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    Caio Navarro de Toledo

    O Governo GoulartE o Golpe de 64

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    ndice

    Um governo no entreato golpista

    O "golpe branco" ou "a soluo de compromisso"

    A crise poltico-institucional na verso parlamentarista

    Um governo no trapzio

    A politizao da sociedade esquerda e direita

    mobilizam-se

    O golpe poltico-militar

    Concluses

    Indicaes para leitura

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    Um governo no entreato golpista

    O governo Joo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o signodo golpe de Estado. Se, em agosto de 1961, o golpe militar pde

    ser conjurado, em abril de 1964, no entanto, ele deixaria de seconstituir no fantasma que rondou e perseguiu permanentemente oregime liberal-democrtico inaugurado em 1946 para se tornarnuma concreta realidade.

    No dia 25 de agosto de 1961, Jnio Quadros resignava sem aomenos completar sete meses na Presidncia da Repblica. Na carta-renncia autntica pardia e pastiche da carta-testamento deGetlio Vargas, como observaram diversos autores , Quadros noformulou uma nica razo convincente para explicar e justificar oseu teatral gesto. Se, naquele momento, a denncia do golpejanista soava como uma mera especulao, hoje restam poucas

    dvidas a esse respeito. A rigor, a renncia constitua-se noprimeiro ato de uma trama golpista. Julgava o demissionrio que osministros militares no apenas impediriam a posse de Joo Goulart,como tambm procurariam impor, juntamente com o massivo e sonoro"clamor popular", o retorno do "grande lder". Na sua fantasia,Quadros voltaria, pois, nos "braos do povo".

    As iluses do renunciante, contudo, logo se desvaneceram. Nemos ministros militares e, menos ainda, as massas populares tomaramqualquer iniciativa no sentido de reivindicar a volta de Quadros.Em vrias partes do pas, os setores populares e democrticossairiam s ruas para defender, isto sim, a posse de Joo Goulart,

    ameaada por um arbitrrio veto militar, plenamente respaldadopela UDN e demais setores conservadores. As manifestaespopulares, associadas com as de polticos democrticos e demilitares nacionalistas, conseguiram impedir o golpe militar quese configurava em agosto de 1961.

    Assim, com a diferena de poucos dias, duas tentativas degolpe se sucediam: a de Jnio Quadros e a dos setores militares.Trs anos depois, tendo sido alcanada uma forte coeso ideolgicano seio das Foras Armadas, os militares impuseram, juntamente coma significativa mobilizao poltica das classes dominantes e desetores das classes mdias, uma nova ordem poltico-institucional

    no pas. Os setores populares e democrticos, a partir de ento,pagariam um preo muito elevado pela resistncia oferecida aosgolpistas em 1961.

    Foi, portanto, no entreato de alguns ensaios golpistas e de umgolpe poltico-militar, plenamente vitorioso, que existiu ogoverno Joo Goulart. Nos seus dois anos e meio de vigncia(setembro de 1961 a maro de 1964), um novo contexto poltico-social emergiu no pas. Este novo quadro caracterizou-se por umaintensa crise econmico-financeira, freqentes crises poltico-institucionais, extensa mobilizao poltica das classespopulares, ampliao e fortalecimento do movimento operrio e dos

    trabalhadores do campo, crise do sistema partidrio e acirramentoda luta ideolgica de classes.

    Este perodo da histria poltica brasileira significativo

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    ainda pois nele se intensificam e se condensam alguns dos impassese dos conflitos da democracia burguesa. Se entendemos que ascontradies sociais so processos constitutivos da formaosocial capitalista e de seus regimes polticos, ento o perodo de1961/1964 deve ser visto como um momento privilegiado da vidapoltica brasileira posto que nele ocorreu uma polarizao

    poltica e ideolgica com dimenses inditas e com caractersticassingulares. Para os que vem nos conflitos e nos antagonismos osinal da desagregao social, os "tempos de Goulart" s podem serencarados como trgicos "tempos do caos e da anarquia".

    1964 , pois, um marco divisor e uma referncia obrigatria emqualquer avaliao sobre o passado recente. Decorridos menos de 20anos da queda do regime liberal-democrtico, no deixam de serainda conflitantes as interpretaes sobre o perodo Goulart. Anosso ver, motivaes antagnicas parecem estar presentes emalgumas dessas interpretaes. As esquerdas no obstantereconheam os reais avanos sociais e polticos ocorridos no

    perodo , buscam, fundamentalmente, investigar as razes doslimites e das impossibilidades da democracia burguesa comcaractersticas "populistas". A direita, ao definir os "tempos deGoulart" como a expresso acabada de toda a perversidade social(subverso, corrupo, crise de autoridade, desordem etc), procurajustificar a implantao do regime autoritrio e a perpetuao dopoder de Estado militarizado.

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    O "GOLPE BRANCO" OU"A SOLUO DE COMPROMISSO"

    O veto militar

    Com a renncia de Jnio Quadros, o Congresso Nacional, reunidoextraordinariamente no dia 25 de agosto de 1961, dava posse, naPresidncia da Repblica, a Ranieri Mazzilli (presidente da Cmarados Deputados). Tal soluo era encontrada em virtude de seencontrar ausente do pas o vice-presidente da Repblica, JooGoulart.

    Imediatamente, os meios de comunicao do pas passavam adivulgar verses cuja veracidade seria confirmada nos dias

    seguintes segundo as quais haveria, da parte de expressivoscrculos militares, uma forte oposio posse constitucional deJoo Goulart na Presidncia da Repblica. As notcias iam maislonge: afirmava-se que os ministros militares no apenasdesaconselhavam o retorno imediato de Goulart, como estavamdecididos a det-lo no momento em que pisasse o territrionacional. Ao mesmo tempo que difundiam estas informaes, vriosjornais da chamada grande imprensa expressando a opiniopoltica dos setores conservadores das classes dominantes conclamavam as Foras Armadas a assumirem um papel decisivo nacrise poltica que se configurava com a renncia de Jnio Quadros.

    Em outras palavras, tais setores estimulavam e apoiavam o golpemilitar.

    No dia 28 de agosto, atravs do presidente-interino, os trsministros militares buscaram impor ao Congresso a aprovao de umabreve nota onde sem qualquer justificativa era vetada a possede Goulart. Por uma expressiva maioria, os congressistasmanifestaram-se contra aquela arbitrria e ilegal exigncia. Nodia 30, os ministros militares voltariam carga. Atravs de ummanifesto nao, agora se dignavam a explicitar as razes doveto a Joo Goulart. A certa altura, afirmava o documento: "NaPresidncia da Repblica, em regime que atribui ampla autoridade e

    poder pessoal ao chefe do governo, o sr. Joo Goulart constituir-se-, sem dvida alguma, no mais evidente incentivo a todosaqueles que desejam ver o Pas mergulhado no caos, na anarquia, naluta civil". Todas estas "previses" eram feitas na base dopassado poltico de Goulart. Na tica dos militares e dos demaissetores civis golpistas, Jango simbolizava tudo aquilo que haviade "negativo" na vida poltica brasileira: demagogo, subversivo eimplacvel inimigo da ordem capitalista. Seria o "diabo" tovermelho como o pintavam?

    Goulart: por um capitalismo "humano" e "patritico"

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    Nos primeiros anos de sua rpida trajetria poltica, osestreitos laos de amizade mantidos com o ex-ditador seu vizinhode estncia na longnqua So Borja (RS) transformavam Goulart emfigura altamente suspeita aos olhos dos setores antigetulistas.Como deputado pelo Rio Grande do Sul, eleito em 1950, Goulartsofreu contundentes ataques pela imprensa; esteve seriamente

    ameaado de perder o mandato parlamentar, pois raramente compa-recia Cmara Federal. Dedicava-se s suas tarefas de presidentedo Diretrio Estadual do PTB e, desde ento, orientava toda a suaao poltica em direo ao movimento sindical. Destacando-seneste tipo de atividade, foi escolhido, em 1953, por Vargas, parao cargo de ministro do Trabalho.

    Foi um "deus nos acuda". Como admitir, num Ministrio doEstado, indagavam os setores de direita e liberais conservadores,o "chefe do peronismo brasileiro", o "demagogo sindicalista", o"corrupto negociante"? Pior ainda, prognosticavam: controlando emanipulando a classe operria e as massas populares, a partir do

    Ministrio do Trabalho, Jango se constituiria numa pea importantepara o sucesso de um novo golpe de Estado que estaria sendoengendrado pelo "maquiavlico" Vargas.

    Como ministro do Trabalho, Goulart diariamente acusado deinsuflar greves e de pregar a luta de classes. Seu maior sonho,afirmam ainda seus crticos, seria o de implantar no Brasil a"Repblica sindicalista" nos moldes do justicialismo peronista.Fazendo blague, mas iradamente, um influente peridico das classesdominantes denunciava que Jango, ao invs de ser ministro doTrabalho, transformara-se num autntico "ministro dosTrabalhadores"... Diante desta lamentao, a resposta de Goulart

    seria extremamente elucidativa. Numa entrevista, expressou commuita clareza a estratgia do Estado democrtico-burgus quanto questo sindical: "(...) essa confiana do proletariado nasecretaria de Estado que dirijo deveria constituir-se num motivode tranqilidade (para os patres), e nunca de alarme. Pretender-se-ia, talvez, que o operariado brasileiro, j to desencantado,

    no acreditasse nos poderes constitucionais?" (grifo nosso).Como herdeiro de imensa fortuna pessoal e grande proprietrio

    de terras ("um latifundirio com saudvel instinto de propriedadeprivada", como afirmou um de seus colaboradores), Goulart era, talcomo seus crticos de direita, um fiel defensor do capitalismo. No

    entanto, asseverava ele, sua diferena em relao a estes residiana sua aspirao a um capitalismo mais "humanizado" e"patritico"; ou seja, Jango dizia opor-se quilo que hoje se con-vencionou chamar de "capitalismo selvagem". "No passa de torpeintriga o boato de que sou contra o capitalismo. frente doMinistrio do Trabalho estou pronto a estimular e a aplaudir oscapitalistas que fazem de sua fora econmica um meio legtimo deproduzir riquezas, dando sempre s suas iniciativas um sentidosocial, humano e patritico."

    Pouco mais de oito meses permaneceria no Ministrio doTrabalho do segundo governo Vargas. Enquanto Goulart defendia

    publicamente um aumento de 100% para os trabalhadores que ganhavamsalrio mnimo, Vargas, atravs de seu ministro da Guerra, tomavaconhecimento de um documento ("Memorial dos Coronis") assinado

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    por 81 oficiais do Exrcito. Nele se advertia o Exrcito e a Naodos perigos do "comunismo solerte sempre espreita", do "clima denegociata, desfalques e malversao de verbas", da "crise deautoridade" que solapava a coeso de "classe militar" etc. Emnenhum instante o nome de Jango era citado no "Memorial", mas aconseqncia da sua divulgao pela imprensa foi a sua imediata

    demisso do Ministrio do Trabalho. (Entre os signatrios dodocumento, redigido pelo ento ten.cel. Golbery do Couto e Silva,estavam militares que, dez anos mais tarde, afastariam Goulartdefinitivamente da vida poltica brasileira: Amaury Kruel, SyzenoSarmento, Slvio Frota, Ednardo D'vila, Euler Bentes, etc.)

