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i. introdução; 2. Posicionamento teórico geral do problema; 3. Internacionalização do capital; 4. A reprodução internacional do capital,' Rabah Benakouche * * PhD em economia da Universidade Federal de Paraná e professor do Departamento de Foonomia. Rev. Adm. Emp., Rio de Janeiro, 1. INTRODUÇÃO A transgressão dos espaços econômicos nacionais pe- las firmas multi nacionais (FMN) resultou numa deses- tabilização dos sistemas produtivos de cada nação e in- duziu uma metamorfose da economia internacional (enquanto soma de economias nacionais) num só e único processo produtivo mundial; em outras pala- vras, favoreceu a internacionalização do espaço do modo de produção capitalista (MPC). A demonstração do embasamento e das conseqüên- cias de tal tese implica definir o "lugar teórico" da questão e precisar o posicionamento teórico geral do problema. Trata-se de explicar em que e por que a ex- pansão geográfica dos sistemas produtivos das FMN modifica intrinsecamente as formas e as estruturas da economia da nação (entendida como entidade política e econômica), do Estado-nação, etc. Tudo isto será tratado no primeiro item. Admitindo-se a unidade do espaço econômico mun- dial, resultam inconsistentes os recentes trabalhos acerca da internacionalização do capital, pelo simples fato de que os autores considerados abordaram o pro- blema de modo inadequado. De fato, eles se propõem, como objeto de estudos, a internacionalização do capi- tal; logo, admitem inevitavelmente a existência de uma acumulação mundial. Raciocinam, no entanto, em ter- mos de nações - isto é, capital-americano versus capi- tais europeu e japonês. Partindo, embora, de um mes- mo embasamento teórico-epistemológico (para não di- zer metodológico), e em função das diferenças nos cálculos por eles efetuados (isto é, em função da ilu- são estatística de uns e de outros), terminam defenden- do duas teses antitéticas: o reforço do poderio mundial dos EUA e o seu declínio. Dizendo-o de outra manei- ra: os fluxos de capitais e de mercadorias provenientes dos Estados Unidos com destino à Europa e os de sen- tido contrário indicariam, segundo sua predominância num ou noutro sentido, o reforço do poderio dos EUA ou, pelo contrário, o seu declínio. 79 Desta maneira, a análise considera não a estrutu- ração espacial do capital (isto é, a transnacionalização do capital), mas a estruturação geográfica das burgue- sias. Este será o objeto do segundo item. Partindo do princípio de que toda crítica positiva deve ser necessariamente construtiva, proporemos al- guns elementos explicativos do processo de transnacio- nalização do capital. Esta última, que constituíra o ob- jeto do terceiro item, será considerada como a interna- cionalização dos modos de organização da produção e do processo de trabalho. 2. POSICIONAMENTO TEORICO GERAL DO PROBLEMA 2.1 Os contornos da questão As formas sob as quais se apresenta o capitalismo têm mudado de maneira considerável, desde a sua gênese até os nossos dias; isto se aplica sobretudo às formas 20(1): 79-90, jan/mar. 1980 A transnacionalização do capital

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i. introdução;2. Posicionamento teórico geral do

problema;3. Internacionalização do capital;4. A reprodução internacional do

capital,'

Rabah Benakouche *

* PhD em economia da UniversidadeFederal de Paraná e professor do

Departamento de Foonomia.

Rev. Adm. Emp., Rio de Janeiro,

1. INTRODUÇÃO

A transgressão dos espaços econômicos nacionais pe-las firmas multi nacionais (FMN) resultou numa deses-tabilização dos sistemas produtivos de cada nação e in-duziu uma metamorfose da economia internacional(enquanto soma de economias nacionais) num só eúnico processo produtivo mundial; em outras pala-vras, favoreceu a internacionalização do espaço domodo de produção capitalista (MPC).

A demonstração do embasamento e das conseqüên-cias de tal tese implica definir o "lugar teórico" daquestão e precisar o posicionamento teórico geral doproblema. Trata-se de explicar em que e por que a ex-pansão geográfica dos sistemas produtivos das FMNmodifica intrinsecamente as formas e as estruturas daeconomia da nação (entendida como entidade políticae econômica), do Estado-nação, etc. Tudo isto serátratado no primeiro item.

Admitindo-se a unidade do espaço econômico mun-dial, resultam inconsistentes os recentes trabalhosacerca da internacionalização do capital, pelo simplesfato de que os autores considerados abordaram o pro-blema de modo inadequado. De fato, eles se propõem,como objeto de estudos, a internacionalização do capi-tal; logo, admitem inevitavelmente a existência de umaacumulação mundial. Raciocinam, no entanto, em ter-mos de nações - isto é, capital-americano versus capi-tais europeu e japonês. Partindo, embora, de um mes-mo embasamento teórico-epistemológico (para não di-zer metodológico), e em função das diferenças noscálculos por eles efetuados (isto é, em função da ilu-são estatística de uns e de outros), terminam defenden-do duas teses antitéticas: o reforço do poderio mundialdos EUA e o seu declínio. Dizendo-o de outra manei-ra: os fluxos de capitais e de mercadorias provenientesdos Estados Unidos com destino à Europa e os de sen-tido contrário indicariam, segundo sua predominâncianum ou noutro sentido, o reforço do poderio dos EUAou, pelo contrário, o seu declínio.

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Desta maneira, a análise considera não a estrutu-ração espacial do capital (isto é, a transnacionalizaçãodo capital), mas a estruturação geográfica das burgue-sias. Este será o objeto do segundo item.

Partindo do princípio de que toda crítica positivadeve ser necessariamente construtiva, proporemos al-guns elementos explicativos do processo de transnacio-nalização do capital. Esta última, que constituíra o ob-jeto do terceiro item, será considerada como a interna-cionalização dos modos de organização da produção edo processo de trabalho.

2. POSICIONAMENTO TEORICO GERAL DOPROBLEMA

2.1 Os contornos da questão

As formas sob as quais se apresenta o capitalismo têmmudado de maneira considerável, desde a sua gêneseaté os nossos dias; isto se aplica sobretudo às formas

20(1): 79-90, jan/mar. 1980

A transnacionalização do capital

dominantes da produção e às que revestem as relaçõesexternas e as funções por estas exercidas na regulaçãodo MPC (para nos atermos tão-somente aos fatos a se-rem considerados). Estes fatos permitem-nos distin-guir dois estágios no desenvolvimento do capitalismo:o clássico, que engloba o período do capitalismo con-correncial (fases da acumulação primitiva, considera-da como pilhagem externa, e da exportação de merca-dorias), e o estágio monopolista, que corresponde aoperíodo do capitalismo monopolista (fases das expor-tações de capital-dinheiro e de capital-produtivo).

A transição do primeiro para o segundo estágiocaracteriza-se pela passagem da internacionalização daesfera da circulação (isto é, troca internacional, econo-mia internacional) para a internacionalização da esferade produção (ou seja, do espaço do MPC). Esta trans-crição, aliás, inscreve-se na lógica do desenvolvimentodo capitalismo, pelo simples fato de que não há desen-volvimento do capitalismo senão na medida em quemudam as formas dominantes da produção. Tal mu-dança, porém, vem sempre acompanhada de um certonúmero de transformações estruturais na sociedade.Com efeito, Marx demonstra que a forma de uma so-ciedade constitui um todo complexo e estruturado.Descreve ele: "Em todas as formas de sociedade, éuma determinada produção (capitalista, no caso con-temporâneo, RB) e as relações por ela geradas que de-terminam, para todas as outras produções e para as re-lações por elas geradas, sua posição e sua importân-cia. "I

80 Uma vez que a forma de produção dominante é deimportância primordial, teremos que demonstrar, a se-guir, o impacto das FMN (enquanto formas de pro-dução nas economias capitalistas desenvolvidas) sobreo sistema de economia internacional.

2.2 Da troca internacional à transnacionalização docapital

A transição entre os dois estágios do MPC - isto é, dainternacionalização da esfera da circulação à da esferada produção - é obra das FMN. Para demonstrá-lo,colocaremos em relevo a produção internacional (ouseja, o "fato multinacional", item 2.2.1) e explicare-mos as razões da multi nacionalização das firmas (item2.2.2).

