalho, que so constitudas por seis ouoito elementos, sempre o de obterem o controle de uma elevada qualidade,mas operando sempre no mbito da lean organisation, ou seja, da empresaquevisapermanentementereduziroscustoseaumentaraprodutividade.Embora a cultura do trabalho em equipa seja a filosofia prevalecente nagesto da empresa e a actividade seja desenvolvida num ambiente em que asideias e a criatividade de todos se combinam, a responsabilizao individualpermanentementetestada.3 Cf. Marins Pires de Lima et al., Organizao da indstria automvel na pennsula deSetbal, in Novas Dinmicas Socioeconmicas, comunicaes apresentadas no VI EncontroNacional da Associao Portuguesa de Profissionais em Sociologia Industrial, das Organiza-es e do Trabalho, Lisboa, 1996, p. 90.4 Sobre esta problemtica, v. Ulrich J rgens, Thomas Malsch e Knuth Dohse, Breakingfromtaylorismchangingformsofworkintheautomobileindustry,Cambridge,CambridgeUniversityPress,1993,pp.44,48esegs.5 Sobre o xito da indstria automvel no J apo, v. Hiromichi Mutoh, The automobileindustry, in Industrial Policy in J apan, vrios autores, Tquio, Academia Press J apan, 1988,pp.307a309,eMichioMorishima,WhyHasJ apanSuceeded?,Cambridge,CambridgeUniversityPress,1989,pp.188e192.743A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordista4.1.AESTRATGIAKAIZENOUOMODELODOMELHORAMENTOCONTNUODe acordo com os princpios e valores fundamentais da AutoEuropa, ofabrico do seu produto dever obter-se com a melhor qualidade possvel.E precisamente no mbito da estratgia de qualidade da empresa que surgeo modelo que agora importa conhecer de modo mais aprofundado.Paraatingirnveisdeexcelncianaqualidade,aempresaprops-seviabilizar dois tipos de polticas, uma das quais ser objecto do nosso estudo:a) Prevenindo os problemas, em vez do clssico objectivo da deteco ecorreco aps o aparecimento;b)Mantendoumapolticademelhoramentocontnuonosprodutoseprocessos a fim de garantir a excelncia na qualidade.Esta segunda poltica compreende trs elementos importantes que pre-ciso ter sempre presentes:1.A conscincia de que o processo uma combinao de recursos (mo--de-obra, mquinas, mtodos, materiais e meio ambiente) e que, sujei-tos a variaes e a efeitos exteriores, podem contribuir para a melhoriada satisfao do cliente;2.O ajuste sistemtico s necessidades do cliente, que pode ser empreen-dido pela utilizao permanente de duas fontes de informao: a vozdo cliente e a voz do processo;3.O ciclo do melhoramento contnuo: atravs deste mtodo assegura-sequeosdadosrecolhidossejamutilizadoscomobasedeaconoprojectoeconcepo,querdosprodutos,querdosprocessos.Estesistemapropiciaaindaumaaprendizagemacercadoprocesso,quedeve ser melhorado. E, quanto maior foi a aprendizagem, mais eleva-da ser a probabilidade de que uma mudana no processo resulte nummelhoramentoduradouro.Oprimeirodestestrsrequisitosprocuraevidenciaraconscinciadaflexibilidade no processo de fabrico. Nada considerado definitivo e tudopode ser alterado se o cliente se mostrar insatisfeito.Osegundodoselementosatendejatcnicasquepermitemefectuarmelhoramentos. A voz do cliente detectada atravs de questionrios, pes-quisaseinformaesobtidasnasoficinaseconcessionrios,permitindoavaliar os aspectos que correram mal e as caractersticas consideradas posi-tivas. Em relao aos aspectos negativos, a informao baseia-se em veculosutilizados durante um determinado perodo de tempo normalmente dozemeses e expressa numa taxa por cada 100 veculos. Os aspectos posi-tivos baseiam-se nas caractersticas particulares que mais agradam ao cliente.744AntnioDamascenoCorreiaNaturalmente,estavozdoclientequepermiteavaliaroprogressonomelhoramentocontnuo.A voz do processo obtm-se a partir da observao do prprio proces-so, recorrendo para o efeito a tcnicas e ferramentas estatsticas, nomeada-mente a grficos, folhas de recolha de dados, cartas de controle e histogra-mas.Finalmente,oterceirocomponenteoprpriociclodemelhoramentocontnuo,quealinhacondutoradestemodelo.Porsuavez,eteciclocomposto por quatro fases: o planeamento, a aco experimental, a verifica-o e a execuo. Vejamos cada uma delas:Planeamento: em face de qualquer caracterstica de inferior qualidade,a equipa planeia a recombinao dos recursos ou at uma mudana noprocesso, de modo a permitir o seu melhoramento;Fazer: esta segunda fase a da implementao do planeamento. Sem-pre que se trate de uma mudana no processo h normalmente o cui-dado de a elaborar em pequena escala;Verificao: depois de recolhida a informao na fase precedente ava-lia-se o efeito do estudo ou do projecto piloto realizado. em funodos resultados que se pensa na sua extenso totalidade do processo;Agir:porltimo,decide-sequetipodeacosedeveexecutarparamodificar o processo.Neste sistema de melhoramento contnuo, cujo objectivo final a exce-lncia na qualidade a apresentar ao cliente, h ainda algumas ferramentas etcnicas consideradas estratgicas para melhoria da qualidade do processo.Sodecitaraanlisederegresso,aanlisedefiabilidade6,ocontroleestatstico de processos (SPC), a anlise dos modos de falhas e seus efeitos(FMEAfailure mode and effect analysis), as tcnicas de Taguchi e a reso-luo de problemas em equipa (teamoriented problemsolving).Face a estes requisitos essenciais do sistema de melhoramento contnuo,h uma varivel que merece destaque: a flexibilidade. Todo o modelo giraem torno da flexibilidade, da inovao, da mudana sistemtica e do ajustepermanente s exigncias do cliente. ela, definitivamente, que est na basedo xito das melhores organizaes.6 Fiabilidade do motor, da transmisso, dos circuitos elctricos e do chssis. No mximo,s poder haver 0,1 % dos veculos com falhas prematuras, por desgaste ou fadiga antes dos40000kmeainda10%comfalhasataos160000km.Excluem-se,naturalmente,oselementos cuja satisfao esteja prevista no plano normal de revises (as pastilhas dos traves,discosdeembraiagem,correiasdetransmisso,velasecomponentesafins).745A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordista4.2. O COMPORTAMENTO-PADRO, OS NVEIS HIERRQUICOS E O DINAMISMODA EQUIPANareadaproduo/manutenoaestruturahierrquicanocoincidecom a das demais reas no produtivas (finanas, recursos humanos, com-pras/logstica, etc.), embora no se afaste muito desse modelo. O fundamentopara esta diferena reside no facto de estas ltimas reas envolverem muitomenos mo-de-obra e ela ser mais qualificada; por outro lado, requer maiorautonomia e caracteriza-se ainda por uma certa informalidade da lideranaquenovtimadomesmonveldepressosistemticaqueenvolveaschefias de uma linha de montagem.Apesar de um estilo e comportamento diferentes entre os profissionais darea produtiva e os dos demais departamentos, curioso notar que os traba-lhadores destas ltimas reas citadas, os quais poderamos designar por ad-ministrativos,apresentamcomportamentosmuitomaisagressivosquandocomparados com os seus homlogos de outras empresas v. g., do sectorcomercial/distribuio,dosectorfinanceirooudeoutraempresadosectortercirio.So,emgeral,maisreivindicativos,maisdesconfiados,menoscooperantes, e, tal como os colegas da produo, canalizam muitas vezes osseus descontentamentos ou queixas atravs das estruturas representativas dostrabalhadores(sindicatos/comissodetrabalhadores),emvezdeprocurareminicialmente resolv-las junto da estrutura hierrquica. Quer isto dizer que oambiente de trabalho vivido pelos operrios, que representam 90% do quadrode pessoal, acaba por influenciar o comportamento dos trabalhadores das reasno produtivas (cerca de 10%). E isto, apesar de o local de trabalho das reasno produtivas ser radicalmente diferente, os coordenadores destas reas seremhabitualmente mais cordiais e o ritmo de trabalho ser menos controlado.Os nveis hierrquicos da rea produtiva so basicamente desempenhadosportrscategoriasdeprofissionais:oespecialista,osuperintendenteeodirector da rea. Acima deste ltimo encontra-se um director-geral de todaareaprodutiva,quedependedasinstruesdoadministrador-delegado,representante das duas empresas-mes (Volkswagen e Ford).Partindo da base para o topo, os membros de cada equipa so dotados deenorme versatilidade, polivalncia, e formam em conjunto um grupo de tra-balho com destreza, habilidade ou competncia tcnica que , nas palavrasde Freider Naschold7, claramente potenciador de enorme produtividade e setornou expresso de uma organizao inovadora. Estas equipas, que traba-lham no contexto de uma tecnologia avanada e em constante cooperao,representamjumasegundageraodosgruposautnomosdacorrentescio-tcnica.Sointegradasporelementosqueprestamasuaactividadecom enorme autonomia e distribuem as tarefas entre eles de forma rotativa7FreiderNaschold,Developmentsinworkdesign,inOnBusinessandWork,vriosautores,Genebra,InternationalLabourOffice,1993,pp.267e268.746AntnioDamascenoCorreianumareunioinformaldeescassosminutosrealizadanoinciodoturno8.Deste modo, os colegas de uma equipa de trabalho autnoma encarregue delaborarnumaespecficareadalinhademontagempodemdesempenharqualquer dos diferentes postos de trabalho numa determinada estao.E esto habilitados a faz-lo no s porque tm formao profissional ade-quada,masigualmenteporqueaequipapoderresolverqualquerescolhoque um dos elementos no possa por si s ultrapassar.Osmembrosdaequipasoapoiadosporumcoleganormalmentemaisvelho e mais experiente que rotulado de lder (teamleader). Nas funese responsabilidades criadas internamente para os diferentes titulares das es-truturas da empresa, cada um destes lderes dever ser um coach-supporter-facilitator, ou seja, dever ser capaz de explicar como se faz, alm de ensinara fazer e formar os menos habilitados e experientes. Dever ainda apoiar e, porvezes, defender o respectivo trabalho por eles desenvolvido e, finalmente, um colega empenhado em ajudar a propiciar as melhores condies para queo trabalho seja realizado com a melhor qualidade possvel (the best in class).Uma vez que o lder da equipa no desempenha funes especficas de umsuperiorhierrquiconoobstanteassuasresponsabilidades,quelhedoapenas direito a uma pequena compensao remuneratria , o primeiro nvelde chefia pertence aos especialistas, que, na sua maioria, so engenheiros comconhecimentosespecficosdareaquecoordenam.Oficialmentesosupervisoreseplanners-coordinators,ou,ditodeoutromodo,compete-lhesprojectaraactividadedasequipasquecoordename,metodicamente,velampelo cumprimento dos planos. Alm das tarefas administrativas que