a asma segundo a psicossomÁtica · a asma é um termo genérico que engloba uma condição...

67
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – FACS CURSO: PSICOLOGIA A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA PRISCILA ESTRELA HIMMEN BRASÍLIA Novembro/2003

Upload: others

Post on 11-Jun-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – FACS

CURSO: PSICOLOGIA

A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA

PRISCILA ESTRELA HIMMEN

BRASÍLIA Novembro/2003

Page 2: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

II

PRISCILA ESTRELA HIMMEN

A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA

Monografia apresentada como

requisito para a conclusão do curso de

Psicologia do UniCEUB - Centro

Universitário de Brasília.

Professor(a) e orientador(a): Tánia

Inessa Martins de Resende.

Brasília/DF, Novembro de 2003

Page 3: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

III

Aos meus pais, pelo amor demonstrado através

de compreensão, apoio e incentivo, não só durante o período acadêmico, mas por toda a vida.

Page 4: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

IV

AGRADECIMENTO

Agradeço e dedico este trabalho a minha orientadora, Professora

Tánia Inessa, que me indicou os caminhos que eu deveria seguir na elaboração

desta monografia.

Agradeço também à psicóloga Andréia Moscoso e à minha prima

Renata Estrela pela orientação, essencial para a conclusão deste trabalho.

Agradeço às minhas amigas por todo o carinho, paciência e

companheirismo.

Agradeço também, a todas as pessoas que contribuíram para que

este trabalho não se resumisse a uma monografia, mas que representasse todo o

crescimento pessoal e profissional obtido ao longo do período acadêmico. São elas a

minha família, meu irmão Cristiano, minhas madrinhas Amélia e Jacira, meu padrinho

Luciano, meu tio Marcos e todos aqueles que, de alguma forma, se fizeram

presentes.

Finalmente, dedico este trabalho à Prada, companhia constante na

realização deste trabalho.

Page 5: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

V

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PSICOSSOMÁTICA 3

1.1 Unidade soma-psique 3

1.2 História da medicina psicossomática 4

1.3 Concepções psicanalíticas da psicossomática 6

1.4 Concepções psicofisiológicas 11

1.5 Concepção atual da psicossomática 13

2. A VISÃO FISIOLÓGICA E PSICOLÓGICA DO APARELHO RESPIRATÓRIO E DA ASMA 16

2.1 Aspectos psicológicos da respiração 17

2.2 Aspectos fisiológicos da asma 22

2.3 Aspectos psicológicos da asma 26

3. A PERSONALIDADE DO ASMÁTICO 29

3.1 Função materna primária 30

3.2 Personalidade asmática 34

3.3 Aspectos gerais da personalidade asmática 37

3.4 Aspectos da respiração e a personalidade asmática 39

4. ESTUDO DE CASO 44

4.1 Considerações 45

4.2 Releitura do Caso 47

4.3 Tratamento Psicoterápico 51

4.4 Tratamento Médico 52

5. CONCLUSÃO 55

Page 6: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

VI

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 58

Page 7: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

VII

RESUMO

O presente trabalho aborda a asma segundo uma visão psicossomática, que entende

o ser humano como resultado da interação mente-corpo. Dessa forma, a asma foi

apresentada como sendo uma expressão somática de um conteúdo psíquico. Para

tanto, faz uma análise da evolução histórica da psicossomática, mostrando o

desenvolvimento do pensamento acerca do adoecer humano e as contribuições de

vários estudiosos. Em seguida, é apresentada a estrutura e o funcionamento

fisiológico do aparelho respiratório e da asma que será, posteriormente, associada a

uma perspectiva psicológica. A partir daí, são apresentadas as características da

personalidade do indivíduo asmático para, então, ser feita uma releitura de um

estudo de caso de Grünspun (1980). Concluiu-se que a personalidade asmática pode

ter sua origem intimamente ligada a dinâmica materna de rejeição-superproteção e

se desenvolve a partir de duas características básicas, o sentimento de inferioridade

e a insegurança.

Page 8: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

VIII

INTRODUÇÃO

A asma é um termo genérico que engloba uma condição

caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos

brônquios, o que ocasiona a obstrução dessas vias aéreas. A patologia é reversível

total ou parcialmente, seja por uma reação espontânea ou com uso de

medicamentos. A este conceito tem sido associada a visão da psicossomática, que

aborda a patologia como uma interação entre processos somáticos e psíquicos. O

indivíduo, ao receber estímulos externos oriundos de situações vivenciadas, não

conseguiria canalizá-los para uma elaboração psíquica. Dessa forma, os mesmos

passam a ser extravasados em nível somático ou comportamental.

Baseando-se nesse conceito, o presente trabalho procura apresentar

a asma segundo a visão da psicossomática. Assim, busca entender a pessoa como

resultado dessa interação corpo/mente e a doença como uma expressão psíquica

através de um sistema orgânico predisposto, ou seja, o organismo tenderia, devido a

fatores genéticos, sociais e ambientais, a apresentar determinados tipos de

patologias, no entanto, o conteúdo psíquico de uma pessoa poderia agir como

facilitador para o desencadeamento destas.

A personalidade de um indivíduo é considerada como sendo o

resultado de sua adaptação ao ambiente em transformações a que está inserido,

sendo que, quando esta adaptação não é bem elaborada em nível psíquico ela é

desviada para o nível somático (Grünspun, 1980). Dessa forma, qual seria o

ambiente social que propiciaria o desenvolvimento desta adaptação e qual a

personalidade desencadeada por esta?

Dessa forma, o presente estudo pretende solucionar este problema

através de uma análise da estrutura familiar em que o indivíduo asmático está

inserido, avaliando a personalidade materna e a repercussão desta no

desenvolvimento da estrutura psíquica típica de um asmático. Pretende-se ainda,

partindo da avaliação do contexto social de um indivíduo asmático e de sua interação

com ele, identificar os traços da estrutura psíquica que aparecem com freqüência

significativa.

Page 9: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

IX

Para tanto, será apresentado no primeiro capítulo a evolução

histórica da psicossomática, partindo das primeiras citações acerca do estudo do

homem como produto da relação corpo/mente e do contexto em que foram

levantadas, até a atual concepção do adoecer humano. Serão apresentadas as

contribuições de filósofos como Platão, Hipócrates e Descartes, e de grandes

estudiosos e profissionais das áreas de medicina e de psicologia como J. C.

Heinroth, Sigmund Freud, Georg Groddeck, Frans Alexander e Pierre Marty.

No segundo capítulo, será exposta a fisiologia do aparelho

respiratório, apresentando sua estrutura e funcionamento, além de uma visão

psicológica dessa função orgânica. Ainda neste capítulo, a asma será analisada

segundo uma perspectiva biológica, onde pretende-se identificar a epidemiologia, a

fisiologia, as causas, os sintomas e algumas formas de tratamento medicamentoso, e

segundo uma perspectiva psicológica, buscando reconhecer o conteúdo psíquico

pertencente a esta estrutura somática.

No terceiro capítulo, serão apresentadas as características da

personalidade materna enquanto ambiente social influente no desencadeamento da

estrutura asmática, além das características da personalidade de um indivíduo

asmático. Também neste capítulo será feita uma correlação entre os aspectos da

respiração e a personalidade asmática.

Para finalizar, no capítulo quatro, será apresentado um estudo de

caso buscando identificar os aspectos da personalidade do indivíduo com asma,

previamente estudados no capítulo anterior. Baseando-se neste estudo, serão

levantadas possibilidades dentro do tratamento terapêutico para que o conteúdo

psíquico envolvido neste tipo de expressão somática possa ser adequadamente

elaborado de forma a evitar o desvio para o nível somático.

Page 10: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

X

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PSICOSSOMÁTICA

Montaigne, em meados do século XVI, buscando uma análise

concreta da condição humana através de uma concepção existencialista, já dizia:

“Não é um corpo, não é uma alma, é um homem”. Constata-se, portanto, que a

noção do ser humano como algo além de um corpo é uma idéia que vem associada a

toda investida do homem em busca do conhecimento acerca de si mesmo.

Volich (2000), reconhecendo a necessidade de caracterizar o campo

da psicossomática e explicar seus fundamentos, elaborou um resgate histórico cujo

conteúdo revelava que a preocupação com uma visão ampla e integrada do adoecer

humano existe desde a Antigüidade, como parte do esforço de entendimento do

homem diante dos enigmas da saúde e da doença, da vida e da morte. Para se

chegar a atual concepção da psicossomática e do processo de adoecer, faz-se

necessário regressar às origens das idéias a respeito do assunto e orientar-se pelo

desenvolvimento do pensamento elementar segundo a visão mística-religiosa até a

filosófica-científica.

1.1 Unidade soma-psique

A hipótese de base da medicina psicossomática é a unidade

funcional soma-psique. O termo psicossomática é formado pelas expressões gregas

soma e psique, que foram primeiramente citadas por Anaxágoras, em torno de 500-

428 A.C.. Segundo o filósofo, as expressões designariam o que entende-se por corpo

e alma, sendo consideradas como partes distintas. O conceito de Anaxágoras

introduziu uma concepção dualista do ser humano. A visão dualista do homem foi

mantida por Platão (427-347 A.C.) e reelaborada no hilemorfismo de Aristóteles (384-

322 A.C.), segundo o qual corpo e alma formam uma única substância, sendo a alma

princípio vital do corpo (Haynal, Pasini & Archinard, 2001).

Já na Idade Média, São Tomás de Aquino defendeu a filosofia

aristotélica através de seu sistema, o tomismo. Descartes, com seu interacionismo,

em nada renovou a idéia dualista, ao contrário, cristalizou-a. Para ele, o corpo e a

alma seriam duas substâncias diferentes e separadas, mas com uma influência

Page 11: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XI

recíproca. Ainda defendendo a visão dualista, surgiram duas outras vertentes. O

paralelismo de Leibnitz defendia o corpo e a alma como sendo duas substâncias

diferentes e separadas, que não têm influência recíproca, mas que têm suas

atividades corporais e mentais em correlação perfeita. Já para o paralelismo

psicofísico de Wundt, corpo e alma são dois aspectos diferentes do homem (Haynal,

Pasini & Archinard, 2001).

Em contradição ao dualismo, alguns filósofos instituiram a teoria

monista do ser humano, segundo a qual haveria a existência de um único princípio

no homem, o corpo ou a alma. Dentro desta teoria destacam-se duas vertentes.

Segundo o idealismo, defendido por Berkeley, pelos idealistas do século XX e por

Hegel, a alma espiritual é a única realidade, constituindo a forma idealista. Já para o

materialismo, sustentado por Hobbes, La Mettrie, Cabanis, Moleschott e Haeckel, o

corpo material seria a única realidade (Haynal, Pasini & Archinard, 2001).

A concepção do ser humano como uma unidade corpo-alma, soma-

psique, é hoje a que carrega o maior número de adeptos, ainda que vista de ângulos

filosóficos diferentes. Segundo Haynal, Pasini e Archinard (2001, p.7), “esse

reconhecimento, em nível filosófico e científico, de uma unidade funcional psique-

soma, foi certamente uma das condições prévias para a introdução no domínio da

ciência dos problemas que iriam dar nascimento à medicina psicossomática”.

1.2 História da medicina psicossomática

Na história da medicina, a hipótese de uma ligação entre os estados

da alma e as doenças apareceu inicialmente como uma suposição intuitiva, depois,

como um enunciado especulativo filosófico. A feitiçaria, as curas miraculosas, em

todas as épocas e culturas, parecem, com efeito, mostrar a influência do psicológico

sobre a doença, sem contudo, prová-la cientificamente (Haynal, Pasini & Archinard,

2001). Buscava-se algo consistente para explicar os inúmeros questionamentos

acerca da existência humana e da dinâmica da vida, ao contrário do que propunha o

obscurantismo da magia.

Com o alvorecer das grandes civilizações, mas em especial com o

desenvolvimento da cultura grega, são dados passos fundamentais para desvincular

Page 12: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XII

a doença do pensamento místico-religioso e propiciar a evolução de uma dimensão

ética e cultural da medicina. A filosofia e a ciência recém surgidas começam a se

interessar pelas relações entre as dimensões corporal e anímica do homem,

formulando os primeiros princípios que permitem compreender a doença como

fenômeno natural e dando origem a diferentes vertentes de interpretação da natureza

humana, do adoecer e da função terapêutica. A expressão maior deste movimento

inaugural é Hipócrates. Segundo o filósofo grego, o homem é uma unidade

organizada, sendo o corpo sua dimensão funcional, a alma sua dimensão reguladora

e a doença o efeito da desorganização desta unidade (Volich, 2000).

O sistema teórico hipocrático fundamentava-se em uma visão que

entendia o homem como ser dotado de corpo e espírito. Essa perspectiva levava a

compreender que as doenças não poderiam ser consideradas isoladamente, elas

deveriam ser compreendidas no modo de vida e de estar do enfermo, valorizando a

história da doença e a singularidade de cada caso. Dentro dessa concepção de

adoecimento, o médico deveria ser em sua essência, um humanista, considerando

na formulação de seu diagnóstico, os aspectos ambientais, culturais, sociológicos,

familiares, psicológicos e espirituais no processo do adoecimento, sem deixar o rigor

científico de lado.

Os ensinamentos de Hipócrates, transmitidos à prática médica

clássica, perduraram por alguns séculos. Na Idade Média, o pensamento religioso

passou a dominar as cenas social, filosófica e científica. A crença na imortalidade da

alma e o desprezo pelo corpo levaram ao desaparecimento do exame clínico e de

praticamente todos os conhecimentos da Antigüidade (Volich, 2000).

No Renascimento, muitos dos postulados clássicos começaram a ser

revistos, voltando a se difundir e se desenvolver pela Europa, através da criação das

primeiras escolas de medicina. Os novos ideais surgidos no Renascimento tornaram

possíveis a crítica dos conhecimentos tradicionais e o desenvolvimento de novas

visões acerca do posicionamento médico, como as pesquisas anatômicas. Com a

influência do pensamento cartesiano, houve uma tendência em priorizar a pesquisa

do corpo e de suas funções através da sistematização do conhecimento médico, que

recorreu a métodos cada vez mais rigorosos, à mensuração e à criação de

parâmetros objetivos, sem minimizar a importância em se levar em conta a

singularidade do paciente (Volich,2000).

Page 13: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XIII

Ao final do período renascentista, mencionou-se pela primeira vez o

termo psicossomática. O especialista em medicina interna e psiquiatra alemão, J. C.

Heinroth, introduziu os termos “psicossomática” em 1818 e “somatopsíquico” em

1828. O primeiro referia-se à influência das paixões sexuais na evolução da

tuberculose, da epilepsia e do câncer e o segundo se aplicava às doenças em que o

fator somático modifica o estado psíquico. Com esta explicação, Heinroth ressaltou a

importância da integração dos aspectos físicos e anímicos do adoecer (Haynal,

Pasini & Archinard, 2001).

No século XIX, devido ao empenho de Pinel, as perturbações

mentais passaram a ser vistas como doenças. Com isso, reconheceu-se a

importância do sofrimento psíquico, não estando este, necessariamente, vinculado a

uma doença ou lesão corporal. Ao final do século XIX passaram a investigar as

doenças nervosas, em particular a histeria, por intermédio da hipnose, permitindo,

assim, “a constatação e a investigação das dimensões subjetivas e relacionais

presentes nas manifestações orgânicas” (Volich, 2000, p.51).

Contudo, ao longo do tempo, a instrumentalização da prática médica

teve como efeito um distanciamento corporal entre o médico e o doente, diminuindo o

valor da fala e da escuta na relação clínica. Viu-se a pesquisa microscópica atingir o

nível celular, ampliando os conhecimentos sobre os agentes das doenças e

possibilitando o desenvolvimento da medicina preventiva e da imunologia (Volich,

2000).

1.3 Concepções psicanalíticas da psicossomática

Com Freud (1895), nova luz veio despertar o interesse mente-corpo,

caracterizando a evolução da psicossomática como fundamentalmente psicanalítica.

Freud voltou seu interesse para essa questão quando, ao introduzir-se à prática

clínica, percebeu que as manifestações corporais da histeria não correspondiam à

organização anatômica, mas a uma anatomia imaginária (Volich, 2000). Passou

então a questionar como uma doença de causa essencialmente psíquica vem a

manifestar-se na esfera somática.

