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FACULDADES INTEGRADAS RIO BRANCO CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS AGATHA MANON SAMUDIO A AMAZÔNIA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: O PAPEL DA INFLUÊNCIA INTERNACIONAL NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA A REGIÃO São Paulo 2010

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FACULDADES INTEGRADAS RIO BRANCO

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

AGATHA MANON SAMUDIO

A AMAZÔNIA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:

O PAPEL DA INFLUÊNCIA INTERNACIONAL NA FORMULAÇÃO

DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA A REGIÃO

São Paulo

2010

1

AGATHA MANON SAMUDIO

A AMAZÔNIA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:

O PAPEL DA INFLUÊNCIA INTERNACIONAL NA FORMULAÇÃO

DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA A REGIÃO

Monografia apresentada ao Curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco, como requisito para obtenção do Grau de Bacharel em Relações Internacionais, orientada pelo Prof. Dr. Sérgio Gil Marques dos Santos.

São Paulo

2010

2

Aos meus pais, por me ensinarem a acreditar e persistir nos meus sonhos.

3

AGRADECIMENTOS

A finalização do presente trabalho encerra uma importante fase de

crescimento e amadurecimento pessoal e intelectual. Agradeço primeiramente a

Deus, que esteve sempre ao meu lado me indicando – mesmo que por linhas tortas

– o melhor caminho. Agradeço a todos os familiares, amigos e colegas de graduação

que de alguma maneira fizeram parte desse momento.

Aos meus pais, pelo amor incondicional. Agradeço a dedicação em me

proporcionar visões corretas. Obrigada pela confiança e credibilidade. Pai tenha

certeza que seu amor e orgulho pela América Latina foram retransmitidos. Mãe, você

é o meu maior exemplo de vida.

Aos amigos Leonel, agradeço a compreensão e companheirismo durante boa

parte dessa caminhada, e Paulo Sérgio, obrigada por nossas longas conversas que

tanto me ensinaram sobre o mundo e as Relações Internacionais. Minha imensa

gratidão ao Embaixador Bernhard Griesinger pela oportunidade de estágio na

Organização dos Estados Americano (OEA) - Bolívia, experiência curta, porém,

essencial para a minha formação. Suas histórias pela Amazônia instigaram a minha

curiosidade pela região, e tiveram fundamental importância para o desenvolvimento

desta monografia.

Aos meus irmãos e amigos, agradeço a paciência nos momentos “tortuosos”

de estudo, obrigada pela compreensão nos momentos ausentes. Agradeço também

aos amigos que fizeram parte dessa graduação, companheiros em todos os

momentos.

Registro minha gratidão as Faculdades Integradas Rio Branco, que me

apoiaram no decorrer dessa graduação, e aos professores pela dedicação e

comprometimento durante o curso. Em especial ao Prof. Rogério Buccelli, que no

início desse trabalho me ajudou com bibliografias, idéias e questionamentos.

E por fim, agradeço imensamente ao Prof. Sérgio Gil responsável pela

orientação desse trabalho. Muito obrigada pelo apoio, paciência e compreensão.

Todo o respeito e admiração.

4

RESUMO

A proposta deste trabalho é analisar a influência das pressões internacionais sobre a mobilização da política externa brasileira para a Amazônia. Para tal, foi realizado um resgate histórico dos principais acontecimentos que conduziram o Brasil a adotar medidas regionais e internacionais para a região. A hipótese central desta análise é que a mobilização da política externa brasileira para a Amazônia está diretamente relacionada à interferência de forças externas à região, representadas por pressões internacionais que visam, sobretudo, questionar a conduta dos países amazônicos sobre seus territórios.

PALAVRAS-CHAVE: Amazônia. Pressões Internacionais. Política Externa brasileira. Cooperação Amazônica.

ABSTRACT

The aim of this study is to analyze the influence of international pressure on the mobilization of Brazilian foreign policy for the Amazon. Therefore, it was executed an historical review of the key events that led Brazil to adopt regional and international measures for the region. The central hypothesis for this analysis is that mobilization of Brazilian foreign policy for the Amazon is directly related to the interference of external forces beyond the region, represented by international pressure that aims, above all, to questions the conduct of the Amazon countries over their territories.

KEY WORDS: Amazonia. International Pressures. Brazilian Foreign Policy. Amazon Cooperation.

5

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Divisão Política do Brasil: Tratado de Tordesilhas (1494).............p.9

Figura 2 – Amazônia Brasileira e Bacia Amazônica.....................................p.20

Figura 3 – Países membro do Tratado de Cooperação Amazônica.............p.34

Figura 4 – Área de cobertura do Projeto Calha Norte..................................p.37

6

SUMÁRIO

Introdução...................................................................................................................7

Capítulo I: A Ocupação da Amazônia.........................................................................9

1.1) Brasil Colônia........................................................................................................9

1.1.2) O Tratado de Madri e o Governo do Marquês de Pombal...............................12

1.2) A Amazônia e o Império......................................................................................14

Capítulo II: Da República Velha a primeira década do Regime Militar.......................19

2.1) O Ciclo da Borracha............................................................................................19

2.2) A Política Externa brasileira na República Velha................................................20

2.3) O Estado Novo....................................................................................................24

2.4) A era dos “Grandes Projetos”..............................................................................27

Capítulo III: A Amazônia e os desafios da Agenda Ambiental no Cenário

Internacional...............................................................................................................31

3.1) A Criação do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA)...................................31

3.2) O Programa Calha Norte (PCN) e a Conferência RIO-92...................................35

3.3) A Retomada do TCA: A criação da Organização do Tratado de Cooperação

Amazônica (OTCA)....................................................................................................39

Considerações Finais.................................................................................................41

Referências Bibliográficas..........................................................................................43

7

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como propósito analisar as circunstâncias que levam

o governo brasileiro a se mobilizar em relação à Amazônia. Para tal, será realizado

um resgate histórico dos principais acontecimentos que conduziram o Brasil a adotar

medidas regionais e internacionais para a região.

A importância de tal análise se deve, inicialmente, ao valor representado pela

região na América do Sul: com dimensões continentais, a Amazônia esta presente

em 40% dos territórios sul americanos, em nove países - Brasil, Bolívia, Colômbia,

Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Possui recursos

naturais (fauna, flora, água, florestas, entre outros) que afetam e tem importância

ambiental, econômica, social e cultural para todos os Estados envolvidos na região.

Por tais fatores, e pelos potenciais recursos a serem explorados, pelo aumento das

pautas ambientais na agenda mundial, e pela posição estratégica da região, a

Amazônia tem importância não só nos debates regionais, mas também no cenário

internacional.

A investigação da mobilização política brasileira para a Amazônia contribui

para a interpretação da lógica e das circunstâncias que levam os países amazônicos

a se mobilizar e cooperar mutuamente em prol de benefícios para a região, e será o

foco desta análise, pois, é possível verificar a partir dela uma considerável influência

nas medidas para a região.

A hipótese central desta monografia é que a mobilização da política externa

brasileira para a Amazônia está diretamente relacionada à interferência de forças

externas a região, representadas por pressões internacionais que visam, sobretudo,

questionar o direito de soberania dos países amazônicos sobre a floresta e seus

recursos. Tais pressões inserem a Amazônia em um cenário de possíveis

intervenções estrangeiras, e por conseqüência em uma zona de atenção.

Para a verificação dessa hipótese, foram utilizadas bibliografias disponíveis

no campo das relações internacionais e da política externa, através de fontes

secundárias: artigos acadêmicos e de revistas especializadas, teses de mestrado e

pós-graduação, e livros; bem como fontes primárias: documentações oficiais com

discursos, declarações, e sítios governamentais na internet.

A estrutura do trabalho é composta por três capítulos.

8

No primeiro capítulo será realizado um resgate histórico da ocupação do

território amazônico na época colonial, com o objetivo de estabelecer um panorama

do cenário a ser analisado. Logo em seguida, será abordada a gestão do Marquês

de Pombal e suas contribuições para a incorporação do território amazônico ao

Estado brasileiro; e o Período Imperial, com destaque para a primeira reação da

diplomacia brasileira a ameaça de interferência externa, representada pela intenção

expansionista norte-americana em meados de 1850.

No segundo capítulo será examinada a política externa brasileira para a

região Amazônica durante a República Velha - passando pelo ciclo da borracha, e

pela gestão do Barão de Rio Branco; e durante o Estado Novo, período que deu

início aos chamados “Grandes Projetos” para a Amazônia, concretizados na primeira

década do Regime Militar.

E no terceiro capítulo serão apresentadas as principais iniciativas brasileiras

decorrentes do agravamento da crise ecológica mundial que gerou pressões

internacionais na região amazônica a partir da década de 1970. Assiste-se nos anos

seguintes a Conferência de Estocolmo (1972) – primeira Conferência da ONU sobre

o meio ambiente - uma progressiva expansão do movimento ambientalista no

cenário internacional, notavelmente com o surgimento de organizações não-

governamentais, grupos comunitários, agências estatais, comunidade científica,

empresariado e partidos políticos (os Verdes), que vão disseminar a discussão

ambiental em diversos níveis. A criação do Tratado de Cooperação Amazônica

(TCA), e posteriormente da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica

(OTCA), bem como a promoção da conferência RIO-92 podem ser consideradas as

mais notáveis respostas do Brasil e dos países amazônicos as pressões

internacionais em relação à região amazônica, em que é possível verificar a

mobilização regional em prol da cooperação. O Brasil teve papel central na criação

desses os projetos, já que coordenou regionalmente as iniciativas.

Por fim, na conclusão, serão feitas considerações sobre o objetivo proposto

nesse trabalho através da verificação da existência de relações diretas entre a

mobilização da Política Externa brasileira na Amazônia, e as pressões externas ao

Norte da América do Sul – confirmando a hipótese levantada. E também, será

questionado o papel da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)

no atual contexto dos países amazônicos.

