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Psicoterapia Vygotskiana Joaquim Maria Quintino-Aires 1 Todo o psicoterapeuta precisa de um suporte teórico para a sua prática. Através da sua conceitualização da mente humana e do seu desenvolvimento, o qual deve incluir uma teoria de mudança, o psicoterapeuta criará um conjunto de técnicas de intervenção e um posicionamento relacional adequados para si próprio. Desde 1996, o nosso grupo 2 tem vindo a desenvolver uma abordagem psicoterapêutica baseada nos estudos de L. Vygotsky e dos seus colegas e companheiros Luria, Leontiev, Zeigarnik, entre outros. Numa primeira fase, este projecto baseou-se no trabalho clínico de Rita Mendes Leal, nas décadas de 70 e 80, para quem uma teoria de mudança deriva da relação entre terapeuta e paciente, como recurso os instrumentos mediadores, tais como, os brinquedos e a linguagem. Numa segunda fase iniciou-se a discussão para a integração das “teses de vygotsky na teoria da prática psicoterapêutica: 1) O cérebro dos animais é diferente do cérebro dos humanos 2) As funções nervosas superiores têm origem relacional 3) As funções nervosas superiores têm organização sistémica 4) As funções nervosas superiores têm localização dinâmica 5) A construção das funções nervosas superior é mediada por instrumentos (artefactos materiais e fala) registados na CULTURA e criados pelos humanos ao longo da sua HISTÓRIA 6) O processo de internalização decorre adentro de uma relação com um “veterano competente”, fazendo surgir o conceito de ZPD, processo dinâmico pelo qual o que era inter-psicológico (social) se torna intra-psicológico (psicológico). Como escreveu Dorothy Robbins, citando Newman e Holzman (1996), “a particular relational activity that simultaneously is and makes possible the transforming of 1 Director do IPAF- Instituto de Psicologia Aplicada e Formação e Professor no Departamento de Psicologia da Universidade Internacional da Figueira da Foz, Portugal. Av. Almirante Reis, 106, 3ª Esq., 1150-055 Lisboa Portugal. [email protected]. 2 Grupo de Psicólogos Clínicos, Psicoterapeutas e Neuropsicólogos de uma escola de profissionalização pós-graduada de orientação vygotskiana em Portugal e no Brasil

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  • Psicoterapia Vygotskiana

    Joaquim Maria Quintino-Aires1

    Todo o psicoterapeuta precisa de um suporte terico para a sua prtica. Atravs da sua conceitualizao da mente humana e do seu desenvolvimento, o qual deve incluir uma teoria de mudana, o psicoterapeuta criar um conjunto de tcnicas de interveno e um posicionamento relacional adequados para si prprio.

    Desde 1996, o nosso grupo2 tem vindo a desenvolver uma abordagem psicoteraputica baseada nos estudos de L. Vygotsky e dos seus colegas e companheiros Luria, Leontiev, Zeigarnik, entre outros.

    Numa primeira fase, este projecto baseou-se no trabalho clnico de Rita Mendes Leal, nas dcadas de 70 e 80, para quem uma teoria de mudana deriva da relao entre terapeuta e paciente, como recurso os instrumentos mediadores, tais como, os brinquedos e a linguagem. Numa segunda fase iniciou-se a discusso para a integrao das teses de vygotsky na teoria da prtica psicoteraputica:

    1) O crebro dos animais diferente do crebro dos humanos 2) As funes nervosas superiores tm origem relacional 3) As funes nervosas superiores tm organizao sistmica 4) As funes nervosas superiores tm localizao dinmica 5) A construo das funes nervosas superior mediada por instrumentos

    (artefactos materiais e fala) registados na CULTURA e criados pelos humanos ao longo da sua HISTRIA

    6) O processo de internalizao decorre adentro de uma relao com um veterano competente, fazendo surgir o conceito de ZPD, processo dinmico pelo qual o que era inter-psicolgico (social) se torna intra-psicolgico (psicolgico). Como escreveu Dorothy Robbins, citando Newman e Holzman (1996), a particular relational activity that simultaneously is and makes possible the transforming of