Page 14: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XIV

Buscando bases sólidas em que pudesse sustentar as explicações

para tais questionamentos, Freud priorizou em suas pesquisas pontos que a ciência

de sua época rejeitava, como os sonhos, os lapsos, a histeria, e a já mencionada,

anatomia imaginária. Um dos resultados destas pesquisas, e talvez o de maior

destaque pelo alcance que obteve, foi o conceito de inconsciente, que proporcionou

a Freud a base para a criação da Psicanálise. A obra freudiana apresenta, em toda a

sua extensão, partindo das suas descobertas sobre os sonhos e sobre a

sexualidade, até os modelos do aparelho psíquico e das pulsões, uma reflexão sobre

as relações entre o psíquico e o somático (Volich, Ferraz & Arrantes, 1998).

Segundo Volich, Ferraz e Arantes (1998, p.19), “o modelo etiológico

da histeria e da neurose atual se constituiu como as primeiras referências da

Psicanálise para pensar a participação dos fatores psíquicos nas doenças

orgânicas”. Pela perspectiva freudiana, a experiência humana é atravessada por

conflitos de múltiplas naturezas, cujos efeitos integram a personalidade. A

psicanálise se volta para a investigação da singularidade destes processos,

procurando esclarecer as circunstâncias em que diferentes formas de sofrimento se

consolidam em manifestações psíquicas ou somáticas (Volich, 2000).

As descobertas de Freud possibilitaram que se considerasse com

mais atenção a função do psiquismo na vida humana e suas relações com o

funcionamento orgânico, tornando-se uma referência para o desenvolvimento das

teorias psicossomáticas modernas. Os pioneiros do campo psicossomático fizeram

parte dos primeiros momentos do movimento psicanalítico com as formulações

freudianas, sendo que suas teorias refletem os debates e as tendências que foram

marcando a evolução da psicanálise (Volich, Ferraz & Arantes, 1998).

Ferenczi foi o primeiro a enfatizar a importância da distinção entre os

distúrbios funcionais das neuroses atuais e os da psiconeuroses e chamar a atenção

para o valor da perspectiva econômica na compreensão das doenças orgânicas,

interessando-se pelas manifestações neuróticas consecutivas às mesmas. Introduziu

o termo neurose de órgão para descrever manifestações funcionais específicas,

como a asma, que possuiriam uma estrutura diferente das neuroses clássicas. A

neurose de órgão corresponderia a uma concepção do órgão que reage

simbolicamente como se fosse possível estar animado por uma vida espiritual.

Page 15: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XV

Ferenczi insistiu na dimensão psíquica em todas as patologias e defendeu a inclusão

das descobertas psicanalíticas em seu tratamento (Volich, 2000).

A atual concepção da psicossomática teve sua origem na obra do

médico Georg Groddeck, para quem as doenças orgânicas podem ser

compreendidas e tratadas pela psicanálise, pois a essência do ser humano é

psicossomática. Groddeck sustentava que a doença pode ser entendida como uma

criação carregada de finalidade, sentido e função expressiva. Logo, todo tratamento

é ao mesmo tempo do ser humano e dos seus sintomas (Volich, 2000).

A psicanálise afirma que a constituição do sintoma ultrapassa o

desenvolvimento biológico e anatômico, referindo-se a uma representação imaginária

do corpo e vinculando-se a uma ordem cultural e lingüística. Baseando-se nestas

concepções, muitos são os autores que, sublinhando a natureza somática das fontes

das pulsões, investigam os mecanismos de mediação pelos quais a energia pulsional

se integra no psiquismo e também no corpo, considerando que tanto os distúrbios

psíquicos quanto os orgânicos resultam de falhas nestes processos (Volich, 2000).

Entre estes autores está Joyce McDougall, que assinala que, nas

doenças ditas psicossomáticas, a impossibilidade de integração entre o corpo e a

psique faz com que o primeiro produza seu próprio “pensamento somático”, sem

mediações, expresso por funcionamentos arcaicos da natureza de sinais e não de

símbolos. Já Piera Aulagnier sustenta que a atividade de representação toma como

referência inicial as funções corporais, em particular a atividade sensorial.

Paradoxalmente, embora forneça o substrato da vida psíquica, o corpo também pode

ser alvo de modos de funcionamento que levam à sua destruição, pela ruptura ou

insuficiência de suas defesas, quer psíquicas, quer imunológicas (Volich, 2000).

O interesse na relação mente-corpo teve que superar as dificuldades

impostas pela situação de guerra que passava a Europa, levando muitos analistas a

imigração, em especial para os Estados Unidos. Fundava-se então a Escola

Psicossomática de Chicago. Formada em grande parte por psicanalistas vindos de

Viena, Berlim e Budapeste, e estando sob a direção de Franz Alexandrer, a Escola

de Chicago procurou aprofundar a investigação das relações entre certas doenças

somáticas e estruturas de personalidade ou conflitos emocionais específicos.

Page 16: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XVI

Segundo Volich (2000), Félix Deutsch, que era um dos integrantes do

grupo de psicanalistas da Escola de Chicago, resgatou o termo psicossomática

estabelecido por Heinroth. Deutsch, além de criticar o uso indiscriminado da noção

psicanalítica de conversão por parte dos médicos, promoveu o debate sobre a

relação médico-paciente, as atitudes identificatórias e a contratransferência do

médico em sua atividade. Também introduziu à atividade clínica a anamnese

associativa livre (Haynal, Pasini & Archinard, 2001).

O pesquisador e também diretor da Escola de Chicago, Franz

Alexander, enfatizou que a doença não deve ser entendida como efeito de processos

locais isolados (Haynal, Pasini & Archinard, 2001). Fazendo um paralelo da noção de

neurose de órgão, introduzida por Ferenczi, com os perfis de personalidade

estabelecidos por H. F. Dunbar, Alexander tentou, através de reações emocionais e

respostas do sistema vegetativo e do Sistema Nervoso Central, delinear o perfil da

personalidade específica que predisporia a determinado tipo de patologia (Ferraz &

Volich, 1997).

Para Alexander, a doença psíquica se manifestaria em uma

dimensão orgânica e a etiologia da doença é determinada pela combinação entre

uma vulnerabilidade somática específica, a psicodinâmica própria do paciente e a

situação exterior que mobiliza seus conflitos e atinge suas defesas. Logo, não cabe a

distinção entre estados de natureza especificamente psicossomática, em contraste

com outros puramente psicológicos ou puramente somáticos, e sim procurar

estabelecer uma terapêutica que englobe a individualidade dos pacientes (Volich,

2000).

Partindo deste princípio, Alexander estabeleceu um modelo de como

as doenças psicossomáticas se manifestariam em nível mente-corpo, fazendo uma

associação entre conflitos específicos, no sentido psicanalítico do termo, e

determinadas modificações fisiológicas. A musculatura de inervação voluntária seria

o suporte de sintomas de conversão do tipo histérica, enquanto que, as neuroses do

sistema visceral neurovegetativo seriam concomitantes fisiológicos de algumas

emoções crônicas. Alexander considerava que as doenças psicossomáticas se

estabeleceriam como conseqüência das excitações nervosas inadequadas ligadas ao

sistema neurovegetativo que prepara para a luta ou para a fuga em situações de

Page 17: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XVII

conflitos, ou refaz as reservas durante o repouso ou recolhimento (Haynal, Pasini &

Archinard, 2001).

Partindo dessas considerações, Alexander concluiu existir dois

gêneros de respostas viscerais aos estados emocionais, ou seja, dois tipos de

doenças psicossomáticas. Em um dos gêneros, estão os distúrbios que poderiam se

desenvolver quando a expressão das tendências hostis, a luta e a fuga, é bloqueada

e não se traduz em comportamento manifesto. Seriam doenças como enxaqueca,

hipertensão, hipertireoidismo, artrite e diabetes. No outro gênero, estão os distúrbios

que se desenvolveriam quando as tendências à dependência e à busca de apoio são

bloqueadas (Haynal, Pasini & Archinard, 2001).

Para Alexander (Haynal, Pasini & Archinard, 2001, p.):

“... um paciente vulnerável no plano de um órgão específico ou de um sistema somático, no qual identificamos uma constelação psicodinâmica característica, apresentará a doença correspondente se ele encontrar-se em presença de uma situação exterior que mobilize seus conflitos primitivos e invista contra as defesas que ele elaborou contra eles”.

Alegando que o modelo de Franz Alexander, construído sobre uma

visão psicofisiológica, tinha caráter dualista, não podendo, assim, explicar as ligações

orgânicas que fazem do homem um ser psicossomático, Pierre Marty procurou

desenvolver suas pesquisas fundamentadas na concepção do homem como uma

unidade soma-psique. A obra de P. Marty deu origem a chamada Escola de

Psicossomática de Paris (Ferraz & Volich, 1997).

A abordagem teórica da Escola de Psicossomática de Paris, baseada

na obra de P. Marty, toma como ponto de partida a metapsicologia, procurando

formular hipóteses sobre o funcionamento do aparelho psíquico que se estendam às

manifestações psicossomáticas, ultrapassando as neuroses. Segundo Volich (2000),

Marty considerava que a via orgânica, o comportamento e o pensamento constituem

uma hierarquia de recursos que se desenvolvem para dar conta de excitações

internas e externas. No entanto, admitiu-se que, em certas situações, mecanismos

mais rudimentares do que a regressão podem ser acionados. Logo, em lugar de

processos de mentalização, que regulam a economia psíquica por meio de

representações e da simbolização, podem ocorrer processos de desorganização

progressiva. A conversão característica da histeria inclui-se no primeiro modelo, que

Page 18: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XVIII

opera com recursos simbólicos, enquanto que as manifestações psicossomáticas

caracterizam o segundo modelo, no qual fracassa a elaboração psíquica (Ferraz &

Volich, 1997).

Os processos de mentalização dependem da disponibilidade e da

qualidade das representações pré-conscientes para sustentar ligações e elaborar as

demandas pulsionais. Por falhas do seu desenvolvimento ou pela desorganização

resultante das intensidades de excitação, a função mediadora do pré-consciente

pode ser deficitária, dando lugar a soluções mais primitivas e descargas pelo

comportamento ou por vias somáticas. A esta alternativa corresponde um

funcionamento empobrecido do aparelho psíquico que P. Marty descreve como

pensamento operatório, excessivamente voltado para o presente, para a realidade

material e a adaptação, com pouca ou nenhuma produção de sonhos, sintomas e

outras expressões da fantasia. Este estado de profundo desamparo e de

funcionamento utilitário com um mínimo de atividade psíquica caracteriza a

depressão essencial, geralmente não reconhecida pelo próprio sujeito e

particularmente vulnerável à afecção somática (Volich, Ferraz & Arantes, 1998).

1.4 Concepções psicofisiológicas

Pesquisas psicofisiológicas também contribuíram para a construção

de novas hipóteses sobre o funcionamento psicossomático. A incidência de

patologias em pessoas que se encontram em estados depressivos foi a que primeiro

chamou atenção para as relações entre as emoções e o sistema imunológico,

incitando a busca por mecanismos de natureza celular e fisiológica que poderiam

operar como mediadores entre a percepção de eventos internos e externos,

produzindo efeitos no organismo. Descobriu-se então, células altamente

especializadas que atuam nas interfaces entre os sistemas nervoso, hormonal e de

defesa, o que trouxe à luz a existência de redes neurobiológicas complexas que

incluem também os órgãos e o sistema neuroendócrino. Por meio delas, qualquer

estado emocional pode se refletir em um funcionamento particular do sistema

imunológico, marcando e modificando a história somática de cada um e dando a este

sistema uma dimensão relacional (Volich, 2000).

Page 19: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XIX

Estas pesquisas deram origem a área chamada de

neuroimunomodulação, que visa investigar os enigmas da mediação psicossomática,

da relação entre a doença e as emoções. Contudo, ela não permite compreender a

especificidade do choque emocional na produção das alterações orgânicas, nem o

papel das predisposições individuais (Volich, 2000).

Vários estudos serviram de base para o desenvolvimento de diversas

pesquisas psicofisiológicas, entre eles, os de Claude Bernard, que afirmava que o ser

humano tinha a habilidade de manter constância de seu meio interno, e os de Walter

Cannon que, partindo das idéias de Bernard, lançou o conceito de homeostase.

Esses dois estudiosos e suas concepções, influenciaram Selye na construção do

conceito da Síndrome de Adaptação Geral. Segundo Rossi (1997, p.83), Selye teria

partido do princípio de que “qualquer que seja a fonte do stress biológico

intrometendo-se no organismo, ela reagiria com o mesmo padrão de resposta para

restaurar sua homeostase interna”.

A Síndrome Geral de Adaptação é um conjunto de reações

fisiológicas e eminentemente somáticas, de cunho sobretudo emocional, que surge

quando o organismo é compelido a adaptar-se à alguma situação alarmante (Rossi,

1997). O modelo de Selye, evoluiria em três fases: reação de alarme, aguda (estado

de choque ou de contrachoque); reação de adaptação, durável, que também se

chama fase de resistência ou de defesa (ou de compensação); e a fase de

esgotamento (descompensação), no curso da qual cedem os mecanismos de

adaptação (Haynal, Pasini & Archinard, 2001). A partir dos experimentos

psicofisiológicos de Selye, constatou-se que, na patologia humana, há a influência de

diferentes estímulos, incluindo os estímulos psicossociais sobre o sistema de

resistência imunológica.

A síndrome de adaptação provocaria o estresse, podendo-se

conceituá-lo como sendo uma mudança temporária ou permanente, resultante de

uma força externa. O estímulo causador do estresse ganha significado pela

percepção do indivíduo, não tendo o mesmo impacto para todo mundo. As diferentes

situações, como, por exemplo, as mudanças no meio psicossocial, podem ser

percebidas como um estresse. Através de pesquisas realizadas sobre os

“acontecimentos da vida” (“life events”), classificou-se os acontecimentos biográficos

pelo nível de adaptação necessária, estando a morte do cônjuge, a separação e o

Page 20: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XX

divórcio, entre os que exigem maior capacidade de adaptação (Haynal, Pasini &

Archinard, 2001).

1.5 Concepção atual da psicossomática

A partir das contribuições de diversos autores, surgiram inúmeras

abordagens psicossomáticas, algumas mais próximas das especialidades médicas,

difundem as contribuições da psicologia médica, e outras, centradas

predominantemente na psicanálise, incorporam os desenvolvimentos psicanalíticos

ao tratamento dos pacientes orgânicos. No entanto, pode-se dizer que a concepção

atual de psicossomática, que serve de base para o desenvolvimento da maioria

destas abordagens, é a de que toda doença, seja ela mental, somática ou

comportamental, “apesar de seu caráter desviante e regressivo, é ainda uma

tentativa de estabelecimento de um equilíbrio do organismo, que não consegue

enfrentar as tensões internas ou externas às quais está submetido por intermédio de

recursos evoluídos” (Volich, 2000, p. 141).

Hoje, a saúde e a doença são concebidas segundo uma perspectiva

multifatorial, resultantes de fatores somáticos, psicológicos, sociais, culturais e

ambientais. Sobre essa perspectiva, pode-se considerar todas as doenças como

sendo psicossomáticas, uma vez que este conceito está modulado segundo um

processo entre o ser humano e sua elaboração social e cultural (Haynal, Pasini &

Archinard, 2001).

Os fenômenos somáticos e psicológicos ocorrem no mesmo

organismo e são aspectos de um mesmo processo, tanto o processo da saúde

quanto o do adoecer. O processo do adoecer representa um desequilíbrio interno em

um organismo biopsicossocial em constante inter-relacionamento com os meios

interno e externo. Toda mudança exterior, situação de estresse, coloca em questão o

equilíbrio interno, homeostase, e exige um ajuste pessoal, síndrome da adaptação

geral, confrontando o indivíduo com a dimensão de perda. Sabe-se da maior

freqüência de doenças psicossomáticas por ocasião de situações significativas da

vida, tais como: desmame, entrada na escola, adolescência, independência,

Page 21: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXI

casamento, nascimento de filho, divórcio, crise da idade adulta, aposentadoria,

morte, etc... (Haynal, Pasini & Archinard, 2001).

As possibilidades que o indivíduo tem como forma de escoamento

das excitações, acumuladas ao vivenciar uma situação de estresse, seriam o

pensamento, a motricidade e o corpo, no entanto, estes também são os caminhos

potenciais para a patologia. A deficiência na estrutura do aparelho psíquico

impossibilita o indivíduo de reagir a uma situação através de elaborações mentais, o

que faz com que o mesmo passe a utilizar a motricidade ou as vias orgânicas como

forma de expelir as excitações acumuladas, resultando, assim, em desvios de

comportamento, como as reações psicopáticas ou em perturbações funcionais

orgânicas (Volich, 2000).