9

CAPÍTULO I: A OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA

A ocupação do que é hoje o Brasil e toda a América Latina é decorrente do

processo de expansão marítima das empresas comerciais e Estados europeus

para exploração de recursos naturais em outras regiões do mundo. Na região

amazônica existiram particularidades distintas do restante do território brasileiro, e

para entender tal distinção deve-se olhar inicialmente para a construção

econômica e política da economia-mundo, e não a partir apenas da Ibérica, de

Portugal ou Brasil, pois somente na segunda metade do século XVII a Amazônia

se articula ao conjunto do sistema colonial português, e apenas no século XIX

integra-se ao Império brasileiro (BECKER, 2009, p.204).

1.1Brasil Colônia

A partir da descoberta do continente americano em 1492 o território passa

a ser anexado pelo Tratado de Tordesilhas1 antes mesmo de ser conhecido e

ocupado; no território amazônico o Tratado dividiu as terras disputadas entre a

Lusitânia, parte oriental portuguesa, e a Nova Andaluzia, parte ocidental

espanhola, primeiras denominações da Amazônia (Ibid, p.204).

Figura 1 - Divisão Política do Brasil no Tratado de Tordesilhas (1494)

Fonte: TRATADO DE TORDESILHAS, s/d.

Disponível em: http://profsu.pbworks.com/w/page/18874768/Tratado-de-Tordesilha. Acesso em: 10.10.2010.

1 CORRÊA, 2009. Assinado em 7 de junho de 1494 na cidade espanhola de Tordesilhas entre Espanha e Portugal, o Tratado representou a divisão das terras descobertas e a descobrir pelas Coroas fora da Europa.

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O acordo representou mera anexação - a conquista da região implicaria

apropriação, sobretudo mediante colonização. O desinteresse espanhol na

conquista, colonização e defesa das fronteiras na América do Sul durante o

século XVI, segundo Gadelha (2002, p.76), pode ser entendido pelo foco das

atenções dos mesmos no controle das riquezas do Peru e de Nova Granada, em

que havia sido descoberto um verdadeiro Eldorado - representado pelo cerro de

Potosi – que financiava a política expansionista espanhola na Europa. Além disso,

a dificuldade de penetração e o desconhecimento da região amazônica

dificultavam a empreitada. Já nessa ocasião a cordilheira prendia os

conquistadores, revelando ser ela, de fato, a verdadeira fronteira que separaria os

territórios das duas coroas.

A união das Coroas2 entre 1580 e 1640 caracteriza um estado de

inexistência de fronteiras nas terras americanas dominadas pelos colonizadores, e

é nesse período que se inicia a apropriação da Amazônia.

Em fins do século XVI praticamente todas as terras tropicais do continente

(potenciais produtoras de açúcar) estavam nas mãos das Coroas, e a

preocupação em defender o monopólio do açúcar dos demais colonizadores

europeus fomentou o movimento expansionista português – lado com maior

interesse - em direção ao norte (FURTADO, 2003, p.72).

Nesse momento, mercadores e colonos franceses, holandeses, ingleses e

irlandeses já disputavam o acesso àquelas áreas, aproveitando-se da imensa

costa desprotegida do território espanhol e dos poucos recursos disponíveis às

autoridades coloniais para a defesa dessas regiões periféricas. O ataque de

holandeses, franceses e ingleses se fez em toda a linha que desce das Antilhas

ao Nordeste brasileiro. Os monarcas espanhóis não hesitaram em entregar aos

súditos portugueses a responsabilidade pela vigilância e defesa da linha ao sul da

foz do Amazonas, já que o interesse da Espanha estava desviado do vale do

grande rio (FURTADO, 2003, p.72; GADELHA, 2002, p.15).

2 A UNIÃO IBÉRICA (1580-1640), s/d. Ocorreu após a morte do então rei de Portugal D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1580. O trono português passou a ser disputado pela Espanha, já que o falecido rei não tinha herdeiros diretos; assim, o rei da Espanha Filipe II conseguiu o trono após a morte do Cardeal D. Henrique – parente mais próximo de D. Sebastião. A união das duas coroas ficou sob o comando de um único rei, e durou até 1640 quando o Duque de Bragança foi aclamado rei de Portugal com o título de D. João I.

11

A conquista política portuguesa na Amazônia pode ser considerada a partir

do início do século XVII; entre 1600 e 1750 a fundação do Forte do Presépio de

Santa Maria de Belém, em 1616, inaugura uma série de fundações de

estabelecimentos militares e feitorias concluídas ao longo dos séculos posteriores.

Belém apresentava uma posição privilegiada para a defesa da bacia Amazônica.

Outra estratégia geopolítica concebida nessa fase para resistir aos ataques -

sobretudo dos franceses na Amazônia e dos holandeses no Nordeste – foi à

criação de grandes territórios ligados a metrópole. Em 1621 a Espanha cria o

Estado do Maranhão e Grão-Pará que se estendia desde o Ceará até o rio

Amazonas, com sede própria em São Luís, e com estreita relação com Portugal,

que gozava de regalias. A ocupação foi seguida de decisões com o objetivo de

criar colônias permanentes e estáveis, semelhante do que ocorria no Nordeste

(BECKER, 2009, p.205-206).

Para tal, uma terceira estratégia conjunta entre Portugal e Espanha para a

conquista e colonização da Amazônia foi implementada – apoio à presença

religiosa na ocupação; os religiosos acompanharam as expedições portuguesas e

espanholas sendo os primeiros organizadores das aldeias e aglomerados

populacionais, através da conciliação de Deus e o Rei na manutenção da posse –

convergindo aliados contra franceses, holandeses e ingleses. Os aldeamentos

indígenas foram essenciais para a conquista, lutavam contra “os invasores”,

favorecendo a apropriação da terra e servindo como mão de obra. Os principais

agentes da ação cultural européia sobre os povos amazônicos foram os jesuítas,

que chegaram em 1615; desenvolveram técnicas racionais de incorporação das

populações indígenas à economia de colônia, fator decisivo para a penetração

econômica na bacia amazônica. Em 1655 a Companhia de Jesus possuía 28

aldeias, 11 no Maranhão, 7 no Tocantins e 6 no rio Pará, e em 1686 chegaram ao

Solimões. Em 145 anos, a Companhia de Jesus na Amazônia deu origem a 24

cidades (Ibid., p. 206-207).

Assim, defendendo as terras da Espanha dos seus inimigos durante a

união das duas Coroas, juntamente com o apoio dos jesuítas que comandaram a

organização da mão de obra indígena, os portugueses se fixaram na foz grande

rio, posição chave para o fácil controle da imensa bacia – fatores decisivos para a

expansão territorial portuguesa que se efetuou na primeira metade do século XVIII

na Amazônia.

12

1.1.2 O Tratado de Madri 3 e o Governo do Marquês de Pombal

Em 1640 Portugal recupera a independência da Espanha, porém se torna

fortemente dependente da parceria com a Inglaterra em um cenário de crise dos

países ibéricos em que a defesa e o asseguramento dos espaços conquistados

passam a ser vitais para a permanência dos mesmos na política européia.

Restaurado o Estado português como unidade nacional, surge à necessidade de

reorganização política e econômica, e a metrópole passa a depender da riqueza

produzida nas colônias para sustentação da Coroa.

Dessa maneira, a parceria com os ingleses para o domínio da Amazônia foi

fundamental, já que o jogo diplomático internacional após a separação das duas

Coroas amparava-se nas alianças entre Inglaterra e Portugal X França e

Espanha. À Inglaterra interessava que o controle da região amazônica fosse

assegurado com possessão de Portugal, pois, dessa maneira, enfraqueceria a

expansão francesa no local, e geraria lucros financeiros pela intermediação das

transações portuguesas (BECKER, 2009, p. 208).

O Tratado de Madri (1750) finaliza, formalmente, o atual delineamento da

fronteira amazônica brasileira. Foi fundamentado na idéia de posse efetiva – uti

possidetis – que assegurou o direito de posse aos portugueses, e defesa contra

invasões inglesa, francesa e holandesa. Porém, segundo Goes Filho (1999 apud

ANTIQUERA, 2006, p.21) o Tratado de Madri não proporcionou plena eficácia, ou

seja, não garantiu ao Brasil a estabilidade total de suas fronteiras - existiam fortes

tensões entre as coroas espanhola e portuguesa e os Estados que apoiavam as

coroas.

A subordinação da ação missionária – outra questão importante para a

ordenação nacional brasileira no período – foi efetivada com a declaração de

liberdade dos índios (1775) e representou o esvaziamento do poder dos jesuítas

na região (BECKER, 2009, p.208).

O Marquês do Pombal, primeiro-ministro (1750–1777), se revelou como

importante estadista nesse período, com uma visão nacional de Portugal e suas

3 O TRATADO DE MADRI, s/d. Considerado um dos mais importantes tratados de limites da história da diplomacia brasileira, pois estabeleceu não só as bases territoriais do Brasil, mas também definiu o princípio que norteia as questões de limites surgidas posteriormente: o uti possidetis, segundo o qual a terra pertencia ao país de origem dos homens que nela morassem.

13

colônias; suas ações para articular a Amazônia ao império português acabaram

por constituir as primeiras conexões da região com o Estado brasileiro. Foi

responsável pela instalação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão

(1755-1778), que representou um instrumento do Estado mercantil para

equacionar problemas econômicos e políticos da metrópole, buscando, inclusive

maior independência de Portugal diante os ingleses. Na ação econômica, Pombal

estimulou o extrativismo, recuperando a exportação de cacau, introduziu novas

lavouras como algodão e café (sobretudo no Maranhão), tabaco, cana-de-açúcar,

algodão; luzitanou-se o nome das cidades, a língua portuguesa passou a ser

ensinada e difundida. Administrativamente a região sofreu reformas: em 1771 é

criado o Estado do Grão-Pará e do Maranhão, com centro de decisões em Belém

e tendo como governador o irmão de Pombal. E para proteger os limites

ocidentais do Grão-Pará, em 1757 é criada a Capitania de São José do Rio

Negro, que se difundiu em dezenas de vilas e povoados, e gerou povoamento

para a região representando um cinturão de segurança; tais Estados eram

subordinados diretamente a Lisboa (BECKER, 2009, p.210).

