a abordagem cultural na prÁtica pedagÓgica: anÁlise...

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i EMILE MIACHON A ABORDAGEM CULTURAL NA PRÁTICA PEDAGÓGICA: ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA COM O TEATRO DE BONECOS EM ESCOLAS PÚBLICAS. CAMPINAS – SP – DÉCADA DE 2000. 2006

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EMILE MIACHON

A ABORDAGEM CULTURAL NA PRÁTICA PEDAGÓGICA:

ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA COM O TEATRO DE BONECOS EM

ESCOLAS PÚBLICAS. CAMPINAS – SP – DÉCADA DE 2000.

2006

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iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A ABORDAGEM CULTURAL NA PRÁTICA PEDAGÓGICA:

ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA COM O TEATRO DE BONECOS EM

ESCOLAS PÚBLICAS. CAMPINAS - SP - DÉCADA DE 2000.

Autora: EMILE MIACHON

Orientadora: Clara Germana de Sá Gonçalves Nascimento

Este exemplar corresponde à redação final da

Dissertação defendida por EMILE MIACHON e

aprovada pela Comissão Julgadora.

Data: 22 de fevereiro de 2006

Assinatura:________________________________ Orientadora

COMISSÃO JULGADORA

2006

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© by Emile Miachon, 2006.

Ficha catalográfica elaborada pela biblioteca da Faculdade de Educação/UNICAMP

Keywords: Learning; Cultural policy; Laughter; Schools; Art and education Área de concentração: Políticas de Educação e Sistemas Educativos Titulação: Mestre em Educação Banca examinadora: Profa. Dra. Clara Germana de Sá Gonçalves Nascimento Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes von Simson Profa. Dra. Maria Alzira de Almeida Pimenta

Profa. Dra. Maria Marcia Strazzacappa Hernandez Profa. Dra. Ana Maria de Abreu Amaral

Profa. Dra. Neusa Maria Mendes de Gusmão Data da defesa: 22/02/2006

Miachon, Emile M58a A Abordagem cultural na prática pedagógica : análise de uma experiência com o Teatro de Bonecos em Escolas Públicas – Campinas, SP - década de 2000 / Emile Miachon. -- Campinas, SP: [s.n], 2006. Orientador : Clara Germana de Sá Gonçalves Nascimento. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

1. Aprendizagem. 2. Política Cultural. 3. Riso. 4. Escolas. 5. Arte e Educação. I. Nascimento, Clara Germana de Sá. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

06-025-BFE

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AGRADECIMENTOS

Será que conseguimos contemplar todos aqueles que nos motivaram? Um desafio

grande e prazeroso de ser enfrentado - rememorar tudo que nos levou a realizar um

trabalho:

O aconchego na Academia da professora Clara Germana, seu sorriso de incentivo, o

diálogo amigo, o Grupo de Pesquisa Educação, Trabalho e Cultura Organizacional –

GPETCO - Alzira, Zilda, Iara, M.Rita, Milton e Rosângela.

Agradeço aos professores que nos receberam como aluna-ouvinte José Luis

Sanfelice e Maria da Glória Gohn - valor imenso no aquecimento do cérebro.

Ao pessoal de apoio da Faculdade, da secretaria, da portaria, da limpeza, da

biblioteca, do xerox e da cantina, enfim estes importantes “anônimos”, sem os quais, nada

funciona.

Aos professores que nos apresentaram leituras e autores novos: Olga Von Simson,

Carol Bovério, Newton Bryan, Neusa Gusmão, Norma Ferreira e outros.

À Gladys Martinelli que se dispôs a nos ajudar na correção da língua escrita.

Às meninas Márcia e Teca, do Grumaluc, sem as quais faltaria a realidade concreta

para pensar, pela amizade sincera e pelas conversas, cervejas e risadas. Aos alunos e

educadoras das escolas visitadas, pois em eles não teríamos a realidade para analisar.

Rememorando nossos passos na área artística, agradecemos os incentivos e

experiências com Altair Pitta, que nos iniciou no desenho, ao maestro Mário de Túlio e

Terecida Sins Pintor no piano, às professoras de danças clássicas, de canto orfeônico, à

Adriana Giarola, regente do coral Unicamp, a Antonio Rezende e Fábio Penteado na

arquitetura e a muitos outros que nos instigaram e nos sensibilizaram em diferentes campos

da arte.

À minha família: mãe Adelaide, esposo e volovelista Mário, adultos que vivem

conosco nossas etapas; aos sobrinhos Marcelo e Júlia, crianças que ajudam a ver com olhos

miúdos.

Não poderia deixar de agradecer à vida, amiga companheira nos passos que damos,

às vezes incertos, cambaleantes, que nos conduzem como num planeio em territórios novos.

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RESUMO

A pesquisa enfoca o trabalho artístico e suas potencialidades para o aprendizado e a

formação dos indivíduos. Nossa experiência referenda-se a um grupo de Teatro de Bonecos

e nosso locus é a escola pública, enquanto lugar de encontro, entre o espetáculo teatral e a

reação da platéia. Esta ação cultural que rompe com as rotinas escolares, pode instigar a

construção de conhecimentos pela experiência estética.

Explicitamos o viés das sensibilidades, para além da racionalidade instrumental e da

lógica mecanicista. Buscamos pistas e ressonâncias nos olhares dos espectadores para

esboçarmos uma concepção de educação, que valoriza elementos de diferentes culturas,

especialmente a cultura popular, que inclui, amplia possibilidades, liberta pela reflexão

crítica e forma as consciências.

Aproximamo-nos das questões referentes ao Teatro de Bonecos, dialogando com

seus elementos: quadros, episódios, cenas, temas, técnicas de manipulação, riso, grotesco,

musicalidade, dança, estrutura dramática, focando a reação do público. Nosso objetivo é

aprofundar os conhecimentos sobre o Teatro de Bonecos no Brasil, em seu contexto

histórico, formado pela colonização e domínio de fora, resgatando seu sentido de

resistência expressa na cultura popular. Destacamos nessa abordagem o riso, o elemento

cômico e suas possibilidades para auxiliar na formação, de ser re-significado, resgatando

sua ambigüidade.

As escolas, inseridas na sociedade moderna, ao se abrirem para novas experiências,

podem ampliar o aprendizado, que, necessariamente, inclui a cultura no seu cotidiano.

Pretendemos conscientizar educadores e artistas sobre a necessidade de pesquisas na área.

As dificuldades deste trabalho artístico e o sentido de ruptura do mesmo são

abordados, buscando condições para fomentarmos políticas culturais, que ajudem a manter

vivo o Teatro de Bonecos, como uma das opções para se garantir o acesso de todos a

diferentes expressões artísticas, enriquecendo assim seu capital cultural.

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ABSTRACT

The purpose of this research is to reflect on the artistic work and its potentialities for

the learning and the formation of individuals. Our experience is authenticated with a group

of Puppet Theater and our regard is for the public school, as the spot of this meeting,

between the theatrical show and the audience’s response. This cultural action, which breaks

the school routines, can instigate the construction of knowledge through the aesthetic

experience.

We make explicit the bias of the sensibilities beyond the instrumental rationality

and the mechanistic logic. We search for clues and resonance in the spectators’ looks to

sketch a conception of education, which values elements of different cultures, especially the

popular culture, which includes, extends possibilities, frees through critical reflection and

forms the consciences.

We approach our look to the issues concerning the Puppet Theater, dialoguing with

its elements: episodes, scenes, subjects, manipulation techniques, laughter, grotesque,

musicality, dance, dramatic structure, focusing on the audiences’ response. Our objective is

to deepen the knowledge on Puppet Theater in Brazil, in its historical context, formed by

colonization and the great influence from abroad, restoring its sense of resistance,

expressed in popular culture. In this approach we draw attention to laughter, the comic

element and its possibilities to assist in the formation, as redefined, restoring its ambiguity.

The schools, inserted in modern society, when opening up to new experiences, can

extend the learning, which necessarily includes the culture in their daily routine. We intend

to make educators and artists aware of the need for researches in this area.

The difficulties of this artistic work and its sense of rupture are approached, looking

for conditions to foment cultural policies, which can help maintain the Puppet Theater

alive, ensure that all have access to different artistic expressions, enriching their cultural

capital.

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SUMÁRIO

RESUMO vii

ABSTRACT ix

INTRODUÇÃO 01

Convite ao vôo 01

Construção da pesquisa 05

Estrutura dos capítulos 08

CAP. 1 – A ARTE CONTRIBUINDO NA FORMAÇÃO DOS INDIVÍDUOS 11

1.1- Diferentes formas de expressão 14

1.2- Construção do campo teatral brasileiro 15

1.3- Teatro de Bonecos e formação dos bonequeiros 17

1.4- Aprender-fazendo, práticas artesanais no Teatro de Bonecos 24

CAP. 2 – O TEATRO DE BONECOS E A RECEPÇÃO 27

2.1- A trajetória do Grumaluc 27

2.2- O folclore como forte elemento do Teatro de Bonecos 37

2.3- O Teatro de Bonecos e seus elementos 43

2.4- Elementos de análise dos espetáculos 49

CAP. 3 - ANÁLISE DA PEÇA: O VERÃO 53

3.1- O grotesco 65

3.2- O riso 67

CAP. 4 - ANÁLISE DA PEÇA: MAIS VALE UM ESGOTO LIMPÃO... 81

CAP. 5 - A ESCOLA COMO LOCAL DE TROCAS CULTURAIS 111

5.1- A constituição das práticas pedagógicas na escola pública brasileira 111

5.2- Outros modelos para a construção dos saberes 115

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5.3- Potencialidades do Teatro na escola 120

CAP. 6 - CULTURA POPULAR, PATROCÍNIO, FINANCIAMENTO NA ERA DA

GLOBALIZAÇÃO 129

6.1- A indignação defendendo a cultura 129

6.2- A voz dos que vivem do Teatro de Bonecos 132

6.3- Gestão da cultura, duas experiências brasileiras 136

6.4- Organização da sociedade civil e o papel das ONGs.

Marketing Cultural e marketing Social 140

CONSIDERAÇÕES FINAIS 145

LISTA DE FIGURAS 151

LISTA DAS ENTREVISTAS - FONTES ORAIS 153

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 155

ANEXOS

Anexo 01- Release das peças em cartaz do Grumaluc 165

Anexo 02- Relatório de apresentações da peça: O Verão 166

Anexo 03 - Texto da peça: O Verão 167

Anexo 04- Sugestões de atividades: O Verão 172

Anexo 05- Relatório de apresentações da peça: Mais vale um esgoto... (2003) 173

Anexo 06- Relatório de apresentações da peça: Mais vale um esgoto... (2004) 179

Anexo 07- Texto da peça: Mais vale um esgoto ... 185

Anexo 08- Sugestões de atividades: Mais vale um esgoto ... 187

Anexo 09- Depoimentos em espaços alternativos 188

Anexo 10- Modelo da Entrevista – Artistas 190

Anexo 11- Respostas das Entrevistas 191

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INTRODUÇÃO

Convite ao vôo

Convidamos o leitor a nos acompanhar num vôo, não um vôo qualquer, mas o

realizado em planador. Sem motor, parece arriscado. Este vôo necessita de outras pessoas

para conectar o cabo até o avião que o fará subir, segurar as asas do planador, correr junto

até que ele suba. Solicita do volovelista1 conhecimentos da natureza, do tempo, do ar, pois

o vôo só é possível através das térmicas2, uma busca constante para permanecer no alto. É

realizado o planejamento da navegação, averiguando os campos de pouso existentes no

caminho e conta-se muito com o fator sorte para encontrar as térmicas, que são sinalizadas

por aves catartidiformes, os urubus3. Estes companheiros são a alegria dos volovelistas,

pois eles são pistas exatas de localização das ascendentes. Voar, na mesma térmica, com

um urubu é um dos maiores prazeres do esporte.

Marcaremos de forma propositiva, os aspectos que consideramos importantes para

pontuar nosso planeio, nosso percurso, não como uma verdade, não como uma conclusão.

Trata-se de um olhar que permite ao leitor compreender nossa abordagem, de onde vemos,

o que vemos, que escolhas fizemos e o que envolveu esta construção e este aprendizado.

Nosso olhar dirigido ao objeto de pesquisa (o Teatro de Bonecos) e seu contexto (a

escola pública), inclui o diálogo com diferentes interlocutores, espectadores, artistas,

educadores e autores. Daremos voz e ouviremos, na busca de compreender diferentes

opiniões, contribuindo para o nosso próprio entendimento.

Aventurar-se no planador, este pequeno engenho construído com as mais modernas

técnicas da aerodinâmica, apresenta riscos e limitações. Requer sabedoria e troca com os

mais experientes. Em nosso vôo, quem nos elevará são os autores, parceiros escolhidos,

sábios e experientes, para nos indicar rotas, mostrar pistas e possibilitar o diálogo, a troca

para a construção de sentidos durante nosso percurso.

1 Volovelista é o nome da pessoa que pratica o esporte de vôo à vela, planador. 2 Térmicas são formações de ar-quente circulares, imprescindíveis, para aves e planadores, subirem e manterem-se voando. 3 Ave negra, de cabeça pelada. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2° edição. Ed. Nova Fronteira. 1986, p.1743. Personagem que figura em muitos contos populares, num papel de relativa simpatia. Dicionário do Folclore Brasileiro. Luís da Câmara Cascudo. 11° edição. Ed.Global, 2001, p. 711.

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Buscamos o impulso inicial, um impulso gerador, com Paulo Freire, presença

marcante na história e na cultura de nosso país, necessário para nos elevar, pois queremos

que a altitude possibilite olhar, com olhos atentos, nosso objeto de pesquisa – o Teatro de

Bonecos. Partindo da imagem de um caçador iletrado4, indagando o que é natureza e o que

é cultura, ele revela - nas palavras dos próprios educandos - as penas são da natureza,

enquanto estão no pássaro. Depois que o homem mata o pássaro, tira suas penas, e

transforma elas com o trabalho, já não são natureza. São cultura. Temos um conceito

histórico de cultura e trabalho, que inclui aquele que vê. Continuamos com os pensamentos

do autor: na transmissão do conhecimento às gerações mais jovens, faz-se educação.

Temos aqui um conceito que valoriza o trabalho do homem, seu grupo, sua cultura, à

medida que ele produz, transforma e cria.

Nosso objeto de pesquisa, o Teatro de Bonecos, tem raízes com e para as classes

populares, sinais de resistências no campo artístico e tentamos ver nele elementos que

potencializam uma perspectiva reflexiva, libertadora para quem o assiste.

Existe no Teatro de Bonecos um mundo complexo e quase inexplorado que pode,

por meio de seus elementos e concepções, revelar assuntos e temas diferentes, expressar de

forma inusitada uma linguagem que tem suas próprias técnicas e formas de manipulação e

construção. Felisberto Sabino da Costa5 (2000, p. 13) amplia nosso olhar, quando coloca

que o teatro de animação6 abarca uma série de estilos [...] Cada estilo é detentor de uma

série de técnicas específicas.

Nosso olhar se dirigiu para o trabalho de um grupo de Teatro de Bonecos, o

Grumaluc e a reação de seu público em escolas de Campinas, nos anos 2002 a 2004, por

meio de duas peças de seu repertório. Buscamos dar voz aos espectadores, educadores e

artistas que vivem desta arte. Nosso olhar nos remeteu às questões referentes à formação

dos indivíduos, relações institucionais na sociedade moderna e às políticas culturais,

constituindo-se numa busca, que inclui alternativas para manter viva esta arte.

4 Imagem proposta na 3° situação, no livro, “Educação como prática da liberdade”, Paulo Freire, p.136. 5 Seu doutorado USP/ECA, tratou da dramaturgia no teatro de animação, analisou 11 peças para adultos, tendo como fonte primordial a produção do Festival Internacional de Canela de 1999. 6 “Teatro e animação” é mais amplo e abrange várias formas de expressão, incluindo o “Teatro de Bonecos”.

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O trabalho do Teatro de Bonecos sofre preconceitos7 conforme observamos nos

diferentes segmentos da sociedade; atores e produtores culturais o consideram arte menor;

educadores não percebem suas potencialidades para o aprendizado; quando há

generalizações é desqualificado como teatrinho para criança. Concordamos com Humberto

Rodrigues (2004, p. 94), quando disse:

Onde tem preconceito, tem despotismo, prepotência, tirania, repressão e perseguição. Homens e Mulheres ao longo da história e em todo mundo defenderam seus direitos à diferença, conseguiram isso, não apenas pelos meios políticos tradicionais, mas pelas formas culturais de resistência.

Consideramos a formação dos indivíduos, elemento central para construirmos nossa

concepção de educação que funciona como eixo estrutural, na perspectiva potencial de ser

instigante, prazeroso e fornecer conteúdos para a compreensão da vida e do mundo.

Observamos o trabalho teatral do grupo na relação com seu público, buscando

evidências, pistas, elementos a serem pensados, estudados, analisados, relativos à

linguagem do Teatro de Bonecos; à Escola, ambiente onde ele acontece; às raízes que o

originaram; aos conceitos, códigos, enfim, elementos novos para nós, um desafio e, ao

mesmo tempo, uma escolha, construindo sentidos daquela atividade. Abriram-se novos

horizontes, para nós uma luta digna, motivadora e instigante - uma escolha que valia a

pena, uma causa onde podíamos dizer: coma sal com ele8.

O Grumaluc foi fundado em 1994, apresenta um percurso turbulento, com ventos

ascendentes e descendentes, pousos forçados, algumas surpresas e riscos, como no vôo do

planador. As situações apresentam similaridades, como o sentimento de uma presença

escondida, como sentir que há alguém segurando os fios das marionetes; o planeio é uma

experiência silenciosa, próxima demais da natureza, idéia que nos aproxima do Criador,

assim como podemos perceber a existência do ator-manipulador9.

O grupo é composto por duas pessoas que escrevem as peças, os textos, dirigem os

espetáculos, criam os bonecos e os manipulam - aprenderam fazendo como é característico

7 Opinião formada antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos. Novo Dicionário Aurélio. 1986, p. 1380. 8 Você diz que não lhe encontra defeitos? Coma sal como ele! Esta locução tradicional significa que o conhecimento será o resultado da convivência. Viver juntos, refeição em companhia, provando o mesmo sal, é a melhor escola para a revelação dos temperamentos. A intimidade consagra ou decepciona. Não há meio-termo. A locução continua popular. CASCUDO (2004, p. 29). 9 Profissional que dá vida aos personagens no Teatro de Bonecos.

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do trabalho artesanal. Novos conhecimentos servem de suporte e ampliam as formas de

fazer, a qualidade e a reflexão do trabalho desenvolvido, contendo muito de autodidatismo.

Pela observação das práticas do Teatro de Bonecos, pretendemos fornecer suportes

para outros grupos teatrais, ampliar os conhecimentos específicos da área e esboçar

políticas culturais no sentido de valorizar e garantir a sobrevivência de expressões que

bebem nas raízes populares, valorizar a arte e sua importância para a formação de pessoas.

Percebemos que há crescimento no grupo quando ele amplia os relacionamentos,

inclui novas experiências e profissionais de outras áreas de conhecimento. O teatro tem

potencial para a interdisciplinaridade, já que abrange música, artes plásticas, entre outros.

Participar de palestras e oficinas, observar espetáculos de outros grupos, pode melhorar a

qualidade do trabalho.

Levando em conta as diferentes formas de expressão, sem colocar juízo de valor,

respeitando as formas próprias do trabalho artístico, nossa abordagem quer dialogar com

outras áreas do saber, ultrapassando a fronteira oficial, realizando estudos sobre a realidade

local.

Aproximando-se do objeto pesquisado - o Teatro do Grumaluc - nosso interesse se

dirigiu ao encantamento que o boneco produz nos indivíduos: o riso possível e seu

significado; a importância da revelação da linguagem e os modos como ela acontece;

mecanismos de sensibilização do educador e a forma como se apropria do espetáculo para a

formação dos alunos; o processo de recepção do Teatro de Bonecos.

Tentamos compreender algumas relações na sociedade, dialogando com autores que

nos dão sustentação, elevam-nos para um planeio, para podermos olhar atentamente o

campo artístico do Teatro de Bonecos e as possibilidades deste na educação formal e não-

formal. Existe um modelo de educação nas escolas públicas, que pretendemos utilizar como

locus de transformação, como encontro dialogal e de construção de saberes, incluindo

experiências com arte e a partir daí, traçar algumas sugestões de políticas culturais.

Portanto nossa pesquisa vai se construindo, sendo feita, sendo pensada, por meio de

fios, pistas e portas que se abrem, dialogando com teorias, pensamentos, idéias que são

descobertas e partilhadas. À medida que a cortina se abre, o horizonte se revela como

resposta a uma busca de conhecimento. Para Marília Amorim (2004, p. 21) é a teoria, com

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o conjunto de suas proposições, que confere precisão e univocidade a uma significação e

permite assim, que se extraiam todas as conseqüências do que é dito.

Não queremos nos afastar da especificidade do objeto de nossa pesquisa, usaremos

uma metodologia que vai construindo o trabalho conceitual, baseado em hipóteses e

suposições, viabilizando um trabalho dialógico10, segundo Mikhail Bakhtin.

Esta possibilidade de diálogo torna possível as experiências da educação não-

formal, que para Cláudia Vasconcelos:

Experimenta-se, na prática, a construção de um conjunto de ações, reflexões e produções fluido, que se constrói e reconstrói cotidianamente, a partir do que emerge do público participante, havendo assim uma constante troca de saberes entre crianças, jovens, professores, pais, educadores populares e demais membros da comunidade, reconhecendo as diferenças culturais num exercício diário de criatividade e de expressão artística fundamentadas nos indivíduos e na coletividade. PARK e FERNANDES (2005, p. 16). Pensamos que o texto acadêmico produzido revela uma trajetória, uma história, um

contexto, num tempo definido, resultado das escolhas do pesquisador em relação às pessoas

que ouvimos, educadores e seus autores favoritos. A produção científica, para nós, é

também coletiva, permeada que é pela experiência acadêmica, mais nossos achados nas

bibliotecas e livrarias, na Internet, na realidade pesquisada, nas imagens, nas entrevistas, na

televisão, nos jornais e no rádio, na vivência teatral, nas oficinas, nas palestras e nas

lembranças significativas. Escolhas difíceis para nós, diante da complexidade inesgotável e

fascinante que este campo de conhecimento propicia. Os recortes são necessários para

concretizar o texto acadêmico. Pretendemos instigar novos pesquisadores nas diversas áreas

que abrangem nosso universo pesquisado: artístico, educação, social, cultural, motivando

outras pesquisas, experiências, outras trajetórias, outros olhares e outras vozes.

Construção da Pesquisa

Temos pela frente a difícil tarefa de transparecer nestas palavras iniciais as opções

que nos levaram a realizar esta abordagem, a retomar os estudos e a empreender esta etapa

de trabalho e de vida.

10 Dialógico - cada um toma a palavra para dizer o que pensa ser a verdade, dispersando ou superposicionando os assuntos. Categoria de análise dos gêneros discursivos AMORIM (2004, p. 106).

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Escolhemos analisar o trabalho do Teatro de Bonecos, concretizados pelo Grumaluc

em escolas porque participamos da divulgação deste grupo desde 2000 para Escolas,

Secretarias de Cultura e de Educação, empresas de Campinas e região.

Esta experiência possibilitou observarmos o trabalho do grupo em contato direto

com seu público, as reações da platéia e as necessidades e lacunas na educação referentes a

desenvolver alternativas metodológicas para o aprendizado.

Objetivamos aprofundar os conhecimentos da área de Teatro de Bonecos, refletindo

as intenções, os problemas que envolvem o trabalho, fazendo relações com as políticas

culturais e sobre a formação dos indivíduos.

Porque a formação nos interessa? Consideramos a formação como um elemento

central para compreender a vida, constituindo-se como um eixo para a concepção do

indivíduo. Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (1985) – onde nos graduamos –

pudemos ter contato com diferentes áreas do conhecimento: artes, exatas e humanas com

forte ênfase em trabalhos coletivos. Na ocasião estagiávamos no Projeto Rondon, que nos

marcou profundamente, numa comunidade da periferia de Campinas. Compreendemos a

necessidade de resistir a pressões, às forças atuantes nas disputas de poder, à necessidade de

luta para conquistar igualdade na distribuição de serviços urbanos, a duvidar e ser crítica

frente a afirmações e promessas. Iniciamos a difícil caminhada para aprender a trabalhar

enfrentando os conflitos, negociando contra submissão e principalmente aprendendo a

dialogar com o outro e com as diferenças.

Trabalhamos na área formal com Arquitetura, passamos para a área de Vendas que

nos incentivou a cursar a pós-graduação em Administração de Marketing e em seguida

fomos para a área de Treinamento até o ano de 1999. Retomamos os estudos na Educação

para ampliar conhecimentos frente a tantas mudanças no mundo do trabalho no início do

século XXI.

A arte, a criação e as formas de expressão estiveram presentes no nosso percurso de

vida e tivemos uma infância que nos possibilitou brincar, jogar, construir - fomos tocadas

por reminiscências quando nos deparamos com o Teatro de Bonecos, percebemos

evidências, pistas, elementos para serem analisados num contexto – a Escola Pública -

locus de encontro transformador.

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As raízes populares que constituem esta forma de expressão, sua diferente

linguagem artística fizeram-nos um desafio e, ao mesmo tempo obrigaram-nos a uma

escolha: buscar compreender o processo do trabalho artesanal do Grumaluc e relacionar

esta produção à formação escolar; ampliar os conhecimentos sobre Teatro de Bonecos, seus

elementos e as possibilidades desta arte promover o lúdico como alternativa de

aprendizagem; compreender formas de gestão cultural no âmbito de políticas públicas;

instigar os educadores para a importância da preparação do fato artístico para a formação

dos indivíduos.

Nosso foco é o trabalho de raiz popular - o Teatro de Bonecos – na educação não-

formal em contato com a educação formal, a alteridade como possibilidade estruturante e

tendência para um novo modelo de educação, ambos podendo contribuir para a construção

de uma nova sociedade.

Como foi realizada a pesquisa? Centralizamos a pesquisa nas atividades do

Grumaluc e trazemos as vozes de outros interlocutores que conheceram as peças analisadas,

outros artistas que vivem desta arte, outros grupos e suas experiências ou pontos de vista

sobre políticas públicas culturais. Também através de bibliografia específica e entrevistas.

Exercitamos diferentes fontes de análise recorrendo a:

Análise bibliográfica – essencialmente Bakhtin, Benjamin entre muitos outros

autores que nos foram apresentados pelas professoras de Faculdade de Educação da

UNICAMP (2002 a 2006). Por vezes mergulhamos no passado para construir um conceito,

resgatar pontos de vista que permitam compreender o que abordamos.

Análise iconográfica – fotos com as reações das crianças e trechos dos espetáculos

escolhidos.

Entrevistamos 20 coordenadoras pedagógicas, em entrevista semi-estruturada, via

telefone ou na escola após a apresentação do grupo, em 2003 (anexo 5) e em 2004

colhemos 5 relatos e sistematizamos as observações do campo pesquisado (anexo 6).

Filmamos e transcrevemos depoimentos de 6 espectadores em 2005 (anexo 9).

Entrevistamos 10 artistas atuantes no Teatro de Bonecos no Brasil, via e-mail pela

Internet em 2006 (anexo 11).

Optamos pela metodologia dialógica e buscamos confirmar ou trazer novos pontos

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de vista para compreender o cenário e o contexto analisado. Recorremos a artigos, palestras

e às nossas lembranças memorizadas dos diálogos com professoras de escolas e com as

artistas do Grumaluc.

Nossa perspectiva é para que esta abordagem ofereça algo, uma opção de diálogo

que faz o leitor relembrar seu passado, suas experiências escolares e não escolares com

artes e quem sabe com bonecos, instigando o uso das sensações, sentimentos e emoções.

Estrutura dos capítulos

A estrutura da dissertação está organizada em capítulos e constitui-se num estudo de

caso que nos leva a entender os processos atuais na sociedade onde vivemos, a partir da

experiência concreta, vinda da nossa práxis cotidiana e possibilita a relação com o

particular e o geral e nos remete a refletir na complexidade da vida. Buscamos trazer

propostas, diante e apesar das dificuldades, auxiliada pelos autores escolhidos.

O capítulo inicial trata da Arte como parte integrante da formação dos indivíduos,

desvelando os elementos sensíveis, emocionais e intuitivos que a arte propicia. Defendemos

estes elementos para a formação de indivíduos, com capacidades e habilidades, para o

trabalho no novo milênio. Repassamos historicamente a chegada de Padre Anchieta, nosso

primeiro dramaturgo, que utilizava o Teatro com função formadora e transformadora,

indicando que o Teatro é um instrumento educacional. Entramos na especificidade do

Teatro de Bonecos brasileiros e do trabalho artesanal que o revela e caracteriza. Que

importância tem a pedagogia do aprender-fazendo? Podemos resgatar este aprendizado?

No capítulo 2, abordamos os elementos do Teatro de Bonecos, visando desvelar as

características desta arte e a trajetória do Grumaluc em escolas públicas e suas

possibilidades de aprendizagem.

No capítulo 3 analisamos a peça O Verão, num processo de diálogo entre o

espetáculo e a reação de sua platéia, buscando o sentido e as potencialidades do Teatro de

Bonecos para a educação. O grotesco e o riso são abordados na tentativa de recuperar seu

sentido ambíguo.

O capítulo 4 analisa a peça Mais vale um esgoto limpão, do que uma cidade na mão

fruto da solicitação da Empresa de Tratamento de Água de Campinas, enfocando

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prioritariamente o esgoto, para as escolas infantis e creches. Dialogamos com a peça e com

as coordenadoras pedagógicas, na tentativa de entender os processos de apreensão de

conteúdos e (re)significações dos conteúdos da peça, constituída como instrumento de

aprendizagem.

O capítulo 5 foi reservado para compreendermos a escola, visando as possibilidades

de outra concepção - a construção amorosa dos saberes. A Cultura incluída na escola,

especificamente na experiência teatral, constituindo-se como um ato emancipador.

No capítulo 6 terminamos nosso vôo dialogando sobre políticas culturais, a

necessidade de institucionalizar as ações culturais, saber onde estamos e o que pretendemos

com o Teatro de Bonecos e a Educação, buscando construir uma sociedade mais justa e

igualitária. Entendendo a Democracia Participativa como uma tendência desejável para a

atuação de todos, e a Arte - uma opção para transformar e libertar os indivíduos.

Nosso pouso é realizado com a tranqüilidade necessária, para que as considerações

finais sejam a conseqüência do olhar experimentado durante nosso percurso.

Este trabalho é um convite para conhecermos o Teatro de Bonecos, seus

significados e suas possibilidades, num mundo repleto de dificuldades a serem superadas

com esperança.

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1- A ARTE CONTRIBUINDO NA FORMAÇÃO DOS INDIVÍDUOS

Pretendemos analisar neste capítulo as expressões artísticas que tem uma origem,

que estão inseridas num tempo e apresentam significados diferentes. São (re)apropriados

por novos grupos que dela se apoderam, dão-lhes novos significados, ajustam-nas às novas

tecnologias, ao tempo histórico e ao mundo. Portanto, em cada época os grupos dominantes

impõem e modificam simbolicamente as formas artísticas, dão a escala de valores vigente

na arte. Mas, em contrapartida, em todos os tempos existiram e continuam a existir formas

não hegemônicas e resistências. O que nos vai interessar, particularmente, são as

resistências, (re)significações de raízes populares, que encontram brechas na sociedade

moderna, para continuar atuando em forma de permanências.

Encontramos em nossa prática cotidiana, lidando com gestores de educação e da

cultura, alguns conflitos estabelecidos entre valores formais, hegemônicos, do mundo

consumista de produtos de massa. No outro lado, existem algumas formas de resistência,

ações focadas na defesa daquilo que consideramos formar o domínio popular, as diferentes

e complexas formas das identidades brasileiras, das linguagens populares herdadas após o

ano de 1500, constituindo nosso processo de colonização. Estas práticas, que permanecem

neste início do século XXI, partem da observação do trabalho concreto de Teatro de

Bonecos do Grumaluc.

Buscamos analisar o significado da arte do Teatro de Bonecos especificamente na

formação dos indivíduos, no aspecto que toca a sensibilidade; a importância dos indivíduos

terem contato com a arte, produzindo ou apreciando, para desenvolver habilidades de

observação, análise, de indagação, de questionamento e de elaboração de múltiplas

possíveis respostas. Acreditamos que a experiência estética pode proporcionar aos

indivíduos, um exercício de liberdade. Neste sentido nossa pesquisa quer analisar as

possibilidades concretas desta arte no seu sentido transformador e alertar para que a escola

seja cada vez mais local instigante e libertador, que esteja, efetivamente, contribuindo para

a formação dos indivíduos, portanto uma outra concepção de Educação.

Qual é o objetivo da arte? Desvelar a realidade encoberta por um véu espesso para a

maioria dos homens, véu quase transparente para o artista e o poeta. O homem comum vive

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e aceita dos objetos a impressão útil, reage, vê e ouve o mundo exterior pelos sentidos para

clarear sua conduta, o sentido prático, apagando as diferenças inúteis e acentuando as

semelhanças: isto é universal. As coisas foram classificadas em vista do partido que delas

se poderia tirar. A individualidade das coisas e dos seres nos escapa. Não vemos as coisas

mesmas, mas etiquetas coladas sobre elas, mascarando nossos olhos e nossos próprios

estados d'alma, nossa intimidade, originalidade e vivência.

Vivemos numa zona intermediária entre as coisas e os outros, mas de vez em

quando os artistas movem o véu de um lado, surgindo a especialização e a diversidade das

artes, fazem nossa percepção se afastar dos preconceitos de forma e cor, revelando-nos a

natureza. Irão buscar um estado d’alma para nos induzir a tentar o mesmo esforço, para nos

pôr face a face com a realidade, produzem atrações e repulsões, rupturas, explosões.

Em sua análise, Jô Oliveira e Lucília Garcez (2002, p. 150) mostram que:

A riqueza da experiência estética é permeada, ao mesmo tempo, pela atividade intelectual e emocional, pela sensibilidade, a inteligência e a vontade. Onde há possibilidade da percepção se afinar, com um olhar que não pode ser ingênuo, passivo, submisso, desatento ou distraído. É necessário aprender com a arte, que também é um instrumento do saber e do conhecimento da realidade, do mundo, usada para responder a questões, ser atuante, participante e ativo.

Pensamos numa arte capaz de colocar questões ao mundo, perguntas para as quais

não há uma resposta predeterminada considerada certa, única. Cada indivíduo explorando

as várias possibilidades e diferenças de expressão e interpretação reagem aos estímulos da

arte de forma particular e especial, de acordo com sua idade, experiência, sensibilidade,

culturas e informações. Essa resposta individual, essa experiência particular, convive com

idéias partilhadas entre os seres humanos: são reações que ressoam na imaginação, nos

sentimentos, no intelecto e possibilitam-nos refletir quem somos na relação com os outros e

com o mundo. Como despertar estes pensamentos críticos por meio da arte?

No filme Jefferson em Paris (s.d.), há uma cena da Rainha da França, durante a

Revolução, no teatro do Castelo de Versailles, atuando numa peça com suas damas de

companhia: eram pastoras, cantando e dançando docemente. Um teatro que onerava os

cofres públicos e usado exclusivamente para diversão dos nobres. Segue uma outra cena, na

praça pública, com artistas populares, expressando, por meio do Teatro de Bonecos, a

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crítica humorada e despudorada da vida da corte, provocando risos na platéia,

possibilitando pensar sobre o desperdício e inutilidade dos nobres, e a divisão de classes.

Partindo destas imagens, podemos entender o quanto o Teatro de Bonecos vem

sendo construído no campo artístico, como alternativa para divertimento popular, em locais

públicos, com conteúdos, temas e estética visando a reflexão e a crítica social. A meta

principal da educação e da arte: provocar transformações, tanto a nível pessoal como

social. AMARAL (1997, p. 75).

Para Joel Pontes11 (1978, p.87) o verdadeiro teatro popular está sempre dirigido

contra a sociedade e surge de forma espontânea. O popular delicia-se com a quebra de

padrões e a desobediência. Percebemos estes elementos irreverentes na linguagem do

Teatro de Bonecos, estimulando o riso como possibilidade libertadora. A quebra de

padrões e contra a sociedade a que se refere o autor, remetem-nos a pensar o teatro como

ação de rompimento, com estruturas de poder, ao lado das classes populares. Suas

contribuições, partindo do teatro quinhentista brasileiro, são abordadas de forma a valorizar

a linguagem oral e o teatro, que era compreendido por pessoas não alfabetizadas, não

leitores, portanto não sendo necessária a escolaridade nem para os artistas que

improvisavam sem um texto, nem para os espectadores.

Enfatizamos a força de comunicação expressa por meio da arte, que potencializa a

reflexão, podendo imprimir características plurais em cada interpretação, com

possibilidades múltiplas, ricas, diferentes. Nossa concepção é que todos os indivíduos

precisam passar por várias, diferentes e enriquecedoras experiências estéticas, e que os

educadores têm de preparar esta apreciação.

No relato de uma experiência com oficinas com adolescentes no livro de PARK e

FERNANDES (2005, p. 308) as pesquisadoras concluíram que:

O trabalho artístico pode ser o grande elo entre diferentes atividades[...]as oficinas nutrem aspectos diferentes de um desenvolvimento pessoal integrado[...]dados objetivos podem ser redimensionados na esfera afetiva[...]a arte não só permite como desenvolve a capacidade de simbolização[...]e da própria criatividade[...]a

11 Pernambucano ligado desde cedo ao teatro. Foi ator, diretor, professor de literatura dramática na

Escola de Belas Artes da Universidade de Recife, crítico teatral e diretor de rádio-teatro. Autor de livros sobre teatro, orientado por Hermilo Borba Filho na tese universitária que resultou de sua pesquisa sobre “O Teatro de Anchieta”.PONTES, Joel. 1978, p.7 por Orlando Miranda de Carvalho.

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identidade adquire um corpo interior, uma ossatura forte, capaz de caminhar atrás da própria liberdade de ser (grifo nosso). Concordamos com Oliveira e Garcez (2002, p. 19) que a arte é uma necessidade do

ser humano e tem várias funções na sociedade e na cultura: interpretar o mundo, provocar

emoções e reflexões, expressar uma visão do mundo, explicar a história humana,

questionar a realidade, representar crenças e homenagear deuses, idéias, entre muitas

outras. Pode ser uma alternativa no cotidiano escolar, para além do giz, da lousa, do papel e

do lápis.

1.1 – Diferentes formas de expressão

Existem várias formas de expressões artísticas, Oliveira e Garcez (2002, p. 74 a

111), destaca entre elas: O desenho, o bico-de-pena, as histórias em quadrinhos, a pintura,

a gravura, formas em três dimensões, fotografia, cinema, filme de animação, televisão,

imagens com computador.

Nosso olhar se dirige ao teatro, que deu origem ao cinema, uma invenção que partiu

da técnica da fotografia, associada às idéias dos primeiros teatros de sombras (os orientais

projetavam sombras na parede, para contar uma história), das marionetes e da lanterna

mágica (figuras projetadas, com luz de vela, a partir de vidros ilustrados, no Séc. XVII).

Percebemos a retomada destas raízes no Teatro de Animação onde há junção de várias

técnicas, inclusive com luzes e sombras. Para Ana Maria Amaral (1997, p. 38) as

tendências em relação às pesquisas atuais nesta linguagem artística é que elas buscam uma

linguagem nova, que, intuitivamente está sendo criada. Não nos aprofundaremos nesta

questão, pois fugiria dos objetivos deste trabalho.

Todos estas formas de expressão utilizam a capacidade do olho humano de guardar,

por um décimo de segundo, uma imagem, revelando o quanto o homem é capaz de utilizar

o desenvolvimento tecnológico, capaz de se apropriar de saberes, capaz de transformar e

adaptar o que tem sentido, fazer cultura12.

Defendemos, a partir de nossa experiência, a idéia de que a arte precisa ser mais

amplamente utilizada na escola por profissionais que conheçam as técnicas de criação e

12 Cultura entendida como fruto do trabalho do homem, ao modificar a natureza.

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expressão. Acreditamos na necessidade de um tempo de fruição13 para os espectadores,

afim de que possam construir conhecimentos e significados. Acreditamos na necessidade de

mais professores de música, de dança, de instrumentos, de teatro – enfim das mais variadas

formas de expressão. Concordamos com Ligia Adriana Rodrigues14 (2005, p. 284) que a

obra de arte afina-se com o ato de resistência, nas músicas e danças que as crianças e

adolescentes produzem e ensinam os adultos, o que surge? Arte ou resistência? O interesse

construído pela arte é um bem que tem significado, um conhecimento que o indivíduo não

se esquecerá por toda sua vida.

O conhecimento de técnicas de produção de uma arte popular tem um alcance que excede seu próprio fazer – trata-se de uma atividade humana antiqüíssima, pela qual se produz cultura e se pode conectar com uma ancestralidade poderosa, capaz de fortalecer nossa identidade e de dar-nos uma noção muito nítida de nossa capacidade de criar. PARK e FERNANDES (2005, p. 296). Analisaremos nossa realidade, na particularidade do Teatro de Bonecos, com as

peças do Grumaluc, buscando compreender porque nos afastamos da arte e os perigos de

ver morrer expressões não dominantes.

1.2 – Construção do campo teatral brasileiro

Para entendermos como o campo do Teatro, especificamente o Teatro de Bonecos,

foi construído, seus valores, formas e disputas, buscamos suas origens históricas, e

encontramos, segundo Sábato Magaldi (1982, p.16), o uso da arte para formar os

indivíduos, no trabalho de catequização de Padre Anchieta15, considerado nosso primeiro

dramaturgo e que fazia um teatro jesuítico.

Entusiasmou-se pela evangelização dos índios e com o teatro, recorreu a

improvisações de recursos cênicos, lembranças de espetáculos, sem livros nem experiência,

13 Desfrutar, tirar todo proveito, perceber os frutos de uma coisa. Novo Dicionário Aurélio, 1986, p.815. 14 PARK e FERNANDES (org.). Educação não-formal: contextos, percursos e sujeitos. 2005. 15 Estudou em Coimbra, veio para o Brasil em 1553, para curar-se de uma enfermidade, causada pelas penitências. Estudou a língua dos nativos e ao dirigir-se para São Vicente, naufragou e foi salvo pelos índios. Seu trabalho resulta numa gramática da língua tupi. Onde hoje é Ubatuba, aprendeu sobre as coisas do lugar e a cultura indígena: seus mitos, religião, organização social. Valendo-se das festas religiosas e encenações teatrais, criou diálogos entre personagens da vida indígena para falar na língua deles e ao seu espectador sobre "a maneira boa de viver" e o que é "mau". PONTES (1978, p. 19).

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ligado ao mundo português, metropolitano, colonial e às idéias humanistas. Compôs autos

didáticos, para levar a fé por meio do teatro.

A linguagem expressiva utilizada tinha suas bases na literatura medieval, a

encenação apelava à imaginação dos espectadores. As dicotomias bem/mal, anjos/demônios

estão presentes. Esse teatro, segundo Joel Pontes (1978, p. 15 e 16), era um intrigante jogo

entre arte, pedagogia, religião, teatro e catecismo, eram textos produzidos, num país de

não-letrados, feitos na língua tupi, para adaptar o índio às tendências, atitudes, crenças,

formas de convivência com a civilização européia que se impunha. A arte estava presente

nas formas de diálogo e no teatro como instrumento de aprendizado. Para o autor Padre

Anchieta se apropriou da cultura e da língua tupi, abrindo mão de alguns valores

acadêmicos em prol do resultado de civilizar o povo.

Nossos alicerces são os padrões europeus, que dominaram os setores econômicos,

culturais e sociais. Nossa tradição é uma mistura de cultura portuguesa, africana, e de

outros colonizadores. AMARAL (1997, p. 56).

A preocupação de Padre Anchieta era com o público, com a recepção dos

espetáculos e o entendimento da platéia. O que fica após o espetáculo? A base de sua obra

teatral, a persuasão. Aparece na Poética de Aristóteles (p.122) é preferível o impossível que

persuade ao possível que não persuade. Segundo Joel Pontes (1978, p. 16), ele: Utilizava a

linguagem cômica, o ridículo, como numa cena, onde o diabo ficava exposto, alegre,

simpático, um estrondo assustava os espectadores, que riam nervosos (rir do próprio

susto).

A alegria do texto se patenteia nas corridas e pancadaria bem aceitas por todas as

platéias. Pancadaria grossa ou castigo misturado a insultos verbais: os chistes se misturam.

Explorava as imagens do diabo e do anjo tornando cômico o sofrimento do personagem,

elementos do grotesco que persistem até hoje no Teatro de Bonecos brasileiro.

Modernamente perderam a ambigüidade – a que permite a pancada como fonte de inovação

e mudanças. Segundo o presente autor:

Para compreendermos um texto dramático, é preciso visualizar, imaginar os resultados plásticos, as cores, volumes, sons, ritmos de falas e movimentos, os locais do espetáculo e os espectadores. O dramaturgo deve considerar seu auditório. PONTES (1978, p. 15 e 16).

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Todos os elementos que compõem o teatro, para nós, são formas de buscar a reação,

instigar os espectadores e encontramos estas preocupações nas raízes do teatro brasileiro,

na experiência do Padre Anchieta - ele conhecia os princípios de Aristóteles, encontrados

na Poética:

O espetáculo cênico há de ser necessariamente uma das partes da tragédia [...], porém o elemento mais importante é a trama dos fatos. Outorga à obra escrita a ação e o som dramáticos que se requer para projetar os significados emocionais e intelectuais. PONTES (1978, p. 62).