2.2.1 O "fato multinacional"

A origem das FMN remonta ao final do século XVII(e.g., a Companhia das Índias Orientais foi fundadaem 1664), mas o investimento direto no exterior, porsua vez, data do início do século XX. Somente após a IGuerra Mundial transformaram-se as FMN comerciaisem estabelecimentos industriais, e somente nesta épocapassaram a desempenhar um papel fundamental nasrelações econõmicas internacionais.s

Isto significa dizer que o processo de internacionali-zação da produção, que será definido adiante, é, de fa-

Revista de Adminlstração de Empresas

to, algo relativamente novo. Além disso, é a própriacausa da metamorfose do sistema de economia inter-nacional e do sistema de economia mundial. Com efei-to, segundo relatório das Nações Unidas,i em 1971 aprodução internacional (ou seja, o valor da produçãoefetuada fora das fronteiras, pelas filiais das firmasnacionais) excedeu o montante das exportações. As-sim, para os EUA, a produção internacional era qua-tro vezes superior às exportações; ela correspondia amais do que o dobro destas, para a Grã-Bretanha e aSuíça (2,14 e 2,35 vezes, respectivamente); e era apro-ximadamente igual para o Japão e a República FederalAlemã. No total, para os treze países capitalistas de-senvolvidos, a relação produção internacional/expor-tações era de 1,33 (veja tabela 1).

Tabela 1

Países de economia de mercado: produção internacional eexportações em 1971 (milhões de dólares)

&tados UnidosGri-BIetODha

.FrançaRep. Federal da AlemanhaSuíça

Valor dos ativOlcorrespondentes Produçlo Percentagem da .aos investimentos internacional Exportações produção

diretos no estimativa internacionalestrangeiro b nas exportações

(valor contábil)

86.000 172.000 43.492 395,524.020 48.000 22.367 214,69.540 19.100 20.420 93,S7.270 14.600 39.040 37,46.760 13.500 5.728 235,7

5.930 11.900 17.582 67,74.480 9.000 24.019 37,S3.580 7.200 13.927 51,73.450 6.900 7.465 92,43.350 6.700 15.111 44,3

3.250 6.500 . 12.392c 52,4610 1.200 5.070 23,7320 600 1.052 57,0310 600 3.685 16,390 200 2.563 7,840 100 3.169 3,2

159.000 318.000 237.082 133,7

6.000 12.000 74.818 16,0

CanadálaploPaíses BaixosSw!ciaItália

BélgicaAUS1rália

,PortugalDinaman:aNoruegaÁlIItria

TOTAL,p/o. paísesenwnerados ..

pIos outrospaíses .

TOTAL, pios paí •• , deeconomia demercado .... 165.000 330.000 311.900 105,8

Fonte: Relatório da ONU. 1973, cf. nota 3.

aos países estio enumerados na ordem dec:r~oente do valor ccntébil dos investimentos diretos no estraneeiro.

b A produçio internacional estimativa é 19ua.lao valor oontábil dOI inwstimentos diretos no estrangeiro multipli-cada ~)o fat?r 2. O valor d~ste fator foj estabelecido como -sue: a relaçlo entre wndas ao estranaeiro e valoroontábil dos mvestbnentos diretos no estruweiro foi calculada a putir de dados dos Estados Unidos relativos aomontante dos nClÓciosdas filiail estraDIeiras de partici.,.çio multinacional ~oritária e ao valor ~ntí.bil dosinvestimentos diretos dos EUA no ettraqeiro. O "montante dos nelÓcios das filiais estrqeiras de participaçlom.ultinacionaJ.nuiorit~: (cerca ~e 157 biJh601de dólares) qloba as operações entre illiais estranpiras e ma-tnzes (cerca de 20,3 bilhões de dolarel) e as vendu entre filiais mranaeiru (cerca de 28,1 bilhões de dólares),que, juntu. rcpreaentam cerca de 30% do montante de IICIÓciosdas miais estruweiras. Em 1970 o valor con-U6ü dos inwstimentos dUetos do! EUA no ettWlleiro,ele\<otMe a 78,1 bilhões de dólares. Disto' resulta que a~~=::;~~"==::::e: o':~:u!:'2~~~;=/~!~para mbnar a produ-

clncluindo...e o Luxemb1lllO.

Estes números indicam duas coisas: por um lado,que uma parcela significativa das atividades industriaisdas firmas efetuam-se fora das fronteiras dos países deorigem, países capitalistas desenvolvidos; por outro la-do, que as FMN desempenham um papel muito impor-tante nas relações econômicas internacionais.

Precisemos estes dois pontos:

• A transferência de determinados setores de pro-dução industrial para fora dos países de origem, pormeio da estrutura das FMN, significa o alargamentodos espaços econômicos destas firmas a uma escala in-ternacional. Este alargamento dos espaços econômicosdas FMN induziu a um processo de homogeneizaçãodas condições de produção e, em conseqüência, dasnormas de produção. Em outras palavras, ele condu-ziu a uma internacionalização da produção. Esta inter-nacionalização merece ser considerada como um movi-mento em expansão, pois o investimento americano,que é o mais importante do mundo;' dirige-se essen-cialmente para o setor industrial. Assim, em 1971,61,6070 dos ativos americanos estavam alocados no se-tor manufatureiro dos seis países do Mercado ComumEuropeu, em contrapartida aos 54,3070 de 1960. Nospaíses capitalistas subdesenvolvidos esboça-se umatendência similar à que acabamos de expor, isto é, osetor manufatureiro, nestes países, torna-se cada vezmais prioritário. Em 1968, detinham estes cerca de umterço do valor contábil dos investimentos diretos do es-trangeiro. Sobre o montante, 39070dos investimentosdiretos estão dirigidos para o setor manufatureiro naAmérica Latina, 30070na Ásia, 31070na América Cen-tral e 19070na África.

• O desenvolvimento das FMN transforma de manei-ra cada vez mais radical a expressão das relações eco-nômicas internacionais. O montante das exportaçõesmundiais, excluindo-se os países socialistas, elevou-sea 178 bilhões de dólares em 1966 e a 276 bilhões em1970. As FMN foram responsáveis por 22070destes fluxosem 1966 (ou seja, 40 bilhões de dólares), e por 25070dosmesmos em 1970 (70 bilhões de dólares). Consideradasapenas as FMN americanas, elas foram responsáveis por12070das exportações mundiais em 1966 e por 14070em1970.5 Estes números demonstram que as FMN não do-minam, no atual estado de coisas, o comércio mundial.Cumpre lembrar, no entanto, que se trata de processonovos e inacabado, o que significa, no futuro, que ten-derá a desenvolver-se de modo considerável. Se no mun-do não-socialista a produção no estrangeiro não repre-sentava senão 23070do PNB em 1968, e 33070em 1978,esta percentagem deverá atingir, em 1988 e 1998,7 res-pectivamente 41 e 53070.

Um outro fato indica a importância (para não dizera dominação) das FMN: o relatório Long (Senadonorte-americano, 1973); ele estuda 298 FMN sediadasnos EUA, que detinham, em 1970,5.200 filiais estran-geiras sob controle majoritário, demonstrando o con-trole de massas de capitais a curto prazo, ou de capi-tais líquidos, equivalentes a 60070da massa monetárianorte-americana, ou à soma das massas monetárias daFrança, da República Federal da Alemanha, da Grã-

Bretanha e da Bélgica, ou, ainda, ao triplo das reservasinternacionais dos países industrializados e ao dobrodas reservas mundiais. O desvio de apenas 1070desta li-quidez, em função de modificações esperadas da taxade câmbio, levaria a uma grave crise financeira inter-nacional.

Em suma, move-se o capital num espaço econômicointernacional. Na realidade, o espaço econômico ondese produz, reproduz e circula o capital não mais coinci-de com a territorialidade política. Hoje, muito mais doque ontem, a soberania política não mais contém a so-berania econômica, nem com ela se identifica.s

A compreensão correta do que acabamos de exporimpõe a necessidade de definir FMN. A exuberânciasemântica do idioma favorece, nesta empreitada, amáxima ambigüidade: fala-se de firmas, empreendi-mentos, sociedades, companhias, corporações mul-multinacionais, extranacionais, supranacionais, etc.