A fase pombalina terminou em 1777, mas, segundo Becker (2009, p.210), o

reformismo português na Amazônia continuou, com idéias como, por exemplo, de

elevar a região à categoria de vice-reino, e de minimizar a dependência de

Portugal do domínio inglês; tais projetos foram discutidos no final do século XVIII

até 1820, mas foram inviabilizados quando a metrópole se deu conta de que havia

o risco de independência da colônia.

O fim da era colonial - entre o final do século XVIII e início do XIX –

apresenta grandes dificuldades econômicas na colônia, com forte queda nas

exportações; o território amazônico permaneceu marginalizado frente às demais

regiões brasileiras, já que a prioridade econômica estava concentrada na

economia cafeeira do Sudeste do país.

Dessa maneira, é possível verificar que a política externa para a região

amazônica na época colonial estava voltada basicamente para a conquista e

aumento territorial da metrópole, com o objetivo prioritário de garantir a sua

soberania na região. O objetivo de Portugal era controlar os recursos e rotas

comerciais de sua colônia, e a partir disso, colher frutos do domínio através do

acumulo de capital - lógica do sistema mercantilista. Assim, o povoamento e

desenvolvimento do espaço colonial não foram, a princípio, objetivos da metrópole

14

já que esses visavam, prioritariamente, a exploração dos territórios coloniais para

enriquecimento e expansão do império português.

Para Demétrio Magnoli (apud ANTIQUERA, 2006, p.22), a mudança mais

significativa deu-se com a transferência da corte para o Brasil em 1807,

movimento que demonstrou o projeto geopolítico de continuar o império português

na América. Porém, a presença do Estado Português no Brasil se encerra logo

em seguida, com a independência brasileira em 1822.

1.2A Amazônia e o Império

A geopolítica imperial foi crucial para a incorporação do território amazônico

ao Brasil. O movimento pela independência enfrentou, internamente, uma das

mais resistentes oposições no país: a cabanagem4. Forças militares do império

forçaram os cabanos a sair de Belém, em 13 de maio de 1835, representando a

anexação amazônica pelo Estado brasileiro (BECKER, 2009, p.212).

No plano internacional, mesmo independente, o Brasil (e a região

amazônica) continuou a ter sua história fortemente ligada à dinâmica da

economia-mundo no século XIX, marcada pela tentativa do controle da América

do Sul pela Grã-Bretanha a que estão associados os movimentos de

independência do continente (Ibid., p.212).

É possível notar em parte da literatura referente à política externa brasileira

no império que as questões amazônicas não obtiveram prioridade se comparadas

as demais pautas existentes no país, quais sejam, a relação com a Argentina e

com os demais países do Cone Sul, a consolidação das fronteiras na bacia do

Prata, a Guerra do Paraguai (1865-1870). Entretanto, observa-se nesse período a

primeira mobilização do Estado brasileiro em âmbito regional e internacional a

tentativa de interferência externa ao território amazônico, e por isso, uma análise

do período merece atenção.

4 CABANAGEM, s/d. A Cabanagem pode ser considerada um movimento político e um conflito social ocorrido no Pará entre 1831-1840, envolvendo homens livres, sobretudo indígenas e mestiços de regiões pobres da Amazônia. A luta originou-se no combate a penúria e péssimas condições sociais em que vivia a população paraense; proclamaram a independência do Pará, mobilizaram as populações ribeirinhas, mantiveram a rebelião até 1840. Foi um movimento popular em que camadas inferiores da população conseguiram, com certa estabilidade, ocupar o poder de toda a província.

15

A política externa brasileira no império, para Magnoli (apud ANTIQUERA,

2006, p.22), teve basicamente dois intuitos: combater a política antiescravista da

Grã-Bretanha e consolidar as fronteiras nas bacias Amazônica e Platina; para

Celso Lafer (apud ANTIQUERA, 2006, p.23) se baseou em dois planos: no plano

internacional buscava autonomia frente às grandes potências (especialmente da

Grã-Bretanha), e regionalmente visava praticar uma política de balanço de poder,

com principal atenção para a Argentina. Já para Antiquera (2006, p.26), o foco se

dava na relação com a Argentina e com os demais países do Cone Sul; o autor

acredita que a preocupação com o balanço de poder entre os países da Bacia

Amazônica não era expressivo já que não havia nenhuma força que ameaçasse o

equilíbrio de poder regional, e por isso não estava entre as principais pautas da

política externa brasileira - a importância da região estava ligada, primeiramente,

ao objetivo de consolidação territorial já que era o próprio Estado que estava se

constituindo, ao mesmo tempo em que se tentava construir uma nação. Nesse

sentido, a Amazônia tinha uma importância objetiva referente ao espaço

geográfico a ser conquistado e também uma forte função simbólica – mito “Ilha

Brasil” - baseada no discurso que visava atribuir ao território um caráter natural,

como uma “dádiva”, ou uma unidade doada pela natureza, e não construída pela

história.

Entretanto, Bueno e Cervo (2002, p. 102-107), levantam uma importante

questão: a posição e atuação dos EUA em relação à região amazônica; os norte-

americanos, em plena ascensão econômica fundamentavam sua política externa

nas doutrinas do destino manifesto (para justificar sua expansão territorial) e na

doutrina Monroe (baseada no afastamento dos países europeus da política

americana, reservando o continente à preponderância dos norte americana).

Nesse contexto, a intenção expansionista americana no século XIX era

perceptível, pois anexou enormes territórios, principalmente no México; no

continente americano visava continuar o avanço territorial - objetivava Cuba,

Panamá e a Amazônia.

Assim, quando cidadãos americanos começaram a discutir a importância

da Amazônia nos EUA, o assunto ganhou relevância para a política externa do

Brasil. O plano de ocupação da Amazônia em 1850 representava uma saída para

a crise da economia escravista dos EUA, já que se conseguissem a transferência

dos colonos e escravos do sul - que se dedicariam à produção da borracha e do

16

algodão – além do realocamento dessa população, ajudaria o equilíbrio da

balança comercial dos EUA. Esse objetivo só seria possível com a abertura da

navegação ao comércio internacional, apoiados pela França e Inglaterra que na

época acreditavam no mito do eldorado produtivo da região. A experiência

americana demonstrava o tipo de ação que poderia ser tomada por eles na

ocupação territorial, que se pautava em quatro fases: penetração demográfica,

provocação, conflito e anexação (Ibid., p.102).

Porém, segundo os autores, o objetivo norte americano para a região

amazônica vinha de encontro aos objetivos da política externa brasileira:

determinação de resistir a pressões externas no terreno econômico e político, de

exercer a hegemonia sobre o Prata, e defender as posses territoriais.

O tenente da Marinha Mattew Maury liderava a campanha norte-americana

de ocupação da Amazônia desde 1850. Seus artigos na imprensa e sua obra de

1853 (The Amazon and the Atlantic Slopes of South América) tiveram enorme

repercussão sobre a opinião pública, sobre os meios empresariais e sobre o

governo; exigia-se a abertura do Amazonas e já se preparavam grandes

expedições de flibusteiros que precederiam a vinda de empresários, colonos e

escravos. Paralelamente, os representantes norte-americanos junto aos

ribeirinhos superiores do Brasil – Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Bolívia –

tentavam atrair os governos a sua causa, indispondo-se contra a monarquia, que

mantinha o Amazonas fechado após obter a liberdade de navegação dos rios

platinos. No Rio de Janeiro, representantes norte-americanos visavam atingir dois

objetivos: firmar um novo tratado de comércio e conseguir a abertura do

Amazonas para viabilizar o empreendimento de Maury; receberam por duas vezes

recusas do governo brasileiro, o que atrapalhou os objetivos dos EUA. Mas a

ação norte-americana parecia poder triunfar em 1853 quando o Brasil fora

totalmente isolado, tendo contra si os ribeirinhos amazônicos, os Estados Unidos,

os Estados europeus - em particular a Inglaterra - que apoiava a potência do

Norte e exigia a livre navegação do Amazonas (ibid., p.103).

A estratégia brasileira de defesa se baseou em ações pontuais interna e

externamente; a-) fortaleceu o Amazonas e criou uma companhia brasileira de

navegação, focada na exclusividade do comércio e da colonização - em 1852, o

governo brasileiro concedeu a Mauá o privilégio exclusivo e subsídios para a

Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas - a navegação brasileira

17

tornou-se, enfim, realidade, em respostas às pressões externas; b-) no campo

jurídico, o governo brasileiro armou-se estudando a fundo o direito internacional

dos rios: a doutrina jurídica brasileira se firmou baseada no princípio de direito

imperfeito dos ribeirinhos superiores, que podiam aceder à navegação dos rios

interiores apenas mediante convenção. Foi aplicada de forma equivalente no

Prata, onde o Brasil, como ribeirinho superior, obteve a navegação por

convenção, e no Amazonas, onde oferecia aos Estados vizinhos pela mesma via,

embora fazendo-se depender da solução concomitante dos limites. A peça-chave

dessa política foi o tratado de 1851 com o Peru, pelo qual se regulamentou os

limites, e concedeu a navegação à nação contratante, excluído terceiros; c-)

confrontou a campanha norte-americana pela ação diplomática: o governo

despachou três eminentes diplomatas para a posição chave do confronto – Duarte

da Ponte Ribeiro, nas repúblicas do Pacífico, e Miguel Maria Lisboa junto a

Venezuela, Nova Granada e Equador – pretendendo contra-atacar a posição

norte-americana frente aos vizinhos amazônicos através do convencimento dos

governos e opiniões de que a aliança antibrasileira servia-lhes para facilitar a

penetração imperialista, que acabaria por engoli-los. Francisco Inácio de Carvalho

Moreira, em Washington, rebatia na imprensa, com coragem e persistência os

argumentos de Maury e adotava com relação ao governo dos EUA hábil manobra,

mediante a qual importunava o Departamento de Estado e a Presidência, exigindo

documentos escritos que tornassem pública a afirmação de não-envolvimento

oficial, que veladamente sabia-se existir, contra a soberania brasileira; enfim,

protelou a abertura visando desaparecer com o risco de dominação estrangeira

(Ibid., p. 103-105).

