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II. MÉTODO: Estudo 1. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem Mª Dulce Miguens Gonçalves 125 II. MÉTODO

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Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

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A.

Crenças e concepções pessoais sobre Dificuldades de

Aprendizagem em estudantes do Ensino Universitário.

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Estudo 1.

Adaptação e estudo psicométrico do Questionário Epistemológico

para estudantes do Ensino Universitário.

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Estudo 1. Adaptação e estudo psicométrico do Questionário Epistemológico

para estudantes do Ensino Universitário (QEEU).

O primeiro estudo desenvolvido teve como objectivo a tradução, adaptação e

estudo psicométrico do Questionário Epistemológico para língua portuguesa. Este

questionário, da autoria de Marlene Schommer (1990), destina-se a uma avaliação de

crenças epistemológicas dos estudantes, relacionando-as com estratégias e processos de

aprendizagem. Este questionário, inicialmente proposto para a população americana,

para estudantes universitários, foi alvo de uma posterior adaptação para estudantes do

ensino secundário (Schommer, 1993) e repetidamente aplicado em diferentes contextos

e níveis de escolaridade (Jehng, Johnson & Anderson, 1993; Qian & Alvermann, 1995;

Schommer, Calvert, Gariglietti & Bajaj, 1997; Schommer, Crouse & Rhodes, 1992;

Schommer & Walker, 1995).

Caracterização do instrumento.

Na sua versão original, o Questionário Epistemológico foi desenvolvido em torno

de cinco crenças epistemológicas básicas, que, se formuladas numa perspectiva ingénua,

se intitulam, respectivamente:

a) Simplicidade do Conhecimento - o conhecimento é simples (e não complexo);

b) Certeza no Conhecimento - o conhecimento é preciso e determinado (mais do

que hipotético e provisório);

c) Autoridade Omnisciente - o conhecimento é transmitido por quem sabe (mais

do que deduzido por raciocínio ou reflexão);

d) Fixidez das Aptidões - a capacidade de aprendizagem é inata (e não se

adquire nem se desenvolve);

e) Rapidez da Aprendizagem – a aprendizagem é rápida (aprende-se

rapidamente ou já não se aprende).

Inicialmente, estas crenças foram concebidas como dimensões, como contínuos

entre dois pólos opostos, e constituíram o ponto de partida para vários projectos de

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investigação. Alguns anos depois, Schommer (1994) descreveu de uma forma mais

clara cada uma dessas cinco dimensões (Quadro 1.1.).

Para avaliar cada uma destas dimensões epistemológicas, foram formulados dois

ou três conjuntos de itens, num total de 12 subconjuntos (Quadro 1.2.). Por exemplo, há

pelo menos duas formas de simplificar a complexidade inerente ao conhecimento: dar

atenção apenas a um aspecto mais saliente (isto é, procurar uma única resposta mesmo

para problemas complexos) ou segmentar a informação em unidades discretas, evitando

a integração. Cada uma destas alternativas foi testada a partir de um subconjunto de

itens específicos. O Quadro 1.2. descreve a estrutura global do questionário, indicando

quais os subconjuntos que integravam, à partida, cada dimensão epistemológica.

A versão original deste questionário, dirigida a estudantes universitários, é

constituída por 63 itens. Cada um destes itens contem uma afirmação, uma asserção em

linguagem corrente de uma crença epistemológica, formulada de uma forma genérica

Quadro 1.1.

Dimensões epistemológicas hipotéticas (Schommer, 1990)

1. Organização do Conhecimento: entre um conhecimento simples, em

compartimentos e um conhecimento altamente integrado e interligado.

2. Certeza no Conhecimento: entre um conhecimento absoluto e um

conhecimento em constante desenvolvimento.

3. Origem do Conhecimento: entre um conhecimento facultado por uma

autoridade omnisciente e um conhecimento que deriva do raciocínio a partir

de meios objectivos e subjectivos.

4. Controlo da Aprendizagem: entre uma capacidade de aprendizagem

determinada geneticamente e uma capacidade de aprendizagem adquirida

através da experiência.

5. Rapidez da Aprendizagem: entre a noção de que se aprende rapidamente ou

já não se aprende e a noção de que a aprendizagem é um processo gradual. Adaptado de Schommer ,1994, p.301.

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Quadro 1.2.

Estrutura global do Questionário Epistemológico

Subconjunto de itens

Dimensões epistemológicas

e itens exemplificativos

Nº de itens

Simplicidade do Conhecimento

A. Procura de respostas únicas. “A maioria das palavras tem um significado preciso.”

11

B. Evitamento da integração. “Quando estudo procuro factos específicos.”

8

Certeza no Conhecimento

C. Evitamento da ambiguidade. “É uma perda de tempo, tentar resolver problemas que não têm uma solução precisa e certa.”

5

D. Certeza no conhecimento. “Um dia, os cientistas vão conseguir chegar à verdade.”

61

Autoridade Omnisciente

E. Dependência da autoridade. “Aquilo que uma pessoa ganha com a escola, depende sobretudo da qualidade do professor.”

4

F. Ausência de crítica à autoridade.

“As pessoas que põem em causa a autoridade científica são demasiado convencidas.”

6

Fixidez das Aptidões

G. Inatismo da capacidade de aprendizagem.

“Algumas pessoas nascem bons alunos, outras estão presas por uma capacidade limitada.”

4

H. Impossibilidade de aprender a aprender.

“Os livros que ensinam a aprender não são de grande ajuda.”

5

I. Ausência de relação entre trabalho e sucesso.

“Os estudantes realmente inteligentes não precisam de trabalhar muito para ter bons resultados.”

4

Rapidez da Aprendizagem

J. Aprender à primeira vez. “Quase toda a informação que se pode aprender num texto de apoio, se obtém numa primeira leitura.”

3

L. Aprender é rápido. “Os estudantes bem sucedidos compreendem as coisas rapidamente.”

5

M. O esforço concentrado é uma perda de tempo.

“Se uma pessoa se esforça muito para compreender um problema, provavelmente acabará por ficar confusa.”

2

(Adaptado para a tradução portuguesa a partir de Schommer,1990.)

1 Na versão portuguesa, este subconjunto passou a integrar 7 itens. Ao item “Os factos de hoje podem

ser a ficção de amanhã.” foi adicionada uma nova formulação, para selecção posterior: “O que hoje parece um facto pode amanhã revelar-se uma ilusão.”

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(por exemplo: “Toda a gente precisa de aprender a aprender.”) ou formulada na

primeira pessoa (por exemplo: “Se arranjo tempo para reler um texto, aproveito muito

mais nessa segunda leitura”). O grau de concordância pessoal com cada afirmação deve

ser avaliado numa escala de tipo Likert com cinco níveis (entre “1 = Discordo

totalmente” e “5 = Concordo totalmente”).

Cerca de metade dos itens (28) foram formulados de forma negativa, sendo a sua

pontuação posteriormente invertida. Todos os itens formulados pela positiva situam-se

numa perspectiva epistemológica ingénua e simples. Deste modo, todo o questionário

está formulado na perspectiva de que, quanto maior o valor total das respostas, mais

ingénua e simples será a perspectiva do estudante.

Os estudos desenvolvidos pela autora não confirmaram as cinco dimensões

epistemológicas inicialmente previstas. No primeiro estudo, com estudantes

universitários (Schommer, 90), bem como nos estudos seguintes (Schommer, 1993;

Schommer, Calvert, Gariglietti & Bajaj, 1997; Schommer, Crouse & Rhodes, 1992;

Schommer & Walker, 1995), a análise das respostas permitiu sempre a identificação de

uma estrutura factorial relativamente similar, constituída por quatro factores. A

designação sugerida para cada um destes factores tem sido alvo de algumas

reformulações, que nunca alteraram profundamente a estrutura inicial. Quando

formulados apenas segundo uma perspectiva epistemológica ingénua, os quatro factores

têm sido descritos como1: I) a capacidade de aprender é fixa e não pode ser melhorada;

II) o conhecimento é simples, constituído por elementos isolados; III) a aprendizagem

ocorre rapidamente ou já não ocorre; IV) o conhecimento é absoluto, fixo, o que é

verdade hoje, será sempre verdade.

Mais recentemente (Schommer et al., 1997), foram sugeridas novas designações

para cada uma destas dimensões ou contínuos, designações de natureza mais abstracta e

abrangente:

I) maleabilidade da capacidade de aprendizagem, dimensão que oscila

entre a crença numa capacidade de aprendizagem fixa à partida, definida

de forma inata desde o nascimento e, no extremo oposto, a crença de que

a capacidade de aprender pode ser sucessivamente melhorada;

1 As dimensões surgem aqui ordenadas de forma diferente e que corresponde à ordem de

extracção dos factores na análise em componentes principais.

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II) estrutura do conhecimento, entre a crença de que o conhecimento é

essencialmente constituído por um conjunto de elementos isolados e a

crença de que é preferível caracterizá-lo como uma complexa e intrincada

rede de interacções.

III) velocidade de aprendizagem, oscilando entre a crença de que ou se

aprende logo ou já não se aprende e a crença de que a aprendizagem é um

processo gradual.

IV) estabilidade do conhecimento, entre a crença de que o conhecimento é

imutável e a crença de que o conhecimento se desenvolve.

A hipótese inicial de uma quinta dimensão (relativa à origem do conhecimento, a

partir de uma autoridade omnisciente) apenas foi confirmada num dos estudos até agora

desenvolvidos (Jehng, Johnson & Anderson, 1993).

Esta estrutura factorial tem sido estudada e revista em diferentes contextos

(universitário, secundário), relacionada com o desempenho em diferentes tarefas

escolares (Schommer et al. 1992), em estudos transversais e longitudinais (Schommer,

1994; Schommer et al., 1997). Mais recentemente, alguns estudos relacionaram as

crenças epistemológicas com o sucesso escolar, comparando alunos mais e menos

dotados (Schommer & Dunnell, 1994; 1997) e atitudes face à escola (Schommer &

Walker, no prelo).

Procedimentos de tradução e adaptação.

Os procedimentos de adaptação tiveram por base a versão original americana e

respeitaram tanto quanto possível as normas sugeridas pela autora. Numa primeira fase

todos os itens foram traduzidos por dois psicólogos, que trabalharam em conjunto,

procurando preservar o significado original de cada frase. Essa formulação inicial foi

depois aperfeiçoada, tendo em conta o parecer de outros especialistas e os resultados do

pré-teste. O questionário foi aplicado a pequenos grupos de alunos, com observação

directa de dificuldades no preenchimento, entrevista de grupo para verificar o

significado atribuído a cada item, registo de comentários e sugestões.