O organismo tentará utilizar-se dos seus meios mais evoluídos para

elucidar o desconforto. No entanto, na falha das tentativas, poderá apelar

retroativamente para recursos mais primitivos até que se estabeleça uma situação de

equilíbrio. A conservação dos estados de equilíbrio regressivos dependerá da

capacidade que o organismo terá para se reorganizar e, assim, responder de

maneira mais elaborada as situações estressoras (Volich, Ferraz & Arantes, 1998).

Os fenômenos somáticos que acompanham as diferentes emoções

ou afetos e que são mais freqüentemente identificados foram agrupados em duas

grandes categorias, a da angústia e a da depressão. A categoria da angústia aparece

para assinalar o perigo, enquanto que a da depressão, vem para assinalar a perda, a

mudança, tendo uma denotação negativa para o indivíduo. Os fenômenos

psicossomáticos normalmente eclodem em circunstâncias que mobilizam as

emoções do indivíduo. A incapacidade do paciente em lidar com emoções muitos

fortes, como ódio, separações e perdas, culminam na doença que servirá de “saída”

como solução encontrada pelo conflito psíquico (Haynal, Pasini & Archinard, 2001).

Segundo a atual concepção da doença psicossomática, o profissional

de saúde, podendo ser tanto o profissional da medicina psicossomática quanto o da

psicologia, deve, em primeiro lugar, compreender o homem como unidade

biopsicossocial, percebendo a importância da história de vida e da personalidade do

indivíduo em seu modo de adoecer e na forma como irá lidar com a doença. O

trabalho do profissional consiste ainda em identificar a atuação de fatores

psicossociais na gênese e evolução das doenças, atuando de forma a tentar

Page 22: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXII

neutralizar seus efeitos, e conhecer o funcionamento básico da personalidade

humana, e assim, poder identificar seus processos adaptativos e seus modos mais

comuns de adoecer. Para atingir tais objetivos, o profissional de saúde deve atentar

para a importância em se colher uma história que leve a um entendimento global do

ser humano. Através da história da pessoa, e não da história da doença, será

possível determinar o estar doente para aquela pessoa (Mello Filho, 1992).

O trabalho do profissional de medicina psicossomática ou de

psicologia psicossomática deve levar em conta os sintomas como sendo a expressão

de um conteúdo psíquico na linguagem do corpo (Haynal, Pasini & Archinard, 2001).

Page 23: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXIII

2. A VISÃO FISIOLÓGICA E PSICOLÓGICA DO APARELHO RESPIRATÓRIO E DA ASMA

A respiração, como fenômeno fisiológico do aparelho respiratório, é a

função mediante a qual as células vivas do corpo absorvem oxigênio (O2) e eliminam

o gás carbônico (CO2). Por meio da respiração é que se realiza a troca entre o

sangue e o ar. O ar cede ao sangue o oxigênio e o sangue, por sua vez, através dos

pulmões, abandona o gás carbônico, substância de rejeição da respiração das

células. O sangue circula por diminutos vasos adjacentes a cada célula corporal e

são os glóbulos vermelhos do sangue que levam oxigênio aos tecidos e extraem o

gás carbônico. Nos pulmões, os glóbulos vermelhos descarregam o gás carbônico no

ar e dele retiram sua nova carga de oxigênio. Este processo caracteriza a hematose

(Guyton, 1988).

A dinâmica da respiração pode ser dividida em três processos

distintos: o processo de inspiração; o de difusão e transporte do sangue aos tecidos;

e o da expiração. No processo de inspiração, o oxigênio ingressa pela narina e

atravessa a faringe, a laringe e a traquéia. A traquéia se ramifica em dois brônquios

que se dirigem cada um a um pulmão. No pulmão, os brônquios vão se dividindo e,

ao mesmo tempo, diminuem seu calibre até formar os bronquíolos. Esses continuam

se dividindo em condutos ainda menores até o bronquíolo terminal ou respiratório,

que formam finalmente os sacos aéreos ou alvéolos pulmonares. O processo de

inspiração termina com a chegada do ar aos alvéolos (Guyton, 1988).

Em seguida, ocorre o processo de difusão. Nos pulmões, o oxigênio

passa por difusão dos alvéolos aos capilares sangüíneos e o gás carbônico dos

capilares para os alvéolos, ocorrendo o intercâmbio de oxigênio e gás carbônico

entre os alvéolos pulmonares e o sangue. Nos tecidos corporais, o oxigênio passa do

sangue e dos líquidos corporais às células, já o gás carbônico realiza o trajeto

oposto, passa das células para o sangue e para os líquidos corporais, sendo então

transportado para os pulmões, ainda pelo processo de difusão. As funções

metabólicas normais das células requerem um fornecimento constante de oxigênio e,

por sua vez, produzem gás carbônico como resíduo, portanto a carga de gás

carbônico nas células é maior e a de oxigênio é menor em relação à dos capilares, o

Page 24: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXIV

que produz a difusão de uma zona de maior concentração a outra de menor (Guyton,

1988).

Ao fim da mecânica da respiração, ocorre a expiração. Após a

chegada do gás carbônico nos pulmões, ele é expelido, realizando o trajeto inverso

ao realizado na inspiração: alvéolos pulmonares, bronquíolos, brônquios, traquéia,

laringe, faringe, para então ser eliminado pelas narinas. O oxigênio, a esta altura,

estará desempenhando sua função essencial, garantir a excelência do

funcionamento das milhões de células do organismo humano (Guyton, 1988).

2.1 Aspectos Psicológicos da Respiração

Nos seres humanos a respiração é o único processo fisiológico

básico totalmente realizado por musculatura estriada, ou seja, voluntária, controlada

pelo Sistema Nervoso Central, diferentemente de todas as outras vísceras que têm

movimentos dependentes do Sistema Nervoso Autônomo, consistindo em

movimentos involuntários realizados por fibras musculares lisas. Logo, não pode-se

controlar batimentos cardíacos ou a digestão conscientemente, entretanto, o

movimento respiratório pode ser retardado ou acelerado quando submetido à

vontade consciente (Amorim, 2000).

Em contrapartida, por ser a respiração uma função essencial e que

ocorre ininterruptamente, sob quaisquer circunstâncias da vida, passou-se a também

caracterizá-la como um processo inconsciente. Segundo Gaiarsa (1994, p. 64), “... a

respiração é a única das funções vitais que é simultaneamente consciente e

inconsciente”. A respiração não é necessariamente automática, ela pode ser

continuamente voluntária, se assim a modelar. Contudo, na maior parte do tempo,

respira-se automaticamente. Sendo a respiração uma necessidade básica onde não

há mecanismos que supram uma eventual privação como, por exemplo, reservas de

oxigênio. Qualquer ameaça ao bom funcionamento desta função é sempre

vivenciada com muita ansiedade, logo, a respiração inconsciente não se torna um

perigo, já que o organismo é perceptível a qualquer mudança que prejudique a sua

plena realização.

Page 25: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXV

Por ser um processo simultaneamente voluntário e involuntário, é

através da respiração que uma pessoa estabelece a íntima e profunda ligação entre

os seus aspectos conscientes e inconscientes, desde o seu nascimento. Assim, a

respiração torna-se uma ponte entre a vivência subjetiva, interna e psicológica

(inconsciente) e a vivência corporal, objetiva (consciente). Segundo Blay (1986), a

pessoa se expressa biologicamente através da respiração. A respiração passa a ser

um dos processos biológicos que o ser humano dispõe para externar o seu conteúdo

psíquico. É o espelho das percepções que uma pessoa tem de suas experiências,

retratando o estado psíquico inconsciente no momento.

Cada estado de consciência tem seu quadro completo de ritmos de

todas as funções, entre elas está a dinâmica respiratória. O ritmo respiratório de uma

pessoa acompanha o seu estado emocional, podendo-se caracterizar a emoção

como uma alteração visceral e motora, muito rápida, frente a uma ameaça ou a uma

promessa de ameaça, a um estímulo adverso de natureza exterior. Em uma situação

que desperta medo em uma pessoa, a mesma experienciará uma alteração em seu

ritmo respiratório, como também em suas outras funções. Os batimentos cardíacos

disparam, as mãos começam a suar e a respiração torna-se ofegante. Essas reações

passam quando o indivíduo pode agir coerentemente com o padrão emocional

evocado, canalizando a emoção desperta pela situação experienciada (Blay, 1986).

Nessas situações de “estresse”, após a reação de alarme em que as

sensações orgânicas afloram, ocorre a reação de adaptação, ou seja, a pessoa

tentará compensar o sentimento despertado com uma ação de defesa ou resistência,

buscando restabelecer seu equilíbrio entre a psique e o corpo. Voltando a situação

de medo, a pessoa conseguirá livrar-se desse sentimento, quando puder, por

exemplo, fugir, que seria um dos comportamentos coerentes com o padrão

emocional suscitado pela situação. O mesmo acontecerá em uma situação de raiva,

a pessoa sente raiva e briga, logo a emoção se integra a ação e flui com ela

(Amorim, 2000).

No entanto, quando o indivíduo não consegue compensar o

sentimento que foi vivenciado de maneira negativa, surge a angústia. Segundo

Gaiarsa (1994), a angústia pode ser definida como um desejo ou uma necessidade

reprimida, ou seja, sente-se vontade de fazer alguma coisa, que não se faz; tomar

uma decisão, que não se toma; ou assumir uma atitude, que não se assume. Seria

Page 26: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXVI

essa a terceira fase, ou reação, a uma situação de “estresse”, a fase de

esgotamento, onde o indivíduo não consegue mais achar mecanismos de adaptação.

Nessa fase, as reações orgânicas são vivenciadas intensa e

continuamente. Com relação a respiração, enquanto o indivíduo permanecer sem

reação, o tórax também o fará. A respiração pára e, dependendo das circunstâncias,

pode ficar parada muitos e muitos segundos. Durante a vivência da fase da angústia,

a pessoa irá respirar através de uma área pulmonar cada vez menor, liberando

toxinas cada vez menos profundamente. A sensação da respiração contida é

percebida de maneira geral, como um conjunto de reações englobando todas as

funções, tornando-se, assim, insuportável. Gaiarsa (1994, p. 59-60) explica essa

situação pelo fato de que “(...) a angústia respiratória é a angústia fundamental,

aquela que mais desata defesas. (...) É aquela que põe o indivíduo alerta, aquela que

mais agudamente o chama para si ou o faz consciente.”

No entanto, nem sempre a pessoa toma consciência que seu padrão

respiratório está alterado. Para Gaiarsa (1994), as pessoas não percebem, ou mal

percebem, que a angústia tem origem na contenção respiratória. A pessoa tem por

hábito buscar em primeiro lugar a causa ou o motivo da aflição. Entretanto, se antes

de procurar denominar causas e motivos, a pessoa buscar regularizar a sua relação

com a atmosfera através do controle voluntário da respiração, a ansiedade e a

angústia diminuem, permitindo que se pense tranqüilamente sobre o assunto. É

importante frisar que o distúrbio respiratório não é a causa da angústia, seria apenas

um sintoma imediato, um sinalizador. A angústia tem suas causas, causas estas que

só serão descobertas através de uma análise profunda da dinâmica psicológica do

indivíduo e uma conscientização desta por parte do mesmo. A regularização do ritmo

respiratório será apenas um alívio imediato, que garantirá ao indivíduo a calma

necessária para entrar em contato com os reais motivos da angústia.

A regularização da respiração é feita através de um controle

voluntário e consciente, permitindo, além do alívio imediato, alterar padrões

respiratórios ansiosos, adotando padrões associados a tranqüilidade. Não apenas os

padrões respiratórios, mas os de todas as funções orgânicas. Logo, ao mudar o ritmo

da respiração, produz-se automaticamente a correspondente mudança nas demais

funções. Seria como um conjunto de padrões associados a um determinado estado

de consciência. Estando consciente deste processo, seria possível alterar estados

Page 27: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXVII

psíquicos por meio da alteração de padrões respiratórios. Essa acessibilidade ao

psíquico pode aliviar tensões e potencializar a geração de alternativas

comportamentais mais saudáveis. Assim, pode-se dizer que a respiração não só

expressa vivências, como também pode alterá-las (Amorim, 2000).

A vantagem advinda do processo de modelagem das reações

emocionais indesejáveis ou inadequadas naquelas circunstâncias é que o indivíduo

pode ir ampliando sua consciência por meio da incorporação de aspectos

anteriormente inconscientes. A retenção de ar no tórax pode estar associada a uma

angústia, assim, retém-se o ar com o objetivo de afastar o sentimento ruim através

de uma respiração superficial. A diminuição da respiração busca diminuir também a

vulnerabilidade, reduzir o contato com essa angústia. No entanto, a dor é reprimida

apenas momentaneamente, não está sendo resolvida. Ela irá permanecer sob forma

de padrões respiratórios e/ou estereótipos comportamentais. É possível desfazer o

estereótipo comportamental, o padrão de respiração superficial e sentimentos

envolvidos, pela tomada de consciência do ar aprisionado e do sentimento reprimido.

Através de uma seqüência respiratória satisfatória, pode-se libertar, não apenas o ar

aprisionado, como também o indivíduo por si mesmo (Amorim, 2000).

Através do reconhecimento dos padrões de respiração e de suas

respectivas particularidades psicológicas, a pessoa poderá fazer uma análise de seu

conteúdo psíquico e suas conseqüências no estado somático, atuando

conscientemente como modificadora desses padrões. A partir deste reconhecimento

é possível decidir qual a melhor atitude a se tomar, levando-se sempre em

consideração o momento interno e as condições externas. Mesmo não sendo uma

verdade absoluta e não constituindo um modelo rígido e fixo, aplicável para todos em

todos os momentos, a relação entre os estados psíquicos e os estados corporais é

capaz de dar uma noção de como os processos psicológicos influem no processo

respiratório (Blay, 1986).

Blay (1986) estabeleceu alguns modelos de respiração e seus

respectivos estados psicológicos, cabendo salientar que não são padrões fixos. A

inspiração tensa e ativa pode revelar a necessidade de reforçar a confiança, de

preparar-se para enfrentar uma atividade exterior desafiante. Quando esta é

superficial e tímida, pode revelar a dificuldade em afirmar-se, o temor de colher, pedir

Page 28: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXVIII

ou aceitar. Se a inspiração é violenta, pode demonstrar ânsia de ter ou receber por

carência profunda ou uma preparação para um ataque depois de uma ameaça grave.

A expiração forçada pode revelar uma atitude de manter-se a

distância de pessoas e coisas, individualismo, personalismo ou profundo cansaço e

desesperança final. Quando é insuficiente, pode caracterizar a vontade de reter e

guardar pelo fato de sentir-se despojado, entregue, combalido. A expiração violenta

revela protesto, repulsa ou agressividade (Blay, 1986).

Blay (1986) também classificou o processo de retenção de ar, que

ocorre entre uma inspiração e a próxima expiração. Quando compulsiva, a retenção

pode exprimir uma atitude neurótica ligada a conservação, retenção, temor de

expressão, acanhamento. Já a suspensão do movimento respiratório entre a

expiração e a próxima inspiração, de forma compulsiva, pode caracterizar a apatia,

isolamento, negação em dar e receber.

Blay (1986) ainda estabelece o que poderia ser a respiração

satisfatória, completa e natural, caracterizando-a por determinado tipo de inspiração,

expiração, suspensão e retenção. A inspiração representa uma atitude aberta para

receber e aceitar as pessoas e coisas tais como elas são, expressa também uma

participação e compenetração do indivíduo com o seu ambiente. A retenção seria um

aproveitamento total da energia, reforço, vitalização, concentração e aprofundamento

da mente sobre conteúdos do eu, e consciência da própria realidade. A expiração

expressaria a entrega e expansão total de si mesmo, generosidade e abnegação. A

suspensão representa uma atitude receptiva, expectante de algo novo, consciência

da própria relatividade. Na respiração satisfatória produz-se uma circulação total da

energia, com seus conseqüentes efeitos: uma revitalização física geral, um circuito

completo da vida afetiva e um processo completo de renovação mental.

A compreensão dessa relação entre os estados psicológicos de

consciência e os estados corporais poderia evitar muito desperdício de energia vital

em sofrimentos marcantes e inconscientemente repetidos até tornarem-se, em

alguns casos, padrões respiratórios insuficientes e patogênicos, o que explicaria o

estabelecimento da asma segundo a psicossomática, tema deste estudo. Segundo

Haynal, Pasini e Archinard (2001, p.105), “essas alterações patológicas das funções

do corpo são induzidas por estados psíquicos particulares, angústias patológicas em

qualidade ou em quantidade”.

