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195 OPPIDUM número especial, 2008 A Arqueologia Histórica no Município de Penafiel Teresa Soeiro * Resumo Iremos expor a necessidade de a arqueologia prestar uma maior atenção aos contextos de época Moderna e Contemporânea, os mais atingidos pelas recentes e profundas trans- formações do território, até porque têm sido sistematicamente ignorados pelos instru- mentos oficiais de identificação, inventariação e salvaguarda do património cultural. Tentaremos mostrar como ainda hoje damos mais importância e temos mais informação sobre a cultura material dos que habitaram as terras de Sousa na época romana, objecto de patrimonialização, do que relativa ao habitat e modos de viver dos que a ocupavam, por exemplo, no século XVIII. Salientaremos ainda, com exemplos do município de Penafiel, que este esquecimento acarreta não só enormes e por vezes irreparáveis perdas para a construção do saber histórico e para a preservação do legado patrimonial, como custos materiais elevados quando se intenta tardiamente a reversão do processo. Abstract We will show that archaeology needs to pay a greater attention to the contexts of modern and contemporary times, which have been more affected by the recent and deep transformations of the territory, also because they have constantly been ignored by the official instruments of identification, inventory and defence of the cultural patrimony. We will try to demonstrate that even today we give more importance and we have gathered more information about the material culture of those who inhabited the lands of Sousa in the Roman times, that became State property, than information related to the habitat and ways of living of the ones that occupied it, for example in the XVIII century. We will also give emphasis, with examples from Penafiel, that this forgetfulness not only brings enormous and some times irreparable losses to the construction of historical knowledge and to the preservation of the patrimonial legacy, but also high material costs when one tries a tardy reverse to the process. * Departamento de Ciências e Técnicas do Património, Faculdade de Letras da Universidade do Porto - CITCEM

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Page 1: A Arqueologia Histórica no Município de Penafiel · A Arqueologia Histórica no Município de Penafiel Teresa Soeiro* Resumo Iremos expor a necessidade de a arqueologia prestar

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OPPIDUM número especial, 2008

A Arqueologia Histórica no Município de Penafiel

Teresa Soeiro*

ResumoIremos expor a necessidade de a arqueologia prestar uma maior atenção aos contextosde época Moderna e Contemporânea, os mais atingidos pelas recentes e profundas trans-formações do território, até porque têm sido sistematicamente ignorados pelos instru-mentos oficiais de identificação, inventariação e salvaguarda do património cultural.Tentaremos mostrar como ainda hoje damos mais importância e temos mais informaçãosobre a cultura material dos que habitaram as terras de Sousa na época romana, objectode patrimonialização, do que relativa ao habitat e modos de viver dos que a ocupavam,por exemplo, no século XVIII. Salientaremos ainda, com exemplos do município dePenafiel, que este esquecimento acarreta não só enormes e por vezes irreparáveis perdaspara a construção do saber histórico e para a preservação do legado patrimonial, comocustos materiais elevados quando se intenta tardiamente a reversão do processo.

AbstractWe will show that archaeology needs to pay a greater attention to the contexts of modernand contemporary times, which have been more affected by the recent and deeptransformations of the territory, also because they have constantly been ignored by theofficial instruments of identification, inventory and defence of the cultural patrimony.We will try to demonstrate that even today we give more importance and we have gatheredmore information about the material culture of those who inhabited the lands of Sousa inthe Roman times, that became State property, than information related to the habitat andways of living of the ones that occupied it, for example in the XVIII century. We willalso give emphasis, with examples from Penafiel, that this forgetfulness not only bringsenormous and some times irreparable losses to the construction of historical knowledgeand to the preservation of the patrimonial legacy, but also high material costs when onetries a tardy reverse to the process.

* Departamento de Ciências e Técnicas do Património, Faculdade de Letras da Universidade do Porto - CITCEM

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Deixando expressamente de parte a questão da de-signação deste campo disciplinar, devo indicar queestou a utilizar Arqueologia Histórica no seu signifi-cado internacionalmente reconhecido (Hicks; Beaudry,2006), com um âmbito cronológico que abrange asépocas Moderna e Contemporânea, tempos fundamen-tais para a transformação do habitat e das mundividên-cias de todo o município de Penafiel e em particularpara a formação e consolidação do seu centro urbano.

