a administração de empreendimentos de economia solidária comparada a de empresas capitalistas

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CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA IPA CURSO DE ADMINISTRAÇÃO Eliezer Pedroso Rosa A ADMINISTRAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA COMPARADA A DE EMPRESAS CAPITALISTAS PORTO ALEGRE 2009

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Os empreendimentos de economia solidária se diferenciam dos modelos tradicionais de organização essencialmente pela utilização de práticas democráticas e igualitárias na sua administração e pelo emprego da autogestão, que consiste no nível pleno de participação alcançado pelos membros de uma organização, pois compete a todos a responsabilidade de planejar, executar e controlar os processos. Esse sistema diferenciado de organização do trabalho elimina a submissão e a separação entre comandantes e comandados, bem como a visão utilitarista sobre o trabalhador, considerado recurso de produção nas empresas capitalistas. O presente trabalho analisa a administração de empreendimentos solidários em comparação com as metodologias tradicionais utilizadas pelas empresas capitalistas, apontando as principais diferenças entre estes modelos organizacionais nos critérios de gestão, colaboração, democracia, divisão do trabalho, pessoas e sustentabilidade. Além de relacionar as principais dificuldades encontradas pelos empreendimentos de economia solidária na sua administração, aponta as vantagens e desvantagens encontradas pelos participantes destas organizações, identifica os principais fatores que influenciam no seu desenvolvimento e analisa criticamente as potencialidades e limites deste tipo de organização. A primeira parte da pesquisa constitui-se de um estudo histórico, que se inicia com uma breve descrição da organização econômica e do modo de produção no sistema feudal, analisa a sua transformação com a transição ao sistema capitalista e as causas que levaram ao surgimento da economia solidária durante a Revolução Industrial, até o seu ressurgimento no final do séc. XX como forma de resistência ao neoliberalismo. Posteriormente, é apresentada uma pesquisa empírica, realizada com 8 organizações do setor do vestuário situadas nas cidades de Porto Alegre e Gravataí, sendo 4 empreendimentos solidários e 4 empresas capitalistas, em que a metodologia utilizada para análise é a teoria weberiana dos tipos ideais, estabelecendo afinidades eletivas para comparação entre as organizações e entre as características dos seus modelos teóricos construídos.Os resultados da pesquisa empírica revelam que, apesar das dificuldades encontradas nas áreas de marketing e finanças, os empreendimentos solidários do setor do vestuário possuem, em geral, melhores indicadores de desenvolvimento da sua administração do que as empresas capitalistas, e que estas organizações fornecem aos seus associados melhores condições de trabalho e desenvolvimento profissional. O resultado da pesquisa histórica evidencia a importância da economia solidária como método de reinvenção da emancipação social e destaca a necessidade de um marco legal específico e de uma ampliação de políticas públicas para o desenvolvimento deste tipo de organização no Brasil.

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Page 1: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA IPA

CURSO DE ADMINISTRAÇÃO

Eliezer Pedroso Rosa

A ADMINISTRAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA COMPARADA A DE EMPRESAS CAPITALISTAS

PORTO ALEGRE

2009

Page 2: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

ELIEZER PEDROSO ROSA

A ADMINISTRAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA COMPARADA A DE EMPRESAS CAPITALISTAS

Trabalho de Conclusão do Curso de Administração do Centro Universitário Metodista IPA como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Administração.

Orientador: Prof. César Luciano Filomena

PORTO ALEGRE

2009

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Dedico este trabalho à minha companheira

Mariana, pelo apoio e pelas idéias que

ajudaram a compor a pesquisa.

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“Quando o extraordinário se torna

cotidiano, é a revolução.”

Ernesto “Che” Guevara

Page 5: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

RESUMO

Os empreendimentos de economia solidária se diferenciam dos modelos tradicionais de organização essencialmente pela utilização de práticas democráticas e igualitárias na sua administração e pelo emprego da autogestão, que consiste no nível pleno de participação alcançado pelos membros de uma organização, pois compete a todos a responsabilidade de planejar, executar e controlar os processos. Esse sistema diferenciado de organização do trabalho elimina a submissão e a separação entre comandantes e comandados, bem como a visão utilitarista sobre o trabalhador, considerado recurso de produção nas empresas capitalistas.

O presente trabalho analisa a administração de empreendimentos solidários em comparação com as metodologias tradicionais utilizadas pelas empresas capitalistas, apontando as principais diferenças entre estes modelos organizacionais nos critérios de gestão, colaboração, democracia, divisão do trabalho, pessoas e sustentabilidade. Além de relacionar as principais dificuldades encontradas pelos empreendimentos de economia solidária na sua administração, aponta as vantagens e desvantagens encontradas pelos participantes destas organizações, identifica os principais fatores que influenciam no seu desenvolvimento e analisa criticamente as potencialidades e limites deste tipo de organização.

A primeira parte da pesquisa constitui-se de um estudo histórico, que se inicia com uma breve descrição da organização econômica e do modo de produção no sistema feudal, analisa a sua transformação com a transição ao sistema capitalista e as causas que levaram ao surgimento da economia solidária durante a Revolução Industrial, até o seu ressurgimento no final do séc. XX como forma de resistência ao neoliberalismo. Posteriormente, é apresentada uma pesquisa empírica, realizada com 8 organizações do setor do vestuário situadas nas cidades de Porto Alegre e Gravataí, sendo 4 empreendimentos solidários e 4 empresas capitalistas, em que a metodologia utilizada para análise é a teoria weberiana dos tipos ideais, estabelecendo afinidades eletivas para comparação entre as organizações e entre as características dos seus modelos teóricos construídos. Os resultados da pesquisa empírica revelam que, apesar das dificuldades encontradas nas áreas de marketing e finanças, os empreendimentos solidários do setor do vestuário possuem, em geral, melhores indicadores de desenvolvimento da sua administração do que as empresas capitalistas, e que estas organizações fornecem aos seus associados melhores condições de trabalho e desenvolvimento profissional. O resultado da pesquisa histórica evidencia a importância da economia solidária como método de reinvenção da emancipação social e destaca a necessidade de um marco legal específico e de uma ampliação de políticas públicas para o desenvolvimento deste tipo de organização no Brasil. Palavras-chaves: Economia solidária. Autogestão. Trabalho. Autonomia.

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Relações entre tipos ideais e afinidades eletivas ................................... 58

Quadro 2 – Análise comparativa das organizações pesquisadas segundo os tipos ideais construídos e os indicadores de desenvolvimento ........................................102

Quadro 3 – Indicadores de desenvolvimento por organização ...............................106

Gráfico 1 – Resumo dos indicadores de desenvolvimento ......................................106

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LISTAS DE SIGLAS

ADS: Agência de Desenvolvimento Solidário

Anteag: Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão

CUT: Central Única dos Trabalhadores

FBES: Fórum Brasileiro de Economia Solidária

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ONG: Organização Não-Governamental

SEBRAE: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SIES: Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária

SIVERGS: Sindicato das Indústrias do Vestuário do Rio Grande do Sul

UNISOL: União e Solidariedade das Cooperativas Empreendimentos de Economia

Social do Brasil

Page 8: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA .............................................................................. 14

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA .............................................................................. 15

1.2.1 Objetivo Geral ................................................................................................. 15

1.2.2 Objetivos Específicos .................................................................................... 15 1.3 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 15

1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ............................................................................ 17

2 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 19 2.1 ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO NOS DOIS MODELOS ................................. 19

2.1.1 Visão clássica da economia e da administração ......................................... 19 2.1.2 Economia e administração em economia solidária..................................... 21 2.2 COMPARAÇÃO ENTRE OS MODELOS ADMINISTRATIVOS DA EMPRESA

CAPITALISTA E DOS EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS ................................... 26

2.2.1 Gestão: heterogestão x autogestão.............................................................. 26 2.2.2 Colaboração: solidária x competitiva .......................................................... 32 2.2.3 Democracia .................................................................................................... 36 2.2.4 Divisão do trabalho ........................................................................................ 40 2.2.5 Pessoas: recursos humanos x sujeitos ....................................................... 45 2.2.6 Sustentabilidade ............................................................................................. 51 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 56 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA .................................................................. 56 3.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ........................................................................... 58

3.3 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DA COLETA DE DADOS ................................ 58

3.4 TÉCNICA DE ANÁLISE DE DADOS ................................................................... 59

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA ................................................... 61

4.1 PESQUISA HISTÓRICA .................................................................................... 61

4.2 PESQUISA EMPÍRICA ...................................................................................... 73

4.2.1 Descrição do processo de seleção das organizações ................................ 73

4.2.2 Caracterização das organizações pesquisadas .......................................... 74

4.2.2.1 Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (Univens) ......................... 74

4.2.2.2 Henrique Fontana & Cia. LTDA (DiTrevi Jeans) ............................................ 78

Page 9: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

4.2.2.3 Coopermodas ................................................................................................ 81

4.2.2.4 Anglia Industrial LTDA (Confraria Masculina) ................................................ 83

4.2.2.5 Construsol ..................................................................................................... 86

4.2.2.6 ACTI Com. Serv. de roupa LTDA (Office Collection) ..................................... 88

4.2.2.7 Gerasol .......................................................................................................... 90

4.2.2.8 JAAN Ind. Com. Confecções LTDA (JAAN Uniformes) ................................. 92

4.3 ANÁLISE COMPARATIVA DAS ORGANIZAÇÕES ............................................ 95

5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES .........................................................................106

REFERÊNCIAS .......................................................................................................111

APENDICE A – Roteiro de entrevista ...................................................................116

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1 INTRODUÇÃO

O Brasil viveu uma longa fase de estagnação econômica, iniciada na década

de 1980 e agravada pelas políticas neoliberais de abertura do mercado nacional aos

produtos estrangeiros durante a década de 1990. O movimento internacional da

globalização provocou mudanças profundas nas estruturas econômicas e políticas

dos países em desenvolvimento, nos quais termos como economia de mercado,

privatizações e investimentos estrangeiros tornaram-se comuns. A quebra de

barreiras transnacionais proporcionou a integração monetária, financeira, econômica

e tecnológica entre todos os continentes, desprotegendo a indústria nacional frente

ao mercado estrangeiro. Fragilizadas pela concorrência das multinacionais,

inúmeras empresas nacionais faliram, aumentando consideravelmente o índice de

desemprego e informalidade no país (ARROYO; SCHUCH, 2006).

Segundo Singer (2008), uma das alternativas encontradas pelos

trabalhadores diante da perspectiva de desemprego foi a tomada de empresas

falidas ou em via de falência, ressuscitando-as como cooperativas autogestionárias,

passando a serem seus próprios patrões. Além da falência de empresas, Arroyo e

Schuch (2006) apontam o desenvolvimento tecnológico e as novas técnicas de

gestão como uma das causas do surgimento de empreendimentos de economia

solidária. Nas últimas décadas, a organização do trabalho mudou, fazendo com que

as empresas capitalistas reduzissem seus quadros de mão-de-obra devido à

inserção de novas tecnologias e técnicas de trabalho. Ao mesmo tempo em que se

desenvolveu um aumento da eficiência e da capacidade produtiva, observou-se o

crescimento do número de desempregados, de maneira muito semelhante ao

ocorrido durante a primeira Revolução Industrial. A subcontratação de serviços

autônomos e cooperativos cresceu, e o trabalho regular e permanente foi sendo

parcialmente substituído pelo trabalho temporário.

Com o aprofundamento do processo de globalização a partir do final do

século XX, a terceirização foi adotada como uma nova estratégia de reestruturação

produtiva dentro do capitalismo. Inspirada no modelo toyotista de produção, ela

implementa uma nova forma de relação entre capital e trabalho. A terceirização

acaba caracterizando-se por um caráter dúbio, pois ao mesmo tempo em que

precariza as relações de trabalho, através da redução de salários, direitos,

Page 11: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

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benefícios e condições de trabalho, por outro lado possibilita a independência do

trabalhador, através da criação de empreendimentos autônomos e de um novo tipo,

diferente daquele modelo tradicional de organização que lhe trouxe prejuízos

(ARROYO; SCHUCH, 2006).

Nessa conjuntura, diversas entidades se organizaram para apoiar este novo

movimento de emancipação dos trabalhadores, como a ADS (Agência de

Desenvolvimento Solidário), vinculada à CUT (Central Única dos Trabalhadores), a

Anteag (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão) e a

Cáritas (entidade vinculada a Igreja Católica), sob forma de fóruns, redes e

associações de apoio a estes empreendimentos (ARROYO; SCHUCH, 2006). O

crescimento deste tipo de iniciativas, voluntárias, solidárias e responsáveis

socialmente, chama atenção para o descontentamento das pessoas com o modo de

vida individualista, utilitarista e competitivo do sistema econômico capitalista

(ARROYO, 2008).

A crise atual do capitalismo, desencadeada pelo colapso do sistema

financeiro norte-americano, aponta para o fim da hegemonia do pensamento

neoliberal. As conseqüências desta crise primordialmente financeira já podem ser

sentidas na economia real ao redor do globo por diversos fatores como a redução da

oferta de crédito e pelo aumento do desemprego. Segundo Pinheiro e Athayde

(2009, p. 42), “desde 1957, uma recessão não provocava o fechamento de tantos

postos de trabalho pelo mundo [...]. Em cinco meses, o Brasil perdeu 730 mil vagas”.

Antevendo a crise atual do neoliberalismo, Singer (2008, p. 114) afirmou que

“a economia solidária só teria perspectiva de desenvolvimento se a economia

capitalista mergulhasse numa depressão longa e profunda (como a da década de

1930, por exemplo) [...]”. Em entrevista concedida ao site Terra Magazine em 3 de

março de 2009, Singer apontou o aparecimento de um novo surto de

empreendimentos de economia solidária (semelhante ao que ocorreu na década de

1990) em decorrência dos desempregos gerados pela crise, e apontou o

fortalecimento da economia solidária como uma solução, tanto para as

conseqüências quanto para as causas desta crise, já que os empreendimentos de

economia solidária sofrem menor impacto dessa crise financeira por não praticarem

especulação e atuarem na economia real, baseada em produtos e serviços, e por

terem de repartir os ganhos, por menores que sejam, entre os sócios, não havendo

demissões.

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Porém, são necessárias políticas públicas adequadas, que tratem estas

atividades, consideradas informais, porém legitimas, não como um problema social,

mas como parte da solução econômica para direcionar o desenvolvimento nacional

rumo a inclusão e a sustentabilidade (ARROYO e SCHUCH, 2006). No presente

momento, está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei Nº 7.009, de

2006, que dispõe sobre a regulamentação das cooperativas de trabalho. A

legislação anterior, a Lei Geral do Cooperativismo (Nº 5.764 de 1971), deixava

inúmeras brechas com relação ao cumprimento dos princípios do cooperativismo,

dando margem a precarização do trabalho através de falsas cooperativas, que

terceirizam trabalhadores com o objetivo de diminuir custos trabalhistas. Com a

aprovação da nova lei, que já passou pela Câmara dos Deputados, este problema

tende a desaparecer, pois a regulamentação torna-se mais clara e rigorosa, visando

manter condições de trabalho diferenciadas para um tipo de empreendimento

diferenciado.

Além da necessidade de um marco legal específico para os empreendimentos

solidários, são várias as dificuldades encontradas pelos que buscam uma

associação produtiva diferente dos modelos tradicionais de organização, como a

pequena quantidade de políticas públicas, sobretudo na obtenção de crédito,

somando-se ao fato de que os trabalhadores participantes da economia solidária, na

maioria das vezes, não possuem experiência e conhecimentos na gestão de

negócios.

Porém, não se deve desvalorizar as potencialidades deste tipo de organização.

Conforme Lisboa (2005, p. 114), a economia solidária “permite expressar a

economia não mais como o fim supremo, mas apenas como um instrumento que

tem como finalidade o sustento da vida e a melhoria da condição humana”. A

preocupação com a rentabilidade econômica não se exclui, mas suas operações se

pautam pelo respeito aos valores éticos e sociais.

Os empreendimentos autogestionários clamam pelo coletivo e com isso podem

apontar para práticas mais democráticas e igualitárias. A autogestão consiste no

nível pleno de participação alcançado pelos membros de uma organização, pois

cabe a todos planejar, executar e controlar os processos. Esse sistema diferenciado

de organização do trabalho elimina a submissão e a separação entre comandantes e

comandados, bem como a visão utilitarista sobre o trabalhador, considerado recurso

de produção, mesmo com a adição do predicado “humano”, nas empresas

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capitalistas. Um dos objetivos da economia solidária é a devolução da autonomia ao

trabalhador, restaurando sua condição de sujeito, sendo que sua viabilidade,

portanto, está vinculada à posse coletiva dos meios de produção, em que a

participação constitui ato que se tem o direito e o dever de exercer (CASTANHEIRA;

PEREIRA, 2008).

A economia solidária parece ser a gestação de uma nova possibilidade dentro

da lógica capitalista, uma organização social e econômica que começa a buscar na

inclusão a solução dos seus problemas. A cooperação e a solidariedade são os

focos inegáveis desta estratégia. Há clara evidência do papel de estratégias

cooperativas na sustentação de empreendimentos atualmente, dando relevância

para redes, cadeias, clusters, aglomerados, arranjos e sistemas produtivos

(ARROYO, 2008).

O conceito de economia solidária, para Singer (2008), se refere à organização

de produtores, consumidores e/ou poupadores, entre outros, que se diferenciam por

estimularem a solidariedade entre si mediante a prática da autogestão e por

praticarem a solidariedade para com a população trabalhadora, com ênfase na ajuda

aos mais desfavorecidos.

Segundo Nascimento (2009), a invenção da economia solidária porta em si

uma espécie de ressurreição de valores que fazem parte da cultura do movimento

operário: solidariedade, autogestão, autonomia, mutualismo, economia moral, entre

outros. Nesse sentido, economia solidária e autogestão, se não são sinônimos, são

termos que caminham juntos. Podemos afirmar que não há autogestão sem

economia solidária e que não pode haver economia solidária sem autogestão.

A partir da identificação das características dos empreendimentos de economia

solidária e da presente expansão deste novo tipo de organização, verifica-se a

necessidade do estudo de métodos diferenciados de gestão para estes

empreendimentos. Pesquisas sobre as novas práticas e potencialidades dessas

organizações vêm sendo desenvolvidas dentro das universidades, nas mais diversas

áreas de conhecimento, passando pela economia, psicologia e ciência social. As

teorias da administração não podem negligenciar ou subsumir esta forte corrente

que agrega um novo modelo e uma nova lógica ao sistema e que representa um

salto qualitativo em diversos aspectos sobre os modelos tradicionais de organização.

O presente trabalho busca analisar a gestão de empreendimentos solidários e

de empresas capitalistas através de uma comparação entre os dois modelos, além

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14

de apontar as principais diferenças entre empreendimentos semelhantes, na gestão

dos dois tipos de organização. Para tanto, esta pesquisa irá destacar os pontos de

divergência e convergência entre cooperação e competitividade, identificar os

principais fatores de conjuntura interna e externa necessários para o

desenvolvimento da economia solidária e analisar criticamente as potencialidades e

limites deste novo tipo de organização.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

Na mais recente pesquisa realizada sobre os empreendimentos de economia

solidária no Brasil, executada pela Rede Inter-universitária de Estudos e Pesquisas

em consórcio com a ADS, obteve-se dados que demonstram que uma grande parte

desses empreendimentos (62%) encontra-se com dificuldades na gestão da sua

organização e que somente 31% conseguem distribuir remuneração acima de um

salário mínimo para os seus sócios (FBES, 2009).

Este trabalho busca questionar e analisar criticamente as características das

práticas de administração de empreendimentos de economia solidária no Brasil,

comparando-as com as empresas capitalistas e avaliando as condições de

desenvolvimento e potencialidades deste tipo de organização. Para tanto, será

utilizado o método weberiano dos tipos ideais, onde serão definidos modelos

teóricos para comparação, podendo ou não ser comprovados pelo estudo empírico.

Serão definidos os critérios para avaliação conforme os objetivos gerais e

específicos da pesquisa e escolhidos oito atores, sendo quatro empreendimentos de

economia solidária e quatro empresas capitalistas.

Portanto, através deste método de pesquisa, pretende-se responder a seguinte

questão: Os empreendimentos de economia solidária podem atingir melhores

indicadores de desenvolvimento da sua administração do que as empresas

capitalistas e se apresentar como uma alternativa concreta ao modelo hegemônico

de organização, dada a atual conjuntura econômica no Brasil?

Page 15: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

15

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

1.2.1 Objetivo Geral

Analisar a administração de empreendimentos de economia solidária

comparada às metodologias tradicionais de empresas capitalistas.

1.2.2 Objetivos Específicos

Identificar as principais diferenças na administração de empreendimentos de

economia solidária e de empresas capitalistas.

Analisar as dificuldades encontradas pelos empreendimentos de economia

solidária no desenvolvimento das suas atividades.

Apontar as vantagens e desvantagens encontradas pelos participantes neste

novo tipo de organização.

Identificar os fatores de conjuntura interna e externa necessários para o

desenvolvimento de empreendimentos de economia solidária no Brasil.

Analisar as potencialidades e os limites deste novo tipo de organização.

1.3 JUSTIFICATIVA

A economia solidária tem sido uma resposta importante dos trabalhadores e

dos movimentos sociais em relação às transformações ocorridas no mundo do

trabalho e à nova etapa do capitalismo, caracterizada pelo desemprego estrutural e

pela desvalorização do trabalho produtivo em relação à acumulação financeira

(SINGER, 2008).

Conforme dados do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária

(SIES), no Brasil existem aproximadamente 21.885 organizações coletivas,

Page 16: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

16

envolvendo 1.647.029 participantes, organizados sob forma de autogestão, que

realizam atividades de produção de bens e de serviços, crédito e finanças solidárias,

trocas, comércio justo e consumo solidário (FBES, 2009). Arroyo (2008, p. 73)

destaca que “o modo capitalista de vida aprofunda o individualismo, o egoísmo, a

ganância, a competição pura e a concentração de renda e poder, proliferam

iniciativas solidárias que vão além da tradição da filantropia”.

Segundo Lisboa (2005), a economia solidária apresenta um novo paradigma

produtivo, em sintonia com novas possibilidades organizacionais e proporcionando

outra visão de progresso, que inclui novas formas de viver e se relacionar, tanto

entre os homens quanto entre os homens e a natureza.

Os resultados de projetos alternativos comunitários e experiências coletivas de

economia solidária, ou formas solidárias de produção, têm se mostrado promissores

na construção de novas formas possíveis de produção de riqueza socialmente

distribuída. Estes empreendimentos, que usam a propriedade comum, a

cooperação, a democracia e a autogestão, se mostraram capazes de dar resultados

concretos, que garantem a sobrevivência econômica dos participantes, além de

garantir a construção de relações de trabalho mais justas e conscientemente

orientadas.

Alguns autores, como Arroyo e Schuch (2006), estabelecem pontos de

contato indissolúveis entre economia popular (incluindo aí iniciativas informais) e

economia solidária, por ambos os modelos compartilharem certos valores que os

diferenciam da forma mais formalizada e tradicional de economia e constituírem a

base desse novo modelo econômico. Considerando esse recorte teórico, os autores

apresentam dados que justificam a importância do estudo desses empreendimentos:

Estamos tratando de cerca de 20 milhões de brasileiros, definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como ‘trabalhadores por conta própria’, ‘micro e pequenos empresários’. Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), isso se refere ao segmento que gera 80% dos postos de trabalho do país – proporcionando 95% dos novos postos de trabalho – e que movimenta em torno de 30% do PIB do Brasil (ARROYO; SCHUCH, 2006, p. 70, grifo dos autores).

Conforme Lisboa (2005), a economia solidária não se norteia nem pela

rentabilidade máxima do capital, nem pela exacerbação do interesse individual.

Sendo assim, é possível repor o sentido originário do termo economia (cuidado da

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17

casa) sem perder o sentido mais comum (economizar, usar racionalmente as fontes

de riqueza, com menos tempo e recurso).

Pretende-se investigar as potencialidades e limites desta iniciativa a partir da

comparação com o modelo atual de organização e com as metodologias tradicionais

de administração de empresas.

1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

No primeiro capítulo, a introdução busca apresentar conceitos básicos sobre a

economia solidária, bem como situar o leitor no contexto histórico e econômico do

seu surgimento no Brasil. Ao analisar as características deste novo tipo de

organização, levanta-se o seguinte problema de pesquisa: Os empreendimentos de

economia solidária podem atingir melhores indicadores de desenvolvimento da sua

administração do que as empresas capitalistas e se apresentar como uma

alternativa concreta ao modelo hegemônico de organização, dada a atual conjuntura

econômica no Brasil?

Posteriormente, apresentam-se os objetivos da pesquisa, divididos em

objetivo geral e objetivos específicos. A justificativa demonstra as razões e a

importância da realização da pesquisa sobre estas organizações, enquanto a seção

seguinte demonstra a organização do estudo do presente trabalho.

No segundo capítulo, o referencial teórico visa estabelecer características

para a comparação entre os tipos ideais dos empreendimentos solidários e das

empresas capitalistas, partindo da visão de economia e de administração dos dois

tipos de organização para a análise dos seus modelos administrativos. Para tanto,

cada seção posterior abordou um dos seguintes critérios: gestão, colaboração,

democracia, divisão do trabalho, pessoas e sustentabilidade.

No terceiro capítulo são expostos os procedimentos metodológicos,

evidenciando a caracterização e delimitação da pesquisa, as técnicas e instrumentos

de coleta de dados e as técnicas de análise dos dados, tanto da pesquisa histórica

sobre o surgimento dos empreendimentos de economia solidária quanto da pesquisa

empírica com as oito organizações selecionadas.

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18

No capítulo 4 são apresentados os resultados e a discussão das pesquisas

histórica e empírica, bem como a descrição do processo de seleção das

organizações e a caracterização das organizações pesquisadas. Após a

demonstração da análise comparativa das organizações, no capítulo 5 são descritas

as conclusões e sugestões perante os resultados obtidos da pesquisa, bem como as

considerações finais do estudo realizado.

Page 19: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

19

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo visa estabelecer características para a comparação entre os

tipos ideais dos empreendimentos de economia solidária e das empresas

capitalistas, partindo do nível mais amplo, da sua lógica econômica, ao nível mais

específico, da estrutura organizacional.

2.1 ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO NOS DOIS MODELOS

Nesta seção serão abordados conceitos gerais sobre economia e

administração e a forma como eles se inter-relacionam nos dois modelos de

organização.

2.1.1 Visão clássica da economia e da administração

A palavra economia vem do grego, da junção das palavras oikos (casa) e

nomos (costume ou lei), designando assim algo como “regras da casa” ou

“administração da casa”. A economia como ciência tem como marco a publicação da

obra “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, em 1776. Nesta obra Adam Smith

identifica o trabalho, a terra e o capital como os principais fatores de produção de

maior importância para a riqueza de uma nação. Ele diz que a condição “ideal” para

uma economia é a sua auto-regulação, regida por uma “mão invisível”, onde o

mecanismo do mercado seria o único responsável por definir as necessidades da

sociedade e a maneira de supri-las (HEILBRONER, 1996).

Adam Smith realizou um vasto estudo sobre o processo de divisão do

trabalho, pois via nele um fator evolucionário poderoso para propulsionar a

economia. Ele considerava que quanto mais estivesse dividido o trabalho em uma

sociedade, mais ela estaria desenvolvida, pois a especialização da mão-de-obra,

Page 20: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

20

oriunda desse processo, elevaria os padrões de qualidade do seu trabalho (SMITH,

1996).

Outros pensadores como Thomas Malthus, David Ricardo e John Stuart Mill

deram continuidade em seus estudos a esta linha de pensamento, que hoje é

conhecida como economia clássica ou liberalismo econômico. Nesta linha de

pensamento, a propriedade privada é considerada um direito “sagrado” e inviolável,

e o Estado deveria limitar-se a garantir este direito deixando que a iniciativa privada

agisse livremente. Acreditava-se que o aumento da produtividade pela máxima

eficiência e a livre concorrência entre os agentes econômicos levaria a um ponto de

equilíbrio entre oferta e demanda no mercado, formando assim uma economia

baseada na competitividade (HEILBRONER, 1996).

Outro ponto essencial abordado pela escola clássica de economia foi a

relação econômica entre patrão e empregado através do salário. David Ricardo

descreveu a “lei férrea dos salários”, onde o preço natural do trabalho é determinado

pelo preço das necessidades essenciais do trabalhador, como moradia, alimentação,

saúde, vestuário, etc., de forma a simplesmente manter a sua condição de

trabalhador e possibilitar a reprodução de mão-de-obra. Sendo assim, com o

aumento do preço dessas necessidades básicas, o preço do trabalho se eleva; com

a diminuição, o preço do trabalho cai (HUBERMAN, 1981).

A mesma linha de pensamento pode ser percebida no utilitarismo, doutrina

estruturada por Jeremy Bentham e John Stuart Mill na primeira metade do século

XIX, considerando que toda decisão humana se apoiava em um cálculo de utilidade

com relação à sua conseqüência ou resultado. Na economia, o utilitarismo

consolidou a idéia de que os indivíduos tomam decisões sempre racionais,

buscando maximizar seus ganhos e lucros. A partir desta idéia ele traduziu bem-

estar e felicidade em conforto material, e, dentre outras, fez a idéia de “acumulação”

tomar o significado de prosperidade e a de “crescimento” o de desenvolvimento

(ARROYO, 2008).

Apesar das inúmeras transformações ocorridas na sociedade desde a

publicação das obras destes pensadores, suas idéias ainda representam, em

diversos aspectos, a base teórica do capitalismo moderno. Alguns autores, como

Chiavenato (1983), consideram-nos como precursores fundamentais dos princípios

da administração científica que viriam a ser postulados posteriormente por Frederick

Taylor entre 1885 e 1910.

Page 21: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

21

Preocupado em eliminar o desperdício e elevar a produtividade, Taylor

desenvolveu métodos e técnicas de engenharia industrial que levaram à

organização racional do trabalho. A partir do seu “Estudo de Tempos e Movimentos”,

ele passa a recomendar definição de padrões para execução de tarefas

operacionais, aprofundando assim o processo de divisão do trabalho industrial.

Anteriormente o supervisor deixava a critério de cada operário a execução de seu

trabalho para encorajar a sua iniciativa. Com a Administração Científica ocorre uma

repartição de responsabilidade: a gerência pensa e decide, ao passo que o

trabalhador simplesmente executa o que lhe foi determinado (CHIAVENATO, 1983).

