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A DOUTRINA DAS ÚLTIMAS COISAS
ESCATOLOGIA INDIVIDUAL
Capítulo Introdutório.
A Escatologia na Filosofia e na Religião.
1. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA É UMA QUESTÃO NATURAL. Alguma doutrina
das últimas coisas não é coisa peculiar à religião cristã. Onde quer que as pessoas tenham
refletido seriamente sobre a vida humana, seja no indivíduo, seja na raça, não inquiriram
apenas donde ela surgiu e como veio a ser o que é, mas também para onde está
destinada. Elas levantaram a questão, Qual é o fim ou o destino final do indivíduo, e qual a
meta rumo à qual a raça humana está se movendo? O homem perece na morte, ou entra
noutro estado de existência, quer de bem-aventurança, quer de infortúnio? As gerações
dos homens virão e passarão, numa sucessão interminável e finalmente sucumbirão no
esquecimento, ou a raça dos filhos dos homens e toda a criação estarão a mover-se para
algum telos divino, para um fim que lhe foi designado por Deus? E se a raça humana está
se movendo para alguma condição final, ideal, as gerações que vêm e passam participarão
disso de algum modo, e, se for assim, como participarão? Ou servirão elas apenas como
uma passagem que leva ao grandioso clímax? Naturalmente, só os que crêem que, assim
como a história do mundo teve um princípio, também terá um fim, podem falar de uma
consumação e podem ter uma doutrina da escatologia.
2. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA FILOSOFIA. A questão do destino final do
indivíduo e da raça ocuparam importante lugar nas especulações dos filósofos. Platão
ensinava a imortalidade da alma, isto é, sua existência continuada após a morte, e esta
doutrina persistiu como um importante dogma da filosofia até à época presente. Spinoza
não teve lugar para ela em seu sistema panteísta, mas Wolff e Leibnitz a defenderam com
toda sorte de argumentos. Kant dava ênfase à insustentabilidade desses argumentos, mas,
não obstante, conservou a doutrina da imortalidade como um postulado da razão prática. A
filosofia idealista do século dezenove a rejeitou. De fato, como diz Haering, “O panteísmo
de todos os tipos limita-se a um definido modo de contemplação, e não leva a nenhuma
realidade ‘última’”. Os filósofos não refletiam somente sobre o futuro do indivíduo; também
pensavam profundamente no futuro do mundo. Os estóicos falavam de sucessivos ciclos
de mundos, e os budistas, de eras de mundos, em cada uma das quais um novo mundo
aparece e volta a desaparecer. Até mesmo Kant especulava sobre o nascimento e a morte
dos mundos.
3. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA RELIGIÃO. Contudo, é especialmente na
religião que encontramos concepções escatológicas. Mesmo as religiões falsas, tanto as
mais primitivas como as mais evoluídas, têm sua escatologia. O budismo tem o seu
nirvana, o maometanismo o seu paraíso sensual, e os índios americanos os seus felizes
campos de caça. A crença na permanente existência da alma aparece em toda parte e sob
diversas formas. Diz J. T. Addison: “A crença em que a alma do homem sobrevive à sua
morte, tão perto está de ser universal que não temos nenhum registro confiável de alguma
tribo, nação ou religião em que ela não esteja em destaque”.1 Pode manifestar-se na
convicção de que os mortos continuam pairando nos arredores e por perto, no culto aos
antepassados, na busca de comunicação com os mortos, na concepção de um mundo
subterrâneo habitado pelos mortos, ou na idéia da transmigração das almas; mas, numa ou
noutra forma, está sempre presente. Nessas religiões, porém tudo é vago e incerto. É
somente na religião cristã que a doutrina das últimas coisas recebe maior precisão e traz
consigo uma segurança que só pode ser divina. Naturalmente, os que não se contentam
em descansar sua fé exclusivamente na Palavra de Deus, mas a fazem depender da
experiência e das produções da consciência cristã, estão em grande desvantagem aqui.
Embora possam experimentar um despertamento espiritual, a iluminação divina, o
arrependimento e a conversão, e possam observar os frutos da graça em suas vidas, não
podem experimentar nem ver as realidades do mundo futuro. Terão que aceitar o
testemunho de Deus a respeito delas, ou que continuar andando às apalpadelas no escuro.
Se não desejam construir a casa da sua esperança em vagas e indeterminadas aspirações,
terão que retornar ao firme fundamento da Palavra de Deus.
B. A Escatologia na História da Igreja Cristã
Falando em termos gerais, pode-se dizer que o cristianismo nunca olvidou as gloriosas
predições concernentes ao seu futuro do cristão individual. Nem o cristão individual nem a
1 Life Beyond Death, p.3.
igreja puderam deixar de pensar nelas e de nelas achar consolação. Às vezes, porém, a
igreja, subjugada pelas preocupações da vida ou enredada em seus prazeres pouco
pensou no futuro. Além disso, sucedeu repetidamente que ora pensava mais num elemento
particular da sua esperança futura, ora noutro. Nas épocas de apostasia, a esperança
cristã às vezes ficava obscurecida e incerta, mas nunca se extinguiu completamente. Ao
mesmo tempo, deve-se dizer que jamais houve um período da história da igreja em que a
escatologia fosse o centro do pensamento cristão. Os outros loci ou pontos da dogmática
tiveram desenvolvimento, mas não se pode dizer isto da escatologia. Pode-se distinguir
três períodos na história do pensamento escatológico.
1. DA ERA APOSTÓLICA AO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO. Já no primeiro período, a
igreja estava perfeitamente cônscia dos elementos distintos da esperança cristã, como, por
exemplo, que a morte física não é ainda a morte eterna, que as almas dos mortos
continuam vivendo, que Cristo virá outra vez, que haverá uma bendita ressurreição do povo
de Deus, que esta será seguida por um julgamento geral no qual a condenação eterna será
pronunciada contra os ímpios, mas o fiéis serão recompensados com as glórias eternas do
céu. Mas estes elementos eram simplesmente visto como outras tantas partes separadas
da esperança futura, e ainda não tinham sido elaboradas dogmaticamente. Embora fossem
bem compreendidos os vários elementos, não se via claramente a sua interrelação. A
princípio, parecia que a escatologia estava no caminho certo para se tornar o centro da
elaboração da doutrina cristã, pois nos dois primeiros séculos o quiliasma era muito
proeminente, conquanto não tão proeminente como alguns gostariam de fazer-nos
acreditar. Todavia, como veio a ser, a escatologia não se desenvolveu neste período.
2. DO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO À REFORMA. Sob a direção do Espírito Santo, a
atenção da igreja voltou-se do futuro para o presente, e o quiliasma aos poucos foi sendo
esquecido. Especialmente sob a influência de Orígenes e Agostinho, conceitos
antiquiliásticos se tornaram dominantes na igreja. Mas embora estes conceitos fossem
considerados ortodoxos, não foram ponderados exaustivamente, nem desenvolvidos
sistematicamente. Havia uma crença geral na vida após a morte, mas volta do Senhor, na
ressurreição dos mortos, no juízo final e no reino da glória, mas muito pouca reflexão sobre
o modo de sua ocorrência. A idéia de um reino material e temporal abriu caminho para as
da vida eterna e da salvação futura. Com o transcorrer do tempo, a igreja foi colocada no
centro das atenções, a igreja hierárquica foi identificada com o reino de Deus. Ganhou
terreno a idéia de que fora dessa igreja não há salvação, e a de que a igreja determina o
adequado treinamento pedagógico para o futuro. Muita atenção foi dada ao estado
intermediário e, particularmente, à doutrina do purgatório. Em conexão com isto, a
mediação da igreja foi trazida para o primeiro plano – as doutrinas da missa, das orações
pelos mortos e das indulgências. Como um protesto contra este eclesiasticismo, o
quiliasma apareceu em várias seitas. Em parte, isto constituiu uma reação de natureza
pietista contra o externalismo e a mundaneidade da igreja.
3. DA REFORMA AOS DIAS ATUAIS. O pensamento da Reforma centralizou-se
primariamente em torno da idéia da aplicação e apropriação da salvação, e procurava
desenvolver a escatologia segundo este ponto de vista. Muitos dos antigos teólogos
reformados (calvinistas) trataram dela apenas como um adjunto da soteriologia, focalizando
a glorificação dos crentes. Conseqüentemente, só uma parte da escatologia foi estudada e
levada a uma maior desenvolvimento. A Reforma adotou o que a Igreja eterna, e pôs de
lado a crassa forma de quiliasma que apareceu nas seitas anabatistas. Em sua oposição a
Roma, também refletiu bastante sobre o estado intermediário e rejeitou os diversos dogmas
desenvolvidos pela Igreja Católica Romana fizeram muito pelo desenvolvimento da
escatologia. No pietismo o quiliasma reapareceu. O racionalismo do século dezoito
conservou da escatologia apenas a simples idéia duma imortalidade incolor, da mera
sobrevivência da alma após a morte. Sob a influência da filosofia da evolução, com sua
idéia de um progresso interminável, aquela doutrina se tornou, se não obsoleta, ao menos
obsolescente. A teologia”liberal” ignorou inteiramente os ensinos escatológicos de Jesus e
deu toda a ênfase aos Seus preceitos éticos. Como resultado, ela não tem uma escatologia
que mereça este nome. O interesse pelo mundo além abriu alas para o interesse pelas
coisas deste mundo; a bendita esperança da vida eterna foi substituída pela esperança
social de um reino de Deus exclusivamente deste mundo; e a anterior segurança quanto à
ressurreição dos mortos e à glória futura, foi suplantado pela vaga confiança em que Deus
pode ter em depósito coisas ainda melhores para o homem do que as bênçãos que ele
desfruta agora. Diz Gerald Birney Smith: “Em nenhuma esfera as mudanças de
pensamento foram mais marcantes que na parte da teologia que trata da vida futura. Onde
os teólogos continuavam falando pormenorizadamente a respeito das ‘últimas coisas’,
agora eles expõem em termos algo gerais a barata base para uma confiança otimista na
continuação da vida além da morte física.”2 Contudo, há no presente alguns sinais de uma
mudança para melhor. Uma nova onda de premilenismo apareceu, e este não se limita às
2 A Guide to the Study of the Christian Religion, p. 538.
seitas, mas também achou entrada nalgumas das igrejas dos nossos dias, e os seus
defensores propõem uma filosofia cristã da história, baseada particularmente no estudo de
Daniel e Apocalipse, e ajuda a fixar mais uma vez a atenção no final dos séculos. Weiss e
Schweitzer chamaram a atenção para o fato de que os ensinos escatológicos de Jesus
foram muito mais importantes, em Seu esquema de pensamento, do que os Seus ensinos
éticos, os quais representam, afinal de contas, apenas uma “Interimsethik” (“ética do
ínterim”). E Karl Barth também salienta o elemento escatológico da revelação divina.
C. Relação da Escatologia com o Restante da Dogmáti ca.
1. CONCEPÇÕES ERRÔNEAS QUE OBSCURECEM ESTA RELAÇÃO. Quando
Kliefoth escreveu sua Escatologia (Eschatologie), queixou-se do fato de que até então
nunca aparecera um compreensivo e adequado tratado de escatologia de maneira
completa; e depois chamou a atenção para o fato de que nas obras dogmáticas aparece
muitas vezes, não como uma das principais divisões e uniforme em relação a estas, mas
apenas como um apêndice fragmentário e tratado com negligência, enquanto que algumas
das suas questões são discutidas noutros loci isto é, noutras partes. Havia boas razões
para as suas reclamações. Em geral se pode dizer que, mesmo agora, a escatologia é o
menos desenvolvido de todos os loci da dogmática. Além disso, com freqüência se lhe dá
um lugar muito subordinado no tratamento sistemático da teologia. Coccejus (Cocceio)
cometeu o erro de dispor o conjunto global da dogmática segundo o esquema das alianças,
e assim a tratou como um estudo histórico, e não como uma apresentação sistemática de
todas as verdades da religião cristã. Nesse esquema, a escatologia só poderia aparecer
como “finale” da história, e de modo nenhum como um dos elementos constitutivos de um
sistema de verdade. Uma discussão histórica das ultimas coisas pode fazer parte da
historia revelationis (história da revelação), mas, como tal, não pode ser apresentada como
parte integrante da dogmática. A dogmática não é uma ciência descritiva, e, sim, normativa,
na qual visamos à verdade absoluta, e não a uma simples verdade histórica. Os teólogos
reformados (calvinistas) em geral viam este ponto com muita clareza, e, portanto, discutiam
as últimas coisas de maneira sistemática. Todavia, nem sempre lhe fizeram justiça como
uma das principais divisões da dogmática, mas lhe deram um lugar subordinado num dos
outros loci. Vários deles a concebiam como tratando apenas da glorificação dos santos ou
da consumação do governo de Cristo, e a introduziam na conclusão da sua discussão da
soteriologia objetiva e subjetiva. O resultado foi que algumas partes da escatologia
receberam a devida ênfase, ao passo que outras partes foram pouco menos que
negligenciadas. Nalguns casos, o conteúdo da escatologia foi repartido entre diferentes
loci. Outro erro, que alguns cometeram, é que perderam de vista o caráter teológico da
escatologia. Não podemos subscrever a seguinte declaração de Pohle (católico romano)
em sua obra sobre A Escatologia, ou a Doutrina Católica das Últimas Coisas (Eschatology,
or the Catholic of the Last Things): “A escatologia é antropológica e cosmológica, antes que
teológica: pois, embora trate Deus como o Consumador e Juiz Universal, estritamente
falando, o seu assunto é o universo criado, isto é, o homem e o cosmos”.3 Se a escatologia
não fosse teologia, não teria lugar próprio na dogmática.
2. O CONCEITO CORRETO DESTA RELAÇÃO. Estranhamente, o mesmo escritor
católico romano diz: “A escatologia é a coroa e o selo da teologia dogmática”, o que está
perfeitamente certo. É o único lócus ou ponto da teologia no qual todos os outros loci
chegam a um ponto culminante, a uma conclusão final. O doutor Kuyper assinala
corretamente que cada um dos outros loci deixa alguma questão sem resolver, a que a
escatologia deve dar uma resposta. Na teologia propriamente dita a questão é sobre como
Deus é final e perfeitamente glorificado na obra das Suas mãos, e como se realiza
plenamente o conselho de Deus; na antropologia, a questão sobre como a ruinosa
influência do pecado é dominada completamente; na cristologia, a questão sobre como a
obra de Cristo é coroada com a vitória perfeita; na soteriologia, a questão sobre como a
obra do Espírito Santo por fim resulta na completa redenção e glorificação do povo de
Deus; e na eclesiologia, a questão da apoteose final da igreja. Todas essas questões
devem encontrar em sua resposta no derradeiro lócus da dogmática, fazendo deste o
verdadeiro selo da teologia dogmática. Haering atesta o mesmo fato, quando diz: “De fato,
ela (a escatologia) derrama calara luz sobre cada segmento doutrinário particular. A
universalidade do plano divino de salvação, a comunhão pessoal com um Deus pessoal
asseverada sem reserva, a significação permanente do Redentor sustentada, o perdão do
pecado entendido como unido à vitória sobre o poder do pecado – sobre estes pontos a
escatologia deve tirar toda dúvida, mesmo quando exposições indefinidas, feitas nas partes
anteriores, não possam ser logo reconhecidas como tais. Tampouco é difícil descobrir a
razão disto. Na doutrina das últimas coisas, a comunhão entre Deus e o homem é exposta
como completada, e, daí, a idéia de nossa religião, o princípio cristão, é apresentado em
sua pureza; não, porém, como uma simples idéia no sentido de um ideal jamais
concretizado completamente, mas como uma realidade perfeita – e é evidente, que
3 P. 1.
dificuldades estão implícitas nisso! Portanto, dever-se-á no fim, na apresentação da
escatologia, senão mais cedo, que a realidade desta comunhão com Deus recebeu o que
lhe é devido irrestritamente.”4
D. O Nome “Escatologia”.
Vários nomes têm sido aplicados ao último lócus da dogmática, dos quais o mais
comum é de novissimis (das últimas coisas) ou escatologia. Kuyper emprega a expressão
consummatione saeculi (da consumação dos séculos). O nome “escatologia” baseia-se nas
passagens da Escritura que falam sobre “os últimos dias” (eschatai hemerai), Is 2.2; Mq
4.1, os “últimos tempos” (eschatos ton chronon), 1 Pe 1.20, e “a última hora” (eschate
hora), 1 Jo 2.18. É verdade que estas expressões às vezes se referem a toda a
dispensação do Novo Testamento, mas mesmo assim incorporam uma idéia escatológica.
A profecia do Velho Testamento distingue somente dois períodos, quais sejam, “esta era”
(olam hazzeh, gr. Aion houtos), e “a era vindoura” (olam habba’, gr. Aion mellon). Visto que
os profetas descrevem a vinda do Messias e o fim do mundo como coincidentes, os
“últimos dias” são os dias imediatamente anteriores à vinda do Messias e ao fim do mundo.
Em parte alguma eles traçam uma clara linha de distinção entre uma primeira e uma
segunda vinda do Messias. No Novo Testamento, porém, é mais que evidente que a vinda
do Messias é dupla, e que a era messiânica inclui dois estágios, a presente era messiânica
e a consumação futura. Conseqüentemente, a dispensação do Novo Testamento pode ser
considerada sob dois aspectos diferentes. Se se fixar a atenção na vinda futura do Senhor,
e se tudo que a precede for considerado pertencente a “esta era”, se considerará que os
crentes neotestamentários estão vivendo nas vésperas desse importante evento – a volta
do Senhor em glória e a consumação final. Se, por outro lado, a atenção for centralizada na
primeira vinda de Cristo, será natural considerar os crentes desta dispensação como já
vivendo na era futura, embora somente em princípio. Esta descrição da condição deles não
é incomum no Novo Testamento. O reino de Deus já está presente, a vida eterna já se
realizou em princípio, o Espírito é o penhor das primícias da herança celestial, e os crentes
já estão sentados nos lugares celestiais com Cristo. Mas, conquanto algumas das
realidades escatológicas sejam assim projetadas para o presente, não se realizarão
plenamente, até ao tempo da consumação futura. E quando falamos de “escatologia”,
temos em mente mais particularmente os fatos e eventos que estão relacionados com a
4 The Christian Faith, p. 831.
segunda vinda de Cristo e que marcarão o fim da presente dispensação e penetrarão nas
glórias eternas do futuro.
E. Conteúdo da Escatologia: Escatologia Geral e Ind ividual.
1. ESCATOLOGIA GERAL. O nome “escatologia” chama a tenção para o ato de que a
história do mundo e da raça humana finalmente chegará à sua consumação. Não é um
processo indefinido e infindável, mas uma história que se move em direção a um fim
determinado. Segundo a Escritura, esse fim virá com uma tremenda crise, e os fatos e
eventos associados a esta crise compõem o conteúdo da escatologia. Estritamente
falando, também determinam os seus limites. Mas, uma vez que outros elementos podem
ser incluídos sob o título geral, é costume falar da série de eventos ligados ao retorno de
Jesus Cristo e ao fim do mundo como constituindo a escatologia geral – uma escatologia
que diz respeito a todos os homens. Os assuntos que requerem consideração nesta divisão
são o retorno de Cristo, a ressurreição geral, o juízo final, a consumação do Reino e a
condição final dos justos e os ímpios.
2. ESCATOLOGIA INDIVIDUAL. Além dessa escatologia geral, há também uma
escatologia individual, que deve ser levada em consideração. Os eventos citados podem
constituir a escatologia completa, no sentido estrito da palavra; todavia, não podemos fazer
justiça a isto sem mostrar como as gerações que morreram participarão nos eventos finais.
Para o indivíduo, o fim da presente existência vem com a morte, que o transfere
completamente da era presente para a futura. Na medida em que é removido da presente
era, com o seu desenvolvimento histórico, é introduzido na era futura, que é a eternidade.
Na mesma medida em que há uma mudança de localidade, há também uma mudança de
era. As coisas referentes à condição do indivíduo, entre a sua morte e a ressurreição geral,
pertencem à escatologia pessoal ou individual. A morte física, a imortalidade da alma e a
condição intermediária requerem discussão aqui. O estudo destes assuntos atenderão ao
propósito de relacionar a condição dos que morrem antes da parousia com a consumação
final.
I. Morte Física
A idéia escriturística da morte inclui a morte física, a morte espiritual e a morte eterna.
Naturalmente, a morte física e a espiritual são discutidas em conexão com a doutrina do
pecado, e a morte eterna é considerada mais particularmente na escatologia geral. Por
essa razão, uma discussão da morte em qualquer sentido da palavra poderia parecer fora
de lugar na escatologia individual. Todavia, dificilmente se poderia deixar totalmente fora de
consideração, ao se fazer a tentativa de relacionar as gerações passadas com a
consumação final.
A. Natureza da Morte Física.
A Bíblia contém algumas indicações instrutivas quanto à natureza da morte física. Fala
desta de várias maneiras. Em Mt 10.28 e Lc 12.4, fala-se dela como a morte do corpo, em
distinção da morte da alma (psyche). Ali o corpo é considerado como um organismo vivo, e
a psyche é evidentemente o pneuma do homem, o elemento espiritual que constitui o
princípio da sua vida natural. Este conceito da morte natural também está subjacente à
linguagem de Pedro em 1 Pe 3.14-18. Noutras passagens é descrita como o término da
psyche, isto é, da vida animal, ou como a perda desta., Mt 2.20; Mc3.4; Lc 6.9; 14.26; Jo
12.25; 13.37, 38; At 15.26; 20.24, e outras passagens.5 E, finalmente, também é descrita
como separação de corpo e alma, Ec 12.7 (comp. Gn 2.7); Tg 2.26, idéia também básica
em passagens como Jo 19.30; At 7.59; Fp 1.23. Cf. também o emprego de êxodos
(“partida”) em Lc 9.31; 2 Pe 1.15, 16.
Em vista disso tudo, pode-se dizer que, de acordo com a Escritura, a morte física é o
término da vida física pela separação de corpo e alma. Jamais uma aniquilação, apesar de
algumas seitas descreverem a morte dos ímpios como tal. Deus não aniquila coisa alguma
de Sua criação. A morte não é uma cessação da existência, mas uma disjunção das
relações naturais da vida. A vida e a morte não são antagônicas entre si como ocorre com
a existência e a não existência, mas são mutuamente opostas somente como diferentes
modos de existência. É deveras impossível dizer exatamente o que é a morte. Falamos
dela como a cessação da vida física, mas então surge imediatamente a pergunta: O que é
precisamente a vida? E não temos resposta. Não sabemos o que é a morte em sua
essência, mas a conhecemos somente em suas relações e ações. E a experiência nos
5 Cf. Bavinck, Bijb. En Rel. Psych, p. 34.
ensina que, onde estas são separadas e cessam, a morte entra. A morte é um rompimento
das relações naturais da vida. Pode-se dizer que o pecado é per se (por si mesmo) morte,
porque representa um rompimento das relações vitais do homem, criado à imagem de
Deus, com o seu Criador. Significa a perda dessa imagem e, conseqüentemente, perturba
todas as relações da vida. Este rompimento também se dá na separação de corpo e alma,
chamada morte física.
B. Relação Entre o Pecado e a Morte.
Os pelagianos e os socinianos ensinam que o homem foi criado mortal, não meramente
no sentido de que ele poderia cair presa da morte, mas no sentido de que ele, em virtude
da sua criação, estava sob a lei da morte, e, no transcurso do tempo, estava destinado a
morrer. Isto significa que Adão não era somente suscetível de morte, mas estava realmente
sujeito à morte antes de cair. Os defensores deste conceito eram movidos primariamente
pelo desejo de fugir da prova do pecado original extraída do sofrimento e morte das
crianças. A ciência dos dias atuais parece dar apoio a essa posição acentuando o fato de
que a morte é lei da matéria organizada, visto que esta traz consigo a semente da
decadência e da dissolução. Alguns dos chamados pais primitivos da igreja e alguns
teólogos mais recentes, como Warbuton e Laidlaw, assumem a posição de que Adão de
fato foi criado mortal, isto é, sujeito à lei da dissolução mas que, no caso dele, a lei só foi
efetiva porque ele pecou. Se tivesse comprovado a sua obediência, teria sido exaltado a
um estado de imortalidade. Seu pecado não produziu nenhuma mudança em seu ser
constitucional, nesse aspecto, mas, sob a sentença de Deus, fê-lo sujeito à lei da morte e o
privou da dádiva da imortalidade, que poderia ter tido sem experimentar a morte.
Naturalmente, neste conceito a entrada fatual da morte continua tendo caráter penal. É
um conceito que encaixaria muito bem na posição supralapsária, mas não é exigido por
esta. Na realidade, essa teoria procura apenas enquadrar os fatos revelados na Palavra de
Deus nos pronunciamentos da ciência, mas mesmo estes não a consideram imperativa.
Suponhamos que a ciência provasse conclusivamente que a morte reinava no mundo
vegetal e animal antes da entrada do pecado; mesmo então não se seguiria
necessariamente que ela também prevalecia no mundo dos seres racionais e morais. E
ainda que ficasse estabelecido sem sombra de dúvida que todos os organismos físicos, os
humanos inclusive, trazem dentro de si as sementes da dissolução, isto ainda não provaria
que o homem não foi uma exceção à regra, antes da Queda. Diremos nós que o absoluto
poder de Deus, pelo qual o universo foi criado, não era suficiente para manter o homem
com vida indefinidamente? Além disso devemos ter em mente os seguintes dados da
Escritura: (1) O homem foi criado à imagem de Deus, e isto, em vista das perfeitas
condições em que a imagem de Deus existiu originariamente, por certo exclui a
possibilidade de que trouxesse consigo as sementes da dissolução e da mortalidade. (2) A
morte física não é apresentada na Escritura como resultado natural da continuidade da
condição original do homem, devido ao seu fracasso em não conseguir subir às alturas da
imortalidade pelo caminho da obediência; mas, sim, como resultado da sua morte
espiritual, Rm 6.23; 5.21; 1 Co 15.56; Tg 1.15. (3) As expressões bíblicas certamente
indicam a morte como uma coisa introduzida no mundo da humanidade pelo pecado, e
como uma punição positiva pelo pecado, Gn 2.17; 3.19; m 5.12, 17; 6.23; 1 Co 15.21; Tg
1.15. (4) A morte não é descrita como algo natural na vida do homem, mera falha de um
ideal, e sim assaz decisivamente como algo alheio e hostil à vida humana: é uma
expressão da ira divina, Sl 90.7, 11, um julgamento, Rm 1.32, uma condenação, Rm 5.16 e
uma maldição, Gl 3.13, e enche os corações dos filhos dos homens de temor e tremor,
justamente porque é tida como uma coisa antinatural.
Tudo isso não significa, porém, que não poderia ter havido morte nalgum sentido da
palavra no mundo da criação inferior, independentemente do pecado, mas, mesmo ali, é
evidente que a entrada do pecado trouxe um cativeiro de corrupção que era estranho à
criatura, Rm 8.20-22. Por estrita justiça, Deus poderia ter imposto a morte ao homem no
mais completo sentido da palavra imediatamente após a sua transgressão, Gn 2.17. Mas,
por Sua graça comum, restringiu a operação do pecado e da morte, e, por Sua graça
especial em Cristo Jesus, venceu estas forças hostis, Rm 5.17; 1 Co 15.45; 2 Tm 1.10; Hb
2.14; Ap 1.18; 20.14. A morte realiza agora plenamente a sua obra só nas vidas que
recusam a libertação do seu jugo, libertação oferecida em Cristo Jesus. Os que crêem em
Cristo estão livres do poder da morte, foram restaurados à comunhão com Deus, e foram
revestidos de uma vida sem fim, Jo 3.36; 6.40; Rm 5.17-21; 8.23; 1 Co 15.26, 51-57; Ap
20.14; 21.3, 4.
C. Significado da Morte dos Crentes.
A Bíblia fala da morte física como punição, como “o salário do pecado”. Dado, porém,
que os crentes estão justificados e não estão mais na obrigação de prestar qualquer
satisfação penal, surge naturalmente a questão: Por que eles têm que morrer? É mais que
evidente que, quanto a eles, o elemento penal e retirado da morte. Não se acham mais sob
a lei, quer como exigência da aliança das obras, quer como poder condenatório, visto
haverem obtido completo perdão por todos os seus pecados. Cristo se fez maldição por
eles, e, assim, removeu a pena do pecado. Mas, se é assim, por que Deus ainda julga
necessário faze-los passar pela dolorosa experiência da morte? Por que simplesmente não
os transfere de uma vez para o céu? Não se pode dizer que a destruição do corpo é
absolutamente essencial para uma perfeita santificação, uma vez que isso é contraditado
pelos exemplos de Enoque e Elias. Tampouco é satisfatório dizer que a morte liberta o
crente dos males e sofrimentos da presente vida e dos estorvos do pó, livrando o espírito
do grosseiro e carnal corpo atual. Deus poderia também realizar esta libertação por uma
transformação súbita, como a que os santos vivos experimentarão por ocasião da parousia.
É evidente que a morte dos crentes deve ser considerada como a culminação dos
corretivos que Deus ordenou para a santificação do Seu povo. Conquanto a morte, em si
mesma, continue sendo um verdadeiro mal natural para os filhos de Deus, uma coisa
antinatural que, como tal, é temida por eles, na economia da graça se faz subserviente ao
seu progresso espiritual e aos melhores interesses do reino de Deus. A própria idéia da
morte, as aflições que cercam a morte, o sentimento de que as doenças são prenúncios da
morte, e a consciência da aproximação da morte – tudo isso tem um efeito benéfico sobre o
povo de Deus. Serve para humilhar os orgulhosos, para mortificar a carnalidade, para
refrear o mundanismo e para fomentar a mentalidade espiritual. Na união mística com o
seu Senhor, os crentes são levados a participar das experiências de Cristo. Justamente
como Ele entrou em Sua glória pelo caminho dos sofrimentos e morte, eles também só
podem tomar posse da sua herança eterna por meio da santificação. Muitas vezes a morte
é a prova suprema do vigor da fé que há neles, e com freqüência provoca extraordinárias
manifestações da consciência de vitória precisamente na hora da derrota aparente, 1 Pe
4.12, 13. Ela completa a santificação das almas dos crentes, de sorte que eles passam
imediatamente a ser “espíritos dos justos aperfeiçoados”, Hb 12.23; Ap 21.27. Para os
crentes, a morte não é o fim, mas o inicio de uma vida perfeita. Eles adentram a morte com
a certeza de que o seu aguilhão já foi retirado, 1 Co 15.55, e de que ela é para eles a porta
do céu. Eles dormem em Jesus, 1 Ts 4.14 (Almeida, Rev. e Corrigida; cf. também Ap
14.13), e sabem que até os seus corpos serão finalmente arrebatados do poder da morte,
para estarem para sempre com o Senhor, Rm 8.11; 1 Ts 4.16, 17. Disse Jesus: “Quem crê
em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11.25). E Paulo tinha a bem-aventurada consciência
de que, para ele, o viver é Cristo, e o morrer era lucro. Daí, pôde ele entoar com jubilosas
notas, no fim de sua carreira: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé.
Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele
dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”, 2 Tm 4.7, 8.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Qual a idéia fundamental da concepção bíblica
da morte? 2. A morte é apenas resultado natural do pecado, ou é uma positiva punição
pelo pecado? 3. Se é punição, como se pode provar isto pela Escritura? 4. Em que sentido
o homem, como foi criado por Deus, era mortal? Em que sentido era imortal? 5. Como se
pode reprovar a posição dos pelagianos? 6. Em que sentido a morte realmente deixou de
ser morte para os crentes? 7. A que propósito a morte atende em suas vidas? 8. Quando
se põe fim total ao poder da morte para eles?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Dick, Lect. On Theol., p. 426-433; Dabney, Syst.
and Polemic Theol., p. 817-821; Litton, Introd. to Dogm. Theol., p. 536-540; Pieper, Christl.
Dogm. III, p. 569-573; Schmid, Dogm. Theol. of the Ev. Luth. Church, p. 626-631; Pope,
Chr. Theol. III, p. 371-376; Valentine, Chr. Theol. II, p. 389-391; Hovey, Eschatology, p. 13-
22; Dahle, Life After Death, p. 24-58; Kennedy, St. Paul’s Conception of the Last Things, p.
103-157; Strong, Syst. Theol., p. 982, 983; Pohle-Preuss, Eschatology, p. 5-17.
II. A Imortalidade da Alma
No capítulo anterior foi assinalado que a morte física é a separação de corpo e alma, e
marca o fim da nossa presente existência física. Necessariamente envolve e resulta na
decomposição do corpo. Marca o fim da nossa presente vida e o fim do “corpo natural”.
Mas agora surge a questão: Que acontece com a alma? A morte física dá fim à sua vida,
ou ela continuará a existir e a viver após a morte? Sempre foi firme convicção da igreja de
Jesus Cristo que a alma continua a viver depois da sua separação do corpo. Esta doutrina
da imortalidade da alma requer breve consideração nesta altura.
A. Diferentes Conotações do Termo “Imortalidade”.
Numa discussão da doutrina da imortalidade, deve-se ter em mente que o termo
“imortalidade” nem sempre é empregado no mesmo sentido. São indispensáveis certas
distinções para evitar confusão.
1. No sentido mais absoluto da palavra, só se atribui imortalidade a Deus. Paulo fala
dele em 1 Tm 6.15, 16 como o “bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos
senhores: o único que possui imortalidade”. Isto não significa que nenhuma de Suas
criaturas seja imortal nalgum sentido da palavra. Entendida naquele sentido irrestrito, esta
palavra de Paulo ensinaria também que os anjos não são imortais, e certamente não é esta
a intenção do apostolo. O sentido evidente da sua afirmação é que Deus é o único ser que
possui imortalidade “como uma qualidade original, eterna e necessária”. Seja qual for a
imortalidade que se possa atribuir a quaisquer criaturas suas, é dependente da vontade
divina, é-lhes conferida, e, portanto, teve um começo. Deus, por outro lado, é
necessariamente livre de todas as limitações temporais.
2. A imortalidade, no sentido de uma existência continuada ou sem fim, também é
atribuída a todos os espíritos, a alma humana inclusive. Uma das doutrinas da religião ou
filosofia natural é que, quando o corpo é dissolvido, a alma não comparte a sua dissolução,
mas retém a sua identidade como um ser individual. Esta idéia da imortalidade da alma
está em perfeita harmonia com o que a Bíblia ensina acerca do homem, mas a Bíblia, a
religião e a teologia não estão interessadas primariamente nesta imortalidade puramente
quantitativa e incolor – a pura e simples existência contínua da alma.
3. Ainda, o termo “imortalidade” é empregado na linguagem teológica para designar o
estado do homem no qual ele está inteiramente livre das sementes da decadência e da
morte. Neste sentido da palavra, o homem era imortal antes da Queda. Esse estado
evidentemente não excluía a possibilidade do homem se tornar sujeito à morte. Embora o
homem, no estado de retidão, não estivesse sujeito à morte, estava propenso a essa
sujeição. Era inteiramente possível que, mediante o pecado, ele se tornasse sujeito à lei da
morte; e o fato é que ele caiu vítima dele.
4. Finalmente, a palavra “imortalidade” designa, especialmente na linguagem
escatológica, o estado do homem no qual ele é impérvio à morte e não tem a mínima
possibilidade de se tornar sua presa. Neste supremo sentido da palavra, o homem não era
imortal em virtude da sua criação, apesar de ter sido criado à imagem de Deus. Esta
imortalidade seria o resultado, se Adão tivesse cumprido a condição da aliança das obras,
mas agora só pode resultar da obra de redenção, quando se completar na consumação.
B. Testemunho da Revelação Geral Quanto à Imortalid ade da Alma.
A pergunta de Jó, “Morrendo o homem porventura tornará a viver?” (Jó 14.14) é de
interesse perene. E com ela sempre se repete a pergunta se os mortos voltarão a viver. A
resposta a essa indagação sempre foi afirmativa. Conquanto os evolucionistas não possam
admitir que a fé na imortalidade da alma é uma qualidade original do homem, não se pode
negar que esta fé é pouco menos que universal e se encontra até nas formas inferiores de
religião. Sob a influência do materialismo, muitos se inclinam a duvidar, e até a negar a
vida futura do homem. Todavia, esta atitude negativa não é a que prevalece. Num recente
simpósio sobre “imortalidade”, que inclui as idéias de cerca de cem homens
representativos, as opiniões são praticamente unânimes em favor de uma vida futura. Os
argumentos históricos e filosóficos em prol da imortalidade da alma não são absolutamente
conclusivos, mas certamente são testemunhos importantes da existência continuada,
pessoal e consciente do homem. São os seguintes:
1. ARGUMENTO HISTÓRICO. O consensus gentium (consenso dos povos) é tão forte
com relação à imortalidade da alma, como com referencia à existência de Deus. Sempre
houve eruditos descrentes que negavam a existência permanente do homem, mas em
geral se pode dizer que a crença na imortalidade da alma se acha em todas as raças e
nações, não importa seu estágio de civilização. Vê-se que uma noção tão comum só pode
ser considerada como um instinto natural ou como algo envolvido na própria constituição
da natureza humana.
2. ARGUMENTO METAFÍSICO. Este argumento se baseia na simplicidade (ontológica)
da alma humana, e desta se infere a sua indissolubilidade. Na morte a matéria se dissolve
em suas partes. Mas a alma, como uma entidade espiritual, não se compõe de várias
partes, e, portanto, é incapaz de divisão ou dissolução. Conseqüentemente, a
decomposição do corpo não leva consigo a destruição da alma. Mesmo quando aquele
perece, esta permanece intacta. Este argumento é muito antigo, e já utilizado por Platão.
3. ARGUMENTO TEOLÓGICO. A impressão que se tem é que os seres humanos são
dotados de capacidades quase infinitas que nunca se desenvolvem plenamente nesta vida.
É como se, na maioria, os homens mal tenham começado a realizar algumas das grandes
coisas às quais aspiram. Há idéias que não se concretizam, apetites e desejos não
satisfeitos nesta existência, anseios e aspirações frustrados. Pois bem, argumenta-se que
Deus não teria conferido aos homens essas habilidades e talentos só para faze-los
fracassar em suas realizações, não teria dado aos corações esses desejos e aspirações só
para decepciona-los. Ele deve ter providenciado uma existência futura, na qual a vida
humana alcançara fruição real.
4. ARGUMENTO MORAL. A consciência humana atesta a existência de um
Governante do universo que exerce justiça. Todavia, as exigências da justiça não são
satisfeitas na presente vida. Há uma distribuição desigual e aparentemente injusta do bem
e do mal. Muitas vezes os ímpios prosperam, aumentam suas riquezas, e gozam
abundantemente dos prazeres da vida, enquanto que, freqüentemente, os justos vivem na
pobreza, enfrentam penosos e humilhantes contratempos e padecem muitas aflições. Daí,
deverá haver um futuro estado de existência no qual a justiça reinará suprema e as
desigualdades do presente serão retificadas.
C. Testemunho da Revelação Especial Quanto à Imorta lidade da Alma.
As provas históricas e filosóficas da sobrevivência da alma não são absolutamente
demonstrativas e, portanto, a ninguém compelem à crença. Para maior segurança nesta
matéria, pe necessário dirigir os olhos da fé para a Escritura. Aqui também devemos firmar-
nos na voz da autoridade. Ora, a posição da Escritura com respeito a esta questão pode, a
princípio, parecer um tanto dúbia. Ela fala de Deus como o único que tem imortalidade (1
Tm 6.15), e nunca afirma isso a respeito do homem. Não há nenhuma menção explícita da
imortalidade da alma, e muito menos qualquer tentativa de provar isso de maneira formal.
Daí, os russelitas ou os da aurora do milênio freqüentemente desafiam os teólogos a
indicarem uma única passagem em que a Bíblia ensine que a alma do homem é imortal.
Mas, mesmo que a Bíblia não afirme explicitamente que a alma do homem é imortal, e não
procure provar isso de maneira formal, como tampouco procura apresentar prova formal da
existência de Deus, não significa que a Escritura o negue ou o contradite ou o ignore. Ela
pressupõe claramente em muitas passagens que o homem continua sua existência
consciente após a morte. De fato, ela trata da verdade da imortalidade do homem de modo
muito parecido ao modo como trata de existência de Deus, isto é, ela a pressupõe como
um postulado incontestável.
1. A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO VELHO TESTAMENTO. Repetidamente se
assevera que o Velho Testamento, particularmente o Pentateuco, não ensina, de modo
nenhum, a imortalidade da alma. Ora, é mais que certo que essa grande verdade é
revelada com menor clareza no Velho Testamento que no Novo; mas os fatos a respeito
não autorizam a asserção de que ela está completamente ausente do Velho Testamento. É
um fato bem conhecido e geralmente reconhecido que a revelação de Deus na Escritura é
progressiva e aumenta gradativamente em clareza; e é evidente que a doutrina da
imortalidade, no sentido de uma vida eterna e bem-aventurada, só poderia ser revelada em
todos os seus aspectos depois da ressurreição de Jesus Cristo, que “trouxe à luz a vida e a
imortalidade” 2 Tm 1.10. Mas, embora tudo isso seja verdade, não se pode negar que o
Velho Testamento dá a entender a existência continuada e consciente do homem, quer no
sentido de uma pura imortalidade ou sobrevivência da alma, quer no de uma bem-
aventurada vida futura. Isso está implícito:
a. Em sua doutrina de Deus e do homem. As próprias raízes da esperança de Israel
quanto à imortalidade estavam e sua crença em Deus como o seu Criador e Redentor, o
Deus da Aliança, que nunca falharia com ele. Ele era para os israelitas o Deus vivo, eterno
e fiel, em cuja comunhão eles encontravam alegria, vida, paz e perfeita satisfação. Teriam
eles palpitado por Ele como palpitaram, ter-se-iam confiado a Ele completamente, na vida e
na morte, e O teriam exaltado em seus cânticos como sua porção para sempre, se
achassem que tudo que Ele lhes oferecia era apenas uma breve fração de tempo? Como
poderiam auferir real consolo da redenção prometida por Deus, se considerassem a morte
como o fim de sua existência? Além disso, o Velho Testamento descreve o homem como
criado à imagem de Deus, criado para a vida, e não para a mortalidade. Em distinção dos
animais irracionais, ele possui uma vida que transcende o tempo e já contém em si uma
garantia de imortalidade. Foi criado para comunhão com Deus, é pouco menor do que os
anjos, e Deus pôs a eternidade no seu coração, Ec 3.11.
b. Em sua doutrina do sheol. O Velho Testamento nos ensina que os mortos descem
ao sheol. A discussão desta doutrina pertence ao capítulo subseqüente. Mas, seja qual for
a interpretação válida do sheol veterotestamentário, e o que quer que se possa dizer da
condição dos que descem para esse lugar, certamente este é descrito como um estado de
existência mais ou menos consciente, embora não de bem-aventurança. O homem só entra
no estado de perfeita bem-aventurança se libertado do sheol. Nesta libertação chegamos
ao verdadeiro âmago da esperança veterotestamentária de uma imortalidade bem-
aventurada. Isso é ensinado claramente em diversas passagens, como Sl 16.10; 49.14, 15.
c. Em suas freqüentes advertências contra a consulta aos mortos ou a “espíritos
familiares” (segundo a versão utilizada pelo Autor, em todas as passagens abaixo citadas),
isto é, pessoas que podiam invocar os espíritos dos mortos e comunicar as suas
mensagens aos consulentes, Lv 19.31; 20.27; Dt 18.11; Is 8.19; 29.4. Não diz a Escritura
que é impossível consultar os mortos, mas, antes, parece pressupor a possibilidade,
condenando a prática.*
d. Em seus ensinamentos a respeito da ressurreição dos mortos. Esta doutrina não é
ensinada explicitamente nos livros mais antigos do Velho Testamento. Contudo, Cristo
assinala que ela foi ensinada implicitamente na declaração, “Eu sou o Deus de Abraão, o
Deus de Isaque e o Deus de Jacó”, Mt 22.32, cf. Êx 3.6, e repreende os judeus por não
compreenderem as Escrituras sobre este ponto. Alem disso, a doutrina da ressurreição é
ensinada explicitamente em passagens como Jó 19.23-27; Sl 16.9-11, 17.15; 49.15; 73.24;
Is 26.19; Dn 12.2.
e. Em certas passagens notáveis do Velho Testamento, que falam da alegria do crente
em comunhão com Deus depois da morte. Estas são, no mais importante, idênticas às
* Note-se, porém, que o fato de se proibir a prática não equivale a reconhecer a sua realidade. Quando Deus ordena, “Não terás outros deuses”, não está afirmando que existem outros deuses reais. Por isso mesmo Berkof não fala em termos categóricos, dogmáticos. Nota do tradutor.
passagens citadas no item anterior, quais sejam Jó 19.25-27; Sl 16.9-11; 17.15; 73.23, 24,
26. elas exalam a confiante expectação de venturas na presença de Jeová.**
2. A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO NOVO TESTAMENTO. No Novo
Testamento, depois que Cristo trouxe à luz a vida e a imortalidade, naturalmente as provas
de multiplicam. Outra vez as passagens que as contêm podem ser divididas em várias
classes como referentes:
a. À sobrevivência da alma. Ensina-se claramente uma existência continuada dos
justos e dos ímpios. Que as almas dos crentes sobreviverão, vê-se de passagens como Mt
10.28; Lc 23.43; Jo 11.25, 26; 14.3; 2 Co 5.1; e várias outras passagens evidenciam muito
bem que se pode dizer a mesma coisa das almas dos ímpios, Mt 11.21-24; 12.41; Rm 2.5-
11; 2 Co 5.10.
b. À ressurreição pela qual o corpo também é levado a participar da existência futura.
Para os crente, a ressurreição significa a redenção do corpo e a entrada na perfeita vida de
comunhão com Deus, na plena bem-aventurança da imortalidade. Esta ressurreição é
ensinada em Lc 20.35, 36; Jo 5.25-29; 1 Co 15; 1 Ts 4.16; Fp 3.21, e noutras passagens.
Para os ímpios, a ressurreição também significará uma renovada e continuada existência
do corpo, mas isto dificilmente poderá chamar-se vida. A Escritura a denomina morte
eterna. A ressurreição dos ímpios é mencionada em Jo 5.29; At 24.15; Ap 20.12-15.
c. À vida bem-aventurada dos crentes, na comunhão com Deus. Há numerosas
passagens no Novo Testamento que acentuam o fato de que a imortalidade dos crentes
não é uma simples existência sem fim, mas uma encantadora vida de felicidade na
comunhão com Deus e com Jesus Cristo, a pela fruição da vida que é implantada na alma
enquanto ainda na terra. Dá-se clara ênfase a isso em passagens como Mt 13.43; 25.34;
Rm 2.7, 10; 1 Co 15.49; Fp 3.21; 2 Tm 4.8; Ap 21.4; 22.3, 4.
D. Objeções à Doutrina da Imortalidade Pessoal e Se us Modernos Substitutos.
1. A PRINCIPAL OBJEÇÃO. A crença na imortalidade da alma sofreu declínio por
algum tempo, sob a influencia de uma filosofia materialista. O principal argumento contra
ela foi forjado nas oficinas da psicologia fisiológica, e corre mais ou menos como segue: A
** Observem-se as expressões relacionadas com a morte de Abraão, Isaque e Jacó (Gn 25.8, 9; 35.29; 49.33 e 50.13). Depois de morrerem e antes de serem sepultados, foram reunidos ao seu povo. Haverá necessidade de expressão mais vívida da certeza da vida após a morte, na comunhão com outros do mesmo povo? Nota do tradutor.
mente ou a alma não tem existência substancial independente, mas é simples produto ou
função da atividade cerebral. O cérebro humano é a causa produtora dos fenômenos
mentais, exatamente como o fígado é a causa produtora da bílis. A função não pode
persistir quando o órgão decai. Quando o cérebro deixa de agir, o fluxo da vida mental
pára.
2. SUBSTITUTOS DA DOUTRINA DA IMORTALIDADE PESSOAL. O desejo de
imortalidade está implantado tão profundamente na alma humana que, mesmo os que
aceitam os ditames de uma filosofia materialista, procuram algum tipo de substituto para a
rejeitada noção da imortalidade pessoal da alma. Sua esperança quanto ao futuro assume
uma das seguintes formas:
a. Imortalidade racial. Há os que se consolam com a idéia de que o individuo
continuará a viver nesta terra em sua posteridade, em seus filhos e netos, até gerações
intermináveis. O individuo busca compensação para a sua falta de esperança numa
imortalidade pessoal na noção de que ele contribui com sua parte para a vida da raça e
continuará vivendo nela. Mas a idéia de que o homem continua a viver em sua progênie,
seja qual for a porção de verdade que contenha, dificilmente poderá servir de substituto da
doutrina da imortalidade pessoal. Certamente não faz justiça aos dados da Escritura, e não
satisfaz aos anseios mais profundos do coração humano.
b. Imortalidade de comemoração. De acordo com o positivismo, esta é a única
imortalidade que devemos desejar e buscar. Cada qual deve ter em vista fazer alguma
coisa para estabelecer um nome para si mesmo e que passe para os anais da história. Se
o fizer, continuará a viver nos corações e mentes de uma posteridade agradecida. Isso
também fica aquém da imortalidade pessoal que a Escritura nos leva a esperar. Além
disso, é uma imortalidade da qual uns poucos participam. Os nomes da maioria dos
homens não ficam registrados nas páginas da história, e muitos dos que estão registrados
nas páginas da história, e muitos dos que estão registrados logo são esquecidos. E numa
grande extensão se pode dizer que os melhores e os piores participam igualmente dela.
c. Imortalidade de influencia. Esta se relaciona de perto com a imediatamente anterior.
Se o homem deixar sua marca na vida e realizar alguma coisa de valor duradouro, sua
influencia continuará por muito tempo depois de sua partida. Jesus e Paulo, Agostinho e
Tomaz de Aquino, Lutero e Calvino – todos eles estão bem vivos na influencia que até hoje
exercem. Embora isto seja perfeitamente verdadeiro, esta imortalidade de influencia é
apenas um pobre substituto da imortalidade pessoal. Todas as objeções levantadas contra
a imortalidade de comemoração aplicam também a este caso.
3. RECUPERAÇÃO DA FÉ NA IMORTALIDADE. No presente, a interpretação
materialista do universo está dando caminho a uma interpretação mais espiritual: e o
resultado é que a fé na imortalidade pessoal voltou a obter apoio. Embora o doutor William
James subscreva a fórmula, “O pensamento é uma função do cérebro”, nega que isto nos
force logicamente a descrer da doutrina da imortalidade. Ele sustenta que esta conclusão
dos cientistas se baseia na equivocada noção de que a função da qual aquela fórmula fala
é necessariamente uma função produtiva, e assinala que também pode ser uma função
permissiva ou transmissiva. O cérebro pode simplesmente transmitir, e na transmissão da
cor, o pensamento, justamente como um vidro colorido, um prisma ou uma lente refratária,
pode transmitir luz e ao mesmo tempo pode determinar sua cor e direção. A luz existe
independentemente do vidro ou da lente; assim também o pensamento existe
independentemente do cérebro. James chega à conclusão de que, pela estrita lógica, é
possível crer na imortalidade. Alguns evolucionistas agora baseiam a doutrina da
imortalidade condicional na luta pela existência. E cientistas como William James, Sir Oliver
Lodge e James H. Hyslop, atribuem grande significação às supostas comunicações com os
mortos. Com base nos fenômenos psíquicos, o primeiro inclinou-se a crer na imortalidade,
enquanto que os outros dois a abraçaram como um fato estabelecido.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. A doutrina da imortalidade se acha no
Pentateuco? 2. Que explica a relativa escassez de provas em seu favor no Velho
Testamento? 3. Em que Platão baseou sua crença na imortalidade da alma? 4. Como Kant
julgava os argumentos naturais comumente usados em prol da doutrina da imortalidade? 5.
Há algum lugar para a crença na imortalidade pessoal, quer no materialismo, quer no
panteísmo? 6. Por que a doutrina da “imortalidade social”, assim chamada, não satisfaz? 7.
A imortalidade da alma, no sentido filosófico, é a mesma coisa que a vida eterna? 8. Como
devemos julgar as supostas comunicações espíritas com os mortos?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 645-655; Kuyper,
Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 3-24; Hodge, Syst., Theol. III, p. 713-730;
Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 817-823; Dick, Lect. On Theol., Lectures LXXX, LXXXI;
Litton, Introd. to Dogm. Theol., p. 535-548; Heagle, Do the Dead Still Live?; Dahl, Life After
Death, p. 59-84; Salmond. Christian Doctrine of Immortality, cf. Índice; Mackintosh,
Immortality and the Future, p. 164-179; Brown, The Christian Hope, cf. Índice; Randall, The
New Light on Immortality; Macintosh, Theology as an Empirical Science, p. 72-80; Althaus,
Die Letzten Dinge, p. 1-76; A.G. James, Personal Immortality, p. 19-52; Rimmer, The
Evidences for Immortality; Lawton, The Drama of Life After Death; Addison, Life Beyond
Death, p. 3-132.
III. O Estado Intermediário
A. Conceito Bíblico de Estado Intermediário.
1. DESCRIÇÃO BÍBLICA DOS CRENTES ENTRE A MORTE E A RESSURREIÇÃO. A
posição usual das igrejas reformadas (calvinistas) é que as almas dos crentes,
imediatamente após a morte, ingressam nas glórias do céu. Em resposta à pergunta, “Que
consolo te dá a ressurreição do corpo?”, o Catecismo de Heidelberg diz: “Que minha alma,
após esta vida, não somente é levada de imediato a Cristo, sua Cabeça, mas também que
este meu corpo, ressuscitado pelo poder de Cristo, se unirá de novo à minha alma e virá a
ser como o corpo glorioso de Cristo”.6 A Confissão de Westminster fala com o mesmo
espírito quando afirma que, na morte, “As almas dos justos, sendo então aperfeiçoadas na
santidade, são recebidas no mais alto dos céus, onde vêem a face de Deus em luz e glória,
esperando a plena redenção dos seus corpos”.7 De modo similar, a Segunda Confissão
Helvética declara: “Cremos que os fiéis, depois da morte física, vão diretamente para
Cristo”.8 Vê-se que este conceito encontra ampla justificação na Escritura, e é bom tomar
nota disto, visto que durante o ultimo quarto do século* alguns teólogos reformados
(calvinistas) assumiram a posição de que os crentes, ao morrerem, entram num lugar
intermediário e ali permanecem até o dia da ressurreição.
Todavia, a Bíblia ensina que a alma do crente, quando separada do corpo, entra na
presença de Cristo. Diz Paulo, “estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e
habitar com o Senhor”, 2 Co 5.8. Aos filipenses ele escreve que o tem “o desejo de partir e
estar com Cristo”, Fp 1.23. E Jesus deu ao malfeitor arrependido a jubilosa certeza, “Hoje
estarás comigo no paraíso”, Lc 23.43. E estar com Cristo é também estar no céu. À luz de
2 Co 12.3, 4, “paraíso” só pode ser um designativo do céu. Além disso, Paulo afirma que,
“se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um
edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus”, 2 Co 5.1. E o escritor de Hebreus
anima os corações dos seus leitores com este pensamento, entre outros, que eles
chegaram “à universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus”, Hb 12.22,
23. Que o estado futuro dos crentes, após a morte, merece muito maior preferência,
comparado com o estado presente, vê-se claramente nas asserções de Paulo em 2 Co 5.8
6 Perg. 57. 7 Cap. XXXII, I. 8 Cap. XXVI. * Segundo quarto deste século. Nota do tradutor.
e Fp 1.23, acima citadas. É um estado no qual os crentes estão verdadeiramente vivos e
plenamente conscientes, Lc 16.19-31; 1 Ts 5.10; um estado de repouso e felicidade sem
fim, Ap 14.13.
2. DESCRIÇÃO BÍBLICA DO ESTADO DOS ÍMPIOS ENTRE A MORTE E A
RESSURREIÇÃO. Diz a Confissão de Westminster que as almas dos ímpios, após a
morte, “soa lançadas no inferno, onde ficarão, em tormentos e em trevas espessas,
reservadas para o juízo do grande dia final”. Ademais, acrescenta: “Além destes dois
lugares (céu e inferno) destinados às almas separadas de seus respectivos corpos, as
Escrituras não reconhecem nenhum outro lugar”.9 E a Segunda Confissão Helvética
prossegue, depois da citação acima feita: “De modo semelhante, cremos que os incrédulos
são precipitados no inferno, do qual não há retorno aberto para os ímpios, pois coisa
alguma que os que vivem façam”.10 A única passagem que realmente pode ser focalizada
aqui é a parábola do rico e Lázaro, em Lucas 16, onde hades denota inferno, o lugar de
tormento eterno. O rico achou-se no lugar de tormento; sua condição é descrita como fixa
para sempre; e ele estava cônscio da sua condição miserável, procurou lenitivo para a dor
que estava sentindo, e mostrou desejo de que os seus irmãos fossem advertidos, para que
evitassem semelhante condenação. Em acréscimo a essa prova direta, há também uma
prova mediante dedução. Se os justos entram em seu estado eterno imediatamente, a
pressuposição é que isso é igualmente verdadeiro quanto aos ímpios também. Deixamos
fora de consideração aqui um par de passagens, de interpretação incerta, a saber, 1 Pe
3.19 e 2 Pe 2.9.
B. A Doutrina do Estado Intermediário na História.
Nos primeiros anos da igreja cristã pouco se pensou num estado intermediário. A idéia
de que Jesus logo voltaria como Juiz fazia o intervalo parecer pouco importante. O
problema do estado intermediário surgiu quando se evidenciou que Jesus não voltaria de
imediato. O verdadeiro problema que incomodava os chamados pais primitivos era sobre
como conciliar o juízo e a retribuição na morte com o juízo geral e a retribuição após a
ressurreição. Atribuir demasiada importância àqueles parecia privar estes da sua
significação, e vice-versa. Não havia unanimidade entre os chamados pais primitivos da
igreja, mas a maioria deles procurava resolver a dificuldade supondo um estado distinto e
9 Cap. XXXII. 10 Cap. XXVI.
intermediário entre a morte e a ressurreição. Diz Addison: “Durante muitos séculos, foi
geralmente aceita a conclusão geral de que num hades subterrâneo os justos gozam certa
medida de recompensa, não igual ao seu futuro céu, e os ímpios sofrem certo grau de
punição, não igual ao seu futuro inferno. Assim, o estado intermediário era uma versão
ligeiramente reduzida da retribuição ultima”.11 Este conceito foi defendido, embora com
algumas variantes, por homens como Justino Mártir, Irineu, Tertuliano, Novaciano,
Orígenes, Gregório de Nyssa, Ambrósio e Agostinho. Na escola Alexandrina, a idéia do
estado intermediário cedeu passo à de uma gradual purificação da alma, isto é, no
transcurso do tempo, preparou o caminho para a doutrina católica romana do purgatório.
Havia, porém, alguns que apoiavam a idéia de que, na morte, as almas dos justos
entravam imediatamente no céu; entre eles estavam Gregório de Nazianzo, Eusébio e
Gregório, o Grande.
Na Idade Média a doutrina de um estado intermediário foi conservada, e, em conexão
com ela, a Igreja Católica Romana desenvolveu a doutrina do purgatório. A opinião
dominante era que o inferno recebia imediatamente as almas dos ímpios, mas que
somente as dos justos que estivessem livres de toda mácula do pecado eram admitidos
imediatamente na bem-aventurança do céu, para desfrutarem o visio Dei (visão de Deus).
Os mártires eram geralmente contados entre os poucos favorecidos. Os que precisavam de
ulterior purificação eram, segundo o conceito predominante, detidos no purgatório por um
menor ou maior período de tempo, conforme o exigisse o grau de pecado restante, e eram
purgados do pecado por meio de um fogo purificador. Outra idéia, que também se
desenvolveu em conexão com a noção do estado intermediário, era a do limbus patrum
(limbo dos pais), onde os santos do Velho Testamento ficaram retidos até à ressurreição de
Cristo. Os Reformadores, sem exceção, rejeitaram a doutrina do purgatório, e também toda
a idéia de um real estado intermediário, que levava consigo a idéia de um lugar
intermediário. Eles sustentavam que os que morriam no Senhor ingressavam
imediatamente na bem-aventurança do céu, ao passo que os que morriam em seus
pecados desciam imediatamente para o inferno. Contudo, alguns teólogos do período da
Reforma admitiam uma diferença de grau entre a felicidade dos primeiros e o julgamento
dos últimos, antes do juízo final, e sua felicidade e punição finais, depois do grande
tribunal. Entre os socinianos e ao anabatistas houve alguns que reviveram a antiga
doutrina, sustentada por alguns da Igreja Primitiva, de que a alma do homem dorme desde
11 Life Beyond Death, p. 202.
a hora da morte até à ressurreição. Calvino escreveu um tratado para combater essa idéia.
A mesma noção é defendida por algumas seitas adventistas e pelos da aurora do milênio.
Durante o século dezenove, vários teólogos, principalmente na Inglaterra, na Suíça e na
Alemanha, abraçaram a idéia de que o estado intermediário é um estado de nova prova (ou
de segunda oportunidade) para os que não aceitam a Cristo nesta vida. Este conceito é
defendido por alguns até aos dias atuais, e é uma das doutrinas favoritas dos
universalistas.