Desde a década de sessenta que este espaço urba-no foi objecto de atenção e de alguma protecção paradefesa do seu património construído (Santos 1963:31-32), opção de preservação que se desejava extensívelao burgo de Entre-os-Rios, o vetusto porto fluvial domunicípio, e a «edifícios e outras construções disse-minados por toda a área rural do concelho», dos quaisse deveria fazer rapidamente o inventário. Boas pala-vras, que chegaram a ser levadas à prática em um cur-to período de cinco anos, vertidas no regulamento deedificações, logo depois ultrapassadas por uma com-binação entre desinteresse político, inércia funcionale preferência dada a outros valores.

Excepcionalmente bem preservado no âmbito doVale do Sousa, o património edificado e paisagísticopenafidelense das épocas Moderna e Contemporâneacontinuou a ser fortemente apelativo, ainda que esque-cido pela administração, que só na década de oitentavolta a debruçar-se sobre o assunto, incluindo este tipode monumentos e sítios num primeiro lote de pedidosde classificação enviados à tutela em 1987, alargadopor um segundo conjunto de processos que seguirampara o IPPC como reacção ao decreto-lei nº 205/88(Santos, 2005). Aflorados na exposição Itinerários doPassado, aberta ao público a 22 de Setembro de 1989,e objecto de sucessivos estudos publicados em revis-tas locais e nacionais, estes novos patrimónios emer-giam e estavam muitas vezes para lá de imaginaçãodos responsáveis técnicos pelo território, que subli-nhavam a necessidade de formação para aplicarcondicionantes em matéria que eles próprios até aídesconheciam.

Mácula original dos registos de inventário foi opouco investimento do município num trabalho pró-prio sistemático e continuado, recorrendo em grandeparte, para resposta imediata às solicitações, ao sabercapitalizado para outros fins. É que, se nem semprefoi fácil explicar que ao restrito número dos monu-

mentos classificados de todos conhecidos era precisojuntar as dezenas de sítios arqueológicos pré-históri-cos, proto-históricos, clássicos e medievais entretantoidentificados pela investigação, mesmo que invisíveispara os leigos, impossível se mostrou demonstrar quãoimprescindível era também o inventário dirigido aoutro património edificado erudito e, particularmente,ao património vernacular.

A componente patrimonial do PDM elaborado noinício da década de noventa denota claramente essesdesequilíbrios, resultantes das condições apressadas enão especializadas em que foi realizada, com falta desistematização na recolha da informação e de matura-ção de uma metodologia que fundamentasse as opções.Estava claramente patente que, perante o imenso uni-verso de itens respeitantes às épocas históricas maisrecentes, a opção básica de tudo inscrever era impos-sível, mas não assumido o axioma de conhecer o maispossível para criteriosamente seleccionar o significa-tivo, passível de ser preservado. Como a demonstra-ção não foi suficiente, em 2000, no contexto da revi-são do PDM, a situação de falta de informação siste-matizada voltou a colocar-se. O procedimento foi di-ferente, mas nem por isso mais clarificador. Tendo-me sido solicitado a elaboração de uma Carta do Pa-trimónio Vernacular do município, em colaboraçãocom outros docentes da Faculdade de Letras da Uni-versidade do Porto, que chegou a ser contratualizada,o projecto foi posto de lado em meados do ano seguin-te, optando-se novamente pela não realização desteestudo global, ficando incumbido o técnico superiorda área de arqueologia e património, então recém con-tratado e assoberbado com outros trabalhos, da tarefade seleccionar o património deste grupo a inserir noPDM.

A falta de uma Carta do Património claramenteassumida, que inclua as épocas históricas recentes, comuma firme política de actuação, tornou algo aleatóriaa escolha das aldeias a recuperar pelo programa Agrise bloqueou ainda, por exemplo, o funcionamento daComissão Municipal do Património Cultural e Paisa-gístico, criada em 2003. Esta viu-se em dificuldadepara responder com critério ao curioso afluxo de pedi-dos verbais e formais de classificação de edifícios econjuntos rurais com que se viu confrontada desdeinício, enviados pelos proprietários, uns preocupadosem travar ou afastar a acelerada descaracterização

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construtiva e paisagística a que assistiam, impotentes,desde a década de noventa, nas áreas envolventes dassuas propriedades, outros interessados na classifica-ção como forma de melhorar os incentivos financei-ros e outras condições a aplicar nas candidatura a pro-jectos de turismo. Sem um inventário geral de refe-rência e uma política que apresentasse critérios para aponderação do valor patrimonial, uma resposta casuís-tica poria em risco a coerência das decisões, ou seja,poder-se-ia classificar um conjunto de interesse limi-tado no panorama municipal só porque esse procedi-mento foi solicitado e, ao lado, deixar sem protecçãooutros casos muito mais relevantes, mas para os quaisnão tinha sido atraída a atenção.