A Administração Científica baseou-se no conceito de homo economicus ou

homem econômico. Explicitamente baseada na idéia do utilitarismo, ele afirmava

que toda pessoa é influenciada principalmente por recompensas materiais. Segundo

Chiavenato (1983), esse conceito parte de uma visão estreita da natureza humana,

pois via o operário, a priori, como um indivíduo limitado, mesquinho e preguiçoso.

Com a Teoria Clássica da Administração, Henri Fayol enfatiza o estudo da

estrutura da organização, a divisão dos seus departamentos e funções

administrativas como base para o alcance da eficiência. Ele define o ato de

administrar como: prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. Estas funções

administrativas deveriam estar proporcionalmente distribuídas por todos os níveis

hierárquicos da empresa, porém centralizadas nos diretores, gerentes, chefes e

supervisores (CHIAVENATO, 1983).

Os autores clássicos da administração criaram uma teoria baseada na

heterogestão1

. Utilizaram métodos como a divisão do trabalho, a especialização, a

padronização de atividades, a departamentalização e a unidade de comando, de

maneira prescritiva e normativa. Segundo Chiavenato (1983, p. 72), “o racionalismo

da Teoria Clássica visa a eficiência do ponto de vista técnico e econômico; a

organização é um meio para atingir a eficiência máxima”.

2.1.2 Economia e administração em economia solidária

1 A heterogestão aplica a administração hierárquica, formada por níveis sucessivos de autoridade, entre os quais as informações e consultas fluem de baixo para cima e as ordens e instruções de cima para baixo (SINGER, 2008).

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22

Conforme Laville e Gaiger (2009), o conceito de economia solidária se refere

a acepções variadas que giram ao redor da idéia de solidariedade, em contraste

com o individualismo utilitarista, que visa apenas a lucratividade e caracteriza o

comportamento econômico predominante nas sociedades capitalistas. Os autores

continuam desenvolvendo este conceito afirmando que:

O termo foi cunhado na década de 1990, quando, por iniciativa de cidadãos, produtores e consumidores, despontaram inúmeras atividades econômicas organizadas segundo princípios de cooperação, autonomia e gestão demo-crática. As expressões da economia solidária multiplicaram-se rapidamente, em diversas formas: coletivos de geração de renda, cantinas populares, cooperativas de produção e comercialização, empresas de trabalhadores, redes e clubes de troca, sistemas de comércio justo e de finanças, grupos de produção ecológica, comunidades produtivas autóctones, associações de mulheres, serviços de proximidade, etc. Essas atividades apresentam em comum a primazia da solidariedade sobre o interesse individual e o ganho material, o que se expressa mediante a socialização dos recursos produtivos e a adoção de critérios igualitários (LAVILLE; GAIGER, 2009, p. 162).

Lisboa (2005) afirma que uma das originalidades da economia solidária é

estar no mercado sem se submeter à busca do lucro máximo, como se evidencia

pela prática do preço justo dos seus empreendimentos. A preocupação com a

rentabilidade econômica não se exclui, mas suas operações se pautam pelo respeito

aos valores éticos e humanistas. Singer (2008, p. 9), complementa dizendo que “a

chave desta proposta é a associação entre iguais em vez do contrato entre

desiguais [...] é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade

coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual.”

A solidariedade remete à noção de que o melhor para alguém depende de ser

melhor também para o outro para que se realize de forma sustentável. Os autores

buscam afirmar a diferença entre solidariedade e caridade, propondo superar essa

dicotomia através da compreensão da interdependência humana (ARROYO;

SCHUCH, 2006).

Sobre as origens da solidariedade e da cooperação, Heilbroner (1996) afirma:

Desde que desceu das árvores, o homem encarou o problema da sobrevivência, não como indivíduo, mas como membro de um grupo social. A continuidade de sua existência é testemunho de que ele conseguiu resolver o problema; mas a continuidade também da carência e da miséria, até mesmo nas mais ricas nações, é evidência de que essa solução foi, no mínimo, parcial. [...] o homem só conseguiu perpetuar-se por ser uma

Page 23: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

23

criatura socialmente cooperativa. Mas justamente o fato de o homem depender de seu semelhante tornou o problema da sobrevivência extraordinariamente complicado. O homem não é uma formiga, convenientemente equipada com instintos sociais já ao nascer (HEILBRONER, 1996, p. 17).

Conforme Gaiger (2008), seria ilusório acreditar em um altruísmo

generalizado, capaz de banir naturalmente qualquer sinal de utilitarismo. É possível

dizer que a economia solidária representa um caso em que se pode realizar

interesses não utilitários, mas isso não autoriza supor que esses vínculos sociais

não incluam relações inexoravelmente híbridas, incluindo dosagens de

solidariedade, altruísmo, pragmatismo e interesse próprio.

Na origem da organização social humana, foi a capacidade de cooperação

que conferiu capacidade de sobrevivência, através da competitividade diante de

espécies mais aptas. No entanto, na medida em que a sociedade foi ficando mais

complexa e as ameaças externas à sobrevivência diminuíram, a competição se

tornou uma possibilidade de desenvolvimento humano (ARROYO, 2008).

A partir dessas idéias, é possível perceber que a composição cooperação-

competição é inseparável, sendo que nenhuma das duas formas de relação social é

inata, mas sim desenvolvida em um determinado contexto de necessidades a serem

supridas. No entanto, pode-se observar que os pensadores da economia clássica

pregam a competição como inata e essencial ao desenvolvimento humano, o que

tem levado a uma economia desigual e exclusiva.

Segundo Singer (2008, p. 9), “a solidariedade na economia só pode se

concretizar com igualdade entre os que se associam para produzir, comerciar,

consumir ou poupar.” Ele afirma que para que houvesse igualdade entre os

membros de uma sociedade, a base de sua economia deveria ser a solidariedade

em vez da competitividade. A autogestão2

Presente em todos os aspectos da economia solidária, a autogestão passa à

primeira vista uma impressão de autonomia completa e auto-regulação econômica;

no entanto, este sistema não visa à eliminação do Estado ou à diminuição do seu

papel, como prega o liberalismo econômico. O Estado tem um papel muito

importante para esta forma de economia, através da implementação de políticas

é condição sine qua non para que haja

igualdade nos empreendimentos de economia solidária.

2 A autogestão é um modelo de organização democrática que privilegia a democracia direta e que não dispõe de hierarquias. As decisões são tomadas através de assembléias (MOTHÉ, 2009).

Page 24: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

24

públicas que incentivem o fomento dos empreendimentos solidários, bem como

legislação específica apropriada para este modelo.

Teóricos da economia solidária, como Gutierrez (1986) e Singer (2008),

defendem que a autonomia é absolutamente necessária dentro do empreendimento,

ou seja, no nível microeconômico, mas o Estado pode ser essencial para possibilitar

a sobrevivência e promover a igualdade dos empreendimentos, vendo-os em um

nível macroeconômico e promovendo a redistribuição dos lucros entre os

empreendimentos bem e mal sucedidos, proporcionando o funcionamento de uma

nova lógica econômica como conjunto, que substitui a concorrência pela cooperação

mútua.

No nível interno deste novo tipo de organização, outro modo de garantir a

igualdade é a alteração dos princípios da divisão do trabalho para um novo modelo,

que pressupõe a rotatividade entre as tarefas, tanto operacionais quanto

administrativas, visando eliminar o estado de alienação do trabalhador nas diversas

etapas do processo produtivo (SOUZA; CUNHA; DAKUZAKU, 2003). A preocupação

da administração clássico-científica com o aumento da produtividade, não levou em

conta a desumanização do trabalho, que levou os operários a serem vistos e

tratados como máquinas ou meras peças produtivas.

Essa nova divisão do trabalho dos empreendimentos solidários se apresenta

como um contraponto ao modelo proposto por Adam Smith. Bueno (2005) cita Marx

para demonstrar os efeitos do sistema mecanicista de divisão do trabalho,

demonstrados na alienação do trabalhador:

O trabalho alienado: 1) aliena a natureza do homem e 2) aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, assim também o aliena da espécie. Ele transforma a vida da espécie em uma forma de vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da espécie e a vida individual, e posteriormente transforma a segunda, como uma abstração, em finalidade da primeira, também em sua forma abstrata e alienada. Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva, agora aparecem ao homem apenas como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua existência física. A vida produtiva, contudo, é vida da espécie. É vida criando vida. No tipo de atividade vital, reside todo o caráter de uma espécie, seu caráter como espécie; e a atividade livre, consciente, é o caráter como espécie dos seres humanos. A própria vida assemelha-se somente a um meio de vida (MARX apud BUENO, 2005, p. 163).

Segundo Gaiger (2006), a economia solidária e a autogestão residem

primordialmente numa experiência de emancipação do trabalho desumanizado e

Page 25: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

25

desprovido de sentido, na restituição do trabalhador à condição de sujeito de sua

existência, na superação do seu estado de alienação:

Esboroam-se os círculos reiterativos da alienação: o produto não se opõe ao trabalhador como dantes, quando o comandava como força independente, como se lhe coubesse o lugar do criador; o trabalhador já não está apartado do resultado do seu trabalho, que passa a ver como seu; tampouco segue alheio a si próprio, alienado a uma força sua e, não obstante, instrumento do seu jugo. A experiência da autogestão e da cooperação no trabalho dá curso à reflexidade crítica dos indivíduos, ensejando um processo de subjetivação auto-referenciada, no qual ganham sentido e corpo outras identidades e outros horizontes éticos. Uma operação vital, no contexto atual de urgência de novas experimentações, dotadas de uma razão projetiva que as impulsione a seguir insistindo em humanizar a civilização (GAIGER 2006, p. 538).

Com o objetivo de evitar a desigualdade e a alienação, a economia solidária

realiza a sociabilização dos meios de produção entre os associados, de forma que

todos sejam sócios e não meramente empregados de outrem. Do mesmo modo, não

existem salários, mas sim retiradas, cuja proporcionalidade é definida em

assembléia por todos os membros do empreendimento, possuindo uma variabilidade

entre a menor e a maior retirada muito menor do que nas empresas capitalistas.

Além disso, o que nas empresas capitalistas é denominado “lucro” e pertence

unicamente ao(s) proprietário(s), nos empreendimentos solidários é chamado de

“sobras”, que são em parte divididas igualitariamente entre todos os associados e

em parte depositadas em um fundo indivisível que visa à manutenção do

empreendimento. Esses mecanismos visam à igualdade e à desalienação do

trabalhador, a partir do momento em que ele não tem somente o direito de participar

do empreendimento em todos os âmbitos, mas também responsabilidade direta

sobre os seus próprios ganhos, através dos lucros e prejuízos da empresa que

também é sua (SINGER, 2008).

Lisboa (2005) afirma que a economia solidária configura um novo modo de

produção, com potencial civilizador superior ao do capitalismo, que cultiva o

individualismo, o egoísmo e o consumismo que tem depredado os recursos naturais

do planeta de maneira irreversível, ameaçando a continuidade da espécie humana.

O capitalismo gerou um modelo de vida nos países ricos que não pode ser

estendido a toda humanidade, tratando-se de um sistema altamente excludente

(FURTADO, 1996). A economia solidária busca justamente na inclusão a solução

Page 26: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

26

para os seus problemas. Porém, há muitos desafios a serem enfrentados para sua

consolidação de ordem política, econômica e ético-cultural.

A estes novos conceitos e princípios de economia e administração é que o

trabalho se filiará para a análise comparativa dos modelos administrativos da

empresa capitalista e dos empreendimentos de economia solidária.

2.2 COMPARAÇÃO ENTRE OS MODELOS ADMINISTRATIVOS DA EMPRESA

CAPITALISTA E DOS EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS

Esta seção estabelece as condições para comparação de alguns dos

principais pontos de divergência entre os modelos de administração na empresa

capitalista e dos empreendimentos de economia solidária, buscando práticas e

conceitos na teoria existente.

2.2.1 Gestão: heterogestão x autogestão A semântica do termo heterogestão parte do pressuposto da separação entre

comandantes e comandados. Dentro das organizações, Henri Fayol conceituou as

funções da empresa e afirmou que estas funções deveriam estar distribuídas em

departamentos (técnico, contábil, comercial, financeiro, etc.), enquanto, por outro

lado, centralizou as funções administrativas (prever, organizar, comandar, coordenar

e controlar) em um único departamento. Este é um ponto fundamental para entender

a heterogestão nas empresas capitalistas. Os conceitos elaborados por Fayol visam

levar a uma estrutura organizacional de forma piramidal, baseada na unidade de

comando (CHIAVENATO, 1983).

Max Weber, a partir do seu estudo sobre os tipos de sociedade, propôs um

novo modelo de organização baseado no racionalismo e na formalização, conhecido

como modelo burocrático. Na sua visão, as teorias anteriores se revelaram

extremistas e incompletas sobre a organização. Este modelo afirma que a

burocracia é uma organização ligada por normas e regulamentos estabelecidos

Page 27: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

27

previamente por escrito, que devem cobrir todas as áreas da organização. Assim

como no taylorismo, as rotinas e os procedimentos devem ser padronizados. A

distribuição das atividades deve ser feita de maneira impessoal, ou seja, em termos

de cargos e funções previamente estabelecidos. Os cargos devem ser estabelecidos

segundo o princípio da hierarquia: cada cargo ou função inferior deve estar sob o

controle da supervisão de um cargo superior. Daí a necessidade de hierarquia para

definir as chefias nos vários escalões de autoridade. Weber afirma que a escolha

das pessoas na organização não deve se basear em preferências pessoais, mas sim

no mérito e na competência técnica; com isso, defende a especialização da

administração através de sua profissionalização. No modelo burocrático, a posse

dos meios de produção e a administração da empresa não precisam coincidir, pois

administrar requer conhecimentos especializados que o proprietário ou os acionistas

não necessariamente dominam. Desta forma, a heterogestão se efetiva como

necessidade de especialização técnica da função administrativa (CHIAVENATO,

1983).

A teoria de Weber de fato foi utilizada, e, apesar de ter sofrido as chamadas

disfunções, ela se evidencia no domínio da classe dos administradores sobre a

autoridade nos mais diversos tipos de organização, como empresas, governos e até

mesmo Organizações Não-Governamentais (ONGs). Essa nova classe social,

conhecida hoje como tecnoburocracia, constitui o centro do poder no capitalismo

pós-industrial. Gustavo Luis Gutierrez (1992) em um artigo da Revista de

Administração de Empresas faz a seguinte citação:

Embora a posse legal dos meios de produção ainda esteja na mão dos capitalistas, no curso das últimas décadas, a administração real dos instrumentos de produção tem resvalado, constantemente, e cada vez mais, das mãos dos capitalistas para os administradores. É que a administração dos ramos mais importantes da indústria moderna transcende o privilégio legal da posse e requer, demanda, exige competência especializada (GUTIERREZ, 1992, p. 61).

A organização hierárquica das empresas capitalistas (dirigidas pelos

tecnoburocratas) pressupõe que, na medida em que se sobe na hierarquia, o

conhecimento sobre a empresa se amplia, de forma que nos níveis mais altos o

conhecimento deveria ser total, já que cabe aos ocupantes desses cargos tomar

decisões estratégicas sobre os rumos futuros da empresa.

Page 28: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

28

Singer (2008, p. 17) aponta que esta descrição da empresa não é totalmente

realista “porque não considera os efeitos da competição entre setores e grupos de

empregados situados nos níveis intermediários e elevados da hierarquia gerencial”,

sobretudo nas grandes empresas, onde grupos rivais disputam a destinação dos

fundos de investimento, “cada um demandando mais capital para expandir o setor

em que exerce poder” (SINGER, 2008, p. 17).

Cada diretor ou gerente busca obter mais verbas para os seus setores. A

competição exacerbada entre setores e grupos rivais, embora sempre vise aumentar

a lucratividade, pode prejudicar o funcionamento da empresas como um todo. Entra

em jogo o prestígio do profissional tecnoburocrata, em busca de autodivulgação nos

meios de comunicação, onde tenta vender-se a preços crescentes. A alta gestão

precisa coibir o que seria excesso de competição, sem coibir a competição sadia,

vista como essencial para obter o esforço máximo dos empregados. Mas, para tanto,

seria preciso que ela tivesse toda a informação sobre o que se passa na empresa, o

que a própria competição torna improvável (GUTIERREZ, 1992; SINGER, 2008).

Com o intuito de solucionar estes problemas, teorias mais recentes da

administração vem criando novos modelos organizacionais baseados no estudo das

relações humanas, na redução dos níveis hierárquicos, na administração

participativa, nos grupos semi-autônomos, nos ciclos da qualidade total, etc.; porém,

estes novos modelos ainda não conseguiram acabar com características

remanescentes das teorias anteriores na maioria das organizações e nem subverter

a sua característica fundamental de heterogestão. Singer (2008, p. 18) diz que

“dentro dessa contradição a heterogestão funciona, sempre à procura de novas

fórmulas que lhe permitam extrair o máximo de trabalho e eficiência do pessoal

empregado”.

As escolas da administração realizaram as mais diversas abordagens sobre

as organizações e o seu funcionamento, buscando alcançar por diferentes vias um

modelo ideal de organização. Este modelo ideal, dentro do sistema capitalista,

significa obter o total comprometimento dos empregados, conciliando os seus

interesses com os da organização, e a maior rentabilidade para o capitalista sobre o

seu investimento. Entretanto, as principais dificuldades encontradas pelos teóricos

da administração em atingir este objetivo podem ser resumidas em um problema

fundamental, que extrapola a forma com que uma empresa se organiza

internamente. Este problema se reflete na lógica do próprio sistema econômico

Page 29: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

29

capitalista, que antagoniza os interesses do(s) proprietário(s) da organização e dos

trabalhadores que dela fazem parte, separando-os em figuras distintas na economia.

Já na autogestão, não se separam proprietário e trabalhador, nem

comandante e comandado. Na economia solidária, todos que trabalham no

empreendimento detêm posses iguais, com os mesmos direitos de decisão sobre o

seu destino. Nela, a situação do trabalhador é o inverso da vivida na empresa

capitalista, já que cada membro do grupo é responsável pela gestão, participando

plenamente dos resultados alcançados, sejam eles sobras ou prejuízos. Como não

há prioritariamente hierarquia, a união consciente e solidária entre os trabalhadores

é essencial para o bom funcionamento da organização. O indivíduo passa por uma

mudança completa de situação quando deixa de ser assalariado e torna-se

associado, pois para o assalariado as escolhas são restritas às determinações dos

seus superiores, em função de razões que ele desconhece. Na autogestão, cada um

é responsável pelas suas próprias decisões, mas também é responsável pelos

demais, o que expande o conhecimento mútuo de todos os associados e a

importância do seu inter-relacionamento (CASTANHEIRA; PEREIRA, 2008).

Lechat e Barcelos (2008), também apontam as diferenças entre as relações

de trabalho e de gestão na empresa capitalista e nos empreendimentos solidários:

As relações de trabalho autogestionárias se apresentam como antagônicas com as relações capitalistas de assalariamento, exploração dos trabalhadores, separação entre gestão e execução, entre trabalho manual e trabalho intelectual. A autogestão se opõe a práticas paternalistas, assistencialistas e clientelistas, bem como evita a corrupção dos dirigentes. A autogestão é associada a uma nova concepção de democracia participativa e de exercício efetivo da cidadania. (LECHAT; BARCELOS, 2008, p. 99).

Conforme expressam esses autores, a empresa solidária se administra

democraticamente, ou seja, pratica a autogestão em seu nível pleno. Dependendo

do seu porte, as decisões são tomadas em assembléias que contam com a

participação de todos os seus membros, onde cada um tem direito a um voto, ou

ainda por delegados escolhidos por cada seção ou departamento para deliberar em

nome de todos. Na maioria dos empreendimentos, são eleitos conselhos

(administrativos, fiscais, etc.) que têm por objetivo decidir sobre questões

quotidianas, de menor porte estratégico, para agilizar o andamento dos processos,

enquanto as questões mais importantes, de maior porte estratégico, são decididas

em assembléia (SINGER, 2008).

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30

Sobre a possibilidade de organização de estruturas hierárquicas na gestão de

empresas autogestionárias, Singer (2008) afirma que:

Empresas solidárias de grandes dimensões estabelecem hierarquias de coordenadores, encarregados ou gestores, cujo funcionamento é oposto do de suas congêneres capitalistas. As ordens e instruções devem fluir de baixo para cima e as demandas e informações de cima para baixo. Os níveis mais altos, na autogestão, são delegados pelos mais baixos e são responsáveis perante os mesmos. A autoridade maior é a assembléia de todos os sócios, que deve adotar as diretrizes a serem cumpridas pelos níveis intermediários e altos da administração (SINGER, 2008, p. 19).

Outro autor que examina as estruturas de autoridade e a tomada de decisão

na autogestão é Gutierrez (1988, p. 7), afirmando que “neste tipo de empresa as

decisões são tomadas de forma coletiva, pela obtenção de um consenso para a

ação prática entre os membros envolvidos, através do conhecimento geral das

questões”. Gutierrez (1988) ainda afirma que este modelo de organização preserva

o lado sadio da burocracia proposta por Weber, que determina que as organizações

devem ser pautadas pela racionalidade e formalidade, mas exclui a mecanização e

padronização do trabalho, que desprovê as tarefas de sentidos, e elimina a

formação de uma tecnoburocracia e de seus sucessivos níveis hierárquicos, que

acarretam os problemas acima citados, e que são freqüentemente encontrados nas

empresas capitalistas.

A partir da análise das mais recentes técnicas de participação dos

funcionários na gestão de empresas capitalistas, desenvolvidas pela teoria da

administração, Gutierrez (1988) demonstra porque estas técnicas não levam à

autogestão:

Tendo como pano de fundo os velhos, mas funcionais, princípios da Escola de Relações Humanas, a tão conhecida “caixinha de sugestões” tem assumido aspectos modernos e aperfeiçoados, dando espaço aos Círculos de Controle de Qualidade, programas de enriquecimento de tarefas, consultas internas através da eleição de representantes, grupos semi-autônomos de trabalho, etc. Acreditar que este processo só serviu para trazer bem-estar aos trabalhadores ou, pelo contrário, só serviu para aumentar o lucro dos patrões [...] é, sem dúvida, uma visão parcial ou reducionista do que está acontecendo. [...] É importante, porém, ressaltar que esses mecanismos [...], mostram-se incapazes de gerar uma empresa autogerida, provavelmente, por não alterarem as condicionantes ideológicas da empresa moderna. [...] As práticas participativas [que estão sendo adotadas pela administração tradicional] cumprem um objetivo imediato de aliviar tensões. (GUTIERREZ, 1988, p. 9).

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31

Sobre a criação de empreendimentos augestionários, Lechat e Barcelos

(2008) dizem que não basta querer implantar a autogestão, é preciso criar condições

para sua efetivação. A autogestão não é uma qualidade que um empreendimento

possua ou não, é um processo de constante gestação que pode sofrer avanços, mas

também retrocessos. É um processo que exige vigilância.

Singer (2008) aponta como dificuldade o desinteresse dos sócios em engajar-

se nas atividades adicionais que a prática democrática exige. Esse desinteresse,

segundo Singer, é fruto de uma cultura engendrada na nossa sociedade de divisão

do trabalho que leva a uma provável lei do menor esforço. Os indivíduos, na maioria

das empresas capitalistas, são reduzidos a uma única tarefa; portanto, passar a ter

consciência e participação tanto dos processos operacionais quanto administrativos

demanda um maior esforço e uma quebra de paradigma. Se a desatenção virar

hábito, informações passam a se concentrar em uma elite dirigente, mas, em geral,

não é a direção que sonega informações aos sócios, e sim estes que preferem dar

um voto de confiança para que a direção decida no lugar deles.

Neste sentido, Gutierrez (1988) afirma que é indiscutível a necessidade do

engajamento consciente de todos os membros envolvidos na organização. E é

importante também que se avance na discussão de modelos teóricos, assim como

na análise das experiências concretas já realizadas e em andamento na América

Latina e na Europa.

Finalmente, Gutierrez (1988) e Singer (2008) concordam que os modelos de

autogestão e heterogestão servem para projetos de organização e sociedade

diferentes, cada um com a sua finalidade. A heterogestão, forma tradicional de

organizar o trabalho, cumpre um papel importante no alargamento e na reprodução

ampliada da busca pelo poder e pelo lucro, principalmente por inculcar nas pessoas

um modo de agir e pensar em que meios e fins não são confrontados, em que o

indivíduo se exime da sua responsabilidade pessoal, transferida para a organização

em que atua, assim como pela “obsolescência” dos juízos de valor diante da

“eficiência” da técnica. A autogestão surge como uma possível alternativa para

encontrar uma melhor relação entre trabalho e homem, visando democratizar os

instrumentos de gestão e igualar os trabalhadores como capazes de decidir o seu

próprio caminho.

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32

2.2.2 Colaboração: solidária x competitiva

A palavra solidariedade remete, tipicamente, a dois conceitos diametralmente

opostos, baseados em diferentes princípios e necessidades. A solidariedade

filantrópica (ou caridade) apela para ideais altruístas e moralizantes, concentrando-

se em questões urgentes e na preservação da paz social, apaziguando as relações

conflituosas. Esse tipo de solidariedade, por tratar-se de uma relação entre

desiguais, facilmente acaba com as formas de hierarquização, pois a caridade torna-

se um meio de autoridade e dominação dos “incluídos” frente aos “excluídos” a partir

do momento em que aquele que assiste outrem tem poder sobre este através da

gratidão e do sentimento de reciprocidade. A caridade acaba por reforçar a

desigualdade, perpetuando as condições estabelecidas entre os membros de uma

sociedade. A segunda forma de solidariedade tem como princípio a democratização

societária a partir da cooperação, resultando de ações entre iguais, opondo-se assim

ao princípio de caridade. Dessa forma, não deve haver noções de autoridade e

hierarquia imperando, e a relação estabelecida é direta e igualitária, de ajuda mútua

e consciente, visando emancipar todos os agentes da ação. Essa concepção

reinsere a economia em seu papel de meio para fins de sustentabilidade e é a esse

conceito que a economia solidária se vincula (LAVILLE, 2009).

A competitividade é um tipo de colaboração que se estabelece com base na

rivalidade. Ela pressupõe a existência de vencedores e perdedores através da

disputa incessante por objetivos comuns. A competitividade recorre a noções

egoístas, nem sempre centradas na ética, gerando necessariamente desigualdade,

uma vez que não é possível uma disputa sem perdedores. Empresários que foram à

falência perdem o seu capital, os bancos por sua vez irão dificultar o crédito aos que

já fracassaram uma vez. Desempregados, quando ficam muito tempo sem emprego,

têm menos chances de serem aceitos, assim como os que são mais idosos. Os

reprovados em vestibulares precisariam se preparar melhor, mas, como já gastaram

seu dinheiro fazendo cursinho, a probabilidade de que o consigam é cada vez menor

(SINGER, 2008).

Na economia, dificilmente as relações de solidariedade ou de competitividade

ocorrem sozinhas, em forma pura; na prática, ambas coexistem, havendo,

geralmente, predominância de uma das formas sobre a outra. Arroyo (2008) afirma

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33

que não há antagonismo entre competitividade e solidariedade; estas duas

estratégias quase sempre ocorrem de maneira complementar. Porém, percebe-se

resultados diferentes em situações em que ocorre a predominância da solidariedade

em relação a situações em que ocorre a predominância da competitividade. O autor

cita Singer para esclarecer o domínio da competitividade na economia:

A competição é boa de dois pontos de vista: ela permite [...] escolher o que mais nos satisfaz pelo menor preço; e ela faz com que o melhor vença [...]. (Mas) o que acontece com os empresários e empregados das empresas que quebram? [...] o capitalismo produz desigualdade crescente, verdadeira polarização entre ganhadores e perdedores. Enquanto os primeiros acumulam capital, galgam posições e avançam nas carreiras, os últimos acumulam dívidas pelas quais pagam juros cada vez maiores, são demitidos [...] tornam-se inempregáveis [...]. (SINGER apud ARROYO, 2008, p. 77).

Onde a combinação entre solidariedade e competitividade é presidida pela

competição, a tendência é a de exclusão dos “derrotados”, o que, em um sistema

entrelaçado e indissolúvel como é o caso da economia, significa perda para todos.

Na verdade, os “excluídos” permanecem no sistema pesando como força de

trabalho inativa e demandante de serviços de educação, assistência, saúde e

segurança, onerando o Estado, mesmo sem poder contribuir, e cooperando para a

geração de um ambiente propício à violência social, depreciando a qualidade de vida

de todos. Por outro lado, a cooperação pura, desvinculada de estratégias

competitivas subordinadas, leva à estagnação e à perda de qualidade. Onde a

competição é presidida pela solidariedade, não se exclui a busca por inovações e

melhor qualidade, mas essa prática se realiza de forma secundária, porquanto a

solidariedade seja o centro no qual se pautam as ações na economia, não gerando,

dessa forma, exclusão (ARROYO, 2008).

Esta percepção é responsável por uma mudança de paradigma dentro do

próprio sistema capitalista, onde alguns setores econômicos têm buscado na

cooperação uma nova estratégia para obter vantagens competitivas sobre outros

grupos, através da formação de clusters, arranjos, aglomerados e cadeias

produtivas. Nestas formas de organização, as empresas de uma mesma zona

geográfica cooperam entre si para fortalecerem-se no mercado. Arroyo (2008),

citando Porter, explica o espírito dessa nova estratégia:

Page 34: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

34

A economia deve ser tratada como no esporte, onde a competição se dá subordinada à consolidação da cooperação em torno dos termos regimentais e regulatórios que servirão de arcabouço político, ético e instrumental para que a competição, seja qual for seu resultado, contribua para a melhoria do ambiente sistematicamente “Assim, os aglomerados seriam definidos como um sistema de empresas e instituições inter-relacionadas, cujo valor como um todo é maior do que a soma das partes” (PORTER apud ARROYO, 2008, p. 80).

A “Teoria dos Jogos” na economia, criada por John Nash, retoma a

centralidade da cooperação no processo socioeconômico. Hirschman, ao apresentar

a sua teoria dos “Efeitos em Cadeia”, afirma que a cooperação entre os agentes

econômicos é um elemento relevante para elevar o seu grau de eficiência e eficácia

(ARROYO, 2008).

Maximiano (2000) diz que, para serem eficazes, as empresas precisam ser

competitivas. Para serem competitivas as empresas precisam ter desempenho

melhor que outras que disputam os mesmos clientes. Uma empresa é competitiva

quando tem alguma vantagem sobre seus concorrentes. Maximiano resume as

vantagens mais importantes que podem ser obtidas por uma empresa em:

qualidade, custo baixo, velocidade, inovação e flexibilidade. Ele acrescenta ainda

que alcançar essas vantagens competitivas depende do entendimento e da correta

aplicação dos conceitos da eficiência e da eficácia.

