a apresentaÇÃo da literatura brasileira na prova … · a apresentaÇÃo da literatura brasileira...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CAMPUS DE AQUIDAUANA
CURSO DE LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA/LÍNGUA INGLESA
ROSILENY RIBEIRO LEITE
A APRESENTAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA NA PROVA
DO ENEM DE 2016
Aquidauana
2018
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ROSILENY RIBEIRO LEITE
A APRESENTAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA NA PROVA
DO ENEM DE 2016
Trabalho de Conclusão de Curso, como exigência do
curso de graduação em Letras, habilitação Língua
Portuguesa/Língua Inglesa, da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, campus de Aquidauana, Unidade II,
sob a orientação do Prof. Dr. José Alonso Torres Freire.
Aquidauana
2018
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FOLHA DE APROVAÇÃO
ROSILENY RIBEIRO LEITE
A APRESENTAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA NA PROVA
DO ENEM DE 2016
Trabalho de Conclusão de Curso, como exigência do
curso de graduação em Letras, habilitação Língua
Portuguesa/Língua Inglesa, da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, campus de Aquidauana,
Unidade II, sob a orientação do Prof. Dr. José
Alonso Torres Freire.
Resultado:
Aquidauana - MS, 29 de novembro de 2018.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. José Alonso Torres Freire
Presidente – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – CPAQ
___________________________________________
Membro – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – CPAQ
Prof.ª M.ª Elenir Vilharva de Lima
___________________________________________
Membro – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP
Prof.ª M.ª Maria Aparecida Barboza
___________________________________________
4
DEDICATÓRIA
O caminho que encontramos pela frente para percorrer, na maioria das vezes, parece
ser invisível e com desafios instransponíveis. No entanto, diante do que nos resta, a escolha é
apenas uma: continuar caminhando, continuar trilhando uma jornada em busca do melhor para
nós e para que está conosco, lado a lado.
Nesta caminhada, que iniciou em 2015, quando adentramos no CPAQ, trouxemos
conceitos, pré-conceitos, estereótipos, crenças, medos, questionamentos, nossa bagagem
cultural e, principalmente, pessoas que amamos.
Ao longo desses quatro anos, mudamos, (re)aprendemos a viver e conviver e deixamos
algumas tantas vezes à beira deste caminho, pessoas que amamos, simplesmente, por estarmos
passando dias e noites apenas com livros e apostilas, com inúmeros trabalhos, resenhas e
resumos, ou, ainda, por estarmos exaustos e solitários em nosso cansaço e egoísmo em busca
do descanso físico e mental. Em busca de esquecer tantas frustrações, intolerâncias,
individualismos que encontramos nas pessoas e às vezes, em nós.
Ao passar pela jornada, sofremos com perdas. Tive uma delas irreparável, mas que me
ensinou a compreender que existe uma grande diferença entre amar e dizer que ama, entre ser
filho e ser “o filho” na hora da angústia, da dor, das crises de demência e dos medos.
Portanto, dedico este trabalho à minha avó-mãe “Dona Laura Ribeiro Leite Filha”, que
entrou comigo nessa jornada, mas que vitimada pelo Alzheimer, me deixaste órfã de seu amor
e carinho em 2017.
Ao meu grande amor, minha mãe de adoção e do coração, Célia Ribeiro Leite, por
entender minha ausência, me incentivar a continuar os estudos e me tornar, finalmente,
professora, a profissão que ela sempre sonhou e que eu aprendi a amar.
Ao meu querido companheiro, Luiz Maique Melo de Freitas, meu namorado, por ser
parceiro nos inúmeros momentos de dificuldades dentro e fora da universidade, por estar
sempre torcendo pelo sucesso e pela minha conquista.
A vida é um longo caminho e a jornada nos coloca à prova, numa espécie de seleção
natural, para ver se resistimos ou se perecemos. Nos deparamos com conquistas e fracassos,
com ganhos e perdas, com sorrisos e lágrimas, mas, no entanto, com muita, muita
determinação seguimos em busca de "algo" que nos faça sentido e nos complete.
Assim, Deus é tão soberano, que nesta longa jornada fez maravilhas diante das
dificuldades, fez portas se abrirem e a fé aumentar. Portanto, essa jornada no campus chega ao
fim, estou grata por tudo! Gratidão ao Sagrado, sempre!
5
AGRADECIMENTOS
Expresso aqui a minha gratidão e reconhecimento às seguintes pessoas e instituições:
1. Ao meu orientador, professor Doutor José Alonso Torres Freire, pela orientação
segura, objetiva e, principalmente, pelo apoio incondicional e humildade com que sempre me
tratou, mostrando que independente de titulação, precisamos respeitar o próximo;
2. À Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – Campus de Aquidauana, meu
reconhecimento e respeito;
3. À coordenação do Curso de Letras – Campus de Aquidauana, minha eterna
consideração, principalmente, por driblarem as dificuldades e conseguirem nos
proporcionarem experiências gratificantes e nos acolherem tão bem.
4. Aos professores e professoras do Curso de Letras – Campus de Aquidauana, anos
2015 a 2018, que dividiram conosco seu tempo e compartilharam conhecimento, experiência
e nos mostraram como é possível fazer a diferença na vida de um aluno.
5. Aos colegas do Curso de Letras – Campus de Aquidauana, turma 2015, que mesmo
diante de todos os desafios e, por vezes, desmotivações, continuaram firmes e juntos
construímos uma classe de amigos, de parceiros, de companheiros.