Estas vicissitudes nunca impediram, porém, que ainvestigação e a divulgação no âmbito da arqueologiahistórica continuasse a ser feita, com o apoio do Mu-nicípio e de várias outras entidades públicas. Destaca-mos, por um lado, a obrigação, em prática desde finaisda década de noventa, de realizar acompanhamentos eescavações arqueológicas no centro urbano. Emborabastante numerosos deste então, obtiveram resultadosnão particularmente elucidativos relativamente às di-ferentes ocupações deste espaço, sobretudo quando ostrabalhos se dirigem apenas ao que está enterrado e éantigo, num sentido maximamente redutor da arqueo-logia, esquecem o edificado, com toda a sua riquezamaterial e vivencial. Tem sido continuada a insistên-cia do Museu para que a análise destes edifícios e con-juntos se faça considerando o seu percurso até à actu-alidade, tanto atendendo às técnicas construtivas, ele-mentos decorativos e todas as demais vertentes da sua

materialidade, como à sua história e referên-cias. Fontes de informação, sejam documen-tais ou impressas, constituem um acervo tantavez esquecido, como também o é o registo damemória, investigação exigente e demorada,talvez incompatível com a urgência de um re-latório e a habitual magreza do orçamento.

Mas a minha participação neste Encontronão se dirige à arqueologia urbana que, apesardas insuficiências, tem já boas práticas roti-nadas. Preferi trazer a esta ribalta outros patri-mónios, que todos os dias desaparecem diantedos nossos olhos (se os vemos ou não, já éoutra questão).

E o primeiro é o humano, a memória indi-vidual e colectiva (Fig. 1). Se ao falar de castrejo nosagarramos com avareza às vagas referências deEstrabão, porque é que para estudar a arqueologia maisrecente nos damos ao luxo perdulário de dispensar osseus actores? Eles viveram os factos e nos contextos,possuem o saber-fazer e o imaginário, o seu e o dasgerações anteriores que num tempo mais lento lhesforam transmitidos. Quebrada essa cadeia inter-geracional de comunicação, como recuperar no futuroesse imenso e irrepetível património?

Também a paisagem agrária da região de Sousa eTâmega e os ciclos produtivos que lhe estão associa-dos constituem um outro património já profundamen-te afectado, sem nunca ter sido verdadeiramente estu-dado. Neste domínio, a materialidade e a sua leiturahistórica são sempre indissociáveis, devendo-se a todoo custo evitar o bucolismo arcádico e a nostalgia queolha para o nosso passado camponês como o de umasociedade feliz, atemporal e imutável.

Ainda que desmoronada, a mundividência campo-nesa marca profundamente o presente e oferece-nosoportunidades, não por muito tempo. Queremos sabercomo se fazia e manuseava uma alfaia, como se ensi-navam os novilhos para os transformar numa junta detrabalho, como se jungiam, atrelavam e guiavam, comose preparava uma terra para esta ou aquela cultura,como se exploravam, repartiam e conduziam águas...ainda podemos perguntar, aprender e registar, em prá-ticas marginais é certo, mas que nos permitirão me-lhor interpretar as informações referentes a outros con-textos em que foram dominantes. Juntas a puxar gra-des de pau, porque os arados de pau esses já foram

Figura 1. Conversas à lareira. Aldeia de Baixo, 1992

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nesta região substituídos há mais de 100 anos;campos de centeio em tempo de colheita, comos rolheiros em pé para serem batidos à mão(Fig. 2); sementeiras de milho alvo (Fig. 3), opão de há séculos que hoje serve apenas paraalimentar pássaros ornamentais, desaparece-rão em breve. As eiras, casas da eira e espi-gueiros estão vazios e tornam-se obsoletos,porque o milho cultivado vai para silagem ouse destina mesmo à obtenção de combustível(Fig. 4). E isto não constitui um lamento emfavor do passado, porque o que, penso, há paralamentar é que não se investigue, não se re-giste, não se inventarie este património e ossaberes associados para depois poder escolheronde investir os sempre parcos recursos e es-forços de preservação. Porque, como tantosautores já disseram, se tudo quisermos embar-car na nossa arca de Noé patrimonializadora,ela vai seguramente soçobrar. Precisamos deescolher, mas escolher com critérios bem fun-damentados e informados.

