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MARIA HELENA RIBEIRO UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO - UNIAN-SP A ASSIMETRIA HISTÓRICA ENTRE AS TÉCNICAS E OS CONCEITOS NO DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO INTEGRAL SÃO PAULO 2014

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MARIA HELENA RIBEIRO

UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO - UNIAN-SP

A ASSIMETRIA HISTÓRICA ENTRE AS TÉCNICAS E OS CONCEITOS

NO DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO INTEGRAL

SÃO PAULO

2014

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MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

A ASSIMETRIA HISTÓRICA ENTRE AS TÉCNICAS E OS CONCEITOS

NO DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO INTEGRAL

Dissertação apresentada à banca examinadora

da Universidade Anhanguera de São Paulo -

UNIAN-SP como exigência do Programa de Pós-

graduação em Educação Matemática para

obtenção do título de Mestre, sob a orientação

da Profª Drª Maria Elisa Esteves Lopes Galvão.

SÃO PAULO

2014

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Ribeiro, Maria Helena.

R37a A assimetria histórica entre as técnicas e os conceitos no

desenvolvimento do Cálculo Integral. / Maria Helena Ribeiro. – São

Paulo: UNIAN, 2014.

xii, 156 f. il.; 30 cm.

Dissertação (MESTRADO) – UNIAN, 2014.

Orientadores: Profª. Drª. Maria Elisa Esteves Lopes Galvão.

Referências bibliográficas: f. 142-144.

1. Integral, 2. Áreas, 3. História, 4. Técnica, 5. Conceito. I. Galvão,

Maria Elisa Esteves Lopes Galvão. II. UNIAN. IV. Título.

CDD 515.3

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Banca Examinadora

________________________________________

Profª Drª Maria Elisa Esteves Lopes Galvão

________________________________________

Prof. Dr. Sérgio Roberto Nobre

_______________________________________

Profª Drª Vera Helena Giusti de Souza

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Dedico es te t rabalho a minha doce e amada i rmã Mar ia Lu iza,

in memor iam.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, princípio e razão da minha afeição.

A Nossa Senhora, por me cumular de bênçãos.

À professora orientadora Drª Maria Elisa Esteves Lopes Galvão, por muito me

compreender e conduzir com profunda competência intelectual.

Aos professores Dr. Sérgio Roberto Nobre e Drª Vera Helena Giusti de Souza

por aceitarem fazer parte da banca examinadora, o que muito enobreceu este

trabalho.

Aos professores das disciplinas de Metodologia e Atividade de Pesquisa, pela

preciosa condução e trânsito nos meandros da pesquisa acadêmica.

À professora Drª Eline Dias Moreira, fonte de inspiração na tarefa de ensinar.

Aos amigos mestrandos que juntos participamos das disciplinas, colaborando

mutuamente com empenho e disposição.

Ao meu filho querido, pela presença espaçosa e alegre. Te amo muito.

À amiga Marisa de Britto, pela ajuda na revisão deste trabalho.

Às irmãs e fraternas Maria Alice, Madrinha, Ana, Beatriz, Maria, Marli, Miriam,

Marta, Marta Maria, Márcia, Cecília, Iracema, Patrícia, Suely, Tânia e Tânia Shan,

pela afetuosa companhia e precisa referência na caminhada da vida.

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RESUMO

Nosso objetivo, com esse trabalho, é analisar, de maneira didática e por meio

de uma sequência de exemplos provenientes de diferentes momentos da História da

Matemática, as assimetrias entre o desenvolvimento das técnicas e a construção do

conceito de área de figuras planas desde a Antiguidade até a formalização do

conceito de integração. Entendemos que a reflexão sobre a origem dos conceitos

matemáticos, apresentados por meio de um recorte histórico reescrito para este fim,

possa estimular a construção de significados a fim de aprofundar o entendimento do

pensamento matemático e facilitar a compreensão e apropriação desses conceitos. A

apresentação histórica sugerida neste trabalho passa pelo viés da assimetria entre a

técnica e a elaboração formal dos conceitos. Considerando tal motivação, elaboramos

a questão de pesquisa: “Quais e como aconteceram, ao longo do tempo histórico da

Matemática, as assimetrias entre técnicas e conceitos relativos ao cálculo de áreas?”.

Para tanto, fizemos um recorte bibliográfico destacando exemplos de estratégias ou

técnicas de cálculo de áreas desde a antiguidade até a formalização do conceito de

integral. Observamos, nos exemplos selecionados nesse recorte, a crescente

sofisticação das técnicas e evolução do conceito. Para orientar nossa pesquisa

encontramos suporte teórico e propostas de utilização da História do ensino da

Matemática em Radford, Furinghetti e Radford e Miguel e Miorim. As mediações

assimétricas compiladas ao longo da pesquisa poderão, eventualmente, ser utilizadas

em sala de aula como elementos facilitadores no processo de entendimento do

pensamento matemático, da compreensão e apropriação dos conceitos relativos ao

Cálculo Integral.

Palavras-chave: Integral, Áreas, História, Técnica, Conceito.

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ABSTRACT

The objective of this piece of research is to analyze in a didactic way the

asymmetry between the techniques development and the construction of the concept

of area of plane figures from ancient times up to the formalization of the integration

concept by means of a sequence of examples taken from different moments of the

history of Mathematics. We believe that the reflection on the origin of the mathematical

concepts presented through a historical cut rewritten for that purpose may stimulate

the construction of meanings so as to deepen the comprehension of the mathematical

thought and facilitate the understanding and learning of those concepts. The

suggested historical presentation goes through the asymmetry between technique and

the formal elaboration of the concepts. Considering such motivation, the question of

the research was elaborated: “What are and how did the asymmetries between

techniques and concepts related to the areas calculus occur? In order to answer that,

we made a bibliographical selection, pointing out examples of strategies and

techniques of areas calculus from ancient times up to the formalization of the integral

concept. We noticed in the examples taken from this selection, a growing

sophistication of the techniques and of the concept evolution. I got theoretical support

and proposals of using the History of Mathematics teaching to guide my research in

Radford , Furinghetti and Radford and Miguel and Miorim. The asymmetric mediations

compiled throughout the research may be used in classroom teaching as facilitating

elements in the process of comprehending the mathematical thought and of

understanding and learning the concepts related to the Integral Calculus.

Key-words: Integral, Areas, History, Technique, Concept.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1

1. REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 7

1.1 ASSIMETRIA PRESENTE NO DESENVOLVIMENTO HUMANO ................................................. 7

1.2 HISTÓRIA COMO RECURSO EM SALA DE AULA ................................................................. 10

1.3 “HISTÓRIA” DA HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA .................................................... 11

1.4 HISTÓRIA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA ............................................. 17

1.5 ESTUDO DAS QUADRATURAS ....................................................................................... 19

1.6 DIFICULDADES NO ENSINO DO CÁLCULO ....................................................................... 20

2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS................................................................................... 22

2.1 FILOGÊNESE VERSUS ONTOGÊNESE - TEORIA DA RECAPITULAÇÃO .................................. 23

2.2 MÉTODO GENÉTICO OU METODOLOGIA GENÉTICA ........................................................ 25

2.3 PERSPECTIVAS TEÓRICAS SOBRE A UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA NA ED. MATEMÁTICA ........... 29

2.4 ABORDAGEM “NATURAL” .............................................................................................. 32

2.5 A EVOLUÇÃO DO “CONCEITO” NA MATEMÁTICA ............................................................... 33

A ELABORAÇÃO DO CONCEITO GENÉRICO ________________________________________________ 34

O EMPIRISMO LÓGICO E O CONHECIMENTO MATEMÁTICO _____________________________________ 34

2.6 AS NOSSAS ESCOLHAS ................................................................................................ 35

3. ÁREAS NA ANTIGUIDADE .......................................................................................... 37

3.1 A MATEMÁTICA NO EGITO ANTIGO ............................................................................... 39

3.2 A MATEMÁTICA NA MESOPOTÂMIA................................................................................ 43

3.3 A MATEMÁTICA NA GRÉCIA .......................................................................................... 47

QUADRATURAS DE FIGURAS POLIGONAIS _________________________________________________ 50

A ESCOLA DE ALEXANDRIA – EUCLIDES, APOLÔNIO E ARQUIMEDES _____________________________ 56

EUCLIDES (330 - 260 A.C.) __________________________________________________________ 57

APOLÔNIO (262 -190 A.C.) __________________________________________________________ 65

4. ARQUIMEDES - O PRECURSOR DO CÁLCULO INTEGRAL ................................. 68

4.1 ÁREAS E AS PRIMEIRAS IDEIAS DA INTEGRAÇÃO ............................................................. 68

4.2 MÉTODO DA EXAUSTÃO – CÍRCULO E SEGMENTO PARABÓLICO Y=X2 ................................ 69

ÁREA DO CÍRCULO UTILIZANDO O MÉTODO DA EXAUSTÃO _____________________________________ 70

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ÁREA DO SEGMENTO PARABÓLICO Y=X2 UTILIZANDO O MÉTODO DA EXAUSTÃO ______________________ 73

4.3 MÉTODO MECÂNICO - SEGMENTO PARABÓLICO Y=X2 ...................................................... 74

4.4 MÉTODO DE INTEGRAÇÃO DE ARQUIMEDES - SEGMENTO PARABÓLICO Y=X2 ..................... 76

5. O CÁLCULO NOS SÉCULOS XIV, XVI E XVII ........................................................ 80

5.1 A IDADE MÉDIA .......................................................................................................... 80

NICOLE ORESME (1323 –1382) _______________________________________________________ 80

5.2 A IDADE DOS GÊNIOS ................................................................................................. 82

OS INDIVISÍVEIS E OS INFINITESIMAIS ____________________________________________________ 86

CAVALIERE (1598-1647) ____________________________________________________________ 87

ROBERVAL (1602-1675) ____________________________________________________________ 91

PASCAL (1623-1662) ______________________________________________________________ 95

KEPLER (1571-1630) ______________________________________________________________ 97

TORRICELI (1608-1647) ____________________________________________________________ 98

FERMAT (1601- 1665) ______________________________________________________________ 99

WALLIS (1616-1703) ______________________________________________________________ 102

BARROW (1630-1667) ____________________________________________________________ 105

NEWTON (1643-1727)_____________________________________________________________ 110

LEIBNIZ (1646-1716) ______________________________________________________________ 114

6. FORMALIZAÇÃO DO CONCEITO DE ÁREAS ...................................................... 119

6.1 ÁREAS DE REGIÕES POLIGONAIS ................................................................................ 119

6.2 ÁREAS DE REGIÕES DELIMITADAS POR GRÁFICOS DE FUNÇÕES ...................................... 121

7. FORMALIZAÇÃO DO CONCEITO DE INTEGRAL ................................................ 124

7.1 BREVE PASSAGEM PELO CÁLCULO NO SÉCULO XVIII ................................................... 124

7. 2 FORMALIZAÇÃO DO CONCEITO DE INTEGRAL ............................................................... 126

CAUCHY (1789-1857) _____________________________________________________________ 126

RIEMANN (1826-1866) ____________________________________________________________ 130

8. ANÁLISE................................................................................................................ 133

CONCLUSÃO ____________________________________________________________________ 135

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 142

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: ILUSTRAÇÃO DO PROBLEMA 24 DO PAPIRO DO CAIRO. ................................................................. 40

FIGURA 2: DIAGRAMA REDESENHADO A PARTIR DO PROBLEMA 48 DO PAPIRO DE RHIND................................. 41

FIGURA 3: REPRODUÇÃO DA FIGURA DO PAPIRO DO CAIRO [PARKER, 1972, PLATE 12] ................................. 42

FIGURA 4: REPRODUÇÃO DA FIGURA DO PAPIRO DO CAIRO [PARKER, 1972, PLATE 14] ................................. 42

FIGURA 5: ILUSTRAÇÃO DO PROBLEMA ENCONTRADO NO TABLETE YBC4608. .............................................. 44

FIGURA 6: ILUSTRAÇÃO DO PROBLEMA ENCONTRADO NO TABLETE BM85194. .............................................. 45

FIGURA 7: ILUSTRAÇÃO DA PROVA GEOMÉTRICA DO TEOREMA DE PITÁGORAS. .............................................. 49

FIGURA 8: QUADRATURA DOS TRIÂNGULOS. ............................................................................................... 51

FIGURA 9: QUADRATURA DOS QUADRILÁTEROS. ......................................................................................... 51

FIGURA 10: LUAS DE HIPÓCRATES. ............................................................................................................ 52

FIGURA 11: LUAS DE HIPÓCRATES. ............................................................................................................ 53

FIGURA 12: PRINCÍPIO DE EUDOXO EM NOTAÇÃO ATUAL DOS LIMITES. .......................................................... 55

FIGURA 13: PROPRIEDADES DOS PARALELOGRAMOS POR CONGRUÊNCIA. .................................................... 59

FIGURA 14: EQUIVALÊNCIA DE ÁREAS DE TRIÂNGULOS. ............................................................................... 59

FIGURA 15: EQUIVALÊNCIA DE ÁREAS DE TRIÂNGULOS POR CONGRUÊNCIA. .................................................. 60

FIGURA 16: DEMONSTRAÇÃO DO TEOREMA DE PITÁGORAS POR EUCLIDES. .................................................. 60

FIGURA 17: DECOMPOSIÇÃO E EQUIVALÊNCIA DE ÁREAS. ............................................................................ 61

FIGURA 18: PROPOSIÇÃO 4 - DECOMPOSIÇÃO E EQUIVALÊNCIA DE ÁREAS. ................................................... 61

FIGURA 19: PROPOSIÇÃO 5 - DECOMPOSIÇÃO E EQUIVALÊNCIA DE ÁREAS. ................................................... 62

FIGURA 20: PROPOSIÇÃO 9 - DECOMPOSIÇÃO E EQUIVALÊNCIA DE ÁREAS. ................................................... 62

FIGURA 21: SEMELHANÇA DE TRIÂNGULOS. ................................................................................................ 63

FIGURA 22: PARÁBOLA DE APOLÔNIO......................................................................................................... 66

FIGURA 23: ELIPSE DE APOLÔNIO. ............................................................................................................. 66

FIGURA 24: HIPÉRBOLE DE APOLÔNIO. ....................................................................................................... 67

FIGURA 25: ILUSTRAÇÃO DA QUADRATURA DO CÍRCULO FEITA POR ARQUIMEDES. ........................................ 70

FIGURA 26: ÁREA DE UM SEGMENTO PARABÓLICO – MÉTODO DA EXAUSTÃO. ............................................... 73

FIGURA 27: BALANCEANDO A ÁREA DE UM TRIÂNGULO RETO OU OBTUSO – MÉTODO MECÂNICO. ................... 75

FIGURA 28: BALANCEANDO A ÁREA DE UM SEGMENTO PARABÓLICO – MÉTODO MECÂNICO. ........................... 76

FIGURA 29: ÁREA DE UM SEGMENTO PARABÓLICO – INTEGRAÇÃO DE ARQUIMEDES. ...................................... 77

FIGURA 30: COMPOSIÇÃO - MÉTODOS DA EXAUSTÃO E INTEGRAÇÃO DE ARQUIMEDES. ................................. 78

FIGURA 31: DISTÂNCIA PERCORRIDA POR UM OBJETO NO TEMPO AB. ........................................................... 81

FIGURA 32: ILUSTRAÇÃO DO CÁLCULO DO CENTRO DE GRAVIDADE DE UM TRIÂNGULO ENVOLVENDO ÁREAS. .... 84

FIGURA 33: ILUSTRAÇÃO RELATIVA AO CÁLCULO DE ÁREA DE UMA CURVA CONVEXA. ..................................... 84

FIGURA 34: ILUSTRAÇÃO DAS CURVAS SUPERIORES

. ....................................................... 86

FIGURA 35: ILUSTRAÇÃO DOS INDIVISÍVEIS DE CAVALIERE. .......................................................................... 88

FIGURA 36: ILUSTRAÇÃO DO TEOREMA DE CAVALIERE. ............................................................................... 88

FIGURA 37: PROPOSIÇÃO 23 DE CAVALIERE QUE TRATA DAS CURVAS .............................................. 89

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FIGURA 38: SOMATÓRIA DA SEQUÊNCIA 12 + 22 + 32 + ... + N2 ...................................................................... 94

FIGURA 39: SOMATÓRIA DAS SEQUÊNCIAS 1K+2K+3K+...+NK ....................................................................... 94

FIGURA 40: TRIÂNGULO DE PASCAL. .......................................................................................................... 95

FIGURA 41: CURVA DOS SENOS. ................................................................................................................ 96

FIGURA 42: ILUSTRAÇÃO DE PEQUENOS SÓLIDOS COMPONDO TODO O SÓLIDO. ............................................. 97

FIGURA 43: PROPOSTA DE KEPLER PARA O CÁLCULO DE ÁREAS E VOLUMES. ................................................ 97

FIGURA 44: GRÁFICOS DE VELOCIDADE-TEMPO. .......................................................................................... 98

FIGURA 45: INTEGRAÇÃO DE FERMAT PARA A CURVA ...................................................................... 99

FIGURA 46: INTEGRAÇÃO DE FERMAT PARA A CURVA ..................................................................... 100

FIGURA 47: MÉTODO DE FERMAT PARA TRAÇAR SUBTANGENTES DE PARÁBOLAS. ....................................... 101

FIGURA 48: PARALELOGRAMOS DE WALLIS PARA A CURVA .......................................................... 103

FIGURA 49: INDIVISÍVEIS DE WALLIS. ........................................................................................................ 103

FIGURA 50: PARALELOGRAMOS DE WALLIS PARA A CURVA

............................................................ 104

FIGURA 51: DERIVADA DE √ ....................................................................................................... 106

FIGURA 52: TEOREMA DE BARROW. ......................................................................................................... 107

FIGURA 53: ILUSTRAÇÃO DA EQUIVALÊNCIA DE ÁREAS NO TFC. ................................................................... 108

FIGURA 54: TEOREMA DE BARROW APLICADO À RETA .................................................................. 109

FIGURA 55: EXPANSÃO DA SÉRIE ( )

...................................................................................... 113

FIGURA 56: "TRIÂNGULO CARACTERÍSTICO" DE LEIBNIZ. ............................................................................ 115

FIGURA 57: DIFERENCIAL E INTEGRAL DE LEIBNIZ. .................................................................................... 116

FIGURA 58: REGRAS DE DIFERENCIAÇÃO DE LEIBNIZ................................................................................. 117

FIGURA 59: ÁREAS DE FIGURAS POLIGONAIS. ........................................................................................... 119

FIGURA 60: ÁREA DELIMITADA POR GRÁFICOS DE FUNÇÕES CONTÍNUAS. .................................................... 121

FIGURA 61: INTEGRAL DE CAUCHY. .......................................................................................................... 127

FIGURA 62: REGIÃO NO PLANO APROXIMADA POR RETÂNGULOS – FUNÇÃO CONTÍNUA. ................................ 128

FIGURA 63: INTEGRAL DE RIEMANN. ......................................................................................................... 130

FIGURA 64: REGIÃO APROXIMADA POR RETÂNGULOS – FUNÇÃO COM SALTO DE DESCONTINUIDADE. ............. 131

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1

INTRODUÇÃO

A ideia deste trabalho surgiu de uma experiência pessoal no processo de

aprendizagem do Cálculo Diferencial e Integral. Quando o entendimento dos

conceitos foi devidamente realizado, a manipulação das técnicas deu-se mais

eficazmente, foi facilitada a construção de novos conhecimentos com sua vasta gama

de aplicabilidade e, além disso, a disciplina tornou--se atraente a tal ponto que “[...] o

conhecimento pôde constituir sua própria recompensa” (HOZ, 1988, p.32).

Acompanhar a trajetória na evolução dos conceitos foi de fundamental

importância para o aprendizado. Dessa experiência nasceu a intenção de pesquisar,

no programa de pós-graduação da Universidade Anhanguera de São Paulo - UNIAN-

SP, as possibilidades de uso da História nos processos de ensino e de aprendizagem

da Matemática, baseado na evolução das técnicas e dos conceitos e sua importância

no ensino, em sintonia com algumas teorias de aprendizagem adequadas a uma

posterior experiência em sala de aula.

Para justificar o presente projeto de pesquisa, aliamos o interesse pessoal pelo

tema a ser investigado, já descrito anteriormente, com as perspectivas e interesses

acadêmicos, delineados no contexto do referido campo de pesquisa.

A princípio, nos pareceu que o uso da História da Matemática no ensino da

Matemática já fosse tema significativamente explorado, em face da grande produção

literária sobre esta temática. Há mais de um século, iniciou-se a produção de textos

adequados a este fim como os de Cajori (1894) ou de Zeuthen (1902) e, desde então,

temos na história uma excepcional fonte de formação humanística e informação sobre

a evolução das ideias, técnicas, conceitos e métodos matemáticos.

Até nossos dias, muitos matemáticos e educadores matemáticos têm

recolocado o problema da história como recurso pedagógico; no entanto, há ainda

muito a refletir sobre como utilizar os recursos da História nos processos de ensino e

de aprendizagem da Matemática. Schubring (2011) destaca como uma questão

pendente na área da Educação, as pesquisas relativas à integração de elementos

históricos nos processos de ensino e de aprendizagem da Matemática; ele cita que é

incontável, nas últimas décadas, o número de profissionais da educação favoráveis

ao uso da História da Matemática e inclusive observa que neste tema há uma rara

unanimidade entre matemáticos e educadores matemáticos que, de uma forma ou de

outra, creditam valor nessa relação. Schubring (2011) prossegue afirmando que, de

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um modo geral, não existem exemplos positivos de tal empreendimento de forma que

as expectativas permanecem grandes e ainda buscam-se adaptações de metodologia

para atender tal propósito. Nesse contexto, nossa pretensão no presente trabalho é

viabilizar um olhar sobre a História da Matemática que possa contribuir, de alguma

forma, com as práticas do ensino e da aprendizagem da Matemática, em especial do

Cálculo Integral.

Furinghetti e Radford (2002), pesquisadores muito atuantes e atuais nesse

campo de conhecimento, agrupam, conceitualmente, o desenvolvimento da

Matemática como pertencente a dois domínios importantes - psicológico e histórico –

e entendem que tais domínios devam ser articulados adequadamente, sendo o

entendimento de tal articulação um dos temas mais polêmicos da atualidade. Ou seja,

a questão fundamental que se coloca é relacionar o desenvolvimento do pensamento

matemático dos estudantes com o desenvolvimento histórico dos conceitos

matemáticos. Cada um desses domínios possui desafios e também as respectivas

ferramentas para investigá-los. Os referidos autores entendem que uma

utilização pedagógica da História da Matemática, entrelaçando o desenvolvimento e a

formulação dos conceitos matemáticos no passado com atividades planejadas de sala

de aula, pode facilitar o desenvolvimento do pensamento matemático dos estudantes.

Para uma melhor compreensão desse cenário avaliamos, nas considerações teóricas,

as posturas mais discutidas nas pesquisas sobre o assunto, ao longo do último

século, quais sejam: a “Teoria da Recapitulação ou Paralelismo Ontofilogenético” e o

“Método Genético ou Metodologia Genética”, com suas respectivas aplicações.

David Tall (2004), pesquisador inglês com larga experiência no ensino do

Cálculo, defende que a introdução de um conceito matemático não deve ser feito por

meio da definição formal, visto que, em geral, a construção histórica dos conceitos

matemáticos mais avançados não se deu logicamente encadeada e formalmente

correta. As teorias matemáticas introduzidas pela definição formal não estimula a

compreensão significativa do encadeamento lógico da mesma e, portanto, dificulta

aos alunos a capacidade de estabelecer relações de forma autônoma com a própria

teoria em questão e com as demais.

Finalmente, de forma bem abrangente, incluímos na fundamentação teórica,

sob o título “A evolução do conceito na Matemática”, um pequeno referencial de

abordagens elaboradas por eminentes pesquisadores como Tuomela (1973), Cassirer

(1923), dentre outros. Trata-se, a princípio, da elaboração de um conceito de qualquer

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natureza, não necessariamente um conceito matemático, que passa,

obrigatoriamente, por um processo de geração de conhecimento atribuído à faculdade

do entendimento contraposto à intuição proveniente da sensibilidade. A função do

entendimento é exatamente determinar, por meio de conceitos – de modo mediato,

aquilo que é dado na intuição. Assim, a lógica matemática, função do pensamento,

seria a base sólida para a construção do conhecimento matemático. No âmbito da

filosofia, muito se tem estudado sobre as diferentes abordagens da origem do

conhecimento. Foram muitos os filósofos e pensadores que trataram da epistemologia

e, em especial, da natureza, origem e transformação do conhecimento matemático.

A partir das inspirações obtidas pelas leituras acima descritas, entendemos,

assim como Brolezzi (1991), que “a ordem lógica mais adequada para o ensino de

Matemática não é a do conhecimento matemático sistematizado, mas sim aquela que

revela a Matemática enquanto Ciência em construção”, construção esta que pode ser

explorada pelas mediações assimétricas entre as técnicas e os conceitos no processo

construção do conhecimento matemático. Desta forma, acreditamos haver entre o

ensino da Matemática e a História da Matemática uma relação que, se devidamente

explorada, pode favorecer o conhecimento matemático construído na História e o

conhecimento reconstruído no processo de aprendizagem da mesma.

Para justificar a proposta do nosso trabalho, nos baseamos numa pesquisa

conduzida por Souto (2010) que trata de relacionar os trabalhos acadêmicos

produzidos no Brasil, nos últimos cinco anos, no campo da História da Matemática, a

partir de informações disponíveis nos Anais do ELBHM (Encontro Luso-Brasileiro de

História da Matemática) ocorrido em 2007 e dos SNHM (Seminários Nacionais de

História da Matemática) ocorridos em 2003, 2005 e 2007. Para contextualizar o

trabalho, a autora teceu considerações sobre o movimento de História da Matemática

no Brasil, que vem se consolidando há aproximadamente 15 anos. Desde 1980,

algumas teses têm tratado do assunto sendo que os nomes Clóvis Pereira da Silva,

Circe Mary Silva, Fernando Raul de Assis Neto, Sérgio Roberto Nobre, Antônio Miguel

e Ângela Miorim, dentre outros, deram valiosas contribuições para impulsionar o

movimento em torno do tema. Foi destaque também a criação dos grupos de estudo,

a saber: GPHM-UNESP-Rio Claro em 1995, HiFEM-UNICAMP em 1996, GHEMAT-

PUC SP-UNIBAN em 2000 e GHOEM-UNESP-Bauru em 2002, além das revistas e

periódicos criados que também fomentaram o interesse de pesquisa na área. A

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fundamentação teórica de Miguel e Miorim (2004), que discute as diferenças

conceituais entre os campos História da Matemática, História da Educação

Matemática e História na Educação Matemática, permitiu que a autora classificasse

os relatos acadêmicos pesquisados em três categorias. As categorias História da

Matemática e História da Educação Matemática constituem disciplinas autônomas de

História, enquanto que na categoria História na Educação Matemática, todos os

assuntos objetos da Educação Matemática são permeados por fatos e contextos

históricos. Os relatos acadêmicos da categoria História na Educação Matemática

contabilizaram apenas 12 dos 115 trabalhos estudados, que por sua vez foram

agrupados em “trabalhos que apresentam reflexões teóricas a respeito das

contribuições da História para a Educação Matemática” e “trabalhos que contemplam

situações de ensino e aprendizagem com apoio na História da Matemática”, conforme

critérios explicitados pela autora. A análise qualitativa dos 12 trabalhos relativos à

História na Educação Matemática mostrou que apenas pequena porção deles tratou

de situações de ensino e aprendizagem. Ao final do trabalho, a autora inferiu as

asserções de conhecimento apresentadas a seguir:

o campo da História na Educação Matemática, no Brasil, é ainda pouco

explorado, apesar de ser insistentemente recomendada nos currículos e

documentos reguladores da Educação Básica nos diferentes níveis de

ensino;

a produção acadêmico-científica é ainda incipiente, apenas 13% dos

estudos pesquisados tratam da participação da História da Matemática em

situações de ensino;

a defesa das potencialidades didáticas da História da Matemática ainda

não se materializou em experiências ou investigações que promovam

efetivamente essa articulação.

A justificativa da nossa pesquisa se fortaleceu a partir das conclusões de Souto

no âmbito desse contexto acadêmico no Brasil.

A questão do nosso trabalho de pesquisa “Quais e como aconteceram, ao

longo do tempo histórico da Matemática, as assimetrias entre as técnicas e os

conceitos relativos ao Cálculo Integral?” nasceu dessa percepção de que ainda não

se materializaram em experiências e investigações, os discursos acadêmicos

veiculados sobre as potencialidades didáticas da História na Educação Matemática. A

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partir da compreensão dos textos históricos já constituídos, queremos explorar a

assimetria observada entre as técnicas e a elaboração dos conceitos envolvidos no

processo da gênese e transformação do conhecimento, como eventual recurso para o

ensino e a aprendizagem do Cálculo Integral em sala de aula. Procuramos validar

nossa questão de pesquisa com posições favoráveis ou não à utilização da História

no processo de ensino e aprendizagem, a partir do posicionamento acadêmico de

alguns autores referenciados a seguir.

A metodologia de caráter bibliográfico destacou da literatura disponível,

recortes e exemplos de cálculo de áreas desde a Antiguidade até a formalização do

conceito de integração.

No capítulo 1, discorremos sobre as linhas de inspiração do nosso projeto,

destacando as abordagens de Victor Garcia Hoz (1988) e Nilson José Machado (2009

e 2010), ambos educadores de épocas e países distintos, sobre os processos de

ensino e de aprendizagem. Em seguida, procedemos a uma revisão bibliográfica

baseada em alguns artigos e dissertações que exploram a História como recurso

pedagógico, obras nas quais descobrimos preocupações similares às nossas ou que

nos auxiliaram no entendimento das mesmas. Destacamos a leitura de Antonio Miguel

(1993) que faz uma análise das perspectivas do último século favoráveis ou não à

utilização da História como recurso nos processos de ensino e de aprendizagem.

Nas considerações teóricas, capítulo 2, reunimos fundamentos de pesquisas

atuais conduzidas por Radford e Furinghetti (2002), Miguel e Miorim (2004), que

recomendam a utilização da História no ensino da Matemática e propõem métodos

para tal implementação. Incluímos também considerações de David Tall (2004) sobre

pesquisas relacionadas diretamente com o ensino do Cálculo, que sugerem o

desenvolvimento natural das ideias fundamentais do Cálculo, a partir de suas origens

práticas. Por fim, fazemos uma passagem por algumas discussões e autores que

tratam da evolução do “conceito” do próprio conceito matemático.

No capítulo 3, procedemos aos recortes bibliográficos da História da

Matemática na Antiguidade relacionados ao cálculo de áreas, com ênfase nas

técnicas e no desenvolvimento dos conceitos envolvidos.

Arquimedes, apesar de inserido no contexto da Antiguidade, constitui o capítulo

4, à parte, dada sua importância no desenvolvimento do Cálculo Integral.

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No capítulo 5, focamos nossa pesquisa na Idade Média e nos séculos XVI e

XVII, onde floresceu e se formalizou o Cálculo Integral na Europa. Newton e Leibniz

foram os responsáveis pelo início da fundamentação conceitual.

Nos capítulos 6 e 7, discorremos sobre as definições da função área e de

integral definida devida a Cauchy e Riemann, que constam em textos atuais.

Relacionamos também alguns detalhes dos trabalhos relativos ao Cálculo no século

XVIII.

Finalmente, no Capítulo 8, analisamos os exemplos selecionados no percurso

histórico do desenvolvimento do Cálculo Integral, do ponto de vista das assimetrias

observadas entre as técnicas de cálculo de áreas até a formalização do Cálculo

Integral. As assimetrias, no nosso trabalho, estão fortemente identificadas com a ideia

da falta de proporção entre as partes de um objeto, ou seja, ressaltamos a

desproporção no tempo, os descompassos observados na trajetória histórica da

construção destes conceitos. Tais mediações assimétricas poderão, eventualmente,

ser utilizadas em sala de aula como elementos facilitadores no processo de

entendimento do pensamento matemático, da compreensão e apropriação dos

conceitos relativos ao Cálculo Integral.

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1. REVISÃO DE LITERATURA

Nas linhas de inspiração do nosso projeto, destacamos duas abordagens que

nos ajudaram a aprofundar a importância e relevância do assunto a ser investigado

em relação às perspectivas científicas e pessoais do trabalho proposto. As

ponderações de Victor Garcia Hoz e Nilson José Machado, ambos educadores de

épocas e países distintos, são justapostas no que diz respeito a uma educação

construída na teia da reflexão, dentro de um contexto sociocultural abrangente.

Após apresentar, brevemente, as ideias centrais de Hoz e Machado que

constituem as diretivas do nosso projeto, procedemos a uma revisão bibliográfica, na

qual descobrimos preocupações similares às nossas ou que nos auxiliaram no

entendimento das questões levantadas inicialmente. Dentre as referências

bibliográficas que julgamos mais importantes, figura uma leitura detalhada da tese de

Antonio Miguel (1993), que buscou na literatura do último século o posicionamento de

vários autores sobre o uso e maneiras de aplicar a História aos processos de ensino e

de aprendizagem da Matemática.

Das demais leituras, selecionamos alguns artigos e trabalhos acadêmicos mais

recentes que, de uma forma ou de outra, muito contribuíram para o encaminhamento

do trabalho na busca de resposta à nossa questão de pesquisa.

1.1 Assimetria presente no desenvolvimento humano

Hoz (1988) observa que a sociedade ocidental acentuou a assimetria presente

no desenvolvimento humano, situada em dois campos diferentes: o da técnica e o do

pensamento. Desde a sociedade pós-industrial, o aspecto técnico e material

desenvolve-se de maneira extraordinária, enquanto o pensamento não tem tempo

suficiente para ser questionado, transformado e assimilado, até que chegue a orientar

os comportamentos humanos. “A anormalidade agrava-se se levarmos em conta que

a função própria da inteligência é orientar a ação do homem; mas justamente a época

que vivemos está na situação dramática de que o menos orientado é o pensamento,

que deveria ser o orientador” (HOZ, 1988, p.28). O desenvolvimento da técnica dá-se

numa sequência linear, na qual cada conquista serve como ponto de partida para a

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seguinte. O contrário ocorre com o pensamento, que caminha numa espécie de fluxo

e refluxo, no qual novas teorias rejeitam ou substituem as anteriores, o que torna mais

lento o progresso do pensar. “Existencialismo, neopositivismo, estruturalismo,

neomarxismo, filosofia hermenêutica, são alguns dos modos de pensar que nasceram

e agonizaram na época moderna” (HOZ, 1988, p.22).