    Como vice-presidente da Repblica, durante o qinqniodesenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, Joo Goulart nodeixaria de estar sob o fogo cerrado da direita e de setoresliberais-conservadores. No manifesto de agosto de 1961, osministros militares alinhavam algumas acusaes: "No cargo device-presidente, sabido que usou sempre de sua influncia em

    animar e apoiar, mesmo ostensivamente, manifestaes grevistaspromovidas por conhecidos agitadores. E, ainda h pouco, como re-presentante oficial em viagem URSS e China Comunista, tornouclara e patente sua incontida admirao ao regime destes pases,exaltando o xito das comunas populares".

    Desta forma, na tica dos polticos e militares, comprometidoscom as ideologias liberal-conservadora e de direita, de nadaadiantava Goulart reiteradamente afirmar a sua crena nocapitalismo. Deixavam, pois, de reconhecer que a atuao polticade Jango (seja na condio de ministro de Trabalho, seja na device-presi-dente) contribua objetivamente para um melhor controle

    do Estado burgus sobre as atividades sindicais. Igualmente,aqueles setores deixavam de perceber que tal como concebia eexercia suas funes polticas e administrativas Jango era umaeficiente porta-voz, nos meios sindicais e populares, da ideologiapopulista do Estado protetor e "acima das classes". Obstinadamentereacionrios e intransigentemente anticomunistas, no conseguiamdeixar de representar Jango na figura de "perigoso agitador" e de"demagogo sindicalista".

    A luta pela legalidade

    Nem todos os setores sociais e polticos, no entanto,interpretavam nessa direo a trajetria poltica de Joo Goulart.No viam, pois, razes para lhe negar o direito de assumir aPresidncia da Repblica. Ideologicamente, estes setores afinavam-se com o nacionalismo reformista, com a liberal-democracia, com aesquerda revolucionria. Governadores de estados, parlamentaresfederais e estaduais, sindicatos de trabalhadores, entidades deempresrios (CONCLAP), estudantes e alguns setores militares, semanifestavam em defesa da ordem constitucional.

    Dos governadores estaduais que declararam seu apoio posse deGoulart (Carvalho Pinto, So Paulo; Ney Braga, Paran; MauroBorges, Gois e Leonel Brizola, Rio Grande do Sul), foram estes

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    dois ltimos os que mais intensamente se empenharam na" "defesa dalegalidade". Contudo, foi a partir de Porto Alegre que se unificoua oposio nacional ao golpe militar, em virtude da decidida aopoltica de seu governador e da adeso do III Exrcito, sob ocomando do gal. Machado Lopes. Brizola mobilizou amplos recursosde seu estado, chegando, inclusive, a se dispor a distribuir armas

    populao civil para combater eventuais ataques das forasgolpistas. Atravs das emisses da "Rede da Legalidade",acompanhava-se o desenrolar dos acontecimentos em todo o pas earticulava-se o movimento antigolpista em nvel nacional.

    Militares nacionalistas (o mal. Lott fora preso por terlanado um manifesto contra o golpe), altos-oficiais do Exrcito,organizaes militares sediadas nos estados do Par, Minas Gerais,Rio Grande do Sul, So Paulo, Gois, Guanabara e at mesmo emBraslia, almirantes, associavam-se ao movimento contra a soluoconspiratria. Apesar de proibidas e reprimidas, manifestaespopulares sucediam-se nos grandes centros urbanos (passeatas,

    comcios, panfletagem etc). Vrias entidades de classe condenavamos golpistas e defendiam a posse de Goulart. Inmeras grevespolticas em diversos setores (txtil, transportes, bancrios,metalrgicos, porturios, etc.) culminam numa greve nacional em"defesa da legalidade", deflagrada pelo Comando Geral da Greve(CGG), embrio do CGT. A UNE decretou "greve nacional"; na Bahiaos estudantes criavam a Frente de Resistncia Democrtica.

    A "soluo de compromisso"

    O Congresso Nacional, expressando o sentimento geral dossetores democrticos e populares, negava-se, no primeiro momento,a transigir com os golpistas. Contudo, os dois grandes partidosconservadores (UDN e PSD) articulavam, desde as primeiras horas dacrise, a chamada "soluo de compromisso": a emenda constitucionalque institua o regime parlamentarista no Pas. Se o golpe militarera derrotado, um golpe poltico, no entanto, era perpetradocontra o regime vigente, pois a carta de 1946 proibia,taxativamente, toda e qualquer reforma constitucional num climainsurrecional. Um outro significado deste "golpe branco" que a

    emenda parlamentarista retirava a eleio do presidente daRepblica do mbito popular, transferindo-a para o espao reduzidoda Cmara Federal.

    Por 236 votos a favor e 55 contra (40 eram do PTB), a emendaconstitucional era aprovada no Congresso Nacional. Oscongressistas julgavam-se vitoriosos, pois afirmavam ter evitadouma "guerra civil" no pas. Na verdade, o Congresso, atravs desua maioria conservadora e liberal-democrata com o incentivo dosmilitares dissidentes e com a anuncia dos golpistas , adiantou-se em oferecer tal soluo, pois o avano das foras popularespassava a se constituir numa ameaa poltica indesejvel. Para os

    idelogos burgueses da Cincia Poltica, o Congresso Nacional,neste episdio, dava uma excelente lio daquilo que denominam de"realismo poltico" ou da "arte de conciliao".

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    Alguns analistas afirmam, hoje, que o parlamentarismo no seconfigurava, naquela conjuntura, como uma sada polticainescapvel. Argumentam que o tempo corria na direo favorvel manuteno do regime presidencialista, posto que o crescimento daparticipao popular e a ampliao dos setores polticos emilitares antigolpistas punham na defensiva e em minoria as foras

    reacionrias. Como sugere o ex-deputado Almino Afonso: "Com maisalguns dias de resistncia poltica do presidente Joo Goulartteria havido a soluo normal, que seria a sua posse dentro dosistema presidencial". Ao contrario disso, Joo Goulart no apenasconcordou com a emenda constitucional, como se apressou em esco-lher uma solene efemride nacional para ser empossado. No dia 7 desetembro de 1961, Joo Belchior Marques Goulart recebia noCongresso Nacional a faixa presidencial, sob o manto do regimeparlamentarista.

    De acordo com a emenda parlamentarista, o Poder Executivopassava a ser exercido pelo presidente da Repblica e por um

    Conselho de Ministros (Gabinete Parlamentar), a quem caberia a"direo e a responsabilidade da poltica do governo, assim como aadministrao federal". Ao presidente competiria nomear opresidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro) ou chefedo governo e, por indicao deste, os demais membros ministros deEstado. Na verdade, transformava-se o presidente da Repblica emautntico chefe de Estado, perdendo a sua iniciativa de elaborarleis, orientar a poltica externa, elaborar propostas deoramentos, etc. O governo se efetivava fundamentalmente atravsdo Conselho de Ministros que, por sua vez, dependiapermanentemente do voto de confiana do Congresso Nacional. A

    emenda constitucional n 4, nas suas Disposies Transitrias,previa a realizao de um plebiscito que viesse a decidir acercada "manuteno do sistema parlamentar ou volta ao sistemapresidencial". Tal consulta popular devia ocorrer nove meses antesdo trmino do perodo presidencial de Goulart.

    Sob rdeas relativamente curtas, Joo Goulart iniciava, assim,seu governo na verso parlamentarista. Mas, conforme confessaria aum assessor, faria ele de tudo para abreviar a vida do novoregime. Recusava-se a representar o papel de uma "RainhaEhzabeth". Queria governar, no apenas reinar...

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    A CRISE POLlTICO-INSTITUCIONALNA VERSO PARLAMENTARISTA

    Na curta existncia do regime parlamentarista (setembro de

    1961 a janeiro de 1963), o pas veria sucederem-se trs Conselhosde Ministros, alm de se defrontar com o agravamento de suasituao econmico-financeira e se debater ainda com novas crisespoltico-institucionais. Administrativamente ineficiente epoliticamente invivel, o parlamentarismo sistema natimorto,como alguns o denominaram teria os seus dias contados dentro davida republicana brasileira.

    Do ponto de vista econmico, o governo parlamentarista noapenas herdava as profundas distores da polticadesenvolvimentista do governo Kubitschek como tambm tinha defazer face s conseqncias imediatas das medidas econmico-

    financeiras postas em prtica pela fracassada administraoQuadros. No perodo Kubitschek, ao se optar por um elevado nvelde investimentos e ao se manter as importaes de equipamentosnecessrios ao desenvolvimento econmico, apelou-se para um pro-gressivo endividamento externo. No perodo 1956/60, mostram osdados oficiais, o dficit nas transaes correntes (mercadorias eservios) alcanou a elevada cifra de 1,2 bilhes de dlares. Deoutro lado, "como o investimento externo fazia-se com a regalia daInstruo 113, isto , sem cobertura cambial, o atendimento dodficit fez-se, principalmente, atravs de emprstimos a curtoprazo e de atrasos comerciais, aumentando o endividamento externo"

    (Cibilis Viana, Reformas de Base e a Poltica Nacionalista deDesenvolvimento). A taxa inflacionria elevou-sesignificativamente nos ltimos anos do governo Kubitschek,agravada fundamentalmente pela "deteriorao das relaes detroca, acmulo de estoques invendveis de caf adquiridos pelasautoridades monetrias; crescimento insuficiente da oferta de pro-dutos agrcolas e oligopolizao do comrcio atacadista de gnerosalimentcios" (Idem, ibidem). No perodo desenvolvimentistaanterior, houve um acentuado descompasso entre o crescimento dosetor industrial e o da agricultura. Ainda segundo o autor acima,"a produo agrcola apresentou a taxa anual mdia de crescimento

    de 4,3% inferior a de todos os demais perodos". Com o aumento dapopulao urbana (75% entre 1952 a 1961) e um aumento do poder decompra dos assalariados em geral, houve, conseqentemente, aexpanso da demanda de alimentos. Com o insuficiente crescimentoda produo agrcola para o mercado interno, passaram a ocorrer, apartir de 1961, agudas crises de abastecimento, gerandoinquietaes sociais e movimentos reivindicatrios de grandeextenso nos campos e nas cidades.

    Alm desses problemas, o governo que se empossava tinha deenfrentar as graves conseqncias da reforma cambialprecipitadamente realizada por Quadros. Atravs da famigerada

    Instruo 204 da SUMOC, instituiu-se o regime de liberdade cambial(enganosamente denominado de "verdade cambial"). A partir deagora, as importaes passavam a ser realizadas a taxas de mercado

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    livre, ficando suprimidos os subsdios governamentais s comprasde petrleo, trigo e papel. Na justificativa oficial, buscava-sealcanar o equilbrio das transaes com o exterior, altamentecomprometido no governo Kubitschek. A eliminao dos subsdiosteve como conseqncia uma brusca e imediata alta do custo devida, particularmente daqueles produtos que eram fundamentais no

    oramento das classes trabalhadoras.