Segundo Maximiano (2000, p. 115) “a eficiência de um sistema depende de

como seus recursos são utilizados. [...] O princípio geral da eficiência é o da relação

entre esforço e resultado. Quanto menor o esforço necessário para produzir um

resultado, mais eficiente é o processo”. O autor afirma que os critérios mais

importantes para avaliar a eficiência de uma organização são a produtividade e a

qualidade, sendo o primeiro a relação entre resultados obtidos e recursos utilizados

pela organização e o segundo a coincidência entre o produto ou serviço e sua

qualidade planejada.

Gaiger (2009) afirma que, na economia solidária, o conceito de eficiência se

amplia, pois contabiliza tanto o dispêndio de recursos diretamente utilizados pela

organização, quanto os custos indiretos revertidos para a sociedade ou transferidos

para gerações futuras. Sendo assim, a eficiência compreende a materialização de

benefícios sociais, e não meramente monetários ou econômicos. No âmbito das

preocupações das empresas capitalistas, a eficiência refere-se essencialmente à

exigência de otimizar-se a relação custo/benefício, pela decisiva incidência desta

Page 35: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

35

sobre a rentabilidade ou a taxa de lucro dos negócios; assim, ela é compreendida

como o equacionamento de variáveis reduzidas ao plano econômico.

Classicamente, o custo representa perdas de capital inevitáveis ao processo

produtivo, tais como: consumo de matérias-primas, depreciação de máquinas,

tratamento de efluentes, remuneração da força de trabalho, impostos, etc., o que

implica a necessidade de reduzi-lo, sob o prisma dos investidores. Com a separação

entre investidores e a massa dos trabalhadores, as decisões sobre eficiência são

uma prerrogativa do capital, nos limites dos seus fins intrínsecos e como parte de

sua reprodução ampliada. A eficiência capitalista é utilitarista, não considerando os

benefícios sociais gerados pela ação econômica, tais como postos de trabalho,

valorização do ser humano, preservação do ambiente natural e qualidade de vida.

Para Maximiano (2000), eficácia é a relação entre resultados e objetivos. Ele

afirma que para que uma empresa seja eficaz ela precisa ter a sua orientação

voltada para o mercado e não apenas para o processo produtivo. Para avaliar o grau

de eficiência de uma organização é necessário conhecer os seus objetivos e os

resultados que ela vem alcançando.

Segundo Gaiger (2009), uma visão alternativa de eficiência leva

necessariamente à discussão sobre a eficácia, isto é, sobre os fins a serem

alcançados e as possibilidades de atingi-los. Tais fins, longe de se restringirem ao

faturamento e ao crescimento econômico, ou ainda a uma relação entre empresa e

mercado, vinculam-se à satisfação de necessidades e a objetivos materiais,

socioculturais e ético-morais dos indivíduos e da coletividade, de curto ou de longo

prazo. A racionalidade em questão compõe-se de valores dirigidos à qualidade de

vida do grupo diretamente envolvido e à garantia de melhorias para a sociedade.

Sob essa ótica, eficiência e eficácia podem ser classificadas como o conjunto de

meios e fins que, além da reprodução simples dos indivíduos e da preservação de

sua vida biológica e social em níveis moralmente aceitáveis, promovam a

reprodução ampliada da vida, em todos os seus aspectos. Esse desenvolvimento

apresenta-se durável e sustentável no tocante à qualidade de vida, que contempla,

além dos aspectos materiais, o nível consciente dos desejos, o acesso igualitário a

um sistema de justiça e o abrigo contra a repressão política, as violências física e

psíquica e outras fontes de sofrimento.

A visão dos conceitos de eficiência e eficácia dentro da economia solidária

parece estar mais de acordo com a busca da efetividade. Segundo Batista Júnior

Page 36: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

36

(2004), a efetividade é a manifestação externa daquilo que foi gerado dentro da

organização, buscando a satisfação das necessidades do cidadão, o bem comum.

Esta definição, segundo Gandolfi (2006), também pode ser relacionada com justiça

social, na medida em que a efetividade é um indicador do impacto das ações da

organização em relação às expectativas da sociedade.

2.2.3 Democracia

A palavra democracia surge na Grécia Antiga para designar uma forma de

organização das cidades (polis) que foram subdivididas em unidades sociopolíticas

denominadas demos (palavra grega que significa “povo”), visando à

descentralização da autoridade (kratos). Todo cidadão do demos tinha o direito de

participar diretamente do poder. Embora Atenas tenha sido o berço da democracia,

mulheres, estrangeiros e escravos (que representavam a maior parte da população)

não participavam das decisões políticas da cidade. Em Roma, em um período

seguinte, se estabelece um regime semelhante, onde as cidades também são

subdivididas em unidades sociopolíticas, mas a participação no poder era indireta

para grande parte da população. Os não-proprietários ou os pobres tinham direito a

eleger um representante para defender e garantir seus interesses. Esse regime era

chamado oligarquia. Fazendo uma analogia com os dias atuais, podemos verificar

grandes semelhanças entre a oligarquia romana e o que chamamos hoje de

democracia representativa, e entre a democracia grega e o que chamamos

democracia participativa (CHAUÍ, 2006).

Desde a Revolução Francesa e a criação do Estado liberal no século XVIII, a

democracia representativa tem sido adotada como forma de governo pela maioria

dos países do mundo. No entanto, a prática democrática tem se limitado, na maioria

das vezes, à eleição de representantes para a administração do espaço público. As

organizações privadas, como as empresas capitalistas, têm originalmente a

autoridade e o poder decisório vinculados unicamente ao(s) seu(s) proprietário(s),

constituindo assim uma autocracia (sistema de poder típico do sistema feudal). A

empresa moderna, tal como a conhecemos atualmente, passou por várias etapas

distintas durante seu desenvolvimento, definidas geralmente pelas diversas escolas

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37

da administração. A partir da expansão da empresa capitalista da pequena oficina e

comércio para a grande indústria, o proprietário-capitalista se viu obrigado a dividi-la

em departamentos e a delegar uma parte de seu poder a alguns subordinados

(conforme já descrito na seção 2.2.1), que vieram a dar origem posteriormente a

classe dos administradores, gestores ou tecnoburocratas (GUTIERREZ, 1986).

Desde então, esta tem sido a estrutura de autoridade tradicionalmente

encontrada na maioria das empresas capitalistas, com o poder sobre a organização

e os trabalhadores dividido entre o(s) proprietário(s) da organização e os seus

gestores. Como o número de proprietários e gestores é geralmente menor do que o

de trabalhadores-empregados, os critérios para a escolha dos gestores são

definidos, via de regra, pelo(s) proprietário(s), e a opinião dos trabalhadores não é

obrigatoriamente consultada para tomada de decisões; este tipo de organização não

pode ser considerada, sob nenhum ponto de vista, uma instituição democrática

(GURIERREZ, 1986). Neste sentido, ela tem servido primordialmente aos interesses

das classes dos capitalistas e dos tecnoburocratas em detrimento da classe dos

trabalhadores, assim como o feudo servia aos interesses dos suseranos e vassalos

sobre os seus servos.

Em 1929, a teoria das relações humanas, que tinha entre seus autores Elton

Mayo, já falava sobre a necessidade de humanizar e democratizar as organizações,

libertando-as dos conceitos rígidos e mecanicistas da teoria clássica e adequando-

as aos novos padrões de vida do povo americano. Mas foi somente a partir da

década de 1950 que teorias como as da escola neoclássica da administração,

liderada por Peter Drucker, refletiram em algumas mudanças nas estruturas de

autoridade das empresas capitalistas. O modelo japonês do toyotismo incentivou a

participação dos funcionários nas decisões para a busca pela qualidade total. Nos

anos 60, o modelo sueco do volvismo desenvolveu grupos semi-autônomos de

trabalho com o enriquecimento das tarefas dos trabalhadores (CHIAVENATO, 1983).

No entanto, Gutierrez (1986) afirma que estas novas formas de organização do

trabalho se constituem, essencialmente, numa reação a uma nova conjuntura social,

onde o capitalismo se vê obrigado a interagir com o amadurecimento das lutas

operárias, por um lado, e com o acirramento da concorrência e das crises cíclicas,

típicas do sistema, pelo outro. O autor ilustra esse processo citando Forghieri: Particularmente na França, a adoção de formas participativas na indústria seguiu-se aos movimentos grevistas mais importantes a partir de 1968,

Page 38: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

38

quando praticamente todo país foi afetado. A interpretação do patronato francês acerca daqueles movimentos grevistas, alarmantes para o sistema produtivo vigente, indicavam que os trabalhadores precisavam ter mais liberdade no trabalho, encontrar maior satisfação na realização de suas tarefas, participar mais nas decisões que afetassem suas condições de trabalho, sugerir modificações em benefício do trabalho, reencontrar-se enfim com os objetivos da empresa e fruir seu merecido bem estar (FORGHIERI apud GUTIERREZ, 1986, p. 15).

Mesmo com uma relativa ampliação da participação dos trabalhadores nos

processos decisórios, definida por alguns autores como empowerment ou

empoderamento, esta se deu principalmente nas operações de baixo conteúdo

estratégico. Gutierrez (1986), explica que essa limitação ocorre devido ao fato de

que o objetivo primordial dessa tendência é estimular a motivação dos funcionários

através de uma pequena autonomia, e não promover uma real democratização do

poder nas organizações. Essa motivação se dá através da crença por parte do

funcionário (atualmente chamado de colaborador) de que há efetiva participação sua

nas decisões, quando, na verdade, o que ocorre é uma forma de referendar as

decisões tomadas, em última instância, pelos tecnoburocratas (atualmente

chamados de líderes ou gestores), legitimando assim as suas decisões.

A tentativa de desenvolver a democracia nas empresas capitalistas, exigida

pelos trabalhadores, conceituada pelas teorias mais recentes da administração e

aplicada pelos tecnoburocratas, acaba demonstrando-se, na maioria das vezes,

como somente mais uma forma limitada de democracia representativa, aos moldes

da oligarquia romana. É axiomático que os sistemas político e jurídico romanos

representam uma das bases culturais da civilização ocidental. A oligarquia

constituída na empresa capitalista moderna surge como uma ruptura à autocracia

originária deste tipo de organização, onde somente o seu proprietário exercia o

poder formal. Ela foi viabilizada pelo surgimento da tecnoburocracia, a partir do

momento em que conhecimento e técnica passaram a ser considerados também

instrumentos de poder.

Castanheira e Pereira (2008) acreditam que a autogestão na economia

solidária se constitui em um sistema de organização democraticamente superior à

democracia formal praticada no capitalismo, pois, a partir do momento em que os

trabalhadores adquirem o domínio das suas condições de trabalho, eles tornam-se

aptos, também, a deter o controle de suas vidas sociais. Logo, não se trata mais de

participar de um poder, mas de ter um poder.

Page 39: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

39

A economia solidária não se esconde sob uma promessa de progresso

científico e tecnológico ilimitado, supostamente desprovido de pretensões políticas,

para justificar as suas ações. Segundo Gaiger (2008), a economia solidária se

constitui explicitamente como um projeto político de transformação da sociedade.

Ela supõe indivíduos reconhecidos como sujeitos dotados de livre-arbítrio e

comporta iniciativas de múltiplas organizações que visam à ampliação do regime

democrático, desdobrando a democracia política representativa (exercida no Estado)

em mecanismos de participação direta e estendendo-a para a esfera econômica

(empresas).

Na economia solidária, administração democrática significa auto-

administração. Como não há separação entre as figuras de proprietário, gestor e

trabalhador, os associados são a autoridade suprema, com poder para decidir sobre

todos os aspectos importantes da sua organização. Ela parte do pressuposto de que

não há ninguém melhor do que os associados para conhecer seus interesses

econômicos e, por isso, devem ser eles a determinar diretamente as decisões. A

partir de determinado tamanho, o empreendimento, geralmente organizado sob a

forma de cooperativa, realiza a tomada de decisões através de uma assembléia

geral (SCHNEIDER, 2003).

A assembléia de todos os associados é a instância máxima de autoridade e

poder da organização, já que nela são tomadas as decisões de maior porte

estratégico. Cada associado tem direito a um voto, independente da sua cota de

capital integralizada no empreendimento. Desta forma, todos os membros têm a

mesma posição e o mesmo poder. Enquanto agrupamento de pessoas responsáveis

por sua economia, não cabe, nas cooperativas, o voto proporcional ao capital como

nas sociedades anônimas capitalistas, pois introduzi-lo poderia representar a

fragmentação dos membros em diversos grupos de interesses e classes conflitantes,

descaracterizando assim a essência da economia solidária como uma associação

entre iguais (SCHNEIDER, 2003).

Para realizar a administração de questões rotineiras na cooperativa, de menor

conteúdo estratégico, os associados realizam, através de assembléia geral, a

eleição de dirigentes. Os dirigentes sempre devem ter bem presente que são os

mandatários dos sócios e não ao contrário. Para isso, a cooperativa conta com

dispositivos previstos no seu estatuto que regulam a destituição de dirigentes do seu

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40

cargo em caso de abuso de poder, buscando evitar assim a formação de uma elite

de poder na organização e preservar a sua democracia. (SCHNEIDER, 2003).

O projeto de democratização presente na economia solidária claramente não

se limita a uma nova forma de organização econômica, mas visa também um projeto

de sociedade. Alguns governos locais já estão desenvolvendo projetos de ampliação

da democracia formal do Estado liberal, mesclando práticas representativas com

participativas, através da criação de fóruns regionais e assembléias de orçamento

participativo, que geralmente apóiam e recebem apoio das iniciativas de economia

solidária (ARROYO; SCHUCH, 2006). No momento da criação da democracia, na

Grécia Antiga, os cidadãos decidiam em praça pública o destino da cidade, tratando

diretamente de seus interesses. Hoje, a economia solidária visa restabelecer o

sentido original da democracia de forma efetivamente participativa, tratando não

somente de um novo modelo de organização empresarial, mas sim desta como um

meio para uma sociedade mais justa e democrática.

2.2.4 Divisão do trabalho

No decorrer da história econômica da humanidade, pode-se encontrar

diversas formas de divisão do trabalho, tendo cada uma surgido em consonância

com o desenvolvimento das forças produtivas de cada sociedade. A Revolução

Agrícola marca a primeira forma de divisão do trabalho, com a separação de

atividades conforme idade e sexo. Com o surgimento da agricultura, ocorre uma

grande ampliação da capacidade produtiva, e, pela primeira vez, o trabalho deixa de

servir unicamente a subsistência e passa a gerar excedentes (HUBERMAN, 1981).

A produção de excedentes dá origem a uma série de novas atividades de controle e

organização da produção, normalmente menos vinculadas ao trabalho manual.

Surge assim a primeira separação entre trabalho manual e trabalho intelectual

(GUTIERREZ, 1988). Com o desenvolvimento das forças produtivas proporcionado pelo sistema

feudal, surge a figura do mestre artesão, que em sua pequena oficina empregava

jovens aprendizes chamados de jornaleiros. Os jornaleiros eram encarregados da

realização de tarefas mais simples, designadas pelo mestre, enquanto este podia

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41

dedicar-se a aquisição de clientes. Naquela época, não era necessário grande

capital para dar inicio a um negócio; portanto, a divisão do trabalho se dava

basicamente devido ao conhecimento sobre a produção de mercadorias. Sendo

assim, após algum período como aprendiz, o trabalhador poderia abrir a sua própria

oficina. A posição de controle sobre a produção, exercida pelo trabalho intelectual

desde a Revolução Agrícola, passou a permitir gradativamente o subjugamento do

trabalho manual (HUBERMAN, 1981).

Após a queda do modo de produção feudal e a introdução do sistema

capitalista, a Revolução Industrial desencadeia um grande aprofundamento no

processo de divisão do trabalho, elevando a capacidade produtiva a níveis jamais

vistos. A partir deste momento, a divisão do trabalho ganha o sentido vigente até os

dias de hoje: especialização. Sobre este processo, Adam Smith (1996, p. 65)

escreve a primeira frase de sua principal obra: “O maior aprimoramento das forças

produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os

quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido resultados

da divisão do trabalho”. No entanto, com a especialização do trabalho Smith não

visava apenas o aumento da produtividade das empresas capitalistas, mas também

buscava, a partir dela, a viabilização de um comércio livre entre as nações, conforme

explica Huberman (1981):

Se a maior produtividade é proporcionada pela divisão do trabalho, e a divisão do trabalho é limitada pelo tamanho do mercado, então, quanto maior este, tanto maior o aumento da produtividade - isto é, tanto maior a riqueza da nação. E como com o comércio livre os mercados se ampliam ao máximo possível, temos também a máxima divisão do trabalho possível, e, portanto, um aumento da produtividade também ao máximo possível. Portanto o comércio livre é desejável (SMITH apud HUBERMAN, 1981, p.130).

Através do livre comércio entre as nações, Smith afirmava que cada país

desenvolveria os produtos que estivesse mais apto a oferecer ao mercado mundial,

formando assim uma divisão internacional do trabalho. Esta divisão do trabalho

direciona uma especialização produtiva global, já que cada país fica designado a

produzir um determinado produto ou partes de um produto. Por exemplo, um carro,

que pode ter os seus componentes oriundos de diversos países. Smith afirmou que

esse processo permite que cada país que se especializar nas mercadorias possa

produzir a um menor custo, e com isso, aumentar a riqueza total do mundo (SMITH,

Page 42: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

42

1996). Todavia, Smith não levou em consideração na formulação do seu sistema de

divisão internacional do trabalho as crescentes desigualdades que ele produziria.

Uma vez que nem todos os países se encontram no mesmo estágio de

industrialização e desenvolvimento tecnológico, resta aos menos desenvolvidos

fornecer matéria-prima aos países mais industrializados, e a estes a confecção do

produto final. Desta forma, gera-se uma relação desigual de eterna dependência,

pois os países com o nível de industrialização mais elevado sempre fornecerão um

produto com maior valor agregado e, conseqüentemente, obterão maiores taxas de

lucro sobre os menos desenvolvidos (FURTADO, 1996). De fato, este sistema

proporcionou um grande aumento da riqueza total do mundo, mas ao preço da

perpetuação da desigualdade entre os países de primeiro e de terceiro mundo, que

até hoje não pôde ser solucionada.

Na organização das empresas capitalistas pós-Revolução Industrial, a divisão

do trabalho segue o caminho proposto por Adam Smith e aperfeiçoado pelos

teóricos da administração científica (conforme exposto na seção 2.1.1). Henry Ford

foi um dos primeiros a implantar este modelo, sendo o precursor da produção em

massa com a adoção da linha de montagem (CHIAVENATO, 1983). A linha de

montagem permitiu que a função do trabalhador fosse especializada a tal ponto que,

durante uma jornada média de 10 horas de trabalho, sua única atividade fosse a de

apertar parafusos.

Com o aprimoramento das forças produtivas, proporcionado pelo modo de

produção capitalista, aprofunda-se a divisão do trabalho. Originária da divisão entre

trabalho manual e intelectual, ela agora integra uma nova estratégia de crescimento

econômico através da especialização. Com o desenvolvimento da grande indústria

capitalista, a possibilidade de abrir o seu próprio negócio não se configura mais

como alternativa para a maior parte dos trabalhadores, como acontecia no sistema

feudal, devido à concorrência desproporcional. Resta à grande massa dos

trabalhadores, assim como para os países subdesenvolvidos na divisão

internacional do trabalho, vender apenas a sua matéria-prima, ou seja, a sua mão-

de-obra.

O contexto cultural criado pela noção liberal de liberdade individual, as

pretensões sociais e políticas burguesas, o individualismo, o utilitarismo, as

possibilidades tecnológicas da Revolução Industrial e a divisão social do trabalho

compuseram o ambiente da apartação entre trabalhador e trabalho (ARROYO,

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43

2008). A fim de analisar as conseqüências da divisão do trabalho no modo de

produção capitalista, Karl Marx desenvolve o conceito de alienação, defendendo a

tese de que a especialização do trabalho faz com que o trabalhador não tenha

consciência do produto do seu trabalho, permitindo assim ao capitalista uma

apropriação do seu valor.

A alienação, de modo geral, é o estado do indivíduo que não mais se pertence, que não detém o controle de si mesmo, que está privado dos seus direitos fundamentais, passando a ser como uma coisa. Está alienado, portanto, quem está fora de si, quem perdeu sua própria identidade, tornando-se um outro de si mesmo. Assim, a alienação, para Marx, é o processo de despossessão, vivido pelo sujeito humano que perde sua própria essência, que é projetada em outro sujeito. No seu entendimento, a alienação fundamental é aquela que ocorre na prática do trabalho, no sistema capitalista, onde o proletário é separado dos meios e dos produtos de sua atividade produtiva, sua obra sendo apropriada pelo outro capitalista (SEVERINO apud BUENO, 2005, p. 14).

Ao analisar a situação enfrentada pelo trabalhador alienado, Arroyo (2008)

afirma, sob uma perspectiva marxista, que ao mesmo tempo em que a linha de

montagem se decompunha em operações simples, fazendo com que a

interdependência entre os indivíduos aumentasse, a capacidade produtiva

aumentava exponencialmente sem, no entanto, garantir sobrevivência e segurança

para os trabalhadores, já que a acumulação estava fortemente concentrada entre os

capitalistas. Por isso, era necessária a formulação de uma nova divisão do trabalho.

Conforme Lisboa (2005), Marx não postulou que a autogestão seria o reino da

liberdade, mas sim que se trataria de um caminho para emancipação do homem no

trabalho, a partir do domínio da produção material. Em face da complexidade da

moderna divisão do trabalho, onde grande parte das atividades especializadas é

predeterminada, não seria possível suprimir completamente a heteronomia3

3 Heteronomia é um conceito criado por Kant, que corresponde às leis recebidas. Ao contrário de autonomia, consiste na sujeição do indivíduo à vontade de terceiros ou de uma coletividade.

no

processo produtivo, eliminando assim completamente a ocorrência de alienação. As

relações heterônomas na economia persistem mesmo em atividades produtivas

autônomas, através da predeterminação dessas atividades pelo mercado, que não

pode ser simplesmente rechaçado. Diante desse quadro, deve-se considerar o

processo de autonomia na heteronomia. O trabalho em grupos autônomos não

suprime a heteronomia, mas a desloca; no contexto produtivo complexo da vida

moderna não há possibilidade de autonomia pura, já que não há quem viva sozinho.

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44

Trata-se, antes sim, de autonomia na dependência, pois autonomia absoluta é

autismo social, e heteronomia plena é alienação. Assim como competitividade e

cooperação, autonomia e heteronomia coexistem através da divisão do trabalho; no

entanto, existe uma mudança qualitativa na prevalência de uma sobre a outra.

Segundo Gutierrez (1988), a empresa autogerida, protótipo de organização

na economia solidária, tem se encaminhado para a diminuição, mesmo que

gradativa e respeitando condições e vocações naturais, da separação entre trabalho

intelectual e trabalho manual, tentando recompor, dessa forma, a tarefa laborativa,

considerando o homem como um ser completo. Esse processo não visa transformar

trabalho em puro prazer, mas sim diminuir ou eliminar o mal-estar social causado

pela frustração decorrente da utilização parcial das potencialidades humanas, típica

da divisão taylorista do trabalho, causadora de diversas formas de alienação

patológica. O autor indica a possibilidade de amenização da alienação em duas

frentes: a física (através da posse coletiva dos meios de produção e da diminuição

da divisão do trabalho) e a intelectual (através da adoção de formas participativas de

administração da produção).

Na economia solidária, a divisão do trabalho se dá de diversas formas,

dependendo do empreendimento em questão, mas sempre com objetivo de manter

o trabalhador consciente da sua participação na criação da mercadoria e das fases

do processo produtivo. Pode haver uma divisão do trabalho nos níveis operacionais,

de forma que grupos executem um conjunto de funções similares que componham

uma etapa do processo produtivo, mas, mesmo neste caso, procura-se manter

consciência das outras etapas do processo de forma que não haja distanciamento

entre o trabalhador e o produto do seu trabalho, evitando assim que tarefas

específicas virem fins em si mesmos. Outra forma de divisão do trabalho na

economia solidária é o sistema de rotatividade, de forma que certas atividades de

benefício geral sejam exercidas por todos. Porém, o principal diferencial na relação

de divisão do trabalho na economia solidária deve estar centrado na democratização

das atividades administrativas. Teoricamente, não deveria haver uma divisão rígida

do trabalho no sentido gerencial, sendo que, quando necessários, esses cargos

deveriam ser eleitos (conforme descrito na seção anterior) e subordinados à

assembléia geral, órgão máximo de poder decisório (SOUZA; CUNHA; DAKUZAKU,

2003; SINGER, 2008).

Um exemplo de empreendimento solidário onde ocorreu rotatividade na

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45

distribuição do trabalho foi a experiência dos kibutzim (palavra hebraica que significa

“estabelecimento coletivo”) israelenses, onde se formou uma sociedade comunal em

sistema de rodízio para todas as atividades. Os trabalhadores passavam por

experiências em diversas atividades até se estabelecerem em uma área. Também

houve atividades menores, mas de benefício de todos, como a limpeza dos

banheiros, que deveriam ser exercidas rotativamente por todos os membros. Esse

projeto também acaba por desenvolver um modelo de vida em comunidade nos

moldes dos princípios solidários, demonstrando como uma forma de organização

originada na economia pode expandir-se para outros campos da vida social. Os

kibutzim são chamados cooperativas integrais justamente por agregarem em sua

estrutura a promoção de serviços sociais aos associados, como educação, saúde e

moradia, com os mesmos princípios que regem as relações econômicas, tais como

cooperação, solidariedade e divisão não-hierárquica do trabalho (GOMIDE, 2003).

Esse sistema pode promover a desalienação do trabalhador, que passa a

conhecer as atividades necessárias a sua sobrevivência e o seu papel na sociedade.

Dessa forma, a divisão do trabalho, quando necessária, passa a ser um processo

consciente e definido pelos próprios trabalhadores. Esse processo pode suscitar,

inclusive, uma nova dinâmica para a divisão internacional do trabalho, através da

adoção de práticas de comércio justo4

, que visem estabelecer uma nova relação

entre os países ricos do norte e os países pobres do sul do mundo, e que não

busque apenas menores custos de produção e maior lucratividade, mas sim, a

sustentabilidade econômica e social em escala global (COTERA; ORTIZ, 2009).

2.2.5 Pessoas: recursos humanos x sujeitos

Segundo Maximiano (2000), o conceito de organização se refere a um

conjunto de pessoas que realizam tarefas, em grupo ou individualmente, de forma

4 Comércio justo é o processo de intercâmbio de produção-distribuição-consumo, visando um desenvolvimento solidário e sustentável. Esse desenvolvimento procura beneficiar, sobretudo, os produtores excluídos ou empobrecidos, possibilitando melhores condições econômicas, sociais, políticas, culturais, ambientais e éticas [...], tais como o preço justo para os produtores, educação para os consumidores e desenvolvimento humano para todos e todas, respeitando os direitos humanos e o meio ambiente de forma integral. O comércio justo traduz-se no encontro fundamental entre produtores responsáveis e consumidores éticos (COTERA; ORTIZ, 2009).

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46

coordenada, visando atingir um objetivo ou finalidade comum através da utilização

dos meios e recursos disponíveis.

Chiavenato (2003, p. 11) inicia um de seus livros sobre gestão de pessoas

nas organizações afirmando que “toda organização, para alcançar seus objetivos de

maneira eficaz, concentra-se com maior ênfase naqueles recursos que lhes são

mais problemáticos, difíceis e escassos, em detrimento da preocupação e atenção

aos recursos mais fáceis e abundantes”. Esta definição genérica sobre a

preocupação tradicional da administração com o ser humano nas organizações

aponta para uma visão onde as pessoas (trabalhadores-empregados) e os objetos

(matéria-prima, maquinário, produtos, etc.) na empresa capitalista estão postas em

um mesmo nível, e que qualquer qualificação de prioridade entre elas se dá em

relação a sua disponibilidade. Daí a denominação comum de “recurso”.

O autor exemplifica sua afirmação demonstrando a evolução da importância

dos “recursos humanos” nas organizações:

Os Recursos Humanos, décadas atrás, constituíam o exemplo típico de recursos fáceis e abundantes. Era muito comum encontrar-se, nas portarias das fábricas e construções, um contingente enorme de assíduos candidatos que aguardavam penosamente e longamente sua vez de atendimento. Até àquela época, os Recursos Humanos disponíveis eram mais que suficientes para as necessidades das organizações. Em uma situação de oferta abundante de pessoal, as organizações podiam despreocupar-se em fazer investimento na área (CHIAVENATO, 2003, p. 11, grifo nosso).

Deve-se aqui questionar, dentro desta visão de organização, o que deveria

acontecer com este excedente de pessoal, não “aproveitado” pelas organizações,

uma vez que a sua visão macro da economia não pressupõe qualquer tipo de apoio

econômico por parte do Estado à população desempregada, taxando este tipo de

iniciativa como assistencialismo.

Se, historicamente, as condições para os trabalhadores excluídos das

empresas capitalistas não eram boas, para os trabalhadores empregados, com raras

exceções, elas também não eram muito melhores. Conforme descrito na seção 2.1.1

e aprofundado na seção 2.3.4, as teorias clássicas da administração,

essencialmente preocupadas com a maximização dos lucros para os capitalistas,

desenvolveram um ambiente mecanicista, alienador, utilitarista e individualista para

a realização do trabalho humano. Desta maneira, o trabalhador, entendido como um

“recurso”, assim como as demais mercadorias utilizadas pela organização na

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47

produção, representa meramente um custo inevitável que viabiliza a busca das

organizações pelos objetivos dos seus proprietários. Neste caso, é o próprio

conceito de eficiência das empresas capitalistas que afirma que os custos devem ser

reduzidos ao máximo para que as organizações possam atingir melhores resultados,

mesmo sendo estes custos com “mão-de-obra”. Esta lógica ainda está presente em

grande parte das empresas capitalistas.

No entanto, os impactos da terceira Revolução Industrial (científica e

tecnológica), ocorrida na segunda metade do século XX e proporcionada pelo

advento da informática e da robótica, refundaram as bases organizacionais do

capitalismo moderno, engendrando o que ficou conhecido como a sociedade da

informação e do conhecimento. Segundo Chiavenato (2003, p. 13), “neste novo

contexto, as pessoas deixam de ser o problema das organizações para ser a

solução de seus problemas”.