6. À direção, coordenação e professores da Escola Estadual Coronel José Alves
Ribeiro – CEJAR, em que fui felizmente tão bem acolhida para os vários semestres de estágio
e formação prática como professora.
7. À minha família e amigos, que compreenderam meus objetivos em insistir em mais
uma graduação, por querer continuar a estudar, me privando de encontros, festas ou de uma
simples visita, por conta de priorizar minha missão acadêmica.
8. Às professoras e mestres Elenir Vilharva de Lima e Maria Aparecida Barboza, que
tão gentilmente aceitaram o convite para compor a Banca Examinadora e, principalmente, por
compartilharem conosco suas experiências como docentes, leitoras e apaixonadas pela
literatura.
6
A literatura num país sem liberdade pública é a
única tribuna do alto da qual se pode fazer ouvir o
grito da sua indignação e da sua consciência.
Aleksandr Ivanovitch Herzen
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RESUMO
Pretende-se, nesse artigo, verificar como se dá a abordagem da literatura brasileira na prova
do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, em sua edição do ano de 2016, referente ao
caderno de linguagem. Especificamente, buscamos investigar como a literatura brasileira é
apresentada nessa prova, que aspectos são focalizados, que autores e períodos literários são
privilegiados, se a produção contemporânea é contemplada, entre outros pontos. Como
desdobramento dessa análise, também procuraremos investigar se as questões focalizadas
buscam fortalecer a formação do leitor literário. As questões são analisadas à luz de
pressupostos teóricos provenientes das pesquisas de vários autores, dentre eles: Aguiar
(1988), Lajolo (1994), Abreu (2006), Paiva et al (2008). O trabalho contou com pesquisa
documental e de referencial teórico e análise do corpus. Os resultados finais apontam, dentre
outros fatores, que não se tem um zelo em se elaborar questões do ENEM que exijam o
conhecimento literário do aluno, como consta na própria Matriz de Referência; a prova não
estimula a formação do leitor; e os autores e períodos clássicos da literatura brasileira não
foram privilegiados na prova, mas o contemporâneo e seus expoentes literários, o que
consideramos uma mudança positiva.
Palavras-chaves: ENEM. Literatura brasileira. Formação de leitores.
8
ABSTRACT
In this article, we intend to verify how the approach of the Brazilian Literature in the exam of
the National Exam of the Secondary Education - ENEM, in its edition of the year of 2016,
referring to the language book. Specifically, we seek to investigate how Brazilian literature is
presented in this essay, which aspects are focused, which authors and literary periods are
privileged, if contemporary production is contemplated, among other points. As an unfolding
of this analysis, we will also investigate whether the focused issues seek to strengthen the
literary reader's training. The questions are analyzed in the light of theoretical assumptions
from the researches of several authors, amongthem: Aguiar (1988), Lajolo (1994), Abreu
(2006), Paiva et al (2008). The paper aims counted on documentary research and theoretical
reference and analysis of the corpus. The final results point out, among other factors, that
there is no zeal to elaborate ENEM questions that require literary knowledge of the student, as
the Reference Matrix itself says; proof does not stimulate the formation of the reader; and the
authors and classic periods of Brazilian literature, were not privileged in the test, but the
contemporary and its literary exponents.
Keywords: ENEM. Brazilian literature. Training of readers.
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 09
2 CAPÍTULO I – 1. Fundamentação legal da prova .......................................... 10
1.1. Competências e habilidades ................................................... 12
3 CAPÍTULO II – 2. O corpus da pesquisa ......................................................... 15
2.1 . Como fica a formação do aluno-leitor? ................................. 20
4 CONCLUSÃO ................................................................................................... 22
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 24
6 REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS CONSULTADAS ................................. 26
10
INTRODUÇÃO
Pretende-se, neste artigo, verificar como se dá a abordagem da literatura brasileira na
prova do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM em sua edição do ano de 2016, referente
ao caderno de Linguagens.
Especificamente, buscamos investigar como a literatura brasileira é apresentada nessa
prova, que aspectos são focalizados, que autores e períodos literários são privilegiados, se a
produção contemporânea é contemplada, entre outros pontos. A pesquisa justifica-se tendo em
vista a perda de espaço da literatura nos currículos, especialmente, do Ensino Médio que, no
caso de MS, desapareceu como disciplina autônoma e foi “integrada” ao ensino de Língua
Portuguesa.
Como desdobramento dessa análise, também procuramos investigar se as questões
focalizadas buscam fortalecer a formação do leitor literário. As questões são analisadas à luz
de pressupostos teóricos provenientes das pesquisas de vários autores, dentre eles: Aguiar
(1988), Lajolo (1994), Abreu (2006), Paiva et al. (2008) e Fischer (2012).
A elaboração desse artigo contou com as fases de pesquisa documental, de
levantamento bibliográfico, referencial teórico e análise do corpus da pesquisa. O mesmo está
organizado da seguinte forma: no capítulo I, é apresentada a Matriz de Referência utilizada no
ENEM 2016 e as habilidades relacionadas à literatura, que contam como requisito na
formulação das questões e avaliação do desempenho do aluno na prova. No mesmo capítulo,
há a contextualização do que é o ENEM, qual a finalidade ao governo e ao aluno e como ele
foi criado dentro do que regimenta os documentos normatizadores do Ministério da Educação
para o exame.
No capítulo II, elaboramos um quadro para apresentação da análise crítica das
questões e detalhamento do corpus da pesquisa, que mais adiante, no mesmo capítulo,
direciona o leitor para compreender qual é o nosso ponto de vista sobre a relação da prova
com a formação do leitor e, claro, com a literatura brasileira.
