7170744 redacao escrevendo com pratica

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ESCREVENDO COM PRTICA REDAO

JOO JONAS VEIGA SOBRAL Licenciado em Letras, Professor de Portugus Instrumental na Faculdade de Cincias E conmicas de So Paulo, Professor de Redao no Colgio Comercial lvares Penteado e Escola Tcnica Oswaldo Cruz ESCREVENDO COM PRTICA REDAO 2000 Edio Digital Iglu Editora

Copyright by Joo Jonas Veiga Sobral Copyright 1995 by Iglu Editora Ltda. Editor r esponsvel: Jlio Igliori Reviso: Maria Aparecida Salmeron Composio: Real Produes Grfic Ltda. Capa: Osmar das Neves Todos os direitos reservados IGLU EDITORA LTDA. Rua Dulio, 386 Lapa 05043-020 So P aulo-SP Tel.: (011) 873-0227

AGRADECIMENTOS A Deus pelo dom de ensinar. Ao meu editor pela confiana no trabalho. Ao professor Manuel Jos Nunes Pinto pela fora e incentivo.

DEDICATRIA Para minha me, figura forte, fantstica e bela a quem amo. Para Eliana, a quem a vi da presenteou-me como mulher e amiga. Para meus alunos, companheiros de gostosas jornadas. Para meus colegas de trabalho, que muito me ajudaram. Para o Zngari, m eu mestre sempre.

Esta uma declarao de amor; amo a lngua portuguesa. Ela no fcil. No malevel. E, i profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendncia a de no ter sutilezas e de reagir s vezes com um pontap contra os que temerariamente ousam transform-la nu ma linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A lngua portuguesa um verdad eiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa do superficialismo. s vezes ela reage diante de um p ensamento mais complicado. s vezes se assusta com o imprevisvel de uma frase. Eu g osto de manej-la como gostava de estar montada num cavalo e gui-lo pelas rdeas, s ve zes lentamente, s vezes a galope. Clarice Lispector

APRESENTAO

Para escrever no necessrio o dom da escrita, dos privilegiados, para escrever bast a um pouco de tcnica e dedicao. Esta obra mostra os mecanismos que facilitam o trab alho da produo escrita, por meio de teorias e exerccios prticos. Ao lado desses meca nismos, h textos consagrados de autores expressivos. Esses modelos certamente o a uxiliaro na produo de seus textos. H, tambm, exerccios de enriquecimento da lngua e pr postas de redaes retiradas de vestibulares, de textos de jornais, de tiras de quad rinhos e de letras de canes, recursos que subsidiaro o ato de redigir com eficcia. A nossa experincia no ensino de redao nos 2 e 3 graus fez com que tanto a exposio teri quanto as propostas de trabalho fossem didticas e prticas a fim de tornar o trabal ho de redigir mais gostoso e eficiente. Acreditamos que Redao: escrevendo com prtic a aliado a dicionrios, gramticas e boas leituras, constituir-se- em material indisp ensvel para aqueles que pretendam escrever de forma adequada. Finalizando, precis o de sua parte bastante dedicao para conseguir xito no ato de redigir textos. Paraf raseando o escritor alemo, GOETHE: O ato de redigir 10% de inspirao e 90% de transpi rao; por isso, meu caro amigo, mos obra. Boas redaes! Joo Jonas Veiga Sobral

SUMRIO UNIDADE 1 Incio de trabalho: escrevendo o texto ................................. ............ 15 Exerccios ....................................................... ............................................ 16 UNIDADE 2 Os mecanismos de coeso e coerncia textuais ............................. 21 Captulo 1: A coeso ........... ......................................................................... 22 Exe rccios .......................................................................... ......................... 23 Captulo 2: A coerncia ............................... ............................................... 25 Exerccios .................... ............................................................................... 26 UNIDADE 3 A descrio ........................................................... ..................................... 28 Captulo 1: Descrio objetiva e subjetiva .. ........................................... 28 Exerccios ........................ ........................................................................... 29 C aptulo 2: Descrio sensorial ....................................................... ......... 32 Exerccios .......................................................... ......................................... 33 Captulo 3: Descrevendo a personagem: ............................................... 34 a) Descrio fsica e psicolgica .. ........................................................ 34 b) Critrios de seleo na composio da personagem .............. 38

c) Critrios de seleo em benefcio da mensagem ..................... 41 Exerccios ..... ................................................................................ .............. 42 Captulo 4: Descrio de ambiente e paisagem........................ ........... a) Descrio de paisagem................................................ ...................... b) Descrio de ambiente fechado ............................ ........................ c) Descrio de cena ...................................... ......................................... Exerccios ............................. ...................................................................... Propostas de redao......................................................................... ..... 43 46 47 48 49 50 UNIDADE 4 A narrao................................................................ .................................. 55 Captulo 1: A tcnica narrativa .............. ................................................... 55 Exerccios ................ ................................................................................ ... 57 Captulo 2: O narrador .................................................... ........................... a) Narrador em 1 pessoa ............................. ......................................... b) Narrador em 3 pessoa ............... ...................................................... Exerccios ................ ................................................................................ ... Captulo 3: O discurso........................................................ ......................... a) Discurso direto ................................... ................................................. b) Discurso direto e os verbos de locuo ....................................... c) Discurso indireto ........... ..................................................................... d) Trocand o os discursos ................................................................. ..... e) Discurso indireto-livre ............................................... ........................ Exerccios .............................................. ..................................................... Captulo 4: Nveis de linguage m .............................................................. a) Linguagem fo rmal ........................................................................... ... b) Linguagem informal ...................................................... ................... Exerccios ................................................... ................................................ Captulo 5: O tempo na narrativa ............................................................ a) Tempo psicolgico ............................................................................. b) Tempo cronolgico ............................................................... ............ Exerccios .......................................................... ......................................... 12 60 60 60 61 62 62 62 64 64 65 66 70 70 70 71 72 72 72 74

Captulo 6: O enredo e sua estrutura ............................................. ........ 75 Exerccios ........................................................... ........................................ 78 Captulo 7: A estrutura narrativa .... ......................................................... a) Manipulao ........... ............................................................................. b) Competncia ..................................................................... .................. c) Performance .............................................. .............................................. d) Sano ........................... ........................................................................ Exerccio s .............................................................................. ..................... Captulo 8: A organizao do texto narrativo ................... ................... a) Narrao objetiva ........................................... .................................... b) Narrao subjetiva ......................... .................................................... c) O conflito ............. ................................................................................ . d) Aes da personagem ........................................................... ............ e) O fato novo .................................................... ...................................... Exerccios ................................ ................................................................... Propostas de redao ........................................................................... .. 82 82 82 82 82 83 85 85 85 89 91 92 93 94 UNIDADE 5 A dissertao ............................................................ ................................. 108 Captulo 1: O texto dissertativo ........... ..................................................... 108 Exerccios ............. ................................................................................ ...... 109 Captulo 2: O ttulo e o tema no texto dissertativo ..................... ....... 111 Exerccios ........................................................... ........................................ 112 Captulo 3: O fato e a opinio ........ .......................................................... 113 Exerccios ........ ................................................................................ ........... 113 Captulo 4: O desenvolvimento da opinio ........................... ............... 115 Exerccios ................................................... ................................................ 116 Captulo 5: O planejamento do texto .................................................... 117 Exerccios ....... ................................................................................ ............ 118 13

Captulo 6: A organizao das idias ................................................... .... 119 Exerccios .............................................................. ..................................... 120 Captulo 7: Escrevendo o texto dissertat ivo .......................................... 121 a) O pargrafo dissertativo ... ................................................................ 122 b) Desenvol vimento do texto: 1) enumerao, 2) causa/ conseqncia, 3) exemplificao, 4) confronto, 5) dados estatsticos, 6) citaes ..................................................... ................. 123 c) Concluso: 1) concluso-sntese, 2) concluso-soluo, 3) conclusourpresa........................................................................ 125 Exerccios ................................................................... ................................ 127 Captulo 8: A dissertao subjetiva ............. ............................................. 128 Exerccios ..................... .............................................................................. 1 30 Propostas de redao............................................................. ................. 135 UNIDADE 6 Apoio funcional ................................ ....................................................... 158 Captulo 1: Acentuao grfi ca ................................................................. 159 Exerccio s .............................................................................. ..................... 161 Captulo 2: A crase .................................... .................................................... 162 Exerccios .............. ................................................................................ ..... 165 Captulo 3: O uso da vrgula.............................................. ........................ 167 Exerccios .......................................... ......................................................... 169 Captulo 4: O uso do s pronomes ............................................................. 171 Exe rccios .......................................................................... ......................... 174 Captulo 5: Concordncia verbal ...................... ....................................... 175 Exerccios ........................... ........................................................................ 181 Capt ulo 6: Concordncia nominal ...................................................... ... 179 Exerccios ............................................................... .................................... 181 Bibliografia........................... ........................................................................... 183 14

UNIDADE 1: INCIO DE TRABALHO: Escrevendo o texto Penetra surdamente no reino das palavras. Carlos Drummond de Andrade

comum ouvir das pessoas frases como essas: Escrever muito difcil, Eu no sei escrever edao uma das matrias mais difceis da escola e outras parecidas. Ser possvel, realmen aprender a escrever ou um dom natural? As respostas para as duas perguntas so po sitivas: possvel aprender a escrever; e escrever , tambm, um dom natural. No entant o, mesmo escritores que possuem o dom natural de escrever trabalham tecnicamente o texto. O trabalho de correo e reescritura chega a ser rduo, porm o resultado comp ensador. Conclui-se, ento, que escrever uma tcnica e, dessa forma, pode ser aprend ida. H em nossa literatura depoimentos de escritores sobre a tcnica da escrita: Est a a terceira vez ou quarta vez que ponho o papel na mquina e comeo a escrever: mas sinto que as frases pesam ou soam falso, e as palavras dizem de mais ou dizem m enos e a escrita sai desentoada com o sentimento. (Rubem Braga) Escrevo trezentas pginas, aproveito no mximo trinta. (Fernando Sabino) Voc ir escrevendo, ir escrevendo, se aperfeioando, progredindo, progredindo aos poucos: um belo dia (se voc agentar o tranco) os outros percebem que existe um grande escritor. (Mrio de Andrade) 15