Nas crianças estava sua maior esperança. As mulheres índias aparecem como

pecadoras e incapazes de absorver valores culturais europeus. A doutrinação dos diabos

traz noções claras sobre costumes indígenas condenáveis pelos jesuítas: embriaguez,

tabagismo, mancebia, dança ritual, adultério e assassínio. Afogados por demônios no fogo

davam forte impressão sobre o público.

O teatro é para Padre Anchieta uma ação encantatória e didática sobre um público

novo. Sábio no sentido de conhecer bem a relação espetáculo-espectador. Ele despertou a

tensão dionisíaca para persuadir, convencer, modificar homens, acumulando funções de

autor, encenador, músico e até coreógrafo, como os mestres mamulengueiros nordestinos.

Segundo as concepções do autor, a relevância do trabalho teatral de Padre Anchieta,

é que ele o utilizava para transmitir valores, mudar comportamentos, adequar os índios a

um modo de vida, preocupado com sua salvação, caracterizando formas alternativas à

escrita, de aprendizado lúdico. Foi pioneiro no uso da cultura nativa, na valorização da

música, da língua tupi, de gestos, dança, canto e caracterização dos índios com pinturas,

adornos, armas e indumentária.

A concepção de educação de Padre Anchieta, herdada de sua formação européia,

fica explícita à medida que fornecia tudo já pensado, não instigando o espectador a pensar

e elaborar o conhecimento, bastava observar e obedecer. PONTES (1978, p. 87).

1.3 - Teatro de Bonecos e formação dos bonequeiros

Em sua análise sobre a formação do ator-bonequeiro, Valmor Beltrame (2001, p.

107)16 diz que a formação dos atores-bonequeiros17 no Brasil acontece na prática e na

16 Nini é professor de teatro de animação, doutor pela USP/ECA, sobre orientação de Ana Maria Amaral.

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vivência. São jogadores de brincadeiras e artesãos de seus próprios bonecos, diretores de

suas peças, compositores de seus textos e músicas. A característica desta formação é ser

assistemática. As técnicas e conteúdos são passados, com a organização dos

conhecimentos, adquiridos com a prática, no próprio trabalho ou por apreensão. Não existe

um currículo, nem um tempo determinado, tampouco planejamento de conteúdos de

execução, nem especialistas da área. São formas distintas de elaborar o conhecimento e

transmitir saberes.

A transmissão de saber pode ocorrer de duas formas: pela tradição, que nos remete

a trajetória dos mamulengueiros brasileiros e do aprender-fazendo que se reproduz nos

grupos de teatro, como é o caso do Grumaluc. O autor afirma que:

Na formação que parte da tradição, com mestres-mamulengueiros, aprende-se o ofício, o patrimônio técnico e cultural, passa para o aprendiz, estimulando a imaginação e o ato criador, resultando numa arte com a mesma estrutura, mas nunca igual. Desvendando e revelando segredos do ofício, passando de geração em geração seus códigos e normas, com uma linguagem e partilhando uma visão de mundo. O treinamento é a preparação do ator e também seu crescimento pessoal, numa atmosfera de trabalho e relacionamento, indivíduo e mestre, refletindo os valores presentes na cultura. BELTRAME (2001, p. 109 a 113).

Valorizamos este tipo de formação, o aprender-fazendo, nas áreas nas quais a

criatividade e a imaginação são imprescindíveis. Observamos que acontece nas práticas

criativas do Grumaluc. Defendemos esta forma de aprendizagem que possibilita ampliar as

bases para atingir a plenitude e realização dos indivíduos.

O ator-bonequeiro é polivalente, faz um pouco de tudo: encena espetáculos

expressando-se com bonecos, por vezes extrapola os limites da empanada18 e sai para a

relação direta com o público, busca patrocínios e condições de realização, divulgação e

venda do espetáculo, define material de propaganda. Estas são as práticas do grupo

pesquisado em duas peças de seu repertório.

No Brasil, o Teatro de Mamulengos parte de Pernambuco, com artistas chamados

mestres, portadores de patrimônio técnico, artístico e cultural. A encenação pode durar de

duas a oito horas e pode se dar em zona rural ou urbana. Os bonecos são

17 Ator-bonequeiro é a pessoa que se dedica à arte do Teatro de Bonecos, atividade que envolve conhecimentos e práticas diversas. Sua formação foi analisada na tese de Valmor Beltrame, ECA/USP – 2001. 18 Empanada – pequeno palco para teatro de bonecos, de fácil transporte e montagem.

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predominantemente de luva e vara, feitos em madeira. É um teatro do riso. Tudo é

permitido, porque aparentemente, nada é real. São acompanhados pela sanfona, triângulo e

zabumba, apoiando e ligando as cenas, comentando as ações, dando suporte nas

pancadarias e danças. Tudo é sintonizado com o ator-bonequeiro, que domina a brincadeira

e o tipo de intervenção que pode ser estabelecida com as personagens e a platéia.

Percebemos, no trabalho do Grumaluc, como a música chama a participação dos

espectadores: são momentos de rememorar cantigas da infância ou interação rítmica e

efeitos dramáticos.

Outra característica presente no trabalho do grupo analisado é a estrutura dramática

que segue um sistema de pequenos quadros. As passagens não são escritas. Por vezes são

arbitrárias, independentes, sem preocupação de ligação lógica entre si. Nem sempre

amarradas por um eixo central, as situações, enredos e narrativas mudam. Às vezes

encontramos princípio, meio e fim, mas predominam os motivos ou pretextos para

determinada personagem atuar, explorando o boneco construído.

Os assuntos variam, abordando de forma cômica, aspectos sociais, morais,

religiosos. Herança de uma tradição que remonta à época do Brasil Colônia,

predominantemente agrário e escravocrata, de transmissão oral, que garantiu a continuidade

e preservação da arte do Mamulengo e inspiraram inúmeras adaptações.

O aprendiz desta arte aprende observando o mestre, assimilando seus procedimentos e técnicas, sofrendo contínuo processo de aperfeiçoamento. O acervo vai sendo construído, através de elementos da tradição e da prática do artista, na confecção das esculturas, bonecos e objetos, na animação das personagens e seu caráter, no uso da voz, recursos para provocar o riso e improvisação na relação com a platéia, tudo de forma indissociável, não fragmentada, são assimiladas sem uma hierarquia ou seqüência definidas. BELTRAME (2001, p. 123 e 124).

No caso dos mamulengueiros, a confecção dos bonecos começa com a coleta da

madeira, o estudo do tamanho das cabeças, mãos e formas de articulação, dos detalhes da

pintura, roupas e adereços e as variações de diferentes formas de manipulação, como

mistura de luva e fio, vara e fio - resultado da invenção, pesquisa e exploração de

possibilidades expressivas. Quando isolados do espetáculo, são vistos como obras-primas

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da escultura popular. Dar vida e animar os bonecos, talvez seja um dos domínios mais

exigentes dessa prática artística, necessitando observação e anos de exercício

BELTRAME (2001, p. 126).

Existem personagens típicos: malandro justiceiro, moça fogosa, policial, entre

outros, com condutas e características de comportamento que se perpetuam. O domínio da

brincadeira estipula a permanência ou mudança de situação, ambiente e contexto, o

problema a ser vivido. Os movimentos dos bonecos dependem das emoções do artista, os

gestos e ações revelam o treinamento adquirido pela observação, criação e repetição. Para

caracterizar um personagem, é comum dar nomes reveladores de seu caráter. São elementos

identificados por nós, presentes no trabalho do Grumaluc: Escamoso, Lolicola, Plasmélia,

Vidroco, Papelito, Rockferro, Nhoca.

Exploram o recurso da voz, modificando para grave ou agudo, conforme os efeitos

desejados na composição dos personagens masculinos e femininos; os ruídos de fundo

marcam a personalidade dos bonecos. O artista deve dominar timbres, volumes,

entonações, ritmos, trabalhando silêncios e emoções, musicalidade, sotaques, devendo

saber se expressar, cantar e controlar a respiração.

Teca e Márcia, atrizes-manipuladoras do Grumaluc, gravam as vozes, para facilitar

o controle do tempo de espetáculo e ampliar as possibilidades musicais e efeitos sonoros.

Enriquecem assim o repertório com trechos de música clássica, cantigas populares infantis,

de roda, de ninar. Perdem, por outro lado, a espontaneidade da platéia, o que não impede

sua participação. As vozes são feitas por elas e modificadas por recurso técnico pit que

transforma a frequência e as ondas das vozes e dos ruídos.

Estamos vivendo num tempo moderno, com uma concepção de mundo, de indivíduo

que foi se naturalizando de forma hegemônica na vida do homem neste início de século,

estamos desfocados da natureza – se tomarmos como referência o homem do campo – e

estas mudanças são marcadas por limitações dos tempos, inclusive os tempos escolares, que

impõe o início e o término dos espetáculos. Há um disciplinamento das horas: hora de

comer, de dormir, de divertir - característica da civilização urbana, que se impõe desde

cedo aos corpos infantis.

É fundamental, na brincadeira, provocar o riso da platéia. BELTRAME (2001, p.

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127) - diz um dos mestres mamulengueiros, que consegue estas reações, por meio de gestos

exagerados, reações dos personagens, expressões verbais desconcertantes, constituindo-se

como elemento catártico de grande comunicabilidade, com ligação essencial com a

liberdade, como o baixo material e corporal, com a verdade não oficial, elementos do

grotesco que veremos adiante.

Com público escolar o Grumaluc tem cuidados e faz adaptações para não estimular

a violência, nada de palavrões, por exemplo. Um exemplo marcante, para que o leitor

compreenda do que falamos, ocorreu durante uma apresentação para crianças de quatro

anos. Acontecia na peça um momento dramático: um personagem perseguia o outro, a

música reforçava este clima. As crianças começaram a vibrar e foram puxados por um

deles, que gritava e batia palmas dizendo: Porrada, porrada..., Teca e Márcia separaram os

bonecos, amenizando os gestos da cena, havendo pronta resposta da platéia, parando as

ovações e palmas.

Neste sentido, relembramos a palestra de Hector Girondo19, ator-bonequeiro

argentino, que assessorou o Ministério de Educação Argentina, na reforma de 1996, quando

introduziram, no currículo escolar, a matéria Teatro. Sensibilizou-nos para a questão das

diferenças necessárias na produção e encenações gestuais dentro de Instituições Escolares,

requerendo cuidados e modificações, sem perda de valor artístico e agregando o estético e o

pedagógico.

Voltando ao Teatro Mamulengo, é importante a improvisação que ocorre como

resultado da experiência do ator-bonequeiro, do trabalho e domínio do brinquedo. Além da

capacidade de reagir a situações e acontecimentos novos, provocados pela platéia,

necessitam exercitar sua inteligência e agilidade de raciocínio para responder às situações

novas e retomar o espetáculo. A inspiração para a criação improvisada é instigada pela

platéia, formando um ciclo entre ator, boneco e público. É teatro popular[...]com exclusiva

forma de espetáculo total, onde o boneco é o personagem integral e o público um elemento

atuante. BORBA FILHO (1987, p. 8).

A improvisação que observamos no Grumaluc ocorre na interação após a encenação

da peça e tem caráter diferente do mamulengo, pois visa revelar os elementos e códigos da

arte do Teatro de Bonecos, a confecção dos bonecos, as formas de manipulação, reforço

19 Palestra ministrada na Biblioteca Monteiro Lobato – em 27/06/2002. São Paulo.

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dos conteúdos e temas trabalhados durante as peças, adequadas à idade da platéia, abrindo

espaço para perguntas e esclarecimentos. Perde-se com isto na improvisação durante o

espetáculo, mas ao mesmo tempo ganha-se na qualidade sonora, resgate de diferentes

repertórios musicais.

Através dos relatos de alguns mestres mamulengueiros, podemos refletir sobre

alguns elementos do aprendizado e encantamento de suas práticas. O aprendiz vê e

acompanha a preparação e as apresentações do mestre, fica fascinado, encantado pela

atividade e decide imitar e fazer disto sua ocupação. BELTRAME (2001, p. 131).

Através do treinamento e do exercício repetido, o novato vai adquirindo controle e

aptidão para a função, Mestre Chico (2001, p. 251) diz com humildade: Quando comecei

era fraco, agora com 30 anos de trabalho é que estou começando a trabalhar melhor. A

seriedade deste artista mostra-se no reconhecimento do tempo de maturação e perseverança

necessária para lapidar esta atividade complexa. Anos de treinamento e dedicação visam

descobrir estratégias e fórmulas para tornar esta arte instigante, atraente e capaz de prender

a atenção do público. O aprendizado é progressivo e a apresentação é espaço de

aperfeiçoamento.

Mestre Solon nos passa a visão da criança em contato com o Teatro de Bonecos:

Eu vi e daí eu gravei aquilo, eu fiquei entusiasmado e impressionado quando vi os bonecos batendo um no outro. Pensei que tudo aquilo era vivo. Porque via eles brigando, dando cacetada, um no outro. Virge! eu fiquei horrorizado com aquilo. Como é que se matava, porque para mim tudo aquilo era vivo. Então eu gravei aquilo tudo na memória e disse: ainda faço uma brincadeira. Até que realizei! SANTOS, F. (1979, p. 114).

Mestre Biló desafia os aprendizes a descobrirem seus segredos a pegar a teoria

todinha, até controlar este saber. SANTOS, F. (1979, p. 93).

Mestre Ginu reconhece que o artista precisa ter consciência do seu papel na

sociedade: isso aqui é coisa para gente pobre. Reconhece o valor do trabalho artístico, na

esfera não oficial. Sabe que se privará de coisas, e que este caminho não tem retorno. É

preciso amar e ter a certeza de que se quer ser artista. SANTOS, F. (1979, p. 105).

O campo artístico é construído a partir das pessoas que dão significado às diferentes

linguagens, transmitidas e recebidas, transformando a vida delas. Valorizam o trabalho

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artesanal, como indivíduos tocados pela arte.

No filme: Dummy, um amor diferente (2001) o protagonista abandona seu trabalho

formal e realiza seu sonho de ser ventríloquo. Como os artistas populares, mestre

mamulengueiros, ele dá valor e sentido à vida, trabalhando naquilo que gosta e quer para si,

rompendo com estruturas sociais que considera sem sentido. Observamos no filme que

existe uma escola de ventríloquos, apoio institucional às iniciativas deste aprendizado e

também produtores culturais, que auxiliam na contratação dos serviços, oferecendo suporte

às diferentes formas de expressões artísticas.

Esta questão de vocação e gosto pela brincadeira está presente no depoimento de

mestre Manuel Amendoim: gostava de contar histórias e fazia todo mundo rir. BORBA

FILHO (1987, p.120). Ainda nos relatos recolhidos pelo autor (1987, p.151), Mestre José

Petronilo é ‘caladão’[...]para arrancar uma palavra[...]é preciso paciência, mas durante o

manejo dos bonecos passa da introspecção para a transfiguração completa: canta, ri.

Trabalhar com bonecos requer muita observação das pessoas, suas maneiras, gestos,

formas de falar e agir, certa dose de introspecção, concentração que são capacidades pouco

estimuladas e valorizadas na sociedade moderna pelas vias oficiais da educação.

Mestre Januário comenta: o artista não ri. Trabalha com toda a calma, para

arrancar o riso do freguês. Se não consegue agradar o cliente ele é um fracassado.

SANTOS, F. (1979, p. 106). Importa-nos aqui o interesse do artista em obter resultado da

platéia, retorno este que se expressa no riso.

Mestre Otílio faz-nos relembrar as brincadeiras com bonecos de luva na janela, no

seu relato, usando o buraco da gaveta de uma mesa, era a boca de cena. Ele fazia tudo:

esculpia, pintava e fazia a roupa dos seus bonecos, dominava os materiais, conhecia

detalhes da cena e confeccionava um boneco determinado, para a ação que queria,

pensando nas articulações e no tamanho do objeto. BELTRAME (2001, p. 144) e

SANTOS, F. (1979, p. 127).

No Grumaluc a confecção é totalmente realizada pelas bonequeiras Márcia e Teca,

com papel machê. As roupas e acessórios são cuidadosamente desenvolvidos,

experimentando novidades nas articulações para obter efeitos. Percebemos que a

possibilidade de recriar, reinventar e personalizar o trabalho estimula-as, criando um

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processo educativo de auto-aprendizagem, desvendando segredos e exercitando a

capacidade inventiva. Quando realizam oficinas há muita troca de saber, sendo as mesmas

uma forma de dar continuidade e preservar a brincadeira viva, buscando também

reconhecimento e prestígio.

1.4 – Aprender-fazendo, práticas artesanais no Teatro de Bonecos

A montagem dos espetáculos constitui um momento de formação, do aprender-

fazendo - espaço de questionamento das animações, concepção dos personagens, montagem

das cenas, materiais utilizados, recursos adequados, uma nova busca de conhecimentos,

pesquisas e aprendizado. Pode-se contar com assessorias de profissionais de diferentes

áreas, quando se dispõe de recursos financeiros ou de trabalho voluntário e institucional. A

busca de formação de público, de patrocínio e de parcerias leva o trabalho naturalmente a

temas de interesse geral, que envolvem vários saberes, focados no público e no acesso

possível.

As peças do Grumaluc (anexo 01), atendem a temas específicos, escolas, empresas,

momentos históricos, datas especiais, sendo executadas conforme as demandas e

patrocínios conseguidos, não sendo planejados como uma empresa de eventos.

A introdução destes elementos externos resulta concretamente no espetáculo final,

passando por adequações de linguagem, como o caso da peça O Verão que parte da poesia

infantil, e com a inclusão de novos elementos e experiências enriquece visivelmente as

cenas e as técnicas de manipulação. Exemplificamos com a experiência observada em um

trabalho do grupo para o qual foi convidado um novo manipulador de marionetes, que

acrescentou nova linguagem artística - o boneco de fios, que foi claramente exposto na

encenação, no diálogo entre os personagens: Quem é você? Não pode ir entrando no ‘nosso

espaço’, você é de fios, parece que está todo amarrado! Disse o boneco de luva. Esta

mistura de técnicas de manipulação chama a atenção do público e revela a linguagem desta

arte.

Walmor Beltrame (2001, p. 111) afirma que a formação profissional artística é

complexa, existe a crença de que é uma profissão que não se aprende, que é necessário ter

dom, que basta fazer oficinas e cursos rápidos.

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No filme Quero ser John Malkovich (1999) o sucesso do artista hollywodiano,

garante visibilidade e apoio do público, quando decide ser titeriteiro20. No filme, ele apenas

domina a técnica de manipulação, porque está possuído por um ator-bonequeiro,

experiente, que se dedicava com afinco, mas não tinha sucesso.

A falta de informações poderá impor algumas limitações para o exercício

profissional. A técnica é possível ser ensinada e aprendida, não garantindo o domínio que

assegura que o público perceberá, reagirá e se sensibilizará com a manipulação.

A questão relevante é sobre as diferenças entre um ator-manipulador e ator. Alguns

defendem que o Teatro de Bonecos e o Teatro de Atores são disciplinas distintas. O ator no

palco é a personagem, o ator-bonequeiro concentra sua criação em fazer do boneco a

personagem, deslocando o centro da atenção para o objeto.

Toda a prática leva a chamar a atenção para o objeto em cena, dominando os efeitos

que se quer extrair da platéia. Girar o boneco descontroladamente e de repente cair de lado,

despenteado, tira risos do público; mexer os braços compulsivamente para falar algo

desesperador, ir para frente e para trás, impulsiona o espectador a prestar atenção, arregalar

os olhos, para tentar entender o que vai acontecer. O elemento surpresa o pode tudo que os

bonecos propiciam: esticar indefinidamente o braço, voar ou fugir das leis de gravidade

criam na imaginação do espectador algo diferente.

As técnicas do Teatro de Bonecos são únicas e específicas porque trabalham

essencialmente por meio de objetos para se comunicar. Isto é fundamental para

compreender esta arte. O processo criativo para o Teatro de Bonecos é totalmente diferente

do Teatro de Atores, porque nele existe um sujeito/ator e um objeto/boneco que convivem

em cena. Esta é a razão da diferença - um objeto.

Bruno Leone21 relatou em sua palestra, realizada na I Mostra de Teatro de Bonecos

de Campinas em 2003, que: o aprendizado ocorre em três anos de trabalho integral

(informação verbal). Ele passa por todas as etapas: confecção, manipulação, direção e

criação.

No aprendizado, o artista cria formas no espaço, pequenas ou grandes, bi ou

tridimensionais, com diferentes tipos de material, de movimentos gerados pela energia do

20 Titeriteiro é outra nomeação do profissional que trabalha com bonecos. 21 Artista e bonequeiro italiano de Commédia dell’Arte, especialista no Pulchinella.

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corpo do ator, que precisa destreza física e imaginação, para traduzir os movimentos do seu

corpo no boneco, ser um artista intérprete.

O Teatro de Bonecos é uma expressão cênica e precisa ser compreendido como

Teatro. Reúne e sintetiza também elementos de outros campos artísticos, das artes visuais,

exigindo conhecimentos dessa área. Para Walmor Beltrame (2001, p. 236 e 237):

Nas Escolas de Teatro brasileiras, a formação é voltada, quase que exclusivamente, para formar atores e temos algumas poucas iniciativas, nas Artes Cênicas, relativas aos atores-bonequeiros, permanecendo uma grave lacuna neste sentido.22

22 No levantamento realizado em sua tese, Nini relata que há 18 escolas de formação de atores-bonequeiros no mundo – nenhuma no Brasil.

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2 – O TEATRO DE BONECOS E A RECEPÇÃO

Trataremos do mundo do trabalho do Teatro de Bonecos, focalizando o Grumaluc,

grupo novo, que surgiu em 1994, portanto com pouco mais de 10 anos de existência e que

trabalha atualmente em Campinas e região. Este trabalho artístico tem as bases pedagógicas

do aprender-fazendo, artesanal e sobrevive no mundo moderno, civilizado. Desvelaremos a

linguagem e os códigos do Teatro de Bonecos e suas formas de expressão, explicitando

seus elementos constitutivos. Observamos as potencialidades deste fazer, principalmente

quando mistura bonecos de fios, de vara, de luva, manipulação direta, entre outros.

Percebemos a importância das trocas de informações entre os bonequeiros por meio de

festivais, oficinas e seminários como forma de aprendizado.

Nossa tentativa é iniciar a análise da recepção dos espetáculos, abordando o folclore

como forte elemento na constituição deste teatro, e as potencialidades desta forma de

expressão para o aprendizado.

O trabalho do Grumaluc nas escolas rompe com a estrutura dos tempos escolares,

sendo uma atividade educativa da área não-formal: tem a educação como cerne,

organizada com uma seqüência e proposto fora da sala de aula, com temas e conteúdos

variados, permitindo adaptação de aprendizagem a cada grupo concreto. SIMSON, PARK

E FERNANDES (2001, p. 150).

2.1 – A trajetória do Grumaluc

O Grumaluc23 é um grupo que trabalha com Teatro de Bonecos. Fundado por

Teca24 e Márcia25, em 1994, na cidade de Salvador, contou com participações e

contribuições de outros atores e autores. Nosso trabalho no grupo foi incorporado a partir

do ano 2000 e objetivava ampliar a divulgação, contatos, agenda dos espetáculos, projetos

23 O nome GRUMALUC - Grupo Mamulengo Luz e Cor, foi criado, usando como sinônimo de mamulengo = boneco. O trabalho do grupo, entretanto, não está ligado à estrutura dramática teatral do mamulengo - forma do teatro popular nordestino, rico em situações cômicas e satíricas e feito de improviso. 24 Mércia Costa Santos nasceu em 1950, é técnica em química e cursou até 3° ano de Artes Plásticas, na Puccamp. Musicista, toca na noite, regente de coral. Fundadora do Grumaluc e diretora da Associação Cultural M. Luz e Cor. 25 Márcia Marchete nasceu em 1964, é assistente social formada pela Faculdade de Bauru. Fundadora do Grumaluc (1994) e presidente da Associação Cultural M. Luz e Cor (2001).

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de patrocínios e parcerias. Neste mesmo ano, foi fundada a Associação Cultural

Mamulengo Luz e Cor - ACMLC que incorpora, além do Grumaluc, um grupo de canto.

Nosso recorte, em relação ao trabalho do grupo, visa observar mais atentamente, a

questão da recepção do espetáculo pelo seu público, segundo Patrice Pavis (1999, p. 329)

no seu Dicionário de Teatro26:

Distingue-se: recepção de uma obra (por um público, uma época, determinado grupo); recepção ou interpretação da obra pelo espectador ou análise dos processos mentais, intelectuais e emotivos da compreensão do espetáculo (grifo nosso). Não pretendemos neste trabalho, desenvolver uma análise dos processos mentais,

intelectuais e emotivos do espectador, o que pensamos ser pretensioso de nossa parte.

Buscamos revelar alguns aspectos da recepção com o público infantil de escolas públicas

de Campinas, pertencentes à classe economicamente baixa, heterogêneo na distribuição

espacial, pois a cidade é formada por correntes de imigrantes que misturam elementos

rurais e urbanos, com riqueza cultural; tratamos de trabalho realizado na época dos anos

2003 e 2004 - com cenário mundial globalizante; com o grupo Grumaluc, escolhendo de

seu repertório duas peças montadas com temas e objetivos diferentes, ambas voltadas para a

educação.

Importa-nos o encantamento que o Teatro de Bonecos causa nas pessoas, o

despertar de lembranças, experiências e vivências artísticas. A reflexão possível diante dos

conflitos apresentados como instantes dramáticos, por meio de temas propostos

concretamente pela apresentação, idéias escolhidas para sensibilizar aquele que vê, ouve,

canta, cheira, pega e dialoga com a imaginação que é despertada na revelação objetiva e

subjetiva que esta linguagem artística instiga.

Aproximar-nos-emos dos espetáculos de forma a buscar entender seus mecanismos,

sua estrutura dramática, temas e pretensões do grupo como instrumento de aprendizagem

lúdica, da ruptura da rotina escolar, da interdisciplinaridade, tentando ampliar a

compreensão, tanto dos artistas, quanto dos educadores frente ao sentido do Teatro de

Bonecos como valor cultural e experiência educativa.

26 Recepção é a atitude e atividade do espectador diante do espetáculo; maneira pela qual ele usa os materiais fornecidos pela cena para fazer deles uma experiência estética.

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Deparamo-nos com um salto num abismo de reminiscências e memórias,

despojamo-nos dos preconceitos em relação à arte de raiz popular, proveniente da erudição

científica, do mundo adulto - moldado pela razão instrumental e pela lógica, que

prevalecem em nós naturalmente, sobre nossas emoções, sensações, intuições. Podemos

construir um diálogo com o texto, com o objeto analisado de forma a sairmos modificados.

Esse diálogo nos desloca e é capaz de revelar um mundo desconhecido e novo.

Os autores escolhidos para este diálogo, são recortes propositais, com intenções,

sentidos e resultado da nossa busca, que valorizam e dão luz, voz e visibilidade a uma

linguagem que está em processo de extinção. O Teatro de Bonecos resiste e sua resistência

é heróica, moldada por escolhas pessoais que caminham na contra-mão da economia e do

mercado.

Nosso trabalho propõe o fim da indiferença, a favor da alteridade que precisamos

construir para a convivência equilibrada, respeitosa e solidária, com o mundo que tenta

moldar os indivíduos pela homogeneidade, pela generalização e por modelos alienantes.

A trajetória do Grumaluc é permeada pelas demandas de escolas, de profissionais de

saúde e de empresas e como relataremos, é despretensiosa.

O primeiro espetáculo, em 1994, foi uma peça folclórica: A Cuca vai pegar, que

reconstrói as tradições, lendas, mitos populares, cantigas de roda e de ninar, brincadeiras de

adivinhação e foi encenada nas Escolas Infantis de Salvador.

Atendendo ao pedido de uma profissional médica, para auxiliar crianças diabéticas,

necessitadas de insulina diariamente, o grupo encenou uma peça e gravou um vídeo

intitulado Diabelitus. Esta etapa do trabalho do Grumaluc nos remete à própria história do

Teatro de Bonecos erudito no Brasil, relatado pela pesquisadora Ana Maria Amaral (1994,

p.27):

Em 1945, foi criada a Sociedade Pestalozzi[...]voltada para crianças deficientes[...]A meta era educar através de atividades artísticas[...]compreendendo o grande alcance do Teatro de Bonecos, passou a promover[...] uma série de cursos[...] são os primeiros que se tem notícia no Brasil.

É importante realçar, através desta citação, que as práticas com o Teatro de Bonecos

no Brasil com objetivo educacional tiveram forte influência de atividades filantrópicas e

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assistencialistas que colaboraram para construir uma imagem do Teatro de Bonecos, como

algo limitado ao universo infantil e uma forma de sensibilidade para atingir um objetivo:

educar. O grupo que analisamos não rompe com esta imagem, pois suas peças são todas

para o público infantil e têm objetivos educativos.

O segundo trabalho do Grumaluc foi elaborado para atender a solicitação referente à

melhoria da qualidade de atendimento, em hotéis de Salvador, dirigido para o treinamento

de seus funcionários.

As peças seguintes foram desenvolvidas, a partir de temas de relevância pública,

como o trânsito; ou de formação27, tema da qualidade total para crianças, os 5 S's28. Estes

trabalhos marcam uma trajetória na qual se estruturaram os objetivos do grupo: manter viva

a arte milenar do Teatro de Bonecos e auxiliar na Educação, por meio de abordagens

divertidas de temas que façam o espectador refletir. Como diz Márcia em depoimento

informal: nosso trabalho é para tentar mudar o mundo para melhor.

Encontramos alguns pontos de tensão quanto às definições dos objetivos do trabalho

do grupo. Acreditamos que estas tensões surgem em função da formação plural das atrizes-

bonequeiras, de suas diferentes concepções de educação, de diferentes posicionamentos

político-ideológicos, das possibilidades de transformação dos indivíduos que o Teatro de

Bonecos pode propiciar.

Teca, componente do grupo, revela-nos outras motivações para seu trabalho de

atriz-bonequeira. Ao indagarmos porquê escolheu a carreira artística no Teatro de Bonecos

e qual o significado desta carreira para ela, responde-nos: Foi por mero acaso, mas como

eu gosto de desafios, de fazer sempre coisas diferentes e gosto de fazer experiências, faço

tudo como se fosse um desafio, uma coisa nova para aprender. (Anexo 11, entrevista 02, p.

191).

Entendemos que sua busca é pela realização artística, trabalhar elementos diversos

da arte, aprofundar os conhecimentos da criação, manipular, brincar, divertir e estar junto

ao público expressando um tema através do Teatro de Bonecos e oferecendo-lhe

divertimento.

27 Maneira por que se constitui uma mentalidade, um caráter, ou um conhecimento profissional. Novo Dicionário Aurélio. Ed.Nova Fronteira, 2° edição, 1986, p.800. 28 Tática de gerenciamento japonês difundida no Brasil: limpeza, descarte, organização, disciplina e higiene.

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Por sua experiência musical, sugeriu que as peças fossem gravadas, permitindo

assim maior controle do tempo de espetáculo, adequando-o aos tempos escolares. O

trabalho ganhou qualidade, devido à inclusão de efeitos sonoros, ampliando as

possibilidades de resgate de músicas populares e eruditas, repertórios musicais diferentes,

ruídos de fundo, vozes de personagens, etc. Experimentando na oficina, arriscando novas

soluções, montando, remontando, até ficar perfeito. Teca relata em depoimento informal:

para gravar a peça, temos que considerar o tempo de resposta da criança. Para ocorrer

participação da platéia.

Encontramos também a prática da gravação do espetáculo no grupo Giramundo,

conhecido pelos trabalhos realizados para a TV Globo, na tese de Felisberto Costa29 (2000,

p. 249):

A estrutura dramática parte dos bonecos e de idéias ou situações estimulando improvisações. Cria-se uma partitura textual que é gravada em estúdio, por atores contratados, onde são inseridos as músicas, os cantos e os instrumentos. Portanto narrador e manipulador são pessoas diferentes.

O fato de gravar o espetáculo ocasiona perda de diálogo espontâneo entre público e

platéia que ocorre pela improvisação.

Teca e Márcia controlam todos os aspectos do trabalho: concebem as idéias, criam

os personagens, o cenário e toda a organização em torno da atuação, prática pluralista,

característica de espetáculos do século XIX, onde o ator, segundo suas afinidades, gosto e

autoridade se encarrega da organização inteira do espetáculo. Há, eventualmente,

colaboração de outros profissionais, autores, bonequeiros com outros tipos de manipulação

que enriquecem o trabalho do grupo, atualizando, revendo e redefinindo esteticamente a

peça teatral.

A opção pelo trabalho artístico afastou-as da economia formal, segundo nossa

percepção, nada propício para as sensibilidades e intuições inerentes ao trabalho criativo.

Mudando suas áreas de trabalho, optando pelo Teatro de Bonecos, vivem em tensão

permanente, devido à insegurança resultante das expectativas de contratação,

principalmente por optarem pela expressão de raiz da cultura popular, trabalhando nas

brechas dos preconceitos da sociedade moderna ocidental.

29 Sua tese trata dos procedimentos dramatúrgicos do Teatro de Animação, sobre orientação de Ana Maria Amaral.

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A trabalho artesanal, que é base da construção do Teatro de Bonecos, envolvendo

confecção de bonecos, cenários e adereços, oferece vantagens de não ter sido sufocado pela

invasão da produção industrial e pelos estereótipos consumistas de massa. Antonio Rugiu30

afirma no prefácio que: a pedagogia do aprender-fazendo tem origens na era neolítica,

desprezada pelo saber oficial que distingue o saber falar e raciocinar do homem livre; do

saber fazer, do trabalhador marcado na sociedade numa posição inferior.

Achamos importante construir o sentido do trabalho artesanal, permanência forte no

Teatro de Bonecos. Qual a formação necessária para este artista? O conhecimento que

temos sobre nosso modelo de escola é o domínio da técnica sobre o aprender-fazendo, que

nos parece insatisfatório para formar pessoas integrais, críticas e criativas. Consideramos

que na formação de qualquer profissional, inclusive da área artística, todas as fontes de

saber, teóricas e práticas devem estar presentes, voltadas a formar uma pessoa com ética,

respeitando as escolhas e as diferenças de cada indivíduo.

Desculpe-nos o leitor, pois encontramos uma situação de vôo repleto de

turbulências, que nos faz ir e vir, na busca emergencial, de um campo de pouso.

Construindo a história de Márcia: o incentivo para ser titeriteira veio das lembranças

da infância, de sua mãe que criou um boneco de cone31, com o qual ela brincava horas a fio.

Este trabalho começou quando aprendi, sem compromisso, a fazer bonecos e adereços em papel machê. Com isso, veio o interesse em ministrar oficinas e passar o conhecimento para educação, e aprimorar técnicas de teatro, realizando cursos, aprendendo iluminação e sonoplastia de palco. Mas, não estava completo, então ganhei um concurso com bonecos de papel machê. Aí veio o desejo de experimentar o Teatro de Bonecos - desta vez foi mais sólido, pois com as apresentações abertas o público foi solicitando espetáculos em escolas e tudo começou e foi se profissionalizando. (Anexo 11, entrevista 01, p. 191). Sua trajetória revela a importância das iniciativas públicas gratuitas, oferecidas à

população, que podem capacitar pessoas e gerar novas oportunidades de trabalho.

Diz Yacoff Sarcovas32 (2005, p.23): O Estado deve garantir e estimular a formação

de novos artistas para manter as tradições brasileiras e defender nossa cultura, falando

sobre patrocínio cultural. As atividades que não interessam ao mercado, que não fazem

30 Nostalgia do Mestre Artesão. Editora Autores Associados, Campinas – SP, 1998. 31 Esta técnica é muito atrativa para crianças, pois surpreende quando o boneco sai de um cone. 32 Consultor cultural, planejador e gestor de patrocínios.

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sentido como ação de patrocínio para empresas, mas são de alto interesse público devem ter

apoio nas ações do Estado, que deve atuar através de políticas públicas, com regras claras e

transparência no processo.

Entendemos que o desafio para atender à demanda do público, foi, nas palavras de

Teca e Márcia, pesquisar as raízes culturais brasileiras, na cidade de Salvador, criando as

motivações geradoras para o surgimento do Grumaluc em 1994. O trabalho se deu de forma

modesta, sem compromisso, por mero acaso segundo sua fundadora, sem pretensões de

participar em festivais ou formar novos integrantes.

Estas práticas também são observadas nas trajetórias de outros artistas, como no

relato da entrevista com Bernardo Rohrmann que responde:

Mais ou menos ao acaso, no início da década de 80, um irmão foi colega do Paulinho Polika (já bonequeiro) na Escola Guinard, e através desta amizade começamos a fazer marionetes. Para mim foi a realização em unir música, artes plásticas, e algo ainda mais forte que eu não podia explicar. (Anexo 11, entrevista 06, p. 194).

Dirigimo-nos a nove bonequeiros, perguntando-lhes sobre o porquê de sua escolha

na área de trabalho de Teatro de Bonecos (anexo 11). Conseguimos o seguinte resultado:

N° CASOS RESPOSTAS PERCENTUAL 6 casos Expressão artística 66 %

5 casos Ligado à educação 55 % 5 casos Acaso 55 % 3 casos Influência da família 33 % 3 casos Cursos não-formais 33 % 3 casos Interesse Profissional 33 % 2 casos Ligado à cultura 22%

OBS: As respostas foram registradas em mais de um item por pessoa.

Fortalecemos a hipótese de que o encantamento ocasionado pelo contato com a arte,

e os bonecos especificamente marcam profundamente as pessoas, e que, mais tarde não por

acaso acabam se dedicando a este trabalho. Pontuamos a importância do acesso a diferentes

linguagens para formar o capital cultural e o contexto que imprime significado e valor a

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determinadas formas de expressão.

Outro aspecto observado leva-nos a afirmar que os artistas transmitem para suas

obras, suas próprias concepções de educação que, por sua vez, são resultados de suas

vivências escolares. Vejamos as respostas de Márcia e Teca (Anexo 11, entrevistas 01 e 02,

p. 191): aprendi a fazer bonecos, com isso veio o interesse de passar o conhecimento para

educação e ainda, gosto de fazer experiências, faço tudo como se fosse um desafio, uma

coisa nova para aprender (grifo nosso).

A expressão passar o conhecimento como fora um pacote de informações, explicita

uma concepção de educação bancária, com uma relação distante e hierarquizada entre

professor e aluno e não uma educação construída na relação com os outros, consigo mesmo

e com a sociedade. Tentando compreender o sentido colocado na expressão desafio, uma

coisa nova para aprender, observamos a busca individual, como processo de luta para

conquistar aquilo que tem sentido, numa concepção de disputa e competição. Para realizar

um trabalho que rompa com estas concepções, são necessárias reflexões e mudanças de

atitudes, em busca de construir novas experiências. São dificuldades permanentes que

observamos no trabalho cotidiano do grupo e que buscamos enfrentar quando há novas

montagens, mas são mudanças no longo prazo, que se processam lentamente e passam por

retrocessos. Se o trabalho pretende ser libertador, é preciso atenção e coragem para romper

com fronteiras comportamentais.

Para Carlos Byngton (2003, p.131) esta é uma concepção de ensino de modelo

patriarcal, onde o racional e a lógica estão presentes, a disciplina dos corpos, lógica

instrumental etc. tornando difícil uma ruptura e esta postura transparece nas peças do grupo

e na linguagem teatral.

Observamos nas primeiras peças criadas que os personagens apresentam a postura

do professor que sabe e do aluno ignorante. Tal postura foi reconhecida por nós pelas

perguntas feitas à platéia: Não é pessoal? E a resposta sim ou não.

Esta forma de diálogo nos incomodava e trazer elementos para o grupo pensar a

respeito, fazem parte dos objetivos de nossa pesquisa. Começamos a introduzir o

questionamento sobre personagens sabidos e a concepção de educação utilizada para

construí-los, que nos parecia ultrapassada. Buscamos na Universidade a base teórica para

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criticar esta estrutura criativa. Neste aspecto uma assessoria pedagógica seria importante

para conscientização do grupo.

Durante uma disciplina no curso de pós-graduação na Faculdade de Educação,

quando apresentamos nosso trabalho, uma importante contribuição, conscientizou-nos

sobre as especificidades dos diferentes códigos artísticos, realizada pela sugestão e análise

do professor convidado Wenceslau Machado de Oliveira Junior33 (2003) a maior

contribuição dada aos espectadores é revelar a linguagem artística, os códigos próprios

desta forma de manifestação (informação verbal).

Algumas participações do Grumaluc em eventos foram relevantes para ampliar a

discussão sobre seu próprio trabalho, como a I Mostra de Teatro de Bonecos de Campinas

e as oficinas promovidas por outros grupos, como TRUK's34 e Sobrevento, que

enriqueceram e possibilitaram mais qualidade, ampliaram as possibilidades experimentais

de manipulação, deram segurança em relação ao valor do trabalho do grupo, despertaram

desejos de participar de festivais, enfim proporcionaram uma nova dinâmica. A interação

com pessoas que vivem desta arte promovem um desafio interior, vontade de realizar,

ultrapassar seus limites e também a busca de reconhecimento.

Buscando dar maior visibilidade ao grupo, foram ministradas palestras em eventos

universitários de Educação na Puccamp35, Unip e Unicamp, oficinas na Pedagogia da

Unicamp, na Semana de Educação de Amparo, divulgando para educadores o Teatro de

Bonecos como possível instrumento de aprendizagem.

Resumindo, o trabalho do Grumaluc é produzido pela pedagogia do aprender-

fazendo, pelas técnicas do papel machê, através das oficinas e contatos com outros grupos

de Teatro de Bonecos. A estrutura criativa se concentra na confecção dos bonecos, seus

aspectos visuais e de manipulação. As pesquisas sobre os temas que vão ser abordados para

conhecimento do espectador, a preocupação com o repertório musical, o resgate sonoro dos

diferentes estilos e fontes são realizados em estúdio próprio.

Observamos que, dependendo do lugar e de como se olha o espetáculo de Teatro de

Bonecos, há uma aceitação, uma apropriação específica e um julgamento. A criança na

33 Professor da Unicam/Faculdade de Educação (FE) e do grupo de pesquisa OLHO. 34 Site do grupo: www.truks.com.br e www.sobrevento.com.br 35 Pontifícia Universidade Católica e Campinas – PUCCAMP; Universidade Paulista – UNIP; Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

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escola se envolve na ruptura da rotina escolar e busca compreender o espetáculo, a

manipulação dos bonecos, o riso possível. Nossa motivação na pesquisa é apontar e refletir

sobre as possibilidades dessa arte como instrumento de formação e aprendizagem lúdica e

prazerosa.

Neste sentido parece importante que os educadores explorem as diferentes

possibilidades de desenvolvimento dos alunos, transformando-os em espectadores atuantes,

preparando a experiência estética, explorando ações intelectuais e emocionais. Sem esta

preparação percebemos que o Teatro de Bonecos pode ser divertimento e apropriação livre,

muitas vezes fragmentado e sem relação com o aprendizado.

Segundo Hebert Read (2001, p. 33) A obra de arte[...]apela para nossas sensações,

mente e imaginação.

O que pode ser preparado pelos educadores? Quais as bases da reflexão artística? O

que vale a pena explorar? Que valores emocionais e sensíveis podem se desenvolver?

Neste sentido, a colaboração de Oliveira e Garcez (2002, p. 19 e 20) nos parece de

grande importância, convidando os espectadores a responder:

Como nunca pensei nisso? Como as coisas podem ser vistas assim? O que isso representa? O que me diz? Como o artista usou o material? Que efeito obteve? E se as coisas fossem assim? Como o artista vê de maneira diferente? Que época foi representada? Que emoções sentimos?

Quando vemos um espetáculo teatral, podemos nos transformar em espectadores

atentos, vemos, ouvimos, sentimos a obra e as possibilidades de novos conhecimentos e

sensações deste contato. Cada linguagem artística tem seu próprio código e o espectador

pode aprender a arte como se aprende uma língua, ser iniciado nesse código para se

preparar para a experiência estética, ter idéia do código próprio de cada arte para aguçar a

percepção. A autora afirma que:

A experiência estética[...]é uma forma de felicidade muito especial, porque é transformadora. E nos modifica pela emoção que proporciona. Para interagir e apreciar as artes, usamos nossas experiências anteriores, percepções, habilidades comunicativas, visuais e espaciais, informações, sensibilidade e imaginação. OLIVEIRA e GARCEZ (2002, p. 20). Assim, quanto mais desenvolvemos essas capacidades, competências e habilidades,

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mais nos aproximaremos do mundo da arte.

No Teatro de Bonecos encontram-se variadas expressões e recursos artísticos, é arte

complexa que une num tempo e espaço música, artes plásticas, dança com um universo de

possibilidades. No Grumaluc temos um Teatro de Bonecos com fortes elementos populares.

As atrizes-bonequeiras ficam escondidas dentro da empanada36, tem suas peças gravadas,

interagem com a platéia com improvisação após o espetáculo. As técnicas de manipulação

são com bonecos de luva e vara que, segundo Borba Filho (1987, p. 07) são arbitrários,

anti-realistas, poéticos diferentemente das marionetes de fios que tentam imitar o ator de

carne e osso.

O folclore está nas raízes e nos elementos do Teatro de Bonecos, mergulhemos

nesta reflexão para compreender o que é e quais suas permanências nesta forma de

expressão artística.