Page 29: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXIX

Cabe ressaltar que as patologias não são resultado único e exclusivo

do estado psíquico de um indivíduo, o organismo deve ser entendido como uma

associação de inúmeros fatores, como os biológicos, os sociais e os psicológicos.

Sendo assim, não é correto estabelecer padrões de respiração e associá-los a

estados psíquicos. Dessa forma, o conceito base da psicossomática, onde as

doenças são concebidas como uma expressão em nível somático de um conteúdo

psíquico único e individual, uma vez que deriva de uma história de vida singular,

estaria sendo negado.

2.2 Aspectos Fisiológicos da Asma

A asma é uma palavra que vem do grego asthma que quer dizer

sufocante. É usada como um termo genérico que engloba uma condição

caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos

brônquios (vias aéreas dos pulmões), ocasionando a obstrução dessas vias aéreas,

sendo reversível, total ou parcialmente, seja espontaneamente ou com uso de

medicamentos. Existem referências que remontam que a asma já era conhecida

desde o ano 5000 A.C.. Nos últimos anos, a asma vem aumentando a morbidade e

mortalidade por esta doença. Entre a década de 70 a 90 houve um aumento de cinco

vezes no número de pacientes com crise de asma que procuraram um médico,

principalmente crianças. Houve também um aumento de internações hospitalares

e/ou atendimento em consultas de emergências (Cochrane e Rees, 1995).

Segundo a Sociedade Britânica de Tórax (Telles Filho, 2003) a asma

é uma condição inflamatória das vias aéreas, na maioria das vezes crônica, cuja

causa não está completamente elucidada. Em conseqüência da inflamação as vias

aéreas tornam-se hiper-responsivas e se estreitam facilmente em resposta a

inúmeros estímulos, reduzindo o fluxo de ar que passa por elas, o que faz com que a

pessoa sinta falta de ar. Esses estímulos podem ser caracterizados como específicos

e inespecíficos. Os fatores específicos englobam uma variedade de substâncias,

como os alérgenos domésticos, pólens, corantes e alergias alimentares. Os fatores

inespecíficos podem ser desde uma doença do refluxo gastroesofágico, exercícios

físicos, infecções respiratórias (gripe), drogas, medicamentos, poluição atmosférica,

Page 30: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXX

ar frio, fatores psicossociais, até a asma ocupacional. Alguns autores classificam os

fatores como ambientais, climáticos e biológicos. Todos esses agentes são

chamados de desencadeadores ou gatilhos da crise asmática (Cochrane e Rees,

1995).

A obstrução das vias aéreas resulta em episódios de sibilância,

dispnéia, tosse e sensação de opressão torácica, sendo estes sintomas mais comuns

à noite. Alguns estudiosos defendem a presença desses sintomas não só pela noite,

mas também pela manhã. O estreitamento das vias aéreas é geralmente reversível.

Essa reversibilidade pode ser espontânea ou farmacológica, porém, em pacientes

com asma crônica, a inflamação pode determinar obstrução irreversível ao fluxo

aéreo. O tratamento farmacológico conta com dois tipos de medicamentos: o

profilático e o sintomático. O primeiro busca evitar o aparecimento de crises,

combatendo a inflamação dos brônquios. Os medicamentos mais eficazes deste tipo

são os corticosteroides por via inalatória, já que são desprovidos dos graves efeitos

que acontecem quando se utiliza a via oral ou injetável. O segundo tipo, o

sintomático, é utilizado para as crises e são chamados de broncodilatadores, dando-

se novamente preferência ao de via inalatória (Cochrane e Rees, 1995).

Outra opção tem sido a imunoterapia, que consiste em um

tratamento a base de vacinas que se destina a modificar a resposta imunológica do

doente ao agente desencadeador das crises, por isso, é identificado como o único

procedimento que trata a causa da asma. O tratamento se resume na introdução do

próprio alérgeno no organismo do paciente alérgico em doses progressivamente

crescentes, e tem por objetivo estimular o sistema imunológico e consequentemente

diminuir a sensibilidade alérgica, através da formação de anticorpos bloqueadores e

imunomoduladores. A imunoterapia é indicada para o indivíduo que é

comprovadamente alérgico a um determinado alérgeno e não pode evitar o contato

com o mesmo, e em situações onde a asma continua a ser mal controlada com os

medicamentos comuns. Ambos os tratamentos, tanto o farmacológico quanto o

imunoterápico, devem ser prescritos por um imunoarlegologista (Cochrane e Rees,

1995).

Várias são as características patológicas resultantes da doença.

Entre elas estão a presença de células inflamatórias nas vias aéreas, exsudação de

plasma, edema da mucosa e submucosa, hipertrofia da musculatura lisa, formação

Page 31: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXXI

de rolhas de muco, hipertrofia e hiper atividade de glândulas submucosa que podem

estar infiltradas por eosinófilo, descamação do epitélio e infiltração por eosinófilo,

neutrófilo, plasmócito, macrófago e linfócito. A inflamação das vias aéreas recebem

especial atenção por ser o principal mecanismo de hiper-responsividade brônquica

na asma alérgica e não alérgica. A inflamação pode ser entendida, não somente

como um aumento no número de células inflamatórias, mas também como um

aumento do fluxo sangüíneo bronquial e da permeabilidade vascular, levando ao

edema de mucosa e perda epitelial. Apesar de ser tema de inúmeros estudos, a

seqüência e a severidade do processo inflamatório na patogênese da asma não são

bem conhecidos (Cochrane e Rees, 1995).

A asma pode ser classificada quanto a gravidade dos sintomas em

asma leve, moderada e severa. A leve apresenta sintomas discretos e esporádicos,

permitindo que a pessoa permaneça bem no intervalo entre as crises, não sendo

necessário faltas ao trabalho e à escola, não atrapalhando o sono e não prejudicando

a prática de esportes. A pessoa com asma leve tem função pulmonar, medida

através de um exame médico, a espirometria, classificada como normal ou muito

próxima dos valores normais (Cochrane e Rees, 1995).

Os sintomas da asma moderada tornam-se mais importantes,

aparecendo os chiados, a tosse e o cansaço. Nesse caso, há o prejuízo do sono,

com aparecimento de sintomas durante a noite e a madrugada. A doença incomoda

nas atividades diárias, atrapalhando o estudo, o trabalho e a prática de exercícios

físicos. A função pulmonar do paciente com asma moderada apresenta-se alterada,

mesmo quando fora das crises (Cochrane e Rees, 1995).

Na asma severa os sintomas são intensos e freqüentes, podendo se

apresentar até diariamente. Com isso, a doença acaba por se tornar um grande

reflexo na vida da pessoa, alterando seus hábitos e provocando ansiedade e medo.

Ocorre o prejuízo de forma importante na escola e no trabalho, há limitação marcante

nas atividades físicas e total interferência da doença no sono. A função pulmonar

está bastante alterada em qualquer momento, dentro ou fora das crises (Cochrane e

Rees, 1995).

O ataque de asma pode começar de repente, ou pode ser paulatina,

levando dias para desenvolver-se totalmente. Levando em consideração esta e

outras características, classificou-se também as crises de asma em leves,

Page 32: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXXII

moderadas e severas. A crise leve apresenta sensação de aperto no peito, cansaço

leve, pigarro persistente, chiado ou tosse quando a pessoa ri ou faz pequenos

esforços e alteração discreta no valor do pico de fluxo expiratório ou fluxo aéreo, com

o valor ficando acima de 80% do valor esperado (Cochrane e Rees, 1995).

Na crise moderada o desconforto na respiração torna-se perceptível,

o cansaço passa a aparecer facilmente e a respiração se torna mais rápida que o

normal, aparecem falta de ar e chiados, e o fluxo aéreo fica entre 50 a 80% do valor

normal da pessoa. Já na crise severa, o desconforto na respiração torna-se intenso.

A respiração se torna difícil, entrecortada e ofegante. Além disso, há falta de ar

intensa, aparecem suores e a pele torna-se fria. O paciente já apresenta dificuldade

para falar, caminhar ou mesmo comer, e a tosse é muito intensa e freqüente,

incomodando bastante. Observa-se batimento das asas do nariz, estando o nariz

bem aberto para tentar respirar. A pessoa passa a usar músculos acessórios da

respiração, contraindo o pescoço e o tórax para tentar respirar. Os lábios e as unhas

podem se tornar roxos ou azulados. A medida do fluxo aéreo está abaixo da metade

do valor normal da pessoa (Cochrane e Rees, 1995).

Além dessas três tipos de crises, pode ocorrer o que se chama de

mal asmático. O estado de mal asmático é definido como crise grave de asma que

não responde ao tratamento broncodilatador. Os termos descritivos do estado de mal

asmático incluem “asma com risco de vida” ou asma “quase letal”, no entanto, não há

uma definição fisiológica mais específica com parâmetros de troca de gases.

Pessoas em estado de mal asmático estão à beira de insuficiência respiratória

aguda, com risco de parada respiratória e tratamento com ventilação mecânica.

Todos os asmáticos têm risco potencial de desenvolver estado de mal asmático, o

que acontecerá caso os sinais de deteriorização da função pulmonar não forem

tratados imediatamente (Cochrane e Rees, 1995).

O valor do pico de fluxo expiratório ou o fluxo aéreo da pessoa

asmática é medido por um aparelho chamado Pico de Fluxo Expiratório ou PFE.

Deste modo, o paciente pode medir o grau de obstrução das vias aéreas e, assim,

analisar objetivamente o grau de seus sintomas, auxiliando o médico no tratamento.

O PFE busca determinar a severidade da asma, verificar a resposta ao tratamento

durante um episódio agudo de asma, monitorizar o progresso no tratamento da asma

crônica e fornecer informações para qualquer possível ajuste necessário, detectar a

Page 33: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXXIII

piora na função pulmonar e evitar uma possível crise severa com uma internação

precoce, além de diagnosticar asma induzida por exercício. Existe uma tabela com

os valores considerados normais para a idade e altura do paciente, mas o ideal é

descobrir o valor normal de cada um. Para tanto, recomenda-se medir o valor do pico

de fluxo expiratório, através do uso do PFE, por 20 dias, de manhã e à noite, com a

obtenção de uma média (Cochrane e Rees, 1995).

Entre os fatores que predispõem uma pessoa a ter asma estão a

hereditariedade, estando presente no histórico familiar casos de alergia; história

pessoal de rinite ou dermatite atópica; exposição aos principais alérgenos ambientais

e presença de teste cutâneo alérgico positivo, além dos fatores emocionais

(Cochrane e Rees, 1995).

2.3 Aspectos Psicológicos da Asma

A asma é um dos quadros mais associados ao conceito que se tem

da psicossomática (Kreisler, 1999). Desde o tempo de Hipócrates comentava-se que

existia a associação entre problemas emocionais e a precipitação de ataques

asmáticos. A relação dos fatores emocionais como agravantes de alguns casos de

crises asmáticas é facilmente verificada. Hoje, há inúmeros registros de ataques que

foram iniciados mais por acontecimentos do que pela presença de antígeno

específico. Logo, pode-se confirmar os fatores emocionais como desencadeadores

de crises (Valcapelli & Gasparetto, 2000).

Uma característica do indivíduo asmático é a suscetibilidade. Existem

relatos de crises que se desenvolveram por um estímulo visual, como quando a

pessoa vê a fumaça de longe e já tem bronco-espasmo. Um relato bastante

conhecido é chamado de “asma de rosas”. O paciente que sempre entra em crise

quando está diante de rosas, vivencia uma crise que se desenvolveu quando lhe

apresentaram uma flor artificial passando-se por uma natural. Há também relatos de

precipitação dos ataques asmáticos ocorridos em uma hora regular do dia, quando a

pessoa ouve uma certa música ou fala de um determinado assunto (Valcapelli &

Gasparetto, 2000). Neste caso, pode-se dizer que a música ou o assunto suscitam

sentimentos não resolvidos e que não são de acesso consciente da pessoa, que

Page 34: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXXIV

apenas vivencia a angústia que eles geram, sem identificar sua origem. A falta de ar

viria como uma manifestação orgânica de um sentimento interno, onde a pessoa

busca se libertar dessa angústia que a deixa sufocada.

Por se caracterizar como uma doença pulmonar, pode-se fazer

algumas associações com a visão psicossomática a respeito dos pulmões. Segundo

Valcapelli & Gasparetto (2000), os pulmões são os principais órgãos da respiração e

são, juntamente com a pele, considerados órgãos de contato com a vida e

relacionamento interpessoais. Pode-se associar esta idéia à de Dethlefsen e Dahlke

(1997) que diz que a respiração é o que nos liga continuamente a tudo e a todos.

Logo, a respiração seria uma forma de contato e de relacionamento. Esse contato

através da respiração e, consequentemente, através dos pulmões, é indireto, apesar

de compulsório. Independe da vontade do indivíduo, mesmo que ele não possa

suportar alguém, uma situação ou qualquer outra forma que mantenha esse contato,

ele terá de fazê-lo. A falta de ar pode ser uma tentativa de evitar esse contato com o

incômodo, com a dor. O mal estar da falta de ar ainda é menor que o mal estar

gerado pelo contato com o “problema não resolvido”.

Valcapelli e Gasparetto (2000, p.80) acrescentam que os pulmões “...

refletem nossa capacidade de absorver o que existe ao redor, bem como nossa

exteriorização. Refere-se ao processo de troca, ao ato de dar e receber.” Os autores

associam ainda a saúde pulmonar ao firme propósito de existir, de entrar em contato

com o ambiente e interagir com tudo aquilo que a ele pertence. A não aceitação

dessa interação com o ambiente, estende-se a uma não aceitação da vida, já que

este relacionamento é inevitável no processo vital do ser humano, com isso, ocorre a

dificultação do processo de absorção de oxigênio, comprometendo o satisfatório

funcionamento dos pulmões.

A principal característica da pessoa que sofre de uma patologia

pulmonar é o receio de se envolver com as situações da vida e de dar os primeiros

passos rumo à liberdade e à independência, já que o primeiro contato que uma

pessoa tem com o mundo como um ser único e individual é a sua primeira

respiração. Antes disso, ela está ligada a sua mãe pelo cordão umbilical e pela

condição intra-uterina, sendo vista como parte dessa mãe, já que é através dela que

a criança respira, se alimenta e recebe a vida. A respiração se caracteriza como o

primeiro ato do ser como indivíduo independente, que passará a assumir

Page 35: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXXV

responsabilidades por si mesmo. Segundo Bégoin (apud Haynal, Pasini e Archinard,

2001), “o pulmão representa o órgão que estabelece a primeira ligação entre a

criança e o mundo exterior, o ar, necessário para sua vida extra-uterina (...)”.

Apenas o tratamento medicamentoso, focando os sintomas

fisiológicos, não é suficiente. Pode-se chegar a essa conclusão observando casos

onde o sucesso no tratamento farmacológico da asma, doença de cunho pulmonar,

não impediu a manifestação dessa dificuldade de entrar em contato com as

circunstâncias em que um indivíduo se encontra, as situações angustiantes e, assim,

difíceis de serem encaradas. Os pacientes continuaram manifestando essa

dificuldade de relacionar-se com o externo através do aparecimento de sintomas

patológicos da pele, órgão também considerado de contato, entretanto, no caso da

pele, este contato se dá de forma direta, palpável e depende da vontade do

indivíduo. Ocorre, nestes casos, uma transferência de sintomas e não a elucidação

do problema, que pode gerar um processo de alternância de sintomas, a alergia

respiratória é tratada e então passa a se manifestar em uma alergia na pele, que

tratada, volta a aparecer como uma alergia respiratória, criando, assim, um ciclo

vicioso que só terá fim, com a descoberta do “real problema”.

Torna-se necessário a utilização de um tratamento medicamentoso,

uma vez que, na presença das manifestações orgânicas como a falta de ar, a tosse,

a dispnéia e os sibilos, o indivíduo será incapaz de voltar sua atenção para os fatores

emocionais que estão por trás dos sintomas corporais, uma vez que esses sintomas

trazem uma ameaça real e aparente à vida. No entanto, estando o paciente

assintomático, deve-se buscar a conscientização dos fatores emocionais, mostrando

a necessidade dessa pessoa admitir os próprios receios e parar de evitar as áreas

que a assustam e enfrentá-las, entrando em contato com tudo aquilo que a

incomoda, que gera angústia (Dethlefsen e Dahlke, 1997). Viver consiste em respirar

totalmente, inteiramente, sem receios, sem temores, restrições ou reservas, entrando

em contato com o mundo e com tudo que dele faz parte, angústias e alegrias.

