8 contaminação processual pela mídia no caso eliza samúdio · 2018-01-31 · expressou de forma...

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8 Contaminação Processual Pela Mídia no Caso Eliza Samúdio “Não poucas vezes, como sublinha frequentemente o Ministro Gilmar Mendes, para fazer a justiça o juiz tem que decidir contra a vontade da maioria. Mas como contrariar a maioria quando a telejustiça assume a lógica das democracias populistas de opinião?” 219 . Certo é que a mídia detém o papel/dever ético, moral e profissional de informar o público, principalmente em acontecimentos de grande repercussão social, ainda mais quando se fala em processo judicial criminal, o qual deve ser público, para que a sociedade vigie a prestação judiciária estatal 220 . Porém, tendo em vista o grande poder que exerce sobre as decisões e de toda a vida da população, os Órgãos de Mídia devem tratar os fatos com a maior isenção e imparcialidade possíveis, caso contrário podem macular a conduta dos envolvidos e ainda privá-los de seus direitos, entre eles a liberdade e honra. Conforme já aduzido no item 3 deste trabalho, a mídia é um instrumento fortíssimo de aquisição e manutenção de poder, e assim já foi muitas vezes utilizado. Por ser essa “arma letal”, deve ser manuseada de forma extremamente cuidadosa, agindo apenas como um meio noticiador, de forma objetiva, jamais exercendo subjetivações sobre certo fato ocorrido, e sem buscar explicações espúrias ao fato. A população receptora dessas notícias as internaliza, principalmente por ser passada de forma inteligível e atraente, absorvem como próprias, repassam-nas a outrem, e em grande escala formam uma opinião pública sobre determinado fato do mundo real. A problemática é que essa opinião pública tem interferido em quase todos os fatores sociais muito sérios, como a exemplo o cometimento de um delito e seus reflexos no poder judiciário. 219 (Luiz Flávio Gomes, 2013, p.16). 220 Princípio da publicidade dos atos processuais.

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Contaminação Processual Pela Mídia no Caso Eliza

Samúdio

“Não poucas vezes, como sublinha frequentemente o Ministro Gilmar

Mendes, para fazer a justiça o juiz tem que decidir contra a vontade da maioria.

Mas como contrariar a maioria quando a telejustiça assume a lógica das

democracias populistas de opinião?”219.

Certo é que a mídia detém o papel/dever ético, moral e profissional de

informar o público, principalmente em acontecimentos de grande repercussão

social, ainda mais quando se fala em processo judicial criminal, o qual deve ser

público, para que a sociedade vigie a prestação judiciária estatal220.

Porém, tendo em vista o grande poder que exerce sobre as decisões e de

toda a vida da população, os Órgãos de Mídia devem tratar os fatos com a maior

isenção e imparcialidade possíveis, caso contrário podem macular a conduta dos

envolvidos e ainda privá-los de seus direitos, entre eles a liberdade e honra.

Conforme já aduzido no item 3 deste trabalho, a mídia é um instrumento

fortíssimo de aquisição e manutenção de poder, e assim já foi muitas vezes

utilizado. Por ser essa “arma letal”, deve ser manuseada de forma extremamente

cuidadosa, agindo apenas como um meio noticiador, de forma objetiva, jamais

exercendo subjetivações sobre certo fato ocorrido, e sem buscar explicações

espúrias ao fato.

A população receptora dessas notícias as internaliza, principalmente por

ser passada de forma inteligível e atraente, absorvem como próprias, repassam-nas

a outrem, e em grande escala formam uma opinião pública sobre determinado fato

do mundo real.

A problemática é que essa opinião pública tem interferido em quase todos

os fatores sociais muito sérios, como a exemplo o cometimento de um delito e

seus reflexos no poder judiciário.

219 (Luiz Flávio Gomes, 2013, p.16). 220 Princípio da publicidade dos atos processuais.

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A mídia e o judiciário utilizam de tempos e discursos diversos, muitas

vezes antagônicos. Enquanto os media se preocupando apenas com o espaço

temporal e lucros, criaram notícias em ritmos aceleradíssimos para alimentar o

mercado, o judiciário tem uma marcha morosa, com prazos a serem seguidos e

procedimentos tratados em lei, além de garantias asseguradas à pessoa acusada de

certa infração legal.

É certo que o fato em questão foi mais noticiado em duas fases, uma delas

é a de inquérito221, quando ainda se falava em “ardência do crime”, e que nem

mesmo existia o processo judicial, eis que a fase de inquérito policial é anterior à

processual, não havendo contraditório e ampla defesa, bens constitucionalmente

assegurados ao cidadão.

A outra fase bastante noticiada foi a do julgamento, em que a população

esperava a confirmação de um veredicto, já esboçado há tempos pelos meios de

comunicação em massa.

Quanto ao discurso, os jornalistas se empossaram autoridades morais,

utilizando a narrativa a fim de interpretar o real, traduzindo regras sociais e morais

que teriam sido lesadas, e reafirmando o que é benéfico ou não à população,

formando um verdadeiro mito.

No caso em testilha utilizou-se brutalmente de um estereótipo criado de

Bruno Fernandes das Dores de Souza, sua ascensão como jogador de Futebol,

traumas que tivera na infância, festas que frequentava, mulheres com que se

relacionava, o que a fama teria causado a seu psicológico para noticiar e justificar

o sumiço e provável homicídio de uma jovem.

Muito mais interessante do que o vagaroso caminhar processual, criou-se

uma estória de orgias sexuais, futebol, crueldade, poder, dinheiro, um crime, uma

morte a algo bastante intrigante, o paradeiro do corpo de Eliza Samúdio. Houve a

união dos três, que seriam os assuntos que prendem a atenção de grande parcela

popular: sexo, esporte e crime222.

Bruno foi visto como um homem frívolo, calculista, que não dava nenhum

valor às mulheres que passaram por sua vida, mas sim ao dinheiro, a fama e sua

carreira brilhante. E a narrativa das notícias já era no sentido de construir a

personalidade dele, esquecendo-se de toda a complexidade judicial do fato e de

221 Vide ponto 6.2. 222 Vide Ponto 4.2 (CASTRO, 205, p.208).

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direitos e garantias que a lei o “assegurava”. Edificando, assim, uma narrativa

moralizadora.

O processo judicial, em que Bruno figura como réu, tornou-se um

espetáculo. Antes como protagonista, herói, ovacionado pela torcida, exemplo a

ser seguido, agora como o ator principal de uma estória de terror, um monstro.

Neste sentido são os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes223:

A justiça telemidiatizada é composta de palavras e discurso (moralistas, duros, messiânicos) que a população adora ouvir. A Justiça está deixando de ser apenas um lugar onde as pessoas são julgadas (de acordo com suas culpabilidades) para se transformar num privilegiado palco que lembra os rituais religiosos bíblicos de expiação, onde são sacrificados ‘bodes expiatórios’ para a necessária purificação da alma de todos os pecadores. E claramente os media assistiram ao que plantaram ser colhido no dia do

julgamento. A população, sedenta pelo que acreditavam ser a justiça, foi à porta

do fórum de Contagem em todos dias dos julgamentos dos envolvidos,

principalmente no dia em que Bruno fora submetido ao tribunal do júri, com

cartazes, pregados em cruzes, pintados de vermelho, partidos políticos tinham

seus representantes presentes, centrais sindicais também se faziam presentes com

cartazes, verdadeiros acampamentos se espalhavam à porta da “Casa da

Justiça”224 para ver o fim do espetáculo travestido de resposta judicial.

A condenação de Bruno foi aplaudida pelas pessoas que se encontravam

nas ruas225, e ainda julgada leve por muitos, a mãe de Eliza era consolada,

abraçada e tida como uma vítima dos atos praticados pelo monstro.