    1 Director do IPAF- Instituto de Psicologia Aplicada e Formao e Professor no Departamento de

    Psicologia da Universidade Internacional da Figueira da Foz, Portugal. Av. Almirante Reis, 106, 3 Esq., 1150-055 Lisboa Portugal. [email protected]. 2 Grupo de Psiclogos Clnicos, Psicoterapeutas e Neuropsiclogos de uma escola de profissionalizao

    ps-graduada de orientao vygotskiana em Portugal e no Brasil

  • rigid behaviour (forms of live that have become alienated and fossilized) into new forms of life (2001, pp. 97)

    7) Este processo de internalizao supe da parte do prprio um agir motivado (dyatelnost).

    Assim, a psicoterapia reconhecida como uma construo mtua, entre dois humanos comprometidos numa relao. Tal como escrito para a Psicologia do Desenvolvimento, Educacional, Social, tambm em contexto clnico e psicoteraputico, a zona de prximo desenvolvimento entendida como um local mgico onde as mentes se encontram, onde as coisas no so iguais para todos os que as vem, onde os significados so fluidos, e onde a construo de um indivduo pode preencher a de outro... (Newman, Griffin e Cole, 1989, p227). Atravs do processo de internalizao, as formas interpsicolgicas (sociais / relacionais) vo sendo transferidas para as formas intrapsicolgicas (pessoais) de significados.

    Para isto, o psicoterapeuta utiliza tcnicas gerais e especficas, tais como anlise contingente, compreenso emptica e nomeao, criando uma relao com o paciente na qual este pode construir novos significados e sentidos, lidando com as suas necessidades e motivos. Isto facilita e promove os processos de formao partilhada e o registro individual de significados: consentidos pelo prprio, na relao com um outro, e apontados ou nomeados por ambos como algo exterior. Modelos concretos de trocas recprocas e alternantes entre eventos /coisas /indivduos so indicadores de ateno alocada, gerando tenso e sugerindo uma busca partilhada para a compreenso do significado da ocorrncia de eventos em vai-e-vem.

    Em Portugal e no Brasil um j grande nmero de psicoterapeutas trabalha com adultos diagnosticados como psicticos, psicopatas e neurticos, com bons resultados.

    Nesta perspectiva, e como escreveu Alxis Leontiev (1972), o verdadeiro problema no est na aptido ou inaptido das pessoas para se tornarem donos das aquisies da cultura humana, fazer delas aquisies da sua personalidade e dar-lhes a sua contribuio. A essncia do problema que cada humano tenha a oportunidade prtica de tomar o caminho de um desenvolvimento sem bloqueios (p. 283). E isto que se pretende nesca escola de psicoterapia.

  • Esta ideia pode ser encontrada em Rita Leal, a qual enfatiza que cada humano pode tornar-se mais feliz, inteligente e produtivo, se o ambiente social e relacional lhe fornecer uma relao recproca e alternante e a oportunidade para apreender a cultura.

    Para que a realidade do mundo envolvente o mundo dos objectos ganhe existncia para o humano, so necessrias duas condies: 1) que o humano exera um agir efectivo sobre os objectos, um agir efectivo relativamente aos fenmenos objectivos ideais criados pelo humano a linguagem, os conceitos e as ideias, produtos da sua histria. Para entender os eventos da sua prpria vida, tambm necessrio que o humano exera um agir efectivo sobre esses eventos, que na realidade so um produto da sua histria. Podemos encontrar esta concepo em Rita Leal, com a instruo tcnica teraputica de que o psicoterapeuta deve esperar pela iniciativa e pelo tema do paciente e este deve verbalizar o evento; 2) Rita Leal (1975) identifica uma segunda condio, tambm presente em Leontev: a comunicao, encarada na sua forma inicial de agir partilhado ou na relao verbal intensamente estudada por Leal (1975, 1997, 2006) e objectivamente apresentada como o padro inato de contingncia prpria iniciativa.