Percebemos pelos depoimentos que escrever no uma tarefa fcil, e a reside sua graa: o desafio de escrever. maravilhoso ver no papel a concretizao de um pensamento, de um sonho, de uma idia. Para isso, preciso um pouco de tcnica na escolha da palavra , do estilo do texto, do ponto de vista; estes recursos tcnicos sero trabalhados n os prximos captulos. Porm, antes, que tal comear o trabalho produzindo um texto? EXERCCIOS 1) Leia as duas belas crnicas de dois dos maiores cronistas brasileiros: Rubem Br aga e Fernando Sabino. A seguir, elabore uma redao expressando sua vontade sobre c omo quereria o seu texto. MEU IDEAL SERIA ESCREVER... Rubem Braga Meu ideal seria escrever uma histria to engraada que aquela moa que est doente naquel a casa cinzenta, quando lesse minha histria no jornal, risse, risse tanto que che gasse a chorar e dissesse ai meu Deus, que histria mais engraada. E ento contasse par a a cozinheira e telefonasse para duas ou trs amigas para contar a histria; e todo s a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de v-la to al egre. Ah, que minha histria fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, q uente, vivo, em sua vida de moa reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o prprio riso, e depois repetisse para si prpria mas essa histria m esmo muito engraada! Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bas tante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal tambm fosse atingido pela minha histria. O marido a leria e comearia a rir, o que aumentaria a irritao da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua m vontade, tomas16

se conhecimento da histria, ela tambm risse muito, e ficassem os dois rindo sem po der olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdi da de estarem juntos. Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de esper a, a minha histria chegasse e to fascinante de graa, to irresistvel, to colorida e t ura que todos limpassem seu corao com lgrimas de alegria; que o comissrio do distrit o, depois de ler minha histria, mandasse soltar aqueles bbados e tambm aquelas pobr es mulheres colhidas na calada e lhes dissesse por favor, se comportem, que diabo! eu no gosto de prender ningum! E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontnea homenagem minha histria . E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuda a um persa, na Nigria, a um australiano, em Dublim, a um japons, em Chicago mas que em todas as lnguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chins mui to pobre, muito sbio e muito velho dissesse: Nunca ouvi uma histria assim to engraada e to boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido at hoje para ouvi-la; essa histria no pode ter sido inventada por nenhum homem; foi com certeza algum anjo t agarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que j e stivesse morto; sim, deve ser uma histria do cu que se filtrou por acaso at nosso c onhecimento; divina. E quando todos me perguntassem mas de onde que voc tirou essa histria? eu responderia que ela no minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um des conhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal comeara a contar as sim: Ontem ouvi um sujeito contar uma histria... E eu esconderia completamente a hu milde verdade: que eu inventei toda a minha histria em um s segundo, quando pensei na tristeza daquela moa que est doente, que sempre est doente e sempre est de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro. (BRAGA, Rubem. Meu ideal s eria escrever.... 200 Crnicas Escolhidas. Rio de Janeiro, Record, 1977.) 17

A LTIMA CRNICA Fernando Sabino

A caminho de casa, entro num botequim da Gvea para tomar um caf junto ao balco. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostari a de estar inspirado, de coroar com xito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisrio no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diria al go de seu disperso contedo humano, fruto da convivncia, que a faz mais digna de se r vivida. Visava ao circunstancial, ao episdico. Nesta perseguio do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criana ou num incidente domsti co, torno-me simples espectador e perco a noo do essencial. Sem mais nada para con tar, curvo a cabea e tomo meu caf, enquanto o verso do poeta se repete na lembrana: assim eu quereria o meu ltimo poema. No sou poeta e estou sem assunto. Lano ento um l imo olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crnica. Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se numa das ltimas mesas de mrmore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na conteno de gestos e pa lavras, deixa-se acentuar pela presena de uma negrinha de seus trs anos, lao na cab ea, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou tambm mesa: mal ousa balanar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Trs sere s esquivos que compem em torno mesa a instituio tradicional da famlia, clula da socie dade. Vejo, porm, que se preparam para algo mais que matar a fome. Passo a observlos. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, abor da o garom, inclinando-se para trs na cadeira, e aponta no balco um pedao de bolo so b a redoma. A me limita-se a ficar olhando imvel, vagamente ansiosa, como se aguar dasse a aprovao do garom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afa sta para atend-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da n aturalidade de sua presena ali. A meu lado o garom encaminha a ordem do fregus. O h omem atrs do balco apanha a poro do bolo com a mo, larga-o no pratinho um bolo simple s amareloescuro, apenas uma pequena fatia triangular. 18

A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de coca-cola e o pratinho que o garom deixou sua frente. Por que no comea a comer? Vejo que os trs, pai, me e filha, obedecem em torno mesa a um discreto ritual. A me remexe na bolsa de plstic o preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fsforos , e espera. A filha aguarda tambm, atenta como um animalzinho. Ningum mais os obse rva alm de mim. So trs velinhas brancas, minsculas, que a me espeta caprichosamente n a fatia do bolo. E enquanto ela serve a coca-cola, o pai risca o fsforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mrmore e sopr a com fora, apagando as chamas. Imediatamente pe-se a bater palmas, muito compenet rada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: parabns pra voc, p arabns pra voc... Depois a me recolhe as velas, torna a a guard-las na bolsa. A negri nha agarra finalmente o bolo com as duas mos sfregas e pe-se a com-lo. A mulher est o lhando para ela com ternura ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farel o de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, c omo a se convencer intimamente do sucesso da celebrao. De sbito, d comigo a observ-lo , nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido vacila, ameaa abaixar a cabea, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. Assim eu quer eria a minha ltima crnica: que fosse pura como esse sorriso. (SABINO, Fernando. A companheira de viagem. 10 ed. Rio de Janeiro, Record, 1987, p. 169-71.) 2) Leia o depoimento de Carlos Drummond de Andrade sobre Como comecei a escrever e imaginese como um escritor de sucesso dando o seu depoimento de como comeou a escrever. A por volta de 1910 no havia rdio nem televiso, e o cinema chegava ao interior do Br asil uma vez por semana, aos domingos. As notcias do mundo vinham pelo jornal, trs dias depois de publicadas no Rio de Janeiro. Se chovia a potes, a mala do corre io aparecia ensopada, uns sete dias mais tarde. No dava para ler o papel transfor mado em mingau. 19

Papai era assinante da Gazeta de Notcias, e antes de aprender a ler eu me sentia fascinado pelas gravuras coloridas do suplemento de domingo. Tentava decifrar o mistrio das letras em redor das figuras, e mame me ajudava nisso. Quando fui para a escola pblica, j tinha a noo vaga de um universo de palavras que era preciso conqu istar. Durante o curso, minhas professoras costumavam passar exerccios de redao. Ca da um de ns tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim. Criei g osto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia adquirindo do poder de expresso contido nos sinais reunidos em palavras. Da por diante as experincias foram-se acumulando, sem que eu percebesse que estava descobrindo a literatura. Alguns elogios da professora me animavam a continuar. Ningum falava em conto ou poesia, mas a semente dessas coisas estava germinando. Meu irmo, estudante na Capital, mandava-me revistas e livros, e me habituei a vi ver entre eles. Depois, j rapaz, tive a sorte de conhecer outros rapazes que tambm gostavam de ler e escrever. Ento, comeou uma fase muito boa de troca de experincia s e impresses. Na mesa do caf-sentado (pois tomava-se caf sentado nos bares, e podi a-se conversar horas e horas sem incomodar nem ser incomodado) eu tirava do bols o o que escrevera durante o dia, e meus colegas criticavam. Eles tambm sacavam se us escritores, e eu tomava parte nos comentrios. Tudo com naturalidade e franquez a. Aprendi muito com os amigos, e tenho pena dos jovens de hoje que no desfrutam desse tipo de amizade crtica. (Como comecei a escrever. Carlos Drummond de Andrad e. Apud Para Gostar de Ler, vol. 4, Ed. tica, 1992, pg. 6 e 7.) 20

UNIDADE 2: OS MECANISMOS DE COESO E COERNCIA TEXTUAIS O certo saber que o certo certo. Caetano Veloso O texto no simplesmente um conjunto de palavras; pois se o fosse, bastaria agrup-l as de qualquer forma e teramos um. O ontem lanche menino comeu Veja que neste cas o no h um texto, h somente um grupo de palavras dispostos em uma ordem qualquer. Me smo que colocssemos estas palavras em uma ordem gramatical correta: sujeitoverbocomplemento precisaramos, ainda, organizar o nvel semntico do texto, deixando-o int eligvel. O lanche comeu o menino ontem O nvel sinttico est perfeito: sujeito = o lan che verbo = comeu complementos = o menino ontem Mas o nvel semntico apresenta prob lemas, pois no possvel que o lanche coma o menino, pelo menos neste contexto. Caso a frase estivesse empregada num sentido figurado e em outro contexto, isto seri a possvel. Pedrinho saiu da lanchonete todo lambuzado de maionese, mostarda e cat chup, o lanche era enorme, parecia que o lanche tinha comido o menino. A coeso e a coerncia garantem ao texto uma unidade de significados encadeados. 21

CAPTULO 1 A COESO H, na lngua, muitos recursos que garantem o mecanismo de coeso: * por referncia: Os pronomes, advrbios e os artigos so os elementos de coeso que proporcionam a unidade do texto. O Presidente foi a Portugal em visita. Em Portugal o presidente receb eu vrias homenagens. Esse texto repetitivo torna-se desagradvel e sem coeso. Observ e a atuao do advrbio e do pronome no processo de e elaborao do texto. O Presidente fo i a Portugal. L, ele foi homenageado. Veja que o texto ganhou agilidade e estilo. Os termos L e ele referem-se a Portugal e Presidente, foram usados a fim de tornar o texto coeso. * por elipse: Quando se omite um termo a fim de evitar sua repetio. O Presidente foi a Portugal. L, foi homenageado. Veja que neste caso omitiu-se a palavra Presidente, pois subentendida no contexto. * lexical: Quando so usadas pala vras ou expresses sinnimas de algum termo subseqente: O Presidente foi a Portugal. Na Terra de Cames foi homenageado por intelectuais e escritores. 22

Veja que Portugal foi substituda por Terra de Cames para evitar repetio e dar um efei mais significativo ao texto, pois h uma ligao semntica entre Terra de Cames e intelect ais e escritores. * por substituio: usada para abreviar sentenas inteiras, substitu indo-as por uma expresso com significado equivalente. O presidente viajou para Po rtugal nesta semana e o ministro dos Esportes o fez tambm. A expresso o fez tambm ret oma a sentena viajou para Portugal. * por oposio: Empregam-se alguns termos com valor de oposio (mas, contudo, todavia, porm, entretanto, contudo) para tornar o texto c ompreensvel. Estvamos todos aqui no momento do crime, porm no vimos o assassino. * p or concesso ou contradio: So eles: embora, ainda que, se bem que, apesar de, conquan to, mesmo que. Embora estivssemos aqui no momento do crime, no vimos o assassino. * por causa: So eles: porque, pois, como, j que, visto que, uma vez que. Estvamos t odos aqui no momento do crime e no vimos o assassino uma vez que nossa viso fora e ncoberta por uma nvoa muito forte. * por condio: So eles: caso, se, a menos que, con tanto que. Caso estivssemos aqui no momento do crime, provavelmente teramos visto o assassino. * por finalidade: So eles: para que, para, a fim de, com o objetivo de, com a finalidade de, com inteno de. Estamos aqui a fim de assistir ao concerto da orquestra municipal. 23