Compreendemos que o ‘pensamento’, entendido nessa dimensão cultural,

influencia o processo de reflexão e elaboração dos conceitos matemáticos. Assim, o

descompasso observado entre os dois caminhos – técnica e pensamento – que

consideraremos como assimetria histórica - também manifestado na educação pós-

moderna, demanda do professor o desafio de estimular a capacidade reflexiva dos

alunos para compreender e se apropriar dos conceitos matemáticos, objetos de

estudo em sala de aula.

As instituições escolares adotaram processos próprios do mundo industrial,

conforme observa Hoz (1988). O rápido desenvolvimento das Ciências influenciou

uma divisão progressiva das matérias, criando uma fragmentação. Em relação ao

ensino da Matemática, em especial, Morris Kline (1972, p. VII-IX apud MIGUEL, 1993)

corrobora o pensamento de HOZ quando afirma que “A matemática, a despeito de

sua compartimentalização em centenas de campos, é uma unidade que possui seus

problemas e objetivos principais, [...] para cuja força vital, a indissolúvel união das

partes é uma condição necessária”. Ainda nesse contexto, Kline afirma que “A história

pode fornecer uma perspectiva para a matéria como um todo e relacionar os

conteúdos dos cursos não apenas uns com os outros como também com o corpo,

com o núcleo principal do pensamento matemático”.

A fragmentação das disciplinas a que nos referimos está relacionada com uma

série de iniciativas de reformas curriculares para o ensino, propostas no nível

internacional, para atender a necessidade de preparação de mão de obra qualificada

para atuar nos ambientes pós-guerras, marcados pela racionalidade técnico-científica

e pela competitividade comercial e militar. Em relação à Matemática, em especial, os

resultados de vários trabalhos produzidos na época foram apresentados no Seminário

de Raymond, em 1959, na França, objetivando promover uma reforma generalizada

do ensino desta matéria, ao que se deu o nome de MMM - Movimento da Matemática

Moderna. Além da grande ênfase à reforma curricular, à linguagem e ao rigor

matemático, uma das iniciativas importantes deste movimento, exatamente na

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contramão da compartimentalização das disciplinas, foi a de agrupar a Aritmética, a

Geometria e a Álgebra numa única matéria – a Matemática.

Retomando, Hoz reafirma sua convicção de que frente a tantas informações

fragmentadas em tantas disciplinas, o aluno, mal orientado, deixa de usar sua

capacidade reflexiva para entender a razão daquilo que se aprende. “Atualmente,

homens e mulheres são incapazes de entender plenamente o significado e a

consequência daquilo que fazem” (BOCKIN apud HOZ, 1988, p.34). Nesse cenário, a

tarefa do professor abrange mais do que atuar na direção de promover aprendizagens

concretas; sob sua orientação, o aluno deve chegar a ser capaz de exercer a

atividade intelectual própria do homem, entendida como “aprender a pensar”.

Após essas reflexões sobre o pensamento pós-moderno, com sua atitude

reducionista de ver apenas um aspecto da realidade, Hoz (1988) pondera que nossa

sociedade necessita de um novo formato de Educação, cuja marca seja a unidade no

desenvolvimento dos conhecimentos, aptidões e valores. Nesse sentido, a Educação

vai desde a aquisição de conhecimentos até a capacidade de relacionar, valorizar e

ordenar as informações, de modo a não existir verdadeiro conhecimento, a menos

que haja verdadeira relação e comparação das ideias entre si, bem como a

sistematização das mesmas. Nesse contexto, o autor apresenta uma proposta de

unidade no processo educacional, assim definida: “[ ] o conhecimento não se refere

unicamente às coisas, mas sim às suas relações com atribuição de valor e

prioridades, num processo de construção reflexiva” (HOZ, 1988, p. 33). A construção

reflexiva se dá na contramão do conhecimento fragmentado, desorganizado, que

pode até ser rico em conteúdos, mas dificilmente será chamado de formação

intelectual, isto é, um conjunto organizado de saberes que entre si constituem uma

unidade.

Seguindo na linha da educação com ênfase na reflexão e unidade de todos os

saberes, entendemos que a História da Matemática pode ajudar no processo

educacional, utilizando o viés da assimetria, ou seja, do descompasso observado na

trajetória do desenvolvimento e aprimoramento das técnicas e da elaboração dos

conceitos, de forma a dinamizar a aprendizagem em sala de aula. Tais informações,

podem eventualmente despertar, no aluno, sua capacidade reflexiva para entender a

razão, o sentido daquilo que lhe é proposto na aprendizagem da Matemática.

Dependendo da eficácia dessa reflexão, o sentido, se percebido, poderá transcender

a satisfação das necessidades de ordem material e objetiva e o aprendizado pode

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tornar-se um objeto de satisfação pessoal de tal forma que “[ ] o conhecimento pode

constituir sua própria recompensa” (HOZ, 1988, p.32).

1.2 História como recurso em sala de aula

Na abordagem de Machado (2009), o conhecimento é visto como uma

construção a partir de informações entrelaçadas em redes de significações, dentro do

universo de conhecimentos pessoais dos alunos que, por sua vez, já contempla todos

os seus saberes constituídos e todas as experiências já vividas. As redes se

interligam e misturam várias informações simultaneamente e as relações estabelecem

os significados. Assim, o conhecimento se dá dentro de uma unidade e é

individualizado, construído pelo aluno, sendo que ao bom professor cabe orientá-lo

nesta multiplicidade de relações, atribuindo maior ou menor relevância às informações

e fatos, gerando um “mapa de relevância” (MACHADO, 2010, p. 47 e 49).

As redes de significações não são estáticas, ao contrário, estão em

permanente estado de atualização, frente à inclusão de novas informações,

solicitações e prioridades que nos são apresentadas; assim, as relações constitutivas

da rede são criadas, substituídas, perdem ou ganham relevância neste dinamismo.

Um dos aspectos que influencia essa dinâmica da rede de significações é o das

informações recebidas num contexto narrativo. Machado diz que “informações são

como imagens isoladas e a narrativa é como um filme que articula as cenas em uma

trama atraente, com razão e sentimento” e, em seguida, destaca o papel do professor

e da História da Matemática no contexto de criação da narrativa:

Uma boa aula é uma história bem contada e a fonte básica para a construção de narrativas é a História. Somente um enredo bem arquitetado pode fixar significados, impedindo que uma coleção de informações relevantes dissolva-se no tempo. (MACHADO, 2009, p.107).

A partir das inspirações obtidas das leituras acima descritas e da crença na

“construção reflexiva” sugerida pelos autores, reafirmamos o propósito inicial do

presente trabalho, qual seja o de explorar e promover a utilização da História nos

processos de ensino e de aprendizagem, apresentando as mediações assimétricas

observadas na trajetória da evolução das técnicas e da formalização dos conceitos

matemáticos.

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Entendemos, assim como Brolezzi (1991), que “a ordem lógica mais adequada

para o ensino de Matemática não é a do conhecimento matemático sistematizado,

mas sim aquela que revela a Matemática enquanto Ciência em construção”.

Assim, uma vez obtidas as diretivas do projeto, demos prosseguimento à

revisão bibliográfica, partindo inicialmente, como proposto, da leitura detalhada da

tese de Antonio Miguel (1993). Prosseguimos com alguns artigos e trabalhos

acadêmicos mais recentes que, de uma forma ou de outra, muito contribuíram para o

encaminhamento do trabalho.

1.3 “História” da História na Educação Matemática

Antonio Miguel (1993) buscou na literatura do último século o posicionamento

de vários autores sobre o uso e maneiras de aplicar a História aos processos de

ensino e de aprendizagem da Matemática. Na terceira parte de sua tese A História e

o ensino-aprendizagem da Matemática, 1993, Miguel estabeleceu o propósito de

resgatar a própria “história” da relação da Matemática com a História, por meio de

levantamentos e análises dos diferentes papéis pedagógicos atribuídos à História, por

historiadores, matemáticos e educadores matemáticos. A “história” começa com

Alexis Claude Clairaut que, em 1741, publicou o livro Eléments de Geometria, no qual

propunha um caminho de aprendizagem semelhante àquele percorrido pela

humanidade na aquisição dos conceitos e leis matemáticas. De Clairaut até nossos

dias atuais, muitos matemáticos e educadores matemáticos discutem o problema da

história como recurso pedagógico.

Do trabalho de Miguel, que buscou na literatura do último século o

posicionamento de vários autores sobre o uso da História aplicada aos processos de

ensino e de aprendizagem da Matemática, selecionamos e apresentamos abaixo,

muito resumidamente, as principais justificativas e fundamentos de várias abordagens

sobre o tema.

Miguel apresenta a primeira abordagem do uso da História, resumida no tópico

“História como guia metodológico”, com base no trabalho de Félix Klein, publicado em

alemão, 1908, e em inglês, 1945, que evidencia preocupações com os

desenvolvimentos dos conteúdos da matéria instrucional. Klein procurou seguir “o

desenvolvimento histórico de várias teorias a fim de compreender as marcantes

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diferenças nos métodos de apresentação, quando confrontados com os demais

métodos presentes na instrução atual” (KLEIN, 1945 apud MIGUEL, 1993). Klein

observou uma dissonância entre os métodos de produção do conhecimento e os

métodos de apresentação dos conteúdos matemáticos que era seu objeto de

interesse. Para defender seu ponto de vista, recorreu ao “princípio genético” que será

apresentado, posteriormente, nas considerações teóricas. Klein foi motivado, entre

outras razões, pelo descompasso entre o conteúdo enquanto tratado na formação do

professor e na sua adequação à tarefa de ensiná-lo.

No tópico “História como conscientização epistemológica”, Miguel apresenta a

segunda abordagem sobre o uso da História aplicada aos processos de ensino e de

aprendizagem da Matemática, baseada no livro Science et Méthode, de Henri

Poncaré, 1908; nesta publicação, Poincaré reúne diversos estudos que se relacionam

com metodologia científica. Num determinado ponto, surge a questão: “Por que as

crianças frequentemente não conseguem compreender aquelas definições que

satisfazem os matemáticos?”. Numa tentativa de solução, Poincaré sugere que o

professor faça uma concessão e recorra à História enquanto o aluno desenvolve sua

maturidade psicológica para o entendimento dos padrões de rigor da Matemática. Ou

seja, com Poincaré, a função didática da História assume dimensão psicológica, que

consiste na possibilidade de se trazer para o plano da consciência do aluno, o

raciocínio dedutivo dos conceitos matemáticos.

Na terceira abordagem sobre o uso da História aplicada aos processos de

ensino e de aprendizagem da Matemática, sob o título “História como explicação dos

porquês”, Miguel explora o livro de P. S. Jones, A história da Matemática como

ferramenta de ensino, de 1969. Jones acredita que a função pedagógica fundamental

da História está na possibilidade de desenvolvimento de um ensino baseado na

compreensão e no significado, com abertura para o levantamento e a discussão dos

porquês, isto é, das razões para a aceitação de certos fatos, raciocínios e

procedimentos. Ele identifica três categorias de porquês, a saber:

Porquês cronológicos que responderiam questões do tipo “Por que há 60

segundos em 1 minuto?”, “Por que uma circunferência possui 360 graus?”.

Porquês lógicos são as explicações cuja aceitação baseia-se na

decorrência lógica de proposições previamente aceitas, assim “Por que o

produto de dois números negativos é um número positivo?”.

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Porquês pedagógicos que responderiam questões do tipo “Por que você

ensina desse jeito, com esse método?”.

Para Jones (1969 apud MIGUEL, 1993), a História não só pode como deve ser

o fio condutor que amarraria as explicações que poderiam ser dadas aos porquês de

qualquer uma das três categorias. Com essa utilização adequada, a História revela

seu poder para um ensino e uma aprendizagem da Matemática baseados na

compreensão e na significação, atendendo a uma série de objetivos que, segundo

ele, seria desejável que estivessem presentes na formação do homem

contemporâneo.

As razões pelas quais as pessoas fazem matemática, segundo o autor, estão

relacionadas:

às conexões existentes entre matemática e filosofia, religião, o mundo

físico e a lógica, dentre outros;

ao papel desempenhado pela abstração e pela generalização;

à natureza de uma estrutura, de uma axiomatização, de uma prova;

às necessidades práticas, sociais, econômicas e físicas, que servem de

estímulo ao desenvolvimento da matemática;

outros.

Na quarta abordagem sobre o uso da História aplicada aos processos de

ensino e de aprendizagem da Matemática, sob o título “História e seu papel

unificador-ético-axiológico”, Miguel apoia-se no livro O Fracasso da Matemática

Moderna, de Morris Kline, 1973, e também em outros artigos de sua autoria. Kline

afirma que o papel pedagógico da História insinua-se como um argumento para a

defesa de uma abordagem intuitiva da Matemática na escola, em contraposição à

abordagem dedutiva. O autor sustenta que conceitos e teorias matemáticas passam

por um processo de transformação, ao longo do qual um tratamento intuitivo e

ingênuo dos mesmos sempre antecede a abordagem formalizada. “Não há muita

dúvida de que as dificuldades que os grandes matemáticos encontram são

precisamente os tropeços que os estudantes experimentam e que nenhum esforço

para eliminá-los com verbosidade lógica pode ser bem sucedido” (KLINE, 1976, p.60

apud MIGUEL, 1993). Outro aspecto fundamental assenta-se no fato de que a

percepção, por parte do aprendiz, dos erros, das lacunas e das hesitações dos

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grandes matemáticos, pode gerar nele o desenvolvimento de atitudes positivas, quais

sejam a coragem, a persistência e a tenacidade necessárias para o enfrentamento de

problemas, na busca de soluções satisfatórias.

Outro aspecto que Kline defende diz respeito à unidade das ciências

matemáticas. “A Matemática, a despeito de sua compartimentalização em centenas

de campos, é uma unidade que possui seus problemas e objetivos principais, [...] para

cuja força vital, a indissolúvel união das partes é uma condição necessária”. Ainda

neste contexto, Kline afirma que “A história pode fornecer uma perspectiva para a

matéria como um todo e relacionar os conteúdos dos cursos não apenas uns com os

outros como também com o corpo, com o núcleo principal do pensamento

matemático” (KLINE, 1972, p. VII-IX apud MIGUEL, 1993).

No tópico “História como fonte de motivação”, Miguel apresenta a quinta

abordagem sobre o uso da História aplicada aos processos de ensino e de

aprendizagem da Matemática. Desde 1984, nas várias sessões do ICMI - Congresso

Internacional de Educação Matemática, a motivação aparece vinculada ao ato

cognitivo da solução de um problema. Um problema vinculado à História teria seu

potencial motivador elevado. Swetz (1984), um dos defensores da utilização da

História no ensino via a resolução de problemas históricos, apresenta algumas razões

para fundamentar sua posição. Para ele, os problemas históricos:

possibilitam o esclarecimento e o reforço de muitos conceitos que estão

sendo ensinados;

constituem-se em veículos de informação cultural e sociológica;

refletem as preocupações práticas ou teóricas das diferentes culturas em

diferentes momentos históricos;

constituem-se em meio de aferimento da habilidade matemática de nossos

antepassados;

permitem mostrar a existência de uma analogia ou continuidade entre os

conceitos e processos matemáticos do passado e do presente.

No entanto, Miguel conclui que a categoria motivação constitui-se numa

instância problemática de justificação para a incorporação da História no ensino, pois

“o aspecto motivador de um problema não reside no fato dele ser histórico, mas no

maior ou menor grau de desafio oferecido pelo problema, no modo como o desafio é

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percebido pelo aprendiz, no tipo de relações que se estabelecem entre o desafio e os

valores, interesses e aptidões socialmente construídos por ele” (MIGUEL, 1993).

Na sexta abordagem sobre o uso da História aplicada aos processos de ensino e

de aprendizagem da Matemática, Miguel compilou as argumentações de Zuniga, para

quem “a função didática da História não pode ser desvinculada daquele que diz

respeito à natureza mais profunda da matemática, isto é, às considerações de caráter

filosófico-metodológicas desse campo do conhecimento” (ZUNIGA, 1987, p.18 apud

MIGUEL, 1993). No seu entender, três ideias estariam na base de uma nova atitude

no plano da filosofia da matemática:

a diversidade teórica das matemáticas, isto é, ruptura com o postulado da

existência de uma unidade entre os campos distintos da Matemática;

a defesa do caráter empírico das matemáticas, identificando-as como

ciências naturais;

a defesa de que o conhecimento resulta de uma síntese da dialética de

três fatores fundamentalmente importantes: o sujeito, a sociedade e o

objeto material.

Segundo o autor, essas novas atitudes filosóficas justificariam a importância da

História no ensino concreto das matemáticas e salienta que é de fundamental

importância usar a ordem histórica da construção matemática para facilitar uma

melhor assimilação, durante a reconstrução teórica. Zuniga acrescenta duas outras

funções no desenvolvimento histórico e conclui que a História pode e deve cumprir

seu papel de:

revelação da natureza última da matemática – conforme explicitado acima;

revelação do sentido dos conceitos;

fator motivador.

Na sétima abordagem sobre o uso da História aplicada aos processos de

ensino e de aprendizagem da Matemática, Miguel apresenta a posição defendida

pelos professores que compõem o Seminário de História e Educação Matemática, da

UNICAMP, que diz respeito à função pedagógica da História como “instrumento na

formalização de conceitos, sendo a formalização o processo de traçar caminhos para

se chegar a um determinado fim, ou seja, quando o indivíduo é capaz de traçar esses

caminhos, a formalização foi realizada” (SEBASTIANI et al., 1992 apud MIGUEL,

1993). O grupo parte do pressuposto de que a aprendizagem da Matemática deve

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ocorrer com compreensão e significado e, por isso, consideram a formalização

fundamental na obtenção de uma aprendizagem significativa e defendem que as

várias formalizações de um mesmo conceito devem constituir-se em objeto de ensino

e de aprendizagem da Matemática.

Finalmente, na oitava e última abordagem sobre o uso da História aplicada aos

processos de ensino e de aprendizagem da Matemática, Miguel reúne o pensamento

de vários matemáticos que não se mostraram otimistas a respeito das possibilidades

pedagógicas da História da Matemática. Nas décadas de 50, 60 e 70, vários

matemáticos, dentre eles Lichenerowicz, Moise, Grattan-Guinness e Byers,

publicaram trabalhos, dos quais Miguel enumerou alguns argumentos e obstáculos

que apresentamos, resumidamente, a seguir:

Necessidade de iniciar os alunos no espírito científico contemporâneo.

Choque de concepções entre o ensino pré-universitário – concepção da

matemática clássica procedente dos gregos, e a matemática ensinada nas

universidades – concepção não clássica desenvolvida nos últimos 100

anos.

Abordagens atualizadas são tidas como pedagogicamente mais

adequadas por serem, ao mesmo tempo, mais rigorosas, mais práticas e

didaticamente mais eficazes, pois conduzem aos objetivos mais

rapidamente e com menos esforço.

Ausência de literatura disponível e adequada. Byers afirma que “escrever

uma boa história da matemática escolar é, provavelmente, mais difícil que

escrever a história da matemática babilônica”.

O caminho histórico é muito mais árduo, uma vez que o aluno, se

confrontado com os problemas e soluções originais historicamente,

dispenderia um esforço grande tentando reconstituir um contexto que não

lhe é familiar.

A Matemática, produto da atividade humana, aliena-se da atividade

humana que a produziu, tornando-se um organismo vivo, em crescimento;

ela revela suas próprias leis, sua própria dialética.

Dificuldade que a criança tem de deslocar-se de seu contexto atual para

adquirir uma real compreensão do passado histórico.

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Após compilar e avaliar as várias abordagens, citadas acima, com uma grande

diversidade de opiniões a respeito da utilização pedagógica da História nas aulas de

Matemática, Miguel (1993) achou mais adequado assumir uma “posição

intermediária”, na qual ele entende que a História, apenas quando devidamente

reconstruída com fins pedagógicos e organicamente articulada com as demais

variáveis que intervêm no processo do planejamento didático, pode e deve

desempenhar um papel subsidiário em Educação Matemática.

A questão que se nos colocou, após a leitura do vasto material de Antonio

Miguel (1993), diz respeito ao alinhamento, em maior ou menor grau, das razões

pedagógicas discutidas pelos diferentes autores citados, com o compromisso

assumido no presente trabalho de favorecer a “construção reflexiva do conhecimento

matemático”. Tal questionamento acabou reforçando nossa proposta inicial da

utilização da História na Educação Matemática a partir, eventualmente, da mediação

assimétrica observada, ao longo do tempo, entre as técnicas e os conceitos relativos

ao Cálculo Integral.

1.4 História na formação do professor de Matemática

Hodgson (2011), professor da Universidade de Ontário, baseado na sua

experiência como formador de professores no Département de Mathématiques et de

Statistique em Quebec, Canadá, ressalta a necessidade da disciplina História da

Matemática no currículo para formação dos novos professores. Frente à crescente

tendência mundial de integrar elementos culturais no currículo escolar, em geral,

inclusive nas disciplinas matemáticas, o programa de governo canadense expressou

essa diretriz ao afirmar, no seu programa de ensino, que “A Cultura se apresenta com

um tipo de ‘sensibilidade’ que permite [ao aluno] definir uma relação com o mundo,

consigo mesmo e com os outros” (Ministère de l’Education – Quebec, 2001) e

também, ao incluir nos currículos escolares de primeiro e segundo graus, referências

culturais precisas com um considerável conteúdo histórico da Matemática. O

chamado conhecimento cultural matemático mais fundamental inclui tópicos como

números (origem, diferentes tipos, desenvolvimento dos sistemas de representação,

relações interdisciplinares e outros); figuras geométricas e suas relações com a arte,

arquitetura e outros; sistema de medidas e simbologia; períodos históricos e suas

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relações com as diversas disciplinas matemáticas - aritmética, geometria,

combinatória, estatística e outros. Muitos outros aspectos culturais da história da

Matemática podem ser utilizados, visto que a mesma é parte da herança cultural da

humanidade. O desenvolvimento da Matemática está direta ou indiretamente

relacionado com as necessidades das diferentes sociedades; assim, os conceitos

emergem num dado contexto social, cultural e científico e as “grandes ideias

matemáticas” traçam um fio condutor ao longo do tempo.

Prosseguindo, Hodgson (2011) apresenta algumas fontes de informação que

facilitam a utilização da História da Matemática na construção de sequências de

ensino da Matemática. O surgimento e a consolidação da Educação Matemática,

como um campo de investigação e especialização, tem sido de fundamental

importância nas reflexões sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática nos

últimos 50 anos. Publicações resultantes de comissões e grupos de estudo tais como

ICMI e HPM, contêm informações valiosas sobre como ensinar e aprender

Matemática utilizando recursos da sua história. O documento denominado ICMI Study

10, de 1990, é uma das mais valiosas fontes de informação sobre o uso da História da

Matemática, tanto para professores como para alunos dos cursos de formação de

professores. Para que os professores possam tomar decisões pedagógicas a respeito

da História da Matemática no ensino e na aprendizagem da Matemática, eles

precisam, naturalmente, ter autonomia e confiança em relação aos seus

conhecimentos sobre o assunto, como é o caso de qualquer outro aspecto de suas

ações profissionais. O autor conclui que, sem dúvida, este aspecto precisa de maior

consideração nos currículos de formação de professores, ainda que sejamos

testemunhas de que a História da Matemática, atualmente, esteja sendo mais bem

aceita e promovida nos círculos matemáticos e educativos.

Tal leitura motivou-nos a prosseguir a pesquisa, sem negligenciar a

possibilidade de que o resultado do nosso trabalho viesse a oferecer aos professores

alguns recursos para o trabalho em sala de aula.

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1.5 Estudo das Quadraturas

O objetivo do pesquisador Júlio Corrêa (2008), da Universidade Estadual de

Londrina, foi o de constituir uma ‘história’ sobre métodos de quadratura orientada para

a formação inicial de professores de Matemática, que servisse de base para a

problematização do assunto a ser trabalhado. O propósito não foi acrescentar

histórias sobre a Matemática ou sobre matemáticos e nem abolir a abordagem

axiomática do conceito de áreas, mas questioná-la, apontando outras possibilidades

de trabalho na sala de aula. A pergunta fundamental que norteou a pesquisa, citada

em vários pontos do trabalho, foi saber ‘em que’ o estudo histórico resultante da

pesquisa pode auxiliar na formação inicial de professores.

A principal fundamentação teórica utilizada diz respeito à utilização da “história

pedagogicamente vetorizada” defendida por Miguel e Miorim (2004). A metodologia

utilizada foi uma revisão bibliográfica que considerou aspectos de determinação de

áreas nas civilizações egípcia e babilônica, nos trabalhos de Hipócrates com as

lúnulas, de Arquimedes com o círculo e de Fermat com as hipérboles; porém, ao final,

o autor teceu considerações sobre a dificuldade na constituição da história

pedagogicamente vetorizada, proposta por Miguel e Miorim (2004), e na aplicabilidade

da pesquisa na formação do saber docente. Foram apresentadas possibilidades de

trabalhos futuros no sentido de ampliar a discussão sobre a questão-foco que norteou

a pesquisa, visto que muitos pontos ficaram em aberto no sentido de uma resposta;

porém, o trabalho deu passos nesta direção, ao produzir um contexto histórico

ampliado, permeado pelas questões socioculturais que condicionaram ou

influenciaram a construção dos conceitos de quadratura. No entender do autor, o

conhecimento produzido dessa forma pode alterar a visão de que a Matemática é

uma história de célebres resultados e de célebres matemáticos, conduzindo-a para

uma visão de história que revele a riqueza do desenvolvimento da cultura matemática,

democratizando-a para todos e inserindo-a nos demais campos de conhecimento.

A consideração do autor sobre as dificuldades encontradas na constituição da

história com fins pedagógicos e na aplicabilidade da pesquisa na formação do saber

docente deixou-nos mais atentos e cuidadosos quanto à bibliografia a ser pesquisada

e ao formato de apresentação dos resultados.

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1.6 Dificuldades no ensino do Cálculo

Neste artigo, baseado na tese O Ensino de Cálculo - dificuldade de Natureza

Epistemológica, 2003, Wanderley Rezende faz um apanhado das pesquisas relativas

às dificuldades encontradas na aprendizagem do Cálculo. O autor elencou duas

teorias sobre tais dificuldades na aprendizagem do Cálculo e, ao final, apresenta seu

entendimento a respeito. Uma das teorias considera que o problema seja de natureza

psicológica, isto é, os alunos não aprendem porque não possuem estruturas

cognitivas apropriadas que permitam assimilar a complexidade dos conceitos do

Cálculo. É o caso do grupo de pesquisadores, liderados por David Tall, que

desenvolvem trabalhos na área de “pensamento matemático avançado”. A outra

teoria defende a ideia de que tais dificuldades de aprendizagem sejam decorrentes do

processo didático, isto é, a solução residiria em se encontrar uma forma apropriada

para ensinar a disciplina de Cálculo. Esta posição é defendida pelo movimento

“Calculus Reform” em prol da reforma do ensino de Cálculo, iniciado na década de 80.

Tal movimento teve como elemento deflagrador um polêmico documento do famoso

matemático Peter Lax, que atacava os cursos de Cálculo da época. O movimento

“Calculus Reform” sugere as seguintes características básicas para o ensino do

Cálculo:

o uso de tecnologia, isto é, software computacional e calculadoras

gráficas, tanto para o aprendizado de conceitos e teoremas como para a

resolução de problemas;

o ensino via a “Regra dos Três”, isto é, todos os tópicos e todos os

problemas devem ser abordados de forma numérica, geométrica e

analítica;

grande preocupação, ou pretensão, em mostrar a aplicabilidade do

Cálculo por meio de exemplos reais e com dados referenciados;

tendência a exigir pouca competência algébrica por parte dos alunos,

suprindo essa falta com o treinamento no uso de Sistemas de

Computação Algébrica.

Ao final de várias considerações, o autor coloca sua compreensão sobre as

dificuldades de aprendizagem do Cálculo como de natureza epistemológica, sendo

que o ponto crítico estaria no processo de ensino em sentido amplo, quando omite ou

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evita as ideias básicas dos problemas construtores do Cálculo: “De fato, a ausência

das ideias e problemas essenciais do Cálculo no ensino básico de Matemática e no

próprio ensino superior, além de ser um contrassenso do ponto de vista da evolução

histórica do conhecimento matemático, é, sem dúvida, a principal fonte dos

obstáculos” (REZENDE, 2003).

O autor afirma que a atitude predominante no ensino de Cálculo é

caracterizada, então, por uma posição híbrida: por um lado, dá-se ênfase à

organização e à justificação lógica dos resultados do Cálculo; por outro, realiza-se um

treinamento exacerbado nas técnicas de integração, no cálculo de derivadas e de

limites. Diante disso, o autor entende que se precisa voltar o ensino do Cálculo para

o próprio Cálculo, os seus significados, os seus problemas construtores e suas

potencialidades. Tão importante quanto saber usar as regras de derivação e as

técnicas de integração, é saber seus significados, suas múltiplas interpretações, sua

utilidade em outros campos da Matemática e em outras áreas do conhecimento. Ou

seja, em vez de se construir os resultados e conceitos do Cálculo no nível do

conhecimento já sistematizado, o autor sugere que se deve ter em mente a

construção de significações das ideias básicas para, num momento posterior, buscar

a sistematização dos elementos dessa rede.

O cenário apresentado por Rezende (2003) fortaleceu nossa crença e

propósito de contribuir, ao menos um pouco, para o ensino do Cálculo Integral.

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2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Caminhando na perspectiva da utilização da História na Educação Matemática,

a primeira consideração teórica diz respeito às posições acadêmicas sobre a

construção do saber - filogênese versus ontogênese – analisadas sob a ótica de

Radford e Furinghetti (2002), que apresentam dois métodos amplamente difundidos –

o Recapitulacionismo e o Método Genético - entre as várias maneiras de encarar a

relação da História com as práticas do ensino e da aprendizagem da Matemática em

sala de aula. Schubring (2011) e Miguel e Miorim (2004) enriquecem a discussão

dessa consideração teórica. Ao final, os autores citados entendem que, de alguma

forma, a História deve ser reconstruída com fins pedagógicos para que se concretize

em metodologias de ensino que efetivamente façam uso da História na Educação

Matemática.

Miguel e Miorim (2004) elaboraram cinco quadros resumo que sintetizam as

experiências de pesquisadores e suas respectivas posturas epistemológicas a

respeito do conhecimento em geral. Nesse cenário, entendemos que a linha de

pesquisa associada aos trabalhos de Radford e Furinghetti, denominada por Miguel e

Miorim como sociocultural, possa oferecer argumentos que fundamentam a pesquisa

proposta no presente trabalho. Em tal perspectiva, utilizando as palavras de Miguel e

Miorim (2004, p. 132), Radford e Furinghetti entendem que deve haver entre o

passado e o presente, um diálogo sem qualquer relação de subordinação, sendo,

portanto, desvinculada da teoria do Recapitulacionismo que pressupõe uma

subordinação ou determinação mecânica do presente ao passado. Para os autores,

no diálogo que se busca realizar, as fontes que constituem objeto de investigação no

passado e no presente devem ser lidas e interpretadas, considerando-se os

condicionamentos das respectivas práticas culturais e sociais nas quais se

encontram.

Outra abordagem metodológica que nos pareceu importante na aplicação da

História na Educação Matemática diz respeito às reflexões de David Tall e Vinner

(1981) em relação à aprendizagem dos conceitos desde a formação da sua “origem

prática” até a “formalização” dos mesmos. Os autores sugerem que um conceito

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matemático não deva ser introduzido apenas com sua definição formal, mas

antecedido por uma familiarização com o conceito por meio de experiências variadas.

Finalmente, nas considerações teóricas, discutimos brevemente a evolução do

próprio “conceito matemático” de forma a facilitar a devida aplicabilidade do termo no

contexto do presente trabalho, qual seja o de acompanhar o desenvolvimento do

conhecimento matemático do cálculo integral.

2.1 Filogênese versus Ontogênese - Teoria da Recapitulação

Entre os séculos XVIII e XIX, houve muita discussão a respeito do

desenvolvimento das espécies, do ponto de vista biológico. Duas escolas de

pensamento apresentavam posições diversas a respeito do desenvolvimento do

embrião. Uma linha – ontogênese – defendia que o embrião passava por um processo

de desdobramento da estrutura - bem definida - da sua espécie, obedecendo a uma

causa “final”. Outra linha – filogênese – interpretava o embrião como um “ser” em

diversos estágios de desenvolvimento, que condensava a repetição de uma longa

série de formações dos ancestrais, obedecendo mais a uma causa “eficiente”. A

discussão sobre a gênese da espécie humana foi estendida para o campo

psicológico. Na psicologia, tratava-se de comparar o desenvolvimento de um indivíduo

com a evolução de sua própria espécie. Miguel e Miorim (2004) comparam ou

estabelecem um paralelo entre a perspectiva psicológica da filogênese versus

ontogênese com a aplicação da História na Educação Matemática, conforme ideias

apresentadas a seguir. No campo psicológico, a filogênese trataria da produção sócio-

histórica da cultura matemática, conjunto de formas simbólicas produzidas até hoje; a

ontogênese ou psicogênese – na perspectiva psicológica - trataria das formas de

apropriação dessa cultura no presente, ou seja, de que maneira o desenvolvimento

histórico de um determinado conceito estaria relacionado com a constituição deste

mesmo conceito, no presente, pelo estudante. Miguel e Miorim (2004) questionam,

então, quais vínculos poderiam ser promovidos entre a filogênese e a psicogênese -

ou ontogênese, no contexto do ensino e aprendizagem da Matemática. Eles também

citam autores que são contrários a essa apropriação pela psicologia. Lévi-Strauss

(1976) critica o princípio genético – relativo à biologia, com um argumento atribuído

por ele mesmo como “ilusão arcaica”, que contradiz uma crença inserida no domínio

comum da psicologia e da antropologia, referindo-se à relação entre o pensamento

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primitivo e o pensamento infantil. Segundo ele, psicanalistas e psicólogos como

Freud, Blondel e Piaget, em maior ou menor grau de prudência, deixaram-se seduzir

pelo esquema de se querer “ver nas sociedades primitivas uma imagem aproximada

de uma, mais ou menos, metafórica infância da humanidade, cujos estágios principais

seriam reproduzidos também, por sua parte, no plano individual, pelo

desenvolvimento intelectual da criança” (LÉVI-STRAUSS, 1976, p.126-127, apud

MIGUEL, 1993). Também para Merani (1976, p.126-127 apud MIGUEL, 1993), aceitar

a tese da recapitulação no plano da psicologia, ou seja, do presente subordinado ao

passado, seria aceitar também o questionável pressuposto metafísico da existência

de uma memória social hereditária, como fez Jung ao estabelecer a doutrina do

inconsciente coletivo.

