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REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE ψ psicópio © PSICÓPIO Editor Susana Alamy Ano 1 - Volume 1 - Número 1 - Janeiro a Junho-2005 Edição Semestral - Distribuição Gratuita

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Psicologia Hospitalar Revista Virtual

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REVISTA VIRTUAL DEPSICOLOGIA HOSPITALAR

E DA SAÚDE

ψpsicópio

©

PSICÓPIO

EditorSusana Alamy

Ano 1 - Volume 1 - Número 1 - Janeiro a Junho-2005Edição Semestral - Distribuição Gratuita

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Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. i

PSICÓPIO – REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE Revista Semestral – Distribuição Gratuita

Ano I, Volume 1, Número 1, Janeiro a Junho-2005 Editor: Susana Alamy Idealização e Realização; Capa , Editoração, Diagramação e Arte Final: Susana Alamy Revisão: Glenda Rose Gonçalves-Chaves WebMaster: Carlos Alexandre de Melo Pantaleão Conselho Editorial: Susana Alamy – psicoterapêuta, psicóloga clínica e hospitalar, professora de psicologia hospitalar e supervisora de estágios. CRPMG 6956 Elisângela Lins – psicoterapêuta, psicóloga clínica e hospitalar, professora de psicologia do CESUR – Centro de Ensino Superior de Rondonópolis. CRPMT 1281-2 Direitos Autorais Os direitos autorais dos artigos publicados pertencem ao Editor de Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Susana Alamy. Copyright © Susana Alamy. Todos os direitos reservados. Esta revista é protegida por leis de Direitos Autorais (copyright) e Tratados Internacionais. É permitida a sua duplicação ou a reprodução deste volume, em qualquer meio de comunicação, eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia ou impresso, desde que integralmente. A reprodução parcial poderá ser feita somente mediante a autorização expressa dos autores dos artigos e do editor da revista. Para citação da revista na bibliografia: ALAMY, Susana (Ed.). Psicópio – Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.1, v.1, n.1, jan.-jul. 2005. Disponível em: <http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio>. Acesso em: (dia em números) (mês abreviado em letras minúsculas) (ano). Para citação de artigos da revista na bibliografia - modelo: (Sobrenome do autor em letras maiúsculas), (nome do autor com a 1ª. letra maiúscula e as demais minúsculas). (Nome do artigo em letras comuns). Psicópio – Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.1, v.1, n.1, jan.-jul. 2005. Disponível em: <http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio>. Acesso em: (dia em números) (mês abreviado em letras minúsculas) (ano). Fale com o Editor E-mail: [email protected] ou [email protected] Correios: Av. Prudente de Morais, 290 sl. 810 Bairro Cidade Jardim 30380-000 Belo Horizonte / MG Telefone: (31) 9141-9106

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Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. ii

PSICÓPIO – REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE Revista Semestral – Distribuição Gratuita

Ano I, Volume 1, Número 1, Janeiro a Junho-2005

SUMÁRIO Editorial .............................................................................................................................................. iii Nota Introdutória ................................................................................................................................. iv História do Psicópio ............................................................................................................................. v O sujeito, o desamparo e o analista ....................................................................................................... 06 Lucinda Moreira dos Santos Mendonça (Belo Horizonte/MG) Reflexões sobre a dor do paciente infantil oncológico’ ............................................................................ 10 Lauren Beltrão Gomes (Florianópolis/SC) Diferenças entre o atendimento psicológico em meio hospitalar e em consultório ..................................... 14 Vanina Ribeiro (Angola/África) A prática hospitalar – como é a atuação do psicólogo? ........................................................................... 17 Susana Alamy (Belo Horizonte/MG) Uma experiência malograda de atendimento infantil .............................................................................. 18 Priscila Said Saleme (Belo Horizonte/MG) Sentir na pele ....................................................................................................................................... 22 Michele Costa e Silva (São Paulo/SP) A importância da psicologia para a humanização hospitalar .................................................................... 25 Leida Mirian Hercolano Pinheiro (Cachoeiro do Itapemirim/ES) Psicólogo hospitalar: um espelho de reflexão ......................................................................................... 36 Andréia Santiago Sobreira Santos (Cuiabá/MT) Estudo de caso Acompanhamento da mãe de um paciente de dois anos de idade com diagnóstico de asma ....................... 37 Andréia Santiago Sobreira Santos (Cuiabá/MT) Depoimento de paciente Lugar de igualdade .............................................................................................................................. 39 Gabriela Lima (Belo Horizonte/MG) Modelo de anamnese / protocolo Protocolo – doenças respiratórias / anamnese infantil .............................................................................. 40 Susana Alamy (Belo Horizonte/MG) Links – Bibliotecas virtuais .................................................................................................................. 44 Eventos ............................................................................................................................................... 45 Normas para envio de artigos ................................................................................................................ 46

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Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. iii

EDITORIAL Pretendemos com este espaço ampliar o diálogo entre professores e alunos, profissionais e leigos, no âmbito da psicologia hospitalar e da saúde. Temos a pretensão de alcançar um número significativo de contribuições através das produções científicas e dos relatos pessoais de pacientes e familiares, pois objetivamos que também seja um lugar de incentivo à escrita. Constitui-se nossa base editorial a comunicação ética e moral, hoje tão disvirtuada em sua condução, e o respeito às opiniões, mesmo que divergentes das nossas. Sejam bem-vindos!!!

Susana Alamy Verão 2005

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NOTA INTRODUTÓRIA Falar de psicologia hospitalar remete-me originariamente a pacientes e familiares e por isso não posso abster-me de citar Tolstoi, in: Ana Karenina1:

“Todas as famílias felizes se parecem entre si;

as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.” E é dentro desse contexto que se posicionarão os psicólogos hospitalares, quando essa maneira própria de cada um lidar com o adoecimento e a internação hospitalar se interpuser à sua felicidade, sem caber ao psicólogo julgamentos de valores e escalas de gravidade da doença. Ao paciente cabe a avaliação do seu sofrimento e da significação da sua patologia e como os sentem merece o respeito e a solidariedade de todos. Entendo que a psicologia hospitalar vem funcionar como um catalizador do paciente consigo mesmo, no contexto específico do adoecimento, quando permite que o paciente e seus familiares encontrem uma maneira satisfatória de continuar a vida, mesmo diante do enfrentamento de percalços e encausos tão exaustivamente sofridos. Traz sua contribuição também aos profissionais de saúde, vializando o espaço das emoções tão condicionadamente racionalizadas, permitindo assim um atuar mais autêntico e menos estressante. A razão de existir da Psicologia Hospitalar? Podemos responder simploriamente com Léo Buscaglia, in: A História de Uma Folha2:

“- Uma razão para existir – respondeu Daniel. – Tornar as coisas mais

agradáveis para os outros é uma razão para existir.” (...)

E não me tomem tão simplista, pois é imperioso o estudo da psicopatologia, da sociologia, da antropologia e de tantas outras ciências, para que nos situemos e tenhamos o cabedal necessário e indispensável para o “pleno” exercício da nossa profissão, pois

“- Tudo depende da habilidade e da prudência com que se fazem as coisas...” (Tolstoi, p. 84).

O Editor

1 Tolstoi, Leão. Ana Karenina, p. 13. Obra Completa. José Aguilar, Rio de Janeiro, 1961. 2 Buscaglia, Léo. A História de Uma Folha. Record, Rio de Janeiro – São Paulo, 2003.

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Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. v

HISTÓRIA DO PSICÓPIO Psicópio é o nome da presente revista que vem, na realidade, mais uma vez, representar, por meio de um símbolo (e também de um significante), o que Susana Alamy buscou ao pensar no significado da psicologia hospitalar, constituindo em um logotipo que acompanha seus trabalhos e, agora, dá nome também a esta revista, cujo objetivo é difundir conhecimento e experiências profissionais no âmbito da psicologia hospitalar e da saúde.

E por detrás deste símbolo está um uma história que demonstra a fusão de significantes, num almálgama

que é capaz de espelhar o símbolo e fazer ressaltar o significado. O símbolo primeiramente foi criado por Susana Alamy e da inspiração de Maria Beatriz Machado Alamy1 surgiu o nome, proveniente da letra grega psi (ψ), que representa a psicologia e do estestocópio (aparelho com o qual se faz a ausculta dos pulmões, corações), símbolo vinculado à medicina. Essa junção conduziu a pensar justamente em psicologia, medicina, pacientes, doença, saúde, comportamentos e sentimentos, levando pois a esta unidade que representa a psicologia hospitalar. Afinal: psi mais (estetos)cópio:Psicópio. Instrumento do psicólogo capaz de ascultar a alma. Dessa maneira, é que o Psicópio, a partir do seu nascimento, já se figura como um logotipo capaz de exprimir a grandeza desse trabalho, que vem sendo executado ao longo de anos, com a mesma dedicação e afinco. Hoje , o mesmo torna-se nome também desta revista e, no esteio de sua trajetória, já se pode vislumbrar um caminho aberto para debates e crescimento profissional.

Glenda Rose Gonçalves-Chaves E-mail: [email protected]

1 Bacharel em Letras Clássicas, musicista e folclorista.

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O SUJEITO, O DESAMPARO E O ANALISTA* Lucinda Moreira dos Santos Mendonça**

A LAGOSTA

Não somos diferentes de um crustáceo particularmente duro. A lagosta cresce formando e largando uma série de cascas duras, protetoras. Cada vez que ela se expande, de dentro para fora, a casca confinante tem de ser mudada. A lagosta fica exposta e vulnerável até que, com o tempo, um novo revestimento vem substituir o antigo.

A cada passagem de um estágio de crescimento humano para outro, também temos de mudar uma estrutura de proteção. Ficamos expostos e vulneráveis, mas também efervescentes e embriônicos novamente, capazes de nos estendermos de modo antes ignorado.

Essas mudanças de pele podem durar vários anos; entretanto, se sairmos, de cada uma dessas passagens, entramos num período mais prolongado e mais estável, no qual podemos esperar relativa tranqüilidade e uma sensação de reconquista de equilíbrio.

Fonte: Passagens de Gail Sheehy Contribuição: Cecília Caram

INTRODUÇÃO

A internação hospitalar pode levar o sujeito a

deparar-se com angústias que antes não eram percebidas e ele se vê incapacitado de administrá-las. Este encontro com algo que o machuca, que o faz sofrer, é na verdade uma conseqüência do desamparo radical, ou seja, é algo que vem com o sujeito desde o seu nascimento, mas que só se dá conta dele quando algo lhe falta. O desamparo trás consigo vários sentimentos como os de: solidão, invalidez, raiva, tristeza etc. e com isso o paciente se vê necessitado do acolhimento e da ajuda do outro.

É comum que estes sentimentos apareçam após uma reflexão sobre vivências passadas, ainda não cicatrizadas ou não re-experimentadas. E é com o aparecimento destes que a necessidade de um acompanhamento profissional do paciente, e, muitas vezes também do seu acompanhante, torna-se de extrema importância.

É preciso que o paciente seja escutado, pois, normalmente, este é calado e quieto e, muitas vezes, a equipe que o atende não percebe o seu sofrimento e o vê como um ótimo paciente, pois não reclama das intervenções a submeter-se, dos exames que tem que fazer, enfim, não interroga sobre seu cotidiano no hospital ou até mesmo sobre sua doença. Mas para que fazer estas interrogações, se, na verdade, o que ele realmente precisa falar, ou

melhor, ser escutado e se escutar, é sobre algo relacionado a sua vida antes de sua hospitalização. E de novo ele se sente desamparado, pois não há quem lhe dê ouvidos, quem o repare, dando-lhe, assim, amparo.

A pessoa internada ou o seu acompanhante não é apenas um número de leito, uma doença (um CID) ou um mau prognóstico, é ser humano que deve ser escutado e amparado, ou seja, que necessita da intervenção de um terceiro.

O analista pode e deve colocar-se no lugar deste Outro. Ele será capaz de escutar e, principalmente, de fazer com que o sujeito se escute e consiga refletir sobre seu desamparo radical, e, a partir daí, fortalecer-se para enfrentar seus problemas e suas angústias, dando-lhes reais significados. Aprendendo assim sobre si mesmo e conseguindo lidar melhor com situações que podem lhe causar angústias.

O DESAMPARO RADICAL NA CONSTITUIÇÃO DO SER HUMANO

O sujeito, ao nascer, necessita do amparo do

outro, ele precisa que o outro cuide dele e quando isto não ocorre, não há como sobreviver. Por isso, pode-se dizer que o indivíduo é um ser faltante. O desamparo radical faz com que o sujeito busque incessantemente sua satisfação. Através desta busca, o sujeito conquistará pequenas satisfações que o constituirá como tal.

Inic ialmente o objeto de satisfação do sujeito é oferecido pelo Outro, que interpretará, a seu modo, os sinais que o sujeito enviar-lhe. Será através deste terceiro que o sujeito começará a tornar-se humano, reconhecendo suas necessidades, seus desejos e suas demandas, deixando de ser objeto de satisfação do outro.

“... A incapacidade em que a criança se encontra de

satisfazer por si mesma a essas exigências orgânicas requer e justifica a presença de um outro. Como se dá esse cuidado da criança pelo outro? Uma primeira coisa que se deve observar é que essas manifestações corporais tomam imediatamente valor de signos para esse outro, uma vez que é ele que alivia e decide compreender que a criança está em estado de necessidade. Dito de outra forma, estas manifestações corporais só fazem sentido na medida em que o outro lhes atribui um sentido... não existe nenhuma intencionalidade da criança no sentido de mobilizar o estado de seu corpo em manifestações que teriam valor

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de mensagem destinada ao outro...”.1

Esta incompletude do homem é que faz com que ele busque, sempre, objetos que possam realizar seus desejos. Mas, sabe-se que esta realização é impossível de ocorrer, pois, não há objetos reais que o satisfaça. Portanto, a primeira experiência de satisfação do sujeito, nunca mais será alcançada ou repetida.

“... É graças à primeira associação produzida no

psiquismo que o reinvestimento da imagem mnésica pela moção pulsional torna-se possível. O reinvestimento de uma tal imagem é um processo dinâmico, visto que, por outro lado, pode antecipar a satisfação de um modo alucinatório. Assim também, a essência do desejo deve ser procurada neste dinamismo. Ele tem por modelo a primeira experiência de satisfação e, para além desta experiência, permite orientar dinamicamente o sujeito na busca de um objeto suscetível de proporcionar esta satisfação”.2

Sabe-se que o objeto do desejo, ou objeto a,

segundo Lacan, é eternamente faltante, sendo este suscetível de ser preenchido por qualquer outro objeto durante a existência do sujeito. Por isso, os objetos a serem alcançados variam durante toda a vida e cada pessoa procurará um objeto diferente do da outra, o que prova a particularidade de cada um.

Sabe-se que estes objetos não permitem a satisfação plena, pois são objetos da pulsão, mas eles já permitem uma pequena satisfação, fazendo com que o sujeito se contente com este pouco para garantir a sua sobrevivência. Não quer dizer que, ao se contentar com isto, o sujeito pare de procurar outros objetos, pelo contrário, ele inic iará mais uma busca, novamente.

A falta em que o homem está inserido é a grande responsável pela inserção deste na linguagem. Esta aparecerá quando o outro já não for mais capaz de nomear as necessidades, as demandas e os desejos do sujeito. Mas, mesmo com a introdução da linguagem o sujeito não conseguirá nomear precisamente seus desejos e, por causa dessa falha da linguagem, o sujeito continuará sendo um ser da falta.

“O surgimento do desejo fica, pois, suspenso à

busca, ao re-encontro da primeira experiência de gozo. Mas já a partir da segunda experiência de satisfação, a criança, é tomada no assujeitamento do sentido, é intimidada a demandar para fazer ouvir seu desejo. É, portanto, conduzida a tentar significar o que deseja”.3

1 DOR, 1992. cap. 20, p.144. 2 DOR, 1992. cap. 20, p.141. 3 DOR, 1992. cap. 20, p. 146.

O desamparo radical está presente durante toda

a vida do sujeito, mas pelo fato de este estar sempre procurando objetos que o satisfaça e de contentar-se quando há uma pequena satisfação, faz com que o indivíduo trabalhe bem com suas faltas. Mas, quando o sujeito vive alguma experiência que o coloca em estado de choque, como por exemplo, a perda de um amor ou a perda da saúde, a presença do desamparo é sentida na forma de angústia, com a qual ele, provavelmente, não conseguirá lidar, e, mais uma vez ele se vê necessitado do auxilio do Outro.

É, exatamente, neste momento em que o desamparo radical aparece, nesta forma tão visível, que a presença do analista se faz indispensável.

O PAPEL DO ANALISTA FRENTE AO DESAMPARO

Como já foi visto, quando o sujeito se vê frente

a alguma situação que o desagrade profundamente, necessariamente, ele precisará de um Outro que ele julga ser capaz de resolver esta situação. E por isso o analista é chamado, pois é visto como alguém que detém a resolução imediata para angústia vivida neste momento.

Quando o sujeito chega até ao analista, ele está atrás de um Outro que seja completo e, por causa disso, que seja capaz de lhe dar todas as respostas que procura, ou seja, que seja colocado no lugar do sujeito suposto saber. Inicialmente o analista deve aceitar este lugar para que ocorra a análise, pois é de extrema importância que o paciente esteja integrado com o seu tratamento e com o analista. A análise é uma construção que deve ser feita conjuntamente pelo paciente e pelo analista. O primeiro passo desta construção, é, exatamente, a transferência.

“‘No começo da psicanálise é a transferência’, nos

diz Lacan, e seu pivô é o sujeito suposto saber. O surgimento do sujeito sob transferência é o que dá sinal de entrada em análise, e esse sujeito é vinculado ao saber... A resolução de se buscar um analista está vinculada à hipótese de que há um saber em jogo no sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se desvencilhar”.4

O analista deve ter o enorme cuidado de não

tomar para si esta posição de saber, pois ele nada sabe de seu paciente, e, ao colocar-se nesta posição, ele não deixará espaço para a falta, pois, estará respondendo às demandas do sujeito. 4 QUINET, 1991. cap. I, p. 30

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“Se o analista empresta sua pessoa para encarnar

esse sujeito suposto saber, ele não deve de maneira alguma identificar-se com essa posição de saber que é um erro, uma equivocação... Sua posição, muito mais do que a posição de saber, é uma posição de ignorância, não a simples ignorância, mas a ignorância douta. Esse é um termo de Nicolau di Cusa (século XV) que é definido como ‘um saber mais elevado e que consiste em conhecer seus limites’. A ignorância douta é um convite não apenas à prudência, mas também a humildade; um convite a se precaver contra o que seria a posição de um saber absoluto: contra a posição do analista de aceitar a imputação de saber que o analisante lhe faz. O saber é, no entanto, pressuposto à função do analista”.5

A demanda que o sujeito traz para a análise não

deve ser pega exatamente como ele a coloca. O analista tem o dever de questioná-la para descobrir o que está por detrás dela. Inicialmente o sujeito quer desvencilhar-se do seu sintoma, mas, o coloca como algo externo a si mesmo e só com o tempo é que este conseguirá ver que ele é o próprio causador de seu sintoma. E isto só ocorrerá quando o sujeito perceber que o analista não detém todo o saber e que quem o detém é ele mesmo.

A frustração é algo que deve estar presente na análise, pois, será através dela que o sujeito começará a lidar com o não ao seu gozo, e assim passar a conviver com as faltas, suas e dos outros, de uma melhor maneira.

Frente ao desamparo radical, o analista deve ser capaz de acolher o sujeito, com toda a sua angústia e fazer com que este consiga falar livremente sobre aquilo que o incomoda, permitindo que o sujeito elabore seu sofrimento, mas que, mesmo sabendo trabalhar com aquele sofrimento, ele continuará sendo um ser da falta. O DESAMPARO, O ANALISTA E O PACIENTE NO HOSPITAL...