    Um gabinete de "unio nacional"

    No dia 8 de setembro de 1961, o Congresso Nacional aprovava oprimeiro Conselho de Ministros; era ele presidido por TancredoNeves, conhecida figura do PSD mineiro. Goulart e Tancredo denomi-naram o gabinete de "unio nacional". Uma vez mais, pois, afrmula da "unio nacional" era desenterrada do arsenal ideolgico

    das classes dominantes a fim de encobrir a existncia de conflitose antagonismos no interior da conjuntura poltica. Na verdade, oprimeiro gabinete representava uma ntida derrota do movimentopopular que, alguns dias antes, havia empolgado o pas. Como asesquerdas viriam a denunciar, tratava-se de um autntico "gabinetede conciliao": "conciliao para evitar que fossem colhidos osfrutos da vitria popular. Conciliao com os imperialistas,conciliao com os golpistas" (Paulo M. Lima, in RevistaBrasiliense, n 22).

    A vitria das foras politicamente conservadoras do Congressoevidenciava-se mediante a composio do Gabinete, onde 4 ministros

    representavam o PSD e 2 a UDN; ao partido do qual o presidente daRepblica era o presidente nacional, PTB, coube apenas uma pasta:o Ministrio das Relaes Exteriores, na figura de Francisco SanTiago Dantas. O importante Ministrio da Fazenda teve sua respon-sabilidade entregue ao banqueiro Walter Moreira Salles ideologicamente identificado com os manuais ortodoxo-conservadoresem matria de poltica econmico-financeira. Procurava-se, assim,conquistar o apoio do FMI e das autoridades financeiras norte-americanas.

    Em matria de poltica econmica, pode-se afirmar que "oprograma do Conselho de Ministros obedecia aos mesmos princpios

    conservadores enunciados nos efmeros governos Caf Filho e JnioQuadros, revelando-se, sob muitos aspectos, antagnicos ao ideriodo nacionalismo desenvolvimentista" (Cibilis Viana, op. cit.).Segundo este programa, por exemplo, no se fazia nenhuma crtica reforma cambial implementada pelo governo anterior. No seriaeste, no entanto, o pensamento que orientava a assessoriaeconmica de Goulart (Goulart e Tancredo tinham assessoriasdistintas). Composta de petebistas e nacionalistas-reformistas, aassessoria de Goulart buscaria influir sobre a orientao conser-vadora do gabinete ao defender, por exemplo, o fortalecimento dosetor estatal da economia. Nos seus primeiros pronunciamentos,

    Goulart faria crticas ao regime de "verdade cambial" e postulariaa realizao das Reformas de Base.

    Embora majoritariamente conservador, o gabinete de Tancredo

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    Neves, logo nos seus primeiros meses de existncia, tomou duasdecises amplamente apoiadas pelos setores progressistas e nacio-nalistas. A rigor, contudo, estas duas medidas nada mais faziam doque concretizar estudos oriundos do governo Quadros. Por propostado ministro das Minas e Energia, Gabriel Passos (um nacionalistaquase solitrio na "constelao entreguista" da UDN), o Conselho

    de Ministros cancelava todas as autorizaes feitas ao trustenorte-americano Hanna Corporation (companhia de minerao queexplorava jazidas em Minas Gerais). A outra deciso que repercutiufavoravelmente nos meios progressistas do pas foi orestabelecimento das relaes diplomticas com a URSS (rompidas nogoverno Dutra, em plena "guerra fria"). Dava-se, assim,continuidade poltica externa independente cujos princpiosbsicos ("no interveno de um Estado nos negcios internos deoutro" e "autodeterminao dos povos") foram enunciados no governodo contraditrio Jnio Quadros.

    Exatamente dois meses depois, uma prova decisiva teria de

    enfrentar a poltica externa independente do Brasil. Em Punta DelEste, Uruguai, reunia-se a Organizao dos Estados Americanos(OEA) a fim de debater a situao de Cuba, aps seu governorevolucionrio ter-se definido oficialmente pelo socialismo. Almda expulso, proposta pelos EUA, pretendiam estes fazer aprovarsanes contra o governo presidido por Fidel Castro. O Brasil seops a qualquer forma de sano (militar, econmica, rompimentodas relaes comerciais e diplomticas) contra Cuba. No entanto,aprovou uma declarao onde se afirmava a "incompatibilidade entreum regime marxista-leninista e os princpios democrticos dosistema interamericano". Cedendo parcialmente s fortes presses

    norte-americanas, o governo brasileiro se absteria na votao quepropunha a expulso de Cuba da OEA.

    As relaes norte-americanas/brasileiras sofreriam ainda umsrio abalo quando, duas semanas aps o encerramento da reunio daOEA, o governador Leonel Brizola, cunhado de Joo Goulart, de-sapropriou os bens da Companhia Telefnica Nacional, no Rio Grandedo Sul, subsidiria da International Telephone & Telegraph (ITT)."O Departamento do Estado protestou, energicamente, classificandoo ato de Brizola como um 'passo atrs' nos planos da Aliana parao Progresso (...) E o Congresso dos EUA, diante da perspectiva deoutras estatizaes, votou a emenda Hinckenlooper, que determinava

    a suspenso de qualquer ajuda aos pases que desapropriassem bensamericanos, sem indenizao imediata, adequada e efetiva" (MonizBandeira, O Governo Joo Goulart).

    Diante de futuras tentativas de encampaes (Carlos Lacerda,governador da Guanabara, anunciou demagogicamente queexpropriaria empresas estrangeiras em seu estado), o governofederal apressou-se em declarar sua disposio em negociar umacordo geral com as empresas de servios pblicos de propriedadeestrangeira. Procurava, assim, o governo brasileiro demonstrar sua"boa vontade" face ao capital estrangeiro; ao mesmo tempo tentavalimpar o terreno dos possveis obstculos que poderiam dificultar

    as conversaes a serem mantidas, nas semanas seguintes, entre ospresidentes do Brasil e dos EUA.

    Assessorado pelo embaixador brasileiro nos EUA, Roberto

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    Campos, e por Moreira Salles, o presidente Goulart no discursopronunciado perante o Congresso norte-americano e no comunicadoconjunto dos presidentes do Brasil/EUA procura tranqilizar aopinio pblica e os homens de negcios norte-americanos quantoaos caminhos a serem trilhados pelo governo brasileiro nosprximos anos. Entre outros temas, Goulart manifestou a adeso de

    seu governo aos "princpios democrticos"; defendeu enfaticamentea participao do capital privado estrangeiro no desenvolvimentobrasileiro; aprovou o princpio da "justa compensao" nos casosde desapropriaes de empresas estrangeiras operando no Brasil,etc. Embora revelasse preocupaes quanto s dificuldades deexecuo do programa reformista da Aliana para o Progresso,Goulart elogiou a iniciativa de Kennedy (provocada pela RevoluoCubana). Advertindo sobre os perigos que representaria o fracassodeste programa para os "povos democrticos", o presidentebrasileiro fez seu o iderio reformista de Kennedy: "Aqueles quetornarem impossvel a revoluo pacfica, faro inevitvel a

    revoluo violenta".Apesar de todas as "juras de fidelidade e de amor" feitas porGoulart democracia e ao capital estrangeiro, o pas poucolucraria com a festejada viagem de Goulart aos EUA e Mxico. Comoobservou um estudioso: "(...) o FMI e os outros principaiscredores do Brasil voltaram sua atitude de esperar-para-ver dosltimos anos do governo Juscelino. Sentiam-se pessimistas. Noconfiavam em que Jango tivesse o desejo, nem o poder de continuaro duro programa antiinflacionrio empreendido por Jnio" (ThomasSkidmore, De Getlio a Castelo).

    A campanha das Reformas. Goulart X Gabinete

    Internamente, a viagem de Goulart aos EUA rendeu-lhe algunsproveitos; pela primeira vez, em toda a sua carreira poltica, adireita mais conservadora prestou-lhe homenagens. A UDN, atravsde seu lder na Cmara, Herbert Levy, saudou a sua performance nosEUA como a de um verdadeiro estadista. Porm, muito curto seria operodo de trguas que a oposio conservadora concederia aogoverno de Goulart. A partir do dia 1 de maio, a guerra novamente

    lhe seria declarada.Em reiteradas oportunidades, o presidente da Repblica tinha

    se pronunciado acerca da urgncia de o Executivo e de o Congressoaprovarem as reformas estruturais exigidas para a superao dosgraves problemas econmicos, sociais e institucionais enfrentadospelo pas. No obstante se pudesse afirmar que era praticamenteconsensual no Gabinete, no Congresso, nas Foras Armadas, nasassociaes e confederaes rurais, na Igreja, nas organizaes detrabalhadores rurais, etc. o reconhecimento da necessidade daReforma Agrria, as concepes acerca do seu sentido social epoltico, da sua extenso e das pr-condies legais sua

    realizao eram conflitantes. No seu discurso de 1 de maio, emVolta Redonda, Goulart chamou sobre si a fria dos conservadores.Embora no explicitamente, Jango se ops forma moderada e

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    conciliadora pela qual o gabinete de Tancredo Neves vinhaencaminhando o debate do anteprojeto de Reforma Agrria de autoriado ministro da Agricultura, o conhecido usineiro pernambucanoArmando Monteiro (PSD). Apesar de ter criado importantesassessorias tcnicas (Superintendncia da Reforma Agrria, SUPRA,e o Conselho Nacional de Reforma Agrria), o primeiro gabinete no

    chegou a enviar nenhum projeto de Reforma Agrria ao Congresso.A rigor, o que provocou a violenta reao dos setores dedireita foi o apelo do presidente ao Congresso no sentido de esterealizar uma reforma da Carta de 1946. A reforma constitucionalreivindicada por Goulart visava basicamente a alterar o 16 doArt. 141 que condicionava as desapropriaes de terra "prvia ejusta indenizao em dinheiro". A vigncia de tal preceitoconstitucional, na prtica, impedia pelos altos recursos a seremdespendidos pelo governo a realizao de uma Reforma Agrria queimplicasse uma ampla redistribuio de terras queles que nelaefetivamente trabalhavam. Diante da proposta do presidente da

    Repblica, unem-se proprietrios rurais, setores da Igreja,congressistas liberais e conservadores, imprensa etc, paradenunciar a "reforma agrria radical" cogitada, segundo eles, porGoulart. Na tica desses grupos, a "revoluo agrcola" deveria sefixar na "obedincia aos preceitos constitucionais aliada aointeresse prioritrio pelo estmulo produo" (Aspsia Camargo,"A Questo Agrria", in Brasil Republicano).

    Como observou a autora acima, o discurso de Volta Redonda podeser considerado como um importante marco poltico: seja porquerepresentou o primeiro esforo concentrado do governo em torno darealizao das Reformas de Base (o segundo momento dessa campanha

    ocorreria a partir de abril de 1963), seja porque significou oafastamento poltico do presidente da Repblica face ao Conselhode Ministros e ao regime parlamentarista propriamente dito.Reconhece-se, tambm, nessa data, o incio da intensificao daluta pela antecipao do Plebiscito.

    Sem o apoio do presidente da Repblica, o Gabinete TancredoNeves tinha os seus dias contados. Sob o pretexto de terem decumprir a exigncia legal de desincompatibilizao funcional a fimde poderem concorrer s eleies de outubro de 1962, todos osmembros do Gabinete Tancredo pediram demisso em junho.