Para eliminar as ambigüidades que dominam o pro-blema, definiremos a firma multinacional com a quepossui ou controla diversas filiais de produção em di-ferentes países. Estas filiais podem ter sido consti-tuídas de várias maneiras (compra, criação de novaunidade de produção, participação no capital de umaempresa, joint venture, etc.). Isto nos leva a distinguirentre o investimento direto, que implica um controledireto sobre a gestão, e o investimento em carteira, quecorresponde à mera operação de financiamento. Alémdisso (e é importante ressaltá-lo), as grandes FMN têmo controle majoritário de suas filiais (95070a 100070).Entre elas há firmas industriais, comerciais e financei-ras. Interessar-nos-ão, contudo, apenas as FMN in-dustriais: de um lado, porque apenas a natureza pro-dutiva das unidades deslocadas permite distinguir umaFMN de uma empresa comercial e, portanto, somenteela é capaz de internacionalizar a relação social de pro-dução; de outro, porque desde 1945, mas principal-mente a partir de 1960, a multi nacionalização das fir-mas se dá sobretudo no setor industrial. Quanto às fir-mas comerciais e bancárias, sua multinacionalizaçãodata da primeira fase do capitalismo.

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As firmas multinacionais investem nos países da"periferia",» do centro e do este europeu, 10 criando,desta forma, um espaço econômico comum para for-mações sociais de regimes econômicos e sociais dife-rentes. E toda a questão, a partir daí, estaria em saberpor que as firmas se multinacionalizam.

2.2.2 As causas da multi nacionalização das firmas

Explicar a multinacionalização das firmas resulta emrelatar a exportação de capital, seu conteúdo e seu im-pacto e, em conseqüência, a internacionalização do ca-pital. Esta, por sua vez, não se explica nem pela defesaacirrada da parcela de mercado da firma, nem pelas di-ferenças salariaís,» mas pela baixa tendencial da taxade lucro, que toma, hoje em dia, a forma de expor-tação da capital produtivo desvalorizado e não decapital-dinheiro.

Transnacionalização do capital

É a exportação de capitais que explica o imperialis-mo, ou seja, o imperialismo é definido pela exportaçãode capitais, segundo os clássicos do marxismo. Porque existe, porém, a exportação de capitais? No tocan-te à questão em apreço, o importante é explicar a ex-portação de capitais com relação à dinâmica da acu-mulação do capital, isto é, com relação às contradiçõesprincipais do modo de produção capitalista.n

Cumpre então perguntarmo-nos acerca das razõespelas quais os capitais emigram. A questão, formuladadesta forma, traz à luz todas as dimensões do proble-ma; isto é, se os capitais deixam o território nacionalde origem para procurar outro destino isto se deve, in-dubitavelmente, ao fato de o mercado local não maisoferecer condições vantajosas. E por que ocorre talmudança?

Neste ponto, a questão torna-se muito mais eviden-te: como, em última instância, o que mais interessa aocapital é o lucro (e sem isso o capitalismo deixaria deser capitalismo), sua motivação maior está em procu-rar mercados remotos, capazes de oferecer perspecti-vas de um lucro superior àquele que possa obter emâmbito local.

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Mas, poder-se-ia retorquir, por que o capital emi-graria no momento em que, no próprio país de origem,há possibilidade de investimento, principalmente naagricultura atrasada, na infra-estrutura, etc? Impõe-seaqui a necessidade de precisar dois pontos: o capi-talista nunca teve e jamais terá o objetivo de trabalharpor um desenvolvimento harmônico (para não dizernacional) de todos os setores da atividade econômica(notadamente o da agricultura ou o da satisfação dasmassas ... ); em conseqüência, se os capitais abando-nam estes setores, isto se deve ao fato de que o lucropassível de ser obtido, por exemplo, na agricultura émuito inferior ao que permite a estrutura de um inves-timento exterior. Acrescente-se a isto, em segundo lu-gar, que uma das características fundamentais do capi-talismo é a de que os capitais são constantementetransferidos dos setores de fraca composição orgânicado capital para os de alta composição.

Sobra-nos, ainda, um outro aspecto do problema:por que os capitais não são reinvestidos nos setores in-tensivos de capital em que ocorreu o investimento ori-ginal, e onde adquiriram, portanto, seu atual grau deconcentração e de centralização? A resposta para talquestão, a priori, seria afirmar a existência de um ex-cedente de capitais nesses setores; em conseqüência, aexportação se apresentaria como solução plausível. Apartir deste ponto, porém, a questão torna-se espinho-sa: não se pode explicar a exportação de capitais tão-somente em relação a um excedente de capitais, mastambém com referência ao que há de excedente.

Duas teses explicam este excedente: a da impossibili-dade de realização da totalidade das mercadorias (tesede Rosa Luxemburg), que conduz a um impasse, porser insustentável se não se admitir, apriori, a impossi-bilidade de realização, no espaço capitalista, do con-

Revista de Admmistmçõa de Empresas

junto das mercadorias criadas; e a outra - mais con-sistente - que liga a exportação de capitais à lei dabaixa tendencial da taxa de lucro. Neste ponto, o pro-blema está em saber como estão ligados estes dois ele-mentos.

A ligação apresenta-se da seguinte maneira: a alta li-mitada (limitação condicionada pela capacidade orga-nizacional da classe trabalhadora e pelas condiçõesfísicas do trabalhador, que não pode ser explorado portempo indefinido) da taxa de mais-valia traduz-se nu-ma baixa da taxa de lucro realizado, o que conduz ine-vitavelmente a uma baixa do investimento ou do incen-tivo a investir e, em conseqüência, da taxa de acumu-lação. Mas a baixa da taxa de acumulação gera umasuperacumulação, no sentido em que Marx usa o ter-mo: uma dada quantidade de capital, obtendo certolucro num determinado tempo (tI)' recebe apenas um lu-

. cro inferior num momento t}. Isto significa que há umacrise indicativa da existência de um excedente de capitaiscom relação a um determinado modo de valorização. Fmoutras palavras: o excedente de capitais apresenta-se c0-mo tal em relação a um lucro dado (isto é, a uma deter-minada taxa de mais-valia), por um lado; e a exportaçãoapresenta-se como meio de eliminar este excedente, pelooutro. Para que a relação de causalidade entre os elemen-tos seja adequadamente apreendida, impõe-se salientar adistinção necessáriaentre a superacumulação, o exceden-te e a superprodução de capital. .

• A superprodução de capital pode ser definida comouma quantidade excedente de produção material (istoé, de meios de produção e de meios de subsistência)destinada a ser utilizada como capital, em relação àspossibilidades de realização. Superprodução significa,pois, que há mais mercadorias do que poder aquisitivopara consumi-las ao preço de produção, isto é, apreços que tragam aos proprietários destas mercado-rias o lucro médio esperado.

• O excedente de capital consiste na quantidade de ca-pitais em liquidez disponíveis e passíveis de serem in-vestidos, mas que não o são porque permitiriam um lu-cro inferior à taxa média de lucro.

• O conceito de superacumulação de capital significaque o conjunto de mais-valia produzida não permiteuma valorização do conjunto de capitais. Isto é o mes-mo que dizer que a totalidade da mais-valia produzidanão é mais suficiente Para manter a antiga taxa médiade lucro.

Em suma, no excedente de capitais, dado lucro nãoé obtido pela massa de capital que procura valorizar-se; ria superacumulação, dada massa de capital queprocura valorizar-se obtém taxa de lucro inferior àque permitia anteriormente. Neste último caso,verifíca-se, ainda, uma baixa do incentivo a investir,pelo mesmo fato da baixa da taxa de lucro; a massa decapital aparece então como um excedente de capi-tal, com relação às possibilidades de valorização"rentável". Segue-se, daí, que o excedente de capital é

anterior, em relação à superprodução de mercadoriasdestinadas a serem trocadas por capital; a superacu-mulação, porém, efetivamente implicada na produçãoda mais-valia é anterior em relação ao excedente de ca-pital.