C. A Construção Moderna da Doutrina do Sheol-Hades.
1. EXPOSIÇÃO DA DOUTRINA. Há diversas representações da concepção bíblica do
sheol-hades na teologia atual, e é deveras impossível considerar cada uma delas
separadamente. Predomina no presente a idéia de que a concepção veterotestamentária
do sheol, à qual se supõe que a do hades do Novo Testamento corresponde, foi copiada da
noção gentílica do mundo subterrâneo. Afirma-se que, de acordo com o Velho Testamento,
tanto os fiéis como os ímpios, ao morrerem, entram na lúgubre morada das sombras, na
terra do esquecimento, onde estão condenados a uma existência que não passa de um
fantasioso reflexo da vida na terra. O mundo subterrâneo não é, em si mesmo, um lugar de
recompensa, nem de punição. Não está dividido em diferentes compartimentos para os
bons e os maus, mas é uma região sem distinções morais. É um lugar de consciências
enfraquecidas e sonolenta inatividade, onde a vida perdeu os seus interesses e a alegria
da vida se transformou em tristeza. Alguns são de opinião que o Velho Testamento
apresenta o sheol como habitação permanente de todos os homens, enquanto outros
acham que ele oferece uma esperança de fuga aos fiéis. Ocasionalmente encontramos
uma apresentação um tanto diversa da concepção veterotestamentária, na qual o sheol e
descrito como dividido em dois compartimentos, quais sejam, o paraíso e a geena, aquele
contendo todos os judeus, ou unicamente aqueles que observaram fielmente a lei, e esta
abrangendo os gentios. Os judeus serão libertados do sheol quando da vinda do Messias,
enquanto que os gentios permanecerão para sempre na habitação das trevas. A
contraparte neotestamentária dessa concepção do sheol acha-se em sua descrição do
hades. Não se afirma apenas que os hebreus agasalhavam a noção desse mundo
subterrâneo, nem que os escritores bíblicos ocasionalmente se acomodavam formalmente,
em suas exposições, aos conceitos dos gentios, a respeito dos quais falavam; mas, sim,
que este é o conceito escriturístico do estado intermediário.
2. CRÍTICA DESSA APRESENTAÇÃO MODERNA. No abstrato é possível,
naturalmente, que a idéia dessa localidade separada, que não é céu nem inferno, na qual
os mortos são reunidos e onde permanecem, ou permanentemente, ou até que ocorra
alguma ressurreição comunal, fosse mais ou menos corrente no pensamento popular
hebraico, e pode ter dado surgimento a algumas descrições figuradas do estado dos
mortos; mas, dificilmente isso pode ser considerado, pelos que crêem na inspiração
plenária da Bíblia, como um elemento dos ensinos positivos da Escritura, desde que
contradiz francamente a apresentação escriturística segundo a qual os justos entram
imediatamente na glória, e os ímpios descem imediatamente para um lugar de punição
eterna. Além disso, podem ser feitas as seguintes considerações contra essa idéia:
a. Surge a questão sobre se o conceito do sheol-hades, tão geralmente considerado
agora como escriturístico, é fiel aos fatos ou não. Se foi fiel aos fatos na ocasião em que os
livros da Bíblia foram escritos, mas não é mais fiel aos fatos atuais, levanta-se
naturalmente a questão, Que foi que produziu a diferença? E se não foi fiel aos fatos, mas
era um conceito decididamente falso – e esta é a opinião dominante – surge logo o
problema de como essa idéia errônea pôde ser protegida e sancionada, e até ensinada
positivamente pelos escritores inspirados da Escritura. O problema não é abrandado pela
consideração, feita por alguns, de que a inspiração da Escritura não leva consigo a
segurança de que os santos do Velho Testamento estavam certos quando diziam que,
quando morrem, os homens entram num lugar subterrâneo, porque não somente esses
santos, mas também os escritores inspirados da Escritura empregavam linguagem que, em
si mesma e independentemente doutros ensinos claros da Escritura, podia ser interpretada
dessa maneira, Nm 16.30; Sl 49.15, 16; 88.3; 89.48; Ec 9.10; Is 5.14; Os 13.14. Esses
escritores inspirados laboravam em erro quando falaram que tanto os justos como os
ímpios desciam para o sheol? Pode-se dizer que houve um desenvolvimento da revelação
a respeito do destino do homem, e não temos motivos para duvidar de que neste ponto,
como em muitos outros, aquilo era obscuro, aos poucos foi ganhando definição e clareza;
mas certamente isto não significa que o verdadeiro resultou do desenvolvimento do falso.
Como poderia? O Espírito Santo consideraria válido que o homem recebesse primeiro
impressões falsas o obtivesse noções errôneas e depois, com o transcorrer do tempo, as
trocasse por uma percepção correta da condição dos mortos?
b. Se, conforme a exposição bíblica, o sheol-hades é um lugar neutro, sem distinções
morais, sem bem-aventurança por um lado, mas também sem positivo sofrimento por outro,
lugar ao qual todos descem igualmente, como pode o Velho Testamento falar da descida
dos ímpios ao sheol em termos de advertência, como o faz em diversas passagens, como
Jó 21.13; Sl 9.17; Pv 5.5; 7.27; 9.18; 5.24; 23.4? Como pode a Bíblia falar da ira de Deus
ardendo ali, Dt 32.22, e empregar o termo sheol como sinônimo de abaddon, isto é
destruição, Jó 26.6; Pv 15.11; 27.20? Este termo é um forte, aplicado ao anjo do abismo
em Ap 9.11. Alguns procuram escapar desta dificuldade concedendo o caráter neutro de
sheol e supondo que este era concebido como um mundo subterrâneo com duas divisões,
chamadas no Novo Testamento paraíso e geena, aquele sendo a habitação destinada aos
justos, e esta, aos ímpios; mas essa tentativa só pode resultar em desapontamento; pois o
Velho Testamento não contém nenhum vestígio de tal divisão, conquanto fale do sheol
como um lugar de punição para os ímpios. Além disso, o Novo Testamento identifica
claramente o paraíso como o céu em 2 Co 12.2, 4. E, finalmente, se hades é o designativo
neotestamentário de sheol, e tudo converge para isto, em que fica a condenação especial
de Cafarnaum, Mt 11.23, e como pode ele ser retratado como um lugar de tormento, Lc
16.23? Alguém poderia estar inclinado a dizer que as ameaças contidas nalgumas das
passagens mencionadas se referem a uma rápida descida ao sheol, mas não há indicação
dito o texto em nenhum lugar, exceto em Jó 21.13, onde a afirmação disto é explícita.
c. Se uma descida ao sheol fosse a sombria perspectiva do futuro, não somente dos
ímpios mas também dos justos como poderíamos explicar as expressões de jubilosa
expectativa, ou de alegria em face da morte, como as que vemos em Nm 23.10; Sl 1.9, 11;
17.15; 49.15; 73.24, 26; Is 25.8 (comp. 1 Co 15.54)? A expressão do Sl 49.15 pode ser
interpretada no sentido de que Deus livrará o poeta do sheol ou do poder do sheol.
Observe-se também o que o escritor de Hebreus diz dos heróis da fé veterotestamentários,
em Hb 11.13-16. Naturalmente, o Novo Testamento fala muitas vezes da jubilosa
perspectiva que os crentes têm do futuro, e ensina sobre a sua felicidade consciente no
estado desencarnado, Lc 16.23, 25; 23.43; At 7.59; 2 Co 5.1, 6, 8; Fp 1.21,23; 1 Ts 5.10;
Ef3.14, 15 (“família... no céu”, não no “hades”); Ap. 6.9, 11; 14.13. Em 2 Co 12.2, 4
“paraíso” é empregado como sinônimo de “terceiro céu”. Em conexão com esta clara
apresentação dada pelo Novo Testamento, tem-se sugerido que os crentes
neotestamentários são mais privilegiados que os veterotestamentários por terem acesso
imediato à bem-aventurança do céu. Mas bem se pode perguntar: Qual a base para se
pressupor essa diferença?
d. Se a palavra sheol sempre denota a sombra região na qual descem os mortos, e
nunca tem outro significado, então o Velho Testamento, enquanto tem uma palavra para
indicar o céu como a bendita habitação de Deus e dos santos anjos, não tem uma palavra
referente ao inferno, o lugar de destruição e de castigo eterno. Mas é somente com base
no pressuposto de que nalgumas passagens sheol designa um lugar de punição para onde
os ímpios vão, em distinção dos justos, que as advertências anotadas no item (b) têm
alguma razão de ser. De fato, sheol às vezes é contrastado com shamayim (céus), como
em Jó 11.8; Sl 139.8; Am 9.2. A Escritura fala também do sheol mais profundo ou inferior
em Dt 32.22. A mesma expressão se acha também no Sl 86.13, mas é evidente que nesta
passagem é empregada figuradamente.
e. Finalmente, deve-se notar que havia diferenças de opinião entre os eruditos quanto
ao sujeito exato da descida ao sheol e, de alguma forma obscura, continua a sua existência
num mundo de sombras, onde as relações da vida ainda refletem as da terra. Esta
descrição parece estar em maior harmonia com as afirmações da Escritura, Gn 37.35; Jó
7.9; 14.13; 21.13; Sl 139.8; Ec 9.10. Há alguns que assinalam o fato de que o corpo está
incluído. Há perigo de que as “cãs” de Jacó sejam baixadas ao sheol, Gn 42.38; 44.29, 31;
Samuel é visto subir como um ancião envolto numa capa, 1 Sm 28.14; e as “cãs” de Simei
deverão ser baixadas ao sheol, 1 Rs 2.6,9. Mas, se o sheol é um lugar para onde vão todos
os mortos, corpo e alma, o que então é posto no túmulo, que se supõe ser outro lugar?
Esta dificuldade é evitada por aqueles eruditos que afirmam que somente as almas descem
ao sheol, mas dificilmente se pode dizer que isso está em harmonia com as descrições do
Velho Testamento. É verdade que há umas poucas passagens que falam de almas indo
para o sheol ou estando lá, Sl 16.10; 30.3; 86.13; 89.48; Pv 23.14, mas é um fato bem
conhecido que em hebraico a palavra nephesh (alma), com o sufixo pronominal, é muitas
vezes equivalente ao pronome pessoal, principalmente na linguagem poética. Alguns
teólogos conservadores adotaram esta elaboração da apresentação veterotestamentária, e
encontraram nela um ponto de apoio para a sua idéia de que as almas dos homens estão
nalgum lugar intermediário (todavia, um lugar com distinções morais e divisões separadas),
até o dia da ressurreição.
3. INTERPRETAÇÃO DE SHEOL-HADES AQUI SUGERIDA. De maneira nenhuma é
fácil interpretar estes termos, e, ao sugerir uma interpretação, não queremos dar a
impressão de que estamos falando com absoluta segurança. Um estudo indutivo das
passagens nas quais se encontram, logo dissipa a noção de que os termos sheol e hades
são empregados sempre no mesmo sentido e em todos os casos podem ser traduzidos
pela mesma palavra, seja mundo inferior, estado dos mortos, sepultura ou inferno. Isso
também se reflete claramente nas várias traduções da Bíblia. A Versão de Holland traduz o
termo sheol por sepultura nalgumas passagens, e por inferno noutras. A Versão do Rei
Tiago, ou Versão Autorizada (King James ou Authorized Version) emprega três palavras
para a sua tradução, a saber, sepultura, inferno e cova (grave, hell e pit). Os revisores
ingleses, deveras incoerentemente, conservaram sepultura ou cova no texto dos livros
históricos, colocando sheol na margem. Mantiveram somente em Is 14. Os revisores
americanos evitaram a dificuldade simplesmente mantendo os vocábulos originais sheol e
hades em sua tradução.* Embora tenha alcançado ampla circulação a opinião de que o
sheol é simplesmente o mundo inferior ao qual os homens descem, de modo nenhum esta
idéia é unânime. Alguns dos eruditos mais antigos identificavam o sheol com a sepultura;
há outros que o consideram como o lugar onde são retidas as almas dos mortos; e ainda
outros, dentre os quais podemos mencionar Shedd, Vos, Aalders e De Bondt, afirmam que
a palavra sheol nem sempre tem o mesmo sentido. Parece-nos que esta ultima opinião
merece preferência, e que se pode dizer o seguinte, a respeito dos seus diferentes
sentidos:
a. Nem sempre as palavras sheol e hades denotam uma localidade, na Escritura, mas
muitas vezes são empregadas num sentido abstrato, para designar o estado de morte, o
estado de separação de corpo e alma. Com freqüência, este estado é concebido
localmente como constituindo os domínios da morte, e às vezes é retratado como uma
fortaleza guarnecida de portas que somente quem lhes possui as chaves pode fechar e
abrir, Mt 16.18; Ap. 1.18. Com toda a probabilidade, esta descrição local se baseia numa
generalização da idéia do sepulcro, ao qual o homem desce quando entra no estado de
morte. Desde que tanto os crentes como os descrentes, ao término da sua vida, entram no
estado de morte, bem se pode dizer, figuradamente, que eles estão, sem distinção, no
sheol ou no hades. Estão igualmente no estado de morte. O paralelismo demonstra
claramente o que se quer dizer numa passagem como 1 Sm 2.6: “O Senhor é o que tira a
vida, e a dá; faz descer à sepultura (ao sheol), e faz subir”. CF. também Jó 14.13, 14;
17.13, 14; Sl 89.48; Os 13.14, e várias outras passagens. Evidentemente, a palavra hades
* É o que faz a Tradução Brasileira. A Versão de Almeida, Revista e Atualizada no Brasil, emprega várias palavras para traduzir sheol, como sepultura (Jó 7.9), morte (Sl 16.10), cova (Sl 30.3a), abismo (Sl 139.8), além (Ec 9.10), inferno (Dt 32.22; Sl 116.3). Na Edição Revista e Corrigida, nas passagens dadas nesta nota como exemplos, aparecem as seguintes palavras, respectivamente: sepultura, inferno, sepultura, Seol, sepultura e inferno. Nota do tradutor.
é empregada mais de uma vez no sentido não local de estado dos mortos no Novo
Testamento, At 2.27, 31; Ap. 6.8; 20.28. Nestas duas ultimas passagens temos uma
personificação. Visto que os termos podem denotar o estado de morte, não é necessário
provar que nunca se referem a algo concernente igualmente aos justos e aos ímpios, mas
somente que não denotam um lugar onde as almas de uns e de outros são reunidas. De
Bondt chama a atenção para o fato de que em muitas passagens o termo sheol é
empregado no sentido abstrato de morte, poder da morte e perigo da morte.
b. Quando sheol e hades designam uma localidade no sentido literal da palavra,
referem-se, ou àquilo que geralmente denominamos inferno, ou à sepultura. A descida ao
sheol é apresentada como uma ameaça de perigo e como um castigo para os ímpios, Sl
9.17; 49.14; 55.15; Pv 15.11; 15.24; Lc 16.23 (hades). A advertência e a ameaça contidas
nestas passagens ficarão completamente anuladas, se se conhecer sheol como um lugar
neutro para onde todos vão. Destas passagens também se infere que não pode ser
considerado como um lugar de duas divisões. A idéia de um tal sheol dividido é copiada da
concepção gentílica do mundo subterrâneo e não encontra suporte na Escritura. É somente
do sheol como estado de morte que podemos falar que tem duas divisões, mas então
falamos figuradamente. Mesmo o Velho Testamento atesta que os que morrem no Senhor
entram num gozo mais completo das bênçãos da salvação e, portanto, não descem a
nenhum mundo subterrâneo, no sentido literal da palavra, Nm 23.5, 10; Sl 16.11; 17.15;
73.24; Pv 14.32. Enoque e Elias foram levados para cima, e não desceram a algum mundo
inferior, Hb 11.5 e segtes. Ademais, sheol, não meramente como um estado, mas também
como um lugar, é considerado como estando na mais estreita relação com a morte. Se a
concepção bíblica da morte for compreendida em sua significação profunda, em sua
significação espiritual, prontamente se verá que o sheol não pode ser a morada das almas
dos que morrem no Senhor, Pv 5.5; 15.11; 27.20.
Há também diversas passagens nas quais sheol e hades parecem designar a
sepultura. Nem sempre é fácil determinar, porém, se as palavras se referem à sepultura ou
ao estado dos mortos. As seguintes passagens são algumas das que entram em
consideração aqui: Gn 37.25; 42.38; 44.29; 29.31; 1 Rs 2.6, 9; Jó 14.13; 17.13; 21.13; Sl
6.5; 88.3; Ec 9.10. Mas, embora o nome sheol também seja empregado para sepultura, não
se segue necessariamente que este é o sentido original da palavra, do qual o seu emprego
para designar o inferno é copiado. Com toda a probabilidade, a verdade é o oposto. A
sepultura é chamada sheol porque simboliza a ida para baixo, que é relacionada com a
idéia de destruição. Quanto aos crentes, o simbolismo bíblico é mudado pela própria
Escritura. Paulo afirma que eles são sepultados quando morrem, como uma semente é
semeada na terra, da qual brota uma vida nova, mais abundante, mais gloriosa.
No Velho Testamento a palavra sheol é utilizada mais freqüentemente no sentido de
sepultura e menos no de inferno, enquanto que no uso correspondente de hades no Novo
Testamento dá-se o contrário.
D. A Doutrina Católica Romana a Respeito do Domicil io da Alma Depois da Morte.
1. PURGATÓRIO. De acordo com a igreja de Roma, as almas dos que são
perfeitamente puros por ocasião da morte são imediatamente admitidos no céu ou na visão
beatífica de Deus, Mt 25.46; Fp 1.23; mas os que não se acham perfeitamente purificados,
que ainda levam sobre si a culpa de pecados veniais e não sofreram o castigo temporal
devido aos seus pecados – e esta é a condição da maioria dos fiéis quando morrem – têm
que se submeter a um processo de purificação, antes de poderem entrar nas supremas
alegrias e bem-aventurança do céu. Em vez de entrarem imediatamente no céu, entram no
purgatório.
O purgatório não é um lugar de prova (ou de segunda oportunidade), mas de
purificação e de preparação para as almas dos crentes que têm a segurança de uma
entrada final no céu, mas ainda não estão prontas para apossar-se da felicidade da visão
beatífica. Durante a estada dessas almas no purgatório, elas sofrem a dor da perda, isto é,
a angústia resultante do fato de que estão excluídas da bendita visão de Deus, e também
padecem “castigo dos sentidos”, isto é, sofrem dores positivas, que afligem a alma. A
extensão da sua permanência no purgatório não pode ser determinada de antemão. A
duração, como também a intensidade dos seus sofrimentos, variam de acordo com o grau
de purificação ainda necessitado. Elas podem ser abreviadas e aliviadas pelas orações e
boas obras dos fiéis na terra, e especialmente pelo sacrifício da missa. É possível que
alguém fique no purgatório até ao dia do juízo final. Supõe-se que o papa tem jurisdição
sobre o purgatório. É sua prerrogativa peculiar conceder indulgências, abrandar os
sofrimentos purgatoriais e até acabar com eles.
O principal apoio para esta doutrina acha-se em 2 Macabeus 12.42-45, e, portanto,
num livro não reconhecido como canônico pelos protestantes.* Mas esta passagem prova
demais, isto é, mais do que os próprios católicos romanos podem admitir coerentemente, a
saber, a possível libertação do purgatório, de soldados que tinham morrido no pecado
mortal da idolatria.
Também se supõe que certas passagens favorecem essa doutrina, como Is 4.4; Mq
7.8; Zc 9.11; Ml 3.2, 3; Mt 12.32; 1 Co 3.13-15; 15.29. Contudo, é mais que evidente que
essas passagens só podem ser levadas a dar suporte à doutrina do purgatório mediante
uma exegese forçada. A doutrina não acha suporte nenhum na Escritura, e, além disso,
firma-se em várias premissas falsas, tais como: (a) que devemos acrescentar algo à obra
realizada por Cristo; (b) que as nossas boas obras são meritórias no sentido estrito da
palavra; (c) que podemos realizar obras de supererrogação, obras que excedem o que o
dever manda; e (d) que o poder das chaves, que a igreja detém, é absoluto, num sentido
judicial. Segundo esse poder, a igreja pode encurtar, suavizar e até mesmo terminar os
sofrimentos do purgatório.
2. O LIMBUS PATRUM. A palavra latina limbus (orla, borda) era empregada na Idade
Média para denotar dois lugares na orla ou na borda do inferno, a saber, o limbus patrum
(dos pais) e o limbus infantum (das crianças). Aquele era o lugar onde, segundo os ensinos
de Roma, as almas dos santos do Velho Testamento ficaram detidos, num estado de
expectativa, até a ressurreição do Senhor dentre os mortos. Supõe-se que, após Sua morte
na cruz, Cristo desceu ao lugar de habitação dos pais para livra-los do seu confinamento
temporário e levá-los em triunfo para o céu. Esta é a interpretação católica romana da
descida de Cristo ao hades. O hades é considerado como o lugar de habitação dos
espíritos dos mortos, tendo duas divisões, uma para os justos e a outra para os ímpios. A
divisão habitada pelos espíritos dos justos era o limbus patrum, que os judeus conheciam
como seio de Abraão, Lc 16.23, e paraíso, Lc 23.43. Afirma-se que o céu não foi aberto
para nenhum homem, enquanto Cristo não realizou a propiciação pelo pecado do mundo.
3. O LIMBUS INFANTUM. Este é o lugar de habitação das almas de todas as crianças
não batizadas, independentemente de sua descendência, que de pagãos, quer de cristãos.
De acordo com a Igreja Católica Romana, as crianças não batizadas não podem ser * Igualmente não reconhecido pelos católicos romanos até à época do Concílio de Trento, que o declarou de igual autoridade à dos livros canônicos (juntamente com outros livros apócrifos) – e isso três décadas após a eclosão da Reforma Protestante do Século XVI. Nota do tradutor.
admitidas no céu, não podem entrar no reino de Deus, Jo 3.5. Sempre houve natural
repugnância, porém, pela idéia de que essas crianças devem ser torturadas no inferno, e
os teólogos católicos romanos procuraram um meio de escapar da dificuldade. Alguns
achavam que tais crianças talvez sejam salvas pela fé dos pais, e outros, que Deus pode
comissionar os anjos para batiza-las. Mas a opinião predominante é que, embora excluídas
do céu, é-lhes destinado um lugar situado nas bordas do inferno, aonde não chegam as
chamas terríveis. Elas permanecem nesse lugar para sempre, sem nenhuma esperança de
livramento. A igreja de Roma jamais definiu a doutrina do limbus infantum, e as opiniões
dos teólogos variam quanto às precisas condições das crianças ali confinadas. Todavia
prevalece a opinião de que elas não sofrem nenhuma punição positiva, nenhuma “dor dos
sentidos”, mas simplesmente estão excluídas das bênçãos do céu. Elas conhecem e amam
a Deus pelo uso das suas faculdades naturais, e gozam completa felicidade natural.
E. O Estado da Alma Depois da Morte, Um Estado de E xistência Consciente.
1. O ENSINO DA ESCRITURA SOBRE ESTE PONTO. Tem-se levantado a questão
dobre se, após a morte, a alma continua ativamente consciente e é capaz de ação racional
e religiosa. Por vezes isso tem sido negado, sobre a base geral de que a alma, em sua
atividade consciente, depende do cérebro e, portanto, não pode continuar a funcionar
quando o cérebro é destruído. Mas, como já foi assinalado anteriormente (III.D), a validade
desse argumento pode ser posta em dúvida. “Ele se baseia”, para usar as palavras de
Dahle, “no erro de confundir o operário com a sua máquina”. Do fato de que a consciência
humana, na presente vida, transmite os seus efeitos pelo cérebro, não se segue
necessariamente que não possa agir de nenhum outro modo. Ao argumentarmos a favor
da existência consciente da alma depois da morte, não nos apoiamos nos fenômenos do
espiritismo dos dias atuais, e nem mesmo dependemos de argumentos filosóficos, embora
estes não sejam destituídos de força. Buscamos nossas provas na Palavra de Deus, e
particularmente no Novo Testamento. O rico e Lázaro participam de uma conversação, Lc
16.19-31. Paulo descreve o estado desencarnado como “habitar com o Senhor”, e como
uma coisa preferível à vida presente, 2 Co 5.6-9; Fp 1.23. Decerto que dificilmente ele
falaria dessa maneira acerca de uma existência inconsciente, que seria uma virtual não
existência. Em Hb 12.23 se diz que os crentes têm chegado “aos espíritos dos justos
aperfeiçoados”, o que certamente implica sua existência consciente. Além disso, os
espíritos debaixo do altar clamam por vingança contra os perseguidores da igreja, Ap 6.9, e
se afirma que as almas dos mártires reinam com Cristo, Ap 20.4. Esta verdade da
existência consciente da alma depois da morte tem sido negada em mais de uma forma.
2. A DOUTRINA DO SONO DA ALMA (PSICOPANIQUIA).
a. Exposição da doutrina. Esta é uma das formas em que a existência consciente da
alma depois da morte é negada. Ela afirma que, depois da morte, a alma continua a existir
como um ser espiritual individual, mas num estado de repouso inconsciente. Eusébio faz
menção de uma pequena seita da Arábia que tinha esse conceito. Durante a Idade Média
havia bem poucos dos chamados psicopaniquianos, e na época da Reforma esse erro era
defendido por alguns anabatistas. Calvino chegou a escrever um tratado contra eles,
intitulado Psychopanychia. No século dezenove esta doutrina era propugnada por alguns
dos irvingitas* da Inglaterra, e nos nossos dias é uma das doutrinas favoritas dos russelitas
ou dos sectários da aurora do milênio nos Estados Unidos. Segundo estes últimos, o corpo
e a alma descem à sepultura, a alma num estado de sono que de fato equivale a um
estado de não existência. O que é chamado ressurreição, na realidade é uma nova criação.
Durante o milênio os ímpios terão uma segunda oportunidade, mas, se eles não mostrarem
um assinalado melhoramento durante os cem primeiros anos, serão aniquilados. Se nesse
período evidenciarem alguma correção da vida, continuarão em prova, mas somente para
acabar na aniquilação, se permanecerem impenitentes. Não existe inferno, não existe
nenhum lugar de tormento eterno. A doutrina do sono da alma parece exercer peculiar
fascínio sobre os que acham difícil acreditar na continuidade da vida consciente fora do
organismo corpóreo.
b. Suposta base bíblica desta doutrina. A prova escriturística desta doutrina acha-se
especialmente no seguinte: (1) Muitas vezes a Escritura descreve a morte como um sono,
Mt 9.24; At 7.60; 1 Co 15.51; 1 Ts 4.13. Este sono, dizem, não pode ser sono do corpo, e,
portanto, só pode ser sono da alma. (2) Certas passagens da Escritura ensinam que os
mortos estão inconscientes, Sl 6.5; 30.9; 115.17; 146.4; Ec 9.10; Is 38.18, 19. Isto vai
contra a idéia de que a alma continua sua existência consciente. (3) A Bíblia ensina que os
destinos dos homens serão determinados por um julgamento final e que haverá surpresa
para alguns. Conseqüentemente, é impossível imaginar que a alma entra em seu destino
imediatamente após a morte, Mt 7.22, 23; 25.37-39, 44; Jo 5.29; 2 Co 5.10; Ap 20.12, 13.
* Seguidores de Edward Irving (1792-1834), teólogo escocês, exonerado do ministério presbiteriano em 1830 por questões doutrinárias, e fundador da Santa Igreja Católica Apostólica. Nota do tradutor.
(4) nenhum dos que ressuscitaram dentre os mortos jamais deu algum relato das suas
experiências. Pode-se entender melhor isso com a suposição de que as almas estavam
inconscientes, em seu estado desencarnado.
c. Consideração dos argumentos apresentados. Os argumentos supra mencionados
podem ser respondidos como segue, na ordem em que foram expostos: (1) Deve-se notar
que a Bíblia nunca diz que a alma cai no sono, nem que o corpo cai no sono, mas somente
que a pessoa que morre o faz. E esta descrição escriturística baseia-se simplesmente na
similaridade existente entre um corpo e um corpo dormente. Não é improvável que a
Escritura empregue esta expressão eufemística a fim de lembrar aos crentes a consoladora
esperança da ressurreição. Além disso, a morte é um rompimento com a vida do mundo
que nos rodeia e, neste sentido, é sono, é repouso. Finalmente, não devemos esquecer
que a Bíblia retrata os crentes como desfrutando vida consciente na comunhão com Deus e
com Jesus imediatamente após a morte, Lc 16.19-31; 23.43; At 7.59; 2 Co 5.8; Fp 1.23; Ap
6.9; 7.9; 20.4. (2) As passagens que parecem ensinar que os mortos estão inconscientes
visam claramente a salientar o fato de que , no estado de morte, o homem não pode mais
tomar parte nas atividades do presente mundo. Diz Hovey: “A obra do artista é
interrompida, a voz do cantor é silenciada, o cetro do rei cai. O corpo volta ao pó, e o louvor
de Deus neste mundo cessa para sempre”. (3) às vezes se faz descrição como se o
destino eterno do homem dependesse de um julgamento no ultimo dia, mas evidentemente
isso é um engano. O dia do juízo não é necessário para chegar-se a uma decisão a
respeito da recompensa ou da punição de cada homem, mas somente para o solene
anúncio da sentença, e para a revelação da justiça de Deus na presença dos homens e
dos anjos. A surpresa evidenciada por algumas passagens tem que ver com a base sobre
a qual o julgamento repousa, e não com o julgamento propriamente dito. (4) É verdade que
não lemos que algum dos que ressuscitaram dentre os mortos alguma vez tenha contado
as experiências pelas quais passou entre a sua morte e a sua ressurreição. Mas este é um
simples argumento extraído do silêncio, argumento completamente sem valor neste caso,
desde que a Bíblia ensina claramente a existência consciente dos mortos. Todavia, pode
muito bem ser que as pessoas se mantivessem caladas acerca das experiências, mas isto
pode ser prontamente explicado partindo-se do pressuposto de que não lhes foi permitido
falar delas, ou que não podiam relatá-las com linguagem humana. Cf. 2 Co 12.4.
3. AS DOUTRINAS DO EXTINCIONISMO E DA IMORTALIDADE CONDICIONAL.
a. Exposição destas doutrinas. De acordo com estas doutrinas, não há existência
consciente, se é que há alguma existência, dos ímpios após a morte. Ambas estão unidas
em sua concepção do estado dos ímpios após a morte, mas divergem num par de pontos
fundamentais. O extincionismo ensina que o homem foi criado imortal, mas que a alma,
que continua em pecado, está privada, por um ato positivo de Deus, do dom da
imortalidade e, finalmente, é destruída, ou (segundo alguns), para sempre é despojada da
consciência, o que equivale praticamente a ser reduzida à não existência. Por outro lado,
segundo a doutrina da imortalidade condicional, a imortalidade não é um dote natural da
alma, mas um dom de Deus em Cristo aos que crêem. A alma que não aceita a Cristo,
finalmente deixa de existir, ou perde toda a consciência. Alguns dos defensores destas
doutrinas ensinam uma duração limitada de sofrimentos conscientes para os ímpios na vida
futura, e, assim, conservam algo da idéia de punição positiva.
b. Estas doutrinas na história. A doutrina do extincionismo foi ensinada por Arnóbio e
pelos primeiros socinianos, como também pelos filósofos Locke e Hobbes, mas não foi
popular em sua forma originária. No século anterior ao nosso, porém, a antiga idéia da
aniquilação foi revivida com algumas modificações, com o nome de imortalidade
condicional, e em sua nova forma encontrou considerável apoio. Foi defendida por E.