    De acordo com a concepo terica de Vygotsky a resposta da criana ao ambiente no incio dominado por processos naturais, particularmente aquele que so disponibilizados pela herana biolgica. Mas atravs da constante mediao numa relao com o adulto, os processos psicolgicos mais complexos comeam a tomar forma. Inicialmente, este processo pode ocorrer apenas dentro da relao da criana com o adulto. Os processos so interpsquicos, ou seja, so partilhados entre dois sujeitos. Nesta fase, os adultos so agentes externos co-agindo com criana sobre o mundo. Mas conforme a criana cresce, os processos que antes eram partilhados com os adultos tornam-se internalizados e trabalhados internamente na criana, ou seja, as respostas mediadas no mundo transformam-se em processos intrapsquicos.

    Na psicoterapia estes processos podem ocorrer apenas na interaco do paciente com o psicoterapeuta. Estes processos so interpsquicos, ou seja, so partilhados entre dois sujeitos. Nesta fase, o psicoterapeuta um agente externo em relao com o paciente num agir mediado sobre o mundo. Mas porque a mudana ocorre, os processos que antes eram partilhados com o

  • psicoterapeuta tornam-se internalizados e acontecem dentro do paciente. A resposta mediada torna-se um processo intrapsquico.

    Ao ser alterada a interaco externa dos humanos com outros humanos, alterar-se tambm a conscincia, atitude do humano com o meio, consigo prprio e com os outros.

    Certamente no refiro que o paciente uma criana. Mas alguns aspectos do seu Eu, a sua conscincia dos Outros e a sua conscincia das relaes com os eventos da vida no esto ainda ao nvel da conscincia, pelo que no permitem que ele tome a sua vida nas mos, o que significa que a resposta reflexiva no ainda uma atitude. O desenvolvimento de si prprio pode ser indicador da maturidade, da personalidade.

    Como aparece nos trabalhos de Vygotsky e Luria atravs do discurso, que uma funo interpsicolgica partilhada por duas pessoas, mais tarde se transforma num processo intrapsicolgico de organizao do agir humano e, o humano passa a controlar a resposta impulsiva estimulao externa e o seu comportamento passa a ser determinado por uma rede semntica interna (Vygotsky e Luria, 1999, p.221). Este novo processo reflecte a situao envolvente, reformula os motivos que esto na base do comportamento e d o carcter consciente ao agir humano.

    No trabalho psicoteraputico, o paciente modifica o campo psicolgico ou cria para si prprio uma nova situao no seu campo e muda o seu estado, carente de sentido, para um outro, j com sentido.

    O problema que apresentado psicoterapia ento o problema da conscincia. A forma mais elevada de reflexo da realidade, que no dada priori, no imutvel nem passiva, mas sim construda pelo agir e usada pelos humanos para se relacionarem com o ambiente. No s com a sua adaptao s diversas situaes, mas tambm com uma nova estrutura.

    Neste processo, tanto o paciente como o psicoterapeuta utilizam a linguagem. Na abordagem scio-histrica, a linguagem o elemento mais importante na sistematizao da percepo. As palavras so elas prprias um produto do desenvolvimento scio-histrico, tornam-se instrumentos para a formao de abstraces e generalizaes, e permitem a transio de reflexos sensoriais imediatos (no mediados) para o pensamento mediado. Assim, estas categorias surgem atravs da reorganizao da atividade

  • cognitiva que acontece sob o impacto de um novo factor: o factor social / relacional.

    Na teoria scio-histrica de Vygotsky, a ideia de que o significado de uma palavra um processo dinmico que a palavra significa diferentes coisas em diferentes idades (estdios), reflectindo o fenmeno de diferentes formas suportada na suposio de que os processos psicolgicos que controlam o uso das palavras so eles prprios sujeitos mudana.