No hospital, a questão do desamparo radical

está muito presente, pois é um lugar onde o sujeito se vê freqüentemente em situações que o “colocam em xeque”. É um lugar em que o sofrimento é iminente e a angústia aparece a todo instante. A presença do analista no hospital é de extrema importância por causa deste caráter de sofrimento que o hospital por si causa.

No hospital, o sujeito se volta totalmente para si e esta retração pode levá-lo a re-experimentar vivências que lhe causem um certo incômodo, pois o colocará frente a sua falta, frente ao desamparo

5 QUINET, 1991. cap. I, p. 31

radical. Durante a minha experiência no Hospital da

Baleia tive a oportunidade de presenciar este sofrimento em uma mãe que acompanhava seu filho de dois anos e que estava com câncer generalizado. Ela estava no hospital há mais ou menos um mês, e seu filho tinha um prognóstico muito sombrio.

Atendi-a algumas vezes e ela sempre se mostrou aberta aos atendimentos, mas, normalmente, estes giravam em torno da doença e do prognóstico de seu filho.

Atendimento feito no dia 02/09/2002 - Estava atendendo a uma outra paciente, quando

pr. se aproximou e disse que queria muito conversar comigo. Disse-lhe que, assim que acabasse aquele atendimento, eu iria atendê-la.

- Terminei o atendimento e logo depois me aproximei do leito do filho de pr. e antes mesmo de perguntar-lhe algo ela me disse:

- Ontem briguei por sua causa lá na oncologia. - Então lhe perguntei por quê? E ela me

respondeu: - Estava com o meu filho lá na quimioterapia e

tinha uma outra mãe também, então, chegou uma estagiária da psicologia oferecendo atendimento para esta mãe e ela não aceitou e falou que psicólogo só quer saber da vida da gente e que por isso não presta. Então eu lhe falei que não era nada disso, que eles não queriam saber da nossa vida, mas sim nos ajudar a resolver os nossos problemas.

Antes mesmo de eu falar qualquer coisa pr. me perguntou: - Lu (era assim que ela me chamava) você vem

aqui para escutar só os problemas relacionados ao hospital ou eu posso lhe contar outros problemas que eu estou passando?

Disse-lhe que eu estava ali para escutar aquilo que ela quisesse me falar. Então ela começou: - Lu, estou pensando em me separar do meu

marido. Ele não ajuda em nada com o nosso filho. Não quer saber de pagar as contas lá de casa e eu estou pensando em me separar dele, o que você acha?

- Como é a relação de vocês? - Ela é boa, mas eu não sei se gosto dele, aliás, eu

sei que eu gosto, mas não sei se eu amo. Aliás, eu acho que eu...

- Você acha que você... - Eu acho que eu não sei amar (alguns segundos

de silêncio). Lá em casa eu não aprendi isso. Fui abandonada pelo meu pai quando eu era muito nova, e, por causa disso, minha mãe teve que ficar muito tempo ausente trabalhando para nos

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sustentar, então eu não aprendi o que é amar. Eu amo minha mãe e meus irmãos, mas eu não faço nada para estar com eles, para conviver com eles. Para mim tanto faz se eu os encontro ou não. E foi assim também com o meu primeiro marido, eu não o amava, e não fiz nada para que o nosso relacionamento desse certo. E, para falar a verdade, eu não sei nem se eu deixo...

- Você não sabe se você deixa... - Na verdade, eu acho que eu não deixo ninguém

me amar, eu não sei deixar as pessoas me amarem. Sabe Lu, eu tenho medo de começar a amar alguém e depois ser abandonada de novo e por isso eu acabo não deixando ninguém me amar também, pois, assim, eu não sentirei que estou abandonando-as, quando deixá-las... Eu estou pensando numa coisa: eu acho que, muitas vezes, sou eu quem abandono as pessoas e não elas que me abandonam. Nossa, como eu falei hoje... você me fez pensar muita coisa.

- Já que você pensou muita coisa, eu vou deixar você pensando mais um pouco e volto aqui quarta-feira. Tudo bem?

- Tudo. Eu realmente tenho muita coisa para pensar e tomar alguma atitude. Até quarta então!

Após este atendimento, seu filho teve alta.

Encontrei-a um dia, no estacionamento do hospital, e disse-lhe que estaria a sua disposição para atendê-la, para isso bastava me procurar. Ela não me procurou.

Depois de um mês da alta o paciente teve que retornar ao hospital para tomar alguns medicamentos e pr. veio acompanhando-o. Aproximei-me dela e ela mostrou-se receptiva, mas, quando perguntei como estava, ela disse-me que não era para eu ficar brava, mas não queria mais ser atendida. Disse que não estava preparada para se conhecer melhor e que, se ela voltasse outra vez, então ela me chamaria.

A falta na vida dessa paciente é algo constante e visível, o ser abandonada e o abandonar está sempre cercando-a, assim, com a apresentação desta entrevista tive como objetivo mostrar o desamparo radical desta acompanhante frente à situação de internação de seu filho, que fez com que ela refletisse sobre si mesma e sobre esse sofrimento que carrega desde sua infância. CONCLUSÃO

Com a realização deste trabalho tive a

oportunidade de aprofundar meus conhecimentos sobre a psicanálise e fazer uma junção desta com a minha prática no hospital.

Esta experiência foi muito rica, pois foi a minha primeira oportunidade de escrever sobre a psicanálise, conseguindo condensar a teoria e a prática no hospital.

Conheci novos conceitos e aperfeiçoei-me em outros. Consegui alia r uma entrevista com o conceito de desamparo radical, que não conhecia e tive o maior prazer em estudá-lo, pois o ser humano só consegue constituir-se como tal sob a presença deste.

Através deste trabalho cheguei a conclusão que o ser humano é um ser da falta e que esta, muitas vezes, não é percebida por ele, mas quando há algo que o coloque frente ao desamparo radical, além de o sujeito sentir-se angustiado, ele não consegue lidar com isso, e, necessariamente, precisará do auxílio de uma outra pessoa, de preferência um profissional da área psi.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CARAM, Cecília Andrés. Caderno de Contos.

Belo Horizonte: projeto convivendo com arte. 2. DOR, Joel. Introdução à leitura de Lacan. 3.ed.

Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. 203p. 3. FRANÇA, Júnia Lessa. Manual para

normalização de publicações técnico-ciêntificas. 5.ed. Belo Horizonte: UFMG, 2001. 211p.

4. FREUD, Sigmund. Publicações pré-

psicanalíticas e esboços indtitos. 2.ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. 441p.

5. QUINET, Antônio. As 4+1 Condições da

Análise. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. 125p.

6. TENDLARZ, Silvia Elena. De que sofrem as

crianças? Rio de Janeiro: Sete Letras, 1997. _________________________________________ * Trabalho apresentado no curso “A Intervenção Psicanalítica no Hospital Geral” como requisito para a finalização deste. Orientadora: Maria Helena Libório B. Melo. ** Estagiária de Psicologia no Hospital da Baleia, Fundação Benjamim Guimarães – Belo Horizonte/MG, 2002. E-mail: [email protected]

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REFLEXÕES SOBRE A DOR DO PACIENTE INFANTIL ONCOLÓGICO* Lauren Beltrão Gomes**

Inerente à condição humana, a dor vem

acompanhando todo o existir do homem. Tradicionalmente, foi apenas considerada em sua dimensão sensorial sendo os aspectos psicológicos estudados apenas no século XX.

Em 1979, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) propôs uma conceituação para dor que é usada até os dias de hoje:

A dor é uma experiência desagradável, sensitiva e emocional, associada com lesão real ou potencial dos tecidos ou descrita em termos dessa lesão. (MERSKEY, apud LOBATO, 1992, p.165)

Mesmo que a dor esteja ancorada em uma

experiência sensorial real, a percepção desta sensação e a forma de expressão da dor variam conforme a cultura e conforme a personalidade do indivíduo. Sendo assim, possui um caráter subjetivo.

Os fatores emocionais podem aumentar ou diminuir a experiência da dor. O medo, por exemplo, causa uma contração, tanto física quanto psíquica, que aumenta a sensação dolorosa. O sentir-se abandonado, isolado, ou não compreendido, também são fatores que aguçam a dor. Quando a dor se torna intolerável, desorganiza o aparelho psíquico, afetando a capacidade de desejar e atividade do pensamento.

A dor é entendida como uma sensação de causas múltiplas, o que dificulta a precisão de sua origem. Segundo GUIMARÃES (1999), a dor possui determinadas características que contribuem para a sua particularidade: a localização, a qualidade, a intensidade, a freqüência, a natureza orgânica ou psicogênica (associada ao funcionamento ou momento psicológico da pessoa), etiologia e duração. Não existem medidas objetivas para mensurar a dor, que nos afirmem que uma dor deva doer mais do que a outra e não há relação direta entre o tamanho da lesão e a intensidade da dor.

A função da dor no organismo é a de alertá-lo sobre algo que está sendo danoso a ele. Assim, a dor cumpre a função protetora sendo essencial para a sobrevivência. Sem ela, o ser humano não tomaria conhecimento dos processos patológicos aos quais o organismo está suscetível. No entanto, algumas dores são persistentes, tornando-se crônicas. Assim, a dor torna-se a própria patologia, um problema a resolver.

As dores podem ser classificadas e categorizadas. A classificação mais amplamente usada é a que utiliza a duração da dor como referencial. Segundo GUIMARÃES (1999), essa classificação considera a dor ao longo de um continuum de duração e inclui dor aguda, crônica e recorrente. A aguda tem duração relativamente curta, de minutos a algumas semanas e decorre de lesões teciduais, processos inflamatórios ou moléstias. A dor crônica tem uma longa duração, podendo estender-se por meses ou anos. Geralmente é acompanhada de alguma doença ou está assoc iada a alguma lesão já tratada. A dor recorrente tem características dos dois tipos citados anteriormente. É aguda, por ocorrer em episódios de curta duração, mas também é crônica, pois se repete ao longo de muito tempo.

Ao se pensar no que a dor expressa, SZASZ (apud LOBATO, 1992) coloca que a simbolização da dor se dá em três níveis:

No primeiro ela constitui um sinal registrado pelo ego de que se acha em curso uma ameaça à integridade estrutural ou funcional do organismo. Num segundo nível, ao verificar-se que a experiência pode ser repartida, isto é, comunicada a outra pessoa, faz da dor um meio básico de pedir ajuda. Num terceiro e último plano, a dor não mais denota uma referencia ao corpo, mas pode, isso sim, expressar queixa, ataque, aviso de perda iminente do objeto. Neste último nível de simbolização, a dor pode ser ‘utilizada’ como forma de manipular os outros, ganhar o controle sobre eles, ou então, já um outro plano, como forma de aliviar a culpa por alguma falta real ou imaginária cometida anteriormente. (Lobato, 1992, p.166)

A criança passa por experiências dolorosas

desde o nascimento. Suas vivências, bem como a observação de pessoas em seu cotidiano, fazem com que ela aprenda a julgar a intensidade da sensação dolorosa. Assim, a percepção da dor pela criança envolve aprendizagem e discriminação e depende do seu nível de desenvolvimento. Além disso, o estado emocional da criança constitui-se um relevante influenciador quanto à percepção da dor (GUIMARÃES, 1999).

MCGRAFTH (apud GUIMARÃES, 1999) relata que o recém nascido chora e movimenta-se bastante ao sentir dor. Aos dez meses, a criança, além de movimentar-se intensamente, passa a tocar no local dolorido e procura o acolhimento materno.

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De dois a seis anos, as crianças definem a dor em termos perceptivos, pois já percebem o mundo de forma concreta, embora dificilmente relacione a dor com sua possível enfermidade. Com quatro anos, busca fugir e evitar situações dolorosas e já possui a capacidade de verbalizar a rejeição pelas mesmas. É na faixa etária dos sete aos nove que a necessidade de alguns procedimentos dolorosos começa a ser compreendida, quando o conceito de dor pode ser entendido conforme seu estado emocional. O entendimento relacionado aos mecanismos fisiológicos da dor e da patologia só inic ia-se na adolescência.

Alguns autores propõem a inclusão da dor do câncer como uma categoria diferente na classificação das dores com vista às especificidades desta doença. Dentre as dores advindas da neoplasia encontram-se a dor da punção lombar, da punção venosa, do mielograma, do desconforto durante e depois da quimioterapia, de ficar sem cabelos ou longe de casa e da família. LORDELLO (1999) fala da origem da dor no câncer:

??Dor associada ao tumor, provocada por compressão nervosa, infiltração ou metástase;

??Dor decorrente dos procedimentos terapêuticos antineoplásicos, como quimioterapia ou radioterapia e dor pós-cirurgia;

??Dores não relacionadas ao câncer ou à terapia anticâncer, mas coincidentes com a patologia, como dor de cabeça ou ferimentos.

Sobre as especificidades do câncer infantil, TORRES (1999) comenta:

O câncer pediátrico requer um tratamento prolongado no tempo, que exige a utilização de procedimentos médicos altamente aversivos, os quais, em muitos casos, provocam sensações dolorosas mais perturbadoras do que a própria doença. Portanto, ao se falar de dor em oncologia pediátrica, é necessário distinguir entre a dor ocasionada pela enfermidade - originária da invasão do tumor - e aquela gerada pelo diagnóstico e tratamento - dor pós-cirúrgica, dor posterior à radioterapia, etc. (p.132).

Ao que se refere a dor advinda da doença, sabe-

se que a invasão direta da medula óssea pelo tumor, por depósitos metastáticos ou por células leucêmicas é a causa mais comum de dor em crianças com câncer. Da mesma forma, alguns tumores podem ser inicialmente indolores, passando a doer com a progressão da doença.

É importante ressaltar, todavia, que, diante da dor e de eventos estressantes, é bastante comum a regressão a níveis de desenvolvimento anteriores, fazendo com que a criança utilize mecanismos de defesa que possam auxiliá -la a controlar a

ansiedade e a lidar com a dor. Este processo acontece freqüentemente com crianças portadoras de doenças crônicas como é o caso do câncer, que precisam submeter-se sistematicamente a procedimentos terapêuticos invasivos e dolorosos. Segundo GUIMARÃES (1999),

...uma sessão de coleta de sangue para exames, por exemplo, provoca dor aguda de curta duração e tem pouca probabilidade de se tornar um evento estressor. Mas este mesmo procedimento repetido diariamente ou mais de uma vez ao dia, sem treino especial, pode se tornar muito traumático e estressante para a criança. (p.252).

Segundo MCGRAFTH (apud GUIMARÃES,

1999), durante procedimentos médicos desagradáveis como a aspirações de medula óssea, o receio do que está ocorrendo, gerado pelo fato de não se ter controle algum sobre a situação, pode exacerbar a percepção da dor. Utilizando os recursos lúdicos, a preparação psicológica para essas ocasiões procura desmistificar as fantasias dos pacientes acerca dos procedimentos, garantindo-lhes, além de conforto e segurança, um certo controle da situação que os possibilita assumirem uma postura mais ativa frente à dor lidando com ela de forma menos traumática.

A utilização adequada da orientação antecipatória tem como efeitos principais reduzir a insegurança e a ansiedade derivadas do medo do desconhecido e facilitar a ativação de mecanismos adaptativos da personalidade. Compreender a criança para obter sua colaboração nos procedimentos é fundamental. Para tanto, é preciso que se mostre à criança, utilizando uma linguagem que seja entendida por ela, o que vai de fato acontecer respeitando-a e entendendo seus sentimentos.

Portanto, faz-se importante que em todo processo de tratamento, a Psicologia possa atuar no sentido de acolher os sentimentos da criança que sente dor, respeitando-a em sua fase de desenvolvimento. Visto isso, percebe-se a relevância em se preparar o paciente infantil diante dos procedimentos dolorosos aos quais será submetido.

A familiaridade com a situação potencialmente dolorosa pela compreensão do procedimento, previsão dos acontecimentos e relativo controle da situação são facilitadores que reduzem a ansiedade com que a criança antecipa a experiência e minimiza sua percepção de dor. (GUIMARÃES, 1999, p.256).

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É importante que os familiares estejam suficientemente preparados para enfrentar a dor do filho. Os sentimentos demonstrados por eles em relação à doença e ao tratamento são sentidos pela criança e exercerão grande influência na maneira como ela vai lidar com a realidade da sua doença.

Segundo BERGMANN e ANNA FREUD (1978), havia uma crença de que não se devia falar às crianças dos procedimentos dolorosos ou cirúrgicos a que seriam submetidas, pois isto iria excitar suas expectativas receosas, assim como também não falar depois de acontecido para que a criança esquecesse mais facilmente.

Entretanto, hoje se sabe que este tipo de atitude pode ser profundamente prejudicial e traumático para o desenvolvimento da criança, pois esta não tem ainda bem estabelecidos os limites entre realidade/fantasia e os seus medos arcaicos e suas ansiedades primitivas juntam-se com os perigos reais e ocultam os verdadeiros fatos, onde os procedimentos são vistos como ataques, castigos e ameaça de castração.

É natural e até mesmo esperado a vivência conflituosa desta situação vivida pela criança. Mas tal conflito pode ser amenizado por informações dadas dentro de um ambiente que permita o continente de todas as ansiedades e medos decorrentes da dor/tratamento. A criança sente-se reconfortada, segura, menos confusa e mais saudável enquanto vivência do seu desenvolvimento emocional e cognitivo quando lhe é fornecido um quadro de realidade dos acontecimentos que vive, tão honesto e completo conforme ela possa compreender. Suas fantasias, ansiedades e medos não são negados, mas sim acolhidos e aproximados da realidade.

REDD (apud LORDELLO, 1999) coloca que, atualmente, o tratamento da dor do câncer tem sido feito segundo uma abordagem biopsicossocial, onde os programas desenvolvidos nos hospitais sugerem intervenções multifacetadas para o controle e manejo da dor. A Organização Mundial de Saúde tem estabelecido, como prioridade no atendimento a pacientes oncológicos, o alívio da dor. Os pacientes oncológicos devem ser tratados com fármacos analgésicos e orientação psicológica para o manejo adequado da dor, objetivando capacitar a criança e a família para entender o que está acontecendo e minimizar a dor.

A criança costuma ser vista pelo adulto com um ser frágil, que desperta comportamentos protetores e agressivos. Tentado fugir das próprias emoções, o adulto busca meios de diminuir ou de manter sob controle as manifestações emocionais intensas das crianças, por meio da minimização ou da negação

dos fatores e/ou dos efeitos desencadeantes da reação de forma a conduzí-la para o ideal adulto, principalmente o masculino: o de uma pessoa capaz de controlar os afetos e as manifestações dolorosas. Pode-se exemplificar esta conduta por afirmações tão corriqueiras do adulto frente às reclamações da criança como “não vai doer nada” ou “você já é um homenzinho, não pode ter medo”.

Tais dificuldades em lidar com as manifestações infantis da dor são sentidas pelos profissionais da área da saúde em geral. O cotidiano de tais profissionais é permeado pela preocupação com possíveis danos orgânicos secundários à sedação e analgesia e pela concepção de que as crianças não percebem nem registram os estímulos dolorosos na mesma intensidade que os adultos.

A experiência da dor, além de possuir caráter único, complexo e subjetivo é sempre expressa, comunicada. As dificuldades do adulto de interpretar sinais infantis são ampliadas se a fluência verbal da criança for muito pequena. O profissional de saúde se vê obrigado a deduzir a presença, a duração e a intensidade da dor na criança sendo pertinente aqui nos referirmos ao perigo da dessensibilização desses profissionais diante do sofrimento do paciente.

Entendendo dessa forma, a dor passa a ser assunto para diversos profissionais. Portanto, o atendimento a pacientes que sentem dor deve ser feito por uma equipe multiprofissional. Da mesma forma, inúmeras técnicas vêm sendo desenvolvidas para minimizar a dor, incluindo aqui não apenas recursos analgésicos. Assim,

...há dores de origem psicológica para as quais os medicamentos não surtem efeito; a dor pode tornar-se refratária a medicação, ou o organismo pode desenvolver tolerância e requerer doses gradualmente maiores e mais fortes de analgésicos agressivos como morfina ou codeína; o organismo pode apresentar reações clínicas adversas decorrentes de efeitos secundários da droga; ou a medicação pode ser ineficaz para aliviar certos tipos de dor como ‘dor fantasma’ em membros amputados. (GUIMARÃES, 1999, P.28).