White, J. B. Heard, pelos prebendados Constable e Row, na Inglaterra, por Richard Rothe
na Alemanha, por A. Sabatier em França, por E. Petavel e Ch. Secretan na Suíça, e por C.
F. Hudson, W. R. Huntingon, L.C. Baker e L.W. Bacon em nosso país (Estados Unidos da
América), e, portanto, merece atenção especial. Nem todos colocam a doutrina na mesma
forma, mas todos concordam na posição fundamental de que o homem não é imortal em
virtude da sua constituição original, mas é feito imortal por um ato ou dom especial da
graça. No que se refere aos ímpios, alguns afirmam que eles conservam mera existência,
embora com total perda da consciência, enquanto outros asseveram que eles perecem
completamente, como os animais, conquanto isto possa ocorrer depois de períodos mais
longos ou mais curtos de sofrimento.
c. Argumentos aduzidos em favor desta doutrina. Acha-se suporte para esta doutrina,
em parte na linguagem de alguns dos chamados pais primitivos da igreja, que parece
também nalgumas das mais recentes teorias da ciência, que negam que haja alguma prova
científica da imortalidade da alma. Contudo, o principal suporte para ela é procurado na
Escritura. O que se diz é que a Bíblia: (1) ensina que somente Deus é inerentemente
imortal, 1 Tm 6.16; (2) nunca fala da imortalidade da alma em geral, mas apresenta a
imortalidade como um dom de Deus aos que estão em Cristo Jesus, Jo 10.27, 28; 17.3; Rm
2.7; 6.22, 23; Gl 6.8; e (3) ameaça os pecadores com a “morte” e com “destruição”,
afirmando que eles “perecerão”, termos que devem ser entendidos no sentido de que os
descrentes serão reduzidos à não existência, Mt 7.13; 10.28; Jo 3.16; Rm 6.23; 8.13; 2 Ts
1.9.
d. Consideração destes argumentos. Não se pode dizer que os argumentos em favor
desta doutrina são conclusivos. A linguagem dos chamados pais primitivos da igreja nem
sempre é exata e coerente, e admite outra interpretação. E, no geral, o pensamento
especulativo dos séculos tem sido favorável à doutrina da imortalidade da alma, ao passo
que a ciência não tem sucesso ao reprová-la. Os argumentos escriturísticos podem ser
respondidos em ordem, como segue: (1) Deus é de fato o único ser que tem imortalidade
inerente. A imortalidade do homem é derivada, mas isto não é o mesmo que dizer que ele
não a possui em virtude da sua criação. (2) No segundo argumento, a mera imortalidade ou
existência continuada da alma é confundida com a vida eterna, quando esta constitui um
conceito muito mais rico. A vida eterna é, na verdade, dom de Deus em Jesus Cristo, dom
que os ímpios não recebem, mas isto não significa que eles não continuarão existindo. (3)
O último argumento pressupõe arbitrariamente que os termos “morte”, “destruição” e
“perecer” denotam uma redução à não existência. Só o literalismo mais cru pode afirmar
isto, e, neste caso, unicamente em conexão com algumas das passagens citadas pelos
defensores desta teoria.
e. Argumentos contra esta doutrina. A doutrina da imortalidade condicional é
claramente contraditada pela Escritura onde esta ensina: (1) que os pecadores, como os
santos, continuarão a existir para sempre, Ec 12.7; Mt 25.46; Rm 2.8-10; Ap 14.11; 20.10;
(2) que os ímpios sofrerão punição eterna, o que significa que estarão para sempre
cônscios de uma dor que reconhecerão como seu justo prêmio, e, portanto, não serão
aniquilados, cf. as passagens recém-mencionadas; e (3) que haverá graus na punição dos
ímpios, enquanto que a extinção do ser ou da consciência não admite graus, mas constitui
uma punição igual para todos, Lc 12.47, 48; Rm 2.12
As seguintes ponderações também são decididamente opostas a esta doutrina
particular: (1) A aniquilação seria contrária a toda analogia. Deus não aniquila a Sua obra,
por mais que possa mudar-lhe a forma. A idéia bíblica da morte não tem nada em comum
com a aniquilação ou extinção. A vida e a morte são opostos exatos na Escritura. Se a
morte significasse a continuação destes; mas o fato é que significa muito mais que isso, cf.
Rm 8.6; 1 Tm 4.8; 1 Jo 3.14. O termo tem uma conotação espiritual, o mesmo acontecendo
com a palavra morte. O homem está espiritualmente morto antes de cair presa da morte
física, mas isso não envolve perda do ser ou da consciência, Ef 2.1, 2; 1 Tm 5.6; Cl 2.13;
Ap 3.1. (2) Dificilmente se pode dizer que a aniquilação é uma punição, desde que esta
implica consciência de sofrimento e demérito, ao passo que, quando termina a existência,
cessa também a consciência. Poder-se-ia dizer, no máximo, que o medo da aniquilação é
uma punição, mas esta punição não seria proporcional à transgressão. E, naturalmente, o
medo do homem que nunca teve dentro de si a centelha da imortalidade, jamais será igual
ao daquele que tem a eternidade em seu coração, Ec 3.11. (3) Muitas vezes sucede que as
pessoas consideram a extinção do ser e da consciência uma coisa muito desejável, quando
se cansam da vida. Para elas, essa punição seria na realidade uma bênção.
F. O Estado Intermediário não é um Estado de Provaç ão ou Prova Posterior.
1. EXPOSIÇÃO DA DOUTRINA. A teoria da “segunda prova”, assim chamada,
encontrou considerável apoio no mundo teológico do século dezenove. Ela é defendida
além de doutros, por Mueller, Dorner e Nitzsch na Alemanha, por Godet e Gretillat na
Suíça, por Maurício, Farrar e Plumptre na Inglaterra, e por Newman Smythe, Munger, Cox,
Jukes e vários outros teólogos de Andover nos Estados Unidos. Essa teoria pretende que a
salvação mediante Cristo é possível no estado intermediário para certas classes de
pessoas, ou talvez para todas; e que é oferecida nos mesmos termos como no presente, a
saber, a fé em Cristo como Salvador. Cristo é dado a conhecer a todos os que ainda
necessitam dele para a salvação, e todos são instados a aceita-lo. Ninguém é condenado
sem ser submetido a esta prova, e só são condenados os que resistem a esta oferta da
graça. O estado eterno do homem não será fixado irrevogavelmente enquanto não chegar
o dia do juízo. A decisão tomada entre a morte e a ressurreição decidirá se a pessoa será
salva ou não. O principio fundamental sobre o qual repousa essa teoria é que nenhum
homem perecerá sem receber o oferecimento de uma oportunidade favorável para
conhecer e aceitar a Jesus. O homem só é condenado por sua obstinada recusa a aceitar a
salvação oferecida em Jesus Cristo. Contudo, as opiniões diferem quanto às pessoas às
quais a graça divina oferecerá a oportunidade de aceitar a Cristo no estado intermediário. A
opinião geral é que certamente será estendida a todas as crianças falecidas na infância e
aos pagãos adultos que nesta vida não ouviram falar de Cristo. A maioria sustenta que será
concedida até mesmo aos que, tendo vivido em terras cristãs, na presente vida nunca
consideraram apropriadamente as reivindicações de Cristo. Há, ainda, grande diversidade
de opiniões quanto à instrumentalidade e aos métodos pelos quais essa obra salvadora
será levada a efeito no futuro. Além disso, enquanto alguns alimentam as maiores
esperanças quanto aos resultados dessa ora, outros são menos entusiasmados em suas
expectativas.
2. FUNDAMENTO EM QUE SE BASEIA ESTA DOUTRINA. Essa teoria se funda, em
parte, em considerações gerais daquilo que se poderia esperar do amor e da justiça de
Deus, e num desejo facilmente compreensível de dar à obra da graça de Cristo Jesus
amplitude tão inclusiva quanto possível, e não nalgum sólido alicerce escriturístico. Sua
principal base bíblica acha-se em 1 Pe 3.19 e 4.6, com o entendimento de que estas
passagens ensinam que Cristo, no período compreendido entre a Sua morte e a Sua
ressurreição, pregou aos espíritos no hades. Mas estas passagens dão um fundamento
assaz precário, visto que permitem uma interpretação completamente diferente.12 E
mesmo que estas passagens ensinassem que Cristo de fato foi ao mundo subterrâneo para
pregar, Seu oferecimento de salvação se estenderia somente aos que tinham morrido
antes da Sua crucificação. Eles se referem também a passagens que, em sua opinião,
apresentam a incredulidade como a única base para a condenação, tais como, Jo 3.18, 36;
Mc 16.15, 16; Rm 10.9-12; Ef 4.18; 2 Pe 2.3, 4; 1 Jo 4.3. Mas estas passagens só provam
que a fé em Cristo é o único meio de salvação, o que de modo nenhum equivale a provar
que uma consciente rejeição de Cristo é a única base da condenação. A incredulidade é,
sem dúvida, um grande pecado, pecado que sobressai em proeminente destaque nas vidas
daqueles a quem Cristo é pregado, mas não é a única forma de revolta contra Deus, nem a
única base da condenação. Os homens já estão sob condenação quando Cristo lhes é
oferecido. Outras passagens, como Mt 13.31, 32; 1 Co 14.24-28; Fp 2.9-11, são igualmente
inconclusivas. Algumas delas provam demais e, portanto, nada provam.
3. ARGUMENTOS CONTRA ESTA DOUTRINA. As seguintes considerações podem
ser dirigidas contra essa teoria: (a) A Escritura descreve o estado dos descrentes após a
morte como um estado fixo. A passagem mais importante a considerar aqui é Lc 16.19-31.
Outras passagens são Ec 11.3 (de interpretação incerta); Jo 8,21, 24; 2 Pe 2.4, 9; Jd 7.13
(comp. 1 Pe 3.19). (b) Invariavelmente descreve também o juízo final vindouro como
determinado pelas coisas feitas na carne, e nunca fala dele como de algum modo
12 Cf. especialmente Hovey, Eschatology, p. 97-113, e Vos, artigo “Eschatology of the New Testament”, na International Standard Bible Encyclopaedia.
dependente do ocorrido no estado intermediário, Mt 7.22, 23; 10.32, 33; 25.34-46; Lc 12.47,
48; 2 Co 5.9, 10; Gl 6.7,8; 2 Ts 1.8; Hb 9.27. (c) o principio fundamental dessa teoria,
segundo o qual unicamente a consciente rejeição de Cristo e Seu Evangelho leva os
homens a perecerem, é antibíblico. O homem está perdido por natureza, e mesmo o peado
original, bem como os pecados atuais, o torna digno de condenação. A rejeição de Cristo é,
indubitavelmente, um grande pecado, mas nunca é apresentada como o único pecado que
leva à destruição do pecador. (d) A Escritura nos ensina que os gentios perecem, Rm 1.32;
2.12; Ap. 21.8. Não há na Escritura nenhuma evidencia em que possamos basear a
esperança de que gentios adultos, ou mesmo crianças gentílicas que não chegaram aos
anos da discrição, serão salvos. (e) A teoria da prova futura leva à extinção de todo o fervor
missionário. Se os gentios podem decidir quanto à aceitação de Cristo no futuro, isso só
pode resultar num juízo mais rápido e maior para muitos, se são postos ante a escolha
agora. Por que não deixa-los na ignorância pelo Maximo de tempo possível?
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. É sustentável a posição de que o sheol-hades
sempre designa um mundo subterrâneo para onde vão todos os mortos? 2. Por que é
objetável a crença em que a Bíblia, em suas afirmações sobre o sheol e hades,
simplesmente reflete as noções populares da época? 3. Devemos supor que, por ocasião
da morte, os justos e os ímpios entram nalguma habitação temporária e provisória, e não
imediatamente em seu destino eterno? 4. Em que sentido o estado intermediário é apenas
transitivo? 5. Como surgiu a noção do purgatório? 6. Como os católicos romanos
concebem o fogo purgatorial? 7. Esse fogo é meramente purificador, ou também penal? 8.
Que bom elemento alguns luteranos vêem na doutrina do purgatório? 9. Que mescla de
heresias encontramos na seita conhecida como “aurora do milênio”? 10. O estado
intermediário, de acordo com a Escritura, representa um terceiro aion entre o aion houtos e
o aion ho mellon? 11. a ênfase escriturística ao presente como “o dia da salvação” está em
harmonia com a doutrina de uma prova futura?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. , p. 655-711; Kuyper, Dict.
Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 25-116; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie, p. 3-14;
Hodge, Syst., Theol. III, p. 713-770; Shedd, Dogm. Theol. II, p. 591-640; Dabney, Syst. and
Polem. Theol., p. 823-829; Litton, Introd. to Dogm. Theol., p. 548-569; Valentine, Chr.
Theol. II, p. 392-407; Pieper, Christ. Dogm. III, p. 574-578; Miley, Syst. Theol. II, p. 430-439;
Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 385-391; Schaff, Our Father’s Faith and Ours, p.
412-431; Row, Future Retribution, p. 348-404; Shedd, Doctrine of Endless Punishment, p.
19-117; King, Future Retribution; Morris, Is There Salvation After Death?; Hovey,
Eschatology, p. 79-144; Dahle, Life After Death, p. 118-227; Salmond, Chr. Doct. Of
Immortality, cf. Índice; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 195-228; Addison, Life
Beyond Death, p. 200-214; De Bondt, Wat Leert Het Oude Testament Aangaande Her
Leven Na Dit Leven?, p. 40-129; Kliefoth, Christl. Eschatologie, p. 32-126.
ESCATOLOGIA GERAL
I. A Segunda Vinda de Cristo
Enquanto os profetas não distinguem claramente uma dupla vinda de Cristo, o próprio
Senhor e os apóstolos deixam mais que claro que à primeira vinda seguir-se-á uma
segunda. Jesus se referiu ao Seu retorno mais de uma vez, para o fim do Seu retorno mais
de uma vez, para o fim do Seu ministério público, Mt 24.30; 25.19, 31; 26.64; Jo 14.3. Ao
tempo da Sua ascensão, anjos apontaram para o Seu regresso, At 3.20, 21; Fp 3.20; 1 Ts
4.15, 16; 2 Ts 1.7, 10; Tt 2.13; Hb 9.28.
Vários termos são empregados para denotar este grande evento, dos quais os
seguintes são os mais importantes: (1) apocalypsus (desvendamento, revelação), que
indica a remoção daquilo que agora obstrui a nossa visão de Cristo, 1 Co 1.7; 2 Ts 1.7; 1
Pe 1.7, 13; 4.13; (2) epiphaneia (aparecimento, manifestação), termo referente à vinda de
Cristo, saindo Ele de um substrato oculto com as ticas bênçãos da salvação, 2 Ts 2.8; 1 Tm
6.14; 2 Tm 4.1, 8; Tt 2.13; e (3) parousia (literalmente, presença), que assinala a vinda que
precede a presença ou que resulta na presença, Mt 24.3, 27, 37; 1 Co 15.23; 1 Ts 2.19;
3.13; 4.15; 5.23; 2 Ts 2.1-9; Tg 5.7, 8; 2 Pe 1.16; 3,4, 12; 1 Jo 2.28.
A. A segunda Vinda, um Evento Único.
Os dispensacionalistas dos dias atuais distinguem duas vindas futuras de Cristo,
embora às vezes procurem preservar a unidade da idéia da segunda vinda falando dela
como dois aspectos daquele grande evento. Mas, desde que as duas são, na realidade,
apresentadas como dois eventos diferentes, separados por um período de vários anos,
cada qual com seu propósito, dificilmente poderão ser consideradas como um evento
único. A primeira é a paurosia, ou simplesmente “a vinda”, e resulta no arrebatamento dos
santos, às vezes descrito como um arrebatamento secreto. Esta vinda é iminente, isto é,
pode ocorrer a qualquer momento, visto que não há eventos preditos que devam preceder
sua ocorrência. A opinião dominante é que, nesse tempo, Cristo não descerá à terra, mas
permanecerá nas alturas. Os que morrem no Senhor ressuscitarão dos mortos, os santos
vivos serão transfigurados, e juntos recolhidos para encontrar-se com o Senhor nos ares.
Daí, esta vinda é também denominada “vinda para os Seus santos”, 1 Ts 4.15, 16. Seguir-
se-á um intervalo de sete anos, durante o qual o mundo será evangelizado, Mt 24.14, Israel
se converterá, Rm 11.26, ocorrerá a grande tribulação, Mt 24.21,22, e o anticristo ou
homem do pecado será revelado, 2 Ts 2.8-10.
Depois destes eventos, haverá outra vinda do Senhor com os seus santos, 1 Ts 3.13,
chamada “revelação” ou “dia do Senhor”, no qual Ele descerá à terra. Esta vinda não pode
ser iminente, porque terá que ser precedida por diversos eventos preditos. Quando desta
vinda, Cristo julgará as nações existentes, Mt 25.31-46, e introduzirá o reino milenar.
Assim, temos duas vindas distintas do Senhor, separadas por um período de sete anos,
das quais, uma é iminente e a outra não, uma é seguida pela glorificação dos santos, e a
outra pelo julgamento das nações e pelo estabelecimento do reino. Esta elaboração da
doutrina da segunda vinda é muito conveniente para os dispensacionalistas, visto que os
habilita a defender a idéia de que a vinda do Senhor é iminente, mas não tem base na
Escritura e traz implicações antibíblicas. Em 2 Ts 2.1. 2., 8 as expressões parousia e “dia
do Senhor” são empregadas uma pela outra, e de acordo com 2 Ts 1.7-10, a revelação
mencionada no versículo 7 não se ajusta sincronicamente à parousia de que fala o
versículo 10. Mt 24.19-31 apresenta a vinda do Senhor por ocasião da qual os eleitos serão
reunidos como sucedendo imediatamente após a grande tribulação mencionada no
contexto, ao passo que, de acordo com a teoria em foco, deverá ocorrer antes da
tribulação. E, finalmente, segundo esta teoria, a igreja não passará pela grande tribulação,
que é apresentada em Mt 24.4-26 em sincronia com a grande apostasia, mas a descrição
bíblica em Mt 24.22; Lc 21.36; 2 Ts 2.3; 1 Tm 4.1-3; 2 Tm 3.1-5; Ap 7.14 é completamente
diferente. Com base na Escritura, deve-se afirmar que a segunda vinda do Senhor será um
único evento. Felizmente, alguns premilenistas não concordam com esta doutrina de uma
dupla segunda vinda de Cristo, e se referem a ela dizendo que é uma novidade sem
fundamento. Diz Frost: “Não é um fato sabido em geral, e, não obstante, é incontestável
que a doutrina da ressurreição e do arrebatamento anteriores à tribulação é uma
interpretação moderna – sou tentado a dizer, uma invenção moderna”.13 De acordo com o
citado autor, ela tem sua origem nos dias de Irving e Darby. Outro premilenista, a saber,
Alexander Reese, apresenta um argumento muito forte contra toda esta idéia em sua obra
sobre O Impendente Advento de Cristo (The Approaching Advent of Christ).
B. Os grandiosos Eventos que Precederão a Parousia.
13 The Second Coming of Christ, p. 203.
De acordo com a Escritura, importantes eventos deverão ocorrer antes do retorno do
Senhor, e, portanto, não se lhe pode chamar iminente. À luz da Escritura, não de pode
afirmar que não há eventos preditos que ainda não devam acontecer antes da segunda
vinda. Como se poderia esperar em vista do que foi dito na seção anterior, Frost, a
despeito do seu dispensacionalismo, rejeita a doutrina da iminência. Ele prefere falar da
vinda de Cristo como “impendente”. Acha-se apoio para a doutrina da iminência da volta de
Cristo nas declarações bíblicas de que Cristo virá “dentro de pouco tempo”, Hb 10.37; ou
“sem demora”, Ap 22.7; nas exortações para que vigiemos e esperemos por Sua vinda, Mt
24.42; 25.13; Ap 16.15; e no fato de que a Escritura condena a pessoa que diz, “Meu
Senhor demora-se” (ou, “retarda a sua vinda”), Mt 24.48. De fato Jesus ensinava que a Sua
vinda estava próxima, porém isto não é o mesmo que ensinar que era iminente.
Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que, ao falar de Sua vinda, Ele nem sempre
está pensando na vinda escatológica. Às vezes Ele se refere à Sua vinda em poder
espiritual no dia de Pentecoste; às vezes à Sua vinda em julgamento, na destruição de
Jerusalém. Em segundo lugar, Ele e os apóstolos nos ensinam que terão que ocorrer
vários eventos importantes antes do Seu retorno físico no ultimo dia, Mt 24.5-14, 21, 22,
29-31; 2 Ts 2.2-4. Portanto, Cristo não poderia descrever com muita propriedade a Sua
vinda como iminente. Também é evidente que, quando Ele falava da Sua vinda como
próxima, não tencionava retrata-la como imediatamente às portas. Na parábola dos
talentos Ele ensina que o senhor dos servos voltou para ajustar contas com eles “depois de
muito tempo”, Mt 25.19. e a parábola dos talentos foi contada justamente com o propósito
de corrigir a noção de “que o reino de Deus havia de manifestar-se imediatamente”, Lc
19.11. Na parábola das dez virgens se faz referência à demora do noivo – “tardando o
noivo”, Mt 25.5. Isso está em harmonia com o que Paulo diz em 2 Ts 2.2. Pedro predisse
surgiriam escarnecedores dizendo: “Onde está a promessa da sua vinda?” (ou, na versão
utilizada pelo Autor, “onde está o dia da sua vinda?”). E ensina os seus leitores a
compreenderem as predições da proximidade da segunda vinda conforme o ponto de vista
divino, segundo o qual um dia é como mil anos, e mil anos como um dia, 2 Pe 3.3-9.
Ensinar que Jesus considerava a segunda vinda como imediatamente às portas seria dizer
que Ele errou, visto que já se passaram quase dois mil anos desde aquele tempo.
Agora, pode-se levantar a questão: Como então podemos ser concitados a velar pela
vinda? Jesus nos ensina em Mt 24.32, 33 a vigiar por Sua vinda pelos sinais: “quando
virdes todas estas cousas, sabei que está próximo, às portas”. Além disso, não precisamos
interpretar a exortação à vigilância como uma exortação a esquadrinhar os céus em busca
de sinais imediatos do aparecimento do Senhor. Antes, devemos ver nela uma
admoestação para estarmos despertos, alerta, preparados, ativos na realização da obra do
Senhor, para não sermos surpreendidos por repentina calamidade. Os seguintes eventos
grandiosos devem preceder a vinda do Senhor.
1. O CHAMAMENTO DOS GENTIOS. Várias passagens do Novo testamento
assinalam o fato de que o Evangelho do Reino deverá ser pregado a todas as nações
antes da volta do Senhor, Mt 24.14; Mc 13.10; Rm 11.25. Muitas passagens atestam que
os gentios entrarão no Reino em grande número, durante a nova dispensação, Mt 8.11;
13.31, 32; Lc 2.32; At 15.14; Rm 9.24-26; Ef 2.11-20, e outras passagens. Mas os textos
acima indicados referem-se claramente à evangelização de todas as nações como a meta
da história. Ora, dificilmente funcionará dizer que o Evangelho já foi proclamado entre todos
os povos, nem tampouco que os labores de um único missionário em cada uma das
nações do mundo preenchem todos os requisitos da afirmação de Jesus. Por outro lado, é
igualmente impossível sustentar que as palavras do Salvador requerem a pregação do
Evangelho a todos os indivíduos das diferentes nações do mundo. Contudo, eles exigem
que essas nações, como nações, sejam completamente evangelizadas, de modo que o
Evangelho se torne um poder na vida do povo, um sinal que reclama decisão. Deve ser
pregado a elas para testemunho, para poder-se dizer que lhes foi dada uma oportunidade
para se decidirem pró ou contra Cristo e Seu reino. Essas palavras implicam claramente
que a grande comissão deve ser levada a cabo em todas as nações do mundo, a fim de se
fazerem discípulos de todas as nações, isto é, dentre o povo de todas as nações. Todavia,
elas não justificam a expectação de que todas as nações, de maneira total e completa,
aceitarão o Evangelho, mas somente que se encontrarão adeptos em todas as nações e,
assim, essa proclamação servirá de instrumento para chegar-se à plenitude dos gentios.
No final dos tempos será possível dizer que a todas as nações foi dado conhecer o
Evangelho, e o Evangelho testificará contra as nações que não o aceitaram.
Do que acima foi dito se compreenderá prontamente que muitos dispensacionalistas
têm um conceito muito diferente desta matéria. Não acreditam que a evangelização do
mundo precisa ser, nem que será completada antes da parousia, que é iminente. De
acordo com eles, ela realmente começará naquela ocasião. Eles assinalam que o
Evangelho indicado em Mt 24.14 não é o Evangelho da graça de Deus em Jesus Cristo,
mas o Evangelho do Reino, que é completamente diferente, as boas novas de que o Reino
mais uma vez está às portas. Depois que a igreja for removida deste cenário terreno, e com
ela retirar-se o Espírito Santo que nela habita – o que realmente significa, após terem sido
restauradas as condições do Velho Testamento – só então o Evangelho com o qual Jesus
começou o seu ministério tornará a ser pregado. A princípio será pregado pelos que foram
convertidos pelo própria remoção da igreja, e mais tarde, talvez por Israel convertido e um
mensageiro especial,14 ou, particularmente durante a grande tribulação, pelo
remanescente fiel de Israel.15 Essa pregação será maravilhosamente eficaz, muitíssimo
mais eficaz que a pregação do Evangelho da graça de Deus. Será durante esse período
que os 144.000 e a grande multidão que ninguém poderá contar, de Ap 7, se converterão.
E dessa maneira se cumprirá a predição de Jesus registrada em Mt 24.14. Devemos
lembrar que esta formulação os premilenistas mais antigos não aceitavam, e mesmo agora
é rejeitada por alguns dos premilenistas atuais, e, certamente, não se recomenda a nós. A
distinção entre um duplo Evangelho e uma dupla vinda do Senhor é insustentável. O
Evangelho da graça de Deus em Jesus Cristo é o único Evangelho que salva e que dá
entrada no reino de Deus. E é absolutamente contrário à história da revelação, que um
regresso às condições do Velho Testamento, incluída a ausência da igreja e do Espírito
santo que nela habita, seja mais eficaz que a pregação do Evangelho da graça de Deus em
Jesus Cristo e do que o dom do Espírito Santo.
2. CONVERSÃO DO PLEROMA DE ISRAEL. Tanto o Velho Testamento como o Novo
falam de uma futura conversão de Israel, Zc 12.10; 13.1; 2 Co 3.15, 16, e Rm 11.25-29
parece relacionar isto com o fim dos tempos. Os premilenistas têm explorado este
ensinamento escriturístico para os seus propósitos particulares. Eles afirmam que haverá
uma restauração e uma conversão nacionais de Israel, que a nação judaica será
restabelecida na Terra Santa, e que isso terá lugar imediatamente antes ou durante o reino
milenar de Jesus Cristo. É muito duvidoso, porém, que a Escritura dê base para a
expectação de que Israel, nesses tempos finais, será restabelecido como nação,* e, como
nação, se converterá ao Senhor. Algumas profecias parecem predizer isso, mas elas
devem ser lidas à luz do Novo Testamento. O Novo Testamento justifica a expectação de
uma futura restauração e conversão de Israel? Isto não é ensinado, nem sequer 14 Blackstone, Jesus is Coming, p. 233. 15 Scofield’s Bible, p. 1033, 1036; Rogers, The End from the Beginning, p. 144; Feinberg, Premillennialism or Amilleannialism, p. 134, 135. * A primeira edição da Teologia Sistemática de L. Berkhof data de agosto de 1938. Dez anos depois de Israel foi restabelecido na Palestina, sem que se tenha estabelecido o reino milenar nos termos apregoados pelos premilenistas em foco. E continua de pé a questão sobre se as profecias bíblicas prometem a conversão de Israel como nação. Nota do tradutor.
implicitamente, em passagens como Mt 19.28 e Lc 21.24, freqüentemente citadas em seu
favor.
O Senhor falou com muita clareza da oposição dos judeus ao espírito do Seu reino, e
da certeza de que eles, que num sentido podiam ser chamados filhos do Reino, perderiam
o seu lugar nele, Mt 8.11, 12; 21.28-46; 22.1-14; Lc 13.6-9. Ele informa os judeus ímpios
que o Reino será tirado deles e dado a uma nação que produz frutos dignos do Reino, Mt
21.43. E mesmo quando fala das diversas formas de corrupção que, com o correr do
tempo, se insinuariam na igreja, das dificuldades que ela enfrentaria, e da apostasia que
finalmente lhe sobreviria, Ele não dá a entender nenhuma prospectiva restauração e
conversão do povo judeu. Este silêncio de Jesus é muito significativo. Ora, pode-se pensar
que Rm 11.11-32 certamente ensina a futura conversão da nação de Israel. Muitos
comentadores adotam esta idéia, mas mesmo que a corrupção dela está sujeita a
considerável dúvida. Nos capítulos 9-11 o apóstolo discute a questão sobre como as
promessas de Deus a Israel podem ser conciliadas com a rejeição da maior parte de Israel.
Primeiramente, ele assinala nos capítulos 9 e 10 que a promessa se aplica, não a Israel
segundo a carne, mas ao Israel espiritual; e, em segundo lugar, que Deus ainda tem os
seus eleitos no seio de Israel, que ainda há nele um remanescente conforme a eleição da
graça, 11.1-10. E mesmo o endurecimento da maior parte de Israel ainda não é o
derradeiro fim para Deus, mas, antes, um meio em Suas mão para levar a salvação aos
gentios, a fim de que estes, por sua vez, pelo gozo das bênçãos da salvação, provoquem a
inveja de Israel. O endurecimento de Israel sempre será parcial, pois, através dos
sucessivos séculos, sempre haverá alguns que aceitam o Senhor. Deus continuará
reunindo os Seus eleitos remanescentes dos judeus durante toda a nova dispensação, até
à plenitude (pleroma, isto é, o número total dos eleitos) dos gentios, e, assim (desta
maneira), todo o Israel (seu pleroma, isto é, o número total dos verdadeiros israelitas) será
salvo. “Todo o Israel” deve entender-se como um designativo, não da nação toda, mas do
número total dos eleitos, do povo da antiga aliança. Os premilenistas tomam o versículo 26
no sentido de que, após Deus ter completado o Seu propósito com os gentios, a nação de
Israel será salva. Mas, no início da sua discussão do assunto, disse o apóstolo que as
promessas eram para o Israel espiritual; não há evidência de mudança do pensamento na
seção intermediária, de sorte que esta viria como uma surpresa em 11.26; e o advérbio
houtos não pode significar “depois disso”, mas unicamente “desta maneira” (“assim”). Com
a plenitude dos gentios se entraria também na plenitude de Israel.