Em uma sociedade fundada na informação e no conhecimento, as pessoas

não podem mais ser vistas como máquinas, pois não basta mais a realização de

movimentos repetitivos; entra em jogo a utilização do que ficou conhecido nas

empresas capitalistas como “capital intelectual”. A era da informação elevou o

conhecimento ao nível de recurso organizacional mais importante da sociedade,

provocando uma mudança de paradigma nas organizações participantes deste novo

momento de desenvolvimento das forças produtivas. Nestas organizações, ocorreu

uma sistemática valorização de quadro funcional (CHIAVENATO, 2003).

Esta valorização não decorre de uma mudança de relação entre as

organizações capitalistas e os seus “recursos humanos” (apesar de uma recente

mudança de termos), mas sim do fato de que a oferta de pessoal com qualificação

para a realização de tarefas nestas organizações não é mais abundante como em

situações anteriores, devido à nova complexidade dos processos. Para estas

organizações (que apesar de serem as maiores empresas capitalistas, geram o

menor número de empregos em relação aos demais setores da economia),

conforme Chiavenato (2003, p. 14), “a importância do trabalhador intelectual [...] é o

divisor de águas entre as empresas bem sucedidas e aquelas que ainda pretendem

sê-lo. [...] A competitividade das empresas depende agora do conhecimento”. Desta

maneira, torna-se vital para as empresas capitalistas a valorização dos seus

funcionários: a organização da terceira Revolução Industrial busca reter os seus

talentos, a fim de preservar e desenvolver o seu “capital intelectual” e manter a sua

Page 48: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

48

competitividade frente às novas condições do mercado.

Segundo Chiavenato (2003), as organizações valorizam os seus funcionários

através de uma compensação pelo seu trabalho realizado. Esta compensação pode

ser financeira, como salários, prêmios e comissões, ou não-financeira, como

reconhecimento, segurança no emprego e orgulho. Destas, segundo o autor, o

salário representa o elemento mais importante. Salário é a retribuição em dinheiro

ou equivalente paga pelo capitalista ao seu empregado em função do cargo que este

exerce e dos serviços que presta durante um determinado período. Como nas

empresas capitalistas o salário do trabalhador é definido (pelos gestores) com

relação ao seu cargo e ao seu tipo de jornada de trabalho (horista, diarista ou

mensalista), esta remuneração não está necessariamente vinculada ao valor

produzido pelo funcionário na organização. Por isso, Karl Marx, nos seus estudos

sobre o capitalismo, denunciou que a principal forma de compensação dos

trabalhadores nas empresas capitalistas é, na verdade, um meio para exploração.

Marx quis esclarecer como o modo de produção capitalista explora o trabalhador, e,

para isso, desenvolveu a teoria da mais-valia. Sobre esse processo, ele afirmou que:

O valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade total de trabalho nela encerrada. Mas parte dessa quantidade de trabalho é realizada num valor, pelo qual foi pago um equivalente na forma de salário; parte dela é realizada num valor cujo equivalente não foi pago. Parte do trabalho encerrado na mercadoria é trabalho pago; parte é trabalho não-pago. Vendendo a mercadoria pelo seu valor, ou seja, pela cristalização da quantidade total do trabalho nela empenhado, o capitalista a está necessariamente vendendo com lucro. Vende não apenas o que ela lhe custou, embora tenha custado o trabalho de seu operário. O custo da mercadoria para o capitalista e seu custo real são coisas diversas. (MARX apud HUBERMAN, 1981, p. 200).

Como tudo se desenrola de maneira desigual no sistema capitalista, a terceira

Revolução Industrial ainda não chegou efetivamente à maior parte das organizações

e da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE, 2007), cerca de 68% da população brasileira nunca teve acesso a internet,

por exemplo. Desta forma, ficou ainda mais acentuada a separação entre o trabalho

intelectual e o trabalho manual. Ao mesmo tempo em que o primeiro gozou de maior

valorização e reconhecimento nas empresas (devido à formação do seu capital

intelectual), o segundo foi ainda mais marginalizado, quando não eliminado.

Nas empresas capitalistas, os trabalhadores, considerados recursos de

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49

produção, ganham salários desiguais. Assim como ocorre na compra de

mercadorias, onde cada tipo de produto ou marca possui um valor, existe um grande

escalonamento dos níveis de salários em relação à oferta e demanda de cada tipo

de profissional no mercado (SINGER, 2008). Esta desigualdade se legitima devido a

uma cultura de “meritocracia”, difundida por toda sociedade com ajuda dos meios de

comunicação. Dotada de valores burgueses e tecnoburocratas, essa cultura

estabelece a noção de que é mais oneroso angariar títulos de formação técnica na

universidade do que a execução de trabalho manual pesado. Desta forma, ela

justifica que um técnico especializado, que exerce suas atividades com as melhores

condições de trabalho existentes, ganhe 20 vezes mais do que um trabalhador

braçal, que muitas vezes realiza atividades altamente insalubres. Por fim, essa

cultura de “meritocracia”, axiomaticamente mais vinculada à noção de status quo do

que realmente a de esforço ou empenho no trabalho, se efetiva na assimilação

coletiva dos seus parâmetros por parte dos trabalhadores não-especializados

(GUTIERREZ, 1986). Estes, em grande maioria, a defendem com o intuito de um dia

poderem desfrutar dos seus benefícios, mesmo que esta posição esteja

historicamente reservada a uma parcela ínfima da população no sistema capitalista.

Na economia solidária, os empreendimentos se apresentam como a antítese

deste modelo de relação entre organização e seus trabalhadores. As pessoas não

são mais vistas como “recursos humanos”, objetos ou mercadorias, mas sim como

sujeitos de sua própria existência (CORAGGIO, 2009). Isso quer dizer que são os

próprios trabalhadores que definem coletivamente e democraticamente as suas

funções, cargos e tarefas, porque todos são iguais. Nela se efetiva de uma maneira

mais realista o conceito de organização como um grupo de pessoas com objetivos

comuns, uma vez que na empresa capitalista, geralmente, as pessoas possuem

objetivos antagônicos devido à formação de diversos grupos de interesse

estimulados pela competitividade (SINGER, 2008).

Uma vez que as organizações de economia solidária não partilham da visão

capitalista de mercadoria sobre os seus trabalhadores, elas também não se valem

de uma relação de oferta e demanda de mão-de-obra para determinar o valor do

trabalhado realizado na organização. Separa assim, de maneira bem distinta e

recolocando nos seus devidos lugares, pessoas e objetos, trabalhadores e matéria-

prima, o valor do trabalho humano e o custo das mercadorias, e assim por diante. O

conceito de eficiência neste modelo de organização (conforme descrito na seção

Page 50: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

50

2.3.2), não coloca em check a preocupação com as pessoas quando da

necessidade de preocupação com os meios e recursos de produção, nem classifica

os seres humanos como abundantes ou escassos como nas empresas capitalistas.

A divisão do trabalho entrelaçou as atividades humanas de tal maneira que

não é mais possível remover algum conjunto de profissionais sem que isso afete a

vida de todos. Por isso, todos os trabalhadores são igualmente necessários ao bom

funcionamento da economia, independente do tipo de trabalho que prestem,

intelectual ou manual. Com base nesta conclusão, os empreendimentos de

economia solidária visam dividir os seus ganhos de maneira igualitária entre os

associados. Na empresa solidária, cada tipo de associação define coletivamente,

através de uma assembléia geral, o sistema de distribuição dos seus resultados. Os

sócios não recebem salários, mas realizam retiradas de acordo com a receita total

obtida na organização. Alguns empreendimentos, por questão de princípio, adotam a

igualdade nas retiradas; no entanto, grande parte dos empreendimentos solidários

ainda opta por certa desigualdade em determinadas funções, que, em geral,

acompanha o escalonamento vigente nas empresas capitalistas, porém com

diferenças muito menores entre as maiores e menores retiradas (SINGER, 2008).

O fato de uma parte das empresas solidárias aceitarem certa desigualdade

nas retiradas, particularmente no que se refere a trabalho intelectual e trabalho

manual, se deve aos valores e costumes da sociedade capitalista onde a maioria

acha “natural” que alguns trabalhos valham mais do que outros, pois os

trabalhadores aceitam e defendem a hierarquia profissional a que foram

acostumados. Em outros casos este tipo de divisão é escolhido para não perder a

colaboração de cooperados mais qualificados, que poderiam obter melhor

remuneração em empresas capitalistas (SINGER, 2008). No entanto, este tipo de

diferenciação entre os associados não deve levar a pensar que não há muita

diferença entre trabalhar numa empresa capitalista ou solidária, pois esta é uma

falsa impressão. Segundo Singer (2008, p. 13) “na empresa capitalista, os salários

são escalonados tendo em vista maximizar o lucro”, sendo que as decisões sobre os

salários são tomadas por dirigentes que participam nos lucros e cuja posição estará

ameaçada se a empresa que dirigem obtiver taxa de lucro menor que a média das

empresas capitalistas (SINGER, 2008).

A economia solidária visa reverter a situação em que está fundada a empresa

capitalista, re-humanizando o trabalho através da devolução da autonomia aos

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51

trabalhadores. É preciso abolir determinados princípios intrínsecos à organização

capitalista, como o mecanicismo, a alienação, o utilitarismo e a visão individualista

tanto dentro quanto fora da sua organização. Para tanto, é necessário um longo

percurso de readaptação dos trabalhadores a uma nova condição dentro da

organização, desta vez centrada no reconhecimento do valor humano na sua

produção social. Nesse processo, é essencial que o trabalhador possa perceber-se

como sujeito, alguém que pratica uma ação de forma consciente e responsável por

todas as suas implicações, e não como um mero recurso de produção contratado

através de salário e alocado em uma tarefa específica. Neste sentido, o trabalhador

integra a organização como parte indispensável na busca pelo seu objetivo para

com a sociedade, ao invés de como um custo inevitável para a obtenção e

acumulação de lucro por parte do capitalista.

2.2.6 Sustentabilidade

É muito comum confundir desenvolvimento econômico, termo que se refere

ao fenômeno que ocorreu em algumas partes do mundo como Estados Unidos,

Canadá, Europa Ocidental e Japão, com um tipo de aumento da riqueza material

verificado na maioria dos países, conhecido como crescimento econômico. O

crescimento econômico é expresso pelo aumento do Produto Nacional Bruto (PNB)

que consiste no somatório de todos os bens e serviços produzidos em um

determinado país. Segundo Arroyo e Shuch (2006, p. 42) “o Brasil, assim como

outros países não considerados desenvolvidos, conheceu momentos de grande

crescimento econômico que não resultaram necessariamente em desenvolvimento

econômico”.

Enquanto o crescimento econômico tem uma dimensão quantitativa, expressa

pelo PNB, o desenvolvimento econômico, além desta, possui uma dimensão

qualitativa, que incorpora investimentos em serviços públicos como educação, saúde

e segurança, que melhoram a qualidade de vida da população em seus diversos

aspectos. Não é possível dizer que o padrão de vida da população brasileira, no seu

conjunto, melhorou proporcionalmente ao crescimento do PNB. O que ocorre é que

o crescimento do PNB é absorvido de maneira desigual pelos segmentos

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socioeconômicos, além de grande parte ser transferida para outros países, pela

apropriação de lucros das multinacionais, por exemplo. No Brasil, uma minoria

pratica padrões de consumo semelhantes aos dos países desenvolvidos e uma

enorme maioria sobrevive em situação de pobreza e miséria. É a enorme

concentração de renda verificada no país que, entre outros motivos, impede que o

crescimento econômico ocorrido ao longo da história se transforme em

desenvolvimento econômico (ARROYO; SHUCH, 2006). É possível identificar certa evolução do conceito de desenvolvimento

econômico ao longo do último século. Inicialmente associado ao crescimento

material, nos anos 50 e 60 este conceito atualizou-se com a inclusão de questões

sociais, em decorrência da situação dos países afetados pela Segunda Guerra

Mundial. Recentemente, o debate em torno deste termo passou a incluir questões

ambientais. Desde o início dos anos 70 a questão ambiental vem mobilizando partes

crescentes da opinião pública, deflagrada pela crise energética global e pela

preocupação em relação aos grandes acidentes ambientais causados por petroleiros

e usinas atômicas, entre outros. A partir de então, se iniciaram diversos estudos

sobre os perigos da poluição e sobre os limites do uso indiscriminado dos recursos

naturais do planeta. Em meados dos anos 1970, Celso Furtado já alertava que, se

todos os países do mundo pudessem atingir o nível de desenvolvimento econômico

dos países ricos, não haveria recursos suficientes no planeta para sustentar este

desenvolvimento, devido aos níveis de consumo praticados por estes países:

O apelo ao consumismo é muito forte. Ninguém quer renunciar à possibilidade de, algum dia comprar um novo vídeo cassete, um carro mais avançado, um forno de microondas, [...]. Nossa vida pessoal é um contínuo processo de aquisição de bens de consumo, comprados muitas vezes por hábitos consumistas e esbanjadores automáticos, que adotamos em virtude de esquemas persuasivos de marketing lançados maciçamente sobre nós [...]. O custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal modo elevado que qualquer tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em perigo as possibilidades de sobrevivência da espécie humana. Temos assim a prova definitiva de que o desenvolvimento econômico – a idéia de que os povos pobres poderão algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável (FURTADO, 1996, p. 161).

Assim, Furtado considerava um mito a busca na qual se encontram a maioria

dos países capitalistas do mundo, pois ela não é, sob nenhum ponto de vista,

sustentável. Ainda que os avanços tecnológicos possam reduzir substancialmente o

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nível de utilização dos recursos naturais na produção e manter por bastante tempo o

crescimento da base material das populações, é forçoso reconhecer que cedo ou

tarde o limite da capacidade produtiva do planeta será atingido. Nesta mesma linha

de pensamento, Lisboa (2005) afirma que:

O desenvolvimento estava fundado na crença de que poderia ser universalizado no espaço e durável no tempo. Esse mito hoje se desmascara, pois sabemos que o desenvolvimento não é para todos (crise de justiça) nem é sustentável (crise da natureza). O crescimento pelo crescimento, tal como definido pela dinâmica capitalista da reprodução ampliada (D-M-D’), é a ideologia da célula cancerosa (LISBOA, 2005).

Com a incorporação desta noção de consciência social e ambiental na

equação do desenvolvimento econômico chegou-se a concepção de

desenvolvimento sustentável. No entanto, a noção de sustentabilidade se encontra

hoje em disputa entre a visão apoiada pelas empresas capitalistas e a visão

defendida pelos empreendimentos de economia solidária.

Na visão da empresa tradicional, a sustentabilidade se apresenta como um

adjetivo do padrão atual de desenvolvimento, sendo o meio pelo qual se tornaria

possível a internalização dos custos ecológicos do padrão de produção no próprio

sistema. Isso tornaria o sistema mais eficiente na utilização de recursos e energia, e,

portanto, mais durável. A questão se concentraria em respeitar a capacidade de

carga da natureza, mas não haveria necessidade de modificar o modo de produção.

Nessa perspectiva, fala-se em “capital natural”: o meio ambiente é encarado como

mercadoria, passível de compra e venda:

[...] bastaria manter constante o capital natural para garantir a durabilidade do desenvolvimento econômico. A preocupação central deveria ser com os riscos de perda irreparável do capital natural e com a garantia de substituição do capital natural, quando diminuído, pelo capital criado. [...] o mercado se encarregaria de decidir quantos seres humanos a Terra suporta, qual o limite para o crescimento econômico e até que ponto pode a tecnologia resolver os problemas relacionados com a finitude dos recursos naturais e com a capacidade da natureza de se renovar (ARROYO; SCHUCH, 2006, p. 49).

Portanto, segundo a visão das empresas capitalistas, a busca pela

sustentabilidade visaria apenas poupar os recursos naturais, melhorando o

desempenho da economia, o que seria suficiente para gerar mais bem-estar social.

Desta forma, o problema não estaria no modo de produção, mas apenas no desafio

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de não ultrapassar a capacidade de carga da natureza, restringindo assim a questão

a um problema de ordem exclusivamente tecnológica de manutenção do capital

natural. A lógica da ecologia passa a fazer parte da lógica do mercado. Pode-se

perceber que esta visão de sustentabilidade está relacionada com a manutenção do

processo industrial capitalista, sem levar em conta a desigualdade no modo de

apropriação da natureza e tampouco contemplar valores sociais, culturais e éticos

(ARROYO; SCHUCH, 2006).

Com o foco centrado exclusivamente no lucro, as empresas capitalistas,

muitas vezes, simplesmente revestem-se de uma fachada de sustentabilidade com

intuito de promover a sua reputação e imagem na sociedade, através de campanhas

publicitárias e patrocínio de eventos.

Já na visão da economia solidária, a sustentabilidade apontaria para um

rompimento com o estilo de desenvolvimento atual, que se fixa em noções como o

progresso infinito e a superioridade do homem frente à natureza. A crise ambiental

seria a prova de que o sistema de acumulação capitalista é insustentável, pois

depreda o ambiente e promove a desigualdade. Portanto, a noção de

sustentabilidade estaria intrinsecamente ligada à construção de uma nova ética e de

novos paradigmas de relação do ser humano com a natureza. Para isso, seria

necessário radicalizar a democracia e promover mudanças culturais que privilegiem

novas noções de riqueza e prosperidade, bem como o respeito aos direitos humanos

e o estabelecimento de novos padrões de consumo e produção, construindo assim

uma ética ecológica (ARROYO; SCHUCH, 2006).

[...] o mercado passa a merecer uma regulação legítima e democrática, sem que signifique uma amarra aos fatores de produção, na medida em que o consumidor ganha a dimensão de cidadão e passa a exercer com clareza e informação seu papel, de maneira organizada e consciente das conseqüências sociais e ambientais de seus próprios hábitos de consumo. Desse modo, valoriza-se aquilo que trouxer melhor benefício, não mais no imediato, mas na perspectiva das futuras gerações, até mesmo pagando um pouco mais por isso, como indica o comportamento de algumas sociedades/mercados, como na Holanda, que já recusam produtos que degradam o meio ambiente ou lucram com trabalho infantil (ARROYO; SCHUCH, 2006, p. 53).

Nesta concepção sistêmica e holística, o debate em torno da sustentabilidade

envolveria, além dos aspectos econômicos, aspectos relacionados às ciências

físicas e biológicas, à cultura, ao direito, à política e à ética. Desta forma, visa, além

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de preservar a natureza e a biodiversidade, garantir a heterogeneidade cultural, o

pluralismo político e as relações dinâmicas entre o local e o global. Além disso, seria

instrumento de inclusão social e de elevação da qualidade de vida, de promoção da

distribuição de renda e da riqueza, da universalização da educação, da saúde, da

habitação e da seguridade social. Assim, a sustentabilidade se traduziria na busca

pelo equilíbrio entre relações de gênero, respeito às minorias, construção da

cidadania e participação popular no planejamento e na gestão das políticas públicas,

a partir de uma nova idéia de sociedade e de como esta se relaciona com o meio

ambiente (ARROYO; SCHUCH, 2006).

É preciso controlar a expansão da acumulação capitalista, estabelecer limites

na utilização de matéria e energia e redistribuir as atividades econômicas no

território global, reconhecendo que há espaços que precisam ser preservados e

espaços que precisam ser economicamente dinamizados e desenvolvidos nos mais

diversos aspectos. Outro autor que define a sustentabilidade na economia solidária é

Washington Novaes (2006), sintetizando esta nova visão:

A sustentabilidade emerge da crise do esgotamento das concepções de desenvolvimento enquadradas nas lógicas da racionalidade econômica, que subjugou o social, o cultural, o político e a natureza às conseqüências lógicas do desenvolvimento econômico. A sustentabilidade obriga a racionalidade econômica a considerar outras dimensões culturais, éticas, simbólicas e místicas. A sustentabilidade significa uma reforma radical nas noções clássicas de ciência, intimamente ligadas apenas à eficácia e à racionalidade econômica (NOVAES, 2006, p. 20).

Portanto, a economia solidária torna-se, ao mesmo tempo, lugar e mecanismo

privilegiado para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável. Este

desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades do presente, sem

comprometer as possibilidades das gerações futuras de atenderem as suas próprias

necessidades. Significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um

nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e

cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e

preservando as espécies e os habitats naturais (ARROYO; SCHUCH, 2006).

A estes conceitos e princípios de sustentabilidade é que o trabalho se filiará

para a análise comparativa dos tipos ideais da empresa capitalista e dos

empreendimentos de economia solidária.

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3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste capítulo são descritos os procedimentos metodológicos que servem de

base para a pesquisa desenvolvida no presente projeto.

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

A primeira parte da pesquisa trata-se de um estudo histórico, que reconstitui

as origens e o caminho percorrido pelos empreendimentos de economia solidária

desde a utilização de formas cooperativas de trabalho durante a Idade Média,

passando pelo surgimento da economia solidária durante a primeira Revolução

Industrial, até o seu ressurgimento no final do séc. XX. Posteriormente, é

desenvolvida uma pesquisa empírica, seguida de uma análise comparativa entre

empresas capitalistas e empreendimentos solidários quanto a sua administração,

cuja metodologia é a teoria weberiana dos tipos ideais, estabelecendo afinidades

eletivas para comparação dos tipos pré-estabelecidos destas organizações. Trata-se

de uma pesquisa de caráter exploratório que estabelece hipóteses que serão

confirmadas ou não durante a análise da pesquisa.

Quintaneiro e Barbosa (2003), analisando a teoria de Weber, afirmam que:

Na medida em que não é possível a explicação de uma realidade social particular, única e infinita, por meio de uma análise exaustiva das relações causais que a constituem, escolhem-se algumas destas por meio da avaliação das influências ou efeitos que delas se pode esperar. O cientista atribui a esses fragmentos selecionados da realidade um sentido, destaca certos aspectos cujo exame lhe parece importante - segundo seu princípio de seleção - baseando-se, portanto, em seus próprios valores. [...] Esse modelo de interpretação-investigação é o tipo ideal, e é dele que se vale o cientista para guiar-se na infinitude do real (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2003, p. 102).

O estudo busca apontar as principais diferenças a partir de empreendimentos

semelhantes quanto a aspectos como: atividade econômica, área de atuação e porte

da organização. O trabalho analisou a administração das organizações selecionadas

a partir de variáveis qualitativas, descritas nas relações do quadro abaixo:

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Tipos Ideais Afinidades Eletivas

Empresa Capitalista

mais desenvolvida

Empresa Capitalista

menos desenvolvida

Empreendimento Solidário

mais desenvolvido

Empreendimento Solidário

menos desenvolvido

Gestão

Heterogestão; as decisões são delegadas pelo(s) proprietário(s) aos seus gestores (tecnoburocratas), organizados de forma hierárquica, que promovem uma certa autonomia dos trabalhadores como forma de estímulo motivacional.

Heterogestão; as decisões são centralizadas no(s) proprietário(s) da empresa, não havendo participação dos funcionários na gestão.

Autogestão; as decisões são descentralizadas, tomadas por todos os trabalhadores em assembléia ou através de conselhos eleitos. Desta forma, cada membro é participante ativo e responsável pela gestão da organização.

Autogestão; as decisões são delegadas pelos próprios trabalhadores a uma elite dirigente que se perpetua na gestão da organização, por questões técnicas ou por falta de participação dos associados.

Colaboração

A competitividade prevalece sobre a cooperação, buscando os menores custos e fazendo com que os melhores vençam. Os conceitos de eficiência e eficácia se restringem a formas de maximização dos lucros.

A competitividade inibe a cooperação. A organização não alcança níveis de eficácia e eficiência necessários para se manter competitiva no mercado, gerando exclusão.

A solidariedade prevalece, fundando uma nova relação capaz de manter sua viabilidade econômica. Os conceitos de eficiência e eficácia abrangem questões éticas, ambientais e humanistas.

A solidariedade prevalece, porém não é capaz de fundar uma relação viável economicamente. Os conceitos de eficiência e eficácia se assemelham aos das empresas capitalistas.

Democracia

O poder é dividido entre o(s) proprietário(s) e os gestores, que legitimam as suas decisões através de uma relativa participação formal dos trabalhadores neste processo (oligarquia).

O poder e a autoridade são centralizados no(s) proprietário(s), de forma que não ocorre administra-ção democrática (autocracia).

O poder é exercido pelos trabalhadores, com a supremacia da assembléia geral, onde cada trabalhador tem direito a um voto (democracia participativa).

O poder é exercido por uma elite dirigente de trabalhadores que toma decisões sem se submeter à aprovação em assembléia (democracia representativa).

Divisão do Trabalho

Busca a especialização do trabalhador através da separação entre trabalho manual e intelectual. Separa as funções administrativas das demais exercidas na organização, gerando alienação dos trabalhadores sobre o processo produtivo.

A divisão mais rígida entre as funções gera um trabalho alienante, mecanicista e desprovido de sentido para o trabalhador.

Busca reorganizar o agrupamento das atividades manuais e intelectuais, conside-rando o homem como um ser completo. Estabelece a rotatividade entre as tarefas tanto operacionais quanto administrativas.

Tem dificuldades em modificar a divisão do trabalho praticada pelas empresas capitalistas devido à formação de uma elite dirigente ou por falta de conhecimento técnico dos seus associados.

Pessoas

São consideradas o diferencial competitivo das organizações, por formarem o seu “capital intelectual”. Os salários são desiguais, definidos para cada cargo de acordo com uma relação de oferta e demanda no mercado de trabalho. A empresa busca manter os seus talentos.

São consideradas mercadorias, recursos, que representam um custo inevitável na produção. Sofrem exploração crescente de mais-valia e possuem más condições de trabalho.

São consideradas sujeitos responsáveis e competentes pela definição das suas próprias ações. Como forma de romper com o utilitarismo capita-lista, é estabelecida a igualdade na divisão de ganhos entre os trabalhadores.

São consideradas sujeitos, no entanto, o empreendimento não consegue estabelecer a igualdade na divisão de ganhos entre os trabalhadores devido a uma questão cultural ou ao medo de perder os cooperadores mais qualificados para as empresas capitalistas.

Sustentabilidade

Visa otimizar a utilização dos recursos naturais através de novas tecnologias, bem como compensar os impactos negativos da produção através de projetos socioambientais, mas sem alterar o modo de produção atual que tem o seu eixo central no consumismo.

Reveste-se de uma fachada de sustentabilidade para promover a sua reputação na sociedade. No entanto, não desenvolve práticas sustentáveis de produção e consumo.

Visa à construção de uma nova ética e de novos paradigmas de relação do ser humano com a natureza e entre si. Concebe um novo modo de produção através da adoção de práticas sustentáveis nas suas atividades. Substitui o consumis-mo pelo consumo res-ponsável e consciente.

Não consegue desenvolver um novo modo de produção capaz de realizar práticas sustentáveis na execução das suas atividades.

Quadro 1 – Relações entre tipos ideais e afinidades eletivas Fonte: Adaptado de Arroyo (2008), Cattani (2009), Chiavenato (1983), Furtado (1996), Gaiger (2006), Gutierrez (1988), Maximiano (2000), Singer (2008).

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3.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

A pesquisa histórica se inicia com uma breve descrição da organização

econômica e do modo de produção no sistema feudal, e a seguir analisa a sua

transformação com a transição ao sistema capitalista e as causas que levaram ao

surgimento do movimento operário durante a Revolução Industrial. Logo após, é

descrita a evolução histórica deste movimento até a criação do movimento

cooperativista e o surgimento dos primeiros empreendimentos de economia

solidária. Foram contempladas as experiências de organizações autogestionárias na

Iugoslávia e na Espanha pelo reconhecimento da sua colaboração na consolidação

do que se entende hoje por empreendimento de economia solidária. Em seguida, é

abordado o ressurgimento dos empreendimentos solidários como forma de

resistência ao neoliberalismo. Este trabalho partiu da análise de livros e artigos

científicos que demonstram os sentidos e experiências desta forma de organização

e a sua racionalidade econômica própria.

Na pesquisa empírica, a análise comparativa envolve oito organizações,

sendo quatro empresas capitalistas e quatro empreendimentos de economia

solidária, localizados nas cidades de Porto Alegre e Gravataí. A atividade econômica

escolhida para a seleção das organizações foi a de produção de vestuário, e o porte,

tanto das empresas capitalistas quanto dos empreendimentos solidários,

compreende entre 20 e 80 funcionários/associados. Foram feitas entrevistas com

formulários contendo perguntas abertas com um gestor em cada organização

visitada, a fim de investigar a sua estrutura organizacional e as técnicas e métodos

de gestão mais utilizados.

3.3 TÉCNICA E INSTRUMENTOS DA COLETA DE DADOS

A pesquisa histórica foi desenvolvida a partir de material bibliográfico e

documental, como livros e artigos científicos. Segundo Gil (1996), a pesquisa

bibliográfica possui a seguinte definição:

Page 59: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

59

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. [...] Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisa bibliográfica. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema, também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente a partir de fontes bibliográficas (GIL, 1996, p. 47).

A pesquisa documental assemelha-se à pesquisa bibliográfica, sendo que a

diferença essencial entre estes tipos de pesquisa reside na natureza das fontes.

Enquanto a segunda se utiliza principalmente de obras de vários autores sobre um

mesmo assunto, a primeira baseia-se em materiais que ainda não receberam um

tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaboradas de acordo com os

objetos da pesquisa (GIL, 1996).

O instrumento utilizado para coleta de dados da pesquisa empírica foi o

formulário, que, segundo Gil (1996, p. 89), “pode ser definido como a técnica de coleta

de dados em que o pesquisador formula questões previamente elaboradas e anota as

respostas”. Este formulário (APÊNDICE A) constitui-se de 40 questões, divididas em

7 blocos: 10 questões para definição do perfil do entrevistado e da sua organização,

5 questões sobre a gestão da organização, 5 questões sobre as formas de

colaboração da organização, 4 questões de investigação sobre as práticas

democráticas da organização, 6 questões sobre a divisão do trabalho, 6 questões

sobre as pessoas na organização e 5 questões sobre sustentabilidade.

3.4 TÉCNICA E ANÁLISE DE DADOS

O método utilizado para a análise de dados é o hipotético-dedutivo, que,

conforme Lakatos e Marconi (1995, p. 81) “se inicia pela percepção de uma lacuna

nos conhecimentos, acerca da qual formula hipóteses e, pelo processo de inferência

dedutiva, testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela hipótese”. É

importante saber que a dedução, parte deste método, é um tipo de pesquisa que

parte de teorias e leis para fenômenos particulares, em uma conexão descendente.

As hipóteses são estabelecidas através da comparação com outros estudos, que,

conforme as autoras, “resultam de o pesquisador ‘basear-se nas averiguações de

outro estudo ou estudos na perspectiva de que as conexões similares entre duas ou

Page 60: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

60

mais variáveis prevalecem no estudo presente’” (TRUJILLO apud LAKATOS;

MARCONI, 1995, p. 144).