A sentença proferida pela Juíza que presidia a sessão de julgamento

expressou de forma cabal a influência que os meios de comunicação em massa

exerceram no julgamento pelo judiciário:

Culpabilidade. A culpabilidade dos crimes é intensa e altamente reprovável. O crime contra a vida praticado nestes autos tomou grande repercussão não só pelo fato de ter entre seus réus um jogador de futebol famoso, mas também por toda a trama que o cerca e pela incógnita deixada pelos executores sobre onde estariam escondidos os restos mortais da vítima. Embora para esta indagação não se tenha uma resposta, certamente pela eficiência dos envolvidos, a sociedade de Contagem, que em outro julgamento já tinha reconhecido o assassinato da vítima, hoje reconheceu o envolvimento do mandante na trama diabólica. (...)

223 (2013, p. 20). 224 Expressão utilizada para Fórum. 225 Pessoas que se encontravam à frente do Fórum de Contagem.

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Indiscutível se torna registrar, que os crimes descritos nestes autos, causam extremo temor no seio da sociedade, não podendo o Poder Judiciário fechar os olhos a esta realidade, de modo que a paz social deve ser preservada, ainda que, para tal, seja sacrificada algumas garantias asseguradas constitucionalmente, dentre elas, a liberdade individual. Deixa-se claro que o Poder Judiciário dera uma resposta a uma sociedade

que clamava o que os media a passavam. Passando por cima, inclusive de

parâmetros incutidos ao direito do próprio cidadão.

A condenação foi vista como uma conquista social, Bruno, visto como um

inimigo ou desviado, como pessoa que deturpou a ordem social, teve o que a

população entendeu como justo.

Assim, o sofrimento desse inimigo foi a expressão de uma festa (alegria,

júbilo, satisfação), aproximou-se de uma vingança comunitária a este “inimigo”.

“O gozo e a satisfação gerados pelo sacrifício de um potente ‘bode expiatório’,

agora exposto ao moderno pelourinho dos telejulgamentos midiáticos, equivalem

às grandes conquistas patrióticas nacionais”226.

Ainda mais, quando se fala em delitos de competência de julgamento pelo

Tribunal do Júri, torna-se mais comum a interferência da mídia, pois, o Caso Eliza

Samúdio foi noticiado pela primeira vez em 26 de junho de 2010, quando a

notícia seria que Eliza Samúdio teria desaparecido quando iria se encontrar com

Bruno para resolver questões de ordem financeira e pessoal, o julgamento

aconteceu há dois anos, oito meses e doze dias após, com a ideia de que teria sido

ele o mandante do crudelíssimo assassinato de Eliza.

Sete pessoas do povo, juízes do fato, sem a necessidade de deter qualquer

conhecimento jurídico, que internalizaram como sua uma conclusão midiática de

que Bruno fora mesmo o mandante de um crime inacreditavelmente bárbaro,

exaltando uma personalidade desviada e maléfica, eis que ouviram a narrativa

moralizadora, latente e repetitiva por quase três anos, confirmaram nas urnas no

dia 08 de março de 2013, por maioria absoluta, 4 votos a 0227 que Eliza está

mesmo morta, que Bruno fora o mandante e deveria ser responsabilizado.

A Magistrada incumbida de dosar a pena cujo Conselho de Sentença já

condenara o Réu, somente descreveu na sentença o que ocorreu durante todo o 226 (GOMES, 2013, p. 21). 227 O Conselho de Sentença é composto por sete jurados. Porém, a Lei nº. 11.689/08 alterou a redação do artigo 489 do Código de Processo Penal para impor a contagem de votos por maioria simples. Assim, após chegar ao montante de 4 votos, não mais se conta os demais, a fim de resguardar o sigilo das votações (ponto 2.3.2).

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carrear processual, ou seja, o que a mídia incutira nas mentes dos membros da

sociedade brasileira como um todo e a justificativa pela sede de punição.

Reafirmando ainda sobre a personalidade de Bruno, que dias antes do

veredicto já tinha sido desenhada pela mídia, tratara a Juíza228: “ (...) demonstrou

ser pessoa fria, violenta e dissimulada. Sua personalidade é desvirtuada e foge dos

padrões mínimos de normalidade. O réu tem incutido em sua personalidade uma

total subversão dos valores.”

Sendo assim, a juíza deixou de lado o discurso formal e técnico jurídico,

requintando a sentença com conceito verdadeiramente aberto e subjetivo como

“padrões mínimos de normalidade”, “valores”, “personalidade desvirtuada”.

Ademais, trouxe isso ao processo sem nenhum auxílio de profissionais

capacitados a afirmar sobre a personalidade de Bruno. Certo é que o profissional

do Direito não é capacitado para tanto.

Ainda utilizando as palavras do Professor Luiz Flávio Gomes “As balizas

da justiça, quando deixadas sob o comando do povo ou da pura emoção, ficam

totalmente cegas (a história de Jesus Cristo que o diga). Quando a emoção fala

mais alto que a razão, tudo quanto satisfaz a ira das massas passa a ser ‘válido’ e

‘justo’.”229

Daí chega-se à conclusão de que possivelmente não houve a justiça no fato

em questão, pois, o veredicto resultante de todo esse processo judicial foi

embasado em uma estória mítica, construída pela mídia, mesmo que a intenção

midiática não tenha sido a condenação de Bruno, e sim os altíssimos lucros

decorrentes de uma elevada audiência de um fato que envolve e prende a atenção

do público em geral.

Outras curiosidades estranhíssimas ao operador do direito e principalmente

àquele que tem uma atuação em crimes dolosos contra a vida ocorreram no

processo em comento. Algumas destas serão analisadas nos pontos a seguir.

228 No texto da sentença. 229 (2013, p. 22).

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8.1

Materialidade Delitiva

Tem-se como materialidade delitiva uma prova de que certo fato

criminoso ocorreu. Essa materialidade deve ser provada em delitos que deixam

vestígios materiais (como o homicídio). O conjunto desses vestígios é chamado

tecnicamente de corpo de delito.

Existindo vestígios, sejam os rastros ou pistas deixados por alguém ou

alguma coisa, é obrigado que se tenha no caderno processual o exame de corpo de

delito, seja ele direto ou indireto, conforme artigo 158 do Código de Processo

Penal: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo

de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”

É uma prova imposta por determinação legal, ou seja, sua produção não é

discricionária. Caso haja a falta dessa, pode ocasionar a nulidade processual por

ordem do artigo 564, III, “b” do Código de Processo Penal.

Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci230:

Exame de Corpo de delito: é a verificação da prova como existência do crime, feita por peritos, diretamente, ou por intermédio de outras evidências, quando os vestígios ainda que materiais, desaparecem. O corpo de delito é a materialidade do crime, isto é, a prova da sua existência. O exame de corpo de delito direto é aquele que o perito analisa o próprio

corpo de delito, quando ele ainda existe e é palpável. Já o indireto é feito com a

“ajuda de meios acessórios, subsidiários, pois o corpo de delito não mais subsiste

para ser o objeto do exame”231, é o caso de fotos, filmagens, prontuários médicos

entre outros.

Ainda não havendo a possibilidade da feitura do auto de corpo de delito

direto ou indireto, a prova testemunhal pode atestar a materialidade delitiva,

porém a confissão não pode ser utilizada para esse fim, conforme o mesmo artigo

167.

Esses meios de prova assumem ordem preferencial, primeiro a tentativa de

fazer o exame direto, posteriormente o indireto e só na falta de ambos supre-se

pela prova testemunhal.

230 (2009, p. 362). 231 (TÁVORA e ALENCAR, 2013, p. 418).