3. A GRANDE APOSTASIA E A GRANDE TRIBULAÇÃO. Estas duas podem ser
mencionadas juntas, porque estão entrelaçadas no discurso escatológico de Jesus, Mt
24.9-12, 21-24; Mc 13.9-22; Lc 21.22-24. As palavras de Jesus indubitavelmente
encontraram cumprimento parcial nos dias que precederam a destruição de Jerusalém,
mas é evidente que terão cumprimento maior no futuro, numa tribulação que sobrepujará
tudo quanto já foi experimentado, Mt 24.21; Mc 13.19. Paulo também fala da grande
apostasia em 2 Ts 2.3; 1 Tm 4.1; 2 Tm 3.1-5. Ele já via algo desse espírito de apostasia em
seus próprios dias, mas se vê claramente que ele quer calcar em seus leitores que essa
apostasia assumirá proporções muito maiores nos últimos dias.
Aqui, de novo, os dispensacionalistas dos dias presentes divergem de nós. Eles não
consideram a grande tribulação como precursora da vinda de Jesus (paousia), mas
acreditam que se dará em seguida à “vinda” e que, portanto, a igreja não passará pela
grande tribulação. O que supõem é que a igreja será “arrebatada” para estar com o Senhor,
antes de sobrevir a tribulação, com todos os seus terrores, aos habitantes da terra. Eles
preferem falar da grande tribulação como “o dia da aflição de Jacó”, visto que será um dia
de grande angústia para Israel, e não para a Igreja. Mas os fundamentos que eles aduzem
para este conceito não são muito convincentes. Alguns deles extraem toda força que
podem da sua própria noção preconcebida de uma dupla segunda vinda de Cristo, e,
portanto, não tem nenhum sentido para os que estão convictos de que não há prova dessa
dupla vinda na Escritura.
Jesus, por certo, menciona a grande tribulação como um dos sinais da Sua vinda e do
fim do mundo, Mt 24.3. É dessa vinda (parousia) que Ele está falando através de todo esse
capítulo, como se pode ver pelo emprego repetido da palavra paurosia, versículos 3,37, 39.
É simplesmente razoável supor que Ele está falando da mesma vinda no versículo 29,
vinda que se seguirá imediatamente à tribulação. Essa tribulação afetará os eleitos
também: correrão perigo de extraviar-se, Mt 24.24; por amor deles esses dias serão
abreviados, versículo 22; serão reunidos dos quatro cantos do mundo por ocasião da vinda
do Filho do homem, vers. 31; e serão encorajados a erguer as cabeças quando virem
acontecer essas coisas, visto estar próxima a sua redenção, Lc 21.28. Não há base para
limitar esses eleitos de Israel, como fazem os premilenistas. Paulo descreve claramente a
grande apostasia como anterior à segunda vinda, 2 Ts 2.3, e lembra a Timóteo o fato de
que tempos difíceis sobrevirão nos últimos dias, 1 Tm 4.1, 2; 2 Tm 3.1-5. Em Ap 7.13, 14
se diz que os santos no céu saíram da grande tribulação, e em Ap 6.9 vemos esses santos
orando por seus irmãos que ainda estavam sofrendo perseguição.16
4. A FUTURA REVELAÇÃO DO ANTICRISTO. O termo antichristos só se encontra nas
epístolas de João, a saber, em 1 Jo 2.18, 22; 4.3; 2 Jo 7. No que se refere à forma da
palavra, ela pode descrever (a) alguém que toma o lugar de Cristo, neste caso, “anti” é
entendido no sentido de “em lugar de”; ou (b) alguém que, embora assumindo a aparência
de Cristo, opõe-se a Ele; neste caso, “anti” é empregado no sentido de “contra”. Este último
está em maior harmonia com o contexto em que ocorre a palavra. Pelo fato de João
empregar o singular em 2.18 sem artigo, fica evidente que o termo “anticristo” já era
considerado um nome técnico. É incerto se, ao usar o singular, João tinha em mente um
Anticristo superior ou supremo, do qual os outros a que se refere eram apenas precursores,
ou se simplesmente quis personificar o princípio incorporado em diversos anticristos, o
princípio do mal militando contra o reino de Deus. É evidente que o anticristo representa
um certo princípio, 1 Jo 4.3. Se tivermos isto em mente, perceberemos que, embora João
tenha sido o primeiro a empregar o termo “anticristo”, o princípio ou espírito indicado por
esse termo é claramente mencionado em escritos anteriores. Assim como há na Escritura
um desenvolvimento claramente assinalado no delineamento de Cristo e do reino de Deus,
também há uma revelação progressiva do anticristo. As representações diferem, mas vão
se tornando cada vez mais definidas, conforme avança a revelação de Deus.
Na maioria dos profetas do Velho Testamento vemos o princípio da injustiça operando
nas nações ímpias que se mostram hostis para com Israel e são julgadas por Deus. Na
profecia de Daniel vemos algo mais específico. A linguagem ali empregada forneceu muitas
características da descrição que Paulo faz do homem do pecado em 2 Tessalonicenses.
Daniel vê o ímpio, iníquo, encarnado no “pequeno chifre”, Dn 7.8, 23-26, e o descreve com
muita clareza em 11.35 e segtes. Ali, nem mesmo o elemento pessoal está faltando,
conquanto não seja inteiramente certo que o profeta está pensando nalgum rei particular, a
saber, em Antíoco Epifânio, como um tipo de Anticristo. Naturalmente, a vinda de Cristo
revela esse princípio em sua forma especificamente anticristã, e Jesus o descreve como
encarnado em várias pessoas. Ele fala dos pseudoprophetai e dos pseudichristoi, que
tomam posição contra Ele e contra o Seu reino, Mt 7.15; 24.5, 24; Mc 13.21, 22; Lc 17.23.
16 Para mais ampla defesa da posição de que a igreja passará pela tribulação, remetemos o leitor às obras de dois premilenistas, quais sejam, Frost, The Second Coming of Christ, p. 202-227; Reese, The Approaching Advent of Christ, p. 199-224.
Com o fim de corrigir o conceito errôneo dos tessalonicenses, Paulo chama a atenção para
o fato de que o dia de Cristo não pode vir “sem que primeiro venha a apostasia, e seja
revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição”. Ele descreve esse homem do
pecado como aquele que “se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus, ou objeto
de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o
próprio Deus”, 2 Ts 2.3, 4. Esta descrição nos lembra Dn 11.36 e segtes., e claramente
aponta para o Anticristo. Não há boa razão para duvidar da identidade do homem da
iniqüidade (ou do pecado) de que fala Paulo, com o Anticristo mencionado por João. O
apóstolo Paulo vê “o ministério da iniqüidade” já em ação, mas garante aos seus leitores
que o homem da iniqüidade não poderá vir enquanto não for afastado do caminho aquilo ou
“aquele que” o detém. Quando esse obstáculo, seja este qual for (há várias interpretações),
for retirado, aparecerá o homem do pecado “segundo a eficácia de Satanás, com todo
poder, e sinais e prodígios da mentira”, versículos 7-9. Nesse capítulo o elemento pessoal
é pressuposto do começo ao fim. O Livro de Apocalipse encontra o princípio ou poder
anticristão nas duas bestas que saíram do mar e da terra, Ap. 13. Geralmente se pensa
que a primeira se refere a governos, poderes políticos, ou a algum império mundial; a
segunda, embora não com a mesma unanimidade, à religião falsa, à falsa profecia e à falsa
ciência, particularmente às duas primeiras. A este princípio oponente, ou de oposição, João
chama finalmente Anticristo, em suas epístolas.
Historicamente, há diferentes opiniões a respeito do Anticristo. Na igreja antiga, muitos
afirmavam que o Anticristo seria um judeu com a pretensão de ser o Messias e governando
em Jerusalém. Muitos comentadores são de opinião que Paulo e outros pensavam,
equivocadamente, que um imperador romano seria o Anticristo, e, de que, evidentemente,
João tinha Nero em mente, ao escrever Ap 13.18, visto que as letras das palavras
hebraicas para “imperador Nero” equivalem exatamente a 666, em Ap 13.18. Desde os
tempos da Reforma, muitos, entre os quais também eruditos reformados (calvinistas),
consideravam a Roma papal e, nalguns casos, até mesmo algum papa em particular, como
Anti-Cristo. E, na verdade, o papado revela várias características do Anticristo, como este
vem descrito na Escritura. Todavia, dificilmente poderíamos identifica-lo com o Anticristo. É
melhor dizer que há elementos do Anticristo no papado. Positivamente, só podemos dizer:
(a) que o espírito anticristão já estava em ação nos dias de Paulo e de João, segundo o
próprio testemunho deles; (b) que ele alcançará o seu poder supremo nas proximidades do
fim do mundo; (c) que Daniel retrata a sua faceta política, Paulo a eclesiástica, e João, em
Apocalipse, retrata ambas as facetas: ambas podem ser revelações sucessivas do poder
anticristão; (d) que, provavelmente, esse poder afinal se concentrará num só indivíduo,
vindo a ser a encarnação da iniqüidade.
A questão do caráter pessoal do Anticristo ainda está sujeita a debate. Alguns afirmam
que as expressões “anticristo”, “homem da iniqüidade” (ou “do pecado”), “o filho da
perdição”, e as figuras de Daniel e de Apocalipse são apenas descrições do princípio ímpio
e anticristão, que se manifesta na oposição do mundo a Deus e a Seu reino, através de
toda a história desse reino, oposição ora mais fraca, ora mais forte, mas ainda mais forte
nas proximidades do fim dos tempos. Eles não estão em busca de nenhum Anticristo
pessoal. Outros acham que é contrário à Escritura falar do Anticristo meramente como um
poder abstrato. Estes sustentam que tal interpretação não faz justiça aos dados da
Escritura, que não somente fala de um espírito abstrato, mas também de pessoas reais.
Segundo eles, “Anticristo” é um conceito coletivo, o designativo de uma sucessão de
pessoas a manifestar um espírito ímpio ou anticristão, tais como os imperadores romanos
que perseguiram a igreja e os papas que se engajaram numa similar obra de perseguição.
Mesmo estes não pensam num Anticristo pessoal que será em si mesmo a concentração
de toda a iniqüidade. Contudo, a opinião mais geral no seio da igreja é que, em última
análise, o termo “Anticristo” denota uma pessoa escatológica, que será a encarnação de
toda a iniqüidade e, portanto, representa um espírito que sempre está presente no mundo,
ora mais, ora menos, e que tem diversos precursores ou tipos na história. Este conceito
prevaleceu na Igreja Primitiva e, ao que parece, é o conceito escriturístico. Pode-se dizer o
seguinte, em seu favor: (a) O esboço do Anticristo em Dn 11 é mais ou menos pessoal, e
pode referir-se a uma pessoa definida como um tipo de Anticristo. (b) Paulo fala do
Anticristo como “o homem da iniqüidade” e como “o filho da perdição”. Devido ao peculiar
emprego hebraico dos termos “homem” e “filho”, estas expressões , em si mesmas, podem
não ser conclusivas, mas o contexto favorece a idéia de pessoa. Ele se levanta contra,
ostenta-se como se fora Deus, tem uma revelação definida, é o iníquo, e assim por diante.
(c) Embora João fale de muitos anticristos como já presentes, fala também do Anticristo no
singular, como alguém que ainda virá no futuro, 1 Jo 2.18. (d) Mesmo no Livro de
Apocalipse, onde a apresentação é grandemente simbólica, não falta o elemento pessoal,
como por exemplo, em Ap 19.20, que fala do Anticristo e seu subordinado como sendo
lançados no lago de fogo. E (e), desde que Cristo é uma pessoa, é simplesmente natural
entender que o Anticristo também será uma pessoa.
5. SINAIS E PRODÍGIOS. A Bíblia fala de vários sinais que precederão o fim do mundo
e a vinda de Cristo. Ela menciona (a) guerras e rumores de guerras, fomes e terremotos
em diversos lugares, coisas descritas como o princípio das dores de parto, sendo que o
parto é, por assim dizer, o renascimento do universo por ocasião da vinda de Cristo; (b) a
vinda de falsos profetas, que levarão muitos a desviar-se, e de falsos Cristos, que exibirão
grandes sinais e prodígios para desencaminhar, se possível, até os eleitos; e (c) terríveis
portentos nos céus, envolvendo o sol, a lua e as estrelas, quando os poderes dos céus
serão abalados, Mt 24.29, 30; Mc 13.24, 25; Lc 21.25,26. Dado que alguns desses sinais
são tais que ocorrem repetidamente na ordem natural dos acontecimentos, surge
naturalmente a questão sobre como poderão ser reconhecidos como sinais especiais do
fim. Geralmente se chama a atenção para o fato de que eles serão diferentes das
ocorrências anteriores em intensidade e extensão. Mas, por certo, isso não satisfaz
inteiramente porque os que vêem esses sinais nunca poderão saber, se não houver outras
indicações, se aos sinais que estão testemunhando não se seguirão outros sinais
parecidos, de ainda maior extensão e intensidade. Portanto, deve-se chamar a atenção
para o fato de que, ao se aproximar o fim, haverá uma extraordinária conjunção de todos
esses sinais, e de que as ocorrências naturais serão acompanhadas por fenômenos
sobrenaturais, Lc 21.25,26. Disse Jesus: “quando virdes todas estas cousas, sabei que
está próximo, às portas”. Mt 24.33.
C. A Parousia ou a Segunda Vinda Propriamente Dita.
Imediatamente após os portentos recém-mencionados, “aparecerá no céu o sinal do
Filho do Homem ... e verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céu”, Mt 24.30.
Com relação a isto, os seguintes pontos devem ser observados.
1. DATA DA SEGUNDA VINDA. Não se sabe a ocasião exata da vinda do Senhor, Mt
24.36, e todas as tentativas dos homens para determinar a data exata evidenciaram-se
errôneas. A única coisa que se pode dizer com certeza, com base na Escritura, é que
Cristo voltará no fim do mundo. Os discípulos perguntaram ao Senhor: “que sinal haverá da
tua vinda e da consumação do século”?, Mt 24.3. Eles ligaram os dois fatos, e de nenhum
modo o Senhor deu a entender que isso é um erro, mas, ao contrário, admitiu em Seu
discurso que está certo. Cristo apresenta os dois fatos em sincronia, em Mt 24.29-31, 35-
44; comp. Mt 13.39, 40. Paulo e Pedro também falam dos dois como coincidentes, 1 Co
15.23, 24; 2 Pe 3.4-10. Um estudo dos concomitantes da segunda vinda leva ao mesmo
resultado. A ressurreição dos santos será um dos concomitantes 1 Co 15.23; 1 Ts 4.16, e
Jesus nos assegura que Ele os ressuscitará no ultimo dia, Jo 6.39, 30, 44, 54. De acordo
com Thayer, Cremer-Koegel, Walker, Salmond, Zahn e outros, isto só pode significar o dia
da consumação – o fim do mundo. Outro dos seus concomitantes será o julgamento do
mundo, Mt 25.31-46, particularmente, também, o julgamento dos ímpios, 2 Ts 1.7-10, que
os premilenistas colocam no fim do mundo. E, finalmente, junto com a segunda vinda
ocorrerá a restauração de todas as coisas, At 3.20,21.
A forte expressão “restauração de todas as cousas” é forte demais para referir-se a
algo menos que o perfeito restabelecimento do estado de coisas anterior à queda do
homem. Ela indica o restabelecimento de todas as coisas à sua condição antiga, e isto não
se verá no milênio dos premilenistas. Até o pecado e a morte continuarão a destruir as
suas vítimas durante aquele período.17 Como foi assinalado acima, várias coisas terão que
ocorrer antes do retorno do Senhor. Deve-se ter isto em mente ao se fazer a leitura das
passagens que falam da vinda do Senhor ou dos últimos dias como próximos, Mt 16.28;
24.34; Hb 10.25; Tg 5.9; 1 Pe 4.5; 1 Jo 2.18. Elas encontram sua explicação, em parte no
fato de que, considerada na perspectiva de Deus, para quem um dia é como mil anos, e mil
anos como um dia, a vinda sempre está próxima; em parte, na apresentação que a Bíblia
faz dos tempos do Novo testamento como constituindo os últimos dias ou os últimos
tempos; em parte, no fato de que o Senhor, ao falar da Sua vinda, nem sempre tem em
mente o Seu regresso físico no fim dos tempos, mas pode referir-se à Sua vinda no Espírito
Santo; e em parte, no característico escorço profético, em que não se faz clara distinção
entre a vinda próxima do Senhor, na destruição de Jerusalém, e Sua vinda final, para julgar
o mundo. Várias seitas muitas vezes têm feito para fixar a data exata da segunda vinda,
mas essas tentativas sempre são enganosas. Jesus disse explicitamente: “Mas a respeito
daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o
Pai”, Mt 24.36. A declaração a respeito do Filho provavelmente significa que este
conhecimento não estava incluído na revelação que Ele, na qualidade de Mediador, tinha
que realizar.
2. O MODO DA SEGUNDA VINDA. Os seguintes pontos merecem ênfase aqui:
a. Será uma vinda pessoal. Isto se deduz da afirmação feita pelos anjos aos discípulos
no Monte da Ascensão: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu, assim virá do modo
17 Cf. Thayer, Cremer-Koegel, Weiss, Bib. Theol. of the N.T., p. 194, nota.
como o vistes subir”, At 1.11. A pessoa de Jesus os estava deixando, e a pessoa de Jesus
voltaria. No sistema do modernismo dos dias atuais não há lugar para um retorno pessoal
de Jesus Cristo. Douglas Clyde Macintosh vê o regresso de Cristo no “progressivo domínio
sobre os indivíduos e sobre a sociedade exercido pelos princípios morais e religiosos do
cristianismo, isto é, pelo Espírito de Cristo”.18 William Newton Clarke diz “Não se deve
esperar nenhum retorno visível de Cristo à terra, mas, sim, o longo e constante progresso
do Seu reino espiritual. ... Se nosso Senhor tão somente completar a vinda espiritual que
iniciou, não haverá necessidade de um advento visível para tornar perfeita a Sua glória na
terra”.19 Segundo William Adams Brown, “Não mediante uma catástrofe abrupta, poderá
ser, como na esperança cristã primitiva, mas pelo método mais lento e mais seguro da
conquista espiritual, o ideal de Jesus ainda obterá a aquiescência universal que Ele
merece, e o Seu espírito dominará o mundo. Esta é a verdade pela qual a doutrina do
segundo advento permanece de pé”.20 Walter Rauschenbusch e Sailer Mathews falam da
segunda vinda em termos similares. Estes e aqueles interpretam as vívidas descrições da
segunda vinda de Cristo como representações figuradas da idéia de que o espírito de
Cristo será uma crescente e penetrante influência na vida do mundo. Mas não se pode
negar que essas representações não fazem justiça às descrições que se acham em
passagens como At 1.11; 3.20, 21; Mt 24.44; 1 Co 15.22; Fp 3.20; Cl 3.4; 1 Ts 2.19; 3.13;
4.15-17; 2 Tm 4.8; Tt 2.13; Hb 9.28. Os próprios modernistas admitem isso quando dizem
que estas passagens representam o antigo modo judaico de pensar. Eles têm uma nova e
melhor luz sobre o assunto, mas é uma luz que se obscurece cada vez mais, em vista dos
acontecimentos mundiais dos presentes dias.
b. Será uma vinda física. Que a volta do Senhor será física se deduz de passagens
como At 1.11; 3.20, 21; Hb 9.28; Ap 1.7. Jesus voltará corporalmente á terra. Há alguns
que identificam a predita vinda do Senhor com a Sua vinda espiritual no dia de Pentecoste,
e entendem que a parousia significa a presença espiritual do Senhor na igreja. Segundo a
descrição que fazem, o Senhor voltou no Espírito Santo no dia de Pentecoste, e agora está
presente (daí parousia) na igreja.Dão ênfase especial ao fato de que a palavra parousia
significa presença.21 Ora, é mais que evidente que o Novo Testamento fala de uma vinda
espiritual de Cristo, Mt 16.28; Jo 14.18, 23; Ap 3.20; mas esta vinda, quer à igreja no dia de 18 Theology as na Empirical Science, p. 213. 19 Outline of Christian Theology, p. 444. 20 Christian Theology in Outline, p. 373. 21 Esta interpretação se acha na obra intitulada The Parousia of Christ, de Warren, e na J.M. Campbell, The Second Coming of Christ.
Pentecoste, quer ao indivíduo em sua renovação espiritual, Gl 116, não pode ser
identificada com o que a Bíblia apresenta como a segunda vinda de Cristo. É verdade que
a palavra parousia significa presença, mas o doutor Vos demonstrou acertadamente que,
em seu emprego religioso e escatológico, também significa chegada, e que no Novo
Testamento a idéia de chegada ocupa o primeiro plano. Além disso, devemos ter em mente
que existem outros termos no Novo Testamento que servem para designar a segunda
vinda, a saber, apokalypsis, epiphaneia e phanerosis, cada um dos quais indica uma vinda
que se pode ver. E, finalmente, não devemos esquecer que as epístolas se referem
repetidamente à segunda vinda como um evento ainda futuro, Fp 3.20; 1 Ts 3.13; 4.15, 16;
2 Ts 1.7-10; Tt 2.13. isto não se enquadra na idéia de que a vinda já é um evento do
passado.
c. Será uma vinda visível. Isto se relaciona intimamente com o item anterior. Pode-se
dizer que, se a vinda do Senhor será física, também será visível. Isto parece seguir-se
como um fato lógico, mas os russelitas ou sectários da aurora do milênio não pensam
assim. Afirmam eles que o retorno de Cristo e a inauguração do milênio deram-se
invisivelmente em 1874, e que Cristo teria vindo com poder em 1914 com o propósito de
remover a igreja e derribar os reinos do mundo. Quando passou o ano de 1914 sem o
aparecimento de Cristo, eles buscaram um meio de escapar da dificuldade na conveniente
teoria de que Ele permaneceu oculto porque o povo não manifesta arrependimento
suficiente. Portanto, Cristo veio, e o fez invisivelmente. Todavia, a Escritura não nos deixa
em dúvida quanto à visibilidade da volta do Senhor. Numerosas passagens a atestam,
como Mt.24.30; 26.64; Mc 13.26; Lc 21.27; At 1.11; Cl 3.4; Tt 2.13; Hb 9.28; Ap 1.7.
d. Será uma vinda repentina. Embora de um lado a Bíblia ensine que a vinda do
Senhor será precedida por diversos sinais, ensina, de outro lado, que, de maneira
igualmente enfática, a vinda será repentina, será inesperada, tomando de surpresa o povo,
Mt 24.37-44; 25.1-12; Mc 13.33-37; 1 Ts 5.2, 3; Ap 3.3; 16.15. Isto não é contraditório, pois
os sinais preditos não são de molde a designar o tempo exato. Os profetas indicaram
certos sinais que precederiam a primeira vinda de Cristo e, contudo, Sua vinda tomou a
muitos de surpresa. A maioria do povo não deu atenção aos sinais, fossem estes quais
fossem. A Bíblia dá a entender que a medida da surpresa que haverá quando da vinda de
Cristo será na razão inversa à medida da vigilância das pessoas.
e. Será uma vinda gloriosa e triunfal. A segunda vinda de Cristo, conquanto pessoal,
física e visível, será todavia muito diferente da Sua primeira vinda. Ele não voltará no corpo
da Sua humilhação, mas num corpo glorificado e com vestes reais, Hb 9.28. As nuvens do
céu serão Sua carruagem, Mt 24.30, os anjos Seu corpo de guarda, 2 Ts 1.7, os arcanjos
Seus arautos, 1 Ts 4.16, e os santos de Deus serão o Seu glorioso séqüito, 1 Ts 3.13; 2 Ts
1.10. Ele virá como Rei dos reis e Senhor dos Senhores, triunfante sobre todas as forças
do mal, havendo posto todos os Seus inimigos debaixo dos Seus pés, 1 Co 15.25; Ap
19.11-16.
3. O PROPÓSITO DA SEGUNDA VINDA. Cristo voltará no fim do mundo com o
propósito de introduzir a era vindoura, o estado eterno de coisas, e o fará inaugurando e
completando dois eventos formidáveis, quais sejam, a ressurreição dos mortos e o juízo
final, Mt 13.49, 50; 16.27; 24.3; 25.14-46; Lc 9.26; 19.15, 26, 27; Jo 5.25-29; At 17.31; Rm
2.3-16; 1 Co 4.5; 15.23; 2 Co 5.10; Fp 3.20, 21; 1 Ts 4.13-17; 2 Ts 1.7-10; 2.7, 8; 2 Tm 4.1,
8; 2 Pe 3.10-13; Jd 14, 15; Ap 20.11-15; 22.12. Na descrição da Escritura, como já foi dado
a ver no item anterior, o fim do mundo, o dia do Senhor, a ressurreição física dos mortos e
o juízo final coincidem. Esse grande ponto decisivo trará também a destruição de todos os
poderes malignos hostis ao reino de Deus, 2 Ts 2.8; Ap 20.14. Pode-se duvidar disto, caso
se leiam as passagens pertinentes doutra maneira, se Ap 20.1-6 não tivesse sido
estabelecido por alguns como o padrão pelo qual todo o restante do Novo Testamento
deve ser interpretado. De acordo com os premilenistas, a segunda vinda de Cristo atenderá
primariamente ao propósito de estabelecer o reino visível de Cristo e Seus santos na terra,
e de inaugurar o real dia da salvação para o mundo. Isto envolverá o arrebatamento, a
ressurreição dos justos, as bodas do Cordeiro, e os juízos sobre os inimigos de Deus. Mas
as outras ressurreições e os outros juízos se seguirão a diversos intervalos, e a ultima
ressurreição e o juízo final estarão separados da segunda vinda por mil anos. As objeções
a este conceito foram dadas acima, em parte, e em parte serão mencionadas nos capítulos
subseqüentes.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que o termo parousia não pode ser
traduzido simplesmente por “presença” onde quer que se encontre? 2. Em que diferentes
sentidos a Bíblia fala da vinda de Cristo? 3. Como devemos interpretar Mt 16.28; 24.34? 4.
O discurso de Jesus registrado em Mt 24 fala de uma única vinda? 5. A doutrina da
restauração nacional dos judeus envolve necessariamente a doutrina do milênio? 6. Mt
23.39; Lc 13.35; 21.24; At 1.6, 7 ensinam tal restauração? 7. Em Dn 11.36 e segtes. Daniel
se refere a Antíoco Epifânio como um tipo do Anticristo? 8. Como as bestas de Ap 13 se
relacionam com o Anticristo? 9. Deve-se identificar o homem do pecado, de que Paulo fala,
como o Anticristo? 10. Qual é o poder restringente mencionado em 2 Ts 2.6, 7? 11. Os
apóstolos ensinam que o Senhor poderia voltar durante a existência deles na terra? 12. O
Novo Testamento autoriza a idéia de que a frase “o fim” ou “o fim do mundo” significa
simplesmente “o fim da era”?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 712-753; Kuyper,
Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 117-245; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie,
p. 22,23; id., Pauline Eschatology, p. 72-135;Hodge, Syst., Theol. III, p. 790-836; Pieper,
Christ. Dogm. III, p. 579-584; Valentine, Chr. Theol. II, p. 407-411; Schmid, Doct. Theol. of
the Ev. Luth. Church,p. 645-657; Strong, Syst. Theol., p. 1003-1015; Pope, Chr. Theol. III,
p. 387-397; Hovey, Eschatology, p23-78; Kliefoth, Eschatologie, p. 126-147, 191-225;
Mackintosh, Immortality and the Future, p. 130-148; Kennedy, St. Paul’s Conceptions of the
Last Things, p. 158-193; Salmond, Chr. Doct. Of Immortality,p. 241-251; Snowden, The
Coming od the Lord, p. 123-171.
II. Correntes Milenistas
Há alguns que relacionam com o advento de Cristo a idéia de um milênio, quer
imediatamente antes, quer imediatamente depois da segunda vida. Embora esta idéia não
seja parte integrante da teologia reformada (calvinista), não obstante merece consideração
aqui, visto haver-se tornado bem popular em muitos círculos. A teologia reformada não
pode permitir-se ignorar os generalizados conceitos milenistas dos dias atuais, mas deve
definir a sua posição com respeito a esses conceitos. Alguns que esperam um milênio no
futuro afirmam que o Senhor voltará antes do milênio e, portanto, são chamados
premilenistas; ao passo que outros acreditam que a Sua segunda vinda ocorrerá após o
milênio, e, daí, são conhecidos como posmilenistas. Numerosos são, porém, os que não
crêem que a Bíblia autoriza a expectação de um milênio, sendo costume falar deles como
amilenistas.
Como o nome indica, o conceito amilenista é puramente negativo. Afirma que não há
suficiente base para a expectação de um milênio e está firmemente convencido de que a
Bíblia favorece a idéia de que à presente dispensação do reino de Deus seguir-se-á
imediatamente o reino de Deus em sua forma consumada e eterna. Está ciente do fato de
que o reino de Jesus Cristo é apresentado como eterno, e não temporal, Is 9.7; Dn 7.14; Lc
1.33; Hb 1.8; 12.28; 2 Pe 1.11; Ap 11.15; e de que entrar no reino do futuro é entrar num
estado eterno, Mt 21.22, é entrar na vida, Mt. 18.8.9 (cf. o contexto anterior), e ser salvo,
Mc 10.25, 26. Alguns premilenistas dizem que o amilenismo é um conceito novo e uma das
novidades mais recentes, mas o certo é que isso não se harmoniza com o testemunho da
história. O nome é de fato novo, mas o conceito ao qual é aplicado é tão antigo como o
cristianismo. Teve pelo menos o mesmo numero de defensores que teve o quiliasma* entre
os chamados pais da igreja do segundo e do terceiro séculos, tidos como o apogeu do
quiliasma. Sempre foi o conceito mais amplamente aceito, é o único que vem expresso ou
implícito nas grandes confissões históricas da igreja , e sempre foi o conceito predominante
nos círculos reformados.
A. Premilenismo
* Caldas Aulete registra “quiliasma”, Aurélio, “quiliasmo”. O termo é derivado do grego “quilias”, mil, um milhar. Nota do tradutor.
Visto que o premilenismo nem sempre assume a mesma forma, talvez seja bom indicar
resumidamente a forma geralmente assumida no passado (deixando de lado toda sorte de
aberrações), e depois prosseguir, dando uma descrição mais pormenorizada da teoria
premilenista predominante nos dias atuais.
1. O PREMILENISMO DO PASSADO. a idéia de Irineu pode ser dada como a que
reflete a melhor dos primeiros séculos cristãos. O mundo atual durará seis mil anos,
correspondentes aos seis dias da criação. Para o fim deste período, os sofrimentos e
perseguições dos fiéis aumentarão grandemente, até que, por fim, a encarnação de toda a
iniqüidade aparecerá na pessoa do Anticristo. Depois que ele tiver completado a sua obra
destruidora e se estabelecer atrevidamente no templo de Deus, Cristo aparecerá em glória
celestial e triunfará sobre todos os Seus inimigos. Isto será acompanhado pela ressurreição
física dos santos e pelo estabelecimento do reino de Deus na terra. O período de ventura
milenar, que portanto durará mil anos, corresponderá ao sétimo dia da criação – ao dia de
repouso. Jerusalém será reedificada, a terra dará seu fruto com rica abundância; e
prevalecerão a paz e a justiça. No fim dos mil anos, sobrevirá o juízo final, e aparecerá uma
nova criação, na qual os remidos viverão para sempre na presença de Deus.