    Luria (1976) defendeu e mostrou que a autoconscincia um produto do desenvolvimento scio-histrico. Primeiro o comportamento um reflexo da realidade externa natural e social; mais tarde, atravs da influncia mediadora da linguagem, podemos encontrar a autoconscincia nas suas formas complexas. Desta forma, temos que olhar para a autoconscincia como um produto da conscincia do mundo externo, do Eu e dos Outros.

    Como escreveu Vygotsky (1934), a conscincia no surge como um passo superior e necessrio no desenvolvimento de conceitos dentro da conscincia, ela surge sim a partir do exterior. (Vygotsky 1934, p. 282). E este o papel que o psicoterapeuta desempenha, como Outro exterior na psicoterapia. O psquico constri-se nos humanos atravs dos sistemas interiorizados, transpostos das relaes sociais para a personalidade.

    A psicoterapia um contexto social/relacional que permite a construo de conceitos superiores, como conceitos cientficos (ou artificiais) na vida do paciente. Por vezes o humano tem conceitos contraditrios (formas sincrticas, resultantes de uma organizao de complexos) sobre os seus acontecimentos de vida, como por exemplo, na neurose. Durante a relao teraputica, tal como no desenvolvimento, a contradio compreendida quando ambos os Complexos, sobre os quais foi feito um julgamento contraditrio, se transformam numa estrutura nica e superior de um Conceito que est para alm dos outros dois. neste momento que o paciente percebe que produziu dois julgamentos opostos, e que cria um sentido. No porque algum lhe falou dele, mas porque elaborou os dois. E para isto precisa de os verbalizar. E para isto precisa de um Outro disponvel, em relao dialgica (mutuamente contingente) consigo. este o conceito de mudana no desenvolvimento, e tambm na psicoterapia.

    A escolha do assunto apresentada ao psicoterapeuta pelo paciente, no seu agir principal. O paciente fala de um assunto sobre o qual est a tentar criar

  • um sentido. Isto ajuda o psicoterapeuta a identificar zonas de prximo desenvolvimento, e a escolher um caminho para trabalhar com o seu paciente.

    Tal como no desenvolvimento, os conceitos espontneos necessitam de um sistema que lhes permita tornarem-se conscientes e se transformarem em conceitos cientficos (ou artificiais). O trabalho psicoteraputico permite criar esse sistema. E este sistema o que novo neste processo de construo da mente. Como sabemos, o significado de uma palavra uma generalizao que separa o significado da palavra em si. O mesmo acontece com o sentido. E o sentido com muito maior independncia da palavra, como apresentado por Vygotsky e Mikhail Bakhtin. O significado, enquanto forma dinmica, o instrumento para o trabalho do psicoterapeuta. A linguagem no um produto acabado do pensamento. Quando transformado em linguagem, o pensamento reestruturado e altera-se. isto que valida a psicoterapia.

    Como escreveu Luria (1981), uma palavra pode ser utilizada para se referir a objectos e para identificar propriedades, aces e relaes. As palavras organizam as coisas em sistemas. Ou seja, as palavras codificam a nossa experincia. (Luria 1981, apud Robbins, 2003, p.126).

    ______________________________________________________________

    Dlia veio minha consulta na sequncia de uma depresso que j h 5 meses a afastou do trabalho. Tem trinta e dois anos, dois filhos e um trabalho que adora. Segundo as suas palavras, ama o marido desde que o conheceu, tinha ela 16 anos. O ano passado descobriu que ele se relacionava sexualmente uma amiga dela. Tal como vem acontecendo durante todo o tempo do seu casamento, mais uma vez o marido havia se envolvido com outra mulher. Ao falarmos de amor perguntei-lhe:

    - O que amar?

    - gostar da pessoa com quem se casa.

    - S isso?

    - Que mais doutor?

    - A Luisa ama o seu marido?

  • - Por isso estou neste estado. Se no j o tinha deixado.

    - E como sabe que o ama?

    - Porque gosto dele, tenho medo de o perder.

    - E seria capaz de estar tambm com outro homem?

    - Antes fosse capaz.

    - Mas seria?