As ações brasileiras obtiveram sucesso, assim como outros fatores

conjunturais ajudaram no resultado. As relações entre Brasil e EUA, embora

marcada por atritos ocasionais, pautavam-se no entendimento, já que vinculavam

interesses comuns. O comércio bilateral era o maior comércio continental,

necessário e útil para ambos os lados; a parceria Brasil-Estados Unidos fortalecia

o “equilíbrio de poder” Europa-América, uma das metas externas comuns; era, em

suma, estratégico para as duas nações superar os conflitos ocasionais, e manter

boas relações recíprocas. Dois outros fatores agiam para aliviar a pressão norte-

americana a partir de 1855: por um lado, os EUA já se confrontavam com um

conflito interno que explodiria na guerra de secessão; por outro, Maury se

18

encontrava na defensiva, sendo suas idéias criticadas e combatidas pelos

relatórios de viajantes, pela imprensa, pela corrente anti-escravista, e seu “celeiro

do mundo”, a República Amazônica, foi convertida em reino de fantasia (Ibid.,

p.105).

Em síntese, para Bueno e Cervo (2002, p.106), o jogo diplomático nesse

processo passou por três fases: i) inicialmente o perigo foi ampliado pela

resistência do governo brasileiro em ceder sob pressão; ii) a questão passa a fase

da diplomacia continental quando extrapola os limites das relações bilaterais –

mais inclinada a apoiar a causa norte-americana; iii) na terceira fase refluiu

novamente a esfera bilateral em função do êxito alcançado pela estratégia

brasileira e dos fatores conjunturais – negociar para o governo brasileiro

significava não ceder enquanto houvesse risco. A percepção do interesse

nacional ditou uma política firme, sábia e flexível, que adiou a abertura do

amazonas até cessar fogo o perigo de dominação externa. Finalmente no final de

1866, o governo brasileiro baixou um decreto para a abertura incondicional a

todas as nações, excluindo apenas trânsito de navios de guerra; dessa maneira

interrompia-se o prolongado debate nacional e chegava-se a um desfecho

soberano no quadro externo.

Dessa maneira, é possível verificar que a região amazônica apresentou

importância para a política externa brasileira imperial - como destacam Bueno e

Cervo - e demonstrou a primeira reação do governo brasileiro a ameaça de

interferência externa a região; para Bandeira (1978), a Amazônia foi responsável

pela primeira campanha anti-americana no Brasil, e de fato, a questão da tentativa

de interferência dos norte-americanos na região causou desconforto entre os dois

países, demonstrando a importância e sensibilidade da região em âmbito regional

e internacional (BANDEIRA, 1979 apud ANTIQUERA, 2006, p.29).

19

CAPÍTULO II: DA REPÚBLICA VELHA A PRIMEIRA DÉCADA DO

REGIME MILITAR

2.1O Ciclo da Borracha

Entre 1840 e 1924 um novo ciclo econômico se desenvolve na Amazônia.

A máquina movida à energia foi à marca da Revolução Industrial e a borracha

tornou-se um de seus insumos básicos, revolucionando a economia e o modo de

vida amazônico. Para inserir-se na economia-mundo - configurada com a

Revolução Industrial - o Brasil necessitava de mão-de-obra, problema crucial que

se colocava para o país desde o final do século XIX com a abolição da

escravatura. A economia da Amazônia havia entrado em decadência, porém com

a valorização da borracha surge à questão de como aumentar a produção para

atender a procura mundial crescente, impondo um adequado suprimento de mão-

de-obra e recursos financeiros. Nessa ocasião, dois grandes movimentos de

população atenderam às novas demandas: uma grande corrente migratória de

origem européia sustentou a economia cafeeira no Sudeste do Brasil, e uma

corrente migratória nordestina sustentou a economia da borracha na Amazônia.

Calcula-se que aproximadamente 260 mil imigrantes se deslocaram para a região

amazônica entre 1872 e 1900, sem contar os que teriam vindo antes para o Acre,

o que teria repercutido em um crescimento populacional de 250 mil para 500 mil

no período (BECKER, 2009, p.212-214).

Uma análise dos impactos do ciclo da borracha na Amazônia tem

fundamental importância na formação social e econômica da região; para Becker

(ibid., p.213), foi à economia da borracha que configurou a Amazônia como

unidade em si, primeiro pelo crescimento da população, graças aos Nordestinos,

e segundo pelo crescimento econômico – no final do século XIX o Brasil tornou-se

o maior fornecedor mundial de borracha - em 1912 a borracha era o segundo

maior produto de exportação do Brasil, atrás apenas do café. Esse impulso

econômico gerou novos atores sociais na região: nos portos instituíram-se as

financiadoras, exportadoras, bancos ingleses e americanos, trabalhadores

estrangeiros, e o desenvolvimento das cidades de Belém e Manaus foi perceptível

- as cidades tornaram-se centros de comércio. Porém, o denominado “ciclo da

20

borracha” também gerou intensa desigualdade social e territorial, os “coronéis” da

borracha rapidamente enriqueceram, os seringalistas se endividaram para manter

hábitos luxuosos, e em contrapartida, os índios foram expulsos para as

cabeceiras dos rios, e os seringueiros viviam em regime semi-escravo.

Nesse contexto, a valorização da Amazônia do ponto de vista econômico,

estratégico, e conseqüentemente geopolítico fez com que a região fosse mais

apreciada no processo de elaboração da política de defesa do Estado brasileiro.

2.2 A Política Externa brasileira na República Velha

Com a proclamação da República em 1889 a política externa brasileira

para a Amazônia continuou vinculada a necessidade de consolidação territorial, e

nesse momento definiram-se os limites do território amazônico.

Figura 2 - Amazônia Brasileira e a Bacia Amazônica

Fonte: HERVÉ, 2005, p. 45. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v19n53/24079.pdf. Acesso

em: 05.02.1020

21

A diplomacia foi essencial nesse processo: a partir de 1891 iniciou-se uma

série de negociações para estabelecimento dos limites políticos nacionais

concluídos em 1909, em que se destaca o papel do barão do Rio Branco (1902-

1912). Mais uma vez, com base no uti possidetis, cerca de 1.000.000 km² do

espaço amazônico foram incorporados ao território amazônico, obtidos da vitória

contra a França, a Bolívia, o Equador, a Venezuela, a Holanda e o Peru

(BECKER, 2009, p.215). Os limites com a Inglaterra foram estabelecidos no início

do período - o Brasil perdeu territórios no interior da Bacia Amazônica - os rios

Tacutu e Mau passam a ser divisores territoriais com a Guiana Inglesa (SILVA,

M., 2004, p. 36).

A questão do Acre pode ser considerada a mais significativa nesse

momento já que o episódio fomentou a insegurança brasileira - o medo da

interferência norte-americana na região gerou grande mobilização na política

externa brasileira e resultou na anexação do território pelo Brasil. A região

pertencia à Bolívia, mas era ocupada em grande parte por brasileiros vindos do

Nordeste motivados pela valorização econômica da borracha. Os brasileiros

residentes no local eram resistentes à presença dos bolivianos e organizados

chegaram a proclamar o Estado Independente do Acre (1899) - não reconhecido

pelo Brasil. O Estado brasileiro não pretendia intervir no problema, porém

preocupava-se com a possível interferência dos EUA na questão – vontade

boliviana – que poderia representar uma ameaça à soberania brasileira na região.

Os bolivianos, não conseguindo exercer sua soberania no território, arrendaram a

região por 30 anos a um consórcio internacional denominado Bolivian Syndicate.

Tal consórcio exerceria poderes pertencentes ao Estado – manutenção da ordem

interna, defesa dos rios e territórios, investimento nas forças armadas,

arrecadação de impostos e administração territorial - e em troca exploraria as

riquezas naturais do território. A diplomacia brasileira procurou impedir o

estabelecimento da companhia norte-americana em uma região limítrofe do país,

pois sua presença apontava perigo à segurança nacional uma vez que o território

arrendado só tinha acesso ao atlântico pelos rios da Amazônia. O governo

brasileiro retirou do Congresso o Tratado de Comércio e Navegação firmado com

a Bolívia em 1896 de forma a inviabilizar a continuidade do negócio. A posição do

governo brasileiro dificultava a resolução eficaz do conflito já que reconhecia a

soberania boliviana, mas, ao mesmo tempo, procurava interferir na gestão do

22

território. Ao assumir a questão, Rio Branco mudou a política do governo anterior

e tornou o Acre um território oficialmente litigioso – afastou o consórcio

internacional através de indenização pela interrupção do contrato, colocou em

pauta a linha fronteiriça entre Brasil e Bolívia, negociou compensação pecuniária

com o governo boliviano através de concessão de um pedaço de território

brasileiro (pequeno se comparado ao Acre), e assumiu compromisso de construir

a ferrovia Madeira-Mamoré. Tal entendimento configurou a compra do Acre pelo

Brasil, formalizado com o Tratado de Petrópolis em 1903 (ANTIQUERA, 2006, p.