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O exame direto exige a atuação de peritos para a elaboração, conforme

entendimento majoritário na doutrina. Essa corrente majoritária ainda entende que

o corpo de delito indireto engloba o suprido pela prova testemunhal, e assim

prescinde de feitura desse exame bastando o termo de declaração da

testemunha232.

Um processo pode começar sem a consubstancial prova de sua

materialidade, mas assim continuando não pode haver uma condenação, por ser

causa de nulidade conforme já tratado233.

Importante aqui ressaltar que se entende por prova testemunhal o termo da

oitiva de qualquer pessoa pelo juízo, compromissada e inquirida, nos termos do

artigo 203 e 206 do Código de Processo Penal.

Esclarece-se que o acusado não é testemunha, e não presta depoimento,

mas é interrogado e não tem o compromisso de dizer a verdade, podendo inclusive

quedar-se inerte, permanecendo calado234.

Também não pode ser ouvido como testemunha ascendente ou

descendente, o afim em linha reta, o cônjuge ou companheiro, ainda que

desquitado, o irmão, o pai, a mãe e filho adotivo do acusado, ou qualquer pessoa

que tenha interesse no resultado do processo judicial, eis que inexigível seria que

eles produzissem provas contra seu afeto235. E ainda os doentes e deficientes

mentais e os menores de quatorze anos, eles não prestarão o compromisso de dizer

a verdade e poderão ser ouvidos como informantes, exceto se tiverem capacidade

de interlocução236.

8.1.1 Delito sem corpo

Um processo penal pode ter início sem prova concreta de materialidade,

mas nunca pode chegar a uma condenação sem ela, como já mencionado. No caso

Eliza Samúdio, os restos mortais da jovem não foram encontrados, apesar de

buscas incansáveis. E em casos como esse, conforme já explicado, pode haver o

232 Interpretação extensiva do artigo 328, paragrafo único do Código de Processo Penal Militar (TÁVORA e ALENCAR, 2013, p. 418). 233 Artigo 564, III, “b” do Código de Processo Penal, em crimes que deixam vestígios a obrigatoriedade do Auto de Corpo de Delito. 234 Princípio nemo tenetur se detegere. 235 Artigo 206 do Código de Processo Penal. 236 Artigo 208 do Código de Processo Penal.

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chamado exame de corpo de delito indireto, ou seja, a utilização de outros meios

não palpáveis, como o depoimento testemunhal.

Ocorre que, em um procedimento criminal de crimes dolosos contra a

vida, conforme item 2.3, deve haver o fim da primeira fase do procedimento, a

judicium accusationis, encerra com uma decisão de pronúncia237, caso o juiz tenha

se convencido da materialidade do fato e houver indícios suficientes de autoria ou

participação do acusado.

Sendo assim, a materialidade deve estar provada nessa fase, ou seja, deve

estar certa, com provas testemunhais ou auto de corpo de delito direto.

Na decisão de pronúncia que se encontra nos autos do processo em

comento, quando faz menção à materialidade do fato, a Magistrada expõe que será

feita indiretamente pelas provas orais, técnicas e documentais, em 17 de dezembro

de 2010.

Enumeram-se depoimentos e documentos de outro processo que tinha a

mesma vítima e Bruno como um dos autores dos crimes, quando teria ameaçado e

exigido que Eliza abortasse uma criança à qual lhe era atribuída a paternidade.

Processo esse que não possuía os mesmos advogados e que não tivera as provas

confirmadas no processo em questão238. Além disso, trouxe também um DVD que

teria sido veiculado pela “grande mídia”239, e perícia em computador da vítima.

Também enumerou perícia feita no GPS do carro de Bruno que teria

levado Eliza do hotel no qual se encontrava para a casa de Bruno no bairro

Recreio dos Bandeirantes/Rio de Janeiro e para o sítio em Minas Gerais, perícia

que encontrou sangue de Eliza no referido carro, declarações dos acusados

Fernanda e Bruno e do menor Jorge Luiz, que também fora envolvido no caso e

ainda respondia a um processo criminal na Vara da Infância e Adolescência da

mesma comarca, pelo que não poderia constar como testemunha, Bem como

Bruno e Fernanda.

237 Artigo 413 do Código de Processo Penal. 238 Ver sobre prova emprestada em: (TAVORA e ALENCAR, 2013, p. 403-404, e CAPEZ, 2013, p. 479-480) 239 Expressão utilizada pela Juíza.

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8.1.2

Expedição de Certidão de Óbito no Processo

Em 23 de novembro de 2012, houve o fim do julgamento de Luiz

Henrique Romão, o “Macarrão”, que ao ser interrogado afirmou que a jovem teria

sido morta a mando de Bruno, na forma em que a mídia veiculou, frise-se ser ele

envolvido, pelo que não foi ouvido como testemunha.

Em 16 de janeiro de 2013, a Magistrada mandou que fosse expedida a

certidão de óbito de Eliza Samúdio, constando como data da morte, dia 10 de

julho de 2010 e motivo “emprego de violência aplicada na forma de asfixia

mecânica (esganadura)”, tendo ainda como declarante “mandado judicial”.

Com isso, já havia tido como confirmada a materialidade do caso Eliza

Samúdio, por força judicial240, mesmo antes do conselho de sentença, no

julgamento de Bruno Fernandes, que somente teria início em 04 de março do

mesmo ano, afirmar a existência desse homicídio. A certidão de óbito foi datada

de 24 de janeiro de 2013.

Já na sentença condenatória, em 08 de março de 2013, aos jurados foi

apresentada a materialidade do fato já confirmada, principalmente pela certidão de

óbito que, mesmo sendo alvo de discussão jurídica241 e digna de não aceitação

pela defesa do processo, continuou integrando as provas desse, e foi utilizada em

sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri em pedido de condenação.

Ainda foi reafirmada a materialidade, explicando a feitura da certidão de

óbito pela sentença da Magistrada tratando assim:

Embora para esta indagação não se tenha uma resposta, certamente pela eficiência dos envolvidos, a sociedade de Contagem que em outro julgamento já tinha reconhecido o assassinato da vítima, hoje reconheceu o envolvimento do mandante na trama diabólica.242

240 Eis que a certidão de óbito é o documento que afirma a morte de certo cidadão, assim como a de nascimento atesta o nascimento e a de casamento atesta a união de duas pessoas. 241 Houve recurso contra a decisão que mandou expedir a certidão de óbito. 242 Trecho da sentença sobre a materialidade delitiva.

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8.2

Qualificadora da Asfixia

O artigo 121, §2º do Código Penal disciplina o homicídio na modalidade

qualificada.

Para esse tipo de delito estipulou uma pena mínima em dobro da do

homicídio simples, a pena aplicada àquele é entre doze a trinta anos, pois

entendeu o legislador tratar-se de forma mais reprovável de ceifar a vida de outra

pessoa.

Tendo como base ensinamentos de Rogério Greco, tais qualificadoras

podem ser classificadas como de motivos, meio, modos e fins243. As estabelecidas

nos incisos I e II desse parágrafo, em síntese a paga ou a promessa de

recompensa, ou outro motivo torpe , e o motivo fútil correspondem aos motivos.

As tratadas no inciso III, seja o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,

tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum,

apontam, assim, os meios. Já a exposta no inciso IV, seja a traição, emboscada,

dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do

ofendido, são classificadas como modo. Por último, a elencada no inciso V, para

assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime,

classificada como de fins.