lhe cabedesempenhar,nomeadamenteocontroledoabsentismo,quedeverrealizarjuntamente com o delegado dos recursos humanos para a respectiva rea, fazparte das suas atribuies estabelecer um programa de melhoria contnua daactividade realizada, misso em que todos os trabalhadores se encontram en-volvidos (v. grfico n. 1).O segundo nvel hierrquico incumbe aos superintendentes, como se referiu.So engenheiros com larga experincia profissional, com capacidade de gestoe de quem se espera que actuem como providers, ou como aqueles que propor-cionam e fornecem o conhecimento, a capacidade ou os meios que o conjuntodos trabalhadores anteriormente referido no consegue por si s obter9.8Esteperododetempocoincidecomapartefinaldohorriodetrabalhodoturnoanterior,deformaanohaverumainterruponaactividadedalinhademontagem.9Arelaofuncionaldostrabalhadoresdasequipasdeproduo/manutenolimitava-senormalmente ao contacto com estes dois nveis, uma vez que nos primeiros anos de existnciada empresa as chefias de nacionalidade portuguesa no iam alm deste nvel hierrquico. E, nodominandoostrabalhadoresalnguainglesa,eradifcilocontactodirectocomoutrosnveishierrquicos, salvo em reunies em que os superintendentes ou especialistas serviam de tradu-tores. Posteriormente houve a promoo de alguns nacionais para lugares de direco dos vriosdepartamentosdaproduo/manuteno,situaoquealterouocondicionamentoanterior.747A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistaDirector de produo9elemen-tosDirector da rea 1Equipa 3 com9elementosEquipa 4 com10elementosEquipa 5 com11elementosEquipa 5 com11elementosEquipa 2 com 10elementosEquipa 1 com 12elementos12elemen-tos10elementos12elementosSuperintendente 1: coordena 2 supervisores e 6 equipas12elemen-tos11elemen-tos10elemen-tos8elemen-tos11elemen-tos10elemen-tos10elemen-tos9elemen-tosSupervisor 1: coordena 2 equipas Supervisor 4: coordena 4 equipasSupervisor 3: coordena 3 equipas Supervisor 4: coordena 4 equipasSupervisor 5: coordena 4 equipas Supervisor 2: coordena 2 equipas[GRFICO N. 1]9elemen-tosSuperintendente 2: coordena 4 supervisores e 13 equipas748AntnioDamascenoCorreiaO terceiro nvel hierrquico, que ocupado pelos directores das reas, exigeresponsabilidades ao nvel da capacidade de produo e da tecnologia instalada.O coordenador de toda a rea produtiva (director-geral) com base nas informa-es recolhidas pelos directores das reas, estabelece a ponte com o adminis-trador-delegado, responsvel pela estratgia condutora da AutoEuropa.4.3. OS NVEIS HIERRQUICOS: UMA COMPARAO COM A TOYOTAEstes nveis hierrquicos que se referiram baseiam-se tambm na estruturatoyotistalean,ouseja,notoriamentemagra.Paracertificarmosestaanlisecomparemos a estrutura hierrquica da rea produtiva de uma fbrica da Toyotanos EUA, mais precisamente em Georgetown, no ano de 199410, altura em quea maior parte das decises tomadas na AutoEuropa foram homologadas.Supervisor88elementos11elementos10elemen-tos12elemen-tos11elemen-tos10elementos12elementosSupervisor 7: coordena 2 equipas Supervisor 8: coordena 3 equipasSuperintendente 1: coordena 2 supervisores e 6 equipasSupervisor9Director da rea 210 Esta estrutura hierrquica da Toyota consta de um relatrio de viagem (no publicado)efectuadoemJ ulhode1994(Toyota/Georgetown,Tripreport,13deJ ulhode1994).Superintendente 3: coordena 2 supervisores e 5 equipas749A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordista perceptvel a identidade da estrutura organizacional, quer na base (n-veis 1 e 2), quer com os demais nveis hierrquicos.IV.OSRECURSOSHUMANOS5. A SELECO DE PESSOALPara integrar estas equipas de trabalho, os cerca de 3000 trabalhadores con-tratados inicialmente foram recrutados entre cerca de 30 000 candidaturas, in-cluindo j aqui cartas oriundas de todo o territrio nacional e do estrangeiro, comcurrculos que no correspondiam aos requisitos mnimos. Os primeiros a seremseleccionadosdetinhamjumaelevadaexperinciaprofissionale,apsumperodo de formao profissional intenso, ajudaram a formar os demais trabalha-dores. Requisito importante no momento da admisso era a flexibilidade/poliva-lnciae,dopontodevistacomportamental,aausnciademanifestaesderebeldiaoudeinsubmisso,sobretudosemotivadasporrazesideolgicas11.Embora os primeiros trabalhadores contratados tivessem uma idade queseaproximavados30anos,devidoexperinciaprofissionalentretantoacumulada12, o enorme contingente que se seguiu era de jovens com redu-AutoEuropa Toyota[QUADRO N. 1]1. Trabalhador membro de uma equipa . . . . . .2. Lder de equipa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3. Supervisor/especialista . . . . . . . . . . . . . . . .4. Superintendente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5. Director de rea (area manager) . . . . . . . . .6. Director da produo (production manager) . .7. Administrador-delegado . . . . . . . . . . . . . . .1.Trabalhadormembrodeumaequipa.2.Lderdeequipa.3.Lderdegrupo.4.Assistentmanager.5.Manager.6.Assistentgeneralmanager.7.Generalmanager.11 Alan Stoleroff e Sara Casaca denominam esta fase de seleco e formao profissional,umprocessodeinduoquesetraduznumprocessoacumulativodesocializao[...]atravs do qual os indivduos interiorizam novos cdigos e novos saberes especficos integran-tesdeumaculturaprofissionaldetrabalhoedaempresa.Eoelementoessencialdesteprocesso de induo situa-se exactamente na seleco prvia dos futuros trabalhadores (v., dosautores,Requisitossociaiseculturaisdaproduomagraeoprocessodeinduodostrabalhadores,inNovasDinmicasSocioeconmicas,comunicaesapresentadasnoVIEncontroNacionaldaAssociaoPortuguesadeProfissionaisemSociologiaIndustrial,dasOrganizaesedoTrabalho,Lisboa,1996,p.181).12 A reestruturao e o desemprego gerado em alguns sectores tpicos do distrito de Setbal,como so a construo e reparao naval, o complexo siderrgico e a fileira metlica-metalome- perceptvel a identidade da estrutura organizacional, quer na base (n-veis 1 e 2), quer com os demais nveis hierrquicos.750AntnioDamascenoCorreiazida ou nula vivncia laboral. Exigia-se apenas que tivessem obtido o 9. anodeescolaridade.Feito um primeiro balano ao fim de seis meses de seleco, foram alte-rados alguns objectivos, com o intuito de contratar pessoas mais jovens, semvcios profissionais e, sobretudo, sem o cariz reivindicativo de alguns traba-lhadores que haviam vivido episdios de luta sindical sobretudo no sectorda metalomecnica, indstria naval e noutras empresas de montagem do sectorautomvel e que haviam passado pela malha selectiva atravs da omissodefactosecomportamentosque,conhecidospelosseleccionadores,teriamsido impeditivos da entrada. A par deste reajustamento, foi prolongado o planode formao profissional. Esta circunstncia representou um custo mais sig-nificativoqueseriacompensadopelomenorpesosalarialdosjovensinexperientes seleccionados e por um clima empresarial consentneo com osobjectivos da paz social pretendida pelas empresas-me do projecto.6. A FORMAO PROFISSIONALAqualificaodamo-de-obrafoiumadascondiesessenciaisparaoxitoeoaltonveldeprodutividadequeaempresapretendiae,porissomesmo, foi feita uma fortssima aposta na formao profissional. As atitudescomportamentais adquiriram uma dimenso especial, uma vez que o trabalhoem grupo e a forma de comunicao eram condies essenciais para o xitodeste tipo de organizao.Nos trs anos que precederam a inaugurao da empresa, todos os traba-lhadores,apsasessodeboas-vindaseoconhecimentodosobjectivosdaempresa este programa de introduo comum (common core) tinha a du-raodeduassemanas,foramdistribudosporgruposeprogramasdeformao que variaram entre os trs meses e os dois anos. Embora a maioriados trabalhadores tivesse recebido formao em Portugal, mais de oito cente-nasreceberam-nanospostosdetrabalhodasprpriaslinhasdemontagemautomvel.Porumaquestolingustica,passaramalgumassemanasnaEspanhaenoMxico,pasesondeselocalizamasfbricasdaFordeVolkswagen. Em menor escala e para outro nvel de profissionais houve igual-mente quem se deslocasse Alemanha e Inglaterra, pases onde se encontramigualmente sediadas fbricas das referidas empresas.A aposta nesta ferramenta estratgica que a formao profissional levou,alis, constituio de uma escola de formao, a Formauto, equipada com ascnica,permitiramquealgunsdestestrabalhadoresviessematransferirassuascompetnciaseknow-how para a AutoEuropa. Neste sentido, v. A. Oliveira das Neves, ob. cit., p. 57.751A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordista13 Antnio J os de Almeida afirma que este centro para uso exclusivo da AutoEuropa(v. o artigo Sistema regional de inovao, desenvolvimento industrial e polticas municipais:o caso da pennsula de Setbal, inNovas Dinmicas Socioeconmicas, comunicaes apre-sentadas no VI Encontro Nacional da Associao Portuguesa de Profissionais em SociologiaIndustrial,dasOrganizaesedoTrabalho,Lisboa,1996,p.101).mais modernas tecnologias e que garantiu e continua a faz-lo no sa preparao, como, nalguns casos, a prpria seleco, uma vez que a supe-rao de alguns requisitos mnimos era condio sine qua non para a admis-so. Este centro de formao, concebido para executar programas de forma-o profissional de acordo com os padres e exigncias existentes noutroscentroscongnereseuropeus,estintegradodentrodocomplexoindustrialda AutoEuropa e o seu capital social comparticipado, em partes iguais, pelaempresaepeloInstitutodoEmpregoeFormaoProfissional(IEFP).Aocontrriodoquesetemdito13,estecentronoparausoexclusivodaAutoEuropa. Est aberto a prestar servios a outros utilizadores do espaonacional, embora sejam atendidas com prioridade as exigncias da empresaonde o centro se integra.Por ltimo, a formao de alguns dos elementos da empresa era e con-tinuaaserfeitanasinstalaesdosfornecedores,semprequeseafigureessencial para o bom desempenho da respectiva actividade.7. A GESTO DE CARREIRASAps a homogeneizao da fora produtiva permitida por uma cuidadosaseleco de pessoal e, em muitssimos casos, por uma intensa formao pro-fissional, o departamento de recursos humanos delineou igualmente um siste-ma de gesto de carreiras. Naturalmente, teria de ser adequado quer aos tc-nicos que operavam na linha de produo desde o mais qualificado T3 atao T1 com escassa experincia e diminuta formao profissional , quer aosdemaisquadrosmdioseadministrativosdasdiferentesreasquesecandidatavamalugaresdedireco.Dostrsnveishierrquicosreferidosanteriormente(especialistas,superintendentesedirectoresderea),apenasestes