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Análise Social, vol. XXII (91), 1986-2.°, 331-367 Maria de Fátima Bonifácio A Associação Comercial do Porto no contexto político-económico nortenho e nacional (segundo quartel do século xix) INTRODUÇÃO A interpretação sociológica do conflito entre cartismo e setembrismo assenta essencialmente na exploração da dicotomia livre-cambismo versus proteccionismo. Como em geral se admite, cada uma destas orientações terá correspondido, respectivamente, aos interesses das «classes abastadas», nutri- das pelo «grande comércio nacional e estrangeiro», e aos anseios desenvol- vimentistas e emancipadores das «classes industriais». Tendo as primeiras conseguido impor, duravelmente, a orientação propícia ao bom andamento dos seus negócios, acharam-se as últimas condenadas a sobreviver numa penosa subalternização e impotentes, por consequência, para promoverem o desenvolvimento económico e o progresso social do País. Reportando-se a António Sérgio, Albert Silbert interpreta o conflito entre cartismo e setembrismo como a reedição oitocentista das seculares tensões entre «transporte» e «fixação». A observação da vida política e social do Porto nos finais da década de 30 e princípios da de 40 fornece-lhe a evidên- cia empírica em que apoia a sua tese acerca do «significado social dos par- tidos em presença». Segundo esta, «o espírito do setembrismo, mais do que a defesa de vagos interesses pequeno-burgueses ou populares, teria sido a defesa da indústria nacional». E, inversamente, o espírito do cartismo teria constituído a expres- são das «classes abastadas», mais precisamente, do «grande comércio nacio- nal e estrangeiro» — ou, segundo uma retórica consagrada, dos «interesses import-export». Silbert sustenta que a pauta promulgada por Passos Manuel em Janeiro de 1837 foi o principal agravo de que se alimentou a «hostilidade feroz» votada pelos negociantes portuenses ao Governo setembrista e da qual a ati- tude da Associação Comercial do Porto abonaria expressivo testemunho. Em reforço da sua tese, chama a atenção para o facto de que «o momento em que se fala de rever a pauta é também aquele em que o setembrismo se cindiu em dois». Ou seja, em que o setembrismo perde terreno è medida que ganha força a ala ordeira, aberta ao compromisso com os cartistas mode- rados. Está aqui implícita a ideia de que a inflexão à direita encetada a par- tir de 1838 vai de par com o esvanecimento do inicial ímpeto proteccionista, evolução em que o setembrismo tenderá a desfigurar-se ou diluir-se ao aban- 331

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  • Anlise Social, vol. XXII (91), 1986-2., 331-367

    Maria de Ftima Bonifcio

    A Associao Comercial do Portono contexto poltico-econmiconortenho e nacional (segundoquartel do sculo xix)

    INTRODUOA interpretao sociolgica do conflito entre cartismo e setembrismo

    assenta essencialmente na explorao da dicotomia livre-cambismo versusproteccionismo. Como em geral se admite, cada uma destas orientaes tercorrespondido, respectivamente, aos interesses das classes abastadas, nutri-das pelo grande comrcio nacional e estrangeiro, e aos anseios desenvol-vimentistas e emancipadores das classes industriais. Tendo as primeirasconseguido impor, duravelmente, a orientao propcia ao bom andamentodos seus negcios, acharam-se as ltimas condenadas a sobreviver numapenosa subalternizao e impotentes, por consequncia, para promoveremo desenvolvimento econmico e o progresso social do Pas.

    Reportando-se a Antnio Srgio, Albert Silbert interpreta o conflito entrecartismo e setembrismo como a reedio oitocentista das seculares tensesentre transporte e fixao. A observao da vida poltica e social doPorto nos finais da dcada de 30 e princpios da de 40 fornece-lhe a evidn-cia emprica em que apoia a sua tese acerca do significado social dos par-tidos em presena.

    Segundo esta, o esprito do setembrismo, mais do que a defesa de vagosinteresses pequeno-burgueses ou populares, teria sido a defesa da indstrianacional. E, inversamente, o esprito do cartismo teria constitudo a expres-so das classes abastadas, mais precisamente, do grande comrcio nacio-nal e estrangeiro ou, segundo uma retrica consagrada, dos interessesimport-export.

    Silbert sustenta que a pauta promulgada por Passos Manuel em Janeirode 1837 foi o principal agravo de que se alimentou a hostilidade ferozvotada pelos negociantes portuenses ao Governo setembrista e da qual a ati-tude da Associao Comercial do Porto abonaria expressivo testemunho.Em reforo da sua tese, chama a ateno para o facto de que o momentoem que se fala de rever a pauta tambm aquele em que o setembrismose cindiu em dois. Ou seja, em que o setembrismo perde terreno medidaque ganha fora a ala ordeira, aberta ao compromisso com os cartistas mode-rados. Est aqui implcita a ideia de que a inflexo direita encetada a par-tir de 1838 vai de par com o esvanecimento do inicial mpeto proteccionista,evoluo em que o setembrismo tender a desfigurar-se ou diluir-se ao aban- 331

  • donar a sua presumida feio original: o verdadeiro setembrismo, apostadona indstria e batendo o p aos Ingleses com a pauta na mo, no teve outroremdio seno inclinar-se perante a dura realidade da estrutura portuguesa.Varrido do poder, logo outros se tero encarregado de reajustar as velhasrelaes com a Inglaterra. Silbert no deixa dvidas quanto ao que portal deva entender-se: significativamente, sublinha, as negociaes para a revi-so do tratado comercial de 1810 chegaram a bom termo em Julho de 1842.Ou seja est inequivocamente implcito, franqueou-se de novo o mer-cado portugus aos produtos ingeleses, moderando substancialmente as taxasalfandegrias previstas na Pauta de 1837.

    Mais do que dum equvoco, trata-se aqui dum erro de facto cuja fre-quente repetio s poder explicar-se pela aceitao generalizada de que, excepo do breve intervalo setembrista, sempre em Portugal predomi-nou o livre-cambismo tanto nas opinies como na prtica. Ora o que narealidade aconteceu foi que o tratado comercial de 1942 com a Inglaterranada estipula em matria de poltica pautai, limitando-se, no seu artigo vii,a remeter a fixao dos direitos alfandegrios para uma conveno adicio-nal a ser negociada em separado e posteriormente. Estas negociaes, con-duzidas por Palmeia e Howard de Walden a ttulo de plenipotencirios por-tugus e ingls, arrastaram-se ao longo de vrios meses, vindo a gorar-seem Abril de 1843, quando a impossibilidade de acordo obrigou ao reconhe-cimento oficial da ruptura e ao adiamento sine die das conversaes.

    As taxas alfandegrias de 1837 foram entretanto revistas e agravadas.Em 1841, quando o setembrismo j fora h muito expulso do poder e ape-nas contava com magra representao parlamentar, foi publicada uma novaPauta, mais gravosa do que a anterior. Nos anos imediatos, em plena vign-cia da Carta Constitucional (restaurada desde Fevereiro de 1842), seguiram-seos direitos adicionais de Junho de 1843, Novembro de 1844 e Julho de 1847.O tratado comercial com a Inglaterra, se certo que coroava o reajusta-mento das nossas relaes com a velha aliada, nem por isso restabeleciao statu quo ante 1835: o novo tratado, com efeito, deixava Portugal de moslivres para definir como entendesse a sua poltica alfandegria. Os interes-ses do grande import-export, se que existiam no segundo quartel dosculo xix, revelaram-se incapazes de impor a orientao livre-cambista queerradamente se supe ter prevalecido.

    A Associao Comercial do Porto, que estatutariamente se pretende aexclusiva representante do corpo de comrcio nortenho, citada como umadas mais importantes expresses da burguesia mercantil, por tal se suben-tendendo, neste caso, os comerciantes import-export em geral, os do vinhodo Porto em particular, e ainda os escassos protagonistas dos nascentes inte-resses industriais. A observao de dez anos de vida da ACP, desde a suafundao, em Dezembro de 1834, at meados de 1844, confrontou-nos comalgumas surpresas irrecusveis que ajudam a explicar aquilo que, no qua-dro dos pressupostos geralmente admitidos, se apresentava como um absurdoparadoxo. A saber que, num pas presumidamente regido pelos interessestodo-poderosos do import-export, aqueles mesmos que eram consideradosseus arautos ou servidores tenham assumido a responsabilidade, em nomedos interesses nacionais, de recusar a diminuio dos direitos alfandegriosexigida pela Inglaterra, inviabilizando deste modo a assinatura da Conven-

    332 o Adicional (ao tratado) para a Reduo Mtua de Direitos.

  • A incurso nos arquivos da Associao Comercial do Porto permite esta-belecer as seguintes concluses:

    1. A ACP denota manifesto desinteresse e alheamento pelas questesdo proteccionismo e a promulgao da Pauta Alfandegria de 1837deixa-a pouco menos que indiferente;

    2. A ACP conserva-se, durante o setembrismo, numa posio oficial deneutralidade e absteno poltica. A animosidade de facto por vezesdetectvel resulta de motivos de descontentamento inteiramente estra-nhos poltica proteccionista do Governo;

    3. At meados de 1839, a ACP adopta uma posio crtica relativamente concluso dum tratado comercial com a Inglaterra. Ainda assim,a necessidade de um tal tratado s vem a ser oficialmente reconhe-cida e advogada em Junho de 1840;

    4. A viragem antiproteccionista que se esboa a partir de meados de1840, mas que s se afirma pblica e claramente em 1842, pura-mente circunstancial: perante a acumulao de stocks de vinho doPorto, a liberalizao das importaes ento reclamada por cons-tituir a ltima e nica moeda de troca para obter uma reduo dosdireitos ingleses sobre vinhos portugueses;

    5. A cronologia acima indicada no autoriza que se estabelea uma rela-o de causa a efeito entre a alegada hostilidade feroz votada pelaACP aos governos setembristas e a poltica proteccionista por estesadoptada.

    I. CARACTERIZAO SUMRIADA ASSOCIAO COMERCIAL DO PORTO

    Fundada em 24 de Dezembro de 1834 por iniciativa dos juizes, presidente1e jurados do Tribunal do Comrcio do Porto, e a exemplo do que j forafeito em Lisboa, a Associao Comercial do Porto, dirigida por um presi-dente, um vice-presidente, dois secretrios e dezasseis directores, reuniu logonaquele primeiro dia para cima de duzentas inscries, abrangendo tantonegociantes nacionais como estrangeiros. Propunha-se genericamente ani-mar todos os ramos do comrcio por todos os meios ao seu alcance2, aten-der aos interesses do comrcio, e mais classes anexas ao mesmo e contem-pladas no Cdigo3, e protestar junto dos poderes constitudos contra todase quaisquer medidas lesivas dos interesses do corpo comercial nortenho.

    Todavia, observando o leque de preocupaes que absorveram a aten-o da ACP durante os dez anos considerados (1835-44), verifica-se umaprogressiva reduo da variedade de assuntos inicialmente contemplados e,concomitantemente, a concentrao de esforos e energias sobre o tema dosvinhos, tema que se tornaria dominante e quase exclusivo a partir de 1842.Esta circunstncia no deixar de limitar a capacidade de mobilizao e aeficcia reivindicativa da ACP tanto no contexto nortenho como, a fortiori,

    1 Jos Ferreira Borges.

    2 Relatrio de 1835, Actas da Direco e da Assembleia Geral, livro n. 1 (1834-38), Arquivo

    da Associao Comercial do Porto (AACP).3 Acta da assembleia geral de 12 de Dezembro de 1834, AACP. 333

  • no contexto nacional. Ambicionando ser, nos seus comeos, um rgo repre-sentativo do conjunto da burguesia mercantil portuense, a ACP acaba porse converter no reduto corporativo de pequenos e mdios negociantes devinho do Porto.