A doutrina tem entendido que o homicídio qualificado é uma derivação do

tipo homicídio tratado no artigo 121, caput, do Código Penal, e por isso não é

elementar244 do delito, mas tão somente uma modalidade desse. Neste sentido o

entendimento de GRECO245:

É importante frisar, nesta oportunidade, que o § 2º do art. 121 do Código Penal prevê uma modalidade de tipo derivado qualificado. Isso significa que todas as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias, e não como elementares do tipo. Tal raciocínio se faz mister pelo fato de que o art. 30 do Código Penal determina: Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

243 (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vol. II. 2013, p.150-162). 244 Não integra os elementos do tipo. 245 Idem (p. 150-151).

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Bem, tudo isso quer dizer que se duas ou mais pessoas cometerem o delito

de homicídio, agindo em concurso de pessoas, pode um ter agido de forma

qualificada, como mediante paga, e o outro, de maneira privilegiada246, como o

relevante valor moral, se mandar matar o estuprador da própria filha.

Ainda nesse interim as lições de Damásio de Jesus247:

Circunstâncias são elementos acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena. Não interferem na qualidade do crime, mas sim afetam a sua gravidade (quantitas delicti). Podem ser: a) Objetivas (materiais ou reais) b) Subjetivas (ou pessoais) Circunstâncias objetivas são as que se relacionam com os meios e os modos de realização do crime, tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades da vítima. Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só dizem respeito à pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, com os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima ou com outros concorrentes. Principalmente por estar tratado em um parágrafo do artigo 121 do Código

Penal, o homicídio qualificado é um tipo derivado e não autônomo. Sendo assim,

sendo imputado a um dos réus a prática do homicídio qualificado, não

necessariamente se aplicará ao outro as mesmas iras. Ademais, caso se aplique a

todos os réus, deve ser devidamente individualizada e comprovada.

No caso em tela, os réus Bruno, “Macarrão”, Dayanne, Fernanda, Sérgio,

Elenílson, Wemerson, “Bola” e Flávio foram denunciados pelo homicídio de

Eliza Samúdio com a aplicação de três qualificadoras, sejam as tratadas no artigo

121, §2º, I, III e IV. Com a exceção do Marcos Aparecido (Bola) foram ainda

denunciados no sequestro e cárcere privado e a ocultação de cadáver, além da

corrupção de menor (Jorge).

O porquê da aplicação dessas qualificadoras ressalta da denúncia:

Dentro da casa, MARCOS APARECIDO “BOLA”, contando com a ajuda de “MACARRÃO”, asfixiou ELIZA até a morte. Pelas costas de ELIZA, “BOLA” passou seu braço pelo pescoço da vítima, em um golpe conhecido como “gravata”, e constringiu-lhe o pescoço, esganando-a. (...) (...) O torpe motivo do crime era o desejo de BRUNO de retaliar ELIZA, em face de sua postura de mãe obstinada na defesa dos direitos do seu filho.

246 Expressão utilizada para a causa de diminuição de pena trazida no artigo 121, §1º do Código Penal. 247 (1999, p.59-60).

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ELIZA, constantemente subjugada por múltiplos algozes, levada ao cativeiro e lá mantida por vários dias até a data de sua morte, não teve a mínima chance de defesa. Claramente se vê que a asfixia foi imputada a Marcos Aparecido e Luiz

Henrique (Macarrão), o motivo torpe apenas a Bruno, e o recurso que

impossibilitou a defesa do ofendido foi imputada a todos, mesmo que a todos eles

tenham sido imputada a prática do homicídio com as três qualificadoras.

Já em sede de decisão de pronúncia, onde, não poderiam essas

qualificadoras serem aplicadas de forma genérica e desordenada, segundo

entendimento legal e doutrina. Nesse sentido encontra-se sumulado248 pelo

Tribunal de Justiça de Minas Gerais249, Súmula nº. 64: “Deve-se deixar ao

Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar

qualificadoras na fase de pronúncia, salvo quando manifestamente

improcedentes.” (grifo nosso).

A decisão de pronúncia do processo estudado teceu a explicação de que a

qualificadora do motivo torpe não poderia ser estendida a Marcos Aparecido,

tendo então pronunciado: Bruno Fernandes, Luiz Henrique e Sérgio Rosa no

homicídio com as três qualificadoras (motivo torpe, uso de asfixia e recurso que

impossibilitou a defesa da ofendida), além do sequestro e cárcere privado e

ocultação de cadáver; Marcos Aparecido no homicídio duplamente qualificado

(pela utilização de asfixia e o recurso que impossibilitou a defesa da ofendida) e

ocultação de cadáver; Dayanne, Elenilson e Wemerson no sequestro e cárcere

privado da criança Bruno Samúdio; e Fernanda Gomes no sequestro e cárcere

privado de Bruno Samúdio e Eliza Samúdio. Para os demais acusados e demais

crimes houve a absolvição sumária250 e a impronúncia251.

Para não decotar252 as qualificadoras quanto a Bruno, Luiz Henrique e

Sérgio, a Magistrada invocou a Súmula do Tribunal de justiça de Minas Gerais

248 Decisões sobre casos assemelhados, na mesma forma, reiteradas vezes, faz com que se tenha um entendimento pacificado. 249 Onde fora processado o feito. 250 Todos os acusados quando ao delito de “corrupção de menores” (artigo 244-B, §2º, da Lei nº. 8.069/90). 251251 Os acusados Flávio, Dayanne, Fernanda, Elenilson e Wemerson quanto aos delitos de homicídio e ocultação de cadáver (artigos 121, §2º, I, III e IV; e 211 do Código Penal). Também Flávio quanto ao delito de sequestro e cárcere privado de Bruno Samúdio (artigo 148, §1º, IV do Código Penal). 252 Expressão utilizada no mundo jurídico que quer dizer retirar.

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sobredita, alegando não ser completamente descabida e encaminhando ao

Tribunal do Júri tal julgamento.

Em julgamento pelo Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença, por quatro

votos a um, reconheceu o motivo torpe, e por quarto votos a zero reconheceu

também a utilização de asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da ofendida

com relação a Bruno.

Intrigantemente, se a estória teria sido que Marcos Aparecido havia

matado Eliza a mando de Bruno e com a ajuda de “Macarrão”, não foi

diretamente Bruno que ceifou a vida da jovem, não podendo este responder pela

modus operandi em que se deu tal homicídio.

Tomando por base os entendimentos doutrinários e até o próprio texto

legislativo, é notório que tal qualificadora não poderia ser generalizada, a não ser

que comprovado fosse que Bruno mandou que Marcos Aparecido matasse Eliza

asfixiando-a, e tão somente dessa forma, o que não aconteceu.

Mais uma vez, por força da opinião pública gerada pelos meios midiáticos,

a indignação generalizada popular, o medo que foi plantado na sociedade e o

repúdio ao “monstro” elaborado pelas manchetes jornalísticas, houve a

condenação por uma pena maior do que a aceita em Direto.

Nesse sentido Luiz Flávio Gomes asseverou chamando esse fenômeno de

“populismo penal midiático”253:

Para além da midiatização do Judiciário, um outro tema de grande destaque no cenário criminológico atual reside, sem sombra de dúvida, na análise das opiniões públicas e publicada diante da punição, e isso em razão da crescente preocupação diante do populismo punitivo que vem se desenvolvendo em inúmeros países e que possui nos clamores punitivos dos cidadãos um pilar significativo para o delineamento de respostas mais severas à criminalidade. Explicando o “populismo penal midiático”, o autor assim traz254:

Dentre os possíveis agentes do discurso expansionista do populismo penal (opinião pública, policiais, políticos, legisladores, juízes, agentes penitenciários, universidades ou escolas, ONG’s, interpretes da lei, agências internacionais ou transnacionais etc.), sobressaem os meios de comunicação, que desenvolveram no campo penal e criminológico uma maneira muito peculiar de fazer jornalismo, que poderia ser chamada de populista (ou justiceira) (Díez Ripollés:2007, p. 529 e ss.; Frascaroli: 2004, p. 205 e ss). Trata-se da acumulação de uma experiência jornalística extremamente seletiva, que conta com implicações, multifacetadas nos campos criminológico, penal, penitenciário, sociológico, psicológico,

253 (2008, p. 22-23). 254 Idem (p. 98-99).