A partir do Museu temos tentado estudartambém outros cultivos quase desaparecidasno vale do Sousa, mas que já foram deverasimportantes como recurso económico e peloseu papel na idiossincrasia da região. Estamosa falar do linho (Soeiro, 2002), dos momentosde trabalho colectivo e recíproco a que davalugar, da arrinca até ao fio entrar no tear (Fig. 5e 6). Instrumentos e máquinas foram desen-volvidos para facilitar as tarefas do seu peno-so ciclo, de entre os quais evocamos o ripo deferro, para aplicação na cabeçalha do carro debois, e o engenho que, chegado aqui apenasno século XIX, na sua engrenagem de madei-ra parece uma criação bem mais antiga. Parao abrigar se ergueram algumas construçõessingulares, padecendo hoje ambos, máquinase edifícios, da mesma desatenção, por inúteis,até que pereçam ou se lhes atribua nova fun-ção (Fig. 7 e 8).

Outro tanto se pode dizer dos engenhos deazeite (Soeiro, 1996/97), que já foram deze-nas, movidos a água ou pela força animal. Inú-teis e ocupando um espaço próprio e amplodentro da casa de lavoura, com acesso ao ex-

Figura 2. Campo de centeio com rolheiros. S. Julião, Capela, 1992

Figura 3. Campo de milho miúdo. Aperrela, Penafiel, 1988

Figura 4. Eira em utilização. Peroselo, 1992

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Figura 5. Arrinca do linho. Mesão Frio, Galegos

terior, estes foram muitas vezes desmontadospara deixar espaço a uma garagem, a maioresarrecadações, a novos aposentos de residên-cia ou a uma oficina. Os de água, mais expos-tos aos elementos, simplesmente ruíram ouperderam, por apodrecimento ou roubo, assuas peças, que até são apreciadas para deco-rar jardins. Com as mós e as charruas dão aque-le tom rústico de que se gosta. São poucos oscasos em que, escavando por baixo de muitotralha, poeira e teias de aranha, se conseguementrever na sua plenitude funcional. Contamosmais de três dezenas no município de Penafiel,os dedos de uma mão sobram para o númeroque se preserva razoavelmente (Fig. 9 e 10).Embora os melhores exemplares estejam emposse privada, está estudada e pronta a sercandidatada a fundos europeus a recuperaçãode um exemplar, em Sebolido, já na posse domunicípio, para nele instalar mais um núcleotemático do Museu.

Este continuado trabalho de formiga é porvezes sobressaltado pela necessidade de acor-rermos a situações críticas que implicam gran-des modificações do habitat, como foi o tra-balho de inventário, estudo e recolha de ma-teriais efectuado na área do vale do Tâmegasubmersa pela albufeira do Torrão. Com a in-formação e espólio retirado em 1986 foi, cin-co anos depois, realizada a exposição mono-gráfica Quando o Tâmega Corria e publica-dos os resultados do estudo (Soeiro, 1987/88;Soeiro, 2005). Tratou-se do desaparecimentode todo um mundo ribeirinho, que ficou co-berto por dezenas de metros de água. Preferi-mos estudá-lo enquanto estava a descoberto,não já com a pujante actividade que se mante-ve até aos anos sessenta (Fig. 11), mas pelomenos com alguns moinhos ainda montados,num caso a funcionar com um moleiro profis-sional. Localizámos e desenhámos todas as es-truturas, estudámos o moinho e ouvimos o mo-leiro, desenhámos os barcos e atravessámoscom o barqueiro (Fig. 12 e 13). Depois, parti-mos atrás do que já lá não estava, dos enge-nhos de linho que se montavam no Verão, dasarmadilhas e redes que se colocavam nas pes-

Figura 6. Ripagem do linho na eira. Mesão Frio, Galegos

Figura 7. Coberto do engenho do linho, junto da eira. Mesão Frio, Gale-gos, 2002

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Figura 8. Engenho de maçar linho. Mesão Frio, Galegos, 2002

queiras durante o Inverno, no tempo da lampreia e dosável. Não foi fácil, mas elas apareceram ou foramreconstituídas por quem sempre as fizera. Estudámosmesmo aproveitamentos esquivos de tempos de incer-teza, como as frustes portas para segurar as nassas,feitas para remediar num ano que já se sabia ser o daúltima safra, ou os aparelhos clandestinos utilizadosjunto do paredão para uma última colheita das espéci-es migratórias que aí se aglomeravam num desesperode destino interrompido (Fig. 14). De quase tudo veiopara o Museu pelo menos um exemplar, já que o queficasse no rio seria engolido pelas águas e muitos dosmeios técnicos que podiam ser facilmente retirados pelodono se tornariam inúteis na nova albufeira. Por fim

Figura 9 e 10. Engenho de azeite. Castelo, Lagares, 1997

procurámos documentação escrita e imagensantigas do rio, com as estruturas de moagemmontadas e os barcos em travessia (Fig. 15).Muitas narrativas e recordações avivadaspelo sentimento de perda deram vida a estesmateriais.