    Durante aquele perodo de dez anos formaram-se 98 comisses especiais.Dentre estas, 27 debruaram-se sobre temas directamente relacionados como comrcio do vinho. Mas e o mais significativo 21 foram criadasentre 1842 e Maro de 1844, e durante este espao de tempo apenas 6 sededicaram ao estudo de outros assuntos. As restantes comisses especiaisdistribuem-se da seguinte maneira: 10 trataram de questes relacionadas como melhoramento das comunicaes internas do Reino; 11, de empreendi-mentos industriais e fomento econmico em geral. As demais ocuparam-sede matrias como: edificao do edifcio da Bolsa; abertura da Rua de Fer-reira Borges; novo edifcio da Alfndega; arranjo da casa da Associaoe respectivo regulamento interno; projecto de monumento a D. Pedro; por-menores relativos vida e organizao internas da ACP totalizam 11comisses. Formaram-se tambm vrias comisses para elaborar protestoscontra determinadas medidas governamentais contra o aumento do seloem papis de comrcio e dos emolumentos alfandegrios; contra o adminis-trador da Alfndega; contra o subsdio literrio, o subsdio militar e a dcimaindustrial; contra a emisso de notas com curso forado e o aumento damoeda de bronze em circulao; contra as restries ao embarque de passa-geiros para o Brasil4; contra os direitos adicionais decretados em 1837 e 1842;contra a extino do Tribunal de Comrcio de l.a Instncia do Porto. EmFevereiro de 1844, talvez porque os motivos de agravo aumentassem, criadauma comisso especial com a misso genrica de elaborar protestos contravrias medidas governamentais; e neste mesmo ano encarrega-se uma outrade propor ao Governo que se comprometa a consultar a ACP sobre todosos assuntos comerciais, previamente tomada de qualquer deciso definitiva!

    A pedido do Governo, a ACP nomeou ainda comisses para elabora-rem resposta s seguintes consultas: comrcio do sal; comrcio com a Rs-sia; aumento dos direitos brasileiros sobre vinhos portugueses; reduo mtuade direitos entre Portugal e a Sucia; estatsticas comerciais. Se somarmosduas comisses nomeadas em 1835 e 1837 e destinadas, respectivamente,a promover um colgio de educao e a administrar uma aula de Eco-nomia Poltica, teremos praticamente esgotada a lista dos objectos aos quaisa ACP dedicou ateno especial durante os anos de 1835 a 1844.

    LI A DEFESA E PROMOO DOS INTERESSES INDUSTRIAISJos Capela5 chamou a ateno para o facto de na ACP no se encon-

    trarem apenas representados os interesses comerciais, mas tambm os daindstria moderna nascente, em cujo fomento a Associao se teria empe-nhado activamente. O autor sugere que a presso destes interesses no teriasido alheia posio favorvel manifestada pela ACP aquando da promul-gao das Pautas de 1837. Todavia, tanto quanto nos foi dado observar,

    4 Restrio prevista num projecto de lei apresentado por S da Bandeira na Cmara dos

    Pares em 1842, visando impedir a continuao do que seria, alegadamente, um trfico de escravosdisfarado.

    5 Jos Capela, A Burguesia Mercantil do Porto e as Colnias (1834-1900), Porto, Ed.

    334 Afrontamento, 1975.

  • Capela sobrestima quer o nmero quer a importncia dos projectos indus-triais ventilados e apoiados pela corporao nortenha, alm de que noleva em devida conta o facto de o interesse manifestado inicialmente pelapromoo da indstria ir esmorecendo at vir a ser totalmente eclipsado anteas urgncias da crise do vinho do Porto. Por outro lado, todos os projec-tos industriais surgem entre 1835 e 1838 (data a partir da qual no se voltaa falar do assunto), o que impede que os tomemos como um reflexo ben-fico das pautas setembristas. Vejamos:

    1. Em Maio de 1835, Jos Isidoro Guedes oferece mesa da direc-o um projecto de criao duma companhia de minerao em Trs-os-Montes6. Em 5 de Outubro do ano seguinte7, o secretrio da ACP, JooFerreira dos Santos Silva Jr., encoraja aquele proponente a dar corpo aoseu projecto:

    Na ocasio em que a Associao Mercantil Lisbonense abunda emprojectos e empresas de magnitude, no deve a Associao ComercialPortuense parecer desanimada na brilhante carreira que encetou coma inveja daquela!Finalmente, nasce a Companhia Portuense de Minerao (ainda em

    1836), a ela aparecendo ligados homens importantes do vinho do Porto(como o prprio Isidoro Guedes)8. Ignoramos se foi prspera, uma vez que,em 18 de Agosto de 1840, a direco da ACP recebe uma circular duma-Companhia Geral de Minerao Perseverana, informando da sua instala-o e remetendo os respectivos estatutos. Capela afirma tratar-se apenas demudana de nome9.

    2. No Relatrio de 1835 refere-se estar em curso a angariao de accio-nistas para uma projectada tipografia, mas no se volta a encontrar refe-rncia ao assunto.

    3. Em 5 de Abril de 1836, Manuel Pereira Guimares pede mesa quepromova a subscrio de aces da Associao da Indstria Fabril Portuense,na qualidade de seu secretrio. Segundo informa Capela10, o ento presi-dente da ACP, Arnaldo Vanzeller, ter solicitado Associao MercantilLisbonense a colaborao dos capitalistas de Lisboa. Aberta em Lisboa, asubscrio ter sido um xito..., donde se pode depreender que no Norteescasseavam os capitais interessados no investimento industrial.

    4. Em Abril de 1836 nasce no seio da ACP um dos mais falados pro-jectos industriais, o qual, no entanto, s viria a concretizar-se em 1838. Nacorrespondncia da direco de Abril de 183611 surgem vrios documentosrelativos fundao duma fbrica de sedas equipada com teares Jacquart,ento desconhecidos no Porto, e que seria dirigida por um mestre francs,A. Bandier. Em troca de financiamento, Bandier oferece os seus conheci-

    6 Jos Capela, op. cit., p. 31.

    7 Copiador de Correspondncia n. 1 (1834-1837), carta de 5 de Outubro de 1836, AACP.

    8 E ainda Joo Allen, Clamouse Browne, Francisco Joaquim Maia e Cunha Lima Oli-

    veira Leal (cf. Jos Capela, op. cit., p. 31).9 Jos Capela, op. cit., p. 31, citando Carlos Bastos; Associao Comercial do Porto

    Resumo Histrico da Sua Actividade desde a Fundao at ao Ano das Comemoraes Cen-tenrias 1834-1940, Porto, 1942, p. 47.

    10 Citando, alis, Joaquim Roque da Fonseca: Cem Anos em defesa da Economia Nacional,

    Lisboa, 1934, p. 103. Jos Capela, op, cit., p. 30.11

    Caixa 1 (1835-40), mao 2, AACP. 335

  • mentos tcnicos e prope que se rena a fiao, tinturaria e estampariaem todos os gneros de sedas e mesmo de l e algodo12. Em 14 de Maio,a comisso, formada por Pereira Rubio, Pinto Vilar e Silva Pereira (o pri-meiro entretanto substitudo por Gouveia Mendanha), apresenta mesao seu parecer. Nele se reconhece o atraso da nossa estamparia e tinturaria,sobretudo nos tecidos de lavor, por falta de modelos, de uma esclarecidaescolha e de mquinas, e se recomenda a adopo da proposta de Ban-dier, limitando-a todavia manufactura de sedas puras e misturadas.A ACP encarregar-se-ia de organizar uma sociedade que concorresse comos fundos necessrios, prevendo-se um capital de 60 contos de ris divi-dido em aces de 100$000 ris cada uma, entrando cada accionista, logoque ela estiver legalmente constituda, com a dcima parte de cada aco.Jacinto da Silva Pereira subscreve um parecer parte em que aprova a gene-ralizao da mquina de Bandier [...] quanto, porm, utilidade da socie-dade respeito ao estabelecimento que se propem fazer, s se poder reali-zar se se verificar cobrar-se os direitos da introduo de tais manufacturasestrangeiras, ao menos conforme as pautas que se acham feitas em Lisboapara as mesmas manufacturas [...]13.

    A. Bandier vem a desistir do projecto por motivos que no consegui-mos apurar. De todo este dossier ressalta a impresso de que no haveriagrande vontade de arriscar capitais na indstria: props-se a emisso deaces de 100$000 ris cada, das quais s uma dcima parte deveria ser rea-lizada no acto de constituio da sociedade. Tanta parcimnia contrasta como entusiasmo suscitado pelo projecto de formao duma nova companhiade vinhos, surgido em 1837, tendo-se ento proposto um capital de 12 000contos de ris, a ser realizado em trs anos!

    Segundo J. Capela, o projecto de Bandier seria retomado, sem ele, emFevereiro de 1838 agora ao abrigo das Pautas, dando lugar C.a de Arte-factos de Seda, de Algodo e de L. Mas, excepto Pereira Rubio, nenhumdos elementos associados ao projecto de 1836 aparece agora no de 1838.

    Projectos industriais propriamente ditos cabem por inteiro nesta brevelistagem. Vejamos agora dois outros projectos de introduo de novas cul-turas. Um deles, surgido em 1835, assaz original. Trata-se da criao dumasociedade por aces para a cultura da papoila branca ou anfio, plantada qual, segundo consta das enciclopdias, se extrai o pio. No Relatrioreferente ao ano de 1835 l-se o seguinte:

    A cultura da papoila de que se forma o anfio, donde o pio se extraiigualmente, foi estabelecida por uma companhia de accionistas que aAssociao arranjou, bem como os estatutos por que se h-de dirigir.Se os frutos corresponderem s esperanas do empreendedor que apre-sentou esta lembrana mesa da direco, teremos uma nova culturaentre ns e uma valorvel importao para a China [sublinhado nosso]!14

    O extraordinrio empreendedor provavelmente sugestionado peloexemplo do comrcio ingls na sia quase um sculo antes era Manuel

    12 Caixa 1, mao 2, carta de 14 de Maio de 1836, Actas da Direco e da Assembleia

    Geral, livro n. 1, 23 de Dezembro de 1835, AACP.13

    Caixa 1, mao 2, AACP.14

    Relatrio de 1835, Actas da Direco e da Assembleia Geral, livro n. 1, 23 de Dezem-336 bro de 1835, AACP.

  • Homem de Carvalho, que trabalhou no projecto juntamente com FranciscoJoaquim Maia, Joaquim Augusto Kopke, Pereira Rubio e CardosoMonteiro15. Logo em 22 de Outubro aparece uma lista de 19 accionistasda futura empresa16, que, no entanto, no viria a concretizar-se.

    O outro projecto, menos extravagante, diz respeito cultura de amorei-ras e criao do bicho-da-seda e a ele se encontram ligados dois franceses,o j conhecido A. Bandier e um Adolfo Manier. Estes tinham requeridoao Governo uma propriedade nacional para levar a efeito a dita cultura (almde outras condies especiais) e a ACP chamada a pronunciar-se sobrequal dos bens nacionais disponveis seria adequado para o efeito.Desconhece-se que outra participao activa tenha tomado no projecto,muito embora a comisso encarregada de estudar a respectiva proposta hajaenaltecido a utilidade dum empreendimento deste tipo 17.

    patentemente exagerado qualificar qualquer destas iniciativas de gran-des projectos industriais18. Elas evidenciam, pelo contrrio, que os esfor-os desenvolvidos em matria de fomento industrial esto aqum do papelde vanguarda e da funo dinamizadora que a Associao Comercial Por-tuense se propusera desempenhar. E sugerem, tambm, que os interessesindustriais no seio da ACP, pela sua comprovada incipincia, dificilmentepodem ter influenciado as posies da Associao relativamente ao protec-cionismo alfandegrio.

    1.2. A PRIMAZIA DOS INTERESSES DOS EXPORTADORES

    Mas, se os chamados interesses industriais no possuam suficientepeso para determinar ou influenciar as posies da ACP em matria de pol-tica pautai, e no pressuposto, geralmente admitido, de que no seu seio esta-riam congregados os interesses do grande impor-export, como explicar quea Associao Comercial do Porto no se tenha erigido em resoluta defen-sora da liberalizao das importaes?

    Na verdade, muito se tem falado e, sobretudo, muito se tm invocadoos poderosos interesses do import-export, mas o certo que, nesta poca,no se lhes conhecem nome nem rosto concretos. Num estudo que incidesobre a primeira dcada do sculo xix, Borges de Macedo19 salienta queo comrcio europeu realizado no Porto pertencia, em grande parte, aosgrandes e mdios mercadores estrangeiros ali instalados. O aparelho comer-cial portugus era constitudo, na sua esmagadora maioria, por pequenosconsignatrios. Havia excepes:

    No meio do aglomerado de pequenos consignatrios emergem algunsgrandes mercadores que mobilizam, na sua actividade, muitas dezenasde barcos.