EXERCCIOS 1) Use os mecanismos de coeso textual nas frases a seguir: a) O presidente esteve na Frana ontem. O presidente disse na Frana que o Brasil est controlando bem a inf lao. b) Comprei muitas frutas e coloquei as frutas na geladeira. c) Acabamos de re ceber dez caixas de canetas. Estas canetas devem ser encaminhadas para o almoxar ifado. d) As revendedoras de automveis no esto mais equipando os seus automveis para vender os automveis mais caro. O cliente vai revendedora de automveis com pouco d inheiro e, se tiver que pagar mais caro o automvel, desiste de comprar o automvel e as revendedoras de automveis tm prejuzo. e) Eu fui escola, na escola encontrei me us amigos que h muito tempo no via, eu convidei alguns amigos da escola para ir ao cinema. f) O professor chegou atrasado e ele comeou a ditar matrias sem parar um instante, o professor meio estranho, ele mal conversa com a classe, a classe no g osta muito do professor. g) Minha namorada estuda ingls. Minha namorada sempre go stou de ingls. 2) Ligue os perodos com auxlio de conjunes. a) Todos participaram das festas. Alguns no gostaram muito. b) Todos participaram das festas. Alguns gostar iam de ter ficado em casa. c) Estudamos muito para o vestibular. Conseguiremos a vaga tranqilamente. d) O ru no deps. No se sentia bem no dia. e) importante a contri buio de todos no revezamento de veculos. Possamos respirar um ar saudvel. f) O tempo vai passando, vamos ficando mais experientes. g) O fumo deveria ser proibido em locais pblicos. O fumo faz muito mal sade. h)Voc tenha tempo, aparea aqui para toma rmos um caf. i) Ela tem bastante dinheiro. Ela viajar nas frias. j) O professor de matemtica muito srio. O professor de redao um figuro. 24

CAPTULO 2 A COERNCIA muito confusa a distino entre coeso e coerncia, aqui entenderemos como coerncia a lig ao das partes do texto com o seu todo. Ao elaborar o texto, temos que criar condies para que haja uma unidade de coerncia, dando ao texto mais fidelidade. Estava anda ndo sozinho na rua, ouvi passos atrs de mim, assustado nem olhei, sa correndo, era um homem alto, estranho, tinha em suas mos uma arma... Se o narrador no olhou, com o soube descrever a personagem? A falta de coerncia se d normalmente: Na inverossi milhana, falta de concatenao e argumentao falsa. Observe outra situao: Estava voltando para casa, quando vi na calada algo que pareci a um saco de lixo, cheguei mais perto para ver o que acontecia... Ocorre neste tr echo uma incoerncia pois se era realmente um saco de lixo, com certeza no iria aco ntecer coisa alguma. Outro tipo de incoerncia: Ao tentar elaborar uma histria de s uspense, o narrador escolhe um ttulo que j leva o leitor a concluir o final da his tria. 25

Um milho de dlares Estava voltando para casa, quando vi na calada algo que parecia u m saco de lixo, ao me aproximar percebi que era um pacote... O que ser que havia d entro do pacote? Veja como o narrador acabou com a histria na escolha infeliz do ttulo. A incoerncia est presente, tambm, em textos dissertativos que apresentam defe itos de argumentao. Em muitas redaes observamos afirmaes falsas e inconsistentes. Obse rve: No fundo nenhuma escola est realmente preocupada com a qualidade de ensino. Est ava assistindo ao debate na televiso dos candidatos ao governo de So Paulo, eles m ais se acusavam moralmente do que mostravam suas propostas de governo, em um cer to momento do debate dois candidatos quase partem para a agresso fsica. Dessa form a, isso nos leva a concluir que o homem no consegue conciliar idias opostas por is so que o mundo vive em guerras freqentemente. Note que nos dois primeiros exemplos as informaes so amplas demais e sem nenhum fundamento. J no terceiro, a concluso apr esentada no tem ligao nenhuma com o exemplo argumentado. Esses exemplos caracteriza m a falta de coerncia do texto. Finalizando, tanto os mecanismos de coeso como os de coerncia devem ser empregados com cuidado, pois a unidade do texto depende pra ticamente da aplicao correta desses mecanismos. EXERCCIOS 1) Imagine, para cada situao, uma complicao e uma soluo. a) Um rapaz deveria chegar s uas horas da tarde, na frente do colgio para um encontro com a namorada. b) Joo pe diu o carro emprestado a um amigo e bateu em um poste. 26

c) Eliana, uma menina de 15 anos, esqueceu-se do horrio combinado e chegou s trs da manh em casa, seus pais estavam furiosos. 2) Explique como poderamos solucionar e stes problemas: a) Dois rapazes moram sozinhos em um apartamento, um deles encon trado morto no play-ground do prdio. A janela do apartamento estava aberta, na sa la havia dois copos de usque e um tbua de frios, um dos quartos estava em ordem co mo se ningum tivesse dormido no local; no outro, o amigo havia dormido. b) O mari do desconfia que sua esposa o trai com seu chefe, um colega mostra a foto dos do is, possveis amantes, em uma loja de roupas ntimas femininas. 3) D um argumento par a cada proposio. a) O menor de 18 anos deve ser punido pelos crimes cometidos. b) Qual a principal conseqncia da violncia na TV, no comportamento de crianas e adolesc entes? c) A doao de rgos deveria ser obrigatria? 27

UNIDADE 3: A DESCRIO CAPTULO 1 DESCRIO OBJETIVA E SUBJETIVA A Beleza, gmea da verdade, arte pura, inimiga do artifcio a fora e a graa na simplici dade. Olavo Bilac

A descrio a representao, por meio de palavras, das caractersticas de um objeto que as distinguem de outros. A descrio tem por objetivo transmitir ao leitor uma imagem do objeto descrito. Podendo ser: Objetiva: quando retratamos a realidade como el a . Subjetiva: quando retratamos a realidade conforme nossos sentimentos e emoo. De scrio objetiva: A cmoda era velha, de madeira escura com manchas provocadas pelo lon go tempo de uso. As trs gavetas possuem puxadores de ferro em forma de conchas, n as duas laterais h ornamentos semelhantes queles de esculturas barrocas, os ps so re dondos e ornamentados. Descrio subjetiva: Dona Cmoda tem trs gavetas. E um ar confortv l de senhora rica. Nas gavetas guarda coisas de outros tempos, s para si. Foi sem pre assim, dona Cmoda: gorda, fechada, egosta. (QUINTANA, Mrio, Sapo Amarelo, Porto Alegre Mercado Aberto, 1984, p. 37). Como podemos observar, a cmoda foi descrita de duas maneiras diferentes. 28

Na primeira descrio houve um retrato fiel do objeto; j na segunda, houve o ponto de vista do autor, o objeto foi descrito conforme ele o v. Observao: importante no con fundir descrio e definio. Definir explicar a significao de um ser. Descrever retrat a partir de um ponto de vista. VEJA A DEFINIO DE UMA CMODA: CMODA: mvel guarnecido de gavetas desde a base at a parte superior. Note que na definio no h ponto de vista, o objeto descrito de maneira geral, serviria para qualquer cmoda; j nas descries prev aleceram a particularidade, cada cmoda foi descrita de forma diferente, sob ponto s de vista diferentes. EXERCCIOS 1) Elabore uma descrio objetiva e subjetiva dos seguintes objetos: a) um armrio. b) um guarda-chuva. c) um caderno. d) uma caneta. 2) Leia o texto de Carlos Drummo nd de Andrade, observe o processo descritivo e faa o mesmo com um animal perdido. ANNCIO DE JOO ALVES Figura o anncio em um jornal que o amigo me mandou, est assim redigido: 29

procura de uma besta A partir de 6 de outubro do ano cadente, sumiu-me uma besta vermelho-escura com os seguintes caractersticos: calada e ferrada de todos os mem bros locomotores, um pequeno quisto na base da orelha direita e crina dividida e m duas sees em conseqncia de um golpe, cuja extenso pode alcanar de 4 a 6 centmetros, ntroduzido por um jumento. Essa besta, muito domiciliada nas cercanias deste comr cio, muito mansa e boa de sela, e tudo me induz ao clculo de que foi roubada, ass im que ho sido falhas todas as indagaes. Quem, pois, aprend-la em qualquer parte e a fizer entregue aqui ou pelo menos notcia exata ministrar, ser razoavelmente remun erado. Itamb do Mato Dentro, 19 de novembro de 1899. (a) Joo Alves Jnior. 55 anos d epois, prezado Joo Alves Jnior, tua besta vermelho-escura, mesmo que tenha apareci do, j p no p. E tu mesmo, se no estou enganado, repousas suavemente no pequeno cemitr io de Itamb. Mas teu anncio continua um modelo no gnero, se no para ser imitado, ao menos como objeto de admirao literria. Reparo antes de tudo na limpeza de tua lingu agem. No escreveste apressada e toscamente, como seria de esperar de tua condio rur al. Pressa, no a tiveste, pois o animal desapareceu a 6 de outubro, e s a 19 de no vembro recorreste Cidade de Itabira. Antes, procedeste a indagaes. Falharam. Formu laste depois um raciocnio: houve roubo. S ento pegaste da pena, e traaste um belo e ntido retrato da besta. No disseste que todos os seus cascos estavam ferrados; pre feriste diz-lo de todos os seus membros locomotores. Nem esqueceste esse pequeno qu isto na orelha e essa diviso da crina em duas sees, que teu zelo naturalista e histr ico atribuiu com segurana a um jumento. Por ser muito domiciliada nas cercanias de ste comrcio, isto , do povoado, e sua feirinha semanal, inferiste que no teria fugid o, mas antes foi roubada. Contudo, no o afirmaste em tom peremptrio: tudo me induz a esse clculo. Revelas a a prudncia mineira, que no avana (ou no avanava) aquilo que eja a evidncia mesma. clculo, raciocnio, operao mental e desapaixonada como qualquer outra, e no denncia formal. 30

Finalmente deixando de lado outras excelncias de tua prosa til a declarao final: que m a aprender ou pelo menos notcia exata ministrar, ser razoavelmente remunerado. No pr metes recompensa tentadora; no fazes praas de generosidade ou largueza; acenas com o razovel, com a justa medida das coisas, que deve prevalecer mesmo no caso de b estas perdidas e entregues. J muito tarde para sairmos procura de tua besta, meu caro Joo Alves do Itamb; entretanto essa criao volta a existir, porque soubeste desc rev-la com decoro e propriedade, num dia remoto, e o jornal a guardou e tambm hoje a descobre, e muitos outros so informados da ocorrncia. Se lesses os anncios de ob jetos e animais perdidos, na imprensa de hoje, ficarias triste. J no h essa preciso de termos e essa graa no dizer, nem essa moderao nem essa atitude crtica. No h, sobret udo, esse amor tarefa bem-feita, que se pode manifestar at mesmo num anncio de bes ta sumida. (ANDRADE, Carlos Drummond de. Fala, amendoeira. u. ed. Rio de Janeiro , Jos Olympio, 1978. p. 82-4.) 31