Alertados por este estudo feito in extre-mis, resolvemos olhar para o outro rio fron-teira do município, o Sousa, já que o tercei-ro, o Douro, se perdera com a subida daságuas da albufeira de Crestuma/Lever, delerestando memórias, imagens e alguns uten-sílios e embarcações, aqueles sem utilidade,que também conseguimos integrar nas colec-ções (Soeiro, 1998a; Soeiro, 2001).

O rio Sousa, no seu tramo penafidelense,proporcionou-nos uma experiência singular.

Feito um primeiro levantamento em 1987/88, verifi-camos que ainda permaneciam diversos moinhos emfuncionamento, servidos por profissionais. Outros es-tavam parados há pouco, mantendo-se as engrenagensno sítio, raros eram os arruinados. Não tivemos entãoocasião de publicar o estudo e o tempo foi passando

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até que no Inverno de 2001 a intempérie seencarregou de dar a machadada final nestejá precário equilíbrio (Fig. 16). As águasdo rio subiram repetidas vezes e quandopor fim voltaram ao leito a devastação erairrecuperável: casas de moinho caídas, en-genhos arrastados, açudes cortados. Depoisdesta calamidade, apenas um moleiro tevecapacidade para manter a sua profissão,talvez porque lhe tinha já associado a darestauração. Para todos os demais foi o fim.

A população de Novelas não se confor-mou porém com a perda do seu moinho, bemno centro da freguesia, e incentivou persis-tentemente a Câmara para que o adquirissee recuperasse. Assim veio a suceder, rea-brindo ao público em Maio de 2006, nova-mente em funcionamento, não já como uni-dade industrial mas como núcleo temáticodo Museu, dedicado ao rio (Fig. 17 e 18).

Em Sousa, Bustelo, o interessantíssimonúcleo de moinhos e serração de madeira,conjunto que pela sua complexidade e qua-lidade primeiramente referenciáramos, nosanos oitenta, para classificação emusealização, ficou no estado que as ima-gens documentam (Fig. 19 e 20). No Vau,Paço de Sousa, onde a instalação de moi-nhos é milenar, a situação apresentou-seigualmente desoladora (Fig. 21 e 22).

Revisitar todas estas unidade em 2006,quando finalmente surgiu a ocasião de pu-blicar o roteiro (Soeiro, 2006), foi uma es-pécie de percurso pelo caos, sublinhadopelo desânimo dos proprietários, ou o de-sinteresse que os levou a vender os edifíci-os para serem recuperados por novos do-nos, urbanos e com interesses e recursosbem distintos. Para a memória ficam algu-mas antigas imagens destes conjuntos emplena laboração (Fig. 23).

Uma outra linha de investigação que de-senvolvemos, intitulada Ofícios e Indústri-as, está na raiz das exposições temáticastemporárias que realizamos regularmente,quase sempre solicitados pela urgência deacolher conjuntos de materiais que nos es-

Figura 11. Rio Tâmega, núcleo moageiro em pleno funcionamento. Amela,Boelhe, 196.. (Fotografia Albano)

Figura 12. Rio Tâmega, parede com as estruturas permanentes. Canal deCima, Abragão, 1986

Figura 13. Rio Tâmega, moinhos temporários. Amela, Boelhe, 1986

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tão a ser oferecidos ou referenciados, e ne-cessitam de ser rapidamente retirados doseu local de uso ou depósito. Foi assim queo Museu Municipal recebeu, nos últimosanos, um grande número de peças integran-tes de velhas oficinas e pequenas indústri-as. Como é nossa prática habitual, procu-rámos não só registar a situação em que seencontrava instalada a unidade, como re-colher toda a informação que nos pudesseser fornecida pelo seu proprietário e demaiscolaboradores e clientes, para que as peçasfossem mais bem documentadas.

Porque estes ofícios e indústrias forammuito importantes, ocupando grande núme-ro de trabalhadores e suas famílias, expuse-mos a cada doador-pivô a possibilidade detransformar o seu gesto no suporte para umaexposição temporária em que se equacio-nassem não apenas os saberes tecnológicosda arte em questão, com a respectiva para-fernália de meios técnicos de produção, mastambém o lugar da actividade na história domunicípio e da região envolvente. Bem re-cebida, a proposta redobrou sempre o em-penho dos profissionais em completar asvárias séries de peças e explicar cuidadosa-mente o seu manuseio. Mais ainda, levou-os a contactar outros elementos da classe,ou os seus herdeiros, por forma a reunir ummaior número de materiais, informações eimagens, avivando ao mesmo tempo as me-mórias da actividade no seu período áureo.Deram assim entrada no Museu centenas depeças pertencentes a diversos ofícios e in-dústrias, relativamente aos quais estávamosantes quase desprovidos, possuindo apenasmateriais isolados e falhos de informaçãocomplementar.