2.2 – O folclore como forte elemento do Teatro de Bonecos

Na análise de Cássia Frade (1997) o folclore se inicia, como objeto de pesquisa,

com William John Thoms, por volta de 1846, inglês e arqueólogo interessado em

narrativas, cantares e dizeres de criação popular, transmitidos oralmente e mantidos pela

memória. Ele percebeu que se tratava de um saber tradicional de maior amplitude,

consubstanciado em costumes, usos, crenças, cerimônias etc. Afirmou que muitos fatos,

aparentemente triviais e insignificantes em sua abrangência, na verdade compunham elos

de uma grande cadeia, pontos de uma rede de incomensurável amplitude. Thoms criou um

termo que pudesse definir esse universo: FOLK-LORE, o saber tradicional do povo.

Quais os objetivos de registro e estudo do Folclore? Esta resposta nos é fornecida

em diferentes versões, segundo Renato Almeida37, citado por Frade (1997, p. 10) visa

conservar e publicar tradições populares, baladas lendárias, provérbios locais, ditos

vulgares, superstições, antigos costumes e demais materiais concernentes a isso.

36 Empanada – tendas armadas nas praças. Pequenos palcos, no estilo dos ambulantes medievais, receberam no Norte a denominação de empanadas. Ana Maria Amaral (1994, p. 17). Cenário de fácil transporte e montagem, que esconde o ator-bonequeiro e cria a ilusão dos bonecos. 37 ALMEIDA, Renato. A inteligência do Folclore. RJ, Cia Ed. América/MEC, 1974.

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Renato Ortiz (1992, p. 62) em seu livro Românticos e Folcloristas38 analisa a noção

de cultura popular que é fruto de recente história:

A cultura popular surge somente com o movimento romântico, cristalizando-se com os folcloristas - portanto é criação de intelectuais, com intenções variadas. Folcloristas e românticos cunham um tipo de entendimento da cultura das classes subalternas. Nos séc. XVII e XVIII vão separando de forma crescente a cultura de elite e a cultura popular – uma atitude da aristocracia que exclui, acentua diferenças entre os plebeus e os nobres, num contexto com poucas escolas, dificuldades de comunicação e transporte precário.

Outra análise é realizada, numa leitura a contrapelo, por Maria Stella Bresciani

(1982, p. 11 a 121) que afirma:

Equipe de técnicos formularam soluções pontuais para os ‘perigos’ representados pelas classes pobres, classes perigosas, na cidade de Paris e Londres do século XIX, devassaram a vida das classes pobres, informações que forneceram as bases para estudar cientificamente a família do pobre e demolir a revolução. O desfecho da política de disciplinarização da vida do pobre dá-se com a insurreição popular, a Comuna de Paris, que proclamou o direito do cidadão à cidade, a votar o orçamento, o ensino, escolha com direito à revogação, liberdade individual, de consciência e de trabalho.

Permite-nos pensar que as resistências das classes pobres diante do processo de

urbanização, do trabalho industrial alienante e das condições de miséria, suas condições de

sobrevivência, superando epidemias, subnutrição e sem possibilidades de estudar, foram

forjados a partir do século XVIII. A formação do contexto urbano juntamente com a

revolução industrial e a forma dominantemente burguesa que se estrutura nas cidades,

colocaram a cultura rural, camponesa - que origina a cultura do povo, em contraposição à

cultura urbana que se forma e domina o processo civilizatório moderno. Neste período,

constrói-se a concepção burguesa da propriedade, o homem pode dispor de seu corpo, a

crença no progresso material é extensível a todos. O tempo produtivo e a questão de: Como

trazer o resíduo para dentro da sociedade produtiva? Ou, como se livrar deles? Como

eliminar os bolsões de miséria? Neste contexto, o conceito folclore foi sendo construído

historicamente, como área de conhecimento, podendo auxiliar no controle da multidão

perigosa.

As transformações nas vidas das pessoas, causadas pelo processo de urbanização a

partir do século XVIII, resultaram em revoluções políticas e industriais que trouxeram, de

38 ORTIZ, Renato. Românticos e Folcloristas: cultura popular. Ed. Olho D’Água. SP,1992.

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forma lenta e radical - a modernidade. O romantismo é a expressão deste novo ritmo de

vida, um gênero literário popular – introduz uma nova modalidade narrativa, crimes, moda,

novelas, notícias - que encontram um mercado emergente.

Segundo Renato Ortiz (1992, p. 64 e 65):

Para os intelectuais burgueses as classes populares não possuíam nenhuma cultura e se caracterizavam pela ‘falta de civilização’. A escola e o serviço militar seriam mecanismos de promoção da cultura urbana. Por outro lado, os folcloristas conferem aos ‘camponeses idealizados’ uma tradição em vias de extinção, ligando cultura popular ao passado, em choque com a civilização, sendo eliminada ou confinada aos museus – fechando os horizontes para pensar ‘como’ as manifestações populares são ‘recriadas’. Outra importante característica apontada pelo autor (1992, p. 66) é que a descoberta

da cultura popular pelos intelectuais em todos os países tem um traço comum - ligados à

identidade nacional – que o faz afirmar que: ‘ a cultura popular é parte da construção do

Estado Nação’.

Nos países latinos os folcloristas lutam contra o colonialismo e o imperialismo,

constituindo uma dimensão política para o folclore, além da disputa entre os intelectuais

que produzem longe das capitais, tornando-se um contraponto à produção cultural

dominante que os exclui, porque eles insurgem contra a cultura da corte na dicotomia entre

consciência regional versus traço centralizador do Estado. ORTIZ (1992, p. 68).

Pontuamos estas diferentes abordagens, construindo um sentido, para olharmos sem

ingenuidade o folclore. Importa-nos não naturalizarmos, sem refletir, as versões oficiais.

Portanto, quando nos referimos ao folclore, estamos nos referindo a pluralidade cultural,

gerada pela formação heterogênea da população, com diferentes costumes, hábitos e

crenças, adotando uma postura não hierarquizada.

Na América, em 1888, é fundada a American Folklore Society voltando-se cada vez

mais para os estudos relacionados à vida do homem comum.

No Brasil temos estudiosos como João Ribeiro, Arthur Ramos, Renato Almeida,

cada qual defendendo uma linha de pesquisas, baseadas ora na psicologia, ora na

antropologia cultural. Renato Almeida39, citado por Frade (1997, p. 13) afirma que o

folclore escapa a qualquer exclusivismo ele perscruta a vida do povo em seus elementos

39 ALMEIDA, Renato, Op.Cit.

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materiais e imateriais, pois o lado espiritual da cultura se completa nos usos, costumes,

práticas e técnicas.

Ela também apresenta o estudioso Florestan Fernandes, sociólogo que analisou o

folclore brasileiro, os fatores culturais e o progresso. Segundo ele, isto tudo não se processa

uniformemente na sociedade, havendo camadas da população que não participam do

desenvolvimento ou apenas acompanham, com um retardamento evidente. Na sua análise,

folclore seria o estudo dos elementos culturais praticamente ultrapassados. Recusamos esta

definição que nos parece desvalorizar os meios populares. Outras tentativas de definição do

folclore são reveladas por Maria Izaura Pereira Queiroz40, citada pela autora, tudo que é

folclore, é popular; porém, nem tudo que é popular, é folclore. FRADE (1997, p. 17).

O termo popular apresenta várias acepções, pode significar o que pertence aos

estratos inferiores da população. Finalmente, concordamos com a definição de popular: é

o que pertence à maioria dos homens.

O conceito de cultura é retomado, na visão de Paulo Freire (2003, p. 136): todo

fruto do trabalho do homem, transformando a natureza, é cultura. Aprofundando este

tema, concordamos e damos voz ao atual Ministro da Cultura, Gilberto Gil, no prefácio do

livro Projetos Culturais que explicita:

Cultura como a dimensão simbólica da existência social brasileira. Como usina e conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Como eixo construtor de nossas identidades, construções continuadas que resultam dos encontros entre as múltiplas representações do sentir, do pensar e do fazer brasileiros e a diversidade cultural planetária. Como espaço de realização da cidadania e de superação da exclusão social, seja pelo esforço da auto-estima e do sentimento de pertencimento, seja, também, por conta das potencialidades inscritas no universo das manifestações artístico-culturais com suas múltiplas possibilidades de inclusão socioeconômica. Também como fato econômico, capaz de atrair divisas para o país, gerar empregos e renda. MALAGODI e CESNIK (2004, p. 12). A pluralidade das culturas e suas formas dinâmicas, e, em constantes relações e

mudanças no mundo moderno, recebem uma classificação, que segundo Cássia Frade

(1997, p. 19) representa a cultura na concepção moderna, subdividida em cultura erudita,

cultura popular e cultura de massa.

40 QUEIROZ, Maria Izaura Pereira. Messias, taumaturgos e dualidade católica no Brasil, in Religião e Sociedade n° 10.

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A cultura erudita – oficial - é fruto do trabalho do homem culto, ou seja, é

legitimada pelas Instituições que valorizam este saber, é o caso das Universidades e

Instituições Científicas. Quando produzida pelos homens que não vivenciam a cultura das

classes dominantes, chama-se cultura popular, segundo Waldemyr Caldas41, citado pela

autora – recebendo a nomenclatura da classe dominante. Esta cultura popular é estabelecida

através de relações familiares, relações de vizinhanças, pela participação rotineira e

interativa. A cultura de massa é decorrência do desenvolvimento industrial[...]

impulsionada pelos meios de comunicação[...]marcando o atual estilo de vida do homem

contemporâneo do meio urbano-industrial. FRADE (1997, p. 20). Nela as produções

culturais são produtos a serem integrados ao mercado, gerando lucro.

A autora destaca em sua análise, que estas culturas não são estanques: tem áreas de

contágio e interferências. FRADE (1997, p. 21).

Convida-nos a pensar na apropriação, empréstimo e a reinterpretação das cirandas

de Heitor Villa-Lobos, benditos de Carmem Costa, Jingle Bell nos pastoris nordestinos.

Trata-se de um processo de elaboração da dinâmica da cultura (1997, p. 22). O fato

folclórico se individualiza no processo de sua incorporação à cultura local, processo que

envolve a aceitação do pormenor cultural próprio da região e se desintegra, recompõe-se à

medida que passa de uma a outra área, de um a outro povo.

As relações culturais, para Marilena Chauí42, citada por Frade (1997, p. 22) as

expressões tradicionais nada têm de ingênuas, inserem-se num contexto de reformulação e

resistência à disciplina e a vigilância. Nela, o silêncio, o implícito, o invencível é mais

importante do que o manifesto. O homem do povo tem uma forma de impor seu espaço

político frente às pressões institucionais dominantes.

Os elementos folclóricos são passados, pela forma oral, com predomino da forma

verbal, vocal, sendo um conhecimento adquirido através do ouvir dizer. O aprendizado vai

ocorrer pela observação, imitação, pelas experiências decorrentes de um contato físico

imediato, com a percepção e sensibilidade do homem, formando variantes ou

diversificações.

41 CALDAS, Waldemyr. O que todo cidadão precisa saber sobre cultura. Cadernos de Ed. Pol. N°12, SP. Global Ed., 1986. 42 CHAUÍ, Marilena. Conformismos e Resistência. SP. Ed Brasiliense. 1987, 2° ed.

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O anonimato é uma das características do folclore, ele ocorre num processo que tem

início numa criação individual que aos poucos é aceita pela coletividade, vai se

modificando numa lenta elaboração, até tornar-se anônima, porque o autor se perdeu na

memória, marginalizando autorias e eliminando propriedades.

Para Edison Carneiro43, citado pela autora (1997, p. 22) o folclore vive, não em

estado de pureza, mas em estado de adaptação constante, em contato com a realidade

social Vicente Salles44 em FRADE (1979, p. 29) relata: As dinâmicas do folclore, dos

fenômenos culturais, não são coisas mortas, são realidades concretas, dinâmicas, em

constante readaptação às novas formas assumidas pela sociedade.

Como o folclore se (re)produz? Quais os processos e permanências?

Renato Almeida45 citado por FRADE (1979, p.30) afirma:

As formas de produção do folclore são: empréstimo, quando mantém seus elementos íntegros; e reinterpretação, quando seus elementos são adaptados à sua realidade alternando a forma, o destino, a função. As relações se articulam e deixam marcas, uns nos outros. Apesar dos conflitos entre agentes oficiais e populares e das tentativas de domínio (grifo nosso). No Brasil, as relações entre culturas ampliam-se pela mistura das raças, imigração,

deslocamentos das expressões culturais em contextos diversos do original. As influências

das ações e reações resultam em processos de transformação. Para Edison Carneiro46,

citado pela autora: Dialeticamente é e não é, ao mesmo tempo, o mesmo fenômeno, como

em geral acontece com todos os fenômenos sociais. FRADE (1979, p. 32).

O homem recebe hoje sob a influência dos meios de comunicação de massa ou da

indústria cultural, uma carga enorme de informações, modificando seus conceitos,

pensamentos, sentimentos e atos. FRADE (1979, p. 33). Mas essa cultura também se

abastece das produções de origem popular para elaborar seus produtos de mercado.

Resumindo, o teatro do Grumaluc apresenta componentes da cultura popular, como

reinterpretação de alguns elementos, que foram adaptados à realidade de seu público

infantil, alterando formas, destino e funções, como analisaremos nos próximos capítulos.

43 CARNEIRO, Edison. Dinâmica do Folclore. RJ. Ed Civilização Brasileira, 1965. 44 SALLES, Vicente. Questionamento Teórico sobre Folclore. Petrópolis, Ed. Vozes, 1969. 45 ALMEIDA, Renato. Op. Cit. 46 CARNEIRO, Edison. Op.Cit.

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Ana Maria Amaral, especialista do Teatro de Bonecos no Brasil, ajuda-nos a

caracterizar melhor os elementos desta arte e de sua história no Ocidente.

2.3 – O Teatro de Bonecos e seus elementos

Escolhemos os trabalhos de análise do Teatro de Bonecos de Ana Maria Amaral47

buscando elementos que caracterizam historicamente esta arte. A autora revela o panorama

no Oriente e no Ocidente, levanta aspectos de sua constituição, categoriza suas formas de

fazer e permite que nossos olhares como pesquisadora, se distanciem do trabalho do

Grumaluc, ampliando nossa percepção, junto ao nosso objeto de estudo.

No prefácio do livro Teatro de Animação, Edélcio Mortaço apresenta a trajetória da

autora no início de suas atividades com Teatro de Bonecos: ela tinha o objetivo de propiciar

aos freqüentadores de bibliotecas, instigantes alternativas, que os levassem à leitura.

AMARAL (1997, p.9).

Esta mesma postura - incentivar a leitura - foi o que motivou o Grumaluc em 2003,

na elaboração da peça O Verão elegendo a poesia infantil, com autor vivo, e anteriormente,

na peça O pé de Jabuticabóbora homenageando Monteiro Lobato.

Perece-nos importante esclarecer a questão das duas nominações diferentes relativas

a este tipo de expressão artística: Teatro de Bonecos e Teatro de Animação ou de Formas

Animadas.

O Teatro de Bonecos explora as características humanas, em seres inanimados,

humanizando-os: coloca pernas, braços, olhos e nariz. Este é o teatro que nos interessa

particularmente, pois o grupo tratado nesta pesquisa, mantêm-se neste campo prático.

O Teatro de Animação ou de Formas Animadas inclui várias técnicas reunidas num

só espetáculo, tais como sombras, objetos, antigas formas, fundindo o teatro de ator, a

mímica e o Teatro de Bonecos.

Nosso olhar se dirige ao Teatro de Bonecos, buscando suas características,

categorias, elementos e a recepção da platéia, não ao ato criativo. Embora criação e

47 Nascida em S.Paulo, formada em Filosofia e Biblioteconomia. Entrou em contato com fantoches rudimentares, para atrair crianças carentes e descobriu o fascínio que eles podiam exercer. Em 1959, morou em NY, entrando em contato com outras formas de Teatro de Bonecos. Retornando ao Brasil, em 1970, dedicou-se às experiências neste campo, criou o grupo CASULO ganhando vários prêmios. Lecionou Teatro de Animação na USP/ECA. É a primeira doutora, entre nós, nesta área, abrindo assim caminhos para novos pesquisadores. Apresentação da ante-capa do livro “Teatro de Formas Animadas” 1996, 3° ed.Ed.EDUSP.

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recepção sejam coisas justapostas, muito ligadas, na entrevista estruturada que realizamos

com Márcia Marchette, bonequeira do Grumaluc, sua arte é amplitude, forma de buscar a

sensibilidade para quem faz e para quem vê, incluindo o olhar do outro, o espectador com

a necessidade de apreciação. (Anexo 11, entrevista 01, p. 191).

Em nossa experiência com o Teatro de Bonecos, o espectador e o ator-manipulador

focam sua atenção no boneco, seus movimentos e formas de expressão. É o ator-

manipulador que fornece energia e movimentos para o boneco, criando a ilusão de vida, a

impressão de que o boneco adquiriu vontade própria. É o que nos relata Malu Vasquez,

atriz-bonequeira do Grumaluc: para mim é desafio puro[...]o boneco só cria vida, com o

meu empenho e generosidade. (Anexo 11, entrevista 04, p. 192).

As novas tecnologias aplicadas na arte do Teatro de Bonecos, podem, ao mesmo

tempo, ampliar os recursos e efeitos sonoros e afastar a música ao vivo; dar status e

popularidade aos bonecos, mas achata seus conteúdos. Segundo Ana Maria Amaral (1997,

p. 35):

O Teatro de Bonecos usa a narração, e desta forma, resgata valores e busca as origens do homem, explicações da vida e do universo, através das memórias, trajetórias, histórias de heróis e bandidos, ritos que captam e reverenciam deuses e demônios48. O boneco tem muita energia, por ser uma reprodução, em escala reduzida, do

homem, para Françoise Grund49, citado por AMARAL (1997, p. 88) provoca com isso uma

espécie de energia cristalizada . Ele fascina pelo material de que é construído, atrai pelo

visual inusitado, pela tentação de dominá-lo.

Os bonecos nos perturbam, num jogo de transformações, simulações e revelações.

Transmitem idéias, dão-nos recados através do riso, das formas, dos movimentos, causando

surpresas e provocações. Para o bonequeiro Bernardo Rohrmann, da Companhia de

Inventos, o encantamento veio via televisão, nos desenhos animados e mais tarde nos

vídeos clips. Ele relembra uma experiência, em contato com as marionetes: [...]Me lembro

quando eu tinha 3 anos de idade e passou na rua, um senhor vendendo pequenas

marionetes e minha reação foi de medo e pavor. Será então, agora o encanto, uma forma

de resgatar aquela emoção? (Anexo 11, entrevista 06, p. 194).

48 A busca do passado é o mito e o registro desse passado é a tradição. 49 “Rencontre avec Françoise Grund”, Marionnettes, n°2, 1984, p. 21.

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Quando os bonecos são vistos como dotados de vida, tornam-se enigmáticos,

misteriosos, causam estranheza e podem despertar o poético. Cria-se o tipo que toca a

essência. Como lembra Ana Maria Amaral (1997, p.26 e também 2002, p. 82) o boneco

deve expressar suas características de não-realidade ou fantasia.

A manipulação dos bonecos ocorre com diferentes técnicas: de luva, de vara, de

fios. Podem ser usadas, num mesmo boneco, diferentes combinações destas técnicas. O

manipulador pode estar oculto ou à vista, mas sempre neutro, ou seja, não pode disputar

com os bonecos, a atenção do espectador.

Em relação à dramaturgia, a contribuição da presente autora revela que há

características diferentes, próprias do Teatro de Bonecos, a qualidade visual e emocional

do personagem, qualidades vocais do narrador e a ênfase no ritmo das palavras, em

perfeita combinação entre drama, ritmo da linguagem e visual. AMARAL (2002).

A história do Teatro de Bonecos no Ocidente tem suas bases no teatro grego, que,

ao decair, é levado para as ruas, perpetuando-se no teatro popular que atravessa toda a

Idade Média. Vejamos a reconstituição histórica que a autora faz (2002, p. 111 e 112):

Com o cristianismo, o teatro se divide entre religioso, que encena histórias bíblicas, e impõe o poder oficial, dando margem a versões, surgindo o profano, que percorre as feiras. O teatro profano toma duas vertentes: poético, que falam de amor e batalhas; e o satírico, irreverências históricas dos episódios bíblicos, representa o espírito crítico, visa a transformação da sociedade, pois nada melhor para desmoralizar o poder do que rir dele. (grifo nosso). Nesta categorização, percebemos no Grumaluc o trabalho na área do profano porque

é itinerante, não em feiras, mas nas escolas. Identificamos a vertente satírica, visando a

transformação da sociedade e instigando o espírito crítico e o riso.

No Teatro de Bonecos, são os objetos que apresentam situações e conteúdos, com

potencial dramático e metafórico50. Os conflitos acontecem, levando à reflexão e à

meditação, despertando emoções estéticas, pelos quais ludicamente aprendemos e

penetramos o mundo da arte.

No aspecto da estrutura dramática, a autora (2002, p. 142) realça as partes

constituintes do ato teatral:

A dramaturgia do teatro de objetos é igual à de qualquer texto dramático. No 50 Metafórico é o uso de uma idéia em sentido figurado. Novo Dicionário Aurélio. 1986, p. 1126.

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primeiro momento, temos a apresentação dos personagens e suas situações; no segundo, o conflito; no terceiro, as situações se resolvem, ou se dissolvem em conseqüentes transformações (grifo nosso).

Além desta estrutura, o trabalho do ator-manipulador, para explicitar o conflito é

apoiado em gestos e momentos de não-ação, movimentos, pausas e silêncios, tem pouca

coisa documentado. AMARAL (1996, p. 74).

No ocidente, o boneco está mais próximo da paródia, como forma de expressão

popular e ligado a pantomina51 e diálogos improvisados. Interessa-nos seu elemento

ambíguo:

O boneco é um reflexo nosso. É a nossa representação reduzida[...] É um personagem irreal. É negação, é matéria, e, ao mesmo tempo é afirmação. É um desafio à inércia da matéria. Ambíguo por natureza tem aspectos positivos e negativos. É dualidade: enquanto animado, é espírito; enquanto inerte, é matéria. Define-se por uma contradição: é ação, mas em si mesmo ele não tem movimento. AMARAL (1996, p. 75)

Os protagonistas deste teatro popular são tipos, desenvolvidos a partir da Commédia

dell’Arte, são capitães que reencarnam o poder e muitos outros tipos. Curiosamente, no

século XVIII, o Teatro de Bonecos circulava nas cortes e no meio intelectual da Europa,

onde se encenavam os clássicos. Era arte erudita, ligada à elite artística, como Goethe,

Haydn, Gluck que encenavam Shakespeare, Moliere e outros.

Esta moda foi perdendo seu encanto, o que levou os marionetistas para as ruas,

praças e feiras, buscando outro público, adaptando-se e sobrevivendo até os nossos dias

com outra forma e outros conteúdos: histórias curtas para chamar a atenção do público,

com apenas um ator, com temas simples do dia a dia, com cenas cheias de ação e

improvisadas.

Este ir e vir, do Teatro de Bonecos nos campos da arte popular e erudita é marcante

na história do Guignol francês, relatada pela autora (1996, p.116). Em 1808, nasceu como

personagem de bom coração, debochado, de poucos escrúpulos... Entre 1865 e 1895, outro

artista se apropriou da sua forma de expressão e o levou aos salões, teatros e cafés

literários, foi mudado para atender público burguês limpando as expressões de baixo calão

e procurando dar às estórias uma moral[...] com virtudes que jamais teve. Finalmente, em

51 Pantomina é a expressão por meio de gestos, mímica. Novo Dicionário Aurélio, 1986, p. 1258.

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1910, reviveu com objetivos culturais, moralizadores e didáticos. Passou a ter boas

maneiras, refinamentos e conceitos morais, passando a ser confundido como recreação

infantil.

Percebemos então, a partir desta reconstrução histórica, o valor e poder implícitos

de persuasão e de despertar de sensibilidades que esta linguagem artística, o Teatro de

Bonecos possui.

Revendo a história do boneco no Ocidente e sua transição para o Teatro de Bonecos

Contemporâneo em AMARAL (1996, p. 118 a 121) destacamos que a idéia de reunir

artistas de várias áreas para produzir uma peça se alastrou de Paris para os grandes

centros urbanos, no fim do século XIX52.

Quanto a organização do movimento teatral de bonecos destacamos que foi

fundada em 1929, a União Internacional de Marionetes – UNIMA - na cidade de Praga,

visando maior cooperação entre os marionetistas. Na análise da autora (1996, p.121) os

países socialistas, conscientes da força social e educativa dos bonecos, passam a dar-lhes

grande apoio e desenvolvimento. Surgem grandes companhias estatais.

Na Europa, no século XX o Teatro de Bonecos renasce com várias técnicas reunidas

num só espetáculo, explorando novidades técnicas, mas, também, retomando as formas

antigas. Surge nas artes cênicas uma tendência que seria como uma fusão do teatro com

ator com a mímica e o Teatro de Bonecos[...] se cria um novo teatro, o teatro de animação

(grifo nosso) AMARAL (1996, p. 124).

Nos países americanos, nos anos 50 e 60, os tele-programas Bill Baird, Muppets e

Sesame Street popularizaram os bonecos. Os meios de comunicação de massa, como a TV,

para a autora (1996, p.161) ao mesmo tempo popularizam, dita normas e as imitações

proliferam, cerceando outras criações.

Delimitando as fronteiras do trabalho, no Teatro de Bonecos erudito ou popular, a

autora ( 1996, p. 165) revela:

O Teatro de Bonecos popular é quase sempre um Teatro de Bonecos de luva[...] versátil e espontâneo. Sua manipulação, feita com a mão do ator, traz facilmente emoções à tona. As peças são em geral curtas, são “sketches”, mas às vezes se prolongam numa estrutura de peça mais dramática. Sua característica é o comentário social, as paixões rudes[...] o tema é o cotidiano do homem, suas lutas

52 Sobre a história do Teatro de Bonecos recomendamos o livro “Teatro de Formas Animadas” (1996) e no Brasil “Teatro de Bonecos no Brasil” (1994) – ambos de Ana Maria Amaral.

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em seu meio social, suas ilusões e decepções[...]as situações[...] dos protagonistas são cômicas, fantasias ou absurdas. Uma de suas características é a improvisação[...]raramente envolve mais que um ou dois bonequeiros[...] o boneco representa tipos. Os arquétipos da sociedade[...] homem[...] grosseiro, fanfarrão[...]todos eles em situações[...]absurdas, cômicas. Pensamos que o Grumaluc, grupo pesquisado neste trabalho, tem base forte no

popular, pois, usa bonecos de luva, suas peças são curtas, divididos em quadros com temas

cotidianos.

Na história do Teatro de Bonecos, é classificado como erudito, o que se

desenvolveu na base do teatro de ator. Sua característica é a cópia do humano, quase

sempre, expresso por marionetes de fios.

Outra possibilidade de classificação do Teatro de Bonecos é realizada por Roger

Daniel Bensky, que não distingue popular e erudito:

Apresenta dois aspectos fundamentais: caricatura social e o poético maravilhoso. O primeiro visa ‘transformar o social’ com a exacerbação dos defeitos do homem, provocando o riso. O segundo, o poético maravilhoso exclui a sátira, penetra o mundo irreal e busca a transformação, através de sua desintegração material, pois, modificando-se a realidade é que se chega ao fantástico. AMARAL (1996, p. 166 e 167). Nesta categoria estão os contos de fadas, temas mitológicos e fantásticos. Os

personagens não são homens comuns, são seres estranhos, fadas, gnomos, gigantes, etc.

Nesta nova forma de classificação, entendemos que o Grumaluc se aproxima da

caricatura social, pois, busca a transformação da sociedade, concentrando suas ações na

formação de cidadania, conscientização de si e dos outros.

No Teatro de Bonecos há identificação do espectador com o boneco. Percebemos

este processo quando o ator-manipulador passa aos bonecos uma energia, que é percebida

pelo público, despertando sensações que são devolvidas ao artista, numa troca de emoções,

sem as quais não existe teatro. Os bonecos e seus movimentos nos tocam, segundo a autora

(1996, p. 301), tratando do Teatro de Formas Animadas, revela as possíveis reações dos

espectadores diante dos elementos deste teatro: Forma, movimento e luz – que tocam,

atraem e nos puxam sem que possamos exatamente definir o que realmente se

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passa[...]alguma coisa dentro de nós se modifica, uma transformação interna ocorre.

Percebemos no trabalho do Grumaluc, ao observarmos as reações de sua platéia, o

afloramento de diferentes emoções, diferentes expressões e formas de vivenciar as próprias

sensações. Maior ou menor sensibilidade a uma das percepções: visual, auditiva ou

cinestésica é estritamente individual. As crianças, público alvo do trabalho, respondem aos

apelos visuais dos personagens, ora estão mais sensíveis ao som, cantam, dançam juntos

com os bonecos e, vez ou outra, extrapolam os limites da empanada, na tentativa de tocar

os bonecos.

O Teatro de Bonecos é para um público limitado, para poucas pessoas, é sempre um

encontro, lugar onde se comunicam idéias, sensações, vivências. Destacamos em Ana

Maria Amaral (1996, p. 303), em relação à recepção das pessoas diante do Teatro de

Animação: Reagem muito individualmente, pois o que se mostra não é algo em si, objetivo,

racional, consciente, mas algo relativo a cada um[...]vemos diferentemente um mesmo

objeto, assim também um espetáculo é diferentemente visto e interpretado.

Concordamos com sua afirmação sobre o Teatro de Animação, referindo-se à

comunicação, que é feita, principalmente, por imagens, gestos, música, ritmo, efeitos de luz

e silêncios[...]é um teatro de alquimistas, místicos e poetas. AMARAL (1996, p. 305).

2.4 – Elementos de análise dos espetáculos

Nos capítulos seguintes, analisaremos duas peças do repertório do Grumaluc e para

realizar esta tarefa, buscamos a experiência de Patrice Pavis53 (2003, p. 15) para

fundamentar as bases teóricas e conceituais da análise dos espetáculos e para melhor

entendermos a recepção. Para se ter uma experiência estética é preciso se deixar

impressionar pela materialidade do espetáculo, não procurar lhe atribuir um sentido.

Sua abordagem é de alguém que assistiu à representação, obteve dela uma

experiência viva e concreta e que a relata a um ouvinte, que também viu o espetáculo. Eis

nossa primeira dificuldade, pois nosso leitor, provavelmente, não conhece as peças

analisadas. Tentaremos suprir esta lacuna através de análise iconográfica, comentários de

53 Professor da área teatral e autor de várias obras sobre teatro intercultural.

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cenas e reações das crianças e a inclusão dos textos, sabendo que todo este movimento não

substitui a presença do ouvinte e sua própria experiência teatral.

Para Patrice Pavis, o produto final, entregue ao público, é que merece ser analisado,

fundamentado na experiência individual de quem se confronta com o evento cênico. Na

materialidade do espetáculo e nos componentes da cena: o boneco; as vozes, as músicas, o

ritmo do espetáculo, ação e outros elementos.

Quando o ator é um boneco, ele convida o espectador a seguir seus movimentos, sincronizar suas próprias reações, o gesto redobra a palavra e o conjunto promove conexões múltiplas. Como ler os deslocamentos, sinais que se fundem no corpo, atravessados por fenômenos culturais e desejos inconscientes? Para além da cena há a sub partitura, o que está escondido. O corpo e o espírito do espectador efetuam um vai-e-vem contínuo entre interior e exterior; que ora se identifica ao objeto, ora percebe o outro de fora, como um corpo estranho. PAVIS (2003, p. 78 a 118). O espaço, tempo e ação das cenas são observados juntos, interagidos; situados na

intersecção do mundo concreto da cena e da ficção imaginada. A ação acontece num lugar/

espaço e momento/tempo dado.

O distanciamento que ocorre no teatro, o corpo mostra e esconde, adapta-se a

situações novas e renova constantemente a experiência psicológica e cinestésica do

espectador. Ele desenrola com seu corpo experiências espaciais, temporais e acionais diante

e dentro dele, são maneiras diferentes de percepção do ser humano. O mais importante é o

que foi percebido pelo sujeito.

Percebemos esta relação no relato de João Proteti54, que percebe o espectador como

talvez o personagem principal de qualquer manifestação artística. (Anexo 11, entrevista

03, p. 192).

Concordamos com Patrice Pavis (2003, p. 99) que revela que o espectador faz

conexões conscientes, pré-consciente ou inconsciente, distinguindo ou não as coisas, a seu

critério. Não é possível dominarmos as experiências estéticas dos indivíduos. Propomos

observar o impacto do teatro na escola e iniciar um diálogo com as diferentes percepções

geradas pelo encontro entre o indivíduo e o ato teatral, especificamente de bonecos,

alternativas para construir conhecimentos, gerado pela percepção do outro, enriquecendo,

pelas diferenças, nossas próprias experiências.

54 Poeta infantil e pintor, publicou “O Verão” que foi adaptado para Teatro e Bonecos pelo Grumaluc.

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Quando tocados pela graça da arte teatral, o espectador modifica sua abordagem do

espetáculo, escapa o cálculo frio e entra num mundo de sensações e reflexões abstratas.

Para Robert Jauss55, a percepção da obra de arte não se dá de modo direto,

interpondo-se entre o sujeito e o objeto estético um código ZILBERMAN (1989, p. 22) que

possibilita a concretização do segundo pelo primeiro. A revelação e preparação destes

códigos nos parecem enriquecer a experiência estética. No trabalho do Grumaluc há

momentos de interação com o público que revelam os códigos do Teatro de Bonecos.

O espectador preenche momentos vazios de sentido, faz conexões, reúne os

elementos da encenação. Seu conhecimento do contexto o familiariza com outros tipos de

encenação e estilos. Sua competência ideológica permite compreender as situações

ficcionais apresentadas. Percebe a chave da dramaturgia, o agente, a intenção, o mundo no

qual ela ocorreu, o movimento, sua causa e seu objetivo último. Dramatizações combinam e

compõem papéis sociais aos quais é difícil escapar. Pierre Bourdieu56, citado por Pavis

(2003, p. 245) avalia que:

O capital cultural incorporado do espectador, suas capacidades intelectuais, os bens culturais, títulos escolares, tudo o que lhe serve para se apropriar legitimamente do capital cultural veiculado pelo espetáculo, de maneira a poder ser recebido de um modo que confirme separações e as dominâncias. As funções sociais do teatro são concretizadas, por meio da possibilidade de

comparar uma sociedade, num momento dado. O autor cita Althusser, mostrando que a

identificação pelo espectador não se faz unicamente com uma psicologia, mas também com

uma ideologia, assim que ela confirme seus valores. O teatro serve para transformar o

observador em participante, graças à capacidade do teatro de ser utilizado como processo

de investigação sociológica. O ato dramático e a performance são fenômenos sociais, com

uma fórmula: ruptura /crise/ recuperação/ reintegração ou cisma.

Para Montserrat Moreno Marimón57 (1999) as mudanças e possibilidades de ruptura

das organizações mentais ocorrem num processo, quando o indivíduo, diante de um

fenômeno - no nosso caso, o Teatro de Bonecos:

Observa e destaca alguns dados que pode diferenciar e dar importância especial em função de conhecê-los, deixando os demais dados na sombra, rechaçados,

55 Pioneiro nas teorias de recepção, segundo Regina Zilberman (1989). 56 BOURDIEU, Pierre. Questions avec Sociologie, Paris. Editions de Minuit, 1986, p. 78. 57 Psicóloga e professora do Instituto de Psicologia de Barcelona.

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organizando e relacionando aquilo que considera pertinente. Na vida cotidiana não usamos os mesmos modelos organizativos que nos pensamentos científicos, pois, nem sempre a lógica58 clássica é mais eficaz, nem criativa. MARIMÓN(1999, p. 363 e 364).

A autora revela que a mente humana gera o pensamento, num sistema aberto e que

por ser assim, permite adaptações. Vejamos a questão que nos interessa: Qual o papel da

realidade (teatral) na construção do conhecimento? Há uma operação que relaciona a

aplicação da vivência, os conteúdos, que passam por um processo complexo de abstração.

A contribuição desta psicóloga é relevante, pois, afirma que não basta ter o dado

diante de si, é necessário vê-lo, senti-lo e conferir-lhe significado (1999, p. 366). Ou seja,

aquilo que não compreendemos, descartamos, não damos valor e, por isto, confundimos o

que é individual com o que é universal, generalizando. Importa em seus estudos resgatar as

possibilidades de mudanças nos pensamentos dos indivíduos, que ela assegura:

Os dados ignorados podem, imediatamente, tornar-se significativos se uma circunstância, uma questão instigante, um dilema, tensão ou conflito (que é característico do teatro) fizer que ele contemple, o mesmo fenômeno, com outro ponto de vista, ou seja, o mesmo indivíduo pode construir diferentes modelos de uma mesma realidade (ambíguo). Basta, para isto, considerar outros dados e relacioná-los de nova maneira. MARIMÓN (1999, p. 367).

Vejamos as possibilidades do ato teatral, para estabelecer novas adaptações e novo

ponto de vista no seu espectador, se existe a apropriação do fenômeno e a discussão de

diferentes pontos de vista. O fato é que cada indivíduo acredita naquilo que é capaz de

imaginar e as percepções dele passam necessariamente pela cultura. Nosso mundo e nossa

época nos ensinam a vê-la, pela transmissão das linguagens. Os alunos têm um universo de

conhecimento pré-definido pela ciência de seu tempo e devem se adaptar a ela e

compreendê-la. Mudar o conhecimento e a maneira de pensar requer uma postura audaz e a

consciência dos mecanismos que regem a mudança.

No resgate da trajetória do Grumaluc buscamos planar nas alturas, junto aos

autores escolhidos, para formar as bases de nossa análise das peças do Grumaluc.

58 Não se pode esquecer que a lógica é a tematização de uma maneira de raciocinar, que a precede no tempo. MARIMÓN (1999, p. 364).

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3 – ANÁLISE DA PEÇA: O VERÃO

Acompanhamos o dia a dia do trabalho do grupo no contexto escolar, observando as

reações dos espectadores. As escolas que receberam este trabalho do Grumaluc contratam o

grupo - portanto pagaram pelo espetáculo. Esta peça não tem patrocínio de nenhuma

instituição ou empresa e foi encenada em 17 apresentações durante o período de 2002 a

2004 (anexo 2) com público estimado de 1.625 pessoas – um dos espetáculos menos

assistidos do repertório do grupo.

Nossa hipótese para tentar compreender o porquê da pouca escolha deste tema pelas

escolas, é devido a grande dificuldade de as educadoras trabalharem com poesia infantil,

em função do pouco conhecimento de como utilizar poesia na sala de aula, ser a poesia uma

linguagem artística pouco difundida nas Escolas Infantis. Esta, porém, não é a análise que

desenvolveremos nesta pesquisa.

Esse estrangeiro, o Teatro de Bonecos, vai planando no cone de segurança59,

aguardando autorização e condições adequadas de tráfego. Vai planando pelo cenário, pelo

local das apresentações. Existe o desejo desta visita e por isso o Teatro na escola é recebido

com expectativas.

Escolhemos esta peça para analisar do repertório do Grumaluc, por percebermos

que ela acrescenta algo de novo para o trabalho do grupo, observamos um sentido

diferenciado das peças anteriores, porque introduziu outro autor, um poeta infantil da

cidade; por partir de um texto e ilustrações já elaborado que sugeriram mudanças nas

formas de manipulação dos bonecos, que estão numa praia. As poesias estimularam a

criação de músicas próprias para o espetáculo e o resultado foi uma linguagem poética que

se refletiu no gestual, nos diálogos, na estética e nos conteúdos. Recorrendo a Borba Filho

(1987, p. 7) que disse

O boneco visto no espetáculo transforma-se de ser passivo, dependente, obediente às nossas mãos, numa criatura de vida própria e atuante, porque, em nossa condição de espectadores, colocamo-nos em face do inesperado. Toda arte é uma surpresa.

59 No vôo à vela, é um local imaginário, onde os pilotos, a 300 metros do chão, preparam seu pouso.WIDNER (2000, p. 68).

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Outra novidade no grupo foi introduzir objetos do cotidiano: bonecos representando

o sorvete, o milho verde e partes do corpo em escala maior: a boca.

O grupo partiu das imagens do livro, ilustradas por uma artista plástica, que

expressou os homens cor de rosa. Rompendo com as imagens sugeridas, na peça foram

incluídos bonecos amarelos, marrons e negros. Há algumas tensões na adaptação do livro

para o Teatro de Bonecos, por exemplo: a locomoção para a praia via automóvel - o livro

tem um público alvo diferente: crianças de classe média e não de escolas públicas.

Dividimos a peça em 06 cenas que nos permite olhar os conteúdos explícitos e

panos de fundo instigantes; tentamos indicar possibilidades de diálogo entre adultos e

crianças, a concepção de educação do grupo, fazer relações com alguns autores por meio de

fotos do espetáculo, dos personagens, da platéia e do livro. Não nos prenderemos ao texto

(anexo 03), mas a percepção que as cenas instigam.

Deixemos os preâmbulos para trás e partamos para a peça imaginando que o público

foi preparado e convidado a contar três para começar. Vamos lá? Um, dois, três e já...

Cena 1 - Surge o Sol se espreguiçando numa bela manhã (fig.1). Dança, estimulando todos a

seguirem seu ritmo. O canto de pássaros, o ruídos das ondas do mar estimulam a participação com palmas da

platéia. Uma cantiga convida a observarmos a natureza. O som de um relógio marca o tempo do trabalho do

Sol. Ele dá seu bom dia e convida a todos para uma viagem. O som do apito do navio, das ondas do mar, das

surpresas que virão e da poesia. Na praia, o peixe está triste com a sujeira das águas e do lixo na areia,

sugerindo pensarmos nas relações do homem com a natureza.

1 - Sol conversando com o pássaro 2 - Reação das crianças, participações, olhares

desconfiados, sorrisos das surpresas.

O narrador chama o Sol, que surge enorme, surpreendendo a platéia, pois está vivo,

falando com todos, espreguiçando como gente ao acordar. A trilha sonora tem uma canção

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suave, com violão e voz, criada especialmente para este espetáculo: Acorda Sol, tem um passarinho te chamando pra voar. Acorda Sol, tem um mar te esperando pra brincar. Vem pegar uma onda, pegar uma cor, vem dar um mergulho aproveita e traga teu calor. Acorda sol e deixa de tanto se espreguiçar, acorda sol, espicha teus raios, vem clarear. Astro, que é rei, e de primeira grandeza, tem que madrugar, acende a luz, deixa de moleza, vem trabalhar. Acorda sol, deixa o colo macio da noite, que te acolheu. Acorda sol, saia debaixo deste cobertor, de estrelas, que te aqueceu. De esconde-esconde com as nuvens, vem brincar. E depois junto com as chuvas, pinta um arco íris no ar.

Trazendo elementos do cotidiano da criança, a sonoridade estimula clima suave

entrando no mundo de sonhos, onde o impossível pode acontecer. Aguça a curiosidade: o

que virá?

Na seqüência, há um quadro, com sons dos navios, aparece o peixe e a moça

apaixonada, que declama uma poesia. Estão colocadas as ligações do amor, dos

sentimentos, com a figura das mulheres e o sentido de espera de um amor distante.

Revelam a posição tradicional da mulher na nossa cultura ocidental.

Cena 2 – Num ritmo alegre, uma moça coloca o guarda-sol para se proteger e alerta para cuidarmos

da saúde, da pele, do corpo. Se descuidarmos, podemos ficar com a pele vermelha como pimentão e insolação

- precisamos tomar água, passar protetor solar, evitar o sol das 10 às 16 horas. Brincaremos livremente na

praia, com bola, ginástica, vencendo a preguiça. Três moças correm (fig. 3) uma quer emagrecer, a outra é

para se prevenir contra doenças e a outra para não engordar – realçando motivações diferentes. O suor do

corpo, a distração do ambiente da praia, a paquera com os marinheiros e o frescor do sorvete dão o tom do

clima relaxante e dos hábitos dos freqüentadores das praias.

3 - Meninas que correm na praia e depois 4 - Reação das crianças prestando atenção,

se refrescam tomando sorvete. aguardando a história que seguirá

Alguns valores são abordados como pano de fundo: a amizade, que une as moças

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correndo, o cuidado consigo e com os outros, as relações e trocas com os marinheiros que

mandam beijos de amor. A distração no tempo livre e divertido num local diferente convida

a todos a aproveitar a viagem. Os valores existentes em nossa sociedade, relativos às

viagens, são construções históricas, motivações da civilização moderna e do tempo livre. O

amor é um sentimento e como tal é coisa de menina.

Na continuidade da cena entra o sorvete. Este boneco surge em dimensões grandes,

tem boca, está humanizado e fala como é gostoso saborear um refrescante sorvete ao som

de lambidas. Ele diz estar feliz porque vai fazer as pessoas felizes, aceita sua posição, vai

derretendo e satisfazendo o gosto das pessoas. São elementos do grotesco, onde vida e

morte, ao mesmo tempo se reúnem de forma ambígua60.

Cena 3 – Meninos conversam distraidamente (fig 5) comentando do calor do verão, que é bom

poder sair com amigos e família, tirar férias, namorar e brincar. Cuidar da pele, usar boné, seguir leis de

trânsito para fazer viagens, cuidar da manutenção dos veículos. Observam que muita gente deixa lixo na praia

estragando a natureza. Sentem fome depois dos exercícios. Eles querem milho-verde e saem namorando a

moça de biquíni de bolinhas.

5 – meninos na praia 6 – menina de biquíni 7 - criança prestando atenção

A menina de biquíni novo declama uma poesia com o pássaro (fig. 6) que exibe

suas belas penas coloridas, chamando atenção para interação com a natureza e para as

belezas da paisagem. Toda a movimentação da praia, as brincadeiras, o apetite e os

cuidados que temos de ter aparecem na seqüência, apresentados em linguagem poética.

60 O grotesco e o riso serão aprofundados adiante.

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Na peça aparecem em grupos separados, as meninas e depois os meninos.