Entretanto, cabe lembrar que grande parte dos

profissionais da saúde não está preparada para lidar com a dor de seus pacientes. Dessa forma, ocorrem avaliações inadequadas dos quadros de dor e de suas conseqüências. Pode-se subestimar o sofrimento das crianças, acreditar que a dor é necessária para elucidar alguns diagnósticos ou submedicar o paciente infantil com analgésicos, temendo viciá -lo. É assim que, inúmeras vezes, não há um controle satisfatório da dor.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERGMANN, T.; FREUD, A. A criança, a doença e o hospital. Lisboa – Portugal: Moraes, 1978. GUIMARÃES, S. S. Introdução ao Estudo da Dor. In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999. LOBATO, O. O problema da dor. In: MELLO FILHO, J. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. LORDELLO, S. R. M. O Profissional de Saúde e a Percepção do Câncer Infantil. In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999. TORRES, W. da C. A Criança diante da Morte: desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. LORDELLO, S. R. M. O Profissional de Saúde e a Percepção do Câncer Infantil. In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999. _________________________________________ * Parte do trabalho de conclusão de curso (estágio em psicologia clínica). Orientadora: Jadete Rodrigues Gonçalves ** Psicóloga. CRPSC 04747 E-mail: [email protected]

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DIFERENÇAS ENTRE O ATENDIMENTO PSICOLÓGICO EM MEIO HOSPITALAR E EM CONSULTÓRIO*

Vanina Ribeiro**

Nas duas situações, em meio hospitalar e em consultório, o psicólogo tem como objectivo escutar os sentimentos, as emoções, isto é, o estado interior do sujeito que está diante de si e que desta forma busca alívio para o seu sofrimento. O que as caracteriza, portanto, não é o seu objectivo, mas o objecto, ou seja, aquilo que as leva a actuar. Isto, partindo do reducionismo de que, em consultório não são abordadas, pelo menos, com frequência, as questões relativas ao processo de adoecer.

Desta forma, “a psicologia hospitalar intervém na forma do paciente conceber e vivenciar os problemas gerados pela patolo gia orgânica, pela hospitalização, pelos tratamentos e pela reabilitação.” (Alamy, p.15)

Poderemos, então, concluir que o que as diferencia é a forma como actuam, uma vez que agem em contextos diferenciados.

Assim, relativamente, as diferenças na actuação do psicólogo num contexto hospitalar e num contexto de consultório basear-nos-emos em três eixos, por nós definidos: o do sujeito, o do setting e o da iminência da morte. PRIMEIRO EIXO

Neste eixo, abordaremos aqueles que nos

parecem ser os principais aspectos que caracterizam os sujeitos e, desta forma, os assuntos abordados nos diferentes contextos.

No meio hospitalar estamos diante de um indivíduo que se encontra despojado do seu meio familiar, que tem que se adaptar a uma nova rotina diária que lhe é imposta (horário de refeições, de estar com os familiares...); que passa, muitas vezes, a ser um número de cama ou um indivíduo com tal órgão comprometido; e, ao qual não é dada alternativa face as intervenções a que é sujeito (até porque estas são, supostamente, para o seu bem). Estamos, deste modo, perante um sujeito que para além de ter que lidar com as alterações físicas da doença, também, tem que lidar com as que resultam da inserção num meio diferente e, em que a sua identidade pessoal parece ser anulada, ignorando-se os seus direitos e as suas necessidades.

Assim, o internamento provoca uma ruptura na trajectória do indivíduo (impede-o de trabalhar, de se divertir, tira-o do convívio familiar e dos amigos, isola-o) e, cabe ao psicólogo trabalhar as fantasias,

os medos, as dúvidas que daí emergem, bem como dar assistência aos familiares do paciente, que participam do seu adoecer e do seu restabelecimento. Uma vez que, as reacções psicológicas podem interferir directamente na recuperação do sujeito.

Em consultório, atendemos à compreensão dos conflitos (com o mundo, com os outros, consigo próprio) de cada sujeito, que de acordo com a escola psicanalítica resultam de traumas ocorridos ao longo do seu desenvolvimento. Não temos, deste modo, presentes, questões orgânicas e uma ameaça clara à continuidade da existência, tal como acontece na psicologia hospitalar. SEGUNDO EIXO

Faremos referência às diferenças existentes ao

nível do setting, entre as duas situações de atendimento psicológico.

Em consultório, temos um espaço físico constituído por uma sala estruturada de modo singular e neutro onde decorrerão as sessões entre o sujeito e o psicólogo. Há dias, horários, bem como um tempo de duração definidos, para as sessões. Não se prevendo, desta maneira, quaisquer interrupções. O tempo durante o qual durará o tratamento está dependente das situações em si, sendo definido pela resolução da problemática. E, outro aspecto a realçar é o facto de ser o sujeito a ir ao encontro do psicólogo. É ele que, de alguma forma, reconhece a sua necessidade e procura ajuda.

No hospital, o sujeito é encaminhado pelo médico e/ou é o psicólogo que se dirige às enfermarias e aborda os pacientes detectando, deste modo, aqueles que precisam de apoio psicológico. Assim, na grande maioria das vezes, o atendimento ocorre na enfermaria (por falta de um espaço mais privado), onde estão outros doentes (que com frequência se mostram curiosos), e onde as interrupções, pelos mais variados motivos, como por exemplo, por parte do pessoal de enfermagem, dos médicos e até dos familiares, são frequentes. “Outra particularidade decorrente da internação em enfermaria é que sempre há a presença de enfermeiros, auxiliares de enfermagem, faxineiras, visitas, médicos, fisioterapêutas e outros; sendo que alguns são discretos e não interferem no

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atendimento. No entanto, existe uma curiosidade a respeito do que o psicólogo faz e, muitas vezes, podemos perceber que funcionários, ou mesmo visitas, ficam rondando o leito do paciente que está sendo atendido, gerando constrangimento e fazendo-o se calar. Neste caso o que podemos fazer é pedir que se retirem ou esperar que terminem o trabalho que não pode ser deixado para depois ou que estão executando à nossa volta” (Alamy, p.62).

Não devemos esquecer a própria condição física do sujeito, por exemplo, pode estar com dores, sonolento devido à medicação, entubado, nas crianças, o soro pode estar colocado na mão direita e, sendo elas destras, não conseguem fazer desenhos, etc. São todos estes aspectos que vão ditar os dias, os horários e o tempo de duração de cada atendimento.

O processo de tratamento está, ainda, condicionado ao tempo de internamento. O que levanta em nós outro cuidado, o de fechar o assunto na respectiva sessão não deixando emergir angústia a ser trabalhada no próximo encontro. Ou seja, ao contrário do que acontece em consultório, aqui procuramos resolver na sessão o aspecto que está a ser abordado, pois não há certeza quanto ao tempo que teremos para “trabalhar” com o paciente as suas questões e, na maioria das vezes, não sabemos se o encontraremos no dia do nosso retorno (Alamy, 2003).

Também, em meio hospitalar, a nossa abordagem deverá ser mais diversificada, pois deparamo-nos com doentes diversificados, quanto às limitações que lhes são impostas pela doença. E, é importante fazermo-nos valer dos mais variados métodos (por exemplo, cartões com figuras), para comunicarmos com pacientes que estão impossibilitados de fazê-lo verbalmente. O conhecimento de técnicas de relaxamento, também ocupa um lugar particular, pois é, mais uma forma de ajudar-mos a minimizar o sofrimento do paciente. TERCEIRO EIXO

Neste último eixo, abordaremos a diferença nos

atendimentos, quanto à presença da morte. Em consultório, a questão da morte não é tão

iminente como o é em contexto hospitalar. “Toda a doença é uma ameaça à vida e, com isso, é um aceno para a morte, ou até um primeiro ou um último passo em direcção à morte” (Boss apud Campos, 1995, p.42). Sendo a morte “a mais certa de todas possibilidades do ser humano” (Boss apud Campos, 1995, p.42). “Nascemos com a certeza de que vamos morrer um dia, mas a morte é temida e

vista como um tabu, como algo que nem deve ser comentado” (Campos, p.64). Para além disso, também existe em nós o sentimentos de que ela só existe para os outros e nas outras famílias, sendo nós e a nossa família salvaguardados dessa realidade. Só com a morte do meu pai é que a morte passou a ser real para mim e tomei clara consciência da minha finitude e daqueles que amo. “Na morte, o que nos assusta, não é simplesmente a perda, mas a irreversibilidade de tal perda” (Alamy, p.153).

“No nosso inconsciente, a morte nunca é possível quando de trata de nós mesmo. É inconcebível para o inconsciente imaginar um fim real para a nossa vida na terra e, se a vida tiver um fim, este será sempre atribuído a uma intervenção maligna fora do nosso alcance. Portanto, a morte em si está ligada a um acontecimento medonho, a algo que em si clama por recompensa ou castigo” (Kübler-Ross, p.6).

Desta forma, acabamos, todos, por sentir necessidade de fugir a essa situação; até que, sem escolha, tenhamos que encará-la. Kübler-Ross (2002), considera que “deveríamos criar o hábito de pensar na morte e no morrer, de vez em quando, antes que tenhamos de nos defrontar com eles na vida.” (p.33) Pois, só encarando a morte com serenidade é que poderemos ajudar os nossos pacientes e os seus familiares a lidarem com esse facto. (Kübler-Ross, 2002)

“Aqueles que tiverem a força e o amor para ficar ao lado de um paciente moribundo, com o silêncio que vai além das palavra, saberão que tal momento não é assustador nem doloroso, mas um cessar em paz do funcionamento do corpo” (Kübler-Ross, p.282). Trata -se de um momento em que a nossa presença física, emocional e espiritual valem só por si (Kübler-Ross, 2002). CONCLUSÃO

“O psicólogo tem uma atuação dentro do

hospital, como um profissional da saúde, envolvendo o indivíduo e as áreas social e da saúde pública, buscando sempre o bem estar individual e social, utilizando também informações das áreas de Medicina, Enfermagem, Serviço Social, Nutrição e outras áreas afins” (Campos, p.14). Criando, deste modo, “condições para que o paciente consiga reflectir sobre o significado do seu adoecer” (Campos, p.60).

Como elemento integrante de uma equipa multidisciplinar, deve “intervir nas situações relacionadas à complexidade dos fatores psíquicos que emergem durante o processo de tratamento da

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doença e da internação hospitalar” (Alamy, p.19). Dando oportunidade para que o paciente expresse as suas emoções, quer através da palavra, da dramatização, do desenho ou da mímica (Alamy, 2003). Assim, torna-se indispensável “ouvir o apelo e sentir a angústia, para então poder responder com a ação adequada.” (Campos, p.61). E, deste modo, contribuir “efectivamente no processo de sua plena reintegração física, psicológica e socia .” (Campos, p.61).

Portanto, no meio hospitalar, o psicólogo, acaba por ter um papel muito mais activo, que vai, muitas vezes, além do apoio psicológico que é prestado em consultór io. Somos, muitas vezes um dos poucos que de entre o corpo clínico, olha para o sujeito como um todo, como uma “pessoa” e não como uma “doença”, que fazemos companhia e, que estamos humana e “espiritualmente” presentes. Pois, há momentos em que não só as palavras são importantes, mas sim a presença real e partic ipativa. A exemplo relatarei uma experiência com um paciente em fase terminal de sua doença, que estando dispenéico e com o corpo de enfermagem à sua volta, estendia a mão, procurando quem o confortasse naquele momento angustiante : - Dei-lhe a minha mão e assim ermanecemos por longo tempo. Muitas vezes me perguntou se já estava de saída. Só me retirei quando chegaram as filhas, que foram chamadas a seu pedido. Mais tarde regressei à enfermaria e verifiquei que o Sr. tinha recuperado da crise e se encontrava mais tranquilo. Também, foi dada assistência psicológica às filhas.

Desta forma, o psicólogo, contribui em grande medida para o processo de humanização do hospital e da saúde, permitindo que se veja o paciente como um todo, como uma unidade integrada, nos seus aspectos físico, psíquico e sócio-económico. Torna-se, assim, indispensável a “familiarização com os fundamentos da sociologia e da antropologia cultural, do uso e significado de estatísticas médicas e da investigação científica de problemas médicos. Deve entender o significado dos princípios e técnicas de administração aplicados à saúde, ao bem estar da comunidade, havendo necessidade de conhecer a patologia, inclusive” (Campos p.65).

Portanto, o psicólogo, atuando no hospital, busca a promoção, a prevenção, a recuperação do bem-estar do paciente, no seu todo, o que implica que os aspectos físicos e sociais são considerados em interação contínua na composição do psiquismo desse mesmo paciente (Campos, p.83).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alamy, S. (2003). Ensaios de Psicologia: a ausculta da alma. Ed. Autor: Belo Horizonte. Campos, T. C. P. (1995). Psicologia Hospitalar: a actuação do psicólogo em hospitais. EPU: São Paulo. Kübler-Ross, E. (2002). Sobre a Morte e o Morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiros, religiosos e aos seus próprios parentes. Martins Fontes: São Paulo. _________________________________________ * Este texto, resulta de um processo de reflexão, acerca das diferenças que envolvem o atendimento psicológico em meio hospitalar e em consultório, por mim exercidos. ** Psicóloga Clínica – Angola/África - Formada em Portugal/Lisboa, pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). Professora de Psicologia no Instituto Superior Privado de Angola. E-mail: [email protected]

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A PRÁTICA HOSPITALAR – COMO É A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO?* Susana Alamy**

Para falarmos da atuação do psicólogo hospitalar é necessário conhecermos alguns conceitos de psicologia hospitalar. Então podemos conceituá-la como “o ramo da psicologia destinado ao atendimento de pacientes portadores de alguma alteração orgânica/física, que seja responsável pelo desequilíbrio em uma das instâncias bio-psico-social” (Alamy, 1991)1, bem como “uma psicologia dirigida a pacientes internados em hospitais gerais, sem deixar de se estender aos ambulatórios e consultórios, com sua atenção voltada para as questões emergenciais advindas da doença e/ou hospitalização, do processo do adoecer e do sofrimento causado por estas, visando o minimizar da dor emocional do paciente e da sua família” (Alamy, 1998)2.

Temos, então, a atuação do psicólogo no hospital considerando o ambiente psicológico, onde o mesmo deve observar os doentes, seus familiares, a atuação das pessoas naquele lugar, informando-se do diagnóstico médico, do prognóstico e propedêutica, grau de risco de vida, previsão do tempo de internação e cuidados especiais requeridos naquele caso, para, então, planejar seu atendimento psicológico e suas técnicas auxiliares, pois, na maioria das vezes, não será o paciente a chegar no psicólogo, mas o inverso. Para exemplificar podemos imaginar o atendimento de um paciente com insuficiência renal crônica e compará-lo com o atendimento de um paciente oncológico. Seria possível atendê-los da mesma maneira? Claro que não, pois são patologias diferentes, com estigmas diferentes e conseqüências diferentes na vida do paciente. Cada patologia leva a uma repercussão única em cada paciente e em cada família considerando suas peculiaridades anteriormente existentes.

A atuação do psicólogo hospitalar inclui, além dos seus atendimentos dos pacientes, a burocracia da feitura dos relatórios dos atendimentos, uma vez que somente a partir dos mesmos é possível que se obtenha um feed-back do seu trabalho. Os relatórios devem obedecer à ética, sendo absolutamente sigilosos, técnicos e diferentes do que se poderia escrever em um prontuário médico.

Sua atuação é dirigida para os problemas psicoafetivos oriundos da doença e/ou da 1 ALAMY, Susana. Ensaios de Psicologia Hospitalar - a ausculta da alma. Belo Horizonte: [s.n.], 2003. p. 18. 2 Ibidem. p. 19.

hospitalização, compreendendo a natureza do sujeito doente, seus desejos, esperanças, medos, aptidões, dificuldades e limitações, seja através da observação ou da linguagem verbal e não-verbal.

A prática hospitalar impõe-nos alguns cuidados que são fundamentais para um bom atendimento, sendo importante que não confundamos a psicologia hospitalar com a psicologia clínica; portanto, não podemos fazer clínica dentro do hospital. Na psicologia hospitalar estaremos lidando com o tempo de internação do paciente, bem como com sua patologia orgânica e seus efeitos iatrogênicos, com questões de ordem prática, como dificuldades do paciente e da família em relação ao sustento da casa, ausência do trabalho e outros, fatores que não poderão ser desconsiderados na prática hospitalar.

A atuação do psicólogo hospitalar objetiva dar oportunidade para que o doente expresse suas emoções, descubra a melhor maneira de lidar com as limitações impostas pela doença/hospitalização, dê significado à sua doença dentro do seu contexto de vida e trabalhe suas questões emergenciais, onde os objetivos principais são o reconhecimento do paciente enquanto um todo provido de emoções e sentimentos que interferem em seu comportamento, ajudando-o a tratar/minimizar, o sofrimento provocado pela doença e/ou hospitalização. _________________________________________ * Resumo da aula ministrada no I Encontro de Psicologia da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), 28/11/2003. ** Psicoterapeuta, psicóloga habilitada em psicologia clínica, especialista em psicologia hospitalar, professora de psicologia hospitalar e supervisora de estágios, autora do livro “Ensaios de Psicologia Hospitalar” (2003). CRPMG 6956. Home page: http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar E-mail da autora: [email protected]

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UMA EXPERIÊNCIA MALOGRADA DE ATENDIMENTO INFANTIL Priscila Said Saleme*

I - INTRODUÇÃO

Tendo em vista as inúmeras publicações de

casos de atendimentos bem-sucedidos, gostaria de, por meio deste, registrar a existência daqueles que se encontram em seu extremo oposto. Estes deslizes são pouco relatados na literatura, apesar de sua grande importância, pois tais experiências mal sucedidas não apenas antecedem as demais, como servem de condição fundamental para a sua ocorrência já que, inevitavelmente, os erros consistem de partes do acerto. “Se o erro faz parte do processo, se pode ser analisado de diferentes ângulos, então não se trata de negá-lo ou justificá-lo de maneira complacente, nem de evitá-lo por meio de punições, mas de problematizá-lo (grifo meu), transformando-o em uma situação de aprendizagem. O importante é sabermos a serviço do que está a correção e qual o seu sentido...” (Macedo, 1994, p.75).

Nesse sentido, gostaria de aproveitar o registro de meus dois primeiros casos de atendimento infantil e transformá-los num breve artigo no qual pretendo expor minhas angústias e frustrações sentidas diante de contextos nos quais teoricamente verificaríamos a presença de erros. No entanto, se pudermos avaliar tal conteúdo sob uma perspectiva construtivista, verificaremos a importância de tais publicações enquanto registros da construção de um processo pessoal do terapeuta. Afinal, Amatuzzi (2000, p.122) bem esclareceu a importância do processo pessoal do terapeuta , “O que faz um terapeuta? Ele proporciona oportunidade para que restabeleçamos o contato perdido com nosso centro pessoal. Mas ele só pode fazer isso a partir de seu próprio centro pessoal. O que nos abre profundamente é uma relação verdadeira, de centro a centro, de coração aberto a coração que vai se abrindo (...). O verdadeiro terapeuta é uma pessoa treinada para isso, mesmo em situações onde essa relação, assim tão pessoal, fica difícil”.