Para interpelar a antiguidade e relevân-cia destes ofícios e indústrias no municípiorecorremos, em primeiro lugar, à documen-tação disponível no Arquivo Municipal, bas-tando lembrar que os seus profissionais fo-ram objecto de regulamentos próprios des-de o século XVIII, surgem referidos nas sé-ries de actas das sessões da Câmara, foram

Figura 14. Rio Tâmega, porta improvisada no canal de pesca. Canal, Abragão,1986

Figura 15. Rio Tâmega, barca de passagem. Amela, Boelhe, 1961

Figura 16. Rio Sousa, Moinho da Ponte durante as cheias. Ponte, Novelas,2001 (fot. Napoleão Monteiro)

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objecto de recenseamento para fins militares, fiscais eeleitorais, se contavam muitas vezes entre os grupossociais obrigados a participar na procissão do Corpo deDeus. Partimos depois para o Arquivo Distrital, os ar-quivos centrais, particularmente Torre do Tombo e Ar-quivo do Ministério das Obras Públicas, Transportes eComunicações e para os arquivos das associações declasse. A recolha de fontes de informação impressas, olevantamento de notícias e de publicidade inserta nosperiódicos e a busca de imagens foram também funda-mentais.

Numa perspectiva de interpretação histórica maisabrangente, equacionando a questão da industrializa-ção de cada sector, tentámos perceber as condições dasua obsolescência ou reunir argumentos que nos ex-plicassem as razões que levaram, sendo alguns fabricostão tradicionais e envolvendo tanta mão de obraartesanal especializada, a indústria contemporânea apreterir este município e a fixar-se preferencialmentenos vizinhos ou em outras regiões.

A primeira actividade estudada no âmbito desteprojecto foi a indústria de mortalhas em palha de mi-lho. O Museu possuía uns estranhos maços de morta-lhas para cigarro confeccionadas com folhelho, sabía-mos por informação oral que houvera uma original epróspera actividade de fabrico e exportação para o es-trangeiro deste artigo, víramos a respectiva publicida-de nos periódicos locais... faltava saber tudo o mais. Ainvestigação permitiu-nos recuperar e docu-mentar o percurso desta indústria (Fig. 24) elevou-nos até antigos proprietários que nãosó possuíam alguns meios técnicos de pro-dução, como recordavam a quem tinhamvendido as máquinas, a peso. E assim, noinício da década de noventa estas viajaramda sucata para a exposição temporária noMuseu, acompanhadas pela sua história e asmemórias de patrões e empregados que comelas lidaram (Soeiro, 1995).

No mesmo período, conseguimos adqui-rir num antiquário as máquinas de uma ofi-cina local de passamanaria de palheta, in-dústria importante e exótica no mundo ruralpenafidelense, onde pelo menos desde a pri-meira metade do século XIX funcionava,provavelmente em sistema de putting-out de-pendente das manufacturas da cidade do

Figura 17. Rio Sousa, Moinho da Ponte, depois de recuperado.Ponte, Novelas, 2006 (fot. Francisco Albuquerque)

Figura 18. Rio Sousa, Moinho da Ponte, interior recuperado. Ponte, Novelas,2006 (fot. Francisco Albuquerque)

Porto que forneceriam as matérias primas nobres e asmáquinas de modelo idêntico às ilustradas na segundametade de setecentos pela Encyclopédie de Diderot eD’Alambert, recolhendo depois a produção para a in-troduzir no mercado (Soeiro, 1998b).

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A carpintaria, a tradição linheira e aprodução de mel e indústria de materialapícola (Soeiro, 2007) ocuparam-nos du-rante os anos seguintes, tentando-se sem-pre manter o projecto nas suas vertentes delevantamento, recolha de espólio e de in-formação oral, investigação e, desde quepossível, divulgação através de exposiçãotemporária (com publicidade exterior, car-taz e folheto) e publicação.