À parte da polêmica discutida acima a respeito da apropriação do princípio

genético no campo da Educação, Furinghetti e Radford (2002) entendem que a

História da Matemática como instrumento pedagógico, dentro das duas linhas de

pensamento, possui papéis bem diversos. Na ontogênese - ou psicogênese do ponto

de vista da psicologia, a História da Matemática é vista naturalmente como um

desdobramento do pensamento matemático. Assim, a criança de hoje entenderia os

desdobramentos do pensamento matemático ao longo da história, numa linha de

progresso. Na filogênese, a História da Matemática deve ser considerada em relação

ao meio no qual está inserida, de forma que fica difícil afirmar que o desenvolvimento

intelectual de uma criança nos dias atuais siga o mesmo processo de

desenvolvimento do passado.

A Teoria da Recapitulação, também conhecida como Paralelismo

ontofilogenético, chamou a atenção de vários matemáticos a respeito da natureza e

da forma de fazer matemática. Em 1899, o eminente matemático Henri Poincaré

afirmou que a história das ciências deve ser nosso guia.

A tarefa dos educadores é fazer com que as crianças sigam o caminho de seus pais, passando rapidamente através de certos estágios, porém, sem eliminar nenhum deles. Dessa maneira, a história das ciências deve ser nosso guia. (tradução nossa)

1.

1 The educator’s task is to make children follow the pass that was followed by their fathers, passing

quickly through certain stages without eliminating any of them. In this way the history of sciences has to be our guide. (POINCARÉ apud FURINGHETTI & RADFORD, 2002).

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Poincaré propunha que os conceitos matemáticos fossem apreendidos

intuitivamente antes de sua apresentação formal. Em 1921, outro eminente

matemático, Félix Klein, concordava com a teoria da recapitulação. Ele advogava o

uso da História da Matemática como sendo o contexto para trazer a intuição de volta

ao processo de ensinar e aprender Matemática. Klein, assim como Poincaré, eram

favoráveis ao ensino da Matemática, começando pela intuição do conceito no seu

ponto de partida, para depois apresentá-lo de forma rigorosa e abstrata, seguindo os

passos observados ao longo da História.

O recapitulacionismo tornou-se muito difundido no início do século XX, porém

há muito desapareceu dos debates e agendas acadêmicas. Novas abordagens, no

entanto, surgiram no âmbito dessa discussão, conforme veremos nos estudos de

Miguel e Miorim (2004), nas considerações teóricas do presente trabalho.

2.2 Método Genético ou Metodologia Genética

Defender a utilização da História da Matemática no ensino, não

necessariamente implica uma estreita aderência à teoria da recapitulação. Tomamos

as observações de Schubring (2011) que, após longa análise da produção acadêmica

e observações sobre a prática pedagógica, entende que a História da Matemática

deva ser ainda interessante, considerando, no entanto, novas abordagens. Segundo

sua análise, a concepção melhor elaborada matematicamente e teoricamente refletida

foi apresentada por Toeplitz, 1881-1940, que era favorável ao uso da História da

Matemática como um meio didático denominado “método genético”. Toeplitz

introduziu uma distinção entre o método genético direto e indireto.

Em 1927, Otto Toeplitz (1963 apud SCHUBRING, 2011) descreveu assim o

método genético:

A respeito desses tópicos básicos em cálculo infinitesimal que ensinamos hoje como requisitos canônicos, como, por exemplo, o teorema de valor médio, as séries de Taylor, os conceitos de convergência, a integral definida e a própria taxa de variação, a questão nunca nasce do “Por quê?” ou “Como alguém chega a isso?”. Contudo, todos esses assuntos podem ter sido parte de uma pergunta urgente ou respostas para questões efervescentes naquele momento, isto é, no momento em que surgiram. Se tivéssemos de voltar às origens dessas ideias, elas perderiam a aparência de fatos prontos e

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acabados e retomariam, ao invés disso, uma vida fresca e vibrante. (tradução nossa)

2.

Em 1973, Freudenthal enriqueceu a interpretação do método genético com o

princípio da ‘reinvenção guiada’, que implica uma participação ativa e consciente do

professor na elaboração da sequência de ensino, utilizando a História da Matemática.

Recomendar insistentemente que as ideias sejam ensinadas geneticamente não significa que elas devam ser apresentadas na ordem em que elas surgiram, nem com todos os impasses e desvios. O que se descobriu no passado de modo cego, posteriormente, os de visão mais clara podem dizer como deveria ter sido descoberto se houvesse professores que soubessem o que sabemos hoje. Não é a pegada histórica do inventor que devemos seguir, mas um bom curso “guiado” pela história. (tradução nossa)

3.

Furinghetti e Radford (2002) comentam sobre a metodologia genética e

afirmam que não é por acaso que esta alternativa de ensino foi desenvolvida no

domínio do ensino de Cálculo, onde os conceitos matemáticos apresentados numa

sequência lógica têm se mostrado pedagogicamente limitados. Os conceitos são

abstratos e os estudantes apresentam dificuldades em entender aquilo ao qual são

chamados a manipular com eficiência. Segundo os autores, existem projetos, não

baseados na História da Matemática, que buscam sanar essas dificuldades, buscando

novos padrões de organização do ensino do cálculo. Esforços nesse sentido

começaram no final dos anos oitenta; alguns projetos privilegiaram a tecnologia,

outros as aplicações e os trabalhos em grupo. Na década de 1990, houve uma

convergência de tais projetos em torno de um grupo em Harvard – Calculus Reform,

envolvendo oito instituições de ensino. Foram criadas e testadas muitas sequências

2 Regarding all these basic topics in infinitesimal calculus which we teach today as canonical requisites,

e.g., mean-value theorem, Taylor series, the concepts of convergence, the definite integral and the differential quotient itself, the question is never raised “Why so?” or “How does one arrive at them?”. Yet all these matters must at one time have been goals of an urgent question, answers to burning questions, at the time, namely, when they were created. If we were to go back to the origins of these ideas, they would lose that dead appearance of cut and dried facts and, instead, take on fresh and vibrant life again. (TOEPLITZ, 1963 apud SCHUBRING, 2011).

3 Urging that ideas are taught genetically does not mean that they should be presented in the order in

which they arose, not even with all the deadlocks closed and all the detours cut out. What the blind invented and discovered, the sighted afterwards can tell how it should have been discovered if there had been teachers who had known what we know now... It is not the historical footprints of the inventor we should follow but an improved and better guided course of history. (FREUDENTHAL, 1973, p. 101,103).

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de ensino do Cálculo que podem ser encontradas nas publicações atuais de Hughes-

Hallet et al.

Retomando o método genético, vale observar que ele depende de uma sólida

formação sobre a História, mas não é em si o estudo da História. Furinghetti e

Radford (2002) afirmam que, nesse método, a apresentação do material histórico não

se dá nos princípios da teoria da recapitulação, pois utiliza símbolos e expressões

verbais modernos e ferramentas culturais diferentes daquelas empregadas pelos

autores no passado. O papel da História da Matemática, neste caso, é o de prover

material para desenvolver sequências de ensino que propiciem aos estudantes o

entendimento por meio dos passos dados no desenvolvimento dos conceitos;

portanto, a abordagem histórica do Cálculo diz respeito a encontrar tais sequências

de ensino. Pretendemos que as assimetrias observadas no desenvolvimento das

técnicas e dos conceitos relativos ao Cálculo Integral possam de alguma maneira,

conforme proposta do presente trabalho, introduzir elementos com os quais o

professor possa trabalhar em sala de aula, aplicando-os livremente, conforme sua

criatividade. Burn (1999 apud FURINGHETTI & RADFORD, 2002) elaborou as ideias

de Toeplitz e, entre seus estudos, pode-se encontrar um exemplo da História da

Matemática usada como elemento chave na construção de sequências de ensino do

Cálculo Diferencial e Integral, que vão da intuição até a dedução lógica do conceito.

Para elaborar uma síntese das ideias apresentadas, qual seja utilizar a História

da Matemática como um meio de transformar o próprio ensino, avaliando aspectos

relativos ao desenvolvimento do pensamento matemático dos estudantes, Furinghetti

e Radford (2002) adotam uma das maneiras de uso da História da Matemática como

ferramenta de investigação da origem dos conceitos matemáticos a fim de aprofundar

o entendimento do pensamento matemático e facilitar a compreensão e apropriação

dos mesmos. Os autores, citando Dorier & Rogers, chamam atenção para esta

crescente complexidade da relação Ontogênese versus Filogênese.

[...] e agora nós admitimos que a relação entre ontogênese e filogênese seja universalmente reconhecida como mais complexa do que se acreditava originalmente. (tradução nossa)

4.

4 [...] and now we accept that the relation between ontogenesis e philogenesis is universally recognized

to be much more complex than was originally believed. (DORIER & ROGERS, 2000, p.168 apud FURINGHETTI & RADFORD, 2002).

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Nesse cenário, os autores recomendam que as pesquisas relativas ao uso

pedagógico da História da Matemática com o objetivo de contribuir para as

apropriações conceituais dos estudantes passem por uma reflexão crítica sobre as

concepções de ontogênese e filogênese do conhecimento. Salientam que, para que

os resultados de tais pesquisas sejam úteis, em termos práticos, tal reflexão crítica

deve considerar as implicações em sala de aula. Portanto, os professores devem

participar desta reflexão. Os professores necessitam de um entendimento apropriado

das diferenças entre o desenvolvimento ontogênico e filogênico a fim de se sentirem

seguros, em sala de aula, para manipular aspectos cognitivos e históricos no

complexo processo de construção do conhecimento matemático.

Diante da longa polêmica a respeito da legitimidade da hipótese da

recapitulação e do método genético no meio acadêmico, todos os autores citados –

Furinghetti e Radford (2002), Schubring (2011), Miguel e Miorim (2004) - concluem

ser problemático recorrer a eles como meio de fundamentar qualquer

empreendimento e entendem que se devam procurar outras justificativas para o uso

da história na educação matemática. Apesar da fundamentação precária, os autores

entendem que surgiram ou estão surgindo alternativas viáveis e interessantes de

articulação entre História e Educação Matemática, com várias maneiras de encarar a

relação entre filogênese e ontogênese.

Finalmente, entendemos que as mediações assimétricas observadas ao longo

do tempo, objetos de estudo do nosso projeto, possam constituir elementos que

facilitem a investigação da origem dos conceitos a fim de aprofundar o entendimento

do pensamento matemático e facilitar a compreensão e apropriação dos mesmos,

conforme entendimento dos autores. Assim, as pesquisas de Furinghetti e Radford,

sobre a História como ferramenta no processo de ensino e aprendizagem da

Matemática, apresentam resultados que são favoráveis e fundamentam a proposta da

nossa pesquisa.

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2.3 Perspectivas teóricas sobre a utilização da História na Educação

Matemática

Os autores Miguel e Miorim (2004) consideraram várias teorias a respeito da

utilização da História na Educação Matemática discutidas no meio acadêmico nas

últimas décadas, diferenciando-as em relação à natureza do conhecimento

matemático e ao processo de cognição da mesma. Ao final, agruparam as várias

teorias em cinco perspectivas, a saber:

Evolucionista Linear

Estrutural-Construtivista Operatória

Evolutiva Descontínua

Sociocultural

Jogos de Vozes e Ecos

Apresentamos, a seguir, de modo resumido, a análise feita por Miguel e Miorim

(2004) a respeito de cada perspectiva.

A perspectiva Evolucionista Linear (MIGUEL e MIORIM, 2004, p. 85) aplica-se

à teoria Recapitulacionista e seus expoentes, como já citados neste trabalho, são os

eminentes matemáticos Félix Klein, Henri Poincaré e Morris Kline. Essa perspectiva,

na qual o presente está subordinado ao passado – quaisquer que sejam as razões

para justificar tal subordinação – exerceu considerável influencia no Brasil.

A perspectiva Estrutural-Construtivista Operatória (MIGUEL e MIORIM, 2004,

p. 90) concentra as pesquisas de Jean Piaget e Rolando Garcia, em meados de 1980,

com a hipótese da concepção de aprendizagem como uma reconstrução pessoal das

operações cognitivas requeridas por um objeto matemático em seu processo de

construção histórica.

A perspectiva Evolutiva Descontínua (MIGUEL e MIORIM, 2004, p. 105), de

considerável influência a partir de 1970, diz respeito à escola francesa de didática da

Matemática com representantes ilustres como Bachelard, Brousseaux, Michéle

Artigue, Anna Sierspinska dentre outros. Os autores identificaram como hipótese

auxiliar nessa perspectiva, as condições psicológicas do progresso da Matemática

que devem ser descritas e avaliadas em termos de obstáculos epistemológicos.

Mais recentemente, nos meados de 1990, a perspectiva de Jogos de Vozes e

Ecos (MIGUEL e MIORIM, 2004, p. 141) está relacionada com a escola italiana de

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investigadores da Universidade de Gênova que nomearam tal campo de estudos de

VEG – Voices and Echoes Games. Segundo os autores, a perspectiva dos VEG

aceita a polêmica teoria de Vygotsky acerca da distinção entre conceitos científicos –

aqueles com os quais a escola lida – e conceitos práticos – aqueles que são usados

no cotidiano, aceitando também, por consequência, o pressuposto neovygotskyano,

igualmente polêmico, de que a relação que subsistiria entre a matemática escolar e a

matemática adquirida fora da escola seria da mesma natureza que a que subsistiria

entre conceitos científicos e conceitos práticos.

Finalmente, a perspectiva denominada pelos autores como Sociocultural,

defendida por Luis Radford e Fulvia Furinghetti (MIGUEL e MIORIM, 2004, p. 133)

implica um olhar para o ambiente sociocultural no qual os conceitos matemáticos

foram gerados e utilizados. Nessa perspectiva, entende-se que a produção do

conhecimento matemático é um processo de natureza semiótica no qual os signos

são concebidos como instrumentos psicológicos, simbolicamente constituídos e

intimamente ligados às atividades que os indivíduos realizam no interior do contexto

cultural que os envolve. Assim, aquilo que caracteriza uma ‘História epistemológica’

para Radford seria a defesa de um projeto de constituição histórica das ideias

matemáticas com base em uma concepção sociocultural de cunho semiótico.

Radford se coloca como crítico de todos os tipos de argumentos baseados no

princípio do paralelismo ontofilogênico – recapitulacionismo, porém entende que

surgiram ou estão surgindo alternativas viáveis e interessantes de articulação entre

História e Educação Matemática, com várias maneiras de encarar a relação entre

filogênese e ontogênese. Assim, ele faz sua própria proposta de utilização da História

do ensino da Matemática.

Para Radford (1997, p. 32 apud MIGUEL e MIORIM, 2004), o principal papel

das análises histórico-epistemológicas no domínio da Educação Matemática é o de

“reconstituir os antigos significados ou campos semânticos” de teorias, conceitos e

procedimentos matemáticos, por meio de uma análise e adaptação didática. Dessa

forma, eles poderão ser compatibilizados e incorporados aos currículos da atualidade,

bem como fornecer subsídios para a produção de sequências didáticas a serem

desenvolvidas no contexto social da atividade matemática em sala de aula. Nessa

perspectiva, segundo palavras de Miguel e Miorim (2004, p. 132), Radford e

Furinghetti entendem que haja entre o passado e o presente, um diálogo sem

qualquer relação de subordinação, sendo, portanto, desvinculada da teoria do

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31

Recapitulacionismo. No diálogo que se busca realizar, as fontes que constituem

objeto de investigação no passado e no presente devem ser lidas e interpretadas

considerando-se os condicionamentos das respectivas práticas culturais e sociais nas

quais se encontram. A História é entendida como um laboratório de experiências

humanas com as quais se procura dialogar, por meio de um contraste oblíquo, com as

práticas pedagógicas atuais a fim de se construírem atividades didáticas para o

ensino e a aprendizagem escolar da Matemática.

Também Miguel e Miorim (2004), ao final da extensa análise das várias

perspectivas estudadas, pesquisaram e desenvolveram um modelo denominado

“História pedagogicamente vetorizada”, também sem qualquer relação de

subordinação entre passado e presente, no qual discutem e apresentam como a

História pode operar em níveis temáticos específicos da Matemática e revelar todo o

seu potencial cultural, humano e educativo. Os autores acreditam que, para poderem

ser pedagogicamente úteis, é necessário que histórias da Matemática sejam escritas

sob o ponto de vista do educador matemático. Tais histórias tentariam e tenderiam a

privilegiar certos temas e não outros, determinados problemas e métodos e não

outros, a enfatizar a reconstituição dos contextos epistemológico, psicológico, sócio-

político e cultural de sua produção. Nesse modelo, Miguel e Miorim (2004, p. 154) são

enfáticos ao defender a “concepção orgânica da participação da história na produção

do saber docente”’, que propõe a História não como algo a mais a ser colocado no

currículo, mas como algo que faça parte, que permeie a educação dos futuros

professores ao longo de sua formação.

Como visto acima, os autores Furinghetti e Radford (2002) e Miguel e Miorim

(2004) compartilham a mesma perspectiva teórica sociocultural a respeito da

utilização da História na Matemática e suas pesquisas apresentam resultados que são

favoráveis e fundamentam a proposta da nossa pesquisa que é buscar mediações

assimétricas, ao longo do tempo histórico, que possam facilitar o entendimento do

pensamento matemático e a compreensão e a apropriação dos conceitos relativos ao

Cálculo Integral.

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32

2.4 Abordagem “natural”

David Tall (2004) defende uma abordagem chamada “natural” ou “prática” ou

“sensível” para trabalhar com os conceitos do Cálculo, desde suas aplicações até o

desenvolvimento teórico da Análise Matemática. O autor entende que a abordagem

“natural” propicia o desenvolvimento das ideias fundamentais do Cálculo. A maior

vantagem dessa abordagem consiste em não introduzir diretamente os conceitos

reconhecidos por trazer dificuldades aos estudantes. Ao contrário, tal abordagem

permite que as ideias fundamentais do Cálculo desenvolvam-se naturalmente, a partir

de origens práticas, de tal modo que haja sentido na formulação das propostas gerais

do Cálculo. Para Tall (2004), uma base prática e sensível serve de apoio às intuições

necessárias para gerar o significado dos complexos conceitos da Análise infinitesimal.

Tall explicita seu entendimento da natureza do Cálculo, baseado em três

formas de pensamento matemático, como segue.

Meu pensamento atual sobre a natureza do Cálculo, baseado na maneira como nós homens pensamos naturalmente sobre ideias, considera como desenvolvemos nossas percepções, operações e linguagem para formular ideias que vão se sofisticando. Eu penso que isso envolve três formas distintas de pensamento matemático, uma que se desenvolve de nossa percepção natural, outra, das ações que executamos e traduzimos em uma computação e manipulação simbólica e uma outra na qual formulamos definições lógicas e desenvolvemos as estruturas da prova formal. (tradução nossa)

5.

Este entendimento de Tall sobre a natureza do Cálculo partindo das

percepções, operações e linguagem que desenvolvemos para formular as ideias,

pode vincular-se, de alguma forma, às técnicas desenvolvidas ao longo do tempo na

solução dos problemas. Observamos, ainda, que tal entendimento está alinhado à

abordagem de Morris Kline (1976, p.60 apud MIGUEL, 1993) sobre o uso da História

aplicada aos processos de ensino e de aprendizagem da Matemática. Kline afirma

que o papel pedagógico da História insinua-se como um argumento para a defesa de

5 My current thinking on the nature of calculus, based on the ways that we humans naturally think about

the ideas, considers how we develop through our perceptions, operations and use of language to formulate increasingly sophisticated ideas. I suggest that this involves three distinct forms of mathematical thought, one growing from our natural perceptions, one from the actions that we perform and translate into symbolic computation and manipulation, and one in which we formulate logical definitions and develop the structures of formal proof.(TALL, 2004).

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33

uma abordagem intuitiva da matemática na escola, em contraposição à abordagem

dedutiva. O autor sustenta que conceitos e teorias matemáticas passam por um

processo de transformação ao longo do qual um tratamento intuitivo dos mesmos

sempre antecede a abordagem formalizada. Ele ressalta que outro aspecto

fundamental assenta-se no fato de que a percepção, por parte do aprendiz, dos erros,

das lacunas e das hesitações dos grandes matemáticos, pode gerar nele o

desenvolvimento de atitudes positivas, tais como a coragem, a persistência e a

tenacidade necessárias para o enfrentamento de problemas, na busca de soluções

satisfatórias.

A abordagem chamada “natural” de Tall, dentre outros, alinha-se também ao

pensamento de Grattan-Guinness (p.65 apud MIGUEL & MIORIM, 2004), que apesar

de apresentar obstáculos a respeito das possibilidades pedagógicas da História,

entende que, no nível universitário, tal uso apresenta um potencial “criativo e natural”

que não só pode como deve estar presente na abordagem dos conteúdos de ensino.

Acreditamos que o potencial “criativo e natural” de Guines (p.65 apud

MIGUEL, 1993) e a “abordagem intuitiva” de Kline (1976, p.60 apud MIGUEL, 1993)

estejam comtempladas na “abordagem natural” proposta por Tall (2004). Portanto,

pode-se e deve-se fazer uso da História no ensino e aprendizagem do Cálculo

Integral, compartilhando a perspectiva teórica sociocultural das pesquisas conduzidas

por Furinghetti e Radford (2002) e Miguel e Miorim (2004). Essa composição de

fundamentos teóricos reforça os argumentos favoráveis à pesquisa proposta no

presente trabalho.

2.5 A evolução do “conceito” na Matemática

Com o objetivo de facilitar a devida aplicabilidade do termo “conceito” no

desenvolvimento do conhecimento matemático do Cálculo Integral, faremos uma

passagem por algumas discussões e autores que tratam dessa matéria, quais sejam:

a elaboração do conceito genérico na Antiguidade;

o conhecimento matemático nas teorias de Kant (1781) e Poincaré (1902);

o empirismo lógico e o conhecimento matemático (1920).

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34

A elaboração do conceito genérico

Na elaboração do conceito genérico, utilizado desde Aristóteles, as funções

essenciais do pensamento são utilizadas para comparar e diferenciar uma

multiplicidade dada, caracterizada por propriedades comuns subdivididas em classes,

segundo reflexões de Cassirer (1923, p.3), “A reflexão, que transita entre o particular

e o todo a fim de determinar as características essenciais em que se agrupam, leva

em si a abstração que purifica a amostra de seus elementos dispares”. O conceito

não aparece como algo estranho à realidade sensível, mas faz parte desta realidade,

é uma seleção do que é imediatamente contido na mesma. A teoria do todo e suas

partes, das coisas e seus atributos estão na origem do conceito genérico. Coisas são

organizadas utilizando seus atributos particulares e o grupo total destes atributos é

dividido em partes e subpartes comuns às várias categorias de coisas. Os conceitos

do todo e suas partes e das coisas e seus atributos constituem um sistema de

categorias lógicas que se relacionam; no entanto, essas categorias mostram-se

inadequadas em Matemática, que é um campo de conhecimento cujos conceitos

fundamentais não possuem propriedades gerais das coisas.

O empirismo lógico e o conhecimento matemático

Na década de 1920, um grupo de filósofos e cientistas fundou uma das

correntes filosóficas e epistemológicas mais influentes do nosso tempo, o empirismo

lógico ou positivismo lógico ou neopositivismo. O ideal de ciência para os empiristas

lógicos baseia-se no Princípio do Empirismo - um conceito só será significante se for

fundado na experiência, na observação - e no Princípio do Logismo - só será

científico, um conceito ou enunciado que possa ser formulado na linguagem lógica.

Para Carvalho (1995), porém, o empirismo lógico não corresponde a uma

compreensão adequada da ciência em geral e, muito menos, das ciências

matemáticas. Também Tuomela (1973, p.1) afirma que o progresso das ciências

modernas é, em grande parte, devido ao uso dos conceitos teóricos que ultrapassam

as leis observadas ou experimentadas para nos dar melhor entendimento dos fatos e

eventos estudados, que podem ser ou não diretamente observados.

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35

Tendo presente nosso objetivo de acompanhar o desenvolvimento do

conhecimento matemático do Cálculo Integral, em nossa pesquisa buscamos

enfatizar as categorias dos métodos empíricos, mais relacionados aos procedimentos

técnicos e experimentais e às assimetrias observadas nas respectivas construções

teóricas que são sua fundamentação conceitual.

2.6 As nossas escolhas

Baseados nas considerações teóricas apresentadas, prosseguimos no

desenvolvimento do nosso trabalho investindo nas pesquisas históricas com foco nas

assimetrias entre as técnicas e os conceitos no desenvolvimento do Cálculo Integral,

considerando as fundamentações, a seguir:

De Hoz e Machado, a ênfase na “construção reflexiva” do saber que

propicia ao aluno entender a razão e o sentido daquilo que lhe é proposto

na aprendizagem da Matemática.

As perspectivas teóricas da História reconstruída com fins pedagógicos,

seja na forma do “modelo pedagogicamente vetorizado” de Miguel e

Miorim ou na “adaptação didática para reconstituições dos antigos

significados ou campos semânticos” de teorias, conceitos e procedimentos

matemáticos, essa última atrelada às pesquisas conduzidas por

Furinghetti e Radford.

De Tall, as ponderações sobre a “abordagem natural” que não

recomendam a introdução formal das teorias matemáticas por dificultar a

compreensão significativa do encadeamento lógico da mesma e por

reduzir a capacidade de estabelecer relações de forma autônoma com a

própria teoria em questão e com as demais. Tal abordagem natural,

acreditamos estejam alinhadas com as propostas da “aprendizagem

intuitiva” apoiada na História, de Kline e Guines, relativas ao ensino do

Cálculo.

Na perspectiva de tais considerações teóricas e atendendo ao objetivo do

projeto, estabelecemos a trajetória da pesquisa partindo do conhecimento histórico

envolvido no tratamento de áreas desde a Antiguidade até a formalização do conceito

de integração.

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Pretendemos dessa forma, compilar informações sobre a evolução das

técnicas e dos conceitos envolvidos na formalização do Cálculo Integral. Nesta

matéria, os conceitos foram se revelando aos poucos, por meio dos esforços em se

criar técnicas cada vez mais precisas para o cálculo de áreas. Assim, iniciamos a

pesquisa tratando das técnicas desenvolvidas pelos povos antigos no Egito e na

Mesopotâmia. Na Grécia, vimos crescer uma sofisticação das técnicas que acabou

gerando conceitos altamente polêmicos relativos ao Cálculo Integral, tais como

quantidades infinitamente pequenas, contínuo, indivisíveis, dentre outros, que foram

amplamente discutidos por muitos matemáticos entre os séculos XIV e XVIII, como

veremos no percurso proposto a seguir. Seguiremos pelo viés das assimetrias, dos

descompassos observados entre as técnicas e a construção desses conceitos. Tais

mediações assimétricas compiladas ao longo da pesquisa poderão, eventualmente,

ser utilizadas em sala de aula como elementos facilitadores no processo de

entendimento do pensamento matemático, da compreensão e apropriação dos

conceitos relativos ao Cálculo Integral.

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3. ÁREAS NA ANTIGUIDADE

Considerando o escopo estabelecido para a pesquisa, qual seja, a trajetória

histórica da construção teórica do conceito das Integrais, este capítulo apresenta um

conjunto de situações históricas relacionadas à determinação de áreas na

Antiguidade, destacando os trabalhos de Euclides e Apolônio na Escola de Alexandria

(338 a.C.). Examinaremos detalhadamente os trabalhos de Arquimedes, dada sua

especial contribuição e importância para o desenvolvimento do cálculo integral.

Achamos conveniente apresentar tal conjunto numa linha do tempo, buscando reunir

todas as informações disponíveis nas histórias de vários povos, situando tais

desenvolvimentos no seu contexto sociocultural. Observamos que o tratamento das

áreas encontrado nos registros de várias civilizações é feito com base nas

propriedades das áreas utilizadas nos vários níveis de escolaridade, desde os anos

iniciais até o ensino superior. Esse fato possibilita a inserção dos exemplos que

vamos descrever no estudo das áreas nos vários estágios da escolaridade em que for

cabível.

A Matemática se desenvolveu a partir de necessidades práticas surgidas entre

várias civilizações, tais como os povos egípcios, mesopotâmicos, indianos, dentre

outros. Porém, a Matemática adquiriu uma linguagem própria a partir da evolução da

Filosofia e da Lógica no mundo grego.

Este olhar da História, com foco na origem dos conceitos e técnicas envolvidos

na construção do Cálculo Integral, procura contemplar o esforço da humanidade na

busca de soluções para suas necessidades mais primárias e urgentes, como

alimentação, vestuário, habitação, transporte e outros. A necessidade gera os

problemas que, uma vez formulados em termos matemáticos, acabam por se tornar,

de algum modo, um desafio intelectual aceito por certos indivíduos, que transcende os

aspectos mais imediatos do resultado do seu trabalho. Assim, a Matemática vai se

desenvolvendo neste cenário intrincado e complexo entre prática e teoria. Baron

(1985, Livro I, p.2) afirma que, em especial, o Cálculo Diferencial e Integral nasceu

dessa combinação em que, numa direção, os problemas geraram as formulações de

conceitos, teorias e técnicas para resolvê-los, enquanto, noutra direção, as próprias

teorias sugeriram novos problemas e ampliaram as áreas de aplicação. Este é o viés

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com o qual conduzimos nosso trabalho, enfatizando as assimetrias, os descompassos

observados neste percurso.

Os conceitos do Cálculo e suas inúmeras extensões são usados em todas as

ciências que lidam com fenômenos que nos quais ocorrem movimentos e ou algum

tipo de mensuração. A Integração constitui a ferramenta básica de todos os processos

que envolvem “soma infinita” como ideia ou como aproximação; desenvolveu-se

basicamente a partir de problemas de determinação da área de regiões limitadas por

curvas e, portanto, a geometria exerceu um papel fundamental nesse

desenvolvimento conforme nos atesta Baron (1985, Livro I, p.34): “Embora conceitos

precisos do Cálculo atual independam das figuras e dos desenhos, não teria sido fácil

entender e ensinar sem a imagem visual promovida pelos modelos geométricos das

curvas, tangentes e quadraturas”.

Passaremos, na sequência, por uma pontuação de fatos históricos das antigas

civilizações, destacando o desenvolvimento “prático” do conceito de área, ou seja, o

desenvolvimento das técnicas utilizadas para calcular as áreas, inicialmente vinculado

aos avanços da geometria e relacionado ao conhecimento dos números do período

em que essas técnicas foram utilizadas. Procuramos realçar, paralelamente à

apresentação dos fatos históricos, algumas das técnicas conhecidas que precederam

a formulação do conceito de Integral e que, de alguma forma, aparecem

modernamente na definição da função área, quais sejam:

métodos de cálculo elementar, a partir de observações e experiências

práticas, ou ainda com o uso de fórmulas;

método da composição e decomposição de figuras geométricas por

equivalência de áreas;

métodos de equivalência de áreas baseados na quadratura;

métodos de equivalência de áreas baseados em congruências;

método das aproximações geométricas;

método mecânico da alavanca - balanceamento de figuras geométricas;

método de integração de Arquimedes6 – antecipação do Cálculo Integral;

métodos diversos relacionados aos indivisíveis.

6 Denominação utilizada por Baron (1985, p.40).

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Essa visita pela História será orientada para povos e períodos, conforme o

interesse deste trabalho, sem nenhum compromisso de cunho historiográfico.

3.1 A Matemática no Egito Antigo

A herança matemática dos egípcios foi registrada em papiros que datam de

cerca de 3000 a.C., quando também foram iniciadas as construções das primeiras

pirâmides. Encontrados em vários museus importantes do mundo, eles os escritos

permaneceram praticamente indecifráveis até 1799, quando, nas vizinhanças da

cidade de Alexandria, foi descoberta a chamada Pedra da Rosetta. Essa pedra de

basalto negro e formato irregular contem textos em três línguas: um em grego e dois

em duas formas da linguagem escrita egípcia, os hieróglifos e a escrita hierática, que

foram a chave para início do entendimento dos textos egípcios antigos.

O período conhecido como Reinado do Meio (2160-1567 a.C.) contém o

material de maior interesse para o estudo da Matemática. Problemas de cálculos

numéricos, operações aritméticas, frações, problemas algébricos e geometria datam

desse período e estão contidos em pelo menos três importantes papiros:

o papiro de Rhind – encontrado em Tebas e comprado em Luxor, em

1858, pertencente a A. H . Rhind, que o adquiriu nessa ocasião. Datado de

1650 a.C., foi escrito por um escriba chamado Ahmes, que se identifica e

relata que está copiando trabalhos mais antigos, provavelmente de 200

anos antes. Atualmente, pertence ao Museu Britânico; contém 87

problemas de vários tipos, cuja tradução foi publicada em 1927;

o papiro de Moscou – de autor desconhecido, foi adquirido por um russo

chamado Golenischev e, posteriormente, pelo Museu de Artes de Moscou.