    - No sei, nunca me apaixonei por outro homem.

    - Tente imaginar.

    - Penso que no. Posso imaginar, sei ver quando um homem bonito e

    atraente, claro que reparo.

    - Que repara. Mas acha que seria fcil estar com outro homem?

    - Estar como?

    - Sexualmente. Beijar, fazer sexo.

    - Parece-me muito difcil.

    - Porqu?

    - Porque eu amo o meu marido.

    - Porque ama o seu marido, no seria capaz de o trair.

    - Sim.

    - , quando amamos no tramos.

    - (silncio)

    - Est a dizer que o meu marido no me ama?

    - O que amar, Dlia?

    - mais do que estar apaixonado. aquela pessoa ter-se tornado parte do

    nosso projecto de vida.

    - E ento?

  • - Mas ento, quem ama no trai!

    ______________________________________________________________________

    Claro que ns temos diferentes tipos de trabalho com diferentes grupos de pacientes. At porque diferentes grupos tm diferentes usos da palavra, do significado e do sentido e, diferentes histrias, que produzem diferentes culturas. Podemos reconhecer uma elevada frequncia de uso de signos na psicose, particularmente signos das prprias emoes: de construo de significados na psicopatia, particularmente sobre os outros, e de sentidos na neurose, particularmente sobre eventos da prpria vida, mas a atitude semelhante em ambos os grupos.

    Para a compreenso do processo psicoteraputico, muito til distino entre monlogo e dilogo. No monlogo, a proximidade com o discurso interno permite um discurso predicativo com uma forte diferena entre a representao absoluta na linguagem interna e a representao parcial na linguagem falada. Ao contrrio, o dilogo com o psicoterapeuta requer uma representao absoluta na linguagem falada, o que promove os conceitos na conscincia, num processo de re-significao e a criao de sentido. Como escreveu Vygotsky (1934), da linguagem interna para a linguagem externa ocorre uma transformao dinmica complexa uma transformao de uma linguagem predicativa e idiomtica para uma linguagem sintacticamente decomposta, compreensvel para todos (p. 474). isto que ocorre no desenvolvimento, e o que suposto, e proposto, que seja produzido na psicoterapia.

    Com este trabalho, o psicoterapeuta scio-histrico aguarda por uma mudana na atitude do seu paciente para consigo prprio e para com o mundo que o rodeia, no pressuposto de B. V. Zeigarnik (1976) de que um mtodo que metaboliza a actividade cognitiva produz uma actualizao dos componentes pessoais (motivaes e atitudes) (p. 32). As atitudes da pessoa esto em relao com sua estrutura de personalidade, as suas necessidades e as suas particularidades emocionais e a sua vontade / volio.

  • As diferentes estruturas de personalidade (psicopatologias) so vistas pelo psicoterapeuta como diferentes idades psicolgicas. Como G. V. Burmenskaia (1997) escreveu, citado por Robbins (2003): Vygotsky definiu idade psicolgica como cada tipo de estruturas de personalidade e actividade, com mudanas psquicas e sociais que inicialmente surgiram num dado estdio de idade psicolgica e que determinam a conscincia da criana, as suas atitudes perante o meio exterior, a sua vida interior e exterior, e todo o contedo do seu desenvolvimento num dado perodo (Burmenskaia, 1997, apud Robbins, 2003, p. 38).

    Assim, o setting psicoteraputico pode ser visto como um local mgico onde as mentes se encontram, onde as coisas no so os mesmos para todos os que as vem, onde os significados so fluidos, e onde a construo de um indivduo pode preencher a de outro. Imaginem, duas pessoas cujas actividades so mutuamente contingentes, seguindo ritmos, rotinas e iniciativas relativamente simples.... (Newman, Griffin e Cole, 1989, apud Robbins, 2003, p 234).

    Para poder fazer o seu trabalho, o psicoterapeuta dispe de algumas tcnicas. Os propsitos de melhorar o aspecto relacional (social) e promover o agir verbal do paciente sobre o objekt (ou instrumento), que aqui significa coisas, pessoas e eventos, eventos da vida do paciente e, baseia-se na funo de mediao que os caracteriza. Ento, eles podem, numa perspectiva psicolgica, ser includo na mesma categoria.