A dificuldade em aceitar nossos erros ou incapacidades de escuta torna-se uma justificativa plausível para compreendermos tamanha escassez de seus relatos, sobretudo por profissionais. Falar da importância da verdadeira escuta do paciente, sob o âmbito teórico, é algo extremamente distinto de sua execução, já que, na prática, o processo de aprendizado parece sofrer um retrocesso. Tudo o que fora aprendido formalmente é aparentemente

esquecido. E é nesse momento de encontro com a realidade sob uma nova óptica, que o psicólogo depara-se com seus limites humanos. Ciente dessa inevitabilidade de dificuldades que perdurarão ao longo da prática de todos os profissionais psicólogos, portanto, que me proponho a registrar minhas dificuldades iniciais, ou melhor, o momento inicial da construção de minha identidade prof issional. Digo dificuldades iniciais por estar ciente de que a cada contato com um paciente, novos desafios haverão de surgir.

Com essa finalidade, pois, serão relatados dois atendimentos realizados por mim durante um estágio feito em um hospital infantil quando eu ainda cursava o sexto período de psicologia. Ambos consistem de bons exemplos em que a escuta torna-se impossível quando a ansiedade encontra-se presente. Fato comum, sobretudo, em atendimentos infantis. Nestes, além das próprias dificuldades que toda situação de escuta em si oferece, é exigido do psicólogo uma habilidade de decodificação de várias outras linguagens além da fala. Dentre elas podemos citar os desenhos, brincadeiras, gestos, olhares, além de uma, em especial, o silêncio. Diferentemente dos demais atendimentos, na clínica infantil é necessária uma postura mais ativa do profissional. Por meio dessa, é possível que haja uma maior interação com o paciente de modo a facilitar sua expressão. Assim, dificuldades de interação com crianças podem inviabilizar a escuta do que é dito por nossos pequenos pacientes. Esse talvez tenha sido o meu caso.

2 - REGISTROS CASO 1

O seguinte caso trata-se de meu primeiro

atendimento. Além da alta ansiedade, foi meu primeiro contato com um paciente. Minha grande inibição diante de crianças consistiu no principal elemento da trama que será brevemente relatada. Devo frisar que o relatório original foi conservado. Dessa forma, poderemos observar equívocos não apenas em minha atuação, como também em minha própria avaliação dos fatos naquele momento.

Segundo o relatório da enfermeira, a paciente

de quatro anos e oito meses de idade, chegou às 21 horas do dia 29 de janeiro de 2003 em companhia

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da mãe e da tia. No entanto, por motivos desconhecidos, apenas a segunda permaneceria com a criança. Dois dados foram considerados relevantes na papeleta médica além do diagnóstico: o fato de a garota encontrar-se chorosa e em soroterapia. Quanto à patologia apresentada, assim como a maioria das crianças daquele andar, aquela tinha pneumonia. Minutos depois de chegar à enfermaria, observei que uma garota chorava desesperadamente. Tratava-se do momento em que a enfermeira deveria aplicar a injeção no cateter. Logo, nada doeria. A menina, no entanto, gritava e esperneava muito. Apesar de meu receio em atender crianças pequenas, diante da situação de urgência, vi-me obrigada a fazer alguma coisa. Apresentei-me ao pai da criança e ofereci meu caderno e caneta à pequena. Esta logo se prontificou a desenhar.

A princípio Joaquina começou a desenhar um retângulo com uma bola. Nesta, esboçou um rosto feliz. Pensei que se tratava do desejo de ir embora do hospital, no entanto, uma intervenção do pai desviou o assunto. Indaguei-lhe acerca do desenho e ela respondeu-me que se tratava de uma porta. Questionei a localização da porta e o pai interviu: “É da escolinha, filha?”. Ela pensou um pouco e concordou. Depois desenhou um X sobre a porta. No momento não pensei na possibilidade de a garota estar discordando do pai e somente perguntei se ela não queria mais voltar lá. Respondeu-me negativamente. A partir daí, o pai enfatizou algumas vezes que a tiraria da escola já que a garota demonstrava não gostar de lá. A menina não respondia. Desenhou quatro bolinhas e afirmou que não era mais uma porta, mas uma janela. Posteriormente, algumas alças foram acrescentadas. Indaguei-lhe sobre o que o desenho havia se transformado. Sacolas, respondeu. Após pedir-lhe para contá-las e reforçá-la por tê-lo feito corretamente, questionei sua finalidade. “Para ir trabalhar” (sic). O pai demonstrou-se surpreso e somente nesse momento percebi que ele estava me atrapalhando; induzia constantemente as respostas da garota. Após alguns instantes, sugeri que ele passeasse um pouco enquanto eu ficava com Joaquina. Esta afirmou que trabalhava na escolinha. Custava a desenvolver o assunto e, com muita dificuldade, me olhava nos olhos. Por instantes suspeitei que havia algo de errado por lá. Circulou seu desenho e desenhou uma bolinha na parte inferior do papel. Em seguida, fez o mesmo na superior. “O sol faz xixi e cocô” (sic). Igual a quem?, indaguei. “Igual ao sol, uai” (sic). Depois fez um X em cada buraco.

Após a saída do pai, acomodei-me na cadeira

em que ele se encontrava e a garota iniciou um novo desenho. Olhou para a televisão e começou a copiá-la. Em seguida, um armário foi feito por baixo dela. Averigüei se havia uma correspondência com o aparelho do hospital. Indaguei acerca da origem da televisão. Respondeu-me que era de sua casa e que, abaixo dela, havia um guarda-roupa. Posteriormente, fez um retângulo com dois quadradinhos. Disse-me que eram duas televisões e traçou uma reta ligando-as à anterior. Mais uma vez circulou o desenho e acrescentou-lhe um chão. Achei pertinente (agora ciente de que se tratava apenas de meu desejo) perguntar-lhe sobre o chão. Uma resposta mais pertinente ainda foi-me devolvida: “O chão é para andar, ué!”. Confesso que a cada desenho procurava por oportunidades para que a criança falasse algo e não me dava conta de que ela já estava me dizendo muito e eu não estava conseguindo escutá-la. Ela não me pareceu incomodada com isso, ao contrário. Acredito que sentiu que eu realmente estava interessada em seus desenhos e lhe dando atenção. Tal aspecto pode ser considerado relevante para o fortalecimento do vínculo estabelecido, o que poderá ser confirmado posteriormente.

O guarda-roupas e a televisão transformaram-se num avião. “Um avião que leva a gente até o céu” (sic). A garota fez uma analogia entre este veículo e o carro que lhe trouxera ao hospital. Quando repeti o que ela me havia dito, corrigiu -me afirmando que viera de ambulância e não de carro. Posteriormente mencionou a injeção tomada no momento de sua chegada. “ Doeu muito” (sic). Aproveitei a oportunidade para retomar o assunto da injeção na sonda. Procurei mostrar-lhe que nada doeria espetando-lhe a pele com a unha e depois tocando o cateter. “Viu? Aqui (pele) você sente meu dedo, mas aqui (cateter), não” (sic). Demonstrei com a caneta posteriormente. A garota aparentou compreender a diferença, mas continuou ansiosa. Mudou de assunto mais uma vez pedindo-me que desenhasse uma sombrinha sobre a T.V. “É para proteger da chuva”, disse. Pediu -me para também desenhar a chuva.

Na terceira folha, vários elementos foram introduzidos. A criança começou a falar da nuvem. Pediu-me para desenhá-la novamente. Disse-me que esta nos deixa no escuro. Depois acrescentou um sol. Por cima deste, uma enorme boca. Disse ser uma boca má, do BOCUDO. Indaguei quem seria o dono da boca. Afirmou ser do sol. Contou-me uma história sobre o bicho-papão. Este viera à noite, quando seu pai não estava presente e colocou uma espada em seu peito. “Aí eu peguei a

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espada dele e esfaqueei ele” (sic). Falou-me de seu desejo em dar à mãe e irmã uma faca para se protegerem do bicho. Assim como ela própria pretende adquirir uma. Quando indagada sobre onde o pai estaria, afirmou que também lhe daria uma faca para se proteger do “bocudo” (bicho de boca grande). Olhos grandes que, segundo ela, pertenciam ao bicho-papão. Acrescentou um penico abaixo do sol. Explicou-me que era para ele fazer xixi. Em seguida, desenhou um vaso e o suporte para o penico. Voltou a fazer referência ao ser assustador por meio de olhos grandes que, segundo ela, pertenciam ao bicho-papão. Mais uma vez citou a história das facas. Entretanto, 50 minutos já haviam se passado e eu já estava esgotada. Fechei o caderno, encerrando o atendimento.

CASO 2

O segundo caso, assim como no anterior, trata-

se de uma paciente de quatro anos e oito meses de idade. No entanto, a garota parecia estar bem. Como procedimento de rotina, passei pelo leito de modo a averiguar a veracidade daquela boa aparência. Visto assim, apresentei-me à avó da criança que logo me informou o desejo da neta. “Ela quer voltar para casa agora” (sic). Voltei-me, portanto, à pequena procurando compreender melhor o que se passava. Esta, sorridente e comunicativa, logo começou a conversar. Todavia, não conseguia compreendê-la. Ela apresentava alguma dificuldade para pronunciar as palavras, parecia ter a língua presa. Por várias vezes lhe pedi que repetisse suas frases, o que me fez sentir ainda mais desconfortável. Diante disso, sugeri que desenhássemos.

Ela preferiu desenhar em seu caderno. Em várias páginas esboçou figuras diferentes. No entanto, não conseguia identificar nem as formas, tampouco suas explicações. À medida que o tempo passava, ficava mais ansiosa e escutava menos ainda a garota. Em um dado momento, a ponta de seu lápis quebrou. Era um dos poucos que ainda escrevia. Sua avó perguntou-lhe do apontador e a garota disse que aquele havia sumido e ela ia “levar couro”. Em seguida, completou que gostava de levar couro. Muito assustada com aquela frase, procurei confirmar se havia ouvido direito. A garota indicou que sim e logo mudou de assunto. Ao longo do atendimento continuou a trazer outros conteúdos que não mais me recordo. Não obstante a minha dificuldade em apreender o conteúdo que ela trazia, fixei-me no fato de ela gostar de levar couro. O que determinou o total fracasso de meu

atendimento. Num dado momento, a garota apresentou-se ansiosa pela espera do pai que lhe visitaria naquela tarde. Retomando o fato inicial do atendimento, apontei a contradição de seu discurso: “Mas se você quer tanto ver o seu pai que vai chegar daqui a pouco, por que falou que queria tanto ir embora?” A garota não respondeu. Sugeri que ela desenhasse em meu caderno. Começou desenhando alguns círculos. Pedi que me contasse o que estava fazendo. Disse que era o “bola 7”. Na seqüência delineou um tronco e esboçou um rosto. Deduzi que se tratava de uma pessoa gorda. Falou, então, de um amiguinho na escola. Voltando ao desenho, rabiscou sua parte direita que correspondia ao membro direito da pessoa. Imediatamente fiz uma infeliz intervenção: “Você se arranha, Carolina?”. Ela olhou-me concordando. Perguntei-lhe a razão e ela me disse que gostava. Lamentavelmente, é perceptível a presença de uma resposta induzida nesse caso, dado o caráter da pergunta. Continuou dizendo outras coisas que tive muita dificuldade de compreender. Pareceu-me que ela também arranhava as outras pessoas.

Insisti em continuar o atendimento, mesmo não compreendendo quase nada. Até que seu pai chegou. Quis ficar por algum tempo de modo a esclarecer o que a garota relatara. Observei que ele portava uma aliança e que se referia à mãe da garota enquanto sua esposa. Preocupei-me em esclarecer isso de modo a compreender a dinâmica familiar da paciente. Ademais, atentei-me ao comportamento de ambos que expressaram uma grande alegria naquele reencontro. Num dado momento, após escutar o pai, perguntei se ela gostava também de arranhar o pai. Este se demonstrou surpreso e perguntou se ela tinha inventado aquilo. Movimentei a cabeça indicando que sim. Somente naquele momento consegui admitir que o atendimento nem sequer havia começado. Percebi que não havia lhe escutado em nenhum momento. Meu desejo estava constantemente presente, o que pode ser confirmado pela necessidade em compreender a lógica do que estava sendo relatado.

3 - CONCLUSÃO

Um equívoco central presente em qualquer

espécie de atendimento consiste na necessidade do psicólogo em compreender o paciente . Tal compreensão é, essencialmente, um fator inibitório da escuta. Durante o atendimento infantil, em que os conteúdos são pouco expressos por palavras, é necessária uma maior atenção a diversos outros detalhes. Após tais experiências, pude observar que

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a atividade do psicólogo durante o atendimento não consiste numa condução do conteúdo a ser abordado. Atentando-nos mais à criança, como um todo, é possível perceber que ela livre associa ainda que não apenas por meio da linguagem verbal, o que pode parecer confuso sob um olhar leigo ou desatento. Por outro lado, quando avaliamos o que é expresso sob a perspectiva do inconsciente, percebemos que a confusão é necessária quando se objetiva uma eficácia no atendimento.

A atuação do profissional prescinde, sobretudo, da escuta flutuante. Ao contrário do que se costuma pensar, na clínica infantil, a agilidade em devolver as questões levantadas e a tentativa de acompanhar um raciocínio extremamente rápido consistem de habilidades dispensáveis diante da inexistência de uma escuta. Numa situação como esta, grandes equívocos acabam ocorrendo de modo a comprometer a atuação de um profissional. Tudo o que se deve buscar num momento de escuta é um sentimento essencial de conforto perante aquele que pretende ser escutado, sendo a habilidade de fazer interpretações algo que requer um grande estudo e reflexão diante daquele caso.. Por várias vezes questionei se deveria desistir de tais tipos de pacientes concluindo que não conseguiria jamais escutá-los. Pensava nisso, sobretudo, por já ter realizado bons atendimentos com adultos. No entanto, percebi que se trata de uma forma não convencional de atendimento, o que requer um intenso aprendizado.

Pensando nesse aprendizado, portanto, encerro aqui a primeira etapa do registro de meu processo enquanto terapeuta, na esperança de que outras pessoas se disponham a fazer o mesmo. Digo isso por ter plena consciência da importância de que os psicólogos não se envergonhem de seus impasses clínicos, ao contrário, que os vejam enquanto possibilidades de imensas contribuições e reflexões, sobretudo, àquelas pessoas que estejam prestes a lançar-se em suas primeiras experiências. Afinal, a possibilidade de identificar previamente a existência de dificuldades comuns é um importante meio de se evitar uma repetição dos mesmos pelos estagiários atentos.

O único equívoco presente na postura de um psicólogo é a incapacidade de compreender suas limitações ou contra-transferências1 enquanto possibilidades de crescimento profissional. Por

1 Termo utilizado por Freud para apontar, segundo Laplanche, Pontalis e Lagache (2001), a existência de “Conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à transferência deste”.

sermos pessoas, e nosso instrumento de trabalho consistir de nossa própria subjetividade, é impossível vislumbrar a possibilidade de padronização de atendimentos.

Ciente de todas as limitações, no entanto, afirmo com muita alegria que, enquanto meu desejo de escutar ainda estiver presente, persistirei. Afinal, como diria alguém que não entende apenas de poesia, mas daquilo que está além dela:

“Para entrar em estado de árvore é preciso

partir de um torpor animal de lagarto às três horas da tarde, no mês de agosto.

Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em nossa boca.

Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.” (Manuel de Barros; O LIVRO DAS IGNORÃÇAS)

4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - AMATUZZI, Mauro Martins. Por uma psicologia humana, Campinas: Alínea, 2000. 2 - BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. 8.ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. 3 - LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, J. B.; LAGACHE, Daniel. Vocabulário da psicanálise. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 4 - MACEDO, Lino de. Ensaios construtivistas. 4.ed. São Paulo: Casa do Psicologo, 1994.

_________________________________________ * Priscila Said Saleme é estudante do 6o. período de psicologia na UFMG. Na época em que o artigo foi redigido, ela fazia estágio num hospital infantil sob supervisão de Susana Alamy. E-mail: [email protected]

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SENTIR NA PELE Michele Costa e Silva*

Este artigo tem como finalidade estimular reflexões à cerca da psicologia hospitalar no ambiente de CTI (Centro de Tratamento Intensivo). Vêm chamar a atenção de todos os profissionais desse setor principalmente no psicólogo hospitalar e toda a equipe multidisciplinar. Fazer com que eles consigam ou não somente centralizar todo o tratamento do paciente exatamente no biológico (sabe-se que é o foco do CTI), não se esquecendo o lado psíquico, afetivo e emocional do paciente pois mesmo estando sedado não morreu. Que dêem atenção maior, apoio necessário e assistência psicológica a este paciente mas também aos seus familiares que se encontram fragilizados com a doença, num cenário mórbido e cheio de fantasias a respeito do CTI; e lá do lado de fora, naquele corredor frio a espera de uma noticia, seja ela qual for, um algo que os tirem da “ignorância” com relação ao seu familiar lá dentro. Palavras Chave: CTI, Paciente, Família, Psicólogo hospitalar, Onipotência. CTI – CENTRO DE TRATAMENTO INTENSIVO

Sabe-se muito bem o significado desta sigla CTI racionalmente temos a certeza que este é o local adequado a um paciente que necessita de cuidados especiais, que o foco é o paciente biológico, tendo, 24h. por dia, enfermeira, médicos e toda uma grande equipe multidisciplinar; atenta a qualquer movimento do paciente; esse que está naquele local e não sabe onde, e o porquê.

E o lado emocional desse paciente e principalmente dos seus familiares? O medo, o desespero, as fantasias que se têm em relação ao CTI? Familiares, na maioria das vezes, verbalizam: “Se está no CTI não tem mais recurso”.

É exatamente nessa hora que verificamos um buraco, uma falha de milhares de hospitais e de vários profissionais de psicologia que atuam em hospitais, especificamente em CTI, pois acabam centralizados no biológico e equiparando, igualando, exatamente, aos médicos e sua equipe e se esquecem da psicologia, do seu objetivo.