dois ltimos eram considerados cargos de direco. Face dificuldade dea empresa incluir na mesma poltica interna duas metodologias de gesto decarreiras, destrinadas aos tcnicos de produo e aos lugares de chefia, optoupor criar procedimentos autnomos, que sero seguidamente abordados.7.1. A GESTO DE CARREIRAS DOS TCNICOS DE PRODUOCom a enorme rotatividade no quadro de pessoal da empresa, resultantedemltiplosfactoresemborasetenhaficadoadeverespecialmente752AntnioDamascenoCorreiaforte intensidade do ritmo de trabalho , o processo previsto para a gestodecarreiras,ou,ditodeoutromodo,depromoonaestruturainternadaempresa, de ascenso funcional e de aumento do nvel de remunerao, foiassociado ao preenchimento de vagas. O recrutamento interno representava,assim, um factor de motivao para todos os colaboradores que pretendes-sem candidatar-se a uma vaga.Os pressupostos de qualquer candidatura baseavam-se em trs facto-res:a) Ter concludo com xito o programa de formao profissional;b) Ter sido admitido na empresa h mais de um ano;c)Preencherosrequisitosdefinidosparaodesempenhodasfunesrequeridas pelo posto de trabalho vago.Apenasnatransiodotcnicodenveldeiniciaoprofissional(T1)paraotcnicodenvelintermdio(T2)oprocessoeraencaradocomodedesenvolvimentodecarreira,nosendoporissooficializadaqualquervaga aberta no nvel intermdio. Todo o processo era solucionado dentro daprpria rea onde existia a vaga. De qualquer forma, o trabalhador tinha depreencher os requisitos mnimos, nomeadamente, tinha de mostrar versatili-dade na realizao de diferentes tarefas, tinha de realizar com xito o pro-grama de formao profissional e tinha de ser certificado.Esteprocessodecertificaotinhaporobjectivoassegurarquecadatcnico era capaz de executar as tarefas inerentes a um posto de trabalhocom qualidade e dentro do prazo estabelecido. Esta certificao envolviauma semana de produo no prprio posto de trabalho, durante a qual umengenheirodemelhoramentocontnuoeumespecialistadeproduosetornavam responsveis pela anlise da actividade desenvolvida, que deveriaser realizada sem qualquer desperdcio. Finda esta semana, o especialistadareasolicitavaumpedidodecertificaooudeemissodeumcertificado aos recursos humanos.Relativamente s vagas em concurso que eram conhecidas nos painis deinformao, cada candidato a tcnico de nvel superior (T3) deveria preen-cher um formulrio e envi-lo para o Departamento de Desenvolvimento deRecursos Humanos (rea de seleco e recrutamento). No entanto, este envioda candidatura pressupunha uma prvia conversa do candidato com o supe-rior hierrquico, a quem deveria informar dos objectivos pretendidos com atransfernciadedepartamento.Posteriormente, a rea de seleco encarregava-se de realizar as entrevis-tasedeescolheroscandidatoscomperfiladequadoparaavagaaberta.753A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistaNormalmente3 a 5 anosPosio de DirecoNomeaofinalparaposiesde direco atravs dedeciso mltipladaadministrao1 a 3 anos ProgramaodeEvoluo1semana Assessment Centre orientado para a evoluo2horas EntrevistaestruturadaCandidatosexterioresPr-seleco *recomendaocruzada*auto-nomeaoEm termos globais e esquemticos o cruzamento dos diversos requisitose pressupostos necessrios para esta evoluo na carreira era a seguinte:Na candidatura aos lugares disponveis de especialistas de produo e manu-teno ou para qualquer outra vaga na rea dos engenheiros de staff, exigia-separtidaalicenciaturaouumbacharelatoebonsconhecimentosdeingls.Excepcionalmente, o grau acadmico poderia ser dispensado desde que os tc-nicos de nvel superior (T3) tivessem o 11. ano completo e uma experinciaprofissional significativa em relao funo a que concorriam. O processo deEvoluodacarreirasPosiodedirecoNomeaofinalparaposiesdedirecoatravsdedecisomltipladaadministraoProgramadeevoluoAssessmentcentreorientadoparaaevoluoEntrevistaestruturadaPr-selecoRecomendaocruzadaAutonomeao[GRFICO N. 2]Processo Durao Candidatosexteriores754AntnioDamascenoCorreiapreenchimento de uma vaga nestes casos era idntico ao mencionado para osT3,emborafossecomplementadocomprovasdesimulao(assessmentcentre).Nestasprovas,queexigiamapresenadossuperioreshierrquicos,eram simuladas provas de realizao de tarefas concretas, semelhantes s queencontrariam no local de trabalho. Perante a atitude e comportamento demons-trados pelos candidatos nestas provas, os chefes da rea decidiam, juntamentecom os tcnicos de seleco, quais eram os candidatos escolhidos.7.2. A GESTO DE CARREIRAS PARA ACESSO A LUGARES DE GESTOOs tcnicos da produo e manuteno representam mais de 80% da mo--de-obradaempresa.Osrestantestrabalhadoresfabrissocompostosporengenheiros de staff em diversas reas, por especialistas de produo/ma-nuteno que trabalham em contnuo apoio aos tcnicos da linha de monta-gem, por superintendentes que representam j o primeiro nvel de gestorese por um conjunto de administrativos que auxilia os directores da rea pro-dutiva.Os trabalhadores no fabris (finanas, recursos humanos, logstica, infor-mtica, etc.), ainda que integrados no permetro da fbrica, eram basicamentecompostos por jovens licenciados, por alguns quadros que assumiam posi-es de chefia e trabalhadores administrativos qualificados.Com o regresso progressivo dos estrangeiros que tinham sido destacadosde cada uma das fbricas donde provinham sobretudo da Alemanha, Ingla-terra, Espanha e Blgica foi necessrio ocupar as vagas abertas com tra-balhadores nacionais para o lanamento do projecto, de elevado potencial,quetivessemdemonstradoaolongodosdoisoutrsprimeirosanosdetrabalho capacidade de resistncia, de abnegao, de trabalho em equipa e decontribuirdecisivamenteparaosobjectivosacadamomentotraadospelaempresa. Mas, alm do regresso destes expatriados que cumprem habitual-mente comisses de servio de um a trs anos e que circulam pelas diversasfbricas destas multinacionais colocadas nos mais dspares lugares mundiais(gesto em rede), houve que repensar igualmente a questo da alta taxa derotatividade que atingia igualmente os quadros com funes de chefia. Paratodosestestrabalhadoresdaempresa,muitosdelescomelevadaambio,delineou-se um programa de evoluo na carreira.Inspirado nas polticas e experincia destas multinacionais, este programasupscinconveisparasepoderatingirumlugardegesto/direco,quecorrespondia posio inicial de superintendente na rea fabril e de chefe dedepartamento na rea no fabril ou administrativa.O processo inicia-se com uma fase denominada de pr-seleco, atravsda qual a Direco de Recursos Humanos faz uma primeira triagem entre oscandidatos que se autopropem com o aval do superior hierrquico e outroscandidatos que so recomendados para entrar no processo de seleco.755A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistaA segunda fase a da entrevista estruturada. realizada por um grupo detrs pessoas, entre as quais tem de constar obrigatoriamente um quadro comnvel hierrquico superior ao do candidato, alm do perito de recursos humanose de um consultor. Esta entrevista, cujo tempo mdio dever ser de duas horas,destina-se a revelar as capacidades, o potencial e a motivao de cada candidatointerno ou de outras candidaturas externas, viveis em face da insuficincia departicipantesinternos.Talcomonafaseanterioreemcadaumadasfasesposteriores deste processo, a entrevista permite excluir os candidatos.A terceira fase a do assessment centre, que especificamente orientadaparacadacandidato.Osavaliadoressosempredeumnvelhierrquicosuperior ao dos participantes ou, no mnimo, do mesmo nvel do participantecom maior nvel hierrquico. Neste centro de avaliao os candidatos tm dediscutir um assunto relacionado com a actividade da empresa ao longo dedois dias. No fim, os avaliadores tero de avaliar o perfil na relao fora/fraqueza ou, se quisermos, os pontos considerados fortes e fracos de cadacandidato. Caso o participante prossiga nesta marcha processual, elaboradoum programa de evoluo individual que pressupe a nomeao de tutores.Com uma durao de cerca de uma semana, esta fase termina com a apre-sentao e explicao dos resultados obtidos e ainda do programa de evolu-o individual. (v. quadro n. 2).A quarta fase denominada de desenvolvimento ou de adequao a umplano ou programa de evoluo: tem a durao mnima de um ano, mas podeprolongar-se at trs anos. Este desenvolvimento est intimamente ligado aosrequisitosdecadacandidatoenecessidadedeprivilegiaraevoluoemaspectos considerados mais fracos, perspectiva que pode ocasionar a forma-o no exterior, quer da empresa, quer do territrio. O tutor de cada candi-dato, que no dever ser da mesma rea onde ele desempenha as suas acti-vidades,terdecolaborarestreitamentecomaDirecodeRecursosHumanos no sentido de proporcionar ao potencial gestor o auxlio e conselhonecessrio para poder evoluir pessoal e profissionalmente. O fim deste pro-grama de evoluo pressupe a apresentao de um relatrio elaborado junta-mente pelo tutor e superior hierrquico do candidato, que tem, inclusivamente,a participao do prprio interessado.Finalmente, face ao desempenho revelado durante o programa de desen-volvimento,ocandidatoencontra-seaptoaocuparlugaresdedireco.Todavia, esta nomeao ter de envolver no s o acordo unnime do supe-rior hierrquico, como tambm de dois outros directores.Sinteticamente, esta a trajectria prevista no plano de evoluo de carreirapara candidatos com elevado potencial. No se prev, assim, uma ascenso naremunerao fora dos esquemas de actualizao salarial para os candidatos quenoconseguiramatingirafasedenomeaoparaumaposiodegesto/direco.756AntnioDamascenoCorreia757A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistaV.ASRELAESLABORAISNAEMPRESA8. ESTRATGIA DE RELAES LABORAISDe acordo com o modelo de produo das demais fbricas da Volkswagen,daFordedeoutrasqueadoptavamomodelodeproduomagra(lean),havia um conjunto de condies necessrias para permitir o normal funcio-namento da empresa. Esta normalidade, de acordo com os cnones vigentesnessas outras fbricas, exigia uma alterao das circunstncias previstas peloquadro legal vigente e pelo costume de negociao da melhoria das condi-es laborais. Este aspecto era imprescindvel para evitar futuros conflitos,que, caso viessem a ocorrer, comprometeriam o programa de produo e acompetitividade da empresa. Da a necessidade de tentar um certo consensona estratgia de relaes laborais a elaborar14.A priori, a entrada de uma nova empresa na fileira automvel obrig--la-ia a reger-se, nos termos de uma portaria de extenso vigente (v. artigo29. do Decreto-Lei n. 