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político, social, ético, moral, econômico, cultural, securitário (segurança pública) etc. Ainda aí o autor ilustra que a técnica primordial utilizada pelos meios

midiáticos para deter o apoio popular é a exploração de forma abundante a “

(...)perversidade ou astúcia de algum criminoso totalmente excêntrico (que deve

ser punido com o mesmo rigor, de acordo com a proporcionalidade dos danos)

(...)”255, sendo que com base nesses dados, dão credibilidade aos seus discursos

pleiteando maior severidade penal, vigilância implacável e a criminalização dos

“seguimentos suspeitosos estereotipados”256, tudo como forma de aplacar a

violência e criminalidade.

Muito precisamente explica tal fenômeno:

Mas por que a população continua acreditando nessas “soluções” mágicas e demagógicas? Spee (apud Zaffaroni: 2011, p. 366) atribuía a longevidade das caças às bruxas (na Idade Média) à ignorância do povo. Conclusão: é a desinformação assim como as crenças mágicas que se encontraram na base das “soluções” demagógicas do populismo penal.257 Diante de todo o exposto, o “populismo penal midiático” fez com que,

mesmo que a norma e os estudiosos do Direito dissessem em contrário, Bruno

fosse condenado a uma pena maior que se caberia.

8.3

Decisões e Sentenças Contraditórias

Outro fato bastante incomum, que também é um reflexo do “populismo

penal midiático”, é o que se traduz pelo quantum 258de pena aplicada a cada um

dos réus na medida de suas culpabilidades259. Acredita-se ter acontecido uma não-

observância os chamados princípios da proporcionalidade e da individualização

das penas.

255 Idem (p.201). 256 Idem. 257 Idem (p.203). 258 No sentido de quantidade e tamanho. 259 O artigo 29 do Código Penal preleciona que “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” Deste modo, a pena aplicada a cada réu deve ser proporcional ao mal praticado pelo mesmo, princípio penal da proporcionalidade.

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O Princípio da proporcionalidade diz que o mal da pena deve ser

proporcional ao mal cometido. Dessa feita, deve ser aplicado tal princípio em três

momentos distintos, sejam: no momento em que o legislador estatuir pena mais

grave ao delito mais grave e pena menos grave ao delito menos grave; no

momento da aplicação da pena entre o mínimo e o máximo legal a depender da

gravidade delitiva; e no momento da execução da pena, quando o agente de fato

sofre a sanção estatal, quando se dá o caráter retributivo da pena, devolve ao

sentenciado o mal que ele praticou contra a sociedade.

Tendo em vista a inflação legislativa penal, acredita-se haver uma

dificuldade em aplicar uma severidade da pena proporcional à gravidade do delito.

Neste diapasão Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, apud GRECO260,

referindo-se ao Direito traz:

(...); o que ele não pode é admitir que a essa natureza irracional do exercício do poder punitivo se agregue um dado de máxima irracionalidade, por meio do qual sejam afetados bens jurídicos de uma pessoa em desproporção grosseira com a lesão que causou. Já com relação ao princípio da individualização da pena tem o seu

nascimento no artigo 5º, XLVI da Constituição Federal, quando aduz: “ A lei

regulará a individualização da pena (...)”.

Esse princípio, tal qual ao da proporcionalidade, tem a sua aplicação em

fases semelhantes, seja a da cominação, quando o legislador escolhe a conduta a

ser tipificada e a ela atribui pena individual a este crime, de acordo com a

relevância do bem tutelado; e na fase de aplicação da pena pelo Magistrado,

quando esta valora quanto será aplicada a cada um dos acusados da prática

daquele fato típico; e na fase de execução da pena.

No momento da aplicação da pena ao caso concreto, o julgador procede

conforme artigo 68 do Código Penal. Atendendo ao procedimento “trifásico” de

aplicação de pena:

A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do Art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. Sendo assim, primeiramente o juiz faz a aplicação de uma pena entre o

mínimo e o máximo cominada a certo delito, que será a base para os cálculos

260 (2013,vol.2, p.29).

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seguintes, ou seja, a aplicação das atenuantes e agravantes e por último as causas

de aumento e diminuição de pena.

Circunstâncias agravantes e atenuantes são aquelas que respectivamente

aumentam ou diminuem a pena à medida que entender o aplicador, e que estão

dispostas genericamente no artigo 61 e 62, 65 e 66 do Código Penal, existindo

ainda espaças pela parte especial do mesmo Código.

As causas de aumento e diminuição de pena são frações estabelecidas pela

lei, para que haja uma majoração ou minoração de pena nas circunstâncias

elencadas, estão dispostas aleatoriamente no Código Penal.

O cálculo para a aplicação da pena base será feito da seguinte forma261:

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. Na fase de execução penal, os sentenciados “serão classificados, segundo

os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução

penal”262. Sendo assim, cada pessoa acusada da prática de uma infração penal, e

condenada, será submetida a uma pena individualizada e proporcional.

No processo ora analisado ocorreu uma desproporcionalidade da aplicação

da pena na medida das culpabilidades de cada um dos acusados, senão vejamos:

O primeiro julgamento com relação ao homicídio foi o de Luiz Henrique

Romão, “Macarrão”, em 23 de novembro de 2010, condenado a quinze anos de

prisão no regime inicial fechado, pelo homicídio com as três qualificadoras e o

sequestro e cárcere privado, tendo o conselho de sentença o absolvido da

ocultação de cadáver, com a seguinte aplicação:

A culpabilidade do crime contra a vida é intensa e altamente reprovável. Tempos antes, o réu, juntamente com outros agentes, já tinha sucumbido a vítima Eliza Samúdio, com o fim de exterminar a vida por ela carregada no ventre. Não conseguiu acabar com a vida que se iniciava, todavia, não desistiu das investidas contra Elisa, tanto que sequestrou no Rio de Janeiro e a trouxe cativa para o sítio em Esmeraldas, onde a deixou por quase uma semana esperando a