    15 Apresentaram um segundo parecer (ou proposta) em reunio da direco de 2 de Setem-

    bro de 1835.16

    Copiador de Correspondncia n. 2 (1837-1840), 18 de Maio de 1837, AACP.17

    O qual no foi por diante: o Governo no se mostrou receptivo ideia de concedera dita propriedade e indeferiu, alm disso, o pedido de exclusivo por dez anos. A deciso gover-namental foi comunicada ACP pelo governador civil, Manuel de Castro Pereira. Copiadorde Correspondncia n. 1, 2 de Maio de 1836, AACP.

    18 Jos Capela, op, cit, p. 30.

    19 Jorge Borges de Macedo, O Bloqueio Continental, Lisboa, 1962, p. 88. 337

  • Mas:

    Estes grandes mercadores estavam intimamente ligados ao trfegoingls, sem independncia [...]20

    Ora nada indica que este quadro tenha sofrido alteraes substanciaisdurante a dcada de 30, e nesta altura continua tambm a verificar-se o queo mesmo autor sublinhara com respeito primeira dcada de Oitocentos,a saber, que o trfego brasileiro ficou entregue a pequenos comerciantesportugueses. Durante o perodo que nos ocupa no h indcios de que setenha formado um corpo de grandes consignatrios nacionais21 dotadosde autonomia econmica e politicamente organizados. Nestas condies, aoperacionalidade do conceito de burguesia import-export torna-se alta-mente questionvel, bem como, de resto, o modelo de lutas sociais e desen-volvimento histrico (do capitalismo...) geralmente associado quela termi-nologia.

    A estrutura do corpo comercial nortenho, tal como caracterizada porBorges de Macedo e que, repita-se, tudo indica seria sensivelmente amesma durante o perodo que nos ocupa, explica a constncia e a acui-dade de duas preocupaes maiores da ACP nos anos 30-40: a tentativa derecuperao do mercado brasileiro mediante a concluso dum tratado comer-cial que nos assegurasse relaes privilegiadas com a ex-colnia22; e a lutapela diminuio dos direitos de exportao sobre o vinho do Porto. Quandose fala da burguesia mercantil ou da burguesia import-export, e quando,mais ou menos explicitamente, se toma a ACP pela representante e expres-so autorizada dos interesses daquela, tem-se perdido de vista, parece-nos,o nico facto palpvel, a saber, que a ACP representava, antes de mais esobretudo, os pequenos e mdios exportadores de vinho do Porto. Os gran-des exportadores, na sua maioria estrangeiros23, encontravam-se necessa-riamente em posio minoritria (visto que o voto era individual) e nopodiam, em consequncia, impor orientao e decises.

    Ora, at 1839-40, o negcio dos exportadores de vinho do Porto nose julgava afectado pelos direitos de importao sobre mercadorias estran-geiras. Quer dizer, nada fazia apreender uma qualquer relao entre essasduas ordens de questes. Assim, se alguma coisa mobilizou os esforos daACP nos anos imediatos sua fundao, foi precisamente o tpico dos direi-tos de exportao pagos pelo vinho do Porto saida da barra do Douro,

    20 Jorge Borges de Macedo, op. cit., pp . 92-93.

    21 Este facto comprovvel pela observao dos movimentos de barra registados em jor-

    nais da poca. Note-se que o livro de registo de scios da A C P se encontra perdido, o que,infelizmente, limita a informao biogrfica sobre os membros da Associao.

    22 Data de 1835 um projecto, elaborado pela A C P , de Tratado de Paz, Amizade e Nave-

    gao entre Portugal e Brasil. Caixa 1, mao 1-A, A A C P .23

    Em duas listas de exportadores de vinho do Porto , remetidas pelo embaixador brit-nico em Portugal para o Foreign Office em princpios de 1843, respeitantes, uma, a exporta-dores portugueses e, a outra, a exportadores estrangeiros, os primeiros, num total de 123,repartem-se da seguinte maneira: 72 exportam at 30 pipas anuais; 28 at 80 pipas; 6 at 100pipas; 11 situam-se na casa entre 100 e 200 pipas; 3 entre 200 e 300 pipas; e mais 3 , entre400 e 850 pipas.

    J os exportadores estrangeiros, em nmero de 45, se distribuem assim: 4 exportam at30 pipas; 12 at 100 pipas; 7 entre 100 e 200 pipas; 5 entre 200 e 400 pipas; 10 entre 400 e800 pipas; 7 exportam todos entre 1000 e 1300 pipas; o maior de todos exporta 2100 pipas.

    338 (PRCX FO-63/563 . )

  • enquanto a promulgao da Pauta de Janeiro de 1837 teria muito provavel-mente passado sob silncio, no tivesse a ACP sido instada por terceirospara que se pronunciasse sobre o assunto.

    Passos Manuel , em Lisboa, o principal intermedirio das reivindica-es da ACP. Esta escreve repetidamente a agradecer as diligncias desen-volvidas pelo ilustre deputado nortenho no sentido de obter a reduo dosdireitos de exportao, os quais, no juzo da Associao, constituiriam oprincipal obstculo a um substancial aumento das nossas vendas de vinhono estrangeiro24. Em representao dirigida s Cortes em 22 de Janeiro de1836, a ACP vem mais uma vez reclamar a reduo de 12$000 ris porpipa para 4$000 ris, ou, o que seria prefervel, a substituio deste direitofixo por um direito ad valorem. E argumenta: no ano anterior apenas tinhamsido exportadas para o Brasil 720 pipas, quando nos anos de 1825, 1826,1827, 1828 e 1829 se exportavam entre 5300 e 9700 pipas em cada ano, por-que os direitos ento eram de 2S400 ris indo em navio portugus ou brasi-leiro25. Invoca tambm o exemplo do mercado ingls: quando, na vign-cia da Companhia das Vinhas, os direitos de exportao totais ascendiama 26$000 ris, a sua exportao chegava apenas a 20 000 pipas por ano;desde a reduo deste direito, que ficou, pelo Decreto de 30 de Maio de1834, fixado em 12$000 ris, ela tem progressivamente aumentado e j noano passado chegou a 31 000 pipas .

    A ausncia de grandes importadores nacionais, a incipincia dos elemen-tos industriais e a primazia dos interesses exportadores no seio da ACP expli-cam o alheamento da Associao relativamente poltica pautai do Governo.

    II. PRIMEIRO PERODO: DE 1835 A 1839II. 1 A ASSOCIAO COMERCIAL DO PORTO PERANTE O PRO-

    TECCIONISMO

    A) A QUESTO DA NOVA PAUTA ALFANDEGRIA (JANEIRO DE 1837)

    Por Decreto de 4 de Julho de 1835, durante o Governo de Saldanha,e sendo ministro das Finanas Francisco Antnio Campos, foi criada umacomisso destinada a elaborar uma Pauta Geral das Alfndegas que viriauniformizar os direitos de importao e exportao em todo o territrionacional. A nova Pauta, aumentando a generalidade dos impostos e substi-tuindo o antigo sistema de cobrana ad valorem por direitos fixos, introdu-zia uma mudana drstica nas condies do nosso comrcio externo.

    Em Janeiro de 1836, graas interveno de Jos Ferreira Borges, a ACPdesperta finalmente para o assunto: o pai da Associao sugere-lhe a con-

    24 Cf. cartas da A C P para Passos Manuel , em 8 de Maro e em 11 de Abril de 1836.

    Na primeira, a A C P agradece a Passos Manuel o ter apresentado na Cmara dos Deputadosum projecto de lei para a reduo dos direitos de exportao. Na segunda agradece a conti-nuao do zelo posto por Passos na defesa dos interesses do vinho do Porto . Copiador deCorrespondncia n. 1, A A C P .

    25 Representao da A C P aos Srs. Deputados , em 22 de Janeiro de 1835. Copiador

    de Correspondncia n. 1, A A C P .26

    Id. ibid. 339

  • venincia de se munir de alguns exemplares do projecto de pauta j exis-tente. Coincidindo com a sugesto de Ferreira Borges, o secretrio da Comis-so de Comrcio e Artes das Cortes, Jos Ferreira Pinto Jr., oficia ACP,em 30 de Janeiro de 1836, solicitando-lhe queira transmitir as observaesque se lhe oferecerem sobre o objecto. A direco da ACP, que em 25 deJaneiro recebera 60 exemplares que lhe tinham sido remetidos pelo subins-pector do Tesouro Pblico (Francisco Morato Roma), decide, em reuniode 1 de Fevereiro, encarregar uma comisso especial de estudar o assunto.So nomeados Antnio Ribeiro de Faria (relator), Jos Rodrigues de Aze-vedo e Joaquim Ventura de Magalhes (vogais), aos quais se concede a liber-dade de aumentar o seu nmero com os mais associados que julgarem pre-cisos para este objecto27.

    Cinquenta dias mais tarde, a direco v-se na necessidade de solicitarao relator que apresse os trabalhos, desculpando-se da urgncia com as pres-ses que teria recebido da Comisso de Comrcio e Artes de Lisboa28.

    A 2 de Abril de 1836 quando o cnsul ingls em Lisboa remetera jpara Londres a contabilizao minuciosa dos efeitos da nova Pauta, oparecer da comisso foi finalmente apresentado. Depois de salientar a com-plexidade do assunto e de lamentar as suas poucas luzes para o compe-tente desempenho da tarefa, escreve a comisso que examinou alguns arti-gos que tm relao imediata com o comrcio peculiar de cada um dos seusmembros e, comparando-os com os manufacturados em Portugal, tirouem resultado que os direitos impostos equivalem a uma proibio abso-luta29. Comenta seguidamente que o excessivo proteccionismo levar estagnao da indstria, e no ao seu desenvolvimento, porque o fabri-cante, tendo a venda certa, d a lei ao comprador e no procura de excogi-tar novos inventos para o aperfeioamento da sua indstria. Sobre estas,razes de ordem moral desaconselham a adopo da projectada Pauta:

    No justo proteger uma classe custa dos interesses gerais da Nao.Quanto ao previsvel agravamento do contrabando, diz a comisso:

    A experincia do passado fala mais alto do que quanto se possa dizer:no h nada capaz de o coibir, e o sistema das pautas para ele o incen-tivo mais poderoso.

    No duvidando do bem fundado destas apreciaes genricas, a comis-so reconhece todavia que o assunto demasiado grave para que seja ape-nas confiado diligncia e boa vontade pessoais, recomendando que omesmo seja entregue competncia dos tcnicos. Uma comisso deste tipo,conclui, deve ser nomeada pelo Governo e composta das diferentes clas-ses, como dito fica; pois ento de esperar que ela se prestar com von-tade, sabendo que os resultados de suas fadigas ho-de ser atendidos; e,nesta conformidade, entende a comisso que se deve dirigir uma represen-

    27 Carta para Antnio Ribeiro de Faria de 3 de Fevereiro de 1836. Copiador de Corres-

    pondncia n. 1, A A C P .28

    Carta para Ribeiro de Faria de 21 de Maro de 1836. Copiador de Correspondncian. 1, AACP.

    340 29 Caixa 1, mao 2, 2 de Abril de 1836, AACP.

  • taco Cmara dos Senhores Deputados para sobrestar a promulgao dasPautas e ordenar a criao da referida comisso30.

    O parecer desta comisso veio a ser rejeitado, sendo nomeada uma nova,composta, agora, por Plcido Antnio de Abreu, Joo da Silva Ribeiro eJos Joaquim de Arajo Guimares. Estes subscrevem um segundo pare-cer, datado de 8 de Julho de 1836, o qual viria a ser aprovado em assem-bleia geral de 11 de Agosto.