CAPTULO 2 DESCRIO SENSORIAL um tipo de descrio, conhecida tambm por sinestsica, que se apia nas sensaes. A descr nsorial torna o texto mais rico, forte, potico; faz com que o leitor interaja com o narrador e com a personagem. As sensaes so: Visuais: relacionadas cor, forma, di menses, etc. Era um olho amendoado, grande, dum azul celestial, de traos suaves... A uditivas: relacionadas ao som. O silncio tornara-se assustador, o zumbido do vento fazia chorar as janelas... Gustativas: relacionadas ao gosto, paladar. Tua desped ida amarga, o sorrido irnico, insosso; deixaramme angustiado. Olfativas: relaciona das ao cheiro. O cheiro de terra trazido pelo vento mido era prenncio de chuva. Tteis : relacionadas ao tato, contato da pele. As mos speras como casca de rvore, grossas, rspidas, secas como pedra. Veja o belssimo texto de Ceclia Meireles. Observe como a s descries sensoriais so trabalhadas. 32

NOITE mido gosto de terra, cheiro de pedra lavada, tempo inseguro do tempo! sobra do fl anco da serra, nua e fria, sem mais nada. Brilho de areias pisadas, sabor de fol has mordidas, lbio da voz sem ventura! suspiro das madrugadas sem coisas aconteci das. A noite abria a frescura dos campos todos molhados, sozinho, com o seu perf ume! preparando a flor mais pura com ares de todos os lados. Bem que a vida esta va quieta. Mas passava o pensamento... de onde vinha aquela msica? E era uma nuve m repleta entre as estrelas e o vento. (MEIRELES, Ceclia. Obra Completa. Rio de J aneiro, Aguilar, 1967.) EXERCCIOS 1) Retire do texto de Ceclia Meireles as descries sensoriais e classifique-as. 2) F aa uma descrio em que voc passe para o leitor todas as sensaes que o objeto descrito p roporciona. Pode ser uma paisagem, o rosto da amada, o amanhecer, o anoitecer, o mar, a chuva... 3) Descreva uma paisagem em que o cheiro o seu ponto forte. 4) Elabore uma descrio em que prevaleam as cores. 33

CAPTULO 3 DESCREVENDO A PERSONAGEM A) A DESCRIO DE PERSONAGEM: FSICA E PSICOLGICA Ao descrever uma personagem, voc poder faz-lo de duas maneiras: a) aspectos fsicos corpo, voz, roupa, andar, etc. A pele s uave daquela menina era como pssego maduro, colhido da rvore, os olhos negros e re dondos faziam par com os longos e encaracolados cabelos, e o sorriso meigo dos lb ios carnudos eram um convite ao beijo. b) aspectos psicolgicos carter, estado de es prito, comportamento, etc. Era de uma bondade de fazer inveja, os olhos alegres br ilhavam como lamparinas em noite sem lua, a voz invadia os ouvidos como canto de flauta, se pudesse ficaria ali, prostrado a vida toda ouvindo os ensinamentos d o mestre. Importante: sempre bom comear sua descrio de personagem retratando primeir o um aspecto de carter geral e em seguida mesclar descries fsicas e psicolgicas. Deve -se, contudo, seguir uma certa ordem na descrio. Se voc comear a descrever uma perso nagem pela cabea por exemplo, procure descrever os cabelos, olhos, boca... sempre seguindo uma ordem lgica. 34

Veja algumas descries de personagens em que se misturam os aspectos fsicos e psicolg icos: Stela era espigada, dum moreno fechado, muito fina de corpo. Tinha as perna s e os braos muito longos e uma voz ligeiramente rouca. (Marques Rebelo) Sou um ale ijado. Devo ter um corao mido, lacunas no crebro, nervos diferentes dos nervos dos o utros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes. (Graciliano Ramo s) minha amada Que olhos os teus So cais noturnos Cheios de adeus So docas mansas T rilhando luzes Que brilham longe Longe nos breus... (Vincius de Moraes) Leia, agor a, um fragmento de texto descritivo em que a autora descreve um professor e as s ensaes que este provoca: OS DESASTRES DE SOFIA Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o abandonara, mudara de p rofisso e passara pesadamente a ensinar no curso primrio: era tudo o que sabamos de le. O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros contrados. Em vez de n n a garganta, tinha ombros contrados. Usava palet curto demais, culos sem aro, com um fio de ouro encimando o nariz grosso e romano. E eu era atrada por ele. No amor, mas atrada pelo seu silncio e pela controlada impacincia que ele tinha em nos ensin ar e que, ofendida, eu adivinhara. Pas35

sei a me comportar mal na sala. Falava muito alto, mexia com os colegas, interro mpia a lio com piadinhas, at que ele dizia, vermelho: Cale-se ou expulso a senhora da sala. Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode me mandar! Ele no mand ava, seno estaria me obedecendo. Mas eu o exasperava tanto que se tornara doloros o para mim ser o objeto do dio daquele homem que de certo modo eu amava. No o amav a como a mulher que eu seria um dia, amava-o como uma criana que tenta desastrada mente proteger um adulto, com a clera de quem ainda no foi covarde e v um homem for te de ombros to curvos. (...) (LISPECTOR, Clarice. A legio estrangeira. So Paulo, ti ca, 1977, p. 11.)

OBSERVE A ANLISE ESTRUTURAL DO PROCESSO DESCRITIVO: aspectos gerais: Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o abandon ara, mudara de profisso, e passara pesadamente a ensinar no curso primrio: era tud o o que sabamos dele. aspectos fsicos: O professor era gordo, grande (...) de ombros contrados. Usava palet curto demais, culos sem aro, com fio de ouro encimando o na riz grosso e romano. aspectos psicolgicos: E eu era atrada por ele. No amor, mas atra a pelo seu silncio e pela controlada impacincia que ele tinha em nos ensinar e que , ofendida, eu adivinhara. Passei a me comportar mal na sala. Falava alto, mexia com os colegas, interrompia a lio com piadinhas... Note que cada caracterstica compe o tipo desejado; sua personagem tomar a vida que voc quiser, ao escolher de manei ra harmnica caractersticas fsicas e psicolgicas. 36

EXERCCIOS 1) Leia os textos a seguir e faa as divises solicitadas: aspectos gerais: aspectos fsicos: aspectos psicolgicos: e outros: A fachada abria-se numa sucesso de portas e nvidraadas, refulgentes sob os reflexos dourados do sol e escancaradas tarde clida e ventosa, e Tom Buchanan, em seu trajo de montaria, achava-se de p, as pernas s eparadas, no alpendre fronteiro. Era um homem vigoroso, de trinta anos, cabelos cor de palha, boca um tanto dura e maneiras desdenhosas. Dois olhos vivos, arrog antes, estabeleceram domnio sobre o seu rosto, dandolhe a aparncia de algum que est ivesse sempre pronto a agredir. Nem mesmo o corte efeminado de suas roupas de mo ntar conseguia ocultar o enorme vigor daquele corpo; ele parecia encher as suas botas rebrilhantes at o ponto de forar os laos que as prendiam na parte superior, e podia-se notar o grande feixe de msculos a retesar-se, quando seus ombros se mov iam debaixo do casaco leve. Era um corpo capaz de levantar grandes pesos; um cor po cruel. (F. Scott Fitzgerald) (O Grande Gatsby, 7 ed. Rio de Janeiro. Record. Ap ud. Trabalhando com Descrio. Ana H. C. Belline. tica, p. 27.) RETRATO Eu no tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos to vazios, nem o lbio amargo. Eu no tinha estas mos sem fora, to paradas e fria s e mortas; eu no tinha este corao que nem se mostra. 37

Eu no dei por esta mudana, to simples, to certa, to fcil: Em que espelho ficou perdid a minha face? (MEIRELES, Ceclia. Poesia. Rio de Janeiro, Agir, 1974, p. 19.) 2) Faa o seu retrato. 3) Invente uma personagem ou descreva um amigo. 4) Baseando-se no texto Os desastres de Sofia, elabore um texto descritivo sobre um professor. B )CRITRIOS DE SELEO NA COMPOSIO DA PERSONAGEM 1) A ESCOLHA DO TIPO DE PERSONAGEM Ao pr oduzir sua personagem, voc dever fazer a escolha entre personagem linear ou comple xa. Personagem linear aquela em que suas caractersticas so simples e imutveis ao lo ngo do texto, e personagem complexa aquela que ao longo do texto vai mudando sua s caractersticas. Personagem linear: Desde menino era arteiro, gostava de fazer ma ldades, torcia rabo do gato, trocava nos potes sal por acar, acordava os outros co m estouro de bombinhas... quando adulto no melhorou muito, continuava a maltratar os filhos, castigava-os por nenhum motivo, batia na mulher; sempre bbado, deslei xado, barba por fazer, roupas desalinhadas, largas; um homem asqueroso. Personage m complexa: Quando criana era tmido, submisso aos caprichos da me, sempre obedecendo s ordens do pai, na adolescncia com a morte dos pais herdou a fazenda; a vontade de enriquecer, o dinheiro 38

fcil e a bebida transformaram o rapaz num homem cruel, mal patro, e com a descober ta do adultrio da esposa, tornou-se o prprio diabo encarnado, mandou mat-la e ao am ante, enterrouos no chiqueiro, alimentou os porcos com carnes do corpo dos dois, a fazenda perdera o menino, a paz e o encanto. Perceba que as personagens descri tas acima so diferentes. A primeira conservou seu jeito mal, seu carter nocivo; en quanto a segunda, devido a alguns acontecimentos em sua vida, foi-se transfigura ndo, mudando sua conduta. 2) A CONSTRUO DA PERSONAGEM Aps escolher o tipo de person agem que vai trabalhar em seu texto, voc ter que selecionar descries compatveis com o carter. A escolha do tipo fsico, as caractersticas psicolgicas, as roupas, a maneir a de andar, falar, devem obedecer um critrio de identidade para que o leitor sint a a personagem profundamente. A PROFESSORA Um dia a professora organizou um passeio no campo, samos cedo, levando comida, mqu ina de retrato e violo, que ela tocava bem. Depois do almoo, debaixo de uma painei ra, ela pegou o violo e comeou a cantar. Eu e Micuim tnhamos nos afastado para proc urar gravat, de longe ouvimos a voz. Paramos e ficamos escutando. Era bonito dema is. Eu queria elogiar, mas fiquei na moita. Quando notei que Micuim tambm estava gostando, arrisquei: Bonita voz, hein? Linda disse Micuim. Desistimos dos gravats e fomos nos chegando para a paineira. O ar limpo, o cheiro de campo, os passari nhos, a meninada sentada no cho em volta da professora, tudo isso me pegou de um jeito difcil de explicar, s sei que me senti muito feliz e com uma vontade forte d e ficar perto da professora. Como quem no 39