Tendo integrado em 2003 a Rede Por-tuguesa de Museus, o Museu Municipal dePenafiel pôde candidatar-se nesse mesmo

Figura 19. Rio Sousa, serração e moinhos de cereal. Sousa, Bustelo, 1987

Figura 20. Rio Sousa, destruição no núcleo de serração e moinhos de cereal. Sousa, Bustelo, 2006 (fot. Manuel Ribeiro)

Figura 21. Rio Sousa, núcleo moageiro do Vau. Vau, Paço de Sousa, 1987

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ano PAQM, apresentando ao (P2) Progra-ma de Apoio à Investigação e ao Estudodas Colecções o projecto de estudo de umacolecção/sector de actividade, o do calça-do. Intitulámo-lo Pauzeiros, tamanqueiros,sapateiros & ofícios correlativos, pois par-tindo da doação dos materiais de uma ofi-cina de sapateiro, alargámos o âmbito dainvestigação e recolha a outros ofícios docalçado, nomeadamente ao dos pauzeiros,fazedores rurais dos paus para os socos, ta-mancos e chancas que os artistas taman-queiros completavam nas oficinas da cida-de, acrescentando-lhes as componentes decouro, para depois serem despachados parao mercado nacional e exterior.

A dinâmica do processo levou-nos aprocurar memórias da profissão de pau-zeiro, já extinta, e por esta via chegámosao espólio remanescente de um mestre, ca-rinhosamente guardado pela família, quenesta circunstância gentilmente o cedeu afavor do Museu. Coincidiu ser um dos pro-fissionais que Benjamim Pereira estudara efotografara em meados da década de ses-senta, pelo que aos materiais e memóriasrecuperadas em 2003 reunimos as imagensfacultadas pelo Museu Nacional deEtnologia/Centro de Estudos de Etnologia,numa sinergia proveitosa para ambas as ins-tituições (Fig. 25 e 26). O facto desta acçãoter sido apoiada deu à recolha, registo e di-vulgação uma dimensão e uma qualidadeque os trabalhos anteriores não tinham al-cançado, pois pudemos dispor do auxíliode um investigador júnior para o levanta-mento de informação nos fundos arqui-vísticos previamente identificados, bemcomo de um desenhador e da colaboraçãode um fotógrafo profissional.

O impacto deste interesse exterior e oreforço de meios financeiros teve aindacomo consequência um maior empenha-mento da autarquia, que o próprio proces-so contratual mais claramente responsabi-lizou. Foi assim possível realizar o estudodas profissões e a recolha de um espólio

Figura 22. Rio Sousa, núcleo moageiro do Vau depois das cheias. Vau, Paçode Sousa, 2006

Figura 23. Rio Sousa, núcleo moageiro em pleno funcionamento. Fot. ClaudinoDiniz, publ. 1920

Figura 24. Mortalhas – Fábrica de mortalhas António Pinto de Bessa & C.ia.S. Martinho de Recezinhos

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Figura 25. Oficina de pauzeiro. Bustelo, 1963 (fot. BenjamimEnes Pereira, col. MNE/CEE)

Figura 26. Banco de pauzeiro. Museu Municipal de Penafiel, 2004 (fot. Eduardo Cunha)

significativo que veio colmatar lacunas da colecção.A divulgação através da exposição temporária (2004/05), mais bem publicitada, e da publicação (AAVV,2004; Soeiro, 2004) alertou o público para a extinçãodestes ofícios, que tão importantes haviam sido, tantona cidade como em muitas freguesias rurais, e para anecessidade de os estudar e preservar, ao menos atra-vés da valorização museológica. Desta tomada de cons-ciência sobre o interesse cultural de actividades con-sideradas comezinhas, porque outrora muito presen-tes no quotidiano, resultaram novas informações e do-ações de materiais relativos a esta e a outras profis-sões, esquecidos em sótãos e arrecadações, destina-dos à lenta destruição até que qualquer alteração dascircunstâncias familiares os remetesse definitivamen-te para o lixo.

Outros efeitos colaterais que estes processos deinvestigação sempre arrastam não deixam de ser inte-ressantes. Neste caso, a busca de amostras da matériaprima utilizada pelos pauzeiros, madeiras de determi-nadas espécies, levou os profis-sionais da autarquia atomar consciência da rapidez com que estes exempla-res da flora tradicional estavam a desaparecer, face aplantações menos variadas e incorporando plantasexógenas, praticadas pelo próprio município, e à faltade atenção às pré-existências.