Além disso, é a superacumulação que provoca a cri-se que tem por resultado por sua vez um "adormeci-mento" de parte do capital. A crise da superproduçãorevela a superacumulação, tonando visíveis as conse-qüências desta sobre a taxa de lucro (que se traduz porum excedente de capital em busca de um investimentorendoso). Daí decorre que não é o excedente de capitalque gera a crise, mas que esta, revelando a superacu-mulação, traduz-se por um excedente de capital. É omesmo que dizer que a exportação de capitais não éum recurso preventivo, destinado a evitar a superacu-mulação ulterior, mas constitui uma resposta dos capi-tais individuais aos efeitos da superacumulação exis-tente, manifestada na crise.

o que acabamos de expor pode ser representado pe-lo seguinte esquema: superacumulação ~ crise---+ excedente de capitais ~ exportação de capi-tais, podendo esta ser considerada como uma maneirade aliviar a acumulação interna. O mesmo esquemapode ser representado de outra maneira: crise ~baixa do incentivo a investir, isto é, baixa dos investi-mentos ~ baixa da taxa de lucro ~ aparecimentode um excedente de capitais e de uma superproduçãode mercadorias ~ exportação de capitais comopolítica obrigatória do capital, devido à impossibilida-de de investir, a uma dada taxa de lucro, no mercadolocal ~ exportação de capitais como recurso dealívio à acumulação interna. O conceito de superacu-mulação explica, portanto, a exportação dos capitais eos seus rendimentos.

Do exposto, temos que a exportação do capital seapresenta, antes de mais nada, como propagàdora darelação social de produção capitalista. Conformeexaustiva explicação anterior, isto se dá pela expansãoespecial dos sistemas produtivos das FMN. Noutraspalavras, significaria descrever a transnacionalizaçãodo capital, que se apresenta como a internacionali-zação dos modos de organização da produção e doprocesso de trabalho.

Para melhor desenvolvermos esta tese, faz-se ne-cessário apresentar o alcance e os limites das teses con-sideradas importantes acerca da questão.

3. INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

A idéia da dominação, nas relações econômicas inter-'nacionais, já ensejou muitas teorias e estudos. Sem ne-nhuma intenção de amalgamá-Ias, podemos, no entan-to, resumir as diversas correntes de pensamento (abs-traindo algumas nuanças que caracterizam este ouaquele autor) como segue:

• O superimperialismo dos EUA - os EUA domi-nam, como superestado, os Estados capitalistas desen-

volvidos e os subdesenvolvidos, que não têm senãouma autonomia relativa e uma pequena margem deação, tanto no campo econômico quanto no domíniopolítico. O superimperialismo é, também, o organiza-dor e a garantia do sistema capitalista mundial. Estepapel, assumido pelos Estados Unidos, não se desen-volve sem dificuldades, choques ou contradições que,no entanto, embora não eliminados, são mantidos sobcontrole. Na expressão de Pierre Jalée, a integraçãocapitalista predomina sobre as rivalidades.

• O ultra-imperialismo - tese heroicamente defendidapor Karl Kautsky, que escrevia: "Aquilo que Marxdisse acerca dos monopólios pode ser aplicado ao im-perialisno: os monopólios criam a concorrência e aconcorrência cria os monopólios. A concorrência ou acorrida desenfreada das firmas gigantescas e multimi-lionárias obrigou os holdings financeiros, que esmaga-vam as pequenas empresas, a estabelecer cartéis inter-nacionais. Da mesma maneira, a guerra mundial entreimperialistas pode ser evitada, renunciando-se à corri-da às armas, pela instauração de um poder supranacio-nal consentido e combínado".» Assim, a união dosEstados capitalistas dominantes garante a salvaguardada unidade do sistema capitalista mundial; as rivalida-des entre os Estados-membros nunca chegarão, por-tanto, a abalar o sistema capitalista-imperialista mun-dial.

• O subimperiatismo - é a etiqueta colada a um paísque detenha o papel de "policial político" numa re-gião, para proveito do poderio dos EUA. Esta noçãofoi usada pela primeira vez por Ruy Mauro Mariní,«que chegaria a dizer que o subimperialismo é conside-rado como uma "forma da economia industrial depen-dente" .15 Notemos, entretanto, que esta noção é emi-nentemente política. Paul Rosset, por exemplo, aplicaeste novo conceito à Argélia contemporânea, sem ex-plicação prévia. Segundo este autor, a política predo-minantemente industrial, o ritmo de desenvolvimento ede crescimento da Argélia podem bem ser caracteriza-dos como subimperialistas. Assim, escreve ele: "O rit-mo da acumulação do capital nestes países (países sub-desenvolvidos, RB) e, de forma especial, na Argélia, éfundamentalmente tributário da evolução do sistemamundial dos preços relativos. e, em conseqüência, daboa-vontade das burguesias imperialistas em permitiro desenvolvimento (... ) de subimperialismos na perife-ria" .16 Em decorrência deste fato, "a burguesia de Es-tado argelina (... ) pretende erigir-se em fundamentodo capital internacional. Ela exige dirigir-lhe a filiallocal" .17 Outros autores aplicam, da mesma forma, es-te conceito de subimperialismo ao Irã do Xá, ao Bra-sil, etc.

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• A rivalidade imperialista - a unidade do sistemaestá ameaçada quando os organizadores - garantiasdo sistema capitalista mundial - cumprem maio seudever. Esta ameaça é constante, apesar dos armistíciosconjunturais, pela mesma existência de antagonismossempiternamente renovados entre Estados nacionais.São estes antagonismos que explicam o porquê da or-dem econômica mundial instável e contraditória.

Transnacionalização do capital

Toda a discussão entre economistas marxistas con-sistiu em distinguir qual destas variantes seria maisplausível. Os autores que participaram de tal debatepodem ser reagrupados principalmente em dois cam-pos opostos:

3.1 As teses em confronto

Encontramo-nos essencialmente em face de duas tesesantitéticas. De um lado, autores como P. Jalée, N.Poulantzas, H. Magdoff J. Petras e M. Nicolausuafirmam ser os EUA uma potência imperialista, queassim permanecerá no futuro. Do outro, a correnteque reúne E. MandeI, C. Goux, F. J. Landeau, R.Rowthorn e M. Kidron» e sustenta a tese do declínioamericano.

3.1.1 O declínio americano

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Os argumentos desenvolvidos pelos defensores destatese podem ser assim sintetizados: o avanço da acumu-lação do capital, do desenvolvimento tecnológico e daprodutividade das firmas européias conduziu ao recuodo capital e das firmas norte-americaos. Além disso,com ou sem a existência de um Estado supranacionaleuropeu, a baixa remuneração da força de trabalhona Europa e no Japão, se comparada aos altos saláriosdos EUA, o desenvolvimento tecnológico e a conse-qüente elevação de produtividade conduziriam a umcusto de produção das mercadorias européias e japo-nesas inferior ao custo de produção das mercadoriasestadunidenses; isto levaria, portanto, a exportaçõesda CEE e do Japão para os EUA que poderiam gerarpara estes sérios problemas internos. Definitivamente,as burguesias nacionais européias e a japonesa sãoainda "nacionais" e defendem vigorosamente os inte-resses do capital nacional. Os Estados nacionais prote-gem suas firmas respectivas e entre eles se intensifica aluta pela partilha do mercado mundial. Tal disputatem sua demarcação fixada entre os campos de in-fluência americana e não-americana. As contradiçõesintensificam-se no interior do Estado, que exerce umacompressão sobre os salários para permitir às suas fir-mas serem competitivas no mercado mundial; e entreEstados nacionais, em função da defesa de sua parcelade mercado. O imperialismo encontra-se, assim, mina-do interna e externamente pelas lutas sociais internas eas contradições entre Estados nacionais.

Varga" preconiza que, pelo próprio desenvolvimen-to desigual do capitalismo entre as nações, o imperia-lismo dos EUA será levado a partilhar seu papel de di-rigente no mundo imperialista com Os demais imperia-lismos secundários (a Europa e o Japão). O sistema ca-pitalista mundial terá, assim, assegurada a sua salva-guarda, sobretudo pelas instituições supranacionais,cujo papel deverá reforçar-se massificadamente no fu-turo. A unidade do sistema é também reforçada e sal-vaguardada, principalmente contra a maré de movi-mentos revolucionários no Terceiro Mundo. A unida-de do sistema capitalista mundial resulta, em últimaanálise, do consentimento ao acordo entre Estados na-

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cionais desenvolvidos. Esta é também a tese defendidapor Kautsky, numa certa medida.

Os defensores da tese do reforço do poderio dosEUA deram exagerada importância à invasão do capi-tal americano na Europa e no Japão, isto é, à circu-lação dos capitais, que dependem de peripécias con-junturais.