Explicitam seus valores por meio de diálogo: a preocupação com o carro e namoro é coisa

de menino.

Cena 4 – Um navio com o marinheiro surgem distantes no mar. A moça apaixonada busca este

amor, recebe uma flor (fig. 8) e deseja que este amor seja constante e sincero.

“Oh, marinheiro, que vieste de uma terra distante! Por acaso esta rosa que trouxeste significa amor sincero e constante? Se não for isso, pega a tua rosa, o teu navio e desaparece no horizonte”.

8 - Marinheiro e Moça, declamam 9 – Reação das crianças – surpresa,uma poesia

o amor identificação, ressonâncias e desejos

Algumas vezes, quando aparece o Marinheiro negro (fig. 8), as crianças zombam

dele. Chamam-no de macaco, fazem piadas com sentido pejorativo e direcionadas aos

alunos negros, identificando-os com o Marinheiro. Na peça, não há nenhuma alusão ao

preconceito racial, mas ele ocorre no contexto escolar, constituindo material a ser

trabalhado pelas educadoras. O conflito gerado, as possíveis soluções, abordar as

conseqüências das atitudes preconceituosas e a importância de respeitarmos e aprendermos

com as pessoas nas suas diferenças. O fato é que o Grumaluc prioriza seu trabalho nas

escolas públicas, para crianças de classe social mais baixa, porque 75% do seu público são

constituídos de mulatos, pardos, negros - resultado da mistura de povos que formou nossa

raça brasileira. RIBEIRO, D (1995).

Recorremos a Borba Filho que estudou o tradicional Teatro de Bonecos do Brasil -

os Mamulengos, onde sobrevivem fortes elementos da cultura popular. Encontra-se em

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muitos espetáculos de Mamulengo, um personagem-tipo, que protagoniza as histórias. São

os chamados Beneditos, que narram as situações, conversam com a platéia, são astutos,

justiceiros, populares e representados como verdadeiros heróis, são pretos, na intenção de

pintar as bravuras e o valor da raça negra[..]dos humilhados na vida real. BORBA F.

(1987, p. 118).

A percepção da criança é aguçada, segundo Walter Benjamin (2002, p. 69 a 79): as

crianças penetram nas coisas durante o contemplar. O jogo desperta-lhes um prazer

intenso - através do olho, do olfato e do paladar.

Cena 5 – A gritaria de vendedores nas praias anunciam o milho verde que aparece cantando um

fado português. Mas uma boca enorme quer devorá-lo (fig. 10). Ele foge e começa uma divertida perseguição.

Esta correria constitui o momento mais dramático da peça. Curiosamente o milho se rende, aceita o destino de

ser comido.

10 – Milho e Boca 11 – Reação das crianças, correria e

perseguição, encantam e causam medo

Vida e morte acontecem nesta cena, o personagem se rende ao seu destino – ser

comido - mas pede, que seja com prazer, com sal ou com manteiga, de acordo com o gosto

do freguês. Passa-nos de forma cômica que, para o milho, vale a pena ceder para que a

natureza siga seu curso, alimentando as pessoas que vão continuar suas vidas, um elemento

de ambiguidade.

Neste ponto, precisamos interromper a seqüência das cenas da peça O Verão, às

quais voltaremos mais adiante, para aprofundarmos nosso olhar, envolvermo-nos numa

térmica e girar sobre um ponto ao qual retomaremos, com outra compreensão construída

por este olhar. Interessa-nos as questões que tratam do grotesco e do riso.

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O que é o grotesco, o que significa e que elementos dele, estão presentes no Teatro

de Bonecos, como permanências? O riso é algo que nos intriga, quase como uma intuição,

que nos diz para ir além e descobrir qual sua história, seus sentidos nas diferentes épocas, e

qual sua relação com o que nos restou dele. Para nos auxiliar nessa subida, (re)visitaremos

Mikhail Bakhtin em seu livro A cultura popular na Idade Média (2002) e outros

companheiros de vôo.

3.1 - O grotesco

Para falar das raízes do grotesco remetemo-nos aos tempos da Idade Média e ao

Renascimento, onde as relações eram estabelecidas por outras regras. Mikhail Bahhtin

(2002, p. 4 e 5) afirma que:

Havia uma diferença de princípio em relação à Igreja e ao Estado Feudal, pois ofereciam uma visão do mundo, do homem e das relações humanas totalmente diferentes, deliberadamente não-oficiais, parecendo um segundo mundo, uma segunda vida, liberada em ocasiões determinadas, criando uma espécie de dualidade do mundo.

A arte grotesca foi excluída da arte oficial, mas continuou vivendo, resistindo nas

miniaturas, máscaras cômicas e na literatura cômica do Renascimento.

O Romantismo ressuscita o grotesco, dotado de um novo sentido, expressando uma

nova e diferente visão de mundo, subjetiva e individual, muito distante da visão popular

carnavalesca da Idade Média, na qual as imagens grotescas mantinham a ousadia,

elementos heterogêneos, liberavam-se do ponto de vista dominante do mundo, libertavam-

se das convenções, permitiam olhar o universo com novos olhos, compreender como tudo

que existia era relativo. Compreendiam enfim, a possibilidade de uma ordem diferente do

mundo.

Apenas quando se estabelece o regime de classes e de Estado nas sociedades, as

formas cômicas grotescas adquirem caráter não-oficial, e nesta ruptura, transformam-se nos

fundamentos da expressão popular do mundo, da cultura popular, da esfera da vida

cotidiana. Percebemos, desta forma, o sentido de resistência residual, encontrada nas

expressões artísticas populares e que são motivos dos preconceitos e disputas entre a

cultura erudita e popular.

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Na Idade Média, o grotesco era caracterizado por mudanças de sentido, diminutivos,

apelidos, palmadas nos ombros e ventre, uso de palavras inconvenientes, grosserias

blasfematórias, embora degradassem, simultaneamente, regeneravam e renovavam. Era

caracterizado também pelo terrível e pela loucura, pois eles permitiam olhar o mundo de

forma diferente, de um ponto de vista não normal.

Na sua análise, o autor chama de realismo grotesco (2002, p. 17) as imagens do

princípio material e corporal, herança da cultura cômica popular, de uma concepção estética

da vida prática que caracteriza a cultura da Idade Média. O elemento material e corporal é

um princípio positivo, não é egoísta, não é separado dos demais aspectos da vida. São

imagens de fertilidade, crescimento e superabundância, com caráter alegre, é o princípio da

festa, do banquete. O traço marcante do realismo grotesco é o rebaixamento, a transferência

ao plano material e corporal, de tudo que é elevado, espiritual, ideal e abstrato.

O corpo grotesco não tem nada perfeito, nada estável ou calmo, é incompleto, com

orifícios, protuberâncias, ramificações e excrescências, tais como a boca aberta, os órgãos

genitais, seios, falo, barriga e nariz exagerados, com tendência de exibir dois em um, prenhe

e pronto para conceber. Expressões que sobrevivem, ainda hoje e são contrárias à estética

do corpo acabado e perfeito da arte clássica.

O grotesco romântico, ressurgido, tem nas marionetes, colocadas a idéia de uma

força sobre-humana, desconhecida, que governa os homens e os converte em marionetes.

Caracterizando a sociedade da época, o presente autor revela que:

Os românticos procuraram as raízes populares do grotesco, mas o limitaram em funções exclusivamente satíricas[...]sendo relegado às formas do cômico vulgar de baixa categoria, puramente negativo, a profundidade e o universalismo das imagens grotescas desaparecem. BAKHTIN (2002, p. 32).

Entendemos que há algo a ser resgatado e que tem valor nas raízes populares do

grotesco medieval. No século XX ocorre outra retomada do grotesco (2002, p. 40),

chamado grotesco modernista que retoma as tradições do grotesco romântico, ou seja, sem

a ambigüidade, humor destrutivo para Jean Paul, analisado por Bakhtin (2002, p. 37) e

também do grotesco realista que retoma as tradições do realismo grotesco e da cultura

cômica popular, com elementos de ambigüidade, que nos remete ao Teatro de Bonecos. As

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palavras do autor indicam que:

A cultura cômica popular é infinita, extremamente heterogênea nas suas manifestações. Em relação a ela, o objetivo consiste em revelar a unidade, o sentido e a natureza ideológica profunda dessa cultura, isto é, seu valor como concepção do mundo e o seu valor estético. BAKHTIN (2002, p. 50).

Aprofundando nosso olhar nos elementos instigantes do grotesco medieval,

interessa-nos especialmente o riso. Seu sentido de compreensão do mundo é tratado a

seguir.

3.2 - O riso

Para Mikhail Bakhtin (2002, p. 4), na Idade Média, o riso opunha-se à cultura

oficial, ao tom sério, religioso da época. Em relação à forma podem ser apresentados em

ritos de espetáculos (festejos carnavalescos), obras cômicas verbais (paródias) e

vocabulário grosseiro (insultos, juramentos populares).

No Renascimento, o riso era uma possibilidade de cura, difundido na Faculdade de

Medicina (2002, p. 58). O riso tinha significação positiva, regeneradora, criadora, segundo

o autor

O riso ocorre socialmente e expressa a fuga de uma regra, de um modo imposto, de um comportamento. Rimos a partir de um estalo da inteligência, causando relaxamento, através da palavra, gesto ou quiprocó61. Parece-nos que a pessoa que ri, vê o outro com certo distanciamento, pois se houver identificação ou empatia, fica impossibilitado do riso.

Interessa-nos vislumbrar, diante do riso, sua importância e potencialidade para o

aprendizado dos indivíduos, que incluem sensibilidades e emoções. O riso degrada e

materializa, Degradar significa entrar em comunhão com a parte inferior do corpo, do

ventre, dos órgãos genitais e com os atos como coito, concepção, gravidez, parto, comer e a

satisfação das necessidades naturais, dando lugar a um novo nascimento com valor

positivo, regenerador (2002, p. 19): é ambivalente, é a terra que dá vida, o seio corporal, o

baixo é sempre o começo. O tempo se reflete nesta ambivalência: o antigo e o novo; o que

morre e o que nasce; o princípio e o fim da metamorfose.

61 Equívoco que faz com que se tome uma coisa por outra. Fonte de situações cômicas e trágicas, que apresenta ao mesmo tempo sentidos diferentes.

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Entendemos que ele simboliza certa transgressão, então, qual o papel das

transgressões para o ato educativo? Raul Iturra (1998) apresenta uma especial clareza

quando diz: o riso transgressor quebra regras, mostra inadequações, relaxa, dá prazer, a

transgressão é necessária para a formação, não é permissiva nem destrutiva.

Nesse sentido, entendemos que o Teatro de Bonecos, apoiado nas brincadeiras e

jogos e pelo fato de ter potencialmente elementos do riso, permite aos que trabalham com

os bonecos, refletir sobre quais atitudes, comportamentos, características são adequadas a

cada grupo social. O desvelamento destes elementos pelos educadores pode auxiliar o aluno

na arte e na vida, já que as duas coisas estão próximas e expressas na arte.

A concepção de educação, vigente nas escolas observadas por nós, disciplina os

gestos, as atividades, os comportamentos dos indivíduos. Será que o riso, que faz romper

por instantes esta estrutura, tenha aí sua atração? O relaxamento das normas da sociedade?

Possibilidade de fuga de cobranças de ser sempre melhor, perfeito?

É nesta expectativa que nos voltamos para ações que visem resgatá-lo, como forma

de liberdade.

Como se fabrica o riso? Esta contribuição que buscamos em Henri Bergson (2001,

p. 3):

Não há comicidade fora daquilo que é propriamente humano. É preciso evitar a comoção, a indiferença é o meio natural do riso, inimigo da emoção. Se há ressonância sentimental, não poderíamos rir, mas se nos afastamos, assistindo a vida como espectador indiferente, muitos dramas se transformam em comédia, funcionando como anestesia momentânea do coração, se dirigindo à inteligência pura. O riso precisa de eco. Para Henri Bergson (2001, p. 5) nosso riso é sempre o riso de

um grupo. Exige cumplicidade. A comicidade nascerá quando alguns homens reunidos em

um grupo dividirem a atenção para um deles calando a sua própria sensibilidade,

exercendo apenas a inteligência. Qual o ponto para dirigir a atenção? Como será empregada

a inteligência? Na inflexibilidade, numa distração ou obstinação do corpo - efeito de rigidez

ou velocidade adquirida (2001, p.7). A imaginação faz ver o que já não existe, ouvir o que

já não ressoa, dizer o que já não convém. Nos pensamentos surge o riso, acionando um

mecanismo interior, uma espécie de automatismo que nos faz rir.

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A arte cômica consiste em introduzir o espectador na intimidade de uma idéia fixa

ou vício, que obtemos dele. Uma personagem cômica geralmente é cômica na medida que

ela se ignora. Corre e cai, distraída e exaltada, passa da exaltação às diversas deformações

da vontade e do caráter. Exige uma atenção vigilante.

O que é uma fisionomia cômica? O que origina a expressão ridícula? Seguindo as

pistas do autor encontramos respostas em sua abordagem

Pode tornar-se cômica toda deformidade que uma pessoa bem-feita consiga imitar. A surpresa, o contraste de uma roupa fora de época, absurdos para a razão e verdades para a imaginação, o incidente que chama nossa atenção para o físico de uma pessoa, quando o que está em questão é moral, quando nossa imaginação pode ser embalada, ficando preparada para receber a visão sugerida, que aceitamos porque nos parece sair de um estado d'alma e caber nas circunstâncias. BERGSON (2001, p. 17). Há comicidade nas brincadeiras infantis, quando a criança faz seu fantoche crescer e

se animar, criar vida.

Na sua análise, o autor revela o que chama de leis da criação cômica, nos bonecos:

toda combinação de atos e acontecimentos, que nos dê a ilusão de vida e a sensação de

arranjo mecânico (2001, p. 51). A caixa de surpresas, pauladas, as palavras lançadas com

teimosia, repetidas são procedimentos da comédia.

Os fantoches de fios ativam a imaginação, o espectador esperto, se liberta da seriedade e o transforma em comédia, descobrindo a trama dos fios. A rigidez tem para nós, um interesse particular, por ser uma distração. O riso é a correção da distração, dos homens e dos acontecimentos, porque na vida real não há repetição, quando acontece ou mesmo imaginamos algo que se repete, rimos. BERGSON (2001, p. 58 a 100).

A inversão que se dá na troca de papéis, tipo, a criança dando lição aos pais e a

interferência, quando uma situação pertence ao mesmo tempo a acontecimentos

independentes, podem ser interpretadas em sentidos diferentes: dar um diagnóstico para a

filha após auscultar o pai: Sua filha está bem doente! BERGSON (2001, p.80). São formas

de fabricação do cômico.

Resumindo, segundo Henri Bergson (2001, p. 83):

Obtém-se uma frase cômica, inserindo uma idéia absurda, num molde frasal consagrado. Fingindo entender uma expressão, no sentido próprio, quando ela é

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empregada no sentido figurado. Transpondo para outro tom a expressão natural de uma idéia. Destacamos a potencialidade do riso, na afirmação de Henri Bergson (2001, p. 102)

nada desarma tanto quanto o riso.

Para Mikhail Bakhtin há outros traços distintivos do riso, são suas ligações

indissolúveis e essenciais com a liberdade e a verdade popular não-oficial. Para ele, o riso

supõe que o medo foi dominado, e é impossível compreender a imagem grotesca sem

contar com o medo vencido, e afirma:

O riso engloba um elemento de vitória sobre o terror, sobre toda forma de poder, de tudo que oprime e limita. Permite exprimir e revelar de maneira nova o mundo, no seu aspecto mais alegre, por isso sempre permaneceu como arma de liberação nas mãos do povo. BAKHTIN (2002, p. 80).

Vemos aí ampliadas as possibilidades e valores importantes para a formação das

pessoas, intrínsecos no riso, quando, e se, conseguirmos resgatar plenamente seu sentido de

ambigüidade: medo e vitória sobre o terror ao mesmo tempo. Será que ainda somos capazes

de conciliar, como o homem medieval, as duas visões da vida, o riso e o sério?

Chegamos então, retornando destas voltas sobre um eixo, confirmando uma suspeita

anterior, de que as resistências se interligam com o riso e que é nas expressões artísticas

populares, como o Teatro de Bonecos que existem como elementos de crítica social.

Enxergamos no riso, possibilidades de ruptura com o dogmatismo, com o racionalismo

lógico mecanicista.

Acreditamos que é preciso restituir a faculdade de rir, de sentir, de brincar e jogar.

No riso percebemos potencialidades de liberação dos sentimentos que mascaram o

conhecimento da vida.

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Cena 6 – O barulho do trovão anuncia a chuva e o fim das brincadeiras na praia. O Rap do banho

(fig. 12) realça as partes do corpo interagindo com os bichos do mar: Devolve tudo ao oceano, é o fim da

festa. O retorno à realidade, às aulas, à cidade e a despedida do amigo Sol.

12 – Rap do banho, é o fim da festa 13 - Reação da criança, sente em seu corpo sensações,

dança e responde às brincadeiras dos bonecos.

Nas reações infantis, vislumbramos com Walter Benjamin (2002, p. 65) as

possibilidades de interpretação e despertar sensível das imagens:

A imagem colorida faz que a fantasia infantil mergulhe sonhando em si mesma [...] tira a criança de seu próprio interior [...] desperta a palavra na criança [...] ela descreve de fato, habita as imagens [...] penetra-as, ligada aos sentidos. Para analisar o espetáculo, buscamos a contribuição de Patrice Pavis (1999, p. 310),

a fim de formular perguntas, que podem enriquecer a possibilidade de diálogo com a peça:

Quais os protagonistas? Que os separa ou aproxima? Qual o objetivo das ações e

conflitos62? Nas seis cenas que destacamos, temos diferentes personagens, mas sem dúvida,

o Sol, que aparece desde o início e motiva os diálogos e as ações da peça toda, é o

protagonista desta história estruturada em quadros. Na cena 4 temos como protagonistas o

marinheiro e a namorada e na cena 5 o milho-verde e a boca – são personagens que fazem o

papel principal nos quadros.

O autor interroga (1999, p. 130): Que efeito (de real) é produzido na peça? Que

atmosfera e que realidade são simuladas? Para que fins? A peça propõe um mergulho no

mundo da poesia, nas situações e relações diferentes numa praia com finalidades múltiplas,

sendo uma delas motivar o cuidado consigo mesmo, aproveitar os momentos de lazer junto

à natureza, entre muitas outras propostas.

62 O conflito tornou-se a marca registrada do teatro. PAVIS (1999, p. 67).

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Se há lógica – real ou fictícia - quais suas regras? Como ler as motivações

psicológicas, sociais ou amorosas das personagens? PAVIS (2003, p. 213).

Na linguagem usada, o Teatro de Bonecos, a ficção é explícita, mas apesar disto, a

manipulação do Grumaluc é muito comportada, eliminando gestos abruptos, violentos,

palavrões que são considerados pelo grupo inadequados no contexto escolar. Os bonecos

têm amplas possibilidades de romper com as leis da gravidade e até de voar. Usaremos

como exemplo, uma cena de outro grupo (não entramos em detalhes, o que fugiria de

nossos objetivos). Vamos à cena: um vampiro ameaçador, que voa desvairado por sobre

uma cidade, está em busca de uma vítima para se saciar, mas bate na parede de fundo do

cenário, causando grande efeito cômico na platéia. Trata-se de um personagem fantasioso,

irreal e que voa literalmente.

Prosseguimos com outras perguntas apresentadas, pelo autor, visando analisar os

espetáculo: O que visa a encenação? Como estabelecer um paralelo com o nosso universo?

O espectador dispõe dos dados e pontes entre ficção e sua situação? PAVIS (2003, p.

206).

Na cena do namoro (fig. 8) entre o Marinheiro e a Moça, no nosso entendimento

pode-se dialogar - crianças, atrizes-bonequeiras e educadoras - a respeito das relações

amorosas, afetos e fazer alusões com a família, sensibilizar o público sobre respeito,

carinho.

Buscamos com essas reflexões aproximarmo-nos do conceito de experiência

estética, com a preocupação focada no espectador, portanto a estética da recepção63, a quem

se dirige o espetáculo - crianças de escolas públicas de Campinas e região.

Analisar a experiência estética é abordar de onde provêm o prazer da contemplação, a catarse64, o trágico e o cômico65. Como apreender o espetáculo esteticamente e não em função de um critério de verdade, de autenticidade ou de realismo? PAVIS (1999, p. 145).

Algumas considerações são possíveis nesta busca de diálogo com o espetáculo e o

que fica na escola como instigante elemento de trabalho. Como forma de contribuir para 63 Examina o ponto de vista do espectador e os fatores que preparam sua recepção correta ou equivocada, seu horizonte de expectativa cultural e ideológica, a série de obras que precederem o texto e esta representação, o modo de percepção, distanciado ou emotivo, o vínculo entre o mundo ficcional e os mundos reais da época representada e do espectador. PAVIS (1999, p. 146). 64 Purgação, descarga elétrica ligada ao trabalho do imaginário. 65 Instinto de jogo, brincadeira e riso.

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que a professora se aproprie do teatro e estimule a reflexão com seus alunos, o Grumaluc

fornece Sugestões de Atividades (anexo 4) – é um elenco de temas com possibilidades,

nada muito estruturado. Percebemos ser fundamental a inclusão de bibliografia auxiliar

para educadores, e a assessoria de um pedagogo, embora isso não tenha sido solicitado por

nenhuma professora ou escola desde que foi distribuído pelo grupo.

Na análise, por exemplo, da concepção de educação que está implícita no trabalho,

observamos que a forma das perguntas que aparecem na peça - são fechadas: Olá

criançada! Não é criançada? Nós podemos sujar a praia? Vocês gostam de sorvete?

Gostaram da nossa viagem para a praia? Desta forma, pensamos que não incentivam o

pensamento e a reflexão por parte do público, que deve apresentar a resposta certa, limitada

ao sim e não. Há maior limitação de comunicação com o público por causa disto. Por outro

lado, podemos defender a idéia, de que em função da idade das crianças, há necessidade de

informações e confirmações claras. Como fazer de forma criativa, como estimular seus

pensamentos? Como não colocar de forma bancária o conhecimento? Qual a melhor forma?

Não temos respostas. Indicamos a necessidade de aprofundamento e do cuidado com as

posturas inconscientes, implícitas.

Algumas conversas entre os personagens procuram transmitir um saber: Você

sabia? O que acontece se tomamos muito sol? O mesmo personagem responde: Pegamos

insolação, explicitando uma relação de alguém que sabe, dando seu conhecimento, como

um pacote para o outro, que não sabe. Não constitui uma troca, um diálogo com

crescimento recíproco.

Há poucas perguntas abertas: O que é o Verão? Que são respondidas pelos bonecos:

é férias, é brincar, viajar. Faz-nos pensar num tipo de educação que foge da vivência e da

descoberta, pode perder a proposta de ser gatilho da reflexão crítica.

As reações que aparecem depende da idade das crianças, se já estão familiarizadas

com o assunto abordado, se conhecem teatro e tiveram alguma vivência com espetáculos. O

papel das educadoras é importante para esta preparação, para que estes momentos de acesso

a diferentes formas de expressão sejam plenamente vivenciados pelas crianças,

enriquecendo seu capital cultural. Os adultos, como motivadores, poderão realizar um

diálogo com o que surgiu, como reação durante o espetáculo, adequando a construção de

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saberes emocionais, sentimentais e intelectuais, usando variadas formas de expressão,

desenho, cantigas, entre outros.

Quando a peça termina, inicia uma nova fase que é chamada pelo grupo de

Interação. Nesta etapa o grupo improvisa de acordo com a idade das crianças e reforça o

conteúdo de interesse da Escola. Há um roteiro nesta interação, que sempre busca desvelar

as formas de manipulação suas técnicas - bonecos de luva (fig. 14), marote (fig. 15) e de

vara, como são confeccionados (papel machê), sons e efeitos musicais, vozes distorcidas

para criar clima adequado a cada cena.

14 - Interação com boneco de luva, 15 – Interação com o Sol, boneco de luva crianças querem pegar marote66

Nestes momentos de interação (fig. 14), são reforçados alguns temas tratados

durante a peça, os fenômenos da natureza: arco-íris, nuvens, ventos, chuva, dia e noite,

estrelas, sol. O corpo com seus cuidados: pele, hidratação, alimentos saudáveis,

brincadeiras e ginásticas. Na praia, os cuidados com lixo e sujeira. As músicas deste

espetáculo são pouco conhecidas e foram explorados ritmos como rap, fado, timbres de

violão, vozes infantis e efeitos sonoros do relógio cuco, apito de navios. O clima criado

convida a sonhar, viajar por meio da mente.

A presença do autor do livro que gerou o espetáculo, o poeta infantil e pintor João

Proteti (fig. 17) resultou aqui numa surpreendente fonte de riquezas para as crianças.

66 Marote é o boneco de luva que o bonequeiro veste e com sua mão articula a boca do boneco. AMARAL

(1996, p. 71).

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16 - Interação após espetáculo, 17 – Interação das crianças com o autor do livro

crianças atentas ao que vai acontecer. O Verão adaptado para o Teatro de Bonecos

A Interação após o espetáculo mostra quem faz e dá vida aos personagens, as

atrizes-manipuladoras viram o boneco no avesso (fig. 18) despertando grande interesse na

platéia.

18 – Avesso do boneco de luva 19 – Reação de curiosidade ao desvelamento dos

onde se encaixam os dedos códigos da arte dos bonecos e segredos de manipulação

Mostram como é manipulado e o encaixe dos dedos no caso do boneco de luva (fig.

18 e 20), o aproveitamento de sucatas e a técnica construtiva do papel machê. Quando as

crianças estão preparadas para o tema que vai ser desenvolvido, têm uma expectativa e

experiências anteriores com o teatro, a interação é enriquecida, pois há participação da

platéia, fazem perguntas, interessam-se em ver de perto os bonecos, pegam-nos e vão até a

empanada e exploram este universo, com certeza marcando em suas vidas este momento

encantador.

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20 – Interação, manipulação e 21 – Interação, as crianças se espantam

encaixe dos dedos no bonecos de luvas descobrindo os mistérios da manipulação

Pensamos ser importante, ter claro que o trabalho para escolas públicas ou privadas

encontra muitas restrições financeiras, familiares e da escola, privando as crianças do

contato com diferentes linguagens artísticas, impedindo a consolidação de um capital

cultural amplo, que permita a criança comparar, escolher e desfrutar de experiências

estéticas.

Recorremos a Hebert Read (2001, p. 34) que afirma devemos observar todos os

tipos de arte, e só então estaremos em condições de compreender como a arte faz apelo à

imaginação.

O dia do Teatro de Bonecos, com o Grumaluc, constitui-se numa destas

possibilidades de observação de vários tipos de arte e representa uma contribuição e

oportunidade para as crianças e educadoras, apropriarem-se dos conteúdos, panos de fundo

e situações do espetáculo teatral, despertando sensibilidades e questões de interesse do

grupo, além de divertir.

Neste capítulo tentamos enfocar as questões relativas ao encantamento que pode

ocorrer quando estamos diante de um produto artístico, despertando sensibilidades, prazeres

estéticos. Nosso próximo desafio é, por meio do diálogo com outra peça do grupo, dar voz

aos educadores e perceber o impacto na vida escolar e como os conteúdos são trabalhados

pelas educadoras, a partir do encontro das crianças com o Teatro de Bonecos.

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4- ANÁLISE DA PEÇA: MAIS VALE UM ESGOTO LIMPÃO, DO QUE UMA

CIDADE NA MÃO

Propomos novo diálogo com os elementos desta peça, percorrendo outros trajetos,

outros percursos e outros assuntos, novos companheiros de vôo. Nossa pretensão é dar voz

aos promotores da educação, trazendo relatos das coordenadoras de escolas nas quais houve

espetáculos, por meio de informações verbais, com intenções de compreender o impacto

escolar, como e o quê é apreendido dos conteúdos e tema do espetáculo teatral e como ele é

(re)significado pelos alunos. O diálogo vai sendo construído juntamente às cenas

destacadas, explicitando nosso próprio olhar.

Destacamos da peça 06 cenas, que acreditamos revelar a estrutura dramática,

momentos de tensão, conteúdos, o grotesco e outros elementos do Teatro de Bonecos.

Esta peça faz parte do repertório do Grumaluc e foi concretizada por uma parceria

entre a Associação Cultural Mamulengo Luz e Cor e uma autarquia, que vem realizando a

construção de Estações de Tratamento de Esgoto - ETEs, visando atingir o tratamento de

70% do esgoto da cidade de Campinas, até o ano de 2006. Esta parceria possibilitou o

acesso de crianças ao Teatro de Bonecos, priorizando escolas públicas e formação de

público em Campinas, com crianças 2 a 6 anos. Durante 2003 e 2004 (anexo 5 e 6), foram

realizados 253 apresentações para um público estimado em 22.129 pessoas, abordando o

tema - Esgoto, visando conscientização e formação de cidadania, entendida como:

construída historicamente em relação com os problemas vividos pelos indivíduos,

reconhecendo o outro, chamando à participação e igualdade de direitos e deveres.

CAPELO in GUSMÃO (2003, p. 119).

Para a montagem da peça houve assessoria técnica da SANASA, empresa

responsável pelo tratamento de água e esgoto da cidade e patrocinadora do espetáculo. O

texto foi adequado à faixa etária, explorando cores, letras e músicas já veiculadas nas

rádios, alguns personagens já existiam no programa educativo da empresa – A turma do

Julinho.

A família de bonecos que compõem este espetáculo (fig. 22) e o cenário (fig. 23)

foram elaborados para facilitar o trabalho das atrizes-manipuladoras que faziam quatro

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espetáculos no mesmo dia, em duas escolas diferentes. O trabalho realizado nas escolas

seguia uma seqüência de montagem da empanada, adaptada segundo as circunstâncias,

algumas vezes em palcos, outras em pátios cobertos, outras em quadras descobertas.

22 - Família de bonecos da peça, todos 23 – Cenário montado, chamado

de luva ou vara de empanada

Após a montagem do cenário são arrumados os bonecos, lembra-nos José Petrônio,

um mestre mamulengueiro nordestino que, segundo Borba Filho (1987, p. 151) relata:

Todos os seus bonecos são do tipo luva e de haste...Antes da função, coloca-os, com muito cuidado, e muito bem arrumados, numa mesa atrás da empanada, tendo inventado um processo curioso: uma tábua com uma porção de furos recebe os bonecos de haste, os outros ficam deitados ao longo da mesa.

Para arrumar os personagens o grupo solicita às escolas três carteiras, para organizar

os bonecos e a mesa de som. Em outros trabalhos, quando há muitos personagens de vara,

Teca criou um suporte especial. São hábitos necessários na organização do trabalho no

Teatro de Bonecos, relacionados com a seqüência do espetáculo, principalmente quando há

mais de uma atriz-bonequeira, devido à necessidade de grande entrosamento.

Na escola, as crianças saem da sala de aula, sentam no local da apresentação,

formando o público. Elas são preparadas com breves informações do que ocorrerá e inicia-

se a apresentação da peça, que é realizada em 50 minutos aproximadamente. Há dois

momentos primordiais: o primeiro é a peça em si, com as atrizes-manipuladoras escondidas

na empanada manipulando os personagens e contando a história; no segundo momento, há

outro tipo de interação, quando são revelados alguns elementos do Teatro de Bonecos, sua

confecção, sua manipulação.

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Uma coordenadora pedagógica, ao abordar o trabalho disse:

A peça, eu gostei dela, porque ela passa algo positivo. Muito boa é a forma como é colocado o tema, dentro de um contexto folclórico. Acho que isso torna mais fácil a compreensão do assunto. As músicas, os animaizinhos facilitam o entendimento da criança de uma forma bem lúdica, bem tranqüila. A questão do grupo em contato com as crianças, mostrando como manipulam os bonecos, como foram confeccionados é bastante importante. Acho que tudo isto faz com que a criança se perceba como parte do meio ambiente e a partir daí, ter ações mais positivas para se viver em um pouco mais de harmonia. (Anexo 9, entrevista 6, p. 189).

Nas escolas, no dia do espetáculo, são entregues ou enviados por e-mail Sugestões

de Atividades (Anexo 8). Esta é uma tentativa do grupo, para que os conteúdos e contextos

abordados na peça sejam trabalhados com a criança pelas educadoras. Percebemos

especialmente nesta peça que a mensagem é explicitada de duas maneiras: uma pela forma

de confecção dos bonecos e outra é a própria história dos personagens - existindo assim um

reforço do conteúdo - reciclagem de sucatas.

Posteriormente contatamos as coordenadoras pedagógicas destas escolas, na

tentativa de uma devolutiva sobre o que ocorreu, de fato, nas escolas. O que ficou? Como

foram apreendidas as experiências, que ações surgiram a partir da peça? Se o teatro educa e

contribui para a formação, como ocorre este processo?

Acompanhamos a criação desta peça teatral, a preparação sobre as idéias, conceitos

e valores a serem instigados por ela. Destacamos alguns: cuidados com os outros, o que

cada um pode fazer para ajudar. A atenção dada para a formação dos diálogos entre os

personagens, impedindo a elaboração de personagens bobos, ou seja, um sabe tudo e o

outro que sabe nada; todas as personagens devem trazer conhecimentos para trocarem

experiências, numa relação de construção de novos saberes, na tentativa de busca de uma

concepção de educação reflexiva, não baseada na lógica instrumental.

Em função da peça, que visa atingir um público na faixa etária de 2 a 6 anos, é

imprescindível uma boa preparação das crianças, para a experiência que aconteceria. Não é

difícil encontrarmos resistências das educadoras, quando anunciamos ser Teatro de

Bonecos. A resistência encontrada é fruto de experiências negativas anteriores. Para

exemplificar as vivências negativas, em contato telefônico para divulgar o trabalho do

Grumaluc, relembramos o que nos disse uma coordenadora: Veio uma vez um palhaço que

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batia um prato barulhento. Isto assustou as crianças que começaram a chorar (informação

verbal).

A preparação inicial feita pelas atrizes-bonequeiras visa principalmente as crianças

que costumam chorar. Com muito jeito, mostram os bonecos, o cenário, conversam com a

criança, indicando o que vai acontecer, evitando, com sucesso, os choros. Esta preparação

recebeu muitos elogios por parte das educadoras, quando avaliavam o trabalho realizado,

dizendo: Muito positivo a preparação que fizeram para que não ficassem com medo.

(Anexo 5, entrevista 8, p. 176). Observamos crianças que iniciavam o espetáculo no colo

das professoras, depois iam se soltando e no final pegavam os bonecos, abraçavam,

dançavam juntos, enfim venceram a barreira do medo.

Sem mais delongas, vamos às cenas,

Cena 1 – Dois ratinhos numa casa se divertem com a sujeira (fig. 24), estão felizes porque tudo está

fora do lugar. Entra Dona Privadona, doente, porque fizeram dela, uma lata de lixo. Ela tosse e acaba

explodindo. Pede ao público para cuidarem dela.

24 - ratos e privada em cena 25 - reação crianças/susto, alegria, surpresa

Esta cena causa grande vibração e impacto nas crianças. É um momento de tensão e

ao mesmo tempo riso. A privada, objeto do cotidiano, que nos obriga a uma disciplina e

conhecimento do corpo, muito presente nesta faixa etária, explode. A explosão tem fundo

musical tumultuado e forte efeito visual. São pulos, movimentos verticais, para cima e para

baixo e finalmente, a privada tosse como gente e joga os excrementos que a entupiam. Há

fumaça: para realçar a explosão é esguichado talco. Atentas, as crianças são envolvidas por

informações diferentes, sons, imagens, movimentos, cheiro, criando um clima que convida

à brincadeira. Para uma coordenadora: o teatro passa de forma lúdica, as idéias. (Anexo 5,

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entrevista 8, p. 176).

Cena 2 - Num terreno baldio as personagens estão em apuros (fig. 26), têm problemas de

respiração e fraqueza, conseqüências de viver no lixo. Tentam escapar, dormindo ou fazendo um túnel. É

preciso tomar alguma providência, fazer algo, recorrer a alguém – a turma do lixo reciclável.

26 - Camomila e Nhoca no terreno sujo 27 - crianças cantando com Nhoca

O cenário se modifica com adereços que vão compondo situações, estruturadas em

pequenos quadros com começo, meio e um fim com conteúdo épico. Aparecem diferentes

formas de manipulação: a Camomila de vara e a Nhoca de marote. A peça resgata uma

conhecida cantiga infantil minhoca, minhoca, me dá uma beijoca... causando calorosa

reação da platéia.

Cena 3 - Apresentam a turma do lixo (fig. 28), cantando com bonecos de vara que falam da cada

cor e o que deve ir para cada lixo.

28 – Latas coloridas para lixos: orgânicos, vidros, 29 - Crianças interagem acompanhando os

plásticos, papéis e metais. ritmos dos conteúdos musicais apresentados Cada um dos bonecos de vara que representam o lixo aparecem em seqüência,

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apresentam-se para as crianças e fazem suas performances musicais: o Rockferro, uma

salsa para o Tuco, Vidroco, Plasmélia e Papelito são objetos que tem vida, são

humanizados. Todos vão entrando e dando o recado, me coloquem no lugar certo,

explorando as cores das latas de coleta reciclável. Uma coordenadora comenta na

entrevista, que elas observaram que foram usados objetos do cotidiano, transformados em

bonecos: os bonecos de fio, fantoche, de mão eles estão acostumados, mas foi diferente

principalmente porque animaram objetos. O Rockferro, o Tuco, a Dona Privadona, que

são coisas do cotidiano, valorizam o brinquedo sem pilha (Anexo 5, entrevista 8, p. 176).

Percebemos que, ao dialogar com os educadores surgem novas interpretações de

conteúdo e forma da apresentação teatral. Vejamos no exemplo acima, quando a educadora

fala: (a peça) valoriza o brinquedo sem pilha. Não tínhamos a visão deste efeito do trabalho

do Grumaluc, mas, podemos perceber que há muito sentido e valor para a educadora

percebido através do seu cotidiano lidando com as crianças da escola pública. É desta troca,

constituída na relação com o outro, que podemos dizer que se constroem novos saberes,

saberes plenos de riquezas pela somatória de olhares.

A apresentação destes bonecos, com suas músicas e danças, lembram-nos os

mamulengos que antes de começar o espetáculo propriamente dito, os bonecos se

exercitam em pequenos números musicais, cantando e dançando, possibilitando o primeiro

contato com o público. BORBA Filho (1987, p 121), o que é chamado pelo Grumaluc de

quebra-gelo.

Sobre o impacto de outros conteúdos tratados na etapa de Interação, segundo outra

coordenadora: (as crianças) ficam horrorizadas ao saber que o alumínio, não tem prazo

para ser absorvido pela natureza (Anexo 5, entrevista 8, p. 176).

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Cena 4 – Um bicho perigoso e ameaçador quer contaminar as pessoas (fig. 30). É o clímax da peça, momento dramático, há uma tensão, reforçada pelo fundo musical. A personagem vê o verme e enfrenta o perigo com seus enormes pés (fig. 31) pisando no bicho. A platéia fica sem saber o que fazer, torce pela menina, mas não quer que ela se contamine. O que vai acontecer?

30 - Barriga D'Água, 31 – Pé da menina que é 32 – Reação das crianças, estranhamento

perigoso e ameaçador. transformada em parte do corpo. e medo

Analisando os bonecos da cena, temos os tipos bem caracterizados: o Barriga

D’água, um verme, é representado em escala fora do normal, é fantástico, um monstro.

Seus gestos e suas ameaças à saúde pública são elementos grotescos: Eu sou o mais temível,

o mais nojento dos vermes. Não brinque comigo, que eu não sou de brincadeiras! Ah! Ah!

Ah! Eu vou contaminar umas pessoas! A menina inocente, mas corajosa, enfrenta o verme

e pisa nele. O astuto vilão ri, a não poder mais, e, consegue exatamente o que queria. O

esfacelamento do corpo, típico do grotesco, é percebido na transformação da menina em

apenas uma parte de seu corpo, o pé. O fato de usar diferentes escalas, fugindo da realidade

cria um clima fantasioso e interessante, reforçado pela trilha musical.

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Cena 5 - Julinho entra em cena com a Dra Sanatudo (fig. 33). Eles conversam com as crianças sobre as péssimas conseqüências das atitudes das pessoas: como jogar lixo nas ruas, entupindo toda a rede de esgoto. A solução vai se esboçando com o conserto dos canos quebrados pelos técnicos da Sanasa e a conscientização da população, com o envolvimento e a participação de todos para ajudar a cidade.

33 – Dentro do cenário, Julinho conversa com as crianças.

Opa! Desculpe-nos, mostramos a visão de Julinho (fig. 33) em frente à sua platéia,

uma inversão de olhar. Afinal este menino está vivo? Ou não?

O personagem Julinho, protagonista da história, representa um tipo, a criança que

quer aprender, é amigável, um cara legal. O Grumaluc quer partir de suas perguntas, para

fazer relações com os conteúdos, quer partir das dúvidas das crianças, expressas

indiretamente pelo Julinho – um recurso para solucionar a perda da espontaneidade devido

à gravação da trilha do espetáculo, este personagem faz as perguntas e constrói o

aprendizado com o adulto, um educador facilitador.

As cenas de ação mexem com a imaginação e o espectador interpreta e cria sua

própria abordagem, como vemos no relato da coordenadora: Aí, de repente, vem aquela

barulheira, não é? Até! E isso realmente choca... e retratou bem o que tem acontecido,

cada vez mais, não é? Com nossa natureza (Anexo 9, entrevista 2, p. 188).

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Cena 6 – O peixe Escamoso está mergulhando no rio Atibaia, pula e canta, quando de repente bate

numa lata (fig. 34), conversam sobre esta situação: a poluição das águas e não aproveitamento das latas.

34 - peixe e lata conversam 35 – Crianças atentas

No diálogo acima os personagens indicam que precisamos ter consciência e

responsabilidade com a natureza. Lançam perguntas no ar: Como o problema pode ser

resolvido?

Para Walter Benjamin (2002, p. 28) não há nada que a juventude exija

urgentemente que a possibilidade de escolher, de decidir.

Chama muita atenção o movimento do peixe, seu corpo confeccionado em papel

machê e o rabo e nadadeiras com material de radiografias, ele pula e há um efeito sonoro

que surpreende. A Lolicola que foi parar no Rio Atibaia, lamenta não poder ser útil e deseja

ir para uma usina de reciclagem.

Na continuidade da cena, Julinho está na escola e conversa com Prof Hidro, um tipo

que representa a sabedoria do idoso e também do professor. Fala que o esgoto, que é água

suja, que tem xixi e cocô, vai ser tratado e devolvido aos rios como água limpa. Cada um

pode ajudar, não desperdiçando água e colocando lixo, na lata de lixo. Esta seqüência, na

nossa opinião, é muito didatizada, apresentando resquícios das formas tradicionais do

ensino, que foram vividas na formação das autoras do espetáculo. Para nós, representa uma

concepção de educação onde o professor sabe tudo, tem verdades imutáveis e fornece ao

aluno o conhecimento pronto, que precisa ser repetido e memorizado.

Concordamos com Walter Benjamin (2002, p. 112) que: impor conceitos para

crianças não funciona, fracassamos ao tentar persuadir as crianças a algo que elas não

acreditam, não aceitam.

Há neste ponto uma caída no ritmo da peça, uma desconcentração das crianças. O

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ritmo é retomado, com o retorno do Escamoso cantando como pode um peixe vivo, viver

fora da água fria. O peixe está feliz, tudo acabou bem, porque a água devolvida aos rios

está limpinha, agora ele pode criar seu cardume. Julinho se despede, é o fim desta aventura

e conclui que Mais vale um esgoto limpão do que uma cidade na mão.

Este retorno dos personagens e dos assuntos é um recurso teatral, chamado estrutura

circular, onde princípio e fim se tangenciam, dão amarração às cenas independentes e

situam o espectador no universo do texto.

Trazemos nossas observações das reações das crianças, escolhendo dia 18/03/2004

relatado no caderno de campo:

Uma garotinha, muito envolvida, fazia movimentos e dançava, parecia-nos que entendia plenamente o que os personagens falavam, ela ria, batia palmas e estava entusiasmada. Na cena com ruído da’ferramenta consertando a boca de lobo’ ela bateu palmas e fez todas as crianças à sua volta baterem também, acompanhando sua reação. Na cena do Barriga d’Água, ela deu um murro no ar, para frente como que expulsando o bicho. Na cena das cores das latas de lixo reciclável, todas falavam as cores junto com o narrador, mesmo sem serem estimulados pelos bonecos. Com o Rockferro, um garotinho fez com a cabeça como fazem os roqueiros. Na hora do Prof Hidro, houve quebra no ritmo da apresentação, observamos certo desinteresse, porque duas crianças se levantaram e foram atrás da empanada, curiosas para ver o que acontecia por lá. A professora levantou e deu sinal para que os outros ficassem nos seus lugares, evitando tumulto. Na interação, mostrando os bonecos, revelando como e de que são feitos, percebemos o encantamento nas carinhas abraçando os bonecos. O momento inesperado prendeu a atenção das crianças e mostrou o vínculo que se cria entre os bonecos e os jovens espectadores. (Anexo 6, relato 2, p. 181). O sentido e as potencialidades do teatro como espaço de encontro é resgatado de

uma mônoda Affentheater de Walter Benjamim (1987, p. 106 e 107) em que surgem

revelações e sensibilidades extraordinárias, no relato de sua experiência infantil.