Por fim, para considerações finais temos que os resultados finais apontam que: para
pesquisas há poucos materiais de análises críticas da presença da literatura brasileira nas
provas do ENEM; não se tem um zelo em se elaborar questões do ENEM que exijam o
conhecimento literário do aluno, como ‘reza’ a própria Matriz de Referência; a prova não
estimula a formação do leitor; e os autores e períodos clássicos da literatura brasileira, não
foram privilegiados na prova, mas o contemporâneo e seus expoentes literários.
11
CAPÍTULO I
1. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL DA PROVA
A primeira vez que a autora deste artigo prestou a prova do Exame Nacional do
Ensino Médio – ENEM, foi em 2003, quando na época a prova era aplicada em um dia, se
resumia em apenas um caderno com 63 questões (de língua portuguesa, matemática, história,
geografia, química, física e biologia) e uma redação, que deveria ser escrita no modelo
dissertativo-argumentativo.
Passaram-se dez anos e a autora prestou novamente a prova do ENEM, em 2013,
como quesito para inscrição no programa federal Ciências Sem Fronteiras, de bolsas de pós-
graduação no exterior. No entanto, muita coisa mudou nesses dez anos entre uma prova e
outra. E, continuam mudando, mas pode-se perceber que a literatura brasileira continuou
sendo desprestigiada nas questões da prova como literatura, não como parâmetro para
questões de interpretação, estrutura textual e gramática.
Sobre a origem dessa avaliação, as suas mudanças e a apresentação, especificamente,
da prova do ENEM de 2016 é o que abordaremos neste capítulo, para posteriormente falarmos
da literatura brasileira na referida prova.
O ENEM trata-se de uma prova realizada pelo Ministério da Educação por meio de
elaboração do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
e foi criada no ano de 1998, “completando este ano, vinte anos de aplicação do exame no país,
sendo consolidado como o maior vestibular do país”, como menciona a reportagem no portal
de notícias G11.
Essa avaliação é utilizada para aferir a qualidade do ensino médio ofertado no país,
sendo o resultado do exame atributo que pode garantir ao aluno o acesso ao ensino superior
em universidades públicas brasileiras, por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), ou
em universidades no exterior, pelo programa federal Ciências Sem Fronteiras.
No ano de 2009, o MEC introduziu um novo modelo de prova do ENEM, com o
objetivo de buscar uma unificação dos vestibulares das universidades federais brasileiras.
Logo, de acordo com o Inep (BRASIL, 2017), a partir de 2009, as provas passaram a ser
estruturadas em quatro matrizes com 180 questões ao todo, distribuídas em dois cadernos de
provas com 90 questões objetivas, as quais são 45 para cada área do conhecimento (Ciências
1 Cf. https://g1.globo.com/especial-publicitario/educa-mais-brasil/estudar-para-transformar/noticia/enem-
completa-20-anos-consolidado-como-maior-vestibular-do-brasil.ghtml
12
Humanas e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Linguagens, Códigos
e suas Tecnologias; Matemáticas e suas Tecnologias) e uma de redação.
De 2009 a 2016, a prova do ENEM também servia para conceder a certificação de
conclusão do ensino médio em cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Porém, no ano
passado, isso foi cancelado pelo Governo Federal e os alunos do EJA voltaram a prestar a
prova do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).
Dentre as vantagens para quem faz a prova do ENEM e alcança boas médias ou notas
excelentes é de que poderá ter acesso às universidades privadas por meio de bolsas de estudos
integrais ou parciais do Programa Universidade para Todos (Prouni). Ou, ainda, conseguir
aprovação de crédito no financiamento estudantil do Fundo de Financiamento ao Estudante do
Ensino Superior (Fies).
Em 2016, ano que estabelecemos para analisar a avaliação, o Governo Federal
contabilizou a participação de 6.005.607 dos 8.627.195 inscritos, o que acarreta uma
abstenção final em 30,4% (BRASIL, 2016). Já no ano passado esse número diminuiu para
6.731.344 de candidatos confirmados, que estavam distribuídos em 1.725 municípios
brasileiros com aplicação, segundo dados divulgados pelo Inep (BRASIL, 2017).
Institucionalmente, para o Estado, o ENEM é uma ferramenta que desde o princípio de
sua criação foca avaliar ano após ano o aprendizado dos alunos do ensino médio em todo o
Brasil. Com os resultados, é possível que o MEC analise, cruze dados e pesquisas e trabalhe
na elaboração de políticas públicas pontuais e estruturais para a melhoria do ensino brasileiro,
como dita os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), do Ensino Médio e Fundamental. Na
prática, por exemplo, os resultados do ENEM são oportunos o Governo Federal identificar se
existe ou não e em que grau é o distanciamento entre o nível do ensino público e o privado.
1.1. Competências e habilidades
O Inep estruturou a prova do ENEM a partir de Matrizes de Referência com eixos
cognitivos comuns às áreas de conhecimento mencionadas anteriormente. Essas matrizes são
uma espécie de indicador das habilidades avaliadas no exame. Logo, é a partir delas que as
questões das provas são elaboradas e daí tem-se um conteúdo definido para ser cobrado no
exame.
O termo matriz de referência é utilizado especificamente no contexto das avaliações
em larga escala para indicar habilidades a serem avaliadas em cada etapa da
escolarização e orientar a elaboração de itens de testes e provas, bem como a
13
construção de escalas de proficiência que definem o que e o quanto o aluno realiza
no contexto da avaliação. (BRASIL, 2018).