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Depois de revisto, o questionário foi de novo testado numa aplicação colectiva a

uma turma de alunos universitários, em condições similares a uma aplicação padrão.

Esta aplicação registou um reduzido número de dúvidas e um preenchimento sem

dificuldades manifestas.

Descrição da amostra.

Participaram neste estudo 271 estudantes universitários da Universidade de

Lisboa, a frequentar o ano curricular do curso de formação de professores da Faculdade

de Letras, na sequência das licenciaturas de História (22.1%), Geografia (18.5%) e de

Línguas e Literaturas Modernas (17.7%) e a frequentar o último ano das licenciaturas de

Ciências da Educação (17%) e de Psicologia (24.7%) da Faculdade de Psicologia e de

Ciências da Educação.

QUADRO 1.3.

Distribuição da amostra em função do sexo e do curso de origem.

Sexo

Curso Fem. Masc. Casos omissos

Total linha (percentagem coluna)

História 37 (61.7%) 22 (36.7%) 1 (1.7%) 60 (22.1%)

Geografia 32 (64%) 18 (36%) 0 50 (18.5%)

Línguas L. M. 41 (85.4%) 7 (14.6%) 0 48 (17.7%)

Ciências Educ. 35 (76.1%) 9 (19.6%) 2 (4.4%) 46 (17%)

Psicologia 59 (88.1%) 8 (11.9%) 0 67 (24.7%)

Total 204 (75.3%) 64 (23.6%) 3 (1.11%) 271 (100%)

Deste modo, a amostra é constituída por estudantes a concluir cursos de

formação universitária que habilitam para o exercício de funções docentes ou outras

ligadas ao apoio a alunos com dificuldades de aprendizagem.

A amostra é heterogénea quanto à variável sexo (Quadro 1.3.), com uma

distribuição aproximada à observada na população de cada curso (Ministério da

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Educação, Estatísticas da Educação, 1996). No total registaram-se 3 casos omissos

quanto à indicação do sexo.

Relativamente à idade, a amostra revela-se muito heterogénea, variando entre os

21 e os 60 anos, com um valor médio de 27.15. A maior parte dos sujeitos (62.4%)

situa-se no grupo etário entre os 21 e os 25 anos. Todos os restantes grupos se

encontram representados, embora com percentagens progressivamente decrescentes, e

incluindo quase sempre alunos de ambos os sexos. Nos grupos etários mais elevados, a

partir dos 51 anos, só se observam alunos do sexo feminino.

QUADRO 1.4.

Distribuição da amostra por grupos etários.

Grupos Etários Frequência Percentagem Percentagem acumulada

Omissos 5 1.8 1.8

21-25 169 62.4 64.2

26-30 35 12.9 77.1

31-35 19 7.0 84.1

36-40 20 7.4 91.5

41-45 10 3.7 95.2

46-50 7 2.6 97.8

51-55 5 1.8 99.6

56-60 1 .4 100.0

Total 271 100.0

Como se esperava, a grande maioria dos alunos que responderam ao

questionário não tinha qualquer experiência na docência (240 sujeitos, cerca de 90%).

Um total de 115 sujeitos (53.5%) indicaram mesmo não ter qualquer outra experiência

profissional anterior. Apenas 9.6% dos participantes indicaram um ou mais anos de

experiência docente, dos quais 5.2% tinham entre 1 e 5 anos, 1.8% tinham entre 6 e 10

anos, 2.9% tinham entre 11 e 20 anos, e apenas 4 sujeitos (1.5%) indicaram mais de 20

anos no exercício da docência. Além disso, outros 27 alunos (cerca de 10%) indicaram

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experiência pessoal no exercício de outras funções relacionadas com a área da

Educação, não especificadas.

No momento em que responderam ao questionário, apenas 75 alunos (27.7%)

expressaram a intenção de vir a exercer funções profissionais na área da educação,

tendo 40 alunos (14.8%) indicado expressamente uma intenção contrária. Estes 40

alunos que esperavam não vir a exercer funções profissionais na área da Educação,

frequentavam todos o curso de Psicologia, o que corresponde a 66.7% dos alunos

questionados neste curso.

Os questionários foram preenchidos numa das aulas de cada curso, com

autorização dos respectivos professores. Os estudantes foram previamente informados

sobre a natureza e objectivos gerais do estudo, foi solicitada a sua participação

voluntária, depois de assegurado o anonimato e a confidencialidade. A resposta ao

questionário foi antecedida por quatro questões abertas para determinar concepções

pessoais sobre a aprendizagem em geral e, mais especificamente, sobre dificuldades de

aprendizagem (como se descreve no 3º e no 4º estudos desta dissertação).

Estudo psicométrico da versão portuguesa do Questionário Epistemológico

para estudantes universitários.

A análise psicométrica do Questionário Epistemológico decorreu segundo

orientações específicas da autora, Marlene Schommer.

Numa primeira fase, procedeu-se a uma análise de itens para determinar a

frequência e distribuição de casos omissos e eliminar itens não discriminativos.

Foram recolhidos 274 questionários, dos quais apenas 271 foram utilizados na

análise estatística. Foram eliminados 3 questionários onde existiam duas respostas

omissas. Registaram-se ainda 5 casos de dupla resposta (quando o aluno assinala

simultaneamente dois pontos da escala) que se atribuíram a lapso ou a dificuldades na

definição de uma única resposta. Estes casos foram considerados como casos de

resposta omissa. No total registaram-se 24 questionários com uma única resposta

omissa, o que corresponde a cerca de 1% do número total de respostas. Todos estes

casos foram substituídos pelo valor médio observado.

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Todo o questionário está formulado com base no pressuposto de que quanto

mais alto for o valor total (soma de todos os itens), maior a ingenuidade epistemológica

do sujeito. No entanto, cerca de metade dos itens (28 na versão portuguesa inicial) estão

formulados de forma negativa (de forma a suscitar o desacordo por um sujeito ingénuo),

requerendo um processo de recodificação por inversão dos valores numéricos da escala

de resposta.

Depois da inversão destes 28 itens, procedeu-se a uma análise global da

distribuição das respostas em cada uma das questões. De modo geral, registaram-se

respostas em todos os pontos da escala, em todos os itens (ver Anexo III.), podendo

considerar-se que as respostas observadas cobriam de uma forma razoável o leque de

todas respostas possíveis. Numa análise mais detalhada, constatou-se que alguns (cinco)

dos itens registavam, num dos extremos da escala, frequências de resposta superiores ou

iguais a 60%: itens 3, 28, 34, 39 e 43. Esta relativa acumulação de respostas, por vezes

julgada excessiva, não produziu em nenhum dos casos (Anexo IV.) um valor de

assimetria considerado significativo (maior que 2 ou menor que –2, de acordo com o

critério referido por Pestana e Gageiro, 1998). Desta forma, e dado que se tratava da

adaptação de um questionário já anteriormente estudado, optou-se por não eliminar

nenhum item nesta fase, reservando esta decisão para análises posteriores. A eliminação

prévia de alguns dos itens originais poderia alterar de forma significativa a estrutura do

questionário, bem como a representação de alguns dos subconjuntos de itens.

A análise da estrutura factorial do questionário seguiu, numa primeira fase,

orientações expressas da autora. Para a versão original, Schommer (1990 e seguintes)

usou sempre um mesmo procedimento: após a inversão dos itens de valência negativa,

procedeu sempre ao cálculo do valor médio das respostas aos itens de cada subconjunto

(anteriormente descritos, no Quadro 1.2.). Obtém-se, desta forma, uma redução do

número de variáveis para análise factorial, de 64 (número total de itens) para apenas 12

(o número de subconjuntos propostos inicialmente). Todos os cálculos e análises

subsequentes passam a incidir sobre estas doze variáveis: análise de componentes

principais, determinação de escalas, estudos de consistência interna.

Reproduzindo os procedimentos utilizados no desenvolvimento das versões

originais do Questionário Epistemológico, procedeu-se a uma primeira análise da

estrutura factorial da versão portuguesa.

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Todas as análises foram efectuadas no programa estatístico SPSS (versão 10.1.

for Windows). Testaram-se os pressupostos estatísticos da análise factorial (Hair,

Anderson, Tatham & Black, 1998). Os resultados da análise de itens e os resultados

obtidos no teste de esfericidade de Bartlett (nível de significância inferior a .000) e na

medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = .726) confirmam a

possibilidade de realização desta análise.

A análise em componentes principais, com rotação varimax, permitiu a extracção

de 4 factores com valor próprio superior a .95, que permitem explicar 54.6% da

variância total. No Quadro 1.5. apresentam-se os resultados obtidos, considerando

apenas os valores de saturação (carga factorial) superiores a .25. Salientam-se com letra

mais escura os valores julgados significativos, em função da dimensão da amostra

(valores superiores a .34, de acordo com Hair, Anderson, Tatham & Black, obra

citada2).

QUADRO 1.5.

Estrutura factorial da versão portuguesa do Questionário Epistemológico

para estudantes universitários, com base no agrupamento prévio dos itens.

Factores 1 2 3 4 A. Procura de respostas únicas .803 C. Evitamento da ambiguidade .689 G. Inatismo da capacidade de aprendizagem .577 .294 F. Ausência de crítica à autoridade .553 .331 J. Aprender à primeira vez .739 -.257 L. Aprender é rápido .686 M. O esforço é uma perda de tempo .593 B. Evitamento da integração .795 E. Dependência da autoridade .287 .606 D. Certeza no conhecimento .396 .407 .260 I. Ausência de relação entre trabalho e sucesso .803 H. Impossibilidade de aprender a aprender .756 (análise em componente principais com rotação varimax, após 6 iteracções, com extracção de 4 factores)

Uma análise mais detalhada do conteúdo e significado psicológico dos itens que

compõem estes quatro factores, revela uma estrutura similar à que foi repetidamente

encontrada para a versão original do questionário.

2 Para um nível de poder de 80%, com base num nível de significância de .05.

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Analisando os itens inseridos nos subconjuntos com maior saturação em cada

factor, sugerem-se as seguintes designações:

Factor 1. Veracidade e exactidão do conhecimento3 ( com 17 itens, α = .75)

Factor 2. Imediatismo da aprendizagem (com 8 itens, α = .58)

Factor 3. Simplicidade do conhecimento (com 14 itens, α = . 62)

Factor 4. Fixidez da capacidade de aprendizagem (com 8 itens, α = .56)

As designações sugeridas correspondem à análise e interpretação psicológica dos

itens inseridos nos subconjuntos com maior saturação em cada factor. Para uma análise

mais detalhada dos itens especificamente inseridos em cada um destas dimensões,

sugere-se a consulta do Anexo V.