Sua origem é também estimada por volta de 1700 a.C. e contém apenas

25 problemas;

o papiro do Cairo – já bem mais recente, desenterrado em 1938, datando

de 300 a.C., tem sua tradução publicada em 1972 por R. A. Parker; nessa

publicação encontramos traduzidos 40 problemas desse papiro e mais 25

de outros dois papiros menos importantes, também do acervo do Museu

Britânico.

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A Matemática no Egito foi influenciada pela demanda da medida de terras e da

engenharia prática, conforme podemos constatar examinando os problemas contidos

nos papiros. Os problemas administrativos do estado ou dos templos, relativos a

impostos ou armazenamento e divisão de grãos aparecem frequentemente em seus

registros. O sistema numérico egípcio baseia-se numa aritmética aditiva com

símbolos para unidades e múltiplos de dez. A multiplicação e a divisão eram

efetuadas, usando séries de adições e duplicações. Toda a estratégia do cálculo

relacionada às frações evidencia uma ligação bastante próxima desse cálculo com as

maneiras de dividir quantidades no dia a dia. Não há registros de que tenham tido

preocupação com processos gerais ou dedutivos, o que nos leva à suposição de que

a prática foi a condutora dos resultados que chegaram até nós.

O problema 24 do papiro do Cairo, que remete aos resultados do posterior

teorema de Pitágoras, exemplifica o conhecimento de um processo que utiliza apenas

cálculos elementares.

Problema 24 do papiro do Cairo: “Calcular a nova altura de um bastão de 10 cúbitos

em pé que tem sua base afastada de 6 cúbitos”.

Figura 1: Ilustração do problema 24 do papiro do Cairo.

Fonte: Própria.

Para calcular a distância do alto em que está o bastão após o deslocamento, o

escriba calculava 10.10 = 100, subtraia 6.6 = 36 e extraia a raiz quadrada de 64

obtendo 8, o valor da nova altura.

Veremos a seguir três exemplos que evidenciam a utilização de técnicas de

aproximação elementares nos cálculos de áreas.

O problema 48 do papiro de Rhind (1650 a.C.) trata de estudar a razão entre a

área do círculo e seu diâmetro usando uma técnica de aproximação; a existência de

um “quadriculado” auxilia os cálculos de aproximação. É considerado um círculo cujo

diâmetro mede 9 unidades e um quadrado cujo lado tem o mesmo comprimento. A

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área do octógono construído, conforme a ilustração a seguir, dá a aproximação para a

área do círculo utilizada pelos egípcios.

Figura 2: Diagrama redesenhado a partir do problema 48 do papiro de Rhind.

Fonte: Própria.

Calculando a área do octógono da figura acima a partir do quadrado e

subtraindo as áreas dos triângulos, temos uma aproximação para a área do círculo

utilizada pelos egípcios:

.

Os egípcios recomendavam o seguinte cálculo para a área da circunferência:

subtraia do comprimento do diâmetro sua nona parte e multiplique o resultado por si

mesmo, ou seja:

(

)

(

)

(

)

Com esse cálculo, a aproximação para 𝝅 que pode ser obtida pelo processo

egípcio será:

𝝅

3,1605 .

Embora esta notação do 𝝅, significando a relação entre a circunferência e seu

diâmetro, tenha sido introduzida somente no século XVII por William Jones, quase

todos os povos antigos tentaram estabelecer essa relação com o objetivo de resolver

problemas práticos de Geometria.

Encontramos nesse problema, um registro do quadriculado como recurso para

o cálculo da área, recurso este amplamente utilizado, nos anos iniciais, para introduzir

os alunos ao estudo das áreas.

Os problemas 36 e 37 do papiro do Cairo incluem o cálculo da área de um

segmento circular, utilizando o método de aproximação de figuras geométricas, no

caso um trapezoide. Traduzimos, em notação atual, a solução descrita em Friberg

(2005, p.129-133).

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Problema 36 do papiro do Cairo: “Calcular a área de um pedaço de terra circular no

qual cabe um triângulo de 3 lados iguais de 12 cúbitos”.

Figura 3: Reprodução da figura do papiro do Cairo [Parker, 1972, Plate 12] Fonte: Young, 2009, p. 354 e 355 (adaptação nossa).

utilizando a técnica do problema 24 descrito acima, o escriba encontrava o

valor da altura h do triângulo equilátero a partir do lado ;

a área do triângulo era dada por ;

em seguida calculava

;

a área aproximada do segmento circular era dada por (

) ;

a área do círculo era dada por .

Problema 37 do papiro do Cairo: “Calcular a área do campo circular e a área do

quadrado inscrito no campo circular de diâmetro igual a 30”.

Figura 4: Reprodução da figura do papiro do Cairo [Parker, 1972, Plate 14] Fonte: Young, 2009, p. 354 e 355 (adaptação nossa).

com raciocínio análogo ao problema 24, o escriba efetuava o cálculo do

lado e da área do quadrado a partir do valor do diâmetro

assim, , portanto,

e √

o diâmetro equivale a e, assim, o escriba encontrava o

valor da altura do trapézio (

) ;

com raciocínio análogo ao problema 36, o escriba efetuava o cálculo

aproximado da área do segmento circular (

) ;

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43

finalmente, a área do campo circular era dada pela soma das 5 partes da

figura, ( (

)) que resulta em 675 cúbitos.

No conjunto de exemplos acima, encontramos recursos diversificados para

obtenção aproximada da área do círculo. Esses exemplos nos mostram que, embora

as técnicas desenvolvidas não conduzissem a resultados exatos, ideias diferentes

para a aproximação foram mobilizadas.

3.2 A Matemática na Mesopotâmia

A Mesopotâmia era a região compreendida entre os rios Tigre e Eufrates,

habitada na antiguidade pelos sumérios, assírios, caldeus, hebreus, fenícios e

babilônios. Na divisão geográfica atual, essas são as terras do Iraque e suas

imediações. A referência genérica “Mesopotâmia” diz respeito a essa região

geográfica sem distinguir ou diferenciar as várias culturas e povos que nela habitaram

em diferentes períodos. Escavações em vários sítios arqueológicos revelaram, em

diversos níveis, cerca de dez mil anos da história, da evolução dos costumes, da

língua escrita e, em especial, da Matemática dos povos que habitaram essas regiões.

Em particular, nas escavações do final do século XIX, descobriu-se uma grande

quantidade de tabletes de argila com inscrições, cujo entendimento e organização do

conhecimento matemático registrado ocorreram na primeira metade do último século,

portanto há cerca de cem anos.

As tradições matemáticas da Mesopotâmia e do Egito floresceram,

aproximadamente, no mesmo período histórico. No entanto, de forma bem

diferenciada dos egípcios, os mesopotâmios criaram o sistema de numeração

sexagesimal, com registros que datam de 3000 a.C., no qual se observa a notação

matemática posicional, o uso do zero, o uso de tabelas com multiplicações e listas de

recíprocos (nas quais, para quase todo calculava-se

). A divisão era efetuada pela

multiplicação pelo recíproco. O cálculo com frações era muito desenvolvido. Na base

sessenta, eles conseguiam representar grandes números que serviam aos estudos da

Astrologia. A unidade sessenta podia ser facilmente subdividida em metades, terços,

quartos, quintos, sextos, décimos, doze avos, quinze avos, vigésimos e trigésimos,

fornecendo assim dez possíveis subdivisões para serem usadas nos cálculos ou na

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prática cotidiana de mensuração. Qualquer que tenha sido a origem, o sistema

sexagesimal de numeração teve vida longa, pois, até hoje, permanecem nas unidades

de tempo e medida dos ângulos, apesar da forma fundamentalmente decimal da

representação numérica de nossa sociedade.

Tabletes, do período entre 2800 – 1600 a.C., apresentam problemas de

naturezas diversas, desde resolução de sistemas lineares, equações quadráticas até

problemas envolvendo equações cúbicas. Alguns dos mais importantes e conhecidos

resultados geométricos registrados pelos babilônios estão contidos nos tabletes

YBC72897 (cálculos que remetem ao teorema de Pítágoras), BM851948 (áreas de

coroas circulares) e no tablete de Susa (circunferência circunscrita ao triângulo

isósceles), entre outros.

Os resultados geométricos registrados pelos babilônios nos tabletes

evidenciam o conhecimento de processos gerais não explicitados; o usuário do

tablete deveria fazer muitos problemas do mesmo tipo até que conseguisse o domínio

da técnica. Os problemas registrados tratam de situações e experiências práticas.

Vejamos, a seguir, dois exemplos que tratam, especialmente, de cálculos de áreas,

formulados na notação atualmente utilizada para a representação sexagesimal.

Um problema relativo à divisão de bens deixados como herança é encontrado

no tablete YBC46089: “Um triângulo, com largura desconhecida e comprimento

(ou seja, conhece-se apenas um dos lados do triângulo) e de área é

dividido entre seis irmãos. A parte de cada um excede a do outro de um mesmo valor,

mas também não se sabe o quanto excede. Quanto cada irmão ganha a mais do que

o outro”. A figura a seguir ilustra a divisão proposta.

Figura 5: Ilustração do problema encontrado no tablete YBC4608. Fonte: Própria

7 YBC7289 - pertencente a Yale Babylonian Collection 8 BM85194 – pertencente ao British Museum 9 YBC4608 - pertencente a Yale Babylonian Collection

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45

São apontados, no tablete, os passos:

multiplique a área por – temos ;

o recíproco de não pode ser obtido; por quanto se deve multiplicar

para dar ;

temos para a multiplicação, a maior largura;

tome o recíproco de , o número de irmãos e multiplicado por ,

resulta em , o comprimento de cada um.

O tablete está danificado, o que impede a tradução completa do texto.

O exemplo a seguir, encontrado no tablete BM8519410, considera uma

aproximação de 𝝅 igual a . Segue uma tradução simplificada: “Desenhei a fronteira

de uma cidade (a circunferência interna); não se conhece o seu comprimento.

Caminhei a partir da circunferência interna na direção contrária ao centro e me afastei

em todas as direções, chegando à segunda fronteira. A área entre as

circunferências é . Encontre o diâmetro da velha e da nova cidade”.

Figura 6: Ilustração do problema encontrado no tablete BM85194. Fonte: Própria.

Para a solução, temos os registros:

multiplicar o do acréscimo por ; tem-se (o que nos leva a concluir

que a aproximação para 𝝅 utilizada pelos babilônios era );

tomar o inverso de e multiplicar por que é a área entre as

circunferências; tem-se ;

escreva o duas vezes;

a um deles, some o , que é o que se caminhou, para obter um dos

diâmetros e do outro subtraia para chegar ao outro diâmetro.

Hoje conhecemos a fórmula da área da coroa circular:

𝝅( ) 𝝅( )( )

10 BM85194 – pertencente ao British Museum

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46

Como enunciado, o problema nos dá os valores de e ( ) ,

assim: ( )( ) Os cálculos apontados, na base sexagesimal, conduzem ao

valor , que somado a dá o valor do diâmetro maior e, subtraído, o diâmetro

menor.

Em ambos os problemas observamos que o tratamento inicial foi

essencialmente numérico. No primeiro problema, os cálculos iniciais levam à área do

retângulo e à obtenção de sua altura; a divisão por seis levará a uma decomposição

da área, mas não temos as informações seguintes que esclareceriam como as

decomposições levariam à resposta final. No segundo problema, destacamos a

habilidade do tratamento algébrico para a solução do problema geométrico, além do

evidente conhecimento a respeito do cálculo da área do círculo e da coroa circular,

com a aproximação considerada para

Essa relação entre o comprimento da circunferência e seu diâmetro foi buscada

por vários povos antigos, com o objetivo de resolver problemas práticos de

Geometria.

Os dois exemplos poderão, como situações problema, ilustrar de maneira

interessante atividades, no ensino fundamental, relacionadas à determinação de

áreas, dando destaque aos vários aspectos históricos a eles associados.

O conhecimento da estrutura e técnicas operacionais do sistema de contagem

babilônio e o exame de alguns dos principais problemas que essa civilização nos

deixou em seus registros nos dão uma boa visão do importante e significativo

desenvolvimento da Matemática que foi alcançado em tempos tão remotos. Pouco se

sabe a respeito da transmissão desse conhecimento e sua interação com outras

culturas. Como vimos até agora, os conhecimentos adquiridos pelos povos antigos

nasceram da necessidade de solucionar problemas práticos, os quais motivaram

formulações de técnicas para resolvê-los, envolvendo basicamente os sistemas de

contagem adotados, algumas regras de cálculo experimentais e as aproximações

geométricas elementares. A melhor aproximação para o 𝝅 ( ) foi obtida no Egito.

Os babilônios usaram uma aproximação menos precisa para 𝝅. Depois dos povos

antigos, as primeiras experiências com cálculos de áreas de figuras circulares, as

lúnulas, foram registradas nos estudos de Hipócrates, Grécia (430 a.C.). Conforme

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veremos no capítulo a seguir, a Matemática na Grécia proporcionou avanços

importantes na direção do Cálculo Integral.

3.3 A Matemática na Grécia

A utilização da técnica associada à aproximação para a área de figuras

geométricas, juntamente com a introdução do conceito das magnitudes em adição ao

conhecimento dos números, permitiu uma mudança de abordagem dos problemas

relacionados à área que, do cálculo prioritariamente numérico, passaram a ser

tratados de forma geométrica; esta abordagem contribuiu para o avanço da

Matemática na civilização grega. Baron (1985, Livro I, p.2) afirma que o “modelo

geométrico exerceu um papel central no desenvolvimento do cálculo diferencial e

integral”.

A abordagem geométrica introduziu o termo “quadratura”, associado à

construção geométrica de um quadrado equivalente a uma figura geométrica. Em

especial, a quadratura do círculo tornou-se um problema clássico e “teve muita

influência no desenvolvimento da Matemática e particularmente no desenvolvimento

da integração”, (BARON, 1985, Livro I, p.34). Somente no século XIX viria a ser

demonstrada a impossibilidade de resolução da quadratura do círculo com os

instrumentos euclidianos – a régua e o compasso.

A seguir, veremos, na Matemática grega, um pouco do desenvolvimento do

conhecimento relativo às quadraturas de figuras geométricas, com suas respectivas

técnicas e conceitos. No entanto, vale ressaltar que, sempre que possível, traduzimos

os exemplos escolhidos para a notação atual, segundo a abordagem sugerida por

Baron (1985, Livro I, p.62): “Para entendermos as demonstrações dos gregos, é

essencial que aprendamos a utilizar seus instrumentos; para penetrarmos em seu

desenvolvimento é importante, às vezes, que sejam traduzidos seus resultados e

métodos para a notação contemporânea”.

A partir do século VIII a.C., os gregos expandiram muito seu território.

Fundaram grandes cidades do mundo atual como Marseille (660 a.C.), Nápolis,

Siracusa (733 a.C.), Istambul (657 a.C.) e outras, ao longo da costa dos mares Negro

e Mediterrâneo, o que lhes permitiu manter contato com as civilizações orientais, em

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especial com os babilônios e egípcios. Sabe-se também que no período de 800-600

a.C., além da expansão geográfica, houve um grande desenvolvimento cultural, o que

inclui um alfabeto próprio e poemas famosos como a Ilíada e a Odisséia, de Homero.

Galvão ressalta que:

Os gregos desenvolveram uma cultura rica e sensível, na busca da forma perfeita através da arte e da elevação do espírito pelo conhecimento orientado pela razão e pela Filosofia, que se caracteriza como o exercício do pensamento e da linguagem, em busca da verdade. Neste ambiente cultural, a Matemática se desenvolve e adquire uma linguagem própria e os processos empíricos, até então suficientes para responder às questões na forma de “como”, foram considerados insuficientes para as novas questões agora na forma do “porque”. (GALVÃO,2011).

Os aspectos filosóficos relacionados com os conceitos de espaço e de tempo,

a natureza de quantidades contínuas – medidas e sua divisibilidade ad infinitum com

implicações das quantidades infinitamente pequenas e o advento dos irracionais

foram objeto de estudo de várias escolas de pensamento, que buscavam na Filosofia

e na Matemática entendimentos que não gerassem paradoxos e contradições entre si.

Segundo Baron (1985, Livro I, p.4), de fato, alguns conceitos como as quantidades

infinitamente pequenas continuaram em aberto até o século XIX, quando foram

formalmente elaborados na estruturação do cálculo com base nos conceitos de

número e limites. Essa solução ainda deixou sem resposta as questões relacionadas

com os conceitos de indivisibilidade do contínuo e da natureza das quantidades

infinitamente pequenas. Apenas conseguiram separar estas questões da teoria do

Cálculo, declarando-as filosóficas, sem nenhuma utilidade prática para o matemático.

Boyer (2012, p.54) relata que, no período de 600-400 a.C., Tales (624-548

a.C.) e Pitágoras (580–500 a.C.) fomentaram o desenvolvimento da Matemática.

Tales fundou a escola Jônica que, juntamente com a escola Pitagórica, foram as

primeiras instituições dedicadas à criação, troca e difusão das ideias de um grupo e

de uma época.

Pitágoras, provavelmente nascido na ilha de Samos, foi um imigrante e teria

viajado pelo Oriente e passado algum tempo no Egito antes de se fixar em Crotona,

no sul da Itália, onde fundou uma escola e confraria religiosa, a escola Pitagórica.

Segundo Eves (2011, p.97) os pitagóricos se espalharam pela Grécia, difundindo

seus princípios religiosos e ensinamentos de Matemática numa organização

sistematizada que compreendia a Aritmética, a Música, a Geometria e a Esférica,

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denominadas o quadrivium. Eles acreditavam que tudo em geometria ou em qualquer

atividade humana poderia ser explicado em termos de números. Para os pitagóricos,

o número um era o princípio de todas as coisas e a filosofia baseava-se no postulado

de que a natureza é feita à imagem dos números naturais e suas partes. A aritmética

dedicava-se ao estudo das relações dos números, ou seja, o que hoje chamamos a

“teoria dos números” e a arte prática de calcular com números era chamada de

“logística”. Essa distinção perdurou na Matemática até a Idade Média.

Quanto ao Teorema de Pitágoras, conhecido desde os egípcios e babilônios,

supõe-se que tenha sido dada a prova geométrica utilizando igualdade de áreas.

Segundo Eves (2011, p.103), sua primeira demonstração geral pode ter sido dada por

Pitágoras, “muitas conjecturas têm sido feitas quanto à demonstração que Pitágoras

poderia ter dado, mas ao que parece foi uma demonstração por decomposição como

a que se segue”:

Figura 7: Ilustração da prova geométrica do teorema de Pitágoras. Fonte: Eves, 2011, p. 103.

À época, a incomensurabilidade da diagonal do quadrado de lado igual a 1 era

conhecida pelos pitagóricos e teria provocado uma revisão filosófica da escola sobre

os números, dado o conhecimento de que o comprimento desta diagonal não era um

número racional.

O período das escolas Eleata e Sofista (515-430 a.C.) foi marcado pelo esforço

dos matemáticos para resolver três grandes problemas da construção geométrica, a

saber:

a duplicação do cubo;

a quadratura do círculo;

a trisecção do ângulo.

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A Matemática de então lidava com dois tipos diferentes de atividades. O

primeiro, relacionado à aritmética - envolvendo “um sistema de contagem de

elementos discretos, separados e fisicamente indivisíveis” – o segundo, relativo à

geometria - envolvendo “medida de quantidades que são contínuas e, na imaginação,

‘infinitamente’ divisíveis, isto é, divisíveis sem fim”. Essas atividades estavam

relacionadas, pois o conhecimento sobre os números era utilizado para a medição.

Nesse ambiente, Parmênides e Zeno se destacaram como grandes

pensadores. Parmênides foi um dos precursores das ideias da Lógica; e Zeno,

utilizando-se dos conceitos de discreto e contínuo, incorporou as ideias das

dimensões do tempo e do espaço amplamente discutidas na Filosofia para propor

paradoxos envolvendo a questão do “infinito”, paradoxos esses que perduraram ao

longo dos séculos e, de alguma forma, estiveram relacionados com as ideias do

Cálculo.

Segundo Baron (1985, Livro I, p.23), o argumento de Zeno se desenvolve

assim: “ou o tempo e o espaço são infinitamente divisíveis, isto é, divisíveis sem fim,

ou existe um menor elemento indivisível de tempo (um instante) e de espaço (um

ponto)”.

Nos seus paradoxos, Zeno trata de problemas que se contradizem em relação

às hipóteses levantadas, porém examiná-los foge do nosso objetivo, que trata da

trajetória das quadraturas até o Cálculo Integral. No entanto, é importante ressaltar

que os conceitos de infinito, divisível ou indivisível e tais paradoxos motivaram várias

discussões que, objetivamente resultaram em técnicas e conceitos importantes para o

desenvolvimento do Cálculo Integral.

Quadraturas de figuras poligonais

O termo “quadratura” está associado à construção geométrica de um quadrado

equivalente a uma figura geométrica. A essa época, faltavam técnicas para a

determinação da área do círculo; no entanto, já era conhecida a técnica da quadratura

para as figuras poligonais. Na sequência de construções abaixo, Galvão (2011)

descreve os passos para obter-se a quadratura de uma figura poligonal qualquer. Se

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começamos com um triângulo ΔABC, é fácil seguir as etapas descritas e ilustradas a

seguir para construir um quadrado equivalente a ele:

inicialmente construímos o triângulo isósceles ΔABC’ com a mesma base

do triângulo ΔABC e o vértice C’ na reta paralela à base AB que passa pelo

vértice C;

o triângulo isósceles é equivalente ao retângulo cujos lados são MC’ e BM,

sendo M o ponto médio de AB;

Figura 8: Quadratura dos Triângulos. Fonte: Galvão, 2011.

construindo o triângulo retângulo ΔMDC’’, cuja hipotenusa tem

comprimento MB + BC’’, e BC’’ = MC’, temos que sua altura relativa à

hipotenusa terá comprimento x tal que x2 = BD2 = MB . BC’’ = MB . BC’ ou

ainda: área do quadrado é igual a x2 que é igual a área do retângulo que,

por sua vez, é igual a área do triângulo ΔABC;

D é o vértice do quadrado procurado.

Passando dos triângulos aos quadriláteros, observamos que é possível, para

um quadrilátero qualquer, construir um triângulo equivalente. A construção é simples,

e está ilustrada na figura a seguir:

Figura 9: Quadratura dos Quadriláteros. Fonte: Galvão, 2011

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A partir da diagonal BD, o triângulo ΔABD é equivalente ao triângulo ΔBDE,

sendo E o ponto de intersecção da reta que contém o lado BC com a paralela à

diagonal BD que passa pelo ponto A. Daí, o novo triângulo ΔECD é equivalente ao

quadrilátero ABCD.

A partir do triângulo ΔECD, construímos, conforme o processo anterior visto

para a quadratura do triângulo, um quadrado equivalente ao quadrilátero ABCD. Para

polígonos quaisquer, generaliza-se o procedimento utilizado para os triângulos.

As primeiras experiências com cálculos de áreas de figuras circulares, ainda

sem utilizar a técnica da aproximação por áreas de polígonos, foram registradas nos

estudos de Hipócrates, que utilizou a técnica da composição e decomposição de

figuras geométricas para a determinação, por equivalência, da área das chamadas

“Luas de Hipócrates”.

O exemplo, a seguir, obtido de Kline (1972, p. 41), ilustra a técnica de

Hipócrates para calcular a área de luas construídas sobre os lados de um triângulo

isósceles. Hipócrates mostrou que a área da lua é igual à área do triângulo retângulo

isósceles conforme ilustração abaixo.

Figura 10: Luas de Hipócrates. Fonte: Kline,1972, p. 41.

Hipócrates desenhou um semicírculo em torno do triângulo retângulo isósceles

de diâmetro AC e outro com diâmetro AB. Trabalhou com a hipótese de que as áreas

estão na razão do quadrado dos diâmetros, embora não tenha apresentado a prova

desta afirmação, visto que para tal fazia-se necessário utilizar o princípio da exaustão

de Eudoxo, de anos posteriores.

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A partir da hipótese utilizada, obtém-se a razão entre as áreas dos

semicírculos:

Figura 11: Luas de Hipócrates.

Fonte: Kline,1972, p. 41 (adaptação nossa).

Ou seja, a metade do semicírculo maior é igual ao semicírculo menor. Portanto,

ao subtrair a área comum entre as duas figuras, teremos a área da lua ADBE igual à

área do triângulo ABO. Hipócrates encontrou outras duas luas cuja quadratura podia

ser feita pelo mesmo processo, que se constitui numa estratégia muito interessante

para o trabalho em sala de aula na introdução das áreas de figuras não poligonais.

Hipócrates tratou das áreas das luas à época da Academia de Platão. Platão

nasceu em uma importante família e teria viajado pelo Egito e pela Itália, onde fez

contatos com os pitagóricos. Em Atenas, 387 a.C., fundou a Academia, nos moldes

de uma universidade, onde predominavam os estudos de Filosofia e Matemática. Na

escola platônica, as ideias matemáticas sofreram uma forte interação e influência da

Filosofia. Platão defendia que os conceitos matemáticos são independentes da

experiência e têm identidade própria; valorizava as ideias abstratas e a organização

formal das provas e dos métodos de raciocínio.

Uma significativa descoberta matemática da escola platônica foi atribuída a

Menaecmo, com o estudo das secções cônicas. Nesse estudo, estabelecendo uma

propriedade de igualdade de áreas, Menaecmo chegou à primeira definição de

parábola, utilizando um método de equivalência de áreas baseado na quadratura.

Como veremos, no decorrer do trabalho, tal método de equivalência de áreas será

amplamente utilizado para viabilizar novas técnicas de quadratura e para introduzir

novos conceitos que acabaram por resultar no Teorema Fundamental do Cálculo.

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O grande matemático da chamada época clássica, compreendida entre os

séculos VI e IV a.C., foi Eudoxo, nascido em 408 a.C., na Ásia Menor. Era

astrônomo, médico, geômetra, legislador e geógrafo; seu maior feito foi descrever o

movimento dos corpos celestes, sendo o responsável pela introdução da astronomia

na Grécia. Eudoxo retomou o problema da incomensurabilidade, surgido no tempo

dos pitagóricos. Como já comentamos anteriormente, os pitagóricos acreditavam que

tudo em geometria ou mesmo no mundo poderia ser expresso por números inteiros

ou por razões entre números inteiros, ou seja, todas as grandezas seriam

“comensuráveis” na forma ⁄

⁄ com m e n inteiros; porém, ao estudar a

diagonal de um quadrado de lado igual a 1, os pitagóricos se depararam com

grandezas “incomensuráveis”, ou seja, que não admitem uma unidade de medida em

comum. Dessas grandezas podia-se apenas dizer que são maiores, menores, iguais

ou que permanecem numa dada proporção em relação à outra quantidade da mesma

espécie. Para resolver o problema e evitar os números irracionais, Eudoxo introduziu

o conceito de magnitude, que não é um número, mas podia ser associada a um

segmento, a um ângulo, a áreas ou volumes. Magnitudes não eram associadas a

valores quantitativos, mas era possível definir-se razão ou proporção de magnitudes.

Com isso, mudou-se o conceito pitagórico e os fatos aritméticos passaram a ser

associados a procedimentos geométricos como, por exemplo, as quadraturas.

No contexto dessa inovação importante, Eudoxo elaborou a Teoria das

Proporções (razão entre grandezas) que muito contribuiu para os avanços da

Matemática. Encontra-se sua definição em Euclides:

Diz-se que grandezas estão na mesma razão, a primeira para a segunda e a terceira para a quarta, quando, dados quaisquer equimúltiplos da primeira e da terceira e dados quaisquer equimúltiplos da segunda e da quarta, os primeiros equimúltiplos simultaneamente excedem, são simultaneamente iguais ou ficam simultaneamente aquém dos últimos. (EUCLIDES, Elementos, Livro V, proposição 5).

Essa definição está consolidada na proposição 6, do mesmo livro V:

“Grandezas que têm a mesma razão dizem-se proporcionais”. Com notação atual,

pode-se escrever, assim, a Teoria das Proporções:

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⁄ ⁄ são grandezas proporcionais se, dados os inteiros m e n,

se ma < nb então mc < nd

se ma = nb então mc = nd

se ma > nb então mc > nd.

Eudoxo também sugeriu uma abordagem irrefutável sobre processos repetidos

continuamente, conhecido como Princípio de Eudoxo. Arquimedes, para calcular

áreas e volumes com mais precisão, fez uso intensivo do Princípio de Eudoxo,

descrito em Euclides:

Dadas duas grandezas desiguais, se da maior se subtrair uma grandeza maior do que a sua metade, e do que sobrar uma grandeza maior do que a sua metade, e se este processo for repetido continuamente, sobrará uma grandeza menor do que a menor das grandezas dadas. (EUCLIDES, Elementos, Livro X, proposição 1).

Na linguagem atual, tal princípio pode ser expresso assim:

Dado um número inteiro positivo , existem, sucessivamente, números

positivos

e assim por diante. Em geral, se

, então, existe um número inteiro positivo N tal que .

Em Boyer (1993, p. 2), encontramos que essa afirmação pode ser

generalizada, após 2.000 anos, substituindo-se “maior que sua metade” por “maior ou

igual à sua metade”. Assim:

Figura 12: Princípio de Eudoxo em notação atual dos limites. Fonte: Boyer, 1993, p. 2.

Aristóteles, contemporâneo de Platão, nasceu na Macedônia e por vinte anos

conviveu na Academia. Em 335 a.C., após a morte de Platão, fundou sua própria

escola. Aristóteles escreveu sobre Mecânica, Física, Matemática, Lógica, Botânica,

Psicologia, Zoologia, Ética, Literatura, Metafísica, Economia. Na sua visão, a Ciência

estava dividida em três áreas: teórica, produtiva e prática. As teóricas seriam a

Matemática, a Física (ótica, astronomia) e a Metafísica, sendo a Lógica o pressuposto

inicial. As produtivas seriam as Artes e as práticas, a Ética e a Política.

Se é a maior das duas grandezas (positivas)

e se

, então

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Aristóteles estabeleceu a noção de “definição” e uma organização lógica dos

conhecimentos e dos princípios básicos da Matemática, distinguindo axiomas -

noções comuns - de postulados, que seriam as afirmações aceitáveis, não

demonstradas, específicas de uma determinada área de conhecimento. Estabeleceu,

ainda, que o conjunto de axiomas e postulados deve ser o menor possível. Os

princípios estabelecidos por Aristóteles foram seguidos pelos matemáticos por muitos

séculos. Ele discutiu as noções de ponto, reta, magnitudes, continuidade, infinito. Sua

maior contribuição à Matemática foi a organização que lhe proporcionou a sua Lógica

na constituição dos conceitos.

Podemos, agora, entender a formação dos conceitos, como a reunião e a

compilação de enunciados verdadeiros a respeito de determinado objeto, utilizando o

instrumento da linguagem ou qualquer signo que possa traduzir e fixar essa

compilação.

E quanto ao infinito ? O que diz Aristóteles?

Quanto ao polêmico conceito das quantidades infinitamente pequenas ou

grandes, Aristóteles (apud Baron, 1985, Livro I, p.27), de forma pragmática, diz dos

matemáticos: “Na realidade, eles não precisam e nem usam o infinito. Eles apenas

postulam que a linha reta pode ser estendida como quiserem”. É desnecessário, diz

ele, usar a ideia de infinitamente grande ou infinitamente pequeno, pois: “Se

adicionarmos continuamente a uma quantidade finita, excederemos qualquer

grandeza dada e, do mesmo modo, se subtrairmos continuamente dela chegaremos a

alguma coisa menor do que ela”. Assim, a Matemática pode prosseguir trabalhando

com tais conceitos.

A escola de Alexandria – Euclides, Apolônio e Arquimedes

Em 338 a.C., Atenas foi invadida, em virtude da expansão do império de

Alexandre, o Grande. Alexandre planejou e construiu a cidade de Alexandria, que se

tornou o grande centro de atividade comercial, literária e científica. Aí se

estabeleceram a maior biblioteca e o maior centro de estudos de Matemática da

Antiguidade – o Museu, onde o trabalho era dividido em quatro grandes áreas:

Literatura, Matemática, Astronomia e Medicina, sendo que a Matemática ocupava um

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lugar de destaque. Matemáticos ilustres, como Euclides, Arquimedes, Apolônio,

Eratóstenes, Heron, Pappus dentre outros, fizeram parte deste centro de estudos.

Veremos, a seguir, as contribuições de Euclides, Apolônio e Arquimedes que,

juntos, promoveram a transição do conhecimento adquirido de forma intuitiva pelos

antigos gregos, egípcios e babilônios para uma fase de formalização dos conceitos a

respeito de determinado objeto. Para tanto, partindo da axiomatização, foram

reunidos e compilados os resultados conhecidos até esta época. O advento dos

Elementos de Euclides consolidou a estrutura axiomática da Matemática grega.

Euclides unificou uma coleção completa de teoremas isolados numa estrutura simples

e dedutiva, baseada em axiomas, postulados iniciais e definições, conforme proposto

por Aristóteles.

Euclides (330 - 260 a.C.)

Euclides é o mais famoso dos nomes da escola de Alexandria. Sabemos muito

pouco sobre sua vida e o período em que teria trabalhado em Alexandria, sendo

provável que parte de sua formação tenha acontecido em Atenas. Euclides

estabeleceu os axiomas, postulados e definições e compilou uma coletânea de

teoremas; utilizou, frequentemente, a forma geométrica de representação. Toda a

teoria de números dos gregos foi incorporada à estrutura geométrica proposta por

Euclides e todos os conceitos impossíveis de serem expressos nesses termos foram

eliminados – “nunca se invoca o infinito” Baron (1985, Livro I, p.27) - nas definições de

Euclides. O trabalho principal de Euclides, Os Elementos (por volta de 300 a.C.),

pode ser considerado um dos mais famosos livros já escritos, sobre o qual se apoia o

ensino de Geometria elementar há mais de dois mil anos. Deve-se a Euclides a

escolha dos postulados e a organização dos teoremas, assim como a elegância e o

rigor das demonstrações. Há referências sobre a grande importância e influência que

o trabalho exerceu, já na época em que foi escrito e, também, nas gerações que se

sucederam.

