direitos humanos nas empresas transnacionais … · padrões de regulamentação e limites de...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito DIREITOS HUMANOS NAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO Graciane Rafisa Saliba Belo Horizonte 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito

DIREITOS HUMANOS NAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS NA ERA

DA GLOBALIZAÇÃO

Graciane Rafisa Saliba

Belo Horizonte

2009

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Graciane Rafisa Saliba

DIREITOS HUMANOS NAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS NA ERA DA

GLOBALIZAÇÃO

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, nível Mestrado, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Público.

Orientador: Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães

Belo Horizonte 2009

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Saliba, Graciane Rafisa S165d Direitos humanos nas empresas transnacionais na era da globalização /

Graciane Rafisa Saliba. Belo Horizonte, 2009. 149f. Orientador: José Luiz Quadros de Magalhães Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Direitos humanos. 2. Empresas multinacionais. 3. Globalização. 4.

Organização Internacional do Trabalho. 5. Conduta - Legislação. I. Magalhães, José Luiz Quadros de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 342.7(100)

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Graciane Rafisa Saliba

Direitos humanos nas empresas transnacionais na era da globalização

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, nível Mestrado, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Público.

___________________________________________________________________ Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães (orientador) – PUC Minas ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Bruno Wanderley Júnior – PUC Minas ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Bruno Amaro Lacerda – Faculdade Pitágoras ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Márcio Túlio Viana – PUC Minas (suplente)

Belo Horizonte, 27 de maio de 2009.

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Aos meus pais, Aziz e Maria das Graças, por fazerem dos meus sonhos os seus, e por me

ensinarem que amor, dignidade e humildade são lemas a serem seguidos e defendidos.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, meu acalento, minha fonte eterna de amor, cada um ao seu

modo. Agradeço aos meus pais, Aziz e Maria das Graças, meus cúmplices, que

sempre confiaram em mim e me ensinaram os princípios morais e éticos, sendo

companheiros e presentes. Meu irmão Aziz, por acreditar em mim, me dar

oportunidade, me auxiliar e encorajar a buscar meus sonhos, me apoiando e

ponderando para seguir o melhor caminho. Ao meu irmão Samir, pelas defesas

incansáveis, pela companhia nas madrugadas infindas, e por me fazer persistir em

momentos de cansaço, dúvida e desilusão. Ao Samir Júnior, meu pequeno amigo e

conselheiro, por me fazer sorrir com cada palavra. À Lucélia pelo carinho e cuidado.

Ao Bernardo, por ter vivenciado cada angústia, por ter acompanhado passo a

passo e tentado suavizar o sofrimento e a dificuldade, sempre me oferecendo muito

amor e carinho, me confortando com sua presença e mostrando com entusiasmo

que compartilhar uma vida é dividir um sonho, e a simples expectativa de ter o seu

abraço me faz querer viver cada dia, sobrepondo às lágrimas com um

resplandecente sorriso na sua chegada.

Ao meu orientador, Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães, por despertar

em mim a reflexão de fatos antes inquestionáveis, com paciência e atenção paternal,

numa simplicidade ímpar que demonstra a intelectualidade e humanidade.

Ao Prof. Dr. Maurício Godinho Delgado por me demonstrar, com sua conduta,

que ser professor não é apenas lecionar, mas ser balizado por um conhecimento

inesgotável e por uma humildade exemplar.

Ao Prof. Dr. Bruno Wanderley, que desde a graduação, muito me ensinou,

com alegria e tranqüilidade, demonstrando que encontramos o Direito nos fatos mais

simples do cotidiano. E ao Prof. Dr. Márcio Túlio Viana, que permitiu a minha

participação em suas aulas, às quais me abriram os olhos para a necessidade de

uma sociedade mais justa e igualitária.

Aos professores e amigos das faculdades que leciono que me suportaram e

aconselharam em momentos de tensão, e a todos que participaram dessa fase, e

que sabem que esse é o começo de uma vida de estudo e dedicação, mas muito há

que se corrigir e refletir, as imperfeições serão supridas com as opiniões e

discussões que agora se iniciam!

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“o tempo se incumbe de trazer e depositar em nossas mãos tudo aquilo que plantamos na vida”

Nabor Fernandes

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RESUMO

O respeito aos direitos humanos, dentre eles os direitos dos trabalhadores,

principalmente pelas empresas transnacionais, foi o foco dessa dissertação, na qual

foi considerada a interdependência entre os Estados, característica marcante da

globalização. O equilíbrio e respeito desses direitos tornaram-se uma busca

incessante, num confronto de interesses que coloca em risco as garantias e direitos

que foram conquistados através de longas lutas sociais, já que há uma facilidade de

mobilidade de empresas em busca de Estados que façam menos exigências quanto

ao pagamento de trabalhadores, sem analisar as condições de trabalho e direitos

destes. Tal conduta deve ser, de alguma forma, vedada, seja por uma definição de

padrão de regulamentação em âmbito internacional, seja com a tentativa de códigos

de conduta que vêm sendo amplamente desenvolvidos por organizações

internacionais, dentre as quais busca-se eleger uma que permita a expansão e maior

defesa dos direitos. As conseqüências danosas que são trazidas nesse processo,

como a falta de remuneração adequada e condições indignas de trabalho, ou seja, a

falta de recursos financeiros para prover à existência, afeta, diretamente, a vida e a

família, pois as condições de educação e saúde são deterioradas diante da

insuficiência e dificuldade de pagamento. Após as dificuldades iniciais básicas, ainda

vislumbra-se que as repercussões de tais proventos resultam no aumento da

violência e da criminalidade. O Direito deve procurar atender aos anseios e

controvérsias decorrentes da convivência em sociedade, com uma conciliação de

interesses para que as atividades econômicas atendam ao mercado, sem, contudo,

desconsiderar os trabalhadores e a sociedade. E é nesse contexto, então, que se

fortifica a necessidade de divulgação de novas fontes de direito que sirvam à

delimitação e comprometimento das empresas transnacionais, ou que pelo menos

estabeleçam um mínimo de condições de trabalho, ou seja, um padrão mínimo em

qualquer lugar do mundo, como os códigos de conduta. Ressalta-se a importância

da Organização Internacional do Trabalho, que desenvolve papel relevante nessa

incessante luta pelos direitos.

Palavras-chave: Direitos humanos. Empresas transnacionais. Globalização. Organização Internacional do Trabalho. Códigos de conduta.

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ABSTRACT

Respect for human rights, including labors' rights, especially the transnational

corporations has been the focus of this dissertation, as the interdependence between

States, characteristic of globalization. The balance and respect for these rights have

become an incessant search, in a clash of interests which jeopardizes the

guarantees and rights that were won through long social struggles, since there is an

ease of mobility of companies in search of States that are less requirements

regarding the payment of labors, without examining the working conditions and rights.

Such conduct should be in any way prohibited either by a definition of standard rules

in an international context, is to attempt to codes of conduct that have been largely

developed by international organizations, among which seeks to elect one that would

the expansion and greater protection of rights. The harmful consequences that are

brought in that case, as the lack of adequate remuneration and working conditions

unworthy of, or the lack of financial resources to provide the existence affects directly

the lives and family, because the conditions of education and health are deteriorated

in the face of difficulty and lack of payment. After the initial difficulties basic, yet there

is that the repercussions of such proceeds resulting in increased violence and crime.

The law should seek to address concerns and controversies arising from living

together in society, with a reconciliation of interests so that economic activities serve

the market, not look for workers and for society. It is in this context, then, that

strengthens the need for dissemination of new sources of law that serve the

demarcation and commitment of transnational corporations, or at least a minimum set

of working conditions, or a minimum standard in any place the world, such as codes

of conduct. It is emphasized the importance of the International Labor Organization,

which develops role in incessant struggle for rights.

Key-words: Human rights. Transnational corporations. Globalization. International Labor Organization. Codes of conduct.

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LISTA DE ABREVIATURAS

Ed. – Editor

Ex. – Exemplo

Col. - Colaborador

Coord. – Coordenador

Org. – Organizador

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LISTA DE SIGLAS

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

CIJ – Corte Internacional de Justiça.

EUA – Estados Unidos da América.

IDI – Instituto de Direito Internacional.

Mercosul – Mercado Comum do Sul.

OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

OIT – Organização Internacional do Trabalho.

ONG’s – Organizações não governamentais.

ONU – Organização das Nações Unidas.

RSE – Responsabilidade social das empresas.

STF – Supremo Tribunal Federal.

UNCITRAL – United Nations Commission on International Trade Law.

UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development.

UNIDROIT – International Institute for the Unification of Private Law.

UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................13

2 DIREITOS HUMANOS: ENFOQUE NOS DIREITOS SOCIAIS E DIREITO DOS

TRABALHADORES...................................... .............................................................16

2.1 Direitos humanos: reconhecimento das necessidad es sociais....................16

2.2 Direitos sociais e direito dos trabalhadores: e ssência dos Direitos

humanos............................................ ........................................................................26

2.3 A internacionalização e a internalização dos di reitos humanos...................33

3 A INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO NOS DIREITOS HUMANOS .....................39

3.1 O que é a dita globalização.................... ...........................................................40

3.2 A facilidade de de-locação das empresas com a g lobalização.....................50

4 EMPRESAS TRANSNACIONAIS E O DIREITO INTERNACIONAL .....................59

4.1 Utilização do termo empresa transnacional...... ..............................................59

4.2 Empresas transnacionais e os direitos humanos.. .........................................68

4.3 Casos de violações de direitos humanos por empr esas transnacionais.....72

5 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO............ ...............................80

5.1 A formação da Organização Internacional do Trab alho.................................80

5.2 A competência da Organização Internacional do T rabalho...........................84

5.3 A Organização Internacional do Trabalho e as em presas transnacionais...89

6 CÓDIGOS DE CONDUTA.......................................................................................91

6.1 O projeto de Código de Conduta das Nações Unida s para as empresas

transnacionais..................................... .....................................................................93

6.2 Importância das ONG’s na elaboração de Códigos de Conduta...................99

6.3 Declaração e as decisões da OCDE sobre investim ento internacional e as

empresas multinacionais............................ ...........................................................101

6.4 Código de Conduta elaborado no seio da OIT: uma possível solução para

as empresas transnacionais......................... ........................................................104

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7 CONCLUSÃO........................................ ...............................................................109 REFERÊNCIAS........................................................................................................113 ANEXOS..................................................................................................................125

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem o intuito de analisar a importância da observância dos

direitos sociais como direitos humanos, dentre eles os direitos dos trabalhadores e a

necessidade da garantia da implementação pelas empresas transnacionais.

O processo de globalização causou uma grande interdependência econômica

entre os Estados, característica marcante do processo de globalização vivenciado

atualmente. Nesse contexto, a atuação das empresas transnacionais se transformou

em um dos principais desafios para equilíbrio e respeito aos direitos humanos nos

mais diversos Estados, tendo em vista que essas empresas exercem forte pressão

nos mesmos, colocando o risco de retrocesso para aqueles que contavam com

garantias e direitos que foram conquistados através de longas lutas sociais.

O que se verifica em âmbito internacional é que ainda não se definiram os

padrões de regulamentação e limites de atuação das empresas transnacionais

diante das transformações não só de ordem estrutural, mas também conjuntural na

economia, tendo em vista que os efeitos da chamada globalização relacionam as

transformações econômicas, sociais, culturais e políticas em âmbito mundial. O

adiamento dessas limitações é advindo da experiência neoliberal instaurada, a qual

favoreceu, inclusive, “os índices de aumento da exclusão social, do desemprego e

da concentração das riquezas” (MAGALHÃES, 2004). Ou seja, essa política

privilegiou a desregulamentação e o afastamento do Estado da economia, levando a

um processo de concentração de riquezas em nível global. E, aliadas ao processo

de internacionalização1, a globalização conta também com conseqüências danosas

1 A diferenciação entre globalização e internacionalização é tratada por José Luiz Quadros de

Magalhães (1997), que expõe: “a globalização pode significar uma nova configuração que marca a

ruptura em relação às etapas precedentes da economia internacional. Antes a economia era inter-

nacional, pois sua evolução era determinada pela interação de processos operacionais essencialmente no nível dos Estados-nação. No período contemporâneo vemos emergir uma economia globalizada na qual as economias nacionais serão decompostas e posteriormente rearticuladas no seio de um sistema de transações e de processos que operam diretamente no nível internacional. Esta definição é a mais geral e sistemática. De uma parte, os Estados-nação, e, por consequência os governos nacionais, perdem toda a capacidade de influenciar as evoluções econômicas nacionais, ao ponto que as instituições centralizadas herdadas do pós-guerra devem ceder lugar a entidades regionais ou urbanas, ponto de apoio necessário da rede tecida pelas multinacionais. De outro lado, os territórios submetidos a este novo modelo ficam fortemente interdependentes ao ponto de manifestar evoluções sincronizadas, por vezes idênticas, mas em todo caso em via de homogeinização. Adeus portanto ao compromisso político nacional e a noção mesmo de conjuntura local”. Portanto, o fenômeno da globalização destaca um novo modelo de interdependência econômica, com vias à homogeneização, numa conjuntura global, mais acentuado do que o processo de internacionalização, que trouxe uma ação internacional, uma maior comunicação e ligação de Estados soberanos e independentes, sem, contudo, visar a homogeneização.

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que são trazidas pela falta de remuneração adequada e condições indignas de

trabalho, ou seja, a falta de recursos financeiros para prover à existência afeta,

diretamente, a vida e a família, pois as condições de educação e saúde são

deterioradas diante da insuficiência e dificuldade de pagamento. Após as

dificuldades iniciais básicas, ainda vislumbra-se que as repercussões de tais

proventos resultam no aumento da violência e da criminalidade.

Distante não fica o prejuízo do Estado quando os cidadãos são submetidos a

baixas remunerações e condições impróprias de trabalho, pois há uma diminuição

no recolhimento dos tributos oriundos da atividade remunerada, bem como um

aumento de gasto do Estado com esses indivíduos, para, de alguma forma sanar os

problemas de saúde que aumentam a partir do momento em que esses indivíduos e

suas famílias não se alimentam adequadamente. Entretanto, por outro lado, justifica-

se que menores salários podem servir para um maior crescimento econômico e,

logo, uma maior arrecadação de tributos sobre as empresas. O que leva então ao

questionamento acerca do modelo tributário de taxação da pessoa física, com

favorecimento de empresas e de grandes fortunas. Deve-se então ponderar os

benefícios e prejuízos de uma remuneração menor, tendo em vista a importância do

respeito aos direitos do trabalhador.

Tendo em vista que o Direito, com normas e princípios, deve procurar atender

aos anseios e controvérsias decorrentes da convivência em sociedade, faz-se

necessário entender melhor e delimitar a atuação de empresas transnacionais,

estruturadas de forma coordenada para desenvolver atividades econômicas para

atender a mercados. Além do mais, importante se torna a análise daqueles que

elaboram essas normas, pois há necessidade de um direito democrático, com

participação de grupos com interesses distintos para que realmente atenda à

sociedade, e não a uma parcela específica.