Para analisar o nível de desenvolvimento de cada organização pesquisada,

foi definida uma pontuação para os critérios avaliados, onde foi estabelecido o peso

1 para critérios desenvolvidos e peso 0,5 para critérios em desenvolvimento, sendo

considerado nulos (0) os critérios não-desenvolvidos. Para obter-se o índice geral de

desenvolvimento de cada organização, foi utilizada a seguinte fórmula:

+=30

100*))5,0*(( edg CCI

Nesta equação, a variável Cd equivale ao número de critérios desenvolvidos,

Ce equivale ao número de critérios em desenvolvimento, Ig equivale ao índice geral

de desenvolvimento da organização e 30 corresponde ao número de critérios

avaliados.

Considerando a pequena quantidade de estudos disponíveis sobre a gestão

de empreendimentos solidários e as dificuldades encontradas por estas

organizações na sua administração, esta pesquisa visa auxiliar na criação de novos

trabalhos acerca do assunto, colaborando assim para o desenvolvimento desse tipo

de empreendimento no país.

Page 61: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

61

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA

Neste capítulo são apresentadas as informações coletadas nas pesquisas

histórica e empírica, bem como suas respectivas análises.

4.1 PESQUISA HISTÓRICA

Durante a Idade Média, a organização social, política e econômica do sistema

feudal se dava de forma descentralizada. O espaço físico disponível para a

realização das tarefas pelos trabalhadores dessa época, como os agricultores, os

sapateiros e os alfaiates, era a sua própria casa ou algum terreno concedido pelo

senhor feudal. O artesão transformava o seu lar em oficina, espaço de trabalho

onde, com a ajuda dos seus familiares e de jovens aprendizes, confeccionava os

seus produtos e realizava a venda diretamente aos seus clientes. O crescimento

populacional ensejado pelo aumento da produtividade, verificado em meados do

século XIV, acelerou o ritmo de surgimento e expansão das cidades. Dentro dos

espaços urbanos, intensificou-se a atividade comercial que passou a ser praticada

também a longas distâncias. Com isso, as cidades tinham de proteger o seu

artesanato da concorrência estrangeira. Para essa finalidade foram criadas as

corporações de ofício, associações de ajuda mútua entre os artesãos e mercadores,

que atuavam na defesa dos seus interesses sociais e econômicos e na organização

das suas atividades, estabelecendo uma relação de igualdade e fraternidade ao

invés da concorrência entre os seus membros. A corporação de ofício permitia o

monopólio local dos respectivos artesanatos aos seus participantes em troca da

garantia da qualidade dos produtos e da prática do preço justo (HUBERMAN, 1981).

A Revolução Francesa de 1748 escancarou as portas para o capitalismo e a

economia de mercado, baseando-se em ideais como a primazia dos direitos

individuais, liberdade de empreendimento, liberdade de comércio, etc. Com essa

mudança de paradigma, desenvolve-se uma oposição clara e forte à organização

econômica do Antigo Regime. Neste contexto, sob um ideal de instituir a igualdade

de tratamento entre cidadãos, a Revolução Francesa decide suprimir toda forma de

Page 62: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

62

“intermediário” entre indivíduo e Estado. Dentre outras medidas, a burguesia que

ascendia ao poder político na França – e mais tarde em toda a Europa – determinou

a proibição das associações, sindicatos, greves e corporações de artesãos através

do decreto de Allarde, complementado pela lei Le Chapelier (1791), que proibia aos

operários toda forma de solidariedade. (DEMOUSTIER, 2001).

Aos poucos as mudanças iniciadas na França passaram a se difundir de

diversas formas em grande parte do continente europeu. Com a dissolução das

corporações, estabeleceu-se um sistema de concorrência entre os artesãos e a

prática do preço justo foi gradativamente sendo substituída pelo preço de mercado.

A facilidade que os trabalhadores tinham para abrir a sua própria oficina e a

igualdade de tratamento entre os artesãos, instituída pelas associações, tornou-se

algo do passado. Certos mestres mais afortunados passaram a olhar com

superioridade seus irmãos menos afortunados e a contratá-los como assalariados

para desempenhar as tarefas que antes realizavam em conjunto. Deste modo, o

patrão poderia se dedicar ao comércio e aos assuntos externos, enquanto os

empregados cuidavam da produção. Assim, o poder político e econômico passou

das mãos dos senhores feudais às mãos de uma burguesia capitalista em formação

(HUBERMAN, 1981).

Com a implantação do Estado liberal e a proibição de toda forma de

associação entre os trabalhadores, as famílias operárias ficaram sós diante do

mercado, dos empregadores e dos comerciantes (DEMOUSTIER, 2001). A

expansão dos mercados fez com que a estrutura do Antigo Regime se tornasse

obsoleta, pois esta se destinava ao atendimento de um mercado local e estável. Os

artesãos estavam preparados para realizar o comércio de uma cidade, mas o

comércio mundial era coisa totalmente diversa. A figura do intermediário, advinda de

alguns mestres mais afortunados, chamou para si a tarefa de fazer com que as

mercadorias produzidas pelos trabalhadores chegassem ao consumidor, que podia

estar a milhares de quilômetros de distância. Desta forma, o intermediário assume

as funções de mercador e comerciante, entregando a matéria-prima aos artesãos

(que ainda realizavam o trabalho em suas casas) e recebendo de volta o produto

acabado. O intermediário, ao perceber as vantagens da especialização, iniciou um

processo de reorganização da produção com objetivo de aumentar a produtividade,

conforme descrito por Adam Smith (1996):

Page 63: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

63

Um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma atividade independente. [...] Se, porém, tivessem trabalhado independentemente um do outro, [...] certamente cada um deles não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia, e talvez nem mesmo 1 (SMITH, 1996, p. 66).

Devido à grande demanda de exportação para o Oriente, os intermediários

estavam ansiosos para acelerar a produção. Um número cada vez maior de

empregados era necessário para atender a crescente procura por força de trabalho.

Como os artesãos, antigos membros das corporações, já não eram suficientes para

dar conta do trabalho, homens, mulheres e crianças das aldeias passaram a ser

recrutados. Estes, por sua vez, não possuíam as ferramentas e o espaço de trabalho

necessário para produção. Com o objetivo de obter maior controle sobre a produção

e fornecer um espaço adequado aos trabalhadores das aldeias, os intermediários

passaram a construir edifícios próprios para a realização do trabalho. Ao invés de

entregar a matéria-prima para que os trabalhadores transformassem-na em produto

final na sua própria casa, o intermediário iniciou um processo de centralização da

produção em um único local, construindo assim a base do que viria a ser indústria

capitalista moderna (HUBERMAN, 1981).

Diversas inovações tecnológicas, com profundo impacto no processo

produtivo, ocorreram na Inglaterra em meados do século XVIII e desencadearam o

evento que ficou conhecido como Revolução Industrial. Com a criação dos grandes

centros industriais, contingentes populacionais saíram do campo para cidade em

busca de trabalho. O excesso de mão-de-obra resultante desse processo permitiu

aos capitalistas industriais explorar de maneira jamais vista o trabalho dos operários,

submetendo-os a uma jornada de trabalho de 16 horas na operação de máquinas

(muitas vezes insalubres) em troca de salários miseráveis. Mulheres e crianças

também passaram a ingressar no mercado de trabalho em condições piores. Essa

força de trabalho nova e despreparada enfrentou, durante um século, péssimas

condições de vida. Oficialmente proibidos, nesse período, de se organizarem em

associações para a defesa dos seus interesses de trabalho, os operários são

geralmente vítimas de grande exploração. Esse fenômeno levou à polarização da

sociedade em duas classes antagônicas: a dos capitalistas-proprietários dos meios

Page 64: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

64

de produção e a dos proletários-vendedores de sua força de trabalho, gerando uma

relação de aguda oposição entre capital e trabalho. Esse modo de produção

provocou, por sua vez, concentração de riquezas nas mãos da minoria capitalista,

em prejuízo da maioria da população (SCHNEIDER, 2003). É importante

compreender que nessa nova fase da organização industrial os trabalhadores não

são mais donos nem da matéria-prima nem das suas ferramentas de trabalho como

eram os artesãos das corporações de ofício. Eles não vendem o produto acabado ao

capitalista, mas sim sua força de trabalho.

A igualdade de tratamento entre cidadãos (de origens desiguais) e a livre

concorrência não trouxeram o equilíbrio prometido pelo liberalismo: ao contrário,

instauraram uma ordem social injusta e imoral. Era necessária uma forma de

resistência ao espantoso empobrecimento dos trabalhadores provocado pela difusão

das máquinas e da organização fabril da produção. Arroyo e Schuch (2006) afirmam

que: Os primeiros focos de pensamento da economia solidária surgem no início do século XIX na Europa, com grande ênfase na França, cujos principais pensadores foram Claude Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1873), Pierre Proudhon (1809-1865), e, na Inglaterra, Robert Owen (1773-1858). Eles elaboraram modelos de sociedade mutualista, cooperativista e solidária, porém não apresentaram uma formulação objetiva de como transformar a sociedade da época e, em virtude disso, foram chamados por Karl Marx de socialistas utópicos (ARROYO; SCHUCH, 2006, p. 25).

Os socialistas utópicos tiveram idéias diferentes entre si e propuseram

soluções diversas aos problemas da sociedade capitalista, mas possuíam em

comum teorias que reivindicavam a igualdade real entre os cidadãos e não apenas

aquela liberdade ideal promovida pela Revolução Francesa. Na primeira década do

século XIX, Robert Owen era proprietário de um imenso complexo têxtil em New

Lenark, Inglaterra. Em vez de explorar plenamente os trabalhadores que empregava,

Owen decidiu limitar a jornada de trabalho e proibir o emprego de crianças, para as

quais construiu escolas. O tratamento diferenciado que Owen dava aos assalariados

resultou em maior produtividade do trabalho, o que tornou sua empresa bastante

lucrativa, apesar de gastar mais com a folha de pagamento. Em 1815, a Grã-

Bretanha entrou em uma profunda depressão econômica em decorrência de um

longo ciclo de guerras na Europa. Em 1817, Owen apresentou uma proposta ao

governo britânico para auxiliar as vítimas da pobreza e do desemprego e

restabelecer o crescimento da atividade econômica. Seu plano previa a distribuição

Page 65: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

65

de terras aos pobres e a construção de Aldeias Cooperativas, em cada uma das

quais viveriam cerca de 1.200 pessoas trabalhando na terra e em indústrias,

produzindo assim sua própria subsistência. Os excedentes de produção poderiam

ser trocados entre as Aldeias. Deste modo, os pobres seriam reinseridos à produção

em vez de permanecerem desocupados e não precisariam se submeter à

exploração nas fábricas capitalistas. Mas, na segunda metade do século XIX, o

governo britânico se negou a implementar o plano de Owen (SINGER, 2008).

Na França, Charles Fourier desenvolveu uma teoria “onde a sociedade

deveria se organizar de uma forma que todas as paixões humanas pudessem ter

livre curso para produzir uma harmonia universal”, conforme afirma Singer (2008, p.

36). O objetivo principal dessa organização social era dispor o trabalho de uma

forma que ele se tornasse atraente para todos. Para viabilizar esta sociedade,

Fourier concebeu a idéia do falanstério, uma comunidade suficientemente grande

(com aproximadamente 1.800 pessoas) para oferecer a cada um ampla liberdade na

escolha do seu trabalho. Mas o falanstério não é coletivista como a Aldeia

Cooperativa de Owen: nele ainda se preservam a propriedade privada e o mercado

como principal forma de trocas. De todo modo, Fourier propõe diversos mecanismos

de redistribuição das riquezas para evitar que a sociedade se polarize entre ricos e

pobres. Na prática, houve poucas experiências de falanstérios na França, tendo um

maior número surgido nos Estados Unidos. Estima-se entre 40 e 50 a criação de

falanstérios durante as depressões econômicas americanas do século XIX. A idéia

de que todos poderiam viver em comunidades autogeridas, sem a necessidade de

um Estado, fez com que Fourier fosse considerado um predecessor dos anarquistas

(SINGER, 2008).

Saint-Simon, filósofo e economista francês, é considerado um dos mais

importantes precursores do Socialismo, tendo cunhado a famosa frase: “a cada um

segundo sua capacidade, a cada capacidade segundo seu trabalho”. Este teórico,

quando fala em sociedade, imagina algo como uma grande fábrica, na qual a

exploração do homem pelo homem seria substituída por uma administração coletiva,

sendo que, neste contexto, não caberia mais a existência da propriedade privada.

Porém, nesta sociedade idealizada, haveria ainda certa desigualdade, pois,

baseando-se no modelo fabril, Saint-Simon previa hierarquização, sendo que no

topo estariam engenheiros, diretores de produção, cientistas e artistas, e abaixo

estariam os trabalhadores que executariam os projetos. Este foi o primeiro teórico a

Page 66: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

66

perceber que o caráter da luta de classes estava intimamente ligado à economia e

que seria através dos trabalhadores que o futuro seria construído; todavia,

acreditava ele, somente se guiados por alguém. Por isso, Saint-Simon, bem como

Fourier, acreditava que era necessária a participação da burguesia em um processo

de modificação social, pois só das classes superiores poderia partir a iniciativa de

uma mudança (HUBERMAN, 1981).

Proudhon, considerado precursor do anarquismo, defendia uma sociedade

formada por pequenos produtores que utilizariam certificados de circulação ao invés

de dinheiro, trocando serviços sem a sobreacumulação financeira. A base da

teorização de Proudhon é a crítica à propriedade, que ele considera um “roubo”. O

pensador dá grande atenção também ao trabalho como construção coletiva (e não

individual), criticando a divisão do trabalho, que seria o princípio do pauperismo, pois

esta divisão é o pretexto para baixos salários. Acreditava Proudhon que a economia

deve ser entendida como ciência da produção humana, e não da produção material;

este pensamento leva a uma quebra de paradigma em relação à economia clássica,

centrada agora, enquanto economia política, no humano manifesto no trabalho

(ALMEIDA, 1983).

Estes teóricos, além de grandes idealizadores do Socialismo, foram também

protagonistas dos movimentos sociais e políticos de suas respectivas épocas.

Durante seu período de vida, tanto na França quanto na Inglaterra, havia proibições

quanto a associações civis, como a já citada Lei Le Chapelier e os Combination

Acts. Estes pensadores foram militantes ativos na causa trabalhista, lutando contra

estas leis e procurando criar alternativas aos trabalhadores. O cooperativismo

recebeu destes pensadores inspiração e base teórica, a partir dos quais os

participantes de empreendimentos solidários foram construindo novos caminhos,

através do método da tentativa e do erro (SINGER, 2008).

Após a revogação dos Combination Acts, em 1824, começa na Inglaterra um

surto de experiências cooperativas, bem como de movimentos sindicais. Baseada

nas necessidades dos trabalhadores frente à crescente exploração econômica e

orientada pelos princípios dos primeiros pensadores socialistas, surge na Inglaterra,

em 21 de dezembro de 1844, a primeira experiência bem-sucedida do que viria a ser

este novo modelo de organização. A cooperativa “Sociedade dos Pioneiros de

Rochdale” tinha a pretensão de instaurar um novo sistema econômico e social

baseados na cooperação e na solidariedade. Foi fundada por 28 trabalhadores,

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67

dentre eles tecelões, alfaiates, carpinteiros e marceneiros. Já em 1848 possuía 140

membros, e em 1849, com a falência do principal banco da região, passou a ter 390

membros, enquanto o capital da cooperativa passou de 30,00 libras para 1.194,00

libras. Em 1860, já com 3.450 sócios, o seu capital era de 152.000,00 libras. A sua

importância não se limita ao fato de ter sido a primeira cooperativa formal a ser

fundada, e nem à evidente constatação do seu sucesso, mesmo dentro do ambiente

altamente competitivo da sociedade capitalista: além disso, a “Sociedade dos

Pioneiros de Rochdale”, em seu funcionamento, definiu as características

fundamentais do pensamento cooperativo que viria a ser a base das organizações

cooperativas até os dias de hoje (SCHNEIDER, 2003). Segundo Singer (2008, p.

27), “seria justo chamar essa fase inicial de sua história de ‘cooperativismo

revolucionário’, o qual jamais se repetiu de forma tão nítida. Ela tornou evidente a

ligação essencial da economia solidária com a crítica operária e socialista do

capitalismo”.

A multiplicação do número de sindicatos e de cooperativas em diversos

países europeus elevou o nível de organização do movimento operário até a

fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, também conhecida como

Primeira Internacional. No entanto, os seus membros estavam divididos por um

debate interno quanto à análise do capitalismo e a maneira de se emancipar da sua

dominação. Nos congressos de Paris, Lyon e Marselha, entre 1876 e 1879, os

marxistas se opõem aos proudhonianos e saem vitoriosos. Os marxistas denunciam

o modelo das manufaturas capitalistas inglesas e defendem a tomada do poder

político pelo proletariado para suprimir o antagonismo entre classes sociais; os

proudhonianos, mais próximos das concepções liberais dos economistas franceses,

defendem uma revolução econômica a partir do modelo da produção independente,

valorizando a produção coletiva e organizando as trocas econômicas por meio do

mutualismo e do federalismo. Karl Marx acusa as teses de Proudhon de ilusões

imediatas, que promoveriam mudanças excessivamente parciais. Devido aos

diversos embates travados entre a ala sindical e cooperativa do movimento operário,

os trabalhadores franceses optam pela sua divisão em dois movimentos distintos: o

movimento operário e o movimento cooperativo. Esta decisão também foi

alimentada pela lei 1884, que reconhece a liberdade sindical, mas limita os

sindicatos a uma ação de defesa profissional, proibindo-os de gerir diretamente

Page 68: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

68

atividades econômicas remetidas a outras formas de organização (DEMOUSTIER,

2001).

Com a Revolução Russa de 1917, as teses de Karl Marx e Friedrich Engels,

principais autores do que ficou conhecido como “socialismo científico”, foram

transformadas por Lênin em possibilidade política concreta e ganharam o mundo,

inspirando dezenas de revoluções. Porém, a proposta de substituição total e

absoluta da dinâmica de mercado pelo planejamento estatal mostrou-se ineficaz

para construção democrática naquele momento, como pode ser verificado pela

resistência dos kolkhozy (fazendas coletivas) à adoção dos “Planos qüinqüenais”,

implementados por Stálin na União Soviética. A formação de um partido único levou

à concentração do poder nas mãos de uma elite dirigente, semelhante à

tecnoburocracia dos países capitalistas. A partir da avaliação do que ficou conhecido

como “socialismo real”, pensar a economia com base na solidariedade demonstrou-

se essencial para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e

democrática (ARROYO; SCHUCH, 2006).

A palavra autogestão é relativamente recente, tendo aparecido na língua

francesa no início dos anos 1960 como tradução literal da palavra servo-croata

samoupravlje (samo equivale ao prefixo grego auto e upravlje equivale

aproximadamente à gestão), e nasceu para descrever a experiência político-

econômico-social da Iugoslávia, iniciada por Josip Broz Tito, em ruptura com o

stalinismo. O Partido Comunista Iugoslavo seguiu os modelos sugeridos pela União

Soviética desde a sua fundação em 1919 até o final dos anos 1940, quando ocorre o

rompimento entre os dois países. Desde então, o modelo econômico da Iugoslávia

encaminhou-se no sentido de uma descentralização e, em 1950, o governo decide

pela introdução do sistema autogestionário, embasado (mesmo que não

declaradamente) em diversos aspectos do corpo teórico proposto por Proudhon. Os

diferenciais da organização econômica adotada pela Iugoslávia quando do seu

rompimento com a URSS foram a autogestão e o planejamento social, aliados à

manutenção do mecanismo de mercado (VENOSA, 1982; ALMEIDA, 1983).

Durante aproximadamente cinco séculos a história iugoslava havia tido como

unidade econômica fundamental a zadruga, que consistia em pequenas

comunidades, onde conviviam entre 10 e 80 membros, constituídas por várias

famílias consangüíneas ou com relações de parentesco, que possuíam em comum

os meios de produção, bem como regulavam em conjunto a propriedade e a vida da

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69

comunidade. As zadrugas se consolidaram entre os povos eslavos e resistiram às

grandes transformações históricas do período. Esta experiência é comparável com

outras formas de comunismo doméstico primitivo, como o “ayllu” inca e o “kibutz”

israelense. O longo período em que as zadrugas foram uma importante forma de

organização econômica parece influir decisivamente para a posterior formação dos

empreendimentos autogestionários encontrados na Iugoslávia no século XX,

conforme afirma Venosa (1982):

Os princípios de ajuda mútua que encontramos presentes ainda hoje não somente nas cooperativas agrícolas, mas também nas organizações de trabalho associado, podem ser entendidos como sendo indicativos de persistência e transformação das formas de solidariedade praticadas na Iugoslávia durante séculos (VENOSA, 1982, p. 26).

Ao lado das práticas coletivas e de solidariedade mútua existiam também

normas de eqüidade e participação igualitária no processo de tomada de decisão.

Estas regras tornavam a zadruga distinta da família patriarcal, onde a estratificação

do poder e a hierarquia de privilégios eram acentuadas. O processo de decisão era

democrático e a divisão do trabalho se dava segundo sexo, idade e grau de

parentesco. A liderança e a chefia eram exercidas pelo “domacin”. A aptidão para o

trabalho e a realização de negócios era o principal requisito para a escolha do

“domacin”, que assumia um papel de direção econômica, moral e de vigilância, mas

também participava dos trabalhos na comuna local. Apesar de sua autoridade, ele

não deixava de consultar aqueles que eram ao mesmo tempo seus subordinados e

seus pares. Como a autoridade do chefe era delegada, ele conservava seu posto

enquanto gozasse da confiança e do respeito da comunidade. No caso de abuso

dos seus direitos, um conselho formado pelos adultos casados da comunidade tinha

o poder de destituí-lo do cargo. Este conselho era a instância máxima de decisão.

Acerca destas considerações sobre a zadruga, Venosa (1982) afirma que:

Comparando-se o modelo de autogestão das empresas iugoslavas e as características de funcionamento da zadruga, podemos observar algumas similaridades claras [...]. Reconhece-los equivale a desmistificar o credo da autogestão, como o futuro inexorável, como estágio superior. Seria, em última instância, reconhecer que, se a autogestão existe bem ou mal na Iugoslávia, é devido ao fato de que ela era uma forma de organização possível. No limite estaríamos também sugerindo a impossibilidade de intelectuais com origem social em frações de classes dominantes “adivinharem” qual a melhor organização para a classe operária (VENOSA, 1982, p. 34).

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70

Outra experiência importante de autogestão no século XX ocorreu durante a

Guerra Civil Espanhola. Após a I Guerra Mundial, a Espanha passou por um período

de grande instabilidade política, quando se intercalavam épocas de quase ausência

de governo com épocas de ditadura militar. Nos anos 30 do século XX, a Espanha,

governada pela “trindade reacionária” (Exército, Igreja e Latifúndio), representava

um anacronismo frente ao restante da Europa, moderna politicamente. Por um lado,

a monarquia estava definitivamente fora de questão, e por outro, o país não parecia

apto a uma república burguesa. A proclamação da república em 1931, o motim

militar de 1932, a supressão, pelo governo, de um movimento anarquista em 1933 e

a repressão, pelo exército, de um movimento popular austríaco em 1934 levam a

esquerda partidária espanhola à vitória eleitoral por maioria absoluta em 1936. O

exército e outros segmentos sociais conservadores da Espanha se revoltam contra o

novo governo socialista, e, neste mesmo ano, eclode a Guerra Civil Espanhola.

Segundo Almeida (1983, p. 50), “por todo o país, os trabalhadores e os camponeses

tomaram as fábricas e as terras abandonadas por seus proprietários em virtude da

guerra, dando início a um sistema autogestionário que vigorou até 1939, quando a

ditadura fascista toma o poder”.

Nas fábricas, reduziu-se a jornada de trabalho, a disparidade de salários foi

contida através do estabelecimento de teto mínimo e máximo, a aposentadoria foi

regulada por 35 anos de trabalho ou 70 anos de idade compulsória; nas

coletividades camponesas, foram criados salários-família e aposentadorias,

fundaram-se bibliotecas e escolas, médicos e veterinários foram contratados, houve

aumento da terra arável e impulso à avicultura. A coletivização não se deteve nas

fábricas ou pequenas aldeias, mas expandiu-se por todo o território nacional, através

de congressos e federações. Porém, esse movimento teve um grande inimigo: o

Banco, que estava em poder da burguesia republicana. Como os socialistas e o

PPCC espanhóis não quiseram obrigar a burguesia a comprar armas com o ouro do

Banco, estas foram adquiridas com ouro do Estado e fornecidas pela URSS, que

vivia em uma organização absolutamente diversa da espanhola naquele momento e

brindou somente seus partidários e a burguesia, que desejava recuperar as fábricas

e as terras. O apoio da URSS foi muito controverso e gerou o esfacelamento do

movimento, conforme afirma Almeida (1983, p. 50): “A divisão dos trabalhadores

provocada pela URSS e sua atitude conciliatória com a burguesia espanhola

levaram a coletivização à morte”.

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71

As organizações autogestionárias espanholas se organizavam internamente

da seguinte maneira: o proprietário é substituído por um conselho de trabalhadores

nomeado, que pode ser destituído a qualquer momento. Este conselho, que

representa o pessoal, dá coesão e coordena o trabalho, é constituído por operários,

empregados e técnicos, sendo que nenhuma força estranha aos próprios

trabalhadores interfere no trabalho do conselho, havendo autonomia completa.

Externamente, os conselhos relacionam-se entre si conforme afinidades funcionais,

formando seções de produtores de artigos afins (sindicatos de indústria ou ofício);

porém, estas novas instituições não têm ingerência alguma na estruturação interna

dos locais de trabalho, salvo na resolução de questões mais globais, como a

modernização do instrumental, a fusão ou coordenação de fábricas, a supressão de

estabelecimentos improdutivos ou pouco rentáveis, etc. Os sindicatos coligam-se de

acordo com as funções básicas da economia (necessidades fundamentais, matérias-

primas, relacionadores, indústrias de elaboração, etc.) em 17 Conselhos de ramo,

que se unem por delegações ao Conselho Local de Economia, e este ao Conselho

Regional, e, por fim, ao Conselho Federal de Economia, formando uma cadeia que

visava permitir uma vinculação entre todas as funções para formar um conjunto de

processo de produção e distribuição. Esses poderes são administrativos, recebendo

as diretrizes de baixo e devendo ajustar-se às resoluções anteriores; trata-se de um

quadro de relações e nada mais (Almeida, 1983). Como se pode perceber pela

descrição acima, muitas características da experiência autogestionária espanhola

são relacionáveis com o ideal esperado de um empreendimento solidário hoje.

Durante grande parte do século XX, movimentos cooperativos e

autogestionários sofreram certa diminuição, aparentemente devido ao Estado de

bem-estar social (Welfare State) estabelecido no período pós-crise de 1929 com a

teoria keynesiana, que defende a intervenção do Estado na economia. Esta forma

de organização se desenvolve mais fortemente na Europa, principalmente com a

ampliação do conceito de cidadania, com o fim dos regimes totalitários europeus e

com a hegemonia de governos social-democratas. Neste modelo, o Estado é visto

como protetor social e organizador econômico, sendo que, conforme seus princípios,

todo indivíduo tem certos direitos inalienáveis que deveriam ser garantidos pelo

poder público, como educação, assistência médica, auxílio ao desempregado,

garantia de renda mínima, etc. Desta forma, com um Estado forte e responsável pelo

indivíduo, o desemprego era praticamente nulo. Na medida em que direitos sociais e

Page 72: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

72

trabalhistas foram sendo conquistados, o movimento operário passou a lutar pela

manutenção e ampliação destas conquistas em vez de lutar contra o assalariamento

através da busca de uma alternativa emancipatória (SINGER, 2008).

Apesar dos bons resultados do Estado de bem-estar social no início, na

segunda metade da década de 1970 surge uma nova crise do sistema capitalista, a

crise do petróleo, que resulta em um forte movimento contra o keynesianismo. Este

movimento defende que a “mão invisível” do mercado, mencionada por Adam Smith,

substituiria com vantagem a regulação estatal existente até aquele momento,

propondo, portanto, uma re-atualização dos ideais liberais que ficou conhecida como

neoliberalismo. Com cidadãos e trabalhadores sós novamente frente ao mercado,

sem a proteção de um Estado regulador, ressurge a onda de desemprego e a

conseqüente flexibilização dos direitos trabalhistas adquiridos, já que aqueles que

mantêm seu posto de trabalho obrigam-se a se sujeitar a piores condições de

trabalho. Nesse contexto, reaparece o processo cooperativista/associativista, com

objetivo de lutar contra a exclusão social, salvar e criar empregos. Surgem também

movimentos sociais e étnicos que trouxeram como conseqüência uma nova visão

social quanto à política, economia e relação do homem com o meio ambiente

(ARROYO; SCHUCH, 2006).

De acordo com Arroyo e Schuch (2006), as idéias de economia solidária

começaram a ser fortemente difundidas no Brasil através da chegada das notícias

da Revolução Francesa e das idéias dos socialistas utópicos, trazidas pelos

imigrantes europeus no final do século XIX. Formaram-se sindicatos, cooperativas e

ligas camponesas fortemente ligadas entre si. Na década de 1980, constata-se um

forte endividamento dos países em desenvolvimento graças às políticas

keynesianas, que se estenderam de 1945 a 1975, o que dificultou o acesso ao

crédito. A década de 1990 é marcada pela globalização, em que se formam blocos

econômicos com integração monetária, econômica e financeira e o avanço

tecnológico quebra barreiras políticas, econômicas e sociais, tudo sob a hegemonia

neoliberal. Essas décadas são de sucessivas crises financeiras que abalaram o

crescimento econômico, causando não somente desemprego, mas também a

diversificação das relações de trabalho: crescem formas alternativas, como o

trabalho por conta própria, o trabalho coletivo/solidário, o trabalho informal, e até

mesmo o trabalho escravo e infantil. Nesse contexto, a economia solidária ressurge

como defesa da classe trabalhadora ao processo neoliberal de abertura da

Page 73: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

73

economia e de privatizações que se iniciou com o presidente Fernando Collor de

Mello e continuou durante os mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso,

multiplicando a pobreza no país (ARROYO; SCHUCH, 2006).