Os treze livros de Os Elementos contêm 465 proposições que tratam de tópicos

de Geometria, Teoria dos Números e Álgebra (geométrica), assim distribuídos:

Livro I – Congruência, paralelismo, teorema de Pitágoras

Livro II – Identidades geométricas, áreas, razão áurea

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Livro III – Circunferências

Livro IV – Polígonos inscritos e circunscritos

Livro V – Estudo geométrico das Proporções

Livro VI – Semelhança de polígonos

Livros VII a IX – Aritmética (teoria dos números, tratada geometricamente)

Livro X – Magnitudes incomensuráveis

Livro XI a XIII – Geometria sólida (espacial)

Retomando a questão principal do nosso trabalho relativa ao cálculo das áreas,

observamos na segunda e quinta definições do Livro I dos Elementos de Euclides:

“linha é comprimento sem largura” e “superfície é aquilo que tem somente

comprimento e largura”, ressaltando o caráter bidimensional da superfície em relação

ao unidimensional da linha.

Quanto aos cálculos de áreas, em Euclides encontramos a equivalência de

áreas de figuras geométricas, envolvendo a decomposição e a congruência, além das

técnicas de quadratura já conhecidas.

Uma análise de recortes feitos a partir da tradução em português do Os

Elementos (EUCLIDES, 2009) destaca os vários conceitos e as técnicas de

equivalência utilizadas por Euclides para o cálculo de áreas, conforme veremos em

alguns exemplos abaixo.

Nas proposições iniciais do Livro I, Euclides estabelece a construção de

segmentos congruentes a um segmento dado, a diferença de segmentos desiguais, a

construção da mediatriz e da perpendicular de uma reta por um ponto não

pertencente a ela. As provas são feitas, utilizando construções geométricas. Em

seguida, trata das propriedades dos lados e ângulos de um triângulo e os conhecidos

casos de congruência ALA e LAAo. Depois de estudar as propriedades das retas

paralelas e a soma dos ângulos de um triângulo, Euclides passa às propriedades dos

paralelogramos.

Encontramos, na proposição 35, Livro I, a primeira comparação de áreas:

“Os paralelogramos que estão sobre a mesma

base e nas mesmas paralelas são iguais”.

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Para a prova da “igualdade”, conforme figura a seguir, os passos importantes

são:

os segmentos DF e CE são congruentes;

os triângulos AFD e BEC são congruentes;

os triângulos ABG e FCG são congruentes;

os trapézios ADCG e BEFG são “iguais” ou, na linguagem atual,

equivalentes pois está sendo considerado que têm a mesma área;

finalmente, conclui-se que os paralelogramos ABCD e BEFA são “

iguais”.

Figura 13: Propriedades dos paralelogramos por congruência. Fonte: Própria.

A proposição 36 do Livro I trata de paralelogramos com bases iguais, mas não

necessariamente coincidentes e com mesma altura.

A proposição 37 trata da igualdade de áreas de triângulos com a mesma base

e a mesma altura: “Os triângulos que estão sobre a mesma base e nas paralelas são

iguais entre si”.

Figura 14: Equivalência de áreas de triângulos. Fonte: Própria.

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A estratégia, nessa proposição, é considerar cada um dos triângulos como

metade de paralelogramos nas condições da proposição anterior; logo, suas áreas são

iguais. A proposição seguinte trata da igualdade das áreas dos triângulos com bases e

alturas congruentes, e a prova usa argumentos semelhantes aos já aqui resumidos.

Figura 15: Equivalência de áreas de triângulos por congruência. Fonte: Própria.

A estratégia, nessa proposição, é considerar cada um dos triângulos como

metade de paralelogramos nas condições da proposição anterior, logo, suas áreas

são iguais.

A proposição 41 trata de outra propriedade bastante utilizada: “Caso um

paralelogramo tenha tanto a mesma base que um triângulo quanto esteja nas

mesmas paralelas, o paralelogramo é o dobro do triângulo”.

Deve-se destacar, nas proposições citadas, a utilização da congruência e da

decomposição para se chegar à equivalência das áreas.

Ainda no Livro I, a última proposição trata da demonstração do teorema de

Pitágoras, ilustrado a seguir, usando equivalência de áreas e decomposição das

figuras. Neste caso trata-se da equivalência das áreas dos triângulos e metades de

retângulos.

Figura 16: Demonstração do Teorema de Pitágoras por Euclides. Fonte: Os Elementos (EUCLIDES, 2009, proposição 47).

Os triângulos FBC e ADB são congruentes, uma vez que FB = AB, e BC =BD e,

tanto o ângulo FBC como o ângulo ABD são iguais à soma de um ângulo reto com

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ABC. Logo, as suas áreas são iguais e os respectivos dobros são iguais, ou seja, a

área do quadrado ABFG é igual à do retângulo BDLH. Analogamente, os triângulos

KCB e ACE são congruentes e, portanto, a área do quadrado ACKH é igual à do

retângulo CELH. Finalmente, a soma das áreas dos dois quadrados é igual à soma

das áreas dos dois retângulos, ou seja, a área do quadrado BDEC.

Para enfatizar a aplicabilidade da técnica, buscamos em Eves (2011, p.119)

outros resultados relativos ao teorema de Pitágoras, envolvendo composição e

decomposição de áreas.

Figura 17: Decomposição e Equivalência de áreas. Fonte: Eves, 2011, p.119.

Retomando Os Elementos (EUCLIDES, 2009), no Livro II encontramos outros

exemplos de decomposição de figuras e o estabelecimento de equivalências de áreas

que, hoje, podemos associar com expressões algébricas. Alguns autores a

consideram como uma “álgebra geométrica”, em razão das expressões algébricas

que podemos associar a cada uma das proposições, como nos exemplos abaixo.

No Livro II (EUCLIDES, 2009), proposição 4, encontramos o enunciado:

“Dividindo-se um segmento de reta em duas partes, o quadrado sobre o

segmento todo é igual à soma dos quadrados sobre as partes juntamente com o

dobro do retângulo contido pelas partes.”

(a + b)2 = a2 + b2 + 2.ab”

Figura 18: Proposição 4 - Decomposição e Equivalência de áreas. Fonte: Própria

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A proposição 5 do Livro II (EUCLIDES, 2009), mostra o enunciado:

“Dividindo-se um segmento de reta em partes iguais e desiguais, o retângulo

contido pelas partes desiguais, junto com o quadrado sobre a reta entre os pontos de

secção é igual ao quadrado sobre a metade da reta.”

(a + b).(a - b) + b2 = a2

Figura 19: Proposição 5 - Decomposição e Equivalência de áreas. Fonte: Própria

A proposição 9 do Livro II (EUCLIDES, 2009), exibe o enunciado:

“Se um segmento de reta é cortado em partes iguais e desiguais, então a soma

dos quadrados sobre as partes desiguais é igual ao dobro da soma do quadrado

sobre as metades com o quadrado sobre a reta entre os pontos de secção.”

(a + b)2 + (a – b)2 = 2.(a2 + b2)

Figura 20: Proposição 9 - Decomposição e Equivalência de áreas. Fonte: Própria

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Euclides utilizou também a técnica geométrica da semelhança de triângulos no

tratamento das equações de primeiro grau. Para os Gregos, uma equação de primeiro

grau só fazia sentido se fosse equivalente a uma igualdade de áreas: , que

também tem uma forma equivalente, se consideramos a proporção:

⁄ .

Tomando o retângulo com lados a e b, marcando o comprimento c sobre o lado

de comprimento a, traçando a paralela e a diagonal, temos a solução x, usando a

semelhança de triângulos.

Figura 21: Semelhança de triângulos. Fonte: Própria.

Segue abaixo um panorama focando a formalização de conceitos encontrados

nos demais livros contidos nos Elementos (EUCLIDES, 2009). Os Livros III e IV

tratam de propriedades da circunferência, inscrição e circunscrição. No livro V,

aparece, na primeira definição, a “magnitude” ou “grandeza”: “Uma magnitude é uma

parte de uma magnitude, a menor da maior, quando meça exatamente a maior”. Em

seguida, sem que o significado da “magnitude“ ou “grandeza” esteja exatamente

determinado, aparecem as relações entre magnitudes: múltiplas, razão entre elas,

proporção entre magnitudes e outras. Todas as proposições do Livro V tratam das

relações entre magnitudes, incluindo a teoria das proporções.

O Livro VI (EUCLIDES, 2009), trata de semelhança de figuras. Somente no

Livro VII aparecem as relações entre números e medidas. Vejamos as primeiras

definições:

“1. Unidade é aquilo segundo a qual cada uma das coisas existentes é dita

uma.

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2. Número é a quantidade composta de unidades.

3. Um número é uma parte de um número, o menor, do maior, quando meça

exatamente o maior e

4. partes, quando não meça o maior.

5. O maior é um múltiplo do menor, quando seja medido exatamente pelo

menor”.

Observando os enunciados das cinco primeiras definições, verificamos que,

para Euclides, o número está associado a uma representação geométrica, pela

menção à medida, assim como havia sido proposto por Eudoxo. A relação entre os

números e a área ou o volume vem após a definição de multiplicação no Livro VI

(EUCLIDES, 2009):

“16. Um número é dito multiplicar um número, quando, quantas são as

unidades nele tantas vezes o multiplicado seja adicionado e algum seja

produzido.

17. E quando dois números, tendo sido multiplicados entre si, façam algum, o

produzido é dito plano, e os lados dele, os números que foram multiplicados

entre si.

18. E quando três números, tendo sido multiplicados entre si, façam algum, o

produzido é sólido, e os lados dele, os números que foram multiplicados.

...

22. Números planos e sólidos semelhantes são os que têm os lados em

proporção”.

Devemos ainda reforçar que no Livro X (EUCLIDES, 2009), proposição 1,

encontra-se a formalização do Princípio de Eudoxo que será extremamente

importante para o desenvolvimento do Cálculo Integral, conforme veremos em

Arquimedes.

Dadas duas grandezas desiguais, se da maior se subtrair uma grandeza maior do que a sua metade, e do que sobrar uma grandeza maior do que a sua metade, e se este processo for repetido continuamente, sobrará uma grandeza menor do que a menor das grandezas dadas. (EUCLIDES, 2009, Livro X, proposição1).

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Euclides formalizou vários conceitos matemáticos que deram impulso ao

desenvolvimento da Matemática como um todo e, em especial, ao cálculo de áreas.

Ao invés das técnicas de quadratura já conhecidas, Euclides utilizou a comparação de

áreas de figuras geométricas envolvendo a decomposição, juntamente com as

definições construídas com base no conceito de congruência, tais como: a construção

de segmentos congruentes a um segmento dado, a diferença de segmentos

desiguais, a construção da mediatriz e da perpendicular de uma reta por um ponto

não pertencente a ela, das propriedades dos lados e ângulos de um triângulo e os

conhecidos casos de congruência ALA e LAAo, das propriedades das retas paralelas

e da soma dos ângulos de um triângulo, das propriedades dos paralelogramos, dentre

outros; todas com provas feitas utilizando construções geométricas. Com este aparato

conceitual, válido até a atualidade, Euclides estabeleceu várias técnicas para o

cálculo e a equivalência de áreas de figuras geométricas poligonais, com destaque na

utilização da congruência para se chegar à equivalência das áreas. Em Euclides,

observamos o conceito da congruência alavancando o desenvolvimento de novas

técnicas de cálculo de áreas.

Apolônio (262 -190 a.C.)

Apolônio nasceu em Perga, na Ásia Menor, e teria vindo até Alexandria para

estudar com os matemáticos sucessores de Euclides. Tornou-se um dos maiores

matemáticos da Antiguidade e sua maior obra está relacionada ao estudo das

secções cônicas.

As Cônicas de Apolônio eram constituídas originalmente por oito livros, com

cerca de 400 proposições. Os quatro primeiros volumes tratam de resultados já

conhecidos sobre o assunto, que de alguma forma foram tratados por Menaecmo,

Euclides e outros. Ao contrário de seus antecessores, Apolônio não considerava três

tipos de cone para estudar as secções, e aí está uma das características inovadoras

do tratamento dos resultados já conhecidos. Apolônio denominou “cônicas” as

secções de um cone qualquer, diferenciadas entre si como parábolas, elipses ou

hipérboles, adotando o ponto de vista baseado em comparação de áreas, como

veremos a seguir, a partir de Katz (2009, p. 115).

No seu trabalho, Apolônio tomou um cone qualquer, formado pela reunião das

retas que passam por um ponto comum e pelos pontos de uma circunferência. Ele fez

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cortes no cone para gerar as cônicas. Seja V o vértice de uma cônica. Para cada

ponto P da cônica, construiu um quadrado cujo lado tem o comprimento do segmento

da perpendicular PX do ponto ao eixo da cônica. Apolônio comparou essa área com a

área do retângulo que tem por base o segmento VX e por altura o “latus rectum“ L da

cônica, que é a corda perpendicular ao eixo, passando pelo foco da cônica. Por meio

desta técnica, Apolônio classificou as cônicas baseado na comparação destas áreas,

conforme ilustrado a seguir.

A parábola é a cônica em que a área do quadrado, para cada ponto P, é

igual à área do retângulo cuja altura é o latus rectum L. Se adotarmos a

linguagem atual, podemos dizer, neste caso, que: y2 = Lx

Figura 22: Parábola de Apolônio. Fonte: Própria.

A elipse é a cônica em que a área do quadrado, para cada ponto P, é

menor do que a área do retângulo cuja altura é o latus rectum L.

Podemos dizer, neste caso, que: y2<Lx

Figura 23: Elipse de Apolônio. Fonte: Própria.

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A hipérbole é a cônica em que a área do quadrado, para cada ponto P, é

maior do que a área do retângulo cuja altura é o latus rectum L.

Podemos dizer, neste caso, que: y2>Lx

Figura 24: Hipérbole de Apolônio. Fonte: Própria.

Conforme veremos no decorrer do trabalho, passados mais de um milênio, tal

método da comparação de áreas utilizado por Apolônio, foi utilizado também, dentre

outros, por:

Pascal, para calcular a área do que chamou “a curva dos senos”, a área

delimitada por qualquer arco no primeiro quadrante do círculo .

Barrow, para relacionar os conceitos de Integral e Inclinação das

Tangentes, que acabaram por resultar no Teorema Fundamental do

Cálculo.

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4. ARQUIMEDES - o precursor do Cálculo Integral

Arquimedes (287 – 212 a.C.) que também viveu na Grécia, constitui um

capítulo à parte, dada sua importância no desenvolvimento do Cálculo Integral. Boyer

(1993, p.7) diz que “Ninguém, no mundo antigo, se igualou a Arquimedes, quanto à

invenção e à demonstração, ao lidar com problemas relacionados ao cálculo

elementar”.

Arquimedes, que viveu muito tempo em Siracusa, era intelectualmente

privilegiado, com muitas habilidades para problemas práticos e para mecânica:

inventou bombas d’água, vasos comunicantes, polias, alavancas, artefatos

militares, catapultas, espelhos parabólicos. Muitas histórias são contadas sobre

seus feitos, e seus trabalhos abrangem várias áreas do conhecimento,

ultrapassando os limites do seu tempo e sendo, por isso, considerado

absolutamente excepcional para a sua época.

4.1 Áreas e as primeiras ideias da integração

Com Arquimedes, o Cálculo Integral começou a delinear-se como um conjunto

mais elaborado de ferramentas, técnicas e estruturas de demonstrações. Para

melhor entendermos tais demonstrações, é importante trazer seus resultados e

métodos para a notação contemporânea. O conhecimento obtido a partir dos estudos

de Arquimedes foi registrado num tratado sumário chamado O método (HEATH, 2002,

pg. 326), descoberto em Constantinopla em 1906. Nesse tratado Arquimedes deu

algumas indicações, ainda vagas, sobre como descobriu alguns de seus teoremas.

Dois aspectos são muito importantes nas origens do Cálculo Integral – o

método da Exaustão, derivado do Princípio de Eudoxo, e os métodos Mecânico e de

Integração inventados por Arquimedes. O Princípio de Eudoxo, descrito abaixo,

estava mais alinhado com o conceito de Limites desenvolvidos no século XIX e

permitiu desenvolver um método impecável, para estabelecer a validade de um

teorema. Com o método Mecânico ou da Alavanca, que consistia num esquema

experimental para equilibrar entre si os “elementos” de figuras geométricas,

Aristóteles conseguiu muitos valores de áreas e volumes de figuras geométricas que,

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porém, deveriam ser submetidos a uma prova geométrica. Como uma antecipação do

Cálculo Integral, os métodos de Integração de Arquimedes, identificados assim por

Baron (1985, Livro I, p.40), envolviam os elementos de dimensionalidade menor,

conceitos estes mais alinhados aos indivisíveis no desenvolvimento do Cálculo a

partir do século XV. Conforme será visto nos estudos da Europa medieval, em

especial Simon Stevin (1548-1620) e Luca Valério (1552-1618) retomam tal método

de integração e introduzem inovações com tentativas de “passagem direta ao limite”.

Arquimedes explorou os três métodos com sucesso. Selecionamos quatro

exemplos de cálculo de áreas utilizando a técnica das aproximações geométricas e os

métodos mencionados acimas, a saber:

Área do círculo – método da exaustão.

Área do segmento parabólico – método da exaustão.

Área do segmento parabólico – método mecânico de Arquimedes.

Área do segmento parabólico – método de integração de Arquimedes.

4.2 Método da Exaustão – Círculo e Segmento parabólico y=x2

Retomando brevemente a definição do Princípio de Eudoxo em Euclides:

Dadas duas grandezas desiguais, se da maior se subtrair uma grandeza maior do que a sua metade, e do que sobrar uma grandeza maior do que a sua metade, e se este processo for repetido continuamente, sobrará uma grandeza menor do que a menor das grandezas dadas. (EUCLIDES, 2009, Livro X, proposição 1).

Na linguagem atual, pode-se dizer que: “Dado um número positivo , existem

números positivos

e assim por diante. Na

linguagem atual: Seja . Então existe um número positivo N tal que .”

Arquimedes usou o Princípio de Eudoxo, associado à técnica das

aproximações geométricas, o que lhe permitiu estabelecer um método para calcular a

área e o volume de vários objetos geométricos delimitados por curvas. Esse método

consistia em escolher a melhor aproximação geométrica das figuras e efetuar muitos

cálculos utilizando aproximações cada vez mais refinadas. Segundo Baron (1985,

Livro I, p.37), somente em 1647, Grégoire de Saint-Vicent introduziu o termo

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“exaustão” para descrever esse método de demonstração que, aliás, foi utilizado e

tido como essencial até o final do século XVII, quando as demonstrações adotaram a

prática da “passagem direta ao limite”.

Área do círculo utilizando o método da exaustão

Para calcular a área do círculo, Arquimedes preencheu-o com polígonos de um

número cada vez maior de lados. O quociente formado pela área desses polígonos

dividido pelo quadrado do raio do círculo pode ser tão arbitrariamente próximo do real

valor de 𝝅 quanto for grande o número de lados do polígono.

Vejamos como isso foi estruturado por Arquimedes no esboço de uma

demonstração, usando o processo de “redução ao absurdo”. Esse método foi

retomado no século XV em estudos de Simon Stevin e Luca Valério, que introduziram

algumas inovações no processo.

Na Medida do Círculo, proposição 1 (HEATH, 2002, pg.91), Arquimedes define

a área do círculo, descrito abaixo geometricamente, como sendo a área do triângulo

retângulo onde um dos lados é o comprimento de sua circunferência e o outro tem a

medida do raio. Arquimedes foi o primeiro a demonstrar rigorosamente a referida

proposição utilizando o método da exaustão.

Figura 25: Ilustração da Quadratura do Círculo feita por Arquimedes. Fonte: Heath, 2002, pg.91.

Utilizando notação atual, destacamos alguns pontos para entendimento da

demonstração original de Arquimedes, descrita em Baron (1985, Livro I, p.34).

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Seja C a área do círculo e K a área do polígono inscrito ou

circunscrito no círculo. Então C=K ou C < K ou C > K.

Seja C > K : Polígonos inscritos.

1. É intuitivo que a área de cada de cada polígono inscrito

pn > pn-1 > pn-2 > ... > p1. Cada polígono sucessivo é

formado de seu antecessor por acréscimo de um

conjunto de triângulos.

2. Conforme visto a seguir, cada um destes triângulos

possui área maior que a metade do segmento circular

que o envolve. Assim:

ΔAMB = ½ ABSR > ½ segmento AMB

Segue que p2 – p1 > ½ (C - p1) e em geral

Pn+1 - pn > ½ (C – pn)

3. Pelo Método de Eudoxo, descrito em Euclides X,1 isto

significa que a diferença entre C e pn pode ser

considerada tão pequena quanto se queira. Ou seja,

podemos ter C - pn < C – K o que resulta em K < pn e

portanto pn > K.

4. Pela hipótese C > K, sabemos tratar-se de polígonos

inscritos e, portanto, para qualquer n, pn < K, o que gera

uma contradição. Portanto C ≥ K. (i)

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Agora vamos supor C > K : Polígonos circunscritos.

1. É intuitivo que a área de cada de cada polígono

circunscrito pn > pn+-1 > pn+2 > ....

Cada polígono sucessivo é formado de seu antecessor

por decréscimo de um conjunto de triângulos.

2. Conforme visto ao lado, cada um destes triângulos

retirados possui área maior que a metade da diferença

entre o polígono anterior e a área do círculo C. Assim:

Pr - Pr+1 > ½ (Pr – C)

3. Segundo Euclides, Elementos X,1, podemos chegar à

um polígono pn tal que pn – C > K – C. Logo pn < K.

4. Pela hipótese C > K, sabemos tratar-se de polígonos

circunscritos e, portanto, para qualquer n, pn > K, o que

gera uma contradição. Portanto C ≤ K. (ii)

De (i) e (ii) conclui-se que C = K.

Segundo Boyer, convencido do método de descoberta, Arquimedes efetuou

muitos cálculos de áreas de polígonos para encontrar um valor aproximado de 𝝅.

Usando polígonos de 96 lados, [Arquimedes] mostrou que a área de um círculo mantém para com o quadrado de seu raio uma razão que se situa

entre 3 10/71 e 3 10/70, numa estimativa de 𝝅 notavelmente boa. (BOYER, 1993, p.29).

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Área do Segmento parabólico y=x2 utilizando o método da exaustão

Preenchendo o segmento parabólico com triângulos, Arquimedes demonstrou

que a área do segmento parabólico é 4/3 da área do triângulo inscrito; ele utilizou o

método da aproximação de figuras geométricas, em conjunto com o método da

exaustão, conforme figura abaixo.

Figura 26: Área de um segmento parabólico – Método da Exaustão.

Fonte: Boyer, 1993, p. 58 (adaptação nossa).

Utilizando a semelhança de triângulos no diagrama acima, Arquimedes

concluiu que:

(i) o ΔADC = ¼ ΔABC e o ΔAD’C = ¼ ΔADC = 1/16 ΔABC

(ii) ΔADC + ¼ ΔABC + 1/4² ΔABC + 1/4³ ΔABC + .... + 1/4ⁿ ABC aproxima-se

cada vez mais de 4/3 ΔABC, à medida que n vai crescendo.

Por que o ΔADC = ¼ ΔABC ?

Arquimedes utilizou a definição da parábola AF = k(FD)² e AB = k(BC)² e a

comparação dos segmentos FD = BM = ½ BC. Concluiu que AF= ¼ AB.

Como os Δs ABC e EMC são semelhantes e MC = ½ BC temos que EM = ½ AB.

Se EM = ½ AB e AF = ¼ AB então DE = ¼ AB.

Depois, comparando o ΔADE e o ΔAEM vemos que têm a mesma altura e

bases ¼AB e ½AB respectivamente. Logo ΔADE = ½ ΔAEM. De forma análoga

ΔDEC = ½ ΔEMC. Por adição, temos que o ΔADC = ΔADE + ΔDEC = ½ ΔAEM +

½ ΔEMC = ½ ΔACM. Como ΔADC = ½ ΔACM e ΔACM = ½ ΔABC temos ΔADC

= ¼ ΔABC.

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Por que, à medida que n cresce, a soma abaixo se aproxima de 1/3?

ΔADC + ¼ ΔABC + 1/4² ΔABC + 1/4³ ΔABC + .... + 1/4ⁿ ABC

Boyer (1993, p.60) afirma que Arquimedes foi o primeiro matemático a

enfrentar problemas envolvendo limites e séries. Um exemplo está na demonstração

desta soma na qual, em notação atual, temos:

Katz (2009, p.108) descreve a demonstração de Arquimedes, que não utilizou a

fórmula de Euclides para a soma de uma progressão geométrica, descrita em

Elementos IX, 35. Ao invés, recorreu à dupla redução ao absurdo. Assim, dada a

série:

⁄ ( ⁄ ) ( ⁄ )

⁄ ( ⁄ )

Seja K = ( ⁄ ) a soma da série.

Seja A a área do segmento parabólico.

Seja T a área dos triângulos inscritos no segmento parabólico.

Ou K = A, ou K > A ou K < A.

Se K < A podemos definir = A - K e podemos inscrever tantos triângulos no

segmento até que A – T < , ou seja, A – T < A – K. E para tal, T > K o que é uma

contradição, pois a fórmula mostra que T < ( ⁄ ) = K.

Mas, se K > A podemos definir = K - A e teremos algum n para o qual ( ⁄ ) <

ou seja, ( ⁄ ) < K – A. Mas, K – T = ⁄ (

⁄ )

< ( ⁄ ) . E como tal, A < T, o que

é novamente uma contradição. Portanto, A = K = ( ⁄ ) , conforme Arquimedes queria

demonstrar.

Esse método foi anterior às primeiras ideias do cálculo que, como veremos na

sequência, começaram a delinear-se nos métodos mecânico e de integração.

4.3 Método Mecânico - Segmento parabólico y=x2

Além de utilizar amplamente o Método da Exaustão, Arquimedes introduziu

uma técnica revolucionária, referenciada por ele mesmo como o Método da Alavanca

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75

ou Método Mecânico (Boyer, 1993, p. 57), que consistia num esquema para equilibrar

entre si os “elementos” de figuras geométricas, os quais são obtidos pela divisão da

figura. A técnica utilizava o conceito de elementos de dimensionalidade menor,

juntamente com a ideia de quantidades infinitamente grandes ou pequenas. Essa a

abordagem mostrou-se heuristicamente frutífera ao admitir que:

Um segmento de reta era formado por inúmeros pontos.

Uma superfície plana era formada por uma quantidade indefinidamente ou

infinitamente grande de segmentos de reta.

Um sólido era considerado como uma totalidade de elementos planos

paralelos.

Na Quadratura da Parábola, proposições 6 e 7 (HEATH, 2002, pg.238),

Arquimedes coloca em equilíbrio as áreas do ΔBCD, reto ou obtuso, com o elemento P

= ⁄ ΔBCD, conforme digrama abaixo:

Figura 27: Balanceando a área de um triângulo reto ou obtuso – Método Mecânico. Fonte: Heath, 2002, pg.238.

A alavanca está definida pelo segmento AB e seu ponto médio O. E é o ponto

determinado pela razão entre os segmentos AE=2 . EB e G, o centro de gravidade do

ΔBCD, é ponto médio do segmento FH. Nessas condições, os elementos estão em

equilíbrio e, pela razão entre as grandezas, temos que:

P : ΔBCD = OE : AO = 1 : 3 Portanto P = ⁄ ΔBCD.

Em Katz (2009, p.105), encontramos um exemplo contido em O Método de

Arquimedes para o cálculo da área do segmento parabólico y=x². No diagrama a

seguir, Arquimedes definiu uma alavanca dada pelo segmento HC com ponto de

equilíbrio em K. Em seguida, dividiu o ΔAFC em segmentos de reta e, para cada um

deles, utilizou dados aferidos por semelhança de triângulos e equilibrou as partes do

segmento na referida alavanca.

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Figura 28: Balanceando a área de um segmento parabólico – Método Mecânico. Fonte: Katz, 2009, p. 105.

Arquimedes observou que a área do segmento parabólico ABC = ⁄ ΔACF. Mas

como ΔACF = 4 . ΔABC, conclui então que a área do segmento parabólico ABC =

⁄ ΔBCD.

Katz (2009, p. 105) faz referência ao “Método Mecânico ou da Alavanca” no

qual Arquimedes declara que o resultado obtido com tal técnica é apenas um valor

provável que deveria ser submetido a uma prova geométrica – aquela já vista

anteriormente, ou seja, pela composição dos triângulos juntamente com o método da

exaustão.

4.4 Método de Integração de Arquimedes11 - Segmento parabólico y=x2

Baron (1985, p.40) refere-se ao presente processo como Método de Integração

de Arquimedes - uma antecipação do Cálculo Integral - e observa que Arquimedes

também entendeu ser necessário demonstrar que o processo ou técnica de dividir as

figuras geométricas em elementos de dimensionalidade menor poderia ser válida e

aplicável a qualquer sólido dado e, para tanto, deveria utilizar uma prova geométrica.

Assim, com o Princípio de Eudoxo e o conceito de séries obtidas de observações

geométricas, Arquimedes demonstrou sua proposição de forma rigorosa.

Em Sobre Conoides e Esferoides, proposições 19 e 20 (HEATH, 2002, pg.129),

encontramos uma demonstração para o cálculo do volume de um sólido de revolução

gerado por um segmento de parábola ou hipérbole, válida também para uma sessão

menor que a metade de um esferoide. Para calcular tais volumes, Arquimedes fatiou o

sólido em planos, “elementos de dimensionalidade menor”, e se propôs a calcular a

área dessas superfícies, pensando em inscrever e circunscrever outra figura plana em

11 Denominação utilizada por Baron (1985, p.40).

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torno desta superfície, cada uma delas construída de paralelogramos com alturas

iguais. Para o cálculo das superfícies, Arquimedes utilizou o conceito de “elementos

menores”, no caso, os paralelogramos. Para facilitar a compreensão do método,

descreveremos em linhas gerais a demonstração do cálculo da área da superfície

delimitada pelo segmento parabólico. Dividimos a superfície em paralelogramos

horizontais, inscritos e circunscritos ao segmento parabólico y=x², conforme ilustração

a seguir.

Figura 29: Área de um segmento parabólico – Integração de Arquimedes. Fonte: Heath, 2002, pg.130.

Seja ci a representação para cada paralelogramo circunscrito e ii cada

paralelogramo inscrito; Cn e In as áreas respectivas da somatória dos paralelogramos.

Seja E a área envolvente da figura – nesse caso a área do paralelogramo que envolve

toda a figura, e ei cada fatia dessa área

. Assim:

In = i1 + i2 + i3 + ... + in

Cn = c1 + c2 + c3 + ...+ cn

E = e1 + e2 + e3 + ... + en

Da figura temos ainda que i1 = 0 e c1 = i2 , c2 = i3, ... de forma que

(c1 + c2 + c3 + .... – (i1 + i2 + i3 + ...) = i1 + cn = cn).

Ou seja, Cn – In = cn.

Porém, cn = en, que é uma fatia da área envolvente (e1 = e2 = e3 = ... = en).

Como en = E/n, temos Cn– In = cn = en = E/n. Se tomarmos n suficientemente

grande, Cn e In aproximam-se ou convergem para o mesmo valor. Arquimedes utilizou

a demonstração por redução ao absurdo com o elemento de redução Cn = In. Assim,

ele demonstrou a validade de sua técnica de dividir as superfícies em paralelogramos.

Observamos, no entanto, que tal processo do cálculo de áreas, utilizando

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paralelogramos como “elementos menores” é válido para áreas delimitadas pelo

gráfico de funções crescentes ou decrescentes.

Neste ponto, conforme figura abaixo, é possível compreender o mesmo

resultado gerado a partir dos métodos da Exaustão e da Integração de Arquimedes,

ambos utilizados para o cálculo da área do segmento parabólico .

Figura 30: Composição - Métodos da Exaustão e Integração de Arquimedes. Fonte: Fonte: Boyer, 1993, p. 58 (adaptação nossa).

A área delimitada pelo segmento parabólico y=x2 com o eixo x é igual a

⁄ ΔABC e a área delimitada pelo mesmo segmento parabólico y=x2

com o eixo y é

igual a ⁄ ΔABC.

Com os métodos da Exaustão, Mecânico e da Integração, Arquimedes efetuou

vários estudos com resultados importantes, tais como:

a área de uma elipse é proporcional à área de um retângulo que tem

lados iguais aos seus eixos;

o volume de uma esfera é 4 vezes o de um cone de base e altura iguais

ao seu raio;

o volume de um cilindro equilátero (de altura igual ao diâmetro) é 3/2 do

volume de uma esfera com o mesmo diâmetro;

a área delimitada por uma rotação espiral de uma reta é 1/3 da área de um

círculo de raio igual ao comprimento da reta, dentre outros.

Como afirma Boyer (1993, p.7), Arquimedes foi o maior matemático no mundo

antigo quanto à invenção e demonstração de problemas de Cálculo. Os métodos

utilizados por Arquimedes constituem as origens do Cálculo Integral. Passados mais

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de um milênio, no século XVI, Stevin e Valério retomaram o método de integração de

Arquimedes. Arquimedes demonstrava por redução ao absurdo, que a soma dos

paralelogramos inscritos ( ) e circunscritos ( ) à área delimitada pela curva y=x²

com o eixo x eram iguais ( ). Stevin e Valério substituíram o elemento de

redução nas demonstrações ( ) introduzindo uma “passagem direta ao limite”.

No método de integração de Arquimedes, a área circunscrita ( ) menos a área

inscrita (In) à curva é equivalente à área do paralelogramo maior que, por sua vez, é

igual à área do retângulo (□) que envolve toda a figura dividida pelo número de fatias;

ou seja, = □/n e, portanto, tomando n suficientemente grande, obtém-se a

diferença ( ) tão pequena quanto se queira. Stevin e Valério assumiram esta

passagem como verdadeira partindo dos princípios da lógica clássica. Tal técnica foi

aprimorada, em estudos posteriores, até culminar na formalização do conceito de

Limite.