A Matriz de Referência – doravante MR - vigente para a prova do ENEM de 2016 é a
mesma adotada desde o ano de 2012 e possuí cinco eixos cognitivos (INEP, 2017, p.01):
I. Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer
uso das linguagens matemática, artística e científica e das línguas espanhola e
inglesa; II. Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar conceitos das várias
áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos
histórico geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas; III.
Enfrentar situações-problema (SP): selecionar, organizar, relacionar, interpretar
dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e
enfrentar situações-problema; IV. Construir argumentação (CA): relacionar
informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em
situações concretas, para construir argumentação consistente; e V. Elaborar
propostas (EP): recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração
de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e
considerando a diversidade sociocultural.
A partir dos eixos cognitivos existentes, nos quais observamos que não há menção dos
termos ‘literatura’ ou, ao menos, ‘texto ou leitor literário’, o Inep organiza a matriz de
referência da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – que é a que nos interessa
nesta pesquisa - com nove competências e trinta habilidades. Analisando, ainda, os cinco
eixos cognitivos também é possível identificar que a intenção do documento é incentivar um
trabalho interdisciplinar, pois coloca-se a Língua Portuguesa e a Literatura associadas as
demais linguagens. Cabe aqui uma reflexão sobre isso: será que nas salas de aula das escolas
públicas, na prática, a literatura brasileira é explorada em conjunto com as demais linguagens?
Não nos aventuremos a responder neste momento, mas é assunto para pesquisa posterior.
Retornando a base dos documentos oficiais do ENEM, à critério de esclarecimento
entende-se por:
[...] competências cognitivas são as modalidades estruturais da inteligência, ou
melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre os
objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. As habilidades
decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber
fazer”, através das ações e operações as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se,
possibilitando nova organização das competências (BRASIL, 2000, p.7).
Assim, abaixo elencamos a competência e suas respectivas habilidades na MR, da área
de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (LCST) que se relacionam mais diretamente com
a literatura e que são utilizadas como embasamento na elaboração da prova do ENEM de
2016 (INEP, 2017, p.03):
14
Competência de área 5 - Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das
linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,
organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e
recepção.
H15 - Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção,
situando aspectos do contexto histórico, social e político;
H16 - Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de
construção do texto literário;
H17 - Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e
permanentes no patrimônio literário nacional;
Observando a citação acima, é possível perceber que ‘texto literário’ aparece na H15.
Em nenhuma das habilidades a literatura, em especial a brasileira, é privilegiada e não há
indicação de quais tipos de leituras literárias são importantes no currículo avaliativo do
exame. Essa falta de prestígio para com a literatura nas habilidades nos leva a pensar se ela é
realmente importante na avaliação prática do exame e se o aluno consegue alcançar tal
competência e desenvolver as três habilidades. Posto que, a literatura divide espaço na prova,
no mesmo caderno, com a Língua Portuguesa, as Línguas Estrangeiras (espanhol e inglês),
Tecnologias e Comunicação. Talvez, isso justifique uma possível falta de interesse: dos
alunos em fazer as leituras literárias como preparação para a prova; dos cursinhos pré-Enem
de investirem em listas de obras e autores que mais ‘caíram’ na avaliação ao longo desses
quase 20 anos de aplicação ou de ‘apostar’ na literatura contemporânea, inclusive a nacional.
Continuando a pesquisa na MR, composta ao todo por trinta habilidades, nota-se que
‘literatura brasileira’ aparece no Anexo da MR, denominado de: Objetos de conhecimento
associados às Matrizes de Referência, no seguinte trecho:
Estudo do texto literário: relações entre produção literária e processo social,
concepções artísticas, procedimentos de construção e recepção de textos - produção
literária e processo social; processos de formação literária e de formação nacional;
produção de textos literários, sua recepção e a constituição do patrimônio literário
nacional; relações entre a dialética cosmopolitismo/localismo e a produção literária
nacional; elementos de continuidade e ruptura entre os diversos momentos da
literatura brasileira; associações entre concepções artísticas e procedimentos de
construção do texto literário em seus gêneros (épico/narrativo, lírico e dramático) e
formas diversas.; articulações entre os recursos expressivos e estruturais do texto
literário e o processo social relacionado ao momento de sua produção; representação
literária: natureza, função, organização e estrutura do texto literário; relações entre
literatura, outras artes e outros saberes ) (grifo nosso) (BRASIL, 2012, p.14-15).
Quando se lê todos esses conteúdos listados no anexo relacionado a literatura, tem-se a
falsa impressão de que a literatura está - ou estará - presente na prova do ENEM, mas a
realidade é o oposto, “os conteúdos arrolados na Matriz de Referência não se verificam na
15
prática, apresentando, assim, caráter essencialmente figurativo”, conforme destaca Fischer et
al. (2012, p.113).
Diante de um mundo de regime globalizado, tecnológico e cada vez mais conectado,
não se pode olhar e pensar a educação e o ensino de literatura, em especial, a brasileira, como
se ainda vivêssemos no século passado, quando aulas eram focadas no ensino baseado na
repetição e memorização dos conteúdos. Ou pior, que a literatura e toda o seu escopo sirvam
apenas como ‘trampolim’ para questões gramaticais, sem relação com a produção literária, o
contexto social e a construção de sentidos por parte do aluno, numa relação de interação com
o professor que é o mediador dessa ‘viagem’ literária do aluno.