    Esta segunda comisso, tambm ela, declara-se logo no comeo con-fundida por falta de conhecimentos em matria to transcendente. Toda-via, juntando alguma sabedoria prpria doutrina expendida a este respeitopela douta Comisso de Comrcio criada no Porto em 1821, conclui quealguns artigos ficam pela nova Pauta um pouco mais sobrecarregados,mas que outros muitos ficam igualados ao que pagavam pela antigatarifa. E observa que, se j em 1821 se afigurava necessrio proteger a pro-duo nacional, poca em que a nossa indstria e agricultura estavam maisflorescentes, bem mais imperiosa se torna essa proteco na poca presente,para no ficarmos duma vez reduzidos mendicidade e a sermos providospor naes estrangeiras daqueles gneros ou fazendas que antes do Tratadode 1810 eram manufacturadas no nosso Pas, e que pela concluso desseruinoso tratado tem a troco delas desaparecido de entre ns o ouro [...].Analisando depois o modo como se distribuem os novos direitos pelos diver-sos artigos, a comisso conclui que os mais elevados recaem sobre objectosde luxo, cujo preo ser ainda suportvel pelos seus ricos consumidores.Por outro lado, o alto preo dos artigos de luxo pode constituir um saud-vel incentivo para que os nossos artfices comecem a produzi-los, donde resul-tar a abundncia que, por efeito dum crculo virtuoso, h-de provocar oembaratecimento e consequente aumento da procura, seguindo-se a multi-plicao do emprego, o aumento do bem-estar, etc.

    A concluir, a comisso de parecer Que a nova tarifa de pautas deveser aprovada pela maneira que se acha organizada, para ser posta em efec-tividade nas alfndegas do Reino a cobrana dos direitos nela marcados,e que depois a experincia mostrar as alteraes ou diminuies que con-.vm fazer em cada um ou algum de seus artigos31.

    Este parecer, datado de 8 de Julho, como se disse, e aprovado em assem-bleia geral de 11 de Agosto, s vem a ser enviado para Lisboa em 18 deOutubro, depois que S da Bandeira ministro da Fazenda na sequnciada Revoluo de Setembro o reclamou em ofcio de 20 de Setembro. Nacarta que acompanha o envio do parecer, a ACP sublinha que o mesmofora aprovado pela mesa da direco e confirmado unanimemente pelaassembleia geral dos associados congregada no dia 11 de Agosto passado32.

    Em 21 de Janeiro de 1837, o subinspector do Tesouro Pblico remete Associao Comercial do Porto um exemplar da nova Pauta recm--promulgada (10 de Janeiro). Que transparea da documentao conservadanos arquivos da ACP, o assunto no voltou a ser mencionado. O relatriodo ano de 1836 apenas refere, secamente, que, entre as mltiplas tarefasrealizadas, a direco tinha enviado ao Governo o parecer aprovado naassembleia geral de 11 de Agosto.

    30 Caixa 1, mao 2 , 2 de Abril de 1836, A A C P .

    31 Caixa 1, parecer com data de 8 de Julho de 1836, A A C P .

    32 Carta de 18 de Outubro de 1836. Copiador de Correspondncia n. 1, A A C P . 341

  • Em sesso da direco de 1 de Fevereiro de 1838, segundo consta darespectiva acta, lido um ofcio do presidente da Junta Geral do Distritoem que se solicita ACP a opinio acerca das alteraes que convm fazernas Pautas33. No h vestgios de qualquer resposta nem de que o assuntotenha sido considerado.

    Idntico silncio rodeia a promulgao da nova Pauta Geral das Alfn-degas em Maro de 1841, bem como dos adicionais decretados pouco depois,em Outubro deste ano.

    O que qualificmos de alheamento da ACP relativamente ao protec-cionismo alfandegrio adoptado a partir de 1837 no pode ser interpretadocomo uma medida tctica visando no hostilizar o Governo setembrista: nou-tras ocasies, e a propsito de outros temas, a ACP no se coibiu de pro-testar junto do Governo em termos enrgicos. Por outro lado, a questofoi-lhe posta muito antes da Revoluo de Setembro, no havendo, pois,motivos para que a ACP no usasse, ento, de franqueza, por suposta con-venincia poltica. A mesma atitude de assentimento indiferente, de resto,ser adoptada pela Associao em 1840, quando j se ventilava a necessi-dade de negociar um tratado comercial com a Inglaterra. Em 13 de Agostodesse ano, S da Bandeira requer ao Senado que se averige se os Decre-tos de 14 de Novembro de 1836 e 16 de Janeiro de 183734 tinham provo-cado retaliaes por parte de alguma potncia estrangeira, e ainda se tinhamoriginado, conforme alguns propalavam, nas rendas da Alfndega um des-falque de mais de duzentos contos por ano35, bem como avultados pre-juzos ao comrcio, e quais as fbricas, fabricantes e produtos industriaise agrcolas que tinham sido prejudicados pela promulgao das Pautas de1837.

    Solicitada a pronunciar-se sobre o assunto em 9 de Setembro36, a ACPdemora a responder. S vem a faz-lo, depois de novamente instada, em30 de Junho de 184137! Para quem tome a ACP por um bastio dos interes-ses import-export, o parecer finalmente emitido surpreendente:

    No consta que sofresse decadncia ramo algum de indstria fabrilpor causa do Decreto de 10 de Janeiro de 1837, excepto por algum tempoos tecidos feitos com palheta de metal por causa dos grandes direitosque se votaram dita palheta, e como no a havia no Reino [...]; maseste erro foi remediado, por portaria do ministro da Fazenda, ManuelAntnio de Carvalho.

    Quanto s mais fbricas em geral, elas haviam sofrido antes do ditodecreto quase uma total aniquilao em virtude do opressivo tratado de1810.

    33 Actas da Direco e da Assembleia Geral, livro n. 1, A A C P .

    34 O Decreto de 14 de N o v e m b r o de 1836 visa regulamentar e uniformizar os direitos por-

    turios praticados em Portugal , concedendo determinadas vantagens a embarcaes portu-guesas.

    O Decreto de 16 de Janeiro de 1837, v isando animar a construo e navegao nacio-nal , institui um desconto de 15% sobre os direitos de importao quando esta se faa emnavios nacionais .

    35 Caixa 1, mao 6, A A C P .

    36 Ofcio de Flrido Rodrigues Pereira Ferraz para a A C P (membro da Comisso Perma-

    nente das Pautas) . Caixa 1, m a o 6, 9 de Setembro de 1840, A A C P .342 37 Ver actas da direco de 15 de Junho de 1841. Actas da Direco, livro n. 2, AACP.

  • Enumeram-se depois quatro fbricas vitimadas por aquele tratado, queeram as mais notveis de tecidos de algodo e estamparia, e as duas maisimportantes de lanifcios, condenadas a idntica sorte. Isto alm de outrasmuitas em pequeno ponto, e algumas que ainda ficaram existindo se acha-vam agrilhoadas enquanto durava a continuao desse infeliz tratado.

    Apareceu o Decreto de 10 de Janeiro de 1837, que veio ressuscitar a liber-dade dos portugueses poderem fazer as suas leis de fazenda sem a restrioque lhes impunha o dito tratado, em vista do que reanimaram-se esses pou-cos estabelecimentos, cuja produo triplicou, o que, segundo alega a ACP,pode ser comprovado atravs do aumento da importao de fio de algo-do. A terminar, a ACP adverte que, embora os direitos sobre fio de algo-do sejam elevados, o que verdadeiramente tolhe a iniciativa dos nossosfabricantes o receio de que haver ministros em Portugal capazes de con-descender com a vontade de Inglaterra, e com uma pena de tinta nos faamescravos da indstria da mesma38.

    Estava-se em meados de 1841 e h muito que o setembrismo deixara degovernar Portugal. A posio da ACP no pode, pois, ser interpretada comouma manobra poltica visando aliciar o Governo. No se trata, to-pouco,duma posio tctica: pelo contrrio, a fora das circunstncias que obri-gar, dentro em pouco, ao sacrifcio tctico da doutrina proteccionista.Se a natureza dos interesses congregados no seio da Associao Comercialdo Porto explicam, em grande parte, que esta no tenha sido um bastiodo livre-cambismo, determinados factores histricos concorrem igualmentepara elucidar as motivaes da sua posio perante o proteccionismo.

    Recorde-se o impacte que teve sobre o comrcio e a navegao norte-nhas a abertura aos estrangeiros dos portos brasileiros em 1808, seguida daassinatura do ominoso tratado de 1810 com a Inglaterra. Na memriatraumatizada da poca e, para o caso, pouco importa que ela distoraa realidade, tanto o comrcio como a indstria nortenhas teriam sido flo-rescentes anteriormente concluso daquele desastroso tratado, pelo quala Inglaterra, duma penada, se apoderara do (nosso) mercado brasileiro, aomesmo tempo que ditava as leis de fazenda dos Portugueses. Aquela esp-cie de acidente ou infelicidade histricos fixara-se como diagnstico de todosos males. No era ao tratado, mas sim reduo dos direitos de exportaodecretada em 30 de Maio de 1834, que se atribua o aumento das exporta-es de vinho do Porto e, de resto, a Gr-Bretanha anulara as eventuaisvantagens desse tratado ao decretar unilateralmente, em 1830, a elevaodos direitos de importao sobre vinhos portugueses, sem que Portugaltivesse exercido a menor retaliao sobrecarregando os impostos sobre mer-cadorias de provenincia britnica. Assim, o marasmo comercial e a atrofiada indstria passaram a ser imputados ao estado de sujeio que nos foraimposto pelo tratado comercial de 1810 e, indissociavelmente, aos malef-cios duma desregrada liberdade comercial. Tornara-se claro que Portugalno podia competir com as naes mais avanadas, e a proteco alfande-gria era geralmente reconhecida como o indispensvel escudo sob o qualtanto as artes como a agricultura e a marinha se haviam de robustecer atque pudessem enfrentar a livre concorrncia dos outros pases. Tudo isto

    38 Caixa 1, mao 6, minuta com data de 30 de Junho de 1841, anexada ao ofcio de Pereira

    Ferraz referido na nota 36. 343

  • explica a cautela com que a Associao, empurrada pela crise das exporta-es, insinua a convenincia de negociar um novo tratado com a Inglaterra.

    B) A QUESTO DOS DIREITOS ADICIONAIS DE OUTUBRO DE 1837

    Os direitos adicionais decretados por Lei de 31 de Outubro de 183739suscitaram uma reaco bem mais vigorosa do que a anterior promulgaoda Pauta, em 10 de Janeiro desse ano. Mas o timing e os motivos de talreaco comprovam, uma vez mais, a relativa indiferena ou neutralidadeda ACP em matria de poltica pautai.

    S quando j tinha expirado o prazo de entrada em vigor dos adicio-nais, previsto na prpria lei, que a ACP se manifestou. Em 15 de Janeirode 1838 solicita ao Soberano Congresso que prorrogue aquele prazo atao ms de Abril. Motivo invocado: os dois meses inicialmente concedidoseram um espao de tempo insuficiente para alterar ou suspender os contra-tos de importao j firmados com praas do Brasil e dos Estados Unidosda Amrica40. Alm disso, o mau estado da barra do Douro e as complica-das burocracias alfandegrias demoram a descarga e o despacho das mer-cadorias, que, chegadas antes de expirado aquele prazo, acabam por ficarsujeitas ao pagamento dos novos direitos:

    Tais so [...] os males e agravo que ao comrcio do Porto causa opequeno prazo concedido pela Lei de 31 de Outubro de 1837, sendo apli-cada s importaes do Brasil e aos gneros existentes na Alfndega [... ][sublinhado nosso]41.

    Em 28 de Dezembro de 1838, a ACP surpreendida por nova prorroga-o dos adicionais de Outubro de 1837 (que, nos termos desta lei, apenasdeveriam vigorar durante um ano). A mesma comisso que elaborara a repre-sentao ao Soberano Congresso em 15 de Janeiro sugere mesa que seproteste contra a inadmissvel retroactividade do Decreto de 28 de Dezem-bro de 1838:

    Proponho, portanto, que esta Associao requeira s Cortes, no con-tra o imposto, porque no se trata de julgar da sua convenincia, oudesconvenincia, mas sim contra o arbtrio do Governo, e para que, nocaso de que as Cortes entendam dever continuar o mencionado imposto,concederem um prazo razovel para principiar a ter efeito a nova lei,como costume com todas as leis que aumentam os direitos nasalfndegas42.