4.2 PESQUISA EMPÍRICA

4.2.1 Descrição do processo de seleção das organizações Na primeira etapa da análise comparativa, entrou-se em contato com o

Sindicato das Indústrias do Vestuário do Rio Grande do Sul (SIVERGS) e o Serviço

Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) com o objetivo de

obter uma listagem das empresas em que a pesquisa pudesse ser aplicada. As

relações enviadas totalizaram 120 empresas; a partir de então, foi realizada uma

organização das listagens recebidas, agrupando as empresas conforme o número

de funcionários, a localidade e o tipo de produto confeccionado. A etapa seguinte

consistiu em realizar um primeiro contato, por telefone ou e-mail, com as 60

empresas selecionadas a partir dessa organização. Nessa etapa, foram encontradas

diversas dificuldades, pois grande parte das empresas não demonstrou interesse em

participar da pesquisa devido à falta de tempo. Ao fim dessa fase, de um universo de

60 empresas, 4 aceitaram participar do estudo em questão, a saber: a Confraria

Masculina, a DiTrevi Jeans, a JAAN Jeans e a Office Collection.

Quanto aos empreendimentos de economia solidária, tinha-se conhecimento

prévio da existência da Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (Univens)

devido ao seu destaque, e desde o primeiro contato houve claro interesse em

participar da pesquisa, como é de praxe nesta cooperativa. A atual presidenta da

Univens, Nelsa Nespolo, ocupa também o cargo de Secretária Geral da UNISOL

Brasil, e forneceu o contato de outras 3 cooperativas: Coopermodas, Construsol e

Gerasol, que também se prontificaram a colaborar com o estudo em questão.

Finalizada a etapa dos contatos telefônicos, todos os empreendimentos

selecionados foram visitados e os dados foram coletados através do formulário

aplicado pessoalmente por um entrevistador.

Page 74: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

74

4.2.2 Caracterização das organizações pesquisadas Nesta seção, são descritas as informações obtidas através dos formulários

aplicados durante a pesquisa empírica nas organizações.

4.2.2.1 Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (Univens)

A Cooperativa Univens foi fundada em maio de 1996, quando 35 mulheres,

frente à dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal, reuniram-se para a

formação de uma alternativa de inclusão econômica. Atualmente sediada na Rua

Afonso Paulo Feijó, número 501, no bairro Sarandi, em Porto Alegre, a Univens

conta com 25 trabalhadores e produz uniformes para indústrias, escolas, creches e

academias, além de camisetas, agasalhos, calças, moletons e sacolas, realizando

também serigrafia em tecido. Entre seus clientes estão diversas empresas e

instituições como sindicatos, prefeituras e eventos como o Fórum Social Mundial.

Inicialmente, havia sido agendada uma entrevista com a presidente da

cooperativa, Sra. Nelsa Nespolo. No entanto, durante a visita realizada na sede da

organização, a Sra. Elisete Coelho Silva, costureira associada à cooperativa desde a

sua fundação, foi indicada para responder as questões deste trabalho.

Na organização interna da cooperativa, as funções de cunho administrativo

são desempenhadas por uma diretoria executiva, composta por presidente, vice-

presidente, dois secretários e dois tesoureiros. Além deste órgão, existe um

conselho fiscal composto por seis trabalhadores. Estes cargos são definidos através

de eleições realizadas de 3 em 3 anos, nas quais todos os trabalhadores têm igual

direito à candidatura. No entanto, tem-se observado a permanência da mesma

dirigente na presidência desde o princípio da cooperativa, por vontade geral dos

trabalhadores. Apesar disso, estas instâncias não se configuram como níveis

hierárquicos na organização: elas estabelecem apenas uma forma de divisão do

trabalho, uma vez que todos os trabalhadores são consultados antes da tomada de

decisões de nível tático e estratégico. Os cargos dirigentes têm autonomia apenas

para a realização de atividades operacionais de âmbito administrativo.

Page 75: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

75

Todos os trabalhadores realizam tarefas na produção, independente de

pertencerem ou não à diretoria ou ao conselho de administração. A distribuição das

tarefas de produção entre os trabalhadores é realizada pela presidente da

cooperativa, que no inicio de cada dia separa os pacotes com os pedidos dos

clientes e entrega aos trabalhadores. Eles realizam o seu trabalho com total

autonomia de forma e horário, inclusive podendo optar entre trabalhar na sede da

cooperativa ou em sua própria casa. As etapas do processo produtivo são divididas

em corte, costura e serigrafia, sendo todas realizadas na própria cooperativa. A

partir do pedido do cliente, são solicitados de 10 a 15 dias de prazo, nos quais se

realizam a compra do tecido, a produção e a entrega. O sistema de produção é

semelhante à organização em células, onde pode haver rotatividade entre as tarefas

de um mesmo setor, ou até mesmo entre setores diferentes, conforme o interesse

de cada trabalhador.

A circulação de informações sobre os objetivos, metas e questões

estratégicas da organização entre os trabalhadores acontece através de uma

assembléia mensal, onde são expostos os principais acontecimentos do período e é

debatido o planejamento das ações para o período subseqüente. Esta é a principal

ferramenta de envolvimento dos trabalhadores nos processos de tomada de

decisão. No entanto, todos participam ativamente, inclusive em tarefas do dia-a-dia,

como realização de compras, vendas, trabalhos de banco, limpeza, etc. Além da

assembléia mensal, outros instrumentos são utilizados para garantir o envolvimento

e a rotatividade dos trabalhadores nas tarefas diárias, como a utilização de listas de

disponibilidade para cada tarefa. Estes instrumentos se aplicam igualmente para os

dirigentes da cooperativa. Atualmente, a grande maioria dos trabalhadores

apresenta interesse ativo em participar da gestão do empreendimento. Foram

criadas cláusulas no estatuto da cooperativa para garantir a participação de todos

nas assembléias mensais, sendo que, segundo essas regras, nenhum trabalhador

pode faltar a mais de três reuniões, e o seu descumprimento resulta em multa.

Perguntada sobre a importância dos produtos da organização frente à

sociedade, Silva afirmou que o trabalho da cooperativa atende a necessidades

básicas de consumo, sendo uma atividade essencial na sociedade. Além disso, o

trabalhador sente orgulho ao ver o trabalho acabado e reconhece a importância de

ter participado de todo o processo produtivo, e não apenas de uma etapa; dessa

forma, o trabalhador se percebe no que produziu, diferentemente do que acontece

Page 76: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

76

geralmente em uma empresa capitalista. Na sua visão, o principal objetivo da

cooperativa é garantir o sustento das muitas famílias que estão por trás dos

trabalhadores envolvidos e crescer cada vez mais para agregar novos

trabalhadores.

A produção individual (costureiras) ou por setor (corte e serigrafia) é o fator

que determina os rendimentos auferidos pelos trabalhadores e dirigentes da

organização. O processo de controle sobre a produção se dá através de uma

caderneta que é mantida pelas próprias costureiras, e ao final de cada mês é

realizado pela tesouraria o cálculo da remuneração de cada uma conforme a sua

produção. Já entre os trabalhadores do corte e da serigrafia, o controle se dá de

forma unificada e o rendimento no final do mês é dividido de acordo com o número

de trabalhadores. O recolhimento do INSS fica a cargo de cada trabalhador. As

despesas da cooperativa (água, luz, telefone, etc.) são divididas igualmente entre os

trabalhadores e abatidas do rendimento mensal. Além disso, 10% da remuneração

de cada trabalhador é retida pela cooperativa, sendo, atualmente, 5% destinado a

um fundo de reserva (relativo a despesas extras), e os outros 5% reservados para a

distribuição de uma espécie de “13º salário”.

Considerando que a remuneração depende basicamente da produção, a

escala de diferença entre o menor e o maior ganho pode variar bastante.

Atualmente, a faixa salarial fica entre R$ 500,00 e R$ 1.500,00. Por exemplo,

algumas costureiras já aposentadas, senhoras mais velhas que já tem um ritmo mais

lento de trabalho, continuam costurando para complementar a renda, mas ganham

menos do que as que produzem mais e mais rápido. A divisão de lucros ocorre

anualmente e de forma igualitária, excetuando os trabalhadores que ainda não

completaram um ano e, por isso, recebem proporcionalmente ao período trabalhado.

Além dos benefícios financeiros, a cooperativa proporciona aos seus associados

oportunidades de educação continuada, através de parcerias com instituições de

ensino.

A postura estimulada pela organização no desenvolvimento das funções de

produção é a cooperação, tanto que ocorre o compartilhamento de conhecimentos

entre os trabalhadores, como quando da entrada de novos cooperados, que são

auxiliados pelos mais antigos. Porém, como a remuneração é proporcional à

produção, existe certa competitividade espontânea entre as costureiras. Como o

ritmo de produção varia entre os trabalhadores de acordo com suas próprias

Page 77: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

77

condições (idade, disponibilidade, experiência, etc.), alguns deles conseguem obter

uma produção maior e, portanto, uma maior remuneração ao final do período de

trabalho. A cooperativa busca manter em seus produtos o padrão de preços

operados pelo mercado; mesmo desta forma, há uma preocupação interna em

distribuir entre as partes envolvidas a remuneração obtida pelo produto de forma

justa. Em virtude da sua política de inclusão social, a cooperativa institui a

prioridade aos moradores da vila onde se estabelece, ou das proximidades, como

critério para entrada de novos cooperados. Atualmente, é cobrada uma cota de R$

260,00 quando do ingresso na organização, que serão devolvidos em caso de

desligamento, o que, todavia, ocorre pouco na cooperativa. Na maioria das vezes,

estes acontecem por iniciativa dos próprios trabalhadores. Quando há quebra de

algum regulamento da cooperativa, todos os trabalhadores decidem em conjunto na

assembléia geral as medidas a serem tomadas, já que o presidente não possuiria

autoridade para tomar esse tipo de decisão sozinho.

Não há preocupação, por parte da cooperativa, com as demais empresas

atuantes no mesmo seguimento. A sua demanda se dá principalmente por meio de

encomendas, de forma que os próprios clientes realizam os pedidos. A Univens já

possui uma fatia de mercado consolidada e uma utilização plena da sua capacidade

de produção; deste modo, ela não realiza esforço de vendas. O único ponto

comercial que a cooperativa mantém é uma loja no Mercado Público de Porto

Alegre, a Porto Alegre Solidária.

Como parte da sua estratégia de colaboração com demais empreendimentos

de economia solidária, a Univens integra a Cadeia Ecológica do Algodão Solidário

Justa Trama, de abrangência nacional. Os empreendimentos pertencentes a esta

cadeia cobrem todos os elos da indústria têxtil, desde o plantio do algodão até a

confecção das roupas, contando com mais de 700 associados. Em todos os estágios

da cadeia produtiva há uma política de promoção de um novo modelo de

desenvolvimento baseado na sustentabilidade e na solidariedade: o algodão é

cultivado sem o uso de agrotóxicos e utilizando técnicas de conservação do solo e

da água, e o fio e o tecido são confeccionados com o cuidado de não contaminar o

algodão; além disso, todas as etapas do processo são realizadas por trabalhadores

cooperados, de forma que a marca pertença a todos os envolvidos.

A cooperativa possui diversos projetos envolvendo a comunidade, dentre os

quais se destacam uma creche comunitária, um centro social para crianças e um

Page 78: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

78

centro de cultura, além de participar do projeto Brasil Alfabetizado. Além disso, no

que se refere a práticas de consumo responsável, a organização reaproveita ou doa

a terceiros todas as sobras de produção, para a confecção de brinquedos, por

exemplo. Entretanto, o controle sobre a matéria-prima e a forma como ela é

produzida só é observado no que tange à Justa Trama.

A organização já recebeu benefícios do Estado na forma de linhas de crédito

especiais e doações da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil; no entanto,

a maior parte do apoio recebido adveio de ONGs, como a UNISOL, e organizações

sindicais. Os apoios mais significativos vêm da organização do próprio movimento

solidário e de sua relação com outros movimentos sociais e trabalhistas, porquanto

os governos ainda não atuem de forma expressiva nesta área.

4.2.2.2 Henrique Fontana & Cia. LTDA (DiTrevi Jeans)

A DiTrevi Jeans é uma empresa gaúcha com 53 anos de atuação no mercado

de vestuário. Caracteriza-se como uma empresa familiar, comandada hoje por um

dos filhos do seu fundador. A organização conta atualmente com 80 funcionários,

estando 48 destes alocados na área de produção. Sua principal linha de produtos é

a de calças e camisetas, voltada para o público adulto, feminino e masculino, das

classes B e C. Para o público feminino, além das peças tradicionais em jeans, a

DiTrevi cria e confecciona vestidos, blusas e conjuntos. No inverno, além da coleção

ditada para a estação, também são confeccionadas jaquetas e, no verão, bermudas

masculinas e femininas. Todos os produtos são lançados sob uma marca própria e

cada confecção é desenhada pelos seus próprios estilistas. A distribuição é

realizada por 18 representantes que atuam nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e

Sul. Hoje, a marca está presente em mais de 1.000 pontos de venda e está situada

entre as principais marcas do Sul do Brasil.

A entrevista foi realizada com o Sr. Paulo Fontana, que ocupa atualmente o

cargo de sócio-diretor da empresa e trabalha nela há 27 anos. Além do nível dos

sócios-diretores, a empresa conta com mais dois níveis hierárquicos, compostos

pelos gerentes e pelos trabalhadores. A organização está dividida nos setores:

administrativo (que engloba a contabilidade, realizada internamente), faturamento e

Page 79: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

79

produção. Ela conta também com uma loja própria que atua no varejo e como

pronta-entrega para outros lojistas; no entanto, a comercialização se dá

principalmente através de representantes. Ocorrem três lançamentos de coleções

durante o ano: primavera-verão, alto-verão, e outono-inverno. Dentro das etapas do

processo produtivo, primeiramente é desenvolvido o design da coleção; após a

aprovação dos protótipos, são confeccionadas 18 amostras de cada modelo, que

são repassadas aos representantes. Os representantes visitam os clientes em seus

Estados e enviam os pedidos à produção, que é subdividida nas seguintes fases:

molde, risco, infesto do tecido (processo de abertura do tecido na mesa de corte),

corte, separação, costura, acabamento, embalagem e expedição.

Grande parte dos processos já estão padronizados e a produção é realizada

de forma “mecânica” pelos trabalhadores. Os supervisores de produção realizam a

distribuição das tarefas entre os trabalhadores e controlam a seqüência do trabalho

na fábrica. Os trabalhadores estão dispostos entre os setores segundo as suas

especialidades. Não se verifica a possibilidade de autonomia dos trabalhadores no

desempenho das suas tarefas; no entanto, há rotatividade de trabalhadores entre

tarefas semelhantes. A programação da produção é determinada pelos sócios-

diretores e gerentes da fábrica através de uma reunião que é realizada a cada

bimestre. Nesta reunião são estabelecidas metas diárias de produção, que são

repassadas aos trabalhadores no chão de fábrica pelos gerentes. Esporadicamente

são realizadas novas reuniões de cúpula para controlar o cumprimento das metas do

período. Normalmente não há o envolvimento dos trabalhadores nos processos de

tomada de decisão; eventualmente alguns trabalhadores são consultados, quando

ocorre algum problema mais sério na produção, mas essa prática não é muito usual.

Os gestores percebem o interesse por parte de alguns trabalhadores em dar a sua

opinião sobre os processos de gestão da empresa; no entanto, os sócios preferem

não utilizar métodos de participação dos funcionários. Não existe nenhum

instrumento formal na empresa para a coleta da opinião dos trabalhadores, nem

eleições para os cargos de gerência ou supervisão: todos os ocupantes de cargos

de chefia são selecionados pelos proprietários da empresa.

O critério para a definição dos salários dos trabalhadores de produção é o

piso estabelecido pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Vestuário de

Porto Alegre, que hoje se situa em R$ 506,26 para novos contratados e R$ 556,61

para efetivados (após os 90 dias do contrato de experiência). Não há nenhuma

Page 80: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

80

política de divisão de lucros entre os funcionários. A escala de diferença entre o

maior e o menor salário, considerando as demais funções, além da produção, é de

10 vezes. A organização não estimula a formação e qualificação continuada dos

trabalhadores; no entanto, existe uma política de contratação de estagiários em

grande número, os quais na maioria das vezes são efetivados. Para a contratação

de novos trabalhadores, é realizada uma entrevista, onde o gestor avalia as

habilidades do candidato e verifica seu histórico em outras empresas; é levada em

conta também a sua estrutura familiar para a aceitação na empresa. Não é

registrado um grande índice de rotatividade de trabalhadores na empresa, todavia,

cabe apenas aos gestores e sócios-diretores a decisão sobre o desligamento de

funcionários.

A postura fomentada internamente pela DiTrevi, entre os seus funcionários,

na busca pelos resultados, é a cooperação, pois a competição é avaliada como

inapropriada dentro do ambiente de produção. Já no âmbito externo, de mercado, a

empresa atua com base na competitividade. Sua principal estratégia de competição

é a diferenciação dos seus produtos; para tanto, ela investe fortemente em

pesquisas com foco em modelagem e design, buscando uma combinação ideal

entre conforto e beleza para os seus produtos. Por não se tratar de uma marca

muito famosa, a DiTrevi procura manter um preço médio frente aos seus

concorrentes. Para auxiliar a definição dos preços dos produtos, é utilizada uma

planilha de custos que envolve itens como impostos, obrigações, matéria-prima e

mão-de-obra. A organização não participa de nenhuma rede ou cadeia; entretanto,

faz parte da setorial de confecção do SEBRAE, que reúne mensalmente

empresários da área para realização da troca de informações sobre o setor.

Na perspectiva de Fontana, a sua empresa faz um trabalho social, além de

lucrativo, pois atua a 53 anos de forma “correta”, com todos os impostos legalizados

e todas as leis trabalhistas obedecidas, além de ofertar um produto de desejo aos

seus consumidores - a moda, que proporciona a sua auto-realização. Para Fontana,

a importância dos trabalhadores é total dentro da empresa, pois sem eles nada do

que foi conquistado seria possível. O principal objetivo da organização hoje é a

ampliação da sua participação no mercado nacional, expandindo as suas vendas

para todos os Estados do Brasil. A organização não desenvolve nenhum tipo de

projeto socioambiental, não possui nenhum critério que valorize o respeito ao meio

ambiente e a remuneração justa dos trabalhadores na seleção dos seus

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81

fornecedores, não estimula a prática de consumo responsável e solidário, nem

trabalha com alguma política de inclusão de pessoas excluídas; no entanto, existem

planos para a criação de práticas neste sentido no futuro.

4.2.2.3 Coopermodas

A Coopermodas, situada na Rua Vigário José Inácio, número 303, sala 6, no

Centro de Porto Alegre, participa há 6 anos do ramo de vestuário, produzindo uma

grande variedade de artigos, como kimonos e camisetas. A cooperativa não possui

lojas próprias: apenas comercializa a sua produção diretamente para outras

empresas. Atualmente, conta com 20 trabalhadores, todos atuando diretamente na

produção. A entrevista foi realizada com a Sra. Jussara Morales, associada da

cooperativa desde a sua fundação e ocupante do cargo de coordenadora geral.

Conforme Morales, a cooperativa não possui níveis hierárquicos e não existe

uma distinção clara entre os setores da organização. Cada trabalhador realiza

tarefas com as quais está mais familiarizado, tendo total autonomia para isso. A

circulação de informações sobre os objetivos, metas e questões estratégicas da

organização se dá através da assembléia geral, que ocorre anualmente; porém, as

cooperadas realizam reuniões informais, sem periodicidade definida, para trocar

informações e tomar decisões no período entre as assembléias, pois o custo de

realização da assembléia geral, em um período menor de tempo, é muito elevado

para a cooperativa. Morales afirma que não há muito interesse por parte dos

trabalhadores em participar da gestão: apenas 4 ou 5 pessoas se interessam, e,

aparentemente, a grande maioria preocupa-se somente em garantir a sua

remuneração financeira. Existem eleições para os cargos dirigentes entre os

trabalhadores: de 2 em 2 anos é renovada a diretoria, que possui 4 membros, e

anualmente é renovado o conselho fiscal.

A postura fomentada internamente pela organização na busca pelos

resultados é a cooperação. O processo produtivo se inicia com o recebimento do

pedido do cliente, logo após é realizada a compra do tecido e seguem-se as etapas

de corte e costura. A serigrafia é terceirizada, e após esta etapa os produtos são

embalados e enviados para o cliente. A divisão do trabalho entre estas etapas se dá

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82

de acordo com a especialidade e a experiência dos trabalhadores. Não há nenhuma

política específica de rotatividade, mas todos sabem desempenhar diversas tarefas

para preencher lacunas, quando necessário.

Na sede da cooperativa trabalham atualmente 4 associados, e os demais

trabalham em sua própria casa. Toda a produção realizada na sede da cooperativa é

dividida por 5 partes iguais, sendo 4 partes convertidas em remuneração para os

trabalhadores da sede e a quinta parte reservada para o pagamento dos custos e

despesas de produção, bem como para o re-investimento na cooperativa. Os

associados que não realizam o seu trabalho na sede da cooperativa recebem de

acordo com a sua produção, não havendo valor fixo nem quota de divisão pré-

determinada. De sua remuneração também é descontada uma parte para o re-

investimento na cooperativa. Devido ao sistema distinto de remuneração aos

associados, a escala de diferença entre a menor e a maior retirada sofre oscilação a

cada período, podendo chegar a 10 vezes; no entanto, a média mensal é de 5 vezes

de diferença. Atualmente não existe nenhuma política de divisão de lucros ou

sobras, pois todo o excedente não pago aos trabalhadores acaba sendo gasto ou re-

investido na cooperativa por conta das suas dificuldades financeiras.

O principal critério para a entrada de novos associados na cooperativa é o

conhecimento dos processos de produção da indústria, pois não são realizados

cursos internos de capacitação profissional. Não se possibilita a formação e

qualificação continuada dos trabalhadores pela dificuldade de se estabelecer

parcerias com instituições de ensino. Atualmente, é cobrada uma quota de R$

200,00 para a entrada de novos associados. Todo o desligamento é votado em

assembléia, mas isso não ocorre com muita freqüência. O valor referente à cota de

associação não tem sido devolvido ao trabalhador devido às dificuldades financeiras

que a cooperativa vem enfrentando.

A relação predominante entre a cooperativa e o mercado é de competição. No

entanto, a organização não possui nenhuma estratégia definida de competitividade

frente aos seus concorrentes, pois, de acordo com Morales, é muito difícil concorrer

com as empresas capitalistas, que possuem capital de giro, um número maior de

trabalhadores, maior poder de barganha com os fornecedores, etc. A cooperativa

tem alguns clientes antigos que seguem com ela, e não visualiza possibilidades de

expansão do seu negócio.

A Coopermodas não participa de nenhuma rede ou cadeia produtiva, e

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83

considera que o meio cooperativo é muito individualista. Segundo Morales, o

cooperativismo seria somente um nome: os ideais são bonitos, mas na prática não

há muita cooperação entre os empreendimentos. Pode-se perceber que, devido às

dificuldades enfrentadas pela cooperativa, a sua coordenadora demonstra uma certa

frustração em relação ao movimento da economia solidária em si. O

empreendimento não desenvolve nenhum tipo de projeto socioambiental, não possui

nenhum critério que valorize o respeito ao meio ambiente e a remuneração justa dos

trabalhadores na seleção dos seus fornecedores, não estimula a prática de consumo

responsável e solidário, nem trabalha com alguma política de inclusão de pessoas

excluídas.

A organização não recebe e nunca recebeu nenhum tipo de apoio ou

benefício do Estado ou de outras instituições para o desenvolvimento das suas

atividades. Morales considera que a estrutura organizacional da Coopermodas se

assemelha em diversos aspectos com a das empresas capitalistas. Ela afirma que o

fato de estarem constituídas como cooperativa não lhes traz nenhum benefício, e

inclusive gera dificuldades na comercialização dos seus produtos, devido ao

preconceito existente no mercado em relação a este modelo organizacional. O

principal objetivo da cooperativa é manter financeiramente os trabalhadores e suas

famílias.

4.2.2.4 Anglia Industrial LTDA (Confraria Masculina)

A Confraria Masculina atua na criação e na confecção de moda masculina,

oferecendo aos seus clientes uma ampla linha de vestuário em trajes sociais e

esportivos. Conta também com uma coleção de calçados e acessórios, como

gravatas e cintos. A sua fábrica fica situada na Avenida Chicago, número 257, no

bairro Floresta, em Porto Alegre. Além da unidade industrial, a empresa possui uma

ampla rede de lojas ao consumidor final, estabelecidas nos principais pontos de

venda de Porto Alegre, como os shoppings Total, Iguatemi, Praia de Belas e Rua da

Praia, além de uma loja na Rua Borges de Medeiros, no centro da cidade. Ao todo, a

organização conta com a colaboração de 40 funcionários, sendo 20 destes alocados

nos processos de produção. Os dados deste trabalho foram fornecidos pelo Sr.

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84

Carlos Frederico Schnaedecke, proprietário da Confraria Masculina.

A indústria fabrica apenas para as suas próprias lojas. Não há a realização de

pedidos ou encomendas pelos clientes. O principal critério que determina a

produção é sazonalidade: a estação do ano determina se serão produzidas mais

camisetas de manga curta ou longa, por exemplo. Conforme as vendas das lojas, o

ritmo de produção na fábrica é aumentado ou diminuído. Para cada estação é

realizada a pesquisa dos melhores fornecedores; logo após a entrega do tecido ele é

encaminhado para o corte e a costura. Depois de finalizadas as peças, estas são

embaladas e enviadas para as lojas. Todas as etapas do processo produtivo já

estão previamente definidas, e os trabalhadores já são contratados para realizar

uma determinada tarefa ou um grupo de tarefas conforme as suas habilidades. Não

há nenhum sistema definido de rotatividade de funcionários entre as diferentes

tarefas realizadas pela organização; no entanto, eventualmente ocorrem

recolocações por motivo de desligamento de algum trabalhador.

A autoridade na empresa está disposta em 3 níveis hierárquicos. No topo da

pirâmide está o proprietário, em um nível intermediário estabelecem-se os gerentes

da indústria, e, na sua base, encontram-se os trabalhadores. A gerência é

encarregada de repassar aos funcionários as metas e objetivos de produção,

definidos pelo proprietário, e de fiscalizar a sua produtividade. Todos os processos

de tomada de decisão são realizados no topo da estrutura organizacional; sendo

assim, não ocorre envolvimento dos trabalhadores nas questões estratégicas. Os

trabalhadores se ocupam apenas de tarefas operacionais, reproduzindo o que lhes

foi determinado pelos gerentes de produção. Nesta configuração das relações de

trabalho, não há autonomia por parte dos funcionários da produção na realização do

seu trabalho, pois as suas tarefas são padronizadas, controladas pelos gerentes da

empresa e realizadas de forma repetitiva.

Ao ser questionado sobre a possibilidade de participação dos trabalhadores

na gestão da organização, conforme os modelos mais recentes de administração

adotados por empresas de outros setores, Schnaedecke afirmou que na indústria do

vestuário não se considera necessário consultar os funcionários além do nível

gerencial para a tomada de decisão. Antigamente, havia uma caixa de sugestões

para os trabalhadores na sua empresa, mas este sistema foi desativado por falta de

uso. Não é percebido, por parte de Schnaedecke, qualquer interesse de participação

dos trabalhadores na gestão da organização. Segundo ele, os funcionários não

Page 85: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

85

possuiriam a base necessária para isso. Com base nestas afirmativas, a

organização não utiliza nenhum instrumento de empoderamento do trabalhador ou

de gestão democrática nos seus processos.

A empresa não utiliza a concessão benefícios por produção como forma de

estimular a produtividade: aposta-se na postura de colaboração entre os

trabalhadores como forma de ampliar os ganhos para a organização. Para se tornar

competitiva no mercado, a empresa faz grandes investimentos em pesquisa,

procurando atender os itens de maior procura pelos seus clientes, e busca manter o

seu custo interno o mais baixo possível em relação aos seus concorrentes. A

Confraria Masculina não participa de nenhuma rede ou cadeia produtiva, de forma

que ela não efetiva um modelo de cooperação na sua relação com o mercado.

O sistema de remuneração dos funcionários da empresa é baseado no

padrão do mercado e da indústria do vestuário, o que consolida um valor médio de

R$ 556,61 de salário para os trabalhadores. Alguns funcionários ganham um pouco

mais de acordo com as suas habilidades e a disponibilidade de cada tipo de mão-de-

obra no mercado de trabalho. A escala de desigualdade entre o salário dos

trabalhadores da produção e as demais funções exercidas na empresa é de 4 vezes

entre o menor e o maior. Não é praticada nenhuma política de divisão de lucros

entre os trabalhadores. Não existe nenhum programa de qualificação técnica dos

funcionários; apenas eventualmente a empresa os auxilia na realização de cursos de

informática. A entrada de novas pessoas na organização ocorre de acordo com a

necessidade de mão-de-obra: buscam-se novos profissionais quando ocorrem

saídas ou quando é necessário ampliar a produção. Os principais critérios para

contratação são habilidade, tempo de experiência e custo da mão-de-obra. As

principais causas de desligamento de trabalhadores são aposentadorias e

problemas de família ou de doença.

A organização não desenvolve nenhum tipo de projeto socioambiental, pois

avalia que não há necessidade, já que ela se considera uma indústria limpa, que,

por não trabalhar com produtos químicos, não agride o meio-ambiente. Em linhas

gerais, a composição dos seus preços é realizada de acordo com os custos de

insumos acrescidos dos custos de mão-de-obra. Não ocorre a inserção de pessoas

excluídas na organização, pois, segundo Schnaedecke, existem poucos portadores

de deficiência que possuem habilidades para a costura. Na visão do proprietário da

Confraria Masculina, os seus produtos não são significativamente importantes do

Page 86: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

86

ponto de vista social, pois a sociedade não ficará melhor ou pior por conta deles.

São todos produtos de mercado que atendem a uma demanda específica como

muitos outros. Deste modo, a sua organização busca apenas diferenciá-los para

atingir uma maior penetração a um preço adequado.

4.2.2.5 Construsol

A Construsol, sediada na Rua Marcos Cruchin, número 160, no bairro Vila

Farrapos, em Porto Alegre, é composta por um grupo de 20 costureiras, formado há

5 anos, que produz essencialmente por facção. Neste sistema, as fábricas de

grande porte terceirizam a etapa de costura do seu processo produtivo, entregando

o molde e o tecido já cortado às costureiras, que realizam o fechamento das peças e

as entregam como produto acabado. As encomendas ocorrem em grandes

quantidades, no entanto, a margem de ganho das costureiras é muito pequena. A

cooperativa tem dificuldades de estabelecer uma linha própria de produtos,

vinculando a sua demanda quase que exclusivamente aos pedidos das fábricas.

