a atualidade da lei dos sexagenários

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A atualidade da Lei dos Sexagenários Claudio Henrique de Castro 1. O que foi a Lei dos sexagenários e seus antecedentes; No próximo dia 28 de setembro de 2015 a Lei nº 3.270 de 28 de setembro de 1885 (que regulou a extinção gradual do elemento servil) completa 150 anos. O Brasil tinha uma população de 14 milhões de habitantes à época, na maior parte de escravos e nativos. Os escravos que tinham 60 (sessenta) anos completos e os que completassem após a data da lei ficavam obrigados a título de indenização pela sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de três anos (§ 10º do art. 3º). Ao completarem 65 (sessenta e cinco ) anos ficariam libertos (§ 11º do art. 3º). Na prática a partir de 60 anos os escravos deveriam permanecer em companhia dos seus “ex-senhores” que foram obrigados a alimentá-los, vesti-los e tratá-los de suas moléstias, usufruindo os serviços compatíveis com as forças deles, salvo se preferissem obter em outra parte os meios de subsistência e os Juízes de Órfãos os julgassem capazes (§ 13º do art. 3º). Considere-se que a guerra do Paraguai que terminou em 1870 gerou um impacto econômico significativo no Brasil e o retardamento da abolição da escravatura. A expectativa de vida dos brasileiros, vinte e cinco anos mais tarde, em 1910, era de 33,4 anos (IBGE, 2003). Em síntese, uma lei demagógica para um Brasil hipócrita. O mesmo expediente foi criado anteriormente pela Lei do Ventre Livre (art. 1º da Lei nº 2040 de 28 de setembro de 1871), que obrigava o suposto liberto ao trabalho servil até 21 anos e a indenização do Estado de 600$000 (seiscentos mil réis) ao senhor. Um conto de réis valia um milhão de reis, posteriormente, um Escudo valia 1 conto de reis, e, no século XX, 1 Euro valeria 200 Escudos. Resumindo, por aproximação e sem a correção monetária, a indenização seria de 3 Euros, no valor atual a R$12,00(doze reais). 2. Dos antecedentes históricos; Desde a plutocracia grega, Aristóteles (A Política) defendeu a escravidão como natural ao contrário dos sofistas (Antifonte). Cícero rebateu essa ideia, mas no século III os juristas romanos a sustentaram com veemência. O Cristianismo fortalecido pelo Imperador Constantino (século III), assimilou-a por séculos na esfera do divino. Para o colonizador português todo o conteúdo da colônia era de sua propriedade, os recursos naturais e a população nativa, daí a importação dos escravos para movimentar a máquina da espoliação econômica. 3. O Brasil recente; A ideia de Brasil e de brasileiros surge apenas no século XX com a criação de uma identidade nacional e as ideias de democracia na cena jurídico constitucional apenas no final do século passado (1988). O expediente de se concederem direitos por leis que na prática são de impossível ou de difícil execução não é novo na história brasileira. Assim ocorre com as leis processuais que lançam o julgamento das causas por lustros e décadas, do direito penal da impunidade, do direito do trânsito das cestas básicas trocadas por homicídios culposos, do direito eleitoral da máquina da corrupção nas campanhas etc. Outra ideia que a Colonização nos legou é a de que os tributos e os impostos são necessários ao Estado e que não nos cabe discuti-los. Neste mês de setembro volta à baila a CPMF, o imposto sobre as movimentações bancárias que prevê investimentos na Saúde, sob pena de um colapso nas finanças do Estado.

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Page 1: A atualidade da Lei dos Sexagenários

A atualidade da Lei dos Sexagenários Claudio Henrique de Castro

1. O que foi a Lei dos sexagenários e seus antecedentes; No próximo dia 28 de setembro de 2015 a Lei nº 3.270 de 28 de setembro de 1885 (que regulou a extinção gradual do elemento servil) completa 150 anos. O Brasil tinha uma população de 14 milhões de habitantes à época, na maior parte de escravos e nativos. Os escravos que tinham 60 (sessenta) anos completos e os que completassem após a data da lei ficavam obrigados a título de indenização pela sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de três anos (§ 10º do art. 3º). Ao completarem 65 (sessenta e cinco ) anos ficariam libertos (§ 11º do art. 3º). Na prática a partir de 60 anos os escravos deveriam permanecer em companhia dos seus “ex-senhores” que foram obrigados a alimentá-los, vesti-los e tratá-los de suas moléstias, usufruindo os serviços compatíveis com as forças deles, salvo se preferissem obter em outra parte os meios de subsistência e os Juízes de Órfãos os julgassem capazes (§ 13º do art. 3º). Considere-se que a guerra do Paraguai que terminou em 1870 gerou um impacto econômico significativo no Brasil e o retardamento da abolição da escravatura. A expectativa de vida dos brasileiros, vinte e cinco anos mais tarde, em 1910, era de 33,4 anos (IBGE, 2003). Em síntese, uma lei demagógica para um Brasil hipócrita. O mesmo expediente foi criado anteriormente pela Lei do Ventre Livre (art. 1º da Lei nº 2040 de 28 de setembro de 1871), que obrigava o suposto liberto ao trabalho servil até 21 anos e a indenização do Estado de 600$000 (seiscentos mil réis) ao senhor. Um conto de réis valia um milhão de reis, posteriormente, um Escudo valia 1 conto de reis, e, no século XX, 1 Euro valeria 200 Escudos. Resumindo, por aproximação e sem a correção monetária, a indenização seria de 3 Euros, no valor atual a R$12,00(doze reais). 2. Dos antecedentes históricos; Desde a plutocracia grega, Aristóteles (A Política) defendeu a escravidão como natural ao contrário dos sofistas (Antifonte). Cícero rebateu essa ideia, mas no século III os juristas romanos a sustentaram com veemência. O Cristianismo fortalecido pelo Imperador Constantino (século III), assimilou-a por séculos na esfera do divino. Para o colonizador português todo o conteúdo da colônia era de sua propriedade, os recursos naturais e a população nativa, daí a importação dos escravos para movimentar a máquina da espoliação econômica. 3. O Brasil recente; A ideia de Brasil e de brasileiros surge apenas no século XX com a criação de uma identidade nacional e as ideias de democracia na cena jurídico constitucional apenas no final do século passado (1988). O expediente de se concederem direitos por leis que na prática são de impossível ou de difícil execução não é novo na história brasileira. Assim ocorre com as leis processuais que lançam o julgamento das causas por lustros e décadas, do direito penal da impunidade, do direito do trânsito das cestas básicas trocadas por homicídios culposos, do direito eleitoral da máquina da corrupção nas campanhas etc. Outra ideia que a Colonização nos legou é a de que os tributos e os impostos são necessários ao Estado e que não nos cabe discuti-los. Neste mês de setembro volta à baila a CPMF, o imposto sobre as movimentações bancárias que prevê investimentos na Saúde, sob pena de um colapso nas finanças do Estado.

Page 2: A atualidade da Lei dos Sexagenários

Mais uma vez assistiremos a espoliação legalizada no Brasil, desta feita com as vestes do Direito Tributário, contra toda população e sem a obediência dos mínimos critérios constitucionais, como foi a CPMF anterior, que era provisória, acabou ficando e que agora pode voltar. Ficarão para outro dia as importantes discussões sobre o imposto das grandes fortunas e das reformas política e tributária. Enquanto isto somos escravos de um estado gerido por uma elite política de duvidosa probidade e competência. Muda Brasil!