    Ns agrupamos estas tcnicas em dois grupos. Um grupo de Tcnicas Gerais, que estabelecem uma certa atitude relacional (social) entre o psicoterapeuta e o paciente, e devem estar presentes em todos os momentos da psicoterapia; e Tcnicas Especficas, que so seleccionadas pelo psicoterapeuta de acordo com o que est a acontecer em cada momento (aqui e agora) da psicoterapia.

    As Tcnicas Gerais so: Intercurso Mutuamente Contingente, um padro de interaco relacional estudado por Rita Leal (1975); Compreenso Emptica, que consiste em assumir a Eigenwelt do paciente, reconhecendo e assumindo a subjectividade da sua representao de Si e do mundo; e Nomeao, que consiste num permanente descrever e nomear o acontecer referido.

  • As Tcnicas Especficas so: Repetio, com a inteno de produzir uma maior verbalizao da parte do paciente; Marcao, com o objectivo de apoiar o dilogo, mas sem o interromper, o psicoterapeuta produz interlocues; Focagem, para aumentar a ansiedade, promovendo maior agir, acentuado algo que o paciente evita verbalizar; Generalizao, para reduzir a ansiedade, expressando a semelhana daquele agir noutros humanos; Eco Emocional, ou seja, dar nome s emoes e sentimentos do paciente, quando ele mostra dificuldade em faz-lo; e Re-expresso, ou seja, descrever eventos acabados de apresentar pelo paciente, mas de uma forma racional e objectiva.

    Ainda o caso Dlia:

    - Deixei de lhe falar a ela

    - Deixou de lhe falar?

    - Sim. Eu era muito amiga dela mas depois disto.

    - Depois disto era difcil consider-la sua amiga.

    - Sim.

    - E com o seu marido?

    - Ele meu marido, pai dos meus filhos e eu gosto muito dele.

    - Por isso o desculpa.

    - No desculpo. Se desculpasse no pensava todos os dias nisto, depois de

    um ano.

    - Ento como da sua parte com o seu marido?

    - Eu amo-o muito, ou penso que amo, e ele sempre foi assim.

    - Sempre foi assim?

    - Mesmo no namoro. Ns tivemos um namoro muito bonito, gostvamos

    muito um do outro e fazamos coisas muito bonitas. Mas as minhas amigas

    vinham sempre com histrias de outras raparigas.

  • - Com histrias de outras raparigas?

    - Sim, que ele tambm andava com outras raparigas, por isso casmos quando

    eu ainda estava na faculdade.

    - Hum! (Silncio) Alguma vez a Luisa lhe falou a ele sobre essas histrias?

    - Ao princpio tinha medo que fosse mentira e ele se zangasse. Mas quando o

    comecei a encontrar com outras raparigas ganhei coragem.

    - Ganho coragem?

    - Sim, falei com ele. Ele riu-se. Disse que no tinha importncia. Se eu

    quisesse podamos casar no dia seguinte.

    - E a Dlia?

    - Claro que no podamos casar. Nessa altura ainda nem estava na faculdade.

    E depois a minha vida foi sempre assim.

    - A sua vida?

    - Sim, sobressaltada com o que ele andaria a fazer.

    - Mesmo assim resolveu casar.

    - Eu sempre gostei dele e sei que ele gosta de mim. Tem isto, no se aguenta.

    - No se aguenta?

    - O doutor desculpe, mas os homens so um pouco assim. Para vocs uma

    relao no tem o mesmo significado que tem para ns.

    - O significado de uma relao?

    - Conseguem amar uma mulher e ao mesmo assim tra-la.