27-29; BUENO E CERVO, 2002, p.188-196)

Após a gestão de Rio Branco até meados da década de 40 a Amazônia

perde relevância na política externa brasileira. Alguns fatores contribuíram para

esse cenário, em que se pode destacar a aproximação diplomática do Brasil com

os EUA - concebida inicialmente por Rio Branco – e que representou um marco

conceitual para as relações externas do Brasil ao deslocar de Londres para

Washington o eixo da diplomacia brasileira, se amparando principalmente nas

relações comerciais. Tal ação se baseou na percepção da emergência dos EUA

como futura potência global e eixo necessário para a política externa brasileira,

levando à busca de uma aliança que possibilitaria o aumento do poder de

barganha brasileiro. (MELLO, 2000 apud ANTIQUERA, 2006, p. 30). Assim, o

receio de uma possível pretensão norte-americana na região amazônica diminuiu

já que o país se tornou o principal aliado e parceiro do Brasil, alteração

denominada por Bueno e Cervo (2002, p.165-167) “americanização” da política

exterior do Brasil. Um segundo fator explicativo foi à perda da importância

econômica da borracha na Amazônia, já que outros países começaram a produzi-

la de maneira mais competitiva no mercado internacional e a região então perdeu

competitividade. E por fim, pode-se mencionar a definitiva consolidação das

fronteiras da região norte - que não representava mais uma ameaça a soberania

nacional, e as atenções do Brasil com a vizinha Argentina, que nesse momento

disputava com o país a liderança regional na América do Sul e dispunha de

vantagens econômicas e militares, representando o foco das atenções da

diplomacia brasileira.

É importante ressaltar também que até a metade do século XX o Brasil

tinha poucos recursos, uma infra-estrutura bastante precária, e um predomínio

absoluto do centro-sul no campo político nacional. Segundo Antiquera (2006,

23

p.30), para que a Amazônia ocupasse um lugar de destaque na formulação da

estratégia internacional do país era necessário que se tivesse uma clara

consciência da sua problemática, e também dos meios de lidar com ela, e na

primeira metade do século XX não havia no Brasil nenhum dos dois. Por isso, até

meados da década de 1940 a Amazônia é basicamente ignorada, assim como os

vizinhos do norte da América do Sul. Para Pereira (1978 apud ANTIQUERA, 2006

p. 31), entre 1915 e 1950 a Amazônia conheceu um período de marginalização e

debilidade produtiva que abalou profundamente a sua economia. A debilidade

financeira da região levou a projetos estaduais de captação de recursos externos

e concessão de terras e benefícios. A partir de 1927 foram feitas diversas

concessões de terras a grupos japoneses, poloneses e norte-americanos, sendo o

caso mais famoso o da concessão à Companhia Ford Industrial do Brasil, negócio

que deu origem ao nome de uma cidade – a Fordlândia (REIS, 1982 apud

ANTIQUERA, 2006, p.31).

Assim, em síntese, a política externa brasileira para a região amazônica na

República Velha pode ser considerada meramente defensiva, reflexo de

acontecimentos pontuais que por lá se desenvolveram relacionados a fatores

externos ao país, o que mais uma vez comprova a hipótese que a mobilização

política brasileira na região está diretamente relacionada ao cenário internacional;

i) o “ciclo da borracha” gerado pela valorização da borracha no mercado

internacional mobilizou e modificou a economia e a sociedade amazonense; ii) o

temor da interferência dos EUA na fronteira Brasil-Bolívia repercutiu diretamente

na diplomacia brasileira e por conseqüência mobilizou esforços da diplomacia

nacional liderada por Rio Branco, que ao final anexou o território do Acre e

afastou “perigo” norte-americano da região; iii) a aproximação brasileira com os

EUA ocorrida no final da gestão do Barão de Rio Branco, denominada

“americanização” da política exterior do Brasil diminuiu a insegurança brasileira

quanto a uma possível pretensão norte-americana na Amazônia, que aliada ao

declínio do “ciclo da borracha”, a falta de recursos brasileiros para investimentos

na Amazônia, e atenções da diplomacia brasileira na Argentina repercutiram o

desvio de foco da política externa brasileira para a Amazônia.

A concepção da Bacia Amazônica como espaço estratégico de atuação de

política externa será desenvolvida aos poucos, mais notavelmente entre os anos

1940 e 1970.

24

2.3 O Estado Novo

O governo de Getúlio Vargas (1930-1945) representou o fim da República

Velha e a consolidação do moderno aparelho de Estado, o Estado Novo. A partir

de então ocorre à expansão industrial e urbana, e cresce a intervenção do Estado

na economia através da implantação de infra-estrutura e indústria de base, e

nesse contexto se acelera o processo de ocupação da Amazônia com base na

dominância absoluta da visão externa e privilégio das relações com o centro de

poder nacional. Porém, a fase inicial de planejamento regional realizada por

Vargas foi muito mais discursiva do que ativa (BECKER, 2001, p. 136).

A unidade do território nacional se converte em recurso simbólico

fundamental para o fortalecimento do Governo Central, incorporando tendências

espontâneas de frentes de expansão. Vargas inicia a campanha da “Marcha para

Oeste” visando ocupar os “espaços vazios” do interior de modo a fazer coincidir a

fronteira econômica com a fronteira política. A criação da Fundação Brasil Central

(1944) é um marco dessa política que, embora em nada afetasse a Amazônia,

estimulou a fronteira móvel. Nesse processo, o território brasileiro se valoriza e a

Amazônia se torna objeto de planejamento governamental e retorna ao centro das

preocupações brasileiras (BECKER, 2009, p. 216).

O plano de Vargas de incorporação da Amazônia ao projeto de construção

do Estado nacional foi impulsionado durante a Segunda Guerra Mundial. A

entrada dos Estados Unidos no conflito (1941) motivou a assinatura de acordos

com países latino-americanos garantindo o livre acesso às matérias-primas

dessas regiões. Os acordos firmados entre os governos brasileiro e norte-

americano em março em 1942 comprometiam o Brasil a participar do esforço de

guerra ao lado das forças aliadas, suprindo-as de matérias-primas estratégicas,

entre as quais se destacou a borracha amazônica. De modo a facilitar a

mobilização geral dos recursos econômicos brasileiros e financiar esse

empreendimento, bancos norte-americanos ofereceram ao país linhas de crédito

(MAGALHÃES, 2007, p.173). Novos órgãos foram criados para cumprir as metas

propostas pelos Acordos, tais como: o Banco de Crédito da Borracha (BCB); o

Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta),

posteriormente transformado em Comissão Administrativa do Encaminhamento de

Trabalhadores para a Amazônia (Caeta); o Serviço Especial de Saúde Pública

25

(Sesp); a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (Sava). Essas

iniciativas visavam dotar a região de um conjunto de órgãos capazes de

consolidar a presença do Estado (BRITO, 2001 apud MAGALHÃES, 2007, p.

174). Porém, com o término da Segunda Guerra Mundial e o restabelecimento do

mercado de borracha natural na Ásia, além do desenvolvimento da técnica da

produção sintética, mergulhou a economia da borracha amazônica novamente em

uma crise, agravada pelas dificuldades de estabelecer esquemas modernos de

produção (DEAN, 1989 apud MAGALHÃES, 2007, p. 174).

Esse processo ocorreu simultaneamente à instauração do regime

democrático em 1946, sob a presidência do general Eurico Gaspar Dutra (1946-

1951). Ampliou-se o debate sobre o padrão de desenvolvimento a ser adotado no

país, em que caberia ao Estado intervir na promoção do desenvolvimento, fosse

coordenando programas ou realizando investimentos diretos em virtude do

reduzido poder econômico do empresariado nacional (BIELSCHOWSKY, 2000

apud MAGALHÃES, 2007, p. 174).

Nos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1946 a Amazônia foi objeto

de discussão especialmente quando dizia respeito à política de desenvolvimento

regional do país. A constituição de 1946 atribuiu ao governo à função de planejar,

executar e coordenar políticas públicas de desenvolvimento, e reservou 3% da

receita tributária nacional por pelo menos vinte anos para a execução do Plano de

Valorização Econômica da Amazônia, e para torná-lo realidade, os parlamentares

do Amazonas, do Pará e do Acre pressionaram a criação da Comissão Especial

para o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (Cepvea) que como política

pública, no entanto, só teve início em 1953 com a criação da Superintendência do

Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) (MAGALHÃES, 2007, p.

174).

No plano externo, existiam duas questões centrais: i) interesse de

aproximação dos países amazônicos para deliberar e assentar as bases de um

convênio em que se ajustassem os interesses comuns; ii) interesse em auxiliar os

surtos de desenvolvimento da região através da maior cooperação e troca de

experiências, técnicos e homens de negócios entre os países amazônicos, e

também entre as demais nações objetivando aumentar o comércio e as indústrias

da região, demonstrando despreocupação na participação de estrangeiros nos

esforços para o desenvolvimento da Amazônia. Tais interesses demonstram a

26

falta de conhecimento técnico e de recursos do Brasil para o desenvolvimento

amazônico, e também a reiteração da idéia de um convênio internacional com os

países da bacia amazônica, desta vez menos focada na segurança, e mais

voltada para a cooperação (ANTIQUERA, 2006, p.34-35).

Nesse contexto surge à proposta de criação do Instituto Internacional da

Hiléia Amazônica (IIHA) feita pelo representante do Brasil na UNESCO, Paulo

Bernardo Carneiro, primeiro em 1945 ao governo brasileiro e no ano seguinte na

reunião da própria UNESCO em Londres - a idéia era captar recursos para

desenvolver pesquisas na região. A proposta tornou-se um dos principais projetos

da UNESCO, refletindo um renovado interesse pela Amazônia no pós-Segunda

Guerra. Naquele momento emergia a temática do desenvolvimento, preocupada

com as razões que impediam os países considerados periféricos de alcançarem

os patamares econômicos, políticos, sociais e científicos das potências

capitalistas centrais. A região amazônica passou a ser vista como parte

importante da solução dos problemas que abalavam a humanidade, sobretudo no

que dizia respeito à pobreza e saúde (MAGALHÃES, 2007, p. 175). Baseava-se

na consciência do governo brasileiro de não disposição de meios (recursos

financeiros, infra-estrutura e pessoal qualificado) suficientes para conhecer,

pesquisar e desenvolver seu território amazônico, dando ênfase à cooperação

internacional, e assim demonstrando a importância da política externa em

assuntos relacionados à Amazônia. Em 1948 foi aprovada a Convenção de

Iquitos, criando o Instituto, que teria, inicialmente, a participação de Brasil, Peru,

Equador, Colômbia, Venezuela, Bolívia, França, Holanda e Itália. Apesar da

criação e do parecer favorável da Comissão de Relações Exteriores o projeto foi

rechaçado no congresso por forte oposição; um dos principais opositores da idéia

foi o ex-presidente (então deputado) Arthur Bernardes. O próprio Brasil (país que

sediaria a organização em Manaus) não ratificou a Convenção, acabando com o

projeto em 1950. A razão foi à grande polêmica de que o projeto poderia

representar ameaça à soberania brasileira na Amazônia, e mais uma vez o temor

da internacionalização teve impactos diretos na região. (ANTIQUERA, 2006, p.36-

37; MAGALHÃES, 2007, p. 177-184).