    As crises de Gabinete

    A formao do 2 gabinete parlamentarista implicou umacomplicada batalha poltica para o presidente Goulart. Os doisgrandes partidos conservadores do Congresso, PSD e UDN, uniam suasforas para rejeitar o nome do petebista San Tiago Dantas,indicado por Jango para presidir o novo gabinete. As razes darecusa eram evidentes: San Tiago, que fazia parte da chamada"esquerda positiva", notabilizara-se, nos meses anteriores, pela

    conduo da poltica externa independente. O febril anticomunismoda direita brasileira jamais poderia perdoar-lhe o reatamento dasrelaes diplomticas do Brasil com a URSS; igualmente, a sua

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    intransigente oposio, dentro da OEA, a qualquer sano contraCuba socialista lhe valeria a pecha de "traidor da ptria", porparte dos setores conservadores. Alm do mais, era um elemento daestrita confiana de Goulart, estando, pois, inteiramentesolidrio na luta que este movia contra o parlamentarismo e afavor das reformas de base.

    Sendo forado a buscar apoio no PSD, Goulart apresentou umoutro candidato: Auro Soares de Moura Andrade, presidente doSenado. No entanto, esta deciso desagradou as lideranassindicais comprometidas com a luta pelas Reformas e que, desde oms de junho, vinham defendendo a formao de um "Conselho deMinistros nacionalista e democrtico". Diante da negativa face aonome de San Tiago e da eminente aprovao do Conselho de Ministrosa ser chefiado pelo conservador Moura Andrade, o Comando Geral daGreve (CGG) decretou uma greve geral em todo o pas para o dia 5de julho. No dia anterior, porm, o senador do PSD desistia da suaindicao a primeiro-ministro. Apesar da renncia de Moura Andrade

    e dos insistentes apelos de Jango, a greve foi mantida. NaGuanabara, estado onde se concentrou praticamente todo o movimentoparedista, os militares do I Exrcito sob o comando do generalnacionalista Osvino Alves colaboraram com os grevistas; nocederam veculos de seu uso para transporte pblico e tambmparticiparam das negociaes para a libertao dos lderessindicais reprimidos pela polcia do reacionrio governador daGuanabara, Carlos Lacerda (S. Amad Costa, CGT e as Lutas SindicaisBrasileiras). A greve considerada pelo lder comunista JoverTelles como a maior da histria do movimento operrio brasileiro foi igualmente vitoriosa pelo fato de o presidente Goulart

    sancionar, uma semana depois, a lei que instituiu o 13 salrio,uma das principais reivindicaes da greve geral.

    O novo gabinete, presidido por Brochado da Rocha (PSD),recebia voto de confiana no dia 13 de julho. Tratava-se de umgabinete de centro com orientao reformista. Nos seus dois curtosmeses de existncia, este conselho distinguiu-se basicamente porduas iniciativas polticas. A primeira consistiu num projeto delei enviado ao Congresso visando antecipar a realizao doPlebiscito; propunha-se o dia 7 de outubro, data marcada para aseleies da renovao do Congresso e escolha de alguns gover-nadores de estado. Nova derrota de Goulart e do gabinete; nova

    greve geral seria decretada pelas lideranas sindicais. Emborativesse uma extenso menor do que a anterior, a greve foiigualmente vitoriosa pois, na madrugada de 15 de setembro (datafixada para a paralisao dos trabalhadores), o Congresso aprovouum projeto conciliador dos pessedistas Gustavo Capanema e BeneditoValadares. O Plebiscito, finalmente, tinha agora seu dia definido:6 de janeiro de 1963. No entanto, a greve no reivindicava apenasa convocao do referendum popular; exigia, tambm, a sano daLei de Remessa de Lucros (aprovada pelo Congresso mas ainda noregulamentada pelo Executivo), a elevao dos nveis de salriomnimo na base de 100%, etc. Posto que o governo prometeu realizar

    estudos no sentido de atender quelas reivindicaes, o ComandoGeral do Trabalhadores (CGT), recentemente criado, suspendia agreve.

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    A segunda importante iniciativa do Gabinete Brochado da Rochaconsistiu numa mensagem enviada ao Congresso na qual se solicitavaa autorizao deste para que o Conselho de Ministros pudesselegislar, atravs de decretos, sobre as Reformas de Base, remessade lucros, regulamentao do direito de greve, abuso do podereconmico, etc. Expressando os interesses dos proprietrios e das

    associaes rurais, bem como da burguesia associada ao capitalmultinacional, a aliana PSD/UDN fechava a questo contra a"delegao de poderes" pedida pelo gabinete. Prevendo a iminentederrota no plenrio do Congresso, Brochado da Rocha demitiu-se.Desta forma, o Congresso cedia quanto convocao do Plebiscito,mas a sua maioria no abriria mo de sua condio de intransigentedefensora dos interesses das classes proprietrias e dos setorespoliticamente conservadores e de direita. Uma vez mais, Brizola seencarregaria de expressar a insatisfao dos movimentos popularese das correntes polticas nacionalistas e de esquerda: "O povo nopoderia esperar outra coisa de um Congresso constitudo, em sua

    maioria, de latifundirios, financistas, ricos comerciantes eindustriais representantes da indstria automobilstica,empreiteiros e integrantes da velha oligarquia brasileira" (apudM. Victor, 5 Anos que Abalaram o Brasil).

    A campanha do plebiscito

    O terceiro e ltimo Conselho de Ministros, presidido pelo ex-ministro do Trabalho, Hermes Lima, duraria pouco mais de 4 meses.

    A rigor, a partir de meados de setembro de 1962, o comando doExecutivo passava praticamente para as mos do presidente daRepblica. Como viria a assinalar mais tarde o ltimo premier dogoverno parlamentarista: "Vivia-se no pas uma atmosfera maispresidencialista que parlamentarista" (Hermes Lima apud M.Bandeira, op. cit). Nesse sentido, deve-se reconhecer que oGabinete provisrio oficialmente empossado dois meses depois estava inteiramente solidrio com o mais importante objetivopoltico perseguido por Goulart naquele momento: articular asforas polticas e sociais do pas a fim de derrotar oparlamentarismo na eleio plebiscitria de 6 de janeiro.

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    Pode-se afirmar que este gabinete esteve inteiramenteenvolvido com a campanha do Plebiscito. Excluda a direita maisardorosamente anticomunista e antijanguista (a maioria da UDNIPES/ IBAD, imprensa conservadora, etc), poucos "moveram umapalha" em defesa do parlamentarismo. Em contrapartida, inmeras

    foram as entidades e organizaes que se empenharam na batalhapoltica pelo retorno do presidencialismo. Importantes figuras po-lticas nacionais (algumas delas particularmente interessadas emse candidatar, em eleies diretas, para a sucesso presidencialde Jango) apoiaram ostensivamente a derrubada do regimeparlamentarista. Entre eles se incluam Juscelino Kubitschek,Leonel Brizola, Cid Sampaio, Magalhes Pinto, Juraci Magalhes eCarlos Lacerda (a UDN, partido dos trs ltimos, defendia amanuteno do parlamentarismo).

    Durante a campanha do Plebiscito, importantes figuras daoficialidade militar posicionaram-se a favor da volta do

    presidencialismo. Poucas razes igualmente tinham os trabalhadorespara apoiarem o regime parlamentarista. Nas ltimas semanas de1962, a CNTI (Confederao Nacional dos Trabalhadores naIndstria) conclamava os trabalhadores brasileiros a comparecer aoreferendum: "Todos, no, dia 6 de janeiro de 1963, assinalem o NO:NO espoliao do pas; NO aos exploradores do povo; NO carestia e fome. Portanto, companheiro, um NO grande aoparlamentarismo". A rigor, para os trabalhadores, a luta pelaretomada do presidencialismo significava, simplesmente, dar um"voto de confiana" ao presidente da Repblica que vinhadefendendo publicamente a realizao de reformas fundamentais na

    estrutura da sociedade brasileira. No dia 6 de janeiro de 1963,depois de uma intensa e dispendiosa campanha poltico-publicitriacontra o regime parlamentarista comandada por Goulart efinanciada por setores da burguesia brasileira , cerca de 13milhes de eleitores compareciam s urnas. Numa proporo de 5votos para 1, rejeitava-se o regime implantado na crise poltico-militar de agosto de 1961.

    O regime parlamentarista fracassou pois se revelou altamenteineficaz do ponto de vista administrativo, como tambm pelo fatode ter-se constitudo numa fonte permanente de crisesinstitucionais e polticas. O carter hbrido e dualista do

    sistema o presidente da Repblica e o Conselho de Ministros,alm de disputarem o controle do Executivo, divergiam quanto aosseus programas e prioridades de governo dificultava a tomada dedecises que a realidade econmica e social do pas urgentementedemandava. No se sustentam, pois, aquelas interpretaes queatribuem exclusivamente "m vontade" ou ao "desinteresse" deGoulart a responsabilidade pela "triste sorte" que veio a ter oparlamentarismo no pas. Ressalte-se que o gabinete presidido porBrochado da Rocha buscou agilizar as decises no campoadministrativo e econmico; mas as Reformas de Base e outrasmedidas que estavam previstas para serem implementadas esbarraram

    na intransigente oposio da aliana PSD/UDN. O Congresso queencerrava a sua legislatura em 1962, sendo majoritariamenteconservador, constituiu-se, assim, num forte obstculo ao

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    encaminhamento de polticas de carter reformista oriundas doExecutivo (seja da Residncia da Repblica, seja do Gabinete).

    Na crise poltico-militar de agosto de 1961, os dois maiorespartidos conservadores apressaram-se em instituir no pas umregime que lhes permitiria deter maiores possibilidades para ocontrole do Executivo. Como vimos, em certa medida, foram bem-

    sucedidos nesse intento, pois conseguiram impor limites ebarreiras ao do Executivo reformista reconhecidamente maiseficazes do que aqueles tradicionalmente utilizados em regimepresidencialista. No entanto, o parlamentarismo forjado a toquede clarim e em ritmo marcial no resistiu s inmeras crisespolticas que seu funcionamento provocou e no conseguiu resolver.

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    Um governo no trapzio

    No dia 23 da janeiro de 1963, com a revogao da emendaparlamentarista, Joo Goulart reassumia os plenos poderes que a

    Carta de 1946 conferia ao presidente da Repblica. Aps o malogroda experincia parlamentarista, todas as indagaes polticasresumiam-se na seguinte: conseguiria o governo presidencialista deGoulart superar a crise econmico-financeira, aliviar as tensessociais e afastar as crises polticas que vinham continuadamentedesgastando a administrao pblica? No seria exagerado afirmarque entre os diferentes setores sociais era praticamenteconsensual o reconhecimento de que da soluo da crise econmico-financeira dependia fundamentalmente o encaminhamento satisfatriodos demais problemas que afetavam o pas. As propostas que asdiversas classes sociais e grupos polticos ofereciam para

    resolver os problemas da inflao, do dficit da balana depagamentos, da continuidade do desenvolvimento econmico etc, nodeixavam de ter orientaes diferentes e, por vezes, antagnicas.A este respeito deve-se ressaltar que os tempos de Goulartconstituram-se em anos "extremamente frteis" na medida em queneles se processaram intensos debates sobre os rumos e direesque deveriam ser trilhados pela economia e sociedade brasileiras.Como observou um economista: "Ao contrrio dos anos anteriores, emque reduzidas minorias controlavam a formulao poltica, nestesanos novos agrupamentos passaram a fazer ouvir sua voz no processode deciso social. A poltica econmica no foi indiferente a este

    contexto social mais complexo" (Carlos Lessa, 15 Anos de PolticaEconmica) .