Reconhece-se, nesse contexto, a necessidade de divulgação de novas

fontes2 de direito que servem à delimitação e comprometimento das empresas

transnacionais, ou que pelo menos estabeleçam um mínimo de condições de

trabalho, ou seja, um padrão mínimo em qualquer lugar do mundo, como os códigos

de conduta.

2 Segundo Cunha e Pereira (2004, p.211), “a expressão fontes de Direito no Direito Internacional, como na teoria do Direito, é susceptível de ter o significado de causas de ordem social determinantes da necessidade da norma (fontes materiais, fontes criadoras, fontes reais ou profundas), ou de modos ou processos de formação, exteriorização ou revelação das normas na vida social (fontes formais)”.

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Assim, nesse trabalho será feita uma breve análise dos direitos humanos,

enfocados os direitos sociais, principalmente o direito do trabalho, tomados como

parte daqueles, tendo em vista a necessidade de seu cumprimento para

atendimento de condições básicas de vida. Posteriormente ressalta-se a fase de

internacionalização e internalização desses direitos. E, em seguida, maiores

detalhes e posicionamentos acerca da globalização serão traçados, delimitando a

atuação e influência desse fenômeno, em caráter geral e mais especificamente no

que tange às empresas transnacionais. E, para tanto, importante é explicitar o

significado e diferenças trazidas por essas empresas, bem como a atuação da

Organização Internacional do Trabalho para conter e, de alguma forma garantir os

direitos na atuação dessas empresas no cenário mundial, o que leva então à

necessidade de se analisar a viabilidade de utilização de medidas internacionais, e

até mesmo utilização de códigos de conduta que auxiliam, de alguma forma, na

regulamentação e implementação dos direitos, ao tentar conter a fúria avassaladora

e facilidade de mobilidade do capital em detrimentos de condições dignas de

trabalho. Ou seja, utiliza-se uma fraudulenta mobilidade das empresas

transnacionais em busca de Estados que façam menos exigências quanto ao

pagamento de trabalhadores, sem analisar as condições de trabalho e direitos

destes. O abuso desse tipo de conduta deve ser cerceado, e, nesse estudo, busca-

se um órgão ou até mesmo medidas que possam regular e coibir essas ações.

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2 DIREITOS HUMANOS: ENFOQUE NOS DIREITOS SOCIAIS E DIREITO DOS

TRABALHADORES

2.1 Direitos humanos: reconhecimento das necessidad es sociais

A percepção e evolução dos direitos humanos, para alcançar a forma e

imensidade como encontramos hoje, é produto de uma longa e dialética trajetória,

perpassando por conceitos filosóficos elaborados desde a antiguidade para alcançar

a concepção encontrada na contemporaneidade.

A evolução no tocante aos direitos humanos visa, num plano genérico, à

defesa da dignidade humana contra a violência, a exploração e a miséria. Assim

expõe Fábio Konder Comparato:

Pois bem, a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos. (COMPARATO, 2003, p.37)

A formação dos direitos é paulatina, ocorre em resposta aos acontecimentos

e necessidades sociais. Os direitos humanos sofrem uma modificação contínua, com

formação de diversas correntes e classificações diferenciadas. Como acentua

Norberto Bobbio (1992), o elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a

se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, da carência e dos

interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos

mesmos, das transformações técnicas, além dos acontecimentos que se sucedem

numa luta pelos direitos.

Os direitos humanos podem ser vistos, inclusive, como direitos básicos, sem

os quais seria impossível viver em sociedade, sem reconhecimento do modo de ser

individual de cada um.

O estabelecimento de normas para que fosse possível a convivência em

sociedade já era vivenciado desde o Código de Hamurabi (1690 a.C.), cuja

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codificação consagrou, na antiguidade, um rol de direitos comuns a todos os

homens. (MORAES, 2007, p.6)

Em período posterior, é inegável que os gregos contribuíram de forma

imensurável para a formação do pensamento filosófico e jusfilosófico durante a

história. O sofista Trasímaco ressaltou que a dominação pelos mais fortes se dava

até mesmo através das leis, ao transmitir no seu pensamento que “as leis eram

criadas pelos homens ou grupos que estavam no poder, com o objetivo de fomentar

seus próprios interesses”. (MAGALHÃES 2002, p.24)

É a partir do momento que os pensadores gregos percebem a existência de uma grande diversidade de leis e costumes nas várias nações e povos que eles colocam a seguinte questão: existem princípios superiores a essas normas específicas que sejam válidas para todos os povos, em todos os tempos, ou a Justiça e o Direito são mera conveniência? (MAGALHÃES, 2002, p.24)

Da mesma forma, os romanos também tiveram papel relevante, sendo os

responsáveis pela primeira elaboração de um complexo mecanismo visando à

proteção dos direitos individuais.

Em período posterior, na Idade Média, houve certa estagnação do

desenvolvimento de tais direitos, tendo em vista que “as relações de servidão e

vassalagem não permitiam ao cidadão que perseguissem seus direitos, já que no

vínculo da servidão inexistia a figura garantidora dos mesmos, que é o Estado”.

(MARTINS, 1999, p.254)

A Magna Carta, outorgada por João Sem Terra, na Inglaterra, em 1215,

representou importante marco na formação dos direitos humanos, pois tal

documento apresentou restrições à atuação do Estado, em relação às restrições

tributárias, ao direito do devido processo legal, à liberdade de locomoção e também

do direito à liberdade religiosa.

Outras declarações, em período coincidente foram relevantes enquanto

formação dos direitos humanos, como o Hábeas Corpus Act3, de 1679 e a Bill of

Rights4, de 1698.

3 “O hábeas-corpus já existia na Inglaterra, desde há vários séculos (mesmo antes da Magna Carta), como mandado judicial (writ) em caso de prisão arbitrária. Mas a sua eficácia como remédio jurídico era muito reduzida, em razão da inexistência de adequadas regras processuais. A lei de 1679, cuja denominação oficial foi “uma lei para melhor garantir a liberdade do súdito e para prevenção das prisões no ultramar”, veio corrigir esse defeito e confirmar no povo inglês a verdade do brocardo remedies precede rights, isto é, são as garantias processuais que criam os direitos e não o contrário.

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Entre 1640 e 1688, a Inglaterra viveu um autêntico turbilhão de acontecimentos políticos, opondo a Monarquia absoluta ao Parlamento. A crise revolucionária que explode em 1640 ganha a forma de uma guerra civil, em 1642, desembocando na condenação sumária e execução do rei Carlos I e na proclamação da República, em 1649. Depois disso, os ingleses ainda terão de passar pela experiência do protetorado de Oliver Cromwell e a restauração monárquica que levará Carlos II – o filho do rei morto pela revolução – a assumir o trono da Inglaterra. Então, imaginava-se que a fórmula de uma Monarquia regulada pelo Parlamento – uma Monarquia constitucional – pacificaria em definitivo os ingleses, dando fim ao processo revolucionário. Ledo engano, pois, ao suceder Carlos II, seu irmão Jaime II procurou restaurar o absolutismo resgatando a força do catolicismo. Contra tal tentativa, as forças do Parlamento implementarão uma segunda e definitiva revolução, que acertará as contas com as intenções absolutistas da dinastia dos Stuart – a Revolução Gloriosa. No seu bojo, será elaborado o Bill of Rights, uma declaração voltada para a visualização de novo tipo de Estado fundado na separação de poderes, um Estado de direito, um Estado dos cidadãos. (MONDAINI, 2006, p.23)

A segunda metade do século XVIII contou com declarações específicas, até

então inexistentes no panorama dos direitos humanos, e, assim, formou-se o

movimento iluminista, marco para efetivação dos direitos e da cidadania. Esse

período foi marcado pela influência de pensadores como Voltaire, Rosseau,

Lavoisier e Kant, o que resultou em declarações como a Declaração da

Independência Americana, em 1776 e a Declaração Universal dos Direitos do

Homem e do Cidadão, como resultado da Revolução Francesa de 1789.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão trouxe à tona notável

ênfase à igualdade social, com os princípios norteadores de igualdade, liberdade e

fraternidade, apesar da dificuldade de afirmação desses princípios, constituem um

marco na luta social para a conquista dos direitos fundamentais.

Inicialmente os direitos humanos, apesar de terem sido concebidos num plano

teórico-filosófico, contribuíram para a concepção de direitos e cidadania. Tal como ocorria no direito romano, o direito inglês não concebe a existência de direitos sem uma ação em juízo que nascem os direitos subjetivos, e não o contrário. Nos direitos da família européia continental, à qual se filiam as legislações latino-americanas, prevalece justamente a idéia contrária: os direitos subjetivos são o principal e as ações judiciais, o acessório, que a eles deve adaptar-se.” (COMPARATO, 2003, p.85) 4 “Promulgado exatamente um século antes da Revolução Francesa, o Bill of Rights pôs fim, pela primeira vez, desde o seu surgimento na Europa renascentista, ao regime de monarquia absoluta, no qual todo poder emana do rei e em seu nome é exercido. A partir de 1689, na Inglaterra, os poderes de legislar e criar tributos já não são prerrogativas do monarca, mas entram na esfera de competência reservada do Parlamento. Por isso mesmo, as eleições e o exercício das funções parlamentares são cercados de garantias especiais, de modo a preservar a liberdade desse órgão político diante do chefe de Estado.”(COMPARATO, 2003, p.90) “O Bill of Rights foi promulgado num contexto histórico de grande intolerância religiosa, iniciado em 1685 com a revogação por Luiz XIV do edito de Nantes, de 1598, que reconheceu aos protestantes franceses a liberdade de consciência, uma limitada liberdade de culto e a igualdade civil com os católicos. A essa manifestação de intolerância católica correspondeu a reação violenta dos anglicanos.” (COMPARATO, 2003, p.92)

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Posteriormente, passou-se da parte teórica à prática, ou seja, iniciou-se a

implementação da parte filosófica na política, o que refletiu na positivação desses

direitos em declarações, tais como a Declaração de Direitos dos Estados Unidos e

também a da Revolução Francesa, que contribuiu na defesa e garantia das

liberdades individuais frente ao poder estatal, com direitos relativos à vida, à

liberdade, à propriedade, à segurança e à igualdade.

Por traduzirem a afirmação de um espaço individual, privado, impondo limites

à atuação estatal, esses direitos, chamados até de direitos de primeira geração, são

identificados, num primeiro momento, como os direitos de liberdade, imbuídos com a

idéia de autonomia do indivíduo. Entretanto, essa mesma autonomia traz consigo a

responsabilidade pela preservação e aprimoramento de cada um individualmente.

Apesar do respeito às liberdades fundamentais, com a exploração da mão-de-

obra, especialmente infantil, a pobreza dos trabalhadores e a desigualdade social

extremada, no final do século XIX e início do século XX, foi necessário buscar

soluções para conter os problemas que dali poderia se insurgir. A ação individual

nem sempre logra o êxito desejado, e foi por essa percepção de insuficiência que

houve uma mobilização de ativistas sociais, no final do século XIX e início do XX,

determinou a formação de associações e sindicatos dos trabalhadores, organizações

essas que foram a mola propulsora de movimentos de massa, que passaram a se

coligar para dar resposta coletiva aos problemas com que se defrontavam (LEDUR,

1998, p.37).

Assim, a noção dos direitos humanos, de forma genérica, visa o

reconhecimento do Estado que, de alguma forma, é responsável em caso de

violação não reparada, ou seja, não se restringe mais somente aos direitos

subjetivos necessários para o desenvolvimento normal do ser humano em

sociedade, o qual deve continuar a ser garantido e respeitado pelo Estado.

Essa fase dos direitos humanos traz consigo um conteúdo social, com

necessidade de uma prestação positiva do Estado para conter as desigualdades,

satisfazer necessidades com o acesso à educação, à saúde e ao trabalho em

condições humanas. Reconheceu-se, assim, que a construção do direito à vida,

numa concepção de direito social, abrange não só a vida em si, numa interpretação

restritiva, mas a vida em sua plenitude, com a necessidade de respeito aos demais

direitos humanos concomitantemente.

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Como reflexo da importância da questão social para a humanidade, as

normas que lhe diziam respeito passaram a integrar o corpo de diversas

Constituições. Esta inserção de normas de natureza social na Constituição se

justificou porque a concretização de seus preceitos não dependia meramente do

cumprimento de obrigações na esfera individual, mas da conjugação de diversos

fatores sócio-econômicos de todo um corpo social e, em especial, da atuação do

próprio Estado, que nesse contexto não mais aparecia como mero ente coercitivo da

ordem jurídica, mas como estimulador, financiador e promotor dos direitos

constitucionalmente assegurados. A fixação na Constituição de interesses sociais

representou, por assim dizer, um compromisso do Estado e da sociedade com o

implemento e satisfação de tais interesses, sendo o Estado até mesmo um sujeito

passivo obrigado a efetivá-los. Juridicamente, o Estado deixou de ser um mero

legitimador dos interesses dos dominantes e transfigurou-se em autêntico Estado

social (pelo menos do prisma do direito). (MAIOR, 2007, p.22)

A necessidade da responsabilidade de uns com os outros é inerente à vida em

sociedade, mas cabe principalmente ao Estado a promoção de todos os valores que

preservam a vida, na sua inteireza, independentemente da condição econômica do

indivíduo.

E, a cada era, conforme as necessidades, outros interesses e outros direitos

vão sendo requisitados, contribuindo para a formação de novas divisões e

entendimentos.

Os direitos humanos, conforme divisão adotada por José Luiz Quadros

(MAGALHÃES, 2002, p.12), a qual foi escolhida para adoção nesse trabalho, podem

ser classificados em: direitos individuais (relativos à vida, à liberdade, à propriedade,

à segurança e à igualdade); direitos sociais (relativos à saúde, à educação, à

previdência e à assistência social, ao lazer, ao trabalho, à segurança e ao

transporte.); direitos econômicos (normas de conteúdo econômico que viabilizarão

uma política econômica, sendo englobados o pleno emprego, o direito ao transporte

integrado à produção, o direito ambiental e os direitos do consumidor); e os direitos

políticos (direitos à participação popular no Poder do Estado).

Outras classificações podem ser adotadas, como aqueles (MARTINS, 1999)

que defendem a divisão das gerações de direitos humanos diretamente ligados aos

três poderes, sendo a primeira geração dependente do Poder Legislativo e do Poder

Judiciário, enquanto a terceira geração fica dependente da atuação positiva do

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Poder Executivo para sua concretização. Entretanto, como efeito da globalização

pode-se vislumbrar um entrelaçamento desses Poderes, sendo verificado, por

diversas vezes, delegação de poderes antes do Executivo à ordem privada.