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na redaco ulteriorque lhe foi dada pelo Decreto-Lei n. 209/92, de 2 de Outubro), pelas normasdocontratocolectivodetrabalhoparaosectorautomvel.Aalternativaaesta injuno era negociar directamente com os sindicatos um conjunto decondiesespecficasparaaAutoEuropa,ouseja,celebrarumacordodeempresa. Em termos de apreciao global, poder-se-ia dizer que o puzzle dealternativas, com as respectivas vantagens e inconvenientes, era o seguinte:OPO AINTEGRAO NA ASSOCIAO PATRONALVIGNCIA DO CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHOVantagens:a)Noexposiodirectascrticassindicais(protecoatravsdochapuassociativo);b) Inexistncia da necessidade de negociar anualmente a tabela salari-al e outras clusulas de expresso pecuniria, com os inconvenientesque acarretaria em termos de tempo (existem manobras dilatrias14 Neste sentido, Alan Stoleroff e Sara Casaca, ao afirmarem que o modelo de produomagra pressupe um novo tipo de relaes industriais assentes no consenso (v., destes autores,Produo magra e relaes laborais: tendncias verificadas num greenfield em Portugal, inOrganizaeseTrabalho, n. 15, J unho de 1996, p. 85).758AntnioDamascenoCorreiatcticas)edepotenciaisconflitosquedesestabilizariamoclimasocial na empresa;c) Diminuio dos custos desta opo estratgica (se a compararmoscom o acordo de empresa);d) Era j conhecido o texto final, o que possibilitava todo um trabalhode estudo e planificao.Desvantagens:a)A definio hiperespecializada de funes prevista para as 247 cate-gorias profissionais era contrria flexibilidade prevista pela empresa;b) Vrias clusulas do contrato colectivo de trabalho eram proibitivasdapolticaquesepretendiaimplementar(v.g.,ainterrupodoperodo normal de trabalho de uma hora; inexigibilidade da pres-taodetrabalhosuplementarparaostrabalhadoresdeturno,excepto se houvesse o acordo prvio);c) A durao mxima do horrio de trabalho dirio era de nove horas,quandoaleigeralpreviaapossibilidadedeseracrescidoestelimite (v. artigo 6. do Decreto-Lei n. 409/71, de 27 de Setembro),hiptese que ia ao encontro de uma das propostas da empresa decriar um turno de dez horas dirias com quatro dias por semana;d) Nos termos do CCT, haveria algum controle sindical sobre a activi-dade da empresa, nomeadamente na admisso de cada empregado;e) A associao patronal, representando o conjunto dos interesses dosassociados, dificilmente ia procurar privilegiar pela via normal a defesa dos interesses da AutoEuropa.OPO BACORDO DE EMPRESA(REGRAS QUE SERIAM ACORDADAS ENTRE A EMPRESA E OS SINDICATOS)Vantagens:a) Relaes laborais mais flexveis (quando comparadas com as existen-tes nas demais empresas), quer ao nvel das categorias profissionais criar-se-iam categorias mais abrangentes , quer ao nvel do sis-tema remuneratrio, da durao do horrio de trabalho dirio, do re-gime de prestao deste trabalho e do tempo de repouso;b) Facilidade de alterao das clusulas negociais com os sindicatos (anegociao directa permitiria posteriormente alterar aquilo que deixas-se de servir o interesse da empresa);c) Maior liberdade de actuao da empresa (em termos genricos);759A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistad)Acelebraodeumacordodeempresaprestigiariaaempresanomundo das relaes laborais em Portugal.Desvantagens:a) A negociao de condies vantajosas para a empresa teria de ser feitacom a concesso de algumas contrapartidas aos sindicatos (e o factode a empresa pertencer a duas das maiores multinacionais do mundotornaria mais exigentes as propostas sindicais, factor que aumentariaos custos com a mo-de-obra);b) Investimento em tempo (seriam necessrias muitas horas em reuniespara negociar com os sindicatos um novo acordo de empresa);c) A exposio directa s crticas sindicais desgastaria a imagem da em-presa e, especialmente, poderia afectar o ritmo de produo nos pero-dos de maior tenso negocial;d) A negociao do acordo de empresa protelar-se-ia por um perodo detempoimprevisveleotextofinalapresentava-secomoumagrandeincgnita, atendendo ao passado de luta do sindicato mais representa-tivo dos trabalhadores da regio.A melhor alternativa da empresa face s contingncias do contrato colec-tivo de trabalho, e sobretudo tendo em vista a nova mentalidade e disciplinana organizao do trabalho que a empresa pretendia implementar, pareceria, primeira vista, a opo B, ou seja, a celebrao de um acordo de empresa.Contudo, esta estratgia apresentava inconvenientes muito fortes, nomeada-mente os custos mais elevados questo importantssima para um projectoque se pretendia rendvel e que era ameaado pela elevadssima produtivi-dade das empresas japonesas concorrentes e, mormente, a grande incer-tezaeoriscoincalculveldeumaopoquedeixarianasmosdeumsindicato filiado na CGTP, a paz social pretendida pela empresa. Como sesabe,apolitizaodosindicalismoportugusAlanStoleroff15recordaacertadamentequeseencontrainstrumentalizadoeaoserviodalutadeclassestornavamuitodifcilconcluircomossindicatosfiliadosnestacentral sindical de influncia dominante comunista um acordo que servisseosinteressesdeambasaspartesemconflito.Eporisso,facespesadasdesvantagens que esta escolha apresentava, no havia outra alternativa senoa adeso associao patronal do sector automvel e a respectiva observn-cia das regras do contrato colectivo de trabalho.15 Alan Stoleroff, Sindicalismo e relaes industriais em Portugal, in Sociologia Pro-blemas e prticas, n. 4, Maio de 1998, p. 158.760AntnioDamascenoCorreia9.AFORAEOPESODEDUASGRANDESMULTINACIONAISA opo pela primeira das estratgias mencionadas para o futuro relacio-namento laboral no impediria o golpe de mestre que a empresa gizara.Esta referida escolha significava apenas que, ao nvel formal, no se ence-taria um processo negocial com o objectivo de celebrar um acordo de em-presa. Mas no traduzia a desistncia de lutar pela flexibilidade laboral ne-cessria ao projecto, quer ao nvel contratual, quer ao nvel legal. Alis, nopodemos esquecer que nessa altura eram j vrios os sectores industriais emPortugal que tinham revisto em sentido idntico o contrato colectivo, comoaconteceudeformaespecialnosectorcimenteiroenosectorpetrolfero.Feita esta opo, a fora do lobby entrou em aco.Ao nvel contratual, a AutoEuropa, junto da associao patronal do sec-tor, pressionou para que se constitusse um grupo de trabalho restrito inte-grado pelos mandatrios das cinco maiores empresas do sector e a, atravsde um delegado, apresentou e persuadiu os demais membros a aceitarem umconjunto de propostas que flexibilizaria o regime jurdico estatudo conven-cionalmente (CCT). O custo desta proposta, que poderia significar um au-mento dos salrios e das regalias sociais mais do que proporcional inflao,seria facilmente pago pelas maiores empresas do sector, tambm elas bene-ficiadascomasnovasideiaspropostas.Emsegundolugar,aAutoEuropaprops-seexplicaraoutrasempresasdoramooscondicionalismosaqueestava obrigada, o que viria a concretizar em reunies mensais que tradicio-nalmente se realizavam entre representantes das maiores empresas do seg-mento automvel. Por ltimo, enviou mesa das negociaes com os sindi-catos um delegado que, fundamentalmente, deveria actuar nos bastidores enunca se identificar como defensor da AutoEuropa; desta forma, tinha acessodirecto aos entraves negociais, poderia pressionar o porta-voz da associaopatronaleprestaresclarecimentostcnicosaossindicatossobreaimprescindibilidade de adopo das modificaes ao contrato colectivo.Ao nvel legal, foram feitos os contactos necessrios para utilizar o lobbyquerepresentavaaConfederaodaIndstriaPortuguesaafimdequeesteparceiro social iniciasse o processo de sensibilizao para alterao de algu-mas normas da legislao do trabalho. Em muitos casos, as alteraes preten-didas traduzir-se-iam na mera substituio das regras contratuais pelo regimelegal em vigor que era mais flexvel e, em algumas situaes, pretendia-se mesmo ir alm do que as normas legislativas em vigor estipulavam.9.1. RESULTADOS ALCANADOSCom esta estratgia, a AutoEuropa, no quadro das maiores empresas dosectorautomvel,conseguiuobterresultadosporelaconsideradosmuito761A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistasatisfatrios e que se traduziram numa alterao e acrscimos significativosao contrato colectivo de trabalho16. Por outro lado, com a tradio da prticalaboral portuguesa de no cumprimento de alguns preceitos das convenescolectivas17, a que acresciam outras normas que haviam cado em desuso18e ainda o benefcio da inrcia dos rgos de controle e inspeco do trabalhoque geravam uma certa sensao geral de impunidade, a empresa passava adispor de um quadro legal adaptado s suas convenincias.9.2. OS INTERLOCUTORES DAS RELAES LABORAISNo mbito do ordenamento jurdico, incumbe ao sindicato e comisso detrabalhadores a defesa e promoo dos interesses dos empregados da empresa.Mais especificamente, da competncia dos sindicatos a celebrao de conven-es colectivas de trabalho e ainda a prestao de outros servios de carctereconmico-social(cf.artigo4.doDecreto-Lein.215-B/75,de30deAbril).Acomissodetrabalhadorestemodireitodeexercerocontroledegesto na empresa e o direito a gerir ou participar na gesto das obras sociais(nos termos do artigo 18. da Lei n. 46/79, de 12 de Setembro). Contudo, naprtica, a funo das comisses de trabalhadores limita-se, na generalidade dasempresas em que existem no podemos esquecer que apenas algumas dasmdias e grandes empresas tm comisso de trabalhadores , a controlar aqualidade das instalaes e a higiene e segurana no local de trabalho. Natu-ralmente,emalgumasgrandesempresasoseupapelextraordinariamenteimportante.16Aalteraomaisimportanteequeconstituiuaflexibilizaomaissignificativadocontratocolectivodetrabalhodeu-secomanovadefiniodefunesdetrscategoriascruciais para uma fbrica de produo automvel: o operador fabril, o operador de manuten-o e o operador de reparao. A amplitude da definio de funes do operador fabril queacabouporseraceitepelossindicatosfoidetalmodoamplaquedifcilimaginaroutradescriomaisflexveloucapazdeenquadrarmaistarefaseactividades.Estadescrioconsta doBoletimdo Trabalho e Emprego (1. srie), de 8-2-1996, pp. 82 e 83.17 