CTI, lugar gelado tanto no físico como no afetivo, ausência de contato com o mundo, de todos estímulos, do toque, o qual, principalmente, o

paciente e sua família são privados de afeto, de carinho, do lado psíquico de tudo que é essencial a um ser humano, para viver além do lado biológico, que está bem assistido. Local onde realmente mora a morte ou onde ela ronda. A VIVÊNCIA No hospital um familiar, no caso, meu pai, e o médico chega com toda sua frieza e jactância e me diz: - Seu pai tem que ir para o CTI daqui a alguns minutos e logo o enfermeiro vem buscá-lo. E dá as costas e sai. O paciente está consciente e escutando tudo o que o médico está me falando mas não direcionou a fala instante algum a ele. Nesse momento, os familiares desesperam-se, o grau de angústia eleva de maneira súbita. E você ali, uma profissional de psicologia, que tem como função minimizar a angustia, a dor e dar suporte principalmente para o paciente e sua família. Mas como ser profissional, se na realidade, antes de tudo você é a família desse paciente? A família todinha com o nível de stress e um sofrimento indescritível e verbalmente expressando seus sentimentos: “CTI, ele está morrendo, vai morrer”. E, nesse caso, você é profissional ou familiar? Então, eu respirei fundo, peguei a mão dele e fiz meu papel, dei a noticia fazendo com que ele compreendesse o que é de fato o CTI, o porque de sua transferência e estada lá, e sem deixar transparecer o meu enorme sofrimento e desespero: Naquela hora, tive que fazer o papel do psicólogo, porque no ambulatório do hospital não tem este serviço e não tinha outro que fizesse; se não fosse eu, ele iria sem saber o que estava acontecendo e com um grau de angustia e medo altíssimos. Levantei-me da poltrona sentei na beira da cama e disse-lhe: - Pai, você vai para o CTI, porque você não está conseguindo respirar sozinho por enquanto, por isso necessita de aparelhos, o CTI é o melhor lugar para você ter um atendimento especializado. Então ele verbalizou com dificuldade: “Então estou morrendo”. Eu disse-lhe: - CTI significa Centro de Tratamento Intensivo, ou seja, lá você terá uma enfermeira 24 horas para você, um médico e toda a aparelhagem necessária. Mas, infelizmente, não posso ficar lá com você. Ele balançou a cabeça, estendeu a mão e disse-me com um tom, mais forte que o anterior: “então vamos

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filha”. Nesse instante, chega o enfermeiro e diz: - Vamos senhor. Sinceramente, acho que consegui fazer meu papel, dei a noticia e consegui diminuir o grau de angustia e ansiedade, mas como filha queria chorar, extravasar meus sentimentos de medo, desespero, insegurança; colocar tudo para fora, como todo ser humano, mas não podia, tinha, com muito carinho, que passar segurança para o papai, essa segurança que ninguém da família conseguiria por tanto desespero. O enfermeiro diante do leito, eu, de mãos dadas com papai, ajudei a colocá-lo na maca e disse: - Vamos pai. Meu coração dilacerado, fui ao seu lado, de mãos dadas, até a porto do CTI. Chegando na porta, paramos, aí disse: - Vai papai, estou aqui com a certeza que estarão fazendo o melhor para você e estarei aqui te esperando sair, seja o tempo que for. Meu DEUS, uma parte de mim entrou com ele, despedaçada. Imediatamente veio a psicóloga do CTI explicar-me como era tudo e disse tudo que deveria ter falado para o paciente, ou seja, fez seu papel na hora errada e com a pessoa errada. Quando terminou de falar perguntou-me se eu tinha entendido, disse que sim, ela ainda insistiu duas vezes se eu tinha entendido mesmo (por favor, nunca subestimem a sabedoria do outro). Nesse momento, disse: “olha, sou sua colega e sei de tudo que você esta falando, obrigada.” Ela sorriu e disse então: “você não precisa de mim.” Nesse instante, perguntou sobre a minha família, eu lhe disse que estavam aguardando no ambulatório. Então ela disse que se caso eles precisassem dela para que a procurassem. Essa profissional não teve o tato, a sensibilidade de enxergar que eu estava ali sozinha e que era a família do paciente; que estava sentindo tudo e todos tipos de sentimentos misturados como qualquer outra pessoa, naquele corredor frio e impessoal. Na seqüência apareceu o médico chefe do CTI, com todos aqueles termos técnicos e com toda a onipotência. Falou que não poderia dar maiores informações e que estava fazendo vários exames nele, que às 21h. haveria o boletim médico, era para ligar e tomar conhecimento, e isso eram exatamente 15h.25min. A psicóloga veio e entregou-me os pertences do papai e despediram-se (médico e psicóloga). Minha vontade era de entrar como uma louca naquele lugar e ver tudo o que estava acontecendo e ficar grudadinha com o papai. Peguei os pertences dele, ainda quentes com o calor do seu corpo, abracei, mas aquele corredor gelado em instantes me tirou o calor do corpo dele, então, tive certeza que aquele é o corredor do inferno.

Sabe-se que o CTI é o melhor para o paciente, mas, e para os familiares? Esses, ali, sem informações, na pura ignorância do diagnostico do paciente lá dentro. Longe, castrado do carinho, do apoio familiar, de tudo que é essencial para o restabelecimento do próprio. Fomos para casa com a ignorância dos acontecimentos. São 21h., hora do boletim médico. Eu ligo e a telefonista atende, peço para falar no CTI, ela pergunta o nome do paciente, e ela mesma diz: “o paciente está gravíssimo e estável”, e logo desliga o telefone na minha cara. Deus, que noticia é esta, que informação! Que informação é essa!? Ao invés de acalmar a família, de dar um apoio, eles desesperam-nos ainda mais. Resultado: noite em claro, desesperada e vivendo na terrível ignorância. Horário de visita no CTI, com todas as regras que são necessárias para preservar o paciente. O médico vem, fala do boletim médico do dia, mas não te prepara para a entrada no CTI coletivo. Entrei. Eu, uma pessoa que já conhecia um CTI, que tem vivência em um hospital, mas que nunca teve um familiar lá. Anteriormente, disse que o corredor do CTI era o corredor do inferno, mas quando entrei e vi todos aqueles doentes, aparelhos e principalmente o papai inconsciente, contido, amarelo, super magro, cheio de aparelhos; naquele lugar impessoal, tive a certeza que ali é o próprio inferno (o inverno é gelado). Mesmo que você consiga pegar na mão do paciente (sabendo que mesmo este não se manifesta por estar sedado, ele está sentindo sua presença familiar, tenho certeza), tem-se a impressão de despedida. E para mim é muito clara a enorme importância da presença da família,mesmo que essa família sofra é essencial para o paciente. E a família quando sai do CTI e deixa seu ente querido lá? A impressão que se tem é que o restante de força e de esperança ainda existentes são sugadas por uma força inexplicável, não só pelo sofrimento do seu familiar, mas pelo lugar, pelo seu sofrimento, o sofrimento dos outros, pela proximidade da morte. Como fica essa família, ainda necessitando de um apoio psicológico, enquanto a psicóloga só serviu de dama de companhia? Acredito, respeito e sou uma admiradora amante da psicologia hospitalar, mas ela ainda, em alguns lugares, tem que dar uma atenção maior à família, nos seus medos, na ignorância do diagnostico, na frieza dos médicos e da sua equipe, e, o mais importante, na falta de informação que se tem ou quando se tem incompleta e fria. E, principalmente,

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fazer com que o hospital, ou qualquer outro órgão da área de saúde, reconheça o INDISPENSÁVEL papel do profissional de psicologia no âmbito hospitalar. Temos a cada dia que conquistar efetivamente o nosso espaço com a eficiência do nosso trabalho realizado com ética e profissionalismo. PROFISSIONAL/FAMILIAR

O psicólogo, aquele que é realmente um “profissional”, em uma situação delicada de CTI, age com prudência, tranqüilidade, firmeza, responsabilidade e realiza seu papel da maneira mais adequada e ética possível. É claro que, às vezes, aparecem alguns sentimentos inexplicáveis como: mal-estar, impotência, tristeza, o envolvimento com o paciente, vontade de chorar e medo da perda. Só que ele tem que manter a sua postura profissional, elaborar suas questões diante dos sentimentos “proibidos”, para representar seu papel de maneira adequada.

Mas, e quando esse profissional vive, sente na pele, e do papel do profissional passa a ser o familiar do paciente? O que se espera desse profissional? Todos enxergam-no como uma rocha que consegue segurar a barra tranqüilamente, não podendo se dar o “luxo” de ser um ser humano como outro qualquer. É obvio inicialmente, para não decepcionar o outro, e até nós mesmos tentamos ser realmente uma pedra, mas como diz o ditado: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, então desmoronamos.

Além do sofrimento do familiar, dos medos, da angustia, nós ainda sofremos com criticas do tipo: que profissional é esse que não consegue segurar a barra? Ao invés de dar suporte para família, ele necessita extremamente da ajuda de um outro profissional da sua área?

Então, deixo, aqui, uma reflexão a ser feita por nós psicólogos e principalmente “hospitalar”: somos preparados para proporcionarmos qualidade e dignidade de vida, dar apoio aos pacientes internados e seus familiares e não “robôs”, sem sentimento e envolvimento algum.. E que principalmente podemos, sim, deixar de ser profissional e ser “paciente ou familiar de paciente” e permitir que cuidem da gente.

Finalizo este artigo deixando uma questão: - Como fica o paciente e a sua família psicologicamente? Paciente e família que sentiram na pele uma experiência dessa, como eu vivenciei, que acontece todos os dias nos hospitais e que infelizmente não recebem apoio

psicológico nenhum??? ________________________________________ * Psicóloga clínica E-mail: [email protected]

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A IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA PARA A HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR*

Leida Mirian Hercolano Pinheiro**

A dor do outro não é a minha dor, mas ela me dói. (Coppe) RESUMO

Com este trabalho pretendemos tratar do empenho que se tem visto na Humanização dos Hospitais, quer seja pela própria Instituição, pela equipe e até pelo Governo, pois , talvez, seja esse desafio até maior que construir ou equipar hospitais, uma vez se tratar de um processo contínuo, envolvendo toda equipe de profissionais da saúde.

Pretendemos também mostrar como a atuação do psicólogo no contexto hospitalar pode influenciar na Humanização, proporcionando ao indivíduo, fragilizado pelo adoecer físico e pela hospitalização, uma maior compreensão e aceitação da sua doença, colaborando desta forma para o seu restabelecimento, abandonando a sua passividade, assumindo a responsabilidade pelo seu existir e desenvolvendo o desejo de cura.

Palavras-chave: adoecer, hospitalização, humanização, cura, atuação psicológica.

ABSTRACT

The present work intends to talk about the effort that

it had been seeing in the sense of the Humanization of the Hospitals, for the own Institution, for the team and even for the own Government, because maybe it is that challenge even larger than to build or to equip hospitals, for being a continuous process involving every team of health professionals.

We also intend to show as the psychologist’s performance, in the hospital context, can influence in the Humanization, providing to the fragile individual for physical getting sick and for the hospitalization, a larger understanding and acceptance of his disease, collaborating for his re-establishment, abandoning his passivity, taking the responsibility for his existence and developing the cure desire.

Key-words: to get sick, hospitalization, humanization, cure, psychological performance

INTRODUÇÃO

O ser humano é um ser social. Para a construção

de uma sociedade há um envolvimento de vidas de inúmeros indivíduos. Vidas humanas, com suas particularidades e subjetividades. Não se pode pensar num sujeito sem uma coletividade nem numa sociedade sem sujeitos.

Um Hospital constitui-se por um espaço

essencialmente coletivo onde transitam, trabalham, recebem cuidados ou fornecem cuidados, pessoas das mais variadas individualidades. Se voltarmos um pouco no tempo e pensarmos num Brasil de séculos passados, poderíamos deparar com uma desordem higiênica provocada pelos velhos hábitos coloniais impondo novas formas de agir e provocando o surgimento da medicina higiênica

Estamos vivendo no século XXI! Já vimos tantas evoluções, tantas mudanças!

Fala-se hoje sobre Humanização Hospitalar. É um avanço tão grandioso que nos apaixonamos pelo tema a ponto de nos atrever a desenvolvê-lo em nosso trabalho!

É um tema polêmico? Sim, realmente é. Utópico? Não, se todos quiserem colaborar. Já saímos do período colonial, das parteiras, do médico da família que atendia em casa, de altas taxas de mortalidade infantil e chegamos a hospitais dotados de novas e altas tecnologias.

Porém, apesar dos avanços, o homem continua sendo humano, subjetivo, que sofre, que sente dores e, acima de tudo, finito. E o Hospital, o que seria? Um instrumento terapêutico, de produzir cura ou um lugar para se morrer?

Por que se fala em Humanização? Já não estaria o Hospital Humanizado? Qual o papel que o psicólogo pode desempenhar neste contexto?

Estas questões despertaram em mim o desejo de ampliar meus conhecimentos teóricos, conhecer as propostas do governo e o projeto de Humanização Hospitalar do Ministério da Saúde, uma vez que simultaneamente a este trabalho estive em contato com Hospitais e notei o desejo e a garra de todos os profissionais no sentido de promover um Hospital melhor.

Com esse objetivo tomamos como suporte teórico-metodológico o material bibliográfico existente sobre tal assunto, incluindo o Projeto do Ministério da Saúde sobre Humanização Hospitalar.

Lançando mão, então, dessa pesquisa bibliográfica, foi como se pudéssemos estar presentes onde os projetos são implantados, ver sonhos se tornando realidade e esperanças cada vez maiores, uma vez termos tomado conhecimento dos grandes avanços e resultados, através do vasto material encontrado.

À Psicologia , então, passamos a atribuir-lhe

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papel importantíssimo dentro de um Hospital, uma vez que ela é um atalho, ou seja, um caminho mais curto, que faz com que o grito de dor do paciente seja, se não compreendido em toda a sua extensão, pelo menos escutado. Isso porque acreditamos que ao paciente pode lhe ser oportunizado o direito da fala e da escuta.

Por que não usarmos todos os saberes canalizados para um só fim, para um bem estar de todos? Afinal, Humanizar é também

Conhecer as limitações do ser humano e a sua finitude (..) e conviver com essa finitude(...) possibilita recriar e transformar. Transformar especialmente dois estigmas com os quais o psicólogo hospitalar convive: “o hospital é o lugar do médico” e “o médico é o dono do doente” (Leitão, 1993, p.100).

Assim, o presente trabalho divide-se em três

momentos principais : no primeiro capítulo, procuramos dar uma breve visão do histórico da Instituição Hospitalar e da Psicologia Hospitalar no Brasil; no segundo capítulo, discorremos sobre o processo de Humanização em si; e no terceiro capítulo , sobre o papel do psicólogo nesse processo. CAPÍTULO 1 BREVE HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR COMO INSTRUMENTO DE CURA E OS PRIMÓRDIOS DA PSICOLOGIA HOSPITALAR NO BRASIL

A saúde é um valor e um bem tão extraordinário, que seu conceito se torna complexo, porque sua abrangência parece não ter limites e, no entanto, é um direito e um dever de cada um. (Mezzomo et alii 2003, p.23)

Quando o hospital surge como um instrumento

terapêutico? Um instrumento de intervenção sobre a doença e o doente? Um instrumento para produzir a cura?

Nestes termos o hospital só surge no final do século XVIII. Houve nessa época, na Europa, em diversos países, entre 1775 e 1780, uma série de longas observações sistemáticas e comparativas, realizadas através de “viagens-inquéritos” pelo inglês Howard e pelo francês Tenon, a pedido da Academia de Ciências.

A finalidade dessas “viagens-inquéritos” era definir um programa de reconstruções dos hospitais e essa época foi marcada pelo slogan “São os hospitais existentes que devem se pronunciar sobre os méritos ou defeitos de um novo hospital” (Foucault, 2004, p.79).

(...) nenhuma teoria médica por si mesma é suficiente

para definir um programa hospitalar. (...) nenhum plano arquitetônico abstrato pode dar a fórmula do bom hospital. Este é um objeto complexo de que se conhece mal os efeitos e as conseqüências, que age sobre as doenças e é capaz de agravá-las, multiplicá-las ou atenuá-las (Foucault, 2004, p.80).

Os relatórios de Howard e Tenon davam poucos

detalhes sobre a parte externa do hospital ou sobre a estrutura geral da obra. Não se tratavam mais de relatos e descrições de monumentos como os dos viajantes clássicos dos séculos XVII e início do XVIII. Agora, eram descrições de funcionamento: número de doentes por hospital, a relação entre o número de leitos e de doentes com a área útil do hospital, a taxa de mortalidade e a de cura, o movimento no interior do hospital, a trajetória da roupa branca, entre outras. Esses relatores não são mais arquitetos. Tenon era médico e Howard pertencia à categoria dos filantropos.

Portanto, surge um novo olhar sobre o hospital. Se este, produz efeitos patológicos, estes devem ser modificados. Se há milênios existiam hospitais para curar, no final do século XVIII, descobriu-se que não curavam tão bem. O hospital que funcionava na Europa, desde a Idade Média, não era um meio de cura e não era conhecido para curar. Era uma instituição de assistência aos pobres. Aliadas a essa assistência vinham a separação e a exclusão. O pobre doente era contagioso e o hospital o recolhia e protegia os outros desse perigo.

Até o século XVIII, o usuário ideal do hospital era o pobre que estava morrendo e não o doente que precisava curar-se. A função do hospital era então dar os últimos cuidados e o último sacramento. Nesta época, o hospital era visto como um lugar onde morrer. Um morredouro.

Desta forma, o pessoal da área hospitalar não tinha como objetivo curar o doente, sua atividade se resumia em serem caridosos para conseguir a sua própria salvação e garantir a salvação da alma do pobre doente. Não seria, então, a função do hospital a transição entre a vida e a morte, de salvação espiritual e de separar os indivíduos perigosos para a saúde da população? Onde estaria a função médica?

A prática médica não era uma medicina hospitalar. A medicina dos séculos XVII e XVIII era individualista. Compreendia conhecimento de textos e prescrições de receitas. A experiência hospitalar era excluída da formação do médico. Ele era qualificado pela transmissão de receitas e não pelas experiências que ele havia passado e assimilado.

Nada na prática médica dessa época permitia a

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organização de um saber hospitalar, como também nada na organização do hospital permitia a intervenção da medicina. Hospital e medicina, então, permanecem separados até meados do séc. XVIII.

Como pôde o hospital ser medicalizado e a medicina tornar-se hospitalar?

Procurou se anular os efeitos negativos do hospital e introduzir normas disciplinares. Podia se ver em hospitais marítimos de Londres, Paris e outras cidades, um grande tráfico de mercadorias, objetos preciosos, especiarias, peças raras etc. O traficante fazia -se de doente e era levado ao hospital com o material escondido, livrando-se desta forma da alfândega. A formação de uma medicina hospitalar foi devido à disciplinarização do espaço hospitalar e à transformação do saber e da prática médica.

Esses dois processos, ajustados, deram origem ao hospital médico e ao surgimento de uma disciplina hospitalar que teria como função segundo Foucault (2004):

(...) assegurar o esquadrinhamento, a vigilância, a disciplinarização do mundo confuso do doente e da doença, como também transformar as condições do meio em que os doentes são colocados (...) de modo que o quadro hospitalar (...) seja um instrumento de modificação com função terapêutica. (Foucalt, 2004, p.81)

Com o decorrer do tempo, o hospital, além do

seu objetivo de tratar as doenças, expandiu-se e passou a abranger outras atenções que não fossem apenas físicas, mas também sociais, psicológicas e outras.

Assim, a psicologia passou a fazer parte do contexto hospitalar. No Brasil, temos nomes pioneiros como os de Matilde Neder e Bellkiss Wilma Romano.

No ano de 1954, Matilde Neder foi convidada a acompanhar psicologicamente os pacientes submetidos à cirurgia de coluna da Clínica Ortopédica e Traumatológica da USP, atualmente Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-SP. O seu trabalho consistiria tanto em preparar os pacientes para a intervenção cirúrgica como para a recuperação após a cirurgia.

Em 1957, ela se transfere para o Instituto de Reabilitação da USP, atualmente divisão de Reabilitação do Hospital das Clínicas da USP , onde o seu trabalho teve grande repercussão passando a figurar além da Psicologia Hospitalar na Psicologia do Brasil propriamente dita.

Para organizar e implantar o Serviço de Psicologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em 1974, Bellkiss Romano é convidada e já em 1976 é responsável pelo primeiro curso de Atuação do Psicólogo em Hospital oferecido pela PUC-SP.

Os eventos não param e em 1983 foi realizado em São Paulo, promovido pelo Hospital das Clínicas da USP-SP e também sob a responsabilidade de Bellkiss Romano o I Encontro Nacional de Psicólogos da Área Hospitalar.

A Psicologia Hospitalar vem crescendo e ganhando espaço nas universidades, publicações e eventos científicos. Ganhou reconhecimento da comunidade científica e notoriedade das diversas profissões. CAPÍTULO 2 POR QUE HUMANIZAR OS HOSPITAIS?

Quem tem do doente, uma visão holística e o aceita como ser humano em todas as suas dimensões, encontra muitos e sólidos motivos, força e apoio para uma assistência digna, realmente humanizada. (Mezzomo et alii 2003, p.52)

Humanizar significa “elevar à altura do

homem”. Humanitarismo significa “amor à humanidade” e Humanitário significa “aquele que tem sentimento de humanidade, bondoso” (Koogan/Houaiss, 1993, p.445).

Não parece um paradoxo falar em Humanização Hospitalar quando o hospital já se trata de uma instituição para humanos? Por que um programa de humanização nos hospitais? Já não estaria o hospital, humanizado?

Na verdade, em um hospital pessoas atendem pessoas, humanos são atendidos por humanos. Mesmo que o doente precise de uma máquina no seu tratamento, ele é encaminhado a ela por humanos. Todavia, isso não significa a humanização em sua totalidade. Não é porque nele convivem seres humanos que é humanizado.