Depois dos ofícios do calçado, o PAQM acolheu oestudo dos ofício do fer-ro, projecto intituladoArtes do Ferro, cuja ex-posição decorre actual-mente. Tendo em vistaque o trabalho do ferrofoi, durante séculos, pro-fissão oficinal dominan-te na cidade, e que tam-bém esteve activo emmuitas freguesias, consi-derámos constituir falhagrave dispormos apenasna colecção de algumasproduções, por significa-tivas que fossem, semque com elas estivessemrelacionados quaisquerregistos de oficinas e ins-trumentos de fabrico,

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nem recolha de técnicas ou imagem de profissionaisem actividade. Um curioso achado arqueológico emescavação urbana, de uma pedra com moldes para asconchas das colheres, veio entretanto reforçar esse des-conhecimento.

Mais uma vez, o facto de existir a possibilidade doapoio obrigou-nos a investigar, a realizar levantamen-tos sistemáticos e assim chegámos à oficina de mestreFernando Soares, de Cans, Rio de Moinhos, preserva-da quase sem alterações desde o seu falecimento, masinactiva (Fig. 27). Num gesto sempre de louvar, o seufilho e actual proprietário deu-nos permissão não sópara estudar e recolher imagens, como ofereceu todoo recheio ao Museu, prestando ainda o seu testemu-nho, a recordação de quando menino ter ajudado o paino trabalho da forja. Numa outra freguesia, Fonte Ar-cada, fomos encontrar um verdadeiro tesouro culturalvivo, o mestre Belmiro Duarte que ainda passa os diasa labutar na sua forja, equipada com toda a tecnologiatradicional que herdou de anteriores gerações dedi-cadas à mesma arte (Fig. 28). Sempre prestável e ami-go de ensinar, o mestre com a sua forja tem sido paranós uma ajuda preciosa. Este já raro testemunho vivi-do das velhas formas de trabalhar e a maneira comoadoptou algumas inovações para melhor responder àsnecessidades actuais dos seus clientes ficará registadoem DVD. Outros ferreiros e serralheiros colaborarampara que a exposição fosse possível, com materiais,

saberes e testemunhos que procuraremosperpetuar no catálogo e pela imagem.

Nos últimos meses fomos solicitadospara a retirada de um forno de um conheci-do fabricante de pão-de-ló e de bolinhos deamor, ficando aberto mais um dossier, comofora antes o do acolhimento do recheio deuma farmácia (Fig. 29). Outros sectores deactividade estão igualmente carentes de in-vestigação, que esperamos possa ser reali-zada em tempo útil, quer para a salvaguar-da do património material associado, querpara a colecta de informação.

Por fim, uma chamada de atenção parao património imaterial, que a Unesco privi-legia desde a Convenção de 2003, não ape-nas consagrando a linha dos saberes arte-sanais de que antes falámos, mas insistindona importância do domínio das práticas so-

ciais, rituais e dos eventos festivos, inscritos num ter-ritório particular, o qual sacralizam pela actualização

Figura 27. Forja desactivada. Cans, Rio de Moinhos, 2007 (fot. FranciscoAlbuquerque)

Figura 28. Forja em funcionamento. Quintela, Fonte Arcada, 2007(fot. Francisco Albuquerque)

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Figura 31. Museu Municipal de Penafiel – cartaz 2005. (ARES-TA; fot. Francisco Albuquerque)

anual. O Corpo de Deus na cidade,em cuja procissão se integram há sé-culos a figura de S. Jorge com o seuestado (Fig. 30), o baile dos ferreirosou a serpe, é um bom exemplo da re-sistência do património imaterial pro-fundamente ligado à comunidade e aoterritório urbano (Soeiro, 2000/01).No extremo sul do município, asendoenças de Entre-os-Rios, cuja pro-cesso de classificação como patrimó-nio imaterial municipal está em cur-so, são outro evento festivo ritual aque uma particular configuração físi-ca do território aliada a uma suigeneris divisão eclesiástica conferi-ram originalidade e qualidade ímpa-res, unindo a materialidade à práticasocial e ao imaginário colectivo.

Como expressámos no cartaz da instituição (Fig.31), no Museu frequentemente se convida um clássi-co Marte romano para dar uma mãozinha ao lavradorque vai para a malha e à mulher que com a sua meninase dirige à fonte, para, no espírito dos velhos trabalhosde entreajuda, colectivos e recíprocos, tentar com estafórmula criar sinergias vantajosas entre uma arqueo-logia consagrada e uma quase ignorada ou desconhe-cida, em prol de um resultado que seja, em qualquercaso, a construção de saber sem espartilhos.

Figura 29. Farmácia – Espólio da Farmácia Miranda. Fot. Fran-cisco Albuquerque, 2006

Figura 30. Estado de S. Jorge na procissão do Corpo de Deus. Penafiel, 1989

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