    Como tende a ocorrer em todo regime democrtico-burgus, oExecutivo anunciava que o seu Plano de Governo tinha condies deresolver em profundidade os impasses e as dificuldades enfrentadospelo conjunto da sociedade brasileira. Essa ambiciosa proposta foidenominada de "Plano Trienal de Desenvolvimento Econmico-Social:1963-1965", tendo sido elaborada pelo economista Celso Furtado(ministro do Planejamento), com a colaborao de San Tiago Dantas(ministro da Fazenda). A concepo e a execuo do Plano Trienal bem como as reaes dos diferentes setores sociais e polticos a

    ele contribuem de forma significativa para entendermos o que foio governo Goulart.

    A anlise da composio do primeiro ministriopresidencialista, bem como o exame crtico do Plano Trienal,anunciavam muito expressivamente o estilo conciliador que iriapredominar durante o governo Goulart autntico "governo detrapzio", segundo o julgamento de um jornalista poltico. NoMinistrio encontravam-se polticos conservadores do PSD (AntnioBalbino e Amaral Peixoto), petebistas do grupo "fisiolgico" (SanTiago Dantas e Jos Ermrio de Moraes um dos expoentes dachamada "burguesia nacional"), um petebista do "grupo compacto" ou

    "ideolgico" (Almino Afonso), tcnicos "apartidrios" como CelsoFurtado e militares "duros" como o gal. Amaury Kruel. Por outrolado, o Plano Trienal, na sua formulao terica, julgava poder

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    harmonizar e satisfazer interesses contraditrios de patres eempregados, de proprietrios e trabalhadores assalariados. Quaisos principais objetivos e propostas do Plano?

    Plano Trienal: "combater a inflao com desenvolvimento"

    Diante das duas mais importantes tendncias do comportamentoda economia brasileira no incio dos anos 60 "aceleraoinflacionria" (37% em 1961 e 51% em 1962) e "desacelerao docrescimento"-(taxa de 7,3% em 1961 e 5,4% em 1962) , o Planotrienal pretendia compatibilizar o combate ao surto inflacionriocom uma poltica de desenvolvimento que permitisse ao pas retomaras taxas de crescimento do PIB (em torno de 7%) alcanadas duranteo perodo de 1957 a 1961. Como reconheciam os setores de esquerda,o Plano constitua-se num avano em relao s teses ortodoxas

    dominantes, pois buscava combater o processo inflacionrio "semsacrifcio do desenvolvimento". Paralelamente a estes dois obje-tivos principais, o Plano pretendia contribuir para uma melhordistribuio dos frutos do desenvolvimento econmico, juntamentecom "a reduo das desigualdades regionais de nveis de vida".Enfatizava, porm, o Plano Trienal, que se o processoinflacionrio no fosse reduzido a limites tolerveis, o Pas com uma iminente hiperinflao (prevista em 100% para fins de1963, caso o plano de estabilizao falhasse) teria toda a suaatividade econmica paralisada e, conseqentemente, passaria a sero palco de perigosas lutas sociais.

    Tanto a anlise feita pelo Plano sobre as causas do processoinflacionrio, como as solues ali apontadas, no deixariam deser objeto de intensas polmicas. Do lado do setor externo,admitiam as esquerdas que era correta a afirmao segundo a qual ainflao era provocada pela drenagem de recursos de recursos parao exterior (atravs da "deteriorao das relaes de trocas") epela transferncia de renda (na forma de subsdios governamentais)para o setor exportador. Contudo, os "remdios" propostos "refi-nanciamento da dvida externa" e "entrada de recursos externos"para a amortizao de emprstimos anteriormente contrados erampraticamente ineficazes como medidas antiinflacionrias; alm do

    mais, amortizar dvidas com a entrada de capitais estrangeirosagravaria ainda mais o nosso endividamento no exterior. Para asesquerdas, o Plano constitua-se numa nova capitulao aolatifndio e ao imperialismo: no se propunha a eliminao dossubsdios ao setor latifundirio-exportador nem se reconhecia opapel inflacionrio representado pelas remessas ao exterior de"juros, lucros e royalties, e a entrega de enorme soma de recursospblicos s grandes companhias estrangeiras, diretamente e atravsde isenes de impostos e favores cambiais" (H. Hoffmann, "O PlanoTrienal e a Inflao", in Estudos Sociais, n 16).

    Em relao ao setor pblico, a estratgia adotada para reduzir

    a presso inflacionria consistia num "conjunto de medidas de aoconvergente". Destacava, contudo, a "reduo do dispndio pblicoprogramado" como o mais importante fator responsvel pela inflao

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    no Pas. Contra esta perspectiva, crticos esquerda advertiam:"(...) o nvel de gastos pblicos no pode ser comprimido se sequer que a economia se desenvolva" (Paul Singer, Anlise Crticado Plano Trienal). Como se ver mais adiante, a realidade nodeixar de dar razo a esses crticos.

    Um plano antipopular e capitulacionista

    Para o ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, o xito dapoltica econmico-financeira passava a depender da "compreensogeral das reas oficiais e no oficiais" acerca da "dramticasituao" que enfrentava o Pas. Era voz corrente, nos crculosoficiais, que "o Pas no suportaria, no momento, nemreivindicaes salariais nem a presso por maiores lucros, e asmedidas que se adotam para evitar que conjuntura desemboque num

    colapso financeiro devem ter a compreenso e a colaborao dosdirigentes das classes produtoras e dos sindicatos detrabalhadores" (Carlos Castello Branco, Introduo Revoluo de1964). Na perspectiva do governo, nivelavam-se, assim, as "boasvontades": de um lado, a dos empresrios que deveriam moderar,provisoriamente, o apetite por lucros crescentes; de outro, a dostrabalhadores assalariados, que deveriam deixar de pressionar adiando, pois, suas greves e reivindicaes por salrios maiselevados. Ora, bem se sabia que tais reivindicaes visavam, sim-plesmente, recompor para a classe trabalhadora um nvel departicipao menos deteriorado na renda nacional. (Como mostrou um

    economista, a partir de 1958, com a nica exceo de 1961, houveuma acentuada deteriorao do salrio mnimo real.) (Francisco deOliveira, "Crtica Razo Dualista", in Estudos Cebrap.) Apesarda sua formulao terica no considerar os salrios como fatoresinflacionrios, na prtica, no entanto, o Plano pedia aos traba-lhadores como sempre o fazem os planos de "salvao nacional" "colaborao", "pacincia" e "patriotismo". Mas, acima de tudo,que (novamente) "apertassem os cintos"...

    O entusiasmo governamental comeou a se esboar em fevereiro emaro, em virtude do apoio que o Plano recebia de associaes das"classes produtoras" (a Confederao Nacional da Indstria, CNI),

    de governadores de estados etc; contudo, ele sofreria seusprimeiros e fortes abalos com as crticas vindas de setoressindicais e das organizaes polticas nacionalistas e deesquerda. Logo nos primeiros dias de fevereiro um manifesto do CGTrevelaria que seria tormentosa a administrao do presidente Gou-lart. Nesse documento combatia-se a poltica financeira do PlanoTrienal, pois enquanto este deixava intactos os lucros fabulososdo capital estrangeiro, dos latifundirios e dos grandes gruposeconmicos nacionais, impunha, por outro lado, maiores sacrifcioss classes populares e trabalhadoras. Um crtico de esquerdaassinalaria: "(...) o Plano Trienal visa a combater a inflao sem

    reduzir o crescimento econmico do pas, no que se manifesta,tipicamente, a inspirao da burguesia nacional. Do ponto de vistados defensores do Plano esta seria uma razo suficiente para que

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    os trabalhadores o apoiassem. A verdade , porm, que esta no uma razo suficiente, mas uma razo burguesa e, portanto, inacei-tvel para os trabalhadores" (Jacob Gorender, "O Plano Trienal e oCombate Inflao", Novos Rumos, fevereiro de 1963).

    As crticas avolumaram-se e se intensificaram a partir domomento em que as conseqncias da poltica de eliminao de

    subsdios ao trigo e ao petrleo (uma das medidas prioritrias nocombate inflao) comearam a ser sentidas pelos setores popu-lares. Em fevereiro, calculou-se que o fim da poltica desubsdios aumentaria o custo do transporte em 40% e o preo dotrigo e do po em 177%. Nos trs primeiros meses de 1963, o ndicegeral dos preos subiu 16%, enquanto no mesmo perodo de 1962 ondice de aumento foi de 8%. A condenao ao Plano, unnime porparte dos setores sindicais e populares e das organizaespolticas de esquerda (CGT, PUA, FPN, UNE, "grupo compacto" doPTB, etc), iria ter repercusses dentro do prprio Ministrio, namedida em que a "diretriz de Almino Afonso no Ministrio do

    Trabalho, ao fortalecer as direes operrias mais independentes,como o CGT, PUA, etc, colidiu com os interesses de Goulart" (MonizBandeira, op. cit.). Do lado dos empresrios (particularmente dapoderosa indstria automobilstica concentrada em So Paulo) havia"queixas generalizadas de falta de crdito". Diante das "violentascrticas" destes setores encampadas pela prpria CNI haver,no segundo trimestre de 1963, o relaxamento da poltica monetriaque far os meios de pagamento crescerem de 179,4 bilhes de cru-zeiros contra a expanso projetada de 74,1 bilhes, "o que afetoudefinitivamente o esquema do Plano Trienal" (C. Lessa, op. cit.).