EmFranapassa-seumarealidadesemelhante,umavezque,segundoobarmetrosemestraldoITEC(1995),30,7%doschefesedirigentesempresariaispretendemcontornaralegislaodotrabalho.18 Entre os conceitos do contrato colectivo de trabalho no aplicveis ou que haviam cadoem desuso podem mencionar-se, entre outras, as clusulas 17 a 27 e 134 a 136. A clusula17,queprevascondiesdepromooeacessoadeterminadascategoriasprofissionaisfeitas em moldes de promoo automtica, no era aplicada pela empresa. Este preceito previaaindaalgumascategoriasprofissionaisqueaAutoEuropautilizavadeumpontodevistaformal,ouseja,paraefeitoslegaisedecontroledeorganismospblicos.Tendoaempresacriado novas categorias profissionais, foi com base nelas que passou a fazer-se toda a gestode recursos humanos e a gesto da carreira. De entre as clusulas que haviam cado em desusopodemmencionar-seasquesorelativassdotaesmnimasdepessoal,aosquadrosdedensidade, ao regime de aprendizagem, avaliao e promoo ou ainda as relativas comissoparitriaque,noobstanteestarememvigor,notinhamqualquereficcia.762AntnioDamascenoCorreiaNaAutoEuropa,asfunesdestesinterlocutoresalteraram-seradical-mente devido a trs factores importantes que imprescindvel entender paraperceber a estratgia adoptada pela empresa.Emprimeirolugar,ocontratocolectivonegociadoanualmentecomasdiferentes associaes patronais do sector estipula um conjunto de remune-raes e de regalias sociais muito baixas que so fundamentalmente aplic-veis s pequenas empresas v. g., as oficinas de reparao de automveis.Atendendo a que as mdias empresas e sobretudo as maiores empresas doespaonacionalpagamsalrioseregaliassociaismaiselevados,especial-menteaosempregadosaltamentequalificadoseaosquadrossuperiores,encontram-selibertasdasinjunesdeactualizaosalarialreivindicadasanualmentepelossindicatos.Istotemporcontrapartidaainexistnciadepressoedefaltademobilizaodostrabalhadoresnaalturaemqueossindicatos pretendem fazer aprovar as suas propostas, uma vez que, como sedisse,apenasaspequenasempresasutilizamarefernciaregulamentadoraconvencional.Em segundo lugar, esta estratgia dotava ainda a empresa de uma enormemargem de flexibilidade na aplicao individual da actualizao salarial, quepodeir,emcadaano,desdeanoactualizaoatvaloreselevadssimos.Em terceiro e ltimo lugar, o facto de ser a comisso de trabalhadores orgoqueseriaprivilegiadonarelaocomaempresatinhatambmaenorme vantagem de ela nunca poder promover ou decidir o recurso greve,j que legalmente so os sindicatos as nicas entidades com legitimidade ecompetncia para declarar a greve (cf. artigo 2. da Lei n. 65/77, de 26 deAgosto). E isto tinha a enorme vantagem de enfraquecer o interlocutor dasfuturas relaes laborais.Como consequncia destes referidos pressupostos, a empresa planeou epassouanegociar,apsaprimeirarevisodossalrios,aactualizaodaremunerao de forma bianual com a comisso de trabalhadores, deixando ocumprimento estrito da lei que exige uma actualizao anual para aassociao patronal e sindicatos.9.3. A RELAO COM OS SINDICATOSNo que concerne relao directa com os sindicatos e respectivos dele-gados no interior da empresa, a administrao pretendeu apenas cumprir osrequisitos mnimos exigidos pela lei nomeadamente um espao para reu-nio e afixao de informao sindical, crdito de tempo para os delegados,etc. e nada mais do que isto. A empresa procurou at, de forma habili-dosa,neutralizarastentativassindicaisdegranjearapoiointerno,oquetornou a respectiva presena muito fraca.763A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistaEsta neutralizao da base de apoio sindical foi um elemento essencial daestratgia adoptada, como pode perceber-se atravs do exemplo seguinte. FaceaumcomunicadoemitidopeloSindicatodosTrabalhadoresdasIndstriasMetalrgicaseMetalomecnicasdoSul,afectoCGTP,atravsdoqualsoconvocados todos os trabalhadores para uma reunio no dia seguinte (6-4-1994)nas instalaes da empresa e com a presena de dirigentes sindicais, um grupode trabalhadores independentes integrado por quadros da empresa e agin-do em nome desta distribuiu um comunicado afirmando o seguinte:Mais uma vez, sem o nosso conhecimento ou acordo, os profissionaisdos sindicatos pretendem vir para dentro da nossa empreza discutir pon-tos que s a ns, colaboradores da AutoEuropa, dizem respeito, tais comoo contrato, os horrios, a carreira ou os salrios.A AutoEuropa e o distrito de Setbal no podem continuar a ser peasde uma estratgia poltica organizada que to bons frutos deu no passado:recordem-seosexemplosdaQUIMIGAL,Siderurgia,SETENAVE,LISNAVE, TAP e outros onde o internacional-sindicalismo foi rei e senhor. Basta de intromisses na vida interna de cada empresa! Basta de sindicalistas profissionais! Somos e queremos continuar a ser diferentes. Temos e queremos continuar a ter capacidade para discutir e resolveros nossos prprios problemas. TEMPO DE DIZER BASTA [...]Para tornar mais credvel este comunicado, que teve excelente repercus-soentreostrabalhadores,foiincludoumerronapalavraempresasegundalinhadocomunicadoqueapareceuescritacomz.Nodiaseguinteaempresaproibiuosdirigentessindicaisdeentrarnopermetroindustrial da fbrica. Exemplos como este que neutralizaram a eficcia daconvocatria e descredibilizaram os seus autores , associados a uma rela-oprivilegiadacomacomissodetrabalhadores,contriburamdecisiva-mente para debilitar a estratgia sindical de captao de associados.A confirmar esta apreciao, Alan Stoleroff e Sara Casaca19 realizaramum inqurito a 200 operrios na rea de montagem final da empresa, ou seja,na ltima fase de trabalho da linha de produo, e apenas 7,5% dos traba-lhadores entrevistados se afirmaram sindicalizados.19 Cf. Alan Stoleroff e Sara Casaca, Produo magra ..., ob. cit., pp. 95 e segs; v., tambmneste sentido, o artigo de Marins Pires de Lima, Maria Leonor Pires e Paulo Alves, Trans-formaes das relaes laborais em trs sectores: os casos das indstrias automvel, siderrgicae naval, in Anlise Social, vol. XXX, n. 134, 1995, pp. 864 e 865.764AntnioDamascenoCorreia9.4. A RELAO COM A COMISSO DE TRABALHADORESA opo por uma relao privilegiada com a comisso de trabalhadorespressups que a escolha dos membros que integrariam esta futura estruturarepresentativa no fosse deixada ao acaso! Quando se comeou a pressentirodesejodeconstituiodestaestrutura,provavelmenteestimuladapelosmembros ligados aos sindicatos da CGTP muitos deles eram desconhe-cidos formalmente por no quererem revelar a sua identidade , a empresarapidamente entrou em jogo. Contactou sigilosamente o director de cadauma das reas para que este indicasse nomes de trabalhadores de confian-a que pudessem integrar a futura estrutura.A escolha de um lder para esta comisso que inspirasse a capacidadede defesa dos interesses dos restantes colegas e que, simultaneamente, reve-lasse empresa as informaes necessrias foi ainda o aspecto mais difcilde ultrapassar. Tudo isto acabou por ser obtido atravs de um convite diri-gido a um membro que mostrava enorme capacidade de persuaso dos co-legas e que era permevel a uma forte influncia. Foi com este dirigente dacomisso de trabalhadores que a empresa estabeleceu uma entente cordialequepermitiu,navsperadosgrandesembates,conhecerantecipadamente,atravs de uma reunio sigilosa entre ele e o director de Recursos Humanos,quais os pontos que seriam objecto de anlise na reunio do dia seguinte ea provvel maneira de os ultrapassar. Nas eleies para a constituio desta comisso acabaram por aparecerduas listas: uma integrada e liderada por delegados sindicais afecta CGTP(lista A) e outra constituda, preparada e devidamente suportada pela empre-sa em sesses de esclarecimento realizadas para o efeito (lista B). Esta se-gunda lista, inicialmente defendida pelo grupo de trabalhadores independen-tes de que j se falou mas que no integravam a lista , teve uma duplamisso: viabilizar no s uma estratgia de consenso, como anular a foraveiculada pelos sindicatos. O risco que a empresa correu foi grande, mas aencenao,oplaneamentoeacapacidadepersuasoraemanipuladoradealguns gestores permitiram um enorme xito.AseleiestiveramlugaremAbrilde1994eosresultadosforamosseguintes:[QUADRO N. 3]TrabalhadoresinscritosVotantes Abstenes Votosbrancos Votosnulos Lista A Lista BN-merodevotosPer-centa-gemN-merodevotosPer-centa-gemN-merodevotosPer-centa-gemN-merodevotosPer-centa-gemN-merodevotosPer-centa-gemN-merodevotosPer-centa-gem1252 843 67,33 409 32,67 44 5,22 9 1,07 261 30,96 529 62,75765A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistaCom estes resultados, a lista afecta CGTP elegeu trs elementos e a listaB oito elementos, o que significava que a empresa se manteria soberana nasrelaes laborais a estabelecer.Em Abril do ano seguinte voltaram a realizar-se eleies para a comissodetrabalhadoresfacetransitoriedadedomandatodaprimeiracomissoeleita. Os elementos afectos aos sindicatos da CGTP que no ano transactohaviam pensado ganhar facilmente as eleies optaram por fazer uma listanica com uma parte significativa dos anteriores trabalhadores eleitos pelalistaB.Aproporodoscandidatosmanteve-seamesma,apesardeostrabalhadores se terem distanciado significativamente do acto eleitoral, optan-do a maioria por no votar, como se depreende dos nmeros seguintes:Os passos iniciais que acabaram por criar um modelo de orientao e derelacionamento permitiriam a paz social idealizada pela empresa.VI.UMACRTICAIMPRPRIAAOMODELODAAUTOEUROPA10.A SEMELHANA ENTRE O TOYOTISMO E O MODELO DE PRODU-O DA AUTOEUROPAComoseteveoportunidadedeelucidar,omodeloempresarialcriadonaAutoEuropadealgummododecalcadonalgumasprticasimplementadaspelo toyotismo/ohnismo, considerado hoje um modelo de vanguarda. Emborano exista um modelo perfeito os diferentes modelos tm pontos fortes efracos , parece ser o modelo implantado por Ohno na Toyota aquele queproduz melhores resultados para o investidor. De resto, tambm para estaconcluso que aponta o Grupo Permanente de Estudos e de Investigao sobrea Indstria e os Assalariados do Sector Automvel (GERPISA). Segundo asconclusesdesteGERPISA,apresentadasporGiuseppeVolpato,RobertBoyer e M. Freyssenet, apesar de no existir um modelo nico, a trajectria[QUADRO N. 4]TrabalhadoresinscritosVotantes Abstenes Votosbrancos Votosnulos Lista nicaN-merodevotosPer-centa-gemN-merodevotosPer-centa-gemN-merodevotosPer-centa-gemN-merodevotosPer-centa-gemN-merodevotosPer-centa-gem2367 1105 46,68 1262 53,32 89 3,76 25 1,05 991 41,86766AntnioDamascenoCorreiaevolutiva seguida pelos