Negligenciam, assim, segundo os seus protagonis-tas, o atual ritmo de crescimento e de desenvolvimentodos capitais europeus e japonês, que não têm prece-dentes na história. O crescimento do Japão foi aindamais rápido do que o da Europa continental; o seuPNB passou de 1/20 do dos EUA, em 1953, a quase1/6 em 1968.

Este crescimento afetou de duas maneiras as empre-sas americanas. De um lado, as firmas do Japão e daEuropa penetraram em setores onde a demanda ameri-cana começava a estabilizar-se, como conseqüência desua saturação. De outro, o crescimento destas econo-mias reforçou a posição de um certo número de empre-sas, questionando a posição hegemônica das firmasamericanas. Diante de tal situação, estas últimas reagi-ram, absorvendo suas rivais estrangeiras, e, sobretu-do, multiplicando o número de suas filiais no exterior.

. Robert Rowthorn considera, não obstante, que "asgrande firmas americanas têm e terão dificuldades pa-ra continuar seu avanço. O seu rápido crescimento, nocorrer dos anos 60, estava amplamente baseado numaacelerada expansão da economia americana e na suaconcentração; e nenhum destes fatores parece poderdurar. A economia americana está mais uma vez estag-nada e os gigantes americanos terão dificuldades cres-centes para aumentar sua parte da produção nacional.Assim, numa perspectiva mais ampla, a causa do in-vestimento americano na Europa deve ser procuradano enfraquecimento de uma posição anteriormenteinatingível. "21

O mesmo tom encontramo-lo em E. Mande!, que es-creve: "Se a concentração das economias européia ejaponesa gera unidades que operam na mesma escalaque as unidades americanas, a América terminará porencontrar-se numa situação impossível. Deverá pagarsalários três vezes mais elevados do que os europeus ejaponeses, para igual produtividade. Seria uma situa-ção absolutamente insustentável e representaria o iní-cio de uma prodigiosa crise estrutural para a indústriaamericana" .22 O mesmo autor precisa: "o superimpe-rialismo não é realizável se o capital monopolista danação hegemônica não conquistar, diante de seus con-correntes potenciais mais importantes, a posse de umcapital decisivo. O imperialismo dos EUA ainda nãochegou a isto, nem na Europa Ocidental, nem no Ja-pão. O capital financeiro destes países é, em ampla es-cala, independente do dos EUA. Os bancos america-nos não detêm, na economia destes países, senão umpapel marginal. E mesmo que a participação dos EUAna posse do capital industrial seja maior e, sobretudonos setores da preoa, por vezes muito superior à média,não ultrapassa 10-15070 do total do capital investido.Não há, portanto, também neste particular, uma ten-dência ao crescimento ininterrupto, que, pelo contrá-rio, parece estabilizar-se. Não se trata, pois, de que os

Estados da Europa Ocidental sejam rebaixados ao ní-vel de semicolônias, Eles mantêm, também, uma polí-tica comercial, internacional e militar independente,mesmo que o seja dentro do quadro de uma coligaçãocomum contra o inimigo de classe comum; isto corres-ponde, em todos os casos, aos interesses comuns de to-das as classes imperialistas, e de forma alguma apenasaos interesses particulares do imperialismo estaduni-dense. Cumpre mesmo assinalar que, desde o iníciodos anos 50, as relações de força entre o imperialismodos EUA e os imperialismos europeu-ocidental e japo-nês se modificaram em benefício dos últimos e em de-trimento do primeiro" .23

3.1.2 Reforçodo poderio estadunidense

Os argumentos dos autores que defendem esta tese po-dem resumir-se, abstração feita de alguns pormenores,ao que segue: as FMN americanas desenvolvem-semais rapidamente do que as suas rivais européias: elasse apoderam, nos Estados Unidos e na Europa, dos se-tores de ponta da produção industrial e, desta forma,dominam o capital europeu. Como conseqüência, do-minarão a economia européia e a japonesa; aliás, asburguesias destes países não passam, mesmo, no atualestado de coisas, de meros funcionários do capitalamericano. Ou, dizendo-o com as palavras de NicosPoulantzas, as burguesias nacionais destes países nãosão mais nacionais, senão meramente "burguesias in-teriores" .24

Para fundamentar esta tese, argumentos outrosalém dos já conhecidos relativos ao poderio militar, fi-nanceiro e econômico dos EUA e das firmas multi na-cionais, à força e à atração do dólar) são levantadosacerca da dinâmica da potência hemogênica mundialdos Estados Unidos. Os defensores da tese do reforçodo poderio dos EUA acreditam que o poder mundialdestes continua aumentando, apesar dos reveses po-líticos e das múltiplas crises econômicas que sofre-ram e ainda sofrem.

A derrota do poder militar, financeiro e econômicodos Estados Unidos na Indochina; a subida da Opep,pela imposição dos preços elevados do petróleo; o rit-mo de crescimento e de desenvolvimento sem prece-dentes da CEE e do Japão; as pressões contraditóriasexercidas pela China e pela URSS sobre os EUA condi-cionaram nestes a acomodação, a aceitação da existên-cia de outras duas potências mundiais e, portanto, aobservação da onda de movimentos revolucionáriosno Terceiro Mundo (Cuba, Angola, Oriente Médio ... ),sem a possibilidade de agirem ou de intervirem diretaou indiretamente. Cabe acrescentar a isto a situaçãocrítica (!) dos Estados Unidos: déficit na balança co-mercial, declínio do valor do dólar, perda pelos bancosdo papel que haviam desempenhado até agora, parali-sia do executivo, o caso Watergate, etc. Mas tudo issonão passa de uma peripécia conjuntural, afirmam osdefensores do reforço do poderio norte-americano, e ahegemonia mundial pertence e pertencerá sempre aosEstados Unidos. O essencial de suas argumentaçõesresume-se nos três pontos seguintes:

l. Os momentos críticos que os EUA atravessamem vários campos fazem parte de peripécias conjuntu-rais, pela simples razão de que a dinâmica interna dapotência hegemônica dos Estados Unidos lhe permite"levantar a cabeça", apesar das mil e uma dificulda-des de toda espécie. A consolidação do poderio estadu-nidense é possível graças à dinamicidade, à flexibilida-de e ao poder do Estado americano. Este, desempe-nhando um papel preponderante, domina os Estadosdos países centrais e os da periferia, pelo simples fatode controlar o processo de acumulação em escala mun-dial, isto é, pelo fato de ser a garantia da criação dascondições de produção e de reprodução ampliada emescala planetária.

As firmas multinacionais norte-americanas só pude-ram estender os seus tentáculos (ou seja, correr o riscode investir) no estrangeiro graças à segurança garanti-da pelo Estado e ao fato de ter ele assumido determi-nadas funções (o estabelecimento de redes financeiras,de forças militares, etc.).

2. A expansão do capitalismo "em profundidade eem amplitude" nas formações econômicas "retar-datárias" levou, ao mesmo tempo, a uma redefiniçãode sua estrutura social: despovoamento dos campos,proletarização dos camponeses, emergência de umaclasse média, desenvolvimento econômico marginali-zante, etc. E o Estado nacional existe principalmentepara permitir a frutificação do capital estrangeiro: "oEstado neocolonial (criado pelo Estado imperial), cuja,função primeira é a de facilitar a acumulação de umcapital proveniente do exterior, isolou-se da popu-lação" .25 Quanto ao Estado policial estadunidense,seu papel "consiste em usarpressões econômicas e mi-litares, diretas ou indiretas, para assegurar a sobrevi-vência das sociedades multinacionais, bem como ascondições necessárias para a acumulação e a repro-dução do capital. Esta função se manifesta de diversasmaneiras: intervenções militares diretas, financiamen-to de mercenários, restrições do crédito, bloquio eco-nômico (... )"26

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As condições de produção e de reprodução amplia-das em escala planetária são criadas sob o olhar vigi-lante do Estado policial estadunidense, que intervémde várias maneiras ("criação de Estados", interven-ções econômicas, financeiras, militares ... ) na perife-ria, para evitar o bloqueio do processo de acumulaçãodo capital em escala mundial. Por isto, "na periferia,o Estado, desta forma alienado, articula os interessesdo capital imperial, ao favorecer um crescimento querepousa sobre a exploração das classes nacionais.. So-mente os fluxos contínuos de capitais e um aparelhomilitar-policial e de informações altamente aperfeiçoa-do garantem a este Estado sua permanêncía".> Por is-so, "quando o Xá do Irã utiliza os bilhões que ganhouvendendo petróleo ao Japão, à Europa e ao TerceiroMundo para comprar armas, tecnologia e produtos in-dustriais americanos, isto ocorre não apenas porque aorganização político-militar global dos EUA o insta-lou no poder, mas também porque ela lhe organizou oexército, formou os conselheiros econômicos e os téc-

Transnacionalizaçõo do capital

nicos e penetrou de alto a baixo nos seus organismosde segurança" .28

Definitivamente, uma das armas mais temíveis doEstado americano consiste em criar Estados na perife-ria e em torná-los seus vassalos.