A razão de existência de um hospital, como o entendemos hoje, é cuidar da saúde da comunidade. Este cuidar acontece dentro de um campo que nem tudo pode ser codificável e previsível, nem tudo pode ser respondido com técnicas objetivas que se repetem sempre da mesma forma. Há portanto, os aspectos subjetivos do cuidador e de quem é cuidado como também modos singulares de existência.

A dimensão humana e subjetiva está na base de toda intervenção em saúde, das mais simples às mais complexas, não importa se para intervir numa

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cirurgia do coração ou no simples ato de fazer um curativo, se o paciente é um adulto ou uma criança, se é um homem ou uma mulher.

Também pintar o hospital com cores mais vivas, uniformes de cores mais alegres, mais áreas verdes, mais quadros nas paredes não significa humanizar. É claro que tudo isso contribui, torna o ambiente mais alegre, menos frio, mas faz parte de um contexto.

O termo Humanizar toma então uma forma mais abrangente. Seria o posicionamento do Hospital frente ao seu principal objeto de trabalho - a vida, o sofrimento e a dor de um ser humano fragilizado pela doença ou da sua família pelo desgaste, perda ou luto. O melhor hospital em tecnologia, sem éticas, sem delicadezas, sem amor, não produz bem estar ou curas, “pelo contrário, desertifica o ser humano” (Cembranelli, 2003, p.2).

Não estaria aqui a chave da questão? Os extraordinários progressos da ciência e da

tecnologia não dão conta de produzir satisfação no atendimento. É muito bom, tanto para o doente quanto para os seus familiares, saber que em um hospital trabalham equipes altamente qualificadas, de igual modo, é tranqüilizante saber que o atendimento é pronto e competente às demais necessidades.

A competência é requisito pressuposto e exigido de todos por todos. Na prática porém, o paciente não se satisfaz apenas com a competência profissional (...), o que se verifica, se avalia e se aprecia ou detesta, é a forma de atendimento, a maneira como as ações técnicas são praticadas (Mezzomo et alii 2003, p.53).

Em toda área profissional, ou toda área de

ralações humanas, o bom atendimento é imprescindível. Quem não já dispensou um profissional por mais simples que seja pelo modo como foi atendido? Não precisamos ir muito longe, podemos considerar até um vendedor de batatas numa feira livre. Ou uma vendedora numa loja de um shopping, onde estaríamos saudáveis, alegres e felizes, fazendo compras! Desta forma, imaginemos o doente fragilizado!

A maioria dos pacientes, porque não dizer, a grande maioria, não sabe avaliar se os procedimentos e técnicas utilizados em qualquer tratamento hospitalar, mesmo que seja em um simples curativo, são as mais corretas, porém, qualquer pessoa, por mais rude que seja, sente e percebe a maneira humana ou não com que está sendo atendida e cuidada.

Os profissionais da saúde, de todos os níveis, independentes da sua função, nunca poderão se

esquecer que o paciente está fragilizado em seu físico e no seu emocional. Na humanização, portanto, competência e cortesia, técnica e educação, saberes e humanidade, andam de mãos dadas, ou deveriam...

Na construção da Humanização Hospitalar ou do Hospital Humanizado, necessário se faz agir como um artesão que “toma a matéria em suas mãos para moldar as formas nascentes do que deve ser criado” (Cembranelli-2003, p. 2).

Assim como ele (o artesão), é preciso exercer a criatividade, a reflexão, a ação e o cuidado. E por que não quebrar modelos e paradigmas trocando-os por novos hábitos e buscando soluções úteis para cada realidade singular?

A humanização é entendida como valor a partir do momento em que se resgata o respeito à vida humana. Envolve circunstâncias sociais, éticas, educacionais, religiosas, culturais e psíquicas presentes em todo e qualquer relacionamento humano. “Humanizar seria então resgatar a importância dos aspectos emocionais, indissociáveis dos aspectos físicos na intervenção da saúde” (Ministério da Saúde-2001, p.7).

Indo um pouco mais além, Humanizar “é adotar uma prática em que profissionais e usuários consideram o conjunto dos aspectos físicos, subjetivos e sociais que compõem o atendimento à saúde” (Ministério da Saúde-2001, p.9).

Humanizar refere-se, portanto, “à possibilidade de assumir uma postura ética de respeito ao outro, de acolhimento do desconhecido e de reconhecimento dos limites” (Ministério da Saúde-2001, p.11).

Fica tão complexa a sua definição porque a sua natureza é subjetiva e os aspectos que a compõem têm um caráter singular.

O “x” da questão do trabalho de Humanização está em fortalecer o comportamento ético, de articular o cuidado técnico-científico já conhecido e dominado com o cuidado à necessidade de explorar e acolher o imprevisível, o incontrolável, o diferente e o singular. É um agir baseado numa vontade de acolher e de respeitar o outro como um ser autônomo e digno.

A Humanização é então uma utopia? Acreditamos que não. A Humanização nada mais é que uma esperança, e como tal deve ser vista. Uma esperança que além de necessária tem condições de ser realizável. É só uma questão de querer. Todos precisam querer querer. Todos precisam ser mobilizados e conscientes. Todos precisam colaborar, desde o Governo até o mais simples funcionário.

Em 1974, foi criado, nos EUA, o Instituto para o

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estudo da Medicina Humanizada. É um tanto quanto recente e aqui no Brasil, no dia 24 de maio de 2000, foi apresentado, em Brasília -DF, um Projeto Piloto de Programa de Humanização da Assistência Hospitalar, para pessoas representativas da área de saúde, possibilitando a oportunidade de propor, discutir e empreender um processo de mudanças na cultura de atendimento em vigor nos hospitais, tendo como objetivos principais:

Deflagrar um processo de humanização dos serviços de forma vigorosa e profunda provocando mudanças progressivas, sólidas e permanentes na cultura de atendimento à saúde, beneficiando tanto os usuários quanto os profissionais. Produzir um conhecimento específico acerca destas instituições sob a ótica da humanização do atendimento para disseminar experiências para os demais hospitais... (Ministério da Saúde 2001, p.9).

Após o programa ter sido aprovado pelo então

ministro da saúde, JOSÉ SERRA, foi escolhido um grupo de profissionais para desenvolver o Projeto, que veio regulamentado pela Portaria nº 681, GM/MS de 19.08.2001 e Portaria nº 202 SAS de 19.08.2001, sob a denominação de PNHAH – PROGRAMA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA HOSPITALAR (Ministério da Saúde-2001, p.5).

Mas, o que levou o Ministério a ver essa necessidade? Segundo o ministro, José Serra:

A criação deste programa expressa uma decisão firme do Ministério de enfrentar os grandes desafios de melhoria da qualidade do atendimento público à saúde (...). É um direito de todo cidadão receber um atendimento público de qualidade na área de saúde, e para garantir esse direito, é preciso empreender um esforço coletivo de melhoria do sistema de saúde no Brasil, uma ação com potencial para disseminar uma nova cultura de atendimento humanizado (Ministério da Saúde-2001, p.5).

Vale ressaltar que o então ministro José Serra,

por ser médico, possuía experiências do dia a dia no atendimento a pessoas. E, observou que na avaliação do público, a forma do atendimento, a capacidade demonstrada pelos profissionais de saúde para compreender as demandas e suas expectativas, são itens que chegam a ser muito mais valorizados que a falta de médicos, a falta de espaço ou a falta de medicamentos.

Desta forma, identificando um número grande e significativo de queixas desses usuários, referentes aos maus tratos nos hospitais, chegou-se à iniciativa de elaborar uma proposta de trabalho voltada para a humanização.

Aspectos físicos, recursos humanos, dispositivos organizacionais e tecnologia são importantes para a qualidade de um sistema, mas, sobretudo, numa área como a da saúde, não funcionam sozinhos.

A eficiência desse sistema, é altamente influenciada pela qualidade do fator humano e do relacionamento estabelecido entre o profissional e o usuário do atendimento. A qualidade técnica e científica e a racionalidade de uma administração, se desacompanhadas de valores e princípios como a solidariedade, o respeito e a ética na relação entre profissionais e usuários, não são suficientes para a conquista da qualidade no atendimento à saúde.

Em qualquer atendimento à saúde, é necessário agregar à eficiência técnica e científica uma ética que considere e respeite a singularidade das necessidades do usuário e do profissional, que acolha o desconhecido e imprevisível, que aceite os limites de cada situação. Trata-se de um ser e fazer inspirado numa disposição de abertura e de respeito pelo outro como um ser autônomo e digno.

A proposta de humanização da assistência à saúde é um valor para a conquista de uma melhor qualidade de atendimento à saúde do usuário e de melhores condições de trabalho para os profissionais.

Com certeza, um hospital com bons diretores, boa equipe de trabalho, funciona muito bem, mas, bons e melhores resultados surgem quando, aliados, houver o compromisso de oferecer um atendimento humanizado à população, pelos profissionais da área de saúde, não só médicos e enfermeiros, mas todas as pessoas que trabalham nas unidades de saúde. Para tanto, é necessário cuidar desses profissionais , capacitando-os a promover a humanização do serviço.

O PNHAH propõe um conjunto de ações integradas visando mudar o padrão de assistência ao usuário dos hospitais públicos do Brasil, melhorando a qualidade e eficácia dos serviços prestados, aprimorando as relações entre o profissional da saúde e o usuário, dos profissionais entre si e do hospital com a comunidade.

Valorizando a dimensão humana e subjetiva, presentes em toda ação de assistência à saúde, o PNHAH direciona-se para uma requalificação dos hospitais públicos, tornando-os mais modernos, dinâmicos e solidários em atender às expectativas dos que os gerem e dos que os usam. Para tanto, tem como objetivos principais:

Fortalecer e articular todas as iniciativas de humanização já existentes na rede hospitalar pública. Melhorar a qualidade e a eficácia da atenção dispensada aos usuários da rede hospitalar brasileira

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credenciada ao SUS. Modernizar as relações de trabalho no âmbito dos hospitais públicos, tornando as instituições mais harmônicas e solidárias, de modo a recuperar sua imagem pública junto à comunidade. Capacitar os profissionais dos hospitais para um novo conceito de atenção à saúde que valorize a vida humana e a cidadania. Conceber e implantar novas iniciativas de humanização nos hospitais que venham a beneficiar os usuários e os profissionais de saúde. Estimular a realização de parcerias e trocas de conhecimentos e experiências nesta área. Desenvolver um conjunto de indicadores/parâmetros de resultados e sistema de incentivos ao tratamento humanizado. Difundir uma nova cultura de humanização na rede hospitalar credenciada ao SUS (Ministério da Saúde, 2001, p.14).

Assim, ganhariam todos. O usuário , que

receberia um tratamento mais digno, mais solidário e mais acolhedor, que seria além do seu direito, uma etapa fundamental na conquista da sua cidadania ; e os profissionais dos hospitais, sem distinção, que teriam a oportunidade de resgatar o verdadeiro sentido de sua prática, sentido e valor de se trabalhar numa organização de saúde.

Não há humanização da assistência sem cuidar da realização pessoal e profissional dos que a praticam. Não haverá humanização sem que se abrace o projeto. Projeto este, coletivo, em que toda a organização se reconheça e nele possa revalorizar-se.

A Humanização Hospitalar requer URGÊNCIA. O ideal da Humanização da Assistência Hospitalar é indispensável, maravilhoso e necessita, como ressalta Mezzomo:

Uma análise sólida do conceito de ser humano e suas manifestações. Um estudo sério do relacionamento humano, ou seja, das relações humanas, envolvendo a relação médico/paciente, a relação trabalhadores da saúde/paciente, a relação interprofissional e uma visão holística do ambiente. Uma atenção especial às dimensões biofísicas, psíquico, emocional, mental, espiritual (...) para se promover qualidade e buscar a excelência na assistência hospitalar (Mezzomo et alii, 2003, p.64).

Toda mudança é difícil porque encontra reações. O novo gera insegurança, é uma questão cultural. Mudar a cultura é um ato mais do que complexo, necessária se faz uma conversão de valores, uma educação permanente. “A mudança só é aceita se for bem entendida pela inteligência, assimilada pela mente, aceita pela vontade e acolhida pelo coração”

(Mezzomo et alii, 2003, p. 86) Quebrar paradigmas, rever e reformular

conceitos, adotar novas posturas tanto pessoais quanto éticas e morais, podem se considerar um grande desafio, talvez seja um desafio até muito maior do que projetar e construir novos hospitais e implantar serviços e tecnologia.

É fácil perceber que o assunto é extremamente amplo e complexo. O ser humano é uma realidade tão diversificada em sua essência e manifestações que as ciências ainda não conseguiram decifrar em forma definitiva nenhum de seus aspectos (Mezzomo et alii-2003, p.101).

Se considerarmos também as dificuldades dos

profissionais, poderemos ver que a questão é mais abrangente e mais complexa. Não se trata apenas da relação médico/paciente. Quando dissemos que a humanização é abrangente é porque envolve toda a realidade hospitalar, da administração à limpeza, do médico ao porteiro, do serviço de enfermagem à cozinha, da assistência social à lavanderia, à recepção, enfim...

Qualquer uma das unidades que deixe de funcionar à contento quebra o processo. Um atrito ou desentendimento, uma crise qualquer, em qualquer que seja a área prejudicam as atividades. Desta forma não poderão ser esquecidos fatores desencadeantes como o excesso de trabalho, o cansaço, a falta de tempo, o número pequeno de profissionais por plantão, as dificuldades financeiras tanto das instituições como pessoais, os problemas familiares, a baixa remuneração, as greves, a desmotivação,...

O tema central do PNHAH é o ser humano, com especificidade, o relacionamento entre as pessoas. O foco essencial é o atendimento à pessoa quando sua saúde está em crise, ou quando doente procura um hospital. E, o sujeito desse objeto primordial do PNHAH é a pessoa.

Tudo na vida tem um projeto, um percurso, um rumo, uma história...

Estamos no século XXI! Um novo século que acaba de se inic iar e nele já podemos ver hospitais reconstruídos, projetos elaborados, iniciativas tomadas, propostas levadas à diante, equipes mais conscientes (além de multidisciplinares procurando ser interdisciplinares), profissionais mais empenhados e um desejo, um grande desejo, de ver os nossos hospitais humanizados.

Muita coisa já foi feita. Vitórias e conquistas já foram alcançadas. Governo, Igreja, Comunidade, Voluntários e Profissionais da Saúde, no empenho de ver o ser humano na fragilidade do seu adoecer,

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ser tratado com mais dignidade. Quem ainda não teve a oportunidade de ver no rosto de uma mãe, um sorriso, por mais triste que seja, só pelo fato de poder ser acompanhante do seu filho internado numa enfermaria? Trata -se de uma grandiosa conquista, entre outras.

CAPÍTULO 3 O PAPEL DO PSICÓLOGO NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR.

A humildade do não saber ou do compreender que erramos, nos torna mais sólidos em nossa experiência, nesse campo profissional cheio de surpresas. (Sigmund Freud, 1926)

Para iniciar este capítulo transcreverei uma carta

que foi publicada no jornal do Conselho Federal de Medicina, edição bimestral setembro/outubro 1991 sob o título “Apelo do paciente à equipe médica”, de Evaldo D’Assumpção:

- (...) então, faça estes exames e com esta cartinha

interne-se no Hospital.........dia...às...horas, que iremos operá-lo”.

- Mas Dr... por favor... eu queria... (Mas ele não me olha... continua escrevendo e não me vê... não vê a minha angústia. Não sou apenas um corpo doente... vou tentar novamente...)

- Mas Dr... - Fique tranqüilo, vai correr tudo bem... - Dr., por favor... ouça-me !!!!!!!!! ... quando me levarem à sala de cirurgia, não me

deixem sozinho e sem qualquer informação sobre o que será feito em seguida. Para vocês o Centro Cirúrgico é bastante familiar, mas, para mim, mesmo não sendo minha primeira vez, tudo é novo e assustador. Porém, se o senhor ou um dos membros da sua equipe (...), estiver ao meu lado, me sentirei mais seguro e temerei menos enfrentar tudo o que vier em seguida.

Lembrem-se de cobrir-me (...) quando me passarem para a mesa de cirurgia, pois a sala é muito fria (...) e vocês nem percebem, pois ficam com aqueles aventais longos, com luvas e máscaras que os impedem de imaginar quanto se treme de frio e medo ...)!

Por favor, se possível, poupem-me de ver aqueles instrumentos que serão usados na cirurgia... sei que a utilidade e a intenção são boas, mas... só de pensar neles corre-me um frio gelado pela espinha (...)

Evitem comentar sobre defeitos nos equipamentos ou falta de medicamentos (...)

Quando forem me preparar, respeitem o meu pudor (...), afinal é muito desagradável ver-se despido (...) mesmo sabendo que são profissionais (...).

Respeitem também o meu medo (...), afinal, tudo é estranho, diferente e (...) ameaçador. Se pedir para esperarem um pouco, tenham paciência comigo (...)

Se me explicarem em linguagem compreensível (...) certamente entenderei. (...) cada pessoa tem o seu tempo

para se acalmar (...) respeitem o meu (...)! Se a anestesia for local ou regional,(...) por favor,

evitem conversas que possam demonstrar desinteresse pelo meu tratamento (...), piadas, (...) futebol, política ou programa de TV (...) isso fica traduzido para mim como um grande desinteresse pelo que estão operando em meu corpo...

(...) se a anestesia for geral (...) por favor, façam (...) silêncio. Naquele momento de passagem da consciência para a inconsciência , tudo o que acontecer na sala será de extrema importância para mim (...), poderei dormir com segurança e tranqüilidade ou totalmente agitado e transtornado, com medo de não voltar a reencontrar minhas pessoas queridas (...). Mesmo anestesiado e inconsciente, continuo merecendo todo o respeito como quando acordado (...). Fazer piadas com meu ronco, com meu corpo, será pouco ético e humano, algo difícil de aceitar da equipe para qual entreguei minha vida (...).

Finalmente, quero pedir-lhes que respeitem minha condição de ser humano, independentemente de ser um paciente particular, rico ou um anônimo qualquer (...). Afinal, sou filho do mesmo Pai, criatura do mesmo Criador, e, mesmo que não acredite nesse Deus de que lhes falo, façam por mim o mesmo que gostariam que lhe fizessem (...) Muito obrigado!!

Evaldo D’Assumpção—1991 Como fica claro ao lermos este apelo, que a

doença para o ser humano se constitui numa ameaça de dor, invalidez e de morte! Quando uma pessoa se dispõe a cuidar de alguém há de se considerar a fragilidade diante da doença. Uma verdadeira relação equipe-paciente estabelece-se quando há o respeito além das técnicas.

Além disso, a compreensão médica dos numerosos significados simbólicos de ordem psíquica que se manifestam no corpo, permite uma leitura de que além do sofrimento físico, o paciente pode ter sentimentos como: desamparo, confusão, medo, vergonha, culpa e derrotismo por não ter sido suficientemente forte, por ter adoecido...

Se o médico ou a equipe não tiver a sensibilidade e tempo de escutar o paciente hospitalizado para fazer essa leitura, o psicólogo estará assim preparado para escutar a sua fala, o seu corpo e até o seu silêncio, colocando, desta forma, em prática um dos preceitos maiores da psicologia que é o da cura através da palavra. A palavra cura o sofrimento emocional e espiritual como também a dor provocada pelo sofrimento físico.

De igual valor é a linguagem entre essa equipe. Todos devem falar uma mesma linguagem para evitar distorções na comunicação não só com o paciente, como também com a sua família.

E incidentalmente não desprezemos a palavra. Afinal de

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contas ela é um instrumento poderoso: é o meio pelo qual transmitimos nossos sentimentos a outros,(...). As palavras podem fazer um bem indizível e causar terríveis feridas (Freud, 1926, p.180).

Também para o combate a doença é de vital

importância resgatar a vontade de viver e a auto-estima. Os pacientes em estados depressivos e de angústia são mais vulneráveis às infecções e não respondem bem ao tratamento. As condições psicológicas dos mesmos poderão ser trabalhadas para que se tornem adequadas.