    Os aspectos antinacionais da poltica econmico-financeira do

    governo Goulart ficariam tambm evidenciados quando dasconversaes entre Brasil e EUA acerca da negociao daassistncia econmica norte-americana e refinanciamento da dvidaexterna. Em maro de 1963, San Tiago Dantas viajava a Washingtoncom um forte argumento para convencer o governo norte-americano afornecer assistncia financeira ao Brasil: o Plano Trienal era adecisiva prova de que o Pas passava a se enquadrar dentro doreceiturio econmico-financeiro propugnado pelo governo dos EUA epelo FMI. Mas- os EUA, alm de exigirem um compromisso formal porparte do governo brasileiro de que o plano "no ficaria apenas nopapel", impuseram ainda uma nova condio para a concesso do

    emprstimo solicitado: o governo Goulart deveria resolver com amxima urgncia a questo da desapropriao da AMFORP (AmericanForeign Power, subsidiria da Bond & Share). Duas cartas deGoulart foram entregues a Kennedy por intermdio de San Tiago Dan-tas: nelas o governo brasileiro comprometia-se a cumprir as duasexigncias norte-ameri-canas. (Entre os polticos norte-americanoscirculava a verso de que a chamada "ajuda externa" dos EUA erafreqentemente desperdiada pela m administrao aos governoslatino-americanos. No caso brasileiro, deixava, pois, de serinformado que, "na verdade, o que ocorria no era umatransferncia de capitais dos EUA para o Brasil e, sim, ao

    contrrio, um escoamento de recursos do Brasil para os EUA". Entre1947 e 1960 entraram (emprstimos e investimentos) US$ 1.814milhes e "saram no mesmo perodo.... US$ 2.459 milhes sob a

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    forma de remessas de lucros e juros, deixando um saldo negativo daordem de USS 645 milhes" que, "acrescidos de US$ 1.022 milhes,sob a rubrica Servios, ou seja, remessas de lucros clandestinas,perfaziam um total de USS 1.667 milhes. Em suma, num perodo de13 anos, um volume considervel de dlares foi transferido doBrasil para os EUA. Rigorosamente, exportvamos muito mais

    capitais do que recebamos" Moniz Bandeira, op. cit.)Para tornar ainda mais complicada a situao do governobrasileiro nas negociaes de Washington, um porta-voz doDepartamento de Estado baseado nos relatrios de Mr. Gordonenviados regularmente da embaixada norte-americana no Brasil alertava a opinio pblica de seu pas sobre a "perigosa atuaode comunistas" dentro da assessoria tcnica de Goulart. Apesar dasduas cartas do governo brasileiro (onde se garantia o acatamentos exigncias norte-americanas) e de uma solene declarao oficialque negava a existncia de "esquerdistas" na assessoriagovernamental, os EUA aprovaram um emprstimo de apenas USS 84

    milhes, prometendo USS 314,5 milhes para o ano fiscal de 1964,caso as medidas de conteno inflacionria fossem efetivamenteaqui aplicadas; antes, contudo, deveriam elas ser aprovadas poruma comisso do FMI, cuja visita ao Brasil estava prevista parameados de 1963. Embora os "brios nacionalistas" do governobrasileiro fossem feridos noticiou-se que San Tiago Dantasameaara abandonar as negociaes com os EUA , "razespragmticas" fizeram com que as imposies norte-americanas fossemaceitas, conforme se verificou atravs do acordo Dantas/ Bell.

    O caso da compra da AMFORP o "escndalo da AMFORP" comoficou conhecido na imprensa da poca transformou-se em grave

    problema poltico para a administrao Goulart. Enquanto retiravaos subsdios para o trigo e o petrleo e cortava algunsinvestimentos pblicos, sob o pretexto de combater a inflao, ogoverno brasileiro anunciava, em fins de abril, que se ultimavamos entendimentos para a compra da AMFORP (que congregava 12empresas de servios pblicos). San Tiago Dantas e Roberto Campos(que a esquerda nacionalista ironicamente chamava de "Bob Fields",por ser ele um "refinado entreguista") tinham acertado com osrepresentantes da empresa norte-americana o valor da transao:188 milhes de dlares. Na mesma ocasio, um grupo de trabalhointegrado por tcnicos brasileiros (CONESP) dissolvido logo a

    seguir por Goulart avaliava os bens da AMFORP em torno de 57 mi-lhes de dlares. Para os setores nacionalistas, estava-se diantede uma imensa negociata, pois, alm do preo extorsivo, as 12usinas norte-americanas estavam obsoletas, constituindo-se emverdadeiro "ferro velho". Tais denncias tiveram ampla repercussoPoltica. Goulart recuou, protelando a realizao da compra, paradesagrado do governo norte-americano. (Em outubro de 1964,demonstrando eloqente "boa vontade" para com os empresrios egoverno dos EUA, o governo do mal. Castelo Branco adquiria aAMFORP.)

    O prestgio poltico de Goulart foi seriamente abalado neste

    episdio; inclusive os setores conservadores no lhe pouparamduras crticas, ao ser conivente com negociaes que os gruposnacionalistas classificavam de autntico "crime de lesa-ptria". O

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    plano, antes de completar 6 meses de durao, inviabilizava-sepoltica e economicamente. Nem os emprsrios, nem ostrabalhadores lhe ofereciam qualquer apoio. Em maio, o Ministrioda Fazenda, diante das fortes presses dos assalariados, tomavauma deciso inteiramente contrria s projees do Plano, aoconceder um aumento de 70% aos funcionrios civis e militares,

    quando estava previsto apenas 40%. De outro lado, como j foimencionado, o governo face s reivindicaes de setores indus-triais voltaria atrs em suas medidas de conteno do crdito.

    O malogro do Plano se revelou de forma completa ao se procederao balano do ano de 1963: nem desacelerao da inflao, nemacelerao do crescimento foram alcanadas. Houve, sim, inflaosem desenvolvimento. Razo, pois, tinham os crticos de esquerdaquando denunciando a retrica progressista do Plano advertiampara os aspectos recessionistas, antipopulares e antinacionais dasmedidas concretas ali propostas.

    As reformas: como garantir a propriedade

    e impedir a "convulso social"

    Outra batalha poltica que esteve em pauta durante todo ogoverno Goulart foi a das Reformas de Base (Agrria, Bancria,Administrativa, Fiscal, Eleitoral, Urbana, etc). Recorde-se queesta problemtica fazia parte dos programas dos trs gabinetesparlamentaristas e agora aparecia como um dos objetivos bsicos doPlano Trienal. (Como se encarregavam de divulgar os confidentes e

    cronistas palacianos, Goulart queria notabilizar-se na histriapoltica do Brasil como o "presidente da Reforma Social".)Reconhece-se, no entanto, que a bandeira das Reformas passou a serempunhada pelo governo, de forma mais enrgica, no perodopresidencialista, apenas a partir do instante em que se comeou aperceber o malogro do Plano Trienal. Logo nos primeiros meses doano, anlises feitas pelas esquerdas no apenas denunciavam o"cozimento em gua fria das reformas" amplamente agitadas porGoulart durante a campanha do Plebiscito , como tambm passavam aduvidar do contedo efetivamente transformador de que poderiam serevestir as propostas governamentais (Caio Prado Jr., Revista

    Brasiliense, n 44). Qual seria, enfim, a perspectiva oficialacerca das Reformas de Base?

    Assinala um socilogo que, na viso dos governantes, "se nohouvesse Reformas de Base (...) no se criariam as novas'condies institucionais' para o desenvolvimento de outra etapada economia brasileira" (Octavio Ianni, Estado e PlanejamentoEconmico no Brasil); significava isso conforme o reconhecimentodo prprio Plano Trienal que as Reformas de Base eramindispensveis, ao lado do planejamento, a fim de que ocapitalismo industrial brasileiro pudesse alcanar um nvel dedesenvolvimento superior. Afirmava o Plano, por exemplo, que as

    reformas fiscal e agrria eram essenciais se se pretendesse a"eliminao de entraves institucionais utilizao tima dosfatores de produo". Razes econmicas e sociais impunham a

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    urgente realizao das reformas, dentre elas a que mais debatesprovocou naquele perodo: a Reforma Agrria.

    De um lado, era preciso aumentar a produo agrcola(alimentos que suprissem as demandas da populao urbana emcrescimento; matrias-primas para a expanso industrial etc), aomesmo tempo que se buscava criar um mercado interno mais amplo

    para os bens manufaturados. De outro lado, prevendo-se situaesincontrolveis de tenses e distrbios sociais, propunha-se umamelhor redistribuio da terra (em mos de um reduzido nmero delatifundirios e freqentemente mantida de forma improdutiva). exemplar a este respeito o testemunho de um dos mais ntimoscolaboradores de Goulart, acerca da concepo que este defendia deReforma Agrria: "(...) o que Jango tentava fazer no tinha nadade muito ousado nem de radical. Ele dizia sempre que, se o nmerode proprietrios rurais fosse elevado de 2 para 10 milhes, apropriedade seria muito melhor defendida, e simultaneamentepossibilidades maiores seriam abertas a mais gente de comer mais,

    de se educar melhor, de viver mais dignamente. Por isso queJango, latifundirio, queria fazer a Reforma Agrria para defendera propriedade e assegurar a fartura, evitando o desespero populare a convulso social" (Darci Ribeiro, "Governo Goulart caiu porsuas qualidades, no por seus defeitos", in A Histria Vivida II

    O ESP, grifos nossos).Apesar de no ter nenhum sentido revolucionrio,

    correspondendo, pois, de um lado, s necessidades da consolidaodo capitalismo industrial e, de outro lado, estratgia dadominao social burguesa, a Reforma Agrria proposta por Goulartser objeto de intensa e constante oposio por parte dos

    proprietrios rurais e seus setores polticos, de setores daIgreja Catlica, etc. (Recorde-se que, no perodo parlamentarista,idntica foi a reao desses grupos. A diferena estava no fato deque naquele momento Goulart no tinha ainda formulado oficialmentea sua proposta de Reforma Agrria e de Reforma Constitucional.)Tais setores no admitiam, por exemplo, a alterao dos preceitosconstitucionais sob a alegao de que caso isso viesse a ocorrer corria-se o risco de ser invalidado o estatuto da propriedadeprivada no Brasil... Alm do mais, conforme assinalou umhistoriador, as demais reformas propostas (eleitoral, educacionaletc.) poderiam implicar a "alterao do equilbrio poltico" e

    permitia at ento a hegemonia das foras conservadoras e dedireita, particularmente no Legislativo. A preocupao polticamaior das classes dominantes diante das possveis mudanas nocampo so ressaltadas por uma estudiosa: "Havia, sem dvida, oincontrolvel temor de se ver ingressar na cena poltica camadassociais constitudas em 'clientelas polticas' que pudessem serenquadradas, tal como o fora a classe operria com Getlio Vargas.Tais temores eram, sem dvida, realimentados pela acelerao daecloso de conflitos rurais, que cada vez mais se orientavam paraa ocupao de terras" (Aspsia Camargo, op. cit.).

    Enquanto setores do PSD apesar dos fortes compromissos do

    partido com os proprietrios rurais chegaram, num primeiromomento, a aceitar a discusso do anteprojeto do Executivo, a UDNfechava a questo contra qualquer alterao constitucional. Mas, a

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    posio do PSD ser outra a partir da Conveno da UDN realizadaem abril de 1963. (Na cronologia do golpe de 64, esta reunio daUDN teve um papel decisivo: nela, ilustres figuras do partidodefenderam a interveno das Foras Armadas e dos EUA a fim deporem termo ao "comunismo legal" de Goulart.) Influenciado pelasmanifestaes das chamadas "bases" da UDN, o PSD recuar

    definitivamente face s suas primeiras conversaes com o governo.Tal fato mostrou-se de forma evidente na votao da "emendaBocaiva" (emenda constitucional, apresentada pelo PTB, quebuscava tornar financeiramente vivel a Reforma Agrria). Por 7votos (PSD, UDN e PSP) contra 4 (PTB e PDC), a emenda seriarejeitada na Comisso Especial da Cmara, no ms de maio. EmPlenrio, a emenda foi derrotada, em outubro, graas aliana PSDe UDN aps intensa mobilizao dos proprietrios rurais,comandados principalmente pela Confederao Rural Brasileira(CRB).