    Dois pontos so de evidenciar: o agravamento dos direitos de importa-o introduzido pelos adicionais no , em si e por si, impugnado; apenasse contesta o prazo da sua entrada em vigor. A prpria contestao do prazo

    39 A Carta de Lei de 18 de Outubro de 1837 estabelece, pelo prazo de um ano, contado

    depois de dois meses da publicao desta lei, direitos (de importao) adicionais (aos fixadosna Pauta Geral) sobre os seguintes artigos: arroz, acar branco, acar mascavado, baca-lhau, cacau, caf, azeite de coco, azeite de peixe e de carrapato ou mamona, azeite de cupaba,leo de linhaa. Trata-se, na maioria, de gneros coloniais importados do Brasil, da que aACP conteste o prazo determinado para a entrada em vigor da lei.

    4 0 Copiador de Correspondncia n. 2, 16 de Janeiro de 1838, A A C P .

    41 Ibid.

    S44 42 Caixa 1, parecer com data de 3 de Janeiro de 1839, AACP.

  • apenas se refere aos gneros importados do Brasil. Estes dois pontos refor-am a hiptese de os grandes mercadores do comrcio europeu (o grandeimport-export) no se encontrarem representados na ACP ou, se esto,constiturem uma minoria e no poderem encontrar nela a expresso ade-quada dos seus interesses, no dispondo, Consequentemente, a ttulo colec-tivo e como grupo organizado, de capacidade de presso poltica e influn-cia governativa. (Ser talvez mais exacto dizer que a Inglaterra afinal omais importante canal de expresso desses mercadores, mas isso mesmo osisola e enfraquece no contexto nacional.)

    II.2 A ASSOCIAO COMERCIAL DO PORTO E O SETEMBRISMOA) UM CONTENCIOSO PERMANENTE: OS DIREITOS DE EXPORTAO

    As Pautas nunca constituram, como vimos, um pomo de discrdiaimportante entre a ACP e o setembrismo. E, quando esta vem a formularreticncias contra os elevados direitos alfandegrios, contra os governosordeiros e cartistas que ter, sucessivamente, de se bater.

    Afirmar que a ACP nutria pelo setembrismo uma hostilidade feroz,parece manifestamente exagerado. Mas mais importante do que rebater esseexagero que nem h interesse nem possvel medir! refutar o pressu-posto, subentendido naquela qualificao, de que reinaria um excelente enten-dimento entre a ACP e o Governo de Lisboa, at que a revoada da Revolu-o de Setembro teria vindo semear entre ambos insanveis perturbaes.

    Ora, na realidade, durante todo o ano de 1835 e 1836, a ACP protes-tara repetida e energicamente contra variadas medidas governamentais43,muito particularmente contra diversos tributos e impostos julgados altamentelesivos dos interesses comerciais nortenhos. Finda a guerra, restabelecidaa normalidade constitucional, o Porto julgara chegada uma merecida pausanos sacrifcios. Pelo contrrio, assiste continuao de gravosas discrimi-naes tanto mais injustas quanto a cidade contribura decisivamente parao triunfo da causa de D. Maria. Tendo reclamado instantemente contra osdireitos sobre o vinho e gua-ardente entrados no Porto para consumo, masno conseguindo obter a sua abolio, a ACP dirige-se assim rainha:

    Ser assim que se pagam os sacrifcios que fizeram os seus ilustresmoradores? [...] quando, em vez de os galardoar, a Associao v quese trata de os oprimir, assenta ela que, sem ofensa da modstia, poderecordar a Vossa Majestade os dias to amargos quanto gloriosos emque o Porto, dentro de seus muros, defendeu contra um reino em pesoo Trono Constitucional em que Vossa Majestade se senta44.43

    Antes, pois, de o setembrismo chegar ao poder.44

    Convencida que estava a A C P de que no s o volume das exportaes, como tambmo das vendas no mercado interno, eram directa e principalmente influenciados pelo preo aoconsumidor, faz igualmente cavalo de batalha da supresso ou diminuio de todos os impos-tos que pudessem onerar aquele preo. Assim, protesta repetidamente contra os direitos sobreo vinho e gua-ardente entrados no Porto para consumo, os quais tinham sido fixados em6$300 ris/pipa por Decreto de 14 de Julho de 1832. Segundo se queixa a A C P nesta mesmarepresentao rainha que vimos a citar, no s a arrecadao daquele imposto se prestavaa variadas exaces abusivas, como depreciava os armazns instalados dentro do Porto, aomesmo tempo que, por outro lado, encarecia o aluguer dos de Vila Nova de Gaia. Copiadorde Correspondncia n. 1, 13 de Agosto de 1836, A A C P . 345

  • Queixas destas sugerem que, para alm de eventuais divergncias poltico--partidrias, as dissenses entre a ACP e o Governo de Lisboa se alimenta-riam tambm do tipo de conflitos que frequentemente opem a provncia capital, vista como sorvedouro de recursos injustamente extorquidos aoresto do Pas. Este ressentimento talvez no seja inteiramente alheio vit-ria da oposio no crculo do Douro nas eleies de Agosto de 1836. Sque, chegada ao poder, esta repete ou mantm as exaces praticadas pelosanteriores governos. A propsito .da reduo dos direitos sobre o vinho (tantopara consumo como para exportao), um dos principais cavalos-de-batalhada Associao, escreve esta a Passos Manuel em 1 de Dezembro de 1836:Nenhum dos vrios ministros predecessores de V. Ex.a os tem ouvido [aosclamores], e foi s de V. Ex.a, sendo deputado pelo Douro, que a Associa-o concebeu algumas esperanas [...], sobretudo depois que este lhe escre-vera asseverando enfim que os deputados pela Cidade Eterna tinham muitoa peito promover o comrcio da mesma cidade45. O encerramento das Cor-tes, entretanto, retardou a resoluo satisfatria do caso, mas, depois dosacontecimentos de 10 de Setembro e de 3-5 de Novembro (Belenzada),Bem viu logo a Associao que mui boa ocasio se lhe apresentava paraela reiterar as suas representaes acerca dos direitos dos vinhos [...]. Toda-via, passado um perodo de silncio justificvel pelas mltiplas emergnciasa que o Governo teve de fazer face, Eis que apareceu o Decreto de 2 deNovembro46, confirmando os anteriores impostos e estipulando, sob pre-texto de melhor arrecadao do direito de consumo, que todos os vinhosque entrassem no Porto e Vila Nova [de Gaia] pagassem o equivalente des-tes logo entrada [...]. O Decreto de 2 de Novembro de 1836, na interpre-tao da ACP, representa um agravamento dos direitos sobre o vinho doPorto, e, tendo o vinho dos outros distritos sido poupado a este novovexame, parece-lhe concebido com o propsito de prejudicar os comer-

    45 Copiador de Correspondncia n . 1, 1 de Dezembro de 1836, A A C P . (O imposto por

    pipa expor tada era de 12$000 ris.)46

    Trata-se , na realidade, do Regulamento Provisrio de 2 de Novembro de 1836, C o mque encarregada Alfndega da cidade do P o r t o a ar recadao, fiscalizao, e contabili-dade dos direitos dos vinhos, guas-ardentes, e mais licores espiri tuosos, que entrarem no dis-t r i to d a dita cidade, inclusive Vila Nova de Gaia , para consumo de seus moradores , na con-formidade dos decretos de 14 de Julho de 1832 e 30 de Maio de 1834. O verdadeiro problemaque a A C P levantou em relao a este Regulamento e que tambm escapou a Albert Silbert diz respeito s disposies do ar t igo 8. , que lhe conferem retroactividade. Os vinhos armaze-nados em Vila Nova de Gaia j e ram sujeitos a o pagamento de direitos ent rada no P o r t o ,mas s q u a n d o pa ra l fossem despachados pa ra posterior expor tao . Ora o que o Regula-men to de 2 de Novembro estipula de novo que Os vinhos, guas-ardentes e mais licoresespirituosos destinados expor tao, e que actualmente se acham armazenados em Vila Novade Gaia , e na Cidade, ficam sujeitos ao imediato pagamento dos direitos de consumo [...](artigo 8.); (sublinhado meu) .

    Este regulamento foi seguido do Decreto de 30 de Novembro de 1836, t ambm mal aco-lhido pela A C P . Com efeito, estipulando que os vinhos de segunda qualidade embarcados paraa Amrica apenas pagar iam metade dos direitos de expor tao incidentes sobre os de primeiraqual idade, ou seja, apenas 6$000 ris, determina todavia que o exportador devia pagar a tota-lidade dos direitos no momen to do embarque , como se se tratasse de vinho de primeira quali-dade (12$000 ris), vindo a ser reembolsado d a diferena um ano mais ta rde , perante compro-vativo de que o vinho t inha entre tanto sido efectivamente desalfandegado n o por to americanode dest ino.

    Note-se, por l t imo, que num segundo decreto com a mesma data , isto , tambm de 30de Novembro de 1836, se in t roduzem algumas correces aos supraci tados d iplomas, Aten-dendo ao que me representou a Associao Comercial da Cidade do P o r t o , e a algumas infor-

    346 maes que me foram presentes [...].

  • ciantes do Porto e a regio do Douro. A longa carta termina com umaexpressiva exortao:

    Olhe enfim com olhos portuenses para as representaes desta Asso-ciao de 5 de Fevereiro de 1835, de 14 de Maro do mesmo ano; 22de Janeiro e 25 de Maio deste corrente ano [...] [sublinhado meu].

    Reforando o protesto com uma representao rainha em 12 de Dezem-bro de 183647, a ACP reitera o seu ressentimento pela injustificvel discri-minao de que estaria sendo alvo:

    Se o Governo de Vossa Majestade entende que so indispensveis ascontribuies e os tributos, ele que apele para toda a famlia portuguesa:cada um contribuir na proporo dos seus teres e faculdades e os comer-ciantes de vinhos tomaro o lugar que lhes compete na grande lista doscontribuintes; mas no se sacrifique uma classe que no merece menoscontemplao que as demais classes da sociedade.

    Torna-se claro que o principal motivo de agravo contra Lisboa, antes,durante e depois do setembrismo, independentemente da colorao poltico--ideolgica dos vrios governos, reside na excessiva puno fiscal exercidasobre os lucros do vinho do Porto. A Cidade Invicta considera-se a princi-pal vtima dos apertos financeiros do Estado:

    O concelho do Porto, o concelho da Cidade Libertadora, est maisgravado do que os concelhos vizinhos e, que o mais, que todos os con-celhos do Reino!48 [Note-se que esta ltima acusao data de Agostode 1836.]

    A questo dos direitos sobre o vinho, cuja reduo vinha sendo objectode reivindicao permanente da ACP, foi de novo ventilada na sesso dasCortes Constituintes de 31 de Janeiro de 1837. Alguns deputados tero insi-nuado, por ruim esprito de partido, que a insistncia da Associao visavafazer obstruo poltica ao Governo. A Associao reage imediatamente:

    [...] bastava saber-se que esta desgraada medida [os Decretos de 2e 30 de Novembro] tivera a sua origem na prpria administrao ante-rior quela que agora existe, e que nada mais fez que sancionar e publi-car a obra dos seus antecessores: e que ento os mesmos tiros feriamigualmente amigos e inimigos49 [sublinhado meu].

    Apesar do Decreto de 3 de Maio de 1837, pelo qual a Associao reco-nhece que foram atendidas quanto as circunstncias o permitiam as repe-tidas reclamaes da Associao a respeito da reduo dos direitos na expor-tao dos vinhos pela barra da foz do Douro50, a questo nunca foiresolvida a contento da ACP. E, assim, apesar dos continuados esforos,

    47 Copiador de Correspondncia n. 1, 12 de Dezembro de 1836, A A C P .

    48 Ibid., representao rainha de 13 de Agosto de 1836, A A C P .

    49 Copiador de Correspondncia n. 2, 10 de Fevereiro de 1837, A A C P .

    50 Relatrio de 1837. Actas da Direco e da Assembleia Geral, livro n. 1, A A C P . 347

  • ainda no Relatrio de 1843 se nos deparam os mesmos argumentos e as mes-mas queixas de sempre:

    Importantes consequncias teria a maior reduo dos direitos paratodos os mercados da Europa que no fossem os da Gr-Bretanha [...]51

    Na verdade, nesta altura, com respeito s exportaes para Inglaterra,no s estava j perdida a esperana de que se viesse a assinar a convenopara a reduo mtua de direitos, como tambm a de que fosse reduzidoo imposto de exportao para aquele pas.E) O VOLTAR DE COSTAS A LISBOA

    um facto, como diz Albert Silbert, que a Associao Comercial doPorto se comportou resoluta e sistematicamente contrria ao Governosetembrista durante a crise comercial, quando a de Lisboa procurava umaaproximao52. Mas a hostilidade feroz, neste caso, devia-se s medi-das sugeridas ou tomadas por Lisboa para solucionar a gravssima crisefinanceira do Estado, e no s Pautas, de que praticamente ningumfalava.