Uma outra visão interessante é trazida por Gregório Assagra de Almeida

(2008), ao salientar que a conduta do legislador, do administrador, do juiz e até

mesmo do particular deve ser construída “com base na teoria dos direitos e

garantias constitucionais fundamentais, consagrada expressa ou implicitamente em

determinada ordem jurídica”. (ALMEIDA, 2008, p.291)

Os direitos e garantias constitucionais fundamentais compõem o núcleo de uma Constituição democrática e pluralista e possuem tanto dimensão subjetiva, a qual se liga às pessoas individuais ou coletivas titulares dos direitos, quanto objetiva, constituindo-se, nesse caso, parâmetro básico para a interpretação e concretização da própria ordem jurídica e da fixação dos parâmetros e valores do próprio Estado Democrático de Direito.(ALMEIDA, 2008, p.302)

Nessa linha de raciocínio os direitos fundamentais5 apresentam duas

dimensões, uma subjetiva, na qual os direitos garantem a liberdade individual,

limitam o poderio estatal e defendem os aspectos sociais e coletivos da

subjetividade, além de serem essenciais para os processos democráticos do Estado

de Direito, e outra objetiva, a partir da qual a interpretação do ordenamento jurídico

deve ser feita à luz dos direitos fundamentais, atendendo

à função de integração, organização e de direção jurídica.

De toda forma, portanto, os direitos humanos devem ser interpretados à luz

de uma visão holística, tendo em vista a impossibilidade de se conseguir uma vida

digna sem o respeito aos direitos inter-relacionados.

Atualmente figura com destaque a proteção dos direitos econômicos, sociais

e culturais, com o intuito de assegurar-lhes uma eficaz proteção. O desrespeito a

esses direitos acaba por deixar uma parte da população, em vários países, à

margem da proteção dos direitos humanos, tendo em vista que não há como

distinguir em mais ou menos importantes direitos que se interrelacionam e são

indivisíveis. A tradicional visão, distinguindo de um lado, os direitos civis e políticos,

e de outro, os direitos econômicos, sociais e culturais acarretou o negligenciamento

e descumprimento de diversos direitos que hoje podemos considerar como direitos

5 Apesar das diferenciações doutrinárias acerca da terminologia direitos humanos e direitos fundamentais, nesse trabalho as expressões não receberam tratamento diferenciado.

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humanos, que carece, apesar da existência de várias declarações e pactos, de

medidas de implementação.

A pressuposição de que os direitos civis e políticos eram suscetíveis de

aplicação imediata, com abstenção por parte do Estado, enquanto os direitos

econômicos, sociais e culturais eram suscetíveis de aplicação progressiva, tendo em

vista que requerem obrigações positivas, ou seja, atuação estatal, favoreceu o

descumprimento ou melhor, a postergação dos direitos econômicos, sociais e

culturais. Há que se ressaltar que não existe uma dicotomia absoluta entre esses

direitos, e sim uma interrelação, apesar das divisões que são levantadas

principalmente pela doutrina.

Segundo Antônio Augusto Cançado Trindade (2000), foi na I Conferência

Mundial de Direitos Humanos, realizada em Teerã, em 1968, quando afirmado que a

plena realização dos direitos civis e políticos seria impossível sem o gozo dos

direitos econômicos, sociais e culturais que restou demonstrada a indivisibilidade

dos direitos humanos6.

Apesar de não ser o foco principal deste trabalho a discussão do conceito e

as concepções dos direitos humanos, percebe-se uma dificuldade de aceitação de

convenções firmadas inclusive no âmbito da Organização Internacional do Trabalho

(OIT) até por diferenciação quanto à conceituação e quanto à consideração das

necessidades básicas. Barzotto (2007, p.13) considera que foi a partir da Declaração

relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho que se buscou

investigar o conceito de direitos humanos que dá suporte à ação normativa da OIT.

Desta forma, entre as teorias sobre direitos humanos, constatou-se que há três

enfoques principais dos direitos humanos dos trabalhadores, como direitos

6 Ressalte-se que a teoria da indivisibilidade não é incompatível com a divisão por gerações, apesar de alguns autores não simpatizarem pela utilização dessa divisão, por entenderem que pode dar o entendimento de que há uma separação do que hoje já é pacificamente concebido como indivisível. Há que se salientar ainda que os direitos individuais hoje não são os mesmos, interpretados e lidos da mesma forma de quando surgiram. José Luiz Quadros de Magalhães (2008) demonstra claramente em seu artigo A internacionalização dos direitos humanos que a classificação dos direitos humanos em gerações deve ser interpretada com cuidado para evitar a compreensão equivocada. Ela permite vislumbrar a cronologia histórica de surgimento destes direitos, mas não pode ser analisada como direitos estanques e atemporais. E se os direitos individuais surgiram num primeiro momento, o seu entendimento era completamente diferente do que se tem hoje. Destaca o autor que, naquela época, esses “direitos eram vistos como negativos, que pediam um não fazer do Estado. As pessoas eram livres pelo simples fato do Estado nada fazer. Esta era uma compreensão liberal completamente superada”. Atualmente os direitos individuais são analisados sob uma perspectiva de pedido de um agir estatal ou pedido de condições sócio-econômicos para que possam ser efetivados, o que revela que não são os mesmos direitos de hoje, assim como mudou a interpretação e a forma como são lidos.

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subjetivos, como necessidades e como princípios. Como direitos subjetivos, os

direitos humanos dos trabalhadores se traduzem por normas específicas, normas de

direitos fundamentais sociais, no interior dos Estados nacionais e pugnam pela sua

efetividade e aplicabilidade. Direitos humanos dos trabalhadores na esteira da

concepção de necessidades sublinham a urgência de fixação de padrões mínimos

de trabalho digno no mundo e enfrentam os aspectos de desenvolvimento

econômico das nações. Já os direitos humanos analisados como princípios

envolvem uma concepção de direitos que, sem perder o caráter obrigatório,

permitem a sua aplicação gradual, de acordo com a realidade fática de cada ordem

jurídica, sem perder de vista que os princípios devem permear todo o ordenamento.

Institucionalmente na OIT, como centro de debates sobre direitos humanos dos

trabalhadores, foram privilegiados em determinados períodos históricos, aspectos da

dignidade jurídica, econômica e política do trabalhador, que se vinculam,

respectivamente, às concepções de direitos humanos como direitos subjetivos, como

necessidades e princípios.

Ao analisar a explicação de Luciane Barzotto vislumbra-se a concepção dos

direitos humanos como fundo principiológico, atentando para direitos relativos à

dignidade humana, e, no tocante à OIT, com privilégio aos direitos relativos à

dignidade jurídica, econômica e política do trabalhador, sempre respeitando a

soberania de cada país ao possibilitar a ratificação de convenções apenas pelos

países interessados. Subentende-se, portanto, que a OIT enfoca principalmente os

direitos sociais, parte dos direitos humanos.

Diversas considerações podem ser tecidas acerca dos direitos humanos, pois

se constituem numa invenção humana, em um constante processo de construção e

reconstrução. E, como leciona Norberto Bobbio (1992), os direitos humanos nascem

como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos

particulares, no momento em que as Constituições incorporam as Declarações

relativas aos direitos humanos, para, finalmente, encontrarem plena realização como

direitos positivos universais.

Segundo o mesmo autor, a dificuldade hoje não se dá na criação dos direitos

humanos, e sim na proteção e efetividade desses.

Pois bem, todas as concretudes constitucionais desse tipo, para dizer, da democracia liberal, partem do suposto que a crença nos direitos fundamentais do homem, que estão acima do Estado, que têm valor mais

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alto do que este próprio, e entendem que um dos principais fins do Estado consiste em garantir a efetividade de tais direitos. (RECASÉNS SICHES, 1965, p.552)7

Portanto, como explicitado por Recaséns Siches (1965), a consecução dos

direitos ditos do homem carecem de uma garantia do Estado para que tenham

efetividade.

É obvio que quando se fala de “direitos humanos”, com a palavra direito nesta expressão não se pensa no mesmo que quando alguém se refere aos direitos de um comprador de acordo com o código civil vigente, ou aos direitos políticos do cidadão de acordo com a Constituição de certo país. Ao contrário, pensa-se em outra coisa e, sobretudo, em um plano diferente do direito positivo. Pensa-se em uma exigência ideal, a qual é formulada verbalmente quando se diz “todos os homens têm o direito – por exemplo - à liberdade de consciência”, o qual não expressa um direito subjetivo no sentido técnico desta expressão, é dizer, com possibilidade de fazê-lo valer mediante o auxílio dos órgãos judiciais e executivos do Estado. Expressa que o Direito positivo, toda ordem jurídica positiva, por exigência ideal, por imperativo ético, deve estabelecer e garantir em suas normas a liberdade de consciência. Não se fala de um direito subjetivo dentro de uma ordem jurídica constituída, mas sim de um direito ideal no campo do direito que se deve estabelecer, isto é in re de iure condendo (RECASÉNS SICHES, 1965, p.552)8

Diante da explicação de Recaséns Siches (1965), conclui-se, portanto, que

quando se trata de direitos do homem é dirigido ao legislador como normas ou

princípios, ideais, para que se insira no ordenamento jurídico para que, então,

satisfaça às exigências dos direitos humanos, ou seja, para que sejam efetivados, e

sempre tendo em vista, como imperativos éticos, o estabelecimento de garantias

desses direitos.

7 Tradução livre da autora ao trecho: Pues bien, todas las concreciones constitucionales de ese tipo, es decir, de democracia liberal, parten del supuesto de la creencia en unos derechos fundamentales del hombre, que están por encima del Estado, que tienen valor más alto que éste, y entienden que uno de los fines principales del Estado consiste en garantizar la efectividad de tales derechos.(RECASÉNS SICHES, 1965, p.552) 8 Tradução livre da autora para o trecho: Obviamente, cuando se habla de los “derechos del hombre”, con este vocablo “derechos” no se piensa lo mismo que cuando uno se refiere a los derechos que tiene el comprador según lo determinado en el Código civil vigente, o a los derechos políticos del ciudadano de acuerdo con la Constitución de un cierto país. Por el contrario, se piensa en otra cosa, y, sobre todo, en un plano diferente del Derecho positivo. Se piensa en una exigencia ideal, la cual es formulada verbalmente diciendo “todos los hombres tienen el derecho – por ejemplo – a la libertad de conciencia”, lo cual no expresa un derecho subjetivo en el sentido técnico de estos vocablos, es decir, con posibilidad de hacerlo valer mediante el auxilio de los órganos jurisdiccionales y ejecutivos del Estado. Expresa que el Derecho positivo, todo orden jurídico positivo, por exigencia ideal, por imperativo ético, debe establecer y garantizar en sus normas la libertad de conciencia. No se habla de un derecho subjetivo dentro de un orden jurídico constituido, sino de un derecho ideal en el campo del Derecho que se debe establecer, esto es, in re de iure condendo. (RECASÉNS SICHES, 1965, p.552)

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Dada a indivisibilidade dos direitos humanos, é impossível que se concretize

apenas um deles, isoladamente, é necessário que se considere como um todo,

sendo a dignidade humana um dos valores fundamentais.

(...)no caso da dignidade da pessoa, diversamente do que ocorre com as demais normas jusfundamentais, não se cuida dos aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc.), mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que a dignidade passou a ser habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal, definição esta que, todavia, acaba por não contribuir muito para uma compreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbito de proteção da dignidade, na sua condição jurídico-normativa. Mesmo assim,tal como consignou um arguto estudioso do tema, não restam dúvidas de que a dignidade é algo real, já que não se verifica maior dificuldade em identificar claramente muitas das situações em que é espezinhada e agredida, ainda que não seja possível estabelecer uma pauta exaustiva de violações da dignidade. (SARLET, 2007, p.40)

Nesse contexto verifica-se que embora sejam identificadas situações de

violações da dignidade humana, núcleo dos direitos humanos, são feitos apenas

contornos basilares do conceito, pois não se tem uma maneira fixista que se

manifestam nas sociedades contemporâneas, dado ser um conceito em permanente

processo de construção.

Assim, as violações podem ser vislumbradas onde não houver respeito pela

vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas

para uma existência digna não forem asseguradas, onde a liberdade, a igualdade de

direitos e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente

assegurados, enfim, em situações em que o indivíduo seja tratado como coisa:

(...) a dignidade da pessoa humana poderia ser considerada atingida sempre que a pessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa, em outras palavras, sempre que a pessoa venha a ser descaracterizada e desconsiderada como sujeito de direitos. (SARLET, 2007, p.59)

O rebaixamento da pessoa a mero instrumento implica numa destruição de

todos os direitos humanos, dada a mencionada indivisibilidade desses, e por isso a

necessidade de atendimento, além dos direitos chamados de primeira geração, dos

direitos sociais, entre eles destacando-se os direitos dos trabalhadores.

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2.2 Direitos sociais e direito dos trabalhadores co mo essência dos Direitos humanos

Não há como exercer o direito à vida sem a liberdade, o trabalho, o respeito,

bem como não há como exercer o direito à moradia sem um trabalho que ofereça

um salário justo.

Num conflito de tensão inerente ao modelo de produção capitalista, na

relação capital e trabalho, o direito social se materializa pelas normas trabalhistas e

previdenciárias, mas em derradeiro, atinge outras esferas, como a educação, a

habitação, a alimentação, a saúde, o lazer, todos com o intuito de fazer valer o

direito à vida na sua concepção mais ampla. Ou seja, os direitos sociais não se

restringem ao direito do trabalho, apesar desse ser extremamente importante e

central para aqueles, como expõe José Luiz Quadros, “os direitos relativos ao

trabalho são parte importante e principal dos direitos sociais, mas não esgotam de

forma alguma estes últimos”. (2002, p.218)

Direitos sociais são reconhecidos como o segundo grupo que compõem os

Direitos Humanos. O bem-estar social é notoriamente a característica marcante

desse segmento, o que levou o Estado a ter um papel ativo, com uma prestação

positiva.

Os chamados direitos sociais (e econômicos e culturais) visam uma atuação positiva do Estado, do próximo e da sociedade, para fornecer ao homem determinados bens e condições. Em contraste com os chamados direitos individuais, cujo conteúdo traz um "não fazer", um "não violar", um "não prejudicar", por parte das pessoas e principalmente dos órgãos estatais, o conteúdo dos direitos sociais é um "fazer", um "contribuir", um "ajudar" por parte dos órgãos estatais. (RECASÉNS-SICHES, 1965, p.601)

Nessa visão, é dever do Estado oferecer direitos básicos, tais como

educação, trabalho, saúde, habitação e lazer e isso implica numa prestação positiva,

uma obrigação de atitude do Estado, como expõe José Luiz Quadros de Magalhães:

Grupo 2: Direitos sociais – Compreendem os direitos sociais os direitos relativos à saúde, à educação, à previdência e à assistência social, ao lazer, ao trabalho, à segurança e ao transporte. Estes direitos estão a pedir uma prestação positiva do Estado, que deve agir no sentido de oferece-los para a proteção dos interesses da sociedade. (MAGALHÃES, 2002, p.13)

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A necessidade de proteção dos economicamente fracos em relação aos

economicamente fortes foi fundamental para que as classes trabalhadoras, nos

séculos XIX e XX lutassem por uma prestação ativa do Estado, com o intuito de

assegurar-lhes serviços públicos que lhes oferecesse uma segurança econômica e

justiça social.