    ______________________________________________________________

    Nos ltimos anos um grupo de psiclogos clnicos e psicoterapeutas em Portugal e no Brasil, um grupo interessado na abordagem scio-histrica

  • atravs dos trabalhos de Lev Vygotsky, Alexander Luria, Alexis Leontiev e dos seus colegas, tem tentado modificar a sua anterior prtica numa nova prtica. Este grupo, heterogneo no incio, porque provinham de diferentes escolas psicanlise, terapia cognitivo-comportamental, terapia sistmica, fenomenologia, etc. organizou a sua reflexo em volta da teoria e prtica de Rita Leal, no modelo de Relao Mutuamente Contingente, o qual lhes forneceu uma boa base clnica para a pensar a prtica psicoteraputica na abordagem scio-histrica de Vygotsky.

    Hoje olhamos a Psicoterapia com a ajuda de cincias prximas, como as Neurocincias, a Antropologia e a Lingustica. E encontramos um novo HUMANO. Um humano que pensa, e que se pensa, porque esteve em relao com outros humanos e se apropriou da Cultura, resultado de um processo histrico. Este Humano Pensante aproxima-nos do conceito de Liberdade em B. de Espinosa (1661; 1675). Um humano que poder deixar de funcionar como bio-servo (dependente de programas biolgicos resultantes de milhes de anos de evoluo fifogentica). Mas que tambm poder deixar de funcionar como culturo-servo (dependente de programas histricos resultantes de milhares de anos de cultura). Um humano que se torna consciente pela relao, num processo colectivo de apropriao, como descrito por K. Marx (1844, 1867). Num processo em que a sua prpria natureza alterada, como F. Engels (1926) defendeu em Dialctica da Natureza.

    Nesta perspectiva, o psicoterapeuta necessita, antes de comear a trabalhar com cada paciente, de atender ao Status neurolgico, Sistemas psicolgicos (neuropsicologia, a forma como foram estruturadas ao longa da vida as FNS) e ao Psiquismo / Conscincia, quer dizer, aos Contedos Sensveis, Significados e Sentidos do seu paciente.

    Na sua prtica, a relao sempre mediada. Podendo recorrer objectos previamente seleccionados (a Mala Ludo, para trabalhar com crianas at aos 8 anos e a Mala Mundo, para trabalhar com crianas mais crescidas e adolescentes), assim como, claro, ao instrumento de mediao por excelncia, a fala.

    Deste modo, procura organizar a relao entre Actividade Externa Prtica e Actividade Interna Terica (Psicolgica ou psquica), bem objectivada no conceito de Metbolo em Rita Mendes Leal (1997). Mantendo a ideia de que tudo o que nela (experincia prtica humana) autentico se apresenta

  • conscincia com extremo vigor se desenvolve rapidamente. Tudo o que fictcio perde o seu Sentido e desaparece (Leontev, 1981: 154).

    claro para o psicoterapeuta vygotskiano que a transformao psicolgica essencial ento a da relao principal da conscincia, a relao entre Sentido e Significados (Leontev, 1981: 143). E que uma Psicologia que ignorasse que as particularidades do psiquismo humano dependem do carcter geral da conscincia, ele prprio determinado pelas condies da vida real do humano, acabaria inevitavelmente por negar a natureza histrica dos traos psicolgicos (Leontev, 1981: 146).

    Ao colocar a Conscincia como o objecto da Psicoterapia:

    Distanciamo-nos da(o) Por no focarmos Mas sim Psicanlise O inconsciente A Conscincia Comportamentalismo O comportamento A Conscincia Cognitivismo Representaes

    ahistricas e estticas A Conscincia como construo histrica e dinmica

    Fenomenologia / Existncialismo

    Psiquismo arelacional e natural

    A Conscincia como construo relacional e histrica

    Termino usando uma citao: A conscincia reflectida na palavra tal como o sol se reflecte numa gota de gua. A palavra est para a conscincia assim como o pequeno mundo est para o grande mundo, como a clula viva est para o organismo, como o tomo est para o cosmos. A palavra o pequeno mundo da conscincia. A palavra consciente o microcosmos da conscincia humana. (Vygotsky 1934: 486).

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