quer nada, fui me imiscuindo, carambolando, forando, at conseguir um lugar ao lado dela. Vendo-a de perfil, notei que os olhos dela no eram feios, como pareciam at rs das lentes grossas dos culos. Eram de uma cor entre cinza e azul, o que confirm ei uma hora que ela tirou os culos para enxugar os olhos. Quando reps os culos, olh ou para mim e me reconheceu. Joaquim Maria! Que bom voc estar aqui pertinho. Voc t em um nome famoso. No pode deixar esse nome cair. Devo ter ficado corado, porque senti um calor nas orelhas. Isso acontecia sempre que uma mulher falava comigo. E as risadas dos colegas que estavam perto confirmaram que eu no estava normal. E la ps o brao em meu ombro e disse: Confio muito em voc, Joaquim Maria. Com o movime nto de erguer o brao, ela espalhou para o meu lado um cheiro que eu nunca tinha s entido igual, cheiro de suor de mulher limpa. Nem sei o que respondi, acho que no respondi nada, fiquei s farejando aquele cheiro. Mas o encantamento durou pouco. Ela pegou novamente o violo, que tinha ficado descansando no colo, e perguntou s e algum queria cantar. Umas meninas ensaiaram, no ficou a mesma coisa, fizeram uma cantoria sem graa, que parecia no ter fim. Uma hora l o Micuim, que tinha consegui do chegar perto tambm, e que era mais despachado do que eu, disse que era melhor a professora cantar. Ela cantou mais umas duas msicas, uma que meu pai cantava s v ezes, falava em luares brancos de prata, e enquanto ela cantava eu a olhei novam ente de lado e decidi que era muito mais bonita que a moa que saltava do trapzio n o circo e que tinha deixado saudades na meninada toda, chamava-se Solange Rosrio, vendia retratos autografados nos intervalos do espetculo, eu e meu irmo mais velh o compramos um de sociedade, mas meu pai acabou tomando e escondendo ou rasgando , porque vivamos brigando por causa dele. (VEIGA, Jos J. Di mais que quebrar a pern a, Apud Curso Bsico de Redao, vol. 3, IBEP. Hermnio Sargentim, p. 27.). Note que ao montar as personagens, o autor deu a elas: aes, falas, pensamentos, sentimentos, c aractersticas: 40

aes: ela pegou o violo, comeou a cantar falas: Joaquim Maria! Que bom voc est aqui ho. Voc tem um nome famoso. No pode deixar esse nome cair. sentimentos: ... s sei que me senti muito feliz e com uma vontade forte de ficar perto da professora. carac tersticas fsicas e psicolgicas: ... notei que os olhos dela no eram feios, como parec iam atrs das lentes grossas dos culos. Eram de uma cor entre cinza e azul, o que c onfirmei uma hora que ela tirou os culos para enxugar os olhos. EXERCCIOS 1) Baseando-se no texto lido, crie uma situao em que voc fique ao lado de uma perso nagem. Descreva-a fsica e psicologicamente, mostre suas falas, suas aes e o sentime nto que ela desperta. C)CRITRIOS DE SELEO NA CONSTRUO DA PERSONAGEM EM BENEFCIO DA MEN SAGEM: Agora que criou sua personagem, a outra preocupao escolher as descries que le varo o leitor a perceber o rumo do texto, o propsito das descries; pois no se faz rev elia todo um trabalho de composio, cada passagem deve ter sua justificativa. Obser ve como o autor, no texto A professora, selecionou todos os detalhes a fim de qu e o leitor percebesse a atrao que o aluno sentia pela professora: Eu e Micuim tnhamo s nos afastado para procurar gravat, de longe ouvimos a voz. Paramos e ficamos es cutando. Era bonito demais. O ar limpo, cheiro de campo, os passarinhos, a meninad a sentada no cho, em volta da professora, tudo isso me pegou de um jeito difcil de explicar, s sei que me senti muito feliz e com uma vontade forte de ficar perto da professora.... 41

... notei que os olhos dela no eram feios, como pareciam atrs das lentes grossas do s culos. Eram de uma cor entre cinza e azul.... Com o movimento de erguer o brao, el a espalhou para o meu lado um cheiro que eu nunca tinha sentido igual, cheiro de suor de mulher limpa (...) fiquei s farejando aquele cheiro. ... enquanto ela cant ava eu a olhei novamente de lado e decidi que era muito mais bonita que a moa que saltava do trapzio no circo e que tinha deixado saudades na meninada toda.... Not ou como todo o trabalho de descrio de aes, pensamentos, sentimentos e caractersticas remetem o leitor a perceber o envolvimento do narrador-personagem com a professo ra; a cada momento este envolvimento vai crescendo at o ponto dele esquecer o prim eiro amor. Sendo assim, importante saber que ao elaborar um texto descritivo, voc precisa criar uma personagem com todas as caractersticas voltadas para a mensagem que pretende passar com o texto. EXERCCIOS 1) Faa duas descries de personagens: uma linear e outra complexa. No se esquea de que os traos fsicos ou psicolgicos devem ter alguma influncia na caracterizao delas. 2) E labore um texto com uma das personagens descritas, procure utilizar as descries em benefcio da mensagem desejada, fazendo com que o leitor gradativamente perceba o propsito do texto sem que voc mostre de modo explcito. Pode ser uma paixo, admirao ou mesmo dio pela personagem; o importante selecionar as descries em benefcio do propsi to do texto. 42

CAPTULO 4 A DESCRIO DE AMBIENTE E PAISAGEM Espao o lugar fsico onde se passa a ao narrativa, e ambiente o espao com caracterst s sociais, morais, psicolgicas, religiosas, etc. Ao descrevermos um ambiente fech ado, escuro, sujo, desarrumado, normalmente sugerimos um estado de angstia da per sonagem, ou solido, ou desleixo... j lugares abertos, claros, coloridos, sugerem f elicidade, harmonia, paz, amor... Portanto o ambiente descrito em seu texto deve r fazer com que o leitor perceba o rumo da histria. A Praa da Alegria apresentava um ar fnebre. De um casebre miservel, de porta e janela, ouviam-se gemer os armadore s enferrujados de uma rede e uma voz tsica e aflautada, de mulher, cantar em fals ete a gentil Carolina era bela, doutro lado da praa, uma preta velha, vergada por i menso tabuleiro de madeira, sujo, seboso, cheio de sangue e coberto por uma nuve m de moscas, apregoava em tom muito arrastado e melanclico: Fgado, rins e corao! Era u ma vendedeira de fatos de boi. As crianas nuas, com as perninhas tortas pelo cost ume de cavalgar as ilhargas maternas, as cabeas avermelhadas pelo sol, a pele cre stada, os ventrezinhos amarelentos e crescidos, corriam e guinchavam, empinando papagaios de papel. Um ou outro branco, levado pela necessidade de sair, atraves sava a rua, suando, vermelho, afogueado, sombra de um enorme chapu-de-sol. Os ces, estendidos pelas caladas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos, movimentos irascveis, mordiam o ar, querendo morder os mosquitos. Ao longe, para as bandas d e So Pantaleo, ouvia-se apregoar: Arroz de Veneza! Mangas! Macajubas! s esquinas, nas quitandas vazias, fermentava um cheiro acre de sabo da terra e aguardente. O qui tandeiro, assentado sobre o balco, cochilava a 43

sua preguia morrinhenta, acariciando o seu imenso e espalmado p descalo. Da Praia d e Santo Antnio enchiam toda a cidade os sons invariveis e montonos de uma buzina, a nunciando que os pescadores chegavam do mar; para l convergiam, apressadas e chei as de interesse, as peixeiras, quase todas negras, muito gordas, o tabuleiro na cabea, rebolando os grossos quadris trmulos e as tetas opulentas. (AZEVEDO, Alusio d e. O Mulato. Apud Curso de Redao, Harbra. Jorge Miguel, p. 67.) Note como todas as descries procuram mostrar para o leitor um ambiente em decadncia, miservel, fnebre: A praa da alegria apresentava um ar fnebre, de um casebre miservel, de porta e janel a, ouviam-se gemer os armadores enferrujados de uma rede ... Os ces, estendidos pel as caladas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos... Leia este belo texto de R ubem Braga: RECADO DE PRIMAVERA Meu caro Vincius de Moraes: Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notcia gr ave: A Primavera chegou. Voc partiu antes. a primeira Primavera, de 1913 para c, s em a sua participao. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem trs garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera acho que voc aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lesta da muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costo sul da Ilha das Palmas. So violncias primave ris. O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda . Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele est fazendo ninho numa touceira de samambaia, 44

debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito matreiro, um pss aro-preto, desses que chamam de chopim. No trazia nada no bico; vinha apenas fisc alizar, saber se o outro j havia arrumado o ninho para ele pr seus ovos. Isto uma histria to antiga que parece que s podia acontecer l no fundo da roa, talvez no tempo do Imprio. Pois est acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Acontecend o como a Primavera. Estive em Blumenau, onde h moitas de azalias e manacs em flor; e em cada mocinha loira, uma esperana de Vera Fischer. Agora vou ao Maranho, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia voc tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua msica e de se us versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui a vigiar, em seu nome, as onda s, os tico-ticos e as moas em flor. Adeus. (BRAGA, Rubem. Recado de Primavera, Re cord, setembro, 1980.) Note a beleza e preciso das descries, veja como o autor apre senta a primavera: O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galg ar o costo sul da Ilha das Palmas. So violncias primaveris. ... ontem vi trs garotas d e Ipanema que usavam minissaias. O sinal mais humilde da chegada da primavera vi a qui junto de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca no bico. Ele est f azendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira. O autor Rubem Br aga em nenhum momento usou frases feitas para descrever a chegada da primavera: O s botes de rosa se abrem, O cu est mais azul. Preferiu trabalhar com o factual, com qu e estava vendo, mostrando que a simplicidade e originalidade so importantes no pr ocesso descritivo. Alm disso, veja como realmente sentimos a chegada da primavera , como as descries so pertinentes e como o final faz um belo arremate no texto. 45