261 Artigo 59 do Código Penal. 262 Artigo 5º da Lei de Execuções Penais, Lei nº. 7.210/84.

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operacionalização de sua morte. A vítima Elisa foi agredida, sequestrada e, por fim, executada. O desenrolar do crime de homicídio conta com detalhes sórdidos e demonstração de absoluta impiedade. A culpabilidade é pelos mesmos motivos, igualmente acentuada em relação ao crime de sequestro tendo como vítima a criança Bruno Samúdio. Conforme se infere das folhas de Antecedentes Criminais de f. 9.527/9.530, 9.728 e 9.639, bem como Certidões de Antecedentes Criminais de f. 9.531/9.532, 9.687, 9.668, 9.659, 9.832, 13.111/13.115, 9.652 e 15.291 o réu embora tecnicamente primário já conta com condenação criminal, de modo que não pode ser tido como de bons antecedentes. A circunstância atinente à conduta social não lhe favorece, eis que há informações nos autos de que tinha envolvimento com o tráfico de drogas (f. 15.860/15865). Soma-se, ainda, que não obstante ter esposa e filhas, deixou a família para se deleitar das promiscuidades que a face obscura do mundo do futebol proporcionava-lhe. No tocante à personalidade tal circunstância, será interpretada em favor do acusado, uma vez que não revelada diversamente. Os motivos do crime já foram apreciados para efeito de reconhecimento da qualificadora. As circunstâncias não o favorecem uma vez que a vítima foi atraída para o Rio de Janeiro, onde permaneceu hospedada em hotel, às expensas de um dos réus, até o momento de seu sequestro no dia 04.06.2010, quando foi agredida e rendida com a concorrência do então adolescente Jorge Luiz e levada para a casa de um dos pronunciados , no condomínio, no Recreio dos Bandeirantes/RJ e de lá foi trazida para Minas Gerais, onde ficou igualmente cativa, juntamente com seu bebê e permaneceram sucumbidos até o dia em que Elisa foi levada para as mãos de seu executor. Tais circunstâncias demonstram a firme disposição para a prática do homicídio que, ao que tudo indica, teve a sua execução meticulosamente arquitetada. As circunstâncias do sequestro do bebê são pelos mesmos fundamentos desfavoráveis. As consequências do homicídio foram graves, eis que a jovem Elisa teve a sua vida ceifada de modo brutal, deixando órfã uma criança que só por quatro meses de vida teve o privilégio dos afagos de sua mãe biológica. As consequências quanto ao crime de seqüestro da criança são igualmente desfavoráveis, eis que, no primeiro dia do crime ficou, inclusive, privada da companhia de sua mãe e na perpetuação do delito pelos dias seguintes, passou pelas mãos de diversas pessoas igualmente estranhas. No tocante ao comportamento das vítimas, não constam nos autos provas de que tenha havido por parte delas qualquer contribuição. De salientar que o fato de a vítima Elisa estar cobrando o reconhecimento do filho e respectiva pensão não eram motivos para serem alvos de tão bárbaros delitos. Com tal diagnóstico, na 1ª. fase, em relação ao crime do art. 121, 2°, I, III e IV, do CPB com preponderância das circunstâncias desfavoráveis e reconhecidas as qualificadoras do motivo torpe, emprego de asfixia e recurso que dificultou a defesa da vítima, fixo a pena base em 20 (vinte) anos de reclusão. Na 2ª fase, há a atenuante da confissão. No caso em apreço, embora a confissão do réu seja parcial, ela encontra especial valor. Após análise de todo o contexto probatório coletado na fase do inquérito policial e em juízo, com alicerce na prova testemunhal, documental e pericial, por ocasião da sentença de pronúncia, externei o meu convencimento de que a materialidade do crime estava comprovada pela prova indireta e que Elisa Samúdio, de fato, havia sido brutalmente assassinada. No entanto, alguns dos Advogados dos corréus, no seu regular exercício da defesa, semearam de forma exitosa a dúvida na mente de milhares de pessoas que, por longos dois anos e cinco meses, questionavam e se perguntavam se Elisa Samúdio estava realmente morta. Portanto, tenho que a admissão pelo réu Luiz Henrique de que realmente levou Elisa Samúdio para o encontro com a morte foi

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de extrema relevância para tirar o Conselho de Sentença qualquer dúvida sobre a materialidade do crime de homicídio porventura ainda existente. Dessarte, não obstante a grande reprovabilidade da conduta do réu, prestigio a sua confissão em Plenário para reduzir a pena base aplicada para o mínimo legal, ficando, pois, fixada em 12 (doze) anos de reclusão, concretizando-se neste patamar eis que inexistem circunstâncias agravantes ou causas especiais de oscilação. No tocante ao crime do art. 148, § 1º, IV, do CP, já analisadas as circunstâncias judiciais desfavoráveis, na sua maioria, preponderam, na 1ª. fase, fixo a pena base em 3 (três) anos de reclusão. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes ou agravantes e na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda, neste patamar concretizada. A pena será cumprida em regime aberto. Ficam, pois, as penas totalizadas em 15 (quinze) anos de reclusão, nos termos do art. 69 do CPB.

Em resumo, mesmo tendo entendido ser Luiz Henrique Romão,

“Macarrão”, a pessoa que levou Eliza Samúdio para a sua morte, conforme se

expressa a Magistrada, aplicou-lhe a pena mínima cominada ao crime de

homicídio qualificado, alegando ter ele confessado a autoria delitiva, mesmo que

parcialmente, ajudando a confirmar a materialidade do fato. Ou seja, mesmo

condenado no homicídio triplamente qualificado, teve a pena de 12 anos de

reclusão, pena que seria aplicada a um delito com apenas uma qualificadora.

Frise-se que “Macarrão” não era o alvo central na mídia, sendo Bruno, o jogador

famoso de Futebol, conforme já tratado neste trabalho.

Bruno foi o segundo a ser julgado pelo Tribunal do Júri pela prática desse

homicídio. Em 08 de março de 2013, teve a pena de vinte e dois anos e três meses

de reclusão pela prática dos crimes de homicídio triplamente qualificado,

sequestro e cárcere privado de Bruno Samúdio, e ocultação de cadáver. Como a

abaixo justificação:

Culpabilidade. A culpabilidade dos crimes é intensa e altamente reprovável. O crime contra a vida praticado nestes autos tomou grande repercussão não só pelo fato de ter entre seus réus um jogador de futebol famoso, mas também por toda a trama que o cerca e pela incógnita deixada pelos executores sobre onde estariam escondidos os restos mortais da vítima. Embora para esta indagação não se tenha uma resposta, certamente pela eficiência dos envolvidos, a sociedade de Contagem que em outro julgamento já tinha reconhecido o assassinato da vítima, hoje reconheceu o envolvimento do mandante na trama diabólica. A investida do réu contra a vítima não foi a primeira vez, mas certamente foi a última. Ficou cristalino o interesse do réu em suprimir a vida de Elisa Samúdio. Agiu sempre de forma dissimulada da sua real intenção. Assim Elisa foi sequestrada no Rio de Janeiro e trazida cativa para o sítio em