Deste modo, ocorre uma grande oscilação de oportunidades de trabalho dentro da

cooperativa, sendo que, no momento da realização da entrevista, apenas 3

trabalhadores estavam efetivamente produzindo. A Sra. Ivone Beatriz Gomes

Rodrigues, associada há 5 anos e atual coordenadora da organização, forneceu as

informações para o presente trabalho.

Apesar da existência de um nível de coordenação do trabalho, este não se

configura como nível hierárquico, já que os trabalhadores têm ampla autonomia para

desenvolver o seu trabalho, inclusive havendo rotatividade das pessoas entre as

diferentes tarefas realizadas pela cooperativa. Segundo Rodrigues, o trabalho

extremamente especializado, como ocorre nas fábricas capitalistas, onde cada um

realiza apenas uma função repetitivamente, é muito degradante para o trabalhador

e, desta forma, ele não tem a possibilidade de evoluir profissionalmente. No entanto,

apesar deste sistema diferenciado de divisão do trabalho, não é verificado o

envolvimento ativo de todos os trabalhadores nos processos decisórios,

principalmente porque há grande frustração em relação ao desenvolvimento lento da

cooperativa. Desta forma, a organização ainda não possui um processo definido

Page 87: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

87

para circulação de informações sobre objetivos, metas e questões estratégicas entre

os trabalhadores. Na maioria das vezes, estas informações são repassadas através

de conversas informais, ficando restritas ao grupo que está produzindo. Atualmente,

devido ao pequeno número de cooperados na produção, não são realizadas

assembléias, mas existem eleições para os cargos dirigentes de 2 em 2 anos.

A organização possui etapas distintas no seu processo produtivo dependendo

do tipo de cliente. Quando o cliente é uma pessoa física, ele realiza o pedido na

sede da cooperativa, então as costureiras adquirem a matéria prima, realizam o

desenho, o corte, a confecção e a entrega do pedido ao cliente. Quando o cliente é

uma fábrica, ele adquire a matéria prima junto aos seus próprios fornecedores,

elabora os moldes das peças, que muitas vezes já chegam cortadas às costureiras,

que então realizam apenas o fechamento das peças, e os produtos acabados são

repassados para a fábrica.

A postura fomentada internamente para a busca de resultados é a

cooperação, sendo que as trabalhadoras com mais habilidade e experiência buscam

auxiliar no trabalho das outras. A organização não possui nenhuma estratégia

definida de competitividade frente ao mercado, pois, em seu sistema de trabalho,

são os seus clientes (as fábricas que terceirizam uma parte da sua produção) que

determinam o valor que será pago por cada peça confeccionada. Deste modo, a

cooperativa não possui poder de barganha5

Diferentemente das cooperativas citadas anteriormente, a Construsol não

adotou um sistema de ganho por produção, por considerar que isso não é justo e

e muitas vezes é levada a aceitar um

valor muito baixo pela realização do seu trabalho, uma vez que a demanda por

produção própria é muito baixa. Também não há nenhum tipo de relação definida

com outras cooperativas, seja de competição ou de cooperação, até porque, quando

uma cooperativa tem aumento de demanda, geralmente ela busca agregar novos

trabalhadores, e não repassar o trabalho para outra cooperativa. Do mesmo modo, a

Construsol não participa de nenhuma rede ou cadeia produtiva; segundo Rodrigues,

as redes existentes de economia solidária são muito fechadas. A cooperativa já

recebeu apoio de sindicatos e entidades como a Cáritas Brasileira, mas não de

órgãos governamentais.

5 O poder de barganha é definido por Michael Porter como uma das cinco forças de mercado que devem ser estudadas para que uma organização possa desenvolver uma estratégia empresarial eficiente (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000).

Page 88: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

88

gera animosidade entre as trabalhadoras. Há uma divisão igualitária, inclusive nos

excedentes anuais, sendo que não há nenhuma escala de diferença de ganhos.

Desde a fundação da cooperativa, ainda não houve nenhum novo ingresso,

tampouco desligamento de associados. Devido às dificuldades financeiras da

organização, não houve possibilidade até o presente momento de propiciar a

formação continuada e a qualificação das trabalhadoras.

Na visão de Rodrigues, a importância dos seus produtos e da sua

organização é garantir a subsistência dos trabalhadores, e o seu principal objetivo

no momento é fazer a cooperativa crescer, adquirindo novos clientes, para assim

poder agregar novos trabalhadores ao empreendimento. A cooperativa não tem

conseguido realizar nenhum tipo de projeto socioambiental na comunidade em que

está inserida, entretanto as trabalhadoras se envolvem pessoalmente em projetos

deste tipo. Também não há na organização nenhum tipo de critério que valorize o

respeito ao meio ambiente e a remuneração justa dos trabalhadores na seleção dos

seus fornecedores, bem como a inserção de pessoas excluídas ou alguma forma de

estímulo à prática de consumo responsável e solidário.

4.2.2.6 ACTI Com. Serv. de roupa LTDA (Office Collection)

A Office Collection é uma empresa gaúcha com 17 anos de atuação no

segmento de vestuário profissional. Especializada na confecção de uniformes para o

setor hoteleiro, hospitalar e de aviação, a empresa tem a sua sede estabelecida em

Porto Alegre, na Rua Sete de Abril, número 349, mas atende clientes em todo o

Brasil através dos seus escritórios comerciais em São Paulo, Brasília, Minas Gerais,

Santa Catarina e Rio de Janeiro. Ao todo, a empresa conta com uma equipe de 70

funcionários, sendo 40 destes destinados à produção. Ao ser contatada sobre a

possibilidade de realização deste trabalho, a Sra. Luiza Stadtlander, proprietária da

organização, indicou a sua gerente comercial, Sra. Andriele Becker, para a

realização da entrevista.

Atualmente, a empresa está subdividida em 6 setores para o desenvolvimento

das suas tarefas, a saber: financeiro, comercial, modelagem, produção, expedição e

de representação. Segundo Becker, existem 3 níveis hierárquicos dentro da

Page 89: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

89

organização; os funcionários são subordinados aos gerentes, que por sua vez são

subordinados aos proprietários. Os processos de produção já estão todos

previamente definidos, de modo que não se verifica muito espaço para a autonomia

dos trabalhadores no desenvolvimento das suas funções. A empresa não realiza um

controle de produção baseado no estabelecimento de metas como as demais: o

controle sobre o ritmo de produção é realizado diretamente pelos gerentes. Alguns

gerentes consultam, de maneira informal, a opinião de seus funcionários para a

tomada de decisões, mas este procedimento depende do perfil de cada gerente,

uma vez que não se trata de uma política estabelecida pela organização. Alguns

trabalhadores demonstram interesse em expor as suas opiniões sobre a gestão da

produção e da empresa como um todo, mas esta oportunidade não é explorada de

forma ampliada pela empresa. Nenhum instrumento formal é adotado para a

efetivação de práticas democráticas, como a realização de assembléias para

definição dos rumos da organização, a coleta da opinião dos trabalhadores ou a

realização de eleições para os cargos de gestores.

O processo produtivo se inicia através da realização do pedido, que é

encaminhado por algum dos escritórios comerciais da empresa; logo após, as peças

são destinadas ao corte, à costura, ao acabamento, à supervisão da qualidade e,

por fim, à expedição. Não há rotatividade por parte dos trabalhadores entre as

diferentes tarefas da produção devido ao alto nível de especialização exigido para

cada tarefa. Assim como as demais empresas capitalistas entrevistadas, a Office

Collection se baseia no piso do Sindicato do Vestuário para definir os salários dos

seus funcionários, e não existe nenhuma política de repartição de lucros. Existe um

sistema de treinamento dentro da própria empresa, pelo qual passam todos os

funcionários recém-contratados antes de iniciarem as suas atividades na empresa.

Segundo Becker, a principal causa das pessoas se desligarem da empresa é o

stress excessivo na produção.

Com relação às formas de colaboração interna, a noção de interdependência

é estimulada entre os trabalhadores, com o objetivo de favorecer a cooperação na

busca pelos resultados. Já com relação às formas de colaboração externa, de

acordo com Becker, a empresa possui um produto diferenciado de alto padrão, com

um longo histórico de reconhecimento da sua qualidade pelo mercado, que facilita

suas vendas e fideliza os seus clientes. Deste modo, a estratégia de atuação no

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90

mercado adotada pela empresa é a do Oceano Azul6

, uma vez que não há

preocupação em relação aos seus concorrentes. A empresa opera de forma isolada

no mercado, não participando de nenhuma rede ou cadeia produtiva. Desde a sua

fundação, ela nunca recebeu nenhum tipo de apoio ou benefício por parte do

Estado.

4.2.2.7 Gerasol

A Gerasol, sediada na Rua Dona Cledi, número 665, no bairro Caveira, em

Gravataí, é uma cooperativa estabelecida há 20 anos no mercado, que compreende

9 trabalhadores. A organização trabalha principalmente por facção, mas também

com produção própria, procurando priorizar este serviço em detrimento do trabalho

terceirizado. A cooperativa envolve-se eventualmente em feiras e eventos de

economia solidária, buscando valorizar seu trabalho próprio. A entrevista foi

realizada com a Sra. Marilaine Sagiomo, atual tesoureira da cooperativa, associada

há 2 anos e meio.

Conforme observado nas demais cooperativas pesquisadas, a Gerasol se

organiza através de uma pessoa responsável por coordenar e dividir o trabalho

(presidente), mas essa forma de organização não se efetiva como nível hierárquico.

Os trabalhadores realizam suas tarefas de forma absolutamente autônoma, sendo

que, eventualmente, dependendo do tipo de trabalho, um ensina ao outro como

realizá-lo. A circulação de informações de cunho administrativo da organização entre

os trabalhadores se dá diretamente através do coordenador, que as repassa

conforme julga necessário pelos planos relativos à demanda de serviço. Há boa

participação dos trabalhadores na gestão da cooperativa, sendo que os

coordenadores se encarregam das tarefas administrativas, mas todos se mantêm

informados sobre os rumos da organização, havendo, assim, envolvimento geral.

Internamente, a Gerasol estimula a cooperação entre os trabalhadores, de

6 Modelo de estratégia desenvolvida por W. Chan Kim e Renée Mauborgne, que afirma que as empresas, ao invés de concorrer com os seus rivais no mercado, devem buscar novos nichos e diferenciar os seus produtos, fazendo da concorrência um fator irrelevante (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000).

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91

forma que uma complemente o trabalho da outra. A única estratégia para tornar a

cooperativa competitiva é o controle do preço em relação ao mercado, realizando

inclusive pesquisas neste sentido. Perguntada sobre a relação entre a organização e

os seus concorrentes de mercado, Sagiomo afirmou que prevalece a cooperação, já

que há integração entre os empreendimentos de economia solidária, através de

fóruns, feiras e diversas atividades em conjunto, sendo que a Gerasol participa de

diversas organizações e eventos deste tipo. A maior parte do apoio recebido pela

cooperativa vem de sindicatos e de instituições ligadas à economia solidária, através

da doação de máquinas e equipamentos; entretanto, atualmente as trabalhadoras da

cooperativa estão recebendo aulas de administração realizadas pela Prefeitura

Municipal de Gravataí, que recentemente criou a Secretaria Municipal da Economia

Solidária, com o objetivo de apoiar estes empreendimentos.

O principal instrumento democrático utilizado na cooperativa é a assembléia

geral, porém, devido ao pequeno número de cooperadas e à baixa demanda de

serviço, não há freqüência exata, sendo que os trabalhadores se reúnem quando há

necessidade. A meta é que a assembléia se realize uma vez por mês. As eleições

para cargos dirigentes e conselho fiscal se realizam de 3 em 3 anos, sendo que

todos os trabalhadores têm igual direito à candidatura.

Porquanto a Gerasol trabalhe freqüentemente por facção, as etapas do

processo produtivo se dão da seguinte maneira: geralmente, o tecido já vem

cortado, sendo que o que é realizado na cooperativa é a costura. Como as fábricas

são maiores do que as cooperativas, são elas que determinam o valor a ser pago

por unidade. Por não possuir poder de barganha, a cooperativa tem de aceitar um

valor irrisório pelo seu serviço. No entanto, esta é uma modalidade de trabalho que

possui uma demanda mais estável do que a dos clientes próprios da cooperativa e

ela viabiliza sua continuidade. O ideal da cooperativa é que ela possa trabalhar cada

vez mais com seus próprios produtos e clientes. O fator que determina a divisão do

trabalho na cooperativa é a experiência; porém, todos os trabalhadores realizam

diversas tarefas, e uns auxiliam aos outros em suas tarefas: os trabalhadores mais

rápidos, que terminam antes o seu trabalho, ajudam os outros para que todos

possam ter o mesmo rendimento. A maior importância da cooperativa, na visão de

Sagiomo, é a qualidade dos produtos, que geram uma boa imagem. Neste

momento, a cooperativa está focada em obter uma sede própria, pois atualmente

está funcionando na casa de um dos cooperados.

Page 92: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

92

As remunerações são absolutamente igualitárias, sendo que, ao final do mês,

o rendimento é calculado e dividido em partes iguais, retirando-se os gastos

efetuados no período e os 10% referentes ao fundo da cooperativa. A divisão de

excedentes é realizada também de forma igualitária, de forma que todas os

cooperados são responsáveis pelo empreendimento e estão sujeitos a arcar com

prejuízos na mesma medida em que têm direito de receber os excedentes.

Conforme Sagiomo, para ingressar na Gerasol basta saber costurar e ter força de

vontade. O estatuto da cooperativa prevê o pagamento de uma cota de capital para

o ingresso de um novo cooperado, mas atualmente essa cota não está sendo

cobrada, pois a cooperativa está passando por um momento de reestruturação. Até

o presente momento, só ocorreram desligamentos da cooperativa por vontade

própria dos trabalhadores.

No momento, a Gerasol não desenvolve projetos socioambientais na

comunidade, mas pretende fazê-lo assim que a sede da cooperativa estiver

construída. Existem planos de integração com as escolas da região, oferecendo

cursos de costura e serigrafia para ajudar no desenvolvimento da comunidade, bem

como de inclusão de pessoas excluídas no empreendimento. A cooperativa também

tem tido dificuldades de pôr em prática o que se refere à formação e qualificação das

trabalhadoras. A organização estimula a prática de consumo responsável e solidário

através de práticas de reaproveitamento e reciclagem de materiais, mas não possui

nenhum critério que valorize o respeito ao meio ambiente e a remuneração justa dos

trabalhadores na seleção dos seus fornecedores, pois tem se preocupado

basicamente com o preço e a qualidade dos materiais comprados.

4.2.2.8 JAAN Ind. Com. Confecções LTDA (JAAN Uniformes)

A JAAN Uniformes atua desde 1988 no ramo de uniformes profissionais,

atendendo a diversos segmentos, como indústrias, empresas do ramo alimentício,

hospitalar, de segurança, condomínios, entre outros. É especializada na elaboração

e confecção de calças, camisas, jaquetas, guarda-pós, macacões, bermudas,

camisetas, moletons, botinas, sapatos e outros produtos do setor. Dentre os seus

principais clientes estão a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, a Petrobrás, o

Page 93: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

93

Shopping Total e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sua fábrica está

estabelecida na Rua Amapá, número 511, no bairro Nonoai, em Porto Alegre, onde

atualmente trabalham 20 funcionários, sendo 10 destes alocados na produção.

Nesta empresa foi entrevistado o Sr. Arthur Pereira, que ocupa atualmente o cargo

de Administrador da Produção.

A empresa está dividida em 5 setores: administrativo, corte, produção,

serigrafia e acabamento. Por não possuir lojas próprias, todos os pedidos são

realizados diretamente pelos clientes através do seu site ou via telefone. Existem 3

níveis hierárquicos na empresa, compostos pelos sócios, gerentes e trabalhadores.

Todos os processos são padronizados. No início do dia, os gestores organizam e

distribuem as tarefas entre os trabalhadores e determinam a forma com que elas

devem ser desempenhadas, informando-os sobre as metas de produção. Não se

verifica a possibilidade de autonomia por parte dos trabalhadores no desempenho

das suas tarefas. Os trabalhadores não são envolvidos nas questões estratégicas;

eventualmente, eles participam das decisões de assuntos operacionais da produção,

quando surgem problemas no desenvolvimento do seu trabalho, como falta de tecido

ou a necessidade de adaptação de alguma peça. A postura estimulada internamente

pela organização é de cooperação, mas externamente as relações são

absolutamente competitivas, sendo que a empresa não participa de nenhuma rede

ou cadeia produtiva. A estratégia de competição da JAAN Uniformes se baseia no

posicionamento, através da ênfase na qualidade e exclusividade dos seus produtos,

bem como na rapidez da produção e na entrega dos pedidos, que geralmente

supera a de seus concorrentes. Além disso, a empresa possui um site e uma equipe

de vendedores para impulsionar suas vendas.

Na primeira etapa do processo produtivo, os vendedores encaminham os

pedidos para o departamento comercial, que tem a função de verificar o tipo de

material necessário para a produção e a sua disponibilidade em estoque. Logo após,

os tecidos são enviados para a etapa de risco e corte. Em seguida, as peças são

costuradas e fechadas. O último estágio é o de acabamento, onde são pregados os

botões e as peças são passadas e embaladas. Em média, o tempo de entrega do

pedido ao cliente é de 15 dias. Cada setor já possui a sua divisão pré-estabelecida e

os trabalhadores são alocados segundo as suas especialidades. A rotatividade dos

trabalhadores entre as tarefas só ocorre em situações excepcionais, quando há, por

exemplo, um pedido de grande urgência e os funcionários são recolocados para que

Page 94: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

94

seja possível cumprir o prazo estabelecido.

Quando perguntado sobre a utilização de instrumentos democráticos na

tomada de decisões, Pereira afirmou que a empresa não utiliza nenhum instrumento

formal para a coleta da opinião dos trabalhadores, apesar de alguns trabalhadores

demonstrarem interesse em participar dos processos decisórios. Não existem

eleições para os cargos de gerência, sendo que todos os ocupantes de cargos de

chefia são selecionados pelos proprietários da empresa e geralmente são

contratados externamente.

Segundo o Pereira, a importância da JAAN Uniformes frente à sociedade está

relacionada com a necessidade dos seus clientes de uma boa apresentação, por

parte dos seus funcionários, para a realização de novos negócios. A empresa

trabalha primordialmente com a confecção de uniformes e considera este o principal

cartão de visita das empresas. O maior objetivo da organização é a busca do

reconhecimento no mercado da qualidade dos seus produtos.

Assim como as demais entrevistadas, no que se refere aos critérios para a

definição dos salários, a empresa segue o padrão da categoria, considerando o piso

do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Vestuário de Porto Alegre. É

verificada uma pequena variação para alguns funcionários de acordo com a sua

habilidade e tempo de trabalho na empresa. A escala de diferença entre o menor e o

maior salário é de 2 vezes; porém, esta escala foi estabelecida desconsiderando a

área de vendas, que atinge salários maiores devido ao comissionamento. Não existe

nenhuma política de divisão de lucros entre os trabalhadores. Diferentemente das

outras organizações pesquisadas, o principal critério para a contratação de novos

funcionários é a indicação. O quadro de funcionários se mantém estável, ao passo

que não é registrada grande rotatividade de pessoas. O desligamento de algum

funcionário geralmente só ocorre quando ele não atinge as metas de produção. A

organização não desenvolve nenhum tipo de projeto socioambiental, pois acredita

que não agride de nenhuma forma o meio ambiente; não possui nenhum critério que

valorize o respeito ao meio ambiente e a remuneração justa dos trabalhadores na

seleção dos seus fornecedores, não estimula a prática de consumo responsável e

solidário, nem trabalha com alguma política de inclusão de pessoas excluídas.

Page 95: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

95

4.3 ANÁLISE COMPARATIVA DAS ORGANIZAÇÕES

Dentre todas as organizações pesquisadas, a Univens é a que possui os

melhores indicadores de desenvolvimento, além de o maior número de afinidades

eletivas com o tipo ideal de um empreendimento de economia solidária bem

desenvolvido. As características da sua organização, tanto interna quanto

externamente, preenchem praticamente todos os requisitos para a sua classificação

como um empreendimento solidário bem sucedido, no que se refere à análise da

sua gestão, colaboração, democracia, do seu tipo de divisão do trabalho, a

valorização dos seus trabalhadores e das suas políticas de sustentabilidade.

É verificado o nível pleno de efetivação do sistema de autogestão, uma vez

que as decisões são descentralizadas, sendo tomadas pelos trabalhadores através

da assembléia mensal e de outras formas que buscam o envolvimento de todos na

administração do empreendimento. A posse coletiva dos meios de produção e os

métodos democráticos de gestão garantem a não existência de níveis hierárquicos

entre os trabalhadores ocupantes de cargos de direção e os demais. A realização de

eleições de 3 em 3 anos para os cargos dirigentes, juntamente com a alternância de

trabalhadores nestes cargos (com exceção do cargo de presidente, que é ocupado

pela mesma pessoa desde a fundação da cooperativa), e os métodos de

participação direta dos trabalhadores, qualificam esta organização como uma

democracia participativa.

A Univens mantém uma periodicidade adequada para a realização da sua

assembléia geral, em um espaço de tempo nem muito curto, que poderia gerar

prejuízo à produção, e nem muito longo, que poderia distanciar os trabalhadores dos

acontecimentos e das decisões tomadas pelos dirigentes. Já os demais

empreendimentos solidários possuem dificuldades em realizar as suas assembléias

regularmente, por isso se utilizam de instrumentos informais para a tomada de

decisões de curto prazo, como a realização de reuniões e conversas entre os grupos

envolvidos. No entanto, eles realizam eleições para os cargos dirigentes de acordo

com a freqüência estabelecida nos seus estatutos. Deste modo, as dificuldades em

obter a plena participação da maioria dos trabalhadores na gestão do

empreendimento, devido em grande parte a uma cultura de heterogestão dominante

na sociedade, podem qualificá-los como uma democracia representativa.

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96

Na Univens, as pessoas são consideradas sujeitos competentes e

responsáveis pela definição das suas próprias ações, diferentemente das empresas

capitalistas, onde, neste seguimento, elas ainda são tratadas como recursos de

produção. Em comparação com todas as organizações pesquisadas, a Univens é a

que fornece as maiores remunerações para os seus trabalhadores, podendo chegar

a um valor mensal de R$ 1.500,00 (cerca de 3 vezes mais do que a média das

empresas capitalistas) e a distribuição anual de excedentes na faixa dos R$

3.000,00. A adoção do critério de igualdade na divisão dos excedentes anuais e de

desigualdade na divisão dos rendimentos mensais (atrelados à produtividade de

cada trabalhador) demonstra a combinação de políticas de solidariedade com

métodos tradicionais que estimulem o aumento da produtividade e mantenham os

trabalhadores mais habilidosos associados à cooperativa. Todavia, a solidariedade

prevalece sobre a competição, como pode ser observado pelo auxílio concedido dos

mais habilidosos aos trabalhadores com um ritmo menor de produção, fundando

uma relação capaz de conservar sua viabilidade econômica e de modo que os

conceitos de eficiência e eficácia abranjam também questões éticas, sociais e

ambientais. No grupo das cooperativas pesquisadas, a Univens é a única que

proporciona a qualificação continuada dos seus trabalhadores, internamente e

através do estabelecimento de parcerias com instituições de ensino.

Os trabalhadores realizam o seu trabalho com autonomia de forma e horário;

existe um sistema de rotatividade tanto entre tarefas de produção quanto entre

tarefas de produção e administrativas, de forma que se efetiva a busca pelo

reagrupamento das atividades manuais e intelectuais e a criação de um novo

sistema de divisão do trabalho mais consciente, diverso do modelo mecanicista e

alienante, advindo das teorias tayloristas e empregado até os dias atuais pelas

empresas capitalistas pesquisadas. Nas cooperativas, a percepção da importância

da organização e dos seus produtos frente à sociedade está vinculada à

necessidade básica do ser humano de se vestir e à auto-realização dos seus

trabalhadores como membros do tecido social, diferentemente das empresas

capitalistas, que se associam ao desejo ou à imagem dos seus clientes ou sequer se

consideram importantes na sociedade, como é o caso da Confraria Masculina.

Dentre todos os empreendimentos pesquisados, a Univens é a organização

que mais recebeu apoio de instituições governamentais e não-governamentais, o

que pode apontar uma das causas do seu êxito. Ela é a única organização que

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97

integra uma cadeia produtiva de abrangência nacional, a Justa Trama, da qual se

origina a sua principal linha de produtos. A partir desses produtos, a cooperativa visa

à construção de um novo modelo de desenvolvimento e de novos paradigmas de

relação do ser humano com a natureza e entre si, pois toda a matéria-prima é

cultivada sem a utilização de agrotóxicos e todos os trabalhadores que fazem parte

da cadeia são membros de empreendimentos de economia solidária.

Já entre as empresas capitalistas pesquisadas, a DiTrevi Jeans se apresenta

como a mais próxima do tipo ideal de empresa capitalista bem desenvolvida, pois

nela verifica-se a possibilidade de rotatividade de trabalhadores entre tarefas

semelhantes e uma relativa participação deles nos processos decisórios, mesmo

que sem a utilização de um instrumento definido para a consulta dos trabalhadores.

Ao lado da DiTrevi, a Office Collection possui os melhores índices de envolvimento e

interesse dos trabalhadores na gestão da organização; no entanto, o envolvimento

dos trabalhadores ocorre de maneira informal e reduzida ao escopo de questões

operacionais da produção, de modo que os trabalhadores não tomam conhecimento

dos assuntos estratégicos de sua organização. Conforme já visto, o poder de

decisão fica centralizado, em última instância, nos sócios-diretores, que delegam

uma parte da sua autoridade aos gerentes-supervisores, configurando uma

administração oligárquica.

De modo geral, nas empresas capitalistas o proprietário e os gestores têm

concentrado em suas mãos o poder de contratação e desligamento de trabalhadores

da organização, ao contrário do que acontece nos empreendimentos de economia

solidária, onde, devido à relação de igualdade e à não-separação entre

comandantes e comandados, todos os desligamentos precisam ser votados em

assembléia, com a participação de todos os trabalhadores. Além deste método de

desligamento, a Univens possui um critério diferenciado para a entrada de novas

pessoas na cooperativa, pois de acordo com a sua política de inclusão e

desenvolvimento local, somente são aceitos trabalhadores que residam nas

proximidades da organização. As empresas capitalistas se baseiam geralmente na

experiência, nos conhecimentos, no custo e nas habilidades dos trabalhadores para

realizar contratações e também se utilizam de indicações. As demais cooperativas

possuem critérios semelhantes às empresas capitalistas e não possuem métodos

bem definidos no tratamento de questões de pessoas, uma vez que há baixo índice

de rotatividade e esta não é uma preocupação.

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98

A DiTrevi é a organização de maior porte entre as pesquisadas (80

funcionários no total) e de maior tempo no mercado (53 anos); no entanto, a faixa de

remuneração dos seus trabalhadores da produção segue o mesmo padrão das

demais empresas capitalistas, vinculado ao piso do Sindicato dos Trabalhadores nas

Indústrias do Vestuário de Porto Alegre, que se situa entre R$ 506,26 e R$ 556,61.

A empresa conta também com a maior desigualdade de remuneração dentre as

empresas capitalistas, de 10 vezes, e é a única deste grupo que não proporciona a

qualificação continuada dos trabalhadores.

É verificada certa incongruência entre os discursos e práticas dos

proprietários e gestores das empresas capitalistas no que se refere à importância

dos trabalhadores da produção, pois, ao mesmo tempo em que afirmam que sem

estes nada do que foi conquistado seria possível e que a sua importância é total

dentro da organização, estes trabalhadores são os que possuem os menores

salários e as piores condições de trabalho, ao contrário do que acontece nos

empreendimentos solidários. No que se refere a estes últimos, o discurso e a prática

assemelham-se e seguem vinculados à teorização, que indica a necessidade de

valorização do ser humano na organização como forma essencial deste novo tipo de

empreendimento. O modelo solidário, altamente participativo, tem potencial

libertador para seus participantes, que podem desenvolver-se além do nível

operacional da produção, limitação esta observada nas empresas capitalistas deste

segmento. A utilização de instrumentos democráticos, a autonomia e o incentivo a

práticas cidadãs e sustentáveis colocam o trabalhador em um novo patamar de

crescimento profissional, estimulando suas potencialidades como um todo: o

trabalhador é capaz de sentir-se responsável por si mesmo e pelo empreendimento

do qual participa, enxergando-se no seu trabalho e nos efeitos deste na sociedade.

A Univens e a Coopermodas optam por um sistema misto de distribuição

igualitária e remuneração proporcional à produção entre os seus trabalhadores,

enquanto a Construsol e a Gerasol mantêm um sistema único de divisão igualitária

de rendimentos e excedentes, mas possuem planos de adoção de um sistema de

remuneração vinculado à produção. No grupo das empresas capitalistas

pesquisadas, nenhuma organização utiliza sistemas de remuneração variável nem

realiza divisão de lucros entre os trabalhadores.

Dentre todas as organizações pesquisadas, solidárias e capitalistas, a

Univens é a única que realiza projetos socioambientais na comunidade em que está

Page 99: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

99

inserida, considera critérios sustentáveis para a seleção de fornecedores e possui

uma política de inclusão de pessoas. Do mesmo modo, a Univens juntamente com a

Coopermodas e a Gerasol, são as únicas que estimulam a prática de consumo

responsável entre os seus trabalhadores. Entretanto, nenhuma organização

pesquisada considera critérios de sustentabilidade para a definição dos preços de

seus produtos.

Os pontos em que as empresas capitalistas se apresentam em um estágio

mais avançado de desenvolvimento do que os empreendimentos de economia

solidária são: a elaboração de estratégias competitivas, a comercialização e a

organização da confecção de produtos próprios e a composição de preços de venda.

Em geral, as cooperativas buscam dentro da sua rede de relacionamentos (clientes

fidelizados, redes, feiras de associativismo e outras organizações) os meios para

conquistar novos negócios e manter as suas vendas, de modo que não é realizado

nenhum esforço adicional de vendas. A despreocupação com os seus concorrentes

de mercado, bem como a falta de um planejamento formal de marketing e vendas,

pode tornar estas organizações vulneráveis às ameaças externas. Com exceção da

Univens, os empreendimentos de economia solidária têm dificuldades em

comercializar a sua linha de produtos próprios, tendo que recorrer à prestação de

serviços de facção para viabilizar economicamente a continuidade da organização.