Pode-se considerar o Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA) o

antecessor direto do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA). O arquivamento

do projeto do IIHA fez com que a região saísse novamente da pauta da política

27

externa brasileira. No ano seguinte (1951), foi criado o Instituto Nacional de

Pesquisa da Amazônia (INPA), com o propósito de coordenar as pesquisas na

Amazônia. Em 1953, a Cepvea deu origem à Superintendência do Plano de

Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) (ANTIQUERA, 2006, p.37).

Outro fator que demonstra o desvio das atenções da política externa

brasileira em relação à Amazônia após o arquivamento do IIHA foi o contexto

internacional. A conjuntura mundial no período de 1946-1961 era de Guerra Fria,

e a política externa brasileira estava pautada no alinhamento com os EUA -

exemplificados na assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca

(1947), na Comissão Mista Brasil-EUA (1950) e no Acordo de Cooperação Militar

(1952), e nesse contexto era menor o espaço para projetos voltados aos países

latino-americanos. Tanto o Brasil como a América Latina apareciam no sistema

internacional como áreas de influência dos EUA (Ibid., p.38).

2.4 A era dos “Grandes Projetos”

Mas, se internacionalmente a Amazônia perde importância na atuação

política do Brasil, no âmbito nacional a partir de 1953 se inicia a era dos

chamados “grandes projetos” para a Amazônia, em que o Estado passa a tomar

iniciativas para tentar incorporar a vasta área desgarrada do país (SILVA, M.,

2004, p.37-38).

Juscelino Kubitscheck assume a presidência do Brasil em 1956 e institui o

Plano de Metas visando à unificação dos mercados nacionais através do

desenvolvimento dos setores de energia, transporte, comunicações, entre outros.

Ocorre à transferência da capital federal para Brasília, e são construídas rodovias

no entorno da floresta amazônica - Belém-Brasília e Brasília-Acre – o que

intensifica a expansão para o norte do país, atraindo imigrantes de vários lugares

bem como especuladores de terra. (BECKER, 2009, p. 216).

A partir do Golpe Militar em 1964, a segurança e o desenvolvimento

passam a obter papel de destaque na formulação das políticas públicas. Diversos

planos e projetos são criados para a região amazônica, dentre eles destacam-se:

A Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia

(SUDAM), criada por meio da Lei 5.173 de 27.10.1966 no governo

28

Castelo Branco em substituição a Superintendência do Plano de

Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), visava promover o

desenvolvimento da região amazônica através de incentivos fiscais e

financeiros especiais para atrair investimentos privados, nacionais e

internacionais;

A Superintendência da Zona Franca de Manais (SUFRAMA) fruto do

Decreto-lei nº 288, de 28.02.1967 no governo Castelo Branco, com o

objetivo de promover o desenvolvimento sócio-econômico da região

mediante geração, atração e consolidação de investimentos, visando

à inserção internacional competitiva, principalmente por meio de

incentivos fiscais;

Projeto Radar da Amazônia (RADAM), executado nos anos 1970,

cuja finalidade era elevar o potencial da região nos aspectos

madeireiro, da fertilidade do solo e da presença de minérios;

Programa de Integração Nacional (PIN) criado em 1970 no governo

Médici com o objetivo de aumentar o número de eixos para melhor

integrar a Amazônia a outras regiões do país, de forma a favorecer

um maior desenvolvimento da região – rodovias Transamazônica,

Cuiabá-Santarém e Perimetral Norte;

Tais órgãos foram planejados em ordenamento as diretrizes de segurança

e desenvolvimento, oriundos da Doutrina de Segurança Nacional. A prioridade era

ocupar e integrar a região ao resto do país – daí o slogan “integrar para não

entregar”, fruto da preocupação dos militares com a possível vulnerabilidade da

Amazônia a interesses externos, pois a região era vista como um grande vazio

demográfico. Essas ações podem ser analisadas como uma forma do Estado

assegurar a soberania do território amazônico (SILVA, M., 2004, p.37-38).

Porém, as iniciativas governamentais para a Amazônia causaram impactos

e transformações no espaço geográfico da região. Com a construção das

estradas durante a implementação do Programa de Integração Nacional (PIN),

correntes migratórias foram incentivadas pelo governo federal através do Instituto

29

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) com o lema “Terras sem

homens, para homens sem terra”. Tal migração causou um aumento populacional

brusco em muitas cidades da Amazônia: vindos do nordeste e do sul os migrantes

se dedicaram ao garimpo existente na região desde o início do século XX,

atraente aos grandes contingentes populacionais sem qualificação profissional.

Os garimpeiros exerciam suas atividades sem qualquer controle ambiental, o que

gerou um imenso impacto – com poluição de rios por mercúrio, dentre outros

resíduos tóxicos - em áreas tradicionalmente ocupadas por indígenas. Além disso,

o aumento da violência contra grupos indígenas pode ser sentido, e o

alastramento de doenças como a leishmaniose, a malária, a gripe e a tuberculose

foi notável. Após a suspensão da atividade garimpeira nas áreas indígenas houve

um verdadeiro descaso com esta população migrante que sem ter como retornar

às suas regiões de origem, e sem qualquer programa governamental que os

auxiliasse, ficaram expostas a condições de vida degradante e acabaram por

habitar as periferias das cidades amazônicas aumentando os problemas

ambientais urbanos, ou ainda partiam para outras zonas de garimpagem ilegal.

(Ibid., p.39-40).

Outra atividade impulsionada pela a abertura das estradas foi à pecuária

extensiva, que teve o incentivo da SUDAM e do Instituto Nacional de Colonização

e Reforma Agrária (INCRA). Neste processo, grades áreas florestais foram

devastadas e substituídas por pastagens, gerando mais impactos ambientais

como o empobrecimento dos solos e o desequilíbrio da fauna e flora originais. Tal

problema está presente na região até os dias de hoje, e no decorrer dos anos

houve à substituição da pecuária pela a plantação de soja, especialmente na zona

chamada “nova fronteira agrícola”. Com a valorização e ocupação dos territórios

amazônicos, surgem conflitos entre posseiros e a União (detentora de grande

parte das áreas protegidas), e também entre posseiros e índios.

Porém, o esforço interno de conquista e defesa dos territórios do norte do

país não teve uma ação de política externa correspondente. A pequena presença

da Amazônia na agenda internacional brasileira até a década de 1970 evidencia

um problema na atuação internacional do país: os denominados “grandes

projetos” com foco na segurança e desenvolvimento da região não foram

acompanhados por uma agenda internacional correspondente. Tal cenário

começa a se alterar a partir do governo Médici (1969-1974) decorrente de

30

algumas questões: regionalmente cresce a preocupação com a possível exclusão

do Brasil no subsistema no norte da América do Sul, materializada com a

formação do Pacto Andino em 1969; internacionalmente, as questões ambientais

começam a ganhar destaque na década de 1970 e a Amazônia passa a ser

encarada como um grande símbolo ecológico internacional em pauta no cenário

mundial. Tais fatores, aliados as mudanças no contexto internacional alteraram a

política externa brasileira para a Amazônia, que ganha destaque, e repercute na

criação do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) (ANTIQUERA, 2006, p.51-

54).

31

CAPÍTULO III: A AMAZÔNIA E OS DESAFIOS DA AGENDA

AMBIENTAL NO CENÁRIO INTERNACIONAL

A criação do Tratado de Cooperação Amazônica e posteriormente da

Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) podem ser

consideradas as mais notáveis respostas do Brasil e dos países amazônicos as

pressões internacionais em relação à região amazônica, já que é possível verificar

claramente a mobilização regional em prol da cooperação. O Brasil teve papel

central na criação de ambos os projetos, já que coordenou regionalmente as

iniciativas. Dessa maneira, no decorrer deste capítulo serão analisados os

principais fatos que levaram a diplomacia brasileira a liderar regionalmente tais

iniciativas.

3.1 A Criação do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA)

Durante a década de 1970 ocorrem alterações no sistema internacional que

refletiram as estratégias brasileiras daquele momento: a crise do petróleo em

1973, a crise econômica global gerada por decisões da OPEP (que implicou a

diminuição dos investimentos internacionais nos países em desenvolvidos, bem

como a escassez do crédito internacional), e o aumento do preço da energia

colocaram em xeque o projeto brasileiro de desenvolvimento.

Ocorrem alterações na política externa brasileira e o país passou a

diversificar seus parceiros internacionais através da aproximação dos países da

América Latina e de outros países (inclusive externos ao bloco Ocidental). Tal

aproximação tinha não só uma motivação econômica (diversificação de mercados

e parceiros), mas também foi estimulada por uma pretensão do Brasil em alcançar

certa liderança no bloco dos países menos desenvolvidos. Desenvolvimento

interno e projeção internacional. Para alcançar esse duplo objetivo, a política

externa, sob o governo Geisel adotou uma postura heterodoxa, sem restrições

geográficas ou ideológicas de seus parceiros.

No âmbito regional havia a preocupação com uma possível exclusão do

Brasil no subsistema no norte da América do Sul, ameaça materializada com a

formação do Pacto Andino (1969). Além disso, apesar do bom relacionamento

32

com a Argentina nesse período, ainda havia entre os dois países uma disputa

pela “liderança” e influência na América do Sul. Tais fatores contribuíram para a

intenção brasileira de aproximação dos vizinhos latino-americanos.