Veremos no próximo capítulo a prova do ENEM de 2016, especificamente, o caderno
de LCST, apresentando uma análise pontual sobre as questões em que a literatura brasileira é
utilizada como parâmetro, seja para o desenvolvimento da mesma, como pretexto para a
gramática ou para simplória interpretação do estudante.
CAPÍTULO II
2. O CORPUS DA PESQUISA
A prova de LCST do ENEM 2016 foi aplicada no sábado, 06 de novembro, com
duração de 5h30 minutos. Teve uma redação e mais 45 questões de múltipla escolha, dessas
05 são de Língua Estrangeira e 40 de Língua Portuguesa, das quais apenas 18 se relacionam
com a literatura brasileira.
A seguir, na tabela, estão as 40 questões relacionadas à Língua Portuguesa. A análise
das questões inicia na organização delas na tabela, partindo: a) do número da questão na
prova; b) em qual conteúdo a mesma está embasa; c) possui ou não relação entre língua e
literatura em sua estrutura; d) se há relação com a literatura brasileira; e) se o autor é
brasileiro; e f) período literário ao qual o autor brasileiro pertence.
Tabela 1 – Questões relacionadas a Língua Portuguesa da prova do ENEM 2016:
Nº Embasada em:
Possui relação
entre língua e
literatura em:
Relaciona-se
c/ a literatura
brasileira?
Autor é
brasileiro?
Período a que o
autor brasileiro
pertence:
96 Citação do livro “Do mundo da
leitura para a leitura de mundo”,
de Marisa Lajolo, crítica
Função da
linguagem; ato
de leitura.
Sim Sim Contemporâneo
16
literária brasileira.
97
Trecho extraído do livro
“Zoónimos dialectais
portugueses”, de Manuela
Barros Ferreira, escritora
portuguesa.
Léxico Não Não -
98
Trecho extraído da obra
“Poética”, da poeta e crítica
literária brasileira, Ana Cristina
Cesar.
Interpretação;
expressão
poética;
construção do
texto.
Sim Sim Contemporâneo
99 Crónica do escritor brasileiro
Affonso Romano de Sant'Anna Interpretação Sim Sim Contemporâneo
100
Tela de Bacon (1974) e o trecho
do romance autobiográfico “O
amante”, de Marguerite Duras,
escritora e roteirista francesa.
Interpretação;
história; leitura
do contexto de
mundo.
Não Não -
101
Trecho do texto teatral “Lições
de Motim”, escrito por Hugo
Zorzetti, teatrólogo e professor
brasileiro.
Estrutura do
texto Sim Sim Contemporâneo
102
Trecho da crítica musical sobre
a obra “Pra ser samba
brasileiro”, do violonista e
compositor brasileiro, de Túlio
Simas Piva.
Interpretação;
contexto de
produção;
estrutura do
texto.
Sim Sim Contemporâneo
103 Miniconto “L.J.C”, de
Marcelino Freire, escritor
brasileiro.
Pontuação Sim Sim Contemporâneo
104
Artigo “Menina de ouro e a
representação de feminilidades
plurais”, das autoras Vera
Fernandes e Ludmila Mourão,
professoras e pesquisadoras
brasileiras, inspirado no filme
norte-americano “Menina de
Ouro”.
Interpretação;
leitura de
contexto de
mundo.
Não Não -
105
Trecho da entrevista com
Terezinha Guilhermina, na
Revista Observatório Brasil de
Igualdade de Gênero
Interpretação Não Não -
106
Trecho do artigo Jogos
esportivos coletivos: dos
princípios operacionais aos
gestos técnicos - modelo
pendular a partir das ideias de
Claude Bayer”, de Jocimar
Daolio.
Interpretação Não Não -
107
Crônica “Bons dias”, do escritor
brasileiro Machado de Assis,
publicada na Gazeta de
Notícias, em 14 de junho de
1889.
Interpretação;
estrutura do
texto.
Sim Sim Romantismo
108
Trecho da matéria “Duelos,
segredos e matemática”, de
Marcelo Garcia, na Revista
Ciência Hoje.
Interpretação;
processo de
construção do
texto.
Não Sim -
109 Trecho extraído do conto “A
partida de trem”, da escritora
ucraniana e naturalizada
Interpretação;
contexto de
mundo da
Sim Sim Contemporâneo
17
brasileira, Clarice Lispector. autora e
produção da
obra.
110
Trecho extraído do poema
“Esses chopes dourados”, do
escritor e poeta brasileiro, Jorge
Wanderley.
Interpretação Sim Sim Contemporâneo
111
Trecho extraído do livro
“Madeira de ponta a ponta: o
caminho desde a floresta até o
consumo”, dos autores Sérgio
Adeodato, Malu Villela,
Luciana Stocco Betiol, Mario
Monzoni.
- Não - -
112 Anúncio do site <http:
www.paradapelavida.com.br>. - Não - -
113 Fragmento do conto “Pérolas
Absolutas”, da escritora
brasileira Heloísa Seixas.
Interpretação;
estrutura do
texto.
Sim Sim Contemporâneo
114
Trecho extraído da letra da
canção “Querido diário”, do
cantor e compositor Chico
Buarque de Holanda.
Interpretação;
gênero textual. Sim Sim Contemporâneo
115
Fragmento extraído da crônica
“De domingo”, do escritor
brasileiro e humorista Luis
Fernando Veríssimo.
Interpretação Sim Sim Contemporâneo
116 Poema “Receita”, de José
Saramago, poeta e escritor
português.