Com os exemplos selecionados neste trabalho, percorremos a trajetória da

utilização de técnicas, surgidas na Antiguidade, quais sejam os cálculos elementares

não explicitados, a aproximação de figuras geométricas, a composição e

decomposição de figuras, a equivalência e a comparação de áreas através da

congruência, as aproximações geométricas com grandezas tão pequenas quanto se

queira, dentre outras, que se foram sofisticando ao longo do tempo e, simetricamente,

se alternando com a construção de conceitos a ponto de gerar os fundamentos para a

formalização do conceito das áreas no âmbito do Cálculo Integral.

Os exemplos selecionados poderão ser utilizados em sala de aula, em

diferentes situações de trabalho, envolvendo área de figuras planas, conforme

interesse e identificação do professor com a proposta de ensino utilizando a História

da Matemática.

À essa trajetória de exemplos relacionados às áreas, serão acrescentados

problemas encontrados nos trabalhos dos séculos posteriores, até a formulação do

conceito de Integral, no século XIX.

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5. O CÁLCULO NOS SÉCULOS XIV, XVI e XVII

Depois dos gregos, o desenvolvimento matemático envolvendo o conceito do

infinito e dos indivisíveis foi retomado no século XIV e atingiu um grande avanço nos

séculos XVI e XVII em direção ao Cálculo Integral, cujo desenvolvimento pleno se deu

no século XIX. Veremos, na sequência, a cronologia de alguns estudos e descobertas

que consideramos importantes nesse processo de desenvolvimento do Cálculo

Integral.

5.1 A Idade Média

Na Idade Média, a Europa ocidental sofreu forte influência dos indus e árabes

que, além de propiciarem o desenvolvimento do sistema de numeração, introduziram

uma maneira algébrica de pensar. Nesse cenário, por volta do século XII, os estudos

gregos foram traduzidos e largamente explorados, trazendo em seu bojo as questões

conceituais clássicas sobre o infinito e o indivisível, partindo de Aristóteles que, de

forma pragmática, diferenciou o infinito entre atual e potencial (Baron, 1985, Livro I,

p.27). Na sua concepção, o mundo é finito e, portanto, nenhuma grandeza pode

tornar-se infinita. No entanto, para ele estava claro que os processos multiplicativos e

de divisão podiam ser repetidos continuamente até o infinito. Aristóteles rejeitou a

noção de um contínuo composto por pontos ou qualquer outra espécie de indivisíveis,

conforme doutrina dos atomistas. Filosoficamente, tais ideias foram largamente

discutidas durante os séculos XIII e XIV. Baron (1985, Livro I, p.56) exemplifica uma

questão básica, relativa aos indivisíveis, discutida na época: “Se um ponto não tem

dimensões, como é possível que, por multiplicação ou adição de tais pontos,

segmentos de retas finitos possam ser obtidos?”.

Nicole Oresme (1323 –1382)

Nas universidades de Oxford e Pádua, sacerdotes ingleses, franceses e

italianos desenvolveram por si próprios um cálculo integral primitivo. Um bispo de

Lisieux, Nicole Oresme (1323 – 1382), foi quem primeiro utilizou a entidade

geométrica das curvas, para representar um elemento, dito intensidade, associado a

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uma medida que varia. Ou seja, Oresme introduziu uma técnica de representação

gráfica para as variações. Oresme (apud BARON, 1985, Livro I, p.58) entende que

“Para qualquer razão existente entre intensidades de mesma espécie [que variam]

deve também existir uma razão semelhante entre retas e retas [os eixos], e vice-

versa”.

Por exemplo, para expressar a intensidade “distância percorrida por um objeto

em relação ao tempo, com uma velocidade uniformemente variável”, Oresme utilizava

o diagrama abaixo, entendendo que a área abaixo da diagonal representava essa

distância percorrida.

Figura 31: Distância percorrida por um objeto no tempo AB. Fonte: Boyer, 1993, p. 8.

Hoje, observando a representação de Oresme, provavelmente vamos imaginar

a declividade da curva “velocidade-tempo” como uma medida de aceleração (a taxa

de variação da velocidade em relação ao tempo), pois, nos cursos de Cálculo, o

conceito de Derivada é, em geral, apresentado primeiro, vindo depois o conceito de

Integral. Por isso, só mais tarde pensaremos na área sobre o gráfico como uma

medida de distância, em notação atual:

.

Nesta representação, Oresme apresentou uma visão semelhante àquela

utilizada por Arquimedes em seu método de Integração, onde uma superfície era

aproximada por paralelogramos; todavia, Arquimedes desejava obter a área e

Oresme, a distância percorrida num determinado tempo. Os estudos de Oresme

foram retomados por Torriceli, no início do século XVII, que se interessou pelo estudo

do movimento.

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5.2 A Idade dos Gênios12

Nos séculos XVI e XVII – considerada a Idade dos Gênios, o estudo das

quadraturas deu origem ao nascimento e formalização do Cálculo. No início do século

XVI, Viète, Descartes e Fermat fomentaram um grande movimento na Europa, que

dava início à Geometria Analítica, utilizando conhecimentos da Álgebra, cada vez

mais simbólica, no estudo da Geometria. Esse movimento alavancou os resultados

obtidos em várias áreas de conhecimento. Segundo Kline (1972, p. 343), nesse

período, basicamente quatro questões nortearam os estudos que impulsionaram a

área de conhecimento do Cálculo, quais sejam:

Encontrar a velocidade e a aceleração de um corpo em dado instante,

uma vez conhecida a fórmula que relacionava a distância percorrida no

decorrer do tempo.

Encontrar a tangente de uma curva – a linha que tocava a curva em

apenas um ponto e, que, além do puro interesse geométrico, aplicava-se

aos estudos de ótica encaminhados por Fermat, Descartes, Huygens e

Newton.

Calcular os pontos de máximo e mínimo de uma curva para utilização na

Física; por exemplo, Galileo estimava o alcance máximo obtido pelo

projétil em diferentes ângulos de lançamento.

Por fim, muitas aplicações dependiam de encontrar o comprimento das

curvas – por exemplo, a distância percorrida por planetas em suas órbitas,

áreas delimitadas por curvas, volumes e centros de gravidade dos corpos.

Segundo considerações de Kline (1972, p. 338), também nesse período

surgiram as primeiras tentativas de formalização do conceito de função, a partir das

curvas e muitas curvas foram introduzidas a partir do estudo dos corpos em

movimento. Esses conceitos foram evoluindo lentamente até a formalização das

curvas como gráficos de funções. Destacaremos algumas passagens neste percurso.

Como veremos em alguns exemplos no decorrer deste trabalho, Roberval,

Barrow e Newton apresentaram um novo tratamento para as curvas, como sendo o

12

BOYER, 1993, p. 16

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percurso de um ponto em movimento. Newton, em 1676, acabou por acrescentar um

novo ponto de vista às quantidades matemáticas envolvendo as funções:

Eu considero quantidades matemáticas não como um conjunto de partes muito pequenas, mas como a descrição de um movimento contínuo. As curvas são descritas, e assim geradas, não pela justaposição de partes, mas pelo movimento contínuo de pontos. (tradução nossa)

13.

James Gregory, em 1667, definiu uma função como sendo “a quantidade obtida

a partir de outras quantidades por uma sucessão de operações algébricas ou por

qualquer outra operação que se possa imaginar”. Assim, a representação de funções

por séries foi largamente utilizada. Descartes chegou a criar uma distinção entre

curvas geométricas e curvas mecânicas. Retomando as quadraturas de curvas, com o

avanço das técnicas e das somas de séries - incluindo a expansão binomial - foi

possível estudar muitas funções transcendentes. Kline (1972, p. 339) finaliza suas

considerações, lembrando que o uso e a plena compreensão das funções vieram

gradualmente.

Nesse período de tantos desafios, foram traduzidas para o latim as obras Os

Elementos de Euclides e As Cônicas de Apolônio, permitindo um maior interesse e

um melhor entendimento das obras de Arquimedes.

Matemáticos como Stevin (1548-1620) e Luca Valério (1552-1618) retomaram

os estudos de cálculo de áreas sob as curvas, utilizando os métodos de integração e

a estrutura de demonstração por redução ao absurdo de Arquimedes, introduzindo

inovações que remetiam às primeiras noções de Limite. Arquimedes demonstrava por

redução ao absurdo, que a soma das áreas dos paralelogramos inscritos ( ) e

circunscritos ( ) à parábola eram iguais. Stevin e Valério tentaram substituir o

elemento de redução nas demonstrações ( ) introduzindo uma “passagem direta

ao limite”.

Simon Stevin, na publicação La Statique, descreve essa passagem quando

demonstra que o centro de gravidade de um triângulo qualquer está na reta traçada

do vértice do ângulo ao ponto médio do lado oposto – mediana. Para demonstrar essa

afirmação, Stevin utilizou o método de integração de Arquimedes ao dividir superfícies

13 I consider mathematical quantities in this place not as consisting of very small parts, but as described by a continued motion. Curves are described, and thereby generated, not by the apposition of parts but by the continued motion of points. (NEWTON apud Kline, 1972, 339).

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curvas em pequenos paralelogramos e, do mesmo modo, dividiu a área do triângulo

em paralelogramos horizontais paralelos ao lado BC.

Figura 32: Ilustração do cálculo do centro de gravidade de um triângulo envolvendo áreas.

Fonte: Baron, 1985, livro II, p. 7 (adaptação nossa).

Em seguida, afirmou que o centro de gravidade de um paralelogramo pertence

à reta que une os pontos médios de lados opostos, coincidindo com a mediana

ilustrada AD acima. Igualmente, se os paralelogramos forem paralelos aos lados AB e

AC, teremos o centro de gravidade da soma dos paralelogramos na intersecção das

medianas AD, BH e CG. Portanto, basta provar que a soma da área dos

paralelogramos é igual à área do triângulo, para garantir que o centro de gravidade do

triângulo seja o ponto de intersecção das medianas AD, BH e CG.

Usando a terminologia do método de integração de Arquimedes, no qual n é o

número de paralelogramos seccionados e In e Cn representam a soma dos

paralelogramos inscritos e circunscritos à curva, Stevin denotou por Δ a área do

triângulo ABC e concluiu que se n=2, Δ-I2 = Δ/2; se n=3, Δ-I3= Δ/3, de um modo

geral, Δ-In = Δ/n e, portanto, tomando n suficientemente grande, obtém-se a diferença

entre o triângulo e área inscrita (Δ/n) tão pequena quanto se queira. Esta passagem

foi considerada como verdadeira, assumindo princípios da lógica clássica.

Luca Valério (1552-1618) também modificou a estrutura de demonstração de

Arquimedes para o cálculo de áreas de um conjunto de curvas convexas.

Figura 33: Ilustração relativa ao cálculo de área de uma curva convexa.

Fonte: Baron, 1985, livro II, p. 8.

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De Arquimedes, Valério retomou a técnica de dividir a área em fatias. Na

demonstração n é o número de paralelogramos seccionados, In e Cn representam a

soma dos paralelogramos inscritos e circunscritos à curva.

In = i1 + i2 + i3 + ... + in

Cn = c1 + c2 + c3 + ...+ cn

Onde i1 = 0 e c1= i2 , c2 = i3, ... de forma que

c1 + c2 + c3 + .... – (i1 + i2 + i3 + ...) = i1 + cn = cn

Deste ponto, Valério concluiu que, se Cn – In = cn e cn corresponde à última

fatia da superfície, pode-se então escolher n suficientemente grande, de forma que cn

seja tão pequeno quanto se queira.

Como visto, embora o método fosse mantido, o elemento de redução era

substituído aos poucos pela passagem informal e direta ao limite, técnica que foi

aprimorada em estudos posteriores, até culminar na formalização do conceito de

Limite.

Com o advento da Geometria Analítica, no início do século XVII, pode-se

construir uma variedade de curvas e sólidos, pois qualquer equação algébrica definia

uma curva e a rotação da curva em torno de um eixo no plano gerava um sólido.

Assim, houve uma procura por novos resultados relativos aos cálculos das áreas, o

que acabou introduzindo novos métodos de descoberta. Katz (2009, p.508) ressalta,

no entanto, que ainda não se tratava das funções, mas apenas curvas definidas por

alguma relação entre duas variáveis.

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Os Indivisíveis e os infinitesimais

No início do século XVII, as propriedades das parábolas e hipérboles já eram

bem conhecidas; porém, como já visto anteriormente, por necessidade de

generalização ou para responder aos desafios da Física, que surgiam em quantidade,

constata-se, nesta época, um forte interesse pelo estudo de novas curvas, as

chamadas curvas superiores.

Figura 34: Ilustração das curvas superiores ⁄ .

Fonte: Baron, 1985, livro II, p. 10.

ELEMENTARES SUPERIORES

PARÁBOLAS (

) (

)

(

) (

)

(

)

(

)

HIPÉRBOLES (

) (

)

(

) (

)

(

)

(

)

O estudo de tais curvas iniciou-se com a Geometria, depois com a Aritmética

de Wallis e finalmente com a Geometria Analítica. O elemento comum destes estudos

era a busca por novos métodos de cálculo de áreas, que acabou resultando na teoria

do Cálculo Integral de nossos dias, conforme veremos no decorrer do trabalho.

Na sequência, trataremos de alguns estudos que ilustram o desenvolvimento

das técnicas envolvendo os indivisíveis e infinitesimais, conceitos base desses

avanços da Matemática.

Katz (2009, p.515) diferencia os conceitos indivisíveis e infinitesimais conforme

exemplos dados a seguir. Galileo, assim como Arquimedes, utilizava o conceito dos

elementos de “dimensionalidade menor”, ou seja, uma reta constituída de pontos, um

plano de retas e um sólido de planos. Esse conceito deu origem ao método dos

indivisíveis, com suas técnicas associadas. Por outro lado, assim como Arquimedes

que também utilizava pequenos paralelogramos, Kepler utilizou o conceito dos

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elementos menores ou de “menor medida”, como pequenos triângulos e pequenas

pirâmides, compondo elementos maiores. Esse conceito deu origem ao método dos

infinitesimais. Encontramos diferentes abordagens desses conceitos nos trabalhos de

Kepler, Cavaliere, Roberval, Pascal, Wallis e Torriceli. Cavaliere e Torriceli foram

discípulos de Galileo e, portanto, utilizavam técnicas relativas aos indivisíveis.

Roberval, Pascal e Wallis introduziram mudanças no conceito dos indivisíveis de

Cavaliere. Os estudos de Kepler e Fermat, assim como Arquimedes, introduziram os

infinitesimais.

Cavaliere (1598-1647)

Enquanto Stevin e Valério estavam preocupados com a estrutura de

demonstração, Cavaliere (1598-1647) foi um dos primeiros matemáticos a reviver o

sedutor conceito dos indivisíveis, introduzidos por Arquimedes, para definir e obter

resultados importantes de novas curvas como , m inteiro positivo, para as

quais se calculavam as áreas; porém, Boyer (1993, p.35) ressalta que a noção de

indivisível de Cavaliere, embora frutífera, mostrou-se inadequada para os propósitos

posteriores do Cálculo. Em seu livro Geometria indivisibulus continuorum, publicado

em 1635, Cavaliere define seu conceito de indivisíveis, atribuindo aos entes

geométricos ponto, reta e superfície, as propriedades “sem grandeza”, “sem largura” e

“sem espessura”, assim:

um segmento de reta é formado por um número infinito de pontos, cada

um deles sem grandeza;

uma superfície é formada por um número infinito de segmentos de reta,

cada um deles sem largura;

um volume é formado por um número infinito de superfícies, cada uma

delas sem espessura.

Cavaliere usou esses elementos para estabelecer maneiras ou técnicas de

calcular áreas e volumes, usando apenas as propriedades “geométricas”, descritas

verbalmente, pois ainda não havia a notação algébrica.

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Figura 35: Ilustração dos indivisíveis de Cavaliere. Fonte: Baron, 1985, livro II, p. 12 (adaptação nossa).

Segundo Cavaliere, uma reta ou plano chamado “regula”, movia-se,

paralelamente a si própria, através da figura, fatiando-a em indivisíveis sem grandeza.

O uso dessas secções deu origem ao teorema ou princípio de Cavaliere, qual seja

“Dois sólidos têm o mesmo volume se todo plano secante a eles, paralelo a um dado

plano, determina secções de áreas iguais”. (CAVALIERE apud Boyer, 1993, pg.35).

Figura 36: Ilustração do Teorema de Cavaliere.

Fonte: Baron, 1985, livro II, p. 14 (adaptação nossa).

Cavaliere retoma as fatias e sempre estabelece uma equivalência de áreas

comparando tais secções paralelas, o que resulta numa série de figuras cujas áreas

devem ser comparadas. Em notação atual, dada duas figuras planas e e ( ,

) um par correspondente da intersecção dada pela régula, se = para todo par

correspondente então = , pois de algum modo ∑ =∑

. Cavaliere usava a

demonstração por redução ao absurdo para validar tal afirmação nos cálculos de

áreas.

Vejamos, a seguir, o “tratamento geométrico” de Cavaliere aplicado a curvas

definidas num paralelogramo ABCD, hoje conhecidas genericamente por .

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Figura 37: Proposição 23 de Cavaliere que trata das curvas .

Fonte: Baron, 1985, livro II, p. 14 (adaptação nossa).

Para calcular a área das figuras delimitadas pelas curvas ilustradas acima,

Cavaliere traçava uma reta paralela – a “regula” - em um ponto qualquer F da altura

AD. As curvas eram definidas em termos de razão entre comprimentos de segmentos

de reta. Assim, o problema principal era encontrar os pontos G,H,I,L,.. pertencentes,

respectivamente, às várias curvas. O que identificava o ponto em cada curva era

exatamente o tamanho dos segmentos FG, FH, FI, FL, etc. A distância do primeiro

ponto G era dada pela razão: AF:AD = FG:CD, gerando a reta dita “primeira diagonal”,

provavelmente porque coincidia com a diagonal do paralelogramo ABCD.

Em linguagem atual, podemos dizer que a “primeira diagonal”, identificada por

FG (y1=FG), era definida em função das constantes a=CD, largura da figura, b=AD,

altura da figura e do segmento AF que “variava” conforme o movimento da “regula”; ou

seja, x=AF, o que resulta em y1:a = x:b ou, genericamente, y=k x.

O ponto H foi escolhido para representar o quadrado da razão AF:AD. Dessa

forma, FH:CD= AF2:AD2 que, de modo análogo à primeira diagonal, resulta na curva

y2:a = x2:b2, chamada “segunda diagonal”, y3:a = x3:b3, chamada “terceira diagonal” e

assim por diante.

As respectivas áreas sob essas curvas (y1:a , y2:a, y3:a, ...) eram tratadas por

Cavaliere como somatório dos indivisíveis (∑y1:∑a, ∑y2:∑a, ∑y3:∑a,...). Por fim,

Cavaliere relacionou todas as áreas (∑yn:∑a) com a área da primeira diagonal

(∑y1:∑a). Em notação atual, valeria o raciocínio abaixo para estabelecer tais ralações.

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Por definição, tem-se que: ∑y1 : ∑a = ∑x : ∑b e ∑y2 : ∑a = ∑x2 : ∑b2

Como ∑x2 : ∑b2=(∑x : ∑b).(∑x : ∑b)=(∑y1 : ∑a).(∑y1 : ∑a) = ∑y12 : ∑a2, tem-se que

a área da 2ª diagonal ∑y2 : ∑a é igual a ∑y12 : ∑a2.

De forma análoga, ∑y3 : ∑a = ∑y13 : ∑a3 e assim por diante.

Visto que todas as curvas foram definidas em função da primeira diagonal ∑y1

: ∑a, podemos chamá-la simplesmente de ∑y : ∑a.

Com relação à área sob a 1a diagonal (∑y : ∑a), Cavaliere estabeleceu o valor

, pois obviamente tratava-se da metade da área de um quadrado de lado igual a 1.

Para a área sob a 2ª diagonal (∑y2 : ∑a2), Cavaliere estabeleceu o valor

,

resultado já encontrado por Arquimedes. Assim, sucessivamente, para a área sob a

m-ésima diagonal (∑ym: ∑am), Cavaliere estabeleceu o valor

.

Cavaliere não usou nenhuma notação algébrica para chegar a estes

resultados. Segundo Baron (1985, livro II, p.15), foi com muita engenhosidade e

algum conhecimento da expansão binomial que Cavaliere mostrou, de forma convicta,

as relações ∑ ∑

para

Para n igual a uma quantidade infinitamente grande de partes que compõem a

figura, tem-se a área sob a m-ésima diagonal como:

, ou seja, ∑

.

Em notação atual:

Entende-se que o resultado mais significativo de Cavaliere para o Cálculo

Integral seja o estabelecimento da expressão acima, obtida geometricamente como

somatório de segmentos de retas, pois apresentava uma fórmula de obtenção de

áreas delimitadas pelas curvas .

Muitos dos resultados publicados por Cavaliere foram também obtidos por

outros matemáticos de sua época, que guardavam segredo dos métodos utilizados

em suas descobertas.

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Katz (2009, p.517) lembra-nos que outros matemáticos, como Roberval,

Pascal, Torriceli e Wallis, chegaram aos mesmos resultados, praticamente ao mesmo

tempo, no período de 1600 a 1660, todos utilizando alguma variação dos indivisíveis

de Cavaliere, ou seja, usando os elementos de “dimensionalidade menor”. Kepler,

assim como Arquimedes, utilizou a estrutura de integração dos infinitesimais usando

os “elementos menores” ou de “menor medida” como pequenos triângulos e

pequenas pirâmides. Fermat também fez uso dos “elementos menores” no estudo das

curvas , porém, já acrescentando a Álgebra. Os elementos da integração de

Fermat eram paralelogramos e não linhas indivisíveis, conforme veremos no decorrer

do trabalho, objetivando enfatizar as diferentes técnicas utilizadas para a obtenção de

áreas delimitadas por curvas.

Veremos, a seguir, duas abordagens diferentes dos indivisíveis de Cavaliere

nos estudos de Roberval e Pascal. Em seguida, ressaltaremos a mudança no

tratamento dos indivisíveis de “geométrico para aritmético” nos estudos de Wallis e

Torriceli. Finalmente, veremos algumas descobertas de Fermat e Barrow que

relacionam o tratamento das áreas com as tangentes.

Roberval (1602-1675)

Para Roberval, os indivisíveis eram os pontos “sem grandeza” de Cavaliere,

porém ele propôs sua utilização como uma infinidade de pequenas estruturas. Assim,

Roberval explicita sua proposta para utilização dos indivisíveis:

Em tudo isto, é necessário entender que a infinidade de pontos [indivisíveis] pode ser imaginada como uma infinidade de pequenos segmentos compondo toda a reta; a infinidade de retas representa a infinidade de pequenas superfícies compondo toda a superfície; a infinidade de superfícies representa a infinidade de pequenos sólidos compondo todo o sólido. (ROBERVAL apud BARON,1985, livro II, pg.21).

Nessa representação, todas as retas podem ser divididas numa infinidade de

partes, consideradas como pontos. Estes pontos ou partes podem obedecer a alguma

estrutura. Roberval propõe uma estrutura para esses pontos ou partes segundo o

conceito dos números figurados de Pitágoras, obedecendo a uma distribuição em

progressão regular conforme ilustração a seguir.

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1 + 2 + 3+ ... + n 12 + 22 + 32 + ... + n2 13 + 23 + 33+ ... + n3

Assim, na região sob a curva , a distribuição dos pontos corresponde aos

números 1, 2, 3, ...; em , a distribuição dos pontos está na razão do quadrado

dos números (1, 4, 9, ...); em , a razão é dada pelo cubo dos números (1, 8, 27,

...) e assim por diante. O cálculo de áreas, nessa estrutura, corresponde à somatória

de tais pontos ou partes. Portanto, essa proposta se assemelha aos “números

figurados” de Pitágoras que relaciona Aritmética e Geometria. Os números

triangulares (Tn) de Pitágoras referem-se exatamente às somas: 1, 1+2, 1+2+3,

1+2+3+4, etc..., conforme ilustração a seguir.

( )

Os números quadrados (Qn) se relacionam às somas: 1, 1+3, 1+3+5, etc... e

sua respectiva fórmula decorre da configuração geométrica, na qual podemos

associar um número quadrangular com um par de números triangulares. Assim:

( )

( )

Assim, os pitagóricos encontraram resultados relativos à soma de várias

sequências.

A soma das várias sequências corresponde à área delimitada pelas curvas.

Desse modo, na distribuição simples da reta ( ), que coincide com os números

triangulares de Pitágoras, a área sob a curva corresponde à somatória das partes:

∑ ( ( )

) .

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Como a divisão em partes cresce indefinidamente, cada parte diminui

indefinidamente e, portanto, na comparação com um quadrado , Roberval entendia

que podia dispensar o valor da metade de um lado obtendo, portanto, o valor

. De

maneira intuitiva, Roberval queria dizer o que, hoje, escrevemos:

(

)

(

)

Na curva em que os pontos estão na razão do quadrado dos números

coincidem com os números quadrados de Pitágoras. Assim, a área delimitada pela

curva corresponde à somatória:

∑ ( )( )

(

) .

Na comparação com um cubo , Roberval entendia que podia dispensar o

valor da metade de uma das superfícies e a sexta parte de um dos lados

obtendo, portanto, o valor

Em notação atual, podemos reescrever o resultado de Roberval como:

(

)

(

)

Não se sabe, porém, de que forma Roberval estendeu as séries∑

,∑

,

, ... mas o que ele afirma em seus estudos aproxima-se do conceito atual:

(∑

)

Como veremos a seguir, Lehmann (1995, p. 167) traz uma diagramação que

ilustra como a Aritmética poderia ter ajudado Roberval no cálculo das

somatórias ∑

,∑

, ∑

, etc.

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Figura 38: Somatória da sequência 12 + 22 + 32 + ... + n2 Fonte: Lehmann, 1995, p. 167.

A área do retângulo acima de altura n+1 e largura 1+2+3+....+n

é (n+1)(1+2+3+....+n). Pode-se também tomar a área como a soma dos quadrados

n2 e a soma dos retângulos 1, 1+2, ... (1+2+3+....+n). Assim:

( ) ∑

∑ ∑

Generalizando para 1k+2k+3k+...+nk teríamos o diagrama:

Figura 39: Somatória das sequências 1k+2k+3k+...+nk Fonte: Lehmann, 1995, p. 169.

( ) ∑

∑ ∑

Tal raciocínio aritmético poderia ser levado à sala de aula como proposta de

solução para o problema dos somatórios enfrentado por Roberval:

, ∑

, ∑

,..., ∑

.

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Pascal (1623-1662)

Pascal (1623-1662) também defendeu o uso dos termos de Roberval – pontos

“sem grandeza” compondo segmentos de reta, enfatizando, porém, a necessidade de

que todos os segmentos tivessem a mesma estrutura. Tal raciocínio foi uma

aproximação da passagem dos indivisíveis – elementos sem grandeza – para os

“elementos menores” – neste caso, os segmentos de reta.

Trabalhando com as curvas de Cavaliere, segundo Eves (2011, p.358),

Pascal calculou o volume de 93 sólidos obtidos pela rotação de secções cônicas em

torno de um eixo no plano. Para tal cálculo de áreas e volumes, Pascal já aplicava

coeficientes binomiais, que viriam a ser uma ferramenta importante para o cálculo de

áreas nos estudos de Isaac Newton. Segundo Eves (2011, p.364), Pascal não foi o

primeiro a trabalhar com o triângulo que hoje é associado a seu nome - os chineses já

o conheciam há alguns séculos, porém, ele foi o matemático que mais o explorou e

aplicou muitas de suas propriedades.

Pascal construiu seu "triângulo aritmético" em 1653. Qualquer elemento do

triângulo é a soma de todos os elementos da linha anterior situados exatamente

acima ou à esquerda do elemento desejado. Na terceira linha, 15=5+4+3+2+1. O

triângulo é obtido desenhando-se a diagonal, como na figura abaixo.

Figura 40: Triângulo de Pascal.

Fonte: Eves, 2011, p. 362.

Utilizando a técnica de comparação de áreas, Pascal também estruturou o que

chamou “a curva dos senos”, restrita ao primeiro quadrante do círculo. Katz (2009,

p.528) entende que provavelmente foi o primeiro estudo dessa natureza e nos dá uma

explanação dos passos percorridos por Pascal, para calcular a área delimitada por

qualquer arco no primeiro quadrante do círculo .

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Figura 41: Curva dos senos.

Fonte: Katz, 2009, p.529 (adaptação nossa).

Essa área era entendida por Pascal como a soma de pequenos retângulos

obtidos por meio da multiplicação do seno do ângulo pelo seu respectivo segmento

infinitesimal da reta tangente à curva no ponto. Pela semelhança dos triângulos EKE’ e

DIA, como ilustrado na figura acima, DI:DA = E’K:EE’ = RR’:EE’ e, portanto, DI.EE’ =

DA.RR’, ou seja, se tomarmos o raio igual a 1, o retângulo formado pelo seno do

ângulo de raio igual a 1 e seu respectivo segmento da reta tangente é igual à área do

retângulo formado pelo raio e pela distância, no eixo , entre os vértices dos senos

dos ângulos inicial e final do arco.

Em notação moderna, eis o resultado obtido por Pascal por meio da

comparação de áreas:

( ) ( ) ∫

( )

Portanto:

( ) ( ( ) ( ))

Como veremos na sequência, Kepler finalizou a passagem dos “indivisíveis”,

elementos sem grandeza, para os “elementos menores” tão pequenos quanto se

queira, os infinitesimais, compondo os elementos maiores. Também Fermat, assim

como Arquimedes na Grécia, utilizou os conceitos dos “elementos menores”, fatiando

as figuras em pequenos paralelogramos. A ilustração a seguir é apenas uma das

inúmeras possibilidades de uso dos infinitesimais.

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Figura 42: Ilustração de pequenos sólidos compondo todo o sólido. Fonte: Knorr, 1996, p. 77.

Kepler (1571-1630)

Segundo Boyer (1995, p.33), Kepler tinha interesse nas leis do movimento

planetário e, portanto, não privilegiava o rigor matemático nos seus estudos. Para

calcular a área do círculo e o volume da esfera, Kepler imaginou as partes como

pequenos triângulos e pequenas pirâmides, ou seja, “elementos menores”, conforme

ilustração a seguir. Ele introduziu dessa forma, a utilização da Álgebra e dos

infinitesimais no cálculo de áreas.

Figura 43: Proposta de Kepler para o cálculo de áreas e volumes. Fonte: Boyer, 1993, p.34.

Facilmente kepler obteve a área do círculo e o volume da esfera como o

somatório destas pequenas entidades geométricas.

Área

Área

( )

circunferência

𝝅 𝝅

Volume

Volume

( )

área da superfície esférica

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Kepler tinha ainda um interesse especial em calcular o volume de barris de

vinho; e para calcular o volume de um anel do barril (toros) ele o dividiu numa

infinidade de pequenos anéis, a partir do centro até a borda. Com a técnica dos

“elementos menores”, Kepler acabou obtendo resultados para o volume de vários

sólidos.

Torriceli (1608-1647)

O problema do movimento, iniciado por Oresme e que vinha sendo estudado

sistematicamente desde a época de Galileo, foi retomado por Torricelli e Isaac

Barrow. Vejamos, primeiramente, a abordagem de Torricelli para o movimento dos

corpos, usando o conceito das áreas e as técnicas de integração. Torriceli foi aluno de

Galileo e amigo de Cavaliere e, portanto, fazia bom uso dos indivisíveis. Baron (1985,

livro II, p.41) destaca que além de resolver muitos problemas relacionados com a

quadratura das curvas superiores, Torriceli procurou relacionar tangentes e

quadraturas ao conceito do movimento dos corpos, partindo da noção medieval do

gráfico distância-tempo, ilustrado a seguir.

No gráfico de distância-tempo de Oresme, a área sob a curva representa a

distância percorrida.

Figura 44: Gráficos de velocidade-tempo. Fonte: Baron, 1985, livro II, p. 41.

Assim, a distância percorrida num tempo T é a soma das ordenadas:

v=kt e s = ∑kt = VT/2 = kT2/2

v=kt 2 e s = ∑kt2 = VT/3 = kT3/2

v=kt3 e s = ∑kt3 = VT/4 = kT4/3

e, em geral:

v=ktn e s = ∑ktn = VT/(n+1) = kT(n+1)/(n+1)

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Baron (1985, livro II, p.42) percorre o raciocínio de Torriceli para chegar ao

valor da velocidade num instante t, dada a distância percorrida. Inversamente, se a

curva é dada na forma y=kxn, pode-se associar x=t e y= ktn. Em um tempo T, tem-se

X=T e Y=kTn; mas Y=∑v, logo ∑v = kTn. Usando o resultado anterior, acima, ∑ktn-1 =

kTn/n, kTn = n∑ktn-1 e, portanto, ∑v= n∑ktn-1. Assim, a partir da área sob a curva do

gráfico distância-tempo y=ktn, Torriceli deduziu a velocidade no instante t:

Katz (2009, p. 517) salienta que, ao contrário de seus contemporâneos,

Torriceli apresentava demonstrações clássicas para suas descobertas, com

argumentos da técnica de redução ao absurdo.

Fermat (1601- 1665)

Fermat, um dos gênios matemáticos que compõem o Renascimento, entre

outras áreas de interesse e além das questões de encontrar as tangentes e os

máximos e mínimos das curvas, trabalhou com os cálculos de áreas empregando

várias técnicas, todas também relacionadas aos “elementos menores”. Em Katz

(2009, p.521), encontramos uma técnica utilizada por Fermat para o cálculo de áreas

delimitadas pelas curvas , m inteiro positivo, utilizando retângulos de bases

uniformes xo/N. Neste caso, Fermat encontrava a área sob a curva num intervalo de

somatórias das áreas de N e N-1 retângulos.

Figura 45: Integração de Fermat para Fonte: Katz, 2009, p.520.