Page 36: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXXVI

3. A PERSONALIDADE DO ASMÁTICO

A personalidade de um indivíduo é considerada como sendo o

resultado de sua adaptação ao ambiente em transformações a que está inserido. O

distúrbio psicossomático seria o resultado da interação entre os aspectos somáticos

e psicológicos da personalidade (Grünspun, 1980). Quando a adaptação não é bem

elaborada em nível psíquico ela é desviada para o nível somático. Segundo John Ball

(1990), as razões pelas quais o mecanismo de adaptação falha podem ser inerentes

à sua estrutura, ou devidas a um desafio exagerado, que chega por meio de um ou

outro estímulo.

A adaptação da personalidade através dos distúrbios

psicossomáticos pode ser classificada em três tipos: a adaptação imatura, a

regressiva e a defensiva. A adaptação imatura consiste no prejuízo da autonomia da

criança em ajustar quantitativa ou qualitativamente sua personalidade à realidade.

Esta inadequação pode advir de condições internas da própria criança, como por

exemplo, problemas de diferenciação dos órgãos (Grünspun, 1980).

A criança na adaptação regressiva já obtém um ajustamento

satisfatório. No entanto, essa mesma criança pode vir a buscar novamente padrões

imaturos por descompensação atual, principalmente quando existem condições de

órgãos favoráveis, passando a usá-los em resposta às pressões externas sociais ou

atitudes familiares desfavoráveis (Grünspun, 1980).

Já na adaptação defensiva ocorre uma tentativa de suprimir qualquer

modificação que se torne ameaça e, assim, manter fora de perigo a integração da

personalidade. Como as respostas dadas são bem estruturadas, alguns distúrbios

psicossomáticos tendem a se fixar, passando o indivíduo a não desenvolver outros

tipos de distúrbios (Grünspun, 1980, p.15).

Por intermédio da correlação entre os níveis de intervenção clínica e

os graus de adaptação, Grünspun (1980) levantou a hipótese de que a adaptação

por imaturidade estaria mais ligada ao nível dos órgãos; a adaptação regressiva

estaria relacionada com o nível do sistema límbico até o nível da integração

emocional, logo, em área subcortical; enquanto, que a adaptação defensiva estaria

Page 37: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXXVII

correlacionada com compreensão e simbolização, com áreas corticais, de níveis de

integração mais complexos. A asma seria um caso de adaptação imatura, já que se

trata de um distúrbio psicossomático expresso através de um órgão, no caso, o

pulmão.

Este capítulo visa apresentar as características do ambiente que

propicia o desenvolvimento da asma, enquanto distúrbio psicossomático, além das

características da personalidade que é desencadeada por este tipo de adaptação.

3.1 Função materna primária

Segundo Spitz (1988), as patologias precoces devem ser

compreendidas a partir de dois fatores igualmente importantes: as capacidades

inatas do bebê e a capacidade psíquica materna de ajustar-se da melhor maneira

possível ao filho. Logo, tanto a carga genética quanto as habilidades maternas em

exercer a função materna primária seriam de igual importância no desenvolvimento

de patologias infantis.

Entende-se por função materna primária um conjunto de habilidades

que devem ser desempenhadas pela mãe, como a de possibilitar uma coesão

interfuncional, auxiliando o bebê a ligar comportamentos, afetos e funções somáticas.

Além disso, deve proteger, regular e travar as excitações do bebê, sendo que, a

partir desta função pode-se justificar a separação de influências etiológicas em

orientações opostas, onde prevalece, de uma parte, o excesso de excitação, e de

outra, o da insuficiência e carência. Deve ainda captar e interpretar os

comportamentos de competência e responder, por sua vez, estabelecendo, assim, a

base das interações; e satisfazer às necessidades de bases fisiológicas e instintuais

(Spitz, 1988).

Segundo Spitz (1988), ao longo dos períodos críticos da vida da

criança, ocorre uma integração entre as correntes do desenvolvimento que operam

nos diferentes setores da personalidade e, posteriormente, entre estas mesmas

correntes e os processos de maturação. O resultado desta integração é a formação

de uma estrutura psíquica nova a um nível mais elevado. Dessa forma, Spitz conclui

que o processo de integração já finalizada seria um organizador. A efetivação deste

Page 38: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXXVIII

processo pela criança propicia o desenvolvimento dos sistemas de sua

personalidade. Caso a criança não consiga estabelecer essa integração, permanece

em um sistema difuso que precede a formação dos organizadores, possibilitando a

formação de desvios e falsos desenvolvimentos.

Os pontos organizadores consistem em três. O primeiro ponto é a

resposta social do sorriso ao rosto humano visto de frente, que ocorre em torno dos

três primeiros meses do bebê. O bebê nessa idade não diferencia pessoas nem um

objeto, distingue apenas um sinal. O bebê não sorrirá para o rosto da pessoa em sua

totalidade, mas em resposta a um sinal gestáltico, que consiste no conjunto da testa,

olhos, nariz, desde que estejam em movimento. Esse sinal pertence ao rosto da mãe

e está vinculado a situações de alimento e proteção, criando um sentido de

segurança. Mais tarde esse sinal irá se desenvolver e assim, estabelecerá um objeto

verdadeiro da mãe em sua pessoa inteira (Ferraz e Volich, 1997).

O segundo ponto organizador ocorreria por volta do oitavo mês e

está marcado pela angústia trazida pela visão do rosto estranho. Entre o sexto e o

oitavo mês, a criança começa a diferenciar um rosto amigo de um estranho, não

respondendo com um sorriso a qualquer rosto. Ela passará a vivenciar uma

sensação de desprazer quando uma pessoa que ela não reconhece se aproximar e

reagirá demonstrando esse desconforto através de choros e gritos, ou até mesmo,

apenas virando o rosto, essa reação variará de criança para criança. Explica-se essa

reação como sendo uma resposta a chegada de um rosto estranho, que é sentida

como a ausência da mãe (Kreisler, Fain e Soulé, 1981).

Dessa forma, o segundo ponto consistiria na projeção sobre a figura

do estranho de todas as tensões nascidas em conseqüência de frustração

experimentadas durante o convívio com a mãe, logo, o estranho passaria a

representar tudo aquilo que é vivido como negativo na interação com a mãe. Através

da expulsão do percebido como estranho do que é percebido como familiar, ocorre a

difusão e a distinção de um objeto e permite o aparecimento de um importante

mecanismo mental. Logo, deslocando e condensando todas as experiências

desagradáveis em uma representação visual, a criança consegue perceber o familiar

como algo que o conforta e traz segurança (Kreisler, Fain e Soulé, 1981).

O terceiro ponto organizador ocorre quando a criança estabelece o

símbolo de negação e da palavra “não”. Este processo consiste na separação,

Page 39: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XXXIX

através de um deslocamento de energia agressiva, de certos elementos. A partir

deles, há formação de uma síntese que servirá de base para a estruturação de

signos ou conceitos. Segundo Ferraz e Volich (1997, p.135), “é na conexão entre a

relação mãe/filho e o desenvolvimento dos três pontos organizadores que a

psicossomática da criança centrou, inicialmente, muitos de seus conceitos teóricos”.

Kreisler, Fain e Soulé (1981) destacam duas circunstâncias

relacionais no processo do asmático. A primeira refere-se às condições de vida do

bebê. Nela ocorre a introdução prematura de uma terceira pessoa na relação

mãe/filho. Por ocasião de uma instabilidade da guarda ou uma situação de rivalidade

entre os adultos que cuidam da criança e acabam por disputar o amor e os cuidados

da criança entre eles, ocorre a exposição da criança a uma situação triangular. Essa

disputa pelo amor do bebê acaba por forçá-lo a optar por uma das pessoas, exigindo

que a criança utilize uma função de diferenciação em uma fase do desenvolvimento

em que a diferenciação ainda não foi estabelecida. Como resultado ocorre uma

sobrecarga no primeiro ponto organizador, o extrapola e acaba por dificultar o acesso

ao segundo ponto.

A segunda corresponde à personalidade da mãe, no caso, a

superproteção materna. Nesse tipo de relação, as mães toleram apenas as

satisfações vivenciadas pela criança em sua presença. As mães não suportam dividir

seus filhos com mais ninguém e também não encontram nada que lhes dê maior

prazer do que o contato com eles. Trata-se de um sobreinvestimento contínuo, ligado

à fantasia de que a criança retornará ao útero. Nesse tipo de relacionamento

estabelecido com o bebê, onde a prisão da superproteção é camuflada como amor

materno, a criança é sempre tratada como um bebezinho indefeso, sem projeto

futuro e de progresso (Kreisler, 1999).

A superproteção materna acaba por não permitir à criança sentir a

falta da mãe em conseqüência do excesso de cuidados. Estando a mãe presente em

tempo integral, seja física ou mentalmente, o bebê será impossibilitado de projetar no

estranho as tensões advindas de experiências negativas no contato com a mãe. Se

essas experiências negativas são vividas pelas frustrações em situações de alimento

ou proteção, uma criança com uma mãe superprotetora não as vivenciará, com isso

não poderá projetá-las. Como resultado, ocorre uma fixação também no primeiro

ponto organizador, só que por razões distintas da anterior (Ferraz e Volich, 1997).

Page 40: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XL

Essa é a mais comum entre as duas circunstâncias relacionais citadas. Verifica-se

ser a asma um tipo de distúrbio onde há um excesso de cuidados ou, então, conflitos

advindos destes.

A fixação no primeiro ponto organizador gerado pela vivência das

duas circunstâncias relacionais é base para a explicação de muitas características da

personalidade do indivíduo asmático. Apesar de serem diferentes, essas condições

confluem para bloquear a economia funcional afetiva na raiz da autonomização.

Kreisler (1999) aponta todo esse processo na relação mãe/filho como sendo

premissa para o estabelecimento das demais características na personalidade do

asmático, destacando a ausência de angústia diante do estranho como sendo a

“resultante de um fenômeno de deslocamento para evitar a angústia da separação”

(p.299). Ainda caracteriza a asma como sendo “uma doença de crescimento afetivo

que sugere a persistência de um funcionamento arcaico e um bloqueio dos

processos de separação-individuação” (ibidem p.300).

Baseado na idéia de que os cuidados maternos terão impacto em

nível somático e psíquico, Kreisler (apud Ferraz e Volich, 1997) desenvolveu o

conceito da existência de dois fenômenos que podem gerar o rompimento de um

equilíbrio psíquico ou marcar uma estrutura de personalidade. Seria o excesso de

excitações ou a falta delas. Nos dois casos, a mãe não exerceria seu papel de pára-

excitação, ou seja, ela deve proteger, regular e travar as excitações do bebê.

O primeiro mecanismo é a depressão branca. Esse mecanismo

caracteriza-se pela perda de um tipo de vínculo com a mãe. Ela pode até continuar

presente fisicamente no contato com o filho, no entanto, encontra-se afastada

mentalmente, em um processo de elaboração de alguma situação traumática,

podendo ser luto, depressões, ou outras situações. A mudança na forma como a mãe

trata seu bebê gera um ressentimento por parte deste. Dentro desse mecanismo,

pode acontecer um rompimento de um equilíbrio psicossomático que até o momento

estava sem problemas. Quando a duração dessa depressão é prolongada poderá

marcar uma estrutura de personalidade. No entanto, quando é curta, predispõe às

somatizações passageiras. O segundo mecanismo é o excesso de excitações que,

como já foi dito, consiste em uma falha nos processos de maternagem, quando a

mãe não desempenha seu papel de pára-excitação.

Page 41: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XLI

Partindo dos conceitos a respeito da relação mãe/filho, foram

desenvolvidos inúmeros estudos que buscavam especificar a personalidade do

indivíduo asmático e, a partir deles, várias idéias foram lançadas.

3.2 Personalidade asmática

Em uma tentativa de estabelecer a estrutura de personalidade

asmática, chegou-se a conclusão de que ocorre, nesse caso, uma grande

diversidade, sendo errada a descrição de um perfil específico do indivíduo asmático.

Ao contrário disso, verificou-se que a asma pode se desenvolver nas mais diferentes

estruturas de personalidade, seja nas neuroses mentais, nas neuroses de

comportamento, ou nas graves inorganizações estruturais (Ferraz e Volich, 1997).

Segundo Kreisler (1999), é possível identificar três quadros

psicoclínicos, sendo os três classificados como distúrbios psicossomáticos. No

entanto, apenas um destes quadros ocorre com significativa freqüência e tem

aspectos melhor delimitados e definidos para se constituir como uma estrutura em

particular. Neste caso, trata-se da estrutura alérgica clássica ou essencial. Um terço

dos casos de asma estudados são classificados como pertencentes a essa estrutura,

além disso, nesses casos é possível observar a permanência da estrutura asmática

desde a infância até a idade adulta. Os outros dois quadros, o de estrutura neurótica

e o de estrutura comportamental, não são quadros específicos da asma, podendo ser

encontrados em várias outras desordens psicossomáticas.

Na personalidade dita alérgica essencial ocorre “a persistência de um

funcionamento psico-afetivo primitivo e um bloqueio dos processos de separação-

individuação” (Kreisler, 1999, p.298). Esse tipo de personalidade tem na qualidade da

relação com o outro, na relação objetal, seu foco e sua base de contestações. Pode-

se citar ainda características como a necessidade constante de se prender às

pessoas e ao meio, a evitação em se defrontar com situações conflituosas, a

anulação de sua agressividade e a negação desta nos outros, e substituição de um

objeto de vínculo por outro.

Esse tipo de pessoa adquire laços afetivos quase que

instantaneamente caracterizados por uma proximidade e familiaridade excessivas.

Page 42: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XLII

No entanto, permanecem sempre esquivos, logo, apesar de possuírem uma grande

quantidade de amigos, são poucas as ligações estáveis, revelando que o indivíduo

asmático faz uma substituição rápida e instantânea de um objeto de apego por outro.

Esses traços revelam uma necessidade incessante e urgente de se ligar de forma

fusional às pessoas e ao meio, buscando suprir sua necessidade de afeto. Dentro de

seus relacionamentos com as pessoas procuram evitar conflitos, buscando abafar

todos os desentendimentos, com o intuito de atingir um tipo de relacionamento

interpessoal por ele idealizado. Com isso, passam a imagem de serem pessoas de

fácil adaptação, entretanto, suas atitudes o introduzem a “neurose da criança

boazinha demais” (Kreisler, 1999).

Outra característica do indivíduo asmático é a riqueza de sua vida

interior, tornando-se uma pessoa de grande sensibilidade e com capacidade intuitiva

apurada, geralmente desenvolvidas por seu constante contato fusional com os

outros. Possuem grande capacidade para captar as intenções e os pensamentos

alheios, resultando em pessoas com escolaridade fácil e brilhante, sendo que alguns

se destacam por sua enorme desenvoltura no meio artístico ou literário (Kreisler,

1999).

Ainda na personalidade alérgica essencial, observa-se a utilização

demasiada do deslocamento como modalidade defensiva. No entanto, o uso desse

processo acaba por gerar grande vulnerabilidade à pessoa, pois se depara com

acontecimentos reais, ou vividos como tais, esta estrutura de defesa é superada, já

que são situações correntes e inevitáveis da vida. Entre elas estão as situações de

rivalidade, separações e o luto. Nessas horas acontecem as crises, que acabam por

vincular ainda mais a pessoa a esse processo de defesa (Kreisler, 1999).

Kreisler (1999) aponta que a premissa para essa estrutura é a

ausência de angústia diante do estranho, que já pode ser classificado como uma

forma de defesa, um deslocamento para evitar a angústia da separação. Nesse

contexto podem ocorrer as situações relacionais acima mencionadas sobre a relação

mãe/filho, a rivalidade na guarda da criança e a mãe superprotetora, e a conseqüente

fixação no primeiro ponto organizador. Como resultado dessa fixação, a pessoa

asmática possui uma falta de diferenciação no tipo de apego, sendo anônima e igual

para todos, uma vez que não diferencia o familiar do estranho.

Page 43: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XLIII

Desses processos também resulta um detrimento na economia

funcional afetiva na raiz da autonomização, destacando o fato de que a mãe

superprotetora sempre trata o asmático como um eterno bebê, sem perspectiva de

progresso. A partir disso, defini-se a asma alérgica como “...a persistência de um

funcionamento arcaico e um bloqueio dos processos de separação-individuação”

(Kreisler, 1999, p.300). Esse bloqueio acarreta dependência do indivíduo em relação

ao meio e às pessoas, gerando nele alta necessidade de afeto, mas que, por sua

falta de autonomia, não busca resolvê-la (Ferraz e Volich, 1997).