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3. A fraca organização da classe trabalhadora nor-te-americana (para não falarmos, como o faz A.Emmanuel, da cumplicidade desta com a classe capita-lista para explorarem os outros países e, em especial, oTerceiro Mundo, do qual ela se aproveita, em últimainstância) permite ao Fstado imperial manter a suahegemonia mundial, transformar seu fracassos emvitórias: uma das bases do "poderio mundial dos Esta-dos Unidos reside na natureza das relações políticas esociais no interior de seu próprio território. Não lhesendo necessário afrontar qualquer forma organizadade questionamento de hegemonia capitalista por parteda classe operária, a classe capitalista americana apre-senta uma capacidade ilimitada de recuperação de cri-ses econômicas, sem arcar com os custos políticos e so-ciais aos quais seus concorrentes não podem escapar.Dentre os países capitalistas industrializados, os Esta-dos Unidos possuem uma das taxas de desempregomais elevadas e uma das mais fracas coberturas em ter-mos de serviços sociais, ao mesmo tempo que assegu-ram as mais fortes subvenções às atividades de pesqui-sa e de desenvolvimento do setor privado" .29 Isto per-mite às indústrias norte-americanas aumentar a produ-tividade; desenvolver a tecnologia e, portanto, reduziro custo de produção com referência ao da CEE e ao doJapão. A esta concorrência pelo custo soma-se a relati-va independência dos Estados Unidos com relação aoTerceiro Mundo no campo das matérias-primas, aopasso que a CEE e o Japão são amplamente tributáriosdeste.

Além dos baluartes do capitalismo estadunidense(Brasil, Chile, Uruguai, Bolívia ... ), as intervençõescontraditórias da China e da URSS permitiram à po-tência norte-americana instalar-se em locais até entãoinesperados (Paquistão, Egito, Sri-Lanka).

Apresentadas as duas teses, cabe agora fazer-lhes acrítica.

3.2 Crítica de ambas as teses

Por razões de clareza na exposição de nossa argumen-tação, preferimos apresentar, num primeiro momento,considerações gerais sobre as duas teses, para então,num segundo momento, propor uma refutação globalde sua problemática.

3.2.1 Considerações gerais sobre as duas teses

Os defensores das duas teses, apresentadas como an-titéticas, dão importância exagerada à esfera da circu-lação e, portanto, tomam fatos da conjuntura por fa-tos da estrutura. Em outras palavras, os diferentes mo-

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dos pelos quais uns e outros contabilizam os fluxos in-ternacionais de capitais e de mercadorias os levam aconstatar o desequilíbrio num ou noutro sentido; distodeduzem eles que o(s) país(es) considerado(s) está (es-tão) sob o jugo da dependência do imperialismo. Maisprecisamente: os autores que defendem a tese do refor-ço do poderio norte-americano voltam sua atençãopara a importância das FMN dos EUA na Europa edas FMN européias nos Estados Unidos; como estassão menos importantes em termos de número do queaquelas, eles concluem que o capital americano domi-na a Europa. Os que defendem a tese contrária racioci-nam sobre outra base: na Europa, há salários baixos,baixos custos sociais, etc, com relação aos EUA; logo,a Europa não está na defensiva; pelo contrário, a as-censão, nos últimos anos, das FMNeuropéias e japonesasindica que estes países não podem, de forma alguma, serconsiderados semicolôniasdos EUA.

É interessante ressaltar que este debate se baseia emdados estatísticos. Ora, os números disponíveis nestecampo são, realmente, falhos já pela simples fraudefiscal. Logo, não passam de aproximações muito gros-seiras. Esta consideração nos leva a afirmar que o im-portante, nessa discussão, não está em apresentar maisnúmeros (tão criticáveis quanto os outros), mas emdiscutir a argumentação teórica de nossos autores.

Situar a questão neste nível permite-nos distinguiruma coisa fundamental: todos os autores consideradosraciocinam sobre idêntica base teórico-metodológica.E o paradoxo (que não nos interessa discutir aqui) éque eles partem de um mesmo ponto e usam o mesmocaminhamento metodológico para chegarem, ao final,a conclusões opostas. Mais importante, para nossopropósito, é que estes autores defendem teses equívo-cas, precisamente por desenvolverem seus argumentoscom base num fundamento ambíguo, como mostrare-mos a seguir. .

3.3 Para uma refutação global de ambas as teses

O raciocínio de nossos autores - e não há senão umúnico raciocínio, pois um método único é usado - re-pousa sobre uma base teórica inadequada, pelas se-guintes razões:

1. Os capitais em concorrência são considerados enti-dades homogêneas ejurídicas. Eis por que são levadosa considerar tão-somente a importância quantitativa ea nacionalidade do capital; e a diferença do cálculo -isto é, a ilusão estatística de uns e de outros - os con-duz, portanto, a defender teses opostas. Em outras pa-lavras: a análise do processo de internacionalização docapital é feita em termos de nações. Mais precisamen-te, nossos autores sustentam ao mesmo tempo a teseda internacionalização do capital (mesmo se não estãodotados dos meios teóricos adequados) e a dependên-cia nacional. Esta posição ambígua leva-os a uma si-tuação paradoxal: ao invés de analisarem a estrutu-ração espacial do capital, que deveria constituir o eixocentral de seus estudos, segundo sua própria afirmati-

va, eles põem em relevo a estruturação geográfica dasburguesias.

A tese da dependência nacional está equivocada por-que fazer uma análise do capital internacional em ter-mos de capitais nacionais (isto é, de nações) - pois as-sim se traduzem as noções utilizadas por nossos auto-res: capital americano, dum lado, e capitais europeus ejaponês, do outro - é o mesmo que levar em conside-ração a importância quantitativa e a nacionalidade docapital. Esta última (é necessário dizê-lo e nunca de-mais repeti-lo) deveria ser secundária, na medida emque os capitais nacionais são transgredidos pelo capitalinternacional. Mais ainda: fazer uma análise em ter-mos de nações é pedir, em última instância, um refor-ço do capital nacional, do Estado nacional, em detri-mento do estrangeiro. E todo mundo sabe aonde levaesta análise!

A internacionalização do capital, pelo contrário,não significa uma hierarquização das nações; pelocontrário, traduz uma ampliação do espaço no seio doqual funciona (isto é, produz-se, reproduz-se e circula)o capital. Como o capital é uma relação social de pro-dução, temos de imediato que o processo de transna-cionalização significa que o capital se produz, se re-produz e circula através - e independentemente -das fronteiras nacionais.

2. Os argumentos de que lançam mão nossos autoresestão errados porque não levam em conta a existênciade uma realidade nova: o sistema de economia mun-dial. Esta significa apenas que, no estágio monopolistado capitalismo, existe um único sistema produtivomundial; logo, a acumulação é mundial, isto é, o lugarde determinação da acumulação de capital desloca-sedo campo nacional para um nível mundial. Desta for-ma, a reprodução de capital realiza-se em escala inter-nacional,» como precisaremos pormenorizadamente aseguir.

4. A REPRODUÇÃO INTERNACIONAL DOCAPITAL

Dizer que o capitalismo contemporâneo se caracterizapor uma reprodução internacional do capital (isto é,que a acumulação do capital se realiza numa escalamundial) poderia significar, a priori, que ela ocorriaantes no plano nacional. Na verdade, a reprodução docapital nunca se deu em nível estritamente nacional,mas sempre no campo planetário, com diferenças (e deporte!) nos modos e nas formas de acumulação reali-zados nos diversos períodos da história do capitalis-mo.