Aliada as questões expostas, durante a década de 1970 apesar de não

encerrada a Guerra Fria, o conflito bipolar perde intensidade e questões que irão

marcar o pós-Guerra Fria - como meio ambiente e direitos humanos - começam a

aparecer na pauta global. Em 1972 ocorre em Estocolmo a primeira Conferência

da ONU sobre o meio ambiente após a publicação do relatório do Clube de

Roma5 em 1970. No encontro, a emergência do meio-ambiente como pauta da

agenda global traz uma nítida divisão entre os países mais e menos

desenvolvidos. Os países mais ricos adotaram uma postura preservacionista,

defendendo a idéia que a exploração dos recursos naturais para o

desenvolvimento nacional a curto prazo não poderia ignorar os custos globais a

longo prazo. Por outro lado, as nações menos desenvolvidas reivindicavam o

direito ao desenvolvimento alegando ser a pobreza uma das principais

causadoras da degradação ambiental, e dessa forma defendiam que as

preocupações ambientais deveriam levar em conta o combate as desigualdade no

plano global (SILVA. M., 2004, p.40).

Os países amazônicos, em sua maioria, estavam empenhados em

programas de desenvolvimento das respectivas Amazônias. O discurso adotado

por eles era de que a defesa da preservação ambiental pelos países ricos era

uma maneira de impedir o crescimento econômico dos países menos

desenvolvidos; para eles, as nações desenvolvidas visavam à manutenção da

estrutura econômica global. Os programas brasileiros para o desenvolvimento

regional na Amazônia (citados anteriormente) sofreram fortes críticas

internacionais por seus impactos ambientais, e a diplomacia brasileira começa a

adotar uma posição mais agressiva, repudiando a interferência nos assuntos

internos da nação.

Assim, se desenrola o debate sobre o alcance e os limites da soberania

nacional. De um lado, os países desenvolvidos sustentavam que a exploração da

natureza em um determinado país pode gerar efeitos em outros, de forma que a

soberania nacional não poderia impedir certo controle internacional das políticas

5 A HISTÓRIA DO CLUBE DE ROMA, s/d. Criado em 1968, o Clube de Roma é uma Organização Não Governamental internacional, e tem como objetivo desenvolver estudos sobre temas ambientais.

33

internas que tenham possíveis conseqüências ecológicas. Com essa concepção

surge a idéia de que algumas áreas deveriam ficar sob controle internacional. De

outro lado, os países menos desenvolvidos se opuseram incisivamente a qualquer

limitação da soberania, defendendo o direito exclusivo de exploração dos

respectivos recursos naturais. Uma derivação de tal controvérsia foi à discussão

sobre o princípio da consulta prévia, segundo o qual um país não poderia agir na

exploração de recursos que envolvem outros países (como no caso de rios

transfronteiriço, por exemplo). Seria necessário um entendimento com o vizinho

envolvido, ainda que as iniciativas fossem exclusivamente nacionais (ROMÁN,

1998 apud ANTIQUERA, 2006, p. 53-54).

Como reflexo do contexto exposto, para Antiquera (2006, p. 57-58), a

negociação e assinatura do TCA em 1978 - composto por Brasil, Bolívia,

Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela - durante o governo

Geisel foi à solução diplomática brasileira encontrada para articular os diferentes

níveis de interesse:

1) O debate internacional e a posição do Brasil no mundo: o tratado

responde às questões ambientais, defende a soberania, a exclusividade

dos países na exploração dos próprios recursos, reforça o direito ao

desenvolvimento e reflete a postura do pragmatismo responsável;

2) O contexto regional: fica clara a intenção de aproximação dos vizinhos,

de dissipação de quaisquer receios relativos ao Brasil, e também é

possível identificar a busca por uma liderança regional;

3) As questões especificas da Amazônia: o tratado visava ser um

instrumento para ajudar os signatários a incorporar o território

amazônico a suas respectivas economias, compartilhar experiências,

aumentar a qualidade de vida das populações, desenvolver tecnologias

específicas, melhorar a infra-estrutura da região, garantir a preservação

do meio ambiente, proteger um espaço frágil contra pretensões

externas, e incorporar a região aos esforços nacionais de

desenvolvimento.

34

Dessa maneira nasce o TCA, com o objetivo central de acompanhar o

desenvolvimento da região monitorando o equilíbrio entre o crescimento

econômico e a preservação do meio-ambiente. Pode ser considerada uma

iniciativa de cooperação internacional importante para fortalecer os laços

diplomáticos entre o Brasil e seus vizinhos amazônicos (SILVA, M., 2004, p.40).

Figura 3 - Países membros do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA)

Fonte: ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA, s/d.

Disponível em: http://pl.wikipedia.org/wiki/Organizacja_Traktatu_Wsp%C3%B3%C5%82pracy_Amazo%C5%84skiej.

Acesso em: 18.10.2010.

Assiste-se nos anos seguintes a Conferência de Estocolmo uma

progressiva expansão do movimento ambientalista no cenário internacional,

notadamente com o surgimento de organizações não-governamentais (ONG´s),

grupos comunitários, agências estatais, comunidade científica, empresariado e

partidos políticos (os Verdes), que vão disseminando a discussão ambiental em

diversos níveis, conformando um capilarizado movimento multissetorial (LEIS &

VIOLA, 1995 apud SILVA, A., 2006, p.7). Numa perspectiva mais ampla, a

vitalidade do ambientalismo como percepção diferenciada da realidade social,

passa a conformar o status quo do sistema dominado pela lógica mercantil; em

outros termos, para Leis (apud SILVA, A., 2006, p.7), a dinâmica da sociedade

moderna é governada por um duplo movimento de difícil equilíbrio: o da expansão

contínua do mercado, o qual tem como objetivo se estabelecer sobre bases auto-

reguladas, e que se supõe o predomínio de valores materiais; e outro, do contra-

35

movimento destinado a frear e regular o mercado, o qual tem como objetivo a

proteção do homem e da natureza.

Porém, após a criação do TCA tem-se um período de relativa estagnação

da política externa brasileira com relação à Amazônia durante a década grande

parte da década de 1980.

3.2 O Programa Calha Norte (PCN) e a Conferência RIO-92

A entrada em vigor do TCA, em 1980, não produziu uma ação conjunta dos

países participantes do tratado, muito menos ganhos concretos em parcerias ou

projetos comuns; o tratado passou por uma fase de relativa inoperância. A

prioridade da política externa brasileira do período era notadamente econômica,

com especial atenção aos problemas da dívida. E a cooperação com os países

amazônicos, bem como os temas específicos da região não faziam parte do foco

da agenda externa brasileira. A situação política interna de alguns países, bem

como as disputas regionais foram fatores a justificar o pequeno empenho na

efetivação do TCA. Em 1981 há um confronto militar entre Peru e Equador, e o

Brasil tem papel relevante na condução das negociações de paz. No mesmo ano

há um golpe no Suriname que causou preocupação da diplomacia brasileira com

uma possível aproximação deste país com Cuba. Também o possível perfil

“esquerdista” do governo boliviano foi motivo de atenção por parte do governo

brasileiro. Em síntese, a importância maior dos países que dividem com o Brasil a

Amazônia dizia respeito a recursos naturais e energéticos e considerações

relativas à segurança. Nem um nem outro assunto estava no âmbito do TCA, o

que torna simples compreender porque o acordo foi basicamente inoperante até o

final da década de 1980, como reconhece a própria literatura oficial sobre o

tratado (ANTIQUERA, 2006, p.95-96). Portanto, grande parte da década de 1980

mostrou que o Tratado, mesmo após assinado, ficou como um instrumento

desvalorizado até que fosse considerado útil, no final da década. Ou seja, pode

ser considerado como um instrumento de valor condicionado à utilidade de acordo

com o momento da política externa brasileira.

Uma nova fase de fortes pressões internacionais em relação à Amazônia,

repercutindo em uma postura de confronto do Brasil com os países desenvolvidos

vai ressurgir no final da década de 1980. Em 1987 o país decreta a moratória de

36

sua dívida, e, a partir de 1988, a Amazônia e as questões ambientais voltam com

força para o centro do debate mundial. Surge uma nova consciência em relação à

interdependência ecológica dos Estados: os países desenvolvidos, as ONG´s

ligadas ao movimento ambientalista, e a opinião o pública internacional passam a

condenar os danos ao meio-ambiente ocorridos nos países subdesenvolvidos,

resultando em um aumento significativo das pressões internacionais sobre o

governo brasileiro e os demais governos dos países amazônicos, principalmente

entre os anos de 1988 e 1993. O marco desta nova etapa foi o assassinato do

ambientalista Chico Mendes, em 1988. Chico Mendes foi seringueiro, sindicalista

e ativista ambiental, lutou pelas causas amazônicas e conseguiu apoio

internacional para a luta dos seringueiros, seu assassinato teve grande

repercussão no cenário internacional. Em 1989 o tema dos povos indígenas se

fortalece no plano internacional - o líder Ianomâmi Davi Kopennawa foi

contemplado com o Prêmio Global 500 da ONU, e no mesmo ano vários líderes

indígenas visitam os EUA. Entidades como o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial passaram a restringir empréstimos a

projetos de países causadores de impactos ambientais. A pressão internacional e

a reação do governo brasileiro – que encarou a pressão como interferência na

soberania do país - vão levar a certa revitalização do TCA, que será transformado

em Organização Internacional na década de 1990 (ANTIQUERA, 2006, p.97-98;

SILVA, M., 2004, p.41-42).

A diplomacia brasileira reage com maior ativismo nos fóruns multilaterais

visando combater as críticas internacionais com um discurso em favor do Terceiro

Mundo. O tom agora é de cobrança da responsabilidade dos países ricos pelo

subdesenvolvimento, principalmente em razão do protecionismo, e em razão

disso a necessidade dos desenvolvidos fornecerem recursos para amenizar os

problemas, bem como consentirem numa alteração do padrão de relacionamento

econômico internacional (ANTIQUERA, 2006, p.96).