O número de itens e o valores de α de Cronbach indicados, foram determinados

após a eliminação de um total de 17 itens, com base no estudo da consistência interna de

cada escala.

Embora emergindo por uma ordem diferente e incluindo diferentes subconjuntos,

estes factores têm correspondência com as dimensões definidas para a versão original

(Schommer, 1990; Schommer et al., 1997). O Factor 1. corresponde à dimensão de

“estabilidade do conhecimento” (crença na imutabilidade, determinismo e certeza do

conhecimento); o Factor 2. corresponde à dimensão de “velocidade de aprendizagem”;

(acreditar que ou se aprende logo ou já não se aprende); o Factor 3. corresponde à

dimensão de “estrutura do conhecimento” (crença na simplicidade do conhecimento por

adição de elementos isolados) enquanto o Factor 4. se refere à dimensão de

“maleabilidade da capacidade de aprendizagem” (crença na impossibilidade de

desenvolver as aptidões pessoais, de aprender a aprender). Na versão original, estes

quatro factores permitiam explicar 55.2% da variância total (54.6% nesta adaptação

para língua portuguesa), e os valores de consistência interna de cada factor oscilavam

entre .63 e .85.

Tal como se observou nos estudos desenvolvidos para a versão original, também

aqui não se confirma a hipótese de uma quinta dimensão, que se poderia designar por

“Autoridade Omnisciente”.

3 No original (Schommer, 1990) este factor integrava o subconjunto “D. Certeza no

conhecimento” e surgia com a designação: “Knowledge is certain”. Dado que na versão portuguesa este

subconjunto apresenta, simultaneamente, valores de saturação (“loadings”) significativos com o Factor 1

e 3, optou-se por uma descrição mais específica do significado psicológico do factor.

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Os doze subconjuntos, previamente definidos, distribuem-se pelos quatros

factores de forma quase exclusiva, com excepção do agrupamento intitulado “Certeza

no conhecimento”, com saturações significativas tanto no factor 1 como no factor 3

(com um valor superior em relação ao factor 3). Esta relativa ambivalência justifica-se

pelo facto de estes dois factores partilharem entre si quase todos os subconjuntos de

itens inicialmente inseridos em duas dimensões hipotéticas distintas: “Simplicidade do

conhecimento” e “Certeza no conhecimento” (Quadro 1.2.).

No estudo desenvolvido por Qian e Alverman (1995), estes dois factores surgem

mesmo fundidos, sob a designação de “simplicidade e certeza no conhecimento”.

Neste sentido, foi igualmente analisada uma solução factorial a três factores (com valor

próprio superior a 1 e que explicava 46.5% da variância total).

Esta solução factorial revelou uma estrutura similar à anterior, com os

subconjuntos agrupados do mesmo modo no caso dos factores 2 e 4, e com os factores 1

e 3 a aparecerem totalmente fundidos. Deste modo, o Factor 1 passaria a englobar

todos os itens dos 7 subconjuntos indicados (designados pelas letras A. a G. no Quadro

1.2.), agregando as dimensões hipotéticas de “Simplicidade do Conhecimento”;

“Certeza no conhecimento”; “Autoridade Omnisciente”; e ainda, um dos subconjuntos

da dimensão “Fixidez das Aptidões”.

A escala que resultasse deste factor, teria um total de 35 itens (α = .81, após a

eliminação de 10 itens que diminuíam o valor de consistência interna). Esta escala, de

carácter tão abrangente, apresenta um valor de consistência interna superior ao

observado para as duas escalas quando consideradas de forma independente4, mas

simultaneamente, pode ser considerada menos discriminativa, excessivamente

heterogénea, englobando itens com formulações e objectivos muito diversos.

Analisando estas duas soluções factoriais, pode concluir-se que:

a) os factores determinados apresentam uma estrutura e características

psicométricas similares ao que foi descrito para o questionário original;

b) no entanto, a forma como os sete subconjuntos de itens tendem a agrupar-se,

não corresponde exactamente às dimensões hipotéticas inicialmente sugeridas para a

construção do questionário.

4 Facto que não surpreende dado que esta nova escala contem um número de itens muito superior

ao englobado em cada uma das escalas anteriores.

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De acordo com a estrutura original, seria de prever que determinados

subconjuntos de itens se agrupassem num mesmo factor ou dimensão, o que não se

observou em muitos casos. Quase todos os subconjuntos inicialmente associados

(dimensões epistemológicas hipotéticas sugeridas no Quadro 1.2.), surgem depois

integrados em diferentes factores. Com uma única excepção: os três subconjuntos

inicialmente integrados na dimensão “Rapidez da Aprendizagem” surgem precisamente

no Factor 2. (Imediatismo da Aprendizagem).

Uma leitura mais atenta do conteúdo dos itens inseridos em cada subconjunto

coloca mesmo algumas dúvidas quanto aos critérios que fundamentam o seu

agrupamento prévio. A título de exemplo veja-se como, na solução a 4 factores, os

itens 17 5 e 45 6 convergem num mesmo factor (“Factor 1. Veracidade e exactidão do

conhecimento”), enquanto, por razões difíceis de compreender, se encontravam

inicialmente inseridos em duas dimensões distintas, designadas respectivamente por

“Simplicidade do conhecimento” e “Certeza no conhecimento”.

O agrupamento prévio dos itens em subconjuntos torna-se ainda menos fiável

após a tradução para língua portuguesa. Por exemplo, mesmo na versão original, o item

38. (“Quando estudo procuro factos específicos”7) pode ter um significado que o

aproxima mais da crença epistemológica no carácter específico, determinado e preciso

do conhecimento do que na simplicidade do conhecimento (o conhecimento como

adição simples de elementos isolados). No entanto, de acordo com a estrutura do

questionário (Quadro 1.2.) seria de esperar que o item 38 (bem como todo o

subconjunto “B. Evitamento da integração”) surgisse associado ao subconjunto de itens

de “Procura de respostas únicas”, numa dimensão comum que permitisse avaliar a

crença na “Simplicidade do Conhecimento”. E esta discrepância pode ter sido reforçado

pela tradução. Em língua portuguesa, o valor semântico da expressão “factos

específicos” pode reforçar uma associação com preocupações de precisão do

5 Item 17.: “Na investigação científica o aspecto mais importante é a precisão na medida e um

trabalho cuidadoso.” (previamente inserido no subconjunto A. Procura de respostas únicas) 6 Item 45.: “É uma perda de tempo tentar resolver problemas que não têm uma solução precisa e

certa.” (previamente inserido no subconjunto C. Evitamento da ambiguidade) 7 No original: “When I study, I look for the specific facts” (previamente inserido no subconjunto

B. Evitamento da integração)

II. MÉTODO: Estudo 1.

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144

conhecimento em detrimento de uma concepção de simplicidade do conhecimento, por

decomposição em elementos (factos) isolados.

O agrupamento prévio dos itens em doze subconjuntos tem sido repetidamente

usado e descrito em todos os trabalhos publicados pela autora (Schommer; 1990; 1993;

1994) ou em colaboração (Schommer, Calvert, Gariglietti & Bajaj, 1997; Schommer,

Crouse & Rhodes, 1992; Schommer & Walker, 1995). No entanto, outros autores que

utilizaram o Questionário Epistemológico optaram por outros procedimentos.

Num dos casos (Qian & Alvermann, 1995), procedeu-se inicialmente a uma

análise factorial exploratória de todos os itens (sem agregação em subconjuntos),

forçando a extracção de quatro factores, número repetidamente identificado em estudos

anteriores. Em seguida, todos os itens com coeficientes (“loadings”) inferiores a .30

foram eliminados. Finalmente, os itens restantes foram alvo de novas análises, com

exploração de diferentes soluções factoriais. Considerando resultados estatísticos e

pressupostos teóricos, os autores determinaram como mais conveniente uma solução

final com três factores: “aprender é rápido” (15 itens, α =.79); “o conhecimento é

simples e preciso” (11 itens, α =.68) e “a capacidade de aprender é inata” (6 itens, α

=.62), surgindo deste modo uma nova versão revista do Questionário Epistemológico

com 32 itens. Todos estes factores apresentavam valores próprios superiores a 1,

permitindo explicar 23% da variância total.

Noutro estudo (Jehng, Johnson & Anderson, 1993), foi analisada uma versão

ligeiramente diferente do Questionário Epistemológico original, com reformulação de

uma das dimensões (“regularidade nos processos de conhecimento” em vez de

“conhecimento simples”). Antes de proceder à análise factorial, foram eliminados todos

os itens que prejudicavam a consistência interna do questionário (tendo sido possível

alcançar um valor de α de Cronbach de .84 para a escala total) e sete itens com um

baixo poder discriminativo. Verificou-se que as cinco dimensões inicialmente propostas

(descritas no Quadro 1.2.) apresentavam valores de consistência interna que oscilavam

entre .42 e .59, valores que os próprios autores consideram baixos embora aceitáveis

para efeitos de comparação entre grupos. Partindo de um total de 51 itens,

conservaram-se por fim 34 itens, que foram objecto de uma análise factorial

confirmatória (método LISREL). Os resultados obtidos são consistentes com a

estrutura inicialmente proposta por Schommer (1990), confirmando as cinco dimensões

inicialmente propostas (Quadro 1.2.).

II. MÉTODO: Estudo 1.

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145

Mais recentemente, num extenso trabalho de revisão de literatura sobre crenças

epistemológicas (Hofer & Pintrich, 1997), surgiram algumas críticas específicas ao

procedimento adoptado por Schommer. Os autores salientam a inexistência de uma

análise factorial ao conjunto de todos os itens e a necessidade de uma confirmação

empírica da consistência interna dos subconjuntos inicialmente propostos.

Contactada directamente, a autora do questionário reconheceu a existência de

vários procedimentos alternativos, nomeadamente, a análise de todos os itens não

agrupados, ou a eliminação prévia de itens que reduzam o valor global de consistência

interna do questionário. No primeiro caso, será de esperar a emergência de uma

estrutura factorial com demasiados factores8, menos legível e com menor poder

explicativo. E só por esta razão, a autora persiste na recomendação do agrupamento

prévio. No entanto, qualquer que seja a opção, considera que o objectivo deve ser a

pesquisa de uma solução final clarificadora, de maior valor preditivo, maior validade e

poder explicativo da relação das crenças epistemológicas com outras variáveis.