diferentes modelos produtivos da indstria autom-velparececonvergirparaestesistemadeproduomagra(ouleanproduction)20.A cuidadosa seleco de pessoal a partir de perfis profissionais previa-mente delineados tiveram por objectivo criar uma certa homogeneizao, aomesmotempoquedotaramostrabalhadoresdecompetncias,atitudesedestreza necessrias polivalncia e a um certo comportamento imprescin-dvel para o trabalho em equipa. No foi igualmente esquecida a reflexo dostrabalhadores sobre os valores e misso da empresa.H ainda similitude entre as estruturas hierrquicas do modelo empresa-rial criado na AutoEuropa e o modelo nipnico, alm de uma idntica arti-culao da produo com a logstica, facilitada pela metodologia do just-in-timeeporumsistemadefornecimentodecomponentesquepassapeloparque industrial adjacente fbrica.O trabalho em equipa talvez a dimenso mais importante deste modelo.Com a aplicao prtica do melhoramento contnuo (Kaizen), os trabalha-dores, que se encontram dotados de uma boa qualificao, de grande auto-nomia e que so instrudos luz da qualidade total, visam dotar a empresade elevados padres de competitividade.A grande semelhana entre os princpios, tcnicas e prticas utilizadosno obsta a que exista um grau de flexibilizao superior (pro laboratoris)na AutoEuropa. A legislao existente v. g., sobre o regime de duraode trabalho e um maior protagonismo pelos representantes dos trabalha-doresestoentreosfundamentosquepropiciamumclimalaboralmaisreivindicativo e que tornam menos rgida a gesto empreendida. Da queascrticasdirigidasaotoyotismo/ohnismonemsempresejampertinentesquando adaptadas AutoEuropa. necessrio conhecer bem a organizaoparanosecometerainjustiadeselhesatribuirprticasoucomporta-mentosquenosoosexistentesnestaempresanemosvividospelostrabalhadores.20 Estas concluses foram apresentadas por Antnio Brando Moniz na 1. Conferncia sobreNovos Modelos de Produo na Indstria Automvel, in Os Programas Internacionais de Inves-tigao Social sobre a Indstria Automvel (GERPISA e IMVP), Monte de Caparica, UniversidadeNova de Lisboa, Fevereiro de 1997. Apesar desta concluso, o prelector reconhecia que a rea-lidade bem diferente. A teoria do modelo nico no se compadece com as enormes variaesdas estruturas de custos nas diferentes economias, os diferentes contextos laborais, legais e sociaisou as tremendas desigualdades de salrios, de horrios de trabalho entre os diferentes pases numcontexto global. E depois acrescentava ainda que a principal concluso a que chegou o GERPISAfoi que a diversidade de trajectrias seguidas pelos diferentes construtores da indstria automvelest na origem da formao de diferentes modelos industriais. E sobretudo esto ainda os diversosprocedimentosdehibridaomotivadospelatransfernciadeunidadesdeproduo.767A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordista11. CONCLUSES DE UM ESTUDO REALIZADO SOBRE A AUTOEUROPANasequnciadeumestudorealizadosobreaAutoEuropaporAlanStoleroff e Sara Casaca21, que se baseou na aplicao de questionrios, entre-vistas e na observao directa, tiveram os autores a oportunidade de compararomodelodeproduodestaempresacomoclssicomodelofordista.Asconcluses a que chegaram so as seguintes:O trabalho em equipa no pressupe a alterao da tradicional estruturatecnolgica em cadeia ou sequencial. Alm disso, a organizao na linhade montagem e a interdependncia entre tarefas so estruturas que fomen-tam o controle e limitam a autonomia dos trabalhadores. Neste sentido hum elemento de continuidade e at de aprofundamento do fordismo;Ocontroledirectoeburocrticotpicodotaylorismotende,naAutoEuropa, a mitigar-se em benefcio de nveis de autocontrole e dedisciplina que se inserem no grau de responsabilizao dos trabalhado-res. Esta interiorizao do controle seria para os autores um elementoindiciador de uma ruptura parcial com o fordismo;Aflexibilidadefuncionalrepresentariaumdesempenhoalargadodevrias funes, e no um alargamento de qualificaes, razo pela qualse estaria perante um elemento de continuidade parcial com o fordismo;O fomento da criatividade e a prtica de melhoramento contnuo repre-sentariam um elemento de ruptura com o fordismo;A criatividade traduzida em ideias e sugestes, alm de se circunscre-ver esfera da produo, debate-se com vrios obstculos que limitamanaturezadaprpriaparticipaoe,nestesentido,seriaapenasumelemento de ruptura parcial com o fordismo.Em termos globais, os autores consideram que, face a dois elementos decontinuidade e trs de ruptura com o fordismo embora um dos elementosde continuidade e dois dos elementos de ruptura sejam a ttulo parcial , omodelo de produo da AutoEuropa representaria uma certa mudana dentrode uma linha de continuidade. Admitem at que este modelo possa configu-rar uma fase de neofordismo, mas nunca de ps-fordismo.11.1. CRTICA TESE DE STOLEROFF/CASACASem questionar o mrito da anlise feita, no se pode deixar de discordarno s das concluses, como sobretudo dos pressupostos de que se parte. Dao inevitvel comentrio a cada um destes cinco elementos conclusivos.21 Alan Stoleroff e Sara Casaca, Em que medida a produo magra rompe com o para-digma de gesto do trabalho anterior? Um contributo a partir de um caso portugus, comuni-caoapresentadaaoIIICongressoPortugusdeSociologia,Lisboa,FundaoCalouste768AntnioDamascenoCorreia1.Opostuladoinicialdaprimeiraconclusomanifestaqueaestruturatecnolgicasequencialoualinhademontagememcadeianoalteradapelo trabalho em equipa.Embora a disposio da estrutura sequencial da tecnologia numa linha demontagem automvel no seja a mesma que existia nas duas primeiras d-cadas do sculo XX22, naturalmente, ela no extraordinariamente alteradapelo facto de se trabalhar em equipa. Mas no pode confundir-se a tecnologiacomoprpriomodoouprocessodelaboraodamo-de-obra.Comamesma tecnologia so susceptveis de serem utilizados diferentes modos deorganizao do trabalho. O que determinante para o nvel de qualificaodo operrio o modo como se encontra organizado o trabalho, factor quetemumaestreitarelaocomaspotencialidadestecnolgicasinstaladas.No incio do sculo XX o processo produtivo numa linha de montagemautomvel exigia de cada trabalhador uma repetio ilimitada dos mesmosgestos, de modo que no houvesse desperdcios de tempo e, com eles, faltade eficincia. O prprio Ford, na sua obra23, afirma que o aperfeioamentoda sua linha de montagem consistia em trazer o trabalho ao operador e, porisso, nenhum operrio deveria ter de dar mais do que um passo. O trabalha-dor ficava assim submetido, amarrado, prpria mquina. E esta fortssimadependncia, que envolvia uma enorme capacidade fsica e mental para resis-tir, acabaria por gerar uma extenuao, j que a esta desumanizao de tarefasse associava o isolamento na prestao de trabalho24.Hoje o modo de laborao de cada trabalhador radicalmente distinto.Comareintegraodetarefasquepermitiramumamaiorvariedadedasfunes desempenhadas, com o enriquecimento de funes que potenciaramotrabalhonoutrasreasquelheestavamvedadasinicialmenteecomaemergncia de uma concepo participativa, ou seja, ao atribuir-se ao traba-lhador a possibilidade de tomar parte na prpria concepo do seu local emodo de trabalho, houve uma evoluo que revolucionou completamente oprocesso laboral. Hoje trabalha-se mais de forma inteligente do que esfora-Gulbenkian, 7 a 9 de Fevereiro de 1996. Este artigo no se encontra publicado e foi o autorquecedeugentilmenteumacpia.22Noindiferenteadisposiodaestruturasequencial!Omodelosuecoeraprovaincontestveldestefacto,umavezquenafbricadeUddevala,hojeencerrada,pequenosgrupos de trabalhadores construam a totalidade do carro em estaes de trabalho fixas. NoJ apohtambmumaexperinciaquepoderemosdenominarps-toyotista!NafbricadaToyota de Kyusyu tem vindo a ser testado um novo processo de fabrico que assenta em onzelinhasdemontagem,enonanicalinhatradicional.23 Henry Ford, Minha Vida e Minha Obra, Companhia Editora Nacional, Rio-So Paulo,1926, p. 78, e Leprogrs, Paris, Payot, 1930, p. 35.24 Sobre a evoluo do taylorismo/fordismo at laborao em grupos semiautnomos,v.MarcelleStroobants,Sociologiedutravail,ditionsNathan,1993,pp.43a67.769A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistadamente25.Otrabalhomontono,repetitivoedemasiadoparcializadodeulugar a funes abrangentes, dignificantes e que reduziram a carga fsica eo stress inerente prpria actividade. Para fazer face aos novos desafios, aformao profissional dotou ainda cada trabalhador de um conjunto de com-petncias que permitiram no s a sua polivalncia, como ainda a possibi-lidade de desempenhar autonomamente o controle do seu prprio trabalho26.Ao nvel de grupo, estas potencialidades foram ainda ampliadas, uma vezqueestapequenacomunidadelaboralultrapassaosobstculoserecria,pelaprpriarotatividadedospostosdetrabalho,anaturezadotrabalhoadesenvolver. Assim, o trabalho de cada um dos elementos de uma equipa notem qualquer correspondncia com as actividades de um ignorante gorila,tal como j foi chamado, no incio do sculo XX.Face aos pressupostos de que se partiu, importa agora referir que, emborao trabalho em equipa no tenha alterado a estrutura tecnolgica em cadeia,modificou radicalmente o modo como cada um dos trabalhadores passou arelacionar-se ou a conviver com os equipamentos instalados.Passou a existir uma enorme liberdade de movimentos, se compararmoso actual trabalhador com o do incio do sculo XX. E esta enorme indepen-dncia ou faculdade de se administrar por si prprio no mbito da prosse-cuo dos objectivos traados pela empresa , alis, reconhecida pelos pr-prios autores. Segundo eles27, de acordo com os papis e responsabilidadesdefinidospelaempresa,conclumosqueestamosperantefunesqueseafastamdomodelofordistaconvencional.Aoinvsdeste,ressaltaagoraevidenteumntidoalargamentodefunesamontanteeajusantedaproduo , recado sobre cada membro da equipa28.Assim, cai tambm por terra o segundo postulado desta primeira conclu-so! O enorme esforo de autonomia dos trabalhadores potenciado pelo tra-balho em equipa no tem qualquer relao com o labor sofrido pelo tra-balhadorhumsculo.E,porissomesmo,emboraalinhademontagem25 Esta expresso de Tony Elger e Chris Smith, Global J apanisation? The TransnationalTransformationoftheLabour Process,Londres,Routledge,1994,p.40.26 Em sentido contrrio a esta ideia manifesta-se de forma contundente Michel Lallement,Travail et emploi: le temps des mtamorphoses, Paris, ditions LHarmattan, 