De modo geral, os empreendimentos de economia solidária se baseiam nos preços

de mercado como principal ou único critério para a determinação dos preços dos

seus produtos, o que aponta para uma dificuldade interna de controle dos seus

custos que viabilize a elaboração de uma política própria de definição de preços.

Os empreendimentos de economia solidária se apresentam em um estágio

mais avançado de desenvolvimento em relação aos critérios de gestão, pessoas,

divisão do trabalho, democracia e sustentabilidade em geral. É inegável a

modernização dos processos de gestão promovida pelos empreendimentos

solidários. Enquanto as empresas capitalistas do setor do vestuário continuam

utilizando métodos tayloristas de organização da produção e de tomada de

decisões, restringindo suas possibilidades de crescimento e aprimoramento

administrativo, as organizações solidárias, mesmo em um nível incipiente de

desenvolvimento, promoveram uma reformulação completa no modelo de

administração dos seus empreendimentos. Foram eliminados os níveis hierárquicos,

considerados imprescindíveis para a aplicação da autoridade dentro de uma

Page 100: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

100

organização, segundo Weber. As funções administrativas (prever, organizar,

comandar, coordenar e controlar) não só foram distribuídas entre os setores, ao

contrário do que postulava Fayol, como também foram incorporadas às

responsabilidades de cada trabalhador. O empoderamento não se limitou a uma

autonomia relativa à decisões do dia-a-dia, de baixo ou nenhum conteúdo

estratégico, conforme se verifica nas modernas corporações capitalistas. A prática

da autogestão como alternativa à heterogestão iniciou um processo de emancipação

do trabalhador que, além de positivo para o próprio, mostra-se potencialmente

positivo para o empreendimento, pois o maior empenho do trabalhador contribui

muito para o desenvolvimento da organização, na medida em que há

comprometimento geral e coletivo na busca pelos resultados.

A sistematização dos dados da análise comparativa, juntamente com a

estruturação e o cálculo dos indicadores de desenvolvimento das organizações

pesquisadas, segue demonstrada abaixo nos quadros 2 e 3 e no gráfico 1:

Page 101: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

101

Organizações Critérios de Desenvolvimento

Empreendimentos de Economia Solidária Empresas Capitalistas

Univens

Coopermodas

Construsol

Gerasol

DiTrevi Confraria Masculina

Office Collection

JAAN Uniformes

Ges

tão

Níveis hierárquicos

Não existem níveis hierárquicos

Não existem níveis hierárquicos

Não existem níveis hierárquicos

Não existem níveis hierárquicos

Existem 3 níveis hierárquicos

Existem 3 níveis hierárquicos

Existem 3 níveis hierárquicos

Existem 3 níveis hierárquicos

Autonomia dos trabalhadores

Há grande autonomia por parte dos trabalhadores

Há grande autonomia por parte dos trabalhadores

Há grande autonomia por parte dos trabalhadores

Há grande autonomia por parte dos trabalhadores

Não há autonomia por parte dos trabalhadores

Não há autonomia por parte dos trabalhadores

Não há autonomia por parte dos trabalhadores

Não há autonomia por parte dos trabalhadores

Circulação de informações entre os trabalhadores

Circulação de informações operacionais, táticas e estratégicas através de assembléia mensal

Circulação de informações através de assembléia anual e de reuniões informais

Não há processo definido para a circulação de informações

Circulação de informações informal através dos coordenadores

A gerência repassa somente informações referentes à produção

A gerência repassa somente informações referentes à produção

A gerência repassa somente informações referentes à produção

A gerência repassa somente informações referentes à produção

Grau de envolvimento dos trabalhadores na gestão

Envolvimento ativo dos trabalhadores, através de assembléia mensal e de outros instrumentos quotidianos

Envolvimento dos trabalhadores através de reuniões informais, sem periodicidade definida

Envolvimento somente dos trabalhadores diretamente envolvidos na produção, de maneira informal

Envolvimento informal dos trabalhadores, através do contato com os coordenadores

Envolvimento informal dos trabalhadores, eventualmente e somente no que se refere a procedimentos operacionais

Os trabalhadores não são envolvidos nos processos de tomada de decisão

Envolvimento dos trabalhadores em decisões eventualmente e somente no que se refere a procedimentos operacionais

Os trabalhadores não são envolvidos nos processos de tomada de decisão

Interesse dos trabalhadores na gestão

Interesse ativo dos trabalhadores pela gestão, e utilização de instrumentos para garantir o envolvimento

A grande maioria dos trabalhadores não se interessa pela gestão

A grande maioria dos trabalhadores não se interessa pela gestão

Interesse ativo dos trabalhadores pela gestão

Há interesse dos trabalhadores, mas a empresa não utiliza e/ou não explora métodos de participação

A grande maioria dos trabalhadores não se interessa pela gestão

Há interesse dos trabalhadores, mas a empresa não utiliza e/ou não explora métodos de participação

Há interesse dos trabalhadores, mas a empresa não utiliza e/ou não explora métodos de participação

Col

abor

ação

Postura interna dos trabalhadores

Prevalece a cooperação, mas há certo nível de competitividade

Cooperação Cooperação Cooperação Cooperação Cooperação Cooperação Cooperação

Estratégias competitivas

A única estratégia competitiva é manter o preço de mercado

Não há estratégia competitiva

Não há estratégia competitiva

A única estratégia competitiva é manter o preço de mercado

As estratégias competitivas são diferenciar o produto e manter o preço acessível

A principal estratégia competitiva é manter o custo interno o mais baixo possível

A principal estratégia competitiva é elevar a qualidade dos produtos

As estratégias competitivas são a qualidade do produto e a rapidez da entrega dos pedidos

Page 102: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

102

Relação com concorrentes

Não há preocupação com concorrentes, pois a organização já possui uma fatia de mercado consolidada

Não há preocupação com concorrentes, mas pode-se dizer que há competitividade

Não há preocupação com concorrentes

Há integração com empreendimentos semelhantes

Há relação competitiva com os concorrentes no mercado

Há relação competitiva com os concorrentes no mercado

Não há preocupa-ção com concor-rentes, pois a organização já possui uma fatia de mercado consolidada

Há relação competitiva com os concorrentes no mercado

Participação em redes ou cadeias

Participa de uma cadeia produtiva, a Justa Trama

Não participa de rede ou cadeia produtiva

Não participa de rede ou cadeia produtiva

Participa de organizações de economia solidária

Não participa de rede ou cadeia produtiva

Não participa de rede ou cadeia produtiva

Não participa de rede ou cadeia produtiva

Não participa de rede ou cadeia produtiva

Apoios recebidos

Já recebeu apoio governamental, de ONGs e sindicatos

Nunca recebeu apoio

Já recebeu apoio de ONGs e sindicatos

Já recebeu apoio governamental, de ONGs e sindicatos

Nunca recebeu apoio

Nunca recebeu apoio

Nunca recebeu apoio

Nunca recebeu apoio

Dem

ocra

cia

Instrumento de coleta de opinião dos trabalhadores

Há assembléia geral Há assembléia geral

Há assembléia geral

Há assembléia geral

Não há nenhum instrumento formal de coleta da opinião dos trabalhadores, mas são realizadas consultas informais

Não há nenhum instrumento de coleta da opinião dos trabalhadores

Não há nenhum instrumento formal de coleta da opinião dos trabalhadores, mas são realiza-das consultas informais

Não há nenhum instrumento de coleta da opinião dos trabalhadores

Freqüência da coleta de opiniões

A assembléia geral ocorre mensalmente

A assembléia geral ocorre anualmente

Não há freqüência definida para a assembléia geral

Não há freqüência definida para a assembléia geral

Não há freqüência definida

-

Não há freqüência definida

-

Eleições Há eleição para cargos dirigentes

Há eleição para cargos dirigentes

Há eleição para cargos dirigentes

Há eleição para cargos dirigentes

Não há eleições para cargos dirigentes

Não há eleições para cargos dirigentes

Não há eleições para cargos dirigentes

Não há eleições para cargos dirigentes

Freqüência das eleições

De 3 em 3 anos para direção executiva (mas a presidente se perpetua no cargo) e anualmente para conselho fiscal

De ocorrem de 2 em 2 anos para direção executiva e anualmente para conselho fiscal

De 2 em 2 anos De 3 em 3 anos

-

-

-

-

Div

isão

do

Trab

alho

Etapas do processo produtivo

As etapas do processo produtivo são bem definidas, e todas são realizadas na própria organização

As etapas do processo produtivo são bem definidas, mas parte do processo é terceirizada

As etapas do processo produtivo são bem definidas, mas a organização trabalha por facção

As etapas do processo produtivo são bem definidas, mas a organização trabalha por facção

As etapas do processo produtivo são bem definidas, e todas são realizadas na própria organização

As etapas do processo produtivo são bem definidas, e todas são realizadas na própria organização

As etapas do processo produtivo são bem definidas, e todas são realizadas na própria organização

As etapas do processo produtivo são bem definidas, e todas são realizadas na própria organização

Critérios de divisão do trabalho

Conforme especialização do trabalhador

Conforme especialização do trabalhador

Conforme especialização do trabalhador

Conforme especialização do trabalhador

Conforme especialização do trabalhador

Conforme especialização do trabalhador

Conforme especialização do trabalhador

Conforme especialização do trabalhador

Page 103: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

103

Rotatividade entre tarefas

Pode haver rotatividade entre tarefas e entre setores

Pode haver rotatividade entre tarefas e entre setores

Pode haver rotatividade entre tarefas e entre setores

Pode haver rotatividade entre tarefas e entre setores

Pode haver rotatividade somente entre tarefas similares

Não há rotatividade

Não há rotatividade

Não há rotatividade

Importância social da organização

Atende a necessidades básicas de consumo e leva à auto-realização dos trabalhadores

Mantém financeiramente os trabalhadores

Mantém financeiramente os trabalhadores

Atende as necessidades dos clientes com produtos de qualidade

Propicia a realização do desejo de consumo dos clientes

A organização não se enxerga como importante do ponto de vista social

Colabora com a boa imagem dos clientes, já que trabalha com uniformes

Colabora com a boa imagem dos clientes, já que trabalha com uniformes

Principal objetivo da organização

Crescimento da organização para garantir o sustento e agregar novos trabalhadores

Manter financeiramente as trabalhadoras e suas famílias

Crescimento da organização para agregar mais trabalhadores

Obter uma sede própria para viabilizar o crescimento da organização

Expandir as vendas para todo o país

Proporcionar um produto diferenciado por um preço adequado

Atingir cada vez mais clientes

Ser reconhecida no mercado por sua qualidade

Pess

oas

Critérios de definição de remuneração dos trabalhadores

Nos setores de corte e serigrafia, a divisão de ganhos é igualitária; na costura, a remuneração é definida por produção

Os trabalhadores que realizam suas atividades em casa recebem por produção, e os que trabalham na cooperativa dividem os rendimentos igualitariamente

Divisão igualitária de ganhos

Divisão igualitária de ganhos

A organização segue o padrão da indústria e do comércio para definir os salários

A organização segue o padrão da indústria e do comércio para definir os salários

A organização segue o padrão da indústria e do comércio para definir os salários

A organização segue o padrão da indústria e do comércio para definir os salários

Escala de diferença de rendimentos

3 vezes 5 vezes, mas pode chegar a 10 vezes

Não há diferença de ganhos

Não há diferença de ganhos

10 vezes 4 vezes -

2 vezes (sem considerar comissões dos vendedores)

Divisão de lucros

Divisão igualitária de excedentes

Não há divisão de excedentes devido a dificuldades financeiras

Divisão igualitária de excedentes

Divisão igualitária de excedentes

Não há divisão de lucros

Não há divisão de lucros

Não há divisão de lucros

Não há divisão de lucros

Qualificação continuada dos trabalhadores

Há treinamentos internos e parcerias com instituições de ensino

A qualificação continuada dos trabalhadores não é propiciada

A qualificação continuada dos trabalhadores não é propiciada

A qualificação continuada dos trabalhadores não é propiciada

Há uma política de capacitação interna de estagiários

Eventualmente é estimulada a qualificação continuada dos trabalhadores

Eventualmente é estimulada a qualificação continuada dos trabalhadores

Eventualmente é estimulada a qualificação continuada dos trabalhadores

Critérios para entrada de pessoas

Morar nas proximidades e pagar cota de ingresso

Conhecer o trabalho e pagar cota de ingresso

Conhecer o trabalho; mas ainda não houve novos ingressos

Conhecer o trabalho; atualmente a cota de ingresso não é cobrada

Entrevista, verificação do histórico em outras empresas e análise da estrutura familiar

Habilidade, experiência, custo, etc.

Disposição de aprender, pois os processos são ensinados lá dentro

Indicação

Page 104: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

104

Critérios para desligamento de pessoas

Todo desligamento é votado em assembléia

Todo desligamento é votado em assembléia

Ainda não houve nenhum desligamento

Só ocorrem desligamentos por vontade do trabalhador

A decisão é do proprietário e dos gestores

A decisão é do proprietário e dos gestores

A decisão é somente do proprietário

A decisão é do proprietário e dos gestores

Sust

enta

bilid

ade

Projetos socioambien-tais

Realiza diversos projetos socioambientais

Não realiza projetos socioambientais

Não realiza projetos socioambientais

Não realiza projetos socioambientais

Não realiza projetos socioambientais

Não realiza projetos socioambientais

Não realiza projetos socioambientais

Não realiza projetos socioambientais

Critérios sustentáveis para seleção de fornecedores

Há critérios de sustentabilidade para seleção de fornecedores somente no que se refere à Justa Trama

Não há critérios de sustentabilidade para seleção de fornecedores

Não há critérios de sustentabilidade para seleção de fornecedores

Não há critérios de sustentabilidade para seleção de fornecedores

Não há critérios de sustentabilidade para seleção de fornecedores

Não há critérios de sustentabilidade para seleção de fornecedores

Não há critérios de sustentabilidade para seleção de fornecedores

Não há critérios de sustentabilidade para seleção de fornecedores

Consumo responsável

Há reaproveitamento e doação de sobras de produção

Há reaproveitamento e doação de sobras de produção

Não há práticas de consumo responsável

Há reaproveitamento e doação de sobras de produção

Não há práticas de consumo responsável

Não há práticas de consumo responsável

Não há práticas de consumo responsável

Não há práticas de consumo responsável

Composição de preços

Conforme preço de mercado

Conforme preço de mercado

Conforme preço de mercado

Conforme o preço de mercado

De acordo com os custos

De acordo com os custos

De acordo com os custos

De acordo com os custos

Inclusão

Há política de inclusão dos trabalhadores da comunidade

Não há nenhuma política de inclusão

Não há nenhuma política de inclusão

Não há nenhuma política de inclusão

Não há nenhuma política de inclusão

Não há nenhuma política de inclusão

Não há nenhuma política de inclusão

Não há nenhuma política de inclusão

Quadro 2 – Análise comparativa das organizações pesquisadas segundo os tipos ideais construídos e os indicadores de desenvolvimento

Legenda:

Estágio de desenvolvimento dos critérios avaliados:

Desenvolvido

Em desenvolvimento

Não-desenvolvido

Fonte: Adaptado da coleta de dados

Page 105: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

105

Quadro 3 – Indicadores de desenvolvimento por organização Fonte: Adaptado da coleta de dados

0

5

10

15

20

25

30

Univens

Cooperm

odas

Constru

sol

Geraso

l

DiTrevi

Confrari

a Mas

culin

a

Office C

ollec

tion

JAAN U

niform

es

DesenvolvidosEm desenvolvimentoNão-desenvolvidos

Gráfico 1 - Resumo dos indicadores de desenvolvimento Fonte: Adaptado da coleta de dados

Indicadores Organização

Desenvolvidos (Peso=1)

Em desenvolvimento (Peso=0,5)

Não-desenvolvidos (Peso=0)

Índice Geral de Desenvolvimento

Univens 23 6 1 86,66% Coopermodas 10 8 12 46,66% Construsol 12 5 13 48,33% Gerasol 16 8 6 66,66% DiTrevi 5 9 16 31,66% Confraria Masculina 3 5 22 18,33% Office Collection 4 10 16 30% JAAN Uniformes 3 6 21 20%

Page 106: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

106

5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES

A comparação entre a administração de empreendimentos de economia

solidária e de empresas capitalistas revela que a posição ocupada pelo trabalhador

é a diferença essencial entre esses dois modelos, sendo esta a chave fundamental

para compreender o seu desenvolvimento diferenciado. Enquanto uma restringe

suas funções a produzir, a outra instiga sua capacidade de pensar e decidir;

enquanto uma aposta na supervisão e na padronização das suas tarefas para o

aumento da produtividade, a outra busca na autonomia e no comprometimento do

trabalhador a sua própria auto-realização. É a partir do reconhecimento

institucionalizado do papel central exercido pelo trabalhador na organização que os

empreendimentos solidários se distinguem das empresas capitalistas,

estabelecendo um novo paradigma de administração onde métodos participativos

são priorizados e a promoção da autonomia no trabalho é concretizada. A

centralização do poder decisório na figura dos proprietários e gestores dá lugar à

supremacia da voz dos trabalhadores através da assembléia geral. Os níveis de

autoridade e responsabilidade, balizados por sucessivos graus de hierarquia, são

substituídos pelo comprometimento individual engendrado na lógica coletiva. A

sociabilização dos meios de produção e a equidade de voto por trabalhador

demonstram que as partes mais importantes de uma organização são pessoas e

não as suas cotas de capital. Desta forma, a organização tradicionalmente

oligárquica não possui mais legitimidade e a democracia surge como meio de

deliberação coletiva dos rumos da organização. Assim, o trabalhador, outrora

coadjuvante do chão de fábrica, passa à protagonista do seu próprio

empreendimento.

Através da convergência da pesquisa histórica e da análise comparativa,

pode-se verificar que o setor do vestuário mantém um dos maiores níveis de

exploração de trabalhadores desde a Revolução Industrial, em parte pela baixa

especialização exigida pelas suas atividades, e em parte devido à desvalorização do

trabalho manual presente até os dias atuais. Além disso, a fraca representatividade

do sindicato da categoria parece ser um fator relevante para a manutenção da

situação precária das condições de trabalho neste seguimento. Porém, acima de

tudo, observou-se que a modernização dos métodos de administração não é uma

Page 107: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

107

tendência no ramo do vestuário entre as empresas capitalistas, pois apesar dos

indicadores de desenvolvimento avaliados na sua gestão serem muitas vezes

negativos, as empresas pesquisadas se mostraram bem estabelecidas no mercado

e com grande potencial de crescimento. Aparentemente, as novas teorias da

administração, que apontam para uma tendência de valorização das pessoas dentro

das empresas enquanto “capital intelectual”, parecem aplicar-se somente às

organizações pertencentes a seguimentos desenvolvidos com a Terceira Revolução

Industrial, onde a Era da Informação e do Conhecimento proporciona uma relação

de oferta e demanda de mão-de-obra favorável aos trabalhadores especializados,

que representam uma pequena parcela da população brasileira.

Os empreendimentos de economia solidária, ao reorganizar o agrupamento

das atividades manuais e intelectuais, proporcionam melhores condições de trabalho

aos seus integrantes. Através da análise comparativa, verificou-se um salto

qualitativo dos empreendimentos solidários em relação às empresas capitalistas na

remuneração dos seus trabalhadores (mesmo nas cooperativas que passavam por

reestruturação e dificuldades financeiras), na promoção da autonomia no trabalho,

no grau de envolvimento dos trabalhadores na gestão, no estabelecimento de novas

formas (menos alienadoras) de divisão do trabalho e na utilização de práticas

sustentáveis. De modo geral, os instrumentos de gestão utilizados pelas

cooperativas demonstram-se mais atualizados. em termos de evolução da ciência

administrativa, do que os das empresas capitalistas. No entanto, neste estudo

exploratório, verificaram-se dificuldades em relação a algumas áreas específicas

como marketing e finanças. Parte deste problema se refere ao nível de

desenvolvimento das próprias organizações; entretanto, a falta de uma teoria da

administração (e inclusive de uma linguagem administrativa) específica para estes

empreendimentos dificulta a resolução destes problemas. Verifica-se a necessidade

de estudos mais aprofundados para esta finalidade, uma vez que as ideologias

capitalistas perpassam praticamente todas as áreas da administração convencional,

e isso exige um grande esforço de separação de premissas puramente ideológicas

das técnicas e métodos de apoio à gestão.

De acordo com a análise apresentada, as principais dificuldades encontradas

pelos empreendimentos solidários no desenvolvimento das suas atividades se

apresentam relacionadas ao seu composto de marketing. Poucas organizações

desenvolvem suas vendas destinadas ao consumidor final, vinculando-as a sua linha

Page 108: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

108

de produtos próprios. A grande maioria presta serviços à indústria, estabelecendo

uma relação de semidependência de um pequeno grupo de clientes corporativos

que lhe impõe uma série de restrições. Outro ponto de fragilidade dos

empreendimentos solidários analisados parece estar associado à sua política de

preços e custos internos. Ao passo que as cooperativas não possuem um controle

adequado de seus custos, elas são obrigadas a buscar no mercado (onde os

critérios são definidos pelas empresas capitalistas) uma política de preços mais

compatível com os seus produtos. Além da Univens, nenhuma cooperativa

demonstrou a utilização de canais de distribuição adequados para a comercialização

dos seus produtos. Ao contrário das empresas capitalistas, que de modo geral

possuem boas práticas na administração das suas vendas, os empreendimentos

solidários parecem preservar uma relação de sujeição às ações do seu movimento,

como a realização de feiras e eventos, para impulsionar as suas vendas, o que pode

prejudicar a sua autonomia externa e inviabilizar o seu crescimento. A sua

sobrevivência no mercado exige o investimento na construção de novas formas de

comunicação que permitam o contato com os seus consumidores através de uma

relação que expresse seus valores e a sua identidade.

A análise da cooperativa Univens possui um papel importante dentro deste

trabalho, pois, além de fornecer as bases de comparação entre teoria e prática e

entre os demais empreendimentos de economia solidária, a sua existência

demonstra a viabilidade econômica, social e política deste tipo de empreendimento

dentro da conjuntura atual do sistema econômico capitalista. A sua opção por um

sistema de remuneração variável, em contraste com as teorias pesquisadas, acena

para uma provável incompatibilidade entre uma política de plena igualdade de

remuneração e o crescimento dos empreendimentos solidários, dadas as condições

de mercado já observadas. O auxílio do Estado e das demais instituições de apoio

foi percebido como imprescindível para o desenvolvimento da cooperativa, o que

aponta para a necessidade de criação de políticas públicas específicas para o

fomento dos empreendimentos solidários. Além da aprovação do marco legal, citado

no inicio deste trabalho, que se encontra em tramitação no Congresso Nacional,

políticas de concessão de crédito e de apoio à gestão destas organizações, como os

cursos de administração fornecidos pela Secretaria Municipal de Economia Solidária

da Prefeitura Municipal de Gravataí, precisam ser ampliados para impulsionar o

desenvolvimento destes empreendimentos.

Page 109: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

109

De acordo com as informações levantadas pela pesquisa histórica em

conjugação com a análise comparativa, é possível afirmar que os empreendimentos

de economia solidária, que outrora se apresentavam como uma forma de resistência

anticapitalista, hoje configuram uma alternativa concreta de organização econômica,

seja aos excluídos deste sistema, seja aos não-adeptos dos seus valores

individualistas, egoístas e utilitaristas. Ao contrário do que se verificou em outros

momentos históricos de grande emergência de empreendimentos solidários, a partir

dos anos 90 houve uma significativa tomada de consciência de movimento, quando

diversos modelos coletivos (cooperativas, associações, clubes de troca, etc.) se

unem sob um mesmo nome e um mesmo ideal. Paralelamente, ocorre o

reconhecimento institucional, quando se torna evidente que há um movimento

formado, com suas particularidades a serem atendidas, e que o Estado deve estar

presente e atento a isso (DEMOUSTIER, 2001).

Dentro de uma visualização ampliada, os empreendimentos solidários podem

criar uma nova dinâmica econômica pautada pela solidariedade (que preconiza a

inclusão) ao invés da competitividade (caracterizada pela exclusão), além de

melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. Seus limites se verificam pela

dificuldade de se estabelecer no mercado concorrendo com empresas capitalistas

melhor estruturadas e contando com uma estrutura econômica, social e política

montada a seu favor. Outro ponto importante é a questão cultural, necessária para o

fortalecimento das relações solidárias internas e externas aos empreendimentos.

Atualmente, trabalhadores com histórico em empresas capitalistas, onde são

inibidos de participação nos processos decisórios, demonstram dificuldade de

adaptação a um ambiente mais colaborativo e participativo, preferindo delegar as

suas decisões a outros membros da cooperativa. Esta postura fragiliza o

desenvolvimento dos empreendimentos de economia solidária, uma vez que propicia

a formação de uma elite dirigente, capaz de submeter os trabalhadores às mesmas

condições de desigualdade verificadas nas empresas capitalistas.

Por fim, o que está em causa é a própria reinvenção da emancipação social.

O modelo centralizador da economia, aplicado pelo socialismo soviético como forma

de superação da exploração capitalista, demonstrou-se incompatível com as

liberdades individuais e democráticas a partir da formação de uma elite partidária. A

evolução da estrutura social no sistema capitalista se seguiu no sentido contrário do

previsto pelos pensadores marxistas: ao invés da progressiva polarização da

Page 110: A administração de Empreendimentos de Economia Solidária comparada a de Empresas Capitalistas

110

sociedade em duas classes antagônicas, verifica-se hoje uma diversificação da

estratificação social. Dessa forma, o método “científico” para construção de uma

sociedade socialista, elaborado por Marx e Engels, tornou-se tão improvável quanto

as doutrinas “utópicas” concebidas por Owen, Fourier, Saint-Simon e Proudhon.

Deste modo, a luta anticapitalista ensejada pela economia solidária caracteriza-se

como uma retomada dos resíduos viáveis das idéias postuladas pelos pensadores

socialistas pré-marxistas (DEMOUSTIER, 2001). Historicamente, os trabalhadores

implantaram a autogestão em situações revolucionárias de mudanças políticas.

Hoje, é uma revolução cultural, política e socioeconômica que a proposta

autogestionária da economia solidária se propõe a realizar. Ao contrário do que

acontece no sistema capitalista e na política neoliberal, o movimento da economia

solidária visa edificar uma sociedade voltada para a emancipação do ser humano.

Um ser humano integral com sua inteligência, suas capacidades, seus desejos e

necessidades, cujas qualidades individuais são valorizadas na medida em que são

colocadas a serviço da coletividade. A formação deste trabalhador associado deve

ultrapassar a dicotomia do pensar e do agir, ultrapassar a dimensão do seu

empreendimento, entender o contexto político e socioambiental mais amplo no qual

se situa e trazer a compreensão da necessidade de uma sociedade mais justa,

igualitária e democrática em todos os níveis do seu desenvolvimento (LECHAT;

BARCELOS, 2008).

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111

REFERÊNCIAS

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APENDICE A – Roteiro da entrevista

Formulário

Perfil do entrevistado:

Empresa: ___________________________________________________ Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Idade: _________ Cor: ( ) Branco ( ) Preto ( ) Pardo ( ) Amarelo ( ) Índio ( ) Não sei responder Função na empresa: _______________ Tempo de trabalho na empresa: ______ Grau de escolaridade: ______________ Renda: ( ) até 1 salário mínimo ( ) de 1 a 2 salários mínimos ( ) de 2 a 3 salários mínimos ( ) de 3 a 4 quatro salários mínimos ( ) acima de 4 salários mínimos

Nº total de trabalhadores na empresa: _____ Nº de trabalhadores na produção: _____

Gestão:

1) Quantos níveis hierárquicos existem na organização entre os setores, gestores,

dirigentes e trabalhadores?

2) Como se dá à autonomia dos trabalhadores em relação ao desempenho das suas

tarefas no trabalho?

3) Como acontece a circulação de informações sobre os objetivos, metas e questões

estratégicas da organização entre os trabalhadores?

4) Como é realizado o envolvimento dos trabalhadores na gestão da organização,

principalmente no que tange à tomada de decisões? Todos participam?

5) Há pré-disposição e interesse por parte dos trabalhadores na participação dos

processos de gestão da empresa?

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Colaboração:

6) Como você avalia a postura fomentada internamente pela sua organização entre

os trabalhadores na busca pelos resultados? Busca-se mais a cooperação ou a

competitividade?

7) Quais as principais estratégias da organização para que ela se torne competitiva

no mercado? Quais as suas vantagens competitivas?

8) Como se dá a relação entre a organização e os seus concorrentes de mercado?

Prevalece a competição ou a colaboração?

9) A organização participa de alguma rede ou cadeia produtiva?

10) A organização recebe ou já recebeu algum tipo de apoio ou benefício do Estado

na forma de isenção fiscal, linhas de crédito especiais, etc. para o desenvolvimento

das suas atividades?

Democracia:

11) Existe algum instrumento formal na sua organização para coleta da opinião dos

trabalhadores sobre os rumos da organização, como assembléias, plenárias, etc.?

12) Caso exista, com que freqüência este instrumento é utilizado?

13) Existem eleições para os cargos dirigentes na organização entre os

trabalhadores?

14) Caso existam, com qual freqüência há alternância de trabalhadores nos cargos

de direção?

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Divisão do Trabalho:

15) Quais as etapas do processo produtivo na sua organização?

16) Quais os critérios utilizados para a realização da divisão do trabalho entre os

trabalhadores na organização?

17) Há rotatividade dos trabalhadores entre as diferentes tarefas realizadas pela

organização?

18) Na sua visão, qual a importância dos produtos da sua organização frente à sociedade? E qual a importância dos trabalhadores nesse processo?

19) Na sua visão, qual o principal objetivo da sua organização?

Pessoas:

20) Quais os critérios para a definição dos rendimentos/salários?

21) Qual a escala de diferença entre o menor e o maior rendimento/salário da

organização?

22) Existe alguma política para divisão de lucros/excedentes? Quais os critérios para

a repartição?

23) Possibilita-se a formação e qualificação dos trabalhadores? Existem incentivos à

educação continuada dos membros do empreendimento?

24) Quais os principais critérios de seleção para entrada de novas pessoas na organização?

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25) Quais os principais critérios e/ou causas para o desligamento de pessoas da organização?

Sustentabilidade:

26) A organização desenvolve algum tipo de projeto socioambiental na comunidade em que está inserida?

27) A organização possui algum critério que valorize o respeito ao meio ambiente e a remuneração justa dos trabalhadores na seleção dos seus fornecedores?

28) A organização estimula a prática de consumo responsável e solidário?

29) Em linhas gerais, como se dá a composição dos preços dos produtos da organização?

30) Ocorre a inserção de pessoas excluídas?