Estrutura do
texto; gênero
textual.
Não Não -
117
Foto do espetáculo ‘Romeu e
Julieta’, registrada pelo
fotógrafo e publicitário Guto
Muniz.
- Não - -
118
Fragmento do ensaio “O humor
e a língua”, de Sírio Possenti,
publicado na Revista Ciência
Hoje.
Gênero textual;
interpretação. Não - -
119
Fragmento do poema
“Antiode”, de João Cabral de
Melo Neto, poeta e escritor
brasileiro.
Estrutura do
texto; gênero
textual;
interpretação.
Sim Sim Modernismo
120
Texto jornalístico e explicativo
sobre doação de sangue,
intitulado “Qual é a segurança
do sangue? ”.
- Não - -
121 Fragmentos de dois textos de
entrevistas, analisados por Luiz
Antônio Marcuschi.
Gênero textual;
estrutura do
texto.
Não - -
122
Fragmento do conto “Galinha
Cega”, de João Alphonsus de
Guimaraens, jornalista e poeta
brasileiro.
Interpretação;
estrutura do
texto.
Sim Sim Modernismo
123 Poema “Sem acessórios nem
som”, do poeta brasileiro
Armando Freitas Filho.
Interpretação;
estrutura do
texto.
Sim Sim Contemporâneo
124 Foto e um trecho de um
editorial de apresentação de “A
origem da obra de arte (2002) ”,
Interpretação Não - -
18
trabalho de Marilá Dardot em
exposição individual, no Museu
de Arte da Pampulha, em Belo
Horizonte.
125
Fragmento da entrevista de
maio de 2002, do Jornal O
Globo: “Compartilhamos o riso
com os animais”, com a
pesquisadora Silvia Helena
Cardoso.
Sintaxe Não - -
126
Fragmento do livro “O pulo do
gato”, do jornalista e escritor
Marcio Cotrim, sobre a palavra
“Mandinga”.
Léxico;
Interpretação. Não - -
127 Dois fragmentos de textos
jornalísticos sobre a reflexão
crítica acerca do consumismo.
Interpretação Não - -
128
Fragmento de uma narrativa
autobiográfica na obra “De
amor e trevas”, do escritor
israelense Amós Oz.
Pontuação;
Interpretação. Não - -
129 Trecho de uma matéria
jornalística na web sobre: hoax. Interpretação Não - -
130
Imagem ilustrando o mural em
mosaico, do pintor brasileiro
Claudio Tozzi, obra de 1979
feita na estação Sé, em São
Paulo.
- Não - -
131 Fragmento da obra “O santo e a
porca”, de Ariano Suassuna,
escritor brasileiro.
Interpretação;
gênero textual;
léxico.
Sim Sim Contemporâneo
132 Soneto extraído da obra
Poemas, de Cláudio Manuel da
Costa, poeta brasileiro.
Intepretação Sim Sim Arcadismo
133 Anúncio publicitário sobre a
água, publicado na Revista
National Geographic Brazil.
- Não - -
134
Texto jornalístico “A internet
existe sem pirataria? ”, de
BARRETO, J.; MORAES, M.,
publicado na Revista Veja.
Interpretação Não - -
135 Fragmento do livro “Nihonjin”,
de Oscar Nakasato, escritor
brasileiro.
Intepretação;
figuras da
linguagem;
contexto de
mundo do autor
e de produção
da obra.
Sim Sim Contemporâneo
Fonte: a própria autora
Diante do quadro apresentado acima, pode-se observar que a literatura brasileira está
presente em 45% (quarenta e cinco por cento) da prova de Língua Portuguesa, em questões
que foram formuladas com fragmentos literários – como, por exemplo, nas de nº 119, 122,
131, 135, - ou utilizando até mesmos poemas completos – como, exemplifica, a questão de nº
123.
19
As questões de literatura brasileira da prova de 2016 fogem do senso comum das obras
e autores clássicos (vultos nacionais) que geralmente são indicadas pelos cursinhos, processos
seletivos, vestibulares e livros didáticos. Conforme mostra a tabela acima, das 18 questões
relacionadas a literatura brasileira, 14 focalizaram o período literário contemporâneo e seus
autores – ou seja, 78% das questões -, duas o modernismo, uma o arcadismo e uma o
romantismo.
É válido destacar aqui que esse uso fragmentado de poesias, contos e livros na prova,
podem fomentar a ideia – aliada à preguiça – dos alunos, de que não é preciso conhecer a obra
por completo, sendo que as partes mais exploradas e os autores mais lidos do cânone são
facilmente ‘explicados’ em resumos na internet. “É preciso sempre remeter o aluno à leitura
da obra completa e não se conformar com os atalhos”, afirma Freire (2017, p. 312), uma vez
que a leitura fragmentada não é o ideal e nem favorece o cumprimento das habilidades
esperadas na prova.
Sobre a relação entre língua e literatura na referida prova, o que se tem são questões
em que o aluno precisa colocar em prática seus conhecimentos de: funções de linguagem, ato
de leitura, léxico, interpretação textual, expressão poética, construção e estrutura textual,
relação entre a literatura e a história, leitura do contexto de mundo e de produção da obra,
pontuação, sintaxe e gêneros textuais.
Para que o aluno resolva com exatidão as 18 questões relacionadas à literatura
brasileira, é necessário e imprescindível não somente a compreensão dos enunciados, mas o
domínio sobre o conteúdo que está além do poema, que é o contexto de produção daquela
obra (características históricas, psicológicas e sociológicas), em que período literário ela foi
produzida pelo autor e qual(is) a(s) possibilidade(s) de construção de sentidos estão contidos
nela, enquanto obra literária.