No contexto da produção capitalista, que permitiu a utilização do trabalho humano de outrem para geração de riquezas, aqueles que se beneficiaram do sistema, ou, melhor, que acumularam riquezas em função do trabalho alheio, na ótica do direito social, tinham, naturalmente, uma responsabilidade redobrada, sendo que o primeiro modo concreto de cumpri-la era respeitando os direitos daqueles que, com seu trabalho, alimentavam sua atividade econômica. Desse modo, nada foi mais agressivo à ordem jurídica do Direito Social que o desrespeito aos direitos dos trabalhadores. (MAIOR, 2007, p.23)

A necessidade de regulamentação e fiscalização dos direitos aqui elencados

como direitos sociais é conseqüência do modelo capitalista, tendo em vista que esse

seria fadado ao rápido insucesso se não contar com um elemento regulador dos

padrões de conduta da humanidade.

Os chamados direitos sociais são inteligíveis em situações criadas pelo

capitalismo, para conter os interesses de uma das classes, ou seja, dos

empregadores, Rolf Kuntz (1995, p.2) elenca inclusive a educação pública universal,

pelo menos no nível básico, a assistência de saúde à gestante e à criança e a

tributação progressiva como fatores contributivos para diminuição da desigualdade.

De modo geral, acentua que são envolvidas garantias de trabalho e de

remuneração, condições mínimas de segurança econômica e, ainda, oportunidades

de acesso ao mercado em condições dignas. Esse conjunto inclui os direitos

trabalhistas, nas suas várias formulações, e as garantias previdenciárias e

assistenciais, como a aposentadoria, o socorro médico e o seguro-desemprego.

Pode-se dizer que o respeito aos direitos sociais, englobando o direito do

trabalho e o previdenciário, possibilitam que o cidadão tenha condições de ter

moradia, saúde, alimentação e até mesmo educação, tendo em vista que, através do

salário poderá exercer os outros direitos elencados.

O direito do trabalho, que é a fonte do direito do porvir, é e advém de um direito social: a idéia da segurança social, que é uma nova aspiração dos homens, é a idéia do direito do trabalho que se universaliza; o que o direito laboral deseja para os homens que colocam sua energia de trabalho à disposição de uma empresa privada, é uma segurança social para todos

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eles. O direito do trabalho e o direito da segurança social têm mesma origem e natureza idênticas: são direitos que buscam a justiça social; é o direito que a sociedade impõe autoritariamente para assegurar a cada homem, qualquer que sejam suas circunstâncias, uma existência digna; o direito do trabalho e o direito da segurança social são o reconhecimento do dever social de assegurar a vida humana em condições dignas. (CUEVA,1965, p.224)9

O trabalho ganhou da ordem jurídica um retorno de natureza social, com a

garantia dos direitos pretendeu-se atribuir dignidade, com compensação econômica

e social. Não se pode conceber que se atribua eficácia plena aos direitos de

natureza individualista sem atendimento dos direitos sociais. Dificuldades estruturais

da ordem econômica não justificam que se sacrifiquem os direitos sociais,

principalmente o direito do trabalho e direito da seguridade social, conforme

exemplificado por Souto Maior (2007):

Diante do desajuste econômico, não é o direito social que perde eficácia e sim o direito liberal. Em termos mais claros: ninguém tem direito à propriedade enquanto uma pessoa passar fome... ou, enquanto uma criança estiver sem escola; enquanto, mesmo com a existência de escolas, houver uma criança sem formação educacional, porque foi obrigada a se dedicar ao trabalho; enquanto pessoas morrem nas filas dos serviços médicos; enquanto se mantiver a prática da utilização do trabalho em condições análogas à de escravo; enquanto os direitos trabalhistas forem publicamente agredidos e voluntariamente descumpridos. (MAIOR, 2007, p.28)

O direito do trabalho e o previdenciário garantem ao cidadão não só uma vida

digna, mas uma existência adequada. O trabalho deve ser adequadamente

remunerado, bem como o descanso após anos de trabalho, na aposentadoria.

Repugna-se o trabalho como mercadoria, ou até mesmo a relação escravocrata, que

joga por terra todos os direitos humanos, sendo contrária até mesmo à idéia de

direito. No período escravocrata existia entre escravos e seus proprietários uma

relação de propriedade, e não uma relação de trabalho, inexistindo, portanto, o

direito do trabalho e previdenciário, os quais garantem, o primeiro no presente, e o

9 Tradução livre da autora para o trecho: El derecho del trabajo, que es la fuente del derecho del porvenir, es y deviene un derecho social: La idea de la seguridad social, que es la nueva aspiración de los hombres, es la idea del derecho del trabajo que se universaliza; lo que el derecho laboral ha querido para los hombres que ponen su energía de trabajo a disposición de la empresa privada, lo propone la seguridad social para todos los hombres. El derecho del trabajo y el derecho de la seguridad social tienen un mismo origen y una naturaleza idénticos: Son el derecho que busca la justicia social; es el derecho que la sociedad impone autoritariamente para asegurar a cada hombre, cualesquiera sean sus circunstancias, una existencia digna; el derecho del trabajo y el derecho de la seguridad social son el reconocimiento del deber social de asegurar la vida humana en condiciones dignas.(CUEVA,1965, p.224)

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segundo para o futuro do trabalhador, direitos para regular relações, com o intuito de

equilibrar as relações de trabalho, sem demasiada exploração.

O confronto entre o princípio da dignidade humana e o direito ao trabalho

evidencia que a dignidade da pessoa humana é inatingível quando o trabalho

humano não merecer a valorização adequada. O desatendimento ao princípio

retromencionado coloca em xeque toda a formação estatal, pois há que se atentar

que não se pode fazer uma vinculação estrita da dignidade somente com as

liberdades públicas, ou seja, os direitos conhecidos como de primeira geração. Ledur

(1998, p.98) acentua que o princípio da dignidade humana está intimamente

associado a todos os direitos fundamentais, não se restringindo aos direitos

fundamentais clássicos. O acesso a um trabalho adequadamente remunerado

envolve questões que transcendem os limites puramente individuais que até o

presente momento podem ter ensejado a concepção ou tratamento do assunto. A

criação de postos de trabalho depende de fatores múltiplos, que envolvem o

interesse de amplas coletividades. Por isso mesmo, a realização do direito ao

trabalho fará com que a dignidade humana assuma nítido conteúdo social, na

medida em que a criação de melhores condições de vida resultar benéfica não

somente para o indivíduo em seu âmbito particular, mas para o conjunto da

Sociedade.

Os direitos sociais envolvem garantias de trabalho e de remuneração,

condições mínimas de segurança econômica bem como oportunidades de acesso ao

mercado em condições dignas. Para cumprimento desses direitos há também que

observar os direitos trabalhistas, as garantias previdenciárias e assistenciais, tais

como aposentadoria e seguro-desemprego. Esses direitos devem ser consagrados

em legislações internas dos Estados, o que possibilita uma diferenciação, pois nem

sempre são abordados com a mesma amplitude e definição. Em algumas situações

a consagração do direito se deu através de políticas de governo, com uma

inspiração keynesiana. Nesse período as transformações tecnológicas e gerenciais

foram conciliadas com a manutenção e ampliação do emprego, o que acarretou a

redução da desigualdade em grande parte do mundo capitalista.

A vida não é o único objeto a ser tutelado pelo Direito, necessário se faz o

reconhecimento das necessidades sociais e humanas. Vida social e humana

significam a plenitude do homem, mas, se a pessoa é o fim em si mesmo, deve ser

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considerada uma existência digna, e o direito do trabalho é um dos primeiros direitos

que devem ser respeitados para atendimento de uma vida digna.

O direito do trabalho se apresenta como a iniciação de uma nova ordem que afirma e repousa em um novo conceito de justiça. Seu ideal é satisfazer as necessidades do homem que trabalha; mas insistimos mais uma vez, ele não se prende a limitar-se às necessidades materiais do homem; trata também da liberdade do espírito; e exige como garantia de sua existência, ser livre (CUEVA, 1965, vii)10

Há de ser ressaltado que os direitos dos trabalhadores podem ser analisados

como direitos humanos, reconhecidos pela ordem jurídica internacional, mas são

também direitos fundamentais, sendo hoje elencados no panorama da ordem

jurídico-institucional nacional. Barzotto (2007, p.12) ressalta que os direitos sociais,

como direitos de segunda geração, não são incompatíveis com a teoria dos direitos

humanos, embora admita-se que o paradigma tradicional dos direitos humanos se

funde sobre as declarações liberais. Numa compreensão construtivista de direitos

humanos, a primeira geração destes direitos, associada aos direitos de liberdade,

viu-se igualmente complementada pelas reivindicações dos trabalhadores para

participarem do “bem-estar social”. O movimento dos trabalhadores impulsionou o

rompimento de um modelo de natureza político-jurídica individualista, que

contemplava os direitos humanos nas Declarações francesas e na Constituição

norte-americana. A constitucionalização dos direitos sociais representou um avanço

normativo dos direitos sociais nos Estados. Outro avanço normativo considerável

quanto à legislação social laboral foi a internacionalização das normas trabalhistas,

que impeliu a uma crescente busca, no plano internacional, de harmonização da

proteção do trabalhador. O debate sobre direitos humanos e direitos dos

trabalhadores tem aumentado, no Direito Internacional, especialmente porque se

tem pretendido, em alguns fóruns, como a OMC (Organização Mundial do

Comércio), por exemplo, vincular os direitos humanos no trabalho às questões de

comércio internacional.

A constitucionalização dos direitos sociais representa um avanço na atividade

normativa, mas a aplicação desses direitos no cotidiano dos cidadãos ainda é tema

10 Tradução livre da autora para o trecho: El derecho del trabajo se presenta como la iniciación de un nuevo orden y afirma y descansa en el nuevo concepto de la justicia. Su idea es dar satisfacción a las necesidades del hombre que trabaja; pero insistamos una vez más, no pretende limitarse a las necesidades materiales del hombre; reclama también las libertades del espíritu; y exige la garantía de su existencia, es para poder ser libre. (CUEVA, 1965, vii)

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a ser debatido, pois nem sempre se verifica o cumprimento desses. As organizações

internacionais têm desenvolvido um papel importante, o qual, inclusive, tem se

desenvolvido muito nos últimos anos, principalmente no que tange à proteção dos

direitos humanos. A Organização Internacional do Trabalho, uma das instituições

responsáveis pela internacionalização, chegou, inclusive, a definir o atual papel das

normas internacionais do trabalho, e propôs, em 1998, uma Declaração relativa aos

Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, com a qual se vinculou

expressamente as normas trabalhistas internacionais aos direitos humanos.

Entretanto, para que os princípios contidos em declarações internacionais

sejam dotados de eficácia, e se tornem princípios reconhecidamente jurídicos, aos

quais devem os Estados se submeter, eles devem ser reconhecidos e aceitos pelo

próprio Estado, em respeito à soberania e não intervenção em assuntos domésticos

de cada Estado, e ainda depara-se com a problemática das sanções aplicáveis no

Direito Internacional.

Conclui-se, portanto, que apesar de todos os esforços no sentido de aumento

e cumprimento dos direitos humanos, a condição humana depara com uma série de

dificuldades, seja por falta de vontade política no âmbito interno dos Estados, seja

pelo desinteresse de particulares em atender e respeitar o outro como indivíduo. As

atividades dos direitos humanos internacionais são repletos de exemplos de

hipocrisia e aparente indiferença ao sofrimento do outro, principalmente no tocante

aos direitos humanos ditos direitos sociais.

A exploração por empresas da força de trabalho do indivíduo se revela

permeada por um conflito de interesses, de um lado as empresas que visam,

principalmente, uma majoração dos lucros seja através de economia com salários

seja através da exploração do funcionário com horas de trabalho, e, do outro lado,

os empregados que defendem o emprego, sujeitando aos interesses e imperativos

das empresas.

O que é mais preocupante é que os direitos sociais, principalmente o direito

do trabalho, são influenciados diretamente pela economia, o que pode acarretar um

achatamento de direitos se não forem devidamente regulamentados pelo Estado. Há

necessidade de um reconhecimento estatal para garantia desses direitos, pois, se

deixar à livre arbítrio das empresas exploradoras da mão-de-obra haverá uma

parcialidade e unilateralidade no tocante aos benefícios decorrentes do trabalho.

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Mario de la Cueva11 expõe que “o direito do trabalho é uma transposição jurídica de

situações econômicas. Toda sua formação, sua evolução e sua técnica têm sofrido a

pressão dos acontecimentos na economia.” (CUEVA, 1965, p.227)

A ideologia neoliberal influenciou a política e os direitos com uma economia

“liberal”, na qual o Estado não deveria intervir, mas recentemente uma crise

econômica se instaura mundialmente12, e necessário se faz repensar a

responsabilidade das empresas e do próprio Estado. A atual dificuldade que

assombra o mercado faz com que os governos retornem à regulamentação da

economia pelo Direito.

A globalização provocou uma interligação mundial da economia e facilitou

demasiadamente a transferência de localização das empresas, analisando os custos

e os locais que protegem menos os direitos sociais, ou seja, numa interpretação

mais ousada, locais que não observam com tanto rigor os direitos humanos.

Portanto, a de-locação deve ser contida, e a esta imposto limite, e a globalização

estudada à luz dos efeitos que traz, com parâmetros e prioridades bem definidos.

11 Tradução da autora para o trecho: “El derecho del trabajo es una transposición jurídica de situaciones económicas. Toda su formación, su evolución y su técnica, han sufrido la precisión de los datos económicos.” (CUEVA, 1965, p.227) 12 O atual momento da economia demonstra a necessidade de criação de novos padrões de regulamentação. O governo norte-americano já assumiu em 2009 colocando novos limites econômicos, no intuito de conter a crise que assola o mercado agora não só norte-americano, mas mundial. Segundo artigo publicado na Folha Online, em 28 de janeiro de 2009 (disponível em <www.folha.com.br>. Acesso em 03 de fevereiro de 2009), diversas empresas demitiram por causa da crise econômica que se instaurou. A Caterpillar, empresa americana de máquinas de construção anunciou um corte de 20 mil empregos. Na mesma linha a empresa americana de telecomunicações Sprint Nextel anunciou um corte de 7.000 empregos, a empresa de materiais e produtos de construção Home Depor informou que irá cortar 7.000 empregos, e, em dezembro (2008), o Bank of América já havia anunciado o corte de 35.000 empregos. As demissões decorrem do modelo econômico adotado, que levou a uma falsa impressão de crescimento dos mercados, sem atentar para a necessidade de conter a produção e o modo de fornecimento. E, ainda, segundo relatório da OIT a taxa de desemprego mundial em 2009 pode chegar a 7,1%, contra os 6% de estimativa anterior, o que representa cerca de 230 milhões de pessoas sem emprego até o final do ano (2009). A mencionada crise decorre de uma crise de confiança que acabou afetando o crédito, e em decorrência outros setores da economia, em especial os que possuem vendas atreladas a financiamentos, como o automotivo, quando o banco de investimentos Lehman Brothers “quebrou”. Mas o barateamento de empréstimos e financiamentos a partir de 2001 encorajou os consumidores e empresas a gastarem, provocando uma expansão acelerada do mercado imobiliário dos EUA. Em 2005 houve um “boom” no mercado imobiliário, e comprar uma casa tornou-se um bom investimento. Houve um aumento do consumo e até as pessoas de baixa renda foram incentivadas. Entretanto, alguns tomadores (que assumiram empréstimos) não conseguiram arcar, e essa inadimplência levou assentou uma insegurança, e todo o mercado foi assolado por um “medo de emprestar”, o que resultou em retração do crédito. Os preços dos imóveis começaram a cair, o crédito encareceu e os compradores acabaram se afastando, gerando uma oferta maior do que a demanda. A economia sofreu, então, um desaquecimento, e, com menos consumo, menos empresas lucram e menos empregos são gerados. Instaurou-se, assim, simplificadamente, o ápice da crise, que acabou influenciando os mercados globais e atingindo toda a economia. (maiores detalhes no site www.folha.com.br)

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Verifica-se um “achatamento” de direitos para atração de empresas

transnacionais, reconhecidas internacionalmente e com alto índice de exportação,

além das medidas migratórias tomadas por empresas, ainda se enfrentam outras

medidas que provocam a modificação dos direitos trabalhistas vistos na atualidade.