A Psicologia fornece condições, recursos e técnicas para possibilitar as relações interpessoais que são a mola mestra da Humanização Hospitalar e esta só será autêntica se os saberes forem redirecionados, tornando com isso a instituição hospitalar “um lugar do profissional da saúde e não apenas o lugar do médico” (Leitão, 1993, p.100).

O psicólogo, na medida em que traz no seu contexto de atuação a condição de análise das relações interpessoais, torna-se indispensável no processo de humanização. Proporciona ainda um saber cuidar de tudo o que adoece na pessoa. Na simples fratura de um dedo as dores podem ser tanto físicas quanto emocionais, por exemplo. Imagine então uma hospitalização!

A contribuição do psicólogo também se dá para elucidar determinadas manifestações de somatização, cada vez mais aceitas nos critérios de intervenções médicas. Muitas patologias têm seu quadro agravado a partir de complicações emocionais do paciente e a intervenção do psicólogo neste momento é fundamental até mesmo nos diagnósticos, nas interconsultas e, conseqüentemente, na compreensão da patologia de uma forma mais humanizada.

Desta forma, não se pode negar as variáveis emocionais num quadro de AIDS, câncer, AVCs, ou em patologias e internações não diagnosticadas com a devida precisão até pela falta de sintomas físicos específicos.

Os exames clínicos nesses casos não conseguem fazer um diagnóstico preciso e absoluto, pois a própria alternância de sintomas do paciente é algo diagnosticado quando se tenta compreender, além dos sintomas, a dor d’alma (..) de tais pacientes (Angerami-Camon, 2001, p.28).

O papel do psicólogo nas instituições de saúde

pode ser identificado a partir das conclusões que corpo e psiquê formam um todo e nele as partes mutuamente se influenciam e também que a ajuda do psicólogo nada tem a ver com a loucura.

Em um hospital, o médico faz um diagnóstico e

indica a intervenção possível para determinada doença que se instala em um organismo. Lida, desta forma, com variáveis orgânicas e com probabilidades referentes a certo tipo de paciente, o psicólogo é que se interessará pelo indivíduo enquanto indivíduo, com o doente e não com a doença.

No processo de humanização, o psicólogo, ao lidar com o doente, dá ao mesmo a possibilidade de colaborar na sua própria cura, pois vê o doente como um todo, com menos técnica e com maior poder de escuta.

O psicólogo tratará das representações que o indivíduo tem da sua doença em particular e da doença em geral. Poderíamos dizer que o médico trata dos aspectos concretos da doença e o psicólogo dos aspectos simbólicos. O psicólogo cria, desta maneira, as possibilidades para o surgimento de um novo ser.

O paciente ao ser hospitalizado sofre um processo de total despersonalização. Deixa de ter o seu próprio nome e passa a ser um número de leito ou então alguém portador de uma determinada patologia. O estigma de doente (...), irá fazer com que exista a necessidade permanente de uma total reformulação até mesmo de seus valores e conceito de homem, mundo e relação interpessoal em suas formas conhecidas (Angerami-Camon, 2001, p.16).

Como se sentiria um paciente hospitalizado,

após ter sofrido inúmeras perdas, perder a sua própria identidade? Quem nunca deparou com algum médico tratando o seu paciente apenas no seu quadro clínico? Onde ficaria a humanização? “O paciente em muitos dos nossos hospitais passa a ser mais um leito ou o nome da sua patologia. Não é raro que escutemos os médicos se referirem ao doente como o “rim do leito 21” (Alamy, 2003, p. 31).

Com o projeto de Humanização Hospitalar abre-se a possibilidade do psicólogo atuar nos hospitais ajudando a visionar o doente e não apenas o sintoma, visto que, uma doença não tem apenas uma etiologia, mas um ciclo vital ligada à singularidade do indivíduo que traz consigo sentimentos.

O psicólogo promove também para o não surgimento de iatrogenias 1 e hospitalismo2 tão comuns em pessoas hospitalizadas.

1 Iatrogenia é o “efeito negativo das medidas de tratamento no processo de internação” (Dorsch, 2001, p.465). 2 Hospitalismo é o “conjunto de todos os danos e deficiências relacionados com a internação em hospitais” (Dorsch, 2001, p.463).

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O paciente com a hospitalização sente-se assustado, desamparado e conseqüentemente fragilizado. Além da angústia do momento vivido ele traz a dúvida da recuperação.

O psicólogo ao ajudá-lo elaborar seus medos, perdas e lutos, o ajuda também a renascer, lidando melhor desta forma, com a própria doença.

O indivíduo não é um ser isolado (...) não vem sozinho ao hospital, com ele vem a doença, seus familiares e todas as implicações com relação a papéis e necessidades adaptativas (...) o psicólogo tem duas tarefas: a de compreensão de que é um conjunto de pessoas que adoecem e que se apresentam ao hospital... (Romano, 1999, p.21).

Podemos a partir da fala da autora nos reportar a

um outro grande papel do psicólogo neste processo de Humanização Hospitalar. A sua atuação deve abranger também a família do paciente, contribuindo desta forma para uma inter-relação família, paciente e profissionais da saúde, desta forma, amenizando a sua internação e suas dores.

Tanto a família quanto a equipe poderão ser ajudadas pela psicologia diante das dificuldades em lidar com a dinâmica da vida, quer no processo de reabilitação ou na eminência de perda ou morte. É importante que o psicólogo (...) tenha a capacidade de trabalhar conjunta e interagidamente com o médico (...) e toda equipe de saúde. Trabalhar conjuntamente implica em respeitar a ciência de cada um e dos seus limites e ter espaço para serem colocadas todas as opiniões e divergências para que se possa chegar a um denominador comum em relação ao paciente. A atuação conjunta com o médico é muito rica quando possibilita ao paciente ser atendido em seus aspectos subjetivos e concretos sem que seja fragmentado por cada profissional, oferecendo a ele também uma outra escuta para seus sofrimentos (Alamy, 2003, p.42).

Não estaria aqui neste texto da autora,

fundamentos essenciais e indispensáveis ao processo de Humanização Hospitalar?

Uma outra autora nos dá uma valorosa contribuição para entendermos o quanto é importante o psicólogo no processo de Humanização Hospitalar:

O Ministério das Relações Exteriores, cita a busca da qualidade total (...) e nomeia as regras do jogo: (...) trabalhar em equipe (demonstrando solidariedade), poder falar e saber ouvir (ter liberdade), dividir responsabilidades (com participação) e ter oportunidades para aprender e melhorar sempre (princípio de equidade). E lá perdido num canto, o ser humano. Ainda acuado pelo adoecer como mil séculos

atrás. Suas angústias, (...) medos, fantasias, fragilidades e exposições (...). Não podemos nos furtar de sermos seu interlocutor (Romano, 1999, p. 22 e 23).

Dependendo da patologia, o paciente internado

terá que se submeter a exames necessários e variados, invasivos e dolorosos, cabe então ao psicólogo encontrar um caminho que o paciente possa enfrentar a dor, o sofrimento e quem sabe a própria morte mais dignamente e com menos sofrimento.

No consultório, é o cliente que procura os serviços psicológicos, diferente do hospital, onde o psicólogo já estará e onde o mal estar é real e vai além da cura do sintoma. A hospitalização não é uma opção, é uma necessidade e, muitas vezes, de emergência. O clima é de expectativas e até de medo.

Neste contexto o atendimento prestado pelo psicólogo dependerá de um conhecimento prévio da realidade deste hospital. Isso implica em o psicólogo conscientizar-se também que atuará em equipe e em interação com a mesma, além de passar a conviver com inúmeras interferências e variáveis marcantes.

A relação psicólogo-paciente deverá ser a questão central, mesmo que o local do atendimento seja na enfermaria, num corredor, no bloco cirúrgico ou na UTI. O gesto do psicólogo acolhe o paciente, algumas palavras falam muito e o silêncio fala por si. O estar presente é a certeza de um apoio, e “para alguns pacientes o psicólogo passa a ser seus olhos e seus ouvidos (...), o paciente se entrega em confiança, outorgando-lhe seus direitos de vida...” (Leitão, 1993 p. 74).

Atuando numa equipe multidiscip linar, o que diríamos da ética de cada profissional?

A ética pode ser entendida como um fundamental requisito para a convivência humana em qualquer setor.

Nossa convicção é, que a ética, com sua preocupação com valores e normas para orientar nosso comportamento, com direitos e deveres, é uma dimensão fundamental da busca da humanização hospitalar (Mezzomo et alli, 2003, p.250).

Como Humanizar Hospitais se cada profissional

não souber ser ético? O psicólogo defronta-se não raramente, com problemas que envolvem posicionamentos éticos, quer seja no trato com os seus pacientes ou no convívio com os demais profissionais. E saber reconhecer os seus limites e o seu papel o dará mais autenticidade e domínio do seu saber. “É necessário que a relação com os outros profissionais (...) se dê num patamar de

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respeito e consideração dos valores de cada especificidade profissional” (Oliveira, M.F. e Ismael, S.M., 1995, p.52).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos no decorrer do trabalho que o tema

apresentado é muito vasto. Ao chegar a esta etapa, não temos condições de concluí-lo. Percebemos com clareza que estamos apenas começando. Não estamos encerrando um processo, demos o primeiro de muitos passos.

Todavia, o que nos deixa radiantes, é a certeza de que há sim muito a ser feito, longo caminho a ser percorrido, mas há muitas esperanças de sucessos, uma vez já haver muita vontade de ação, uma grande conscientização e muito já colocado em prática.

O nosso contato com os hospitais, aos quais dedico este trabalho, permitiu a aproximação com essa realidade. O empenho de todos os profissionais é de proporcionar um atendimento mais humanizado. Um novo olhar pode ser percebido com muita clareza. A escuta ao paciente já é tão importante quanto à prescrição de um medicamento. As famílias são vistas como colaboradoras no processo de recuperação do paciente, participando de reuniões e palestras promovidas pela Instituição e interagindo com o tratamento.

Observa-se também uma preocupação de inclusão do paciente , sem torná-lo estigmatizado pela enfermidade, permitindo-o participar do seu processo de recuperação. Quanto às crianças, além de poder contar com um acompanhante diuturnamente, usufruem, na maioria das vezes, de uma brinquedoteca, onde podem, através do lúdico, amenizar a sua hospitalização e o seu sofrimento, permitindo-as contato com recursos audiovisuais e literários.

Gratificante também é sentir o reconhecimento à atuação do psicólogo no contexto da Humanização Hospitalar, mesmo que ainda tímida, principalmente devido ao fato de uma não cultura da Psicologia neste contexto. Mas, entendemos e reafirmamos a importância da inserção do psicólogo numa equipe multi e interdisciplinar, colaborando de forma grandiosa para uma realidade tão urgente e tão necessária.

Desta forma, não poderíamos deixar de incluir aqui os objetivos citados por Alamy (2003), da atuação do psicólogo no contexto hospitalar:

1. Dar oportunidade para que o doente expresse suas emoções, seja através da palavra, da dramatização, do

desenho ou da mímica, 2. Permitir ao paciente descobrir a melhor forma de lidar com as limitações impostas pela doença/hospitalização, 3. Dar significado, a partir das interpretações e análises durante o processo terapêutico à sua doença dentro do seu contexto de vida, 4. Trabalhar as questões emergenciais trazidas pelo paciente ou doença, 5. Contribuir para o atendimento do doente e não somente o tratamento da doença 6. Dar suporte ao doente e sua família, seja na internação ou no ambulatório, 7. Decodificar o não-dito, avaliando as demandas, sejam do paciente, médico, etc, 8. Totalizar o paciente, 9. Restabelecer “totalmente” e/ou preventivamente a sua saúde psíquica ao ponto de origem do desequilíbrio, ou seja, no momento do diagnóstico médico ou da internação.

(Alamy, 2003, p.21-2).

No dia-a-dia, no vai-e-vem nos corredores do hospital, em meio das urgências e emergências, corremos o risco de perder nossa humanidade, de nos tomarmos mecânicos e frios. Isto é fato! Por isso entendemos o valor de se falar em Humanização, hoje, na tentativa de nos encontrarmos com nós mesmos e de identificar onde foi que nos perdemos em meio a tanta tecnologia.

Realizar este trabalho, mais que um desafio, foi uma oportunidade de ampliar nosso conhecimento sobre o tema que, como argumentamos anteriormente, tanto desperta nosso interesse.

Acreditamos que o que nos fará amadurecer profissionalmente é pautar nossa prática diária o mais próxima possível da realidade e do sofrimento, da dor e do adoecer, a fim de evidenciar a importância de nossa profissão para a promoção da saúde.

Isto requer uma visão do ser humano como um todo, de um atendimento mais humano, de humanos mais humanizados, de uma Humanização real, conceitos que são para nós não chavões utópicos, mas ideais pelos quais pretendemos lutar e conquistar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PSICÓLOGO HOSPITALAR: UM ESPELHO DE REFLEXÃO1 Andréia Santiago Sobreira Santos2

Uma compreensão sobre a importância da neutralidade do psicólogo hospitalar. Palavras-chave: neutralidade, valores, contratransferência.

O que uma estagiária de psicologia hospitalar

poderia contribuir com um tema há tanto tempo estudado? A neutralidade do profissional de psicologia é assunto escrito por vários autores, que embasam nossos estudos universitários. Eis aqui, um relato de uma estudante que tornou vivência, a experiência desta neutralidade, na sua primeira atuação em um hospital.

Quando falamos em espelho, logo nos lembramos da nossa imagem refletida neste objeto, que possui várias formas e tamanhos. O objetivo é de que a imagem seja vista. Nos primeiros anos da faculdade, este tema da neutralidade ainda parecia obscuro para mim. Afinal, trata-se apenas de uma defesa para profissionais que trabalham com pessoas? Faltava alguma coisa ainda. No meu primeiro estágio em Psicologia Hospitalar, desejava experimentar a neutralidade de forma que fizesse sentido para mim e foi o que aconteceu. Atendendo os primeiros pacientes, senti a responsabilidade de ajudá-los a enxergar novas perspectivas que pudessem aliviar o seu sofrer, ocasionado ali pela doença e internação. Isto envolve o doente em si, os familiares e demais acompanhantes presentes. Depois do primeiro atendimento, veio-me à mente, então, esta figura de um espelho. Eu deveria ser um espelho para as pessoas que atendia , no sentido de que a minha presença e as intervenções fizessem com que a pessoa olhasse para si mesma. Vejo que não é um espelho qualquer, mas sim, um espelho de reflexões. O ambiente hospitalar propicia às pessoas que nele estão a reflexão sobre sua vida. Agora eu vejo a neutralidade não só como proteção, como todos me falam, mas também como atitude e responsabilidade para com a pessoa atendida. É claro que este poderia ser um fator básico para a psicoterapia como um todo. E a nossa responsabilidade como espelho é que este fique limpo. As sujeiras do espelho, percebo claramente, são nossos valores, pré-conceitos, falta de humanidade, nossa contratransferência e outras mais que se grudam em nós e não percebemos. Todos esses elementos mancham o espelho, impossibilitando a imagem pura que deveríamos refletir, da pessoa mesma, e corremos o risco de

comprometer sua reflexão. A neutralidade é mais importante do que eu podia imaginar. Ela começa agora a fazer parte da minha prática porque finalmente faz sentido. Quando me refiro a todas as formas e tamanhos de espelho, refiro-me a todos os profissionais da psicologia, que têm sua individualidade e formas diferentes de compreender e atuar com o paciente. No entanto, vejo que a limpeza do espelho é de responsabilidade de todos, independente da forma de trabalho. Ainda que muito se tenha escrito sobre a neutralidade, o fantástico é acharmos sentido nas coisas que nos são ensinadas, é não estar mais atuando no escuro. Ser um espelho de reflexão: esta conclusão para mim só foi possível quando olhei primeiro para o paciente e aí percebi coisas em mim que não permitiriam a ele se olhar por completo, são as sujeiras do meu espelho. É o paciente que nos ajuda a enxergar essas sujeiras. Agora, com o espelho limpo, posso permitir a ele que se olhe, que se veja e, o melhor, que se compreenda e possa decidir sobre sua vida. No ambiente hospitalar, isso se configura em como este paciente vai lidar com o seu sofrer, entendendo-o como ser bio-psico-social. A neutralidade permite esse trabalho tão importante de alívio ou tentativa de amenização do sofrer. Deixo a responsabilidade que sinto hoje, com todos os que, como eu, ingressam no caminho da psicologia hospitalar ou qualquer outra área da Psicologia ... Limpem seus espelhos. Sejam espelhos de reflexão. _________________________________________ 1 Texto produzido durante o Curso de Verão de Psicologia Hospitalar 2004, ministrado pela psicóloga Susana Alamy. 2 Psicóloga, formada pela UNIC, Universidade de Cuiabá/MT, jan. 2005. E-mail: [email protected]

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ESTUDO DE CASO

ACOMPANHAMENTO DA MÃE DE UM PACIENTE DE DOIS ANOS DE IDADE COM DIAGNÓSTICO DE ASMA

Andréia Santiago Sobreira Santos*

1ª SESSÃO: 23 DE JANEIRO DE 2004

B é um garoto de 2 anos de idade, que fora internado, pela primeira vez, no dia 21 de janeiro de 2004, com diagnóstico de asma. No primeiro encontro, o paciente estava dormindo no leito. Sua mãe acompanhava-o desde a sua entrada hospital. A estagiária perguntara do estado atual do paciente e a mãe respondera que havia tido melhoras, que a respiração estava melhor. Foram feitas algumas perguntas sobre a mãe e a família do paciente. C, mãe do paciente, não trabalha, somente seu marido. Ela está com 26 anos, tem mais um filho de 8 anos e é casada também há 8 anos. Foi perguntado à mãe como estava se sentindo naquele momento e ela disse que estava se sentindo muito cansada. Também fora questionado a ela, como se sentia quanto à internação do filho e esta relatou que desmaiou no pronto socorro quando viu o aparelho de soro ser colocado no menino, mas que, agora, neste hospital estava bem. A estagiária perguntou sobre o comportamento do paciente quando está acordado e a mãe respondeu que ele anda para todos os lados, mas só tem liberdade mesmo com a mãe quanto à comida, banho e outras coisas. Em casa, diz que o garoto é bem mais apegado a ela. A estagiária tentou explorar mais a questão do sentir da mãe, de acordo com o momento atual e perguntou como estava sua vida, ao que C respondeu que com ela estava tudo mais ou menos, mas não quis entrar em maiores detalhes. Foi perguntado o que ela precisaria naquele momento, para estar “mais”, e ela respondeu que, para isso era necessário que o filho melhorasse e saísse do hospital. A criança ainda não tinha previsão de alta e a estagiária achou por bem ir encerrando a sessão, perguntando para a mãe se ela achava interessante conversar outra vez. A resposta foi sim. A estagiária se prontificou a voltar no dia seguinte. 2ª SESSÃO: 24 DE JANEIRO DE 2004

No segundo encontro com B, sua mãe relatara uma melhora do estado da criança, disse que os médicos estavam aguardando a aceitação do organismo de B, dos remédios ministrados via oral.

B, já havia vomitado uma primeira vez. Por isso, não havia mais previsão de alta. No momento do encontro a criança dormia, mas ao longo da conversa, acordava um pouco para deitar no colo da mãe e depois deitava no berço novamente.