Com a ajuda da fórmula do cliclo do capital,demonstrou-se que:

• Na primeira fase do estágio clássico do capitalismo- fase da acumulação primitiva do capital (1500-1700) - houve, no tocante às relações econômicas in-ternacionais, a pilhagem de um excedente (ouro, espe-

ciarias, escravos, produtos agricolas, etc.) produzidopela periferia; na segunda fase (1700-1820), caracteri-zada pelo predomínio da exportação de mercadorias,ocorreram relações de trocas, baseadas nos movimen-tos de mercadorias, que são analisadas como ampli-ação da esfera de circulação. - isto é, da transfor-mação de produtos (valor de uso) em mercadorias (va-lor de uso e valor de troca) - e como modificação dasrelações de valor entre mercadorias de formações so-ciais de desenvolvimento desigual.

• Na primeira fase do capitalismo monopolista (1820-1914), caracterizada pela predominância da expor-tação de capital-dinheiro (fase do imperialismo anali-sada por Lenine), houve uma internacionalização par-cial das relações de produção capitalistas, precisamen-te porque os movimentos de capitais não concerniamsenão às formações sociais européias: na segunda fase(1914 até hoje), caracterizada por uma valorização in-ternacional do capital produtivo, há a formação de umúnico espaço econômico mundial.

Noutras palavras, houve sucessivamente internacio-nalização do capital-dinheiro, do capital-mercadoriae, enfim, do capital produtivo. Para podermos sentir eexplicar melhor o que foi dito e o que virá a seguir, uti-lizemos a figura global do ciclo do capital social:

MpMp

M D MD-M ... P ... + + +

m d m

T(M') (D') (M')

...P'...M' 87T

D ... D' designa o ciclo do capital-dinheiro, P ... P', ociclo do capital produtivo, eM... M', o ciclo docapital-mercadoria. Os símbolos usados são: D -capital-dinheiro: M - capital-mercadoria; P -capital-produtivo; m e d - mais-valia sob forma demercadoria e de dinheiro; T - força de trabalho; Mp- meios de produção.

O rompimento do ciclo global indica que a repro-dução das condições de produção e a realização do ca-pital ocorrem, daí por diante, em escala mundial. Istopode ser apreendido em dois níveis, quais sejam a in-ternacionalização das seções e dos ramos industriais eo fato de que o mesmo capital explora as forças detrabalho localizadas nos diversos quadros nacionais.

4.1 lntemociondizoção do modo de organização doprocesso do trabalho

Durante as duas fases do estágio clássico do capitalis-mo, os capitalistas não se preocupavam com a valori-zação do capital: contentavam-se em receber os divi-dendos, em ~iver da "tonte des coupons" (Lenine).Em conseqüência, a internacionalização da produçãoaparece com a reviravolta das condições (técnicas e so-

Transnacionalização do capital

ciais) da produção, marcando o momento em que seultrapassa o estágio da grande indústria para se desen-volver uma verdadeira internacionalização do mo-mento produtivo do ciclo global do capital.

A internacionalizacão do capital apresenta-se assimna forma de uma dupla relação: relação D - MplD-- T e relação M - D - M, ambas situadas em escalainternacional. Dizendo-o de outra maneira: a interna-cionalização do capital engloba conjuntamente a daprodução e a do trabalho. Por exemplo (e é o queocorre entre a Europa e determinados países da perife-ria), o número de imigrantes trabalhando nos países daCEE, em 1976, elevava-se a 7,5 milhões (número esteque está muito aquém da realidade), aos quais importasomar os que são explorados pelas filiais das firmasmultinacionais destes países. O mesmo tipo de relaçãopode ser observado entre os EUA e os países daAmérica Latina: milhões de trabalhadores latino-americanos (mexicanos, porto-riquenhos, etc.) são su-perexplorados nos próprios Estados Unidos, e o sãopor intermédio de suas firmas multinacionais.

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A internacionalização do capital tende a igualar omodo de consumo dos trabalhadores, isto é, o modode reprodução. da força de trabalho produtora demais-valia. Isto pode ser apreendido como segue: aseção dos bens de consumo é definida pela divisão in-ternacional do trabalho; por um lado, há o tra-balhador-massa (o mais desqualificado possível,aquele cuja produção e cuja reprodução estão ligadassimultaneamente ao consumo de massa e aos modos deprodução pré-capitalistas), e pelo outro, há o trabalha-dor técnico (cujas produção e reprodução estão ligadasunicamente ao modo de produção capitalista). Em ou-tros termos: a internacionalização do capital é marca-da por um movimento contraditório nos países capita-listas desenvolvidos, tanto quanto nos países capitalis-tas subdesenvolvidos. Nos países capitalistas desenvol-vidos coloca-se a questão da seguinte maneira:

• o modo de consumo do trabalhador especializado(T.E.) inscreve-se ao mesmo tempo nos dois modos deprodução (o capitalista e o pré-capitalista). Participan-do, embora de forma parcial, no consumo de massa,ele está essencialmente excluído dos consumos coleti-vos e participa do modo de produção pré-capitalista.Precisemos que os T.E. são, na sua maioria, trabalha-dores imigrados.

• o modo de consumo do trabalhador técnico ins-creve-se no modo de consumo do sistema capitalis-ta, que consiste nos consumos de massa e nos consu-mos coletivos.

Nos países capitalistas subdesenvolvidos, o modo deconsumo dos trabalhadores integrados ao circuito deprodução das firmas multinacionais e das empresas lo-cais pertencentes ao setor hegemônico de produçãoincreve-se simultaneamente nos dois modos de pro-dução considerados. Em conseqüência, há nessespaíses antes um tipo de trabalhador-massa do que detrabalhador técnico.

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4.2 Internacionalização do modo de organização daprodução

A setorialização do sistema produtivo» pode ser apre-.sentada da seguinte maneira: seção de bens de pro-dução," seção de bens intermediários" e seção de bensde consumo.>

Para compreender esta afirmativa, há necessidadede precisar duas realidades:

1. Atualmente, não há comércio de mercadorias denação para nação. A Alemanha não troca uma merca-doria central nuclear por uma mercadoria fábrica decimento ou usina siderúrgica francesa; os elementosconstitutivos da central, estes sim, vêm de vários can-tos do mundo. Não há, pois, troca de mercadorias,mas simplesmente troca de produtos, de elementos queentram na constituição da mercadoria central nuclear.Esta mercadoria, como todas, valoriza-se a nível inter-nacional, através da estrutura do mercado mundial.Em represália, o que existe no capitalismo mundial éum circuito de produção e de circulação de valores es-pecíficos a nível internacional, com uma sanção pelocapital oligopolista, que impõe modos de valorização ede desvalorização de capitais, estes realizados atravésda concorrência internacional.

2. A setorialização, tal como foi apresentada, per-mite-nos tomar conhecimento do funcionamentodo modo de acumulação nos países do centro de nosda periferia. Indica, também, a ausência da coerênciasetorial nacional. Há um rompimento desta relação or-gânica, que existia entre as seções produtivas, na medi-da em que os elementos que entram na mercadoria li-berada pelo ramo provêm de diversos países. Eis por-que o ramo não é atributo de nenhuma formação so-cial (exceção feita, talvez, dos EUA), pelo simples fa-to de que os elementos mercantis seguem um processode transformação em um circuito onde estão integra-dos todos os países (mesmo, numa medida muito me-nor, os países socialistas). Assim, o capital de uma fir-ma multinacional é valorizado em diversos países, masrealiza-se percorrendo o circuito produção-circulação-internacionalização; ou seja, realiza-se internacional-mente.

Feita desta maneira, a análise mostra que os paísescapitalistas desenvolvidos não detêm os núcleos dasseções produtivas e ramos industriais senão pelo fatoda reprodução internacional. Em conseqüência, a rela-tiva autonomia do processo de acumulação é determi-nada pelo controle que têm de um conjunto de elemen-tos estratégicos no sistema de acumulação mundial decada um dos países.

Em resumo, dizer que a acumulação do capital émundial implica dizer que o lugar de determinação ob-jetiva da acumulação deslocou-se do nível nacional paraum nível internacional. Para apreendermos esta afir-mativa, quatro explanações se fazem necessárias:

1. A internacionalização da produção significa a in-ternacionalização das condições de produção. Estassão marcadas por um duplo movimento contraditório:o movimento de hornogeneização das técnicas de pro-dução, e o de sua diferenciação, este último devido àsinovações das firmas e ao fato de que estas tentamapoderar-se de uma parte maior do lucro.