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Esmeraldas, onde ficou por quase uma semana esperando a operacionalização de sua morte. O desenrolar do crime de homicídio conta com detalhes sórdidos e demonstração de absoluta impiedade. A culpabilidade é pelos mesmos motivos, igualmente acentuada em relação ao crime de sequestro tendo como vítima a criança Bruno Samúdio, sendo igualmente intensa e reprovável em relação ao crime de ocultação de cadáver. O réu Bruno Fernandes acreditou que, consumindo com o corpo, a impunidade seria certa. Conforme se infere das folhas de Antecedentes Criminais de f. 9.519/9.523, 9.724/9.727 e 9.638 bem como Certidões de Antecedentes Criminais de f. 9.524/9.525, 9.686, 9.667, 9.654/9.655, 9.8361, 13.106/13.110, 9.653 e 15.228 o réu embora tecnicamente primário já conta com condenação criminal, de modo que não pode ser tido como de bons antecedentes. A circunstância atinente à conduta social não lhe favorece, eis que há informações nos autos de que tinha envolvimento com o tráfico de drogas (f. 15865/15870). A conduta social é igualmente desfavorável considerando o comprovado envolvimento do réu Bruno Fernandes na face obscura do mundo do futebol. No tocante à personalidade tal circunstância, igualmente não favorece ao acusado, uma vez que demonstrou ser pessoa fria, violenta e dissimulada. Sua personalidade é desvirtuada e foge dos padrões mínimos de normalidade. O réu tem incutido na sua personalidade uma total subversão dos valores. Os motivos do crime de homicídio já foram apreciados para efeito de reconhecimento da qualificadora do motivo torpe. Os motivos dos crimes de sequestro da vítima Bruno Samúdio e do crime de ocultação de cadáver, não serão interpretados desfavoravelmente, tendo em vista que a motivação exsurgida, no caso em apreço, foi inerente aos tipos penais. As circunstâncias não o favorecem uma vez que a vítima foi atraída para o Rio de Janeiro, onde permaneceu hospedada em hotel, às expensas do réu, até o momento de seu sequestro no dia 04.06.2010, quando foi agredida e rendida com a concorrência do corréu Luiz Henrique Ferreira Romão e do então adolescente Jorge Luiz. Foi levada para a casa do acusado Bruno Fernandes, no Recreio dos Bandeirantes/RJ e de lá foi trazida para Minas Gerais, onde ficou igualmente cativa, juntamente com seu bebê e permaneceram sucumbidos até o dia em que Elisa foi levada para as mãos de seus executores. Tais circunstâncias demonstram a firme disposição para a prática do homicídio que teve a sua execução meticulosamente arquitetada. As circunstâncias do sequestro do bebê, são pelos mesmos fundamentos desfavoráveis. Também não lhe favorecem as circunstâncias da ocultação de cadáver. A supressão de um corpo humano é a derradeira violência que se faz com a matéria, num ato de desprezo e vilipêndio. As conseqüências do homicídio foram graves, eis que a vítima deixou órfã uma criança de apenas quatro meses de vida. As consequências quanto ao crime de seqüestro da criança são igualmente desfavoráveis, eis que, no primeiro dia do crime ficou, inclusive privada da companhia de sua mãe que tinha sido agredida na cabeça. Foi, ainda, privada de sua liberdade do decorrer dos dias seguintes e depois da execução de sua mãe, passou pelas mãos de diversas pessoas igualmente estranhas. As circunstâncias do crime de ocultação de cadáver, não serão interpretadas em seu desfavor, uma vez que não foram reveladas. No tocante ao comportamento das vítimas, não constam nos autos provas de que tenha havido por parte delas qualquer contribuição. Registro que o fato de a vítima Elisa estar cobrando o reconhecimento do filho e respectiva pensão não eram motivos para serem alvos de tão bárbaros delitos. Com tal diagnóstico, na 1ª. fase, em relação ao crime do art. 121, 2°, I, III e IV, do CPB com preponderância das circunstâncias desfavoráveis e reconhecidas as qualificadoras do motivo torpe, do emprego de asfixia e recurso que dificultou a defesa da vítima, fixo a pena base em 20 (vinte) anos de reclusão.

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Na 2ª fase, registro que durante todo o processo o réu negou qualquer envolvimento no crime, inclusive por ocasião do seu interrogatório ocorrido na data de ontem. Naquele depoimento, prestou esclarecimentos, identificando o executor do homicídio. Hoje, o réu, pediu para ser novamente ouvido, oportunidade em que reconheceu que sabia que a vítima Elisa Samúdio iria morrer. Não quis mais responder às perguntas. Data vênia, mas essa lacônica confissão não merece a mesma redução concedida ao corréu Luiz Henrique Ferreira Romão, no julgamento passado como quer a defesa. Naquela ocasião consignei que a admissão do réu Luiz Henrique de que realmente tinha levado Elisa Samúdio para ser executada, ao afirmar que a levou ao encontro com a morte, colocou uma pá de cal na discussão criada desde o início pela defesa dos acusados que sempre afirmou que Elisa estava viva. Dessarte, dou à confissão do réu Bruno Fernandes hoje no Plenário valoração que permite a redução pela atenuante em 03 (três) anos, ficando, pois, fixada em 17 (dezessete) anos de reclusão. Reconheço a agravante do art. 62, I, CPB, eis que sustentado no Plenário pela acusação que o réu agiu na qualidade de mandante da execução da vítima, fato este comprovado nos autos pela prova oral, mormente pela delação do corréu Luiz Henrique às f. 15898/15.909, de modo que majoro a pena de 06 (seis meses). A pena final, portanto, perfaz 17 (dezessete) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Na 3º fase, registro que não há causas especiais de oscilação. A pena será cumprida em regime inicialmente fechado. No tocante ao crime do art. 148, § 1º, IV, do CP, já analisadas as circunstâncias judiciais, na sua maioria desfavoráveis, na 1ª. fase, fixo a pena base em 3 (três) anos de reclusão. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes, havendo a agravante do art. 61, II, “e”, do CPB, eis que o crime foi praticado contra descendente, motivo pelo qual, majoro a pena de 03(três) meses. Na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda, concretizada em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão. A pena será cumprida em regime aberto. No tocante ao crime do art. 211 do CP, já analisadas as circunstâncias judiciais, na sua maioria desfavoráveis, na 1ª. fase, fixo a pena base em 1 (um) ano e 06 meses de reclusão. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes ou agravantes. Na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda, concretizada em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão. A pena será cumprida em regime aberto. Ficam, pois, as penas totalizadas em 22 (vinte e dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, nos termos do art. 69 do CPB. Ressalte-se que, por ter sido Bruno o alvo da mídia, a sua pena foi aplicada

maior que a de Luiz Henrique, mesmo com a aplicação da atenuante da confissão

espontânea, alegando que a confissão daquele não foi satisfatória como a deste.

Ademais, apenas nesta última dosimetria da pena foi destacada a

repercussão pública do caso, sendo que nem mesmo na que veremos abaixo tal

assunto mereceu menção.

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Outra indagação é de ser ressaltada, porque Luiz Henrique foi absolvido

do delito de ocultação de cadáver, se foi ele que levou a vítima para morrer e

estava presente no momento do homicídio, sendo que Bruno, que em tese fora o

mandante do homicídio, fora condenado? A única explicação que se vê é o

“populismo penal midiático”, conforme tratado acima.

Sérgio Rosa Sales, não foi julgado pelo Tribunal do Júri, pois falecera

antes mesmo de ter sido designado.

O último a ser julgado pelo homicídio foi o dito executor, Marcos

Aparecido dos Santos, “Bola”, que foi condenado a vinte e dois anos de reclusão

pelo homicídio com as três qualificadoras e a ocultação de cadáver. Por sua vez a

Meritíssima justificou da seguinte forma:

A culpabilidade é grave. A censurabilidade à conduta do acusado é acentuada, Marcos Aparecido dos Santos foi aluno de Escola preparatória para o ingresso na carreira Militar no estado de São Paulo e, ainda que por pouco tempo, figurou nos quadros do funcionalismo público deste Estado como policial Civil. Tinha plena consciência da gravidade de seu ato, mas agiu, amparado na certeza da impunidade, típica conduta de quem despreza a atuação Estatal. A culpabilidade do agente é, ainda, dotada de excepcional reprovabilidade, pois, o desenrolar do crime conta com demonstração de total desprezo e impiedade à vida humana, tendo em vista que o delito foi cometido com atos preparatórios ardilmente articulados. A jovem Elisa Samúdio foi trazida para este Estado com o único objetivo de ser entregue ao seu executor, pessoa especialmente selecionada para tal desiderato. Em relação ao crime de ocultação de cadáver a culpabilidade é pelos mesmos motivos, igualmente acentuada. Anota-se que com o fito de fazer crer que Elisa Samúdio não havia perecido, Marcos Aparecido dos Santos, tratou de ocultar muito bem o seu corpo, ou os restos dele, sendo certo que diligências diversas foram realizadas pela Polícia Judiciária com o objetivo de encontrá-lo, todavia, todas sem êxito. Insta dizer que, ao suprimir o corpo da vítima, o acusado privou à família desta, a possibilidade proporcioná-la um sepultamento digno, bem como, de ter um local apropriado para preservar a sua memória. Conforme se infere das folhas de Antecedentes Criminais de f. 9.534/9.540, 9.729 e 9.640 bem como Certidões de Antecedentes Criminais de f. 9.541, 9.651, 9.668/9.669, 9.658, 9.833, 13.116/13.119 e 15.289, o réu embora tecnicamente primário, responde pela prática de outros delitos, praticados antes deste crime, dentre eles, homicídios qualificados e tortura nas comarcas de Esmeraldas e, também crime contra a vida na comarca de Belo Horizonte. Considero-lhe, pois, de maus antecedentes. A circunstância atinente à conduta social não lhe favorece, eis que segundo prova oral e documental dos autos, mesmo sem ser agente público incumbido da segurança do Estado, o réu utilizava as habilidades com treinamentos destinados à Policiais, para instalar o medo e a repressão por onde passava. Utilizava de forma oficial, farda oficiosa, como instrumento de poder. No tocante à personalidade, revelou personalidade desviada, já que vivia mergulhado no frustrado sonho de voltar a ser policial e desenvolvia à margem de tal sonho uma vida cercada de irregularidades. O modo como executou a vítima e o temor a ele demonstrado pelos corréus e pelo informante Jorge Luiz, é cristalina evidência de que de fato é uma pessoa agressiva e impiedosa. Os