Relembrando cenas, sua busca de construir sentidos, das palavras e das coisas, há

elementos visuais, auditivos e cinestésicos explícitos no texto:

Affentheater, essa palavra significa para os adultos algo grotesco. Essa característica lhe faltava quando a ouvi pela primeira vez. Era ainda pequeno. O fato de macacos no palco ser uma raridade fazia parte dessa idéia insólita: macacos no palco é coisa que não faz sentido. A palavra teatro me atravessava o coração como um toque de clarim. A fantasia chegava[..]A entrada do teatro passava através de uma brecha do tempo; o nicho do dia – que era tarde e no qual já se sentia o cheiro da lamparina e do recolher-se – era ultrapassado. Não para

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vislumbrar uma cena do Guilherme Tell ou da Bela Adormecida; pelo menos, não apenas com esse fim. O motivo era mais importante: sentar-se no teatro no meio dos outros que também lá estavam. O que me esperava, eu não sabia, mas me parecia indubitável estar assistindo a um fragmento, ou seja, a uma apresentação de um comportamento muito mais significativo, o qual eu devia compartilhar com outros. De que espécie era, não sabia. Com certeza, esse comportamento dizia respeito tanto aos macacos quanto ao mais bem estabelecido elenco de atores. Tampouco era a distância entre o macaco e o homem maior que aquela entre o homem e o ator (grifo nosso). Encanta-nos perceber as potencialidades da experiência estética no teatro vivida

pelo espectador criança. Quando relembrada pelo adulto, revela seu sentido profundo,

marcas importantes da construção de saberes por meio de imagens captadas, odores, cores e

texturas das fantasias, percebendo-se e aos outros, com possibilidades de compartilhar as

permanências significativas, repletas de sensibilidades.

Voltemos de nosso planeio para contemplar o trabalho do Grumaluc. O

procedimento de sair da empanada e continuar o espetáculo com os bonecos, vivos nas

mãos das atrizes-manipuladoras (fig. 36) causa reações surpreendentes nas crianças.

36 – Na Interação, a criança quer pegar Julinho 37– Atenção das crianças durante o diálogo e nos dá a impressão de achá-lo vivo dos personagens

Elas tocam as crianças com os bonecos de vara e de luva. Nestes momentos

percebemos muita alegria nas crianças, pela possibilidade de ver o brinquedo de perto, ser

tocado por ele e tocá-lo. A revelação de que há alguém dando vida, manipulando os

bonecos surpreende as crianças, que por alguns momentos acreditaram que eles eram vivos.

Voltam a realidade e vão conhecer um pouco da arte da manipulação no Teatro de Bonecos.

As atrizes mostram como é a técnica de manipulação, perguntam o nome das crianças (fig.

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38) e improvisam, conforme sentem o clima e a recepção das crianças.

Falam da confecção em papel machê e sucatas – identificando o trabalho com o

universo infantil, para Walter Benjamin (2002, p. 104) a criança escolhe como brinquedo o

que os adultos jogam fora.

38 – Interação com boneco de vara 39 – Interação com boneco de luva

No relato de uma coordenadora, uma semana após a reunião pedagógica com os

professores, ela nos disse: No dia as crianças ficam com a impressão do encantamento com

os bonecos que aparecem, depois comentam, perguntam o que queria dizer, as dúvidas

aparecem para a professora trabalhar depois (Anexo 5, entrevista 14, p. 177).

São apropriações significativas para o trabalho escolar, que nos dão pistas sobre as

possibilidades do Teatro de Bonecos auxiliando no aprendizado. A riqueza destes

momentos de descontração e quebra da rotina escolar são fascinantes para as crianças (fig.

40).

40 – O encantamento ocorre na relação 41 – Reação durante espetáculo,

com o teatro, como uma experiência estética dançando com os bonecos

Analisando o desenlace final da peça, o diálogo entre os personagens Prof Hidro e

Julinho, pareceu-nos uma prolongação desnecessária, um reforço de conteúdos ao velho

estilo, mas, lembremos que o texto foi discutido com a empresa contratante, que delimita e

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impõe algumas coisas – é o preço do patrocínio – que requer negociação visando maior

autonomia na forma do espetáculo.

Buscamos dar voz e dialogar com as coordenadoras pedagógicas e professoras,

tentando encontrar nestes relatos, opiniões diferentes sobre as questões que emergem no

seu dia-a-dia pós-espetáculo através das práticas pedagógicas. Seguiremos explicitando os

diálogos, inserindo estas vozes que trazem o olhar do outro. Sentimos que às vezes os

relatos dissociam-se do nosso entendimento e por isto, enriquecem-nos, nas e pelas

diferenças do olhar, que revela outros sentidos do trabalho do Teatro de Bonecos nas

escolas.

Um dos temas trata sobre o fato de o teatro ser didático. Será que ser didático é ser,

necessariamente, maçante? Uma coordenadora coloca-nos que: (o teatro) foi didático e não

maçante, passaram o conteúdo de forma alegre (Anexo 5, entrevista 8, p. 176). A questão

didática aparece também em outro relato: as professoras acharam a didática boa, as

músicas conhecidas e prenderam a atenção das crianças (Anexo 5, entrevista 1, p. 175). O

didático pode ser incorporado ao divertimento, é o que ela deixa transparecer nesta fala: as

crianças gostaram muito, chamaram atenção o Rock Ferro, as cores e a forma de fazer,

enfim foi um lazer educativo (Anexo 5, entrevista 2, p. 175).

Nossa pergunta fundamental, o que fica depois, para a escola desenvolver é

respondida por uma coordenadora,

Marcaram as cores para cada lixo. Dna Privadona foi marcante, já tinha coleta reciclada, as crianças, depois da peça, perguntam de que material é feito tal coisa; o pote de iogurte, por exemplo, para colocar no lixo certo - despertou interesse (Anexo 5, entrevista 8, p. 176) . Na perspectiva que desejamos revelar, do Teatro de Bonecos instigar ações e

mudanças de comportamento, surgiram retornos que nos surpreenderam, são relatos de

coordenadoras, que trazem alguns resultados: uma professora vai fazer papel reciclado na

escola (Anexo 6, entrevista 3, p. 183) e também uma coordenadora entusiasmada, que

conseguiu amarrar ações concretas ao espetáculo: abrimos um projeto de reciclagem que

vai o ano todo. Lançamos uma campanha de recolhimento de latas de alumínio e garrafas

plásticas (Anexo 5, entrevista 1, p. 175).

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Outra coordenadora, valorizando o papel da professora e mostrando a importância

do trabalho interdisciplinar quando se somam talentos e conhecimentos, para buscar o

mesmo objetivo: gostaram, a mudança é a longo prazo no comportamento, as professoras

(é) que dão continuidade, têm de trabalhar mais na sala de aula para mudar as atitudes

(Anexo 5, entrevista 5, p. 176).

Os frutos do trabalho desenvolvido pelas educadoras e alunos em sala de aula

retornam para o Grumaluc, em forma de desenhos (fig. 42).

42 – desenho de um aluno após a peça 43 – Painel com desenhos das crianças,

Ficou marcada a imagem do cenário. atividade desenvolvida após o espetáculo

Além de desenhos, as professoras se apropriam das palavras na construção da

linguagem, uma professora, que já trabalhava o tema do lixo, disse: tiveram uma linguagem

conhecida - o que foi bom (Anexo 5, entrevista 1, p. 175). Uma professora, numa escola

onde se estava trabalhando o tema do lixo:

As palavras mais difíceis as crianças estranharam, perguntaram para a professora o que queria dizer. No Jd Encantado – unidade que não está desenvolvendo o tema despertou curiosidade e foi apropriado para aprofundamento de palavras novas para eles (Anexo 5, entrevista 1, p. 175).

Somando ações, o Teatro de Bonecos mostrou neste trabalho seu potencial, que está

presente nas avaliações recebidas: elogiaram. (As professoras) estão trabalhando o tema

da reciclagem. Foi dinâmico, plantou idéias sobre o que não se decompõe na terra.

Fizeram desenhos, pesquisas em livros sobre reciclagem de papel (Anexo 5, entrevista 4, p.

176).

Parece-nos evidente que há ligações entre as formas de expressão e o material da

peça. Sobre as músicas e o material de confecção dos bonecos, uma professora disse: As

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músicas interessantes, o material todo que vocês usam (que é) também todo reciclado, é

lindo. Achei que foi muito adequado (Anexo 9, entrevista 5, p. 189).

No relato da seguinte coordenadora: na sala, a tia falou do esgoto e (as crianças)

responderam que é água suja (Anexo 5, entrevista 4, p. 176). Para ela o conteúdo foi

entendido e foi fixado pelas crianças. A didática utilizada pelo espetáculo teatral funcionou

adequadamente.

A valorização dos conteúdos, do fato novo estão presentes na devolutiva de outra

coordenadora, quando disse que: estamos trabalhando o meio ambiente e (a peça)

introduziu a questão do esgoto. (Uma professora) faz o trabalho com jornal na sala de

aula, lixo no lixo (Anexo 5, entrevista 6, p. 176). Uma professora relata:

Eu gostei bastante, achei o tema importantíssimo. Na área de ciências é o que vimos trabalhando, realmente muito bom. Ah! O gostoso é passar a idéia do artesanal, dos bonecos feitos por vocês, um texto muito bom e direto, não é? Falando da reciclagem, do reaproveitamento. Eu achei isso bastante importante (Anexo 9, entrevista 4, p. 189).

Destacamos por meio deste relato que a forma dos bonecos - confeccionados em

papel machê e com base em material reciclado - acabam valorizando, reforçando e são

coerentes com os conteúdos do espetáculo, são formas de reaproveitamento.

No aspecto geral relativo ao trabalho do grupo na escola, temos um relato de outra

coordenadora pedagógica:

(Depois da peça as crianças) não jogam mais nada na Privadona. Comentaram com os pais (na saída), falaram do bicho Barriga D'água. As moças se preocuparam em não assustar, prepararam as crianças, e no final as crianças quiseram pegar nos bonecos, dançaram e riram (Anexo 5, entrevista 3, p. 175).

Uma das escolas, trabalhando com as Sugestões de Atividades deixadas pelo

Grumaluc, que continha as palavras-chaves, possibilidades de geração de discussões,

relatou-nos:

Foi ótima (a apresentação), as palavras-chaves (sugeridas) despertam a curiosidade, ficaram na cabeça. As crianças perguntaram do esgoto (para as professoras) queriam saber mais, continuar o assunto. Comentaram o problema da Privadona entupir, elas lembram do teatro (no banheiro) e falam da peça e as tias repetem (Anexo 5, entrevista 3, p. 175).

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A criança interpreta as informações e faz relações com sua vida cotidiana.

Percebemos concretamente isso no relato de uma diretora, que tem sua filha na escola e que

nos disse: Minha filha pediu para eu não lavar o carro e a calçada todo dia, (disse) que eu

preciso varrer (Anexo 5, entrevista 3, p. 175).

O entendimento do conteúdo e a forma da criança expressar seu conhecimento com

a família também foram abordados. Eis a fala de uma coordenadora pedagógica após

reunião com pais: O problema do papel no vaso sanitário que entope. Lixo (em lugar)

errado, 100% das crianças absorveu (a idéia) e cobram dos pais, em casa, para ter (em)

diversos sacos de lixo (Anexo 5, entrevista 8, p. 176).

Para encerrarmos o diálogo com as coordenadoras, um relato de uma experiente

espectadora, que ainda criança, morou na Argentina e seguia os titeriteiros pelas praças, e

ruas: Muito bonito, passou muita coisa, tanto para crianças como para adultos. Essa peça

deveria estar em todas as escolas. Você pode jogar 50 sementinhas em 50 cabecinhas, 20

vão brotar (Anexo 9, entrevista 1, p. 188).

Resumindo, o trabalho do Teatro de Bonecos nas escolas fomentou conhecimentos e

ações, os conteúdos foram apropriados e resignificados pelas educadoras nas suas práticas

pedagógicas constituindo-se valoroso instrumento para a construção de saberes e

modificação de atitudes, construindo comportamentos adequados.

O trabalho do Grumaluc foi interrompido no ano de 2005 em função da troca de

diretoria da empresa. Na avaliação do grupo, se este trabalho for retomado, além das

apresentações nas escolas será proposta uma oficina de bonecos para as educadoras,

aprofundando as possibilidades, para que as próprias educadoras realizem montagens com

temas de seu interesse e experimentem a prática do aprender-fazendo.

No próximo capítulo, pousando nas escolas, procurando pistas para compreender

melhor sua dinâmica, sua cultura organizacional, como se constituiu e as tendências de

mudanças.

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5 – A ESCOLA COMO LOCAL DE TROCAS CULTURAIS Neste capítulo pretendemos aproximarmo-nos do espaço da escola, local que,

compreendemos ser um dos constituintes da formação dos indivíduos, e inserir nesse

espaço as sensibilidades, emoções e percepções. Para compreendermos o modelo escolar

brasileiro, alçaremos vôo com Anísio Teixeira, que analisa estes modelos de escola e

participa, em suas obras, do contexto social de uma época de mudanças estruturais na

Educação.

Entenderemos as tendências possíveis e os caminhos desejáveis da construção

amorosa do saber. Voaremos com Carlos Byington e trataremos de duas experiências com o

teatro infantil, entendido potencialmente como valiosa contribuição para a formação das

crianças. Para realizar esta tarefa, decolaremos também com Walter Benjamim, resgatando

sua contribuição para o trabalho teatral com crianças, revelando suas próprias memórias

com o teatro, e com Hector Girondo, bonequeiro e assessor da Educação Argentina, que

nos sensibiliza, para o valioso aporte do Teatro de Bonecos em sala de aula que, quando

utilizado, assombra-nos com a enorme quantidade de recursos oferecidos para o

aprendizado.

Percebemos as potencialidades da educação não-formal em relação à formal e

concordamos com PARK E FERNANDES (2005, p. 384) que:

A interação entre os dois universos educativos (escolar e não-escolar) visa oxigenar o mundo escolar, trazendo experiências educativas pautadas em princípios e métodos diferentes daqueles que são hegemônicos nos currículos escolares. Por não estarem presas às estruturas, aos códigos e às normas institucionais escolares, as práticas educativas não escolares tendem a buscar sua legitimidade social, conquistar novos adeptos, ampliar sua abrangência e consolidar-se dentro do caldo cultural de sua época, apostando muito mais nas opções éticas e estéticas de seus frequentadores e menos na lógica da disciplina, controle, da vigilância e da obrigatoriedade – códigos que ainda continuam a dar o tom para a educação escolar.

5.1 – A constituição das práticas pedagógicas na escola pública brasileira

Nossa busca, ao depararmos com a escola pública, local onde são realizadas as

apresentações do Grumaluc, instigou-nos a compreender as bases da formação do modelo

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de ensino, que permanece até nossos dias. Isto nos levou a Anísio Teixeira67. Escolhemos

retornar ao passado, a um momento político, social e ideológico diferente, mas que

entendemos ser o nascedouro das concepções da escola pública que, esperançosamente

deve ser para todos.

Planando com o autor (1969 a, p. 38), que ao analisar o contexto da educação de sua

época diz:

Vivemos com a verdade tripla: verdades científicas, filosóficas e religiosas. O resultado é que não temos nenhuma verdade válida ou prevalente, a vida se orienta pela tradição e pelo jogo das forças, provocando alienações no homem que se sente alheio ao seu tempo, alheio ao seu semelhante.

Interessa-nos a escola primária, que segundo ele ensina técnicas independentes,

isoladas e fragmentadas, sem ter que promover a consciência do para que, em que e como

usá-las. Este processo desintegra o homem, desvinculando o saber do fazer.

Concordamos com este autor (1969 a, p. 49) que a situação educativa é complexa,

envolvendo o indivíduo em sua totalidade, com sua história, sua cultura e a história dessa

cultura.

Passa-nos uma concepção de educação, que tem o conhecimento como resultado de

uma atividade, que se origina em uma situação de perplexidade e se encerra com a

resolução da situação. O saber significa capacidade de localizar e definir a dificuldade,

capacidade de descobrir e utilizar os dados da situação para chegar a conclusões fundadas,

tornando a experimentação essencial ao processo do conhecimento. TEIXEIRA (1969 a, p.

65).

Vivemos modernamente, em constante mudança. O que a escola conserva? A escrita

e os corpos que viraram apenas cabeça, instrumento de raciocínio lógico. Segundo o autor

(1969 a, p. 118): o método experimental deve ser defendido e guardado. Cabe aos

educadores modernos, na sua análise crítica (1969 a, p. 124) transmitir o gosto e hábito por

uma cultura dominantemente consciente e mutável, em oposição à fácil cultura anterior,

toda ela inconsciente e uniforme, vivenciando uma fase de avanço da civilização industrial,

67 Anísio Teixeira, baiano e filho de fazendeiros, cientista social, desde cedo se envolveu com as questões do ensino. Foi intelectual de esquerda e militou em prol do ensino público, gratuito e para todos, desde o primário até a universidade. No artigo: “Uma vida inteira dedicada à Escola” de Adriana Vera e Silva, consultado em (14/11/03), endereço internet: http://www.centrorefeducacional.com.br/anisioteixer.htm.

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explosão de conhecimentos, tecnologias e meios de comunicação. As dificuldades

encontradas por ele nos são reveladas, a partir da estrutura social de sua época:

Temos o setor aristocrático, o setor liberal democrático de classe média e temos o grupo nacionalista [...] o desenvolvimento brasileiro vem se fazendo com contradições e resistências implacáveis ao seu funcionamento lógico. TEIXEIRA (1969 b, p.375). Sua abordagem denota que a perspectiva de inclusão social dar-se-ia pelo

funcionamento lógico. Havia muito presente no meio intelectual de esquerda, o desejo

utópico de que todos os indivíduos participassem da sociedade, esperança que hoje vemos

frustradas com o colapso do socialismo e o crescimento da globalização que acirra e

aprofunda as diferenças.

Voltemos à escola, nos tempos de Anísio Teixeira (1968, p. 28 e 29): a escola

surgiu para servir aos interesses das classes dominantes, não é fácil implantar a idéia

democrática. Notadamente, o autor militava em busca de melhorias significativas para uma

educação voltada para todos, desvelando lutas travadas em busca de gerir os recursos da

educação.

Para Neusa Gusmão68 (2003, p. 95) necessitamos incluir a pluralidade cultural no

processo de aprendizagem e afirma:

O saber que se ensina é redutor de culturas[...]acreditando que o aluno é tábula rasa, é aqui que a pluralidade cultural de grupos étnicos, sociais ou culturais necessita ser pensada como matéria-prima da aprendizagem, não como dias especiais, mas possibilitando trocas e processos de equidade entre sujeitos diferentes. Concordamos com a idéia de o ensino estar baseado numa visão racional e que ele

exclui o saber popular, o conhecimento não escolar e que precisamos conquistar, dentro da

escola, uma postura de descoberta, dialógica e inclusiva.

No que diz respeito a escola primária, Anísio Teixeira (1968, p. 89) diagnostica que

o contexto social a deformou, fez-se paternalista, destinada aos que iam obedecer e fazer,

em oposição aos que mandam e pensam.

68 Antropóloga e Professora da Unicamp/Faculdade de Educação, ministrou a disciplina: Educação e Antropologia Cultural, 2004.

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O autor nos passa uma concepção da escola democrática, esta sim, uma escola de

vida, com matérias baseadas em experiências da própria vida, com o propósito de refletir e

formular o que foi aprendido. TEIXEIRA (1968, p. 131).

Viajando com sua imagem de escola idealizada, que ecoa em nós e seria local de:

Atividades relacionadas com interesses e necessidades do aluno, o professor, um guia experimentado nas artes da vida, observa, procuram recursos alternativos, gravações, debates, escolhe, planeja, distribui tarefas, realiza e julga os resultados, para o aluno participante, um time. TEIXEIRA (1968, p. 141). A comparação entre a escola que foi construída e a que é desejada numa sociedade

democrática, traz elementos de utopia e esperança. Indica-nos as possibilidades e a

importância das alternativas metodológicas, da inclusão da Cultura e, portanto, do Teatro

de Bonecos como potencial de vivência, troca entre alunos e educadores.

Na abordagem o autor (1969 b, p. 36) nos indica que necessitávamos de uma

educação escolar mais generalizada, preparando o homem comum para o trabalho. Uma

visão crítica para a época, repleta de possibilidades, alternativas possíveis e utopicamente

construídas em relação ao trabalho. Concordamos com ele que a função da escola é se fazer

prática e ativa, e não passiva[...]formadora[...]que ensine[...]a vida e a participar.

TEIXEIRA (1969 b, p. 58).

A escola tem potencial para transmitir, consolidar e renovar a cultura. Quando se

desvia desta meta, acaba inculcando conhecimentos desligados da vida, sem sentido,

difíceis de aprender, justificando as ações disciplinares, castigos e constrangimentos que

facilmente vemos ainda hoje nas práticas pedagógicas. Não é nosso objetivo explorar estes

aspectos, mas apenas sinalizar que existem. São facilmente perceptíveis ao estrangeiro que

entra por instantes na escola.

Incomoda-nos perceber que a escola menospreza as diferenças individuais está

preocupada com resultados de avaliações, limitando habilidades e conhecimentos. Na

análise que realiza, o autor revela que: Os verdadeiramente capazes são desencorajados, a

inteligência - artística, plástica e prática - é destruída. TEIXEIRA (1969 b, p. 84).

A perspectiva almejada por ele é do tempo escolar, que contemple atividades de

jogos e recreação[...] trabalhos[...] e estudos em classe. TEIXEIRA (1968, p. 130).

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Resumindo, a estrutura do ensino brasileiro se constituiu como perpetuadora das

injustiças sociais (1969 b, p.44) e foi estruturado, para Anísio Teixeira (1969 b, p. 99) pelo:

Ensino primário gratuito, de oportunidades reduzidas; ensino secundário pago,

estrangulando desejos generalizados de ascensão social; e o ensino superior gratuito, para

os filhos dos ‘pobres envergonhados’ da elite rural do país.

Na escola, para a construção dos saberes da criança, a experimentação é

fundamental, o papel do educador neste processo, é de fornecer um problema a ser

resolvido, e estimulá-las a resolvê-lo. Fazer que a criança se deslumbre, esta é a sua

iniciação à vida: Fazendo-a chegar às idéias gerais por intermédio de algo específico.

TEIXEIRA (1969 b, p. 156).

No aspecto político concordamos com sua postura: o governo tem o dever de dar a

cada indivíduo a cultura necessária para poder existir e viver, desenvolver as artes e

ciências, pois elas são as [...] raízes da sociedade. TEIXEIRA (1969 b, p. 314 e 315).

Nosso objetivo ao resgatar a história da formação do modelo da escola pública

brasileira, segundo o olhar de Anísio Teixeira, é promover o confronto de idéias, no aspecto

de identificar pistas das permanências deste modelo, quanto avançou e, com base nesta

análise, buscarmos as possibilidades e tendências para outra fase da educação. Esta nova

perspectiva é-nos apresentada pelo psicólogo junguiano Carlos Byington (2003).

5.2 – Outros modelos para a construção dos saberes

Vejamos a análise apresentada por Carlos Byington, quando resgata o significado

do amor e questiona seu papel na construção do saber.

Na educação não-formal proposta pelo Grumaluc, a aprendizagem acontece sem

obrigatoriedade, sem repreensão, num processo prazeroso e significativo para a construção

dos saberes, existindo potencialidade de transformação dos sujeitos que participam desse

processo, condições de interferir na história, refletindo-a, transformando-a, logo,

transformando-se. SIMSON, PARK E FERNANDES (2001, p. 152).

Carlos Byington (2003, p. 15) revela um método de ensino centrado na vivência,

que evoca a imaginação dos alunos e educadores, tornando o estudo lúdico, emocional,

cômico e dramático, atraente, numa relação transferencial amorosa, entre o aluno, a classe

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116

e o professor.

Leva em consideração as contribuições de Jung, seus estudos das funções da

consciência: pensamento, sentimento, sensação e intuição e das atitudes: extroversão e

introversão, consideradas integrantes da formação dos indivíduos. Quem estuda, sem

vivência, absorve o ensino somente no nível racional e logo o esquece[...] vivenciando,

fecunda o aprendizado durante toda a vida (2003, p. 17).

Perguntamos juntamente com o autor (2003, p. 22): Como ensinar a vida

unicamente pelas idéias? O que se ensina é aplicável? O ensino inútil é um desperdício e

instrumento alienante.

Com o uso do lúdico no aprendizado, por meio dos recursos das artes, filmes,

desenhos animados, dramatizações podemos reencontrar a beleza fascinante do saber. Caso

contrário qualquer lugar abandonado pelo amor é logo ocupado sorrateiramente pelo

poder – Jung, citado por BYINGTON (2003, p. 34).

Vislumbramos nesta reflexão possibilidades de outras práticas pedagógicas, que

podem ser aplicadas pelos artistas, que realizam suas produções para o público infantil.

Vejamos as contribuições do autor (2003, p. 70):

Deve-se procurar evitar o ensino de prato feito, já mastigado, exclusivamente lógico que dificulta o engajamento emocional do aluno. O ‘artista’ apresenta um assunto e o introduz, em função do que já vem sendo estudado[...]inicia-se a elaboração[...]com metáforas[...] e contexto emocional. Na interação após a apresentação da peça do Grumaluc, observamos Malu Vasquez,

com um adereço nas mãos, perguntando aos alunos: O que vocês acham desta cena? O que

ela revela? Sentem alegria ou tristeza? instigando assim o posicionamento crítico da

criança, quando em contato com a situação de conflito teatral.

Nos modelos herdados de educação que foram naturalizados por nós, em anos de

condicionamentos, Carlos Byington (2003, p. 114) explicita que:

A ciência experimental, do final do século XVIII, elegeu a verdade objetiva, de tipologia: pensamento-sensação-extrovertidos, como desejáveis e baniram do ensino: a intuição, o sentimento, a introversão e a subjetividade. Resgatamos estas funções, praticando atividades lúdicas, imaginativas e afetivas. Na defesa de atividades artísticas, como alternativa de construção da educação, o

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psicólogo propõe (2003, p. 122) um: Novo desempenho dialético, uma nova relação

participativa e intercambiável [...]professor-aluno[...]experimentarão os dois pólos do

arquétipo[...]numa interação de funções opostas[...]que se fertilizam e produzem o

aprendizado.

Entendemos que esta forma de entendimento percebe o outro, na sua própria

dinâmica e maneira de sentir, aprender, interagir e se expressar. Não apenas respeita as

diferenças, mas as tornam enriquecedoras, em função das trocas, do diálogo que se

estabelece entre os indivíduos.

Num recente trabalho sobre o Grumaluc Caroline Ribeiro (2005, p. 2) constatou

que: Através da sensibilização do Teatro de Bonecos, procurou-se estimular a mudança de

postura do indivíduo, sobretudo despertar um sentimento de responsabilidade sócio-

ambiental. Ela observou (2005, p. 13) e relatou algumas reações e percepções das crianças,

constatando que o Teatro de Bonecos mostrou-se como um possível recurso

pedagógico[...]para a realização de Educação não-formal...

Destacamos os elementos sensíveis no processo de aprendizagem que ela revela

(2005, p. 50):

O componente afetivo assume papel relevante no ato educativo[...]Percebo indícios [...]da contribuição da arte[...]como ferramenta de sensibilização[...]despertando no indivíduo a sua participação crítica na sociedade[...]O teatro foi significativo e muito prazeroso...

Nas suas considerações, a autora coloca (2005, p. 50) alguns problemas e tensões

decorrentes da abertura da escola para outras experiências:

A maioria das escolas não valorizou esta oportunidade de ter acesso ao Teatro de Bonecos[...]as coordenadoras pedagógicas não estiveram presentes durante as apresentações muito menos, para receber a equipe, evidenciando o descaso com atividades deste caráter (grifo nosso).

As tensões estão presentes nas práticas cotidianas escolares, de um lado, a formação

dos educadores e sua concepção de estrutura do espaço educacional, e por outro lado, as

amarras dessa formação, que faz com que os educadores não compreendam outra

possibilidade de relação educacional, que não cobre disciplina e submissão. O conflito é

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evidente na relação dos educadores, que encaram a escola, não como espaço de conquista,

reflexão, conscientização e transformação; mas, lugar de fuga para os alunos, saírem da sua

realidade (subdesenvolvida e ignorante), tomando seu trabalho como doação de quem tem

algo melhor para ensinar. SIMSON, PARK e FERNANDES (2001, p. 154).

Retomando Carlos Byington (2003, p. 131) que nos apresenta os quatro arquétipos de

modelos existentes: matriarcal é o da sensualidade, patriarcal é o da organização, da

alteridade é o do encontro e o da totalidade é o que propicia a síntese (grifo nosso).

Nosso modelo escolar tem suas bases no arquétipo patriarcal, valorizando a

disciplina, formando pré-conceitos, assimetria de poder, de dever e de cumprimento de

tarefas, reforçada pela culpa e a vergonha: Criam máquinas de pensar, mas deficientes de

sabedoria e intimidade humanas. BYINGTON (2003, p. 144).

O padrão patriarcal é importante para a construção de conhecimentos. Ele nos

auxiliou com as invenções da roda, do arado, irrigação e domesticação do cavalo, mas, ao

mesmo tempo, impôs a propriedade privada, a divisão de classes, o capitalismo, subjugou

as espécies e a natureza, polarizou o mundo em certo e errado.

A disfunção do padrão patriarcal resulta em fixações, defesas e sombras destrutivas

que ameaçam a vida. Para entendermos do que se trata, damos o exemplo das armas de

destruição em massa - tecnologia a serviço de nossa própria destruição.

Quais seriam, então, as tendências para a educação? Para o autor (2003, p. 175):

A tendência do terceiro milênio é o padrão de alteridade, que conjuga dialética, tratando democraticamente os padrões matriarcal e patriarcal. Busca igualdade nas oportunidades e direitos, para a interação e expressão das diferenças (grifo nosso).

O padrão de alteridade constitui-se numa moral democrática, exercida na junção dos

componentes sensuais do padrão matriarcal, e os componentes de coerência e

responsabilidade do padrão patriarcal. Carlos Byington (2003, p. 189) explicita:

A alteridade no ensino, rege a diferenciação da consciência para integrar o certo e o errado, o bem e o mal, e todas as polaridades da sabedoria de viver, são os caminhos do método científico, da criatividade artística, do amor e da democracia. Esse padrão propicia que pólos interajam, com oportunidade de expressar semelhanças e diferenças, ou seja, com liberdade de vivenciar a realidade, desapego, sensualidade e poder. Ponha-se no lugar do Outro para conhecer melhor a questão (grifo nosso).

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O que tem tudo isso a ver com o Teatro de Bonecos? Entendemos que ele pode ser

uma das infinitas opções para instigar a criatividade, pois o recurso da dramatização

permite a interação com o outro (2003, p. 193): só quem viveu e sofreu profundamente as

paixões e tragédias, pode compreender que é o certo e errado, o feio e o bonito, o bem e o

mal.

As aulas dramáticas nunca são esquecidas porque permitem a vivência emocional e

existencial. A memória da vivência é mais ampla, profunda e duradoura, formada por

palavras e imagens, pensamentos e emoções. O pensamento junto à sensação.

No trabalho com o teatro, duas professoras Marli Sitta e Cilene Potrich (2005, p.

107) explicitam que devemos abrir caminho na escola para um conhecimento que esteja

mais próximo ao corpo[...]abrir a porta para novas experiências.

Enfocando a cultura popular, Carlos Byington (2003, p. 198) esclarece que: ela

preserva a interação subjetivo-objetivo, afetividade, intuição, o padrão matriarcal e a

expressividade corporal.

Os caminhos que indicam esta alternativa passam, necessariamente, pela associação

de artistas e cientistas, num esforço conjunto para transmitir o saber pela vivência.

Precisamos do aluno ativo e de educadores criativos, desapegados da posição de donos do

saber.

Como avaliar as vivências dos alunos? Utilizando diferentes formas de expressão,

como desenho, pintura, escultura, redação, poesia, dramatização, canto, dança e execuções

instrumentais, além de técnicas com bonecos. Uma busca permanente de construção de

uma mentalidade holística, dialética e pragmática (2003, p. 251).

Como o educador pode transmitir tantas áreas diferentes de conhecimento?

Chegamos então às necessidades da escola, que segundo ele (2003, p. 254): Deve contar

com a visita[...]de profissionais especializados[...]nas áreas ensinadas e incluir filmes,

peças de teatro, exposições e amplo material existencial e cultural para sua vivência.

Os conteúdos devem ser abrangentes, ligados à realidade e à vida, tratando

sexualidade, drogas, fumo, alcoolismo, violência privilegiando o normal e abordando o

patológico como descaminho, formando o parâmetro ético. Não mitificar os descaminhos,

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mas abordá-los, indicando (2003, p. 255) seus limites - verdadeiros anjos da guarda da

juventude.

O processo de aprendizado constitui-se do entendimento racional, da vivência do

tema e das funções e atitudes para o elaborar, usando intuição, sensação e sentimento.

Resumindo, devemos usar nossa imaginação, através do desenvolvimento das artes

e das ciências modernas, do construtivismo no ensino e da cultura de um modo geral.

O espaço da escola precisa ser também um espaço que proporcione ‘vazios

dinâmicos’, que contribuam para a convivência, onde se possa pensar, meditar, imaginar e

sonhar, viver o mundo da poesia, da utopia, da insegurança e do silêncio. SIMSON,

PARK E FERNANDES (2001, p. 88).

Nessa perspectiva acreditamos que o Teatro de Bonecos pode dar elementos para

um aprendizado lúdico, trazendo a alteridade para auxiliar a formação dos indivíduos,

utilizando o raciocínio lógico e também as percepções e sensibilidades.

A seguir abordamos duas experiências com o Teatro de Bonecos, dialogando com

Walter Benjamim e com o bonequeiro Hector Girondo.

5.3 – Potencialidades do Teatro na escola

Buscamos em práticas diversas das que observamos no Grumaluc, outras

experiências com o Teatro de Bonecos nas escolas.

Descobrimos na análise de Walter Benjamin (2002, p. 118) a necessidade da

brincadeira para que a criança aprenda. Ele defende a idéia de garantir às crianças a

plenitude de sua infância e o teatro como possibilidades do lúdico para a construção do

futuro humano sem exploração de um sobre outro, sem a primazia do lucro. O autor

percebe a hostilidade burguesa ao trabalho, a manipulação das pessoas, o bloqueio à

liberdade, a domesticação das consciências.

Apesar de estarmos observando as práticas da educação, no início do século XXI,

vemos muitas permanências, engessamentos que nela persistem resultantes talvez, da

estrutura de classes. Importa-nos o fato de ser a educação para todos muito recentes entre

nós, propiciando o mesmo bloqueio à liberdade e domesticação que se referia o autor.

O sonho dele, e ousamos dizer, também nosso, é que (2002, p. 168): Os pais

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dialogassem realmente com os filhos, sendo o diálogo um encontro não somente expresso

em palavras, mas de entendimento, cumplicidade, participação no brinquedo; juntos, pais

e filhos, descobrindo novos segredos.

Sobre a postura do adulto com a criança, sua análise alerta (2002, p. 115) que: não

serve para nada um amor pedagógico, que jamais é levado pela observação da própria

vida infantil. Esse amor é sentimental e vão. Sua crítica pode ser considerada destinada ao

modelo matricial, quando colocado em prática de forma isolada.

Concordamos com o autor (2002, p. 115) que: a observação é a essência da

educação, significando que é preciso dirigir o olhar interessado àquilo que observamos,

precisamos focar em detalhe, concentrar pensamento e sentidos com vontade de apreender

significativamente. Estes movimentos de reconhecimento do outro, do particular para o

geral, as reflexões, os dilemas e conflitos que instigam as escolhas, com liberdade e

autonomia, são exercícios de desenvolvimento e educação. Porque desenvolvem a

consciência das conseqüências. BENJAMIN (2002, p. 114).

Nosso objeto de pesquisa, o Teatro de Bonecos em escolas públicas, com o

Grumaluc, consiste em entender tal prática como possibilidade de educar as crianças,

sensibilizar, abordando conteúdos reflexivos e relacionados à vida. Os dilemas, conflitos,

perguntas deixadas no ar suprem a função de instigar as crianças na busca das respostas,

variadas, com diferentes possibilidades e perspectivas. As próprias crianças executam

ajustes e correções morais. BENJAMIN (2002, p. 114).

O teatro pode despertar lembranças nas crianças, realidade e jogo se fundem, de

forma que os sofrimentos encenados podem converter-se em sofrimentos autênticos, surras

encenadas em surras reais. Tem possibilidades libertadoras em função das forças que são

capazes de despertar, por isto expulsos da pedagogia burguesa (2002, p.114).

As brincadeiras interativas, de imitação de situações do cotidiano, por gestos e

cantos, proporcionam subsídios para a compreensão da brincadeira como ação livre da

criança, dando suporte aos educadores. O brincar não pode se restringir ao parque ou a sala

especial de brinquedos, estando ausente da proposta pedagógica que incorpore o lúdico

como eixo do trabalho infantil.

A brincadeira pedagógica possibilita a educação menos formal, mais integradora,

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voltada para o ser humano racional e sensível.

Para a arte-educadora Ingrid Koudela (2002, p. 18) o valor educacional da arte

reside na sua natureza intrínseca, e não precisa de outras justificativas. A arte é um meio

para a liberdade da mente humana, objetivo real e último de toda educação.

O teatro infantil, como forma de expressão e possibilidade de aprendizado, não pode

querer substituir a presença e atuação da educadora. Este problema é sinalizado por Ingrid

Koudela (2002, p. 92) quando aborda, o teatro para crianças, na década de 70:

As peças infantis de São Paulo tinham o teatro como um braço da educação formal[...]o problema é que a preocupação pedagogizante exclui a fruição de arte pela criança, reduzindo a platéia infantil à categoria de alunos, aos quais devem ser ministrados ensinamentos. A crítica acima nos faz analisar como a criação carrega em seu bojo um modelo e

uma concepção de Educação, fruto da experiência do adulto educado. As relações entre os

adultos e as crianças, nos espetáculos infantis, sugeriam o adulto/artista, detentor de um

poder e conhecimento, assegurados por sua idade e o receptor/criança, desprovido desse

saber/poder. Como aparecem estas relações? A autora esclarece (2002, p. 93) que as

mensagens transmitidas nas peças são verdades a serem aprendidas, (há) quebra da ação

dramática e o lúdico (é) usado para adoçar a lição.

Existem experiências interessantes no teatro infantil que partem da observação do

jogo espontâneo da criança e dele retiram valores para a formulação do espetáculo. Usam

materiais simples, sucatas, mostram as transformações dos objetos, que qualquer coisa pode

virar outra qualquer, enfim, encontram no universo infantil, matéria e material para montar

o espetáculo, gerando descobertas em grupo. Concordamos com Walter Benjamin (2002, p.

115) que: o coletivo irradia forças poderosas.

Preocupar-se com o conteúdo e a forma de apresentar os temas, através de perguntas

lançadas, interrogações que provocam um detalhamento das observações, estimulam o

jogo, reafirmam o grupo, trazem novas propostas, propõe momentos de síntese das

observações, despertam curiosidade e trilham o imprevisto, ampliando fronteiras. Neste

sentido destacamos as contribuições de Walter Benjamin (2002, p.114 a 118) :

Não importam as conclusões, mas as tensões das encenações – verdadeiros educadores [...] ‘a improvisação é central’ no exercício teatral – é onde ‘emergem

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os sinais e gestos da criança’, componente com força revolucionária [...] Para o autor: ‘o que se extrai a força como desempenho acabado, perde em autenticidade’. A encenação é uma pausa criativa, onde as crianças ‘sobem ao palco e ensinam os educadores’. A disciplina, quando exigida da criança pelo adulto, são seus estigmas – não podem exercer domínio formal sobre as crianças (grifo nosso).

Que escola ousaria implementar as reformas necessárias para preparar todos,

inclusive os mais desfavorecidos para o novo estado de espírito, de liberdade?

Para Walter Benjamim (2002, p. 14) o princípio da liberdade parece ser

fundamental, condição que possibilita a adaptação à norma, a vivência é um processo de

plasmação do ético.

Os livros infantis despertam alegria na criança, pedem sua participação. Revelam-

nos uma extraordinária sensibilidade na abordagem dos temas lúdicos, do universo da

criança que é regido pela lei da repetição. BENJAMIN (2002, p. 101).

A criança é participante, vê-se em meio a uma mascarada e participa dela, não se

deixa censurar pelos sentidos, num piscar de olhos, estão envolvidas em batalhas, cenas de

amor e pancadarias, com um prazer intenso.

As observações das brincadeiras infantis, para ele indicam (2002, p. 87):

Os pequeninos riem de tudo, até dos reversos da vida, pequenos atentados terroristas, executados com príncipes se despedaçando e se recompondo; incêndios que irrompem em grandes magazines, arrombamentos e assaltos. Bonecas vítimas, assassinadas das mais diversas formas e seus assassinos punidos com todos os instrumentos, guilhotina e forca.

O brinquedo tem sido considerado como criação para criança, quando não como

criação da criança. Brincar tem sido visto a partir da perspectiva do adulto, exclusivamente

sob o ponto de vista da imitação. A grande lei que rege o mundo dos jogos é a lei da

repetição. Nada torna a criança mais feliz do que mais uma vez (2002, p. 100 e 101).

A criança deseja saber como os brinquedos são feitos. Isso estabelece uma relação

viva com suas coisas. Brinquedos com centenas de linguagens e formas diferentes, feitos

em madeira, argila, osso, feltro, papel maché, sozinhos ou em combinações, modelados na

casa do camponês após o trabalho e pintados em cores vibrantes. Brinquedos de porcelana

ou argila, as bonecas que recebem das crianças, aquela confissão grandiosa, quando

balbuciam aos seus ouvidos o que importa se eu te amo (2002, p. 133).

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Portanto o brinquedo, a brincadeira e o jogo para sensibilizar as crianças podem ser

utilizados para a construção de um aprendizado lúdico e prazeroso.

Vejamos a experiência que Walter Benjamim (2002, p. 135) teve com as

marionetes, rememorando momentos de sua infância:

Quero contar as lembranças que possuo da apresentação do Teatro de Marionetes de Berna, em 1918. Na realidade, esse teatro de marionetes era uma tenda mágica. Havia uma peça teatral por noite. Antes, porém, apresentavam-se os seus bonecos artísticos.

Seguindo sua narrativa (2002, p. 135), observamos o valor de suas lembranças, que

vão restaurando elementos do grotesco, muito presentes até hoje no Teatro de Bonecos:

Três números ainda estão muito nítidos perante meus olhos. O Polichinelo entra dançando, com uma bela dama. De repente, quando a música está tocando, com extrema doçura, a dama dobra-se e transforma-se em um balão, que arrebata o Polichinelo para o céu, pois por amor, ele não a solta. Durante um minuto, o palco fica inteiramente vazio, em seguida o Polichinelo desaba, com um barulho estrondoso.

Aqui aparece o uso da música para criar um clima e envolver a platéia, os

movimentos mágicos e de transformação, a subida e descida e o elemento surpresa do ruído

estrondoso.

O outro número era triste. Uma moça, que parecia ser uma princesa encantada, toca num realejo, uma triste melodia. De repente o realejo dobra-se. Doze pombas minúsculas, como torrões de açúcar, saem voando. A princesa, porém, afunda-se na terra, silenciosa, com os braços levantados. BENJAMIN (2002, p. 136). Neste trecho o baixo corporal está presente, a transformação e o apelo ao sentimento

que deixam no ar a tristeza da música do realejo.

E exatamente agora enquanto escrevo, surge-me uma outra lembrança de então. Um palhaço comprido está sobre o palco, inclina-se para frente e começa a dançar. Durante a dança ele chacoalha a manga e tira daí um pequeno palhaço-anão, vestido exatamente como ele, com roupas floreadas em vermelho e amarelo; e assim, a cada décimo de segundo, no compasso da valsa, um novo anão. Até que por fim doze palhaços anões e bebês, todos idênticos estão dançando em círculo ao seu redor (2002, p. 136).

Surge o corpo desengonçado, o despedaçamento e nascimento pelas mangas que são

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elementos clássicos do grotesco, apresentados numa linguagem poética, que marcaram as

memórias da criança que vivenciou o espetáculo de marionetes, dele saindo modificada e

sensibilizada. Nada parece mais agradável, descompromissado e leve do que uma

brincadeira com curiosidades. Na época do autor (p. 140 a 145), essas inovações eram

espetaculares, ter uma cartilha que incentivasse a brincadeira e um professor que

instigasse a descoberta. Levar em consideração a maneira de ser da criança, para quem a

aprendizagem se dirige, significava uma grande aventura.

Nossa proposta é que o Teatro de Bonecos represente, com seus elementos essas

possibilidades para seus espectadores. Este parece ser o desafio para artistas do teatro

infantil – instigar modificações, sensibilidades, imaginação nos espectadores – por meio

das formas e dos conteúdos de suas peças teatrais.

A seguir buscamos, na experiência do bonequeiro Hector Girondo69, que minimizou

as dificuldades de educadores e artistas, na tarefa de dar aula de teatro, escrevendo artigos

e buscando dialogar e trocar conhecimentos ricos para o trabalho em sala de aula.

Trata-se de uma experiência muito diferente das práticas do Grumaluc. Onde

apontamos esta diferença fundamental? Na possibilidade de trabalhar semanalmente com as

crianças, com a regularidade abre-se um leque de perspectivas, que não existem quando o

trabalho é um flash, uma apresentação de 50 minutos.

Importa-nos entender a contribuição deste bonequeiro, buscando instigar as

educadoras, na apropriação do fazer teatral com bonecos, e permitir atividades estruturadas

de teatro nas salas de aula. Ele escreveu três artigos, na revista Construir70, de junho a

agosto de 1996, dirigidos aos educadores. Chamaremos o boneco de títere, nomeação

comum da Argentina. Ele afirma que: não é ignorado o potencial do títere71 em sala de

aula, quando usado para falar com as crianças, para ensinar canções ou para estimular

que a mais calada, solte uma palavra (grifo nosso).