    Como ainda observaria a autora acima, a partir do veto naComisso Especial, os setores nacionalistas desencadeariam uma

    campanha de presso nacional sobre o Congresso para a imediataaprovao das reformas. Atravs de comcios, passeatas, mani-festos, os setores nacionalistas e populares exigem "reformasj!", ao mesmo tempo que denunciam o reacionarismo do Congressocontrolado pelo PSD UDN e pelo "milionrio IBAD". (Brizola diriaque o PSD e a UDN, ao exigirem o pagamento prvio e em dinheiro,tornavam a questo agrria em autntico "negocio agrrio".)

    De outro lado, aps ter sido batido na Comisso Especial,Goulart apesar das fortes crticas vindas dos gruposnacionalistas e de esquerda volta-se novamente para o PSD. Embusca de apoio, aceita mudanas no anteprojeto de Reforma Agrria

    do executivo, a fim de torn-lo "menos radical" e, assim,aceitvel para o conservadorismo do PSD. Para isso, afastou toda a"assessoria gacha", vinculada politicamente a Leonel Brizola, queno concordava em fazer "concesses programticas" no anteprojeto.Porm, sero infrutferos os esforos do novo ministro da Justia,Abelardo Jurema, figura de relevo do PSD, a quem foi atribuda aespecfica tarefa de articular a antiga aliana PSD/PTB. (Juremasintetizaria a viso conciliadora do governo atravs de uma famosafrase: "O PSD sem o PTB ir para a reao; o PTB sem o PSD irpara a Revoluo".) Idntica misso foi confiada a Tancredo Neves(PSD) ao ser indicado lder da bancada do Governo na Cmara.

    Porm, o fosso entre o PTB e o PSD aprofundava-se na razo diretada aproximao deste com a UDN, os quais se alarmavam com a"agitao social", a "desordem" e a "comunizao crescente dopas" promovidas segundo estes por Goulart, pelo PTB e pelas"foras subversivas" (CGT, UNE, FMP, etc).

    De outro lado, os setores nacionalistas e de esquerda,criticavam Goulart pela sua indeciso e indefinio em relao auma srie de medidas concretas de carter nacionalista e popularque poderiam ser tomadas pelo governo, independentes de qualquerreforma constitucional. Entre essas medidas algumas delasdefendidas pelo prprio presidente em seus discursos ressaltavam

    as seguintes: regulamentao da Lei de Remessa de Lucros (aprovadapelo Congresso, mas "engavetada" pelo Executivo); nacionalizaodas concessionrias de servios pblicos, moinhos, frigorficos e

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    indstria farmacutica; interveno no mercado de gnerosalimentcios; monoplio das operaes de cmbio pelo Banco doBrasil; monoplio das exportaes de caf pelo IBC; ampliao domonoplio estatal do petrleo, etc.

    Administrativamente pouco se realizava, pois o governo seconsumia em sucessivas crises polticas. Como assinalavam os

    observadores polticos, havia do ponto de vista administrativo "uma pasmaceira geral contaminando todas as hostes governistas";da mesma forma, o Congresso apresentaria em 1963 um dos seusperodos de maior improdutividade legislativa. Esta realidade davamunio aos setores de direita que alardeavam a "incompetnciaadministrativa" do Executivo e a "crise de autoridade".

    O isolamento e debilidade poltica do governo

    A sucesso de crises polticas advinha das contradies em que sedebatia o governo: ao mesmo tempo que agitava a bandeira do

    nacionalismo e das Reformas solicitando, pois, o apoio dasmassas populares e dos setores polticos de esquerda Goulart,por outro lado, protelava indefinidamente a realizao de medidaspopulares, afastava colaboradores ideologicamente progressistas,combatia os setores independentes (no pelegos) do movimentosindical, condenava abertamente iniciativas polticas de esquerda(em abril de 1963, na cidade de Marlia, SP, usou a tpicalinguagem de direita ao proibir um congresso "comuno-fidelista").As concesses reao no se reduziam a estes fatos, pois ogoverno reservava os cargos mais importantes da administraofederal (particularmente aqueles responsveis pelapoltica

    econmico-financeira) apenas para os representantes das classesdominantes, indicava tambm "duros" das Foras Armadas paraestratgicos postos de comando e mantinha compromissos com oconservador PSD.

    Sob a permanente desconfiana da direita e da esquerda, ogoverno Goulart acabaria isolando-se politicamente. A ambigidadee a debilidade poltica do governo se mostrariam de formadefinitiva no episdio do Estado de Stio. No dia 4 de outubro, opresidente da Repblica encaminhava ao Congresso mensagemsolicitando a decretao do Estado de Stio em todo o territrionacional, pelo prazo de 30 dias. A justificativa do Ministrio da

    Justia esclarecia que o Executivo necessitava de poderes espe-ciais para impedir "grave comoo intestina com carter de guerracivil" que punha em "perigo as instituies democrticas e a ordempoltica". Explicitamente eram indicadas algumas das situaes in-ternas que perturbavam a ordem institucional: "manifestaescoletivas de indisciplina" nas polcias militares de algunsestados; "sublevao de graduados e soldados" (Revolta dosSargentos) que punha em risco a disciplina e hierarquia militares;as freqentes reivindicaes salariais que passavam a "ser fatoresde agravamento da crise poltico-social" (na ocasio ocorria agreve dos bancrios em So Paulo e o PUA anunciava a decretao de

    uma greve geral caso aquela paralisao fosse julgada ilegal porparte da justia trabalhista) e, por fim, o fato de existiremgovernadores de importantes estados "conspirando contra a Nao".

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    A ira de Goulart e de seus ministros militares voltava-separticularmente contra o governador da Guanabara que, ementrevista a um jornal norte-ameri-cano (Los Angeles Times), haviaridicularizado a autoridade do presidente da Repblica, alm deinsinuar que os militares brasileiros estavam confusos edesorientados diante de uma administrao inteiramente

    "desastrosa" para o pas. Coerente com a "vocao golpista" de seupartido, Carlos Lacerda conclamava o Departamento de Estado adeixar de lado sua "passividade" face grave situao em que seencontrava o Brasil, presidido por um "totalitrio moda sul-americana" e que "descambava para a esquerda". No havia dvida deque o Estado de Stio objetivava, imediatamente, a interveno naGuanabara e a conseqente derrubada do conspirador-mor da UDN.(Carlos Lacerda afirmaria, posteriormente, que havia escapado,naqueles dias, de um atentado por parte de um comando pra-quedista a mando de Goulart. Embora a denncia fosse negada poroficiais militares, a UDN e o PSD conseguiram aprovar a

    constituio de uma Comisso Parlamentar de Inqurito a fim deapurar a denncia de Lacerda.) Logo a seguir, caso manifestassesolidariedade ao seu aliado da Guanabara, poderia "rolar a cabea"do governador de So Paulo, Adhemar de Barros acusado defornecer armas (contrabandeadas da Bolvia) a grupos paramilitares("milcias patriticas"). Mas, indagavam os setores de esquerda:quem garantiria que Miguel Arraes tambm no fazia parte da "listade saneamento" elaborada pelos militares, com a inteira complacn-cia de Goulart? Idntica pergunta faziam as lideranas sindicais epopulares de todo o Pas acerca do destino que viriam a ter asorganizaes em que militavam.

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    Embora por razes distintas, todos os grupos polticos eassociaes de classe direita e esquerda opuseram-se concesso do Estado de Stio (apenas os setores "pelegos" domovimento sindical e frao do PTB tradicionalmente fiel a Goularttentaram o apoio intil medida de fora). Os setores

    nacionalistas e de esquerda viam no Estado de Stio uma graveameaa s liberdades democrticas e aos movimentos progressistas.Afirmava, por exemplo, uma nota do CGT: "Somos, por princpio,contrrios ao Estado de Stio porque entendemos que a manuteno eampliao das liberdades democrticas so meios insubstituveis enecessrios s lutas contra os inimigos do Brasil e aos interessesda povo". A direita, por seu lado, via no Estado de Stio umatentativa de golpe tramada por Goulart a fim de permanecer nopoder, tal como o fizera Getlio Vargas em 1937. Diferentemente daditadura estadono-vista, estaramos, ento, face a uma "ditaduraesquerdizante", proclamavam os setores de direita.

    Quem dar o golpe?

    Nos meses seguintes ao frustrado pedido de Estado de Stio retirado pelo governo to logo se deu conta da fragorosa derrotaque sofreria no Congresso , ressurgiria, mais vigorosamente aindana cena poltica, o fantasma do golpe de Estado. Na viso dadireita era Goulart quem o articulava atravs de seu "dispositivomilitar" e com a colaborao de setores de esquerda. Enquanto a

    direita promovia uma sistemtica campanha alarmista, verberando o"golpe de Jango", as esquerdas que no deixavam de denunciar atrama golpista da direita levantavam suspeitas e desconfianasface ao governo. Ainda no ms de outubro, como assinalou umcronista poltico, as esquerdas se sentiriam "abandonadas porGoulart".! Alguns fatos pareciam comprovar essa observao:substituio de Bocaiva Cunha ("grupo compacto") . por Doute1 deAndrade; contactos com o PSD; autorizao da chamada "operaoArraes" (treinamento o IV Exrcito, cujo objetivo foi o de fazeruma "clara advertncia" ao "governador esquerdista" de Pernambuco)e a condenao, por parte do governo, de um congresso das foras

    populares e de esquerda programado para fins de outubro em Recife.Embora criticassem o governo, em virtude de suas constantes "idase vindas", as esquerdas entendiam que no lhes convinha romperpoliticamente com Goulart. Levavam em conta, para tal deciso, oavano golpista da direita. Novamente a esquerda nacionalistabuscaria convencer Goulart de que a sua nica "sada", diante doseu crescente isolamento poltico, era vincular-se de formainequvoca e definitiva com os setores populares e progressistas.Esta tambm seria uma condio fundamental, argumentavam ossetores de esquerda, para a efetiva realizao das Reformas deBase e para se impedir o golpe.

    Uma longa entrevista de Goulart, concedida em novembro a umarevista de ampla circulao em todo o Pas, ao mesmo tempo queprovocava contundentes crticas da direita (os lderes da UDN

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    identificavam no depoimento do presidente um "esforo de prepa-rao de ambiente subversivo"), ia, por outro lado, reforar asexpectativas das esquerdas de influrem sobre a composio de umnovo Ministrio e de um novo programa de governo. No depoimento,em tom pessimista e quase pattico, Goulart reiterou a urgnciadas reformas ("desejo evitar que a crise caminhe para um desfecho

    catico e subversivo"); denunciou as "foras reacionrias" anti-reformistas; responsabilizou a "deteriorao das relaes detrocas" como principal causa das dificuldades cambiais do Pas edefendeu enfaticamente a "interveno dos trabalhadores na vidapblica". Interpretando recente deciso poltica da Frente deMobilizao Popular, Miguel Arraes, aps se referir ao importantedepoimento de Goulart, iria expressar o programa das foraspopulares face ao governo. A certa altura, afirmava a nota dogovernador de Pernambuco: "(...) se o presidente da Repblica,fiel sua formao poltica e aos compromissos que tem com asmassas trabalhadoras, deseja superar nossa aguda crise interna e

    manter nossa poltica externa independente, ele precisa apoiar-senas 'foras populares' e com elas estabelecer um novo governo,capaz de elaborar e executar um programa democrtico, nacionalistae progressista". Mais abaixo era esclarecido que, no "novogoverno", deveria estar garantida a "participao derepresentantes das 'foras populares' em (seus) setoresfundamentais".