2. A internacionalização do capital é também um pro-cesso de hornogeneização das técnicas de produçãodentro de cada ramo e de um mesmo sistema de nor-mas, devido a essa acumulação mundial. Dizer que háacumulação mundial significa reconhecer a ausênciade acumulação propriamente nacional e autônoma, nocentro e na periferia. Tal fato ocorre precisamenteporque o modo de acumulação do capital é transgredi-do pelo capital internacional.

3. Disto decorre que a nação não é mais o lugar ondeocorrem as condições objetivas de acumulação. As-sim, não há mais um processo de acumulação nacio-nal, mas existe um processo de acumulação do conjun-to de capital internacionalizado, que ocorre aqui e ali.

4. Este processo de internacionalização não dirimiu,pelo menos até agora, as desigualdades econômicas en-tre as nações, as firmas e as seções produtivas. Issoposto, não é, entretanto, menos verdade que a articu-lação das seções produtivas dos países do centro, don-de resultam as condições, as formas e os modelos deacumulação, define e determina o modelo de acumu-lação mundial.

1 Marx, Karl. Contribution à la critique de I'économie politique.Ed. Sociales, 1957. p. 170.

2 Em 1914, havia 349 filiais das FMN no mundo: 122 eram america-nas, 60, inglesas e as 167 restantes, européias. Algumas outras FMN,ainda hoje importantes, remontam ao final do século XIX: Siemens(1875), Hoechst (1878), Agfa (1888), Mannesman (1898), Ciba(1898), Geigy (1895), Brown-Boveri (1898), Nestlé (1895), Singer(1867), etc.

3 ONU. Departamento de assuntos econômicos e sociais. Les so-ciétés multinacionales et le développement mondial. New York,1973. p. 195. Todas as informações estatísticas, salvo indicação emcontrário, são extraídas deste relatório.

4 O capital americano representa mais de 50070de todo o capital in-vestido no mundo, e de 27.300 filiais de FMN enumeradas, 9.691(ou seja, 35,5070) são de origem americana.

5 Cf. La division internationale du travail. Paris, DocumentationFrançaise, 1972, p. 162 e sego

6 Este processo é novo se não o limitarmos ao "fato multinacio-nal", a importância das FMN, mas se o aplicarmos às transfor-mações estruturais que acompanha.

7 Cf. Polk. The intemationatization of production, Paris, 1969. mi-meogr. As percentagens citadas referem-se ao que segue: o total daprodução no estrangeiro representava 420 milhões de dólares em1968,950 bilhões em 1978 e atingiria os montantes de 1975 bilhões e4.200 bilhões em 1988 e 1998 respectivamente.

8 Cf., principalmente, Murray, R. Internationalization of capitaland the Nation-State. New Left Review, (67) 1971.

9 As noções de centro e de periferia são extraídas dos conceitos deformações economicas e sociais capitalistas ditas avançadas e subde-senvolvidas.

10 Os países socialistas não estão, de forma nenhuma, excluídos doprocesso de internacionalização do capital. A implantação das FMNnestes países não parou de crescer na última década.

11 Se esta tese fosse verdadeira, deveria haver investimentos maioresnos países subdesenvolvidos do que nos demais; ora, as estatísticasdisponíveis indicam exatamente o contrário.

12 Sobre este ponto, acerca do item 3 e demais questões teóricasimplícitas em determinadas argumentações neste texto, cf. Benakou-che, R. Acumulação mundial e dependência. Ed. Vozes.

13Kautsky, K. Ultra-impérialisme. Texto publicado pela primeira vezna revista alemã New Zeit, datada de setembro de 1914, e que foitraduzido para o inglês e publicado na revista londrina New Left Re-view de fevereiro de 1970. Lenine critica muito duramente este texto

, num artigo intitulado Economisme-impérialisme. Oeuvres, Ed. deMoscou, t. 21.

14 Marini, R. M. Subdesarollo y revolución. México, Siglo Veinteu-no, 1969. 8915 Marini, R.M. La dialectique de la dépendence. Critiques del'économie politique, Paris, (13-14): 43, dez. 1973.

16 Rousset, P. Emigration - paupérisation et développement du ca-pitalism en Algérie, Suisse, Contraditions, 1975. p. 26.

17 Oliviers, J. P. Afrique: qui exploite qui? Une critique (?) des thé-ses de S. Amin. Temps Modernes, p. 1762, juin 1975.

18 Jalée, P. L'impérialisme en 1970. Ed. F. Maspero, 1972; Mag-doff, H. Les Aspects économiques de I'impérialisme USo TempsModernes, 1967; Nicolaus, M. USA: the universal contradiction.New Left Review, (59), 1970; Sweezy, P. Imperialism. Monthly Re-view, June 1971; Sweezy P. & Magdoff, H. The multinational cor-poration. Monthly Review. Oct/Nov. 1973; Poulantzas, N. Interna-tionalisation des rapports de production et l'État-national, TempsModernes, fev. 1973. (Texto reproduzido no livro publicado sob otítulo de Les Classes soctales aans de capitattsme d'auiourd'hui. LeSeuil, 1974); Petras, J. Le Mythe du déclin américain. Le Monde Di-plomatique, avr. 1976.

19 MandeI, E. La Réponse socialiste au défi américain. Ed. F. Mas-pero, 1969; Where is going America? New Left Review, (68) 1969;__ o The Lanes of unequal development. New Left Review (59)1970; Kidron, M. Le Capitalisme occidental depuis la guerre. Trad.fr. Ed. Stock, Paris, 1969.Goux C. & l.andeau, 1. F. Le Péri! américain: le capital américain aI'étranger. Calmann-Lévy, 1971.Rowthorn, R. Internationalisation du capital et pouvoir nationald'État, Temps Modernes, déc. 1973.Warren, B. Flow international is capital? New Left Review, (68)1971.

20 Varga. The problem of inter-imperialism contradictions and warpolicies economic problems of capitalism. Moscou, 1%8.

Transnacionalização do capital

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21 Acerca da predominância do capital estadunidense na Europa eno Japão, julgamos desnecessário apresentar dados já tão conheci-dos e, so~retudo, de fácil acesso.

22 Mandei, E. Where is... citop. 13.

23 Mandei, E. Concentration et centralisation du capital. Critiquesdel'economiepolitique, (13-14): 71-72, dez. 1973.

24 Este conceito é definido pela oposição a dois outros, que são osde burguesia compradora (considerada como a fração da burguesiaque não tem acumulação própria) e de burguesia nacional (definidacomo sendo a controladora do processo de acumulação nacional). Oautor é levado a definir seu novo conceito como resultante "das me-tades dos dois outros". Ele dirá, então, que a "burguesia anterior"não controla mais o processo de acumulação nacional, mas que"apresenta uma especificidade", não precisada por ele. Les classessociales ... citop. 78 e sego

2S"Petras, J. F. Le mythe du décJin américain. Le Monde Diplomati-que, p. 2 fev. 1976. (o grifo é nosso).

26 Id. ibid. p. 2.

27 Id. ibid. p. 3.

28 Id. ibid. p. 3.

29 Id. ibid. p. 3.

30 Nesse sentido, cf. Palloix, C. lnternationalisation du capital. Ed.F. Maspero, 1975, capo 3.31 Pallaix, C. Procês de production et crise. Ed. PUG. capo4.

32 A seção de bens de produção compreende os meios de produçãopara a produção de bens de produção (máquinas, instrumentos,sistemas de informática, telecomunicações, automatismos), osmeios de produção para bens intermediários (mecânica pesada, ma-terial elétrico pesado, automatismos) e os meios de produção parabens de consumo (equipamento elétrico, mecânica média).

33 A seção de bens intermediários compreende os meios interme-diários para a produção de bens de produção (siderurgia, perfilados,energia, não-ferrosos) e os meios intermediários para bens de consu-mo (siderurgia, petroquímica, química, energia, transportes).

34 A seção de bens de consumo compreende os bens de consumo pa-ra consumo coletivo (construções e tral alhos públicos, saúde) e osbens de consumo de massa (automóveis, eletromésticos, plásticos,paraquímicas, têxteis, couro e sapatos).

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