A proposta inicial é a construção de personagens, até a dramatização de situações

de conflito do grupo ou do entorno da criança.

69 Argentino que assessorou o Ministério de Educação em 1996. A reforma educacional incluiu a disciplina “teatro” em escolas infantis do país. 70 Os três artigos referentes ao Teatro de Bonecos editados na revista ‘Construir’ foram enviados a nós, via internet, pelo autor. 71 Títere é todo objeto que cobra vida em função dramática. O importante para emocionarmos com a matéria inerte é precisamente a vida. GIRONDO (1996).

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Preocupado com a interface do teatro em relação às disciplinas escolares, destaca os

conteúdos relacionados com a expressão: pode-se explorar cores, formas e volumes. Na

matemática a série numérica: igualdades e desigualdades e os deslocamentos espaciais,

pontos de referência e localizações.

Quem não se lembra do monstro desengonçado da Vila Sésamo, dizendo: Eu quero

estar lá! Podemos fixar conceitos por meio da brincadeira.

Para explorar conteúdos das ciências sociais, ele sugere atenção aos grupos

familiares, os companheiros de sala, valores e afetos. Na língua, valoriza a linguagem oral,

o diálogo, narração e escuta compreensiva.

O desafio que se coloca é de ao mesmo tempo, valorizarmos a cultura oral, que a

atividade teatral permite e estimula, e a escrita, como formas culturais diferentes, plurais

que são constitutivas da realidade social, sem empobrecer ou desqualificar nenhuma delas.

A arte da conversação requer o tempo da narração, que possibilitam uma vivência formadora/transformadora. Ao narrar, o narrador se transforma e o ouvinte também. E assumindo as diferenças dos lugares de onde os narradores se posicionam é que construiremos a igualdade da relação. SIMSON, PARK e FERNANDES (2001, p. 99).

A experiência de construir seu títere propicia à criança, usar seu potencial

expressivo, perceber diferentes partes do corpo: extremidades, articulações e músculos, o

gesto para produzir mensagens e explorar movimentos. São possibilidades de perceber que

não somos apenas cabeça, rompendo, a nosso entender, com a lógica mecanicista.

Nas sugestões para educadoras, Hector Girondo (1996) propõe que:

Após a construção de um títere, vamos realizar pequenas situações dramáticas[...]um desfile dos personagens que se apresentarão ao auditório, dizendo seu nome, quem é, e o que tenham vontade. Depois, em grupos de 3 a 4 personagens. Deverão inventar uma história, no improviso. Não se visam resultados, a princípio, é pura diversão.

O importante na atividade é agregar as dificuldades aos poucos, constituindo os

elementos do teatro: o primeiro elemento é a SITUAÇÃO como uma viagem num ônibus,

explorando um lugar desconhecido, de férias, na praça etc. O segundo é o CONFLITO ou

PROBLEMA entre os personagens, esta é a condição para que exista teatro. Exemplo:

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estão perdidos num lugar desconhecido, tem fome e não há nada na geladeira, viajam para

uma cidade importante, um animal selvagem os persegue, entre outros.

A consciência da estrutura dramática é essencial para o educador. Revelar estes

elementos característicos do código teatral é o desafio principal em relação à criança. A

tarefa do docente é orientar a atividade para que seja um processo de aprendizagem.

Estimular a criatividade e o desenvolvimento em grupo. Observar pontos de tensão e

fomentar o respeito às diferentes idéias.

O terceiro elemento é a FINALIZAÇÃO: as resoluções dos problemas abordados.

Concordamos com o bonequeiro que o importante é a liberdade de exercitar a

escuta compreensiva e adequação da resposta. Isto pode ajudar a criança a desenvolver no

futuro, a capacidade de melhor se expressar.

A relação do educador, com o trabalho teatral colocam-no diante de suas próprias

rememorações.

As pessoas que qualificaram sua infância como positiva procuram dar ‘continuidade’ àquilo que viveram, dão valor a essa vivência e procuram transmiti-las aos alunos. As pessoas que tiveram vivências negativas, projetam seus próprios desejos, na procura de compensar, ou não mudam sua postura, não investem, nem valorizam o lúdico. SIMSON, PARK e FERNANDES (2001, p. 116).

Ao finalizarmos este capítulo, recobrando o olhar para a escola, inserida na

sociedade, a inserção de atividades culturais parece-nos representar o caminho para

alcançarmos uma concepção de educação incluindo o padrão de alteridade, que desejamos.

Entendemos o que Ariano Suassuna (1990) declarou em seu discurso de posse na

Academia de Letras72

...O Brasil tem uma cultura viva e outra atrofiada. Elas se amalgamaram, mas não se assimilaram completamente. Sofremos o constrangimento da homogeneidade, na língua, religião e formas de sentimentos e comportamento. Se o Brasil oficial é dos brancos, do presidente e de seus ministros, o Brasil real é o de Antônio Conselheiro e Mocinha de Passira.

72 No artigo: “Ariano Suassuna” de Elinês de AV. e Oliveira, disponível na internet no endereço http://www.pucsp.br/pos/cos/cultura/suassuna.htm, desde 09/99.

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Suassuna nos aconselha o atrito, a oposição, pois estes são os elementos que

promovem o revigoramento e a vida de instituições e maneiras de ser. Uma postura política

que crie uma atmosfera de estudo e análise, em face das forças sociais em conflito.

Podemos então compreender que o excesso de unidade cultural indica barbarismo e

primitivismo; a diversificação assegura o crescimento e florescimento das culturas; a

Escola deverá ser flexível e adaptada às mudanças culturais, deve obter o maior grau de

consciência, integrar e ser coesa socialmente.

Trataremos em seguida das questões das políticas culturais, analisando dois artigos,

o primeiro sai em defesa das leis de fomento à cultura de São Paulo e o segundo apresenta a

análise das leis de incentivo, como a Rouanet por um agente cultural. Vejamos os conflitos

que são gerados pelas práticas gestoras da cultura.

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6- CULTURA POPULAR, PATROCÍNIO, FINANCIAMENTO NA ERA DA

GLOBALIZAÇÃO

Nossa experiência com o Teatro de Bonecos nas escolas, que tem um público

garantido, focados na análise das duas peças do Grumaluc: uma sem patrocínio, com

apenas 17 espetáculos realizados e público de 1.325 pessoas; e outra, com parceria, 253

apresentações realizadas e público de 22.129 pessoas - indica que para existir o acesso,

principalmente das crianças de escolas periféricas, em bairros de classe economicamente

baixa - são necessárias parcerias e patrocínio.

As formas de viabilizar o trabalho dos grupos teatrais infantis e as dificuldades

próprias das organizações culturais são enormes diante de um contexto sócio-econômico

que não valoriza as expressões de raízes populares, que não podem facilmente servir à

cultura de massa.

Dialogaremos com as agentes culturais e artistas sobre suas vivências sobre a

questão das políticas culturais. A sociedade parece-nos um campo de batalhas, repleto de

tensões onde, escolhemos pessoas capazes de revelar-nos alguns aspectos da questão. A

análise documental é sobre um artigo de Celso Frateschi, indignado com a possibilidade de

ser anulada a Lei de Fomento ao Teatro de São Paulo e o artigo do agente cultural Yacoff

Sarkovas, que coloca com clareza, os problemas da cultura popular que não é contemplada

nas leis de incentivo, ou Lei Rouannet. Procurando dar voz àqueles que vivem do trabalho

artístico, dialogaremos com os artistas e colaboradores do Grumaluc e outros bonequeiros

de grupos brasileiros. Alçaremos nosso vôo com Vivian Schelling e Maria da Glória Gohn

recortando aspectos das políticas e movimentos de defesa culturais.

6.1- A indignação defendendo a cultura

Segundo Cristóvam Buarque73, ex-ministro da Educação: O pior que pode

acontecer a uma nação é as pessoas perderem a capacidade de indignação, frente às

injustiças. A segunda é o encantamento com o poder.

73 Entrevista apresentada no programa “Conexão Roberto D’Avila” em 14/06/2002, na TV Cultura às 20:00 horas.

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Celso Frateschi74 (2005), em defesa da Lei de Fomento ao Teatro de São Paulo,

levanta o problema da descontinuidade das leis. Quando há mudanças políticas na gestão,

há a interrupção, de forma arbitrária de programas de incentivo e o desrespeito à lei,

correndo risco de se perder todo o investimento que beneficiou grupos de periferia, pois

todo o programa em andamento poderá ser desativado. No seu artigo Ao Movimento Arte

Contra a Barbárie afirma: tínhamos conseguido unir as áreas de cultura e educação, com

ganho considerável para os cidadãos e para as respectivas áreas.

Esta Lei de Fomento ao Teatro da cidade de São Paulo criou um aperfeiçoado

mecanismo de caráter moderno, democrático, republicano e transparente. Um exemplo,

pois evita tanto o estatismo, como o privatismo característico de outras leis. A comissão é

paritária, a parte relativa à sociedade civil é eleita entre os indicados das entidades e a do

executivo, indicada pelo Secretário da Cultura entre nomes de notório saber na área.

A Lei de Fomento ao Teatro de São Paulo é fundamental para que o nosso teatro

continue se firmando no cenário cultural brasileiro, para que se desenvolvam projetos

coroados de êxito na área de pesquisa teatral continuada.

Fazemos coro com o autor porque acompanhamos as atividades propiciadas pela

implementação desta Lei em São Paulo. O Grumaluc esteve em oficinas e peças teatrais,

fruto de trabalho que só existiu em função desta Lei de Fomento. Sabemos de grupos que se

mudaram para a cidade de São Paulo porque havia este incentivo que garantia uma proposta

qualitativa de formação de público e de formação de novos artistas por meio de oficinas.

Pensamos que há dificuldades nos dias atuais, mas já avançamos, pois foram feitas

conquistas relevantes, frutos da resistência dos artistas, que unidos, conquistaram a lei de

fomento à cultura.

Passamos então a buscar novas fontes de indignações, na tentativa de entendermos

os intrincados caminhos da gestão de nossa cultura. Yacoff Sarkovas (2005) é consultor,

planejador e gestor de patrocínios culturais. Ele questiona a lei Rouanet, que permite a

empresas privadas usarem dinheiro dos contribuintes, para seu marketing cultural. Crítica o

74 O artigo de Celso Frateschi - Secretário de Cultura no governo de Marta Suplicy (PT), datado de março de 2005, é uma resposta aos artigos dos jornais “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo” referentes a matéria intitulada: “São Paulo interrompe ajuda às companhias de Teatro” e foi divulgada no “Fórum Cultural SP” em defesa à Lei de Fomento, refere-se a José Serra quando assumiu a Prefeitura.

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modelo e afirma que (2005, p. 22): o dinheiro é do Estado, não pode ser usado por

empresas privadas, para projetos escolhidos por critérios políticos ou de relacionamento.

A lei Sarney, de 1986, foi a primeira lei de incentivo fiscal brasileira, permitindo a

dedução integral do imposto de renda para ser aplicado na cultura. Esta lei foi substituída,

em 91 pela lei Rouanet. Para Yacoff Sarcovas (2005, p. 22), estas leis são bastante

ineficientes como sistema de financiamento público, perdulárias, porque criam um gasto de

intermediação.

Historicamente, a cultura é financiada por quatro grandes fontes: mecenato,

mercado, patrocínio e atividades que não interessam ao mercado, não fazem sentido como

ação de patrocínio, mas são de alto interesse público. É aí que o Estado deve atuar por

meio de políticas públicas.

Funciona atualmente no Brasil, um mecanismo com o qual o dinheiro público é

distribuído pelas Empresas. O meio cultural tem de peregrinar por elas, para buscar

dinheiro público. O que faz com que um projeto receba dinheiro público, não é um critério

público, é um critério privado. SARKOVAS (2005, p. 22 e 23).

Os critérios das Empresas são escolhas por via de relacionamentos e vínculos não

públicos. Algumas têm ética e criam editais abertos, cumprindo a função do poder público,

estabelecendo políticas, com regras iguais para todos. Há normas e comissões técnicas para

avaliação dos projetos. Concordamos com este autor (2005, p. 23): os recursos da cultura

deviam ser definidos no orçamento público[...] com prioridades coerentes com[...]a

cultura, enquanto atividade socialmente necessária.

A população brasileira não sabe que as marcas publicitárias das empresas

patrocinadoras na tela do cinema não colocam dinheiro no filme. Ao contrário, conseguem

do governo a anuência para colocar dinheiro que era de uso público. A questão não é pôr ou

não dinheiro na cultura, mas como o dinheiro é colocado nessa produção cultural. Nosso

país apresenta desigualdades sociais enormes. Temos de ser criteriosos na aplicação das

verbas públicas. A área privada raramente destina dinheiro próprio a projetos culturais.

Sarcovas (2005, p. 26) recomenda-nos que: precisamos definir regras, estabelecer recursos

e dar transparência ao processo.

Para compreender como as políticas culturais interagem na vida e no trabalho dos

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bonequeiros atuantes no Teatro de Bonecos brasileiro, entrevistamos 10 pessoas de 06

diferentes grupos (anexo 11), conforme o quadro seguinte:

GRUPO PESSOAS ENTREVISTADAS Grumaluc Márcia Marchette, Teca Rios, Malu Vasquez e João Proteti Cia. Teatro de La Plaza Fábio Parpinelli e Julio Pompeo Companhia dos Inventos Bernardo Rohrmann Sobrevento Miguel Vellinho Truk’s Henrique Stichin Dr Botica Neiva Figueiredo

As perguntas abertas visaram a compreensão dos pontos de vista destas pessoas que

vivem desta arte no início do século XXI.

6.2- A voz dos que vivem do Teatro de Bonecos

Buscamos dar voz aos artistas que vivem do Teatro de Bonecos, ouvindo suas

opiniões sobre a questão cultural que nos foram relatadas em entrevista estruturada (anexo

10) que analisaremos a seguir. A pergunta que fizemos foi: De acordo com sua experiência,

diga o que acha sobre políticas públicas culturais para o Teatro de Bonecos?

Márcia Marchette do Grumaluc, responde (Anexo 11, entrevista 1, p. 191):

Talvez (se) os projetos que são apoiados por instituições, empresas públicas e privadas valorizassem esta arte como um código cultural, que tem expressão, que também consegue levar logomarcas para todo tipo de público, desde a elite até o proletariado[...]se houvesse união e respeito entre os grupos existentes esta valorização seria ampla. Percebemos a insatisfação focada nas relações entre os próprios artistas da área, que

desunidos, não conseguem apoio e valorização do seu trabalho. Eles mostram que o Teatro

de Bonecos permanece marginalizado, sobrevivendo apenas em espaços alternativos,

apesar de agradar a todo tipo de público.

O descaso em relação a estas atividades, pelo mercado, e a falta de políticas de

apoio, são sentidos no depoimento de Teca Rios, do Grumaluc: As políticas públicas

culturais para o Teatro de Bonecos são iguais às de qualquer outro segmento, não tem

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direcionamento, não tem incentivo (Anexo 11, entrevista 2, p. 191).

Para Malu Vasquez, do Grumaluc o sentido político é relacionado à manipulação

das massas, ela revela que há: Ignorância e indiferença total no poder de expressão e

fixação de ideologias, no comportamento e na energização da massa popular que o teatro

possui, por parte de possíveis financiadores (Anexo 11, entrevista 04, p. 192).

Buscamos a opinião de João Proteti, colaborador do Grumaluc e autor da peça - O

Verão. O sentido político fica explícito no seu relato como algo que esperamos, a ser

realizado, contando com a boa vontade do representante cultural, e não fruto de união e

luta. Mas, ao mesmo tempo mostra descontentamento sobre a descontinuidade das ações

culturais, prática comum na gestão pública brasileira em mudanças de governo. O fato é

que sofremos o constrangimento de começar tudo do zero, sempre e novamente.

João Proteti diz: São sempre benvindas, quaisquer formas de políticas culturais,

pública ou privada. Lamento, que não haja continuidade de um governante, ou gestor,

para outro (Anexo 11, entrevista 3, p. 192).

Nossa entrevista foi direcionada a outros grupos, na tentativa de ampliar o olhar e as

experiências de conhecidos bonequeiros. Hector Girondo encaminhou-nos para Fábio

Parpinelli, componente do grupo Cia. Teatro de La Plaza e que também trabalha na Cia.

Patética. Ambos atuam na cidade de São Paulo. Ele nos responde:

Sem dúvida, a visibilidade desse tipo de teatro e o reconhecimento de sua importância deram um salto e alcançaram seu devido merecimento. Acho que toda a forma de arte, todas as categorias artísticas devem ter eternamente sua parte e seus estímulos para existirem. O problema (não sei se é um problema Rio-São Paulo, brasileiro, ocidental ou humano) é que nada funciona sem a conhecida “panela”. A própria palavra ‘política’ já abre as portas para a existência das ‘panelas’, que são aqueles grupos formados por pessoas que conquistam determinados postos e cargos (pois sempre tem alguém que deve decidir, escolher, etc) e, a partir desse mínimo poder, favorecem o seu próprio grupo de conhecidos, velando todas as outras existências até que uma outra ‘panela’ tome o lugar dessa e faça a mesma coisa e assim por diante. Uma cooperativa como a que temos aqui em São Paulo (Cooperativa Paulista de Teatro) por enquanto tem sido uma alternativa (nem sempre de sucesso) em relação a essas ‘panelas’ (Anexo 11, entrevista 5, p. 193). Este bonequeiro deixa claro que entende política como luta pelo poder, disputa de

interesses relacionados ao dia a dia. Fornece uma visão de momento entusiástico, por um

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salto em relação à visibilidade e reconhecimento, em São Paulo. Diante do problema

político, apresenta uma possível solução, uma alternativa encontrada pela união dos

artistas, que é a Cooperativa Paulista e Teatro. A exclusão de grupos não pertencentes à

panela e o encantamento que o poder trás é mostrado com profunda desconfiança, a

solução poderá acabar, portanto, necessitando muita atenção, envolvimento e participação.

Sua disposição para lutar, pelo que tem significado em sua vida, o Teatro de Bonecos, é

uma conquista constante, não se pode confiar nos que têm postos e cargos, pois as panelas

estão sempre em disputa.

Contrariando esta versão, uma cidade da região de Campinas, em recente licitação

municipal, para a compra de teatro infantil, realizou o processo com seriedade, não

privilegiando nenhum grupo, mas, o critério para a seleção era apenas o preço.

Dialogando com as funcionárias responsáveis pelos procedimentos, argüimos: Como se

pode comprar cultura como se fora tijolos? Cimento? Sem critério estético, qualidade? O

resultado não surpreende. Um grupo amador vence, pedindo apenas ajuda de custo e

alimentação, constituindo um trabalho voluntário, realizado por aprendizes de atores.

Na visão de Bernardo Rohrmann, da Companhia de Inventos, que diz desconhecer

política específica para o Teatro de Bonecos:

A não ser de leis de incentivo para as artes em geral. Mas as próprias associações se esvaziaram de compromissos nas últimas décadas, agora vemos em alguns estados a retomada destas associações e a partir delas acredito que conseguiremos representatividade (Anexo 11, entrevista 6, p. 194).

É fato o esvaziamento que os movimentos sofreram nos últimos anos e também que

os grupos estão espalhados no grande território brasileiro dificultando assim, o contato

entre eles. A internet tem suprido de alguma forma estas dificuldades. A existência dos

festivais e a inclusão de professores nas Universidades garantem a continuidade do

movimento, também os festivais e encontros. Mas, é certo que formar uma rede de

comunicação entre os bonequeiros requer esforço e união e só assim, talvez haja algo

concreto, uma política cultural relativa a este trabalho.

O Truks – grupo de Teatro de Bonecos, tem um trabalho atuante na cidade de São

Paulo formando público, oferecendo oficinas e apresentações teatrais seus e de outros

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grupos, gratuitamente – com recursos da Lei de Fomento ao Teatro de São Paulo,

coordenado por Henrique Sitchin. Concordamos com ele quando afirma que:

As leis de incentivo e fomento culturais são absolutamente necessárias. O setor público tem como função promover cultura à população. O Teatro de Bonecos é uma das ricas manifestações culturais de nosso povo, portanto, necessita ser inserido em políticas públicas de incentivo à pesquisa, produção e que tem como conseqüência retorno social (Anexo 11, entrevista 8, p. 195).

Os movimentos organizados da sociedade civil são importantes para defender as

diferentes formas de expressão. São ações coletivas que auxiliam na sobrevivência de

grupos empenhados em manter vivo algumas artes de raiz popular, como o Teatro de

Bonecos, é o que relata Neiva Figueiredo:

Acredito que as políticas públicas são específicas de cada região. Aqui em Curitiba, por exemplo, elas acontecem devido a um forte e antigo movimento da APTB – Associação Paranaense de Teatro de Bonecos, mas sempre estão sujeitas ao governante do momento. Estive recentemente no I Festival de Teatro de Bonecos de Porto Velho/RO onde ouvi a seguinte realidade: ‘...aqui a cultura é a terceira pessoa depois de ninguém...’ (Anexo 11, entrevista 9, p. 196). Na experiência de Julio Pompeo, do grupo Teatro de La Plaza, de São Paulo,

percebemos que há avanços e retrocessos na área das políticas públicas culturais. Sua visão

crítica generaliza certo descrédito aos políticos, na descontinuidade dos projetos e o embate

sobre o valor da cultura no Brasil:

Como tudo no Brasil, são confusas, mal formuladas, mal distribuídas e, sobretudo, mal gerenciadas. Até existem intenções interessantes, mas que se perdem no meio do caminho. Não deveria se tratar de ‘distribuir verbas’ (que é como os políticos pensam ‘políticas públicas’ de modo geral, não só na área cultural, mas social também), mas de se pensar em ações eficazes de longo prazo, que colaborassem para construir processos mais eficientes de criação, manutenção e circulação dos bens culturais (Anexo 11, entrevista 10, p. 196).

Outras entrevistas foram devolvidas pela internet ou não puderam ser respondidas

porque alguns artistas alegaram estar em viagem, participando de encontros ou realizando

seus trabalhos em locais distantes. A realidade é que cada grupo aproveita as oportunidades

de trabalho que aparecem e procuram estar em permanente movimentação, no Brasil e no

exterior.

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Resumindo, fazem coro conosco as vozes que reconhecem a importância de termos

políticas públicas, com regras claras e transparentes, sem excessiva burocracia e constando

do orçamento federal, estadual e municipal, para garantir a sobrevivência, das atividades

culturais que não interessam ao mercado e sim ao público, como é o caso das expressões de

raiz popular, que incluem o Teatro de Bonecos. Não nos cabe aguardar passivamente as

resoluções dos gestores públicos, mas unirmos esforços para criação de leis de fomento e

incentivo, que garantam a inclusão das diferentes formas de expressão.

Será que existiu no Brasil, experiência de gestão, com resultados significativos para

a cultura popular? A resposta é dada por Vivian Schelling (1990) que traremos, no corpo

desta pesquisa, com o objetivo de resgatar nossa história, traçando potencialidades para

construções futuras.

6.3 –Gestão da cultura, duas experiências brasileiras

Na análise do trabalho de Mário de Andrade e Paulo Freire, realizado por Vivian

Schelling (1990) buscamos vislumbrar nossa história e as tentativas realizadas a favor da

cultura, entendida como educação e cultura, acesso e criação nas diferentes perspectivas

realizadas.

Otavio Ianni afirma na apresentação do livro da autora (1990, p. 12 e 13) que

ambos: Mário de Andrade e Paulo Freire reconheceram que a cultura entra na constituição

da vida social, da sociedade nacional, dos movimentos da história. A cultura é concebida

como condição e produto de emancipação, democracia e cidadania. Ambos têm

preocupação com nossa dependência cultural, criaram projetos culturais, que objetivavam

nossa emancipação e superação de nosso subdesenvolvimento, buscando a identidade

nacional.

Como diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, na década de 1930, Mário

de Andrade implementou um conceito de cultura, que questionava a divisão entre a esfera

superior da cultura e a esfera inferior da reprodução social.

Revela Vivian Schelling (1990, p. 120), que para Mário de Andrade:

... A falta de caráter da cultura brasileira era ambígua[...]cujo caráter múltiplo e prolífico revelava o mundo[...]o riso e a regeneração sensual, mas que, a longo prazo, frente à civilização metropolitana moderna, era incapaz de vencer as forças

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com que lutava.

O movimento Modernista (1922), do qual fazia parte Mário de Andrade, via uma

realidade dionisíaca, maravilhosa, à espera daquele que, enxergando livremente,

respondesse àqueles elementos culturais populares, ameaçadores, como o Carnaval, com

seus exuberantes elementos grotescos e cômicos, escritos num estilo irônico e gozador. A

literatura moderna redescobriu a tradição popular medieval e renascentista dos carnavais

públicos, que se caracterizava por um espírito irreverente, burlesco e licencioso.

Mário de Andrade realizou duas viagens, em 1927 e 28, à região norte e nordeste do

Brasil, mergulhando nas tradições populares, o que foi importante para formar sua visão

crítica, em relação à civilização e ao progresso.

No Departamento de Cultura, o projeto de Mário de Andrade era a construção de

uma alternativa de desenvolvimento da sociedade brasileira, com outro princípio

civilizatório, diverso do herdado do europeu e calcado na cultura popular brasileira.

Ana Lúcia Goulart de Faria75 analisou o funcionamento dos Parques Infantis,

criados na gestão de Mário de Andrade e afirma que eles:

Faziam parte da política cultural de um projeto de urbanização da cidade, idealizado pela composição da burguesia ‘ilustrada’ com os ‘intelectuais modernistas no poder’. Tratava-se de atividades não-escolares, constituindo-se como uma alternativa educacional para crianças de 3 a 6 anos de famílias operárias, onde era garantida a oportunidade de ser criança e brincar criando cultura. FARIA, A. (1993, resumo). Para as educadoras que trabalhavam nos Parques Infantis havia recomendações para

que: não interferissem durante a execução dos desenhos das crianças, não tradicionalizar

qualquer manifestação folclórica e não dessem lição de moral. FARIA, A. (1993, resumo).

Os trabalhos realizados nos Parques Infantis foram considerados como experiência

vitoriosa de políticas de educação pública, que satisfaziam seus usuários. FARIA, A.

(1993, p. 137).

A ênfase era conhecer a criança e sua cultura, tendo como objetivo a educação para

a cooperação e a solidariedade, o desenvolvimento harmônico e integral da personalidade:

a formação do indivíduo está na sua integração com o ambiente sócio-cultural e na

75 FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Direito à Infância. Tese de doutorado da Faculdade de Educação – USP/SP, 1993.

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integração da sua pessoa, sem fragmentar corpo e mente, cognitivo, afetivo e emotivo –

por meio de jogos lúdicos e da estética. FARIA, A. (1993, p. 141).

O papel do Estado era entendido na gestão de Mário de Andrade como um promotor

de melhorias das condições de vida (do trabalhador) – o espaço da cidade (era) para

todos. FARIA, A. (1993, p. 142). A característica dos Parques Infantis era a busca da

identidade nacional, considerados como a recuperação da memória na relação presente-

passado (re)vivendo significados para projetar o futuro, voltado para conhecimentos

artísticos e produção cultural. FARIA, A. (1993, p. 143).

Mário de Andrade acreditava na função humanizadora da arte, como processo de

construção da emancipação, num mundo mais humano. SCHELLING (1990, p. 154). Tinha

consciência do papel do intelectual, como um fora-da-lei, forjador de ideologias, com

função social e ética e se identificou solidariamente com a cultura popular e rompeu com a

cultura dominante.

Sua ênfase era o povo como destinatário, futuro criador das atividades, que objetivavam: estimular as iniciativas educacionais, artísticas e culturais; promover e organizar espetáculos de música, teatro e cinema; por ao alcance de todos, sessões literárias e artísticas, palestras e cursos populares; criar e organizar bibliotecas públicas; fiscalizar; restaurar e publicar documentos. SCHELLING (1990, p. 176).

Seus objetivos eram: promover apresentações públicas de música erudita,

acompanhada por comentários; instalar bibliotecas infantis em parques para facilitar o

acesso aos livros; concursos para publicação de livros de feição popular; cinema educativo

popular, escola de rádio e teatro. A potencialidade do teatro popular, segundo Mário de

Andrade76 é resgatada por ela:

Teatro popular[...]tem que dominar o seu público imediatamente e mandá-lo, organizá-lo, fazer dele uma coisa unânime, coletiva. Para isso ele não precisa ser banal, mas tem de ser dinâmico e fácil[...]existem artes mais propícias para o combate, técnicas, que pela própria insatisfação do inacabado, maltratam, excitam o espectador e o põem de pé. SCHELLING (1990, p. 204 a 207). Muito dos objetivos da gestão de Mário de Andrade foram concretizados, mas

infelizmente, o trabalho foi interrompido após sua saída, em 1938.

76 ANDRADE, Mário. “Do teatro cantado”, mundo musical, em Folha da Manhã 4/11/1943 e “O banquete” SP, Duas Cidades, 1977, p.61-62.

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Vejamos a experiência de Paulo Freire, pedagogo atuante no Recife, valorizando a

cultura popular como poderoso instrumento de libertação, de reflexão crítica e de

transformação das estruturas de subordinação.

O projeto Movimento de Cultura Popular de Recife nos anos 60, organizado com a

participação deste intelectual, visava superar nosso subdesenvolvimento. Contava com

várias formas de expressão: cinema novo; peças de teatro apresentando as desgraças e

riquezas; criação dos centros de cultura popular, levando o teatro aos campos e às ruas; o

movimento de educação de base e seu método de alfabetização de adultos.

Na prática existiam grupos de discussão, meios visuais, elucidação dos problemas

da vida e círculos de cultura, os artistas faziam encenações instantâneas, nas ruas, praças e

estações de trens, sindicatos e caminhões, dramatizando questões políticas controversas do

momento. Em 1964, o golpe militar encerrou todas estas atividades.

Existem pontos comuns no trabalho destes intelectuais, sua concepção do papel do

intelectual nas questões sociais e culturais, no diagnóstico do subdesenvolvimento da

nação, tinham visão utópica de humanidade. Eram, segundo Vivian Schelling (1990, p. 266

e 267)

Intelectuais antiacadêmicos, ante-sistemáticos, comprometidos com a verdade que brotavam do envolvimento concreto com alunos e com preocupação de criar um sistema educacional integrado com a sociedade brasileira, com base no diálogo, do pensamento crítico, fundamentado no particular, entre educação e cultura, na relação dialética (grifo nosso).

Ambos nos remetem a pensar que, a cultura como práxis, o que significa enxergar

que a vida humana é um processo contínuo de formação coletiva, incompleta, inacabada e

imperfeita, perpétua tensão criativa, desafiando as concepções da realidade. As relações de

poder, entre classes e nações, dividem o campo cultural entre cultura dominante e

dominada, entre do povo e não do povo.

Desta forma, concordamos com a autora (1990, p. 415) que a cultura popular77

pode ser instrumento de luta, para proteger, entender e promover as representações

coletivas, que sustentam uma identidade autônoma, capaz de contrariar as forças

econômicas e políticas que destroem a identidade e a autonomia.

77 O termo popular significa a luta pela democracia, para a construção da civilização liberta de dependência.

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Seguiremos, num tempo próximo da passagem para o século XXI, analisando o

contexto social brasileiro, os movimentos sociais, as novas perspectivas de ação na

estrutura da sociedade civil e a migração dos militantes políticos para ações de cultura.

Planaremos em direção ao pouso com Maria da Glória Gohn.

6.4 – Organização da sociedade civil e o papel das ONGs. Marketing Cultural e

Marketing Social

Para entendermos também, o movimento que percebemos, na atuação política da

Associação Cultural M. Luz e Cor, que gere o Grumaluc, buscamos discutir o papel dos

movimentos sociais e principalmente das instituições da sociedade civil privada com

caráter público. O Estado mínimo, que não cobre as necessidades básicas de saúde,

educação, transporte e moradia, como anunciado na modernidade nos séculos XIX e XX

abre espaço para este tipo de atuação. Como se realizam estas ações? Que prioridades têm?

As mudanças que ocorreram na estrutura da sociedade e dos movimentos sociais,

em fins do século XX repercutem nas ações relativas à cultura. Atendendo ao convite de

Maria da Glória Gohn78 (2001, p. 19 e p. 76), analisaremos as características das novas

Organizações não Governamentais – ONGs, atuando no aspecto cultural com fins de

marketing ou de transformação.

A expressão ONG foi, inicialmente associada à Organização das Nações Unidas –

ONU (2001, p. 75), com a Cruz Vermelha, na década de 40 – GOHN (2000 b, p. 54) e

depois no campo da cultura política.

Os dados apontam em 2005 a existência de 1.640 ONGs na cidade de Campinas

contando com o trabalho de 30 mil voluntários e funcionários mantidos por verbas federais,

estaduais e municipais, entidades assistenciais e setor privado, movimentando R$ 50

milhões anuais79. A preocupação com este novo campo de atuação é que deturpações

podem ser geradas, estigmas e práticas condenáveis como a rotulação de pessoas excluídas

pela perversidade estrutural da sociedade - tratar a miséria como mercadoria a ser faturada e

culpar as próprias vítimas pelos seus insucessos. PARK e FERNANDES (2005, p. 11 a 13).

78 Socióloga e doutora em Ciências Políticas pela USP, pós-doutora pela New School for Social Research – NY. Professora da Unicamp/Faculdade de Educação – FE, no grupo de pesquisa GEMDEC sobre estudo dos Movimentos Sociais. 79 Fonte: jornal Correio Popular, caderno de Economia de 07/08/2005.

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Temos um cenário complexo, diz Maria da Glória Gohn (2000 a, p. 11):

Com a globalização da economia, da política e das relações sócio-culturais, o Estado se deslegitimou, criticado, perdeu sua importância como regulador de fronteiras e controle social[...]Predominam as políticas neoliberais e o setor informal[...]produções comunitárias, mão-de-obra farta, com redução do custo social, trabalhadores sem direitos sociais, não sindicalizados.

A ação política converteu-se em ações voltadas para obtenção de recursos, em

parcerias entre diferentes setores, público e privado para atender a população.

Identificamos como parceria, nas práticas do Grumaluc, através da Associação

Cultural e da autarquia, que criaram a peça que analisamos no capítulo 4. São modalidades

de sobrevivência onde o sentido de ruptura se perde, à medida que, precisamos dialogar e

negociar, em busca de fomentar o acesso e manter viva as expressões da cultura popular.

Para Fábio Parpinelli, a ruptura é:

Algo que acho bastante difícil hoje em dia e, talvez até, desnecessário. A ruptura serviu muito bem para desregrar e desenquadrar a dureza de outros tempos. Hoje talvez o que importa mais seja o retorno a algo mais essencial, menos rasgado e dilacerante. Mais sensível, sutil, invisível (Anexo 11, entrevista 5, p. 193).

Na sua análise dos movimentos sociais, Maria da Glória Gohn (2000 a, p. 227 a

240) revela que:

As ações são pela sobrevivência dos excluídos, dos direitos humanos e criação de redes de solidariedade; pela cultura política democrática; pela esperança; para participar da economia; para preservar as tradições culturais; contra preconceitos; contra Estado alheio e distante dos cidadãos; pela integração social e resolução dos problemas estruturais, como a fome e desemprego; por leis justas.

Percebemos, pelas atividades do Grumaluc, suas tendências políticas fortemente

identificadas com a cultura popular ao escolher, prioritariamente, atuar em escolas públicas,

embora leve também sua arte para espaços alternativos e abertos ao público -museus,

praças, bibliotecas, bosques e mais recentemente em centros de educação ambiental.

Também na própria estética dos bonecos e na estrutura dramatúrgica. Na análise da autora

(2001, p. 78) temos:

ONGs cidadãs, sem fins lucrativos, que promovem o desenvolvimento de comunidades carentes, baseadas em direitos e deveres da cidadania, ganham proeminência sobre instituições oficiais, quanto a gerência de recursos públicos e parcerias estruturadas com o poder público.

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Há perigos que envolvem o trabalho quando sua sobrevivência está vinculada a

patrocínios, perigo como o sinalizado por PARK E FERNANDES (2005, p. 57) ao afirmar

que:

A lógica capitalista pode impor um modelo de estrutura que interfira de forma negativa no trabalho educacional da entidade, pode fragilizar sua independência se for utilizada para imprimir valores de política social de governos neoliberais. A entidade tem que ter consciência da trama institucional da qual faz parte, de quais são seus valores educacionais e de qual é seu projeto político, para poder criar estratégias de resistência que lhe permitam driblar a lógica neoliberal.

O ser humano é dotado de criatividade e busca formas cada vez mais avançadas de

democracia. As lutas políticas avançaram e novas experiências apareceram: é a democracia

participativa – GOHN (2000 a, p. 280), concretizada nos Orçamentos Participativos. São

processos lentos e que sofrem retaliação dos setores mais conservadores. Tentativas de

fazer com que a população decida onde e como quer investir o dinheiro público, discutindo

junto os valores e necessidades locais, descentralizadas.

Na sua análise a autora (2000 a, p. 321) afirma que a principal contribuição dos

movimentos, foi a reconstrução do processo democrático do país e novos rumos para a

cultura.

O contexto se transforma solicitando maior iniciativa individual, participação,

interesse nas questões culturais e educação. Saber ouvir e dar espaço para a fala do outro é

a saída para o homem na era global.

Por um lado as ONGs tem maior liberdade de atuação e reflexão que os setores

oficiais, mas por outro dependem em grande medida de recursos públicos que exigem

projetos que são avaliados e definidos fora de sua esfera de autonomia. PARK e

FERNANDES (2005, p. 75).

As mudanças nas ações das ONGs, nos anos 90, são analisadas por GOHN (2001, p.

76 e 77):

O cenário das ONGs cidadãs se altera, acabam os fundos de apoio financeiro. Há escassez de recursos e disputa dos fundos públicos. A economia informal florescente e estimulada pelo novo modelo da globalização passou a ser uma das principais saídas, diante do desemprego crescente – transferiu para a economia

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informal o grande peso de demandas antes localizados no setor formal. As atividades de militância política, via pressões sociais, passaram para segundo lugar, e as atividades produtivas ganharam centralidade. Empresários apropriaram-se das características das ONGs visando eficiência e

produtividade na gestão de seus projetos sociais. Elas são administradas com políticas

neoliberais, filantrópicas, atuando em problemas da realidade nacional, mas em parceria

com o Estado.

Atuam em áreas públicas problemáticas, não politizadas: projeto Axé, o projeto

Travessia, o Programa da Fundação Abrinc, a Fundação Oldebrecht, que são apoiados por

bancos como Itaú, Bradesco. São ONGs que dão um novo perfil ao terceiro setor

brasileiro, privado, porém público. GOHN (2000 a, p. 338).

São relacionados com o Banco Mundial, iniciando um fenômeno que extrapola o

nosso País, movimentam recursos, geram empregos, constituindo-se o setor mais lucrativo,

na economia norte-americana, nos últimos vinte anos. GOHN (2001, p. 80).

Resumindo, na estrutura da sociedade brasileira no fim do século XX, temos as

ONGs atuando em espaços onde o Estado mínimo não consegue suprir as necessidades de

educação e cultura. Diferentemente das ONGs cidadãs, realmente preocupadas com a

população, temos as ONGs que visam o marketing social e cultural e conseqüentemente,

lucro para seus diretores.

As críticas que são direcionadas à lei Rouanet passam pelas empresas que escolhem

grandes eventos culturais, com celebridades na área musical, por exemplo. Economizam em

divulgação, passando para os cidadãos uma imagem falsa: de que são mecenas da cultura.

A questão que nos atinge é: Como e com que instrumentos legais garantiremos a

sobrevivência das pequenas expressões culturais populares?

A resposta parcial é elaborada pela autora, que diz (2001, p. 81): Precisamos

alargar o espaço público no interior da sociedade, democratizar o acesso do cidadão às

políticas públicas e contribuir para a construção de uma nova realidade, criando canais de

inclusão dos excluídos.

Novos atores, novo tecido social despontam com nova cultura política, e coexistem

ao lado das antigas. Participando, acumulamos experiências, aprendemos a não ter medo,

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aprendemos a calar, a elaborar discursos, aprendemos a não abrir mão de nossos princípios.

Compreendemos que a construção de uma sociedade mais igualitária é uma tarefa

histórica de longo prazo e passa por ações de resistência, práticas que apontam

esperançosamente para novos horizontes, livres de especulação e dominação social.

Temos incertezas, mas há indícios de que podemos articular desejos e aspirações

racionais e não racionais, reencontrando caminhos que garantam o acesso à instrução, à

cultura, às informações, à ciência e à tecnologia.

Nesta perspectiva libertadora, nossa análise do trabalho do Grumaluc, revelou-nos

as potencialidades do Teatro de Bonecos na Educação, utilizando conteúdos populares,

inseridos nas Instituições Educacionais, que ao se apropriar desta arte tem oportunidade de

gerar cidadãos plenos, capazes de escolher, decidir e participar, respeitando, dialogando e

crescendo nas relações com os outros.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho de pesquisa tem, para nós, um sentido de ruptura, à medida que

entramos no mundo acadêmico, levando questões e práticas alternativas para a educação,

baseadas na cultura popular, considerando que dessa experiência ambos poderiam sair

enriquecidos. Nossa escolha tem muito de uma leitura a contrapelo, o olhar pelo avesso,

tratando o espetáculo teatral na relação com os espectadores em suas formas de recepção.

Na observação, o espectador cria, interpreta e sem ele, não há espetáculo.

Apontamos o estudo na direção do grotesco e do riso, pretendendo a compreensão

de sua ambigüidade. Estudamos o riso como elemento de transgressão, necessário para a

formação reflexiva e com potencial libertador. Acreditamos na restituição do riso para

trabalhar os sentimentos e conhecimento da vida. Este desejo, mais que uma conquista, está

por se fazer, precisando de novas companhias, novos vôos e percursos.

Em relação à escola, compreendemos seu modelo de ensino e indicamos a tendência

das mudanças para a alteridade, que necessariamente incluem a pluralidade cultural como

elementos a serem trabalhados no cotidiano escolar. Entendemos a escola como espaço de

encontro, com potencial de transformação que, ao utilizar o Teatro de Bonecos pode

explorar os sentidos: visuais, auditivos e cinestésicos, para formar indivíduos – num jogo

emocionante e coletivo.

Ao tratarmos do campo artístico, direcionado às resistências das expressões

populares, num contexto social com tendências hegemônicas e homogenizadoras,

encontramos um cenário de conflitos, tensões e disputas entre setores dominantes e

dominados. Percebemos as potencialidades da arte na formação dos indivíduos, usando

tanto o raciocínio lógico, como as emoções e sensibilidades. Mostramos que o acesso às

diferentes experiências estéticas, incluindo o Teatro de Bonecos ou através de imagens em

movimento, alarga os potenciais da arte relacionada à vida, estimulando a observação, a

introspecção e a concentração.

Ao revelarmos a trajetória do Grumaluc - grupo novo, com objetivos eruditos que

bebe de fontes populares - e sua platéia, dialogamos com artistas e revelamos que há

concepções de educação, embutidas nas suas obras, mas que melhor se explicitariam com a

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assessoria de pedagogos especializados no campo da educação não-formal. Concluímos que

o artista oferece importante contribuição à educação, ao revelar o código próprio de sua

arte. Propomos que educadores preparem os alunos para a experiência estética,

relacionando-a à aprendizagem. Compreendemos as tradições populares que formam as

culturas, que suas dinâmicas não são estanques, mas em constante inter-relação e que

surgem no Teatro de Bonecos como empréstimo ou reinterpretação. Revelamos os

elementos do Teatro de Bonecos, o boneco e sua manipulação, a dramaturgia e as

categorias: profano ou religioso, erudito ou popular, caricatural ou poético. Explicitamos os

elementos da materialidade do espetáculo, para análise de peças.

Ao analisarmos a peça O Verão, que objetiva estimular a leitura e a poesia infantil,

através de análise iconográfica das reações das crianças mostramos o encantamento diante

do espetáculo teatral. Observamos que a criança apresenta problemas novos em relação à

educação. Se no século XX o problema era a repetência e evasão, no início do século XXI,

ouvimos queixas de pais, professores, sobre as dificuldades no aprendizado da criança, em

articular o pensamento e o diálogo. Afirmamos as potencialidades do Teatro de Bonecos

para enfrentar estas questões. Realçamos os pontos de adaptação entre o livro – para

público de classe média, e o espetáculo – para alunos das escolas públicas, revelando a

ideologia do Grumaluc, opção que estimula a busca de parcerias, para possibilitar o acesso

à arte por parcelas excluídas da população.

Ao analisarmos uma peça, fruto de parceria entre público e privado, tratando de um

tema de formação de cidadania, dialogamos com coordenadoras pedagógicas e revelamos

as formas significantes e ações concretas que foram instigadas pelo Teatro do Grumaluc. O

fato de as peças serem gravadas implica em certa perda de espontaneidade na relação da

platéia com o grupo e ganha, de outro lado, na qualidade sonora e na inclusão de um

repertório musical mais amplo, atendendo aos objetivos pedagógicos do grupo – auxiliar na

educação. Mostramos a importância da preparação das crianças e das educadoras em

relação aos conteúdos e Sugestões de Atividades. Revelamos as ações resultantes do

impacto do Teatro de Bonecos. Apontamos a interação com a platéia, como momento de

revelação dos códigos da linguagem do Teatro de Bonecos que elucidam a criação artística

como um mundo cativante possível de ser adentrado pelas próprias crianças.