    Uma dessas medidas consistia na emisso de papel-moeda de curso for-ado. Esta notcia, vinda a lume53quando a ACP, precisamente, reclamavadesde Janeiro de 1836 que fossem reembolsados os possuidores do papel--moeda extinto por Decretos de 23 de Julho e 1 de Setembro de 1834, espa-lhou indignao e pnico. A Associao afoutamente profetiza que a novaemisso de papel-moeda trar consigo a desapario do metal circulante,a queda dos nossos bancos, companhia de seguros e por fim a misria pblica[...] Devemos esperar uma completa dissoluo da sociedade!54.

    Enquanto a ACP protestava nestes termos catastrofistas, Jos Estvo,M. A. de Vasconcelos e o conde da Taipa espalham nova onda de terrorna Cmara dos Deputados. A mesa da direco logo reuniu extraordina-riamente para atalhar o rebate de bancarrota nacional que soou no Con-gresso55, e no mesmo dia remete para Lisboa, por portador expresso, umarepresentao na qual, a meio de lancinantes imploraes, clama: Umacatstrofe vulcnica que rebentasse no meio da cidade de Lisboa, e segui-damente no meio desta pobre e desgraada cidade do Porto, no causariaem seus habitantes um susto to aterrador como o projecto de bancarrotaapresentado nas Cortes!56

    Em 22 de Janeiro teve lugar uma assembleia geral de que resultou novarepresentao aos deputados contra to hediondos, mpios e horr-veis projectos. Reconhecendo a situao aflitiva do Tesouro, a ACPadverte, todavia, de que o comrcio nada pode fazer porque ningum d

    51 Relatrio de 1843. Actas das Assembleias Gerais, livro n. 3 , A A C P .

    52 Albert Silbert, Cartismo e setembrismo, in Do Portugal de Antigo Regime ao Por-

    tugal Oitocentista, Lisboa, Livros Horizonte, 1972, p. 198.53

    Dirio do Governo de 27 de Dezembro de 1837.54

    Representao rainha em 16 de Janeiro de 1838. Copiador de Correspondncian. 2, AACP.

    55 Carta com data de 20 de Janeiro de 1836 para Joo Matos Pinto , procurador da A C P

    em Lisboa. Copiador de Correspondncia n. 2 , A A C P .56

    Representao aos Srs. Deputados com data de 20 de Janeiro de 1838. Copiador de348 Correspondncia n. 2, A A C P .

  • o que no tem57. Segue-se uma longa exortao para que seja moralizadaa vida pblica porque:

    Ento, quando o universo vir que a nao portuguesa cuida os seusinteresses verdadeiros, e que uma Assembleia Nacional se ocupar se essencialmente em reformar suas Finanas, renascero os belos diasem que os capitalistas preferiam confiar seus dinheiros ao Governo antesque aos particulares.

    Era o pr-aviso de que a praa do Porto diria no ao convite paraa comparticipao num emprstimo ao Governo que lhe foi dirigido pelaAssociao Mercantil de Lisboa em 23 de Janeiro de 183858, convite exten-sivo ao Banco Comercial do Porto. Os dois organismos apreciam conjunta-mente a questo. Entretanto, de Lisboa, o procurador da Associao, JooMatos Pinto, confirma ter feito chegar ao Congresso todas as representa-es da ACP e observa:

    para mim bem doloroso ter de significar a V. S.a que, nada acon-selhando, nada propondo e a nada se comprometendo a Associao, maltem podido atinar-se com o fim de suas representaes, nem com o queela em ltimo resultado deseja59.O Banco Comercial do Porto informou a ACP de que o seu estatuto

    vedava o entrar e tomar parte no emprstimo proposto60. O secretrio daAssociao, na mesma assembleia geral em que foi anunciada a recusa doBanco, invocou o piedoso argumento de que a proposta era indecorosa(sic) pois equivalia a uma agiotagem qual a de emprestar 16 ou 17 parareceber 24, e isto em breve tempo e com hipoteca. O segundo argumentoaduzido consistia numa questo de princpio: a ACP era contra o sistemados emprstimos. Por ltimo, last but not least, quando a proposta fossejusta e aceitvel, ningum garantia que daqui a bem breve [no] tornassea reviver o projecto de Jos Estvo, pois que o actual Governo e o Con-gresso no inspiravam confiana alguma. Assim, aps breve debate, a pro-posta de emprstimo foi unanimemente recusada, o que se comunicoutanto ao Banco como Associao Mercantil de Lisboa.

    Este episdio traduz seguramente falta de confiana poltica no Governosetembrista mas, saliente-se, por motivos inteiramente alheios questodas Pautas. E traduz tambm, diramos, o alheamento hostil do Porto emrelao a Lisboa, a insistncia numa viso regional dos problemas, a relu-tncia em intervir activamente nas tomadas de deciso atravs da assunode co-responsabilidades polticas. Isto mesmo documentar a atitude de abs-teno que a ACP vai adoptar aquando das eleies legislativas de 12 deAgosto de 1838, em flagrante contraste, uma vez mais, com a AssociaoMercantil Lisbonense.

    Em 25 de Maio desse ano, o associado Luciano Simes de Carvalho apre-senta uma proposta formal no sentido de a ACP escolher alguns dos seus

    57 Representao aos Srs. Deputados com data de 22 de Janeiro de 1838. Copiador de

    Correspondncia n. 2, A A C P .58

    Actas da Direco, livro n. 2, 23 de Janeiro de 1838, A A C P .59

    Caixa 1, 24 de Janeiro de 1838, A A C P .60

    Actas das Assembleias Gerais, livro n. 3 , 26 de Janeiro de 1838. 349

  • membros para serem includos nas listas de candidaturas publicadas pelospartidos polticos concorrentes s eleies61. Simes de Carvalho justificaa sua proposta pelo facto de que desgraadamente o Corpo de Comrcioe Fabricantes desta cidade nem tem sido representado em Cortes, nem paraisso se tem tomado a mais pequena diligncia. A ideia veio-lhe do exem-plo da Associao Mercantil Lisbonense. E os riscos, segundo discorre,so nulos: se nenhum dos dois partidos mais conhecidos que vo comba-ter a urna quiser aproveitar nenhum dos nossos, a ACP ficar ao menoscom a conscincia tranquila por no se ter furtado ao esforo de se fazerrepresentar no Soberano Congresso. O objectivo e razo de ser do interessede tal diligncia conseguir que o pblico no diga que a Associaosomente sabe dirigir queixumes, no fazendo diligncias.

    A proposta foi mal acolhida. A comisso especial nomeada para a apre-ciar, composta de homens importantes do vinho do Porto, como OliveiraLeal, Almeida Ribeiro e J. Augusto Kopke, apresentou o seu parecer em14 de Junho, inteiramente desfavorvel. Dis que a Associao incorreria numarcasmo corporativista, uma vez que Os representantes da Nao nodevem ser representantes das classes, assim como a lei no lei senoenquanto ditada pelo bem geral62. No entender da comisso, a ACPdaria uma grande prova do seu patriotismo no seguindo outra bandeiraseno a do Interesse Comum Nacional. Mas logo a seguir deixa entreveros verdadeiros motivos por que recomenda a absteno: que, aprovandoa ACP uma lista sua em assembleia geral, e sendo as decises deste rgovinculativas, ficariam os scios privados de votar livremente de acordo comas suas simpatias polticas. Mais grave ainda: seria impossvel constituir umalista apartidria:

    Neutralidade em poltica no estado presente do Pas mesmo qui-mera; e de qualquer modo que a Associao Comercial se pronuncie nesteobjecto como corporao, escolhendo certos e determinados indivduos,ver-se- envolvida pr ou contra o sistema dominante e se colocar forada rbita das suas atribuies.

    O que transparece do parecer sem dvida que a Associao se encon-tra politicamente dividida, e nem o artifcio de Simes de Carvalho, pro-pondo que os candidatos da ACP figurassem indistintamente em qualquerdas listas dos partidos mais conhecidos, poderia iludir essa ou essas divi-ses. A utilidade de ter representantes seus nas Cortes admitida, mas oscustos de tal representao, minando ou destruindo a unidade da ACP aoabrir a discusso poltica no seu seio, anulariam as vantagens que pudesseobter em troca:

    [...] ser possvel, hoje, que todas as opinies so conhecidas e quetodos os homens tm um partido, fazer uma escolha de candidatos comabstraco das grandes questes de poltica que tanto nos tem agitado

    Em 1838, pode concluir-se, a ACP no constitui um bloco politicamentehomogneo, nem existe no seu interior como vir a acontecer a partir

    61 Caixa 1, mao 4, 25 de Maio de 1838, AACP.

    350 62 Id., 14 de Junho de 1838, AACP.

  • de 1842 um grupo claramente dominante capaz de submeter as opiniesminoritrias. Ento, liderada por homens ligados a Costa Cabral, pondode parte pruridos estatutrios e remorsos corporativistas, a ACP vai con-correr entusiasticamente s eleies de Junho desse ano. A mudana de tc-tica data da eleio de Jos Henriques Soares para presidente da Associa-o, em Dezembro de 1841. Jos Henriques Soares, rico proprietrionortenho, membro destacado da Junta do Porto constituda por ocasio dogolpe militar cartista dirigido por Costa Cabral e pelo duque da Terceiraem Janeiro/Fevereiro de 1842, o homem a cuja influncia a ACP confiaa salvao do comrcio do vinho do Porto. Para esta entrev nessa alturaum nico remdio: a concluso, a todo o custo, dum tratado comercialcom a Inglaterra. O apoio prestado pela ACP a Costa Cabral deveu-seseguramente, mais do que a motivaes poltico-ideolgicas, esperanade que o enrgico ministro impusesse aquilo que, como se vir a verifi-car, praticamente mais ningum queria: a liberalizao da nossa polticaalfandegria.

    III. BALANO DO PRIMEIRO PERODO: AGUDIZAODA CRISE DO VINHO DO PORTO

    O tom do relatrio relativo ao ano de 183563 francamente optimista:

    Um ano s tem volvido, mas conseguido se h j o que no decursode muitos anos se no obteve.

    Do relatrio transparece um dinamismo traduzido em grande variedadede assuntos abordados, desde a abertura da Rua de Ferreira Borges admi-nistrao do correio, do regulamento da livre navegao do Douro ao esta-belecimento dum barco a vapor para navegar at Lisboa, do projecto deexplorao mineira em Trs-os-Montes luta pela reduo dos direitos deexportao do vinho do Porto.

    O relatrio relativo ao ano de 1836 menos entusiasta e difere do ante-rior pelo diferente peso relativo dos vrios assuntos. A questo dos vinhos(direitos de exportao, direitos de consumo) reconhecida como o pro-blema prioritrio e ocupa uma parte substancial do relatrio. A questo dasPautas, em contrapartida, esgota-se em quatro linhas:

    Tendo-se consultado a Associao a princpio pela Comisso dasArtes e do Comrcio da Cmara Electiva, e depois pelo Ministrio daFazenda, sobre o projecto da nova Pauta para as Alfndegas, a mesalevou ao conhecimento do Governo a vossa resoluo de 11 de Agosto64.

    No ano seguinte, a Associao mantm-se razoavelmente satisfeita con-sigo mesma. O nmero de scios no diminura, sendo de 248. Para almda questo dos vinhos, a que a mesa dedicou os primeiros cuidados, outrosassuntos absorveram igualmente a ateno da ACP (melhoramento dascomunicaes, aula de Economia Poltica, resposta a vrias consultas gover-

    63 Actas da Direco e Assembleia Geral, livro n. 1, A A C P .

    64 Ibid. , id. 351

  • namentais, requerimentos contra diversos estorvos ao comrcio, etc).Julga-se tratada pelo Governo com a merecida deferncia:

    Folgo em ver que os poderes do Estado a tm devidamente conside-rado [...]65

    O relatrio de 1838, surpreendentemente, atribui crise comercial menosgravidade do que se tem geralmente suposto:

    A crise comercial do ano passado, que, rebolida l da Amrica doNorte, veio fazer sua exploso em Londres e dali arrojou lavas a todasas praas comerciais do orbe [...] apenas afectou levemente esta nossapraa, contudo fez recolher nosso cauto comrcio em previdente obser-vao.