A flexibilização trabalhista vem sendo aplicada sem que provoque alardes, com

terceirizações, subemprego, informalidade, manifestações que tendem a reduzir os

direitos sociais, ou até mesmo burlar as legislações nacionais que garantem direitos

aos trabalhadores.

Faz-se necessário, portanto o devido reconhecimento à importância dos

direitos humanos, principalmente os sociais, apesar de vários deles terem sido

consagrados nas legislações, foi de maneiras diversas, com diferentes visões e

amplitudes, dependendo do país. E tais interpretações acabam por favorecer o

descaso com direitos sociais, e consequentemente direitos humanos, para atração

de empresas.

2.3 A internacionalização e a internalização dos di reitos humanos

A promoção e proteção dos direitos humanos é tema de grande relevância

nos debates internacionais, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. A

grande maioria dos governos já vem declarando a primazia do atendimento aos

objetivos dos direitos humanos, e, por isso, proliferam as convenções, acordos,

declarações e pactos que tratam do assunto.

Antes da Segunda Guerra Mundial, a questão dos direitos humanos raramente aparecia na agenda da política internacional. A maioria dos estados violava sistematicamente os direitos humanos. Permeava a discriminação racial nos Estados Unidos; a União Soviética era um Estado policial totalitário-secreto; Grã-Bretanha, França, Países Baixos, Portugal, Bélgica e Espanha mantiveram impérios coloniais em África, na Ásia e no Caribe; e a história política da maioria dos países de América Central e do Sul foi em grande parte de uma sucessão de ditaduras militares e oligarquias civis. Embora tais fenômenos incomodassem muitas pessoas em outros países, eles não foram considerados até então um legítimo sujeito para a ação internacional. Pelo contrário, os direitos humanos eram vistos como uma questão interna (doméstica), um exercício de proteção da prerrogativas de soberania dos Estados. (DONELLY, 1993, p.5)13

13 Tradução livre da autora para o trecho: Before World War II, the issue of human rights rarely appeared on international political agendas. Most states violated human rights systematically. Racial

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As atrocidades cometidas, em afronta aos direitos humanos, durante a

Segunda Guerra mundial acelerou o desenvolvimento desses direitos num plano

internacional, pois demonstrou a carência de um sistema efetivo de proteção

internacional de direitos humanos.

Assim, no campo internacional, a evolução dos direitos humanos foi marcada

pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Paris, no dia 10 de

dezembro de 1948, que consagrou uma nova ordem social, elevando os direitos

individuais, sociais e políticos como direitos fundamentais. Ao considerar tal posição,

o Estado é colocado na posição de administrador da sociedade.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, foi o instrumento responsável pela formulação jurídica da noção de direitos inerentes à pessoa humana, no plano internacional. Daí se pode concluir que o que chamamos de Direito Internacional dos Direitos Humanos é relativamente recente, presente apenas nos últimos cinqüenta anos, resultado sobretudo do período pós-Segunda Guerra Mundial. (ARAÚJO; ANDREIUOLO, 1999, p.69)

Conforme as autoras Nádia de Araújo e Inês Andreiuolo (1999) a Declaração

de 1948 supracitada sofreu forte influência de outras Declarações de Direitos dos

séculos XVII e XVIII, como o Bill of Rights, proferido na Inglaterra em 1689, a

Declaração de Independência norte-americana, de 1776 e também da Declaração

de Direitos do Homem e do Cidadão, proveniente da Revolução Francesa de 1789.

O movimento iluminista também foi, a seu turno, uma fonte de influência para a

Declaração de 1948, quando esta conferiu aos direitos humanos o atributo da

universalidade.

Entretanto, é necessário reconhecer que, mesmo após a edição da

Declaração Universal dos Direitos do Homem, para que os direitos humanos tenham

plena efetividade é preciso que primeiro se reconheça no plano interno, para que,

então, sejam respeitados e assegurados com uma proteção erga omnes as

obrigações assumidas pelos Estados no plano internacional.

discrimination pervaded the United States. The Soviet Union was a totalitarian secret-police state. Britain, France, the Netherlands, Portugal, Belgium, and Spain maintained colonial empires in Africa, Asia, and the Caribbean. And the political history of most Central and South American countries was largely a succession of military dictatorships and civilian oligarchies. Although such phenomena troubled many people in other countries, they were not considered a legitimate subject for international action. Rather, human rights were viewed as an entirely internal (domestic) political matter, an internationally protected exercise of the sovereign prerogatives of states. (DONELLY, 1993, p.5)

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O Direito Internacional dos Direitos Humanos favorece a criação de um

aparato jurídico de proteção, com autonomia e características específicas, inspirado

pela concepção de direitos inerentes ao ser humano como tal e na idéia de garantia

coletiva e caráter objetivo dos mecanismos de proteção. Os sistemas de proteção de

direitos humanos, considerando o global e os regionais, devem ser analisados numa

perspectiva de complementação, coexistindo de forma a suprir as lacunas e

fortalecer a proteção às vítimas de violação de direitos humanos.

Neste sentido é o relato de José Augusto Lindgren Alves, que diz podermos atualmente, falar em um corpus de normas que compõe o Direito Internacional dos Direitos Humanos, distinto do Direito Internacional Público clássico por admitir o indivíduo como sujeito de Direito Internacional. Os Pactos e Convenções de Direitos Humanos passam a ser elementos de uma arquitetura protetora de direitos que se afirmam erga omnes, diante do interesse de toda a comunidade internacional, inspirado, ao seu ver, na noção Kantiana de direito cosmopolita.(LINDGREN ALVES, 1997, p.15)

Os tratados de direitos humanos são feitos com a devida observação para

que não criem conflitos entre a jurisdição interna e a internacional, numa tentativa de

se prevenir ou evitar o embate entre dispositivos convencionais e de direito interno.

Apesar de se tentar evitar um conflito de fontes, ao analisar as fontes internas

e internacionais, percebe-se que diversas áreas ainda enfrentam tais conflitos,

principalmente o direito do trabalho, a aplicação das convenções da OIT, e também

direito à integração econômica, sobre os protocolos assinados no Mercosul; e

direitos humanos e aplicação do Pacto de São José da Costa Rica.

Diante do impasse entre adoção de normas internacionais e nacionais, se

formaram duas teorias clássicas, de forma sucinta, a teoria monista, na qual a ordem

jurídica interna e internacional fazem parte de um único sistema, em razão do qual

todas as normas se acham numa ordem rigorosamente hierárquica, subordinadas

entre si, com opção imperiosa de uma delas, seja consagrando a primazia do direito

interno, seja pela prevalência do Direito Internacional; e a teoria dualista, na qual as

leis internas vigoram no âmbito interno, e as internacionais, como os tratados,

vigoram apenas ns relações de ordem externa, e para que ganhe vigência no

território nacional é necessária sua homologação.

No Brasil, por exemplo, se para que o tratado se introduza na ordem legal, é

necessário que o texto do tratado tenha sido aprovado pelo Congresso, e seja

promulgado por decreto do presidente da República, conforme exposto:

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O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superada as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. (BRASÍLIA, STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1480-3. Rel. Celso de Mello, 1997)

A formação dessas teorias e a problematização quanto à hierarquia de

tratados de direitos humanos ainda representa assunto polêmico, como acontece no

Brasil, que, recentemente, por ocasião do transcurso dos sessenta anos da

assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada

pela Resolução n º 217 A da Assembléia-Geral das Nações Unidas em 10 de

dezembro de 1948, evoluiu no sentido de preferência dos direitos humanos no caso

do depositário infiel. Tal fato repercutiu além do próprio texto da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, na jurisprudência dos tribunais brasileiros.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 5°, inciso

LXVII ainda admite a prisão do depositário infiel como uma das exceções em que é

possível a prisão civil por dívida, numa afronta à Convenção Americana dos Direitos

Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, ratificada pelo Brasil.

Entretanto, numa interpretação extensiva, o Supremo Tribunal Federal modificou o

entendimento de hierarquia de tratados com força de lei ordinária, e deu ao artigo do

tratado que prevê a prisão civil somente na hipótese de devedor de pensão

alimentícia, uma interpretação extensiva, com prevalência dos direitos humanos.

Como exposto no voto do Ministro do STF, Gilmar Mendes:

Em conclusão, entendo que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art.11) e da Convenção Americana dos Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art.7°, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisao civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da

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legislação interna. (BRASÍLIA, STF. Recurso Extraordinário 466.343-1, voto vogal Ministro Gilmar Mendes, 2006.p.60)

O Plenário do STF, no julgamento dos Recursos Extraordinários 349703 e

466343, e do Hábeas Corpus 87585, concluiu, por maioria, restringir a prisão civil

por dívida ao inadimplente voluntário e inescusável de pensão alimentícia. Até a

prisão civil de depositário judicial infiel foi rejeitada pela maioria, numa demonstração

de valorização dos direitos humanos firmados em diplomas internacionais, com

efeitos diretos na legislação interna do país:

A prisão civil do depositário infiel não mais se compatibiliza com os valores supremos assegurados pelo Estado Constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos. (BRASÍLIA, STF. Recurso Extraordinário 466.343-1, voto vogal Ministro Gilmar Mendes, 2006.p.61)

A visibilidade dada então aos direitos humanos no plano internacional fez com

que, ainda que se vislumbrassem conflitos, os Estados se sintam numa obrigação

moral de compatibilizar suas normas internas, cedendo, então, ao plano

internacional:

À proporção que a vida internacional passou a apresentar novas perspectivas e dimensões, começou-se a pensar na observância maior dos Direitos Humanos, transcendendo as fronteiras estatais, com preocupações sobre a competência internacional para exame da matéria, com vista ao papel que deveria assumir a comunidade internacional no processo de internacionalização dos Direitos Humanos. (MAGALHÃES, 2002, p.19)

Outros tratados e pactos que versam sobre direitos humanos já são

reconhecidos e aplicados em âmbito interno, conjugando a ordem internacional com

a ordem jurídica de cada país, como por exemplo o Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais14, que já não é entendido apenas como uma carta

de princípios e sugestões, facultado aos governos o cumprimento, mas já vem como

14 “As potências ocidentais insistiam no reconhecimento, tão-só, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já os países do bloco comunista e os jovens países africanos preferiam pôr em destaque os direitos sociais e econômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais. Decidiu-se, por isso, separar essas duas séries de direitos em tratados distintos, limitando-se a atuação fiscalizadora do Comitê de Direitos Humanos unicamente aos direitos civis e políticos, e declarando-se que os direitos que têm por objeto programas de ação estatal seriam realizados progressivamente, “até o máximo dos recursos disponíveis” de cada Estado (Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 2°, alínea 1.” (COMPARATO, 2003, p.276)

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disposições auto-aplicáveis, com previsão expressa de responsabilização para os

violadores.

A busca de uma proteção mais eficaz dos direitos econômicos, sociais e

culturais no plano internacional visa, em última análise, assegurar a exigibilidade e

justicibialidade em âmbito regional e global, segundo a idéia de Antônio Augusto

Cançado Trindade (2000). Necessário se faz, portanto, a identificação, dentro do

elenco dos direitos econômicos, sociais e culturais, dos direitos que possibilitam

aplicação imediata, como por exemplo, de certos direitos sindicais, da igualdade de

remuneração por trabalho igual, do direito à educação primária obrigatória gratuita, o

que se agregam às obrigações de respeitar, de proteger, de assegurar e de

promover, todos pertinentes aos direitos econômicos, sociais e culturais.

Enfim, continuam a aumentar os tratados de direitos humanos, que já na

década de 1980 contou com importantes instrumentos normativos que foram

concluídos pela Organização das Nações Unidas, em dezembro de 1979, a

Convenção sobre a eliminação da discriminação contra as mulheres foi aberta para

assinatura e ratificação (DONELLY, 1993). E este grande tratado, abordando

discriminação sistemática contra grande parte da população, em todos os países do

mundo, foi um dos grandes tratados sobre direitos humanos que emergiram;

posteriormente a Convenção contra a tortura e outras práticas cruéis, desumanas ou

degradantes, foi aberta para assinatura em 1984. Em 1986 a Assembléia Geral

adotou a Declaração do Direito ao Desenvolvimento, seguida da feitura da

Convenção sobre os direitos da criança em novembro de 1989. Entretanto, mais do

que a feitura de Convenções, complicado vem sendo a aplicação e efetividade dos

direitos humanos em sua plenitude em âmbito interno, diante dos interesses

econômicos, pressão pela flexibilização de direitos dos trabalhadores e facilidade de

de-locação de empresas, decorrência do fenômeno da globalização.

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3 A INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO NOS DIREITOS HUMANOS

Acontecimentos recentes modificaram o panorama mundial, o fim da guerra

fria, a expansão de organismos internacionais, ascensão de organizações não-

governamentais, bem como a expansão da globalização, fizeram com que fossem

atribuídos aos direitos humanos a condição de paradigma de transformação social,

na busca da dignidade de vida aos homens.

A expansão da globalização afetou, de maneira direta, a relação dos Estados

com os direitos humanos, os Estados nacionais perderam força, e o valor do

trabalho passou a ser discutido para efetivação dos direitos sociais.

Na esfera econômica, a globalização favoreceu o comércio, facilitou a

comunicação e a negociação, o que levou os Estados a buscarem uma readaptação

nas relações econômicas internacionais, mas o campo jurídico ainda não consegue

acompanhar de forma tão rápida e eficaz as mudanças trazidas, ou seja, apenas

quando se observa que os impactos de determinados atos podem refletir para a

atual e a futura geração de forma negativa é que se elaboram normas para regular

os problemas.

Ainda não se delineia com exatidão o que é a globalização, pois ela apresenta

uma dimensão tão ampla e uma carga etimológica tão pesada e contraditória que

uma definição exata é praticamente impossível.