Para y=ktn tem-se v=nkt(n-1)

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No entanto, segundo Katz (2009, p.521), Fermat ainda não estava satisfeito

com os resultados obtidos, pois o seu método só funcionava para as curvas ,

com m inteiro positivo. Assim, em 1635, Fermat anunciou que teria conseguido

encontrar as áreas sob qualquer curva , para todos os valores racionais de m,

exceto m = -1, utilizando a Álgebra e um tratamento diferenciado dos elementos da

integração; Fermat passou a usar retângulos com bases não uniformes, que estavam

em progressão geométrica.

Segundo Boyer (1995, p.14), o método de Fermat para integrar era o

mais refinado entre os existentes na época; está muito próximo da integral de

Riemann, mais do que qualquer outro anterior ao século XIX.

Veremos abaixo um exemplo da técnica de Fermat aplicada à parábola .

racional e

Figura 46: Integração de Fermat para a curva .

Fonte: Boyer, 1993, p. 14.

Nesse exemplo de Boyer (1993, p. 14), Fermat considerava a variável (

) e o retângulo inicial de integração de altura ( ) e base ( ) , os demais

retângulos de altura ( ) e base ( ) numa progressão geométrica.

Assim:

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

( ) (

( )

(

)

Por um raciocínio semelhante, Fermat mostrou que para todos os valores

racionais de , exceto , vale a regra que ficou conhecida como a “fórmula

geral da integral das curvas maiores”:

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Embora esse resultado já fosse conhecido também de outros matemáticos, foi

Cavaliere o primeiro a publicá-lo, em 1635, no tratado Geometria indivisibulus

continuorum e, somente em 1658, Fermat publicou seus métodos.

Segundo Boyer (1993, pg.15), Fermat foi o inventor do processo hoje chamado

de diferenciação, sua maior contribuição ao Cálculo. A diferenciação não é objeto de

estudo dessa pesquisa; no entanto, vamos introduzi-la para a posterior verificação

geométrica do Teorema Fundamental do Cálculo.

Fermat e Barrow, que veremos adiante, foram os primeiros matemáticos a

relacionar as áreas com o cálculo das tangentes. No final da década de 1620, ainda

antes de formular sua Geometria Analítica e antes do advento das curvas definidas

por equações algébricas, Fermat apresentou uma técnica para traçar a subtangente

em um ponto P qualquer das parábolas, usando apenas suas propriedades

geométricas. O exemplo abaixo, de Kline,(1972, p. 345), ilustra tal técnica, chamada

geométrica.

Figura 47: Método de Fermat para traçar subtangentes de parábolas. Fonte: Kline, 1972, p.345.

Para desenhar a tangente no ponto P da curva, Fermat encontrava antes a

subtangente relativa ao segmento . Fermat sempre denominava as

quantidades infinitamente pequenas por ; desse modo, dado o incremento , os

triângulos semelhantes e geravam a proporção . No

entanto, Fermat entendia que era muito próximo de e, por sua vez,

e, portanto, .

Em notação atual, pode ser associado ao valor da função e ao valor

( ) Assim:

( ) ( )

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O processo de Fermat equivale a dizer que a inclinação da reta tangente no

ponto poderia ser abreviada por:

[

( ) ( )

]

Tal método, que tem a forma atual do método de diferenciação do Cálculo, foi

utilizado para solucionar muitos problemas, o que acabou por gerar dificuldades que

posteriormente levaram à teoria dos Limites. Conforme ainda veremos neste trabalho,

em 1656, Isaac Barrow publicou método semelhante para calcular a inclinação da reta

tangente de uma curva, utilizando duas técnicas distintas, um modelo algébrico e

outro geométrico.

Fermat, apesar dos reconhecidos trabalhos nos dois campos de conhecimento,

não havia observado a relação entre as regras de diferenciação e integração, tarefa

que, alguns anos mais tarde, coube a Isaac Barrow. Contudo, antes de tratar dos

estudos de Barrow, veremos, a seguir, os resultados obtidos por John Wallis,

contemporâneo de Fermat, que, de maneira inovadora, utilizou a Aritmética -

denominada assim por ele, para chegar aos mesmos resultados obtidos pelos demais

matemáticos da época.

Wallis (1616-1703)

John Wallis (1616-1703) e Isaac Barrow (1630-1677) foram os predecessores

imediatos de Isaac Newton (1642-1727), na Inglaterra. Wallis foi um dos fundadores

da Royal Society em 1662, onde Isaac Newton apresentou seus trabalhos. Enquanto

Wallis obteve resultados expressivos para a teoria da integração, seu sucessor Isaac

Barrow, destacou-se nos resultados referentes à diferenciação e ao teorema

fundamental do Cálculo.

Segundo Boyer (1995, p.39), Wallis não questiona em absoluto o conceito das

“não grandezas” de Cavaliere; admite apenas que a reta seja formada de pontos, o

plano formado de retas e o sólido formado de planos. Wallis introduziu o símbolo ∞

para representar quantidades infinitamente pequenas ou grandes; porém, segundo

Baron (1983, livro II, p.23), o símbolo ∞ era usado de forma dualista, ora estava

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sujeito às operações ordinárias da aritmética e ora era entendido na dimensão do

infinito.

Figura 48: Paralelogramos de Wallis para Fonte:Boyer, 1993, p.40.

No triângulo da ilustração anterior (Boyer (1993, p.40),

representava a altura

dos paralelogramos. A área (

) correspondia ao maior paralelogramo e a área do

triângulo era dada pelo somatório destas infinitas áreas em progressão aritmética,

assim:

(

) ( )

(

) (

)

Na publicação Arithmetica Infinitorum, 1656, Wallis reescreveu as potências de

Cavaliere na forma de uma sequência, como ele próprio a denomina, e generalizou o

estudo das áreas para os volumes.

Figura 49: Indivisíveis de Wallis. Fonte: Baron, 1983, livro II, p. 24.

Na ilustração acima de Baron (1985, livro II, p.24), as figuras são consideradas

como constituídas de um número infinito de partes em progressão aritmética; dessa

forma, para qualquer figura nessa condição, teremos, segundo Wallis:

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Wallis retomou as curvas diagonais de Cavaliere (∑ ∑

⁄ ) e desenvolveu

o cálculo para soma de sequências. Assim, para o cálculo da área sob a 2ª diagonal

de Cavaliere (∑

⁄ ) Wallis desenvolveu a sequência das somas dos

quadrados:

Para suficientemente grande:

Generalizando: ∑

( )

( )

Segundo Katz (2009, p.526), Wallis foi seduzido pelo poder da generalização e

expandiu as ideias sobre índices para números irracionais e números negativos e

mostrou que esses índices obedeciam a leis já conhecidas sobre os expoentes.

Figura 50: Paralelogramos de Wallis para ( ⁄ ) Fonte: Baron, 1983, livro II, p.25.

Na figura acima, à esquerda, a área delimitada pela curva corresponde

à superfície . Como visto no cálculo imediatamente anterior, a área da superfície

é igual a

; e, pela complementação, a área da superfície , à direita, é igual

a

. Mas,

que resulta no expoente fracionário

. Prosseguindo,

a curva à direita, tem sua correspondente √

⁄ . Mantendo a

analogia, para obter a área sob a curva

⁄ , basta somar os paralelogramos na

horizontal da superfície , assim:

( )

( )

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Katz (2009, p.526) relata como Wallis pode ter chegado, por generalização, às

áreas sob as curvas: ∑

, ∑

, etc. Para a hipérbole

, Wallis observou que a área ∑

, o que levaria a um

número no infinito.

Essa constatação levou Wallis a concluir que tal método poderia ser aplicado

para o cálculo da área sob qualquer curva descrita pela expressão com e

inteiros e

Wallis relata, segundo Baron (985, livro II, p.26) que utilizou uma técnica,

chamada por ele mesmo de princípio da interpolação, e conseguiu validar uma série

de resultados mostrando que, para indefinidamente grande, valia a regra geral,

incluindo expoentes fracionários do tipo

:

Eves (2001, p.431-432) relata que Wallis também se interessou pelo cálculo da

área do primeiro quadrante do círculo utilizando a expressão algébrica ou

seja, ( )

. Por uma longa e exaustiva aplicação da técnica de interpolação,

Wallis obteve a integração de tal área e chegou à expressão de 𝝅

como um produto

infinito.

Veremos agora os resultados dos estudos de Isaac Barrow referentes à

diferenciação e ao posterior teorema fundamental do Cálculo, desta vez usando

métodos geométricos e algébricos ao invés do método aritmético utilizado por Wallis.

Barrow (1630-1667)

Como já foi mencionado anteriormente, o problema do estudo do movimento

iniciado por Oresme foi retomado por Torricelli e Isaac Barrow que, analisando a

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curva , relacionaram a inclinação da tangente com a velocidade no instante e

a área sob o gráfico com a distância percorrida.

Em 1656, Isaac Barrow publicou uma técnica algébrica para encontrar o

coeficiente angular da tangente de uma curva mediante o uso do chamado “triângulo

diferencial”, o que permitiu dar sentido ao quociente do tipo

.

Boyer (1993, p.42) descreve o método algébrico de Barrow para o cálculo da

tangente, considerando o gráfico da curva √ , conforme ilustração a seguir.

Figura 51: Derivada de √ Fonte: Boyer, 1993, p. 43.

No gráfico, o ΔPQR é dito “triângulo diferencial”, no qual a e e representam as

pequenas diferenças observadas nos eixos y e x. Barrow considera os triângulos

ΔPTM e ΔPQR praticamente semelhantes, visto que P e Q são pontos vizinhos,

ambos pertencentes ao gráfico da função. Indicando as coordenadas de P e Q por

( ) e ( ) e substituindo estes valores na equação da curva dada, temos:

( ) √( )

( ) ( )

Mas , logo

Se é suficientemente próximo de zero (digamos a = 0,001), podemos

desprezar o termo e assim obtemos:

, ou seja,

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Na notação atual, como temos:

( √ ),

então podemos escrever:

( √ )

Utilizando um método geométrico, também baseado no triângulo diferencial,

Barrow chegou novamente ao mesmo resultado algébrico obtido acima. Tal método é

conhecido como Teorema de Barrow.

Com esse método geométrico, Barrow aproximou-se muito do Teorema

Fundamental do Cálculo quando relacionou o cálculo da inclinação da tangente de um

ponto na curva g – definida a partir de uma função f - com a área sob a curva f, como

vemos abaixo numa ilustração de Katz (2009, p. 536).

Figura 52: Teorema de Barrow.

Fonte: Katz, 2009, p. 536 (adaptação nossa).

Para entendimento do Teorema de Barrow, em notação atual, denotamos as

curvas consideradas por Barrow como gráficos das funções f e g. Dada a função f,

contínua e crescente, cujo gráfico, na figura acima, está rebatido para facilidade de

visualização do teorema, podemos construir a função g a partir da função f. Conforme

realçado acima, no gráfico da função construída g observamos que a reta que passa

pelos pontos G e B do triângulo diferencial ΔGBL será, segundo Barrow, a tangente no

ponto B do referido gráfico.

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108

Nesse caso, Barrow considera que, para uma função f e para qualquer número

r Є IR, a função g é construída pela equivalência entre as áreas das regiões

delimitadas, respectivamente, pelo gráfico f e o eixo horizontal e o retângulo com

base medindo r e cuja altura será o valor de g, conforme ilustração a seguir.

∫ ( )

∫ ( )

Figura 53: Ilustração da equivalência de áreas no TFC. Fonte: Katz, 2009, p. 536 (adaptação nossa).

Para a construção da função g, a partir da função f, consideramos os pontos Z,

F e E pertencentes ao gráfico da função y=f(x) tal que Z=f(A) e E=f(D).

Dado qualquer r Є IR, podemos construir a função y=g(x) tal que num ponto x

qualquer entre A e D, a área do retângulo r.g(x) seja igual à área delimitada pelo eixo

e pela função y=f(x), desde o ponto A até o ponto x.

Por construção:

Na ilustração acima assumimos o ponto x=D para visualização da equivalência

das áreas. No ponto x=D, temos ∫ ( )

.

Barrow localizou um ponto T entre A e D tal que a área do retângulo TD.DE

fosse igual a área ∫ ( )

. A ilustração acima, à direita, mostra tal equivalência

entre as áreas, ou seja, ∫ ( )

.

( ) ∫ ( )

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109

Barrow “identificou” ainda que o segmento ̅̅ ̅̅ está contido na reta tangente ao

gráfico da função g no ponto x=B; ou seja, Barrow associou a determinação da reta

tangente ao gráfico da função g com o cálculo da área sob o gráfico da função f que

deu origem à ela.

Considerando que o segmento ̅̅ ̅̅ da reta tangente em x=D, tem uma

inclinação ( )

; da equivalência das áreas, temos que:

( )

( )

Resumindo, para todo x entre A e D temos a função g tal que,

( ) ∫ ( )

ou seja, ( )

∫ ( )

e o coeficiente angular ao gráfico de g é igual a ( )

.

Na linguagem atual do Cálculo, o teorema de Barrow teria a seguinte versão:

Ilustramos, a seguir, o método geométrico de Barrow aplicado à reta

rebatida na figura para facilitar a visualização do teorema.

Figura 54: Teorema de Barrow aplicado à reta Fonte: Própria.

( )

( )

∫ ( )

( )

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110

Na ilustração, tomamos, por exemplo, r=2 e, portanto, por construção teremos

( ) ∫ ( )

, pois a abscissa do ponto T que nos dará a igualdade de áreas

será

. Com esta escolha, a inclinação da reta tangente será

Sabemos hoje

que ( ) ( )

, portanto, o procedimento de Barrow está correto.

O Teorema de Barrow, que deu origem ao Teorema Fundamental do Cálculo,

aplica-se a uma infinidade de problemas que surgiram a partir do Renascimento,

expandiram-se e estão presentes até nossos dias. A ideia de que o cálculo de

tangentes e o cálculo de áreas eram processos inversos foi familiar a Barrow, embora

ele nunca tenha enunciado formalmente o Teorema Fundamental do Cálculo.

Conforme veremos, a seguir, essa tarefa coube a Isaac Newton, seu brilhante aluno

em Cambridge e a Gottfried Leibniz, um gênio versátil nascido na Alemanha.

Segundo Boyer (1993, p.17), a Matemática ao final do século XVII já estava

madura para se construir o que hoje conhecemos como Cálculo. Nenhuma invenção

nova era necessária, as técnicas estavam à mão. O que faltava era uma

sistematização das regras que, finalmente, foi obtida a partir dos trabalhos de Isaac

Newton e Gottfried Leibniz, considerados os inventores do Cálculo.

Newton (1643-1727)

Newton foi um brilhante aluno de Barrow e deu continuidade aos seus

trabalhos e aos de Galileo e Torriceli sobre o estudo do movimento dos corpos. Para

Newton, uma curva era gerada pelo movimento contínuo de um ponto e, com este

paradigma, em 1671, desenvolveu o método dos “fluxões e fluentes”, publicados

apenas em 1736. Com base em Boyer (2012, p. 275), segue a nomenclatura e

descrição do método. Na curva definida por Newton, em geral, a abscissa e a

ordenada do ponto gerador da curva são quantidades variáveis. As quantidades e

que variam com o tempo são chamadas de fluentes e à taxa de variação desses

fluentes dava o nome de fluxão e os representava por ̇ e ̇ ( e em notação

atual). Ao intervalo de tempo infinitamente pequeno (0), Newton dava o nome de

“momento de um fluente” e representava a taxa de variação dos fluentes no momento

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por ̇0 e ̇0. Newton afirmava que os momentos estão entre si como os fluxões

( ̇ ̇ ⁄ ̇ ̇⁄ ) Em 1676, na publicação De Quadratura Curvarum, Newton substituiu

as quantidades infinitamente pequenas ( ̇0 e ̇0) pela doutrina das “primeiras e últimas

razões”.

Por exemplo, para calcular a razão entre os incrementos de , Newton

desenvolvia o seguinte raciocínio:

( )

( )

( )

Para achar a primeira e última razão, Newton anulava os termos da série com

incrementos ₀ para obter a razão . Segundo Boyer (2012, p. 275), Newton

aproximou-se realmente do conceito de Limite embora houvesse a objeção, discutida

ainda por muitos matemáticos no século XVIII, de “anular” os incrementos.

Como símbolo de integração, Newton usou um pequeno quadrado ,

presumivelmente porque percebia que a integral determinava uma área. Ciente da

relação inversa entre a quadratura e a taxa de variação, Newton investiu fortemente

nas técnicas de quadratura das “linhas curvadas” utilizando a expansão das séries

infinitas. A partir do método de séries por interpolação de Wallis, Newton desenvolveu

técnicas que ampliaram muito a utilização de séries aplicadas às curvas

representadas por expoentes fracionários. O teorema binomial, dado pela equação

abaixo, já era conhecido para potências inteiras.

( ) ∑ (

)

Os coeficientes ( ), chamados coeficientes binomiais, são definidos como:

( )

( ) , onde e são inteiros, .

Newton foi o primeiro a aplicar o teorema binomial para expoentes fracionários,

onde a expansão é interminável. O avanço foi tal que o teorema passou a ser

chamado de “Binômio de Newton”. Para calcular a integral das expressões com

expoentes fracionários, como na função

, Newton utilizava a técnica da

interpolação da expressão entre duas expressões conhecidas com expoente inteiro.

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112

A interpolação foi uma técnica utilizada por Wallis, de modo particular para a

expressão ( )

, com o objetivo de encontrar uma maneira de integrar esta

função e chegar à área do círculo. Posteriormente, Newton a generalizou.

Por exemplo, para encontrar a expressão de ( )

, Newton observou a

formação das integrais das expressões ( ) , com expoentes inteiros, conforme

descrito em Baron (1985, Livro III, p.16).

∫ ( )

∫ ( )

∫ ( )

∫ ( )

∫ ( )

A regra de formação dos numeradores de cada termo do polinômio com

expoentes inteiros segue a distribuição do triângulo de Pascal, já conhecido à época,

conforme ilustrado a seguir.

1

1 1

1 2 1

1 3 3 1

1 4 5 4 1

Os numeradores seguem a distribuição do triângulo de Pascal intercalando os

sinais, e os denominadores são números ímpares. Newton construiu uma regra que

generalizou a criação dos coeficientes binomiais, incluindo expoentes fracionários, o

que permitiu gerar os numeradores dos termos na m-ésima linha do triângulo, sendo

m um número racional diferente de zero.

(

)

( ) ( ) ( ( ))

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A partir dessa regra, Newton calculou a área do círculo através da integração

da expansão da série ( )

, ou seja, tomando

.

Para a expansão da série ( )

temos

( )

( )( )

e assim por diante.

Portanto:

∫ ( )

Figura 55: Expansão da série ( )

,.

Fonte: Baron, Livro III, p.17 e 18.

Com a expansão binomial infinita, Newton ampliou o universo da integração

para muitas outras funções. Embora nunca tenha feito muito progresso no problema

geral, Newton estava bem ciente das dificuldades envolvidas com a “convergência

das séries”. Na obra De analysi, de 1669, encontra-se o método geral que Newton

estabeleceu para tratar da quadratura das “linhas curvadas”, segundo Baron (1985,

Livro III, p.21).

Dentre vários escritos, em 1671, Newton tratou do método dos fluxões e

fluentes, Methodus fluxionum et serierum infinitorum, publicado apenas em 1736. Em

1693, escreveu um tratado sobre a quadratura de curvas, Tractatus de quadratura

curvarum, publicado em 1704. No Principia, escrito em 1687, Newton tratou de muitos

problemas expostos na forma geométrica. Com a integração por expansão de séries

e o método das variações dos fluxões e fluentes, entre outros, Newton formulou

regras e procedimentos sistemáticos para a solução da maioria dos problemas

envolvendo cálculo infinitesimal, que eram conhecidos à sua época.

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114

Leibniz (1646-1716)

No mesmo período em que Newton efetuava seus estudos em Londres,

Leibniz, um gênio versátil cujos estudos englobavam a Filosofia, a Lógica, a

Economia, a Linguística, História, dentre outros, começou a se interessar por

Matemática, a partir de uma viagem a Paris, em 1672. Segundo Boyer (1993, p. 45),

foi em Paris que Leibniz entrou em contato com os estudos de Barrow, Cavaliere,

Pascal, Descartes e outros, por meio do amigo Huygens. Imediatamente, Leibniz

identificou-se com a teoria dos indivisíveis. Ao ler os trabalhos de Pascal, percebeu

rapidamente que a tangente ou inclinação da curva era dada pela razão entre as

“diferenças” das ordenadas e das abscissas de dois pontos vizinhos. Notou, também,

que a quadratura da área sob a curva era dada pela “soma” das ordenadas ou de

uma infinidade de retângulos estreitos. Segundo Boyer (1993, p. 45), o mais

significativo é que Leibniz observou que esses dois processos de “diferenciar” e

“somar” eram inversos um do outro. Assim, entre 1673 e 1676 Leibniz elaborou o seu

cálculo. Newton e Leibniz desenvolveram o Cálculo Integral separadamente;

entretanto, Newton possuía uma visão mais geométrica do Cálculo enquanto Leibniz

o via mais como analítico. Leibniz acreditava que a notação era de fundamental

importância e, de fato, a sua notação foi mais eficaz do que a de Newton e acabou

por se consolidar, sendo utilizada até os dias de hoje, mantendo exatamente a

mesma forma. Enquanto Newton usou um pequeno quadrado como símbolo de

integração, Leibniz usou a letra ∫

(inicial de summa) para expressar a integral, pois a

considerava uma soma de quantidades infinitamente pequenas. Assim, para a integral

de Newton, Leibniz utilizava ∫ ou ∫ . Para os incrementos infinitamente

pequenos, Newton escrevia ̇0 e ̇0 enquanto Leibniz escrevia e e os chamava

de diferenciais.

Em 1673, em visita a Londres, Leibniz também iniciou-se no estudo das séries

infinitas e, dentre outros resultados, obteve o desenvolvimento em série para 𝝅

e para

a função arctg .

arctg

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Retomando os processos de “diferenciar” e “somar”, em Baron (1985, Livro III,

p. 58) encontramos os métodos utilizados por Leibniz. Em 1675, Leibniz tratou dos

diferenciais utilizando a técnica do “triângulo característico”, a partir da ideia inicial do

“triângulo diferencial” de Barrow e Pascal, que faziam uso da aproximação entre

áreas.

Em notação atual, a curva da figura a seguir, à esquerda, representa o gráfico

da função ( ) no qual observamos o triângulo característico Δcdc’. T = gc é o

segmento da reta tangente em c e n=ce é o segmento da reta normal em c.

O triângulo Δcdc’ é semelhante aos triângulos Δcbe e Δgbc, de onde se obtém

as relações cd : dc’: cc’ = y : v : n = t : y : T. Tal relação já havia ocorrido em trabalhos

anteriores para obter resultados especiais; contudo, Leibniz foi o primeiro a utilizá-la

para gerar métodos tão gerais quanto possível.

Figura56: "Triângulo característico" de Leibniz. Fonte: Baron, Livro III, p.47 e 59.

Utilizando uma técnica analítica construída sobre o triângulo característico,

ilustrado acima à direita, Leibniz representou as “diferenças”, ou seja, os incrementos

infinitamente pequenos, por e e relacionou a inclinação da reta tangente T com

a razão

, que é finita e representa o acréscimo infinitesimal sofrido pela área da

região delimitada pela curva ( ) e o eixo no intervalo

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116

Por outro lado, conforme ilustrado a seguir, Leibniz tratou do cálculo de áreas –

a integral ∫

- como a soma de retângulos infinitamente pequenos ; portanto, a

função ∫

representa a área da região limitada pelo gráfico da função positiva

( ) e o eixo no intervalo

∫ ( )

Figura 57: Diferencial e Integral de Leibniz. Fonte: Baron, Livro III, p. 60.

O diferencial é a diferença de dois valores consecutivos dessa área, isto

é, (∫ )

. A razão

do triângulo característico, que representa o

acréscimo infinitesimal sofrido pela área ∫

, é exatamente a diferença de dois

valores consecutivos dessa área. Portanto,

(∫ )

, o que mostra a

relação entre “diferenciar” – o cálculo da inclinação da reta tangente num ponto da

curva – com a “soma” – a área delimitada pela curva e o eixo no intervalo

Essa relação está formalizada no Teorema Fundamental do Cálculo, que Leibniz

enunciou, em 1682, referindo-se às curvas que, em linguagem atual, podem ser

representadas pelos gráficos de funções contínuas.

A relação entre e usualmente é dada em forma de uma equação; para

calcular a razão

é preciso diferenciar essa equação. Leibniz estabeleceu algumas

regras para esta gerar a equação da diferenciação, considerando a relação entre as

quantidades finitas e os incrementos infinitamente pequenos:

e

se é uma constante

( ) (( )( )) ( )

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117

Do mesmo modo:

(

)

( )

Por exemplo, diferenciando a equação da hipérbole , teremos:

( ) ( )

( ) ( ) ( )

T

Figura 58: Regras de Diferenciação de Leibniz. Fonte: Baron, Livro III, p. 59.

Os métodos apresentados por Leibniz formaram uma base poderosa para

solução de problemas, embora houvesse muitas objeções a respeito da definição e

das operações relacionadas às quantidades infinitamente pequenas. Segundo Baron

(1985, Livro III, p. 61), tais objeções foram a base de uma longa discussão que

ocupou parte do século XIX.

Segundo Baron (1985, Livro III, p. 62), os trabalhos de Leibniz sobre o Cálculo

Integral e Diferencial foram agrupados e publicados em 1684 sob o nome Nova

Methodus pro maximuns et minimis ... no qual expôs as regras do seu método. Em

um artigo publicado em 1686, Leibniz incluiu exemplos de sua aplicação. O nome

Cálculo Integral foi criado por Johann Bernoulli e publicado pela primeira vez por seu

irmão mais velho, Jacques Bernoulli, em 1690.

Concluindo, Isaac Newton e Gottfried Leibniz, entre os anos 1656 e 1667,

aproveitaram os conhecimentos anteriores, desenvolveram suas próprias pesquisas e

acabaram por criar um algoritmo geral, aplicável indistintamente a todas as funções,

racional ou irracional, algébrica ou transcendente. A resposta, oferecida por Newton e

Leibniz, foi uma nova e geral Análise infinitesimal.

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118

Como vimos nesta compilação das técnicas e conceitos desenvolvidos nos

séculos XIV, XVI e XVII, grandes avanços foram obtidos nas técnicas do cálculo de

áreas em direção ao Cálculo Integral. De um modo geral, a assimetria observada na

evolução das técnicas e dos conceitos, nesses séculos, nos leva a destacar que

sempre foram privilegiadas as técnicas; em nenhum momento observamos conceitos

novos alavancando as técnicas. Como veremos no capítulo 7, somente em 1823, a

Integral foi formalizada por Cauchy para calcular áreas delimitadas pelo eixo e

pelo gráfico de funções ( ) contínuas num intervalo e, em 1854, foi

formalizada por Riemann, para funções incluindo saltos de descontinuidade.

Estamos, praticamente, ao final do nosso recorte histórico tratando da evolução

das técnicas de quadratura. Conforme ainda veremos até o final do trabalho, alguns

passos foram dados, no século XVIII. A seguir, no capítulo 6, vamos relacionar os

avanços conceituais no campo das medidas de áreas de regiões delimitadas por

gráficos de funções.

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6. FORMALIZAÇÃO DO CONCEITO DE ÁREAS

6.1 Áreas de regiões poligonais

Buscamos a definição formal de área em Apostol (1967) e Moise (1990).

Apostol (1967, p. 57) comenta inicialmente que, para desenvolver uma teoria geral, os

matemáticos buscam as propriedades comuns às aplicações que eles têm em mente,

e, essas propriedades darão as bases para a nova teoria. Ele estabelece, então,

norteado por essa ideia, a “função área”, que associa um número real a uma região

do plano e deve satisfazer a um conjunto de propriedades que podemos considerar

como os axiomas para a função área. Segundo sua definição, dada uma região S no

plano, a função área α , associa à S o número real não negativo α(S) ou seja, à área da

região S, e para ela são estabelecidos os chamados axiomas de aditividade,

invariância sob congruência, escolha de unidade de medida e exaustão. Observamos

que essas propriedades estabelecidas para a função área, como veremos a seguir,

são aquelas que aparecem e que foram frequentemente utilizadas nos problemas

selecionados ao longo deste trabalho.

Apostol (1967, p. 57) faz referência a uma construção elementar da função

área em Moise (1990, p. 184) que inicia a construção da função área para as regiões

poligonais, a partir dos conceitos de região triangular como a “união de um triângulo e

seu interior” e região poligonal como “uma figura plana que pode ser expressa como a

união de um conjunto finito de regiões triangulares de modo que, se houver

intersecção entre duas regiões triangulares ela se dará num lado ou vértice de cada

uma dela”. Podemos visualizar tais regiões poligonais na ilustração a seguir.

Figura 59: Áreas de Figuras poligonais.

Fonte: Moise,1990, p. 184.

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Considerando R o conjunto de todas as regiões poligonais, a função área se

denota como: α:R→IR e obedece aos seguintes postulados:

A-1: α é uma função de R→ IR, onde R é o conjunto de todas as regiões

poligonais e IR é o conjunto dos números reais.

A-2: Para cada região poligonal R Є R , α(R)>0.

A-3: Se duas regiões triangulares são congruentes, então elas possuem a

mesma área.

A-4: Se duas regiões poligonais se interceptam apenas nos lados e

vértices ou se não se interceptam, então a área da união das regiões é a

soma das respectivas áreas.

A-5. Se uma região quadrada possui lados de comprimento 1, então sua

área é 1.

A partir dos postulados, demonstram-se os seguintes teoremas relativos às

áreas de regiões delimitadas por triângulos e quadriláteros:

Teorema 1: Se uma região quadrada possui lados de comprimento a,

então sua área é a2

Teorema 2: A área de uma região retangular de lados a e b é igual a a.b

Teorema 3: A área da região do triângulo retângulo é igual a ½ a.b

Teorema 4: A área de uma região triangular de base b e altura h é igual a

½ b.h.

Teorema 5: A área da região de um paralelogramo de base b e altura h é

igual a b.h

Teorema 6: A área da região de um trapezoide de bases b1 e b2 e altura h

é igual a ½ (b1 + b2).h

Teorema 7: Se dois triângulos têm a mesma altura h e bases b1 e b2,

então a razão de suas bases é igual a razão de suas áreas.

Teorema 8: Se dois triângulos têm a mesma base b e alturas h1 e h2,

então a razão de suas alturas é igual a razão de suas áreas.

Teorema 9: Se dois triângulos têm a mesma base b e a mesma altura h,

então eles têm a mesma área.

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121

Teorema 10: Se dois triângulos ABC e DEF são semelhantes, então a

razão de suas áreas é igual ao quadrado da razão de qualquer par de

lados correspondentes.

6.2 Áreas de regiões delimitadas por gráficos de funções

Após a formalização da função área para as regiões poligonais, ainda havia

que se definir a extensão da função área para, por exemplo, uma região R delimitada

por gráficos de funções, conforme ilustração a seguir.

f(x) ≤ g(x), a ≤ x ≤ b

R = { (x,y) / a ≤ x ≤ b e 0 ≤ y≤ f(x)}

Figura 60: Área delimitada por gráficos de funções contínuas. Fonte: Moise,1990, p. 348 e 350.

Segundo Moise (1990, p. 336), na teoria das Medidas de Jordan, a definição

“básica” de áreas para uma região qualquer R envolve as seguintes definições:

α:R→ IR é a função área para regiões poligonais

K é um conjunto de pontos no plano

P0 é o conjunto de todas as regiões poligonais P que contêm K

P1 é o conjunto de todas as regiões poligonais P contidas em K

N0 é o conjunto de todos os números α(P) que correspondem

respectivamente às áreas dos elementos de P0

N1 é o conjunto de todos os números α(P) que correspondem

respectivamente às áreas dos elementos de P1

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Seja m0K = infN0 e seja m1K = supN1

m1K é chamada a “medida interna” de K

m0K é chamada a “medida externa” de K

M é a classe de todos os conjuntos de pontos mensuráveis num plano.

A partir das definições acima, demonstram-se os seguintes teoremas relativos

à medida de regiões compostas por um conjunto de pontos:

Teorema 1: Toda região poligonal P é mensurável e mP= α(P)

Teorema 2: Todo setor circular K é mensurável. Se o raio é r e o tamanho

do arco é s, então m K=½ r.s

Teorema 3:Todo disco K é mensurável. Se o raio é r, então m K=𝝅 r2

Teorema 4: Se M1ЄM e M2ЄM, então M1 U M2ЄM

Teorema 5: Se M1, M2, ..,MnЄM e M=UMi , então MЄM

Teorema 6: Se M1ЄM e M2ЄM, então M1 -M2ЄM

Teorema 6: Se M1ЄM e M2ЄM, então M1 -M2ЄM

Teorema 7: Se M1ЄM e M2ЄM, então M1 ∩ M2ЄM

Teorema 8: Se M1ЄM e M2ЄM e M1 ∩ M2= ,

então m(M1U M2) = mM1 + mM2

Teorema 9: Se M1ЄM e M2ЄM e M1 C M2,

então m(M2 – M1) = mM2 – mM1

Teorema 10: Se M1ЄM e M2ЄM e m(M1 ∩ M2)= 0,

então m(M2 U M1) = mM2 + mM1

A região K é dita “mensurável” se m0K = m1K

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123

Neste ponto do trabalho, a pergunta que se coloca é: como relacionar a

conceituação da teoria das Medidas com a definição das integrais no Cálculo

Elementar?

No Cálculo Elementar, a área da região R, delimitada pelos gráficos de duas

funções contínuas, é dada pela integral:

R = { (x,y) / a ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ f(x)}

( ) ∫ ( ) ( )

f(x) ≤ g(x), a ≤ x ≤ b

Todavia, Moise (1990, p. 348) afirma que esta fórmula, embora persuasiva,

ainda deve ser justificada pela Teoria da Medida. Ou seja, ainda há que se provar que

para toda região R, delimitada por gráficos de funções, existe um único valor para

m(R).