    Durante o ms de dezembro, a FMP particularmente o seu setor"brizolista" acalentou a esperana de ver Brizola ocupar o cargode ministro da Fazenda, em substituio a Carvalho Pinto. Para adireita, que se alarmava com a intensa mobilizao popular (um dos

    slogans dizia: "Contra a espoliao, Brizola a soluo"), anomeao teria o sentido inequvoco de uma "provocao" e seria aprova definitiva da consolidao da esquerda dentro do governo.(Afirmavam os "brizolistas" que o novo ministro, logo aps a suaposse, decretaria a "moratria no plano internacional".)Governadores de Estado (com a exceo de Pernambuco, Sergipe ePiau), PSD e UDN ameaaram com represlias imediatas. No planointernacional, os EUA atravs da embaixada no Brasil declaravam que suspenderiam todas as operaes de financiamento eassistncia, alm de bloquearem suas relaes comerciais com opas (Carlos Castello Branco, op. cit.). Depois de alimentar, por

    algumas semanas, as iluses das esquerdas, o prprio Goulart quetinha ainda vivo na memria o episdio da desastrada indicao de"Bejo" (Benjamim Vargas) para a chefatura de polcia do DistritoFederal em 1945 encarregou-se de "jogar gua fria" na febrilagitao dos brizolistas. Para o Ministrio da Fazenda foidesignado um banqueiro, Nei Galvo. Segundo era voz corrente,tratava-se de um burocrata "despreparado para o cargo"; um "homemde centro-direita" (Brizola diria que, com este ato, Goulartafastava as foras populares da "ante-sala do Ministrio daFazenda"). Igualmente tal deciso desagradou fraes das classesdominantes, pois Carvalho Pinto tido como um eficiente

    administrador vinha, segundo esses setores, tentando revitalizaralgumas medidas de estabilizao propostas pelo Plano Trienal. Ademisso de Carvalho Pinto representou, assim, o rompimento de um

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    dos ltimos elos que a burguesia brasileira ainda mantinha com ogoverno de Goulart.

    O balano do ano de 1963 revelaria de forma dramtica ofracasso da poltica econmica do governo: o ndice geral dospreos alcanou 78% (previa-se 25%); a taxa do PIB chegou ao pontomais baixo que se conhecia nos ltimos anos, 1,5%; o dficit da

    caixa do Tesouro Nacional atingiu 500 bilhes de cruzeiros(previa-se 300 bilhes); os meios de pagamentos cresceram de 65%(previa-se 34%). Sem crescimento econmico e com uma vertiginosainflao, o descontentamento passa a ser generalizado: nunca oPas assistiu, num curto perodo de tempo, ao surgimento de tantosmovimentos reivindicatrios. Os "tempos de Goulart" singularizam-se dentro da histria poltica brasileira: neles, a polticadeixou de ser privilgio do parlamento, do governo e as classesdominantes, para alcanar de forma intensa a fbrica, o campo, oquartel.

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    A POLITIZAO DA SOCIEDADE ESQUERDA E DIREITA MOBILIZAM-SE

    O recrudescimento da luta de classes no incio dos anos 60 foiresponsvel por uma intensa politizao de inmeros movimentossociais, alm de implicar transformaes no sistema partidrio e

    na vida parlamentar.Uma das dimenses da crise do sistema partidrio brasileiroresidiu no fato de que os partidos polticos legais em nmero de13 nas eleies de 1962 mostravam-se incapazes de refletir, emtoda a sua extenso, a correlao de foras existentes no interiorda formao social. Igualmente era reconhecido que taisagremiaes polticas reproduziam com pouca fidelidade adiversidade das tendncias e dos conflitos ideolgicos queperpassavam a realidade social do Pas (O. Brasil de Lima Jr., OSistema Partidrio Brasileiro).

    A crise do sistema partidrio: FNP versus ADP

    A "crise de representatividade" dos partidos polticosevidenciava-se por alguns sintomas caractersticos; nas duasltimas eleies, verificou-se tanto um aumento do nmero de votosem branco e nulos ("votos de protesto"), como o nmero de alianase coligaes (em alguns estados, assistiu-se formao de"esdrxulas" alianas entre o PTB e UDN; 47% dos eleitos pelaCmara Federal vieram de coligaes).

    A luta ideolgica de classes que se expressava peloconfronto entre diferentes orientaes acerca das reformas sociais("radical", "modernizao-conservadora", anti-reformismo) e acercado nacionalismo (antiimperialismo, nacionalismo moderado,entreguismo) implicar na diviso dos grandes partidos em alas efaces, cujos pontos de vista sobre aquelas questes eram,freqentemente, irreconciliveis.

    Neste sentido, os dois maiores partidos conservadores do Pas(PSD e UDN) em 1962 detm, juntos, 54% da representao naCmara Federal refletiram em suas fileiras a polarizaoideolgica que ocorreu no perodo de Goulart. O PSD partido que

    sempre se beneficiou da mquina administrativa do Estudo (no nvelfederal e estadual) no deixou de ter os seus "dissidentes", a"ala moa". contrariamente s perspectivas da maioria dos membrosdo partido comprometida com a defesa dos grandes proprietriosrurais e dos "industriais tradicionais" , este pequeno ncleo doPSD condenava o anti-reformismo visceral de suas "elites" eapoiava as Reformas de Base e algumas propostas nacionalistas. AUDN tambm teve a sua ala progressista: a "Bossa Nova", quedefendeu as Reformas (inclusive a reforma constitucional), apoltica externa independente, a lei de remessa de lucros, ademocratizao do ensino, etc. teses a que se opunha

    energicamente a ortodoxia reacionria dos setores dirigentes dopartido (Maria Victoria Benevides, A UDN e o Udenismo). O PTB que, ao contrrio dos outros dois partidos, teve um significativo

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    crescimento em todo o perodo liberal-democrtico , igualmentese encontrava fraccionado. O partido cujos quadros provinhamprincipalmente do Ministrio do Trabalho apresentava-se divididoem duas grandes faces: o "grupo compacto" (ou "ideolgico") e o"grupo fisiolgico". Enquanto o primeiro procurava manter umalinha de independncia face ao comando populista de Goulart, o

    segundo aceitava, sem a menor restrio, a poltica de conciliaodo presidente da Repblica, que acumulava tambm a funo depresidente nacional do PTB. Esta faco do partido postulava arealizao de reformas sociais "no radicais" e, para isso,defendia uma maior aproximao com o PSD. Na formulao de SanTiago Dantas, tratava-se de uma "esquerda positiva" "construtiva", pragmtica, "no ideolgica". Por seu lado, o"grupo compacto" destacou-se por uma negao da tradicionalpoltica clientelstica desenvolvida pela "velha guarda" petebistaque controlava a burocracia sindical e a mquina da PrevidnciaSocial. Contra o "fisiologismo", entendia este grupo que o PTB

    deveria ter uma atuao poltica que correspondesse a umaorientao ideolgica mais ntida e mais definida. Ao defender arealizao de reformas de base de cunho radical e propugnarmedidas poltico-econmicas de carter anti-imperialista, o "grupocompacto" identificava-se com os demais setores da esquerdanacionalista brasileira.

    A Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e Ao DemocrticaParlamentar (ADP) surgiro na cena poltica com o propsito dearticular, respectivamente, "progressistas" e "conservadores" queatuavam nos diferentes partidos polticos. Tais organizaessuprapartidrias constituam-se, assim, na demonstrao eloqente

    do aguamento das contradies sociais e da conseqenteintensificao da luta ideolgica de classes no seio da formaosocial brasileira. O chamado "realinhamento do sistema par-tidrio", nos anos 60, realizava-se, pois, atravs desses dois"superpartidos" dentro do Congresso. Os mais importantes projetose discusses que passavam pelo Legislativo tinham, na verdade,suas decises encaminhadas por estas duas entidades. Nas votaesem plenrio, a fidelidade dos parlamentares era dada, em muitasocasies, no aos partidos aos quais pertenciam, mas a umadaquelas organizaes. Esta situao levava algumas lideranaspolticas conservadoras a lamentar a debilidade dos partidos e a

    "desordem" da vida parlamentar: "(...) estas duas frentesparlamentares, FPN e ADP, em muito concorreram para a balbrdiaque se instalou no Congresso, principalmente na Cmara, durantetodo o governo Goulart. Quase que os partidos desapareceram e aslideranas, de governo e de oposio, passaram a ter existncianominal (...)" (Abelardo Jurema, Sexta-feira 13). Enquanto a FPNreunia a maioria dos deputados federais do PTB e do PSB (mais ossetores "nacionalistas" do PSD, UDN e PDC), a ADP tinha seu ncleobsico proveniente da aliana PSD/UDN/PSP e dos demais pequenospartidos. At mesmo alguns deputados do PTB de uma diminuta "aladireita" alinhavam-se com o reacionarismo e o entreguismo da

    ADP.

  • 7/28/2019 63931911 Caio Navarro de Toledo o Governo Goulart e o Golpe de 64

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    A politizao esquerda

    A luta poltica e a luta ideolgica, no entanto, no estiveramreduzidas esfera poltico-institucional; pelo contrrio, elasalcanaram seus mais significativos desdobramentos a partir do

    momento em que envolveram outros setores da sociedade brasileira.De um lado, estariam os trabalhadores urbanos e rurais, ossoldados, os estudantes; de outro, os empresrios, os militares, aIgreja, etc.

    O sindicalismo brasileiro, no trinio 61/63, alcanou um dosseus momentos de mais intensa atividade (de 1958 a 1960, nogoverno Kubitschek, tinham ocorrido no Pas cerca de 177 greves,enquanto nos trs anos seguintes foram deflagradas um total de 435paralisaes); o que mais distinguiu o movimento sindical nestes 3anos, porm, foi o seu crescente engajamento nas lutas partidriasdessa conjuntura de crise. "O envolvimento dos sindicatos nas

    lutas polticas tornou mais urgente a necessidade de unificar aao dos sindicatos cujas direes seguiam a mesma orientaopoltica. Deste modo, na medida em que as disputas ideolgicasenvolviam o sindicalismo brasileiro, assistiu-se formao dediferentes organizaes de coordenao que agrupavam sindicatos detendncias diferentes" (L. Martins Rodrigues, Sindicalismo eClasse Operria).

    Foi assim que surgiram, em fins dos anos 50 e incio de 60, oCPOS, o PUA, o PAC, o Frum Sindical de Debates de Santos (SP),etc. Da mesma forma que as demais unies sindicais, o ComandoGeral dos Trabalhadores (CGT) nasceu de movimentos grevistas: em 5

    de julho de 1962, lideranas comunistas e trabalhistas queapoiavam o governo de Goulart criaram o Comando Geral de Greve afim de coordenar uma greve nacional em defesa de um "gabinetenacio