1994, p. 55. Deforma mais moderada, v. Ilona Kovcs, Novos modelos de produo: elementos de umacontrovrsia,inNovasDinmicasSocioeconmicas,comunicaesapresentadasnoVIEn-controNacionaldaAssociaoPortuguesadeProfissionaisemSociologiaIndustrial,dasOrganizaesedoTrabalho,Lisboa,1996,pp.44e45.27 Alan Stoleroff e Sara Casaca, Em que medida a produo magra..., ob. cit., p. 10.28 Devido a esta evoluo, Robert Boyer, de forma provocante, questiona se o J apo tersido fordista para depois concluir que a resposta a esta pergunta deve ser negativa (cf. Dufordismeautoyotisme[...]oulorsquellvedpasselematre,inEmploietrelationsindustriellesauJ apon,vriosautores,Paris,d.LHarmattan,Paris,1994,p.48).770AntnioDamascenoCorreiaexijaatenoeresponsabilizao,onveldeautonomiaactualnopoderepresentar, como sustentam estes autores, um elemento de continuidade ede aprofundamento do fordismo. Ao invs, h uma completa ruptura comeste mencionado modelo de produo.2.NasegundaconclusoreferemAlanStoleroffeSaraCasacaqueocontrole directo e burocrtico outrora exercido pelos inspectores de qualidadehojeexercidopelosprpriostrabalhadores.Eporissoconcluemqueestaevoluodoexercciodeumcontroleexternoparaumainteriorizaoouautocontrole indicia uma ruptura apenas parcial com o fordismo.O que no se entende por que razo a ruptura apenas parcial. O acrs-cimoderesponsabilidadesedeautonomiaatribudasaotrabalhadornombito de um sistema de qualidade total29 requer que ele faa bem feito e primeira vez o trabalho que tem em mos. A equipa seguinte na sequnciada linha de montagem o cliente exigente de cada trabalhador. De facto, aequipa que se segue acaba implicitamente por controlar o trabalho realizado,uma vez que poder depender dele a sua prpria prestao. Da que recaiasobre cada trabalhador a responsabilidade de no prejudicar a actividade dasequipas seguintes. Uma defeituosa instalao de uma pea poder obrigar auma paragem da linha de produo, circunstncia que representaria um custoelevado e um enorme desperdcio, na filosofia da empresa.Aoautocontrolesegue-se,assim,ocontroleposterioreemcadeiaporparte das equipas seguintes. Desta forma, o sistema distancia-se claramenteda funo dos inspectores de qualidade e da funo de superviso constantequeoutroraeraempreendida.Renem-se,pois,osrequisitosquelevamaconsiderar que tambm neste aspecto h uma ruptura total com o fordismoouotaylorismo(osautoresreferemindistintamenteosdoismodelosdeproduonestasegundaconcluso).3. A terceira concluso critica a pretensa flexibilidade funcional, j quepara estes autores no se estaria perante um alargamento de qualificaes,massimdiantedeumalargamentodefunese,porissomesmo,faceaalguma continuidade do modelo fordista.Asfunescomplexasexecutadaspelosmembrosdecadaequipadetrabalho, que so extensveis a diferentes postos de trabalho e at a distintasreasdaproduoedamanuteno,requeremumaformaoprofissionaladequada e normalmente prolongada no tempo. E isso aconteceu, de facto, aos29 Sobre a problemtica da qualidade total, v. a obra de Alain Bernillon e Olivier Cerutti,A QualidadeTotal, Lisboa, Lidel, 1990, pp. 22 e segs.771A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistaprimeiros tcnicos a serem contratados. Alm de conhecimentos tericos m-nimos e de uma certa experincia profissional, tiveram uma formao de cercadedoisanos.Ficaram,assim,dotadosdecompetnciastcnicascertificadaspara desempenhar a respectiva actividade em diferentes zonas laborais e comconhecimentos de mecnica, electricidade e programao, alm de importantesnoes de pneumtica e hidrulica. No restam quaisquer dvidas de que estestcnicos altamente qualificados para o trabalho de uma linha de montagem somultiqualificados, polivalentes e, portanto, esto aptos a desenvolver a maiorparte dos trabalhos em todas as reas de produo e manuteno.No entanto, a mesma formao no foi dada a todos os tcnicos, espe-cialmente aos mais novos, internamente designados tcnicos de nvel 1 (T1),por comparao com os anteriormente mencionados, que eram do nvel maiselevado(T3).Masmesmoostcnicosdenvelprimrio(T1),comoostcnicosdenvelintermdio(T2),soidneosparadesempenhartarefasdiferentes na mesma rea de trabalho. Alm disso, esto em constante evo-luo na aprendizagem, que lhes permite transitarem para nveis superioresde formao, aos quais corresponde uma remunerao mais elevada. Acresceque o tcnico de nvel superior (T3) e lder de equipa tem precisamenteentre as suas funes a de explicar como se faz, alm de ensinar a fazer eformaroscolegasmenoshabilitadoseexperientes.Nessesentidoquedesignadocomocoach-supporter.Assim, mesmo os tcnicos com menor experincia e formao profissional,aomostraremaptidopara,nomnimo,poderemdesempenhartrstarefasdiferentes, j pressupem um enorme avano relativamente aos operrios doincio do sculo XX. Ao contrrio do que sustentam os autores desta tese, queafirmam existir uma fragmentao de funes na actividade da AutoEuropa,a rotatividade constante em cada zona de trabalho e a permanente assistnciaque tm dos tcnicos multiqualificados permitem que eles desempenhem dife-rentestarefas,aocontrriodotrabalhomecnico,repetitivoedesumanodeoutros tempos. Claro que, se a comparao for feita entre os tcnicos de nvelsuperior (T3) e os operrios de outrora, ento a diferena to notria quepoderamos dizer que o trabalho destes tcnicos se assemelha muito mais dosengenheiros desse tempo do que ao dos operrios.Nestes termos, tambm aqui no existe qualquer continuidade em relaoao fordismo, mas uma notria ruptura. Ela tanto mais evidente em termoscomparativos quanto mais qualificado for o tcnico. 4. A quarta concluso aponta a criatividade e o melhoramento contnuocomo actividades que pressupem um nvel elevadssimo de envolvimento ede compromisso. Neste sentido, reconhecem os autores haver uma situaode ruptura com o fordismo.772AntnioDamascenoCorreiaDe facto, a noo de participao ou de envolvimento de um trabalhadorna melhoria tcnica do seu posto de trabalho, no processo de produo ouat noutras dimenses dilui claramente a separao fordista entre a concep-ooutrabalhointelectualeaexecuooutrabalhomanual.Porisso,aevidnciaaquechegamosautoresrelativamenterupturacomovelhomodelo de produo inteiramente subscrita.5. Finalmente, a ltima concluso relaciona-se intimamente com a ante-rior.Oenvolvimentoeparticipaoobservveisnoesquemacriadopelaempresadepremiarasideiasesugestesdostrabalhadoresentendidascomo uma manifestao de cooperao com os objectivos da empresa soigualmenteconsideradosporestesautoresumaformaderupturacomofordismo,tesequesepartilhatotalmente30.Mais:trata-senosomentedeuma ruptura parcial, como defendem estes autores, mas de uma cabal rupturacom o fordismo, pelas razes aduzidas no nmero anterior. guisa de sntese, poder-se- explicitar que, com os mesmos pressupos-tos referidos pela tese que se vem citando, parece perspectivar-se uma rea-lidade bem diferente. Alan Stoleroff e Sara Casaca pecam por excesso epor defeito, j que criticam aspectos que no parecem ajustados e, ao mesmotempo, no formulam crticas que pareceriam mais oportunas. Entre elas, amais visvel a questo da intensificao do trabalho ou a forte tenso vividaa cada momento31. Na verdade, esta forma de gesto condicionada por umforte stress poder representar uma crtica fortssima ao modelo de produomagra existente na AutoEuropa.Em consonncia com a apreciao feita, resta concluir que tanto o mo-delovigentenaAutoEuropacomoomodelojaponstoyotista/ohnistaouaindaomodelosuecorepresentam,pelaautonomiadogrupodetrabalho,pela multiqualificao dos trabalhadores e por uma certa intelectualizao dotrabalho realizado, modalidades diversas de um modelo de produo ps--fordista e no neofordista, como admitem os autores desta tese. Pretende--se com isto dizer que o modelo vigente na AutoEuropa, baseado em traba-30 Alan Stoleroff e Sara Casaca, Em que medida a produo magra..., ob. cit., pp. 16e 17. Questionam-se estes autores se este envolvimento no mascara uma cooperao coagida,umavezque,peranteaavaliaoconstantementerealizadapelossuperioreshierrquicos,certas actividades tidas como voluntrias podem ser subsentidas como mandatrias. A questodo consentimento, que dificlima de analisar, afasta-se, no entanto, do objecto deste estudo.31 Embora Alan Stoleroff e Sara Casaca no formulem esta crtica no artigo que se citou,h que reconhecer que os autores o fazem num outro artigo intitulado Intensidade de trabalhoesatisfaonaproduomagra:resultadosdeuminquritoaostrabalhadoresdaAutoEuropa,inFormao,TrabalhoeTecnologia,vriosautores,Oeiras,CeltaEditora,1998,p.165.773A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistalhadores altamente flexveis e polivalentes, com enorme autonomia32 preocu-padoscomamelhoriadaqualidadedevidanotrabalho33eutilizandoasmetodologiascitadas,nadatemavercomummodeloneofordistaoudetransio, no qual se pede aos trabalhadores que se tornem mais flexveis eque eliminem progressivamente a tradicional diviso de trabalho.VII.CONCLUSO12. A FLEXIBILIDADE DO MODELO DE PRODUO VERSUSA INFLEXIBILIDADE NA GESTO DA MO-DE-OBRAComo se sentir o colectivo dos trabalhadores numa empresa de caracte-rsticas produtivas excelentes, com tecnologia de ponta, empenhada na qua-lidade total, que obtm uma enorme produtividade e uma remunerao ligei-ramente superior a categorias profissionais idnticas desempenhadas noutrasempresas da regio? Tero razes de queixa idnticas s dos trabalhadoresnipnicos das fbricas da Toyota34?A sensao inicial dos primeiros e mais experientes trabalhadores contra-tados das equipas de produo/manuteno face nova tecnologia que pas-savam a manobrar sobretudo no ano de 1993 era a de uma enormedesqualificao,ouseja,adeexerceremfunesparaasquaisseteriamsentidomotivadosemfasesanterioresdasrespectivascarreirasprofissio-nais35. Os engenheiros especialistas em diferentes reas do processo produ-32 esta a noo de modelo ps-fordista ou de especializao flexvel. Neste sentido,v. Keith Grinth,The Sociology of Work, Cambridge, Polity Press, Cambridge, 1993, p. 297,J oachimBergmann,Techniqueettravail:bilancritiquedesrecherchesallemandesensociologiedutravail,inLaprstaylorisme,vriosautores,Paris,Ed.Economica,Paris,1988,p.111,eJ osLusdeAlmeidaSilva,Sobreasflexibilidadesnasempresas,inFlexibilidade: o Novo Paradigma da Produo e as Respostas Flexveis da Formao NumaOrganizao Qualificante, vrios autores, Caldas da Rainha, Comisso Europeia, 1995, p. 38.33 V. Ilona Kvacs, Evoluo recente e perspectivas