Kreisler (1999) ainda salienta a importância em se entender a doença

não como apenas de cunho genético, através de uma predisposição genética, ou

pela exposição da criança à condições tanto físicas quanto psicológicas durante a

gravidez, ou mesmo por meio de experiências precoces na relação dual primitiva. Ele

ressalta uma dupla tendência inata, tanto imunológica quanto psicológica, “onde os

dados biológicos e mentais cooperam para a constituição da estrutura alérgica

essencial” (Kreisler, 1999, p.300).

O segundo quadro psicoclínico definido por Kreisler (1999) é o dos

casos de asma com uma etrutura neurórtica, cabendo salientar que não se trata de

neuroses mentalizadas bem constituídas, como a neurose fóbica, histérica ou

obsessiva. Os casos da asma com uma estrutura neurótica destacam-se pelo

desencadeamento das crises em razão, principalmente, de fatores emocionais.

Dentro do caso neurótico, destaca-se a qualidade das produções imaginárias em

detrimento de sua intensidade, com isso ocorre um prejuízo na capacidade

psicoafetiva de elaboração. As crises, geralmente instigadas por um fator emocional,

ressaltam a ação conjunta da hiper-reatividade respiratória e da hipersensibilidade

afetiva do indivíduo, destacando o aspecto quantitativo – econômico – do processo.

Já nos casos em que determina uma estrutura comportamental,

destacam-se características como a incapacidade de elaboração fantasística,

expressão verbal pobre e insuficiente, produções oníricas raras ou ausentes. Sua

atividade é monótona, pobre e vazia, com privações de impulsos imaginários, sendo

suscitada pelo imediato do meio material das coisas, das situações e das pessoas,

dando atenção apenas ao concreto. Pode-se identificar algumas pessoas com um

comportamento difícil, opositivo, colérico, impulsivo, e em outras uma aparência

normal ou até hiper-adaptada, como as com a dita “neurose de comportamento da

Page 44: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XLIV

criança boazinha”, sempre perfeita e enchendo de satisfação a todos (Kreisler, 1999).

A aparente tranqüilidade encobre um conformismo desolador e possível escoamento

das emergências agressivas.

Kreisler (1999) ainda ressalta que as circunstâncias psicológicas

geradoras de formas de asma grave, são as condições de carência afetiva, carência

relacional precoce, situações de conflitos familiares, as separações ocorrentes na

primeira infância e as situações desfavoráveis acompanhadas de frustrações. Outro

ponto desencadeante é a sobrecarga opressiva das coerções, principalmente as

exercidas sobre a função respiratória, geralmente por pais que procuram evitar as

crises de seus filhos, afastando-os de atividades que exijam esforço respiratório, e

assim os sufocam com um controle sobre a inspiração e expectoração dos mesmos.

Essas circunstâncias tendem a coincidir com estruturas e descompensações do tipo

da depressão na criança (Kreisler, 1999).

3.3 Aspectos gerais da personalidade asmática

A personalidade do indivíduo asmático é de grande diversidade, não

sendo possível, nem adequado, encaixá-lo dentro de um perfil psicológico específico.

No entanto, vários estudiosos, entre eles Kreisler (1999), destacaram alguns traços

estruturais que são identificados com significativa freqüência na maioria dos casos

asmáticos.

Segundo Grünspun (1980), pode-se descrever a personalidade do

asmático por três traços que estariam sempre presentes, sendo estes a insegurança

afetiva, a dependência e a dificuldade em expressar sentimentos de agressividade.

Grünspun (1980) ainda descreve a personalidade da mãe do asmático também a

partir de três traços característicos, a superproteção, a dominação e o impedimento

das manifestações agressivas por parte do indivíduo asmático. A personalidade

psicossomática da asma se estabeleceria na interação entre os traços maternos e os

do asmático.

Para Grünspun (1980), é possível estabelecer uma combinação entre

os traços de cada um, em uma relação de interdependência. A mãe reforça a

insegurança afetiva da criança através de sua superproteção, desse modo ela não

Page 45: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XLV

precisa adquirir independência. Assim, a mãe passa a exercer o domínio sobre a

criança, que reage criando um vínculo de dependência com a mesma. Quando uma

dessas interações é interrompida, a asma viria como uma forma de restabelecer essa

ligação, no entanto, em um nível psicossomático.

A dificuldade de expressar a agressividade obterá reforço na

personalidade da mãe, que buscará impedir a manifestação desse sentimento.

Dessa maneira, a mãe novamente exercerá domínio sobre a criança que, por sua

vez, sublimará sua agressividade, buscando, dessa forma, atender ao impedimento

da mãe e ao seu domínio. Não conseguindo exteriorizar seu sentimento de

agressividade, a criança passa a vivê-la interiormente, tornando-se passiva diante

das situações. As crises de asma seriam uma válvula de escape para as substâncias

que não foram liberadas em virtude da agressividade contida. No entanto, as

crianças asmáticas não são passivas e nem dependentes fora dos momentos de

crise, pelo contrário, caracterizam-se como instáveis e irritadas, sem nunca desafiar

a agressividade da mãe e sem competir com sua própria agressividade (Grünspun,

1980).

Kreisler (1999) também apontou traços freqüentes que poderiam

caracterizar a personalidade do indivíduo asmático. Um deles seria a grande

fragilidade emocional, que é comprovada pelo desencadeamento de crises em

função de vivências traumáticas, podendo ser tanto conscientes quanto

inconscientes, mas que atingem proporções enormes quando perturbam as

necessidades particulares do asmático, como a dependência e a separação.

Outra característica é a intensidade das necessidades afetivas

seguida de uma fragilidade dos meios autônomos para satisfazê-la, gerando uma

grande necessidade de se ligar às pessoas e ao meio de forma fusional. Ocorre

também a intolerância frente a situações conflituosas. Por não ser capaz de enfrentá-

las, o asmático busca anulá-las através da utilização de outros processos, como o

deslocamento e a anulação da agressividade. Essas características podem ser

resumidas como sendo mecanismos de defesa frágeis que são facilmente abalados

quando o asmático vivencia acontecimentos dolorosos da vida que lhe fogem ao

controle (Kreisler, 1999).

Através de estudos com crianças asmáticas, observando os

prelúdios da estrutura asmática e os principais tipos de interação patogênica na

Page 46: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XLVI

relação do bebê com sua mãe e com seu pai, Kreisler (1999) estabeleceu a falha

fundamental nessa estrutura. Seria ela, a falta de personalização do vínculo,

resultando em relações facilmente estabelecidas, mas sempre superficiais e

instáveis. Há também um bloqueio dos processos de “separação-individuação”, que

alimenta o processo de dependência do indivíduo asmático. Além disso, ocorre “a

persistência de um foco psicoafetivo primitivo cristalizado num núcleo essencial da

personalidade psicológica, paralela à constituição da personalidade imunológica”

(Kreisler, 1999, p.305).

3.4 Aspectos da respiração e a personalidade asmática

A respiração consiste em um fenômeno rítmico, composto por duas

fases, a inspiração e a expiração, onde ambas funcionam em um processo de

interdependência, uma vez que não se pode anular uma das fases sem se anular a

outra, a existência de uma depende da existência da outra. Assemelha-se ao

mecanismo inspiração e expiração, o de contração e descontração, simbolizando as

fases de tensão e relaxamento da respiração (Dethlefsen e Dahlke, 1997).

Esse fenômeno rítmico é também um fenômeno de troca. Troca entre

o organismo e o mundo a sua volta, onde o indivíduo oferece o ar rico em gás

carbônico e recebe o ar com oxigênio. Através da respiração o ser humano se

encontra em constante troca com o meio, não permitindo o seu isolamento e

obrigando o contato com o não-eu. A respiração pode ser relacionada com processos

de troca e de relacionamento.

A respiração também simboliza a liberdade e a restrição. A liberdade

está relacionada à primeira respiração. Conforme fora discutido no segundo capítulo,

é por meio da respiração que a pessoa dá seu primeiro passo como ser

independente e único. Nesse caso, a dificuldade respiratória simbolizaria o medo

dessa independência, de dar o primeiro passo, provocando a falta de ar diante de

situações em que a pessoa se depara com essa liberdade. Por outro lado, a

dificuldade respiratória também pode representar a restrição. Um indivíduo que vive

em circunstâncias opressoras, quando adquire a liberdade, sente como se finalmente

pudesse respirar (Dethlefsen e Dahlke, 1997).

Page 47: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XLVII

Através desses aspectos da respiração, pode-se explicar algumas

características do indivíduo asmático. A dificuldade respiratória significaria deficiência

no processo de troca e relacionamento, acarretando dificuldades em dar e

necessidade de receber. Dethlefsen e Dahlke (1997) fazem um paralelo da

respiração com o processo de dar e receber. Na respiração, a pessoa deve inspirar

oxigênio e expirar gás carbônico, no entanto, tentando reter em demasia, o asmático

acaba por se envenenar, já que não expeliu o ar usado, levando à asfixia. Na vida do

asmático ocorre um processo semelhante, já que o mesmo busca estar sempre

recebendo, e nunca disposto a oferecer. Seja por dinheiro, atenção, amor. O

indivíduo asmático pode ser caracterizado como aquele que não gosta de muito

contato ou toque, não favorecendo a troca, essencial em um relacionamento. Além

disso, o asmático pode oferecer algo sabendo que vai receber o que lhe interessa ou

que vai aumentar a demanda recebida, passando a dar mais afeto e atenção quando

sente que está recebendo menos, perdendo a fonte.

Valcapelli e Gasparetto (2000) relatam que muitas crises sobrevêm

nos momentos em que o asmático experimenta fortes sentimentos, como alegria.

Para eles, isso ocorre porque uma das problemáticas do asmático consiste em

exteriorizar seus sentimentos, já que ele não se expõe abertamente e, se o faz,

imediatamente se reprime. Esse mecanismo pode ser associado a dificuldade em

dar, em estabelecer uma relação de troca com outra pessoa ou com o meio.

A essa característica pode-se associar ainda a intensidade das

relações afetivas estabelecidas. São pessoas com grande necessidade de afeto, daí

a busca incessante em receber. As relações dos asmáticos são estabelecidas

facilmente, no entanto são superficiais e instáveis, já que se torna complicado

estabelecer um relacionamento onde não há a troca, onde um deseja apenas receber

sem se doar. Segundo Valcapelli e Gasparetto (2000), em um relacionamento

saudável é preciso haver a troca, por isso o asmático tem dificuldades em manter

uma relação. Ele deseja receber esse afeto, mas não se dispõe a estabelecer um

vínculo.

Dethlefsen e Dahlke (1983) associaram também um fenômeno

reflexo ocorrido no aparelho respiratório e o desejo do asmático em isolar-se. Esse

fenômeno consiste em um fechamento e isolamento, com o objetivo de que algo de

fora não possa entrar no aparelho e desequilibrar o seu funcionamento, um ato de

Page 48: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XLVIII

preservação da vida. Nos asmáticos ocorre em outro nível. Consciente ou

inconscientemente, os asmáticos julgam determinadas situações como sendo

ameaçadoras à sua vida e reagem, isolando-se delas, acabando com qualquer forma

de contato com elas. Metaforicamente, o aperto no peito, vivenciado pelo asmático,

poderia ser uma expressão de seu receio em lidar com determinados dinamismos da

vida e a angústia em perceber essa possibilidade.

Pode-se estabelecer uma relação entre os aspectos gerais da

personalidade asmática citados por Grünspun (1980) e por Kreisler (1999) e o desejo

em isolar-se. Neste último, o indivíduo asmático busca afastar as situações que ele

julga ameaçadoras, o que assemelha-se a negação de possíveis conflitos,

recorrendo a processos como o deslocamento e a não aceitação de sua

agressividade. Em ambas as situações, o indivíduo asmático percebe as situações

como estando fora de seu controle e foge. Quando os processos de isolamento e

deslocamento não conseguem exercer seu papel, já que as situações “ameaçadoras”

facilmente os superam, sobrevêm as crises.

Valcapelli e Gasparetto (2000) associam essa característica a

anterior, a necessidade em receber afeto e a dificuldade de troca. Segundo eles,

sempre que um indivíduo asmático achar que não está recendo atenção ou amor (ou

o que ele acha que deve receber), ele se isola. Esse processo ocorre com

constância, já que, por mais que as pessoas ofereçam o que eles querem, nunca

será suficiente, eles querem sempre mais.

Outra correlação estabelecida foi entre o desejo de poder e a

“hiperinflamação dos brônquios” que ocorre nos asmáticos. Como não admitem essa

necessidade, a mesma é transferida para o âmbito do corpo sob a forma de

“hiperinflamação”. Segundo Dethlefsen e Dahlke (1983), os asmáticos utilizam seus

sintomas para dominar o meio e as pessoas. Recebem atenção demasiada e são,

geralmente, abstraídos de muitas responsabilidades. Em contradição a esta

característica está a sensação de inferioridade, que acaba por criar uma relação

ambivalente. Os autores relacionam essas condições ao indivíduo que sofre da

doença por longa data, ocorrendo uma ampliação e uma consolidação do tórax,

formando o que se conhece como tórax em forma de barril. Apesar de sua aparência

ser saudável, o peito largo permite apenas um restrito volume respiratório, já que não

há elasticidade dos tecidos. Nesse ponto a ambivalência é visível, a expressão

Page 49: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

XLIX

saudável, equiparando-se ao desejo de poder, contesta a realidade física, que seria o

sentimento de inferioridade e impotência.

Dentro dessa dinâmica, observa-se ainda que os músculos peitorais

estão hipertrofiados, sendo assim associados a agressividade que é reprimida pelos

asmáticos. Eles não exprimem verbalmente sua agressividade, com isso, têm a

sensação constante de que estão prestes a explodir. As investidas em expressá-la

através de gritos ou queixas, acabam ficando “presas na garganta”, manifestando-se

somaticamente por meio de tosse e expectoração (Dethlefsen e Dahlke, 1983).

Valcapelli e Gasparetto (2000) também defendem a idéia de que o

asmático tem uma sensação de inferioridade, apesar de mostrar o contrário.

Costuma mostrar ser uma pessoa comunicativa e sentimental, buscando conquistar o

outro e, assim, receber a atenção desejada. Não deixa transparecer seus pontos

fracos para ninguém, demonstrando apenas a sua “superioridade”. Com o intuito de

conquistar as outras pessoas, acaba por conduzir sua vida em função da dinâmica

do ambiente em que se encontra, adotando valores e comportamento reconhecidos

pelos outros como adequados. Com isso desconsidera seus princípios e sua moral,

passando por cima de seus sentimentos para estar adequado às necessidades dos

outros. Partindo desse processo, caracteriza-se a asma como um conflito entre o

sentimento de inferioridade e o desejo em demonstrar superioridade. O indivíduo

asmático sente-se inferior e deseja ser o centro das atenções. “O sentimento de

inferioridade seguido do egocentrismo atrai para si pessoas dominadoras, que

passam a controlar sua vida” (Valcapelli e Gasparetto, 2000, p.79). Esse mecanismo

reforça a dependência do asmático por outras pessoas.

Para finalizar, Dethlefsen e Dahlke (1983) falam da recusa a

enfrentar o lado sombrio da vida. Segundo ele, os asmáticos desejam juntar-se ao

nível superior, sem ter contato com o inferior. Por isso, são, geralmente, pessoas

bastante intelectualizadas, pois, segundo a teoria dos elementos, o pensamento

corresponde ao ar. A sexualidade também é vista como um algo inferior, logo, é

mobilizada para cima, na direção do peito, ocasionando a formação excessiva de

muco, que é expelida pela boca.

A tendência em recusar o contato com o que percebe como inferior

pode estar relacionado ao fato do asmático não querer entrar em contato com suas

próprias misérias, demonstrando, assim, sua superioridade. O mesmo acontece

Page 50: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

L

quando se trata da necessidade em estar sempre recebendo. Já que existe um

sentimento de inferioridade, o asmático se recusa a dar para o outro aquilo que ele

julga ou sente como inferior, pois assim, os outros o julgaram como não merecedor

de receber o que eles têm para dar. E, coexistindo ao sentimento de inferioridade, o

sentimento de impotência, o asmático perceberia a superproteção materna como

uma saída para não ter que assumir responsabilidades e realizar coisas que ele

achou não ser capaz, criando a dependência aos outros e a falta de autonomia

(Dethlefsen e Dahlke, 1983).