    Este relativo optimismo, tanto mais inesperado quanto tem sido enfati-zada a depresso comercial de 1836-37 (veja-se A. Silbert, op. cit.), talvezpossa explicar-se pelo facto de, no momento em que o relatrio era elabo-rado, as exportaes de vinho do Porto terem recuperado da baixa efecti-vamente sofrida (em valor e quantidade) durante o ano de 1837. O que orelator provavelmente no previa, nessa altura, que as exportaes baixa-riam de novo a partir de 1839, sendo 1841, 1842 e 1843 os anos de crisemais aguda66.

    No relatrio do ano seguinte, significativamente, desaparecem as alu-ses a empreendimentos econmicos. Protesta-se contra a prorrogao dosadicionais decretados em Outubro de 1837 por um ano apenas; reclama-secontra a continuao da circulao de moeda de bronze; deplora-se oaumento, unilateralmente decretado, dos direitos brasileiros sobre vinhosportugueses, fruto da impoltica e pouco considerada indiferena com quetemos tratado um pas que tanto nos convm conservar em relaes de ntima

    65 Actas da Direco e Assembleia Geral , livro n . 1, A A C P .

    66 Evoluo das exportaes de vinho do Porto entre 1833 e 1845 segundo

    o Relatrio da Comisso Especial Encarregada de Estudar a Questo Vinhateira (1865)

    Anos

    1833183418351836183718381839184018411842184318441845

    Quantidade(pipas)

    19 2583121838 23633 31025 58837 21333 16533 08926 35527 43126 52234 37131 623

    Valor (ris)

    3 518 000$3 073 400$3 067 350$2 471 050$2 383 865$2 788 100$4 123 710$3 730 550$

    Valor por pipa

    94 536$86091 584$50292 699$99193 760$00086 904$000105 124$000119 976$000117 970$000

    Obs. Os quantitativos para os anos de 1833-37 foram retirados do apenso n. 6 do referido relatrio, que apenas. . . regista quantidades. Os quantitativos para os anos de 1838-45 foram retirados do apenso n. 1, o qual regista valores e quan-

    352 tidades.

  • e estreita amizade. Finalmente, afirma-se pela primeira vez, mas ainda semaluso exclusiva Inglaterra:

    de evidente utilidade, Senhores, que tanto com o Brasil como comqualquer outra nao que compra os nossos produtos, e que mais osconsome, se faam tratados comerciais [...]Em 1840 h indcios de que o nmero de scios vem diminuindo. Em

    2 de Maro, uma comisso especial debrua-se sobre a possibilidade de redu-zir as quotizaes anuais como forma de angariar maior nmero de asso-ciados. A 26 desse ms, uma assembleia geral delibera baixar essa quotiza-o de 9$600 para 4$300 ris. O relatrio relativo a 1840 particularmenterido e apenas salienta a promoo de reunies de estudo e a elaboraode pareceres sobre o comrcio de vinhos com vistas ao falado tratadocomercial com a Gr-Bretanha68.

    Em 1841 tambm no encontramos meno a qualquer empreendimento.Os esforos da Associao foram inteiramente absorvidos pelos diversos pro-testos lavrados contra medidas administrativas e fiscais. A terminar, o rela-trio repisa a tecla do tratado comercial:

    Triste o estado de todos os diferentes ramos de nosso comrcio.Sensveis so a todos ns seus deplorveis efeitos e a falta de trata-dos comerciais uma origem considervel, se no a nica, de nosso defi-nhamento e decadncia69.

    O relance sobre os relatrios de actividades entre 1835 e 1841 visa subli-nhar a importncia cada vez mais absorvente dos vinhos e a simultnea subal-ternizao dos assuntos respeitantes a outros campos de actividade econ-mica quer comercial, quer industrial, quer no domnio das comunicaes.Durante e a partir do ano de 1841, a ACP perde a face dinamizadora comque se apresentou nos primeiros trs anos de existncia70, refugia-se na defesados interesses corporativos dos comerciantes de vinho do Porto, vive pararesolver um nico problema: escoar os stocks acumulados.

    1842 nasceu ainda sob o signo da esperana: vingara o golpe de Estadocartista de Costa Cabral, e Jos Henriques Soares, que estivera a seu ladona Junta do Porto e seria em breve agraciado com o ttulo de baro deAncede e elevado a par do Reino, era o presidente da Associao, que, pelaprimeira vez e com fundadas razes, esperava a recompensa pelo seu abertocomprometimento com um regime e um governo71. No final do ano, toda-via, essas esperanas j s eram ansiedade: o tratado com a Inglaterra assi-nado em Julho de 1842 nada resolvia, e em Lisboa erguiam-se incompreen-sveis obstculos concluso da conveno para a reduo mtua de direitos.

    A Associao est menos concorrida. O saldo em caixa, relativamentea Dezembro do ano anterior, diminura em 243$539 ris.

    67 Relatrio de 1839. Actas das Assembleias Gerais, livro n. 3 , A A C P .

    68 Relatrio de 1840. Id.

    69 Relatrio de 1841. Id.

    70 Contrastar com a lista de iniciativas referidas no relatrio de 1838.

    71 No h dvida de que Cabral aliciou elementos do comrcio nortenho acenando-lhes

    com a rpida assinatura do tratado com a Gr-Bretanha. Ver o meu artigo A Inglaterra perantea evoluo poltica portuguesa (1834-42), in Anlise Social, n. 83, 1984. 353

  • Esta diferena proveniente de diminuio da receita, porque algunsassociados tm deixado de o ser e poucos se tm associado de novo, des-conhecendo assim a importncia de auxiliar e sustentar este represen-tante nico dos interesses da praa do Porto72.

    No ano seguinte, tornada efectiva a nova quotizao de 4$300 ris anuais,ter-se-o inscrito 100 novos associados. Ainda assim, a ACP expede umacircular para 300 senhores negociantes, informando-os da reduo dequota e convidando-os a inscreverem-se. Estes nmeros do-nos uma ideiada dimenso do corpo de comerciantes excludos da ACP73. O relatrio de1843, pelo teor dos princpios programticos reafirmados, trai a conscin-cia da escassa representatividade da Associao e da necessidade de aliciarmembros de outros ramos de actividade, que no apenas os comerciantesdo vinho do Porto:

    [...] auxiliar os estabelecimentos comerciais existentes procurarenfim desenvolvimento navegao nacional emprego ao comr-cio melhoramento indstria: no h distino entre os comercian-tes desta praa, no a haja entre os associados desta Associao, emboraas naturalidades, as fortunas, o pensar poltico de cada um seja diverso

    A concentrao sobre o problema dos vinhos, por um lado, e, por outro,o abandono do abstencionismo poltico e a colagem ao Governo, tudo seconjuga para alienar scios e simpatias, sem ao menos (pelo contrrio!) pro-porcionar maior eficcia reivindicativa. Em Fevereiro de 1844, cinco anosdepois de enterrado o setembrismo e em plena vigncia da Carta, a Asso-ciao Comercial do Porto v-se na necessidade de nomear uma comissoespecial encarregada, genericamente, de elaborar protestos contra vriasmedidas governamentais. Em Abril desse ano envia ao seu (novo) delegadoem Lisboa, Jos Maria de Sales Ribeiro, uma Resenha e cpias dos seguintesobjectos que a Associao Comercial do Porto tem pendentes em Lisboa,perante as Cortes e o Governo de Sua Majestade75. Dos seis objectos men-cionados, cinco tiveram origem em 1843. Sobre isto, a ACP sofrera j aderrota da ruptura das negociaes com a Inglaterra (Abril de 1843).

    Mas, se surgiram novos contenciosos com o novo regime cartista, teroao menos sido resolvidos a contento os que se haviam gerado durante osetembrismo? Faamos um rpido balano.

    A imposio do selo em letras e papis de comrcio, em vez de abolida,foi agravada por Lei de 10 de Julho de 1843. As questes conexas dos direi-tos de navegao, proteco marinha nacional e regulamentao do tr-fego de passageiros para o Brasil no s no foram resolvidas, como foramagravadas pelo Regulamento de 19 de Agosto de 1842, que, a ser posto emprtica, limitar mais ainda o movimento de passageiros para a antiga col-nia. O desastroso estado da barra do Douro, deplorado desde 1835, conti-nua espera de obras. A construo do novo edifcio para a Alfndega,

    72 Relatrio de 1842. Actas das Assembleias Gerais, livro n. 3 , A A C P .

    73 Relatrio de 1843. Id.

    74 Id. ibid.

    354 75 Copiador de Correspondncia, livro n. 4, AACP.

  • instantemente reclamado, mantm-se por iniciar. Os emolumentos alfande-grios, bem como alegadas exaces por parte dos funcionrios, no ces-sam de aumentar. Quanto ao subsdio literrio, diz-se no relatrio de 1842que continuam a repetir-se as escandalosas exigncias dos respectivos arre-matantes. No que toca s reclamaes contra a ilcita construo de pes-queiros no Douro, continuam por demolir em 1842 e 1843, apesar de teremsido dadas ordens nesse sentido, e at o empenho pessoal de Henriques Soaresno consegue fazer executar as determinaes do Governo. E, quanto aomomentoso objecto dos direitos sobre os vinhos, ainda no relatrio de 1843se lamenta que nenhum governo os tenha reduzido, nem ao menos os querecaem sobre os vinhos exportados para outros pases que no a Inglaterra!

    Esta exemplificao, conquanto no seja exaustiva mas abrange segu-ramente as controvrsias mais graves, demonstra que o setembrismo nofoi um perodo em que as relaes entre a ACP e o Governo tenham sidoparticularmente conflituosas. No pretendemos sugerir que o setembrismogozasse de simpatias polticas entre a maioria dos associados da ACP, nem,inversamente, que esta nutrisse qualquer hostilidade poltica de princpiocontra o regime da Carta Constitucional. Pretendemos, sim, sustentar queo alinhamento poltico das classes abastadas (Silbert) portuenses, namedida em que se encontram representadas na Associao Comercial, nopode ser directa e linearmente explicado por motivaes econmicas, e queainda menos se pode imputar o presumido anti-setembrismo da ACP ao factoda promulgao das Pautas Alfandegrias em Janeiro de 1837.

    IV. SEGUNDO PERODO: DE 1839 A 1843IV. 1 A DEFESA DO TRATADO COMERCIAL COM A INGLATERRA

    E A VIRAGEM ANTIPROTECCIONISTA

    Depois da relativa melhoria verificada em 1838, o ano de 1839 acusanova baixa das exportaes de vinho do Porto. Durante este ano, a ACP sobressaltada pelo decreto brasileiro de 6 de Maio, que eleva para 50%os direitos pagos sobre a importao de vinho portugus. 1840 no se anunciamelhor e, para aumentar a preocupao da ACP, correm rumores de queestaria em curso a negociao dum tratado comercial entre a Inglaterra ea Frana, o que colocaria o nosso vinho em posio de difcil concorrncia.Em sesso da direco de 1 de Junho de 184076, Costa Lobo prope mesaque se represente ao Governo acerca dos melhoramentos que carece ocomrcio dos vinhos do Douro, pedindo-lhe os maiores esforos para evi-tar as consequncias que lhe pode causar a ratificao do tratado de comr-cio prximo a concluir-se entre a Inglaterra e a Frana.

    Nomeada uma comisso especial para examinar o assunto, os seus tra-balhos77 foram apresentados em sesso da direco de 25 de Junho de 1840:quatro minutas para uma representao rainha. Na primeira pedia-se soberana que, face eminente concluso dum tratado de comrcio entrea Frana e a Gr-Bretanha, Portugal conclusse outros dois, respectivamente

    76 Actas da Direco, livro n. 2 , A A C P .

    77 As minutas resultantes desses trabalhos encontram-se na caixa 1, mao 6, A A C P . 355

  • com a Inglaterra e o Brasil78. Na segunda exprimem-se receios do mesmoteor e acautelam-se possveis objeces de principio:

    Esta Associao no pretende entrar no mrito da doutrina dos tra-tados em geral, nem mesmo nas circunstncias que devem basear o tra-tado com a Inglaterra. Mas pensa porm que um temporrio tratadocom Sua Majestade Britnica [...] [sublinhado nosso], abrindo-nos denovo os mercados de Inglaterra e de suas colnias, nos habilitasse apodermos lealmente competir com as naes mais favorecidas em seusmercados [...]