do estudo e da melhoria das con-diesdetrabalho,inOrganizaeseTrabalho,n.os7-8,Dezembrode1992,p.143.34 Sobreestasrazesdequeixadostrabalhadoresnipnicos,v.ChristianBerggren,TheVolvo Experience Alternatives to Lean Production in the Swedish Auto Industry, Londres,TheMacmillanPress,Londres,1994,pp.251e252.35 Esta sensao de desqualificao um problema j conhecido do ponto de vista terico.Porexemplo,IlonaKovcs(Novastecnologias,recursoshumanosecompetitividade,inSistemas Flexveis de Produo e Reorganizao do Trabalho, vrios autores, Lisboa, Ceso,Lisboa, 1992, p. 55) afirma que a introduo de novas tecnologias pode levar a uma situaode desqualificao quando transforma em operadores/vigilantes operrios que eram qualifi-cados.Porexemplo,umsoldadorqualificadopassaaseroperadorderob,limitando-searealizar tarefas desqualificadas (montar e retirar peas a soldar ou soldadas), enquanto o robrealizaatarefamaisqualificada(soldadura).774AntnioDamascenoCorreiativo lamentavam-se de executarem tarefas de secretariado e meramente rotinei-ras, nomeadamente trabalhos de dactilografia, de tradues e outros de natu-rezaanloga,oquerepresentavaumaenormefrustraofaceexpectativagerada ao longo do demorado e exigente processo de seleco. Oconsensocriadoeraodequesehaviaexigidomuitaformaoparaaexecuodetarefas consideradas por cada um como muito simples, embora muito varia-das. Em termos gerais, a impresso do conjunto de trabalhadores era a de quehavia uma desqualificao de funes em cascata e de um nvel, atendendohierarquiadoconhecimentotcnicoadquirido.Assim,otrabalhodeumengenheiropoderiaperfeitamenteserdesempenhadoporumtcnicomaisexperiente e com a formao profissional exigida pela empresa. A actividadedesempenhada por este tcnico mais qualificado normalmente com um nvelescolarconsideradomnimoparaaempresa,mascomgrandeexperinciaprofissional poderia ser desenvolvida por um tcnico de nvel intermdioe as tarefas exigidas a este ltimo pelos jovens inexperientes.A esta problemtica da desqualificao, que acabaria por no ser resol-vida tratava-se de um problema praticamente insolvel face nova gera-otecnolgica introduzida pela AutoEuropa no seu processo produtivo ,acresciaumaoutradenaturezamaisformalequeserelacionavacomaclassificao ou atribuio da categoria profissional luz do contrato colec-tivodetrabalho.Nostermosdeste,aatribuiodecategorias,comoadeserralheiro mecnico (de 1., 2. e 3. categorias), electricista auto (de 1. e2.), mecnico de automveis (de 1., 2. e 3.), montador de peas ou rgosmecnicos em srie (de 1. e 2.), electricista de conservao industrial (maisde trs anos e menos de trs anos), pintor de veculos (de 1., 2. e 3.), entreoutras, gerou um profundo mal-estar, sobretudo aos trabalhadores mais ex-perientes e qualificados. Na impossibilidade de ultrapassar esta querela luzda conveno colectiva e cientes os responsveis da empresa de que ela sefaziaaoarrepiodavontadeeinteressesdaAutoEuropaemcasodeconflito, a realizao estrita das funes descritas por cada uma destas cate-gorias profissionais inviabilizaria, provavelmente, o projecto que se preten-dia , a soluo foi criar novas categorias com uma designao inglesa36 eench-la com um conjunto largussimo de tarefas que pudesse abarcar asfunes potencialmente desempenhveis por todos os trabalhadores da pro-duo e manuteno. Esta denominao profissional, vlida internamente e36 A traduo desta designao era de tcnico de produo e tcnico de manuteno.Esta ideia de criao de novas categorias profissionais iria ter posterior repercusso no con-trato colectivo de trabalho, com a criao de trs novas categorias operador fabril, operadordemanutenoeoperadordereparaocaracterizadasporumaamplssimadescriodefunes.775A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistaconsiderada mais satisfatria e digna de um estatuto profissional superior, foibem aceite e resolveu o litgio ao nvel formal. Todavia, para efeitos legaise sobretudo no relacionamento com a Inspeco-Geral do Trabalho continuar--se-ia a utilizar as vrias categorias previstas no contrato colectivo de traba-lho.A atribuio de uma categoria profissional com efeitos meramente inter-nos e o exerccio de uma actividade em equipas dotadas de enorme autono-mia, onde os mais experientes assumiam um papel de liderana formal ou,aomenos,deliderananoconhecimento,diluramestaqueixaefizeramincidir as atenes noutra problemtica, que iria ser o verdadeiro problemada prestao de trabalho na AutoEuropa37.Deentreasquestinculasdecarcterpontualenormalmenteocasionalque se repercutiam no clima organizacional da empresa havia uma que as-sumiria uma dimenso comum entre os trabalhadores: a intensidade do ritmodetrabalho,especialmentenareadaproduo,aqueacresciaumnvelfortssimodedisciplinaemuitasvezesdeextensodohorrionormaldetrabalho38.Estaintensificaodotrabalho,tpicadomodelodeproduomagra,foialvodeumapesquisaempreendidaporAlanStoleroffeSaraCasacanestaempresa.Efectivamente,estesautorespuderamcomprovar,atravs de um questionrio preenchido por duas centenas de trabalhadores darea da montagem final, que 55% dos tcnicos T1 e T2 inquiridos reconhe-ceramestaremsujeitosaumesforofsicoqueesgotaascapacidadesquedetm, percentagem que para os tcnicos de maior qualificao (T3) maisbaixa (27%). Ao invs, o esforo mental despendido por estes ltimos , emcontrapartida, muito superior, j que 42% dos T3 consideram que este esfor-37 Houve tambm uma outra questo que foi amplamente difundida e que se relacionoucom horrios de turno, matria que tinha repercusso directa na remunerao. Por uma questodecustos,aempresaentendeuquedeveriainiciaralaboraocomdoisturnosfixos,quepassariam mais tarde a trs turnos fixos. Nesta altura a empresa fundamentou com a ideia deque a mudana constante do biorritmo inerente aos horrios de turno era prejudicial vida daspessoas,emborativessegrandesdificuldadesemcontornarascrticasfeitasaohorriodoturno fixo nocturno (24 h - 8 h). Contudo, os trabalhadores preferiram a mudana constantede horrios, recebendo, em compensao, o pagamento do subsdio de turno, que representavacerca de um quarto da remunerao de cada trabalhador. Este embate inicial acabou por serfavorvelaostrabalhadores,atendendoprticahabitualemPortugaldepagamentodestesubsdioeameaaveladadedeseroporpartedealgunstrabalhadores.38 Refere Brando Moniz (Condies de trabalho em ambientes automatizados na inds-tria,inOrganizaeseTrabalho,n.os7-8,Dezembrode1992,p.156)que,emboraaautomao e a robtica estejam ao servio do homem e o libertem das tarefas mais penosas,nemporissodeixamdeapresentaralgunsinconvenientes,nomeadamenteoacrscimodetenso derivado da responsabilidade de no pr em causa a qualidade do produto final e osproblemas fsicos resultantes de exposio visual prolongada a determinados instrumentos detrabalho.776AntnioDamascenoCorreiao mental corresponde ao mximo das suas capacidades, enquanto para osT1 e T2 esta taxa apenas de 18%39. Ao exigente ritmo de trabalho, que obrigava j de per si a constantesmudanas de turno e s correspondentes variaes de biorritmo, haveria queadicionar a necessidade de cumprir trabalho suplementar sempre que a em-presa o julgasse necessrio apesar de o contrato colectivo exigir o prvioconsentimentodotrabalhador.Estaprestaoextraordinriadeactividade,realizada no s nos dias normais de trabalho, como tambm em feriados efins de semana, ocasionou uma presso muitas vezes impossvel de aguentarporpartedealgunstrabalhadores.Nosmesesimediatamenteanterioresdataformaldeinaugurao2.semestrede1994einciode1995forammuitosostrabalhadoresquedeixaramaempresacomsintomasdeesgotamento,comcomportamentosestranhos,comproblemasdeordempsiquitrica ou que, preventivamente, preferiam desistir de um ritmo perfei-tamentedesumanodetrabalho.Orecursoaolcoolesdrogasfoiparamuitosumabiadesalvao,masaomesmotempoumaseguranaefmera, j que, detectados e reconfirmados pelos testes ocasionais e pe-ridicos dos servios mdicos, acabavam por ser despedidos40. Curiosamen-te, os mdicos dos centros de atendimento oficiais situados nas cidades emvoltadafbricaperguntavamporquerazotantostrabalhadoresdaAutoEuropa apresentavam sintomas de doenas psicossomticas. Em simul-tneo, a taxa de rotatividade da empresa apresentava valores elevadssimospara a mdia dos valores nacionais e, por isso mesmo, jamais foi reveladanos anos iniciais, mesmo internamente41. Este sigilo baseou-se na noo de39 Cf. Alan Stoleroff e Sara Casaca, Intensidade de trabalho..., ob. cit., pp. 168 a 170.No obstante a intensidade do trabalho e o horrio de turno representarem os dois elementosindiciadores de algum descontentamento por parte dos trabalhadores da empresa, a satisfaocomasoportunidadesdeformaoprofissionalecomascondiesdetrabalhoconstituem,ainda segundo estes autores, um amortecedor da percepo da explorao. Para o universode tcnicos 1 e 2, 59,1% dizem-se total ou parcialmente satisfeitos com as oportunidades deformao profissional e 58,4% dizem-se total ou parcialmente satisfeitos com as condies detrabalho. No universo de tcnicos 3, estas percentagens so naturalmente superiores, uma vezque beneficiaram de um perodo de formao profissional mais longo e, por isso mesmo, tmumaremuneraomaiselevada,maisautonomiaeumestatutoconsideradosuperiornaem-presa.DototaldosT3,71,1%consideram-setotalouparcialmentesatisfeitoscomasopor-tunidadesdeformaoprofissionale60,6%consideram-setotalouparcialmentesatisfeitoscomascondiesdetrabalho(id.,ibid.,pp.172a174).40Ofundamentoparaodespedimentoacordadoindividualmenteresidianoelevadoriscodeconduodemquinasindustriaisquepunhaemcausaasvidasdeterceirosouomanuseamentooucontrolederobsaltamentesofisticados.Adeterioraodestesltimoslesaria a empresa em custos elevadssimos, a que acresceriam os lucros cessantes que resultamdaparagemdalinhadeproduo.41 Um dos casos demonstrativos da enorme rigidez na gesto da mo-de-obra ocorreu comuma secretria de um director de rea alemo. Pelo facto de esta trabalhadora ter dois filhoscom idade inferior a 12 anos e necessitar diariamente de os conduzir ao colgio muito cedo777A AutoEuropa: ummodelo de produo ps-fordistaque o conhecimento da taxa desestimularia muitos a continuaram a trabalharna empresa. Em segundo lugar traria para a opinio pblica a fora evidentede dados estatsticos que tornariam mais credveis os relatos isolados de umououtrotrabalhador.Finalmente,denegririafortementeaimagemdeumaempresa muito considerada na regio e a nvel nacional.Alm de outro tipo de reclamae