EXERCCIOS 1) Elabore duas descries de ambiente. Lembre-se de que a originalidade tornar seu t exto mais bonito, evite frases feitas, comuns, repeties j desgastadas: a) Um local triste, desolado, abandonado. b) Um local alegre, festivo. A) DESCRIO DE PAISAGEM Alm de aplicar os recursos estudados nas lies anteriores, voc dever ficar atento pers pectiva, sua posio diante do objeto de sua descrio. Um esquema o ajudar a trabalhar e ste tipo de descrio: 1 pargrafo: Mostra-se a localizao, ou outra referncia de plano ge al: Era um belo jardim, aquele do casaro antigo. 2 e 3 pargrafos: Mostra-se o elemento mais prximo do observador. Pode-se generalizar e depois se aproximar de um s elem ento, ou ir detalhando por ordem. Flores de todas as cores enfeitavam o terreno d e terra preta, saudvel. Nas laterais espinheiros cortados simetricamente em forma de arcos; no centro: crisntemos, lrios, rosas, dlias, uma infinidade de flores, e perdida entre elas pequenas violetas risonhas. 4 pargrafo: Conclui-se mostrando a i mpresso que a paisagem causa em quem a v. Era de uma singeleza aquele jardim, adorn ava o velho casaro rstico, enchia-o de paz, acalmava o corao aflito de qualquer um q ue o contemplasse. EXERCCIO 1) Seguindo o esquema dado, elabore uma descrio de uma paisagem de sua escolha. Co mo sugesto: o pr-do-Sol, uma lagoa, uma floresta, montanhas, jardim ... 46

B) DESCRIO DE AMBIENTE: ESPAO FECHADO Ao descrever um lugar fechado, um quarto, uma sala, uma frente de casa, usa-se o mesmo procedimento da descrio de paisagem. No entanto, importante perceber que esta descrio deve ser gradativa e original para q ue o leitor acompanhe o objeto descrito, essa descrio se assemelha a uma filmagem onde se levado a contemplar o objeto aos poucos. Cheguei a casa, abri a porta, es tava uma desordem: jornais espalhados pelo cho, na mesa de centro um copo com um pouco de cerveja e bordas mordidas de pizzas num prato; na estante, coberta de p, livros remexidos, um rdio-relgio piscando com a hora atrasada e uma xcara de caf pe rdida entre portas-retratos. Perceba: ao entrar com o narrador na casa, nota-se t oda a baguna, a desordem, comeando pelo cho, subindo para a mesa de centro, termina ndo na estante. Tem-se um panorama total da casa. Observe a bela descrio de uma ca sa: Encosto a cara na noite e vejo a casa antiga. Os mveis esto arrumados em crculo, favorecendo as conversas amenas, uma sala de visitas. O canap, pea maior. O espel ho. A mesa redonda com o lampio aceso desenhando uma segunda mesa de luz dentro d a outra. Os quadros ingenuamente pretensiosos, no h afetao nos mveis, mas os quadros tm aspiraes de grandeza nas gravuras de mulheres imponentes (rainhas?) entre paves e escravos transbordando at o ouro purpurino das molduras. Volto ao canap de curvas mansas, os braos abertos sugerindo cabelos desatados. Espreguiamento. Mas as almo fadas so exemplares, empertigadas no encosto de palhinha gasta. Na almofada menor est bordada uma guirlanda azul. O mesmo desenho de guirlandas desbotadas no pape l spia da parede. A estante envidraada, alguns livros e vagos objetos nas pratelei ras penumbrosas. (TELLES, Lygia Fagundes. Ap. Missa do Galo. So Paulo, Summus, 197 7.) 47

Note que neste caso no h uma enumerao em ordem lgica dos objetos descritos, pois como o texto trata-se de uma recordao, as imagens vo surgindo conforme as lembranas do n arrador, dando maior veracidade ao texto. EXERCCIOS 1) Faa duas descries: a) um quarto de um garota b) um quarto de uma empregada domsti ca 2) Baseando-se no texto de Lygia Fagundes Telles, faa uma descrio de uma casa ou cidade onde voc esteve h muito tempo. Mostre suas recordaes das pessoas, do lugar e m geral. 3) Elabore um texto em que voc volta para uma cidade em que morou quando jovem. Mostre como era e como est agora e o que tudo isso provoca em voc.

C) DESCRIO DE CENA Conhecida tambm como descrio dinmica ou animada, esse tipo muito s melhante narrao; pois inclui pessoas, animais, veculos em ao. O guarda-noturno caminh com delicadeza, para no assustar, para no acordar ningum. L vo seus passos vagarosos , cadenciados, cosendo a sua sombra com a pedra da calada. (O anjo da noite. Apud Ma gda Soares, Novo portugus atravs de textos, p. 40, A DESCRIO.) O texto, alm de belssim o, mostra uma perfeita descrio de cena, detalhadamente vai retratando o andar maci o do guardanoturno. 48

FUNERAL Uma cena me ficou na memria com uma nitidez inapagvel. Parado no meio-fio duma calad a, no Passo de la Reforma, vejo passar o enterro de um bombeiro que se suicidou. Os tambores, cobertos de crepe, esto abafados e soam surdos. No se ouve sequer um toque de clarim. Atrs dos tambores marcham alguns pelotes. Os soldados de uniform e negro, gola carmesim, crepe no brao, marcham em cadenciado silncio. E sobre um c arro coberto de preto est o esquife cinzento envolto na bandeira mexicana. Plan-r ata-plan! Plan-rata-plan! L se vai o cortejo rumo do cemitrio. Haver outro pas no mu ndo em que um velrio seja mais velrio, um enterro mais enterro, e a morte mais mor te? Plan-rata-plan! Adeus bombeiro. Nunca te vi. Teu nome no sei. Mas me ser difcil , impossvel esquecer o teu funeral. Planrat-plan! (VERSSIMO, rico. Mxico, apud J. F. Miranda, Arquitetura da redao.) O autor, neste fragmento, mostra, como se estivess e parado, a passagem de um enterro; perceba como a cena passa em seus mnimos deta lhes. EXERCCIOS 1) Descreva um quarto de adolescente, entre no quarto, d um panorama geral, em se guida detalhe esse panorama, procure dar uma ordem lgica para sua descrio. 2) Elabo re um texto descritivo em que voc se lembra de algum lugar que lhe foi muito marc ante. Lembre-se de mostrar suas impresses sobre o lugar, no h necessidade de uma or dem nas enumeraes, porm procure enumerar de modo consciente para que o leitor perce be sua inteno. 3) Descreva uma cena de assalto no centro da cidade. 4) Descreva um a sada de escola. 5) Descreva um dia de chuva no campo visto pela janela da casa. 49

PROPOSTAS DE REDAO DESCRIO 1) Elabore uma definio, uma descrio objetiva e uma subjetiva de um lpis e um relgio. 2 ) Complete as frases, formando um pargrafo descrito: a) era to bonita b) no era mui to bonita c) tinha um fsico atltico d) era mau-carter. 3) Redija os seguintes anncio s usando os processos descritivos estudados: a) vendendo um vestido de noiva b) um carro c) uma fazenda com casa e piscina. 4) Observe a foto e descreva as cena s: 50

5) Descreva um intervalo na escola. 6) Depois de muitos anos voc volta para o colg io em que estudara quando criana. A sala est vazia, porm suas lembranas aos poucos vo trazendo de volta os amigos, professores, cadeiras, lousa, janelas, cortinas... . descreva este momento. 7) Identifique os objetos descritos: a) mquina frigorfica adaptada a uma espcie de armrio onde se produz gelo, sorvetes, e onde se conserva m alimentos, etc. b) instrumento com lentes que amplificam os objetos distantes do observador e que lhe permitem uma viso ntida dos mesmos. c) veculo de duas rodas , sendo a traseira acionada por um sistema de pedais que movimentam uma corrente transmissora. 8) Faa descries de objetos: a) uma tesoura b) um avio 9) a) Imagine d ois estudantes: o primeiro possui agenda, onde marca direitinho todos os seus co mpromissos, escolares ou no. Nunca esquece seu material para as aulas. Seus livro s e cadernos so encapados, possuem etiquetas com seu nome, nmero e srie. No h nada ra biscado ou amassado. O segundo justamente o contrrio: anota telefones de amigos e compromissos escolares em papeizinhos soltos, nas pginas de cadernos e livros (s eus ou no). Est sempre procurando alguma coisa perdida. Anote em seu caderno outra s caractersticas que voc imaginar sobre estas duas personagens. b) Agora, imagine os quartos do primeiro e do segundo estudante. Faa uma lista das caractersticas e selecione as que achar mais importantes para dar a idia do modo de ser de cada um . c) Escreva um pargrafo mostrando cada quarto. 51

10) Os dois estudantes do exerccio anterior se conhecem. Por algum motivo, ficam muito amigos. Um dia, um vai visitar o outro. Escreva dois pargrafos diferentes: a) O estudante organizado descreve o quarto do estudante desorganizado. b) O est udante desorganizado descreve o quarto do estudante organizado. Mostre ao leitor as possveis sensaes e julgamentos que um estudante tem em relao ao quarto do outro. A DESCRIO NO VESTIBULAR 11) Elabore textos descritivos seguindo as orientaes: a) (Fa ap-SP) Redija um texto em prosa sobre o seguinte tema: E o mundo ficou mais trist e... b) (Fuvest) Suponha que voc foi surpreendentemente convidado para uma festa d e pessoas que mal conhece. Conte, num texto em prosa, o que teria ocorrido, imag inando tambm os pormenores da situao. No deixe de transmitir suas possvel reflexes e i mpresses. Evite expresses desgastadas e idias prontas. c) (Unesp) Crianas na rua. d) ITA-SP) A natureza esquecida. e) (Cesesp-PE) O dinheiro no compra tudo. f) (PUC-MG) aa uma redao com o seguinte ttulo: Fim de festa. g) (FASP) Faa uma descrio, em pro aproximadamente 20 linhas sobre o tema: O dia-a-dia do paulistano. (Observao: se voc no for paulistano, adapte o tema sua realidade.) h)(PUCCAMP) A primeira frase da sua redao : Abriu os olhos e no conseguiu acreditar no que via. Continue a redao. i) TEC) Uma praa, quase garagem ao ar livre. rvores. Trs prdios. Encostado ao do meio, um grupo de mendigos. Ali seu ponto, seu pouso, seu repertrio. Voc tem que ir a um dos prdios e o caminho mais curto rente aos mendigos. 52

Escreva o que passa pela mente: misto de revolta contra a sociedade, de medo de se envolver, de solidariedade, de repugnncia, de d. 12) Faa uma descrio emotiva da ce na abaixo. 53

13) Elabore um texto predominantemente descritivo baseando-se na imagem abaixo. 54

UNIDADE 4: A NARRAO CAPTULO 1 A TCNICA NARRATIVA Entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte outra. Tradio popular A narrao uma forma de composio de textos que consiste em relatar fatos ou acontecime ntos com determinados personagens em local e tempo definidos.