O enfoque dado varia conforme os interesses e fins pretendidos, mas tem-se

utilizado o termo para caracterizar um conjunto heterogêneo de fenômenos, que

foram acelerados a partir dos anos 80, verificados com a expansão das empresas

transnacionais, a descentralização dos processos produtivos, a ampliação do uso da

informática e das telecomunicações, e também a disputa por mercados diante da

facilidade de produção em diversos territórios simultaneamente. O processo de

globalização não é, de maneira alguma, homogêneo, é falsa a idéia de que a

tendência é a expansão e uniformização da sociedade internacional, com uma

economia global, pois não se cria uma uniformidade de valores e costumes

universais, mas pelo contrário, pode-se aumentar as desigualdades sociais e a

exclusão social, ou seja, observa-se um distanciamento cada vez maior entre as

pessoas que podem usufruir dos benefícios de uma economia globalizada e os

outros que são fadados à marginalidade e ao desemprego.

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3.1 O que é a dita globalização: ensaio para uma co nceituação

A palavra globalização apresenta uma gama diversa de significados, engloba

desde formas de integração internacional, incluindo o comércio exterior, investimento

multinacional estrangeiro, difusão tecnológica, até migração entre países. O

fenômeno desponta colocando em xeque os entendimentos e direitos até então

aplicados. Fica clara a necessidade de se repensar os conceitos, as fronteiras e os

limites colocados. A perda da centralidade, a acentuação do mercado livre, a

desterritorialização da economia e o surgimento de novas variáveis no campo social,

cultural, político e econômico colocam a precisão de se repensar e redefinir os

conceitos principalmente os tocantes aos direitos humanos.

Na última década, o fenômeno globalização – seja ele real ou ilusório – captou a imaginação popular. Numa época de mudanças globais profundas e inquietantes, na qual as ideologias tradicionais e as teorias grandiosas parecem ter pouco a oferecer ao mundo, a idéia de globalização adquiriu a aura de um novo paradigma.(HELD, 2001, p.7)

Apesar dos comentários acerca dos efeitos, vantagens e desvantagens da

globalização, alguns arriscam inclusive a delimitar as áreas que foram modificadas

por ela, mas como expressado anteriormente, longe de chegar à unanimidade

quanto ao conceito, e se definir com precisão os limites do termo:

Não existe uma definição única e universalmente aceita para a globalização. Como acontece com todos os conceitos nucleares das ciências sociais, seu sentido exato é contestável. A globalização tem sido diversamente concebida como ação à distância (quando os atos dos agentes sociais de um lugar podem ter conseqüências significativas para “terceiros distantes”); como compressão espaço-temporal (numa referência ao modo como a comunicação eletrônica instantânea vem desgastando as limitações de distância e do tempo na organização e na interação sociais); como interdependência acelerada (entendida como a intensificação do entrelaçamento entre economias e sociedades nacionais, de tal modo que os acontecimentos de um país têm um impacto direto em outros); como um mundo em processo de encolhimento (erosão das fronteiras e das barreiras geográficas à atividade socioeconômica); e, entre outros conceitos, como integração global, reordenação das relações de poder inter-regionais, consciência da situação global e intensificação da interligação inter-regional (Harvey, 1989; Giddens, 1990; Rosenau, 1990; Jameson, 1991; Robertson, 1992; Scholte, 1993; Nierop, 1994; Geyer e Bright, 1995; Johnston et al., 1995; Zürn, 1995; Albrow, 1996; Kofman e Youngs, 1996; Held et al., 1999). O que distingue essas definições é a ênfase diferenciada que se dá aos aspectos materiais, espaço-temporal e cognitivos da globalização.(HELD, 2001, p.11)

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Há autores que relacionam a globalização à integração dos Estados, conexão

entre processos de produção e difusão de culturas:

A globalização se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da “sociedade” como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço (GIDDENS, 1990, p.64). Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na compreensão de distâncias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da globalização. (HALL, 2006, p.67)

Há posicionamentos divergentes quanto aos efeitos desse fenômeno, os

favoráveis defendem que as vantagens econômicas do comércio são superadas em

importância pelos efeitos dele decorrentes, que são intelectuais e morais. Salientam

ainda que não existe nação que consiga viver isoladamente, que não precise

emprestar de outras, comprar e vender produtos.

Defendem que o comércio e os investimentos diretos contribuem para reduzir

a pobreza nos países pobres. Bhagwati (2004) fundamenta esse argumento em um

estudo de 2001,elaborado pelo Banco Mundial, no qual concluiu-se que um pequeno

aumento de desigualdade ocorrera entre o final dos anos 80 e o início dos anos 90.

Quanto ao trabalho infantil vivenciado atualmente, realmente ele não foi de todo

erradicado em países como os Estados Unidos, onde crianças que trabalham, não

apenas vendendo limonada e balas à beira da estrada ou lavando carros por US$1,

mas nos condados pobres do Sul e nos lugares onde a mão-de-obra migrante

trabalha sobre condições de exploração. Segundo dados da Organização

Internacional do Trabalho, entre 100 e 200 milhões de crianças de menos de 15

anos trabalham, dessas, estima-se que quase 95% se encontram nos países pobres

e metade de tal universo, na Ásia. Entretanto, para os que defendem as benesses

da globalização, o problema é antigo e herdado historicamente, e não se tem

relação com os efeitos dessa, mas pelo contrário, ao possibilitar a prosperidade

coletiva e a redução da pobreza, acelera a redução do trabalho infantil e estimula a

instrução escolar.

Outro argumento apresentado é que o aumento de renda pode possibilitar

que pais pobres, que anteriormente se achavam impedidos de mandar os filhos para

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a escola por falta de acesso ao crédito, o façam quando têm acesso a um emprego,

ainda que não seja o salário desejado:

Ora, é muito fácil imaginar modelos de comportamentos familiares onde a melhoria de renda – resultante de maiores oportunidades comerciais, por exemplo – estimula pais gananciosos a fazer seus filhos trabalharem. Mas os indícios parecem indicar precisamente o oposto, por uma variedade de razões. Pais pobres, assim como pais ricos, em geral desejam o melhor para seus filhos. A pobreza é o que leva muitos deles, quando forçados a optar, a mandar os filhos para o trabalho e não para a escola. Quando a receita aumenta, normalmente os pais pobres reagem, devolvendo os filhos ao estudo. Isso é o que os economistas chamam de “efeito da renda”: a instrução de um filho é um bem valioso, cujo consumo cresce quando cresce a renda. (BHAGWATI, 2004, p.79)

Vantagens são, assim, apontadas, entretanto, há posições contrárias, que

enfatizam que, a globalização, ao invés de consagrar a solidariedade, estimula a

competitividade e a falta de solidariedade nas relações internacionais.

François Chesnais (1996) é mais ofensivo ao criticar incisivamente a

globalização, à qual denomina de mundialização do capital, ressaltando os aspectos

estratégicos que proporcionam uma integração internacional dos mercados

financeiros, que culminam na liberalização e desregulamentação que levaram à

abertura dos mercados nacionais e permitiram sua interligação em tempo real. De

acordo com o supramencionado autor o termo “global”, do qual derivou a

“globalização”, surgiu nas escolas americanas de administração de empresas,

conhecidas como “business management school” de Harvard, Columbia, Stanford,

entre outras, nos anos 80, e se difundiu na imprensa econômica e financeira, e,

pouco depois ganhou espaço nos discursos políticos neoliberais. A expansão da

utilização do termo foi tamanha que chega a ser identificado até mesmo como uma

fase vivenciada pela economia mundial. Acentua ainda:

Em matéria de administração de empresas, o termo era utilizado tendo como destinatários os grandes grupos, para passar a seguinte mensagem: em todo lugar onde se possa gerar lucros, os obstáculos à expansão das atividades de vocês foram levantados, graças à liberalização e à desregulamentação; a telemática e os satélites de comunicações colocam em suas mãos formidáveis instrumentos de comunicação e controle; reorganizem-se e reformulem, em conseqüência, suas estratégias internacionais. (CHESNAIS, 1996, p.23)

Entretanto, independentemente das inúmeras controvérsias, o fenômeno está

presente no cotidiano, e vem sendo vivenciado, ainda que não se perceba, por todos

os cidadãos, seja ao comprar um pão, cujos ingredientes podem ter sido produzidos

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em outro continente, seja ao comprar um automóvel com componentes fabricados

em diversos países, ou seja, até mesmo ao assistir um filme em inglês, produzido e

lançado num país distante.

José Luiz Quadros, no artigo intitulado Tipo de Estado (globalização e

exclusão), cita a conceituação do termo para Théodore Levitt, o qual o utiliza para se

referir à convergência de mercados em nível mundial. Ressalta o autor que os dois

principais fatores nas relações internacionais são a globalização e tecnologia, o que

acarreta a formação de uma entidade única na sociedade global, que opera com

custos relativamente baixos, e com semelhança de produtos em todos os lugares, ou

seja, a facilidade de exportação e importação possibilita que os mesmos produtos

saiam de lugares distantes e sejam vendidos em todas as partes.

As economias nacionais já não funcionam como sistemas autônomos de criação de riqueza, uma vez que as fronteiras nacionais são cada vez menos importantes na condução e organização da atividade econômica . Nessa “economia sem fronteiras”, como a concebem os globalistas mais radicais, a distinção entre atividade econômica interna e atividade econômica global, como pode ser confirmado pela gama de produtos de qualquer hipermercado, torna-se cada vez mais difícil de sustentar (Ohmae, 1990, apud HELD, 2001, p.60)

A integração mundial é tamanha que, além dos produtos, a produção também

pode ser verificada com padronização não só em uma localidade, mas nas mais

diversas regiões, analisados os custos e a mão-de-obra. No processo de produção

antigo uma empresa exportava a partir de sua matriz, ou sua base de produção, mas

hoje não é necessário que a produção seja feita em um único local, o recrutamento

pode ser feito em qualquer região, dependendo do interesse e facilidade para a

empresa. O que se verifica, então, é que a globalização trouxe uma nova forma de

integração para as empresas multinacionais.

Apesar da conceituação imprecisa, e às vezes controversa, o que se pode

afirmar é que a fase da globalização trouxe uma nova configuração da economia

internacional, o que antes era um comércio entre Estados, com interação de

processos de produção, com inter-dependência entre eles, hoje se tornou uma

economia globalizada, com perda de força dos governos nacionais para primazia

dos interesses de empresas com facilidade extrema de de-locação. Rolf Kuntz alerta

para a utilização do termo para indicar uma série de transformações:

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Globalização tem sido um dos termos mais empregados para indicar, de forma sintética, as transformações. Não são apenas alterações nos padrões de competição, nas formas de operação das empresas e, como contrapartida, no funcionamento do mercado de emprego. Estão em jogo, ao mesmo tempo, os padrões, objetivos e eficácia das políticas fiscal, monetária, tarifária e cambial, utilizadas tradicionalmente para regular preços, o nível de atividade, o emprego e as transferências internas de rendimentos. (KUNTZ, 1995, p.3)

Com a facilidade de influência em âmbito internacional, o que se verifica,

entretanto, é a formação de uma nova ordem internacional, a qual conta com

conglomerados internacionais e ampliação da atuação dos organismos

internacionais que atuam junto à economia mundial. E, diante desse processo de

transnacionalização da economia, urge a necessidade de atenção aos Estados

periféricos, solapados pela pressão dos Estados mais fortes no âmbito do comércio

internacional. É precipitado falar em aniquilação da soberania, mas deve ser

considerada a importância das variáveis externa à jurisdição e ao escopo do Estado.

Nesse processo recente, a luta pela soberania é incessante, mas a

participação efetiva dos Estados para garantia dos direitos sociais é essencial, como

expõe Ana Paula Delgado:

Assim, a partir do momento em que a atuação dos Estados é reduzida, o direito ao desenvolvimento15 sofre inexoravelmente um sério impacto, já que a sua concretização depende de uma atuação positiva dos Estados, o que contribui para a perpetuação de condições determinantes do subdesenvolvimento e da consequente negação dos demais direitos humanos, uma vez que as distintas categorias desses direitos são interdependentes e indivisíveis, não se podendo vislumbrar o pleno gozo dos direitos humanos em países marcados pela pobreza, com péssimos índices de distribuição de renda. (DELGADO, 2001, p.3)

O que se vislumbra nitidamente, portanto, é a facilitação de de-locação e

transferência de empresas, além do fluxo migratório intenso de mercadorias,

pessoas e serviços. Criou-se uma interdependência , com um entrelaçamento entre

economias e sociedade, sendo diminuída a importância da localização, ou seja,

15 Zalmai Haquani definiu o direito ao desenvolvimento da seguinte forma: “Le droit au développment peut être envisagé comme un ensemble de principes et règles sur la base desquels l’homme em tant qu’individu pourra obtenir dans la mesure du possible, la satisfaction des besoins économiques, sociaux e culturels indispensables à as dignité et au libre épanouissement de as personalité. (HAQUANI, Zalmai. Lê Droit au Dévelopment: Fondements et Sources. In Académie de Droit International de la Haye, Colloque, p.23 apud DELGADO, 2001, p.87). “O direito ao desenvolvimento pode ser visto como um conjunto de princípios e regras que servem de fundamento ao homem, enquanto indivíduo ou membro do corpo social (Estado, nação, povo...) poderá obter, na medida do possível, a satisfação das necessidades econômicas, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

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apesar da soberania dos Estados, e da permanência de fronteiras e governos

distintos, as ações tomadas em um Estado podem provocar efeitos diretos em outros

Estados. Houve, assim, uma integração dos Estados principalmente no que diz

respeito às atividades socioeconômicas.

É notória a mudança, ou melhor, uma transformação, quanto à organização

social, a facilidade de comunicação ligou comunidades distantes, e facilitou o

alcance das relações de poder em várias regiões do mundo.

O discurso da globalização pode atender aos interesses de países

desenvolvidos do Ocidente, as várias modificações trazidas são evidenciadas,

inclusive, no crescimento das empresas multinacionais, nos mercados financeiros, e

também na difusão da cultura popular, além da acelerada degradação do planeta.

No contexto atual, o fenômeno da globalização possui uma conotação mais abrangente, triádica, envolvendo concomitantemente três grande processos de transformação transnacionalizante como sugere René Armand Dreifuss (1997, p. 133): a mundialização, relacionada com a disseminação de padrões de consumo, de massificação e homogeneização de estilo de comportamentos e modos de vida, lidando portanto com a dimensão cultural e a imposição de novos hábitos sociais; a planetarização, associada às profundas mudanças referentes às políticas governamentais e às instituições que permeiam as sociedades nacionais, que passam a ser reformatadas face às exigências de novos paradigmas econômicos, estando portanto, ligada a um modo de dominação e à miniaturização do Estado-nação; e por fim, a globalização tecnológica, referente aos modos de produzir, e impulsionada por redes de mega-conglomerados transnacionais, de produção, de finanças e de comércio desenvolvidas no alto ritmo de velocidade das informações. (HELD, 2001, p.6)

Diante da análise desse efeito globalista percebe-se uma grande mudança

quanto aos princípios organizadores da vida social e da ordem mundial, podendo ser

identificados três aspectos notoriamente identificados, como a reformulação dos

padrões dominantes da organização socioeconômica, mudanças quanto ao princípio

e facilidades territoriais, e também no que pertine ao poder. As limitações de espaço

e tempo foram desconstituídas com a facilidade de interação social enfrentada hoje

pela sociedade, à qual é possibilitada a reorganização social, com grande

mobilidade transnacional, como acontece frequentemente com redes de produção.