Assim, é a partir dessa reflexão, interpretação e raciocino lógico, que o aluno busca o
êxito ao interpretar a pergunta e as alternativas expostas. Analisando as mesmas 18 questões,
percebe-se que o ENEM está avaliando mais a capacidade de raciocínio e de interpretação do
aluno, que o conhecimento literário, que por sua vez, acaba ficando em segundo plano. Isso
porque em algumas questões, não é exigido do aluno que ele tenha estudado aquele conteúdo
e conheça o objeto estético daquele texto literário para conseguir acertar a resposta da
questão.
É preocupante e recorrente essa afirmativa, posto que, Fischer et al. (2012), em sua
pesquisa que analisou a literatura nas provas do Enem de 1998 a 2010, apontou que de um
total de 1233 questões, 80% exigem do aluno a interpretação de um texto, um poema, “nada
20
de relações históricas, entre autores ou períodos literários, de contextos estéticos, de traços de
teoria literária, enfim, dos conteúdos arrolados na Matriz de Referência do exame” (p. 118).
O corpus dessa pesquisa é a prova de 2016, ou seja, seis anos a posteriori ao da
análise de Fischer et al., ainda, permanece a constatação de que a ‘cobrança’ do conhecimento
literário do aluno não é prioridade para o exame, contrapondo a própria MR e habilidades
avaliadas no candidato.
2.1 Como fica a formação do aluno-leitor?
Essa alienação à literatura, em especial a brasileira, comprovada nas questões
formuladas para o exame, em que a literatura mais é uma “muleta” que base, fortalece a
infeliz ideia de que as aulas de literatura na escola, no currículo, não são importantes para o
bom desempenho do aluno no ENEM. É desmotivador e nos gera uma inquietação!
Com isso, fica evidente que a fluidez intelectual dos alunos - e futuros profissionais -
da nossa sociedade está comprometida e pode ‘morrer’, pois “uma sociedade que não cuida de
seus leitores, que não cuida de seus livros e de seus meios, que não guarda sua memória
impressa […] é uma sociedade culturalmente suicida” (CANDIDO apud FISCHER, 2012, p.
124). É indissociável pensar que, diante disso, o aluno passe a questionar: para que serve o
ensino de literatura? Para que preciso ser um leitor literário? Qual a finalidade e aplicação
prática da literatura?
Em nossos dias, a preocupação com o relógio e em fazer uso, ler e aprender sobre
coisas que tragam lucratividade acaba por tentar ‘justificar’ a falta de interesse nos livros e na
leitura literária e o crescimento da leitura imediatista, de pouco conteúdo e estética. Fato é que
“ler – e escrever -, então, que exige tempo e concentração, parece uma atividade inútil”
(FREIRE, 2017, p. 299). Conversa com essa ideia a afirmativa em Paiva et al. (2008, p.152)
que “o leitor proficiente é aquele que tem objetivos definidos e sabe avaliar, em cada situação
de leitura, se dispõe do tempo e dos recursos necessários para atingi-los”.
Assim, cabe aqui dois questionamentos: como alunos do Ensino Médio do nosso
tempo, em um exame tão concorrido como o ENEM, podem ter chances claras de se sair bem
em questões que exigem leitura, letramento e interpretação? Além disso, como podem
argumentar na redação dissertativa sem estarem familiarizados com a literatura e a leitura, que
sem sombra de dúvidas asseguram uma boa escrita?!
A resposta desses questionamentos traz a sensação de crise: da falta de leitura por
parte dos alunos; e de desinteresse e desestímulo dos professores em ensinar literatura na
escola. Sobretudo, o ensino da literatura não pode ser restrito a pedagogia na Língua
21
Portuguesa, ela possui valores estéticos, históricos, morais e ideológicos imprescindíveis na
formação intelectual do aluno-leitor, do futuro profissional dessa sociedade e desse tempo.
Sobre essa formação do leitor é preciso ponderar que a responsabilidade para que uma
criança conheça e se afeiçoe à leitura começa dentro de casa, ou seja, “a escola é a principal
instância responsável pela formação de leitores, mas não a única, já que o ambiente favorável
e estimulante à leitura deveria começar na família”, afirma Freire (2017, p. 290). Assim, a
escola e os pais devem dividir a missão de mediar a relação da criança com a leitura.
No cumprimento dessa missão mediadora estão as tecnologias (smartphones e tablets,
por exemplo) ao alcance das crianças, que enquanto alunos, preferem assistir a um filme
inspirado em uma obra literária, a ler a resenha crítica no livro didático – muitas vezes
apoiados por pais e professores. Lajolo acentua que “só a leitura e o incentivo pelos bons
autores poderão melhorar a redação dos alunos, cada vez mais pobre e restrita pela TV”
(1994, p.12) - acrescentemos, pela linguagem da cibercultura.
A mesma autora corrobora que nesse processo de ensino e incentivo à leitura, “a
função do professor bem-sucedido confina-se ao papel de propagandista persuasivo de um
produto: a leitura, que sob a avalanche do marketing e do merchandising” pode se perder
(LAJOLO, 1994, p.14). Posto isso, concordamos que “diversificar a experiência cultural de
pais como de professores é uma das primeiras atitudes realmente relevantes que podem fazer
a diferença para formação das crianças como leitores” (Ibid., p.309), e, ainda, para tentar
combater o modo “mecânico e estático” que a escola adota ao ensinar a ler, pois a “ação de ler
caracteriza toda a relação racional entre o indivíduo e o mundo que o cerca” (AGUIAR, 1988,
p. 16-17), até porque esse indivíduo chega à escola com certa bagagem cultural e
conhecimento de mundo.