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Na recepção do Teatro de Bonecos podemos apontar diferentes reações das

crianças: quando são menores, entre 2 a 6 anos, esboçam seu encantamento na face e no

corpo. Quando maiores, entre 7 a 10 anos há maior concentração, gerando perguntas e

colocação de dúvidas, são capazes de estabelecer relações entre temas e informações.

Analisamos também a escola pública e propusemos outra concepção de educação,

que inclua o outro, numa relação enriquecedora. O Teatro de Bonecos ao unir pensamento e

sensação, possibilita a vivência, o afeto, a intuição e o corpo integral, estimula a

criatividade e a imaginação. Destacamos a importância da observação e da lei da repetição

no mundo da criança. Ao abordarmos a estrutura teatral: situação dos personagens,

conflitos que os envolvem – condições para existir teatro e a necessária finalização,

apontamos o exercício de escuta compreensiva e adequação da resposta, o diálogo e o

entendimento, como forma de ir contra o barbarismo da unidade cultural. A arte que entra

nas escolas pode construir significados à medida que as educadoras saibam se apropriar das

linguagens artísticas e trabalhem com os temas, conteúdos e formas de expressão,

necessitando de um trabalho mais sistematizado na sua formação, indo além da simples boa

vontade de algumas.

Ao enfocar as políticas culturais resgatamos a indignação, capaz de mover os

indivíduos buscando ações relativas às tais políticas, na busca de maior envolvimento e

construção de uma democracia mais participativa. Indicamos os problemas de quebra de

continuidade dos projetos por mudanças de políticas e uso do dinheiro público com

interesses privados. Concluímos que é preciso a aprovação de leis de fomento, ampliando

acesso popular à arte, permitindo a formação de platéias e a pesquisa teatral - dentro de

critérios de transparência e de qualidade. Esta discussão é importante e precisa ser

aprofundada, sem perder o foco na questão da cultura popular. Dialogamos com artistas e

constatamos que a política é entendida como luta pelo poder e encantamento com cargos e

postos. Resgatamos a experiência de gestão da cultura e educação para a maioria, indicando

a Cultura como central no processo contínuo de mudanças para uma sociedade inclusiva e

justa. Delimitamos as diferenças entre ONGs cidadãs e as que buscam lucros e apontamos

as tendências da organização da sociedade, as parcerias que requerem diálogo e

negociação.

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148

Nossa escolha, o Teatro de Bonecos, traduz uma postura política, ao lado dos

oprimidos, do popular (que pertence à maioria dos homens). Assumimos o papel do

intelectual a serviço da educação para todos, contra o modelo racional e a lógica

mecanicista, a favor da vivência, dos conteúdos instigantes para que as crianças reflitam,

com liberdade, sobre questões éticas, valores, e formem-se indivíduos capazes de viver

incertezas, que serão enfrentadas no futuro. Somos a favor da construção das vidas com

significado, para o indivíduo e para a sociedade. Indicamos que há outras possibilidades de

fazer educação.

Observamos que esta pesquisa propiciou algumas alterações na postura do grupo,

que buscou novos relacionamentos com grupos teatrais, tomou consciência das limitações

desta arte, sentiu as fragilidades do trabalho do ator-bonequeiro, reconheceu a

complexidade e importância deste trabalho, valorizou e institucionalizou o grupo na

Associação Cultural, participou e ministrou oficinas, assistiu a espetáculos de outros

grupos, presenciou palestras, ampliou suas possibilidades de atuação em espaços públicos e

privados.

Mostramos a necessidade de políticas públicas culturais que garantam àqueles que

querem, através das experiências estéticas, entrar no mundo dos sonhos, da imaginação

para se conhecer e melhor conhecer os outros.

Tentamos comprovar a utilidade do Teatro de Bonecos na educação, transgredindo,

incluindo, conflitando e movendo através de experiências emocionais e sensíveis conhecer

e rever comportamentos e atitudes. Esperamos instigar os grupos dedicados a esta arte, a

olhar criticamente seu próprio trabalho, evitando cair em produções pedagogizantes;

incentivá-los na busca de constante aperfeiçoamento, novas experiências, arriscando novas

linguagens, personagens e caracterizações.

Nossa sensação, após este pouso, é relembrada numa cantiga popular, que cantamos

quando participávamos do coral universitário, chamada Tem gato na Tuba80:

I II

Todo domingo havia Banda Porém um dia, entrou um gato No coreto do jardim na tuba do Seraphim...

E já de longe, a gente ouvia e o resultado, dessa melódia A tuba do Seraphim é que a Banda tocou assim:

80 Autoria de João de Barro e Alberto Ribeiro

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149

Fim fim fu fu“Miau!”rum pom po rom pom.

Temos a impressão de ter ouvido o Seraphim, tocando sua tuba e fomos em busca

do gato. Como Alice mergulhou em busca do coelho, mergulhamos em busca do gato.

Nosso retorno, gato na mão, sensação de vitória e realização, conseguimos dar mais e

melhores condições ao Seraphim para tocar sua tuba.

Assim como a Banda no coreto do jardim, o Teatro de Bonecos luta para

permanecer atuando. Esta luta, cada vez mais instigante, é a luta que vale a pena, sobretudo

quando percebemos, nos olhares da platéia, reações, emoções e potenciais de

transformação.

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151

LISTA DE FIGURAS

Todas as fotos foram cedidas e fazem parte do arquivo do Grumaluc. Página

Figura 1 – Sol conversando com o pássaro 55

Figura 2 – Reação das crianças, participações... 55

Figura 3 – Meninas que correm na praia... 57

Figura 4 – Reação das crianças prestando atenção... 57

Figura 5 – Meninos na praia 59

Figura 6 – Menina de biquini 59

Figura 7 – Criança prestando atenção 59

Figura 8 – Marinheiro e Moça... 61

Figura 9 – Reação das crianças... 61

Figura 10 – Milho e Boca 63

Figura 11 – Reação das crianças... 63

Figura 12 – Rap do banho... 71

Figura 13 – Reação da criança... 71

Figura 14 – Interação com boneco... 75

Figura 15 – Interação com Sol... 75

Figura 16 – Interação após espetáculo... 77

Figura 17 – Interação das crianças com autor... 77

Figura 18 – Interação mostrando o avesso... 77

Figura 19 – Interação desperta curiosidade... 77

Figura 20 – Interação, manipulação... 79

Figura 21 – Interação, as crianças se espantam... 79

Figura 22 – Família de bonecos da peça... 83

Figura 23 – Cenário montado, chamado de empanada 83

Figura 24 – Ratos e privada em cena 87

Figura 25 – Reação crianças... 87

Figura 26 – Camomila e Nhoca no terreno sujo 89

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Figura 27 – crianças cantando com Nhoca 89

Figura 28 – Latas coloridas para lixos... 89

Figura 29 – Crianças interagem... 89

Figura 30 – Barriga D’Água... 93

Figura 31 – Pé da menina que é transformada... 93

Figura 32 – Reação das crianças... 93

Figura 33 – Dentro do cenário... 95

Figura 34 – Peixe e lata conversam 97

Figura 35 – Crianças atentas 97

Figura 36 – Na interação, a criança quer pegar... 101

Figura 37 – Atenção das crianças... 101

Figura 38 – Interação com boneco de vara 103

Figura 39 – Interação com boneco de luva 103

Figura 40 – O encantamento ocorre... 103

Figura 41 – Reação durante espetáculo... 103

Figura 42 – Desenho de um aluno... 107

Figura 43 – Painel com desenhos... 107

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153

LISTA DE DEPOIMENTOS E ENTREVISTAS – FONTES ORAIS

Entrevista com Maria José anexo 5 n° 1 p. 175 Entrevista com Marli anexo 5 n° 2 p. 175 Entrevista com Paula anexo 5 n° 3 p. 175 Entrevista com Rosangela anexo 5 n° 4 p. 176 Entrevista com Dilma anexo 5 n° 5 p. 176 Entrevista com Solange anexo 5 n° 6 p. 176 Entrevista com Marinalva anexo 5 n° 7 p. 176 Entrevista com Ana Paula anexo 5 n° 8 p. 176 Entrevista com Solange anexo 5 n° 9 p. 177 Entrevista com Marta anexo 5 n° 10 p. 177 Entrevista com Gisele anexo 5 n° 11 p. 177 Entrevista com Sonia anexo 5 n° 12 p. 177 Entrevista com Iamara anexo 5 n° 13 p. 177 Entrevista com Odete anexo 5 n° 14 p. 177 Entrevista com Maria Alice anexo 5 n° 15 p. 178 Entrevista com Cidinha anexo 5 n° 16 p. 178 Entrevista com Silvana anexo 5 n° 17 p. 178 Entrevista com Sueli anexo 5 n° 18 p. 178 Entrevista com Adriana anexo 5 n° 19 p. 178 Entrevista com João anexo 5 n° 20 p. 178 Relato com Cláudia anexo 6 n° 1 p. 181 Relato com Suzete anexo 6 n° 2 p. 181 Relato com Denise anexo 6 n° 3 p. 183 Relato com Marili anexo 6 n° 4 p. 183 Relato com Deise anexo 6 n° 5 p. 184 Relato com Rita anexo 9 n° 1 p. 188 Relato com Andréa anexo 9 n° 2 p. 188 Relato com Denise anexo 9 n° 3 p. 188 Relato com Nice anexo 9 n° 4 p. 189 Relato com Zamira anexo 9 n° 5 p. 189 Relato com Márcia anexo 9 n° 6 p. 189 Entrevista com Márcia anexo 11 n° 1 p. 191 Entrevista com Teca anexo 11 n° 2 p. 191 Entrevista com João anexo 11 n° 3 p. 192 Entrevista com Malu anexo 11 n° 4 p. 192 Entrevista com Fábio anexo 11 n° 5 p. 193 Entrevista com Bernardo anexo 11 n° 6 p. 194 Entrevista com Miguel anexo 11 n° 7 p. 195 Entrevista com Henrique anexo 11 n° 8 p. 195 Entrevista com Neiva anexo 11 n° 9 p. 196 Entrevista com Julio anexo 11 n° 10 p. 196

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limites e possibilidades nas séries iniciais do 1° grau, na escola pública. Orientadora: Maria

Oly Pey. UFSC, Florianópolis, 1997.

SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von; PARK, Margareth Brandini e FERNANDES,

Renata Sieiro, organizadoras. Campinas/SP, Ed. Unicamp/Centro de Memória, 2001.

SITTA, Marli Susana Carrard. POTRICH, Cilene Maria. Teatro: espaço de educação,

tempo para a sensibilidade. Passo Fundo: UPF, 2005. 149p.

TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. São Paulo. Ed. Nacional. 1968.

_________. Educação e o Mundo Moderno. São Paulo. Ed. Nacional. 1969a.

_________. Educação no Brasil. SP. Ed Nacional. 1969b.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ação. 10. Ed. São Paulo. 2000. 107 p.

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162

THOMAZ, Omar Ribeiro. A antropologia e o mundo contemporâneo: cultura e diversidade.

In: SILVA,

THOMPSON, E.P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial–Costumes em

comum. SP. Cia das Letras. 1998.

WEINHOLTZ, F.W. Moderno Vôo de Distâncias em Planadores. Tradução João Alexandre

Widmer. São Paulo/SP, Ed. Asa, 3° ed, 2002.

WIDMER, João Alexandre. O Vôo a Vela. São Paulo/SP. Ed. Asa, 3° ed, 2000.

ZILBERMAN, Regina. “Estética da recepção e história da literatura”. São Paulo. Ática.

1989.

FILMES:

QUERO SER John Malkovich. Direção: Spike Jonze. Produção: Propaganda Filmes/Single

Cell Pictures. Intérpretes: John Cusack, Cameron Diaz, Catherine Keener, Orson Bean

“Being John Malkovich”, Mary Kay Place e John Malkovich. Produtores Executivos:

Charlie Kaufman Michael Kuhn. Direção de fotografia: Lance Acord. Música: Carter

Burwell. Gramercy Pictures. Universal Studios. C 1999. 1 DVD (112 minutos), widescreen,

color, legendado.

DUMMY Um Amor diferente. Direção: Adam LeFevre. Produção: Quadrant Entertainment

e Greg Pritikin. Intérpretes: Adrien Brody. Milla Jovovich. Illeana Douglas. Vera Farmiga.

Jared Harris. Produtor Executivo: Taylor Lawrence. Diretor Arte: Amanda Caroll. Música:

Poul Wollisch. Califórnia Filmes. c 2001. 1 DVD (90 minutos), full screen, color,

legendado.

JEFFERSON EM Paris. Direção: James Ivory. Produção: Merchant Ivory. Intérpretes: Nick

Nolte, Greta Scacchi, Jean-Pierre Aumont, Simon Callow, Seth Gilliam, James Earl Jones,

Michael Lonsdale, Nancy Marchand, Thandie Newton, Gwyneth Paltrow, Charlotte de

Turckheim, Lambert Wilson. Produtores Executivos: Donald Rosenfeld, Paul Bradley.

Fotografia de: Pierre Lhomme. Música: Richard Robbins. Touchstone Pictures e Merchant

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163

Ivory Productions (s.d.). 1 DVD (136 minutos aprox.), Widescreen, color, legendado.

DO MULUNGU ao Tiridá. Direção: Sérgio Sanz. Roteiro: Sérgio Sanz e Ana Soares

Moreira. Imagens: Marcelo Reis. Som e Mixagem: Hamilton Alves. Música: Alexandre

Negreiros. Edição: Ana Soares Moreira e Marcelo Reis. Produção e Administração: Marco

Aurélio Mello. Produção Institucional: Sérgio Assumpção. Produção Geral: Roberto

Parreira. Coordenação de Produção de Vídeo DAC/IBAC. Olinda, Fevereiro de 1990.

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ANEXO 01

PEÇAS EM CARTAZ DO GRUMALUC:

O VERÃO - adaptação do livro de poesias de João Proteti, que lançou os livros: “Estória de amor entre caracóis”, “À toa, à toa” e “Para se ter uma Floresta”. O objetivo do trabalho é despertar interesse pelas formas de expressão: teatro de bonecos, leitura e poesia. O MAIOR OVO DE PÁSCOA – confraternização divertida de Páscoa. Pançudo esconde ovos para o seu filho procurar, porém duas personagens resolvem comer tudo. No final há a confraternização, dividindo o ovo de Páscoa com a família e os amigos. O PÉ DE JABUTICABÓBORA - preservação da natureza. Num ambiente rural uma personagem travessa resolve mudar a natureza, mexendo numa fórmula. Apesar da confusão ela aprende que não se deve mexer nas coisas dos outros. Resgatamos músicas como: Alecrim dourado, Casinha da lagartixa, Meu limão meu limoeiro e outras. A CUCA VAI PEGAR - folclore brasileiro. A história da festa rural resgata cenas do folclore brasileiro, brincadeiras como: o que é, o que é ?; provérbios; cantigas de roda e de ninar; lendas, simpatias e festa do Bumba-meu-boi. A CHEGADA DE PAPAI NOEL - espírito natalino. Uma personagem ambiciosa provoca uma trapalhada com as botas do Papai Noel. Tudo acaba bem e o amor em família e a confraternização com os amigos é o mais importante. Resgate de músicas natalinas. NAVEGANDO PELOS 500 ANOS - adaptada para MEU BRASIL BRASILEIRO - formação do nosso povo. Formação do povo brasileiro, chegada dos portugueses, contatos com índios e chegada do negro africano. Abordagem de acontecimentos importantes da História do Brasil e hinos. Algumas invenções da modernidade e a preocupação com a preservação do meio ambiente. MAIS VALE UM ESGOTO LIMPÃO DO QUE UMA CIDADE NA MÃO - adaptada para VAMOS PRESERVAR JÁ! – questões para pensar em ajudar a preservar. Dona Privadona pede para as crianças colocarem lixo no lixo. Há também a turma do reciclável que pede para separá-lo nos tambores coloridos. Tratamento do esgoto e cuidados de higiene são formas de preservarmos a natureza. CORAÇÃO VERDE - Mata de Santa Genebra – educação ambiental, reservas florestais e proteção das matas. A natureza está em harmonia com os índios, mas o homem branco depreda as matas, caça os animais e constrói cidades poluídas. Apenas com consciência e trabalho coletivo podemos ajudar a manter nossa flora e fauna.

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ANEXO 02

RELATÓRIO DAS APRESENTAÇÕES DA PEÇA: O VERÃO – 2002/2004:

Data Responsável Escola Bairro Alunos

24/10/02 Papirus (2x) Casa da Gente visita a livraria 60

01/05/03 festa de aniversário residência - 50

13/09/03 palestra PUCCAMP grad. de pedagogia centro 50

15/09/03 palestra UNIP grad.de pedagogia swift 100

24/09/03 Edinha Casulo Encantado Guanabara 160

10/10/03 Neiva Esc. Valentina Sta Lúcia 200

15/10/03 Helô Vivendo e Aprendendo Jd Garcia 150

17/10/03 Erica Col União Indaiatuba 260

09/03/04 Rose/Marta (3x) Sesc V.Industrial 360

30/06/04 Margareth Integral Alphavile 115

06/07/04 SEAPRE (4x) Oficina educadores Amparo 120

TOTAL 17 apresentações PÚBLICO 1.625 pessoas

OBS: Nestas apresentações não foram colhidos depoimentos orais dos espectadores. Foram

realizadas observações das reações do público e fotografias.

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ANEXO 03 TEXTO DA PEÇA: O VERÃO Narrador: Tudo começa com o sol. Um lindo sol dormindo. Passarinho: Hei, hei, Senhor Sol é hora de acordar. Hei, Senhor Sol, é hora de acordar. SOL: Hora de acordar. (BOCEJANDO ) Passarinho: Vamos Senhor Sol acorde! Criançada, vamos cantar para o sol acordar?

Vamos lá batendo palmas e cantando........ ( MÚSICA DO SOL ) “acorda sol,tem um passarinho te chamando pra voar / acorda sol tem um mar te esperando pra brincar venha pegar uma onda , pegar uma cor / venha dar um mergulho aproveita e traga teu calor acorda sol e deixe de tanto se espreguiçar / acorda sol espiche seus raios venha clarear astro que é rei e de primeira grandeza tem que madrugar,/ acenda a luz deixe de moleza venha trabalhar acorda sol deixe o colo macio da noite que te acolheu /acorda sol saia debaixo deste cobertor de estrelas que te aqueceu de esconde esconde com as nuvens venha brincar/e depois junto com as chuvas pinte um arco íris no ar pinte um arco íris no ar / pinte um arco íris no ar” ( SOL levanta espreguiçando, ahhhhh, abre a boca bocejando) Sol: Bom dia criançada!. (Barulho de cuco) Meu trabalho já vai começar (ri), vou

iluminar esse dia maravilhoso. Hoje o dia será lindo e cheio de poesias, pois o verão está começando e nós vamos viajar. Quem gosta de viajar? Que legal todos gostam. Nossa viagem será para a praia Ensolarada.Vamos começar com um grande mergulho pelo mar, mar doce mar.

(Música, Quem te ensinou a nadar . Peixe entra pulando como se estivesse nadando). Peixinho: Olá criançada ! Que delícia o verão já chegou e a água fica mais quentinha (ri), mas também fico triste sabem por que? Porque aumenta a sujeira na areia da praia, as pessoas jogam muito lixo na areia. Mas agora vou dar um mergulho (barulho de mergulho) neste mar maravilhoso! Vou mergulhar só pra ver por dentro de que cor é o mar. Tchau criançada.

(Música peixe vivo/ Barulho de ondas, mergulho, Apito/ Passa um navio e marinheiro canta) Marinheiro: O sol está brilhando, eu estou muito feliz farei uma boa viagem. Eu não sou daqui marinheiro só, eu não tenho amor, marinheiro só.... lá , lá, lá, lá...

(Música do marinheiro com crianças) Sol: Lá vai o nosso marinheiro.Quantas coisas existem no mar, ondas, areia,

peixes, gente. E falando em gente vejam só crianças, lá vem a minha amiga apaixonada.

Moça : Ah marinheiro, onde você está? O navio já o levou. Hei, hei peixinho colorido. Peixinho: O que foi Chiquinha? Moça: Estou apaixonada. Peixinho: Então declame uma poesia bonita para nós.

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Moça: Uma poesia? Peixinho : Isso mesmo uma poesia.

Moça: Está bem o nome é assim: A mulher, o navio e os peixes. “Peixinho, por favor, vá ver pra mim / O nome daquele navio. Ele leva alguém que de mim não se despediu. Peixinho, por favor,pergunte em que porta ele vai atracar. Mas não fale, peixinho,que estarei por lá a esperar. Peixinho, por favor,vá rápido / Que o navio já vai zarpar.

Mas não diga, peixinho, Que me viu chorar. Peixinho: Bravo, Bravo, palmas para ela gente. (palmas) Moça: Obrigada, obrigada, ah! Mas agora tenho que ir, vou esperar meu marinheiro

até sua chegada. Tchau criançada, Tchau gente, tchau peixinho colorido. Peixinho: O amor é lindo (ri) o amor é lindo, vou mergulhar nas águas do mar, tchau

criançada! (Música Guilherme Arantes - Entra Lucimar com um guarda-sol e coloca no cenário.)

Lucimar: Ah! Que delícia chegou o verão: é praia, é diversão, é sol, mas com este guarda sol ficarei protegida, não é gente? (resposta). Marissol: Oi Lucimar! Oi gente! Lucimar: Oi minha amiga! Estou vendo que você está curtindo este verão. Marissol: No verão fica tudo mais alegre, não é gente? Lucimar: E podemos ficar tomando muito sol. (ri) Marissol: Epa, muito sol não! O melhor horário para se tomar sol é depois das 10 da

manhã e depois das 4 horas da tarde. Lucimar: É mesmo, Marissol? Marissol: É sim, e além disso temos que usar o protetor solar. Lucimar: E o que acontece se tomarmos muito sol e não usar o protetor solar? Marissol: Podemos ter uma insolação. Lucimar: O que é insolação? Marissol: Insolação é queimadura na pele, abusar do sol fora de hora. Lucimar: (Ri) E a gente fica vermelha que nem um pimentão. Marissol: Quando o calor está muito forte , ele faz mal para a saúde. Lucimar: Tá bom , tá bom eu já entendi, Marissol vamos brincar? Marissol: Brincar de que? Lucimar: De frescobol. Marissol: Boa idéia! Lucimar: Mas só tem uma coisinha. Marissol: O que é? Lucimar: Vamos bater uma bolinha para não enferrujar, mas nada que seja com muito

esforço que eu não quero nem suar. (ri) Marissol: Você está muito preguiçosa, viu menina? Lucimar: Que nada, eu estou é com sede. Marissol: Vamos beber bastante água? Lucimar: Vamos sim tomar bastante água neste verão! Marissol: Olha lá Lucimar, aquelas moças que estão correndo.

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Lucimar: Elas estão queimando algumas gordurinhas (ri ). Marissol: Quando chega o verão, gordurinhas é o que mais tem pra queimar. (ri) Lucimar: Elas vão passar logo por aqui. Marissol, estou com sede. Vamos comprar

água. Venha menina! Marissol: Já estou indo Lucimar. (Saem de cena) Narrador: Lucimar e Marissol foram comprar água para beber e logo chegaram as

moças suadas de tanto correr. Primeira: 1,2,3,4, Vamos lá no ritmo, 1, 2, 3, 4, vamos meninas, mais depressa preciso

emagrecer. Segunda: Tenha calma, pois só estou me precavendo. Terceira: E eu só corro para não engordar.

(Elas ficam fazendo movimento no cenário e NARRADOR FALA A POESIA): A CORRIDA

As três amigas na corrida: / A da frente para emagrecer,/ A do meio para se precaver, / A de trás para não engordar. / De tão preocupadas, as três amigas na corrida / E cheias de suor nem viram os pescadores / Jogando beijos de amor. ( SOM DE BEIJOS ) Terceira: Olha! Os pescadores estavam mandando beijos e nem vimos, preocupadas

com a corrida. Meninas, agora vamos parar um pouco e chupar um sorvete.

A Primeira: Boa idéia eu quero de abacaxi. A segunda: Eu de coco. A Terceira: E eu de chocolate, vamos logo, 1, 2 ,3 4, no ritmo. 1, 2, 3, 4 .

(Saem de cena - Entra o sorvete) Sorvete: Ah! Estou derretendo com este sol quente, mas estou feliz, pois deixo todo

mundo feliz. Sou refrescante! (ri). Hei! vocês gostam de sorvete? Viram todos gostam de sorvete. Pode ser de palito, de casquinha, de tacinha,(ri). Todos se lembram de mim em dia de calor. Um lambe daqui, (SOM DE LAMBIDA ) outro lambe dali, e todos vão lambendo (ri,ri) e eu vou derretendo, derretendo até acabar, acabar, acabar.....

Narrador: As horas em nossa praia vão passando passando e Edmar e Pedro chegam para brincar.

Edmar: Olá criançada! Chegou a estação mais quente do ano. Pedro: É isso mesmo, e neste verão quero me divertir. Edmar: Pedro, você sabia que o verão começa dia 21 de dezembro? Pedro: Sabia , o verão é alegria, o verão é férias da escola, é tempo de brincar, não é

criançada? Edmar: O verão é esse solzão, essa luz amarelando e esquentando tudo. Esquentando

meu coração (ri). Pedro: Ih! Edmar, você está apaixonado pelas gatinhas da praia. Edmar: O verão deixa todo mundo apaixonado. Pedro: O verão é férias, pais e filhos aproveitam para virem juntos à praia. Edmar: E na praia temos que ter cuidado com o amigo sol. Pedro: Por que Edmar? Edmar: O sol fora de hora pode causar problemas para nossa saúde. Pedro: Então, ao sair para viajar temos que trazer nossos protetores. (ri)

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Edmar: Um boné, um chapéu e filtro solar. Pedro: E tem mais: fazer revisão no carro. Edmar: E sempre respeitar às leis de trânsito. (Música do motorista)

Hei Pedro, no verão tem Papai Noel! (Música bate o sino) Pedro: Ih! Tem Ano Novo também! (Música do ano novo) Edmar: Chiiiiiiii, no Ano Novo fica “assim” de gente na beira do mar. Tem gente

pedindo saúde, tem gente pedindo pra casar. (ri) Pedro: E olha , tem gente, nem te conto, é gente que nem dá pra contar. Edmar: E essa gente faz uma sujeira imensa na areia, deixando garrafas, velas,

rosas, bitucas de cigarro, lixo em todos os lugares.. Pedro: Nós podemos sujar a praia criançada? Edmar: Praia é pra todo mundo aproveitar.(ri) Pedro: Então vamos aproveitar e comer um milho verde Edmar! Edmar: Boa idéia. Mas Pedro, olha a moça que vem lá. (som de assobio) Pedro: Vem toda bronze! Edmar: Vem toda de biquíni novo! E que biquíni de bolinhas. Pedro: Vamos Edmar , comprar logo esse milho verde. Edmar: Já estou indo Pedro... ( SAEM DE CENA ) (Música tem areia)

(Entra passarinho voando e a moça de marquinha no biquíni.) Poesia: "Biquíni novo"

Passarinho: A moça, toda volumosa, exibe seu biquíni, quase nada. Moça: O passarinho, quase nada, exibe suas asas, todo leve. (bater asas) Passarinho: A moça, toda bronze, exibe seu biquíni, todo bolas. Moça: O passarinho, todo penas, exibe suas cores, todo prosa. ( passarinho sai ) A moça: (Suspira) Ai, ai....! (Sai) ( APITO DO NAVIO)

(Entra navio com o marinheiro dentro rebocando com uma rosa) Moça entra atrás e pega a rosa e declama a poesia. O NAMORO : “Oh, marinheiro, que vieste de uma terra distante! Por acaso esta rosa que trouxeste significa amor sincero e constante? Se não for isso, pega a tua rosa, o teu navio e desaparece no horizonte”. Moça e marinheiro se abraçam e saem de cena no navio.

Pedro: (OFF) Hei Edmar, olha o seu milho, vem pegar que está quentinho, olha o seu milho Edmar ( sai) ( MÚSICA DO MILHO , a espiga dançando e atrás a boca tenta abocanhar)

Milho: Ah! Todos me adoram no verão. Um grãozinho daqui, um grãozinho dali, e eu vou ficando todo peladinho.

Boca : INHÃOOOOOOO! ( BARULHO ) Milho: Pare dona gulosa! Boca: Parar, não..... eu quero é te devorar. (ri)! Milho: Ah!!!!! Todos querem me devorar na praia, porque eu sou uma delícia! Boca: (ri) Venha CÁ Seu milhinho amarelinho! ( inhão, inhão, inhão ) Milho: Ai, essa gulosa vai me pegar. Boca: E vou mesmo, inhão, inhão, inhão... Milho: Porque eu sou gostoso de qualquer maneira! Boca: Tem gente que gosta com manteiga! Milho: Ai eu me derreto todinho! (AUMENTAR MÚSICA DE FUNDO)

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Boca: Tem gente que gosta com salzinho! (dinimuir o espaço) Milho: (ri )Ah! Ficar salgadinho que nem o mar ! Boca: Tem gente que gosta de mais amarelinho! Milho: Ah dona Boca tem gente que me quer mais branquinho, mais molinho, mais

soltinho!(ri) Boca: E agora vou te devorar! Nhão, nhão, nhão. Milho: Não, não!!!!! Sai pra lá, dona Boca.... Boca: (ri) Vou comer esse milhinho de grãozinho em grãozinho até chegar no

sabuguinho! Não é criançada! Milho: Cadê a Dona Boca gulosa. Boca: Nhão, nhão Milho: Ih! Criançada lá vem ela de novo. Boca: (ri) Vou te comer de qualquer jeito! Milho: De qualquer jeito não, o melhor é me comer com manteiga ou com salzinho?

( ri e sai de cena ) Boca: Volte aqui seu milho saboroso! Nhão, nhão , nhão!

(Entra a nuvem com linhas e lantejoulas penduradas - MÚSICA DA CHUVA e RAP do Banho

Marissol: “tira o sal do sovaco / da unha tira a areia / tira as ondas do cabelo / e o siri de dentro da orelha

Pedro: tira o caramujo do buraco do umbigo / e de dentro do maiô / tira o peixe que está espremido

Lucimar: desgruda a estrela do mar / que brilha no alto da testa / devolve tudo ao oceano, é o fim da festa.

Edmar: esse é o banho de água doce que te tira do verão / e te devolve à realidade / agora é hora de voltar pra cidade

coro: o que era de sal acabou-se / quem salgou-se arregalou-se.” Edmar: Acabaram-se as férias, vamos voltar pra a cidade. O verão continua, e tem

ainda o carnaval! Não é criançada? (MÚSICA CARNAVAL)

Marissol: É Edmar , mas depois deste carnaval , começam as aulas. Edmar: E dia 21 de Março, acaba mais um VERÃO ! Ed e Mari: E aí vem a chuva!

(MÚSICA DE SAÍDA DOS MENINOS - Guilherme Arantes. Sol sai do cenário) Sol: Vocês gostaram da nossa viagem pela praia criançada ? Agora eu tenho que ir, iluminar do outro lado do mundo, lá no Japão! Não sei se vou nadando ou nas ondas balançando! É que lá vem a escuridão!

(MÚSICA: O SOL NO VERÃO): O sol no verão, de tanto que esquentou até se estranhou/ fez um leque de cauda de cometa e se abanou/ fez um suco de chuva geladinha e se refrescou / fez um guarda sol de arco íris e relaxou / óculos de sol com nuvem escura e melhorou / aproveitou o vento que passava se ventilou / depois, o sol, de tanto que suou resolveu se pôr / no mar mergulhou e no colo da noite se deitou.

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ANEXO 04

SUGESTÕES DE ATIVIDADES - O VERÃO

Apresentação: nossos bonecos são de papel maché e sucatas. Buscamos apresentar temas que estimulam a reflexão da criança em relação com sua vida. As estações do ano, clima e a natureza que se transformam durante o ano, formando consciência ecológica. O que podemos aprender com o Sol? Objetivos Gerais: interdisciplinaridade entre Português, Ciências e Educação Artística, focando estações do ano, clima, natureza e datas marcantes. Objetivos Específicos: Estudos dos ciclos da natureza. Respeitar leis e despertar consciência ecológica. Chuvas e transtornos na cidade; viagens e leis de trânsito; cuidados com sol; pontos cardeais, fusos; seres do mar; alimentos leves; cuidados com doenças típicas. As artes: poesias, desenhos e Teatro de Bonecos auxiliam o aprendizado. Atividades Sugeridas após espetáculo: PALAVRAS CHAVES: SOL/NATUREZA/ARTES . Cuidados com higiene - o Banho: “Tira o sal do sovaco/da unha tira a areia/Tira as ondas do cabelo/e o siri de dentro da orelha” . Alimentos saudáveis e leves: “E a lambida/foi tão quente/que o sorvete de susto derreteu” . Artistas (valorizar os diferentes formas de expressão: teatro de bonecos, poesia, desenho, música, dança, etc). . Exercícios físicos: frescobol, “corrida, para emagrecer, pra se precaver e pra não engordar” . Estudar características dos bichos marinhos. . Cidadania – melhorar hábitos: não jogar lixo nas praias, ruas. .Valorização dos sentimentos, “o namoro – Oh,marinheiro,/que vieste de uma terra distante!/por acaso esta rosa que trouxeste/significa amor sincero e constante?/se não for isso, pega a tua rosa./o teu navio e desaparece no horizonte.” . Uso da água doce e salgada. . Músicas – rap, cantigas populares, efeitos sonoros. . Parcerias e uniões (GRUMALUC, poeta e Escola).

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ANEXO 05

RELATÓRIO DE APRESENTAÇÕES DA PEÇA: MAIS VALE UM ESGOTO LIMPÃO DO QUE UMA CIDADE NA MÃO – ANO 2003 Data Responsável Escola Bairro Alunos Depoimento 17/04 Maria José Amapate/Jd Encantado Vl Perceu L. Barros 50 (1) 24/04 Sandra (2x) E.João Vialta Jd Metrópolis 300 24/04 Sandra (2x) E.Brincando com as Letras Pq.Itajaí II 150 08/05 Marli (2x) El Caminho Feliz Jd Proença 120 (2) 08/05 Paula (2x) Recanto Azul Jd Garcia 120 (3) 15/05 Rosangela (2x) E. Cantinho da Gente Jd Capivari 120 (4) 15/05 Rosangela (2x) E.Maria Odete S. Mota Jd Márcia 240 22/05 Dilma (2x) E. Zé Colméia Jd Paineiras 51 (5) 22/05 Solange(2x) E.Noêmia Cardoso Asbahr Jd Boa Esperança 150 (6) 29/05 Marinalva(2x) C. Lídia Mazeli Jd Capivaro 150 (7) 29/05 Adriana C. Roberto Teles Sampaio São Marcos 150 29/05 Ana Paula Esc. Casulo Encantado Guanabara 250 (8) 05/07 Maria José C. Maria Batrum V.Perceu L.Barros 120 05/07 Solange (2x) E.Benjamin Constant Jd Pacaembu 260 (9) 05/07 Marta C.Manoel Alves da Silva Jd Aeroporto 205 (10) 12/07 Gisele E.Estrelinha DIC VI 60 (11) 12/07 Cidinha E.Guilherme de Almeida Jd Aero Continental 50 12/07 Maria José C. Maria Batrum V.Perceu L. Barros 120 12/07 Sonia E.Jambeiro Pq Jambeiro 80 (12) 26/07 Iamara E.Branca de Neve Jd Cristina 60 (13) 26/07 Odete (2x) E.Snoopy Jd Sta Letícia 120 (14) 26/07 Marta C.Haid M. Pupo Novaes Pq Universitário 200 07/08 Maria Alice C.M.Glória Martins Pq São Jorge 80 (15) 07/08 Maria Alice E. Pinóquio Pq.São Jorge 60 07/08 Cidinha E.Branca de Neve Jd Cristina 60 (16) 07/08 Rosemaria Recanto Inf.Baroneza Guanabara 70 14/08 Sonia C. Comecinho de Vida V.Orozimbo Maia 150 14/08 Helena E. Pres Getulio Vargas Pq São Quirino 50 14/08 Cidinha E. Estrelinha DIC VI 50 14/08 Sonia E.Ping Pong Jd São Pedro 80 21/08 Vania E.Sol da Manhã DIC IV 50 21/08 Vania E. Gente Amiga DIC IV 50 21/08 Cidinha E. Guilherme de Almeida Jd Aero Continental 50 21/08 Gislaine C.Mauro Marcondes Res M.Marcondes 55 27/08 M.Aparecida E.Rafael Duarte Taquaral 100 27/08 Vania E.Criança Esperança DIC V 60

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28/08 M.Aparecida E.Rafael Duarte Taquaral 100 28/08 Lurdes C M.Lazara D. Gonçalves Jd Eulina 130 04/09 Flau Educap V.Nova 35 04/09 Rosemaria Recanto Infantil Guanabara 60 04/09 Maria Alice E. Pinóquio Pq.São Jorge 60 04/09 Silvana C.Anita Afonso Ferreira Jd.São José 130 (17) 11/09 Marta (2x) E. Raio de Sol DIC I 240 11/09 Leila (2x) E. Tancredo Neves Campos Elíseos 160 16/09 Sueli C. Pres.Castelo Branco Vila Castelo Branco 230 (18) 16/09 Sueli (3x) C.Aurora Santoro Jd Ipaussurama 560 25/09 Helania Inst.Casa M. De Nazaré Ponte Preta 16 25/09 Elaine (2x) E.Recanto da Alegria Jd Nilópolis 240 25/09 Sandra C. Margarida M. Alves Vila União 180 02/10 Marta E.Curumim Pq.Universitário 120 02/10 Adriana (2x) E.Carlos Zink S.Bernardo 240 (19) 02/10 Flau EDUCAP V.Nova 60 09/10 Marta (2x) E.Shangai J.Shangai 64 09/10 Vania E.Criança Esperança DIC V 60 09/10 Marlene E.Papai Noel P.Santa Bárbara 56 13/10 Marta E.Haid Pupo Novaes Pq.Universitário 200 13/10 Marlene E.Papai Noel Pq Sta Bárbara 56 13/10 Elaine C.S.João Batista P.São Quirino 100 13/10 Marlene E.Reino Encantado P.Fazendinha 58 23/10 Marlene E.Reino Encantado Parque Fazendinha 56 23/10 M. Aparecida (2x) E. Rejente Feijó V. Boa Vista 335 23/10 Mi Berçario 14 Bis J.Chapadão 130 30/10 Sonia (2x) E.P.Anchieta V.P.Anchieta 300 30/10 Marta E. Shangai J.Shangai 64 30/10 João E.Campo Belo Campo Belo 150 (20) 06/11 Márcia C.Cristiano Osório de Oliveira Jd Independência 180 06/11 Sonia C. Brasília Bemartins V.Padre Anchieta 120 06/11 Sonia (2x) Emei Padre Anchieta V.P.Anchieta 300 12/11 Raquel (4x) C. Marilene Cabral DIC I 590 13/11 Gislaine C. Mauro Marcondes Res. M.Marcondes 55 13/11 Débora (2x) E. Lafayete A.S.Camargo Cambuí 175 13/11 Roberta E. Jad Cristina Jd.Cristina 60 27/11 Elaine E. Fadinha azul Cafezinho 180 27/11 Lurdes C.M.Lazara D. Gonçalves Jd Eulina 50 27/11 Roseli C.Thermotis A. Machado DIC II 120 27/11 Regina C. Sonia Maria Jd Maria Rosa 150 04/12 Roberta Emei Jd.Cristina Jd. Cristina 60 04/12 Silvana C. Anita Afonso Ferreira J.S.José 200 04/12 Roseli E. Thermotis Araújo Machado DIC II 110 04/12 Regina E. Maria de Lourdes Jd Sta Teresinha 120 11/12 Silvana Cemei Anita Afonso Ferreira J.S.José 140

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11/12 Milene C. M. Lourdes Doria Passos J.Maracanã 130 11/12 Milena C. Otávio César Borghi P.Floresta 155 11/12 Milena C.Elci Feijó Gomes Campina Grande 140 18/12 Milena Cemei Otávio César Borghi Pq Floresta 155 18/12 Alaide Cemei Lions Clube V. Lemos 45 TOTAL 111 apresentações PÚBLICO 11.516 crianças DEPOIMENTOS Os depoimentos das professoras foram recolhidos via telefone, após uma semana do

espetáculo na escola e também imediatamente após a apresentação teatral.

A entrevista foi semi-estruturada e apresentava as seguintes questões: O que achou do

espetáculo? Quais ações vocês desenvolveram na escola, após o Teatro, utilizando o que foi

abordado na peça?

(1) Maria José - Na Amapate a gente já trabalha estas questões e foi bom porque a

linguagem é conhecida das crianças. As palavras mais difíceis, as crianças

estranharam, perguntaram para a professora o que queria dizer. No Jd Encantado

– unidade onde não se está desenvolvendo o tema, despertou a curiosidade e foi

apropriado para aquisição de vocabulário novo para eles. A didática foi boa, as

músicas conhecidas, o tempo curto (de forma que) prendeu a atenção das crianças

- porque elas geralmente se dispersam. Abrimos um projeto de reciclagem que vai o

ano todo. Lançamos uma campanha de recolhimento de latas de alumínio e

garrafas plásticas.

(2) Marli – as crianças gostaram muito, chamou atenção o Rock Ferro, as cores e a

forma de fazer, enfim foi um lazer educativo. Ninguém joga mais coisa dentro da

Privadona. Comentaram com os pais. As moças se preocuparam em não assustar,

prepararam as crianças, e no final as crianças quiseram pegar nos bonecos,

dançaram e riram com eles.

(3) Paula – Foi ótimo, as palavras-chaves despertam a curiosidade, ficam na cabeça.

As crianças perguntaram do esgoto, comentaram o problema da Privadona que

entupiu – elas lembram do Teatro e as tias repetem. Quanto às ações de economia

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de água, por exemplo, minha filha pediu para (eu) não lavar o carro e a calçada, e

sim varrer. Houve aceitação, comentaram com os pais na saída do portão. No dia

ficaram encantadas com os bichos que apareceram e depois vão se lembrando.

Sugiro que coloquem palavras (nas peças) para melhorar o comportamento: dá

licença, obrigado.

(4) Rosangela – Elogiaram. Estão trabalhando o tema da reciclagem. Foi dinâmico,

plantou idéias sobre o que não se decompõe na terra. Fazem desenhos e pesquisas

em livros sobre a reciclagem de papel. Na sala a tia falou do esgoto e responderam

que é água suja, comentaram.

(5) Dilma – gostaram, a mudança é a longo prazo no comportamento. As professoras

(é) que dão continuidade, têm de trabalhar mais na sala de aula para mudar as

atitudes.

(6) Solange – Estamos trabalhando o meio ambiente e introduziu a questão do esgoto.

Estamos trabalhando com jornal na sala de aula, lixo no lixo.

(7) Marinalva – gostaram e estão trabalhando os temas da peça. Adoraram!

(8) Ana Paula – gostaram, há retorno sobre a água e a preservação do meio ambiente.

Quando tocam no tema as crianças lembram da peça, falam como é. A separação

do lixo, as cores, a música, falam da Dona Privadona. Já tinha na escola a coleta

seletiva, mas agora as crianças perguntam de que material é feito. O trabalho de

preparação foi positivo para não ficarem com medo. O problema do papel no vaso

que entope, lixo errado – 100% absorveu e cobram dos pais em caso para colocar

5 sacos de lixo diferentes, vão fazer papel reciclado com tela. Ficaram

horrorizadas com o alumínio que não tem prazo para ser absorvido. Eles conhecem

os bonecos de fios, fantoche de mão, mas o teatro foi diferente – com objetos

animados – Rockferro, peixe, Privadona que são do cotidiano, valoriza brinquedo

sem pilha. O retorno com os pais sobre o envolvimento das crianças na classe, foi

didático, não maçante. Passaram o conteúdo legal, com alegria. O tempo não foi

longo, com animação 30 minutos que eles ficaram parados, olhando, segurou e

prendeu – absorveram. Tenho algumas crianças da classe A e B que tem pouco

envolvimento com o outro – amigos, professores, funcionários e pessoas na rua.

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Precisamos trabalhar respeito, solidariedade, racismo. Por exemplo: a guerra do

Golfo, a gente abre a aula e faz uma prece a Deus, pede para iluminar. Não

podemos sair de casa porque se machuca, porque? Não sabia que tinha lugar que

fazia assim, até matava, não brigar. Um menino comentou que eles deviam brigar

quando eram crianças. O teatro passa de forma lúdica.

(9) Solange – Na reunião pedagógica da unidade avaliamos o trabalho do Teatro e

achamos a linguagem clara, as crianças não tiveram dificuldade – foi entendida

por elas, a equipe de trabalho (as atrizes foram) muito tranqüilas e com dinâmica

excelente. (As ações propostas na escola) Colocar no concreto - é fazer

dramatização (na sala de aula) – tem um (outro grupo que faz um) projeto de

educação ambiental “arteiros e artistas” para criação. Falta agenda para todas as

escolas, a parceria (que viabiliza a vinda dos espetáculos nas escolas) deve

continuar.

(10) Marta – Gostamos muito do trabalho.

(11) Gisele - Estão trabalhando (na escola) o meio ambiente, reciclagem e por

isto (as crianças) não estranharam a linguagem. Foi interessante depois da peça,

quando (na interação as atrizes) mostraram os tipos de bonecos, sempre fica um

mistério.

(12) Sonia – Lindo, ótimo, educativo. Nunca teve na escola (Teatro de Bonecos) e

(gostamos) o cuidado que o grupo tem (com as crianças, preparando o que vai

acontecer), prende a atenção e não deu medo, mostrou o boneco e tirou o medo. A

economia de água - fechar a torneira ajuda a melhorar a atitude (das crianças

para não desperdiçar água).