Através da análise dos aspectos da personalidade do indivíduo

asmático, vê-se que eles retratam um fator interno de desequilíbrio, muito mais do

que apenas o sintomas físicos da patologia, não anulando o sofrimento trazido por

estes sintomas. Por isso, o terapeuta deve adaptar sua atuação a um tratamento de

ordem somática. O psicólogo deve levar em conta que “...trata-se um modo de ser...A

finalidade desse modo de ser é afastar todo e qualquer conflito intrapsíquico... a

eficácia e a originalidade dos meios utilizados é que irão assegurar essa tarefa”

(Kreisler, Fain e Soulé, 1981, p.). A atuação do psicólogo será a descrição e

ordenação, quando necessária, desses meios.

Segundo John Ball (1990), a saúde seria um ambiente interno de

estabilidade mantido em face de alterações externas às quais o ser humano aprende

a se adaptar no curso da evolução. Cabe ao psicólogo facilitar esse processo de

adaptação ou, quando já em situação de adaptação inadequada, redirecionar o

processo.

Page 51: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LI

4. ESTUDO DE CASO

O seguinte estudo de caso foi extraído do livro “Distúrbios

Psicossomáticos da Criança”, de Haim Grünspun (1980).

O paciente, Carlos, foi introduzido à terapia quando tinha dez anos e

cinco meses. Foi levado pela mãe em razão de recomendação médica. Sofre de

asma desde os sete meses. Inicialmente, consistia em acessos de tosse e

expectoração. Depois, passou a ter falta de ar, chiado, ficar roxeado, esbranquiçado

nos lábios, mão fria e pé gelado, sendo pior em tempos quentes do que nos frios. O

paciente já foi levado a tentar diversos tipos de tratamentos, até mesmo ginástica

respiratória e, mesmo assim, continua com as crises diárias. Faz uso de

medicamentos, no caso a “bomba”, mas já experimentou todas as espécies de

remédios indicadas. Durante as atividades do dia, como brincar, tem que parar,

bombear, para poder continuar. A mãe acredita que “pôs qualquer coisa na cabeça

por que não é possível, deve ser mesmo psicológico” (Grünspun, 1980, p.165).

Ocorrem outros sintomas como sair sangue do nariz, vomitar, ter dor de cabeça duas

ou três vezes por mês, isso, quando está para ter crise ou durante ela.

A mãe, que é professora, relata que Carlos fica o dia inteiro atrás

dela, está sempre por perto, mesmo enquanto dá aulas, chega a chamá-lo de

obsessivo. Diz que o menino está sempre a chamar atenção, que recebe amor

demais e que, quando isso acontece, reage com nervosismo. No entanto, confessa

que trata-o melhor do que os outros cinco filhos, fazendo tudo o que ele pede,

justifica alegando que “tem que ser assim”. Às vezes pensa que o menino não dá

conta de fazer nada sozinho, não funciona. A criança briga muito com os irmãos, é

revoltado, nervoso, embora não admita que falem mal deles, sempre defendendo-os.

O pai não toma nenhuma atitude rígida diante dos comportamentos errados do filho,

pois tem dó do menino por sofrer com as crises. Continuamente diz que é preciso

”tratar deste menino, ele sofre muito” ( idem p.166). Não costuma fazer carinho nos

outros filhos, Carlos é o único.

O paciente é inteligente, passa de ano sem freqüentar com

assiduidade o colégio em decorrência das crises. Na escola tem comportamento

Page 52: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LII

adequado, mas inicialmente era constantemente castigado por ser levado, falar alto,

não obedecer ou entender a professora. A mãe considera-o muito distraído e

esquecido, já que este nunca entende o que os outros falam com ele e se esquece

de tudo com facilidade.

A mãe também diz que o menino é muito sentimental, que gosta de

música e desenho. Demonstra bastante interesse pelo lado espiritual, indo sempre à

igreja, inclusive já incitou o desejo em se tornar padre. Não gosta de brincadeiras de

meninos, prefere o serviço de casa pois é mais delicado.

4.1 Considerações

A seguir serão apresentadas mais algumas considerações que o

autor julgou necessárias e pertinentes para o entendimento do caso e, em seguida,

será feita uma releitura do mesmo tendo como base os aspectos trabalhados nos

capítulos anteriores.

Carlos é o quinto na ordem de nascimento em uma família de seis

filhos. Antes dele os pais perderam uma menina com cinco meses por desidratação

e, depois dele ter nascido, a mãe teve um aborto natural aos três meses de

gestação. A mesma diz que Carlos foi desejado mas que, em dias de raiva, acaba

dizendo “não sei porque você veio” ou “cabelo de fogo, você não é meu filho” (idem,

p.166). Depois, em seus relatos, acaba por relatar que o filho que ela realmente

queria era o primeiro, os demais vieram por acaso, sendo que Carlos teria sido uma

forma de apagar a dor da perda da menina. Como a criança falecida tinha cabelo de

fogo, os pais pediram para que viesse outra assim, mas alegam que, em

compensação, ela teria vindo doente.

Durante todas as gestações, a mãe passou mal, vomitando nos três

primeiros meses. Também costumava ficar muito nervosa, chorar e revoltar-se por

estar pondo um filho no mundo, mas diz que depois tudo passava. Diz ainda que só

se sentiu bem quando soube da gestação do primeiro filho, aos demais, reagiu com

normalidade. Não fez pré-natal, mas procurava os médicos para tratar de seus

Page 53: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LIII

enjôos ou qualquer eventual problema, com exceção do período de gestação de

Carlos, onde sofreu os nove meses com um resfriado tipo alergia, com característica

semelhantes aos sintomas que Carlos apresenta em decorrência da asma. Só que,

como estava em época de teste escolares em seu trabalho, não procurou um

médico. “Pensei mais na parte dos alunos do que no meu filho” (idem, p.167).

Dorme em um sofá, juntamente com a irmã de seis anos, mas corre

para a cama dos pais assim que acorda, a mãe ressalta que, apesar de todos os

filhos fazerem isso, ele é o que dá mais trabalho. Dormiu com os pais até os quatro

a cinco anos. A mãe começou a introduzir a mamadeira quando o menino tinha três

meses, “gostou mais da mamadeira e depois não quis saber mais de mim” (idem,

p.168). Mamou até os cinco a seis anos. Quando está em crise, nega-se a comer e a

mãe força. Costuma ter preguiça de comer, o que a mãe atribui ao fato de ter sempre

ajudado o menino a comer, ter dado tudo na boca.

Na escola, tem um bom desempenho. Não estuda sozinho,

geralmente a mãe estuda com ele e, eventualmente, o pai. Quando estuda sozinho,

costuma rasgar o caderno e entornar o tinteiro. “É muito irresponsável” (idem, p.170).

Quer ser o primeiro da turma em conversa, o que a mãe associa com uma vontade

de agradá-los. É castigado quando não tira notas boas e quando não presta atenção

nas aulas.

O paciente tem mais amigas, demonstrando preferência em brincar

com crianças do sexo feminino. Não gosta de brincar sozinho. Faz amizades com

facilidade, dando-se bem com todos porque se submete à vontade deles. Gosta de

fazer visitas. Adapta-se facilmente ao meio, sendo sempre muito simpático e

desembaraçado. Não alimenta rivalidades com nenhum amigo.

Há casos de asma na família. A irmã, duas sobrinhas e um sobrinho

da mãe sofreram de asma. Também há casos de alergia, a irmã da mãe tem

eczema, o pai e a irmã de Carlos possuam eczema “seco” no pé, e a sobrinha da

mãe tem furunculose.

Mora com a família em um apartamento de três quartos, sala,

cozinha, banheiro e terraço. Costuma brincar em toda a casa, porque os meninos

Page 54: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LIV

brincam no parque do prédio e ele os considera muito brutos. A mãe insiste para que

desça, mas logo ele volta.

O relacionamento entre os pais é bom. A mãe se refere ao marido

como uma pessoa muito boa e calma “demais”. Os pais e a avó também nutrem uma

boa relação. O pai demonstra predileção por Carlos, adora brincar e fazer carinho,

mas só com ele. A mãe se diz muito nervosa com o paciente. A família costuma

receber muitas visitas em sua casa, principalmente familiares e mães de alunos da

mãe. A mãe não gosta de fazer muitas visitas.

Grünspun (1980) diagnosticou o paciente como sofrendo de distúrbio

psicossomático com indícios de depressão nos testes realizados com o mesmo.

Indica tratamento com medicação sintomática e antidepressiva, associado a um

acompanhamento em psicoterapia individual. Para atenuar os sintomas físicos,

aconselhou, além dos remédios, a ginástica respiratória e a natação. Sugere também

que o paciente faça relaxamento juntamente com sua mãe. Indica que a mesma se

submeta a psicoterapia e que a família faça entrevistas terapêuticas.

4.2 Releitura Do Caso

A partir das considerações levantadas por Grünspun (1980) acerca

do caso apresentado, será feita uma releitura do mesmo baseando-se na revisão

bibliográfica exposta nos capítulos anteriores.

Foi possível reconhecer neste estudo de caso, os traços da

personalidade do alérgico essencial, descrito por Kreisler (1999).

O paciente asmático estabelece uma relação de dependência com

sua mãe. Essa estrutura se fundamenta na superproteção materna, que não seria

sinônimo de amor. Por baixo da superproteção da mãe, pode haver uma história de

rejeição. Por não conseguir amar de fato o filho, em decorrência de situações

diversas, a mãe cerca-o de cuidados excessivos que se traduzem em controle. A

criança que ainda necessita do cuidado materno naturalmente responde à rejeição

Page 55: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LV

com o aumento do sentimento de insegurança e um maior apego à essa mãe

(Hisada, 2003).

A mãe, por não conseguir lidar com o fato de não amar seu filho

como acha que deveria, enche-o de cuidados, em um mecanismo de defesa. O filho,

por sua vez, que se sente inseguro e inferiorizado diante da percepção de uma mãe

rejeitadora, cria um vínculo de dependência com a mesma em uma tentativa de

suprir sua carência afetiva. Dessa forma, o processo de um fortalece o processo do

outro (Hisada, 2003).

A mãe fantasia o retorno de seu filho ao útero, buscando não

enfrentar o sentimento de “culpa” que se impôs por não ter amado seu filho como

deveria. Mantendo a criança sob seus cuidados e controle, a mãe pode continuar seu

processo, dando amor como uma forma de compensar a falta de amor anteriormente

negada, aliviando a culpa que sente (Hisada, 2003).

O filho busca a autonomia, mas depara-se com a impossibilidade de

tê-la, mediante seu sentimento de insegurança e inferioridade. Esses sentimentos o

levam a ter dificuldade em separar-se dessa mãe, já que essa passa a suprir uma

carência afetiva através de sua proteção excessiva. Como conseqüência, passa a

perceber, não apenas a mãe como também outras pessoas, incluindo estranhos,

como uma possibilidade de receber afeto. O outro é percebido como bom, pois é

comparado a mãe que lhe dá tudo que precisa. A partir dessa estrutura segue-se um

bloqueio dos processos de separação-individuação e ausência de angústia diante do

estranho. Essas duas características podem ser identificadas no caso de Carlos.

Segundo os relatos da mãe do paciente, Carlos seria o quinto em

uma família de seis filhos, sendo que apenas o primeiro teria sido desejado e

festejado, os demais foram recebidos com naturalidade. Além disso, houve a perda

de uma menina, aos cinco meses de idade, antes do nascimento de Carlos. Em

decorrência desse fato, a mãe diz que esse teria vindo para apagar a dor da morte

de sua outra filha e que, quando ficou sabendo que estava grávida, pediu a Deus que

viesse uma criança de cabelo de fogo, assim como a que havia falecido. Como

Carlos ficara doente, a mãe entendeu que a doença do filho seria o preço a ser pago

Page 56: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LVI

uma vez que seu pedido fora atendido, “... não se pode ir contra a lei de Deus”

(p.166).

Pode-se inferir que a mãe sente-se culpada por ter desejado que seu

filho viesse com cabelo de fogo e, como compensação pelo pedido atendido, fora

acometido pela doença. Além disso, Carlos teria nascido com o objetivo de apagar a

dor da perda da irmã. Não tendo conseguido corresponder às expectativas de seus

pais, já que uma dor não pode ser apagada, poderia ter nascido daí uma rejeição

inconsciente ao filho por parte destes.

Outro episódio que pode fundamentar essa hipótese também foi

relatado pela mãe. Segundo esta, durante a gravidez de seus outros filhos, apesar de

não ter feito pré-natal, sempre recorria a um médico quando se sentia mal. Na

gravidez de Carlos, a mesma relatou ter sido acometida por um resfriado de origem

alérgica, que se assemelha aos sintomas que o filho apresenta em decorrência da

asma. No entanto, não procurou o médico para uma consulta, pois estava atordoada

no trabalho com os testes de seus alunos. Diz ter pensado “mais na parte dos alunos

do que do meu filho” (p.167).

Nesta situação, a mãe também pode se sentir culpada por não ter

tomado os cuidados necessários ao longo da gravidez de seu filho. O fato dela fazer

referência aos sintomas de seu resfriado como sendo iguais aos da doença de

Carlos, pode sinalizar para um possível entendimento de que a doença teria sido

passada para ele em conseqüência de seu descuido. A rejeição ao filho esteve na

forma de uma falta de cuidado durante sua gravidez, que hoje é compensada com o

excesso de zelo.

Carlos teria estabelecido com sua mãe uma relação de dependência.

Segundo a mãe, o filho fica atrás dela o dia inteiro. Ele não estuda sozinho porque

faz bagunça. Tem preguiça de comer, pois sempre recebeu comida na boca.

Enquanto está brincando, sua mãe fica por perto segurando a bombinha, pois, caso

venha a sentir falta de ar, ela pode socorrê-lo. Ao mesmo tempo em que Carlos

busca suprir sua carência se apegando à mãe, a mesma o superprotege com

cuidados e controle excessivos na tentativa de aliviar o peso de uma suposta

Page 57: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LVII

rejeição. A superproteção materna alimenta essa dependência. “O que ele pede eu

dou, tenho que tratar melhor do que os outros” (p.165).

Ao mesmo tempo em que a mãe deseja ver seu filho independente,

brigando para que saia de trás dela ou para que tenha responsabilidades com os

estudos, passando a estudar sozinho, também alimenta a dependência deste, já que

qualquer atitude da criança é desculpa para que ela intervenha e administre a

situação, como os estudos, por exemplo. Paralelo a isso, a mesma criança que

busca autonomia, tem atitudes que dão a deixa para a intervenção de sua mãe,

como se estivesse mostrando que precisa da ajuda da mesma e ainda é incapaz de

resolver as situações sozinha, como, por exemplo, urinar na cama.

Este processo de rejeição-superproteção atribui aspectos singulares

à personalidade do asmático. O sentimento de inferioridade e de insegurança,

desencadeados pela percepção de uma suposta rejeição, pode ser responsável pela

carência afetiva, resultando em uma necessidade permanente do indivíduo asmático

em se ligar às pessoas e ao meio. Esses relacionamentos são estabelecidos

facilmente, mas são instáveis e superficiais, pois o asmático, ao mesmo tempo em

que busca excessivamente afeto, também se retrai por ter medo de uma outra

rejeição. Outra característica desencadeada por este aspecto é a substituição rápida,

quase instantânea, de um objeto de vínculo por outro.

No caso de Carlos, esses aspectos também são identificáveis. O

paciente faz amigos e adapta-se ao meio facilmente. Também gosta de fazer visitas.

A mãe atribui a essa característica o fato do menino estar sempre se submetendo à

vontade dos amigos, além de ser sempre muito simpático e desembaraçado. Por ter

grande carência afetiva, o indivíduo asmático costuma evitar rixas e abafar conflitos,

idealiza um tipo de relacionamento, buscando ser sempre o que o outro espera, já

que, assim, receberá a atenção que necessita. Pode-se dizer que dessa estrutura

resulta a negação de sua agressividade e da de outras pessoas.

A necessidade em se ligar às pessoas e ao meio de forma fusional

acaba por gerar uma sensibilidade e uma percepção intuitiva dos sentimentos do

outro. Daí resultam pessoas de escolaridade fácil e com grandes aptidões artísticas.

Pode-se observar essa sensibilidade em Carlos. O paciente tem um bom

Page 58: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LVIII

desempenho escolar e é muito sentimental, demonstrando grande interesse pela

música e por desenho. Seu lado espiritual também é bastante desenvolvido,

destacando sua vontade de ser padre.

A evitação de situações conflituosas também é um aspecto cujo

desencadeamento pode ser atribuído ao sentimento de insegurança e de

inferioridade do indivíduo asmático. A pessoa que se sente incapaz e insegura

acabaria por evitar lidar com situações que julga não ser capaz de administrar. Dessa

forma, a pessoa asmática cria, primeiramente, um vínculo de dependência com sua

mãe e, depois, com outras pessoas, que passam a exercer o controle de sua vida.