Preocupado com a defesa da região, o presidente José Sarney (1985-

1990) lança em 1985 o Projeto Calha Norte (PCN), o qual já vinha sendo

articulado desde o regime militar. O objetivo do PCN era ocupar e desenvolver a

Amazônia ao Norte das Calhas dos Rios Solimões e Amazonas através do

incentivo a inserção da comunidade civil na faixa da fronteira deserta, uma

iniciativa, que de acordo com Silva (2009, p. 25) visava “dizer ao mundo que a

37

Amazônia tinha dono”. Assim como o TCA no final da década de 1970, o PCN foi

utilizado como um instrumento de Política de Estado para a região em resposta as

pressões internacionais daquele momento.

Figura 4 - Área de cobertura do Projeto Calha Norte

Fonte: BANDEIRA, s/d. O Projeto Calha Norte.

Disponível em: http://geolibertaria2.blogspot.com/2010/03/projeto-calha-norte.html.

Acesso em: 18.10.2010.

Ao dar continuidade às ações políticas para a Amazônia, Sarney adotou

uma postura defensiva em relação às críticas dos ambientalistas, em

contraposição à postura mais agressiva dos militares no período anterior. No

entanto, continuou utilizando a soberania nacional como centro da argumentação

para defesa dos direitos do país sobre a região amazônica. Tal visão pode ser

encarada como uma manifestação de influência dos militares na formulação de

ações para a Amazônia, influência que irá diminuir a partir do governo de Collor

de Mello (SILVA, M., 2004, p.43).

Além disso, durante o governo de Sarney foi introduzida uma nova e

avançada legislação ambiental, e foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

e dos Recursos Naturais Renováveis. Em 1989, articulou-se a Declaração de

Manaus, com o objetivo de deixar claro ao resto do mundo que os países

Amazônicos eram os únicos responsáveis pelo seu território, e que não

permitiriam que os outros países interferissem a fim de impor suas condições. No

cenário internacional, o fim da Guerra Fria trouxe consigo a ascensão das

chamadas “novas ameaças” à segurança internacional, também conhecidas como

“ameaças irregulares”. Dentre elas, destacam-se: o tráfico de drogas, o crime

organizado, as guerrilhas, o terrorismo, além dos problemas ambientais. Neste

38

novo contexto, a Amazônia brasileira passa a ser encarada pelos militares como

uma zona de vulnerabilidade estratégica, uma vez que constitui arena privilegiada

para a expansão potencial da maioria destes problemas (Ibid., p. 43-44).

Nos primeiros anos da década de 1990, o presidente Fernando Collor

(1990-1992) criou uma nova Secretaria de Meio Ambiente que recebeu

empréstimos do Banco Mundial e da Alemanha para viabilizá-la. Além disso,

cedendo a pressões de organizações indigenistas e ambientais, homologou em

maio de 1992 (às vésperas da RIO-92) uma das mais polêmicas reservas

indígenas brasileiras, a reserva Ianomâmi.

Em relação às críticas externas as questões ambientais brasileiras, nota-se

uma atitude mais receptiva no governo Collor, o qual demonstrou estar disposto a

fazer mudanças no sentido de promover a preservação ambiental, a fim de

melhorar a imagem do Brasil no exterior. Essa atitude pode ser comprovada,

segundo Silva (2004, p.46-47), com a promoção da RIO-92 ou conferência das

Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. O Brasil ofereceu-se

para sediar a conferência ainda no governo Sarney, e foi considerada um marco

das relações multilaterais e um grande feito diplomático, reunindo 108

representantes de Estados para discutir temas ambientais e formas de

desenvolvimento que evitassem o esgotamento dos recursos naturais da terra.

Além da reunião dos representantes dos países, houve também um Fórum Global

da sociedade civil, que contou com a participação de ONG´s de diversos países.

Os principais objetivos da RIO-92 eram:

Avaliar o estado do planeta desde Estocolmo;

Avaliar as estratégias regionais, globais, nacionais e internacionais

para restabelecer o equilíbrio do meio ambiente e evitar sua

degradação;

Considerar os avanços do direito ambiental e os direitos e deveres

dos países na área ambiental;

39

Buscar saídas para o desenvolvimento sem prejuízos ao meio

ambiente.

Este último objetivo fortaleceu o uso da expressão “desenvolvimento

sustentável” nas discussões ambientais.

A RIO-92 é vista, então, como uma grande oportunidade para o Brasil

barganhar, juntamente com os países menos desenvolvidos (em especial seus

vizinhos da América Latina), com os Estados mais ricos o repasse de recursos e

tecnologias aos mais pobres, para apoiar o desenvolvimento e também os

projetos de gestão das respectivas “área verdes”. Com o intuito de afirmar uma

posição no debate global, aumentar e consolidar o fluxo de recurso com os países

desenvolvidos, a diplomacia brasileira pretendia coordenar posições para ter

maior peso nas negociações.

Dessa maneira, é possível verificar que a criação do PCN e a promoção da

conferência RIO-92 estão diretamente relacionados às pressões internacionais

pautadas nas questões ambientais que pressionaram fortemente as tomadas de

decisões do governo brasileiro.

3.3 A Retomada do TCA: A criação da Organização do Tratado de

Cooperação Amazônica (OTCA)

Outra iniciativa de grande importância que surge como reflexo das

pressões ambientais impostas no cenário internacional no final da década de

1980 é a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, criada em 1995.

Durante a década de 1980 o TCA se apresentou ineficiente, pois não possuía

reconhecimento como organismo internacional, e se constituía, segundo Aragón

(2002 apud SILVA, A., 2006, p. 10), como um mero documento com a assinatura

dos Ministros de Relações Exteriores dos oito países amazônicos. A estrutura do

TCA não tinha autonomia suficiente para negociar programas e projetos na esfera

das relações transnacionais, porém, o status de Organização permitiu maior

flexibilidade e agilidade nas negociações multilaterais. A Organização do Tratado

de Cooperação Amazônica se projeta como um regime internacional de

cooperação na arena do multilateralismo amazônico (SILVA, A., 2006, p. 9).

40

Em 2003 a Secretaria Permanente da OTCA encerra o ciclo de Secretarias

Pro Tempore - que estabelecia o rodízio dos países-membros na coordenação do

Tratado - estabelecendo-se em Brasília com o desafio de formular uma agenda de

ações coletivas, pautada no uso integrado e sustentável dos recursos naturais da

região amazônica (Ibid., p.10)

Em setembro de 2004 em Manaus, durante a reunião de cúpula foi

aprovado pelos chanceleres o Plano Estratégico (OTCA, s/d) da Organização,

reafirmando o compromisso do tratado. O plano estratégico 2004-2012 tem como

objetivo:

Conservação e uso sustentável dos recursos naturais renováveis

Gestão do conhecimento e intercâmbio tecnológico

Integração e competitividade regional

Fortalecimento institucional

Os assuntos tratados na organização são: a) água; b) florestas, solos e

áreas naturais protegidas; c) diversidade biológica, biotecnologia e biocomércio;

d) ordenamento territorial assentamentos humanos e assuntos indígenas; e) infra-

estrutura social: saúde e educação; f) infra-estrutura de transporte, energia e

comunicação.

O OTCA como rede de governança transnacional tem um papel

fundamental na construção de instrumentos normativos capazes de dar coesão

aos princípios e políticas definidas nas negociações multilaterais dos países que

formam a Amazônia Continental.

41

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como enunciado no início dessa monografia, o objetivo geral proposto era

analisar a influência das pressões internacionais sobre a política externa brasileira

para a região amazônica. Ao retomar a perspectiva histórica das políticas brasileiras

para a Amazônia, foi possível verificar que a mobilização do país, em âmbito

regional e internacional teve grande influência do contexto internacional e das

pressões externas ao Norte da América do Sul.

Em síntese, dois movimentos merecem destaque nesse contexto: o medo da

internacionalização da Região Amazônica, e a necessidade de responder às críticas

internacionais ambientais presentes na agenda mundial a partir da década de 1970.

Esses fatores estiveram presentes de alguma forma em momentos anteriores à

mobilização política brasileira para a Amazônia.

O receio brasileiro da ameaça de dominação externa aparece em diversos

momentos, tais como: no Império, com a intenção expansionista norte-americana

responsável pela primeira campanha anti-americana no Brasil; na República Velha,

com o temor da interferência norte-americana na fronteira Brasil-Bolívia - questão do

Acre – resolvida por Rio Branco em 1903; no Estado Novo, com o arquivamento do

projeto do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA); dentre outros exemplos

citados.

A partir da década de 1970, o temor brasileiro de interferência internacional

nos assuntos amazônicos se demonstra na mobilização diplomática para diminuir as

críticas internacionais - decorrentes do agravamento da crise ambiental presente no

cenário mundial a partir da conferência de Estocolmo em 1972. A reação brasileira é

apresentada na liderança da criação do Tratado de Cooperação Amazônica que,

posteriormente, se transformou em Organização Internacional, e na promoção da

conferência RIO-92.

Contudo, é importante ressaltar que a criação da Organização do Tratado de

Cooperação Amazônica, apesar de aparecer como uma resposta às interferências

internacionais, surge como um importante organismo internacional para a região. A

organização cria um ambiente adequado para facilitar as negociações e alcançar os

objetivos comuns, fazendo com que a cooperação regional seja possível. Há muitas

razões para pensar que a Amazônia, cada vez mais, tem e terá um papel geopolítico

42

importante no contexto regional e mundial, e por isso a OTCA está destinada a

representar uma função de relevância.

Porém, para obter sucesso, alguns fatores estão envolvidos. Há de se

analisar se, desde a sua criação, a instituição vem se apresentando sólida, e capaz

de responder as realidades e interesses dos países membros, e se existe vontade

política dos Estados amazônicos em ceder parte de suas soberanias aos interesses

regionais. Caso contrário, a organização não passará de um mero instrumento

político imediatista, que resolverá questões pontuais em resposta ao contexto e

pressão internacional, não atingindo o principal objetivo proposto: trabalhar em prol

do desenvolvimento sustentável da região amazônica.

43

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