Em seus contornos gerais, esta descrição é típica dos conceitos escatológicos dos
primeiros séculos cristãos, por mais que possam diferir nalgumas minúcias. Durante todos
os séculos subseqüentes e no século dezenove, o pensamento milenista permaneceu o
mesmo, embora ocorrendo estranhas aberrações nalgumas seitas. Estudos continuados,
porém, levaram a maior desenvolvimento e a maior clareza na apresentação de algumas
das suas particularidades. As principais características do conceito comum podem ser
expostas mais ou menos como segue: O vindouro advento de Cristo ao mundo está
próximo, e será visível, pessoal e glorioso. Contudo, será precedido por certos
acontecimentos, tais como a evangelização de todas as nações, a conversão de Israel, a
grande apostasia e a grande tribulação, e a revelação do homem do pecado. Tempos
trevosos e penosos estão portanto reservados para a igreja, visto que ela terá que passar
pela grande tribulação. A segunda vinda será um evento grandioso, único, extraordinário e
glorioso, mas será acompanhado por vários outros, impostos à igreja, a Israel e ao mundo.
Os santos que já faleceram serão ressuscitados, e os que vivem serão transformados, e
juntos serão trasladados para encontrar-se com o Senhor em Sua vinda. O Anticristo e os
seus aliados perversos serão mortos; e Israel, o antigo povo de Deus, se arrependerá, será
salvo e será restabelecido na Terra Santa. Então o reino de Deus, predito pelos profetas,
será estabelecido num mundo transformado. Os gentios se converterão a Deus, em grande
número, e serão incorporados no Reino. Prevalecerá em toda a terra uma condição de paz
e justiça. Depois de haver-se expirado o governo terreno de Cristo, os mortos restantes
ressurgirão; e esta ressurreição será seguida pelo juízo final e pela criação de novos céus
e nova terra. Falando em termos gerais, pode-se dizer que este é o tipo de premilenismo
defendido por homens como Mede, Bengel, Auberlen, Christlieb, Ebrard, Godet, Hofmann,
Lange, Stier, Van Osterzee, Van Andel, Alford, Andrews, Ellicott, Guinnes, Kellog, Zahn,
Moorehead, Newton, Trench e outros. Não esquecendo que estes homens divergem
nalguns pormenores.
2. O PREMILENISMO DA ATUALIDADE. No segundo quartel do século dezenove, foi
introduzida uma nova forma de premilenismo, sob a influência de Darby, Kelly, Trotter e
seus seguidores na Inglaterra e na América, um premilenismo entrelaçado com o
dispensacionalismo. Os novos conceitos foram popularizados em nosso país*
principalmente pela Bíblia de Scofield, e se disseminaram amplamente por meio de obras
de homens como Bullinger, F.W.Grant, Blackstone, Gray, Haldeman, os dois Gaebelein,
Brookes, Riley, Rogers e uma hoste doutros mais. Eles apresentam realmente uma nova
filosofia da história da redenção, na qual Israel desempenha o papel principal, e a igreja
não passa de um interlúdio. Seu princípio orientador os move a dividir a Bíblia em dois
livros, o Livro do Reino e o Livro da Igreja. Ao ler as suas descrições dos procedimentos de
Deus para com os homens, a gente se perde num desnorteante labirinto de alianças e
dispensações, sem o fio de Ariadne que ofereça direção segura. Sua tendência divisiva
também se revela em seu programa escatológico. Haverá duas segundas vindas, duas ou
três (se não quatro) ressurreições, e também três juízos. Além disso, haverá também dois
povos de Deus que, segundo alguns, estarão separados eternamente, Israel habitando na
terra, e a igreja no céu.
Os seguintes pontos darão uma idéia do esquema premilenista que goza a maior
popularidade hoje em dia:
a. Sua visão da história. Deus trata o mundo da humanidade no transcurso da história
com base em diversas alianças e conforme os princípios de sete dispensações diferentes.
Cada dispensação é distinta, e cada uma delas representa uma diferente prova para o
homem natural; e desde que o homem não consegue vencer nas sucessivas provas, cada
* No país do Autor (EUA), e também no do Tradutor (Brasil). Nota do tradutor.
dispensação acaba num juízo. A teocracia de Israel, fundada no Monte Sinai, ocupa um
lugar especial na economia divina. Ela foi a forma inicial do reino de Deus ou do reino do
Messias, e teve a sua idade de outro nos dias de Davi e Salomão. Se seguisse o caminho
da obediência, poderia ter crescido em poder e glória, mas, em resultado da infidelidade do
povo, foi finalmente derrotado, e o povo foi levado para o exílio. Os profetas predisseram
essa derrota, mas também trouxeram mensagens de esperança e inspiraram a expectativa
de que nos dias do Messias Israel tornaria ao Senhor com vero arrependimento, o trono de
Davi seria restabelecido com inexcedível glória, e até os gentios participariam das bem-
aventuranças do reino futuro. Mas quando o Messias veio e se ofereceu para estabelecer o
Reino, os judeus deixaram de mostrar o requerido arrependimento. O resultado dói que o
Rei não estabeleceu o Reino, mas se retirou de Israel e foi para um país distante,
pospondo o estabelecimento do Reino, até o Seu regresso. Contudo, antes de deixar a
terra, fundou a igreja, que nada tem em comum com o Reino, e da qual os profetas nunca
falaram. A dispensação da lei abriu alas para a dispensação da graça de Deus. Durante
esta dispensação, a igreja se compõe de judeus e gentios, e forma o corpo de Cristo, que
agora participa dos Seus sofrimentos, mas chegará o tempo em que a noiva do Cordeiro
participará da Sua glória. Desta igreja Cristo não é Rei, mas a Cabeça divina. Tem ela a
gloriosa tarefa de pregar, não o Evangelho do reino,mas o Evangelho da livre graça de
Deus, em todas as nações do mundo, para juntar delas os eleitos e, por cima, ser um
testemunho ante elas. Este método se evidenciará um fracasso; não efetuará conversões
em grande escala. No fim desta dispensação, Cristo voltará subitamente e efetuará uma
conversão muito mais universal.
b. Sua escatologia. A volta de Cristo agora é iminente, isto é, Ele pode vir a qualquer
momento, pois não há eventos preditos que devam precede-la. Contudo, Sua vinda
consiste de dois eventos distintos, separado um do outro por um período de sete anos. O
primeiro deles será a parousia, quando Cristo aparecerá nos ares para encontrar-se com
os Seus santos. Todos os justos falecidos ressurgirão então, e os que estiverem vivos
serão transformados. Juntos serão arrebanhados nos ares, celebrarão as bodas do
Cordeiro e estarão para sempre com o Senhor. A trasladação dos santos vivos é chamada
“rapto” ou “arrebatamento”, às vezes, “arrebatamento secreto”. Enquanto Cristo e Sua
igreja estiverem ausentes da terra, e mesmo o Espírito presente nos crentes tiver partido
com a igreja, haverá um período de sete anos ou mais, com freqüência dividido em duas
partes, em que sucederão várias coisas. O Evangelho do reino tornará a ser pregado,
principalmente, ao que parece, pelos remanescentes crentes dentre os judeus, e resultarão
conversões em larga escala, apesar de muitos continuarem a blasfemar contra Deus. O
Senhor retomará as Suas relações com Israel e, provavelmente, nesse tempo (embora
alguns digam que será mais tarde), este se converterá.
Na segunda metade desse período de sete anos, haverá um período de tribulação sem
igual e cuja duração ainda é assunto em discussão. O Anticristo será revelado e o frasco
da ira de Deus será derramado sobre a raça humana. No fim do período de sete anos, dar-
se-á a “revelação”, isto é, a vinda do Senhor, agora não para os Seus santos, mas com
eles. As nações existentes serão então julgadas (Mt 25.31), e as ovelhas serão apartadas
dos cabritos; os santos que morreram durante a grande tribulação serão ressuscitados; o
Anticristo será destruído; e Satanás será preso por mil anos. Será estabelecido então o
reino milenar, um reino concretamente visível, terrestre e material, reino dos judeus, a
restauração do reino teocrático, incluindo o restabelecimento da realeza davídica. Nesse
reino os santos reinarão com Cristo, os judeus serão os cidadãos naturais, e muitos gentios
serão cidadãos adotivos. O trono de Cristo será estabelecido em Jerusalém, que também
voltará a ser o local central de culto. O templo será reconstruído no Monte Sião, e o altar
exalará de novo o cheiro do sangue dos sacrifícios, sim, das ofertas pelos delitos e
pecados. E conquanto o pecado e a morte ainda reclamem suas vítimas, serão dias de
grande frutificação e prosperidade, quando a vida dos homens será prolongada e o deserto
florescerá como um roseiral. Nesse tempo o mundo se converterá rapidamente, segundo
alguns, pelo Evangelho, mas, segundo a maioria, por meios totalmente diferentes, tais
como a aparecimento pessoal de Cristo, a inveja provocada pela bem-aventurança dos
santos, e, acima de tudo, grandes e terríveis prejuízos. Após o milênio, Satanás será solto
por breve lapso de tempo, e as hordas de Gogue e Magogue juntarão forças contra a
cidade santa. Todavia, os inimigos serão devorados pelo fogo do céu, e Satanás será
lançado numa cova sem fundo, precedido pela besta e pelo falso profeta. Depois desse
curto período de tempo, os ímpios ressuscitarão e comparecerão a juízo, perante o grande
trono branco, Ap 20.11-15. e então haverá novos céus e nova terra.
c. Algumas variantes desta teoria. De modo algum os premilenistas estão todos de
acordo quanto às particularidades do seu esquema escatológico. Um estudo da sua
literatura revela grande variedade de opiniões. Há indefinição e incerteza sobre muitos
pontos, o que prova que a sua elaboração minuciosa é de valor muito duvidoso. Embora a
maioria dos premilenistas dos dias atuais creia num vindouro governo visível de Jesus
Cristo, mesmo na atualidade alguns antecipam apenas um governo espiritual, e não têm
em vista uma presença física na terra. Conquanto os mil anos de Ap 20 sejam em geral
interpretados literalmente, há uma tendência, da parte de alguns para considera-los como
um período indefinido de maior ou menor duração. Alguns acham que os judeus se
converterão primeiro, de depois serão levados para a Palestina,* ao passo que outros são
de opinião que esta ordem será invertida. Há aqueles que crêem que os meios usados para
a conversão do mundo serão idênticos aos empregados agora, mas prevalece a opinião de
que esses meios serão substituídos por outros. Também há diferença de opiniões quanto
ao lugar em que os santos ressurretos vão habitar durante o seu reinado milenar com
Cristo, na terra ou no céu, ou em ambos. As opiniões diferem muito também com respeito à
continuidade da propagação da raça humana durante o milênio, ao grau de pecado que
prevalecerá nesse tempo, à vigência da morte e a muitos outros pontos.
3. OBJEÇÕES AO PREMILENISMO. Na discussão do segundo advento, o conceito
premilenista já foi submetido a pesquisas e críticas especiais, e os subseqüentes capítulos,
sobre a ressurreição e o juízo final, oferecerão outra ocasião mais para uma consideração
crítica da formulação premilenista desses eventos. Daí, as objeções levantadas neste
ponto serão de natureza mais geral, e, mesmo assim, só poderemos dar atenção a
algumas das mais importantes.
a. A teoria se baseia numa interpretação literal dos delineamentos proféticos do futuro
de Israel e do reino de Deus, o que é inteiramente insustentável. Isso tem sido
repetidamente assinalado em obras sobre profecia, como as de Fairbairn, Riehm e
Davidson, na esplêndida obra de David Brown sobre O Segundo Advento (The Second
Advent), no importante livro de Waldegrave sobre o Milenismo Neotestamentário (New
Testament Millennarianism), e nas obras do doutor Aalders, mais recentes, sobre Os
Profetas da Velha Aliança, e A Restauração de Israel Segundo o Velho Testamento (De
Profeten dês Ouden Verbonds, e Het Herstel van Israel Volgens het Oude Testament). O
último citado é dedicado inteiramente a um minucioso estudo exegético de todas as
passagens do Velho Testamento que, de algum modo, falam da futura restauração de
Israel. É um obra exaustiva, que merece estudo cuidadoso. Os premilenistas afirmam que
nada menos que uma interpretação e um cumprimento literais satisfarão as exigências
dessas previsões proféticas; mas os próprios livros dos profetas já contêm indicações que
* É bom lembrar que esta obra foi produzida antes de 1948, ano em que foi restabelecida a nação de Israel na Palestina. Nota do trdutor.
apontam para um cumprimento espiritual, Is 54.13; 61.6; Jr 3.16; 31.31-34; Os 14.2; Mq
6.6-8. A alegação de que os nomes “Sião” e “Jerusalém” nunca são empregados noutro
sentido que no sentido literal de que o primeiro sempre denota uma montanha, e o segundo
uma cidade, é claramente contrária aos fatos. Há passagens nas quais ambos os nomes
são empregados para designar Israel, a igreja de Deus veterotestamentária, Is 49.14; 51.3;
52.1,2. E este emprego dos termos passa direto para o Novo testamento, Gl 4.26; Hb
12.22; Ap 3.12; 21.9. É notável que o Novo Testamento, que é cumprimento do Velho
Testamento, não contém nenhum tipo de indicação do restabelecimento da teocracia do
Velho Testamento por Jesus, nem tampouco uma única predição positiva e incontestável
da sua restauração, ao passo que contém abundantes indicações do cumprimento
espiritual das promessas feitas a Israel, Mt 21.43; At 2.29-36; 15.14-18; Rm 9.25, 26; Hb
8.8-13; 1 Pe 2.9; Ap 1.6; 5.10.
Para mais pormenores sobre a espiritualização que se vê na Escritura, pode-se
consultar a obra do doutros Wijngaarden sobre O Futuro do Reino (The Future of the
Kingdom). O Novo Testamento certamente não favorece o literalismo dos premilenistas.
Além disso, esse literalismo os larga em toda sorte de absurdidades, pois envolve a
restauração futura de todas as antigas condições históricas da vida de Israel: os grandes
poderes mundiais do Velho Testamento (egípcios, assírios e babilônicos) e as nações
vizinhas de Israel (moabitas, amonistas, edomitas e filisteus) deverão reaparecer em cena,
Is 11.14; Am 9.12; Jl 3.19; Mq 5.5, 6; Ap 18. O templo terá que ser reconstruído, Is 2.2; Mq
4.1,2; Zc 14.16-22; Ez 40-48, os filhos de Zadoque terão que servir de novo como
sacerdotes, Ez 44.15-41; 48.11-14, e até as ofertas pelos pecados e delitos terão que ser
levadas outra vez ao altar, não para comemoração, (como o querem alguns premilenistas),
mas para expiação, Ez 42.13; 43.18-27. E em acréscimo a isso tudo, a situação modificada
tornaria necessário a todas as nações visitarem Jerusalém anos após ano, para celebrar a
festa dos tabernáculos, Zc 14.16, e mesmo após a semana, para prestar culto a Jeová, Is
66.23.
b. A teoria da posposição, assim chamada, que constitui um elo de ligação no esquema
premilenista, é desprovida de toda base escriturística. Segundo ela, João e Jesus
proclamaram que o Reino, isto é, a teocracia judaica, estava às portas. Mas, porque os
judeus não se arrependeram e não creram, Jesus pospôs o seu estabelecimento até à Sua
segunda vinda. O pivô da mudança é colocado por Scofield em Mt 11.20, por outros em Mt
12, e por outros, mais tarde ainda. Antes desse ponto decisivo Jesus não se preocupava
com os gentios, mas pregava o Evangelho do Reino a Israel; e depois disso Ele não pregou
mais o Reino, mas somente predizia a sua vinda futura e oferecia descanso aos cansados
de Israel e dos gentios. Mas não se pode afirmar que Jesus não se preocupava com os
gentios antes do suposto ponto decisivo, cf. Mt 8.5-13; Jo 4.1-42, nem que depois Ele
deixou de pregar o Reino, Mt 13; Lc 10.1-11. Não há absolutamente prova nenhuma de que
Jesus pregou dois evangelhos diferentes, primeiro o do Reino e depois o da graça de
Deus; à luz da Escritura, esta distinção é insustentável. Jesus nunca teve em mente o
restabelecimento da teocracia veterotestamentária, mas, sim, a introdução da realidade
espiritual da qual o reino do Velho Testamento era apenas um tipo, Mt 8.11, 12; 13.31-33;
21.43; Lc 17.21; Jo 3.3; 18.36, 37 (comp. Rm 14.17). Ele não pospôs a tarefa para a qual
tinha vindo ao mundo, mas de fato estabeleceu o Reino e se referiu a ele mais de uma vez
como uma realidade presente, Mt 11.12; 12.28; Lc 17.21; Jo 18.36, 37 (comp. Cl 1.13).
Toda essa teoria de posposição é uma ficção relativamente recente, e deveras passível
de objeção, porque destrói a unidade da Escritura e do povo de Deus de modo
injustificável. A Bíblia apresenta a relação entre o Velho e o Novo Testamento como a de
tipo e antítipo, de profecia e cumprimento; mas essa teoria sustenta que, embora fosse
propósito do Novo Testamento ser o cumprimento do Velho Testamento, veio realmente a
ser uma coisa inteiramente diferente. O Reino, isto é, a teocracia do Velho Testamento, foi
predito e não foi restaurado, e a igreja não foi predita mas foi estabelecida. Assim, os dois
ficam separados, e um deles vem a ser o livro do Reino, e o outro, com exceção dos
evangelhos, o livro da igreja. Além disso, temos dois povos de Deus, um natural, e o outro
espiritual, um terreno, e o outro celestial, como se Jesus não tivesse falado de “um rebanho
e um pastor”, Jo 10.16, e como se Paulo não tivesse dito que os gentios foram enxertados
na oliveira, Rm 11.17.
c. Essa teoria também está em flagrante oposição à descrição escriturística dos
grandes eventos do futuro, a saber, a ressurreição, o juízo final e o fim do mundo. Como se
mostrou anteriormente, a Bíblia apresenta esses grandes eventos como sincronizados. Não
há mais a leve indicação de que estão separados por mil anos, à exceção do que se vê em
Ap 20.4-6. Está patente que eles coincidem, Mt 13.37-43, 47-50 (separação do bem e do
mal no fim, “na consumação do século”, e não mil anos antes); 24.29-31; 25.31-46; Jo 5.25-
29; 1 Co 15.22-26; Fp 3.20, 21; 1 Ts 4.15, 16; Ap 20.11-15. Todos eles ocorrem quando da
vinda do Senhor, que é também o dia do Senhor. Em resposta a esta objeção, muitas
vezes os premilenistas insinuam que o dia do Senhor pode ter mil anos de duração, de
maneira que a ressurreição dos santos e o juízo das nações têm lugar na manhã desse
longo dia, e a ressurreição dos ímpios e o juízo do grande trono branco ocorrem no
entardecer desse mesmo dia. Eles apelam para 2 Pe 3.8 “para com o Senhor, um dia é
como mil anos, e mil anos como um dia”. Mas, dificilmente isso poderá provar o ponto, pois
facilmente o feitiço poderia virar contra o feiticeiro aqui. Poder-se-ia usar a mesma
passagem para provar que os mil anos de Ap 20 são apenas um só dia.
d. Não há qualquer fundamento bíblico para o conceito premilenista de uma dupla ou
até tripla ou quádrupla ressurreição, como a sua teoria requer, nem para espalhar o juízo
final por um período de mil anos, dividindo-o em três juízos. É, para dizer o mínimo, muito
duvidoso que as palavras. “Esta é a primeira ressurreição”, em Ap 20.5, se refiram a uma
ressurreição física. O contexto não requer, e nem mesmo favorece esta idéia. O que
poderia favorecer a teoria de uma dupla ressurreição é o fato de que os apóstolos muitas
vezes falam unicamente da ressurreição dos crentes, e de modo nenhum se referem à dos
ímpios. Mas isto se deve ao fato de que eles estão escrevendo para as igrejas de Jesus
Cristo, aos contextos em que levantam o assunto da ressurreição, e ao fato de que
desejam dar ênfase ao seu aspecto soteriológico, 1 Co 15; 1 Ts 4.13-18. Outras passagens
falam claramente da ressurreição dos justos e dos ímpios num só fôlego, Dn 12.2; Jo 5.28,
29; At 24.15. Voltaremos a considerar esta matéria no próximo capitulo.
e. A teoria premilenista se enreda em todas as espécies de dificuldades insuperáveis,
com a sua doutrina do milênio. É impossível entender como uma parte da velha terra e da
humanidade pecadora poderá coexistir com uma parte da nova terra e de uma humanidade
já glorificada. Como poderão os santos em corpos glorificados ter comunhão com
pecadores na carne? Como poderão os santos glorificados viver nesta atmosfera
sobrecarregada de pecado e em cenário de morte e decadência? Como poderá o Senhor
da glória, o Cristo glorificado, estabelecer o Seu trono na terra enquanto esta não for
renovada? O capítulo vinte e um de Apocalipse nos informa que Deus e a igreja dos
remidos tomarão como seu lugar de habitação a terra depois que forem feitos novos céus e
nova terra; então, como se pode afirmar que Cristo e os santos habitarão ali mil anos antes
dessa renovação? Como poderão os santos e os pecadores na carne manter-se na
presença do Cristo glorificado, sabendo-se que mesmo Paulo e João foram completamente
esmagados pela visão dele. At 26.12-14; Ap. 1.17? Diz com verdade Beet: “Não podemos
conceber misturados no mesmo planeta uns que ainda terão que morrer e outros que já
passaram pela morte e não morrerão mais. Tal confusão da era atual com a era por vir é
extremamente improvável”.22 E Brown exclama: “Que confuso estado de coisas é este!
Que detestável mistura de coisas totalmente incoerentes umas com as outras!”23
f. A única base escriturística para essa teoria é Ap 20.1-6, depois de se ter despejado
aí um conteúdo veterotestamentário. É uma base muito precária, por várias razões. (1) esta
passagem ocorre num livro eminentemente simbólico e é reconhecidamente muito obscura,
como se pode inferir das diferentes interpretações dela feitas. (2) A interpretação literal
desta passagem, como dada pelos premilenistas, leva a uma conceituação que não
encontra suporte em nenhum outro lugar da Escritura, mas é até contraditada pelo restante
do Novo Testamento. Esta é uma objeção fatal. Uma boa exegese requer que as
passagens obscuras da Escritura sejam lidas à luz doutras mais claras, e não vice-versa.
(3) Mesmo a interpretação literal dos prémilenistas não é coerentemente literal, pois
entende a corrente do versículo 1 e também, conseqüentemente, a prisão do versículo 2
figuradamente, muitas vezes concebe os mil anos como um longo mas indefinido período,
e transforma as almas do versículo 4 em santos ressurretos. (4) Estritamente falando, a
passagem não diz que as classes referidas (os santos mártires e os que não adoraram a
besta) ressuscitaram dos mortos, mas simplesmente que viveram e reinaram com Cristo. E
se declara que este viver e reinar com Cristo constitui a primeira ressurreição. (5) Não há
absolutamente nenhuma indicação nestes versículos de que Cristo e os Seus santos estão
exercendo governo na terra. À luz de passagens como Ap 4.4 e 6.9, é muito mais provável
que a cena se passa no céu. (6) Também merece nota que a passagem não faz menção
nenhuma da Palestina, de Jerusalém, do templo e dos judeus, os cidadãos naturais do
reino milenar. Não há nenhuma insinuação de que esses elementos estejam de algum
modo relacionados com este reinado de mil anos. Para uma interpretação minuciosa desta
passagem, do ponto de vista amilenista, remetemos o leitor a Kuyper, Bavinck, De Moor,
Dijk, Greydanus, Vos e Hendriksen.
B. Pós-Milenismo
A posição do pós-milenismo é completamente oposta à tomada pelo premilenismo,
respeitante à data da segunda vinda de Cristo. Ele afirma que o retorno de Cristo será
depois do milênio, que se pode esperar para durante e no fim da dispensação do
Evangelho. Imediatamente após, Cristo virá para introduzir a ordem eterna de coisas. Na
22 The Last Things, pg. 88. 23 The Second Advent, p. 384.
discussão do pós-milenismo será necessário distinguir duas formas da teoria, uma das
quais espera que o milênio será realizado pela influência sobrenatural do Espírito Santo, e
a outra espera que ele advirá por um processo natural de evolução.
1. DIFERENTES FORMAS DE PÓS-MILENISMO.
a. A forma antiga.Durante os séculos dezesseis e dezessete, diversos teólogos
reformados (calvinistas) da Holanda ensinaram uma forma de quiliasma agora denominada
pós-milenismo. Entre eles havia homens bem conhecidos como Coccejus, Alting, os dois
Vitringa, d’Outrein, Witsius, Hoornbeek, Koelman e Brakel, alguns dos quais consideravam
o milênio como pertencente ao passado, outros o julgavam presente, e ainda outros o
buscavam no futuro. A maioria o esperava para as proximidades do fim do mundo,
imediatamente antes da segunda vinda de Cristo. Estes homens rejeitavam as duas idéias
diretoras dos premilenistas, quais sejam, que Cristo voltará fisicamente para reinar na terra
por mil anos, e que os santos serão ressuscitados por ocasião da Sua vinda, e então
reinarão com Ele no reino milenar. Embora suas exposições diferissem nalguns
pormenores, a idéia predominante era que o Evangelho, que se propagará gradativamente
pelo mundo todo, no fim se tornará imensuravelmente mais eficiente do que no presente, e
introduzirá um período de ricas bênçãos espirituais para a igreja de Jesus Cristo, uma
idade de ouro em que os judeus também compartirão as bênçãos do Evangelho de
maneira sem precedentes. Em anos mais recentes, um tipo desse pós-milenismo foi
defendido por D. Brown, J. Berg, J.H.Snowden, T.P.Stafford e A.H.Strong. Diz o ultimo
teólogo mencionado que o milênio será “um período dos últimos dias da igreja militante,
quando, sob a influência especial do Espírito Santo, o espírito dos mártires reaparecerá, a
verdadeira religião será grandemente revigorada e revivida, e os membros das igrejas de
Cristo tomarão tal consciência do seu poder em Cristo que, numa extensão jamais
conhecida antes, triunfarão sobre os poderes do mal dentro e fora”.24 A idade de outro da
igreja, segundo se diz, será seguida por um breve período de apostasia, um terrível conflito
entre as forças do bem e do mal, e pela ocorrência simultânea do advento de Cristo, da
ressurreição geral e do juízo final.
b. A forma recente. Grande parte do pós-milenismo dos dias atuais é de um tipo
inteiramente diverso, e tem muito pouco a ver com os ensinos da Escritura, exceto como
uma indicação histórica daquilo em que outrora o povo cria. O homem moderno tem pouca
24 Syst. Theol.,p. 1013.
paciência com as esperanças milenísticas do passado, com sua completa dependência de
Deus. Ele não acredita que a nova era será introduzida pela pregação do Evangelho,
acompanhada pela obra do Espírito Santo; nem que será resultado de uma mudança
cataclísmica. De um lado, crê-se que a evolução trará aos poucos o milênio, e de outro
lado, que o próprio homem introduzirá a nova era, adotando uma política construtiva de
melhoramento do mundo. Diz Walter Rauschenbush: “Nosso principal interesse num
milênio é o desejo de uma ordem social em que o valor e a liberdade de todos os seres
humanos, mesmos do menor deles, sejam honrados e protegidos, em que a fraternidade
do homem seja expressa na posse comum dos recursos da sociedade; e em que o bem
espiritual da humanidade seja posto muito acima dos interesses de lucro privado de todos
os grupos materialistas. . . .Quanto ao modo pelo qual o ideal cristão da sociedade deverá
vir – devemos substituir a catástrofe pelo desenvolvimento”.25
Shirley Jackson case interroga: “Continuaremos buscando a Deus para introduzir uma
nova ordem por meios catastróficos, ou assumiremos a responsabilidade de produzir o
nosso próprio milênio, crendo que Deus está operando em nós e em nosso mundo o querer
e o fazer para o Seu beneplácito?” E ele mesmo dá a resposta, nos seguintes parágrafos:
“O curso da história exibe um longo processo de luta de evolução pelo qual a humanidade
como um todo eleva-se cada vez mais na escala da civilização e da consecução,
melhorando sua condição de quando em quando mediante sua maior habilidade e
engenho. Vista segundo a longa perspectiva das eras, a carreira do homem tem sido de
real ascensão. Em vez de piorar, vê-se que o mundo melhora constantemente. ...Desde
que a história e a ciência mostram que o melhoramento é sempre resultado de esforços de
realização, o homem acaba imaginando que os males ainda não vencidos haverão de ser
eliminados por estrênuos esforços e reforma gradual, e não pela intervenção catastrófica
da Divindade. ... As moléstias devem ser curadas ou evitadas pela habilidade do médico,
os males da sociedade devem ser remediados pela educação e pela legislação, e as
desgraças internacionais devem ser impedidas pelo estabelecimento de novos padrões e
novos métodos de tratamento medicinal, e não por uma aniquilação repentina”.26 Estas
citações são deverás características de uma grande parte do pós-milenismo dos nossos
dias, e não é de admirar que os premilenistas reajam contra ele.