(13) Iamara – Bem aceito, gostaram.

(14) Odete – bom, no dia as crianças ficam com a impressão do encantamento

com os bonecos que aparecem, depois comentam, perguntam o que queria dizer, as

dúvidas aparecem para a professora trabalhar depois na sala de aula. Uma coisa,

sobre a identidade – bom ter bonecos da raça negra. (Muito interessante os efeitos

da) voz dos bonecos. Temos teatro dentro da escola, com bonecos também, (mas)

ver outra experiência - enriqueceu.

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(15) Maria Alice – houve chuva (no dia e por isto) teve pouca adesão numa das

escolas (Pinóquio), tem dificuldade porque é longe. Gostaram.

(16) Cidinha – comentaram na reunião pedagógica como foi, acharam ótimo,

excelente. Estão trabalhando o tema referente à poluição, a parceria (ajuda a

escola porque) acrescenta, pega verba (para aplicar na questão) cultural.

(17) Silvana – elogiaram, temos um córrego atrás da escola e há poluição (para

ser analisada e propor ações de limpeza e prevenção), incentivou.

(18) Sueli – gostaram demais.

(19) Adriana - Excelente.

(20) João - ótimo, não conhecia.

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ANEXO 06

RELATÓRIO DE APRESENTAÇÕES DA PEÇA: MAIS VALE UM ESGOTO LIMPÃO DO QUE UMA CIDADE NA MÃO – ANO 2004 Data Responsável Escola Bairro Alunos Depoimento 04/03 Marili E. Ping Pong Jd D.Pedro 60 04/03 Marili (2x) Cantinho da Alegria Jd São Gabriel 120 04/03 Marili E. Julio de Mesquita São Vicente 30 11/03 Marili (2x) E. Formosinha Vila Formosa 60 11/03 Claúdia (2x) Col. D.Barreto Ponte Preta 122 (1) 18/03 Marili E. Julio de Mesquita São Vicente 30 18/03 M.Lúcia (2x) E. Celiza Cardoso do Amaral Vila Industrial 240 (2) 18/03 Cristiane C. Mauro Marcondes Mauro Marcondes 50 25/03 Cristiane/Denise (4x) C. CAIC Prof Zeferino Vaz Vila União 300 (3) 01/04 Cristiane C. Mauro Marcondes Mauro Marcondes 50 01/04 Marili (2x) C. Éster Ap. Viana Vila Formosa 150 (4) 01/04 Deise Inst. Educ. Traço Mágico Swift 80 (5) 08/04 Dilma E. Zé Colméia Jd Paineiras 50 08/04 Dilma E. Noemia Cardoso Asbahr Jd Boa Esperança 130 08/04 Lúcia E. José Vilagelin Neto N.Campinas 40 08/04 Cláudia Esc. Educ.Inf. Dimensão Jd Aurélia 50 15/04 Marta E. Curumim Pq Universitário 60 15/04 Marta (2x) E. Shangai Shangai 120 15/04 Tania Inst. Educ. Imaculada Guanabara 200 22/04 Marta (2x) E.Aide Maria Pupo Novaes Pq Universitário 290 22/04 Cíntia (2x) E.Recanto Inf. Vila Rica Vila Rica 200 29/04 Sonia E. Satélite Íris Satélite ìris 30 29/04 Regina (2x) C. Sonia M.Alves Castro Peres Jd Maria Rosa 200 29/04 Vanilda Esc. N.Sra da Consolação Pq São Quirino 70 06/05 Malu C.M.Ap.Vilela Gomes Jr Jd Boa Esperança 60 06/05 Marlene (2x) E. Carlos Zink S. Bernardo 240 06/05 Cristiane C. Ap.Cassiolato Jd Santa Mônica 104 13/05 Sonia E. Pequeno Príncipe Jd Florence II 60 13/05 Dulcilei (2x) C. M.Antonia Mendonça de Barros Jd Sta Eudóxia 195 13/05 Cristiane E. Esperança do Amanhã Jd Santa Mônica 60 20/05 Vera (2x) C. Maria Beatriz Vila Georgina 240 20/05 Sonia (2x) E.Gasparzinho Jd Florence I 120 27/05 Vera C. Beatriz Carvalho Moreira Vl Georgina 120 27/05 Vera (2x) E. Jambeiro Pq Jambeiro 180 27/05 Sonia E. Pequeno Príncipe Jd Florence II 60 03/06 Cristiane E. Esperança do Amanhã Jd Santa Mônica 60

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03/06 Cristiane C. Ap. Camiolato Jd Santa Mônica 75 03/06 Dora C. M.Lazara Duarte Golçalves Jd Eulina 150 03/06 Margareth Col. Integral Alphaville 15 17/06 Márcia E. Comecinho e Vida V.Orozimbo Maia 125 17/06 Márcia E. Iniciação Jd São Lourenço 60 17/06 Sonia E.Satélite Íris Satélite ìris 30 17/06 Juliana Esc. Inf. Corujinha Jd Chapadão 20 24/06 Márcia E. Pezinho Descalço Jd São Lourenço 150 24/06 Dora (2x) E. Bolinha de Mel Jd Eulina 260 24/06 Márcia E. Começinho de Vida V.Orozimbo Maia 125 05/08 Solange C. Beth Pierrô Chác. Jd do Vovô 120 05/08 Regina (2x) E. M.Lurdes Cardoso dos Santos Jd Santa Teresinha 128 05/08 Márcia E. Iniciação Jd Carlos Lourenço 60 12/08 Tereza C. Isaura Roque Quércia V. 31 de Março 80 12/08 Regina (2x) E. Apóstolo Paulo Pq S. Paulo Apóstolo 70 12/08 Márcia E. Pezinho Descalço Jd São Lourenço 150 19/08 Ana Lucia (2x) E. Carrossel Cidade Jardim 240 19/08 Ana Lucia (2x) E. Manoel Afonso Ferreira V.Teixeira 240 26/08 Sonia (2x) C. Zoe Valente Belochio Jd Santo Expedito 280 26/08 Leida (2x) Creche Irmã Ruth Sampaio Nova Aparecida 140 02/09 Marili (2x) Col Madre Cecília Cambuí 110 02/09 Aparecida (2x) E.Guilherme de Almeida Country Vile 240 09/09 Laureci (2x) Inst.Julio Chevalier Vila Industrial 67 09/09 Aparecida (2x) E.Branca de Neve Jd Cristina 120 30/09 Sueli (3x) C. José Fidelis Jd Nova América 300 30/09 Maria Almerinda Esc. Inf. Passo Mágico Jd das Oliveiras 30 07/10 Luis (2x) Col. Diretrizes Jd Chapadão 32 07/10 Sueli (2x) E. Carlos Drummond de Andrade Jd Nova Mercedes 180 14/10 Maria Marta E. Raio de Sol DIC I 120 14/10 Maria Marta E. Jd Cristina Jd Cristina 160 14/10 Janete Lions Clube 40 21/10 Tereza (2x) E. Hilton Frederice Vila 31 de março 450 21/10 Maria Marta (2x) C. Manoel Alves da Silva Jd Aeroporto 200 28/10 Márcia (2x) Col. Salesiano N.Sra Auxiliadora Guanabara 200 28/10 Joislaine Rec Inf. Chocolate S.Bernardo 85 18/11 Silvia (2x) Chapeuzinho Vermelho Jd Santa Rosa 120 18/11 Elaine E. Márcia Otranto Jorge Jd Mirian 230 18/11 Maria José E. Vila Esperança V.Esperança 60 25/11 Silvia E.Silvia Fernanda Boni Jd Santa Rosa 70 25/11 Maria José C. Roberto Teles Sampaio Jd São Marcos 370 25/11 Paula Centro Educ. Laporte Pq Industrial 80 TOTAL 112 apresentações PÚBLICO 10.013 crianças

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OBSERVAÇÕES E DEPOIMENTOS

(1) Cláudia - Realizado no anfiteatro com cadeiras individuais e palco italiano – alto

e longe das crianças. A empanada foi montada no centro, as professoras entraram e

colocaram todas as crianças de um lado, mas as atrizes pediram para dividi-las, sentando-as

nos dois lados, facilitando olhar. Havia 4 classes. Foi feita preparação com algumas

informações das cores do lixo. Iniciou-se o espetáculo, a luz de cima foi apagada, havia

uma pessoa para ajustar as luzes. A moça da Sanasa estava sentada na última fila,

indiferente. A interação empolgou as crianças que estavam bastante envolvidas. A

orientadora pedagógica não esteve presente em nenhuma apresentação. Houve demora para

abrir o anfiteatro, ninguém na escola sabia que ia ter teatro - um descaso. A distância do

palco atrapalhou a dinâmica do espetáculo. As atrizes não interagiram tão facilmente. No

meio do espetáculo algumas crianças foram para a frente da platéia e dançaram,

participando ativamente e interagindo. Foi estimulante, nenhuma professora impediu,

deixando-as livres. Os menores de 3 anos acabaram saindo e a professora levou-os para

cima, para não atrapalhar os outros. A professora foi até o banheiro e alguns se levantaram -

seguindo seu exemplo. Uma professora reprimiu uma criança que dançava em cada música,

ela era muito expressiva. Existiu certa agitação, algumas crianças prestaram muita atenção

e pudemos perceber em seus olhos que viajaram e imaginaram, fascinadas com o

espetáculo. Um menino ficou o tempo todo olhando sem expressão. Não bateu palmas, não

cantou, não se mexeu para nada, apenas olhava. Outros estavam encantados. Observamos

que, no final, envolveram-se com os bonecos que circularam nas mãos das atrizes, a

dinâmica foi correspondida. As crianças se movimentavam acompanhando os movimentos

dos bonecos. Distribuíram copos de água e os brindes. As professoras disseram que

gostaram muito. Entregamos as “Sugestões de Atividades”.

(2) Maria Lúcia - Esta escola completou 40 anos. As crianças estavam sentadas no

chão do pátio, apesar de ter um teatro de arena na escola, que estava sujo - preferiram um

espaço menor e com sombra. Entregamos para a professora as “Sugestões de Atividades”.

Achou interessante e disse olharia e passaria para outras professoras. A pintura das paredes

é com personagens infantis – Pateta e Donald, há duas crianças em trajes de Taikwondo –

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existe aula desta técnica e um painel da Cinderela – nenhum personagem brasileiro. Letras

do alfabeto estavam penduradas bem alto, fora do ângulo de visão das crianças. As reações

ao espetáculo: acompanharam cada gesto dos bonecos, alguns muito sensíveis à música,

palmas foram seguidas pelos sons, mexiam seus corpos - tentando dançar sentados.

Respondiam animadamente às apresentações dos bonecos, tchaus e cantavam as cantigas

conhecidas. Os ratos causaram nojo com as cenas de lixo e sujeira. Uma garotinha fazia

movimentos, dançava, parecia entender o que os personagens falavam, ria, batia palmas e

estava entusiasmada – na hora da ferramenta consertando a boca de lobo ela bateu palmas

também, o que fez todas as crianças a sua volta baterem palmas, acompanhando sua reação.

Na hora do bicho Barriga D’água ela deu um murro no ar e para frente como que

expulsando o bicho. A turma foi bastante interativa, na hora das cores das latas de lixo

reciclável falavam as cores junto, mesmo sem ser estimulados pelos bonecos. No Rockferro

um garotinho fez com a cabeça como roqueiros. Percebi que na hora do professor Nestor

quebrou o ritmo da apresentação e houve certo desinteresse. Duas crianças da frente se

levantaram e foram atrás da empanada para observar as atoras, a professora já se levantou e

deu sinal para que os outros ficassem nos seus lugares, evitando tumulto. A interação

mostrando e revelando como e de que os bonecos são feitos foi encantadora. As caras

abraçando os bonecos e a atenção daquele momento inesperado prenderam as crianças.

Finalizando com a música, os brindes foram distribuídos pela patrocinadora. Cada

professora fez sua fila. Alguns foram fazer intervalo e brincar no parquinho. Pude

conversar com Suzete – tem 28 anos de magistério e alfabetização. A primeira observação

que ela fez, foi corrigir a pronúncia da letra “E” quando falam da ETE – não é correto falar

“É” pois depois fica difícil formar as sílabas, a criança não entende. Disse que vai fazer

uma roda na sala, perguntar o que acharam da peça. Sua avaliação foi: a partir do momento

que as crianças acompanharam e prestaram atenção, não precisou a professora ficar

pedindo para sentar e que foi muito bom o trabalho. Até a professora pode assistir. Ela disse

que já viu muito teatro e que isto é um fato – se a criança se mexe e quer sair é porque está

desinteressante. Disse que quer fazer coleta de lixo reciclável na escola, mas precisa ter

compradores. Quer plantar umas flores no jardim (que só tem grama). Elogiou o lugar, que

gosta muito, já foi substituta nesta escola. Fomos interrompidas por uma aluna que estava

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querendo balançar e não deixavam.

(3) Denise - As crianças estavam esperando o Teatro, a vice-diretora Denise nos

recebeu e estava atarefada com o recolhimento de APM para Ovos de Páscoa. Entregamos

a “Sugestão de Atividades”, ela pegou, mas não leu e nem questionou conteúdo. Pedimos o

e-mail da escola – estão instalando novo computador, ela não tem afinidade com o

equipamento. Vieram as 100 crianças e começaram a peça. Fotografamos. O rosto de

encantamento é algo inexplicável. A peça aconteceu sem novidades. A prof Renata fez um

trabalho com cartazes no Castelo Branco – favela envolvendo a comunidade e disse que

estavam implantando uma usina de reciclagem e as crianças não deixavam mais lixo nas

ruas, pegavam tudo: latas, pets e o lugar mudou de apresentação. Ela estava empolgada em

relatar sua experiência, o trabalho com a participação dos pais – um deles fez um aquário

numa caixa de sapato – colando um papel azul no fundo e mostrou-o. Também tinha um

peixinho e ia para a casa das crianças que até dormiam junto com ele.

Esta professora vai iniciar um projeto de lixo reciclável. Já fez pedido para órgãos e está

esperando liberação de verba. Os merendeiros do refeitório e guardas aproximaram-se para

ver o teatro; estavam alegres, observando o momento, os bonecos e pediram brindes da

Sanasa – lápis, copinho d’água e imã de geladeira. Uma professora pediu brinde para as

crianças que faltaram. Tivemos a segunda apresentação com 60 crianças. A Denise disse

que normalmente fazem uma apresentação de manhã e outra à tarde. Lamentava não ter

visto todo o espetáculo, mas se começasse às 2 horas da tarde ela iria ver, pois saía às 15:00

horas. As crianças participaram e foi tudo sem novidades. Ofereceram café e foram muito

gentis.

(4) Marili – havia um clima interessante, as pessoas nos receberam com carinho, de

forma a causar estranheza. A coordenadora foi muito amável, mostrou a sala e quando

perguntamos sobre a continuidade dos temas do teatro – mostrou os quadros da sala de

aula, imagens que os alunos estavam trazendo sobre lixo reciclado, água e outros. Falou-

nos que no ano passado tentou agendar o teatro e não havia dias disponíveis, mas este ano

era a 5° escola dela que recebia o teatro da Sanasa - estava muito satisfeita. Gostava muito

do teatro de bonecos do Grumaluc. Pediu licença para ver algumas coisas e pudemos

observar as paredes da escola. Muito aconchegante e especial esta Cemei. As crianças se

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acomodaram para ver a peça. Na segunda apresentação, a professora, que havia visto de

manhã, resolveu trazer novamente sua turma para ver a peça - tinha espaço suficiente.

Fiquei atenta para ver a reação das crianças que estavam vendo pela segunda vez. As

crianças gostam de repetir as histórias e pedem para contar o mesmo livro várias vezes,

lembrei que eu mesma contava a história “Os Três Porquinhos” muitas vezes para meu

irmão pequeno e lia várias vezes, até decorar certos livrinhos de histórias infantis, em férias

chuvosas na praia. Percebi porque as mesmas escolas pedem para voltar no outro ano.

Quando gostam do trabalho, pedem para agendar novamente. A apresentação correu

tranqüila, as crianças participaram, cantaram junto, os menores dançaram, pularam e

andaram – participando ativamente da peça e da conversa com os bonecos. A interação foi

bem. A Camomila perguntou o nome de algumas crianças e deu a mãozinha para

cumprimenta-las. Algumas crianças acompanharam o desmonte da empanada e pudemos

perguntar se gostaram, qual o personagem que mais as atraiu. Responderam que gostaram,

sorriram, parecendo encantadas.

(5) Deise – esta escola já conhece o trabalho do Grumaluc - peça de Natal - Márcia

disse que uma garotinha havia dado uma carta ao Papai Noel. Isto cria afetividade com as

pessoas do lugar. Entregamos as “Sugestões de Atividades”. As crianças se acomodaram no

chão e havia sol em muitos lugares, forte ainda. Mas mesmo assim deu-se o início da peça.

Havia crianças de várias idades juntas, acredito que de 4 a 10 anos, num total de 60 mais ou

menos. Todos prestaram atenção, se divertindo. A diretora disse que gostava muito do

trabalho do grupo. Entregaram os brindes. Penso que o quadro do professor Hidro com o

Julinho dispersa e é desinteressante.

OBS: Os relatos começaram a se repetir e julgamos ter material suficiente para a pesquisa.

APRESENTAÇÕES NO MUSEU DO CAFÉ – ABERTO AO PÚBLICO - Gratuito

Domingos – quinzenalmente

Período: Abril a Outubro de 2004.

TOTAL 30 apresentações PÚBLICO 600 pessoas.

RESULTADOS: Este projeto de 2003 a 2004 concretizou:

253 Espetáculos - Para Público de 22.129 Pessoas.

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ANEXO 07 TEXTO DA PEÇA: MAIS VALE UM ESGOTO LIMPÃO, DO QUE UMA CIDADE NA MÃO Personagens: Dra Sanatudo, Prof Hidro, ratos Imundinho e Colérico, verme Barriga D'Água, turma do lixo: Tuco, Vidroco, Papelito, Rockferro. Dna Privadona, Plasmélia, Lolicola, Escamoso, Julinho, Anita e Nestor. Narrador: A nossa história começa quando dois ratinhos muito espertos, Imundinho e

Colérico, encontram uma casa toda suja, cheia de lixo, um lugar perfeito para eles morarem. (Entram os ratos Imundinho e Colérico em cena, através de um buraco sem ralo, tudo é mal cheiroso).

Imundinho: Olha só Colérico, quem está lá! Colérico: É a Dna Privadona. Ela não gosta que joguem nada dentro dela. (ri)

(Privada está parada de um lado do cenário) Dna Privadona: As pessoas jogam pedaços de brinquedos, papel de bala, chiclete,

tudo dentro de mim. Eu não agüento. Fica engasgada (tosse). Eu não sou lata de lixo (tosse como se estivesse engasgada, e vai tossindo, tossindo)... até explodir!

Narrador: Dna privadona entupiu, mas a nossa história continua... Entram Nestor e Anita e dizem que hoje é um dia especial! Pois é dia de Teatro na Escola! Comentam que a Sanasa trata da água e do esgoto da cidade e que nós temos que cuidar do lixo e que cada lixo tem o seu lugar e sua cor!

Narrador: Enquanto isso num terreno baldio cheio de entulhos, a plantinha Camomila e a minhoca Nhoca estavam em apuros quando acordaram no meio do lixo.

Nhoca: Ai, ai, ai, onde estou? Este lugar cheira mal. (A CAMOMILA SAI DO MONTE DE LIXO E FALA )

Camomila: (boceja) Hei, hei, quem é você ? Nhoca: Eu sou NHOCA, uma minhoca muito esperta. E você quem é? Camomila: Eu sou a Camomila, uma plantinha! Nhoca: Eu estava cavando, cavando e cavando e saí aqui. Camomila: Ah! Já vi que você está no meio do lixo, que nem eu. Nhoca: Hum! Com esse monte de lixo eu não posso nem respirar. Debaixo da terra

onde eu moro é bem mais fresquinho! Camomila: Todo mundo tem que fazer como a natureza faz ! Nhoca: Como assim? Camomila: A natureza reaproveita tudo que pode. Nhoca: As crianças precisam aprender a separar o lixo e não joga-lo no lugar errado.

Mostra os tambores coloridos para separar cada tipo de lixo e que tem a turma do lixo reciclável, que pega cada coisa e coloca no recipiente certo.

(MÚSICA DA MINHOCA) Nhoca: Lá vem a turma do lixo reciclável, Rockferro e seus amigos. E eu vou cavar

um tunelzinho. Tchau, criançada. Vou cavar um tunelzinho. Tchau.

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(Entra o metaleiro Rockferro - começa a tocar para entrada dele) Eu sou o metaleiro rockferro Canto rock para animar os meus amigos Eu sou duro de acabar, eu sou forte pra agüentar. Eu toco esta música pra dançar! Heié! Heié! Rockferro: Minha cor é amarela, sou tudo o que é de metal. Quando vocês forem me

jogar me ponham num recipiente amarelo e sai dançando. Tuco: Sou Tuco, o tomatinho, um orgânico e posso virar adubo para as

plantas.Quando vocês forem me jogar, coloquem-me num recipiente branco (Música com ritmo de salsa)

Vidroco: Sou o Vidroco, totalmente reciclável e ajudo a economizar energia. Quando forem me jogar, me ponham no recipiente verde.

Plasmélia: Sou a Plasmélia, uma garrafa plástica. Vocês devem me jogar no recipiente vermelho.

Papelito: Sou o papel Papelito. Posso virar um novo papelito. Pode até virar um livro novo!O meu recipiente é de cor azul!

Narrador: Um esgoto entupido acaba transbordando e um verme poderoso, o Barriga D’Água ataca, saindo pela tubulação. O Vibrião Barriga d’Água sai pelo esgoto que entupiu, vazou e começa a provocar doenças.

Narrador: Aparece a Dra Sanatudo que cuida desse vazamento do esgoto para que esses vermes não contaminem as pessoas.

Dra Sanatudo: As crianças não podem pisar na água suja do esgoto, porque podem ficar doentes. A Sanasa trabalha todos os dias em todos os lugares da cidade e a água do esgoto é tratada na Estação de Tratamento de Esgoto! (ETE). No final o professor Hidro, vai contar tudo sobre o esgoto

Cena do peixe: Escamoso com a Lolicola que foi jogada no rio. Ela devia ir para uma usina de reciclagem!

Narrador: Julinho estava muito feliz, pois estava chegando a hora de ir para Escola encontrar seus amigos e Prof Hidro que conta a ele que a água do esgoto é tratada nas ETES, tira o lixo, o óleo, a areia e devolve para os rios essa água que foi limpa para não poluir. (MÚSICA PEIXE VIVO)

Escamoso: Estou feliz! Agora posso ter meu cardume, nesse rio limpinho! Esta foi mais uma aventura da “Turma do Julinho”. MAIS VALE UM ESGOTO LIMPÃO, DO QUE UMA CIDADE NA MÃO!

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ANEXO 08

SUGESTÕES DE ATIVIDADES

Peça: MAIS VALE UM ESGOTO LIMPÃO DO QUE UMA CIDADE NA MÃO Apresentação: nossos bonecos são de papel-maché e buscamos temas que estimulam a reflexão. A questão ecológica está na agenda do dia e a pergunta que nos toca é: O que cada um de nós pode fazer para ajudar na preservação da natureza? Objetivos: Refletir sobre o uso do esgoto. Cuidados com doenças contagiosas e higiene. Lixo reciclado e uso de sucatas. Permitir o acesso à arte. Promover atividades pedagógicas a partir da peça teatral. Ser, com a arte, um instrumento que auxilie na formação. Atividades Sugeridas após espetáculo: PALAVRAS CHAVES: DESPERDÍCIO/CUIDADO/ORGANIZAÇÃO . Frases do folclore popular (frases e ditos populares) . Uso das cores (regras para lixo e outras placas, sinais urbanos) . Profissões (valorizar os serviços de lixeiro, professora, encanador, médico, etc) . Reciclagem (promover ações de recolhimento de latas, pets e pesquisar uso do lixo: adubo orgânico, tecidos de pets, papel, montar bonecos com sucatas) . Estudar benefícios das plantas e bichos da terra (minhoca) e não sujar terrenos vazios . Valorizar alimentação sem desperdício (fome zero-comida para todos) . Cidadania – o que cada um pode modificar em seus hábitos: em casa e na rua (privada e bueiro) . Colocar cada coisa em seu lugar (disciplina e organização na vida coletiva) . Cuidados com higiene e prevenção de doenças – lavar mãos (vermes em geral), não pisar lodo (barriga d’água), escovar dentes (cáries), lavar rosto (conjuntivite), etc . Valorização da família – animais se reproduzem nos rios (sapo, peixes), o cuidado para preservar espécies e também com nós humanos (valores emocionais) . Utilização inteligente da água tratada (mudar hábitos de desperdício) . Ritmos musicais – rumba, rock, cantigas de roda e cirandas. . Revelar a arte e diferentes linguagens: teatro de bonecos, foto, cinema e TV (quem faz e como) . Parcerias e uniões (Sanasa , GRUMALUC e Escola) viabilizar ações cidadãs.

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ANEXO 09

DEPOIMENTOS EM ESPAÇOS ALTERNATIVOS - 2005

Estes relatos foram colhidos em 03 apresentações abertas ao público. A peça apresentada

nos eventos tratava sobre questões da conservação ambiental, chamada CORAÇÃO

VERDE. Os relatos foram gravados e as perguntas abertas instigaram para que os

depoimentos tratassem sobre o que acharam da peça, sobre a forma de passar o conteúdo e

sobre a linguagem artística do Teatro de Bonecos.

LOCAL 1: Praça do Côco em Barão Geraldo – Campinas - 13/11/2005:

1 - Rita – artesã que passou a infância na Argentina e assistiu a vários espetáculos de

titeriteiros nas ruas, abertos ao público.

Muito bonito, passou muita coisa, tanto para crianças como para adultos. Essa peça deveria estar em todas as escolas. Você pode jogar 50 sementinhas em 50 cabeçinhas, 20 vão brotar.

2 - Andréa Santos. Ex-coordenadora da Casa de Cultura de Sousas – local onde o Grumaluc

realizou as comemorações de seus 10 anos, em 2004. Esta espectadora conhece todas as

peças do grupo.

Os pássaros, as borboletas, aí de repente vem aquela barulheira, não é? Até! E isso realmente choca... e retratou bem o que tem acontecido, cada vez mais, não é? Com nossa natureza.

LOCAL 2: Chafariz do Bosque dos Jequitibás – Campinas – 03/12/2005:

3 - Denise Coutinho, Bióloga do Museu de História Natural. Convidou o Grumaluc para

realizar um espetáculo aberto ao público no Chafariz do Bosque dos Jequitibás. É

coordenadora do Centro de Educação Ambiental do Museu de História Natural.

Por que todo mundo tem vida e quer viver. Aqui no bosque nós temos animais soltos, a mata, que a gente também precisa cuidar. E o que a gente faz?

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4 - Nice. Profa de Ciências da escola D.Barreto, foi convidada a assistir ao espetáculo do

Grumaluc no Bosque dos Jequitibás.

Eu gostei bastante, achei o tema importantíssimo. Na área de Ciências é o que a gente vem trabalhando, realmente muito boa. Ah! O gostoso é passar a idéia do artesanal, dos bonecos feitos por vocês. Um texto muito bom e direto, não é? Falando da reciclagem, do reaproveitamento. Eu achei isso bastante importante.

LOCAL 3: Estação Ambiental de Joaquim Egídio – Campinas – 05/12/2005:

5- Zamira. Professora da Estação Ambiental de Joaquim Egídio, onde foi realizado

espetáculo do Grumaluc para crianças das escolas da região.

As músicas interessantes, o material todo que vocês usam também todo reciclado, é lindo. Achei que foi muito adequado para qualquer idade. Até os lixeiros pararam, também as pessoas que estavam caminhando.

6 - Márcia Cristina Toledo. Coordenadora da Estação Ambiental de Joaquim Egídio.

A peça, eu achei legal, porque ela passa algo positivo, porque ela passa primeiro como que é antes da interferência, a questão do impacto ambiental. Depois, a questão da urbanização, o que o homem consegue fazer com o meio ambiente. Só que ela passa uma mensagem legal, porque ela passa que isso é recuperável, que a gente, com as nossas ações, a gente pode estar tendo essa questão do lado positivo, que seria a sustentabilidade. A gente tentando não interferir tanto nesse meio ambiente e recuperando o que já foi, o que já houve de interferência. Então o legal é a forma como é colocado, dentro de um contexto folclórico. Acho que isso aproxima muito a questão do entendimento da criança, então as músicas, os animaizinhos, porque consegue fazer com que a criança entenda, de uma forma assim bem lúdica, bem tranqüila. A questão do grupo também, do contato com as crianças, mostrar como é que manipulam os bonecos, (como) foram confeccionados. Então, tudo isso, eu acho que faz com que a criança também se perceba e (perceba) o meio ambiente e a partir daí, você (pode) ter ações para preservar e viver um pouco mais em harmonia.

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ANEXO 10 MODELO DA ENTREVISTA Nome: Grupo que trabalha: O que faz no grupo: 1- Porque você escolheu a carreira artística no Teatro de Bonecos e o que significa para você este trabalho? 2- Relacione às palavras apresentadas abaixo, um pensamento ou sentido que tem a ver com suas práticas profissionais: ARTE –

ESPECTADOR –

CULTURA –

EXPRESSÃO –

RUPTURA -

3- De acordo com sua experiência, diga o que acha sobre políticas públicas culturais para o Teatro de Bonecos?

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ANEXO 11 RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS – período de 01 a 02/2006. ENTREVISTA 01 – enviada em 07/01/2006 Nome: Márcia Regina Marchette Grupo que trabalha: GRUMALUC O que faz no grupo: Diretora, artesã, figurinista, roteirista, manipuladora.

1- Porque você escolheu a carreira artística no Teatro de Bonecos e o que significa para você este trabalho? Este trabalho começou quando aprendi sem compromisso fazer bonecos e adereços em papel machê. Com isso veio o interesse em ministrar oficinas e passar o conhecimento para educação e aprimorar técnicas de teatro, realizando cursos, aprendendo iluminação e sonoplastia de palco. Mas, não estava completo. Então ganhei um concurso com bonecos de papel machê. Aí veio o desejo de experimentar o teatro de bonecos. Desta vez foi mais sólido, pois com as apresentações abertas, o público foi solicitando espetáculos em escolas e tudo começou se profissionalizando. 2- Relacione às palavras apresentadas abaixo, um pensamento ou sentido que tem com suas práticas profissionais: ARTE – Amplitude, forma de buscar a sensibilidade para quem faz e p/quem vê. ESPECTADOR – A necessidade de que aprecie. CULTURA – Diversas formas de expressão do ser. EXPRESSÃO – O termo que em momento algum podermos deixar de ter. RUPTURA – Quebra do esteriótipo. 3- De acordo com sua experiência, diga o que acha sobre “políticas públicas culturais” para o Teatro de Bonecos? Talvez os projetos que são apoiados por instituições, empresas públicas e privadas valorizassem esta arte como um código cultural que tem expressão e que também consegue levar logomarcas para todo tipo de público, desde a elite até o proletariado, pois até a atualidade, no Brasil, é uma forma de arte pouco valorizada, e que se houvesse união e respeito entre os grupos existentes esta valorização seria ampla. ENTREVISTA 02 – enviada em 14/01/2006 Nome: Teca Rios Grupo que trabalha: Grumaluc O que faz no grupo: manipuladora 1- Foi por mero acaso, mas como eu gosto de desafios, de fazer sempre coisas diferentes e gosto de fazer experiências faço tudo como se fosse um desafio, uma coisa nova para aprender.

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2- ARTE – A arte é uma coisa que não se pode medir, cada um faz sua própria arte, independente se é um especialista ou não. ESPECTADOR – O espectador, tem olhos para os valores que ele acha que é o certo que ele acha que é verdadeiro, não importa para ele o que está vendo. CULTURA – O Brasil é o país mais culto do mundo só que nós não sabemos disso e não usamos! EXPRESSÃO – Cada um tem de fazer o que acha que é melhor para si e para os outros! RUPTURA – O rompimento não deve ser imposto, mas trabalhado dentro das relações sociais. 3- As políticas públicas culturais para o teatro de bonecos são iguais a qualquer outro seguimento, não tem direcionamento, não tem incentivo. ENTREVISTA 3 – enviada em 16/01/2006 Nome: João Proteti Grupo: Grumaluc O que faz no grupo: participação especial - adaptação do livro de poesia “O VERÃO”. Fico feliz por poder estar participando com você. Foi delicioso acompanhar as meninas em algumas apresentações da peça e conversar com as crianças e adultos após. É um estimulador vital que nem te conto! 1- Escolhi o Teatro de Bonecos para adaptação do meu livro porque acho que é a linguagem teatral que mais se aproxima do universo da criança. Foi uma feliz descoberta ver o meu livro criar formas, falas, sons. Os desdobramentos sempre nos levam para outras percepções. 2- Arte - linha da vida, na minha vida. Espectador - talvez o personagem principal de qualquer manifestação artística. Cultura - sobrevivência de uma nação, de um povo. Expressão - sabe quando a gente faz o gol e parte pro abraço? Pois é... Ruptura - além, muito além... 3- São sempre benvindas qualquer forma de política cultural, pública ou privada. Lamento que não haja continuidade de um governante, ou gestor, para outro. ENTREVISTA 04 – enviada em 21/01/2006 Nome: MALU VASQUEZ / Lourdinha Grupo: Grumaluc O que faz no grupo: Atriz-bonequeira, musicista e narradora. 1- Primeiramente, por ser tratar de uma maneira de expressão artística e cultural direta, cuja mensagem seja de cunho educativo ou puramente arte nos variados seguimentos de pesquisa no desempenho dessa técnica. Dessa forma para mim é desafio puro colocar no espectador uma intenção através do boneco, que só cria vida com o meu empenho e generosidade. 2- ARTE- Vôo pleno

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ESPECTADOR- Preenchimento de vazio, procura CULTURA- Riqueza EXPRESSÃO- Força RUPTURA- Novos caminhos 3- Ignorância e indiferença total no poder de expressão e fixação de ideologias, comportamento e energização da massa popular. ENTREVISTA 05 enviada em 23/01/2006 Nome: Fábio Parpinelli Grupo que trabalha: Cia. Teatro de La Plaza e Cia. Patética O que faz no grupo: no Teatro de La Plaza sou ator convidado (manipulador de bonecos, objetos) e na Cia. Patética faço parte do núcleo e, além de manipular bonecos e do trabalho de ator, vendo, ajudo na produção dos espetáculos e em toda a parte administrativa e artística do grupo. 1- Em primeira instância, esse trabalho surgiu como uma forma de poder viver da profissão de ator exclusivamente, pois até então tive várias profissões que não condiziam com as minhas vontades, porém me possibilitavam o sustento financeiro. O teatro infantil e, principalmente o de animação em geral (bonecos, objetos e outros) tem grande aceitação e procura nos dias de hoje, com o intuito de estimular cada vez mais as novas gerações e associar de uma vez por todas a importância da cultura na educação do ser humano. Hoje, trabalhar com bonecos e com a linguagem para crianças significa, para mim, um nível de profissionalismo e preocupação de qualidade e aperfeiçoamento constantes, uma outra vertente do meu trabalho de artista tão enriquecedora e de uma infinidade de possibilidades, às vezes até maiores do que em relação ao teatro adulto, tão difícil de se realizar e/ou se manter. Diferentemente das outras categorias de teatro que realizo (Teatro Adulto e Teatro Empresarial), o teatro de bonecos é o que melhor me garante a manutenção de um grupo associado diretamente a um sustento financeiro, a uma organização praticamente empresarial e a uma evolução e continuidade nas pesquisas e realizações artísticas. 2- ARTE – um objetivo sempre a ser alcançado. A palavra “arte” abrange muitos significados, todas as artes juntas, o que a torna poderosa, grandiosa e faz com que a preocupação ao realizar um trabalho seja, primeiramente, se ele é artístico, se ele brota de algum significado, se tem ou terá alguma importância na emoção ou pensamento das pessoas. ESPECTADOR – é aquele que vai dizer/demonstrar se o meu trabalho significa algo. Realizo a minha profissão porque me faz bem. Faço teatro, mexo com arte para mim: é o meu alimento. Porém, esse “para mim” traz sempre consigo o pensamento do resultado, que imediatamente está associado ao outro, ao espectador. CULTURA – é o que somos por completo. Apesar de poder ser qualquer coisa nos dias de hoje, pelo desgaste que essa palavra sofre, cultura é o conjunto daquilo que aprendemos nas nossas origens, com nossos pais, família + tudo aquilo que aprendemos na escola, que continuamos aprendendo na vida, nas relações, em cada situação de nossa vida, com a

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vida dos outros + o nosso instinto + toda a história que vem milhares de anos antes até nós + tudo aquilo que não sabemos + tudo que sentimos + o infinito... EXPRESSÃO – é o que me move, talvez o que mais me importe. Poder me expressar. Encontrar sempre a melhor expressão, a melhor maneira de dizer, de não dizer. É o corpo do artista, sua voz, suas idéias, seus sentimentos. É o nosso instrumento. RUPTURA – Algo que acho bastante difícil hoje em dia e, talvez até, desnecessário. A ruptura serviu muito bem para desregrar e desenquadrar a dureza de outros tempos. Hoje talvez o que importe mais seja o retorno a algo mais essencial, menos rasgado e dilacerante. Mais sensível, sutil, invisível. 3- Sem dúvida, a visibilidade desse tipo de teatro e o reconhecimento de sua importância deram um salto e alcançaram seu devido merecimento. Acho que toda a forma de arte, todas as categorias artísticas devem ter eternamente sua parte e seus estímulos para existirem. O problema (não sei se é um problema Rio-São Paulo, brasileiro, ocidental ou humano) é que nada funciona sem a conhecida “panela”. A própria palavra ‘política’ já abre as portas para a existência das “panelas”, que são aqueles grupos formados por pessoas que conquistam determinados postos e cargos (pois sempre tem alguém que deve decidir, escolher, etc) e, a partir desse mínimo poder, favorecem o seu próprio grupo de conhecidos, velando todas as outras existências até que uma outra “panela” tome o lugar dessa e faça a mesma coisa e assim por diante. Uma cooperativa como a que temos aqui em São Paulo (Cooperativa Paulista de Teatro) por enquanto tem sido uma alternativa (nem sempre de sucesso) em relação a essas “panelas”. ENTREVISTA 06 - enviada em 26/01/2006 Nome: Bernardo Rohrmann Grupo que trabalha: Companhia de Inventos O que faz no grupo: Direção, criação, confecção e manipulação. 1- Eu tive formação desde criança em música e artes plásticas, mas pouca ou quase nenhuma em artes cênicas, a não ser pela televisão onde os desenhos animados me encantavam e mais tarde o início da linguagem dos Vídeos Clips. Mais ou menos ao acaso, no início da década de 80, um irmão foi colega do Paulinho Polika ( já bonequeiro) na Escola Guignard, e através desta amizade começamos a fazer marionetes. Para mim foi a realização em unir música, artes plásticas, e algo ainda mais forte que eu não podia explicar. Me lembro quando eu tinha 3 anos de idade e passou na rua um senhor vendendo pequenas marionetes e minha reação foi de medo e pavor. Será então, agora o encanto uma forma de resgatar aquela emoção? 2- ARTE – Dia a dia. ESPECTADOR – Objetivo da Arte. CULTURA – Manifestações e objetos que nos cercam. EXPRESSÃO – Espelho da Cultura. RUPTURA – Desprendimento. 3- Desconheço política específica para o Teatro de Bonecos, a não ser de leis de incentivo para as artes em geral. Mas as próprias associações se esvaziaram de compromissos nas últimas décadas, agora vemos em alguns estados a retomada destas associações e a partir

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delas acredito que conseguiremos representatividade. ENTREVISTA 07 – enviada em 01/02/2006 Nome:Miguel Vellinho Vieira Grupo que trabalha: Cia. PeQuod – Teatro de Animação O que faz no grupo:Dirige, escreve, produz e atua 1- Acho que na verdade já estava escolhida desde muito tempo. Quando criança, minha mãe me colocou em uma Escolinha de Artes e lá tive contato com muitos tipos de material, me iniciei na escultura e na pintura e fiz meu primeiro boneco. Minha relação com as Artes Plásticas, foram, portanto, desde o primeiro momento muito intensas. Na adolescência, o Teatro se aproximou e acho que no Teatro de Bonecos é o único lugar onde eu posso reunir toda essas informações. Ali estão a pintura, a escultura, o drama, a ação. É uma seara onde todas estas informações estão contidas e onde minha expressão artística se faz mais plena, completa. 2- ARTE – Realização, descoberta e conhecimento. ESPECTADOR – Alvo, resposta, identificação. CULTURA – Memória. EXPRESSÃO – Intimidade, revelação. RUPTURA – Desafio, crescimento, vida, estar atento. 3- Honestamente não há ainda uma política pública para o teatro de Bonecos. Estamos alheios na “grande conversa”, somos marginais em qualquer discussão. Há muito que se caminhar neste sentido. Fazemos o nosso trabalhão no sentido de tornar mais interessante, mais vistoso e mais vital o nosso teatro para que ele um dia não precise ser a toda hora lembrado, pq ele é constantemente esquecido. Acho que o SESC e o SESI fazem um grande trabalho neste sentido, e só. Não vejo ninguém realmente interessado na nossa atividade e acho mesmo que é melhor assim. ENTREVISTA 08 – enviada em 03/02/2006 Nome: HENRIQUE SITCHIN Grupo que trabalha: CIA TRUKS O que faz no grupo: COORDENAÇÃO, DIREÇÃO, AUTORIA. 1- Escolhi o Teatro de Bonecos quando entendi que não poderia outra coisa, se não trabalhar com os bonecos. É minha forma de estar no mundo, interagir com o meio e com as pessoas, apresentando minha arte, minha expressão, meus conceitos e valores sobre a vida. 2- ARTE – Resgate e expressão da individualidade do ser humano. Das formas únicas, próprias de cada um, de estar e agir na vida. ESPECTADOR – O que recebe e interpreta livremente minha arte, minha comunicação e meu contato artístico. CULTURA – Tudo aquilo que o homem cria, transforma, constrói. Em oposição ao que é da natureza, a cultura retrata todo o movimento de transformações e adaptações ao meio,

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que o homem cria e provoca ao seu redor. EXPRESSÃO – Comunicação de um jeito de se inserir no mundo e na vida. RUPTURA – Transgressão necessária. Maneira própria de expressar-se, capaz de construir o novo. 3- Absolutamente necessárias. O setor público tem, como função, prover cultura à população. O teatro de bonecos é uma das ricas manifestações culturais de nosso povo e portanto, necessita ser inserido em políticas públicas de incentivo á pesquisas, produção e consequentemente, retorno social. ENTREVISTA 09 – enviada em 03/02/2006 Nome: Neiva Figueiredo Grupo que trabalha: Cia. Manoel Kobachuk / Teatro de Bonecos Dr. Botica O que faz no grupo: Atriz-manipuladora / Produtora 1- Não tenho certeza se escolhi ou fui escolhida. 2- ARTE – Movimento ESPECTADOR – Acolhedor CULTURA – Expressão EXPRESSÃO – Universo interior RUPTURA - Liberdade 3- Acredito que as políticas públicas são específicas de cada região. Aqui em Curitiba, por exemplo, elas acontecem devido a um forte e antigo movimento da APTB – Associação Paranaense de Teatro de Bonecos, mas sempre estão sujeitas ao governante do momento. Estive recentemente no I Festival de Teatro de Bonecos de Porto Velho/RO onde ouvi a seguinte realidade: “...aqui a cultura é a terceira pessoa depois de ninguém...” ENTREVISTA 10 – enviada em 16/02/2006 Nome: Julio Pompeo Grupo que trabalha: Teatro de la Plaza O que faz no grupo: Ator/manipulador, diretor, dramaturgo, produtor. 1- Na verdade não foi exatamente uma escolha, mas uma sequência de acontecimentos mais ou menos casual. Formei-me como ator na UNICAMP e, num momento em que estava em busca de trabalho acabei conhecendo Héctor Girondo por meio de um teste. Ele estava procurando dois atores para montar o espetáculo educativo UM SÉCULO EM UM INSTANTE. Fiz o teste e começamos a trabalhar juntos. Isso foi em 2000 e de lá pra cá não paramos: produzimos juntos diversos espetáculos, nos alternando nas funções e hoje temos um repertório de 7 espetáculos, a maioria de bonecos. Esse trabalho, além do interesse artístico, da pesquisa estética, da manipulação de materiais, é hoje minha atividade principal. 2- ARTE – eterna busca

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ESPECTADOR – receptor de idéias, objetivo maior do meu trabalho. CULTURA – conjunto de idéias e ideologias em debate (hoje em dia em uma crise grande) EXPRESSÃO – um conceito deveras dúbio. Nesse momento, para mim, é uma subcategoria estética; tem mis a ver com individualidade, auto-conhecimento do que com arte. RUPTURA – algo absolutamente necessário numa experiência artística profunda. 3- Como tudo no Brasil, são confusas, mal formuladas, mal distribuídas e, sobretudo, mal gerenciadas. Até existem intenções interessantes, mas que se perdem no meio do caminho. Não deveria se tratar de “distribuir verbas” (que é como os políticos pensam ‘políticas públicas’ de modo geral, não só na área cultural, mas social também), mas de se pensar em ações eficazes de longo prazo, que colaborassem para construir processos mais eficientes de criação, manutenção e circulação dos bens culturais. Susanita do Grupo Giramundo – enviada em 11/01/2006 Respondeu que não poderia contribuir, pois estava em viagem de trabalho.