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motivos dos crimes são desfavoráveis. O réu executou e ocultou o corpo de Elisa Samúdio, porque foi contratado para isso, certamente mediante paga. As circunstâncias dos crimes não o favorecem e evidenciam a intensa conduta dolosa com que agiu. O crime de homicídio foi premeditado e a vítima ardilosamente atraída para este Estado, onde foi consumado o desfecho desta barbárie. Elisa Samúdio foi executada por asfixia e com vistas a tentar assegurar a impunidade, o acusado ocultou seu corpo, deste modo, resta claro o desvio de caráter que pauta a vida do réu. Não se pode perder de vista que as circunstâncias de sua execução indicam que a vítima foi brutalmente assassinada, com detalhes sórdidos e requinte de crueldade. As consequências do homicídio foram graves, eis que a jovem Elisa teve sua vida ceifada de modo brutal, aos 25 (vinte e cinco) anos, deixando órfã uma criança que só por quatro meses de vida teve o privilégio dos afagos de sua mãe biológica. As consequências do delito de ocultação de cadáver, neste caso concreto, são amplamente desfavoráveis ao réu. Ele praticou o crime perfeito, pois, a ocultação se perpetua até os dias de hoje e poderá perpetuar-se para sempre, incentivando tal prática, como instrumento para garantir pretensa impunidade em crimes contra a pessoa. No tocante ao comportamento da vítima, não consta nos autos prova de que tenha havido por parte dela qualquer contribuição. Com tal diagnóstico, na 1ª. fase, em relação ao crime do artigo 121, 2°, III e IV, do CPB com todas as circunstâncias desfavoráveis e reconhecidas as qualificadoras do emprego de asfixia e recurso que dificultou a defesa da vítima, fixo a pena base em 19 (dezenove) anos de reclusão. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes ou agravantes e na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda concretizada em 19 (dezenove) anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado. No tocante ao crime do artigo 211, do CP, já analisadas as circunstâncias judiciais, todas desfavoráveis, na 1ª fase, fixo a pena base em 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 360 (trezentos e sessenta) dias multa. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes ou agravantes e na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda, concretizada em 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 360 (trezentos e sessenta) dias multa, a ser cumprida em regime aberto. Levando-se em conta a situação financeira do réu, que não foi revelada favoravelmente, fixo cada dia multa no mínimo legal, ou seja, à razão de 1/30 avos do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido quando da execução. Ficam, pois, as penas totalizadas em 22 (vinte e dois) anos de reclusão e pagamento de 360 (trezentos e sessenta) dias multa, nos termos do art. 69 do CPB, a serem cumpridas em regime fechado. Agora, extrai-se que a pena base aplicada a quem se teve como “executor”

do crime, ou seja, quem teria “sujado as suas mãos” e sido frio a ponto de fazê-lo

diretamente, foi aplicada em dezenove anos, enquanto a pena do “mandante” do

delito foi aplicada em vinte anos. Ressalte-se que também esse não fora veiculado

pela mídia tal qual o julgamento de Bruno Fernandes, eis que também não era o

seu alvo central.

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Dessa feita, a conclusão é que não houve uma correta individualização das

penas aplicadas aos três acusados da prática do delito de homicídio com três ou

duas qualificadoras que foram julgados e condenados.

Sem qualquer dúvida, a pena aplicada a Bruno Fernandes das Dores de

Souza foi bem mais cruel, rigorosa e endurecida que a aplicada aos demais

responsabilizados pelo caso Eliza Samúdio. Isso leva-se a concluir que Bruno foi

vítima do “populismo penal midiático” e, no caso em questão, a mídia interferiu

em um julgamento pelo Tribunal do Júri, ou seja, a mídia ditou a atitude que o

Poder Judiciário deveria tomar acerca dos fatos. Incutiu-se na população uma

ideia mítica, pronta, de que o homicídio ocorrera a mando de Bruno Fernandes, e

que ele deveria ser responsabilizado de forma contundente e rigorosa pelo que

supostamente acontecera com Eliza Samúdio.

Isso porque, até a data de hoje, mesmo já tendo havido processo judicial,

produção de provas, condenação penal e mais de três anos após o fato, muitos

ainda se perguntam: Será que Eliza morreu mesmo?

Não se pretende aqui depreciar a Instituição do Tribunal do Júri, ao

contrário, defende-se. A intenção é demonstrar que a plenitude de defesa,

incomunicabilidade dos jurados, inúmeras outras garantias constitucionais já

tratadas neste trabalho e a própria democracia está sendo mitigada por meios

profanos e irresponsáveis, resultando uma fábrica de injustiças.

O Tribunal do Júri é uma das mais expressivas formas de exercício de

democracia, a única forma que o povo (demos) possui de participar ativamente do

Poder Judiciário. Nas palavras de Evandro Lins e Silva, “Tribunal do Júri, ponto

de partida, escola de democracia, o povo na Justiça, onde aprendi que o direito

deve servir à vida”263.

Ainda é imperioso tratar neste trabalho palavras de Marcelo Garcia

Brazal264, contando as palavras de Evaristo de Moraes em caso bem semelhante

ao tratado neste trabalho:

O discurso de Evaristo de Moraes, ao defender o aspirante Dilermando, que havia matado em legítima defesa Euclides da Cunha já traduzia isso, afinal, o Alferes já entrara no plenário condenado; ao iniciar a defesa, o tribuno conclamou: “ponham para fora esta prostituta, ela que infesta este plenário, a

263 (SILVA, 1980, p. 11). 264 Ver mais em: http://atualidadesdodireito.com.br/marcelobarazal/2013/06/26/questoes-polemicas-no-tribunal-do-juri/.

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opinião pública que já condenou meu cliente e que é a mesma que também condenou a cruz nosso Cristo”. É certo, portanto, as inúmeras dificuldades que vivem os Criminalistas no cotidiano nos plenários. O brilhante defensor do Tribunal do Júri, em seu artigo, “Questões

Polêmicas do Tribunal do Júri”, bem demonstrou o malefício ocasionado pela

opinião pública formada pelos meios midiáticos tem ocasionado à Justiça.

Pretende-se muito menos afirmar que a mídia teve a intenção direta de

cometer tais fatos. Para a Imprensa o crime é simplesmente um fato de grande

valor noticioso e, por isso, antes mesmo que se pense quais podem ser os

resultados jurídicos desse fato, os jornalistas preocupam-se em elaborar uma

estória midiática, mítica, em cenário melodramático. E assim, para que os

personagens sejam criados, ela imputa, acusa e julga, violando os direitos dos

cidadãos, abusando de um poder lhes garantido.

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