DOMINGO NO PARQUE O rei da brincadeira Jos O rei da confuso Joo Um trabalha na feira Jos Outro truo Joo A semana passada, no fim da semana, Joo resolveu no brigar. No domingo de t rde saiu apressado E no foi pra Ribeira jogar Capoeira. No foi pra l, pra Ribeira, Foi namorar. O Jos, como sempre, no fim de semana Guardou a barraca e sumiu. Foi fazer, no domingo, um passeio no parque, L perto da Boca do rio. Foi no parque qu e ele avistou Juliana, 55

Foi que ele viu Juliana na roda com Joo, Uma rosa e um sorvete na mo. Juliana, seu sonho, uma iluso. Juliana e o amigo Joo. O espinho da rosa feriu Z E o sorvete gel ou seu corao. O sorvete e a rosa Jos A rosa e o sorvete Jos Oi danando no peito Jos brincalho Jos O sorvete e a rosa Jos A rosa e o sorvete Jos Oi girando Jos Do Jos brincalho Jos Juliana girando oi girando Oi na roda-gigante oi girando na roda-gigante oi girando O amigo Joo oi Joo O sorvete morango vermelho Oi gira do e a rosa vermelha Oi girando, girando vermelha Oi girando, girando olha a fac a Olha o sangue na mo Jos Juliana no cho Jos Outro corpo cado Jos Seu amigo h no tem feira Jos No tem mais construo Joo No tem mais brincadeira Jos Joo. Como podemos observar, o texto acima um exemplo claro e bem-feito de um text o narrativo. Logo na primeira estrofe, o autor apresenta as personagens envolvid as e suas caractersticas bsicas. Em seguida mostra o tempo, o local e os fatos: 56

Personagens: Jos: sujeito brincalho, trabalhava na feira, nos finais de semana cos tumava ir ao parque encontrar sua namorada Juliana para se divertir. Joo: sujeito briguento, sempre arrumava confuso. Trabalhava na construo civil, costumava ir Rib eira jogar capoeira. Tempo: um domingo. Local: um parque de diverses perto da Boc a do rio. Fatos: Joo no final de semana resolveu no brigar, saiu apressado e foi p ara o parque namorar. Jos, como sempre, foi ao parque encontrar-se com sua namora da Juliana. Chegando, assustou-se: sua namorada Juliana e seu amigo Joo de mos dad as namorando. Aquela cena deixou Jos indignado e nervoso. Tomado pela emoo e raiva pegou uma faca e matou a namorada e o amigo. Uma histria trgica, porm contada com m uita delicadeza e poesia por Gilberto Gil, que por meio de metforas entre sorvete , rosa, morango e sangue relatou um belo drama. EXERCCIOS Leia o texto abaixo: UM HOMEM DE CONSCINCIA Chamava-se Joo Teodoro, s. O mais pacato e modesto dos homens. Honestssimo e lealssi mo, com um defeito apenas: no dar o mnimo valor a si prprio. Para Joo Teodoro, a coi sa de menos importncia no mundo era Joo Teodoro. 57

Nunca fora nada na vida, nem admitia a hiptese de vir a ser alguma coisa. E por m uito tempo no quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor . Mas Joo Teodoro acompanhava com aperto de corao o deperecimento sensvel de sua Ita oca. Isto j foi muito melhor, dizia consigo. J teve trs mdicos bem bons agora s um e bem ruinzote. J teve seis advogados e hoje no d servio para um rbula ordinrio como o T enrio. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fi ca o restolho. Decididamente, a minha Itaoca est-se acabando... Joo Teodoro entrou a incubar a idia de tambm mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer q ue o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca no tinha mesmo conserto ou arr anjo possvel. isso, deliberou l por dentro. Quando eu verificar que tudo est perdid o, que Itaoca no vale mais nada de nada, ento arrumo a trouxa e boto-me fora daqui . Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeao de Joo Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notcia como se fosse uma cacetada no crnio. Delegado, ele! Ele que no era nada, nunca fora nada, no queria ser nada, no se julgava capaz de nada... S er delegado numa cidadezinha daquelas coisa serissima. No h cargo mais importante. o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai capital fa lar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado e estava ele, Joo Teodoro, dele-ga-do de Itaoca!... Joo Teodoro caiu em meditao profunda. Passou a noite em clar o, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada botouas num burro, montou no se u cavalinho magro e partiu. Antes de deixar a cidade foi visto por um amigo madr ugador. Que isso, Joo? Para onde se atira to cedo, assim de armas e bagagens? Voume embora; respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim. Mas , como? Agora que voc est delegado? 58

Justamente por isso. Terra em que Joo Teodoro chega a delegado, eu no moro. Adeus. E sumiu. (LOBATO, Monteiro. Cidades mortas. 7 ed. So Paulo, Brasiliense, 1956, p. 185-6.) 1) Faa a seguinte diviso: a) Mostre o trecho em que o autor apresenta a p ersonagem. b) Caracterize a personagem. c) Descreva o local em que se desenrolam os fatos. d) Faa um relato dos fatos desta histria. 2) Elabore uma narrativa em q ue suas personagens disputem algo. Esta histria deve ocorrer em local e tempo det erminados pelo narrador. 59

CAPTULO 2 O NARRADOR Ao produzir um texto, voc poder faz-lo de duas maneiras diferentes, contar uma histr ia em que voc participa ou contar uma histria que ocorreu com outra pessoa. Essa d eciso determinar o tipo de narrador a ser utilizado em seu texto. NARRADOR EM 1 PES SOA: Conhecido tambm por narrador-personagem, aquele que participa da ao. .... Pode ser protagonista quando personagem principal da histria, ou pode ser algum que pr esenciou o fato, estando no mesmo local. Exemplo: Narrador-protagonista. Era noit e, voltava sozinho para casa, o frio estava insuportvel, no havia ningum naquela ru a sombria, ouvi um barulho estranho no muro ao lado, assustei-me... Exemplo: Narr ador 1 pessoa Estava debruado em minha janela quando vejo na esquina um garoto magr o roubando a carteira de um pobre velho... NARRADOR EM 3 PESSOA: Conhecido tambm por narrador-observador, aquele que no partic ipa da ao. Joo estava voltando para casa, noite, sozinho, quando ouviu, prximo ao mur o, um barulho estranho. 60

EXERCCIOS 1) Indique o tipo de narrador dos textos a seguir: a) Alguns homens aparecem na porta do restaurante com suas esposas. b) No meio do caminho resolvi parar, sent ia-me mal, provavelmente por causa do peixe que comi no almoo. c) O menino foi ab rindo o caminho com um pedao de ferro. d) Quando cheguei dei de cara com minha me na sala. 2) Passe para narrador-personagem: De madrugada o homem acordou com a ch uva castigando o telhado de zinco do seu barraco. Rolou na cama, virou pro lado, fingiu que no era com ele. Mas no tinha jeito de dormir. Experiente, o homem sabi a que aquela chuva grossa e insistente era com ele mesmo. 3) Elabore um pargrafo c om narrador-observador (3 pessoa), seguindo a orientao: Um rapaz tentando pegar sua bola que caiu no quintal do vizinho. Este muito nervoso e tem um cachorro que a dora morder bolas e dono de bolas. 61

CAPTULO 3 O DISCURSO Para relatar as falas e os pensamentos das personagens, o narrador pode usar o d iscurso direto, o indireto e o indireto-livre. A) DISCURSO DIRETO O narrador rep roduz exatamente o que a personagem falou. Exemplos: O professor chamou Joozinho e perguntou: Voc sabe por que Napoleo perdeu a guerra? A me olhou para o filho e di sse: Coma essa sopa logo. B) DISCURSO DIRETO E OS VERBOS DE ELOCUO Normalmente, o discurso direto marcado pela presena dos verbos de elocuo, para indicar a pessoa e o modo como falou. A garota aproximou-se do namorado e perguntou: Quem era aquel a menina com quem voc estava conversando no intervalo? O namorado retrucou: Deixe de ser ciumenta. Ser que no posso conversar com ningum? Esses verbos podem ser usa dos depois ou antes do enunciado, ou ainda intercalados nele. Dependendo da esco lha, mudar a pontuao. 62

Observe: 1 posio antes da fala separa-se por dois pontos: O professor ho e perguntou: Voc trouxe o trabalho hoje? 2 posio depois da fala la ou travesso: lgico que gosto de voc, disse-me beijando a testa. 3 separa-se por vrgula ou travesso. E quer saber, continuou ela, eu no

chamou Pedrin separa-se por v posio interc vivo sem voc.

IMPORTANTE: Ao escrever, voc dever escolher o verbo de elocuo que melhor caracterize a fala da personagem. Sendo assim, seu texto ser mais preciso. Veja alguns verbo s de elocuo: dizer, perguntar, responder, exclamar, pedir, aconselhar, ordenar. Ob serve, agora, outros mais especficos: afirmar, declarar, indagar, interrogar, ret rucar, replicar, negar, questionar, objetar, gritar, rogar, sussurrar, murmurar, balbuciar, cochichar, segredar, esclarecer, sugerir, solucionar, comentar, prop or, convidar, cumprimentar, repetir, estranhar, insistir, prosseguir, acrescenta r, concordar, consentir, anuir, intervir, repetir, berrar, protestar, contrapor, desculpar, justificar-se, rir, sorrir, gargalhar, chorar, choramingar... OBSERV AO: O uso dos verbos de elocuo no obrigatrio, podendo o narrador omiti-lo com o prop o de deixar o texto mais dinmico.

CONVERSINHA MINEIRA bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo? Sei dizer no senhor; no tomo caf. Voc o do caf, no sabe dizer? 63

Ningum tem reclamado dele no senhor. Ento me d caf com leite, po e manteiga. Caf ite s se for sem leite. No tem leite? Hoje, no senhor. Por que hoje no? Porque ho o leiteiro no veio. Ontem ele veio? Ontem no. Quando que ele vem? No tem dia cer no senhor. s vezes vem, s vezes no vem. S que no dia que devia vir, no vem. Mas ali f ra est escrito Leiteria! Ah, isto est, sim senhor. Quando que tem leite? Quando o iteiro vem. (Fernando Sabino) C) DISCURSO INDIRETO O narrador transmite com suas prprias palavras a fala da personagem. O professor chamou Joozinho e perguntou se ele sabia por que Napoleo havia perdido a guerra. A me olhou para o filho e disse pa ra que ele comesse a sopa logo... D) TROCANDO OS DISCURSOS Ao passar do discurso direto para o discurso indireto, ou vice-versa, deve-se efetuar algumas modificaes : a) Discurso direto primeira pessoa Eles perguntaram: O que devemos fazer? Disc urso indireto terceira pessoa Eles perguntaram o que deviam fazer. 64

b) Discurso direto imperativo O professor pediu Venham ao quadro. Discurso indir eto pretrito imperfeito do subjuntivo O professor pediu que fssemos ao quadro. c) Discurso direto futuro do presente A me comentou Com calma, ganhar o presente. Dis curso indireto futuro do pretrito A me comentou que com calma, ganharia o presente . d) Discurso direto presente do indicativo Ele disse Eu escrevo a carta. Discur so indireto pretrito imperfeito do indicativo Ele disse que escrevia a carta. e) Discurso direto pretrito perfeito Ele comentou No gostei daquele filme. Discurso i ndireto pretrito mais-que-perfeito. Ele comentou que no gostara do filme. E) DISCU RSO INDIRETO-LIVRE Emprega-se o discurso indireto-livre para transmitir a fala i nterior da personagem; esta fala s vezes vem misturada fala do narrador. Para que o corra o discurso indireto-livre so necessrias trs condies: a) Narrador em 3 pessoa. b) Devem ser omitidos os verbos de elocuo (disse que, pensou que...) c) O narrador d eve mostrar o que se passa na conscincia da personagem. Exemplos: Ele continuou a caminhar, mas sua vontade era voltar, pedir para que sua amada o perdoasse, para viverem como era antes. O corao batia forte. Com medo? Mas era uma briguinha tola sem maiores conseqncias. 65