25 A Theology for the Social Gospel, p. 224, 225. 26 The Millennial Hope, p. 229, 238, 239.
2. OBJEÇÕES AO PÓS-MILENISMO. Há algumas sérias objeções à teoria pós-
milenista.
a. A idéia fundamental da doutrina segundo a qual o mundo inteiro será gradativamente
ganho para Cristo, a vida de todas as nações será transformada pelo Evangelho no
transcurso do tempo, a justiça e a paz reinarão supremas, e as bênçãos do Espírito serão
derramadas mais copiosamente que antes, de sorte que a igreja experimentará um período
de prosperidade sem par imediatamente antes da vinda do Senhor – não está em harmonia
com o retrato do fim do século que se vê na Escritura. Na verdade a Escritura ensina que o
Evangelho se espalhará pelo mundo todo e exercerá uma influencia benéfica, mas não nos
leva a esperar a conversão do mundo, nem nesta nem numa era vindoura. Ela salienta o
fato de que a época imediatamente anterior ao fim será uma época de grande apostasia,
de tribulação e perseguição, uma época em que a fé se esfriará a muitos, e em que os que
são leais a Cristo serão submetidos a cruéis sofrimentos, e nalguns casos até selarão com
seu sangue a sua confissão, Mt 24.6-14, 21, 22; Lc 18.8; 21.25-28; 2 Ts 2.3-12; 2 Tm 3.1-6;
Ap 13. Naturalmente os pós-milenistas não podem ignorar por completo o que se diz
acerca da apostasia e da tribulação que marcarão o fim da história, mas eles o subestimam
e o descrevem como se predissesse uma apostasia e uma tribulação em pequena escala,
que não afetarão o fluxo principal da vida religiosa. Sua expectação de uma gloriosa
condição da igreja no fim se baseia em passagens que contêm uma descrição figurada,
quer da dispensação do Evangelho como um todo, quer da perfeita ventura do reino
externo de Jesus Cristo.
b. A idéia correlata de que a presente era não acabará numa grande mudança
cataclísmica, mas passará numa transição quase imperceptível para a era vindoura, é
igualmente antibíblica. A Bíblia nos ensina de maneira muito explícita que uma catástrofe,
ou uma intervenção especial de Deus, dará cabo do governo de Satanás sobre a terra e
introduzirá o Reino que não poderá ser abalado, Mt 24.29-31, 35-44; Hb 12.26,27; 2 Pe
3.10-13. haverá uma crise, uma transformação tão grande, que pode ser chamada
“regeneração”, Mt 19.28. Assim como os crentes não se santificam progressivamente nesta
existência até estarem praticamente prontos para, sem muita mudança mais, entrar no céu,
o mundo também não será purificado gradativamente, aprontando-se deste modo para
entrar no estágio subseqüente. Justamente como os crentes ainda terão que submeter-se a
uma grande mudança a operar-se na morte, assim o mundo sofrerá uma tremenda
mudança quando chegar o fim. Haverá novos céus e nova terra, Ap 21.1.
c. A idéia moderna de que a evolução natural e os esforços do homem no campo da
educação, da reforma social e da legislação produzirão gradativamente o reinado perfeito
do espírito cristão, entra em conflito com tudo quanto a palavra de Deus ensina sobre este
ponto. Não é a obra do homem, mas, sim, a de Deus que introduz o glorioso reino de Deus.
Este reino não pode ser estabelecido pelos meios naturais, mas somente por meios
sobrenaturais. É o reinado de Deus, estabelecido e reconhecido nos corações do Seu
povo, e este reinado jamais o podem tornar efetivos os meios puramente naturais. A
civilização sem a regeneração, sem uma transformação sobrenatural do coração, jamais
produzirá um milênio, um governo eficaz e glorioso de Jesus Cristo. Dá para ver que as
experiências do segundo quartel deste século devem ter imposto esta verdade ao homem
moderno. O tão decantado desenvolvimento do homem ainda não nos levou a vislumbrar o
milênio.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Qual é a origem histórica do premilenismo? 2.
Foi ele de fato o conceito dominante no segundo e no terceiro séculos? 3. Qual foi o
conceito de Agostinho sobre o reino de Deus e o milênio? 4. O reino de Deus e a igreja são
distintos ou idênticos na Escritura? 5. Será aquele natural e nacional, e esta espiritual e
universal? 6. Lucas 14.14 e 20.35 ensinam uma ressurreição parcial? 7. Será que alguma
parte de Israel constitui uma parte da noiva de Cristo? 8. Estará completa a noiva, quando
Cristo voltar? 9. Os pós-milenistas são necessariamente evolucionistas? 10. A experiência
justifica o otimismo dos pós-milenistas, segundo o qual o mundo está ficando cada vez
melhor? 11. A Bíblia prediz progresso contínuo para o reino de Deus, até ao fim do mundo?
12. È necessário presumir uma transformação cataclísmica no fim?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 717-769; Kuyper,
Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 237-279; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie,
p. 36-40; id., Pauline Eschatology, p. 226-260;Hodge, Syst., Theol. III, p. 861-868; Warfield,
The Millennium and the Apocalypse in Biblical Studies, p. 643-664; Dahle, Life After Death,
p. 354-418; D. Brown, The Second Advent; Ch. Brown, The Hope of His Coming; Hoekstra,
Het Chiliasme; Rutgers, Premillennialism in America; Merril, Second Coming of Christ;
Eckman, When Christ Comes Again; Heagle, That Blessed Hope; Case, The Millennial
Hope; Rall, Modern Premillennialism and the Christian Hope; Fairbaim, The Prophetic of the
Jews (by Pieters); Berkhof, Premillennialisme; Riley, The Evolution of the Kingdom; Bultem,
Maranatha; Berkhof, De Wederkomst van Christus; Brookes, Maranatha; Haldeman, The
Coming od the Lord; Snowden, The Second Coming of the Lord; Blackstone, Jesus is
Coming; Milligan, Is the Kingdom Age at Hand?; Peters, The Theocratic Kingdom; West,
The Thousand Years in Both Testaments; Silver, The Lord’s Return; Bullinger, How to Enjoy
the Bible; Waldegrave, New Testament Millenarianism; Feinberg, Premillennialism and
Amillennialism; Gaebelein, The Hope of the Ages; Hendriksen, More Than Conquerors;
Dijk, Het Rijk der Duizend Jaren; Aalders, Het Herstel van Israel Volgens het Oude
Testament; Mauro, The Gospel of the Kingdom, e The Hope of Israel; Frost, The second
Coming of Christ; Reese, The Approaching Advent of Christ; Wyngaarden, The Future of
the Kingdom.
III. A Ressurreição dos Mortos
A discussão do segundo advento de Cristo leva naturalmente a uma consideração dos
seus concomitantes. O primeiro deles é a ressurreição dos mortos, ou, como às vezes se
lhe chama, “a ressurreição da carne”.
A. A Doutrina da Ressurreição na História.
No tempo de Jesus havia uma diferença de opiniões entre os judeus, a respeito da
ressurreição. Enquanto que os fariseus criam nela, os saduceus não criam, Mt 22.23; At
23.8. Quando Paulo falou a seu respeito em Atenas, enfrentou zombaria, At 17.32. Alguns
dos coríntios a negavam, 1 Co 15, e Himeneu e Fileto, considerando-a como algo
puramente espiritual, asseveravam que ela já era coisa pertencente à história, 2 Tm 2.18.
Celso, um dos mais antigos opositores do cristianismo, fazia especialmente desta doutrina
objeto de escárnio; e os gnósticos, que consideravam a matéria como inerentemente má,
naturalmente a rejeitavam. Orígenes defendeu a doutrina contra os gnósticos e contra
Celso, mas todavia, não acreditava que é o corpo depositado no túmulo que ressuscita. Ele
descrevia o corpo ressureto como um corpo, purificado e espiritualizado. Embora alguns
dos chamados pais cristãos primitivos compartilhassem o seu conceito, a maioria deles
acentuava a identidade do corpo atual com o da ressurreição. Já na sua Confissão
Apostólica, a igreja expressou a sua crença na ressurreição da carne (sarkos).
Agostinho a princípio estava inclinado a concordar com Orígenes, mas posteriormente
adotou o conceito predominante, embora não julgasse necessário crer que as atuais
diferenças de forma e estatura continuarão na vida por vir. Jerônimo insistia vigorosamente
na identidade do corpo atual com o futuro. O Oriente, representado por homens como os
dois Gregórios, Crisóstomo e João de Damasco, manifestava a tendência de adotar um
conceito mais espiritual da ressurreição do que o Ocidente. Os que acreditavam num
milênio futuro falavam de uma dupla ressurreição, a dos justos no princípio do reino
milenar, e a dos ímpios no fim dele. Durante a Idade Média, os escolásticos especulavam
muito sobre o corpo ressureto, mas as suas especulações são sumamente fantasiosas e
de pequeno valor. Principalmente Tomaz de Aquino parecia especialmente informado
sobre a natureza do corpo ressureto, e sobre a ordem e o modo da ressurreição. Os
teólogos do período da Reforma geralmente estavam de acordo em que o corpo da
ressurreição será idêntico ao atual. Todas as grandes confissões da igreja apresentam a
ressurreição geral como simultânea com a segunda vinda de Cristo, o juízo final e o fim do
mundo. Elas não fazem separação entre quaisquer desses eventos, tais como entre a
ressurreição dos justos e a dos ímpios, e entre a vinda de Cristo e o fim do mundo, com um
período de mil anos. Por outro lado, os premilenistas insistem em tal separação. Sob a
influência do racionalismo e com o avanço das ciências físicas, acentuaram-se algumas
das dificuldades que pesavam sobre a doutrina da ressurreição, e, como resultado, o
“liberalismo” religioso moderno nega a ressurreição da carne e explica as descrições que
dela faz a Escritura como sendo uma representação figurada da idéia de que a
personalidade humana completa continuará a existir após a morte.
B. Prova Bíblica da Ressurreição.
1. NO VELHO TESTAMENTO. Às vezes se diz que o Velho Testamento nada sabe da
ressurreição dos mortos, ou só mostra algum conhecimento dela nos seus últimos livros. É
deveras comum a opinião de que Israel tomou por empréstimo dos persas a sua crença na
ressurreição. Diz Mackintosh: “Forte evidência existe em favor da hipótese de que a idéia
da ressurreição entrou na mente hebraica vinda da Pérsia”.27 Brown fala em tom algo
similar: “A doutrina da ressurreição individual aparece pela primeira vez em Israel depois do
cativeiro, e pode ser que se deva à influência persa”.28 Salmond também menciona essa
idéia, mas afirma que ela não é justificada suficientemente. Diz ele: “A doutrina
veterotestamentária de Deus é, de si mesma, suficiente para explicar toda a história da
concepção veterotestamentária de uma vida futura”.29 De Bondt chega à conclusão de que
não há um só povo, dentre aqueles com os quais Israel teve contato, que tivesse uma
doutrina da ressurreição que pudesse servir de modelo para a apresentação dela que era
corrente entre os israelitas; e de que a fé na ressurreição que acha expressão na religião
do Velho Testamento não se baseia nas religiões dos gentios, mas, sim, na revelação do
Deus de Israel.30 É verdade que não encontramos declarações claras a respeito da
ressurreição dos mortos antes do tempo dos profetas, embora Jesus fosse de parecer que
já estava implícita em Ex 3.6; cf. Mt 22.29-32, e o escritor de Hebreus dá a entender que
até mesmo os patriarcas anelavam à ressurreição dos mortos, Hb 11.10, 13-16, 19. O certo
é que não faltam provas de que havia uma crença na ressurreição muito antes do cativeiro.
Essa crença está implícita nas passagens que falam numa libertação do sheol, Sl 49.15; 27 Immortality and the Future, p. 34. 28 Christian Theology in Outline, p. 251, 252. 29 The Christian Doctrine of Immortality, p. 221, 222. 30 Wat Leert het Oude Testament Aangaande het Leven na dit Leven, p. 263, 264.
73.24, 25; Pv 23.14. Ela encontra expressão na declaração de Jó 19.25-27. Sobretudo a
vemos ensinada claramente em Is 26.19 (passagem tardia, segundo os críticos), e em Dn
12.2, e provavelmente está implícita igualmente em Ez 37.1-14.
2. NO NOVO TESTAMENTO. Como se podia esperar, o Novo Testamento tem mais
que dizer sobre a ressurreição dos mortos do que o Velho Testamento, porque coloca o
clímax da revelação de Deus sobre este ponto na ressurreição de Jesus Cristo. Contra a
negação dos saduceus, Jesus argumenta em favor da ressurreição dos mortos com base
no Velho Testamento, Mt 22.23-33 e paralelas; cf. Ex 3.6. Além disso, Ele ensina essa
grande verdade com muita clareza em Jo 5.25-29; 6.39, 30, 44, 54; 11.24, 25; 14.3; 17.24.
A passagem clássica do Novo testamento para a doutrina da ressurreição é 1 Co 15.
Outras passagens importantes são: 1 Ts 4.13-16; 2 Co 5.1-10; Ap 20.4-6 (de interpretação
dúbia), e 20.13.
C. A Natureza da Ressurreição.
1. É OBRA DO DEUS TRIÚNO. A ressurreição é obra realizada pelo Deus triúno.
Nalguns casos se nos diz simplesmente que Deus ressuscita os mortos, sem se especificar
pessoa alguma, Mt 22.29; 2 Co 1.9. Mais particularmente, porém, a obra da ressurreição é
atribuída ao Filho, Jo 5.21, 25, 28, 29; 6.38-40, 44, 54; 1 Ts 4.16. Indiretamente, também é
apontada como obra realizada pelo Espírito Santo, Rm 8.11.
2. É RESSURREIÇÃO FÍSICA, OU CORPORAL. Nos dias de Paulo havia alguns que
consideravam a ressurreição como espiritual, 2 Tm 2.18. E nos dias atuais há muitos que
só acreditam numa ressurreição espiritual. Mas a Bíblia é muito explicita ao ensinar a
ressurreição do corpo. Cristo é chamado “primícias” da ressurreição, 1 Co 15.20, 23 e “o
primogênito de entre os mortos”. Cl 1.18; Ap 1.5. Isto implica que a ressurreição do povo de
Deus será semelhante à do seu celestial Senhor. Sua ressurreição foi corporal, e a dos
Seus será da mesma natureza. Além disso, também se diz que a ressurreição realizada por
Cristo inclui o corpo, Rm 8.23; 1 Co 6.13-20. Em Rm 8.11 se nos diz explicitamente que
Deus, por Seu Espírito, ressuscitará nossos corpos mortais. E evidentemente é o corpo que
está proeminentemente na mente do apóstolo em 1 Co 15; cf. especialmente os versículos
35-49.
Segundo a Escritura, haverá uma ressurreição do corpo, isto é, não uma criação
inteiramente nova, mas um corpo que será, num sentido fundamental, idêntico ao corpo
atual. Deus não vai criar um novo corpo para cada ser humano, mas vai ressuscitar o
próprio corpo que foi depositado na terra. Sito se pode inferir apenas do termo
“ressurreição”, mas é declarado expressamente em Rm 8.11 e 1 Co 15.53, e ademais está
implícito na figura da semente semeada no solo, figura que o apostolo emprega em 1 Co
15.36-68. Além disso, Cristo, as primícias da ressurreição, prova conclusivamente a
identidade do Seu corpo aos Seus discípulos. Ao mesmo tempo, a Escritura deixa
perfeitamente evidente que o corpo passará por grande mudança. O corpo de Cristo ainda
não fora plenamente glorificado durante o período de transição entre a ressurreição e a
ascensão; contudo, já sofrera notável transformação. Paulo se refere à transformação que
terá lugar, quando diz que ao semearmos a semente, não semeamos o corpo que virá a
existir; não tencionamos retirar a mesma semente da terra. Todavia, esperamos colher uma
coisa que, no sentido fundamental, é idêntica à semente depositada no solo. Conquanto
haja uma certa identidade entre a semente semeada e as sementes que dela se
desenvolvem, todavia há também uma diferença notável. Nós seremos transformados, diz
o apóstolo, “porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade,
e que o corpo mortal se revista da imortalidade”. Também diz: “Semeia-se o corpo na
corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória.
Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo
espiritual”. Transformação não é incoerente com retenção da identidade. É-nos dito que,
mesmo agora, cada partícula dos nossos corpos muda a cada sete anos, mas, ao passar
por isso tudo, o corpo conserva a sua identidade. Haverá certa conexão física entre o corpo
antigo e o novo, mas não nos é revelada a natureza dessa conexão. Alguns teólogos falam
num germe remanescente do qual se desenvolve o novo corpo; outros dizem que o
princípio organizador do corpo permanece. Orígenes tinha algo dessa espécie em mente; a
mesma coisa Kuyper e Milligan. Se tivermos tudo isso em mente, a antiga objeção contra a
doutrina da ressurreição, a saber, que é impossível que um corpo ressuscite com as
mesmas partículas que o constituíam na ocasião de sua morte, visto que essas partículas
passam para outras formas de existência, e talvez para centenas de outros corpos, perde
completamente a sua força.
3. É RESSURREIÇÃO DOS JUSTOS E DOS ÍMPIOS. De acordo com Josefo, os
fariseus negavam a ressurreição dos ímpios.31 A doutrina do extincionismo e a da
imortalidade condicional, ambas as quais, ao menos nalgumas de suas formas, negam a
31 Ant. XVIII, 1, 2; Wars II, º14.
ressurreição dos ímpios e ensinam a sua aniquilação, doutrina abraçada por muitos
teólogos, também encontrou guarida em seitas como o adventismo e a “aurora do milênio”.
Acreditam na extinção total dos ímpios. Às vezes se faz a asserção de que a Escritura não
ensina a ressurreição dos ímpios, mas isso é patentemente errôneo, Dn 12.2; Jo 5.28, 29;
At 24.15; Ap 20.13-15. Ao mesmo tempo, deve-se admitir que a ressurreição deles não
ocupa lugar proeminente na Escritura. Claramente se vê que o aspecto soteriológico da
ressurreição está em primeiro plano, e esta pertence unicamente aos justos. Estes, em
contraste com os ímpios, são os únicos que tirarão proveito da ressurreição.
4. É RESSURREIÇÃO DE IMPORTÂNCIA DESIGUAL PARA OS JUSTOS E PARA OS
INJUSTOS. Breckenridge cita 1 Co 15.22 para provar que a ressurreição de santos e de
pecadores foi adquirida por Cristo. Mas, dificilmente se pode negar que o segundo “todos”
nessa passagem só é geral no sentido de “todos os que estão em Cristo”. A ressurreição é
ali descrita como resultante de uma união vital com Cristo. Mas, certamente, só os crentes
estão nessa relação viva com Ele. A ressurreição dos ímpios não pode ser considerada
como uma bênção merecida pela obra mediatária de Cristo, embora esteja relacionada
indiretamente com ela. É um resultado necessário da posposição da execução da sentença
de morte dada ao homem, o que tornou possível a obra de redenção. A posposição
resultou na relativa separação entre a morte temporal e a morte eterna, e na existência de
um estado intermediário. Sob estas circunstâncias, é necessário ressuscitar os ímpios dos
mortos, a fim de que a morte, em sua máxima extensão e com todo o seu peso, lhes possa
ser imposta. Sua ressurreição não é um ato de redenção, mas, sim, de soberana justiça, da
parte de Deus. A ressurreição dos justos e dos injustos tem isto em comum – que em
ambos os casos os corpos e as almas são reunidas. Mas, no caso daqueles, isso resulta
na vida perfeita, ao passo que no caso destes, redunda na extrema penalidade da morte,
Jo 5.28, 29.
D. A Ocasião da Ressurreição.
1. O CONCEITO PREMILENISTA CONCERNENTE À OCASIÃO DA
RESSURREIÇÃO. É opinião comum entre os premilenistas que a ressurreição dos santos
estará separada da dos ímpios por um período de mil anos. Ao que parece, quase
consideram como verdade axiomática que essas duas classes não têm a mínima
possibilidade de ressurgir ao mesmo tempo. E não somente isso, mas o tipo de
premilenismo dominante hoje em dia, com a sua teoria de uma dupla segunda vinda de
Cristo, sente necessidade de admitir uma terceira ressurreição. Todos os santos das
dispensações anteriores e da atual dispensação serão ressuscitados na paurosia, ou seja,
na vinda do Senhor. Os que ainda viverem nesse tempo serão transformados num instante,
num piscar de olhos. Mas nos sete anos que se seguirão à paurosia, muitos outros santos
morrerão, especialmente na grande tribulação. Estes também deverão ressuscitar, e a sua
ressurreição ocorrerá quando se der a revelação do dia do Senhor, sete anos após a
parousia. Mas, nem neste ponto os premilenistas podem parar. Desde que a ressurreição
que se dará no fim do mundo está reservada para os ímpios, terá que haver outra
ressurreição dos santos que morreram durante o milênio, a qual precederá a dos ímpios,
pois, segundo eles, santos e ímpios não podem ressuscitar ao mesmo tempo.
2. INDICAÇÕES ESCRITURÍSTICAS QUANTO À OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO.
Segundo a Escritura, a ressurreição dos mortos coincidirá com a paurosia, com a revelação
do dia do Senhor e com o fim do mundo, e precederá imediatamente o juízo geral e final. A
Bíblia certamente não favorece as distinções premilenistas a respeito desta doutrina. Em
diversos lugares ela apresenta a ressurreição dos justos e a dos ímpios como
contemporâneas, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15; Ap 20.13-15. Todas essas passagens
falam da ressurreição como um único evento, e não contêm a mais ligeira indicação de que
a ressurreição dos justos e a dos ímpios estarão separadas por um período de mil anos.
Mas isto não é tudo que se pode dizer em favor da idéia de que ambas coincidem. Em
Jo 5.21-29 Jesus combina o pensamento sobre a ressurreição, incluindo a ressurreição dos
justos, com o pensamento sobre o juízo, incluindo o juízo dos ímpios. Alem disso, 2 Ts 1.7-
10 apresenta claramente a paurosia (versículo 10), a revelação (vers. 7) e o juízo dos
ímpios (vers. 8 e 9) como coincidentes. Se não for este caso, a língua terá perdido o seu
sentido. Ademais, a ressurreição dos crentes está ligada diretamente à segunda vinda do
Senhor em 1 Co 15.23; Fp 3.20, 21 e 1 Ts 4.16, mas também é apresentada como
ocorrendo no fim do mundo, Jo 6.39, 40, 44, 54, ou no último dia. Quer dizer que os crentes
serão ressuscitados no ultimo dia, e que o ultimo dia é também o dia da vinda do Senhor.
Sua ressurreição não precederá o fim por um período de mil anos. Felizmente, há vários
premilenistas que não aceitam a teoria de três ressurreições, mas que, não obstante,
apegam-se à doutrina de duas ressurreições.
3. CONSIDERAÇÃO DOS ARGUMENTOS A FAVOR DE DUAS RESSURREIÇÕES.
a. Grande ênfase é dada ao fato de que a Escritura, apesar de geralmente falar da
ressurreição ton nekron, isto é, “dos mortos”, repetidamente se refere à ressurreição dos
crentes como uma ressurreição ek nekron, isto é, “saída dos mortos”. Os premilenistas
traduzem esta expressão por “dentre os mortos”, de modo que implica que muitos mortos
ainda permaneceriam no túmulo. Lightfoot também afirma que esta expressão se refere à
ressurreição dos crentes, mas Kennedy diz: “Não há absolutamente nenhuma prova a favor
desta asserção definida”. Também é esta a conclusão a que chega o doutor Vos, depois de
um cuidadoso estudo das passagens pertinentes. Em geral se pode dizer que a suposição
de que a expressão he anastasis ek nekron deve ser vertida para “a ressurreição dentre os
mortos” é inteiramente gratuita. Os léxicos clássicos desconhecem essa versão; e Kremer-
Koegel interpreta a expressão dando-lhe este sentido: “do estado dos mortos”, e esta
parece ser a interpretação mais natural. Deve-se notar que Paulo emprega as expressões
uma pela outra em 1 Co 15. Apesar de estar falando somente da ressurreição dos crentes,
é vidente que ele não procura salientar o fato de que esta é de caráter específico, pois
emprega a expressão mais geral repetidas vezes, 1 Co 15.12, 13, 21, 42.32
b. Os premilenistas recorrem também a certas expressões específicas, tais como
“superior ressurreição”, Hb 11.35, “ressurreição da vida”, Jo 5.29, “ressurreição dos justos”,
Lc 14.14, e “e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro”, 1 Ts 4.16 – todas as quais se
referem unicamente à ressurreição dos crentes. Essas expressões parecem colocar essa
ressurreição à parte, como algo diferente. Mas essas passagens provam apenas que a
Bíblia distingue entre a ressurreição dos justos e a dos ímpios, e não fornecem nenhuma
prova de que haverá duas ressurreições, separadas uma da outra por um período de mil
anos. A ressurreição do povo de Deus difere da dos incrédulos em seu princípio motriz, em
sua natureza essencial e em seu desfecho final, e, portanto, pode muito bem ser
apresentada como uma coisa distinta e como uma experiência muitíssimo mais desejável
do que a ressurreição dos ímpios. Aquela liberta os homens do poder da morte; esta não. A
despeito da sua ressurreição, os incrédulos permanecerão no estado de morte.
c. Um dos principais textos-prova dos premilenistas, a favor de duas ressurreições,
acha-se em 1 Co 15.22-24: “Porque assim como em Adão todos morrem, assim também
todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, por sua própria ordem. Cristo, as
primícias; depois os que são de Cristo, na sua vinda. E então virá o fim, quando ele
32 Cf. também Waldegrave, New Testament Millenarianism, p. 575, 576.
entregar o reino ao Deus e Pai...”. Nesta passagem eles vêem três estágios da
ressurreição indicados, quais sejam, (1) a ressurreição de Cristo; (2) a ressurreição dos
crentes; e (3) o fim (como eles o interpretam) da ressurreição, isto é, a ressurreição dos
ímpios. Silver faz uma colocação pitoresca: “Na ressurreição, Cristo e muitos santos que
ressurgiram em Jerusalém e ao redor dela aparecem como o primeiro grupo. Mais de 1900
anos depois, ‘os que são de Cristo, na sua vinda’ aparecerão como o segundo grupo. ‘E
então’ (mas não imediatamente), ‘virá o fim’ (vers. 24), o derradeiro e grande bloco de
gente, com um grupo de criaturas esquecidas, completando o cortejo”.33 É de se notar que
a idéia “não imediatamente” é introduzida no texto. O argumento é que, uma vez que epeita
(depois) do versículo 23 se refere a um tempo ao menos 1900 anos mais tarde, a palavra
eita (então) do versículo 24 se refere a um tempo 1000 anos mais tarde. Mas isto é mera
suposição, destituída de qualquer prova. As palavras epeita e eita significam de fato a
mesma coisa, mas nenhuma delas implica necessariamente a idéia de um longo período
intermediário. Observe-se o emprego de epeita em Lc 16.7 e Tg 4.14, e o de eita em Mc
8.25; Jo 13.5; 19.27; 20.27. Ambas as palavras podem ser utilizadas para indicar algo que
ocorrerá imediatamente, e para algo que só ocorrerá depois de algum tempo, de maneira
que é pura suposição pensar que a ressurreição dos crentes estará separada do fim por
um longo período de tempo. Outra suposição gratuita é a de que “o fim” significa “o fim da
ressurreição”. De acordo com a analogia da escritura, aquela expressão aponta para o fim
do mundo, a consumação, o tempo em que Cristo entregará o Reino ao pai e porá todos os
inimigos debaixo dos Seus pés. Este é o conceito adotado por comentadores como Alford,
Godet, Hodge, Bachmann, Findley, Robertson & Plummer, e Edwards.34
d. Outra passagem a que os premilenistas recorrem é 1 Ts 4.16, “Porquanto o Senhor
mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de
Deus, descerá dos céus, e os mortos ressuscitarão primeiro”. Disto eles inferem que
aqueles que não morrem em Cristo ressuscitarão em data posterior. Mas é mais que
evidente que não é essa a antítese que o apostolo tem em mente. A declaração
subseqüente não é, “depois os mortos que não estão em Cristo ressuscitarão”, mas “depois
nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens,
pra o encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor”.
33 The Lord’s Return, p. 230 34 Para mais ampla discussão desta questão toda, cf. Salmond, Christian Doctrine of Immortality, p. 414, 415; Milligan, The Ressurrection of the Dead, p. 64 e segtes.; Vos, Pauline Eschatology, p. 241 e segtes.
Biederwolf admite isso francamente.35 Tanto nesta passagem como na anterior Paulo está
falando somente da ressurreição dos crentes; a dos ímpios não está em seu escopo, de
modo nenhum.
e. A passagem mais importante a que se referem os premilenistas é Ap 20.4-6: “... e
viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram
até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição”. Aqui os versículos 5
e 6 fazem menção de uma primeira ressurreição, e isto, é o que se diz, implica que haverá
uma segunda. Mas a suposição de que o escritor está falando de uma ressurreição
corporal é extremamente duvidosa. Evidentemente o cenário dos versículos 4 a 6 está no
céu, e não na terra. E os termos não sugerem uma ressurreição corporal. O vidente não
fala de pessoas ou corpos que foram ressuscitados, mas de almas que “viveram” e
“reinaram”. E ele denomina esse viver e reinar com Cristo “a primeira ressurreição”. O
doutor Vos opina que as palavras, “Esta (enfática) é a primeira ressurreição”, podem até
ser “uma assinalada desaprovação de uma interpretação mais realista (quiliástica) da
mesma frase”.36 Com toda a probabilidade, a expressão se refere à entrada das almas dos
santos na gloriosa condição de vida com Cristo na morte. A ausência da idéia de uma
dupla ressurreição bem pode fazer-nos hesitar em afirmar a sua presença nesta passagem
de um livro tão cheio de simbolismos, como o Apocalipse de João. Onde quer que a Bíblia
mencione juntas a ressurreição dos justos e a dos ímpios, como em Dn 12.2; Jo 5.28, 29;
At 24.15, inexiste a mais ligeira insinuação de que ambas estarão separadas uma da outra
por um período de mil anos. Por outro lado, ela ensina que a ressurreição terá lugar no
último dia, e imediatamente será seguida pelo juízo final, Mt 25.31, 32; Jo 5.27-29; 6.39,40,
44, 54; 11.24; Ap 20.11-15.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. a Confissão Apostólica fala da ressurreição do
corpo, ou da ressurreição da carne? 2. Como explicar a mudança de uma para a outra? 3.
Os premilenistas não têm que acrescentar outra ressurreição dos justos às que ocorrerão
na paurosia e na revelação, segundo eles? 4. Como os premilenistas elaboram um
argumento em favor de uma dupla ressurreição utilizando até Dn 12.2? 5. Como encontram
eles um argumento para isso em Fp 3.11? 6. Qual é o principal argumento dos “liberais”
modernos contra a doutrina de uma ressurreição física? 7. Que quer dizer Paulo quando
fala, em 1 Co 15.44, do corpo ressureto como um soma pneumatikon?
35 Millennium Bible, p. 472. 36 ISBE, Artigo Esch. Of the N.T.
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 755-758,770-777;
Kuyper, Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 262-279; Vos, Geref. Dogm. V,
Eschatologie, p. 14-22; id., Pauline Eschatology, p136-225;Hodge, Syst., Theol. III, p. 837-
844; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 829-841; Shedd, Dogm. Theol., p. 641-658;
Valentine, Chr. Theol. II, p. 414-420;Dahle, Life After Death, p. 358-418; Hovey,
Eschatology, p23-78; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 164-179; Snowden, The
Coming of the Lord, p. 172-191; Salmond, Chr. Doct. Of Immortality, p. 262-272, 437-459;
Kennedy, St. Paul’s Conceptions of the Last Things, p. 222-281; Kliefoth, Eschatologie, p.
248-275; Brown, The Chr. Hope, p. 89-108; Milligan, The Ressurrection of the Dead, p. 61-
77.
IV. O Juízo Final
Outro importante concomitante da volta de Cristo é o juízo final, que será de natureza
geral. O Senhor voltará justamente com o propósito de julgar os vivos e de consignar a
cada indivíduo o seu destino eterno.