Constatamos, no decorrer do trabalho, que o longo percurso traçado na

evolução das técnicas de cálculo de áreas, acabou construindo as bases necessárias

para a formulação precisa do principal conceito do Cálculo Integral, conforme

veremos na sequência; finalmente, poderemos constatar que as integrais definidas

por Cauchy e Riemann são compatíveis com a teoria das Medidas de Jordan e que,

para uma região R delimitada por gráficos de funções, a Integral coincide com a Área

da região R.

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7. FORMALIZAÇÃO DO CONCEITO DE INTEGRAL

7.1 Breve passagem pelo Cálculo no século XVIII

Em Baron (1985, livro III) buscamos alguns aspectos do desenvolvimento do

Cálculo que consideramos de interesse no percurso da formação do conceito de

Integral. Nesse século, predominou um estilo analítico ao invés do geométrico o que,

por volta de 1800, deu origem à Análise, tornando-se o estudo e manipulação de

fórmulas que tratavam de processos infinitos tais como limites, séries, diferenciação e

integração.

A difusão do cálculo leibniziano está vinculada aos trabalhos dos irmãos Jakob

e Johann Bernoulli. Em 1696, a partir do que aprendera com Johann Bernoulli,

Guilaume de l’Hôpital publicou a obra Analyse des infiniments petits, que foi, por mais

de 50 anos, a única obra de introdução ao Cálculo Diferencial. Quanto ao Cálculo

Integral, somente em 1742, Johann Bernoulli publicou um texto expositivo satisfatório,

o Integral Calculus.

Houve muita controvérsia e muitas tentativas de respostas no século XVIII, com

relação às questões básicas:

Existem quantidades infinitamente pequenas?

É seguro o uso destas quantidades no cálculo?

Desde 1754, D’Alembert, na França, e Robins, na Inglaterra, defenderam o uso

de limites para prover uma base rigorosa para o cálculo. Na publicação Limit, de

1765, D’Alembert explicou o conceito de limite da seguinte forma:

Diz-se que uma grandeza é o limite de outra grandeza quando a segunda pode aproximar-se da primeira tanto quanto se queira, embora a primeira grandeza nunca possa [atingir ou] exceder a grandeza da qual ela se aproxima; de modo que a diferença entre tal quantidade e seu limite é absolutamente indeterminável. (D’ALEMBERT, 1765, apud Baron, Livro IV, p. 28).

D’Alembert tratava do limite de grandezas, enquanto na matemática atual o

limite se refere ao comportamento dos valores de uma função quando a variável

independente tende a um valor dado, que não necessariamente é finito.

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Lagrange, em 1772, defendia a ideia de que o cálculo deveria operar com

funções ao invés de quantidades variáveis. Embora o termo função tenha sido

utilizado pela primeira vez por Leibniz, foi Euler, em 1748, na publicação Introduction

to the analysis of infinites, que padronizou o termo da seguinte forma:

Uma função de uma quantidade variável é uma expressão analítica formada de qualquer modo por tal quantidade variável e por números e quantidades constantes. (EULER, 1748, apud Baron, Livro IV, p. 35).

Como expressões analíticas, Euler incluía expressões algébricas (compostas

por soma, subtrações, produtos, quocientes e raízes), expressões que envolviam

funções elementares transcendentes ( ), séries de

potências e outras expressões que envolviam limites. No sentido atual, as funções

não necessariamente possuem uma representação analítica, uma fórmula. As

funções eram tidas como bem comportadas de forma que eram sempre contínuas e

diferenciáveis.

Esses conceitos foram amplamente discutidos no século XVIII, porém, foi

somente no século XIX que os fundamentos do cálculo foram firmemente fixados:

As variáveis do cálculo do século XVIII foram substituídas por funções.

Com o conceito de limite, foram eliminadas as menções aos infinitésimos

ou infinitesimais.

O conceito de limite foi utilizado na definição de função derivável que, por

sua vez, substituiu os conceitos de fluxões e diferencial.

A formalização do conceito da integral.

Essa mudança se estabeleceu por um processo bastante complicado que, por

volta de 1820, pode ser considerado finalizado nas publicações de Cauchy, que

apresentou o cálculo como uma teoria de funções e suas derivadas por meio do

conceito de limite. Na sequência, veremos apenas a formalização do conceito da

integral, objeto final de pesquisa do presente trabalho, que pretende viabilizar um

olhar sobre a História da Matemática que possa contribuir, eventualmente, com a

prática do ensino e da aprendizagem da Matemática, em especial do Cálculo Integral,

em sala de aula.

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126

7. 2 Formalização do conceito de Integral

Em Kline (1972, VIII, p. 956-960) e Baron (1985, Livro IV, p. 45-53), buscamos

a formalização do conceito da integral conforme os estudos de Cauchy, que tratou de

conceitos fundamentais como o uso do termo infinitamente pequeno, continuidade,

função derivada e função integral, chegando à primeira formalização do Teorema

Fundamental do Cálculo. Assim, a teoria da integração moderna começou com Louis

Cauchy, passados mais de um século do anúncio do Teorema Fundamental do

Cálculo feito por Leibniz, em 1682.

Cauchy (1789-1857)

Para Cauchy, a definição de limite é a mesma de D’Alembert e Robins; no

entanto, ele entende que a variável possa alcançar o seu limite. Ele fez também uma

interpretação do termo infinitamente pequeno, relacionando-o ao limite, o que lhe

permitiu formular uma definição precisa da continuidade.

Quando os valores numéricos sucessivos de uma variável diminuem indefinidamente de modo a tornarem-se menores que qualquer número dado, dizemos que a variável torna-se ‘infinitamente pequena’ ou ‘uma quantidade infinitamente pequena’. O limite de tal variável é zero. (CAUCHY, 1823, apud Baron, Livro IV, p. 47).

Suponhamos que a função ( ) seja [...] finita para todos os valores de entre dois limites dados; então, se a diferença ( ) ( ) for sempre infinitamente pequena entre esses limites, dizemos que ( ) é uma função

contínua da variável entre os limites em questão. (CAUCHY, 1823, apud Baron, Livro IV, p. 48).

Em notação atual, podemos dizer que se é um infinitésimo então ou

. A função é contínua em se ( ) ( ) , ou seja, ( )

( ).

Cauchy desenvolveu o conceito formal de integral como o limite de uma soma

em lugar de tratá-la como o inverso da diferenciação. Segundo Kline (1972, VIII, p.

957), na publicação Resumé, em 1823, Cauchy formalizou a definição de integral de

uma função f(x), contínua no intervalo assim: se o intervalo é subdividido

em x valores (x1, x2, x3, ... ,xn c om x1=a e xn=b) então a integral se define como o

limite da soma, do seguinte modo:

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f(x) , a ≤ x ≤ b

R = { (x,y) / a ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ f(x)}

f(x) contínua no intervalo

∑ ( )

( ) onde

qualquer valor de x no intervalo

e, quando , o valor do maior subintervalo .

Figura 61: Integral de Cauchy. Fonte: Kline,1972, Livro 3, p. 957.

.

A definição pressupõe que f(x) é contínua e que, quando , o valor do

maior subintervalo A definição de Cauchy é aritmética e ele mostrou que a

integral da função f(x) existe para quaisquer valores de e . Em seguida, Cauchy

utilizou a notação de integral proposta por Fourier e denotou a integral da função ( ),

contínua no intervalo , por:

∫ ( )

Apostol (1967, p.58,59) mostra como a definição de integral de Cauchy,

apresentada acima, é compatível com a função área definida na teoria das Medidas

de Jordan. Na formalização do conceito de áreas das regiões poligonais, visto no item

anterior do presente trabalho, temos o teorema “A área de uma região retangular de

lados e é igual a ”. O termo retângulo se refere a qualquer região da forma:

( ) Com retângulos, pode-se aproximar, por dentro

e por fora, a área da região delimitada pelo gráfico de uma função contínua positiva e

o eixo horizontal, em um intervalo , conforme a região Q, ilustrada a seguir:

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Figura 62: Região no plano aproximada por retângulos – função contínua. Fonte: Apostol,1967, p. 58.

Utilizando os teoremas definidos na formalização do conceito de área de

regiões delimitadas por gráficos de funções, visto no capítulo 6, Apostol (1967,

p.58,59) descreve algumas deduções necessárias para se chegar à propriedade da

exaustão, segundo a qual, a região ilustrada acima, é mensurável e existe um único

valor tal que ( ) .

Dos teoremas e axiomas dados por Moise (1990, p.185-351), temos que:

Pelo teorema 1 (Toda região poligonal P é mensurável), os retângulos que

compõem as áreas S e T são mensuráveis.

A área da região S ou T, representada por degraus, é a soma das áreas

dos pedaços retangulares; portanto, o teorema 5 (se M1, M2, ..,MnЄM e

M=UMi, então M Є M) garante que estas regiões S e T também são

mensuráveis.

Por definição, a função área associa uma região mensurável M a um

número positivo ou zero ( ( ) ); ou seja, ( ) e ( ) .

O teorema 8 (se M1ЄM e M2ЄM e M1 ∩ M2= então m(M1 U M2) = mM1 +

mM2) garante que as regiões S e T, além de mensuráveis, possuem um

único valor de área resultante da soma das áreas dos retângulos.

Como e são regiões mensuráveis e , pelo teorema 9 (se M1ЄM e

M2ЄM e M1 C M2, então m(M2 – M1) = mM2 – mM1 temos que ( )

( ) ( )

A partir de tais deduções e utilizando o método grego da exaustão, Apostol

(1967, p.58,59) chega à propriedade da exaustão citada acima: “Se existir um único

valor tal que ( ) ( ) para todas as regiões SЄM e TЄM, sendo S C Q C

T, então Q é mensurável e ( ) ”. Dessa forma, pode-se mostrar que toda região

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Q, delimitada pelo gráfico de uma função contínua positiva e o eixo horizontal, em um

intervalo , é mensurável e existe um único valor tal que ( ) .

Concluindo, as aproximações que levam ao resultado da integral definida por

Cauchy para uma função contínua positiva f(x) num intervalo para cada escolha

de valores nas subdivisões do intervalo, dão-nos um número entre duas

aproximações, por falta e por excesso, e o limite da função contínua coincide com a

medida da área delimitada pelo gráfico de f(x) e o eixo horizontal nesse intervalo.

Portanto:

Tendo visto a relação entre os conceitos de área e a integração,

prosseguiremos com a formalização do Cálculo Integral.

Cauchy demonstrou que a função integral ( ) ∫ ( )

, ( ) contínua no

intervalo , também é contínua; mostrou ainda que ( ) é derivável e ( )

( ). Essa foi a primeira demonstração do Teorema Fundamental do Cálculo,

publicada em 1823.

Depois de mostrar que todas as primitivas ( ) de ( ) diferem por apenas

uma constante, ele definiu a “integral indefinida” como ∫ ( ) ∫ ( )

.

Prosseguindo seus estudos, Cauchy considerou o caso particular em que

( ) possui uma descontinuidade em algum ponto no intervalo de integração

e, também, o caso em que tende ao infinito. Nessas situações, Cauchy

propõe o uso do limite quando estes limites existem:

∫ ( )

(∫ ( )

)

(∫ ( )

)

e

∫ ( )

(∫ ( )

)

∫ ( ) ( )

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Segundo Kline (1972, VIII, p. 959), passados alguns anos dos trabalhos de

Cauchy, em 1854, Riemann formalizou o conceito da integral para qualquer função

( ), contínua ou não, definida num intervalo conforme veremos a seguir.

Riemann (1826-1866)

Para formalizar o conceito da integral para qualquer função ( ) definida num

intervalo , Riemann dividiu o intervalo em subintervalos e

definiu a integral de ( )no intervalo como:

f(x) , a ≤ x ≤ b

R = { (x,y) / a ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ f(x)}

f(x) qualquer no intervalo

∫ ( )

(∑ (

) )

onde é qualquer valor de no subintervalo

Figura 63: Integral de Riemann. Fonte: Kline,1972, Livro 3, p. 959.

Em seguida Riemann definiu a oscilação de ( ) no intervalo como sendo

a diferença entre o maior e o menor valor de ( ) no intervalo ; assim, se e

são o maior e o menor valor de ( ) no intervalo então a oscilação é igual a

. Dado um número árbitrário , seja a quantidade de todos os subintervalos

cuja oscilação . Riemann provou que tender a zero, quando aumenta a

quantidade de subintervalos no intervalo , é condição necessária e suficiente

para que o limite da soma ∑ ( ) exista e seja único.

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Nem todas as funções são integráveis mas, se ( ) é contínua no intervalo

, ou tiver apenas um número finito de saltos de descontinuidade, então ( ) é

integrável em ; ou seja, a integral definida ∫ ( )

existe.

Em 1854, Riemann apresentou outra condição, também necessária e

suficiente, para garantir que uma função ( ) qualquer seja integrável no intervalo

, usando o que denominou somas superior e inferior:

Onde e são o maior e o menor valor de ( ) no subintervalo .

Tomando a diferença entre o maior e o menor valor de ( ) no

subintervalo , Riemann mostrou que a integral de ( ) no intervalo existe

se e somente se

0

para todas as escolhas de no intervalo

Figura 64: Região aproximada por retângulos – função com salto de descontinuidade.

Fonte: Apostol,1967, p. 58 (adaptação nossa).

Seja a região , ilustrada acima, delimitada pelo eixo horizontal e pelo gráfico

de uma função com um salto de descontinuidade. Quando aumenta o número de

subintervalos no intervalo , ou seja, quando o tamanho do subintervalo tende a

zero ( ), as funções contínuas ou com saltos de descontinuidade podem

se dividir em subintervalos onde .

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132

Esses subintervalos podem ser representados por retângulos, cuja soma

coincide com a medida da região . Isto é, quando para todas as escolhas de

no intervalo a medida da regição S e s tendem para o mesmo valor c que é

a medida da região .

Utilizando os teoremas definidos na formalização do conceito de área de

regiões delimitadas por gráficos de funções, vistos no capítulo 6, e já utilizados para

justificar a Integral de Cauchy no item anterior, sabemos que:

as regiões e compostas por retângulos são mensuráveis;

como a região está contida na região então ( ) ( );

da condição de Riemann:

0,

para todas as escolhas de no intervalo ,

temos que em todos os subintervalos no intervalo ;

se em todos os subintervalos no intervalo ,

então ( ) ( ) e portanto ( ) ( )

se ( ) ( ),

então a região Q é mensurável e ( ) ( ) ( ) .

Dessa forma, conclui-se que toda região Q, delimitada pelo eixo horizontal e

pelo gráfico de uma função positiva contínua ou com saltos de descontinuidade, em

um intervalo , se satisfeitas as condições necessárias e suficientes, é

mensurável e existe um único valor tal que ( ) . Do que vimos até agora, em

conformidade com a teoria das Medidas de Jordan, segue que o resultado da função

integral definida por Cauchy e Riemann, quando existe, é a medida da região Q

delimitada pelo gráfico da função ( ) e pelo eixo da ordenada no intervalo

( ) ∫ ( )

se ( ) for integrável.

Para uma região Q delimitada por gráficos das funções ( ) e ( ), a integral,

quando existe, coincide com a área da região Q. Assim:

( ) ∫ ( ) ( )

.

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133

Procederemos agora a uma análise dos exemplos obtidos neste percurso,

ressaltando a cronologia e a assimetria observada, de forma que, eventualmente, tais

informações possam ser utilizadas em sala de aula.

8. ANÁLISE

A partir da nossa crença na “construção reflexiva” – onde o conhecimento é

visto como uma construção a partir de informações entrelaçadas numa rede de

significações - sugerida pelos autores nas considerações preliminares deste trabalho,

juntamente com nossas escolhas obtidas das várias propostas de ensino discutidas

nas considerações teóricas, reafirmamos o propósito inicial do presente trabalho, qual

seja, o de explorar e promover a utilização da História da Matemática nos processos

de ensino e de aprendizagem da Matemática. Entendemos que a ordem lógica mais

adequada para o ensino de Matemática é aquela que revela a Matemática enquanto

Ciência em construção e, também, que a História da Matemática pode ajudar neste

processo educacional utilizando o viés da assimetria, ou seja, do descompasso

observado na trajetória do desenvolvimento e aprimoramento das técnicas e da

elaboração dos conceitos, em especial das técnicas do cálculo de áreas até a

formalização do Cálculo Integral. Tais assimetrias evidenciam o desnível presente

entre os dois caminhos, o experimental da técnica que precede o do pensamento

formal. Este descompasso também se observa na educação pós-moderna porém, na

“contramão” da História. Em especial, no ensino do Cálculo Integral, o pensamento

formal abstrato é apresentado ao aluno antes que o conceito se materialize na

trajetória de sua evolução. Esse descompasso demanda do professor, em sala de

aula, o desafio de estimular a capacidade reflexiva dos alunos para compreender e se

apropriar dos conceitos matemáticos que foram sendo construídos muito lentamente

ao longo do tempo.

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O percurso no qual levantamos informações sobre o desenvolvimento “prático”

do conceito de área, qual seja, o desenvolvimento das técnicas utilizadas para

calcular as áreas, deu-se num espaço de tempo muito longo onde se observam

assimetrias de mais de três milênios. Estas informações nos permitiram elaborar as

considerações a seguir, orientadas pela nossa questão de pesquisa:

“Quais e como aconteceram, ao longo do tempo histórico da Matemática, as

assimetrias entre as técnicas e os conceitos relativos ao Cálculo Integral?”

Os conceitos foram se revelando aos poucos por meio de esforços para criar

técnicas cada vez mais precisas para o cálculo de áreas. Todas as técnicas utilizadas

pelos povos antigos, nenhuma foi negligenciada como veremos na sequência, foram

incorporadas na teorização atual do cálculo de Áreas.

Acreditamos que tal assimetria deu-se num período tão longo por tratar de

conceitos altamente polêmicos como quantidades infinitamente pequenas, contínuo,

indivisíveis, dentre outros. O fato é que alguns desses conceitos continuaram em

aberto até o século XIX, quando foram formalmente contornados para estruturar o

Cálculo com base no conceito de Limite. De qualquer forma, eles atuaram como uma

alavanca para estimular as várias técnicas de quadratura e técnicas de demonstração

que surgiram ao longo do tempo.

Das tentativas de contornar tais polêmicas, na Grécia, nasceram as primeiras

técnicas inseridas nos conceitos atuais do Cálculo Integral. Tão grande assimetria

evidencia as dificuldades e, consequentemente, um esforço muito grande da

humanidade para tratar desses conceitos. David Tall e Vinner (1981) recomendam

que os conceitos sejam apresentados desde a formação da sua “origem prática”,

através de experiências variadas, até a “formalização” do mesmo, neste caso com

uma assimetria de milênios. Portanto, pode-se “recorrer à história com fins

pedagógicos” para apresentar a matéria aos alunos. Esses conceitos que, por vezes,

“parecem naturais”, foram se formando lentamente, numa determinada sequência e,

talvez seja esta a sequência mais “natural” ou “sensível” de apresentação dos

mesmos. Porém, não aprofundamos esta proposição visto que não se trata do objeto

de estudo de nosso trabalho, que tem como meta relacionar a evolução dos

conceitos, resgatando sua origem a partir da assimetria observada.

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135

No decorrer do trabalho, paralelamente à apresentação dos fatos históricos,

procuramos realçar algumas das técnicas conhecidas que precederam a formulação

do conceito de Integral e que, de alguma forma, aparecem modernamente na

definição da função área, quais sejam:

Métodos de cálculo elementar, a partir de observações e experiências

práticas, por vezes com o uso de fórmulas ainda não explicitadas;

No Egito e Mesopotâmia observamos que muitos problemas de cálculo de

áreas foram resolvidos por meio de processos gerais não explicitados. que utilizavam

apenas cálculos numéricos elementares (figuras 1 e 5). Estas técnicas envolviam

basicamente os sistemas de contagem adotados na respectiva cultura e época –

apenas números inteiros e frações, associados com transformações geométricas

elementares e com cálculos experimentais já explorados. Destas técnicas surgiram

fórmulas como o cálculo de áreas do quadrado, do retângulo, do triângulo retângulo,

do trapezoide e até do círculo. Os registros do tablete BM85194 ( figura 6 ), que trata

da área de coroas circulares, conduzem a uma aproximação de 𝝅 igual a 3.

Método das aproximações elementares das figuras geométricas;

Os problemas 36 e 37 do papiro do Cairo incluem o cálculo da área de um

segmento circular, utilizando o método de aproximação de figuras geométricas, no

caso um trapezoide (figuras 3 e 4). O problema 48 do papiro de Rhind (figura 2), trata

da razão entre a área do círculo e seu diâmetro usando uma técnica de aproximação

elementar por “quadriculados”, que auxilia os cálculos e chega ao valor aproximado

de 𝝅 igual a 3,1605.

Método da composição e decomposição de figuras geométricas;

Uma prova geométrica do teorema de Pitágoras (figura 7) utilizou a igualdade

de áreas juntamente com decomposições de um quadrado. Hipócrates (figuras 10 e

11) utilizou a mesma técnica, associada ao cálculo de áreas de regiões circulares

chamadas “Luas de Hipócrates”. Expressões algébricas foram obtidas

geometricamente utilizando a técnica da composição e decomposição de quadrados e

retângulos (figuras 17, 18, 19 e 20).

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136

Métodos de comparação de áreas, baseados na quadratura e semelhança

de triângulos, que não raro introduzia novas definições;

As figuras 8 e 9 ilustram a comparação de áreas com as técnicas da

quadratura e a figura 16 utiliza a comparação de áreas em conjunto com a

semelhança de triângulos. O método da comparação de áreas foi também utilizado

por Apolônio para definir as Cônicas (figuras 22, 23 e 24).

Passados mais de um milênio, tal técnica foi utilizada também, dentre outros,

por Pascal (figura 41) para definir a área da “curva dos senos” que estabelecia um

método de cálculo de áreas delimitadas por qualquer arco no primeiro quadrante do

círculo . Também Barro, nas figuras 53 e 54, utilizou a técnica da

comparação de áreas em parceria com a semelhança de triângulos e relacionou os

conceitos de Integral e Inclinação das Tangentes, que acabaram por resultar no

Teorema Fundamental do Cálculo.

Métodos de equivalência de áreas com base nas congruências;

Em Euclides (figuras 13, 14 e 15), encontramos a equivalência de áreas de

figuras geométricas envolvendo a decomposição e a congruência, além das técnicas

de quadratura já conhecidas.

Métodos de equivalência de áreas por aproximação de figuras

geométricas;

Para o cálculo de áreas, Arquimedes utilizou outra técnica combinando a

aproximação de figuras geométricas com o conceito dos “elementos menores” ou de

“menor medida”, compondo os elementos maiores. Por exemplo, para calcular a área

do círculo (figura 25), Arquimedes preencheu-o com polígonos de um número cada

vez maior de lados e demonstrou que a soma das áreas dos polígonos e a área do

círculo são coincidentes; de forma análoga, para calcular a área de um segmento

parabólico, preencheu-o com triângulos cada vez menores (figura 26). Com base nas

técnicas de aproximação de áreas tão difundidas na antiguidade, no século XVII, a

técnica do triângulo diferencial ou triângulo característico (figuras 51, 52 e 56),

fundamental no desenvolvimento do Cálculo Diferencial e Integral, consistia em

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137

aproximar a área de um triângulo com o acréscimo infinitesimal sofrido pela área

delimitada por uma curva.

Método Mecânico da alavanca - balanceamento de figuras geométricas;

O Método da Alavanca ou Método Mecânico (figuras 27 e 28) consistia num

esquema para equilibrar entre si os “elementos” de figuras geométricas, elementos

estes obtidos pela divisão da figura geométrica.

Método de Integração de Arquimedes – antecipação do Cálculo Integral;

Arquimedes desenvolveu várias técnicas de quadratura em torno de um outro

conceito, o dos indivisíveis (figuras 29 e 30). Os adeptos dos indivisíveis trabalhavam

com o conceito dos elementos de “dimensionalidade menor”; assim, uma reta era

constituída de pontos, um plano de retas e um sólido de planos. Segundo o conceito

dos elementos de “dimensionalidade menor”, Arquimedes calculou a área de vários

sólidos fatiando-os em planos – superfícies que, por sua vez, eram divididos em

paralelogramos. Para calcular a área de uma superfície delimitada por uma curva e

um eixo horizontal, Arquimedes inscrevia e circunscrevia outra figura plana em torno

desta superfície. Está técnica é conhecida como o método de Integração de

Arquimedes.

Métodos relacionados aos indivisíveis e infinitesimais;

Passados mais de um milênio, nos séculos XVI e XVII, o conceito dos

indivisíveis ou “elementos de dimensionalidade menor” e o conceito dos infinitesimais

ou “elementos menores”, ambos utilizados por Arquimedes, deram origem a vários

métodos de cálculos de áreas delimitadas por curvas, nos trabalhos desenvolvidos

por Cavaliere, Roberval, Pascal, Kepler, Torriceli, Fermat, dentre outros.

Como visto, no Egito e Mesopotâmia, os cálculos de áreas eram baseados na

experiência prática, como um recurso de mensuração, restritos ao campo numérico

conhecidos, inteiros e frações, limitados pelos recursos computacionais. Embora a

fundamentação do conceito perceba-se essencialmente prática, devemos destacar a

diferença entre os cálculos de áreas para regiões circulares encontrados nos registros

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138

das duas civilizações: temos aproximações numéricas para , entre os babilônios, e

entre os egípcios, uma primeira tentativa de inovação técnica na aproximação da área

do círculo por uma região poligonal. As ideias para a estimativa da área carecem de

recursos numéricos para chegar ao resultado desejado.

Na Grécia, os aspectos filosóficos relacionados com os conceitos de espaço e

de tempo, a natureza de quantidades contínuas – medidas e sua divisibilidade ad

infinitum com implicações das quantidades infinitamente pequenas e o advento dos

irracionais foram objeto de estudo de várias escolas de pensamento. Os conceitos de

infinito, divisível ou indivisível e seus paradoxos motivaram várias discussões que,

objetivamente, resultaram em técnicas importantes para o cálculo de áreas. De fato,

alguns conceitos como quantidades infinitamente pequenas ou grandezas tão

pequenas quanto se queira, continuaram em aberto até o século XIX, quando foram

formalmente elaborados na estruturação do Cálculo com base nos conceitos de

Número e Limite. No mundo grego observamos uma simetria entre técnicas e

conceitos num fluxo e refluxo entre pensamento e experiência. O aparato conceitual

de Euclides, em especial a congruência e semelhança de triângulos, alavancou o

desenvolvimento de novas técnicas de cálculo de áreas tais como a equivalência de

áreas e a composição e decomposição de figuras. As inovações trazidas pelos

processos de quadratura foram sistematicamente utilizadas e são encontradas em

trabalhos importantes e inovadores como o de Hipócrates de Chios ou Euclides. As

ideias de exaustão de Eudoxo (figura 12), exploradas com criatividade em várias

situações por Arquimedes são, inegavelmente, precursoras do Cálculo Integral, por

meio de demonstrações que evidenciam a habilidade lógica para contornar a

ausência da formalização do Limite.

Depois de um longo período, desde os avanços obtidos na Grécia, as técnicas

de Integração utilizadas por Arquimedes (figuras 25, 29 e 30) foram retomadas nos

séculos XIV, XVI e XVII. A partir dos mesmos conceitos básicos desenvolvidos na

Grécia, ou seja, dos indivisíveis e dos elementos menores como pequenos

paralelogramos, triângulos e outros compondo elementos maiores, ocorreu uma

proliferação das técnicas de cálculo de áreas delimitadas por curvas variadas. Como

já mencionado anteriormente, no século XIV, Oresme introduziu a técnica da

representação gráfica para as variações (figura 31), ou seja, foi estabelecida uma

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relação geométrica entre as curvas e a variação de um elemento ao longo do tempo.

Tal técnica acrescida da Geometria Analítica, que nascia no início do século XVII, deu

grande impulso aos estudos do cálculo de áreas das superfícies delimitadas por

curvas. Também no século XVII, surgiram as primeiras “tentativas” de formalização do

conceito de função a partir das curvas; esses conceitos foram evoluindo lentamente

até a formalização atual das curvas como gráficos de funções. No início do século

XVII, as propriedades das parábolas e hipérboles já eram bem conhecidas, porém,

por necessidade de generalização, iniciaram-se vários estudos para tratar das curvas

superiores ⁄ (figura 34), utilizando primeiramente a Geometria,

Cavaliere (figuras 35, 36 e 37), depois os recursos da Aritmética de Wallis e,

finalmente, a Geometria Analítica. O elemento comum desses estudos foi a busca por

novas técnicas de cálculo de áreas. Para Cavaliere, a área era tratada como o

somatório de segmentos de reta (∑ ) Wallis utilizou a técnica dos somatórios de

Cavaliere porém utilizou as propriedades das séries aritméticas desenvolvendo uma

técnica que ele próprio denominou de aritmética (figuras 48, 49 e 50), para obter uma

regra geral das curvas, incluindo expoentes fracionários. Um passo muito importante

foi dado quando, do cálculo de áreas delimitadas por curvas, passou-se para o cálculo

da inclinação da reta tangente num ponto da curva. Utilizando as técnicas de

aproximação de áreas tão difundidas na Antiguidade, Fermat e Barrow

desenvolveram, respectivamente, um método geométrico (figuras 47, 52 e 53) e um

método algébrico (figuras 46 e 51), ambos com base na técnica do triângulo

diferencial ou triângulo característico (figuras 47, 51 e 56) como visto no decorrer do

trabalho. Também Leibniz utilizou o triângulo diferencial para estabelecer os

incrementos infinitamente pequenos ( e ) e relacionou a inclinação da reta

tangente com a razão

(figura 57).

Newton investiu fortemente nas técnicas de quadratura utilizando a técnica da

expansão das séries infinitas. Com tal técnica, Newton integrou a função ( )

(figura 55) para encontrar a área do círculo. Somente em 1823, a Integral foi

formalizada por Cauchy (figura 61) para calcular áreas delimitadas pelo eixo e pelo

gráfico de funções contínuas num intervalo e, em 1854, foi formalizada por

Riemann (figura 63), para funções incluindo saltos de descontinuidade.

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De um modo geral, a assimetria observada na evolução das técnicas e dos

conceitos, leva-nos a destacar que, em especial nos séculos XIV, XVI e XVI, sempre

foram privilegiadas as técnicas; em nenhum momento observamos conceitos novos,

alavancando as técnicas. Por isso, tendemos a considerar mais “natural”, conforme

posicionamento de vários autores referidos nas considerações teóricas, que a

aprendizagem do Cálculo deva ser menos sistematizada e mais construída sobre as

várias técnicas e suas respectivas formalizações conceituais tratando do mesmo

“conceito abstrato” em formação. Nosso entendimento justapõe as opiniões de

Rezende (2003) em relação ao ensino do Cálculo nos nossos dias. O autor afirma que

a atitude predominante no ensino de Cálculo é caracterizada por uma posição híbrida:

por um lado, dá-se ênfase à organização e à justificação lógica dos resultados do

Cálculo; por outro, realiza-se um treinamento exacerbado nas técnicas de integração,

no cálculo de derivadas e de limites. Diante disso, o autor entende que se precisa

voltar o ensino do Cálculo para o próprio Cálculo, os seus significados, os seus

problemas construtores e suas potencialidades. Tão importante quanto saber usar as

regras de derivação e as técnicas de integração, é saber seus significados, suas

múltiplas interpretações, sua utilidade em outros campos da Matemática e em outras

áreas do conhecimento. Ou seja, em vez de se construir os resultados e conceitos do

Cálculo no nível do conhecimento já sistematizado, o autor sugere que se deve ter em

mente a construção de significações das ideias básicas para, num momento posterior,

buscar a sistematização dos elementos dessa rede.

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Conclusão

Neste ponto concluímos nossa análise, finalmente, convencidos de que

conhecimento das técnicas e conceitos adquiridos assimetricamente, ao longo do

percurso histórico traçado na evolução das técnicas de quadratura, acabou

construindo as bases necessárias para a formulação precisa do Cálculo

Integral. Reiteramos que os conceitos atuais da Teoria do Cálculo Integral que, por

vezes “parecem naturais”, foram se formando lentamente, numa determinada

sequência e, eventualmente, seja esta a sequência mais “natural” ou “sensível” de

apresentação dos mesmos em sala de aula.

Para os pesquisadores, ficam em aberto estudos relativos ao ensino do Cálculo

que contemplem situações em sala de aula segundo a proposta apresentada neste

trabalho. Também o professor, se desejar, poderá viabilizar uma alternativa

experimental de ensino do Cálculo Integral, ou mesmo do cálculo de Áreas, utilizando

algumas reflexões e exemplos desenvolvidos ao longo do texto. A partir da

identificação e comprometimento do professor com uma proposta de ensino utilizando

a História da Matemática como recurso pedagógico, pode-se pensar na elaboração de

uma sequência didática alternativa para tratar da respectiva matéria. Naturalmente,

os resultados advindos de uma iniciativa dessa natureza só poderão ser verificados

quantitativamente, a partir da implementação cuidadosa de um projeto que envolva

um plano bem elaborado de experimentos em salas de aula, alternadas e

compatíveis, em potencial de aprendizagem, com atividades de medição e

comparação de rendimentos dos alunos. No entanto, de forma menos ambiciosa e

igualmente valiosa, o professor poderá aderir à proposta, aplicando-a livremente

conforme sua criatividade e inferindo os resultados de forma subjetiva, a partir de

observações atentas ao andamento do processo do ensino e da aprendizagem nas

salas de aula. Vale, no entanto, ressaltar que, independentemente da via utilizada, é

imprescindível inferir os resultados, visto que somente haverá sentido investir em

processos que produzam os frutos que se deseja obter. E que os frutos sejam

alimento e estímulo para o desejo infinito de conhecimento que constitui o Homem.

A preocupação com o Homem e seu Destino, deve constituir sempre o interesse principal de todos os esforços técnicos [...] Nunca esqueçam isto em meio aos vossos diagramas e equações. (EINSTEN apud GIUSSANI, 1999, p.189).

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