Note que as primeiras frases pertencem ao narrador, no entanto as segundas so da personagem; entretanto, no h palavras que indiquem esta mudana, somente o contexto permite observ-la. Esse recurso torna a narrativa mais rpida e fluente, mostrando tambm o domnio que o narrador possui sobre sua personagem. EXERCCIOS TIPOS DE DISCURSO 1) Passe as frases para o discurso indireto: a) Ele reclamou: Devolva meu presen te! b) O chefe disse: Fiquem tranqilos, tudo acabar bem. c) A filha respondeu me: I rei voltar tarde hoje. d) A moa questionou: E se nada der certo? e) O rapaz confi rmou: Amanh seria o ltimo dia, mas o prazo foi prorrogado. f) O professor pergunto u: Quem escondeu o lpis de Joo? g) A namorada reclamou: No posso ficar mais, meu pai no gosta que chego tarde. 2) Passe para o discurso direto: a) Ela me disse que p recisava ir embora cedo. b) O mdico indagou por que no trouxeram o paciente antes para a sala de cirurgia. c) O rapaz afirmou que j era tarde e que, se no se apress asse perderia o horrio do vo. d) A professora pediu s crianas que entrassem, pois a chuva j comeara a cair. e) Ele garantiu-me que aquela manobra tinha sido necessria. f) O policial perguntou quem era a testemunha do assalto. g) A menina pediu que no a deixassem sozinha naquela casa escura. 3) Grife as passagens que apresentar em discurso indireto-livre: Nesse ponto as idias de Sinh Vitria seguiram o outro cam inho, que pouco depois foi desembocar no primeiro. No era 66

que a raposa tinha passado no rabo a galinha pedrs? Logo a pedrs, a mais gorda. De cidiu armar um mundu perto do poleiro. Encolerizou-se. A raposa pagaria a galinha pedrs. Ladrona! Pouco a pouco a zanga se transferiu. Os roncos de Fabiano eram i nsuportveis, no havia homem que roncasse tanto. (Vidas Secas, Graciliano Ramos) 4) Insira no texto, a seguir, o discurso indireto-livre: O rapaz foi ao encontro mar cado mais cedo do que a hora combinada, estava ansioso para conhecer a garota qu e apenas conversara por telefone. Achou a situao engraada, nunca marcara encontro c om quem no conhecia fisicamente. Parecia que os quinze minutos que chegou adianta do no passavam, andava de um lado para o outro, cada moa que aparecia era um frio na barriga. 5) Conte a histria a seguir de duas formas diferentes: a) com discurso direto e com verbos de elocuo b) com discurso indireto 67

6) Imagine como deve ter sido o dilogo entre Pedrinho e a Professora. Reproduza-o : 7) Leia a histria abaixo, e em seguida reescreva-a em 3 pessoa usando, tambm, o dis curso indireto-livre. Faa as alteraes necessrias. NINGUM A rua estava fria. Era sbado ao anoitecer mas eu estava chegando e no saindo. Pass ei no bar e comprei um mao de cigarros. Vinte cigarros. Eram os vinte amigos que iam passar a noite comigo. A porta se fechou como uma despedida para a rua. Mas a porta sempre se fechava assim. Ela se fechou com um som abafado e rouco. Mas e ra sempre assim que ela se fechava. Um som que parecia o adeus de um condenado. Mas a porta simplesmente se fechara e ela sempre se fechava assim. Todos os dias ela se fechava assim. Acender o fogo, esquentar o arroz, fritar um ovo. A gordu ra estala e espirra ferindo minhas mos. A comida estava boa. Estava realmente boa , embora tenha ficado quase a metade no prato. Havia uma casquinha de ovo e pens ei em pedir-me desculpas por isso. Sorri com esse pensamento. Acho que sorri. De vo ter sorrido. Era s uma casquinha. Busquei no silncio da copa algum inseto mas e les j haviam todos adormecido para a manh de domingo. Ento eu falei em voz alta. Pr ecisava ouvir alguma coisa e falei em voz alta. Foi s uma frase banal. Se houvess e algum perto diria que eu estava ficando doido. Eu sorriria. Mas no havia ningum. Eu podia dizer o 68

que quisesse. No havia ningum para me ouvir. Eu podia rolar no cho, ficar nu, arran car os cabelos, gemer, chorar, soluar, perder a fala, no havia ningum para me ver. Ningum para me ouvir. No havia ningum. Eu podia at morrer. De manh o padeiro me pergu ntou se estava tudo bom. Eu sorri e disse que estava. Na rua o vizinho me pergun tou se estava tudo certo. Eu disse que sim e sorri. Tambm meu patro me perguntou e eu sorrindo disse que sim. Veio a tarde e meu primo me perguntou se estava tudo em paz e eu sorri dizendo que estava. Depois uma conhecida me perguntou se esta va tudo azul e eu sorri e disse que sim, estava, tudo azul. (VILELA, Luiz. Tremo r de terra. 4 ed. So Paulo, tica, 1977, p. 93.) 69

CAPTULO 4 NVEIS DE LINGUAGEM Leia esta tira: Observe como o autor conseguiu um efeito humorstico alternando o nvel de linguagem nos quadrinhos; nos dois primeiros, a linguagem usada apresenta um nvel formal, seguindo a norma culta; j no ltimo, o nvel de linguagem informal, semelhante a grias usadas diariamente. Podemos, ento, definir os nveis de linguagem da seguinte mane ira: Linguagem formal: aquela que se caracteriza pela correo gramatical, riqueza d e vocabulrio, com ausncia de grias e termos regionais. Linguagem informal: aquela q ue se caracteriza pela liberdade de expresso, sem convenes gramaticais. Esse tipo d e linguagem geralmente apresenta diminutivos e aumentativos com sentido afetivo ou pejorativo; apresenta grias, regionalismos, vcios lingsticos e termos usados no d ia-a-dia. Ambos os nveis so corretos nas circunstncias adequadas. O autor, ao traba lhar o texto, dever adequar a linguagem personagem para que o texto seja verossmil , isto , parecido com a realidade. 70

Observe este exemplo: O rapaz posto para depor, o delegado olha-o com firmeza e p ergunta: O Senhor confessa que estava promovendo badernas no bar? No dot, nis tava bebendo uns birinaiti, at qui o dono dissi qui tava na hora di fech o istabelicime nto, ento nis reclamamu e ele cume a jog gua nu cho e molh os pacote di po qui eu ia r patroa, fiquei invocado i dei uns catiripapo nu vagabundo. Mas di leve. Como o senhor alega que a agresso foi, foi... de leve, o dono do bar apresentou muitos hem atomas no rosto? Ema o qu? Hematomas, escoriaes, ferimentos... Veja que o narrador u sou linguagem formal, ele sempre se utilizar dela. J as personagens usam a linguag em devida. Perceba que o delegado usou linguagem formal e o rapaz usou a linguag em informal para que o texto seja o mais prximo possvel da realidade. EXERCCIOS 1) Procure nos jornais Folha de So Paulo e Notcias Populares, que pertencem mesma empresa, duas notcias do mesmo assunto. Indique qual jornal apresenta linguagem f ormal e qual apresenta linguagem informal. Explique o porqu do uso diferente do nv el de linguagem para cada jornal. 2) Elabore uma narrao em terceira pessoa com dis curso direto envolvendo personagens que utilizam nveis de linguagem diferentes. 3 ) Escreva uma carta declarando o seu amor que h tempos voc escondia. No assine seu nome, porm deixe pistas descritivas a seu respeito. 4) Escreva uma carta ao diret or do colgio, solicitando uma sala para que seja montado o Grmio Recreativo Alunos Unidos. 71

CAPTULO 5 O TEMPO NA NARRATIVA Uma histria deve se passar num determinado tempo que pode ser cronolgico ou psicolg ico. Tempo cronolgico aquele marcado pelo relgio ou pela contagem dos dias, semana s, meses, anos. Acordei mais cedo no feriado, minha esposa viajara e levara meus filhos, fiquei s. Peguei meu chinelo velho que ela insistia em jogar fora, sentei na poltrona; acendi o cachimbo, ningum iria reclamar do cheiro, abri o jornal, l i-o em paz. Foi minha melhor manh de feriado. Tempo psicolgico no marcado por nenhum a unidade de tempo, pois refere-se ao mundo interior da personagem, s suas lembra nas, divagaes. com alegria que me lembro do antigo colgio, das estripulias, dos amigo s, dos professores, do diretor... Felipo era o meu grande amigo, paquerador emrit o, conquistava todas as garotas que desejava. Eu era tmido, calado; deliciava-me com as conquistas dele. Tinha tambm Juliana, meu primeiro amor, secreto, dolorido ; beijava-a todas as noites silenciosas, todos os dias de chuva; bastava estar s e l aparecia o rosto branco e suave de Juliana. Na classe os cabelos encaracolado s emaranhavam minha viso, ficava perdido olhando-a, at o professor me chamar e eu tomar um belo susto e servir de alvo para as brincadeiras dos colegas. Meu apeli do era Da Lua, achavam-me distrado. Mas no era; apenas sonhava com Juliana... 72

Veja o belo texto de Rubem Braga, note como o tempo trabalhado: O PADEIRO Rubem Braga

Levanto cedo, fao minhas ablues, ponho a chaleira no fogo para fazer caf e abro a po rta do apartamento mas no encontro o po costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da vspera sobre a greve do po dormido. De resto no bem uma greve, um lock-out, greve dos patres, que suspenderam o trabalho noturno ; acham que obrigando o povo a tomar seu caf da manh com po dormido conseguiro no sei bem o qu do governo. Est bem. Tomo o meu caf com po dormido, que no to ruim assim. E enquanto tomo caf vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Q uando vinha deixar o po porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para no incomodar os moradores, avisava gritando: No ningum, o padeiro! Interroguei-o um a vez: como tivera a idia de gritar aquilo? Ento voc no ningum? Ele abriu um sorriso rgo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualque r, e ouvir uma voz que vinha l de dentro perguntando quem era; e ouvir