Com base em todas estas informações, desenvolveram-se análises

complementares, para determinação da consistência interna de cada subconjunto e

análise exploratória do conjunto dos itens, sem agrupamento prévio.

Procedeu-se ao cálculo do valor de consistência interna de cada um dos

subconjuntos previamente definidos durante a fase de construção do questionário, pela

determinação do valor de alpha de Cronbach. (Quadro 1.6.).

O número de itens que a autora inseriu em cada subconjunto varia entre 2 (no

caso do subconjunto “M. O esforço é uma perda de tempo”) e 11 (para o primeiro dos

subconjuntos, “A. Procura de respostas únicas”).

Os valores de consistência interna observados variam entre um mínimo de 0.16

(subconjunto E. com a designação “Dependência da autoridade”) e um valor máximo de

0.55 (subconjunto C., com a designação “Evitamento da ambiguidade). Com valores

tão baixos, parece difícil aceitar que os subconjuntos possam ser considerados como

variáveis independentes, suficientemente representativas dos itens que as integram.

8 Quando estão envolvidas mais de 50 variáveis, é comum a extracção de um número excessivo

de factores de valor próprio superior a 1 (Hair, Anderson, Tatham & Black, 1998, p.103).

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146

QUADRO 1.6.

Análise da consistência interna dos subconjuntos de itens.

Subconjuntos préviamente definidos Número inicial de itens

Alpha de Cronbach

A. Procura de respostas únicas 11 .44 B. Evitamento da integração 8 .37 C. Evitamento da ambiguidade 5 .55 D. Certeza no conhecimento 7 .51 E. Dependência da autoridade 4 .16 F. Ausência de crítica à autoridade 6 .36 G. Inatismo da capacidade de aprendizagem 4 .43 H. Impossibilidade de aprender a aprender 5 .42 I. Ausência de relação entre trabalho e sucesso 4 .38 J. Aprender à primeira vez 3 .36 L. Aprender é rápido 5 .41 M. O esforço é uma perda de tempo 2 .18

Mesmo que a cada subconjunto fossem retirados os itens que contribuem para

reduzir a consistência interna (Quadro 1.7.), constata-se que apenas três dos

subconjuntos registariam ligeiras subidas do valor de consistência interna,

permanecendo todos os valores de alpha abaixo de .60.

QUADRO 1.7.

Análise da consistência interna dos subconjuntos de itens após retirada dos itens

que contribuíam para uma diminuição da consistência interna.

Subconjuntos previamente definidos Número final de itens

Alpha de Cronbach

A. Procura de respostas únicas 7 .59 B. Evitamento da integração 3 .57 C. Evitamento da ambiguidade 5 a .55 D. Certeza no conhecimento 7 a .51 E. Dependência da autoridade 2 .26 F. Ausência de crítica à autoridade 6 a .36 G. Inatismo da capacidade de aprendizagem 4 a .43 H. Impossibilidade de aprender a aprender 5 a .42 I. Ausência de relação entre trabalho e sucesso 4 a .38 J. Aprender à primeira vez 3 a .36 L. Aprender é rápido 5 a .41 M. O esforço é uma perda de tempo 2 a .18

a Subconjuntos em que nenhum item foi retirado, por nenhum contribuir para uma redução da consistência interna.

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147

Deste modo, optou-se por desenvolver um estudo de análise factorial de natureza

exploratória, sem agrupamento prévio dos itens9.

Considerando a totalidade dos 64 itens, o valor de consistência interna

observado (alpha de Cronbach) é de .78. O teste de esfericidade de Bartlett registou um

nível de significância inferior a .000 e a medida de adequação da amostra de Kaiser-

Meyer-Olkin (KMO) um valor de .667. Este valor é considerado “razoável” (Pestana e

Gageiro, 1998) confirmam a possibilidade de prossecução desta análise.

A Análise Factorial em Componentes Principais, com rotação varimax permitiu

uma primeira extracção de 23 componentes com valor próprio superior a 1, os quais

explicam cerca de 65% da variância total.

Uma análise da matriz de componentes permitiu constatar que apenas os cinco

primeiros factores continham mais do que um item com cargas factoriais (coeficientes

ou “loadings”) consideradas significativas (superiores a .34, dada a dimensão da

amostra, de acordo com Hair, Anderson, Tatham & Black, obra citada10). Estes cinco

primeiros factores, com valor próprio superior a 2, explicam 26.5% da variância total.

Os restantes 18 factores, com valores próprios entre 1 e 2, correspondem a 38%

da variância total, mas a enorme dispersão de itens inviabilizou uma interpretação

psicológica consistente. Nestes dezoito factores específicos11, apenas se observaram

cargas factoriais inferiores a .40. Mesmo que cargas factoriais de .30 sejam

normalmente consideradas significativas (e.g. Kline, 1994, p..52) se não surgirem

outros itens com cargas factoriais mais elevadas “teremos que concluir que esse factor

se encontra mal representado” (Almeida e Freire, 1997, p.183). Desta forma, pareceu

inadequado tentar extrair o significado psicológico de um tão elevado número de

factores, a partir de itens isolados, com cargas factoriais (“loadings”) tão baixas,

nalguns casos apenas com valores não significativos.

Em alternativa, optou-se pela realização de outras análises factoriais de carácter

exploratório, com determinação prévia de um número limite de factores. Para este efeito

foram analisados diferentes critérios para determinação do número de factores a extrair.

9 Todas as análises foram efectuadas no programa estatístico SPSS (versão 7.5 for windows), 10 Para um nível de poder de 80%, com base num nível de significância de .05. 11 Assim designados por conterem apenas um item com carga factorial significativa. Kline (1994,

p.72) sugere um mínimo de 3 itens para a interpretação de um factor comum.

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148

A interpretação do gráfico dos valores próprios por cada componente (“scree

plot”) sugeria a extracção de 4 ou 5 factores (critério de Cattell, 1978, citado por Kline,

1994). Este número aproximava-se muito do que poderia ser sugerido por um critério a

priori. Os pressupostos teóricos, os subconjuntos e dimensões inicialmente propostos

para a versão original sugeriam a existência de cinco dimensões hipotéticas. Por outro

lado, os estudos anteriores concluíram sempre pela existência de três a cinco factores.

Considerando estes critérios, obtiveram-se diferentes soluções factoriais, com

três, quatro e cinco factores respectivamente. Todas estas soluções se revelaram

possíveis, permitindo explicar 20%, 23.5% e 26.5% da variância, respectivamente. Em

todos os casos se procedeu a Análises de Componentes Principais, com rotação

varimax, em 6, 10 e 24 iterações, respectivamente. Os resultados de cada uma destas

soluções foram cuidadosamente analisados, tendo como objectivo a escolha da opção

mais representativa, que permitisse a criação de escalas com uma boa consistência

interna e de clara interpretação psicológica.

A comparação das várias estruturas factoriais permitiu concluir que alguns

subconjuntos de itens tendiam a surgir repetidamente agregados, em todas as soluções.

No entanto, a solução factorial a cinco factores revelou-se como a mais consistente e

clarificadora, tanto do ponto de vista estatístico como em termos conceptuais, ao nível

da interpretação psicológica.

Verificou-se que esta solução factorial era a que mais se aproximava da estrutura

original do questionário (Quadro 1.8.). Permitia conservar 62 dos 64 itens iniciais12, que

se distribuíam de uma forma clara por 5 factores, explicando 26.5% da variância total.

Estes 62 itens associavam-se de forma quase exclusiva a um dos cinco factores:

sendo raros os itens com idêntica carga factorial em mais do que um factor.

Considerando a dimensão da amostra inquirida neste estudo13, apenas os valores de

saturação (“factor loading”) superiores a .34 podem ser considerados significativos.

12 Itens excluídos - item 36.: “Sempre que tenho um problema difícil na minha vida, consulto os

meus pais.” e item 57.: “Uma cabeça arrumada é uma cabeça vazia”. Estes itens foram excluídos por

apresentarem cargas factoriais diminutas (inferiores a .25), e em diferentes factores. 13 Para um nível de poder de 80%, com base num nível de significância de .05., de acordo com

Hair, Anderson, Tatham & Black, 1998).

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Quadro 1.8. Estrutura factorial da versão final do Questionário Epistemológico.

Factor 1. Veracidade e exactidão. 1 2 3 4 5 Um dia, os cientistas vão conseguir chegar à verdade. .68 Se os cientistas se esforçarem, poderão descobrir a verdade sobre a maior parte das coisas. .58 As pessoas que põem em causa a autoridade científica são demasiado convencidas. .56 Prefiro professores que organizam meticulosamente as suas aulas e que respeitam os seus planos. .52 A maioria das palavras tem um significado preciso. .49 O que há de melhor nos cursos de ciências é que a maior parte dos problemas tem uma única resposta certa. .41 .35 Penso muitas vezes até que ponto os meus professores realmente sabem. .39 Quando estudo procuro factos específicos. .39 .26 O mais importante na investigação científica é a precisão na medida e um trabalho cuidadoso. .38 Não gosto de filmes que não se percebe como acabam. .37 .30 Podemos acreditar em Quase tudo o que lemos. .34 .28 Um bom professor evita que os seus alunos se desviem do percurso certo. .34 .30 É uma perda de tempo, tentar resolver problemas que não têm uma solução precisa e certa. .34 .25 .25 Factor 2. Simplicidade e Realismo. Se os professores teorizassem menos e se limitassem aos factos, tirava-se mais partido da Universidade. .55 Por vezes, tem que se aceitar as respostas de um professor, mesmo sem as compreender. .50 As coisas são mais simples do que a maioria dos professores nos tenta fazer crer. .47 Para ter bons resultados nos testes normalmente é necessário decorar definições. .46 Aquilo que se ganha com a escola depende sobretudo da qualidade do professor. .40 Algumas pessoas nascem bons alunos, outras estão presas por uma capacidade limitada. .38 Os estudantes realmente inteligentes não precisam de trabalhar muito para ter bons resultados. .37 .25 Já era altura de os professores saberem qual é o melhor método de ensino. .30 .36 É aborrecido ouvir um professor que não se define sobre aquilo em que realmente acredita. .34 Tentar integrar novas ideias de um livro com conhecimento já adquirido, só leva à confusão. .29 .28 Ser um bom aluno envolve geralmente memorizar coisas específicas. .28 .28 Um especialista é alguém que tem um dom especial numa determinada área. .29 .28 Factor 3. Imediatismo e Facilidade. Se uma pessoa não consegue conpreender uma coisa num curto espaço de tempo, deve continuar a tentar. .60 Se uma pessoa se esforça muito para compreender um problema, provavelmente acabará por ficar confusa. .29 .53 Trabalhar muito num problema difícil durante muito tempo, só é útil para um estudante realmente inteligente. .38 .51 Geralmente, ler e reler várias vezes um texto difícil não ajuda muito à sua compreensão. .46 Para que uma coisa venha a ser compreendida tem de fazer sentido logo à primeira vez. .34 .43 Quase toda a informação que se pode apreender num texto, se obtem numa primeira leitura. .41 Para ter sucesso na escola o melhor é não fazer muitas perguntas. .35 Mesmo os conselhos dos peritos devem ser muitas vezes questionados. .34 .30 O que hoje parece um facto pode amanhã revelar-se uma ilusão. .33 .25 Aos factos de hoje, poderemos amanhã chamar ficção. .31 .32 .25 Para progredir é preciso trabalhar muito. .28 .25Os estudantes que são medianos na escola, continuarão medianos para o resto das suas vidas. .28 Os estudantes bem sucedidos compreendem as coisas rapidamente. .25 .25 Factor 4. Estabilidade e Dependência A sabedoria não é saber as respostas, mas sim saber como as encontrar. .57 A única certeza é a própria incerteza. .44 Uma frase tem pouco significado se não se conhece o contexto em que foi dita. .39 Uma boa maneira de compreender um texto consiste em reorganizar a informação de acordo com um esquema pessoal. .34 .38 A aprendizagem é um processo lento de construção de conhecimento. .38 Se estamos familiarizados com o assunto de um texto, devemos avaliar o rigor com que o tema é tratado. .35 .29Para mim estudar significa extrair as ideias principais do texto e não tanto os detalhes. .34 Quando encontramos num texto um conceito difícil, o melhor é tentar compreendê-lo por nós próprios. .34 Considero brilhante uma pessoa que, mesmo esquecendo detalhes, consegue extrair as ideias de um texto. .32 A verdade é imutável. .31 Não há certezas, excepto a morte e os impostos. .31 Em geral, se nos concentrarmos realmente, conseguimos compreender os conceitos difíceis. .31 Um estudante controla em grande parte o que consegue extrair de um texto. .30 Nunca se chega a saber o que um livro quer dizer a não ser quando se conhece o objectivo do autor. .29 .21No trabalho científico o mais importante é a originalidade. .29 Factor 5. Fixidez das Aptidões. Receber formação sobre métodos de estudo é provavelmente muito útil. .51As pessoas bem sucedidas descobriram como melhorar a sua capacidade de aprendizagem. .51Os livros que ensinam a aprender não são de grande ajuda. .50A genialidade é 10% de capacidade e 90% de trabalho duro. .42Acho estimulante reflectir sobre coisas em que os especialistas não estão de acordo. .28 .29 .37Toda a gente precisa de aprender a aprender. .30 .34A capacidade de aprendizagem é inata. .33Se arranjo tempo para reler um texto, aproveito muito mais nessa segunda leitura. .30 .32 .33Tento o mais possível relacionar a informação entre capítulos e mesmo entre aulas. .30 .32

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150

Segundo este critério estrito, deveriam ter sido eliminados três itens no factor 2,

cinco itens no factor 3., sete itens no factor 4. e três itens no factor 5., reduzindo a

extensão original do questionário a um conjunto de 44 itens14.

No entanto, esta solução pareceu demasiado restritiva e redutora da consistência

interna das escalas. Tratando-se de um primeiro estudo da tradução e adaptação para

língua portuguesa do Questionário Epistemológico, optou-se por manter tanto quanto

possível a estrutura inicial do questionário, que poderá ser reavaliada em estudos

posteriores. Além disso alguns autores consideram que os critérios de selecção de itens

devem considerar não só a dimensão da amostra como também o número de variáveis

em análise (Hair, Anderson, Tatham & Black, 1998, p.112). Em função do número de

variáveis, o critério de aceitação dos itens (nível de significância das cargas factoriais)

pode tornar-se progressivamente menos exigente, do primeiro para os factores

subsequentes.

De acordo com esta sugestão, procedeu-se a uma análise menos restritiva,

considerando simultaneamente o conteúdo e interpretação psicológica das escalas e os

valores de consistência interna (Quadro 1.9.). Em cada factor, foram seleccionados

todos os itens com uma carga factorial igual ou superior a .28.

Quadro 1.9.

Consistência interna das escalas do Questionário Epistemológico

Factor

Interpretação Psicológica

Nº de

Itens

Alpha de

Cronbach

1 Natureza do conhecimento. 13 .76

2 Simplicidade e Realismo. 12 .66

3 Imediatismo e Facilidade. 13 .64

4 Estabilidade e Dependência 15 .60

5 Fixidez das Aptidões. 9 .61

Total 62 .78

14 As escalas assim obtidas teriam valores de consistência interna (alpha de Cronbach),

respectivamente de .62, .59, .50 e .56. A escala baseada no factor 1 permaneceria idêntica.

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151

A forma como os itens surgem agregados em factores não respeita o

agrupamento inicial em subconjuntos. Em quase todos os factores se podem observar

itens provenientes de diferentes subconjuntos, inicialmente inseridos em dimensões

hipotéticas completamente diferentes (anteriormente descritas no Quadro 1.2.). Por

exemplo: no factor 1 surgem itens dos subconjuntos A., B., C., D., F.; no factor 2

surgem itens dos subconjuntos A., B., C., E., G., I.; no factor 3, itens dos subconjuntos

D., F., G., I., J., L., M.; no factor 4, itens dos subconjuntos A., B., D., E., F., H., I., L.,

M.; no factor 5, itens provenientes dos subconjuntos B., C., G., H., I., J.. Uma vez mais,

a solução de agrupamento prévio inicialmente proposto para o questionário original,

parece ter uma insuficiente confirmação empírica.

No entanto, esquecendo os subconjuntos previamente definidos, a análise e

interpretação psicológica do conteúdo dos itens inseridos em cada componente permite

chegar a designações que correspondem de forma aproximada às cinco dimensões

epistemológicas que estiveram na origem deste questionário e às designações que foram

sendo sucessivamente propostas (Quadro 1.10.). Estes resultados sugerem que não é

necessário uma classificação e agrupamento prévio dos itens para ver emergir as cinco

dimensões básicas na caracterização das crenças epistemológicas sobre o conhecimento.

No entanto, uma leitura e análise mais atenta do conjunto de itens inseridos em cada

escala sugeriu, nalguns casos, a formulação de novas designações (Quadro 1.10.)

O Factor 1, com a designação “veracidade e exactidão”, inclui 13 itens (α

=.76) que, em conjunto, parecem reflectir sobre a certeza e segurança no conhecimento,

em especial, no conhecimento científico. “Verdade há só uma” é o exemplo de uma

expressão popular que talvez possa sintetizar o pólo mais ingénuo desta dimensão

epistemológica. Corresponde, em parte15, a uma das cinco crenças básicas inicialmente

sugeridas por Schommer (1990): a certeza no conhecimento (“Knowledge is certain”),

a certeza num conhecimento absoluto, preciso e determinado. “Um dia os cientistas vão

conseguir chegar à verdade” é o item mais representativo deste conjunto (com uma

carga factorial de .68).

15 Na versão original, esta dimensão era também descrita em termos de estabilidade, de

imutabilidade do conhecimento (Schommer, 1990, 1994; Schommer et al., 1997). Pela análise de

conteúdo dos itens este aspecto aparece associado ao Factor 4.

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Quadro 1.10.

Comparação entre factores e dimensões epistemológicas hipotéticas.

Factores – interpretação psicológica16.

(adaptação portuguesa do Questionário Epistemológico)

Factores e dimensões hipotéticas propostas:

(Schommer, 1990) (Schommer, 1994)

(Schommer et al., 1997)

Factor 1.

Veracidade e exactidão.

(Certeza no conhecimento)

2. Certeza no conhecimento

(IV) estabilidade do conhecimento

Factor 2.

Simplicidade e realismo.

(Simplicidade do conhecimento)

1. Organização do conhecimento

(II) estrutura do conhecimento

Factor 3.

Imediatismo e facilidade.

(Rapidez da aprendizagem)

5. Rapidez da aprendizagem

(III) velocidade de aprendizagem

Factor 4.

Estabilidade e dependência.

(Autoridade omnisciente)

3. Origem do conhecimento

( -- )

Factor 5.

Fixidez das Aptidões.

(Fixidez das Aptidões)

4. Controlo da Aprendizagem

(I) maleabilidade da capacidade de aprendizagem

Esta escala permite avaliar até que ponto se evita a ambiguidade e se professa a

exactidão; até que ponto se acredita que a verdade existe e pode ser determinada de

uma forma objectiva e neutra; até que ponto as palavras têm um significado preciso, um

único significado, que pode ser classificado como certo ou errado. E que, mesmo

quando esse significado estiver errado, alguém há-de saber o significado exacto de cada

palavra, a resposta certa para cada problema.

Esta dimensão epistemológica parece corresponder a uma das características de

uma postura positivista (“positivisme empiriste”), nomeadamente a crença numa

universalidade de carácter neutro, sem interferência de qualquer forma de

subjectividade, em que o objectivo da ciência é a busca de leis, únicas e universalmente

válidas (Fourez, Englebert-Lecomte, Mathy, 1997).

16 Tal como na versão original do questionário, os factores surgem aqui designados numa

perspectiva epistemológica ingénua.

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O Factor 2, com a designação “simplicidade e realismo”, inclui 12 itens (α

=.66), que parecem reflectir sobre a estrutura e organização do conhecimento

(Schommer, 1990, 1994, Schommer et al., 1997). Numa perspectiva ingénua, poderia

dizer-se simplesmente, que “as coisas são como são”, a realidade é como é e não vale a

pena complicar. “Se os professores teorizassem menos e se limitassem aos factos,

tirava-se mais partido da Universidade” é o item mais representativo do conjunto (com

uma carga factorial de .55). Mas a generalidade dos itens parece fazer um apelo à

simplicidade, uma crítica à teorização, à elaboração. O conhecimento é mais simples do

que nos querem fazer crer, não só porque cada coisa é uma coisa (adição simples de

elementos isolados, como Schommer tinha sugerido inicialmente17) mas porque a

realidade é como é e não vai mudar. Nasce-se bom ou mau aluno e quem é realmente

inteligente não precisa de trabalhar muito. Na escola aprende-se se o professor é bom e

para ser um bom aluno é preciso decorar definições, memorizar coisas específicas,

mesmo sem as compreender. Cada um acredita no que acredita, e os especialistas

possuem um dom especial. Deste modo, à designação inicial (“Simple Knowledge”),

pareceu necessário associar a noção de realismo, para referir a crença na possibilidade

de um contacto “directo” com a realidade tal como ela é, sem necessidade de

elaboração. Esta dimensão pode ser considerada como um segundo aspecto de uma

postura positivista, que encara a ciência como um reflexo, um espelho da realidade, com

o objectivo de descoberta do mundo tal como ele existe (Fourez, Englebert-Lecomte,

Mathy, 1997).

O Factor 3, com a designação “imediatismo e facilidade” na aquisição de

conhecimento, inclui 13 itens (α =.64). Numa perspectiva ingénua, esta crença poderia

ser formulada como “aprende-se logo e sem dificuldade ou já não se aprende”. O item

mais representativo do conjunto encontra-se no polo oposto desta dimensão: “Se uma

pessoa não consegue compreender uma coisa num curto espaço de tempo, deve

continuar a tentar.” A crença no carácter imediato do processo de aprendizagem

associa-se, por um lado, a uma ausência de relação entre trabalho e sucesso18, e por

17 “Tentar integrar novas ideias com conhecimento já adquirido, só leva à confusão.”, item

inicialmente inserido no subconjunto B. “Evitamento da Integração”. 18 “Se uma pessoa se esforça muito para compreender um problema, provavelmente acabará por

ficar confusa”.

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outro, a uma aceitação passiva de factos e asserções, sem os questionar19. Nesta

perspectiva, não vale a pena levantar questões, nem continuar a tentar. Como tinha sido

sugerido para a versão original do questionário (“Quick Learning”) esta dimensão inclui

a maior parte dos itens dos subconjuntos “Aprender à primeira vez” e “Aprender é

rápido” e um dos dois itens do subconjunto. “O esforço concentrado é uma perda de

tempo”. Talvez esta convicção seja um reflexo de uma terceira característica de uma

atitude positivista: a crença na imediaticidade do conhecimento. Esta é a crença na

possibilidade de um contacto “directo” com a realidade: “il suffit de regarder pour

compreendre” (Martinand, 1989, citado por Fourez et al., 1997). Ao acreditar que o

conhecimento decorre directamente da percepção sensorial, espera-se logicamente uma

aquisição imediata e sem esforço.

A dimensão de “Autoridade Omnisciente” (que incluía os subconjuntos E. e F.,

também designada por “Origem do Conhecimento”) nunca foi confirmada pelos

resultados empíricos, isto é, nunca emergiu como factor em nenhum dos estudos

anteriormente publicados. No entanto, nesta adaptação para língua portuguesa, foi

possível identificar um factor que pode ser relacionado com crenças sobre a origem do

conhecimento (Factor 4, com a designação “estabilidade e dependência”, com 15

itens, α =.60). Aí estão incluídos itens que solicitam uma reflexão sobre o papel mais

ou menos activo, construtivo e crítico de quem aprende (por exemplo, o item 29.:

“Quando encontramos num texto um conceito difícil, o melhor é tentar compreendê-lo

por nós próprios.”; ou no caso do item 46.: “Se estamos familiarizados com um assunto,

devemos avaliar o rigor com que o tema é tratado”). Estes dois itens provêm

especificamente de subconjuntos inicialmente inseridos na dimensão designada por

“Autoridade Omnisciente”. No entanto, podem encontrar-se outros itens desta

dimensão em quase todos os outros factores. E, paralelamente, o Factor 4 contem

outros itens que também parecem reflectir crenças sobre a origem e processo de

aquisição de conhecimento, mas de uma forma mais ampla do que inicialmente

proposto na dimensão “Autoridade Omnisciente”. Deste modo, optou-se pela atribuição

de uma nova designação.

19 Como no item: “Para ter sucesso na escola o melhor é não fazer muitas perguntas”.

II. MÉTODO: Estudo 1.

Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

155

Os itens com cargas factoriais mais elevadas neste factor referem a importância

de saber como encontrar respostas (mais do que saber respostas específicas – item 32.);

salientam a necessidade de reorganização da informação e de integração no contexto;

afirmam a convicção na incerteza e na imutabilidade do conhecimento. Algo que talvez

possa ser sintetizado no item 61.: “A aprendizagem é um processo lento de construção

do conhecimento.” E embora esta asserção possa ser considerada como o polo negativo

da crença num conhecimento omnisciente (actividade versus dependência em relação à

autoridade), parece ainda reflectir algo mais. Ao papel activo de quem aprende,

associa-se o carácter progressivo, integrador e lento do processo de conhecimento. Esta

dimensão inclui itens que parecem reflectir sobre a origem e processo de construção do

conhecimento, um conjunto de asserções que correspondem a alguns dos pressupostos

essenciais duma perspectiva construtivista: o papel activo do sujeito, o carácter

interpretativo da observação e do discurso, o indeterminismo, o carácter contingente e

relativo de todo o conhecimento científico (e.g. Fourez et al., 1997). Pelo contrário,

numa perspectiva ingénua, esta concepção pode ser formulada de duas formas

complementares: “quem sabe, sabe” (afirmando a dependência em relação a uma

autoridade epistemológica, a um texto ou a uma informação dada, transmitida) e “a

verdade não muda” (isto é, a verdade não depende nem do contexto, nem do tempo,

nem da interpretação de cada pessoa).

Finalmente, o Factor 5 conservou a designação anterior de “fixidez das

aptidões”. Inclui um total de 9 itens (α =.61), quase todos provenientes de

subconjuntos já inicialmente inseridos nesta dimensão: “Impossibilidade de aprender a

aprender”, “Inatismo da capacidade de aprendizagem” e “Ausência de relação entre

trabalho e sucesso”. Os itens mais representativos do conjunto referem-se

explicitamente à possibilidade de adquirir formação sobre métodos de estudo e de

melhorar a própria capacidade de aprendizagem. Numa perspectiva ingénua, esta

dimensão pode ser sintetizada na asserção “a capacidade de aprendizagem é inata” (item

8). Esta convicção pode encontrar correspondência numa concepção estática (vs uma

concepção dinâmica) tal como tem vindo a ser sugerido em diferentes estudos sobre

concepções de inteligência (Dweck & Leggett, 1988; Faria, 1996; Faria & Fontaine,

1989, Mettrau, & Almeida, 1996; Sternberg, 1986).

II. MÉTODO: Estudo 1.

Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

156

Tal como no questionário original, cada factor foi designado de acordo com uma

perspectiva epistemológica ingénua. Deste modo, cada uma destas designações

corresponde apenas a um dos extremos de um contínuo ou dimensão (Quadro 1.11.).

Quadro 1.11.

Correspondência entre factores e dimensões avaliadas por cada escala do

Questionário Epistemológico.

Factores Designação numa perspectiva

epistemológica ingénua20

Dimensões / Escalas

Factor 1. Veracidade e exactidão. Natureza do conhecimento.

Factor 2. Simplicidade e realismo. Estrutura do conhecimento.

Factor 3. Imediatismo e facilidade. Acesso ao conhecimento.

Factor 4. Estabilidade e dependência. Origem do conhecimento.

Factor 5. Fixidez das Aptidões. Maleabilidade da capacidade de aprendizagem.

As duas primeiras dimensões referem-se a características atribuídas ao

conhecimento em si mesmo. A terceira e quarta dimensão referem-se a características

dos processos de aprendizagem e de acesso ao conhecimento. A quinta e última

dimensão refere-se a aspectos que caracterizam a pessoa que aprende.

Uma análise da forma como estas dimensões se relacionam entre si (Quadro

1.12.) permite constatar que algumas escalas apresentam valores de correlação

significativos (p<.001). Verifica-se uma correlação relativamente elevada entre as

escalas de “veracidade e exactidão” e “simplicidade e realismo” (r=.50) o que sugere

que estas duas escalas (Natureza e Estrutura do conhecimento) medem crenças

epistemológicas relacionadas entre si. Além disso, estas duas escalas correlacionam-se

com a escala de “imediatismo e facilidade” (Acesso ao conhecimento) embora de uma

forma mais moderada (.267 e .283, respectivamente).

20 Os valores mais elevados em cada escala correspondem a perspectivas epistemológicas menos

desenvolvidas, mais simples e ingénuas.

II. MÉTODO: Estudo 1.

Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

157

Quadro 1.12.

Correlações entre as cinco escalas do Questionário Epistemológico.

Factores 1 2 3 4 5

Factor 1. Veracidade e exactidão. - .502** .267** -.096 .038

Factor 2. Simplicidade e realismo. - .283** -.096 .111

Factor 3. Imediatismo e facilidade. - .076 .275**

Factor 4. Estabilidade e dependência. - .347**

Factor 5. Fixidez das Aptidões. -

Nota: assinalam-se os valores de correlação significativos, nível de significância = .01 (**)

Paralelamente, a última escala (Maleabilidade da capacidade de aprendizagem)

apresenta correlações moderadas com a escala de “estabilidade e dependência” (Origem

do conhecimento (.347)) e com a escala de “imediatismo e facilidade” (Acesso ao

conhecimento (.275)).

No conjunto, verifica-se que estas cinco escalas não são totalmente

independentes, pelo que se justifica proceder a uma análise mais detalhada.

Embora com um valor de KMO muito baixo (.583), o teste de esfericidade de

Bartlett (p<.000) e a análise da matriz de correlações sugerem a possibilidade de uma

análise factorial de segunda ordem21.

Uma Análise Factorial em Componentes Principais, com rotação varimax

permitiu uma primeira extracção de 2 componentes com valor próprio superior a 1, os

quais explicam cerca de 63.7% da variância total. Numa análise da matriz de

componentes (Quadro 1.13) verifica-se que os três primeiros factores se agregam entre

si, enquanto que os dois últimos constituem um segundo componente. Deste modo,

pode sugerir-se que o Questionário Epistemológico pode ser subdividido em duas

grandes escalas: Positivismo (o conhecimento é imediato, determinado, irreversível,

universal e neutro) vs Construtivismo (o conhecimento é activamente construído por

um sujeito, mediado por uma multiplicidade de factores, é relativo, contextualizado e

provisório).

21 Registam-se valores de correlação superiores a .30, limite mínimo para a realização de uma

análise factorial (Tabachnick & Fidell, 1983 citados por Wilkinson & Migotsky, 1993)

II. MÉTODO: Estudo 1.

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158

Quadro 1.13.

Estrutura factorial das Escalas do Questionário Epistemológico.

Componentes de 2ª ordem

Escalas 1 2

Natureza do conhecimento .813

Estrutura do conhecimento .824

Acesso ao conhecimento .584 .406

Origem e processos de conhecimento .783

Maleabilidade da capacidade de aprendizagem .808

(análise em componente principais com rotação varimax, após 3 iteracções, com extracção de 2 factores)

Estas duas formas de conceber o conhecimento podem surgir em alternativa (um

valor muito elevado numa escala corresponde inversamente a um valor muito baixo na

outra) ou como dimensões paralelas já que a dúvida no carácter determinado, fixo e

universal do conhecimento pode apenas corresponder a uma atitude de elevado

cepticismo, com valores igualmente baixos na escala de construtivismo.

Constata-se no entanto que a escala de “Acesso ao conhecimento” apresenta

cargas factoriais significativas em ambos os factores. Uma análise do “scree plot”

sugere claramente a extracção de três factores22 enquanto a análise do gráfico de

componentes (Gráfico 1.1.) situa este Factor 3 equidistante, entre os outros dois

agrupamentos.

22 Com um reduzido número de variáveis é normal que o chamado “gráfico do cotovelo” indique

a possibilidade de extrair mais um ou dois factores além dos sugeridos por um critério baseado no valor

próprio (eigenvalue >1), (Hair, Anderson, Tatham & Black, 1998, p.103).

II. MÉTODO: Estudo 1.

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159

Gráfico 1.1.

Componentes (dois) de segunda ordem após rotação varimax.

Foi igualmente analisada uma solução a três factores, que explicam 78.2% da

variância total. Como seria de prever pelos resultados da análise anterior, mantêm-se os

dois agrupamentos anteriores, e surge um terceiro factor ao qual se associam a escala de

“Acesso ao conhecimento” (.927) e, de forma mais moderada, a escala de

“Maleabilidade da capacidade de aprendizagem” (.434).

Quadro 1.14.

Estrutura factorial das Escalas do Questionário Epistemológico.

Componentes de 2ª ordem

Escalas 1 2 3

Natureza do conhecimento .869

Estrutura do conhecimento .846

Acesso ao conhecimento .927

Origem do conhecimento .899

Maleabilidade da capacidade de aprendizagem .702 .434

(análise em componente principais com rotação varimax, após 5 iteracções, com extracção de 3 factores)

Componente 1

1.0.50.0-.5-1.0

Com

pone

nte

2

1.0

.5

0.0

-.5

-1.0

factor5factor4

factor3

factor2factor1

II. MÉTODO: Estudo 1.

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160

Uma análise e interpretação psicológica desta solução factorial sugere que as

cinco dimensões (escalas) do Questionário Epistemológico podem ser agrupadas,

permitindo uma análise das crenças epistemológicas em três domínios complementares:

Características do conhecimento (que inclui as escalas de “natureza” e “estrutura do

conhecimento”); (II) Processos de conhecimento e aprendizagem (incluindo as escalas

de “origem do conhecimento” e “maleabilidade da capacidade de aprendizagem”); (III)

Acesso ao conhecimento (que corresponde à escala de “Acesso ao conhecimento”).

Esta estrutura de segunda ordem pode ser descrita numa matriz de dimensões bipolares

(Quadro 1.15).

Quadro 1.15

Síntese de dimensões bipolares em estudo

- Concepções Científicas -

Positivismo

Dualismo

Realismo

Paradigmas Epistemológicos

Construtivismo

Construtivismo social

Relativismo

- Concepções Pessoais -

Crenças Epistemológicas

Estático

Determinado

Universal

Características do conhecimento(natureza e estrutura)

(o que se conhece?)

Dinâmico

Relativo

Contextualizado

Recepção

Dependência

Controlo externo

Descoberta

Processos de conhecimento e de

aprendizagem

(como se conhece?)

Transformação

Interacção

Controlo interno

Construção

Imediato Acesso à aprendizagem e ao

conhecimento

(quando se acede ao conhecimento?)

Mediado

Quantitativa

Concepções de Aprendizagem

Qualitativa

II. MÉTODO: Estudo 1.

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161

Gráfico 1.2.

Componentes (três) de segunda ordem após rotação varimax.

acessoestruturanatureza

C o m p o n e n t e 2

1,0 1,0

-,5

maleabilidade

0,0

,5,5

,5

1,0 origem

Componente 3 Componente 1

0,00,0-,5-,5

A opção por três componentes parece uma vez mais confirmada não só pela

análise do Gráfico 1.2. como no scree plot (Gráfico 1.3.). O Factor “acesso ao

conhecimento”, aparece sempre (na solução a dois ou a três factores) numa posição

isolada ou equidistante em relação aos outros dois factores. Embora apresente um valor

próprio inferior a 1 (.725) permite explicar 14.5% da variância (o que, como se referiu,

considerando o total dos três factores faz subir o valor total de variância explicada para

78.24%).

Com esta solução factorial observa-se uma melhoria das propriedades

psicométricas e uma maior clarificação do significado psicológico de cada escala.

A escala de “características do conhecimento” inclui 25 itens que permitem

avaliar crenças epistemológicas de estudantes universitários sobre a natureza e estrutura

do conhecimento em si mesmo (α =.80). Com um valor médio de 2.66 (desvio = .47)

esta escala é, globalmente, a que revela uma maior imaturidade e ingenuidade

epistemológica.

II. MÉTODO: Estudo 1.

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162

Gráfico 1.3.

Gráfico do cotovelo para determinação do número de componentes.

Número de componentes

54321

Eige

nval

ue

2,0

1,8

1,6

1,4

1,2

1,0

,8

,6

,4

A escala de “processos de conhecimento e de aprendizagem” inclui 24 itens

que no seu conjunto caracterizam as crenças dos estudantes sobre estratégias e

processos que conduzem ao conhecimento e à aprendizagem (α = .69). O valor médio

observado é de 2.28 (desvio = .36).

A escala de “acesso ao conhecimento” corresponde ao terceiro factor de

primeira ordem, acesso ao conhecimento. Com o valor médio mais baixo, este

componente apresenta um desvio padrão de .36.

Quadro 1.16.

Consistência interna das escalas componentes de segunda ordem do QEEU.

(versão para estudantes do ensino universitário)

Factores de

1ªordem

Escalas de segunda ordem

Nº de

Itens

Alpha de

Cronbach

1,2 Características do conhecimento 25 .80

4,5 Processos de conhecimento e de aprendizagem 24 .69

3 Acesso ao conhecimento 13 .64

Escala total 62 .78

II. MÉTODO: Estudo 1.

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163

Quadro 1.17.

Parâmetros descritivos dos três factores de segunda ordem do QEEU.

FSO 1

Características do conhecimento

FSO 2

Processos de conhecimento

FSO 3

Acesso ao conhecimento

Média 2.66 2.28 1.82

Mediana 2.64 2.29 1.77

Desvio padrão .47 .36 .39

Mínimo 1.56 1.38 1.00

Máximo 4.04 3.13 3.23

Em síntese, o estudo psicométrico da adaptação para língua portuguesa do

Questionário Epistemológico para estudantes do ensino universitário, permite concluir

que se trata de um instrumento de fiabilidade aceitável e capaz de discriminar diferentes

perspectivas epistemológicas associadas à aprendizagem e ao conhecimento.

Os resultados da análise factorial serviram de fundamento para a formulação de

cinco escalas de primeira ordem, que podem associar-se entre si numa estrutura factorial

de segunda ordem, mais simples, clarificadora e consistente.

Estas escalas aproximam-se muito da estrutura factorial proposta por Schommer

para a versão original, com base numa amostra de estudantes americanos (Schommer,

1990). Embora o procedimento utilizado para análise factorial não tenha sido

exactamente o que foi desenvolvido para a versão original, o estudo exploratório aqui

descrito deu origem a um conjunto de escalas que corresponde ao conjunto de

dimensões hipotéticas subjacentes ao questionário original (Schommer, 1994). Além

disso, estas escalas parecem definir um conjunto de três dimensões bipolares que podem

caracterizar a perspectiva epistemológica de estudantes universitário, num contínuo

entre um extremo que se pode designar de positivismo (dualismo, realismo ou

empirismo) e um polo oposto mais consonante com as perspectivas actuais sobre a

natureza do conhecimento científico, que se pode designar por construtivismo

(construtivismo social ou relativismo).

Embora pareçam promissores, estes resultados terão que ser revistos e

reavaliados em aplicações futuras, com amostras mais vastas e representativas.

II. MÉTODO: Estudo 1.

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164

Análise das respostas ao QEEU – comparação de grupos.

O estudo psicométrico da adaptação para língua portuguesa do QEEU

(Questionário Epistemológico para Estudantes do Ensino Universitário) foi efectuado a

partir de uma amostra de 271 estudantes. Tratando-se de um primeiro estudo de

natureza exploratória e de uma amostra relativamente pequena, insuficiente na sua

representatividade, procedeu-se a uma análise breve de diferenças entre grupos de

alunos deste nível de escolaridade, em função do sexo, grupo etário, resultados

escolares e curso de origem.

Diferenças entre grupos em função do sexo

O Gráfico 1.4 permite a comparação entre os resultados dos estudantes

inquiridos em função do sexo, em cada uma das escalas de segunda ordem:

características do conhecimento (abrangendo natureza e estrutura do conhecimento),

processos de conhecimento e de aprendizagem (origem e maleabilidade) e acesso ao

conhecimento (aquisição).

Estas diferenças foram estudadas através de testes t-Student para amostras

independentes (testes de significância bilateral), uma vez testada a igualdade de

variâncias (testes de Levene). Embora se observe uma ligeira superioridade do sexo

feminino no primeiro factor e do sexo masculino nos restantes dois, apenas a primeira

destas diferenças apresenta significância estatística (t(266)= 2.60, p=.0123).

Os dados obtidos nesta pequena amostra sugerem que a variável sexo não

intervem na determinação de diferenças ao nível das crenças epistemológicas sobre os

processos de aprendizagem e de aquisição de conhecimento. Por outro lado, as

estudantes universitárias inquiridas revelaram uma maior ingenuidade epistemológica

quanto às características do conhecimento (primeira escala de segunda ordem).

23 Todos os valores de significância indicados nos testes t de Student referem-se por omissão a

testes bilaterais.

II. MÉTODO: Estudo 1.

Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

165

Gráfico 1.4.

Análise de diferenças entre grupos em função do sexo

em cada escala de 2ª ordem do QEEU

masculinofeminino

Méd

ia

2,8

2,6

2,4

2,2

2,0

1,8

1,6

Características

Processos

Aquisição

1,9

1,8

2,4

2,3

2,5

2,7

Estas diferenças também se revelaram significativas nas duas escalas de primeira

ordem que a integram, tanto ao nível da escala de crenças sobre a natureza do

conhecimento (t(266)= 2.44, p<.02), como ao nível da escala sobre a estrutura do

conhecimento (t(266)= 2.03, p<.04).

Diferenças entre grupos em função do grupo etário

O Gráfico 1.5. permite uma análise comparada das respostas em cada uma das

escalas de segunda ordem, em função da idade. Dada a amplitude de idades observadas

(entre um mínimo de 21 e um máximo de 60 anos), optou-se por um agrupamento desta

variável em níveis etários mais representativos. Como se pode verificar, registam-se

muitas pequenas diferenças, todas elas sem significado estatístico.

II. MÉTODO: Estudo 1.

Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

166

Gráfico 1.5.

Análise de diferenças entre grupos em função da idade

em cada escala de 2ª ordem do QEEU

56-6051-55

46-5041-45

36-4031-35

26-3021-25

Méd

ia

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

Características

Processos

Aquisição

Por exemplo, verifica-se que a ingenuidade epistemológica sobre as

características do conhecimento (primeira escala de segunda ordem) tende a aumentar

ligeiramente com a idade, com um valor máximo no nível dos 51-55 anos (superior a

“3”, valor médio de concordância previsto no questionário). No entanto, é preciso não

esquecer que cada um destes níveis surge representado nesta amostra por um pequeno

número de casos (apenas 5 neste nível), o que aumenta a sensibilidade deste valor

médio em relação a diferenças individuais.

Se esta amostra for dividida ao meio pelo valor etário que corresponde à

mediana (23 anos) uma comparação entre as duas metades desta amostra, apenas revela

diferenças significativas na escala de segunda ordem “Processos de conhecimento”

(onde se verifica uma maior ingenuidade relativa do grupo acima dos 23 anos, com um

valor médio de 2.35, (t(264)= 1.75, p<.01)). Nas escalas de primeira ordem, registam-se

II. MÉTODO: Estudo 1.

Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

167

outras duas diferenças significativas, quanto à “natureza” (t(264)= 2.06, p<.05) e quanto à

“origem do conhecimento” (t(264)= -2.51, p=.01). Uma interpretação destas diferenças

sugere que com a idade aumenta a tendência para uma perspectiva dita “positivista”

sobre a natureza do conhecimento (menor nível de cepticismo e maior necessidade de

segurança, exactidão e determinismo empírico) e aumenta a maturidade epistemológica

quanto à origem do conhecimento (“a sabedoria não é saber as respostas, mas sim

saber como as encontrar“, item 3224). No entanto, fica por esclarecer se estas diferenças

decorrem efectivamente da idade (por maior desenvolvimento e maturidade) ou até que

ponto decorrem de diferenças de formação e influência escolar. Diferenças etárias tão

acentuadas sugerem que estes estudantes, hoje em dia a frequentar o ensino

universitário, terão efectuado percursos escolares e tido experiências de vida,

completamente diferentes. Este dado realça a importância de se obterem dados que

melhor caracterizam os alunos e as turmas no ensino universitário. Se numa perspectiva

construtivista toda a aprendizagem é directamente influenciada por concepções, crenças

e narrativas pessoais de experiências anteriores, a descrição e caracterização destes

grupos de alunos pode ser determinante em qualquer percurso de formação.

Diferenças entre grupos em função das notas escolares.

Pediu-se aos estudantes que indicassem no Questionário a sua média escolar no

ano lectivo anterior. O Gráfico 1.6. permite uma análise de diferenças entre grupos em

função das notas escolares indicadas. Optou-se por uma dicotomização da amostra,

apenas em dois sub-grupos: estudantes com notas entre 10 e 13 valores (inclusivé) e

estudantes com notas de 14 valores ou superiores. Comparando estes dois grupos,

estudantes com menor e maior sucesso escolar, verifica-se que apenas se registam

diferenças significativas ao nível da primeira escala de segunda ordem, “características

do conhecimento” (t(232)= 3.00 , p<.01). Numa análise mais detalhada, constata-se que

esta diferença também é significativa ao nível de ambos os factores de primeira ordem

que compõem esta escala, a saber: “natureza do conhecimento” (t(232)= 2.92, p<.01) e

“estrutura do conhecimento” (t(232)= 2.28, p<.03).

24 Item de valência negativa para posterior inversão, isto é, quanto mais baixo for o resultado

obtido na escala, maior a probabilidade de concordância dos sujeitos com esta asserção.

II. MÉTODO: Estudo 1.

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168

Gráfico 1.6.

Análise de diferenças entre grupos em função das notas escolares

em cada escala de 2ª ordem do QEEU

notas bipolarizadas

14-1810-13

Méd

ia

3,0

2,8

2,6

2,4

2,2

2,0

1,8

1,6

Características

Processos

Aquisição

1,91,8

2,32,3

2,6

2,8

Verifica-se que os alunos com maior sucesso apresentam uma maior

discordância em relação a perspectivas ditas “positivistas”. Acreditam menos do que os

seus colegas com menos sucesso, no carácter estático, determinado e universal do

conhecimento.

Ora estes resultados sugerem uma análise cruzada com a variável sexo.

Observou-se que as estudantes universitárias inquiridas revelam uma maior ingenuidade

epistemológica nesta mesma escala de “características do conhecimento”.

Tradicionalmente observam-se melhores resultados escolares no sexo feminino pelo que

estes resultados podem parecer inesperados. O Quadro 1.18. permite uma maior

clarificação da relação entre estas variáveis.

II. MÉTODO: Estudo 1.

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169

Quadro 1.18.

Comparação entre médias na escala de “Características do conhecimento”

em função das notas escolares e do sexo.

Características do conhecimento

2,7986 83 ,481072,6838 21 ,305922,7754 104 ,452282,6500 100 ,477512,3834 29 ,469832,5901 129 ,486962,7174 183 ,483532,5096 50 ,432162,6728 233 ,47976

sexofemmasTotalfemmasTotalfemmasTotal

notas bipolarizadas10-13

14-18

Total

Média N Desvio

De facto, as estudantes do sexo feminino (78.5% da amostra total dada a

natureza dos cursos em análise) não revelam nesta análise resultados superiores aos dos

seus colegas do sexo masculino (54.6% das alunas e 58% dos alunos referem notas

entre 14 e 18 valores). Isto significa que a proporção de estudantes é similar em função

do sexo. Uma análise mais detalhada (Quadro 1.18) permite verificar que o sexo

feminino apresenta médias mais elevadas (maior concordância com uma perspectiva

epistemológica mais ingénua e “positivista”) em qualquer das categorias de notas

escolares. Quer tenham maior ou menor sucesso, confirma-se que as estudantes do sexo

feminino tendem a uma maior ingenuidade e a uma posição epistemológica

relativamente mais conservadora e determinista.

Não se observaram outras diferenças significativas em função das notas

escolares.

II. MÉTODO: Estudo 1.

Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

170

Diferenças entre grupos em função do curso de origem.

O Gráfico 1.7. permite a comparação entre grupos em função do curso de origem

dos estudantes inquiridos: curso de formação de professores das licenciatura de

História, Geografia, Línguas e Literaturas Modernas da Faculdade de Letras e alunos

finalistas das licenciaturas da Ciências da Educação e de Psicologia da Faculdade de

Psicologia e de Ciências da Educação, estando ambas as faculdades inseridas na

Universidade de Lisboa.

Gráfico 1.7.

Análise de diferenças entre grupos em função do curso

em cada escala de 2ª ordem do QEEU

curso

PsicologiaCienciEdLLMGeografiaHistória

Méd

ia

3,0

2,8

2,6

2,4

2,2

2,0

1,8

1,6

Características

Processos

Aquisição

1,8

1,9

1,81,8

1,9

2,3

2,2

2,32,4

2,2

2,6

2,5

2,7

2,9

2,6

II. MÉTODO: Estudo 1.

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171

De modo geral, as diferenças observadas não são estatisticamente significativas.

Registam-se apenas duas excepções, uma vez mais na escala de “características do

conhecimento”. Os alunos da licenciatura de Geografia apresentam nesta escala médias

significativamente mais elevadas (F(4, 266)= 4.36, p<.01) quando comparadas com as que

se observaram nos alunos das licenciaturas de História e de Ciências de Educação. Os

alunos da licenciatura de Geografia, parecem revelar crenças pessoais sobre a natureza e

estrutura do conhecimento mais “positivistas” relativamente ao que sem média se

observou para os restantes cursos. Geografia talvez seja, de entre este conjunto, a

licenciatura que mais se aproxima da designação tradicional de “ciência exacta” ou pelo

menos, aquela que mais parece incentivar os seus alunos a uma postura relativamente

mais determinista, empirista e realista.

No entanto, nesta como nas outras licenciaturas não se verificam outras

diferenças significativas em qualquer das outras escalas. A variável “curso de origem”

não parece exercer uma influência significativa nem ao nível das crenças sobre os

processos de conhecimento nem ao nível das crenças sobre a forma como se acede (ou

pode aceder) ao conhecimento.

Em síntese, pode dizer-se que a incoerência de estudar crenças epistemológicas

que se desejam relativas, contextualizadas e “menos” positivistas, com a frieza quase

cega da objectividade, determinismo e empirismo dos métodos quantitativos, serve pelo

menos à confirmação de modelos e pressupostos anteriores e ao desenvolvimento de

instrumentos de medida de características psicométricas aceitáveis. Sendo assim, pode

considerar-se que os resultados assim analisados e descritos são globalmente

satisfatórios: correspondem ao que foi descrito em estudos anteriores, não contradizem

as expectativas e os pressupostos definidos, servem apropriadamente os objectivos

propostos. E, no entanto, talvez só com uma metodologia mais qualitativa, reflexiva,

fenomenológica e humanista se possa ir um pouco mais longe.

II. MÉTODO: Estudo 1.

Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

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