Para que haja uma fruição positiva e atrativa entre o aluno e a leitura, apeguemo-nos
ao seguinte conselho:
é preciso criar um ambiente que facilite o acesso aos livros e à literatura,
além de construir um meio que estimule a imaginação, alimente o sonho, dê
asas à fantasia, os quais, paradoxalmente, são extremamente necessários para
enfrentar os desafios reais aos quais todos temos que responder (FREIRE,
2017, p. 314).
Outro ‘conselho’, que acreditamos que se encaixa ao ensino da literatura focalizando o
ENEM, emprestamos de Paiva et al. (2008, p. 145), nas práticas docentes “conhecendo
melhor os processos, as competências e as habilidades envolvidas na leitura e na escrita, a
22
escola poderá planejar mais adequadamente – e, portanto, subsidiar e orientar melhor - a
aprendizagem do aluno” e a “irreversível democratização do saber” (AGUIAR, 1988).
O aluno que consegue se aventurar com segurança e fluidez na leitura literária, quiçá
nas obras literárias brasileiras, das clássicas às contemporâneas pode se tornar agente ativo de
uma forma de atuação analítica e crítica. Ou seja, ele pode “analisando e criticando os textos”,
perceber que eles “não são janelas transparentes sobre o mundo, que não são ideologicamente
naturais e neutrais, que dão voz a perspectivas particulares enquanto silenciam outras”
(PAIVA et al., 2008, p. 77).
Portanto, inferimos que não há receita pronta ou segredo a ser compartilhado para o
desenvolvimento de ações eficazes e estimuladoras de formação do leitor. Mas o válido é
conhecer o seu público, tentar - e nunca desistir – de explorar a literatura, de apresentar ao
aluno o prazer escondido na leitura literária. Pois é necessário que o aluno aprenda a ler e
interpretar criticamente as mais variadas formas textuais: textos informativos, textos
jornalísticos, de manuais de instrução, textos publicitários, ilustrações e, em especial, contos,
romances, crônicas, poemas, prosa literária e poesia, pois isso não ‘cai’, mas ‘despenca’ na
prova do ENEM, como vimos, por exemplo, nos 45% das questões de LCST do exame de
2016.
3. CONCLUSÃO
Na análise da prova de Língua Portuguesa do ENEM, concluímos e nos deparamos
com a literatura brasileira incluída em bom e significativo percentual nas questões, porém de
qualquer modo – parece grotesca a locução –, subsidiando questões de pura interpretação
textual, enumerando características de funções da linguagem e de estrutura e construção do
texto.
Não há textos canonizados nas questões, mas há o predomínio quase que integral das
obras e autores contemporâneos da literatura brasileira. Isso nos leva a pensar que nas escolas
faz-se emergencial a inclusão da literatura brasileira contemporânea nas aulas de Língua
Portuguesa. Esse prestígio da literatura brasileira contemporânea na prova rompe paradigmas
de que só o Cânone tem valor, inclusive, ideia muito publicizada por professores e cursinho
pré-vestibulares.
Diante do exposto na pesquisa, denota-se a necessidade de reafirmar a importância
real da literatura brasileira para os alunos, desde o Ensino Fundamental ao Médio, uma vez
23
que apreciar e aprender a ler literária e criticamente é um processo e não se desenvolve em
apenas uma fase de ensino.
Além disso, se realmente, almejamos que os alunos alcancem bom desempenho nas
provas do ENEM, a literatura, inclusive a nacional, precisa estar contida como prática de
linguagem, de leitura, de didática e de produção nas aulas, não somente de Língua
Portuguesa, quiçá, interdisciplinarmente, haja vista que ela transita livremente em todas as
áreas.
Outrossim, também concluímos que um exame tão concorrido como o ENEM não
pode fomentar em suas questões o desincentivo ao conhecimento da literatura e seus
caminhos sedutores ao leitor. Não se pode aceitar a continuidade de questões com a fraca
presença literária real, significativa, ideológica e humanizadora da literatura num exame de
tamanha envergadura e importância política para o país, que está em desenvolvimento
econômico, social e, claro, educacional.
Por fim, inferimos que para o aluno que presta o ENEM, não basta conhecer resumos e
macetes de ‘decoreba’ sobre a literatura, seus autores, períodos e obras. Até porque, além das
questões de LCST, ele precisará verbalizar com propriedade, fluidez estética o que se pensa e
objetiva na redação dissertativa, precisará se apoiar nas vastas informações contidas nos ricos
textos literários - e não literários – para redigir com senso crítico, com respeito às normas da
língua e para mostrar domínio das competências e habilidades que se espera de um bom
candidato (leitor) no exame, uma vez que a prática da leitura literária é libertadora e alimenta
a mente e o ser social que disputa um lugar ao sol, ou melhor, uma vaga na universidade.
24
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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AGUIAR, V. T. Leitura em crise na escola: As alternativas do professor. In: Regina
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FISCHER, Luís Augusto; LUFT, Gabriela; FRIZON, Marcelo; LEITE, Guto; LUCENA,
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26
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSULTADAS
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SUASSUNA, L. BEZERRA, R.A. A literatura em provas e exames. In: Leitura: Teoria &
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