    Seguidamente explicita-se, enfim, o conflito eventual entre os interessesdos exportadores e os dos industriais, mas ainda na esperana de que pos-sam ser conciliados:

    Nem esta Associao, Senhora, hesitaria um s momento em pro-clamar altamente o princpio que quando duas indstrias nacionaisde diferente valor e importncia se acham inteiramente em oposta riva-lidade de interesses = uma que poucos sinais d de robustez e de vida= a outra j robusta e forte , no devesse V. M. sacrificar com moenrgica quimricas esperanas de futuros vagos a um presente estabe-lecido e certo. Esta Associao v porm j a possibilidade de concilia-o entre estes dois interesses rivais seja de qualquer modo que o maisexacto conhecimento dos negcios pblicos facilmente indicar aoGoverno de V. M., seja ferindo mais fortemente aquelas naes quenada nos consomem a favor daquela que e sempre tem sido a nossaprincipal consumidora. Nisto v a Associao a sustentao dos interes-ses do nosso comrcio aliado a uma razovel proteco nossa inds-tria nascente80.

    As outras duas minutas no diferem muito destas: insistem na necessi-dade de reduzir os direitos de exportao e na convenincia de firmar aindatratados com outras duas naes, o Brasil e os Estados Unidos da Amrica.

    Segundo consta da acta desta sesso da direco, a leitura destes docu-mentos suscitou viva controvrsia renhido debate que durou duashoras81. Do debate resultou a formulao de quatro quesitos postos vota-o em separado, a saber:

    1. H-de requerer-se a feitura dum tratado com a Inglaterra? (Apro-vado.)

    2. Este tratado h-de ser limitado? (Decidiu-se que fosse tempo-rrio.)

    3. No supramencionado tratado devero ficar salvos todos os regula-mentos, medidas de fiscalizao, ou nova organizao comercial, ten-

    78 Note-se como a Associao Comercial do Porto se revela mal informada sobre poltica

    nacional: precisamente, um projecto de tratado entre Portugal e o Brasil, negociado e assi-nado pelos plenipotencirios de ambos os pases no Rio de Janeiro, em 19 de Maio de 1836,no foi por diante nem chegou a ser ratificado devido ao veto terminante da Inglaterra.

    79 Esta outra indstria, j robusta e forte, evidentemente a da exportao de vinho do

    Porto.80

    Consta da 2 . a minuta (referida na nota 77).356 81 Actas da Direco, livro n. 2, 25 de Junho de 1840, AACP.

  • dente conservao ou desenvolvimento do comrcio e crdito dosnossos vinhos e proteco de sua lavoura? (Aprovado.)

    4. H-de pedir-se a reduo dos direitos de 12$000 ris por sada queactualmente pagam os vinhos do Porto? (Rejeitado.)

    O porqu da rejeio do 4. quesito no oferece mistrio: a ACP rendera--se finalmente evidncia de que as necessidades do Tesouro no autoriza-vam uma tal reduo. Agora, com a mira no tratado, prefere abandonaruma reivindicao de sucesso altamente duvidoso, na esperana de que adiminuio dos direitos cobrados entrada em Inglaterra venha a compen-sar os de exportao pagos sada da barra do Douro.

    O envio do requerimento a favor do tratado veio todavia a ser suspensopor reconhecida falta de informao sobre o estado das negociaes entrePortugal e Inglaterra82. No relatrio relativo a 1840 regista-se que foramreunidos estudos e pareceres com vistas ao falado tratado comercial coma Gr-Bretanha, e em 8 de Maio de 1841 nomeada uma comisso encar-regue de coligir todos os documentos relativos ao melhoramento do comr-cio do vinho do Porto. Durante o resto do ano, o assunto ter andado pelasgavetas.

    1841 acusa nova baixa pronunciada das exportaes: passam de 33 089pipas em 1840 para 26 355. Em 15 de Janeiro de 1842, Joaquim da CunhaLima Oliveira Leal e Jos Isidoro Guedes do o alarme em sesso da direc-o. nomeada mais uma comisso para se debruar com urgncia sobreto importante objecto, atentos os clamores alevantados ultimamente napraa acerca da necessidade de acudir com maior brevidade e prontido aodesgraado negcio de vinhos83. Em reunio de 1 de Maro de 1842, perantea multiplicidade dos documentos apresentados, a direco decide nomearuma nova comisso composta de pessoas da maior inteligncia, cujos talen-tos e conspicuidade lhe garantissem o melhor e mais pronto resultado desteimportantssimo objecto. Entre os eleitos destaca-se Jos Henriques Soa-res, homem de poderosa influncia governativa, dada a sua participao norecente golpe vitorioso de Costa Cabral (27 de Janeiro de 1842).

    Em 26 de Maro convocada uma assembleia geral para apreciar o rela-trio elaborado pela douta comisso sobre as diversas causas da crise eos remdios dela. Refere-se a crise actual do comrcio em todo o mundo,a cujos nefastos efeitos se vem juntar o sistema restritivo que se tem esta-belecido no nosso pas, o qual, todavia, no o principal responsvel peloabatimento dos negcios: com efeito, no tanto a diminuio das quan-tidades exportadas (que tm baixado pouco em relao com a nossa mis-ria) que est na origem das terrveis dificuldades por que passam os expor-tadores, como a baixa de preos provocada pela exportao de vinhos deinferior qualidade, donde resulta que os vinhos finos no podem concor-rer sem a runa total dos seus proprietrios84.

    82 Actas da Direco, livro n. 2 , 16 de Julho de 1840, A A C P .

    83 Segundo as palavras de Oliveira Leal , relator da lt ima comisso de v inhos , quando

    fez o balano d o estado da questo em sesso de direco de 1 de Maro de 1842. Actas daDireco, livro n. 2 , A A C P .

    8 Conforme relatrio impresso por deciso da direco em reunio de 19 de Maro de

    1842: Relatrio e mais trabalhos da Comisso, nomeada pela Direco da Associao Comerciald o Por to , para propor os meios de melhorar o Comrcio e Lavoura dos Vinhos d o D o u r o ,discutidos e aprovados pela Direco da mesma Assoc iao , e pela Assembleia Geral de 26de Maro de 1842. 357

  • Ora a comisso relatora est consciente de que o consumo de vinhoem Inglaterra aumentar na razo do melhoramento de sua boa qualidade.Mas, transitoriamente, enquanto a melhoria da qualidade no abrir novosmercados nem alargar os existentes, necessrio escoar a superproduosem que tal acarrete a continuao da baixa dos preos. E tal ser obtidomediante a concluso de tratados comerciais negociados de forma que osnossos vinhos tenham um favor nos mercados estrangeiros, onde, pagandomenores direitos de importao, chegaro ao consumidor a mais baixo preosem prejuzo para o exportador portugus85. E a troco de qu poderamosns obter tal favor seno mediante a reduo dos impostos alfandegriossobre as mercadorias inglesas?!

    O documento em causa foi pessoalmente entregue por Henriques Soa-res ao conselheiro Jos Bernardo da Silva Cabral, tendo este garantido oseu empenho em causa to justa quanto importante. Henriques Soaresinforma a direco de que o Sr. Conselheiro Concluiu a sua audincia asse-verando que tinha a maior esperana de que o Governo de Sua Majestadetrataria imediatamente dos meios de melhorar to importantssimos objec-tos, sendo um destes meios concluir desde j o tratado de comrcio coma Gr-Bretanha, que tem as mais vantajosas condies a favor do comrcioe lavoura dos vinhos. Ouvido o exposto, A direco ficou muito satis-feita86.

    IV.2 A COLAGEM AO PODER

    Alguns rumores devem ter comeado a correr sobre dificuldades ocorri-das na negociao (o que era verdade), pois, em 21 de Abril, Henriques Soa-res sugere que a ACP escreva ao duque da Terceira, na sua qualidade deministro dos Estrangeiros, insistindo na urgncia de se concluir quanto anteso desejado tratado com a Inglaterra, ou declarar-se se isso no poder terlugar por enquanto: pois que todos sabem que a incerteza em negcio tograve causa males sem conta [...]87.

    Enquanto isto, e muito embora Francisco Joaquim Maia escrevesse deLisboa que o tratado se encontrava praticamente concludo (apenas fal-tam algumas circunstncias secundrias)88, ainda Howard de Walden reme-tia para Londres um rascunho de tratado muito preliminar, e no qual ja questo da reduo mtua de direitos entre os dois pases que era anica que verdadeiramente interessava ACP era expressamente reme-tida para uma Conveno Adicional ao tratado proprimente dito89.

    A representao, dirigida ao duque da Terceira, remetida atravs deF. Joaquim Maia, a quem se recomenda que bom seria que V. S.a fossepor Sua Excelncia [Terceira] recomendado ao Ex.mo Duque de Palmeia,que consta ser a pessoa autorizada para negociar as condies do mesmo

    85 Ver n. 84 .

    86 Actas da Direco, livro n. 2 , 1 de Abril de 1842, A A C P .

    87 Sesso extraordinria de 21 de Abril de 1842, Actas da Direco, livro n. 2 , A A C P .

    88 Id. ibid.

    89 This matter (revision of tariff) shall without delay be made the subject o f a special

    negotiation between the two governments. P R O , FO-63/546 , carta n. 87, de 23 de Abril358 de 1842.

  • tratado [...]90. Em 20 de Maio seguinte, a direco escreve ao duque dePalmeia:

    [...] no duvida implorar por ltimo a V. Ex.a que se infelizmenteo tratado no pode concluir-se por enquanto, V. Ex.a promova que assimse declare, porque dessa, alis infausta, declarao provm ao menosa certeza da sorte futura [...]91

    Dois dias mais tarde, segundo reporta Howard de Walden92, Palmeiadeclarava em Conselho de Estado que se encontrava totalmente incapaci-tado de fazer um tratado em termos tais que ele prprio pudesse aprovar.

    Segundo insinua Howard de Walden, Palmeia estaria a protelar a assi-natura do tratado at que fossem conhecidos os resultados das eleies legis-lativas, marcadas para Junho de 1842. Ora o prprio impasse nas negocia-es punha em causa a vitria de Costa Cabral:

    The principal cause for anxiety for the government arises from thediscontent among the wine interests /. . ./ Seignor Costa Cabral pledgedhimself, when at Oporto, that a Treaty with England should be an imme-diate consequence of the success of the revolution. He thus enlisted onhis side the material simpathy of the most powerful classes in the North,[...] Any delay in the signature of the Treaty beyond the period of theelections may very much endanger the success in the North of the govern-ment candidates [...] 93

    Em contradio flagrante com a doutrina e a prtica da ACP no pas-sado, esta decide-se a apresentar candidatos prprios s eleies. A propostaapresentada mesa neste sentido foi considerada urgente e muito bem aco-lhida, uma vez que a direco bem certa estava dos males que tm vindoao nosso comrcio por no ter havido em Parlamento suficiente nmerode negociantes que propugnasse pelo seu interesse e prosperidade. Algunssenhores votaram contra a proposta de Amorim Braga, mas por uma ques-to de princpio, e no porque deixassem de reconhecer a verdade que elaencerra e a justia com que foi concebida94.

    Aps algumas delongas, o parecer, elaborado por uma comisso espe-cial, veio a ser apresentado em sesso de 15 de Junho de 1842. Segundoreza, direco no s compete deliberar sobre este importantssimoobjecto, mas at para isso tem implcita obrigao pelo art. 1. do cap. 2.do seu Regimento [...]95.

    Esta radical mudana de atitude em relao a 1838 indica claramenteque a ACP, pela mo de Henriques Soares (sucessivamente reeleito at 1844),amigo poltico de Costa Cabral, se decide pela interveno poltica institu-cional e directa como meio de reforar um poder em cujo apoio confia, num

    90 Correspondnc