A. A Doutrina do Juízo Final na História.
Desde os mais primitivos tempos da era cristã, a doutrina de um juízo geral e final
esteve ligada à da ressurreição dos mortos. A opinião geral era que os mortos
ressuscitariam para serem julgados segundo as obras praticadas enquanto no corpo. Como
solene advertência, dava-se ênfase à certeza desse juízo. Esta doutrina já´fazia parte do
conteúdo da Confissão Apostólica: “Donde virá para julgar os vivos e os mortos”. A idéia
predominante era que esse juízo seria acompanhado pela destruição do mundo. De modo
geral, os chamados pais primitivos da igreja não especulavam muito acerca da natureza do
juízo final, embora Tertuliano constitua uma exceção. Agostinho procurou interpretar
algumas das declarações figuradas da Escritura a respeito do juízo. Na Idade Média, os
escolásticos discutiram o assunto com maiores minúcias. Eles também acreditavam que a
ressurreição dos mortos seria seguida imediatamente pelo juízo geral, e que este marcaria
o fim dos tempos para o homem. O juízo será geral no sentido de que todas as criaturas
racionais comparecerão nele, e de que trará uma revelação geral dos feitos de cada um,
tanto dos bons como dos maus. Cristo será o Juiz, embora outros estejam associados a
Ele no julgamento; não, porém, como juizes no sentido estrito da palavra. Imediatamente
após o juízo, haverá uma conflagração universal. Deixamos de mencionar algumas outras
particularidades aqui.
Os Reformadores compartiam essa idéia, em geral, mas pouco ou nada acrescentaram
ao conceito predominante. O mesmo conceito se acha em todas as confissões
protestantes, as quais afirmam explicitamente que haverá um dia de juízo no fim do mundo,
mas não entram em detalhes. Tem sido esse o conceito oficial das igrejas até os dias
atuais. Isto não significa que não houve outros conceitos que achassem expressão. Kant
inferiu do imperativo categórico a existência de um Juiz supremo que aplicaria a justiça a
todos os erros numa vida futura. Schelling, com o seu famoso dito, “A história do mundo é o
julgamento do mundo”, evidentemente considerava o juízo apenas como um processo
imanente atual. Alguns não estavam inclinados a admitir a constituição moral do universo,
não acreditavam que a história se move rumo a uma terminação moral, e, assim, negavam
o juízo futuro. A esta idéia foi dada uma formulação filosófica por Von Hartmann. Na
teologia “liberal” moderna, com sua ênfase ao fato de que Deus é imanente em todos os
processos da história, é forte a tendência para considerar o juízo primária, senão
exclusivamente, como um processo imanente atual. Diz Beckwith: “Em Seu procedimento
(de Deus) para com os homens, nada se susta, não há suspensão de nenhum atributo do
Seu ser. O juízo não é, pois, mais verdadeiramente futuro do que presente. Na medida em
que Deus é o seu autor, é tão constante e perpétuo como a Sua ação na vida humana.
Pospor o juízo para uma hora publica e futura é ter um falso conceito da justiça, como se
esta estivesse dormente ou suspensa, totalmente presa a condições externas. Ao contrário,
a esfera da justiça deve ser procurada, não fora, primeiro, mas dentro, na vida interior, no
mundo da consciência”.37 Os dispensacionalistas crêem de todo o coração no juízo futuro,
mas falam em juízos, no plural. Segundo eles, haverá um juízo na parousia, outro na
revelação de Cristo, e ainda outro no fim do mundo.
B. Natureza do Juízo Final.
O juízo final do qual a Bíblia fala não pode ser considerado como um processo
espiritual invisível e infindável, idêntico à providência de Deus na história. Isto não equivale
a negar o fato de que há um julgamento providencial de Deus nas vicissitudes de
indivíduos e nações, embora nem sempre se reconheçam como tais. A Bíblia nos ensina
claramente que, ainda na presente vida, Deus visita o mal com castigos e recompensa o
bem com bênçãos, e que estes castigos e recompensas são positivos nalguns casos, mas
noutros aparecem como resultados providenciais naturais do mal cometido ou do bem
praticado, Dt 9.5; Sl 9.16; 37.28; 59.13; Pv 11.5; 14.11; Is 32.16,17; Lm 5.7. A consciência
humana também atesta este fato. Mas também é manifesto na Escritura que os juízos de
Deus no presente não são finais. Às vezes o mal prossegue sem a devida punição, e o
bem nem sempre sé recompensado nesta existência com as bênçãos prometidas. Os
ímpios dos dias de Malaquias tiveram a coragem de gritar: “Onde está o Deus do juízo?”,
Ml 2.17. A queixa que se ouvia naqueles dias era; “Inútil é servir a Deus; que nos
aproveitou termos cuidado em guardar os seus preceitos, e em andar de luto diante do
Senhor dos Exércitos? Ora, pois, nós reputamos por felizes os soberbos; também os que
cometem impiedade prosperam, sim, eles tentam ao Senhor e escapam”, Ml 3.14, 15. Jó e
37 Realities of Christian Theology, p. 362, 363.
seus amigos lutaram com o problema dos sofrimentos dos justos, e a mesma coisa fez
Asafe no Salmo 73. A Bíblia nos ensina a ter os olhos postos no futuro, no juízo final, vendo
neste a resposta decisiva de Deus para todas essas interrogações, a solução de todos
esses problemas e a remoção de todas as discrepâncias aparentes da era atual, Mt 25.31-
46; Jo 5.27-29; At 25.24; Rm 2.5-11; Hb 9.27; 10.27; 2 Pe 3.7; Ap 20.11-15. Estas
passagens não se referem a um processo, mas, sim a um evento bem definido do fim dos
tempos. Ele é descrito como acompanhado por outros eventos históricos, tais como a vinda
de Jesus Cristo, a ressurreição dos mortos e a renovação de céus e terra.
C. Conceitos Errôneos a Respeito do Juízo.
1. JUÍZO PURAMENTE METAFÓRICO. De acordo com Schleiermacher e muitos
outros eruditos alemães, as descrições bíblicas do juízo final devem ser entendidas como
indicações simbólicas do fato de que o mundo e a igreja finalmente se separarão. Esta
explicação serve para fazer evaporar toda a idéia de um julgamento forense quanto à
determinação pública do estado final do homem. É uma explicação que certamente não faz
justiça às vigorosas afirmações da escritura a respeito do juízo final, de que será uma
declaração formal, publica e final.
2. JUÍZO EXCLUSIVAMENTE IMANENTE. A máxima de Schelling, de que “a história
do mundo é o julgamento do mundo”, sem dúvida contém um elemento de verdade. Como
acima foi assinalado, há manifestações da justiça retributiva de Deus na história das
nações e dos indivíduos. As recompensas e os castigos podem ser de caráter positivo, ou
podem ser o resultado do bem ou do mal praticado. Mas quando muitos eruditos “liberais”
afirmam que o julgamento divino é totalmente imanente e é inteiramente determinado pela
ordem moral do mundo, certamente não fazem justiça às apresentações da Escritura. A
idéia que eles têm do juízo como “agindo por si mesmo” faz de Deus um ser ocioso, que
apenas vê e aprova a distribuição de recompensas e castigos. Destrói completamente a
idéia do juízo como um evento externo e visível a ocorrer nalgum tempo definido do futuro.
Além disso, esse conceito não pode satisfazer os anseios do coração humano pela justiça
perfeita. Os juízos históricos são sempre e somente parciais, e às vezes são aos homens a
impressão de serem disfarces da justiça. Sempre houve e ainda há ocasião para a
perplexidade de Jó e de Asafe.
3. O JUÍZO NÃO SERÁ UM SÓ EVENTO. Os premilenistas dos nossos dias falam de
três diferentes juízos futuros. Eles distinguem: (a) Um juízo para os santos ressurretos e
para os santos vivos, quando da parousia ou da vinda do Senhor, para vindicação pública
dos santos, para dar recompensa a cada um segundo as suas obras e para determinar os
seus respectivos lugares no reino milenar vindouro. (b) Um juízo por ocasião da revelação
de Cristo (no dia do senhor), imediatamente após a grande tribulação, no qual, conforme o
conceito predominante, as nações gentílicas serão julgadas como nações, de acordo com a
atitude que elas assumiram para com o evangelizante remanescente de Israel (os irmãos
menores do Senhor). A entrada dessas nações no reino dependerá do resultado do
julgamento. Este é o juízo mencionado em Mt 25.31-46. estará separado do anterior por um
período de sete anos. (c) Um julgamento dos ímpios mortos, perante o grande trono branco
descrito em Ap 20.11-15. Os mortos serão julgados segundo as suas obras, e estas
determinarão o grau da punição que eles receberão. Este juízo ocorrerá mais de mil anos
depois do juízo das nações.
Devemos notar, porém, que a Bíblia sempre fala do juízo futuro com um só evento. Ela
nos ensina a aguardar, não dias, mas o dia do juízo, Jo 5.28, 29; At 17.31; 2 Pe 3.7,
também chamado “aquele dia”, Mt 7.22; 2 Tm 4.8, e “o dia da ira e da revelação do justo
juízo de Deus”, Rm 2.5. Os premilenistas sentem a força deste argumento, pois replicam
que esse pode ser um dia de mil anos. Além disso, há passagens da escritura que
evidenciam abundantemente que os justos e os ímpios comparecerão juntos no juízo para
uma separação final, Mt 7.22, 23; 25.31-46; Rm 2.5-7; Ap 11.18; 20.11-15. Ademais, deve-
se notar que o julgamento dos ímpios é descrito como um concomitante da parousia e
também da revelação, 2 Ts 1.7-10; 2 Pe 3.4-7. E, finalmente, deve-se ter em mente que
Deus não julga as nações como nações quando estão em jogo questões eternas, mas
somente indivíduos; e que uma separação final dos justos e dos ímpios não tem a menor
possibilidade de ser feita antes do fim do mundo. É difícil ver como alguém pode fazer uma
interpretação tolerável e coerente de Mt 25.31-46, a não ser partindo do pressuposto de
que o juízo a que o texto se refere é o juízo universal de todos os homens, e de que estes
serão julgados, não como nações, mas como indivíduos. Até Meyer e Alford, eles próprios
premilenistas, consideram que esta é a única explanação sustentável.
4. O JUÍZO FINAL É DESNECESSÁRIO. Alguns consideram inteiramente
desnecessário o juízo final, porque o destino de cada ser humano é determinado na hora
da sua morte. Se um homem dormir firmado em Jesus, estará salvo; se morrer em seus
pecados, estará perdido. Desde que a questão está resolvida, não é necessário fazer-se
mais um inquérito judicial, e, portanto, um juízo final é completamente supérfluo. Mas a
certeza do juízo futuro não depende da nossa concepção de sua necessidade. Deus nos
ensina claramente em Sua palavra que haverá um juízo final, e isto põe fim à questão para
todos os que reconhecem a Bíblia como o padrão final da fé. Além disso, o pressuposto
subjacente, do qual procede o argumento, a saber, que o juízo final tem o propósito de
definir qual seria o estado futuro do homem, é inteiramente errôneo. Seu propósito é, antes,
expor diante de todas as criaturas racionais a glória declarativa de Deus num ato formal e
forense que, por um lado, engrandecerá a Sua santidade e justiça, e, por outro lado,
engrandecerá a Sua graça e misericórdia. Ademais, devemos ter em mente que o juízo do
ultimo dia será diferente daquele que ocorre na morte de cada indivíduo em mais de um
aspecto. Não será secreto, mas público; não terá referência a um só individuo, mas a todos
os homens.
D. O Juiz e os Seus Assistentes
Naturalmente, o juízo final, como todas as opera ad extra (obras externas) de Deus, é
obra realizada pelo trino Deus, mas a Escritura a atribui particularmente a Cristo. Cristo, em
Sua capacidade mediatária, será o futuro Juiz, Mt 25.31, 32; Jo 5.27; At 10.42; 17.31; Fp
2.10; 2 Tm 4.1. Passagens como Mt 28.18; Jo 5.27; Fp 2.9, 10, tornam mais que evidente
que a honra de julgar os vivos e os mortos foi conferida a Cristo como Mediador como
recompensa por Sua obra expiatória e como parte de Sua exaltação. Esta pode ser
considerada como uma das honras culminantes da Sua realeza. Também em Sua
capacidade de Juiz, Cristo está salvando o Seu povo de forma suprema: Completará a
redenção deles, justificá-los-á publicamente, e removerá as últimas conseqüências do
pecado. De passagens como Mt 13.41, 42; 24.31; 25.31, pode-se inferir que os anjos O
assistirão nesta grande obra. Evidentemente, os santos, nalgum sentido, vão assentar-se e
julgar com Cristo, Sl 149.5-9; 1 Co 6.2, 3; Ap 20.4. É difícil dizer o que isto envolve. Tem-se
interpretado no sentido de que os santos condenarão por sua fé o mundo, assim como os
ninivitas teriam condenado as cidades incrédulas dos dias de Jesus. Ou que eles
meramente estarão presentes ao julgamento presidido por Cristo. Mas o argumento de
Paulo em 1 Co 6.2, 3 parece exigir mais do que isso, pois nenhuma das duas
interpretações sugeridas provariam que os coríntios eram capazes de julgar as questões
surgidas na igreja. Embora não se possa esperar que os santos conheçam todos os que
haverão de comparecer no juízo e distribuam as penas impostas, todavia, terão alguma
parte ativa no juízo de Cristo, embora seja impossível dizer precisamente o que será isso.
E. As Partes que Serão Julgadas
A Escritura contém claras indicações de pelo menos duas partes serão julgadas. É
mais evidente que os anjos decaídos comparecerão perante o tribunal de Deus, Mt 8.29; 1
Co 6.3; 2 Pe 2.4; Jd 6. Satanás e seus demônios verão sua ruína final no dia do juízo.
Também se vê com toda a clareza que todos os indivíduos da raça humana terão que
comparecer às barras da justiça, Sl 50.4-6; Ec 12.14; Mt 12.36, 37; 25.32; Rm 14.10; 2 Co
5.10; Ap 20.12. Estas passagens certamente não dão lugar ao conceito dos pelagianos e
dos que seguem sua esteira, de que o juízo final se limitará aos que gozam os privilégios
do Evangelho. Tampouco favorecem a idéia daqueles sectários que afirmam que os justos
não serão chamados a juízo. Quando Jesus diz, em Jo 5.24, “Em verdade, em verdade vos
digo: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não
entra em juízo, mas passou da morte para a vida”, claramente quer dizer, como se vê do
contexto, que o crente não entrará em juízo condenatório. Às vezes, porém, se objeta que
os pecados dos crentes, pecados perdoados, certamente não serão trazidos a público
naquele dia; mas a Escritura nos leva à certeza de que o serão, embora, naturalmente,
sejam revelados como pecados perdoados. Os homens serão julgados por “toda palavra
frívola”, Mt 12.36, e pelos “segredos dos homens”, Rm 2.16; 1 Co 4.5, e não há a mínima
indicação de isto se restringirá aos ímpios. Além disso, passagens como Mt 13.30, 40-43,
49; 25.14-23, 34-40, 46 evidenciam que os justos comparecerão ao tribunal de Cristo. Mais
difícil é decidir se os anjos bons serão submetidos ao juízo final em algum sentido. O
doutor Bavinck mostra-se inclinado a inferir de 1 Co 6.3 que serão; mas esta passagem
não prova o ponto. Poderia fazê-lo se a palavra angelous fosse precedida pelo artigo, o que
não acontece. Lemos simplesmente: “Não sabeis que havemos de julgar os próprios
anjos...?” (no original grego, sem artigo). Dada a incerteza ligada a esta questão, é melhor
silenciar a respeito. Mais ainda quando nos lembramos de que os anjos sé são
apresentados como ministros de Cristo em conexão com a obra de julgamento, Mt 13.30,
41; 25.31; 2 Ts 1.7, 8.
F. A Ocasião do Juízo.
Conquanto não se possa determinar em termos absolutos a ocasião do juízo futuro,
pode ser fixada relativamente, isto é, com relação a outros eventos escatológicos. É
evidente que será no fim do presente mundo, pois será um julgamento sobre toda a vida de
todos os homens, Mt 13.40-43; 2 Pe 3.7. Além disso, será concomitante com a vinda
(parousia) de Jesus Cristo, Mt 25.19-46; 2 Ts 1.7-10; 2 Pe 3.9, 10, e se seguirá
imediatamente à ressurreição dos mortos, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; Ap 20.12, 13. A questão
sobre se o juízo precederá imediatamente a renovação de céus e terra, ou se será
coincidente com ela, ou se será imediatamente após, não pode ser resolvida
conclusivamente com base na Escritura. Ap 20.11 parece indicar que a transformação do
universo se dará ao iniciar-se o juízo; 2 Pe 3.7, que ambos ocorrerão sincronicamente; e
Ap 21.1, que a renovação dos céus e da terra será em seguida ai juízo. Só podemos falar
deles, de maneira geral, como concomitantes.
É igualmente impossível determinar a exata duração do juízo: A Escritura fala em “o dia
do juízo”, Mt 7.22; 2 Ts 1.10; 2 Tm 1.12, e “o dia da ira”, Rm 2.5; Ap 11.8. Não precisamos
inferir destas passagens e doutras semelhantes que será precisamente um dia de vinte e
quatro horas, dado que a palavra “dia” também é empregada num sentido mais indefinido
na Escritura. Por outro lado, porém, a interpretação feita por alguns premilenistas, de que
se trata de um designativo de todo o período milenar, não pode ser considerada plausível.
Quando a palavra “dia” é empregada para denotar um período, denota em geral um
período totalmente caracterizado por alguma peculiaridade extraordinária, normalmente
indicada pelo genitivo que acompanha a palavra. Assim, “o dia da aflição” é o período
totalmente caracterizado por aflições, e “o dia da salvação” é o período em sua inteireza
notório por sua proeminente manifestação do favor ou graça de Deus. E certamente não se
pode dizer que o período milenar dos premilenistas, embora acabando num juízo, é
totalmente um período de julgamento. É, antes, um período de alegria, retidão e paz. A
característica proeminente desse período, certamente não é de julgamento.
G. O Padrão do Juízo.
O padrão pelo qual os santos e os pecadores serão julgados, evidentemente será a
vontade revelada de Deus. Esta não é a mesma para todos. Alguns têm sido mais
privilegiados que outros, e isto naturalmente aumenta a sua responsabilidade, Mt 11.21-24;
Rm 2.12-16. Isto não significa que haverá diferentes condições de salvação para diferentes
classes de gente. Para todos os que comparecerão ao juízo, a entrada no céu, ou a
exclusão dele, dependerá da questão se estão revestidos da justiça de Jesus Cristo. Mas
haverá diferentes graus, tanto de ventura no céu como de castigo no inferno. E esses graus
serão determinados pelo que é feito enquanto na carne, Mt 11.22, 24; Lc 12.47, 48; 20.47;
Dn 12.3; 2 Co 9.6. Os gentios serão julgados segundo a lei da natureza, escrita nos seus
corações, os israelitas da antiga dispensação segundo a revelação do Velho testamento, e
somente segundo esta, e os que gozaram a luz do Evangelho, além da luz da natureza e
da revelação do velho Testamento, serão julgados de conformidade com a maior luz que
receberam. Deus dará a cada um o que lhe é devido.
H. As Diferentes Partes do Juízo.
Aqui devemos distinguir:
1. A COGNITIO CAUSAE (O CONHECIMENTO DA CAUSA). Deus tomará
conhecimento do estado de coisas, da vida passada completa do homem, incluindo-se até
os pensamentos e os intentos secretos do coração. Isso é descrito simbolicamente na
Escritura como a abertura dos livros, Dn 7.10; Ap 20.12. Os fiéis dos dias de Malaquias
falavam de um memorial escrito diante do senhor, Ml 3.16. É uma descrição figurada
acrescentada para completar a idéia do juízo. Geralmente o juiz tem o livro da lei e o
registro daqueles que compareceram perante ele. Com toda a probabilidade, a figura neste
caso se refere simplesmente à onisciência de Deus. Alguns falam do livro da Palavra de
deus como do livro dos estatutos, e do memorial como o livro da predestinação, o registro
privado de Deus. Mas é muito duvidoso que devamos particularizar os pontos dessa
maneira.
2. A SENTENTIAE PROMULGATIO (A PROMULGAÇÃO DA SENTENÇA). Haverá
promulgação da sentença. O dia do juízo é o dia da ira e da revelação do justo juízo de
Deus, Rm 2.5. Tudo terá que ser revelado ante o tribunal do Juiz supremo, 2 Co 5.10. O
senso de justiça exige isto. A sentença pronunciada sobre cada pessoa não será secreta,
não será conhecida apenas pela pessoa, mas será proclamada publicamente, de maneira
que pelo menos aqueles que de algum modo estão envolvidos a conhecerão. Assim, a
justiça e a graça de Deus refulgirão em todo o seu esplendor.
3. A SENTENTIAE EXECUTIO (A EXECUÇÃO DA SENTENÇA). A sentença dos justos
comunicará bem-aventurança eterna, e a dos ímpios, miséria eterna. O Juiz dividirá a
humanidade em duas partes, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas, Mt 25.32 e
segtes. Em vista do que se dirá sobre o seu estado final no próximo capítulo, não é preciso
acrescentar nada mais aqui.
V. O Estado Final
O juízo final determinará o estado final dos que comparecerão perante o tribunal, e a
esse estado os levará.
A. O Estado Final dos Ímpios.
Há especialmente três pontos que requerem consideração aqui:
1. O LUGAR PARA O QUAL OS ÍMPIOS SERÃO ENVIADOS. Na teologia dos dias
atuais há uma evidente tendência, nalguns círculos, de eliminar a idéia de punição eterna.
Os extincionistas, que ainda estão representados em seitas como o adventismo e a “aurora
do milênio”, e os defensores da imortalidade condicional, negam a existência perpétua dos
ímpios e, com isso, tornam desnecessário um lugar de punição eterna. Na teologia “liberal”
moderna, a palavra “inferno” é geralmente considerada como um designativo figurado de
uma condição puramente subjetiva, na qual os homens podem achar-se mesmo enquanto
na terra, e a qual pode tornar-se permanente no futuro.
Mas essas interpretações certamente não fazem justiça aos dados da escritura. Não
pode haver dúvida razoável quanto ao fato de que a Bíblia ensina a existência permanente
dos ímpios, Mt 24.5; 25.30, 46; Lc 16.19-31. Além disso, em conexão com o tema do
“inferno”, a Bíblia emprega expressões indicativas de lugar o tempo todo. Ela dá ao lugar
de tormento o nome de geena, nome derivado do hebraico ge (terra, ou vale) e hinnom ou
beney hinnom, isto é, Hinnom ou filhos de Hinnom. Este nome foi aplicado originariamente
a um vale sito a sudoeste de Jerusalém. Era o lugar em que os ímpios idólatras
sacrificavam seus filhos a Moloque, fazendo-os passar pelo fogo. Daí era considerado
impuro e, em tempos mais recentes, era denominado “vale de tophet” (escarro), como uma
região completamente desprezada. Fogueiras ardiam ali constantemente, para consumir o
lixo de Jerusalém. Como resultado, veio a ser um símbolo do lugar de tormento eterno. Mt
18.9 fala de tem geenan tou pyros, a geena de fogo, e esta expressão forte é empregada
como um sinônimo de to pyr to aionion, o fogo eterno, que aparece no versículo anterior. A
Bíblia fala também de uma “fornalha acesa”, Mt 13.42, e de um “lago de fogo” (ou “do
fogo”), Ap 20.14, 15, que se contrasta com o “mar de vidro, semelhante ao cristal”, Ap 4.6.
Os termos “prisão”, 1 Pe 3.19, “abismo”, Lc 8.31 e “tártaro”, 2 Pe 2.4 (margem), também
são empregados. A Escritura se refere aos excluídos do céu dizendo que estão fora (nas
trevas exteriores) e que são lançados no inferno. A descrição registrada em Lc 16.19-31 é,
por certo, inteiramente descritiva de lugar.
2. O ESTADO NO QUAL CONTINUARÃO SUA EXISTÊNCIA. É impossível determinar
precisamente o que constituirá a punição eterna dos ímpios, e nos convém falar mui
cautelosamente sobre o assunto. Positivamente se pode dizer que consistirá em (a)
ausência total do favor de deus; (b) uma interminável perturbação da vida, resultante do
domínio completo do pecado; (c) dores e sofrimentos positivos no corpo e na alma; e (d)
castigos subjetivos, como agonias da consciência, angústia, desespero, choro e ranger de
dentes, Mt 8.12; 13.50; Mc 9.43, 44, 47, 48; Lc 16.23, 28; Ap 14.10; 21.8. Evidentemente,
haverá graus na punição dos ímpios. Isto se deduz de passagens como Mt 11.22, 24; Lc
12.47, 48; 20.17. Sua punição será proporcional ao seu pecado contra a luz que
receberam. Mas, não obstante, será punição eterna para todos eles. Esta verdade é
exposta claramente na Escritura, Mt 18.8; 2 Ts 1.9; Ap 14.11; 20.10. Alguns negam que
haverá fogo literal, porque este não poderia afetar espíritos como satanás e seus
demônios. Mas, como podemos sabe-lo? Nosso corpo certamente age em nossa alma de
algum modo misterioso. Haverá alguma punição positiva correspondente aos nossos
corpos. É indubitavelmente certo, porém, que uma grande parte da linguagem referente ao
céu e ao inferno deve ser entendida figuradamente.
3. DURAÇÃO DA SUA PUNIÇÃO. Contudo, a questão da eternidade da punição futura
mercê consideração mais especial, por ser freqüentemente negada. Dizem que as palavras
empregadas na escritura para “sempiterno” e “eterno” podem denotar simplesmente uma
“era” ou uma “dispensação”, ou algum outro longo período de tempo. Ora, não se pode
negar que são empregadas desse modo nalgumas passagens, mas isto não prova que
sempre tenham este sentido limitado. Não é este o sentido literal desses termos. Sempre
que são empregados assim, o são empregados figuradamente, e, nesses casos, o seu uso
figurado é geralmente esclarecido pelo contexto. Além disso, há razões positivas para se
pensar que essas palavras não têm aquele sentido limitado nas passagens a que nos
referimos. (a) Em Mt 25.46 a mesma palavra descreve a duração, tanto da bem-
aventurança dos santos como da penalidade dos ímpios. Se esta não for, propriamente
falando, interminável, tampouco o será aquela; e, todavia, muitos dos que duvidam da
punição eterna, não duvidam da felicidade eterna. (b) São empregadas outras expressões
que não podem ser postas de lado pela consideração mencionada acima. O fogo do inferno
é chamado “fogo inextinguível”, Mc 9.43; e dos ímpios se diz que “não lhes morre o verme”,
Mc 9.48. Além disso, o abismo que separará santos e pecadores no futuro é descrito como
fixo e intransponível, Lc 16.26.
B. O Estado Final dos Justos.
1. A NOVA CRIAÇÃO. O estado final dos crentes será precedido pelo passamento do
presente mundo e pelo surgimento de uma nova criação. Mt 19.28 fala da “regeneração” e
At 3.21, da “restauração de todas as cousas”. Em Hb 12.27 lemos: “Ora, esta palavra:
Ainda uma vez por todas, significa a remoção dessas cousas abaladas (céus e terra), como
tinham sido feitas, para que as cousas que não são abaladas (o reino de Deus)
permaneçam”. Diz Pedro: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e
nova terra, nos quais habita justiça”, 2 Pe 3.13, cf. vers. 12; e João teve uma visão dessa
nova criação, Ap 21.1. Somente depois que a nova criação estiver estabelecida é que a
nova Jerusalém descerá dos céus, da parte de Deus, o tabernáculo de Deus será montado
entre os homens e os justos adentrarão o seu gozo eterno. Muitas vezes é levantada a
questão sobre se essa criação será inteiramente nova ou se será uma renovação da
presente criação. Os teólogos luteranos apóiam fortemente a primeira posição acima,
recorrendo a 2 Pe 3.7-13; Ap 20.11 e 21.1, ao passo que os teólogos reformados
(calvinistas) preferem a segunda idéia, para a qual encontram apoio em Sl 102.26,27 (Hb
1.10-12) e Hb 12.26-28.
2. A HABITAÇÃO ETERNA DOS JUSTOS. Muitos concebem também o céu como uma
condição subjetiva, que os homens podem desfrutar no presente e que, seguindo a justiça,
naturalmente se tornará permanente no futuro. Mas aqui também se deve dizer que a
Escritura apresenta o céu como um lugar. Cristo ascendeu ao céu, o que só pode significar
que ele foi de um lugar para outro. O céu descrito como a casa de nosso Pai, onde há
muitas mansões, Jo 14.1, e esta descrição dificilmente seria válida para uma condição.
Além disso, diz a Escritura que os crentes estão dentro, enquanto que os incrédulos estão
fora, Mt 22.12, 13; 25.10-12. A Escritura nos dá motivos para acreditarmos que os justos
herdarão, não somente o céu, mas a nova criação inteira, Mt 5.5; Ap 21.1-3.
3. A NATUREZA DA SUA RECOMPENSA. A recompensa dos justos é descrita como
vida eterna, sito é, não apenas uma vida sem fim, mas a vida em toda a sua plenitude, sem
nenhuma das imperfeições e dos distúrbios da presente vida, Mt 25.46; Rm 2.7. A plenitude
dessa vida é desfrutada na comunhão com Deus, o que é realmente a essência da vida
eterna, Ap 21.3. Eles verão a Deus em Jesus Cristo face a face, encontrarão plena
satisfação nele, alegrar-se-ão nele e O glorificarão. Contudo, não devemos pensar que as
alegrias do céu são exclusivamente espirituais. Haverá alguma coisa correspondente ao
corpo. Haverá reconhecimento e relações sociais num plano elevado. Também é evidente
na Escritura que haverá graus na bem-aventurança do céu, Dn 12.3; 2 Co 9.6. Nossas
boas obras serão a medida da recompensa que receberemos pela graça, embora elas não
a mereçam. Apesar disso, porém, a alegria de cada indivíduo será perfeita e completa.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que o senso moral da humanidade exige
um juízo futuro? 2. A quais precursores históricos do juízo final a Escritura se refere? 3.
Onde se realizará o juízo final? 4. Que encorajamento há para os crentes no fato de que
Cristo será o Juiz? 5. A expressão segundo a qual aquele que crê no Filho “não entrará em
condenação” (ou “não entra em juízo”), Jo 5.24, não prova que os crentes não serão
julgados? 6. Segundo a Escritura, que obras entrarão em consideração no juízo final? 7. Se
todos os crentes herdam a vida eterna, em que sentido a sua recompensa será
determinada por suas obras? 8. O propósito do juízo é dar a Deus um melhor
conhecimento dos homens? 9. Qual o seu propósito? 10. Os homens se perderão
definitivamente só pelo pecado de rejeitar conscientemente a Cristo?
BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 777-815; Kuyper,
Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 280-327; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie,
p. 32-50; Hodge, Syst., Theol. III, p. 844- 880; Shedd, Dogm. Theol., p. 659-754; ibid.,
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Schilder, Wat is de Hemel; Vos, The Pauline Eschatology, p. 261-316; Kliefoth,
Eschatologie, p. 275-351.