Como a maior parte dos problemas na vida da pessoa asmática é resolvida pela mãe

protetora, ou por sua substituta, ela foge de qualquer conflito que exija dela uma

atitude. Como resultado da ocorrência dessas situações, que são inevitáveis, o

paciente é geralmente acometido pelas crises. Carlos, quando é instigado a ir brincar

com os meninos, que são descritos pelo paciente como sendo muito brutos, sempre

volta correndo, em crise, para sua mãe.

4.4 Tratamento Psicoterápico

A apresentação das possíveis características recorrentes em um

indivíduo asmático permite levantar as possibilidades de intervenção práticas nos

casos de asma enquanto um distúrbio psicossomático. Segundo R. Debray (1998), o

bebê asmático deve ser tratado juntamente com sua mãe, em psicoterapias

conjuntas. Como já foi ressaltado por Kreisler (2000) e Spitz (1988), o

desenvolvimento do funcionamento psíquico da criança deve ser compreendido a

partir da relação mãe/bebê, dessa forma, torna-se necessário analisar a dinâmica

psíquica da mãe.

Portanto, partindo das conclusões de Debray (1988), a psicoterapia

com a criança deve focar o processo de separação-individuação, utilizando-se de

técnicas que visem à diferenciação eu-outro. A mãe deverá ser engajada em um

Page 59: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LIX

tratamento de adultos, buscando esclarecer os motivos que a levaram a criar o

vínculo simbiótico com a criança.

A criança mais velha deve ser tratada através de terapia comparada

a uma análise. Visando reduzir as possíveis somatizações posteriores, deve-se

procurar restabelecer o equilíbrio nos diferentes níveis de atividades e do

funcionamento mental (Ferraz e Volich, 1997).

Estando a dinâmica psíquica do paciente asmático fundamentada no

processo rejeição-superproteção materna, a ação terapêutica deve estar voltada para

a dinâmica familiar. Como conseqüência a criança passa a sentir-se frágil, insegura,

tímida e sem condições para suprir sozinha as necessidades sempre providas pelos

pais. A medida que a criança cresce e percebe a redoma de proteção em que vive,

geralmente passa a expressar agressividade e ressentimento para com seus pais,

além de se sentir culpada ao ver a preocupação e a aflição deles.

A ação terapêutica deve agir buscando oferecer possibilidades da

criança reformular essa estrutura, através de um trabalho focado no bloqueio no

processo de separação-individuação. O objetivo é romper o vínculo de dependência

da criança com sua mãe, reestruturando crenças formuladas a partir da percepção

de uma mãe rejeitadora e superprotetora. Deve-se procurar aumentar a auto-estima

da criança, o que refletirá em aquisição de segurança e autoconfiança para que a

mesma passe a coordenar sua vida, suprir suas próprias necessidades e se

responsabilizar por suas decisões, não tendo medo de uma possível rejeição ou

decepção ao expressar suas convicções.

4.5 Tratamento Médico

O paciente geralmente procura um profissional da área médica para

tratar do problema que o incomoda e que, para ele, é unicamente de ordem médica.

Ele buscará amenizar o sofrimento físico que o acomete, uma vez que não tem

consciência do que está por trás dessa expressão somática. O médico deverá tentar

compreender o problema de saúde a partir dos relatos do paciente a respeito dos

Page 60: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LX

sinais e sintomas que o afligem e, depois de ter um diagnóstico, dar uma primeira

resposta ao mesmo. A ida ao médico, profissional capaz de dar um diagnóstico

correto e receitar o tratamento adequado, possui efeito terapêutico, já que, através

dela, o paciente receberá uma explicação em termos simples sobre o que o tem feito

sofrer, trazendo um certo conforto e tranqüilidade (Haynal, Pasini e Archinard, 2001).

Em um segundo momento, o médico irá traçar um diagnóstico global

contendo, além de um diagnóstico fisiopatológico, que envolve uma análise dos

distúrbios da função do órgão, conterá também uma avaliação das dimensões

psicológicas, sociais ou humanas do problema do paciente, bem como, sobre as

repercussões em sua vida. O caráter psicológico do diagnóstico auxilia, em primeiro

lugar, na manutenção da relação médico-paciente. A partir desta análise, o médico

poderá influenciar na qualidade de vida do seu paciente, que se encontra vulnerável

devido ao conturbado momento que está vivendo, assumindo um papel de

dependência para com o médico, já que busca ajuda para um problema que não

pode resolver sozinho. Caberá ao profissional comandar essa relação, levando em

consideração o tratamento a ser seguido e as necessidades do paciente, como qual

a postura assumida por este na relação terapêutica, se será passiva, cooperativa ou

conflituosa (Haynal, Pasini e Archinard, 2001).

A partir da análise psicológica, o médico também poderá identificar

se a problemática tem caráter psicológico preponderante, necessitando, nesses

casos, de um encaminhamento para um psicoterapeuta. Trata-se de casos em que

um distúrbio se apresenta através de sintomas somáticos, mas representa um

sofrimento psíquico, constituindo as doenças psicossomáticas.

A maior parte das tentativas de encaminhamento de um paciente

para atendimento terapêutico, ocorre com resistência e, em geral, sem êxito. Isso por

que o paciente se recusa a reconhecer a angústia psíquica que se esconde por trás

do sofrimento físico. O papel do médico é de grande importância no engajamento do

paciente ao tratamento terapêutico. Em primeiro lugar, o médico não deve

menosprezar o sofrimento de seu paciente, ressaltando que o mal de que padece é

real e concreto, mas que o acompanhamento de um psicólogo se faz necessário,

uma vez que o caso se encontra além dos limites da medicina somática. Dessa

forma, o trabalho terapêutico entraria apenas como um suplemento. Em segundo

lugar, o médico não deve apresentar o psicólogo como um detentor de soluções

Page 61: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LXI

mágicas, criando grande possibilidade de frustar as expectativas do paciente. Em

terceiro lugar, o médico deve ser capaz de descrever as inúmeras possibilidades

terapêuticas disponíveis e as indicadas para o caso específico (Haynal, Pasini e

Archinard, 2001).

A associação do tratamento médico ao psicológico é considerado o

mais adequado quando se trata de doenças psicossomáticas, já que o sofrimento

físico geralmente faz com que o paciente desvie toda a sua atenção para a dor que o

aflige naquele momento, colocando o trabalho terapêutico em segundo plano. A partir

do momento em que os sintomas somáticos são controlados, o paciente consegue se

engajar no tratamento psicológico. No decorrer desse trabalho conjunto, os

profissionais devem se preocupar em não negligenciar o tratamento físico, pois o

paciente somático tende a apresentar ou aumentar a ocorrência dos sintomas

quando percebe que não recebe assistência para o que ele reconhece como seu

“real” sofrimento (Caldeira e Martins, 2001).

Sendo o médico o primeiro profissional a ser procurado devido a

urgência do sofrimento que acomete o paciente, o mesmo deverá ter uma atitude

acima de tudo humana, para que seja possível estabelecer um diagnóstico correto,

percebendo a real origem do sofrimento do paciente e, assim, ser capaz de

encaminhá-lo a um tratamento adequado que produza um resultado satisfatório.

Page 62: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LXII

CONCLUSÃO

O presente trabalho versou sobre a asma segundo a perspectiva da

psicossomática, que compreende o ser humano como uma totalidade do processo de

interação corpo-mente. Desse modo, a asma poderia ser entendida como uma

expressão em nível somático de um conteúdo psíquico. No entanto, cabe salientar

que fatores genéticos, biológicos e ambientais também influem nesta manifestação

somática, logo, o órgão tende a desenvolver determinada patologia e a não

elaboração das excitações externas em nível psíquico, que serão canalizadas na

esfera somática, facilitaria este processo.

Tomando como base a premissa de que a personalidade de um

indivíduo é o resultado de sua adaptação ao ambiente em transformações a que está

inserido e de que quando esta adaptação não é bem elaborada em nível psíquico,

ela é desviada para o nível somático, o trabalho procurou identificar quais seriam as

características do ambiente social, como a estrutura familiar, que desencadeariam a

asma, enquanto uma manifestação somática, como forma de adaptação, e quais os

traços de personalidade que se apresentariam com freqüência significativa no

asmático.

Para tanto, foi apresentada inicialmente a evolução histórica da

psicossomática, fazendo-se um breve apanhado sobre o desenvolvimento desta

vertente, iniciando-se por suas origens na prática médica até seu encontro com a

psicanálise e sua atual concepção. Dessa forma, procurou-se mostrar a importância

das descobertas e dos estudos de cada profissional, tanto da área médica quanto da

psicológica, para a formação da atual concepção da psicossomática e do adoecer

humano.

Em seguida, reconhecendo-se a importância em estudar a estrutura

e o funcionamento fisiológico do aparelho respiratório e da asma para que fosse

possível compreender a interação entre esta função e o conteúdo psíquico do

indivíduo asmático, foi apresentada uma visão biológica da função respiratória e da

patologia em questão. Partindo do que foi discorrido, associou-se à respiração e à

Page 63: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LXIII

asma uma perspectiva psicológica, e assim, foi possível levantar algumas hipóteses

sobre o conteúdo psíquico por trás da manifestação somática.

Passou-se então, para uma análise acerca do conteúdo psíquico

envolvido no desenvolvimento da asma. Para tanto, buscando solucionar o problema

levantado sobre o tipo de ambiente social que favoreceria a manifestação asmática,

foi apresentada a dinâmica materna como sendo este fator influente que estaria

diretamente ligado a esta forma de adaptação. Chegou-se a conclusão de que a

personalidade asmática teria origem na percepção de uma mãe rejeitadora e ao

mesmo tempo superprotetora. A rejeição materna pode ser considerada como um

processo inconsciente que está vinculado a uma situação traumática e desagradável

vivenciada pela mãe e associada, também inconscientemente, à gravidez. Em

decorrência dessa rejeição, a mãe passa a sentir-se culpada por não amar seu filho

da maneira que julga ser correto, com isso, esta mãe começa a cercar o filho com um

cuidado excessivo em um mecanismo de compensação.

Após a apresentação da dinâmica materna foi exposta a visão de

vários autores sobre a personalidade materna e sua associação com a estrutura da

relação mãe/filho.

Para finalizar foi exposto um estudo de caso retirado do livro

“Distúrbio Psicossomático da Criança” de Grünspun (1980), seguido da apresentação

das considerações e do diagnóstico do autor, e de uma releitura do caso baseada

nos aspectos trabalhados ao longo do trabalho.

Baseando-se nas características da personalidade materna e nos

traços do perfil do indivíduo asmático, foi possível concluir que a asma enquanto

manifestação somática de um conteúdo psíquico, estaria diretamente relacionada à

dinâmica materna, não caracterizando a causa do desenvolvimento da patologia,

mas um fator influente. O processo vivenciado pela mãe de rejeição-superproteção

abre possibilidades para o desenvolvimento da personalidade asmática.

O indivíduo asmático, partindo de uma percepção de sua mãe como

rejeitadora e superprotetora, tende a desenvolver traços como sentimento de

inferioridade e insegurança, criando um vínculo de dependência com a mãe. A partir

desses aspectos, identificou-se a carência afetiva, necessidade e grande facilidade

Page 64: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LXIV

em estabelecer vínculos com as pessoas e com o meio, porém, são ligações

instáveis e superficiais, rápida substituição de um objeto de vínculo por outro,

evitação de situações conflituosas, utilizando o mecanismo de deslocamento para

não enfrentá-las, alta sensibilidade, e negação de sua agressividade, bem como a

dos outros. Pode-se concluir que a maior parte das características da personalidade

do indivíduo asmático teriam se desenvolvido do sentimento de inferioridade e de

insegurança.

Baseando-se nessas conclusões, pode-se dizer que o tratamento do

asmático deve ser uma associação entre a terapêutica médica e a psicológica. A

primeira serviria para elucidar os sintomas e, assim, permitir o trabalho do psicólogo

que, por sua vez, buscará reelaborar o conteúdo psíquico canalizado na esfera

somática, de forma a evitar possíveis futuras somatizações. O trabalho

psicoterapêutico deve focar o bloqueio no processo de separação-individuação,

buscando oferecer subsídios para o indivíduo quebrar o vínculo de dependência com

a mãe, com as pessoas e com o meio, em busca de afeto. Com isso, o asmático

deixará de entrar em crise toda a vez que se deparar com uma situação em que se

sinta inferior ou inseguro.

Page 65: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LXV

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALL, John. Compreendendo as Doenças: Pequeno Manual do Profissional de

Saúde. São Paulo: Agora, 1990.

BALLONE, G. J., NETO, E. P. & ORTOLANI, I. V. Da Emoção à Lesão: Um Guia de

Medicina Psicossomática. Barueri, São Paulo: Editora Manole, 2002.

CALDEIRA, G. & MARTINS, J. D. Fundamentos em Psicossomática. Belo Horizonte:

Postgraduate Brasil, 1998.

---------------. Psicossomática: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Medsi, 2001.

COCHRANE, G. M. & REES, P. J. Atlas Colorido da Asma 1. Barcelona: Edifarma,

1995.

---------------. Atlas Colorido da Asma 2. Barcelona: Edifarma, 1995.

DAHLKE, R. A Doença como Linguagem da Alma: Os Sintomas como Oportunidades

de Desenvolvimento. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix, 1992.

DEBRAY, R. Bebês/Mães em Revolta. Porto Alegre: Artmed Editora, 1988.

DETHLEFSEN, T. & DAHLKE, R. A Doença Como Caminho. São Paulo: Editora

Pensamento-Cultrix, 1997.

DIAS DA SILVA, M. A. Quem Ama Não Adoece: O Papel das Emoções na

Prevenção e Cura das Doenças. São Paulo: Editora Best Seller, 1994.

FERRAZ, F. C. & VOLICH, R. M. Psicossoma: Psicossomática Psicanalítica. São

Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

GRODDECK, G. Estudos Psicanalíticos sobre Psicossomática. São Paulo: Editora

Perspectiva, 1992.

Page 66: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LXVI

GRÜNSPUN, H. Distúrbios Psicossomático da Criança. Rio de Janeiro: Livraria

Atheneu, 1980.

GUYTON, A. C. Fisiologia Humana. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan,

1988.

GUYTON, A. C. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara

Koogan, 1992.

HAY, L. C. Você Pode Curar a sua Vida. São Paulo: Editora Best Seller,

HAYNAL, A., PASINI, W. & ARCHINARD, M. Medicina Psicossomática: Abordagens

Psicossociais. Rio de Janeiro: Medsi, 2001.

HISADA, S. Conversando sobre Psicossomática. Rio de Janeiro: Editora Revinter,

2003.

KELEMAN, S. Realidade Somática: Experiência Corporal e Verdade Emocional. São

Paulo: Summus Editorial, 1994.

KREISLER, L. A Criança Psicossomática. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa, 1978.

KREISLER, L. A Nova Desordem da Criança Psicossomática. São Paulo: Casa do

Psicólogo, 1999.

KREISLER, L., FAIN, M. & SOULÉ, M. A Criança e seu Corpo: Psicossomática da

Primeira Infância. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

MELO FILHO, J. Psicossomática Hoje. Porto Alegre: Artmed Editora, 1992.

PAIVA, L. M. de Medicina Psicossomática. São Paulo: Artmed, 1994.

RAMOS, D. G. A Psique do Corpo: Uma Compreensão Simbólica da Doença. São

Paulo: Summus Editorial, 1994.

ROSSI, E. L. A Psicologia da Cura Mente-Corpo: Novos Conceitos de Hipnose

Terapêutica. São Paulo: Editorial Psy, 1997.

SPITZ, R. O Primeiro Ano de Vida. Porto Alegre:Artmed Editora, 1988.

Page 67: A ASMA SEGUNDO A PSICOSSOMÁTICA · A asma é um termo genérico que engloba uma condição caracterizada pela ocorrência de falta de ar causada pelo estreitamento dos brônquios,

LXVII

VALCAPELLI, ----- & GASPARETTO, ----- Metafísica da Saúde: Sistemas

Respiratório e Digestivo. Volume II. São Paulo: Editora Gráfica, 2000.

VOLICH, R. M. Psicossomática – de Hipócrates à Psicanálise. São Paulo: Casa do

Psicólogo, 2000.

VOLICH, R. M., FERRAZ, F. C. & ARANTES, ----- Psicossoma II: Psicossomática

Psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

YUM, J. S. Doenças: Causas e Tratamentos.