A estagiária perguntou à mãe do paciente como passara a noite. C responde que passou a noite chorando, disse que era muito ruim ver o filho daquele jeito. Na tentativa de compreender C e esta aparente sensibilidade, a estagiária perguntou sobre a família do paciente e tentou trazer novamente a questão do “mais ou menos” na vida desta mãe. Pediu-se então que ela falasse do seu relacionamento com o esposo e ela relatou: “ Ele ficava atrás de mim direto, era muito insistente, até que eu cedi. Sabe, eu estava com dó. Não tem quando você namora uma pessoa por dó? Foi isso que eu fiz. (pausa). Aí eu casei. (pausa) Casei por dó também.” A estagiária pergunta como o marido se dá com os filhos e a mãe responde: “Ele é bom, mas não tem muita paciência para ficar direto com as crianças. Por exemplo, agora, o meu mais velho está com a minha mãe. Eu fico mais com os meninos. Minha vida é mesmo só com as crianças.” C relata que se sente sozinha e chora muito, não tem ninguém para conversar. O marido trabalha o dia inteiro e quando chega em casa, vai dormir e não fica afim de conversar. Ela diz que o marido não é muito de conversar. Ela fala que sua companhia são os filhos. E quando a casa fica cheia, é quando os filhos trazem outras crianças para brincar. Então relata: “Pois é, eu só fico rodeada de crianças. Gosto de conversar com minha mãe e irmã, mas elas moram longe e eu não posso incomodá-las sempre, né?” A estagiária pergunta se C não tem vizinhos com quem possa conversar, mas ela disse que não, segundo ela, todos gostam de fazer fuxico. A estagiária pergunta se ela sente falta de pessoas com quem possa conversar no hospital e ela responde que nem tanto, pois tem outras pessoas ali para conversarem com ela e que, de certa forma, gostava disso. Ainda sim, ela conta que sente muita vontade de chorar. A estagiária perguntou se haveria algum problema sobre C falar das gestações e como se sentiu. Ela disse que poderia falar e compartilhou que, na primeira gravidez, ficou enjoada do marido e que ele nem

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podia chegar perto dela. Na segunda gravidez, a de B, relata que, quando o bebê nasceu, ela não queria ver a criança. Pediu para as enfermeiras levarem o bebê. Só no dia seguinte ela viu a criança. Disse que, por algum motivo, tinha raiva, mas que depois passou. Foi perguntado se ela gostaria que, na época, algum psicólogo tivesse conversado com ela, prestando algum apoio. Ela responde que isso poderia tê-la ajudado.

C estava com a aparência abatida e o cansaço sobre o qual falara estava exposto nela. Com base nisso, a estagiária pergunta se não havia alguém com quem pudesse revezar nos cuidados com B. Ela responde: “Tem minha mãe, ela gosta do B, mas ela já está com o outro. Eu tenho vergonha de pedir e ela brigar comigo. Também tenho dó dela. Tenho dó do B também, eu me sinto responsável e fico com culpa de sair de perto dele. Eu fico achando que só eu é que tenho de cuidar dele. A estagiária, utilizando a história de C, pergunta incisivamente: “Você disse que tem dó do seu marido, dó da sua mãe, dó do seu filho. Quando você terá dó de si mesma? Quando você se preocupará com você mesma? Ela disse: “É, eu não sei, me importo mais com os outros.” Na tentativa de ver possibilidades, a estagiária pergunta se C freqüentava alguma igreja, e esta reponde que freqüentava a Igreja Quadrangular. Pergunta como são as pessoas lá e ela responde que são muito legais, que lá tem bastante atividade boa, mas não participa sempre, por causa das crianças e tem dó de pedir à mãe para cuidar e também medo dela ficar brava por isso. A estagiária pergunta se não valeria a pena alguma aproximação com as pessoas da igreja, para ela ter com quem conversar, e C disse que seria muito bom, mas ela tem vergonha de chegar nas pessoas. Daí segue o diálogo:

Estagiária: Mas você teve vergonha de contar todas essas coisas para mim? Alguém que você não conhece!

C: É diferente. Você é quem chegou em mim primeiro.

Estagiária: Você acha que foi bom conversar? C: Sim, acho que foi. Estagiária: Quem sabe você poderia começar a

pensar em exercitar isso ao sair daqui? Por que não começar com o pessoal da igreja? Pensar em você.

C: Acho que sim. Sabe, eu choro muito mesmo quando estou sozinha aqui. Não agüento ver meu filho desse jeito.

Estagiária: Você pode pensar mais no que conversamos?

C: Posso tentar sim.

OBSERVAÇÕES Com esta sessão, percebeu-se uma abertura maior de C para falar do seu sinto, depositando na estagiária uma confiança, que não conseguiu estabelecer, por exemplo, com seus “vizinhos fuxiqueiros”. Pode-se inferir um choro de solidão, o que poderia refletir sua vida fora do hospital. Seu sofrer no ambiente hospitalar se intensifica com a doença do seu filho. A companhia das demais mães para ela parece confortante. Dentro do hospital, ela tem com quem conversar, o que tira um pouco a impressão de ser um lugar frio. A sessão foi encerrada com um ponto de reflexão para C ao perceber-se que sua queixa se relacionava com a doença do filho, não necessariamente com o ambiente hospitalar. Sua demanda mais profunda teria de ser atendida em trabalho psicoterápico clínico. Contudo, pode-se inferir que os momentos no hospital tenham permitido uma oportunidade de pensar em sua vida e como esta se dava, e por isso o choro contínuo. Claro, não excluindo em hipótese alguma, o sofrimento do filho. A rejeição deste bebê, no passado, poderia ser outro fator a ser explorado, visto que este sentimento (infere-se), hoje, é substituído por um forte dó do seu filho e cuidado extremo, como uma responsabilidade exclusiva desta mãe, que sofre muito pelo adoecimento desta criança. _________________________________________ * Psicóloga – formada pela UNIC, Universidade de Cuiabá/MT, jan. 2005. E-mail: [email protected]

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DEPOIMENTO DE PACIENTE

LUGAR DE IGUALDADE Gabriela Lima

Vamos falar de igualdade. Não é um discurso sobre a necessidade, a conquista da humanidade deste direito fundamental. Vamos narrar a igualdade e celebrá-la. Qual foi mesmo o momento em que nos perdemos dela? Vamos caminhar juntos. Feche os olhos. Entregue-se ao que possa sentir ou não. Não é proibido não sentir. Estamos nós. Vários de nós. Não importa o nome. Num mesmo lugar. Várias camas. Vários aparelhos. Roupas de cama da mesma cor, não importa a cor. Olhe para o lado. Aquele senhor tem muitos aparelhos ligados a seu corpo. Não se mexe. A sua frente, uma mulher de idade avançada. Está agitada. Excesso de remédios, cateteres, enfermeiros, luzes ... Do outro lado. Este companheiro está melhor. Veja , ele fala. Conversa com o médico. Esse não tem a cara tão boa assim, parece que está sem lugar. Alguém podia fazer uma prece. É, uma prece, pedir a Deus que proteja a todos nós de qualquer mal. Que todos somos seus filhos. Que não queremos ver a dor. Mais uma olhada. Todos temos aparelhos à disposição. Enfermeiros a postos. Soro dependurado. Mangueiras, seringas, dispostas em locais estratégicos. Alguém precisa de ajuda. Eu preciso de ajuda para fazer algo que, geralmente, faço sozinha. Chega mais alguém, inconsciente. Idade, cor, temperatura, pressão, eletrocardiograma, quadro geral narrado. Hora de dormir. Sem exceções. Remédios, água, luz apagada. Todo mundo, dormir. Amanhece, sem sol, mas há luz. Camas, lençóis, café da manhã. Banho, cada um com seu enfermeiro. Quem pode, chuveiro. Demais, leito. Mais uma vez: que Deus abençõe a todos. Que todos nós tenhamos um bom dia. O passeio acabou. Hora de voltar. E a igualdade onde está? Quem viu? Quem verá? Alguns já a percebem. _________________________________ * E-mail: [email protected]

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MODELO DE ANAMNESE / PROTOCOLO1

PROTOCOLO – DOENÇAS RESPIRATÓRIAS / ANAMNESE INFANTIL Susana Alamy2

Data: __/__/____ Psicólogo/estagiário: __________ Encaminhado por: __________________________ 1. PACIENTE: _____________________________ Idade: ____ a _____ m Data nasc: __/__/___ Sexo: p Masc p Fem Escolaridade: ______________________________ Endereço: (rua, n., bairro, cidade. estado e CEP): Tel.: ( ) _____________________ 2. INFORMANTE (nome e grau de parentesco): _________________________________________ 3. ID: ____________________________________ Médico: __________________________________ 4. Exames complementares: p RX p Sangue p Urina p Fezes p TC p EEG p Outros: ______________ 5. DATA DA INTERNAÇÃO ATUAL: __/__/___ Motivo da internação: 6. INTERNAÇÕES ANTERIORES: p É a 1a. vez p Outras internações (período, hospital e motivo da

internação): 7. 1a. CRISE – sintomas: 8. Momentos em que piora e/ou tem crises: p Mudança de temperatura p Briga dos pais e/ou outros familiares p Ausência da figura materna p Não sabe informar p Outros: 9. DOENÇA / INTERNAÇÃO (reação da criança e dos pais): 10. Tratamento farmacológico: p Não p Sim – quais medicamentos? 11. A criança já consultou psicólogo antes: p Não p Sim – quando e motivo:

12. OUTRAS DOENÇAS: p Não p Sim – descrevê-las e localizá-las temporalmente): 13. Tem animais dentro de casa: p Não p Sim – quais? 14. DIFICULDADES encontradas no tto da criança: 15. Os pais moram juntos: p Não p Sim Relacionamento deste (um com o outro – investigar como é): 1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O) 16. A GRAVIDEZ foi planejada: p Não p Sim Como decorreu o período da gravidez? Ordem na criança nas gestações: 17. N. de IRMÃOS e idades: Falecimento de algum irmão: p Não p Sim (quando, idade da criança, motivo): Relacionamento da cr com os irmãos (investigar como é): 1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O) 18. A mãe da criança teve algum ABORTO (investigar em todas as respostas positivas): p Não p Sim: p Naturais p Provocados

p Tentou mas não obteve sucesso 19. A criança faz amizades facilmente: p Não p Sim Prefere brincar p Sozinho p Com outras crianças Distrações preferidas: A criança briga muito: p não p Sim (investigar): 20. NASCIMENTO da criança: p Em casa p No hospital – qual? Assistido por pediatra? p Não p Sim Parto: p Normal p Cesariana p Fórceps

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21. Há presença de (investigar em que situações específicas ocorrem e desde quando): p Distúrbios do sono: p Insônia p Acorda no meio da noite p Sonambulismo p Bruxismo p Fala dormindo p Pesadelos p Sono agitado

p Enurese: p Noturna p Diurna p Chupa dedos p Gagueja p Tem dificuldades para falar p Dificuldade de compreensão p Roe unhas p Baba enquanto dorme p Sudorese durante o sono p Convulsões p Desmaios p Cefaléia p Um sonho que se repete: p Estados depressivos p Ansiedade p Angústia p Desesperos p Medos p Timidez p Perfeccionismo p Tensão p Dores de estômago p Labilidade de humor p Stress (físico e emocional?) p Outros: 22. RELIGIÃO da criança: De quem recebe orientação religiosa? Como a cr percebe Deus na sua vida? A cr tem o hábito de rezar / orar? 23. FILIAÇÃO – RELACIONAMENTO Pai: ______________________________________ Idade: ____________ Grau de instrução e profissão: _________________ Tem trabalho: p Não p Sim Óbito: p Não p Sim Relacionamento da cr com o pai (investigar como é): 1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O) Mãe: _____________________________________ Idade: ____________ Grau de instrução e profissão: _________________ Tem trabalho: p Não p Sim Óbito: p Não p Sim Relacionamento da criança com a mãe (investigar

como é): 1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O) 24. Relacionamento da cr com os AVÓS (investigar presença dos avós na vida da criança e discriminar entre avós paternos e maternos): 1(P)____2(R)____3(B)____4(MB)____5(O) 25. EM CASA A cr reside com: p Os pais p Mãe p Pai p Avó p Irmãos p Outros: Quantas pessoas moram juntas? Renda familiar mensal (em salários mínimos): p 1 p 1 a 3 p 3 a 5 p Mais de 5: A criança ajuda em casa trabalhando (investigar que trabalho faz e se é remunerado): p Não p Sim 26. Parentes próximos (investigar grau de parentesco, patologia, como foi realizado tratamento etc.): p Problemas respiratórios p Alergias p “Nervoso” p Débil mental p Alcoolista p Usuário de drogas p Fumante p Suicídio p Homicídio p Outros: 27. Como a mãe percebe a criança (qualidades e defeitos que atribui à criança): 28. Como a mãe percebe a si mesma (qualidade e defeitos que atribui a si mesma): 29. Como a criança ocupa o seu tempo (descrever um dia comum na vida da criança): 30. Acontecimentos importantes na vida da criança: 31. História sexual (investigar se necessário): 32. TRAUMAS (situações traumáticas na vida da criança): 33. PERSPECTIVAS (ideais, desejos da criança): 34. Outras queixas e/ou informações:

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PARA O ENTREVISTADOR 1. Exame psiquiátrico: 2. Informante durante a entrevista: 3. Exames psicológicos complementares: 4. PARECER DO ENTREVISTADOR: 5. Procedimento psicológico a ser adotado: p Somente anamnese p Psicoterapia para a mãe p Acompanhamento para a mãe p Ludoterapia / acompanhamento individual para a criança p Ludoterapia / acompanhamento em grupo para a criança 6. Início do atendimento / acompanhamento psicológico: __/__/___ Fim do atendimento / acompanhamento psicológico: __/__/___ 7. Alta hospitalar: __/__/___ Óbito: __/__/___ Se necessário acrescentar observações complementares. FAZER O PROTOCOLO MORADIA EM ANEXO.

__________________________________ Assinatura do entrevistador

PROTOCOLO MORADIA Data: __/__/___ 1. Residência: p Própria p Aluguel p Outros – especificar: 2. N. de cômodos – especificar quais cômodos: 3. Teto: p Laje p Telhas p Forro p Outros – especificar: 4. Parede da sala: p Reboco p Cimento p Tinta p Papel de parede p Mofo p Rachaduras p Outros – especificar: 5. Parede do cômodo onde dorme a criança: p Reboco p Cimento p Tinta p Papel de parede p Mofo p Rachaduras p Outros – especificar: 6. Piso: p Chão batido p Concreto p Ardósia / outras pedras p Carpete p Taco p Outros – especificar: p Desnível – descrever: 7. Luz: p Natural p Artificial 8. Janelas: p Não p Sim – quais cômodos? p Outra resposta: 9. Cortinas / persianas / painel: p Não p Sim – onde e qual tipo?

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10. Plantas: p Não p Sim – onde? 11. Localização da cama da criança no cômodo: 12. Árvore perto da casa? p Não p Sim – onde? 13. Criança toma sol regularmente: p Não p Sim – quando? 14. Sol bate na casa: p Não p Sim – onde? 15. Em qual cômodo da casa a criança permanece mais tempo? 16. A criança permanece mais tempo: p Dentro de casa p No quintal

___________________________________ Assinatura do entrevistador

_________________________________________ 1 Com o objetivo de ajudar aos leitores na confecção de uma anamnese, disponibilizamos um modelo completo para entrevista na pediatria, a partir do qual poderão adptar à realidade dos seus pacientes e à sua necessidade.

Aos leitores que quiserem colaborar, poderão enviar-nos sua anamnese ou protocolo, pois assim estaremos cumprindo nosso objetivo de troca de informações e ampliando o espaço de conhecimento de todos os estudantes e profissionais da saúde.

2 Psicoterapeuta, psicóloga habilitada em psicologia clínica, especialista em psicologia hospitalar, professora de psicologia hospitalar e supervisora de estágios, autora do livro “Ensaios de Psicologia Hospitalar” (2003). CRPMG 6956. Home page: http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar E-mail: [email protected]

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LINKS

BIBLIOTECAS VIRTUAIS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas http://www.abnt.org.br/ Biblioteca do conhecimento on line http://www.b-on.pt/ Biblioteca multimídia http://www.bibliotecamultimidia.org.br/ Biblioteca virtual http://www.bibliotecavirtual.org.br/ Biblioteca virtual de educação http://bve.cibec.inep.gov.br/ Biblioteca virtual do estudante de língua portuguesa http://www.bibvirt.futuro.usp.br/index.html?principal.html&2 Biblioteca virtual de direitos humanos http://www.direitoshumanos.usp.br/ Biblioteca virtual de ensino a distância http://www.prossiga.br/edistancia/ Instituto brasileiro de informação http://www.ibict.br/ USP http://www.usp.br/sibi/ Unisanta http://www.unisanta.br/biblioteca/livros.html Unb http://www.bce.unb.br/ Biblioteca Digital de Teses e Dissertações http://www.teses.usp.br/ Prossiga http://www.prossiga.br/pacc/bvl/ Biblioteca digital do MEC http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

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EVENTOS

CURSO: PSICOLOGIA HOSPITALAR EM HOSPITAL GERAL – 1º. semestre 2005 Período das aulas: 01 de abril a 24 de junho de 2005 Matrícula: 15 de fevereiro a 29 de março de 2005 Belo Horizonte/MG Tel.: (31) 9141-9106 E-mail: [email protected] Site: http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar/

3O. CONGRESSO DA SOCIEDADE INTERNACIONAL DE MEDICINA FÍSICA E DE REABILITAÇÃO 10 a 14 de abril de 2005 São Paulo/SP Tel (11) 3168-3538 Site: http://www.adtevento.com.br/isprm/site/

XX CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE ONCOLOGIA PEDIÁTRICA 19 a 22 de abril de 2005 Campo Grande/MS Site: http://www.slaop2005.com/principal.htm

I CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE PSICOLOGIA – ULAPSI 20 a 23 de abril de 2005 São Paulo/SP Site: http://www.ulapsi.org/congresso

III CONGRESSO BRASILEIRO DE TANATOLOGIA E BIOÉTICA 27 a 30 de abril de 2005 São Paulo/SP E-mail: [email protected] Site: http://www.4estacoes.com/tanato2005/

V CONGRESSO DO NESME – NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE MENTAL IV ENCONTRO PAULISTA DE PSIQUIATRIA E SAÚDE MENTAL VII JORNADA DA SPAGESP – SOCIEDADE DE PSICOTERAPIAS ANALÍTICAS GRUPAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO 12 a 15 de maio de 2005 São Paulo/SP Site: http://www.spagesp.hpg.com.br

III CONGRESSO INTERAMERICANO DE PSICOLOGIA E SAÚDE: TERRITÓRIO E PERCURSOS DO PSICÓLOGO HOSPITALAR 9 a 11 de junho de 2005 São Paulo/SP Tel.: (11) 3064-3186 e 3069-6459 E-mail: [email protected] Site: http://www.cepsic.org.br/

VI ENCONTRO BRASILEIRO DE TRANSTORNOS ALIMENTARES E OBESIDADE 24 a 26 de junho de 2005 São Paulo/SP E-mail: [email protected] e [email protected]

30º. CONGRESO INTERAMERICANO DE PSICOLOGIA 26 a 30 de junho de 2005 Buenos Aires/ARGENTINA http://www.sip2005.org.ar/

CURSO DE INVERNO DE PSICOLOGIA HOSPITALAR 2005 Período das aulas: 18 a 29 de julho 2005 Matrícula: 10 de maio a 08 de julho de 2005 Belo Horizonte/MG Tel.: (31) 9141-9106 E-mail: [email protected] Site: http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar/

IV CONGRESO MUNDIAL DE PSICOTERAPIA 27 a 30 de agosto de 2005 Buenos Aires/ARGENTINA http://www.4cmp.org.ar/

7º CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICOTERAPIA CORPORAL 12 a 16 de outubro de 2005 São Paulo/SP http://www.cipc2005.org/

__________________________________ Para divulgar seu evento contacte-nos pelo e-mail:

[email protected] ou [email protected]

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Psicópio – Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde Revista Semestral – Distribuição Gratuita

Ano I, Volume 1, Número 1, Janeiro a Junho-2005

Formato A4, e-book, miolo com 44 páginas Idealizada, planejada e executada em Belo Horizonte – MG – Brasil

Editor independente: Susana Alamy

Disponível em: http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio