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6º Encontro da ABRI: Perspectivas sobre o poder em um mundo de redefinição 25 a 28 de julho de 2017, Belo Horizonte / MG Instituições e Regimes Internacionais MODELOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL EM DIFUSÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE DE CIDADES PARANAENSE Leonardo Mèrcher 1 , Glaucia Bernardo 2 , Evelise Zampier da Silva 3 1 Doutor em Ciência Política, Universidade Federal do Paraná - UFPR. 2 Doutoranda em Políticas Públicas, Universidade Federal do Paraná - UFPR. 3 Doutoranda em Ciência Política, Universidade Federal do Paraná - UFPR.

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6º Encontro da ABRI: Perspectivas sobre o poder em um mundo de redefinição

25 a 28 de julho de 2017, Belo Horizonte / MG

Instituições e Regimes Internacionais

MODELOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL EM DIFUSÃO INTERNACIONAL: ANÁLISE

DE CIDADES PARANAENSE

Leonardo Mèrcher1 , Glaucia Bernardo2, Evelise Zampier da Silva3

1 Doutor em Ciência Política, Universidade Federal do Paraná - UFPR. 2 Doutoranda em Políticas Públicas, Universidade Federal do Paraná - UFPR. 3 Doutoranda em Ciência Política, Universidade Federal do Paraná - UFPR.

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Resumo O presente projeto busca analisar os modelos concebidos de desenvolvimento municipal encontrados nas cidades paranaenses que participam de espaços de difusão de políticas públicas, como a Rede de Mercocidades. Atualmente observa-se a presença de, ao menos, dois grupos de modelos de desenvolvimento local nesses espaços organizacionais: os modelos neoliberais; e os modelos cooperativos regionais. Em observações prévias, os modelos neoliberais perpetuam desafios sociais ao difundir que as políticas públicas sociais são secundárias - consequências - ao sucesso da gestão pública por ganhos de mercado. Contudo, utilizando perspectivas teóricas pós-modernas das Relações Internacionais, bem como de difusão e transferência de políticas públicas da Economia, o presente projeto, além de identificar os modelos difundidos nas cidades paranaenses, investigará a origem epistêmica dos valores de desenvolvimento presentes nos modelos. Modelos de desenvolvimento como as estratégias de smart city, city branding e cidade empreendedora ainda são orientadas por experiências neoliberais europeias e norte-americanas e defendidas por organismos como o Banco Mundial o que, em certa medida, podem perpetuar ou criar novos desafios à gestão e práticas políticas locais inseridas na realidade brasileira e sul-americana. Palavras-chave: desenvolvimento; cidades; difusão. INTRODUÇÃO

Diversas organizações internacionais criadas por Estados passaram a interferir nas

práticas políticas e gestão de cidades ao redor do mundo nos últimos anos. O Banco

Mundial, a UN-HABITAT e a UNESCO passaram a defender conjuntos de práticas positivas

para o desenvolvimento local junto às organizações internacionais e redes de cidades e

governos locais. Exemplos na literatura especializada não são raros. Fernanda Sánchez

(2001), Saskia Sassen (2010), Mihalis Kavaratzis (2004) dentre outros apontam para a

interferência e difusão de modelos de ‘boas práticas’ advindos de cidades europeias e norte-

americanas que alcançam, diretamente ou em mediação de organizações internacionais,

cidades em Estados em desenvolvimento.

Partindo da concepção de que diversos modelos de gestão, boas práticas e políticas

públicas são difundidos em espaços institucionais internacionais (FARIA; COELHO; SILVA,

2016), como redes de cidades e organizações internacionais, é preciso identificar se essa

dinâmica alcançou as cidades paranaenses, bem como quais modelos e práticas foram

adotados. Desta forma, o presente artigo visa levantar a relação entre modelos externos e

práticas de gestão e políticas públicas locais presentes em cidades no Estado do Paraná

nos últimos vinte anos. Evidentemente que a presente pesquisa acaba por se desdobrar

para outras cidades e regiões, visto que as redes e organismos internacionais agem de

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forma transfronteiriça.

Enquanto outros pesquisadores levantam a situação de cidades nos Estados do Rio

Grande do Sul (PUCRS, UNIRITTER e UFRGS) e São Paulo (USP e UNESP), objetivamos

olhar para as cidades do Estado do Paraná. Primeiramente por algumas estarem em

processos de ampliação da base econômica agropecuária para a de serviços, como Foz do

Iguaçu4, necessitando reestruturar seus modelos de desenvolvimento. Em segundo pela

presença das dinâmicas transnacionais na região, advindos das fronteiras com a Argentina

e Paraguai que, em teoria, incentivam a cooperação internacional descentralizada das

cidades. Como delimitação do número de caso optou-se por olhar para as cidades

presentes nas redes de cooperação descentralizadas da região, como as cidades-membros

da Rede de Mercocidades - a maior rede de cidades da América do Sul, não se limitando

apenas ao Mercosul. Com isso delimitou-se a um número de casos (n) baixo: Campo

Mourão; Curitiba; Foz do Iguaçu; Londrina; e Maringá.

Essas cidades não conseguiriam representar a realidade de todas as cidades

paranaenses, mas podem ilustrar o processo de adesão a novos (ou antigos) modelos de

desenvolvimento local. Cumpre destacar que, em uma análise de todas as 399 cidades

paranaenses, nenhuma possui espaço institucional para as relações internacionais ou

paradiplomacia; apenas Curitiba, capital do estado, possui um funcionário responsável por

esta área. Assim, é preciso debater os conceitos de desenvolvimento na gestão de cidades,

especialmente dois modelos de desenvolvimento presentes na realidade regional: o modelo

neoliberal e suas variações; e o modelo cooperativo e suas variações. Deve-se lembrar que

os modelos neoliberais alcançam as cidades estadunidenses e europeias em meados dos

anos 1980 e nos anos 1990 as grandes cidades latino-americanas (SÁNCHEZ, 2001;

SASSEN, 2010; VAINER, 2000; MAGALHÂES, 2015). Nos anos 2000, o modelo de

desenvolvimento local predominante em cidades industrializadas e de serviços continuou

atrelado ao êxito econômico que gera o êxito social. O discurso neoliberal alcançou

espectros políticos tanto de direita como de esquerda.

Na fala de Alfredo Saad Junior (2017) sobre os últimos dez anos no Brasil: “[...] os

governos do PT buscaram construir uma sociedade inclusiva numa base neoliberal, e o

projeto entrou em colapso quando as condições internacionais se tornaram adversas, depois

4 Foz do Iguaçu já atravessou quatro ciclos econômicos importantes, o ciclo da extração da madeira e

cultivo de erva-mate, que durou um século, de 1870 1970; o ciclo da Hidrelétrica de Itaipu, de 1970 1980; o ciclo de exportação e turismo de compras, de 1980 a 1995; e, por fim, o ciclo do comércio e eventos, que iniciou-se em 1995 e perdura até os dias atuais. O ciclo atual, de desenvolvimento sustentável, do turismo, comércio e eventos, começou com a consolidação do Mercosul. Fonte: Economia em Foz do Iguaçu, 2017. Disponível em <<https://www.thecities.com.br/Brasil/Paran%C3%A1/Foz-do-Igua%C3%A7u/Economia/1935/>>. Acesso em 18/06/2017.

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da crise global.” Esse cenário neoliberal também esteve presente nos demais países da

região, em menor ou maior grau de acordo com os governos mais de esquerda ou de direita.

Mas, de modo geral, desde os anos 1990 as cidades - ao menos as brasileiras - buscam

flexibilizar seus modelos de desenvolvimento (neoliberais ou cooperativos) a partir da Lei de

Responsabilidade Fiscal Federal5 de 2000. Essa limitação tende a perpetuar práticas

neoliberais, visto que o controle não advém da gestão pública local e suas necessidades,

mas de eixos e modelos infranacionais (consenso das políticas federais, estaduais e

municipais de forma hierarquizada, bem como da flutuação da economia internacional).

Como modelo de desenvolvimento, o neoliberalismo e suas variações na gestão das

cidades as colocam como empresas que devem diminuir custos e ampliar ganhos, tornando-

se competitivas ao capital estrangeiro (VAINER, 2000; SÁNCHEZ, 2001). Para tanto,

diversos modelos foram elaborados, desde a projeção de visibilidade (city branding),

passando por eficiência na gestão (smart city) ou se especializando em um determinado

nicho do mercado (cidade empreendedora) ou solucionando um desafio ao mercado (cidade

inovadora). Esses modelos, com forte espectro neoliberal não impede que as cidades sejam

cooperativas, mas tendem a levar à competição e estratégias de inserção no mercado

internacional (SASSEN; ROOST, 2001; KAVARATZIS, 2004), diminuindo a implementação

de economias complementares regionais e iniciativas cooperativas de desenvolvimento

comum.

Do outro lado, no modelo cooperativo e suas variações, permaneceram práticas em

que mantém a responsabilidade da gestão local com a seguridade social e o

desenvolvimento como uma consequência de políticas públicas cooperativas e sociais – e

menos competitivas ao nível regional. Economias criativas, políticas de inclusão social e de

difusão de políticas entre realidades próximas (cidades com índices sociais próximos)

também se fazem presentes nesse mesmo período, especialmente por meio das redes de

cooperação descentralizada, como no caso da cidade de Morón (Argentina). Os ganhos

econômicos advêm da qualidade social e da produção de conhecimento local. Esse modelo

se faz presente nas redes de cidades, tanto em suas definições estatutárias, como no

discurso dos próprios agentes envolvidos. Contudo, essas mesmas redes, que buscam a

cooperação regional, acabam se tornando também palco de difusão estratégica de modelos

neoliberais – o que será investigado no presente projeto.

Após o debate sobre as concepções de desenvolvimento, importante em uma

5 Lei Complementar nº 101/2000, é uma Lei Complementar brasileira que tenta impor o controle dos

gastos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, condicionado à capacidade de arrecadação de tributos desses entes políticos. Tal medida foi justificada pelo costume, na política brasileira, de gestores promoverem obras de grande porte no final de seus mandatos, deixando a conta para seus sucessores. Também era comum a prática de tomada de empréstimos em instituição financeira estatal pelo seu ente controlador. A LRF também promoveu a transparência dos gastos públicos.

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perspectiva pós-moderna e também pós-colonialista ao se estudar a América do Sul e

cidades brasileiras, inicia-se a coleta dos dados nas atas e nos documentos oficiais das

prefeituras paranaenses presentes nesses espaços organizacionais. Como delimitação

funcional da pesquisa analisa-se as atas produzidas pelas Unidades Temáticas de

Desenvolvimento da Rede de Mercocidades, os portais das prefeituras em suas concepções

sobre desenvolvimento e as práticas de gestão e políticas públicas difundidas, ou seja,

expostas no espaço organizacional e implementadas pelas cidades paranaenses. Em um

momento seguinte, após já ter debatido os conceitos de desenvolvimento local presentes na

Rede, de ter também identificado quais foram aplicados por cidades paranaenses em

difusão no espaço organizacional, virá a interpretação dos dados e sua transformação em

informação por meio das perspectivas teóricas pós-modernas (ADLER, 1999; ASHLEY,

1986; HAAS, 1992).

A problematização que as perspectivas pós-modernas trazem ao presente estudo

permite observar se os modelos que aqui se aplicam estão: I) levando em consideração a

realidade local; II) determinando a concepção de desenvolvimento das cidades como

agentes, logo o seu comportamento; III) perpetuam fontes epistêmicas, não de indivíduos,

mas de valores sobre a realidade; IV) e alterando o espaço cooperativo das redes para o

competitivo. Portanto, como objetivo final (ou geral) do projeto, busca-se uma investigação

de ideias, conceitos e práticas – e não tanto da gestão burocrática de aplicação e execução

de políticas públicas das cidades. Mas, ao olhar para os discursos dos agentes e,

especialmente identificando agentes de difusão de ideias de desenvolvimento, é possível

cruzar o normativo com a prática e apontar para origens epistêmicas de ambos. Nesse

sentido, o presente questionamento – dos modelos de desenvolvimento e seus valores –

advém dos debates pós-modernos e pós-colonialistas das Relações Internacionais, onde

conceitos determinam práticas e a origem desses conceitos podem produzir mais desafios

do que soluções para a gestão pública local e suas redes de cooperação.

DIFUSÃO E COMUNIDADES EPISTÊMICAS

A Rede de Mercocidades foi criada para ser um espaço de síntese e disseminação

de políticas públicas entre/para seus membros. Assim, antes de conceber análises pós-

modernas internacionalistas é preciso trazer os ganhos de análise advindos das teorias de

transferência e difusão de políticas públicas. Por exemplo, na definição de difusão

não se restringe ao funcionamento dos mecanismos de

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mediação específicos, mas inclui todos os possíveis canais de influência entre os países, desde a adoção voluntária de modelos de políticas que tenham sido transmitidos no sistema internacional [...] até a imposição das políticas em outros países. (KNILL, 2005, p. 3).

Enquanto difusão pode parecer transferência de políticas públicas, essa confusão

deve ser sanada. A difusão trata-se de uma perspectiva mais genérica, com foco no amplo

estabelecimento de uma política como modelo a outras jurisdições. Nos estudos voltados a

este tema, é comum a discussão das motivações, do conteúdo, dos agentes e como se dá o

processo. Para este artigo serão destacados esses três últimos pontos (conteúdo, agentes e

processo). Já sobre os agentes chaves da difusão, são várias as categorias a serem

consideradas: oficiais eleitos, partidos políticos, burocratas/servidores, grupos de pressão,

empreendedores políticos e especialistas, corporações transnacionais, think-tanks,

instituições supranacionais e não governamentais, consultores, fundações,

universidades/acadêmicos. (DOLOWITZ, MARSH, 2000; STONE, 2001).

A Rede Mercocidades configura um agente importante de difusão, um palco do

espraiamento de ideias e conceitos, pois, como lembra Stone (2003, p. 16) as redes são

facilitadoras do espraiamento de políticas, formando alianças, compartilhando discursos,

construindo consensos, disseminando padrões em determinados campos de atuação.

Habilitam os agentes a irem além dos contextos domésticos, alcançarem fóruns mais

amplos e, ao incluírem a participação de tomadores de decisão, podem até mesmo

influenciar os rumos das políticas públicas (STONE, 2000, p. 15).

Na Rede Mercocidades percebe-se também a atuação de burocratas, instituições

governamentais, consultores e universidades/acadêmicos, destacando-se a participação das

comunidades epistêmicas6, redes de profissionais com expertise e competência reconhecida

em determinado assunto, que compartilham valores normativos, princípios comuns,

respostas e mecanismos para lidar com os problemas referentes à sua área de domínio

(HAAS, 1992, p. 3). Conforme o autor, estas redes não se limitam a grupos de cientistas,

mas podem ser formadas por aqueles que comungam de pensamentos, práticas discursivas

e padrões de racionalidade (HAAS, 1992). É possível identificar que os agentes epistêmicos

no presente trabalho são organizações internacionais, agências de desenvolvimento,

organizações não governamentais, universidades e empresas e instituições de fomento

comercial e econômico.

6 Segundo Peter Haas (1992), são grupos de instituições ou indivíduos que produzem o conhecimento que, em

um segundo momento, alcançam a prática dos agentes interessados. Isso significa que artigos, recomendações e discursos de pesquisadores e especialistas, por exemplo, são absorvidos por agentes políticos (governantes, instituições e organismos) que passam a praticar os modelos epistêmicos e, consequentemente, alteram ou perpetuam práticas e concepções sobre a realidade.

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Em termos de demonstração do processo, é consenso que mídias, relatos,

conferências, encontros, visitas e discursos podem fornecer indícios de como funciona a

difusão (DOLOWITZ; MARSH, 2000, p. 10). Para este estudo foram analisados os

documentos – atas, planos de trabalho, relatos de reuniões – das unidades temáticas

ligadas ao desenvolvimento (Desenvolvimento Urbano, Desenvolvimento Econômico e

Desenvolvimento Social) dentro da Rede de Mercocidades, bem como pontualmente de

outras unidades temáticas em busca da participação das cidades paranaenses. Além disso,

o sítio eletrônico das prefeituras das cidades paranaenses também foi investigado, a fim de

identificar se suas ações correspondem a um direcionamento das ações do fórum. Não se

trata apenas de entender quais modelos de desenvolvimento estão em debate nas Unidades

Temáticas da Rede de Mercocidades, mas também investigar como eles entram na pauta

das discussões e de quais vertentes eles são reflexos. Esses serão os temas das próximas

seções: conceitos e como se dá o processo de difusão.

MODELOS DE DESENVOLVIMENTO DA REDE

A análise da Rede de Mercocidades é possível por duas vias: o discurso institucional;

e as práticas de ação das cidades em seu espaço. No caso da análise do discurso é visível

uma busca por modelos de desenvolvimento que resistam às práticas neoliberais

econômicas que foram aplicadas na região em meados dos anos 1980 e 1990. A Lei de

Responsabilidade Fiscal, por exemplo, orientou a gestão municipal à busca pelo

desenvolvimento neoliberal: enxugar custos públicos e permitir que o desenvolvimento

social adviesse do desenvolvimento do livre mercado (supostamente tido como

desenvolvimento econômico). Mas, a Rede, especialmente a partir dos anos 20007,

demonstra uma ruptura com o modelo neoliberal e prioriza o desenvolvimento cooperativo,

ou seja, onde economicamente as cidades devem pensar em mercados complementares na

região.

Essa transição do modelo neoliberal ao cooperativo é nítida na Unidade Temática de

Desenvolvimento Urbano (UTDU). Entre 2000 e 2002 há uma preponderância da

perspectiva neoliberal, quando os eixos de discussão tratam da fragmentação das cidades,

da constituição do espaço público, na visão urbanística de tributação. O paradigma muda

durante os anos de 2003 a 2007, em que as visões de ambos os modelos estão presentes;

7 As afirmações gerais do trabalho a partir desse momento são resultantes da interpretação das atas das unidades temáticas da Rede de Mercocidades, como neste caso, onde em diversas atas, de 2003 a 2005, cidades como Morón e Quilmes se manifestaram contrárias ao modelo neoliberal.

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a partir do debate sobre mundialização e a crise das cidades em 2003, a inclusão social

ganha destaque nas definições dos eixos de desenvolvimento urbano, que tratam do

investimento público para e experiências relevantes, o que caracteriza uma mescla entre os

conceitos do neoliberalismo e do cooperativo. De 2007 em diante, verifica-se um

protagonismo de assuntos associados ao modelo cooperativo, qual seja: reestruturação com

inclusão social; relacionamento das cidades com história, planejamento e mobilidade

urbana; reforço de ações da rede como resposta à crise; enfoque nas cidades latinas, na

cidadania regional, na participação social; integração fronteiriça e produtiva; captura de

ganhos e seu impacto sobre o desenvolvimento urbano, novos instrumentos financeiros

para construção de cidades justas e equitativas. (REDE DE MERCOCIDADES, 2017a).

De certo modo, a complementariedade pode fomentar a especialização de

mercados e a perda da pluralidade na mão de obra e conhecimento – algo típico do

neoliberalismo globalizante e da divisão internacional do trabalho. Mas, o que se observou

nesses discursos de economias complementares é a resistência à abertura neoliberal dos

mercados, fortalecendo economicamente a relação regional em primeiro plano. O que fica

claro no posicionamento de cidades, como Morón (Argentina), é diminuir a competição entre

as cidades da região no mercado internacional.

A competição de produção entre cidades locais, como na soja, faz com que o preço

desse produto diminua no mercado internacional e, consequentemente, diminuam os

ganhos dos produtores locais em favorecimento dos compradores externos. O corte de

custos de produção, para se tornar mais competitivo, também pode afastar a concepção de

desenvolvimento dada baixa empregabilidade e ausência de produção tecnológica local

para isso – consequentemente deve-se importar tecnologia pagando patentes de economias

desenvolvidas e, em alguns casos, know how (indivíduos capacitados fora). Por isso a

concepção de economia complementar apresentada, além do apoio regional, reforça a

necessidade tanto de identificar os nichos de produção complementar, como também de

desenvolvimento tecnológico, mais especificamente de polos de softwares no Cone Sul.

Essa dinâmica esteve presente em diversos encontros dentro das unidades temáticas da

Rede de Mercocidades nos anos 2000 e 2010.

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QUADRO 1 - QUADRO CONCEITUAL DE MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

Modelo Neoliberal de

Desenvolvimento Local

Modelo Cooperativo de Desenvolvimento Local

Fo

nte

E

pis

têm

ica

Neoliberalismo econômico dos Estados; práticas de cidades estadunidenses e europeias nos anos 1980 e 1990 (Grupo Barcelona, Eurocities etc);

Cooperação Sul-Sul dos Estados; Quadrado do desenvolvimento sustentável local de John Hawkes; Cooperação descentralizada regional;

Ob

jeti

vo

s

Criar consenso político para um grande modelo de desenvolvimento; alcançar o desenvolvimento econômico como mantenedor do desenvolvimento social; diminuição de custos e responsabilidades políticas sobre necessidades sociais – a serem atendidas pela iniciativa privada; superar crises econômicas.

Criar políticas advindas da diversidade sociocultural e econômicas locais em detrimento de modelos de realidades distantes; incentivar trocas e difusão entre políticas públicas específicas de realidades próximas – e não de grandes modelos; fortalecer espaços de cooperação e defesa da autonomia do local em questões distantes aos governos nacionais (princípio da subsidiariedade); desenvolvimento diversificado advindo do bem-estar social em sua pluralidade.

Prá

ticas

Privatização e terceirização; políticas públicas reestruturantes da cidade para se adequar aos cinco mercados de cidades (imobiliário, entretenimento, turismo, comércio internacional; e mercado financeiro); substituição de planos diretores por planos estratégicos; participação em concursos e eventos competitivos por capital estrangeiro e infranacional; maior exposição de seus eventos (e mercados de cidades) em detrimento da cooperação nos espaços cooperativos, como nos encontros de redes de cidades; usar o discurso de crises econômicas para legitimar modelos de baixa proteção social.

Incentivo às iniciativas sociais políticas e econômicas; pluralidade de políticas públicas ao desenvolvimento local; proteção social; adequação da cidade ao desenvolvimento de economias locais sustentáveis; complementariedade de produção; fomento à cooperação descentralizada e suas instituições; adequar modelos econômicos à proteção sociocultural em sua pluralidade; compreender que crises econômicas não necessariamente advém ou serão solucionadas a apenas a partir da gestão local.

Cid

ad

es

pra

tica

nte

s n

a

Red

e

Barcelona; Buenos Aires; Curitiba; Milwaukee; Rio de Janeiro; São Paulo.

Belo Horizonte; Entre Rios; Foz do Iguaçu; Morón; Maputo; Montevidéu; Porto Alegre; Salvador.

Fonte: Autores baseado em Hawkes (2006), Maloa (2016), Rangel (2013), Sánchez (2001), Sánchez

e Moura (1999), Vainer (2001).

Além dessas questões econômicas, a concepção de desenvolvimento cooperativo se

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mostra como uma alternativa ao modelo neoliberal por ser em si mais do que uma simples

divisão regional do trabalho. Existe no modelo de desenvolvimento cooperativo e suas

variações a preocupação com a cooperação social e o desenvolvimento sustentável como

bases do crescimento local e, consequentemente, o fortalecimento econômico. Com

enfoque maior em pequenas e média empresas, especialmente as que podem

complementar a produção e serviços regionais, o modelo é amplamente defendido na Rede,

especialmente por cidades argentinas e uruguaias. Por isso no Quadro 1 faz-se o exercício

de organização dos principais pontos entre o modelo neoliberal e o cooperativo identificados

em difusão internacionalmente em organismos e agentes envolvidos com a paradiplomacia

das cidades.

Como fontes epistêmicas o modelo neoliberal encontrou nas atividades do Grupo

Barcelona (por Jordi Borja) a adaptação do neoliberalismo estadunidense para cidades

europeias e latino-americanas, como adotado pelo Rio de Janeiro em 1993 com o seu Plano

Estratégico. Já o modelo cooperativo é possível identificar nos documentos da Agenda 21

da Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) com os estudos de John Hawkes que

entende a cultura e a sociedade como uma dimensão fundamental para o desenvolvimento

das cidades. Outras fontes evidentemente são responsáveis pela origem dessas propostas,

tanto de pesquisadores como de organismos em sua difusão. A própria criação das redes

surge em um momento neoliberal, mas também em busca de maior participação nas

tomadas de decisão ao nível nacional do futuro regional, como a Rede de Mercocidades em

1995.

Já os objetivos, por mais que se sustentem ao final como desenvolvimento em todos

os setores, se diferenciam no processo: enquanto o neoliberal compreende a eficiência

econômica como mantenedora do desenvolvimento social; o cooperativo entende que

ambos devem ser desenvolvidos ao mesmo tempo e o social não se limita a ser

consequência do econômico. Esses modelos resultam em práticas vistas em diversas

políticas públicas, puras ou mescladas, ao redor do mundo. No caso da práticas neoliberais

é de fácil observação na literatura (VAINER, 2001), como privatizações, delegar o mercado

à eficiência social e econômica e se abrir às inovações e técnicas de gestão municipal

advindas de cidades com naturezas socioculturais distintas. Enquanto que a cooperativa

exige especificidades de aplicação para cada cidade, bem como pensando no

desenvolvimento da cidade não como de um agente autônomo no mercado mundial, mas

como parte de uma realidade regional que pode se fortalecer economicamente e, sobretudo,

socialmente e politicamente.

A partir desse quadro, composto por diversas referências fragmentadas sobre a

literatura de paradiplomacia e políticas públicas, foi possível iniciar a leitura documental das

atas e demais registros de discursos e participações das cidades paranaenses na Rede de

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Mercocidades. Dada natureza agropecuarista da maioria das cidades paranaenses, a

participação nas unidades de desenvolvimento é esporádica, mas existente. Nesse sentido

fez-se o preenchimento de um banco de dados contendo todos os documentos presentes

nas três unidades temáticas de desenvolvimento da Rede, bem como das unidades

temáticas apontadas nesses documentos, como a de turismo, ciência e tecnologia.

Na Unidade Temática de Desenvolvimento Econômico (UTDE) Curitiba, assim como

as demais cidades paranaenses na Rede, demonstram maior citação referente a

participação em outras unidades temáticas, como a de turismo. Mas no caso da UTDE

Curitiba participou com os eventos vinculados às Cidades Inovadoras. Essa ausência parcial

das cidades paranaenses na UTDE (estão presentes, mas não se mostram ativas em

propostas de políticas, modelos ou parcerias) se relaciona com uma observação um pouco

mais subjetiva ao longo da coleta de dados: enquanto que cidades argentinas e uruguaias

demonstram posicionamento mais crítico ao modelo neoliberal e mais favorável ao

desenvolvimento cooperativo, as cidades brasileiras tendem a buscar o desenvolvimento

social como consequência do comércio exterior e captação de recursos.

Políticas como as de Curitiba, que defendem concepções de cidades inovadoras, ou

de Guarulhos, com as rodadas de negócios (feiras de exportação), entendem a política

externa como uma ferramenta de apoio ao desenvolvimento do mercado. A opção de

seguirem caminhos mais autônomos – expondo seus eventos e atrações e buscando

visibilidade e financiamento externo – denota um comportamento mais competitivo, ainda

que dentro de uma Rede. Não se observou nenhuma ação das cidades paranaenses para a

cooperação ou trocas de modelos na UTDE. Da mesma forma que não é possível identificar

difusão de práticas. Contudo, é possível identificar que nos últimos anos, especialmente a

partir de 2015, o modelo neoliberal, ainda que levemente, passa a voltar às práticas e

pautas das cidades na UTDE, como nos Planos de Trabalho 2016/2017 que deixam de focar

nas pequenas e médias empresas e passam a favorecer médias e grandes empresas.

Mais uma vez reforçamos que as cidades brasileiras, de modo geral, nunca

abandonaram a concepção de fortalecerem suas estratégias autônomas de

desenvolvimento na UTDE, dando voz às empresas locais e usando o espaço da Rede para

autopromoção – deixando para as cidades argentinas e uruguaias as práticas mais

cooperativas. Essa concepção também já tinha sido observada em estudos de outras

unidades temáticas, como da Cultura (MERCHER; SARAIVA, 2013). Algumas unidades

temáticas, contudo, tendem a ter maior número de práticas cooperativas, como a de Gênero

(MERCHER; VILLENAVE, 2013), mas em um campo de políticas públicas locais às

necessidades locais de cada cidade – e menos nas políticas públicas internacionais às

necessidades regionais. Isso pode ser explicado pela natureza dos agentes – cidades – mas

não se sustenta plenamente como argumento ao ver as iniciativas de cidades, como Morón

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e Santo André, que pensam políticas públicas locais e também regionais.

Com relação à Unidade Temática Desenvolvimento Social (UTDS), não foi possível

perceber uma transição entre um modelo e outro, mas a existência simultânea de conceitos

relacionados ao modelo neoliberal e ao modelo cooperativo. Compreende-se a

simultaneidade de discursos ao computar-se que duas décadas de discurso neoliberal

trouxeram fortes reflexos nas políticas sociais da região. Entre as marcas desse discurso,

estão a constante referência a atores da sociedade civil como responsáveis pelas políticas

sociais ou a ideia de políticas sociais universais, porém focalizadas. Esse conceito também

é bastante divulgado por agências multilaterais que já vinham atuando na América Latina

desde os ajustes estruturais das décadas de 1980 e 1990, como o Fundo Monetário

Internacional e o Banco Mundial (ambos do Sistema ONU), e que orienta para a redução da

provisão pública em políticas sociais.

Mas também, em alguns momentos, se assume uma posição de ruptura com o

modelo neoliberal na UTDS, em favor de um paradigma próprio, que contenha “um olhar

latino-americano” (REDE MERCOCIDADES, p. 2005). Busca-se promover políticas sociais

universais de luta contra a pobreza, baseadas em uma noção de cidadania regional,

norteadas por um sentimento de pertencimento. Percebe-se aqui sinais de resistência ou

decolonialismo, um enfrentamento ao discurso globalizante. Isso pode ser reforçado pela

presença de representantes da academia em várias reuniões e eventos da UTDS, frisando a

necessidade de rompimento com o ideário neoliberal. É o que destaca o Professor da

Universidade Estadual de Campinas Márcio Pochmann na Conferência realizada durante a

II Reunião da UTDS (POCHAMANN, 2006, s.p.): "com o neoliberalismo, o Estado foi ao

encontro da empresa capitalista. [...] Mas está claro que o público não pode operar dentro

da lógica privada".

De modo geral, dentro da UTDS, predomina a baixa adesão das cidades brasileiras

bem como das demais Mercocidades. As cidades paranaenses não se fizeram presentes

em nenhum dos eventos relatados nos documentos analisados (reuniões, conferências,

seminários, etc) nesta unidade temática. Alguns eventos contam com relatos de práticas

desenvolvidas por municipalidades participantes, sendo sempre destacada a importância da

troca de experiências e da convivência em espaços comuns de compartilhamento de

problemas e soluções. Há casos em que representantes de universidades ou outros centros

de pesquisa iniciam os eventos com conferências e palestras, e a partir do que foi

discorrido, desenvolvem-se as reuniões. Ou seja, a UTDS constitui um espaço de discurso

limitado a poucos participantes e que aparentemente não tem logrado êxito em reproduzir

suas conclusões ou entendimentos coletivos dentro da Rede Mercocidades, nem promover

o engajamento da sociedade civil, o que inclusive é salientado em algumas reuniões.

Após a análise dos documentos, de forma breve, pode-se apresentar o seguinte

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Quadro 2, onde, olhando apenas para a Rede, é possível preencher novamente o modelo

com os agentes externos e os discursos e práticas de suas cidades-membros:

QUADRO 2 - QUADRO CONCEITUAL DE MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

APLICADO À UNIDADE TEMÁTICA DE DESENVOLVIMENTO

Modelo Neoliberal de Desenvolvimento

Local Modelo Cooperativo de Desenvolvimento

Local

Fo

nte

E

pis

têm

ica

Mercosul e suas fontes de financiamento (FOCEM que sempre busca resultados); Sistema ONU (Banco Mundial); Vale; ; Sistema S (Brasil).

Universidades locais, como USP (Brasil), U. Rosário e UBA (Argentina). ONGs como as europeias Friedrich Herbert, Fons Català (Espanha) e COSPE (Italiana); Sistema ONU (UN-Habitat e CEPAL).

Ob

jeti

vo

s

Identificar setores dinâmicos não tradicionais como o turismo, os serviços financeiros e de treinamento, bem como o desenvolvimento da gestão de qualidade; apoio a médias e grandes empresas (em detrimento do apoio à pequena empresa); visibilidade internacional para investimentos.

Desenvolver as políticas sociais da rede na base das seguintes linhas de trabalho: novos modelos de gestão de políticas sociais, as dimensões sociais da pobreza, estratégias políticas para os grupos vulneráveis, coordenação inter-jurisdicional das políticas sociais, etc.

Prá

ticas

- Fragmentação física das nossas cidades - Espaço público - Visão Urbanística da Tributação Municipal - Uso da espaço da Rede para auto-divulgação - Planejamento estratégico para articular políticas sociais, culturais, econômicas e urbanas - Participação da sociedade civil e de ONGs na implementação de políticas sociais - Políticas sociais universais, mas seletivas a determinados grupos da população - Flexibilização das estruturas administrativas

- Cidades: História, Planejamento e Mobilidade Urbana - Reestruturação Urbana com Inclusão Social - Importância do conceito e da dinâmica de Mercocidades como contrapartida à crise mundial. - Mobilidade Urbana com inclusão social - Mobilidade, Espaços Comuns e seus impactos sobre a cidade, como ferramentas de comunicação social - Regional e Integração Fronteiriça através Mobilidade Urbana e seus espaços públicos, formando cidadania regional participação social - Integração Fronteiriça e Produtiva, Cidadania e Inclusão Social - Captura de ganhos e seu impacto sobre o desenvolvimento urbano. Novos instrumentos financeiros para construção de cidades justas e equitativas - Direito à cidade - Modelos de intervenção próprios, adequados à realidade latino-americana - Rede Mercocidades como forma de articulação horizontal entre as cidades - Economia social como política de luta contra a pobreza - Recuperação do papel do Estado como dirigente das políticas sociais - Importância da cidadania regional como noção de pertencimento à região

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Cid

ad

es p

rati

can

tes

na R

ed

e

Curitiba, Foz do Iguaçu, Maringá, Londrina

Foz do Iguaçu

Fonte: Autores baseado em Rede de Mercocidades (2017 a, b, c).

No caso das cidades paranaenses, observando as diversas unidades temáticas da

Rede e suas participações, observa-se que Curitiba, Maringá e Londrina demonstram

práticas de cunho neoliberais, envolvendo-se em exposições autônomas, em busca de

captação de recursos externos (que trazem consigo uma cartilha de como gastar o mesmo)

e em caminhos autônomos e pouco cooperativos. Foz do Iguaçu divide-se em ambas

práticas, demonstrando a mesma preocupação com visibilidade e consumo internacional de

seus bens e serviços, mas também sediando eventos e diálogos sobre desenvolvimento

econômico como consequência do desenvolvimento social e dos modelos cooperativos nos

anos 2000 e 2010. Já Campo Mourão, apesar de participante na rede, não demonstrou

iniciativas nas unidades temáticas, o que impossibilita uma leitura mais aprofundada.

Importante destacar os aspectos comuns às três unidades temáticas de

desenvolvimento: realização de seminários para aproximação com atores externos à Rede;

destaque ao compartilhamento de experiências, seja nas próprias reuniões e encontros, seja

através da criação de um banco de boas práticas; cidades “inovadoras” ou que se entendem

como tal, utilizam o espaço da Rede apenas para promoção de suas realizadoras. Essas

características demonstram que a rede funciona como espaço de síntese e disseminação de

políticas públicas, mas que também serve como fórum de exposição para as cidades em

seus interesses próprios, especialmente para as cidades brasileiras identificadas na

documentação, como Curitiba. É importante observar ainda um aspecto comum às três

unidades temáticas: além do estabelecimento de temas e seminários, em grande parte das

discussões, está presente a construção/colaboração da/em página web, o que propicia a

criação de um banco de experiência e possibilitaria a participação e troca entre os membros

sobre as políticas de desenvolvimento que seriam mais adequadas ao desenvolvimento

local das cidades-membros (REDE DE MERCOCIDADES, 2017 a, b, c). Essas

características demonstram como da rede funciona como um espaço de síntese e

disseminação de políticas públicas, mas também de criação e perpetuação de valores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A (NÃO) PARTICIPAÇÃO CIDADES PARANAENSES

De modo geral essa natureza de ausência (presentes em vínculo, mas sem

manifestação regular, apenas pontual) faz refletir sobre os interesses das cidades

paranaenses em suas concepções de desenvolvimento, o que aponta para maior

participação em outras unidades temáticas cujos resultados são mais imediatos e de

visibilidade. Como já defendia Mihalis Kavaratzis (2004), as cidades passam a usar diversas

ferramentas – incluindo as redes – para se expor e atrair o capital estrangeiro, por

investimentos diretos ou por empréstimos das agências de desenvolvimento. A imagem é

parte da confiança e do investimento, mas também da própria concepção de

desenvolvimento que os governos locais possuem e praticam para o seu futuro.

Algumas variáveis explicativas a serem analisadas, para uma melhor compreensão

futura da presente situação podem ser: espectro político-partidário das prefeituras e

relações infranacionais (Estados e Governos Nacionais); base econômica produtiva;

identidade regional (cidades brasileiras não tendem a se compreender como parte da

região); agentes externos (como os modelos epistêmicos das agências de

desenvolvimento); grau de institucionalização da paradiplomacia nas cidades e outras. Mas

como relevante a ausência parcial já traz em si um resultado importante: baixa adesão às

discussões e propostas de desenvolvimento em cooperação (em rede) e mais uma

concepção de desenvolvimento por autonomia (cada qual em sua estratégia - que nem

sempre é criada por elas).

Draibe e Riesco (2011, p. 235) acerca da “heterogeneidade dos países latino-

americanos” podem contribuir, por exemplo, na explicação à identidade regional como

variável explicativa, onde os modelos embrionários de desenvolvimento da Argentina e

Uruguai se enquadram em uma ‘modernidade precoce’ (urbanização, desenvolvimento e

repúblicas precoces, etc), o Brasil teria um modelo de ‘sociedade escravista e de

plantations’ (intenso tráfico de escravos, latifúndios coloniais e pós-coloniais, república

tardia). Tais características geram impacto na forma como se compreende ou se adere a

modelos de desenvolvimento, bem como faz acreditar que as diferenças histórico-

econômicas separam muito mais do que unem.

Interfere também na opção por políticas sociais, a ideologia política dos governantes.

A fim de prestigiar a lealdade estabelecida com seus eleitores, governantes priorizam gastos

e programas condizentes com sua posição ideológica. Quanto a isso, no período analisado,

percebe-se, nas cidades paranaenses, o predomínio de governos situados do centro à

direita do espectro político partidário, o que pode justificar o desprestígio e a falta de adesão

às UTDE, UTDS e UTDU. De modo geral, diversas são as variáveis explicativas a serem

testadas a partir dessa identificação do cenário e de como as cidades paranaenses se

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inserem na Rede.

Como agente difusor a Rede de Mercocidades expõe, ao menos, os dois modelos

apresentados - neoliberal e o cooperativo. As cidades paranaenses presentes, na leitura das

unidades temáticas de desenvolvimento, bem como pontualmente de outras, demonstraram

maior adesão e prática do modelo neoliberal nesses últimos vinte anos. A origem epistêmica

desses modelos advém de fora da Rede, especialmente de organismos internacionais do

Sistema ONU, como o Banco Mundial, e de empresas e suas representações, como o

Sistema S brasileiro. Enquanto que universidades e organizações não governamentais

(sobretudo europeias) também participam defendendo um desenvolvimento sustentável

entre economia e sociedade, as próprias agências de desenvolvimento nacionais e

regionais, como do Mercosul, mantém cartilhas de práticas ainda próximas ao modelo

neoliberal. Nesse sentido, por mais que existam alternativas ao desenvolvimento neoliberal

na região as cidades, especialmente as paranaenses, pouco se fazem presentes nos

debates e iniciativas de cooperação descentralizadas para o fortalecimento e o

desenvolvimento socioeconômico regional.

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