Considera-se ainda a rapidez e grande efeito dominó que se percebe com a

globalização, as comunidades tornam-se vulneráveis às condições ou

acontecimentos globais.

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Nas últimas décadas, as parcelas das exportações mundiais e dos fluxos (de entrada e de saída) de investimentos estrangeiros das economias em desenvolvimento tiveram um aumento considerável (Castells, 1996; Diicken, 1998; Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento [UNCTAD], 1998a, 1998c). Os países recém-industrializados (NICs) do Leste asiático e da América Latina tornaram-se um alvo cada vez mais importante de investimentos da OCDE, bem como uma fonte mais e mais significativa de importações da OCDE – São Paulo, como às vezes se diz em tom de brincadeira, é a maior cidade industrial da Alemanha (Dicken, 1998). No final dos anos 90, quase 50% do total dos empregos da indústria mundial localizavam-se nas economias em desenvolvimento, enquanto mais de 60% das exportações dos países em desenvolvimento para o mundo industrializado eram de produtos manufaturados, o que representa um aumento de doze vezes, em menos de quatro décadas (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas [UNDP]16, 1998). (HELD, 2001, p.61-62)

À medida que as atividades econômicas, sociais e políticas transcendem,

cada vez mais, os Estados nacionais, cresce o desafio para manutenção do princípio

territorial da organização social e política, criou-se uma ligação direta entre a

sociedade, a economia e até mesmo a organização política. Ressalto que a

delimitação não se tornou inócua, mas algumas diferenças já podem ser verificadas,

os limites, com as condições trazidas pela globalização, são redefinidos. Ou seja, a

facilidade de comunicação e deslocamento permitiu que uma competição de uns

com os outros fosse trazida à tona, rediscutindo as distâncias e impossibilidade

física de produção por distância.

Ela (a globalização) é considerada, antes, um produto de forças múltiplas que incluem os imperativos econômicos, políticos e tecnológicos, além de fatores conjunturais específicos, como, por exemplo, a criação da antiga Rota da Seda ou o colapso do socialismo de Estado. Ela não tem um padrão fixo ou predeterminado de desenvolvimento histórico. Além disso, uma vez que atrai e empurra as sociedades para direções diferentes, ela gera, simultaneamente, cooperação e conflito, integração e fragmentação, exclusão e inclusão, convergência e divergência, ordem e desordem (Harvey, 1989; Giddens, 1990; Robertson, 1992; Hurrel e Woods, 1995; Rosenau, 1997).” (HELD,2001, p.21)

A descolonização provocou uma desigualdade entre as nações, apesar de

serem igualmente livres. Não se pode dizer, ainda hoje, que não há dominação, mas

é feita de uma forma diferente da realizada no período colonial, há influência no

comércio, na organização comercial e às vezes até na política. Assim, a

concepção da globalização pode ser analisada como um conjunto de processos

inter-relacionados que conjuga desde o campo social até o campo econômico. A

16 UNDP: Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas

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necessidade de expansão para conquista de mercados favoreceu a exploração de

novos mercados, e, para sobreviver, o capitalismo deve ampliar continuamente o

alcance geográfico das relações sociais capitalistas. A liberalização do mercado,

cortes nos gastos sociais, regulação mínima dos fluxos de capital privado,

desregulamentação do mercado de trabalho são alguns dos efeitos verificados ante

a globalização.

Conclui-se, portanto, que, com o aumento da interligação global, efeito do

fenômeno chamado de globalização, os controles de fronteiras que serviam para

restringir as transações de bens, serviços, fatores de produção e tecnologia, idéias e

intercâmbio cultural tendem a se flexibilizar, não formalmente, mas por facilidade de

locomoção e comunicação. E, consequentemente, os Estados sofrem uma

diminuição adicional do poder porque a expansão das forças transnacionais reduz o

controle que cada governo pode exercer sobre as atividades de seus cidadãos e dos

outros povos. Por exemplo, a maior mobilidade do capital, induzida pelo

desenvolvimento de mercados financeiros globais, altera o equilíbrio do poder entre

os mercados e os Estados e gera pressões poderosas para que as nações criem

medidas receptivas ao mercado, que incluem, especialmente, níveis

internacionalmente competitivos no tocante à tributação e desregulamentação do

mercado de trabalho.

O controle de empresas é dominado por investidores privados, com

interesses de aumento dos lucros e redução de gastos, o que faz com que haja uma

diminuição do orçamento para assistência social, e devolva aos Estados a obrigação

de cumprimento de direitos, como os direitos sociais. É repassada aos Estados toda

a responsabilidade pelo bem-estar do trabalhador, com direitos básicos como

moradia, saúde, educação, trabalho, entre outros, mas o investidor “exige” do Estado

redução, ou não-aumento dos custos trabalhistas, inclusive com a não aceitação da

ingerência do Direito Internacional, principalmente no tocante à aceitação de

tratados e convenções pertinentes aos direitos sociais.

Cabe ao país que queira atrair investimentos oferecer um ambiente atraente. Isso em geral implica na existência de uma estabilidade política e de vantagens econômicas, como mão-de-obra barata e recursos naturais exploráveis. Por isso, no jogo para atrair investimentos, alguns países sairão perdedores simplesmente porque lhes faltam tais atributos. (BHAGWATI, 2004, p.181)

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Um outro dilema surge na discussão dos efeitos da globalização, se chegará

a uma economia global única, diante da integração de economias nacionais que

transcendem as fronteiras, ou se estas continuarão estanques, acirrando a

competitividade entre os Estados, como expõe HELD:

Se a globalização econômica está associada à integração de economias nacionais distintas, de tal sorte que a organização efetiva da atividade econômica transcende as fronteiras nacionais, seria possível dizer que há uma economia global emergindo. Teoricamente, numa economia globalizada, as forças mundiais de mercado têm precedência sobre a situação econômica nacional, já que o valor real das principais variáveis econômicas (produção, preços, salários e taxas de juros) reage à competição global. Assim como as economias locais ficam submersas nos mercados nacionais, o verdadeiro teste da globalização econômica, segundo sugere a posição cética arraigada, é saber se as tendências mundiais confirmam um padrão de integração econômica global, isto é, a existência de uma única economia global (Hirst e Thompson, 1999). (HELD, 2001, p.50)

É inegável que diante das facilidades trazidas pela tecnologia nas últimas

décadas, é muito mais fácil conseguir gerenciar uma empresa a 1000 km de

distância, ou até de outro continente. O “fim da geografia” pode até ser contestado

pelos nacionalistas, com demonstração de diferenças de nacionalidade, mas o

capital empresarial e até pequenas empresas podem optar por uma mobilidade

muito maior, mais ágil e com vantagens competitivas.

Num mundo informatizado, os engenheiros de programação de Hyderabad podem fazer o trabalho dos engenheiros de programação de Londres por uma fração do custo. Na dinâmica desse novo capitalismo global está inscrito um imperativo poderoso de desnacionalização das atividades econômicas estratégicas.(HELD, 2001, p.63)

Entretanto, apesar das facilidades fornecidas, a dificuldade de inserção de

pequenas empresas advém das vantagens competitivas e das condições

econômicas oferecidas às grandes empresas. Os governos nacionais têm papel

relevante, central, para a gestão da economia mundial, pois detêm a autoridade

política formal para regulamentar a atividade econômica. A atração de uma ou outra

empresa para um ou outro país é diretamente ligada à proposta oferecida pelo

governo, e até mesmo pelos limites e restrições impostos por eles, quando visam,

então, o crescimento econômico nacional, contendo os fluxos internacionais de

comércio.

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Os governos nacionais, em sua maioria, continuam a ser a única fonte de autoridade efetiva e legítima na gestão da economia mundial, ao mesmo tempo que são também os principais agentes da coordenação e regulamentação econômicas internacionais.” (HELD, 2001, p.58)

É difícil visualizar a importância que os governos nacionais estão tendo na

questão da globalização, mas ao analisar os avanços e recuos das condições e

forças do mercado global, fica mais fácil entender...a cada recurso ou “proteção”

oferecido pelo governo regional, maior a atração de uma transnacional, mas importa

analisar se essa atração tem em mente o respeito aos direitos humanos, inclusive o

direito do trabalho.

Criou-se uma competição global, e, na guerra pela atração das empresas

programas de bem-estar social e proteção social são relegados a segundo plano,

ou, às vezes, chegam a ser supervisionados pelo FMI e pelo Banco Mundial, que

exigem a restrição severamente dos gastos públicos com o bem-estar social.

A cooperação internacional entre os Estados, embora possa viabilizar a

correção de alguns dos piores excessos do mercado global, ainda são limitados,

apenas os Estados, através dos sistemas de bem estar social, podem prover a

mediação e correção das conseqüências mais graves da internacionalização

econômica desigual.

Requerem-se meios para reforçar os efeitos sociais benéficos da

globalização, e retroceder os maléficos, aproveitar cada um deles respeitando as

suas peculiaridades e possibilidades, se o crescimento econômico reduz o trabalho

infantil, deve ser incentivado, mas devem-se analisar também como acelerar a

erradicação. Devem-se utilizar os instrumentos políticos apropriados, e os

organismos internacionais podem contribuir na supervisão deles.

A globalização deixada à própria sorte, sem controle ou qualquer

direcionamento pode não acarretar efeitos desejáveis, e por isso é extremamente

importante a promoção de padrões trabalhistas internacionais, bem como a

persuasão moral e o trabalho da Organização Internacional do Trabalho.

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3.2 A facilidade de de-locação das empresas

O termo globalização tem sido um dos termos empregados para indicar,

portanto, as transformações, que provocaram alterações nos padrões de

competição, nas formas de operação das empresas e também no funcionamento do

mercado de emprego. A eficácia das políticas fiscal, monetária, tarifária e cambial

são utilizadas para regular os preços, o nível de atividade, o emprego e a

transferência de rendimentos. As normas internacionais se tornam extremamente

importantes, dado o alcance mundial que possibilita a vinculação das mais diversas

relações.

Um dos efeitos mais visíveis da globalização é no mecanismo formador do

custo da mão-de-obra, tendo em vista que a mundialização dos produtos possibilita

que um carro seja montado no Brasil, na Austrália ou na Alemanha com peças

fabricadas na Coréia, no México e no Japão, com financiamentos obtidos na França

e serviços diversos, como planejamento publicitário, por exemplo, realizados na

Inglaterra e nos Estados Unidos (KUNTZ). Essa facilidade implica, caso não tenha

uma homogeneização mundial dos custos para os mesmos setores, numa

concorrência entre os Estados com diminuição de direitos sociais e garantias que

haviam sido conquistadas, decorrentes de uma luta social longa.

A União Européia, desde a década de 90, vivencia essas disparidades, pois

há diferenças marcantes no custo da mão-de-obra. José Pastore (2005) demonstrou

em um artigo que no leste europeu o salário da indústria ficava em torno de US$ 3 e

US$ 6 por hora, e se podia utilizar jornadas longas, além das negociações com

sindicatos serem mais amenas do que com a outra parte, oeste, onde os salários

apresentaram uma média de US$ 35 por hora:

As diferenças nas condições de trabalho entre os blocos são fenomenais. O Conselho da União Européia proibiu a migração do leste para o oeste. Conseqüência: as empresas do oeste passaram a migrar para o leste. A Alemanha implantou uma fábrica da Audi na Eslováquia. Ali os eslovacos oferecem-se para ajudar a tornar a empresa mais produtiva e lucrativa enquanto que na Alemanha os sindicatos pleiteavam jornada de 28 horas por semana, salários de US$ 50.00 por hora. Na Eslováquia seus colegas estão felizes com US$ 6.00 por hora e jornadas de 40 horas por semana. Quando há necessidade de trabalho extra, um novo turno é acertado em rápida conversa enquanto na Alemanha leva meses. Os alemães trabalham,

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em média, 1.440 horas por ano enquanto que os empregados do leste europeu trabalham, em média, 2.000 horas. (PASTORE, 2005)

Conceitos aparentemente imutáveis vêm sofrendo transformações antes

impensadas, o que contribui diretamente para colocar os direitos humanos como

relativos, e daí a grande problemática para se conter a exploração, tendo como

ápice o respeito à dignidade humana. E, para isso, é necessário que se estabeleça

moldes mínimos mundiais para respeito à tais princípios, já que a mudança de local

e de-locação das empresas transnacionais já é visto como algo possível e

relativamente fácil.

Os direitos sociais foram consagrados como esquemas compensatórios para

atenuar os efeitos da operação de mercados, entretanto, só o poder político é capaz

de oferecer normas para concederem estabilidade e segurança nessas situações.

Instaurou-se um paradigma entre o individual e o coletivo, e, com a crescente

globalização neoliberal necessário se faz impor limites à fúria protecionista dos

países desenvolvidos e, concomitantemente, amparar ações dos países em

desenvolvimento que objetivem a promoção da dignidade dos trabalhadores, agindo

com responsabilidade, e sem colocar como paradoxo os interesses individuais dos

trabalhadores com prevalência aos direitos coletivos. A concorrência imposta aos

indivíduos, numa disputa pelo emprego, acaba por desmotivar e desincentivar lutas

sociais, ou seja, a luta pela efetivação dos direitos sociais, e urge a necessidade de

defesa apenas do emprego solitário, sujeito a condições adversas.

Diante das forças de mercado, ou seja, o controle do mercado pelas

empresas privadas, com a não intervenção do Estado nos preços, com a

possibilidade de utilização de mão-de-obra dos mais diversos Estados, efeito direto

da globalização, há um enfraquecimento dos mecanismos compensatórios,

notadamente os direitos sociais. As mudanças tecnológicas e organizacionais e a

globalização produzem efeitos como a horizontalização da atividade produtiva e a

substituição da antiga linha de produção seriada pela produção, possibilitando,

portanto, a de-locação das empresas. Utiliza-se como parte da reorganização

empresarial a terceirização, contratos de trabalho por tempo parcial e informalização

do emprego, que tendem a reduzir as possibilidades de regulamentação das

relações de emprego, as quais se tornam mais flexíveis, e às vezes são desprovidas

de regulamentação, com redução de direitos sociais.

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Vale lembrar que, até recentemente, cerca de 25% a 30% da classe trabalhadora japonesa tinham “emprego vitalício”, obtido, aliás, não por uma legislação legal, mas por um direito consuetudinário. Com a ocidentalização do toyotismo17 a partir dos anos 1970, esse traço fundamental do “modelo japonês” ficou restrito ao Japão e, nos últimos anos, ele está sendo fortemente questionado também no seu país de origem, uma vez que o Ocidente toyotizado tornou-se mais produtivo e acabou por afetar as próprias condições de trabalho no Japão. Por isso se pode também compreender a atual crise japonesa. (ANTUNES, 2006, p.45)

Assim como se ampliam as terceirizações as noções de tempo e de espaço

são profundamente afetadas, o que reflete no modo de produzir as mercadorias e

também no modo de valorizar-se. Com o incremento tecnológico, onde havia uma

empresa concentrada podem ser criadas centenas de pequenas unidades

interligadas pela rede, com número muito mais reduzido de trabalhadores, e com

custo mais baixo. E para conter essas mais diversas formas de produção

internacional, nada melhor do que o direito internacional, com medidas que

contenham a imposição de salários mais baixos e em piores condições, ou seja, que

contenham o desrespeito aos direitos sociais, consequentemente direitos humanos,

e valorize o trabalhador.

Os governos nacionais são cada vez mais sujeitos à adaptação da legislação

social nacional, pressionados pelas exigências do sistema global do capital, aos

imperativos do mercado, destruindo profundamente os direitos do trabalho onde eles

ainda persistem, se não têm força para impedi-los.Greves e manifestações já

ocorrem em diversos países com o intuito de que sejam tomadas ações coletivas

contrárias à política de destruição dos direitos sociais, como as que sucederam na

Itália, Espanha, Alemanha, entre outros.

É equivocada a versão de que as multinacionais ignoram os países carentes. O fato de evitarem alguns países pobres não surpreende. Elas são empreendimentos comerciais que sobrevivem à custa de lucros. Com efeito, nenhuma corporação jamais conseguiu promover o progresso sustentável acumulando prejuízos. Cabe ao país que queira atrair investimentos oferecer um ambiente atraente. Isso em geral implica na existência de uma estabilidade política e de vantagens econômicas, como a mão-de-obra barata e recursos naturais exploráveis. Por isso, no jogo para

17 “Embora o “toyotismo” não seja de fácil definição, podemos dizer que é uma forma de organizar o processo de trabalho que nasce na fábrica da Toyota Motor Co. a partir de sucessivas inovações experimentadas ao longo de vinte anos pelo seu idealizador, Taiichi Ohno, engenheiro da Toyota, que, a partir de suas experiências nos teares das fábricas têxteis, começa a modificar a tarefa e a qualificação do homem em seu trabalho. Polivalência e operador multifuncional por si só não explicam o suficiente. A análise das outras técnicas como kanban, just-in-time, trabalho em equipe, o kaisen e as sugestões de boas idéias, são eficientes na composição de um quadro explicativo da montagem interna da unidade produtiva.” (OLIVEIRA, 2004, p.12)

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atrair investimentos, alguns países sairão perdedores simplesmente porque lhes faltam atributos. (BHAGWATI, 2004, p.181)

O Direito Internacional do Trabalho é um dos responsáveis pela imposição de

limites econômicos, embora seja decorrência de um período do liberalismo, é uma

tentativa de propiciar ao proletariado uma vida com respeito pelo menos ao mínimo

de padrões dignos, com respeito aos direitos sociais, mormente os direitos

trabalhistas. Apesar dos limites jurídicos para implementação das normas de direitos

humanos feitas no seio da OIT, ainda depara-se com problemas no que tange à

coação quando há o desrespeito dessas. Apesar da escassez de soluções para este

problema, já surgem propostas como os códigos de conduta das empresas

transnacionais, além de cláusulas sociais que vêm sendo inseridas no comércio

internacional, com normas trabalhistas mínimas, amparadas por organizações

internacionais, e, no caso de descumprimento são previstas, inclusive, sanções

comerciais para os países.

A contínua mutabilidade do Direito do Trabalho é antagônica ao colocar, tanto

no plano interno quanto no internacional, ora uma maior imperatividade e exigência

dos direitos sociais, ora tendência à flexibilização.

Ao analisar interesses internos, Estados caminham no sentido de analisar o

direito do trabalho de forma mais flexível, mas à luz do Direito Internacional

reconhece-se a diferença entre esses Estados, e por isso a possibilidade de se

adaptar normas internacionais à legislação interna, e nesse sentido ganham força os

códigos de conduta, que versam sobre conteúdo laboral, e vêm sendo adotados

como normas mínimas de promoção de direitos para os trabalhadores, por grandes

empresas transnacionais.

Outra medida existente no Direito Internacional do Trabalho, e que visa maior

cogência e normatização dos direitos sociais, é a ratificação de convenções que

estabelecem pelo menos padrões mínimos de trabalho em respeito à dignidade

humana. Mas, para aceitação de qualquer convenção nesse teor depende da

aceitação do Estado, o qual é responsável pelas políticas internas de bem-estar

social e também pelas políticas e normas trabalhistas. O grande dilema é que, numa

nova ordem econômica, os Estados vêm deixando de controlar a dinâmica do

mercado, passando o controle à esfera privada, acarretando, assim, uma retração

nos direitos humanos de segunda geração, afetando diretamente a ordem social

interna dos Estados.

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No cenário internacional atual vislumbra-se que a globalização levou os

Estados nacionais a perderam forças, mas sem deixar de ter uma fundamental

importância na proteção dos direitos humanos. Há uma emergente necessidade de

ceder para atrair negócios internacionais, o que levam os Estados a cederem às

regras do comércio internacional, já que, caso não se adaptem às regras

internacionais, poderão ficar isolados e à mercê do comércio. Organismos

internacionais enfrentam o problema em defesa dos direitos humanos, com a

crescente positivação internacional, inclusive com normas sancionadoras aos

Estados violadores dos direitos.

Nesse panorama, fomenta-se a necessidade de promoção e manutenção da

dignidade humana, as sociedades se redefinem em uma ordem global diferente,

numa infinidade de culturas que se integram, mas não se excluem.

As diferenças existentes em cada Estado não podem ser desconsideradas,

cada um mantém a particularidade, mas a identificação de preocupações isomórficas

é prioritária para que se determinem patamares mínimos para defesa dos direitos. É

nesse segmento que se vislumbra a possibilidade de adoção de convenções a

serem positivadas na esfera interna, numa tendência crescente de

internacionalização dos direitos no âmbito positivado, sem, contudo, deixarem de ser

Estados soberanos, já que assumem obrigações internacionais em matéria de

direitos humanos volitivamente.

Nenhum Estado é imune à globalização, sendo todos envolvidos, dos

governos aos sindicatos, das empresas aos trabalhadores, como resultado de uma

forte pressão, que age inclusive sobre aspectos laborais. A importância de

estratégias aliadas para conter a facilidade de deslocamento de empresas com o

único intuito de redução de direitos já é tema de debate em diversos congressos,

como retrata Márcio Túlio Viana, que foi um dos relatores brasileiros no XVIII

Congresso Mundial de Direito do Trabalho e Seguridade Social, realizado em Paris,

na primeira semana de setembro de 2006:

A estratégia mais usada é a ameaça da de-localização. Em geral, “as empresas canadenses falam em ir para os EUA, as do EUA para o México e as mexicanas para a China. Os três países subscreveram 11 princípios do Direito do Trabalho e da Seguridade Social – como salários mínimos, proteção contra enfermidades e tratamentos antidiscriminatórios. Questões envolvendo esses temas podem ser objeto de reclamações, investigações e audiências públicas. Mas

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trata-se de soft laws e não de normas supra-nacionais. Além disso, não se prevê a harmonização dos sistemas jurídicos. Quanto à responsabilidade social e códigos de conduta, também têm sido adotados por empresas daqueles três países. Embora não tenham força de lei, essas regras são aproveitadas por alguns sindicatos para embasar ações judiciais. Já as normas da OCDE têm tido impacto muito limitado. (VIANA, 2006, p.555)

Portanto, a realidade dos três Estados mencionados no trecho, Estados

Unidos, Canadá e México demonstra o crescimento das normas não-estatais, e sim

criadas por empresas diante de uma responsabilidade social, o Estado delega às

empresas a regulamentação de direitos melhores para os trabalhadores, ou seja, a

possibilidade de adoção de códigos de conduta permite que as empresas adotem

melhores condições de trabalho, mas esta não é uma exigência estatal, não vem em

normas produzidas em âmbito estatal.

Outro fenômeno que foi facilitado pela globalização é a descentralização da

produção, com fábricas ligadas indiretamente, como anteriormente exemplificado,

para a montagem de um produto com peças de diversas indústrias, sediadas em

Estados distintos, ou seja, não têm o mesmo nome, mas são produtoras de produtos

direcionados a uma empresa específica.

Já em outras regiões são encontradas realidades completamente distintas,

com “achatamento” de direitos que visam a maior competitividade no cenário

econômico mundial, cedendo à flexibilização dos direitos trabalhistas e maior

importância das negociações feitas diretamente com as empresas com vistas à

adequação do direito à necessidade delas:

Na América Latina, os efeitos da globalização têm sido especialmente profundos. Um grande número de países realizou reformas, sob o argumento de que precisam ser competitivos para se inserirem na economia mundial. Fala-se com freqüência em aumentar o tempo de trabalho e procura-se incentivar a negociação em nível de empresa.(VIANA, 2006, p.555)

Um Estado que preocupa a concorrência mundial para respeito aos direitos

humanos, principalmente o respeito aos direitos laborais é a China, que iniciou a

abertura ao capitalismo a partir dos anos 80, mas continua com escassez de normas

trabalhistas, com trabalhadores realizando jornadas excessivas em ambientes de

trabalho inseguros. O país ratificou apenas algumas convenções da OIT, como

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acentua Márcio Túlio Viana diante do relatório da uma professora chinesa no

Congresso Mundial de Direito do Trabalho e Seguridade Social:

Mas a maior parte da doutrina e os setores sindicais consideram que as leis atuais são insuficientes e pouco efetivas, principalmente entre as empresas privadas. São comuns, por exemplo, as jornadas excessivas e os ambientes de trabalho inseguros. O país ratificou apenas quatro das oito convenções fundamentais da OIT: as de n°.100 (isonomia salaria l entre os sexos); 111 (discriminação em matéria de emprego e ocupação); 138 (idade mínima para admissão em emprego); e 182 (piores formas do trabalho infantil). Ficaram de fora as de n°. 29 e 105 (trabalho forçad o); 87 (liberdade sindical); e 98 (sindicalização e negociação coletiva). Os sindicatos são fracos – mas as convenções coletivas aumentam.(VIANA, 2006, p.557)

Portanto, é necessário que as atenções se voltem à cidadania laboral, no

ambiente da empresa, tendo em vista que o respeito aos direitos laborais e boas

condições de trabalho conferem dignidade ao trabalhador, em respeito ao princípio

da dignidade humana. A articulação das normas sociais com as regras do comércio

exterior aumenta a possibilidade da efetividade das normas criadas pelas

organizações internacionais, como a OIT, bem como uma maior atenção aos

códigos de conduta que vêm sendo criados. Verifica-se, assim, a necessidade da

pluralidade de atores para criação das normas laborais para que se respeite os

direitos humanos no âmbito laboral.

As transnacionais dos países centrais no início hegemonicamente americanas

e hoje também as européias e nipônicas, entre outras, se caracterizam por criar um

modelo que continua a intensificar e a se beneficiar dos processos de remessa dos

lucros retirados do proletariado dos países periféricos, para os países centrais,

beneficiados, ainda, pelo suporte estatal com juros baixos em empréstimos,

incentivos fiscais, controle e até mesmo repressão política do sindicalismo.

Nesse contexto as grandes empresas, majoritariamente originárias de países

como EUA, Japão, Alemanha, França, Grã Bretanha, Suíça, Países baixos, Coréia

do Sul e Itália, assumem um papel relevante no cenário internacional. O poderio

delas é tamanho que controlam grande parte da economia mundial, concentrando a

maior parte dos lucros e do faturamento comercial mundial, como expõe Benayon

(1998), das 200 maiores empresas do mundo, cujo faturamento conjunto equivalia a

31,2% do produto interno bruto mundial em 1996, 193, ou seja, 96,5% eram

comandadas por aqueles países, 170, ou seja, 85% eram transnacionais com sede

nos 5 primeiros países e concentravam 85,1% dos lucros e 94,7% do faturamento.

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E, com a possibilidade de diversas fábricas espalhadas pelo mundo,

produzindo os mesmos produtos, com padrões pré-determinados, e com custos mais

baixos em países diferentes do local em que se situa a sede, seja por mão-de-obra

mais barata ou exploração de mão-de-obra infantil ou de pessoas em condições

análogas às de escravo, as empresas transnacionais se beneficiam com as

mudanças de postos de emprego, que trazem, então, um desemprego aparente, ou

seja, verifica-se a alta taxa de desemprego, mas desconsidera-se que vários cargos

foram ocupados em condições de subemprego e informalidade, que hoje preocupa

os governos de todos os Estados.

A facilidade que as empresas têm de mudar de um país para outro fazem com

que haja um sopesamento de direitos, “forçando” Estados a não ratificarem

convenções no âmbito da OIT e a aceitarem a flexibilização de direitos trabalhistas,

conseqüentemente os direitos sociais, parte dos direitos humanos. E a globalização

facilitou, além da propagação desses acontecimentos, a divulgação deles, através

dos meios interligados de comunicação atuais, alardeando, assim, a população.

Diante das circunstâncias de falta de trabalho, desemprego e dificuldade de

atendimento de direitos por parte dos Estados, trabalhadores acabam aceitando

trabalhos em condições indignas e desumanas, já que, a falta recursos financeiros

para prover à existência da família assolam de forma nefasta. E, nessa falta de

trabalho, além dos índices de violência e criminalidade aumentarem, repassa-se ao

Estado a responsabilidade com o dever de assistência aos desempregados, com o

seguro-desemprego, e mais tarde reflete ainda na saúde, pois as condições a que

essas pessoas acabam se submetendo acabam por afetar a saúde dos

trabalhadores, ou seja, se as condições de trabalho são degradantes, apesar de

num primeiro momento ser considerado benéfico os empregos gerados no Estado,

posteriormente se verificam conseqüências catastróficas em diversos aspectos.

Para as pessoas que perdem os seus empregos, não é apenas a perda de rendimentos que se torna um problema, é também a auto-estima do indivíduo. O desemprego está associado com uma variedade de problemas e patologias, das mais elevadas taxas de divórcio, maiores taxas de suicídio, maior incidência de alcoolismo. E a correlação não é apenas uma coincidência: existe uma relação casual. Alguns indivíduos podem manter-se feliz e remunerado sem um emprego. Mas para muitos, o emprego - o

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fato de alguém reconhecer sua "contribuição", pagando-lhes, é importante. (STIGLITZ, 2002, p.9)18

O que se verifica, portanto, é que as empresas transnacionais exercem

grande pressão nos Estados para aceitação e não-aceitação de convenções,

conforme seus interesses, com o propósito de conseguirem baixo-custo na

produção, e em contrapartida oferecem ao Estado a possibilidade de empregos.

Entretanto, num momento posterior o que se verifica é que os empregos gerados,

em total desrespeito às convenções da OIT, muitas vezes são em condições

desumanas, e pioram o cenário do trabalho, além de não suprirem a demanda por

trabalho, e, assim, volta à responsabilidade do Estado, que “passa a ser colocado

em xeque, na medida em que se revela que a falta de trabalho condignamente

remunerado deriva da sua vontade e/ou incapacidade para fazer frente aos

problemas sociais” (LEDUR, 1998, p.21).

Enfim, a globalização, com suporte de meios tecnológicos, possibilitou o

rápido acesso a informações em locais distintos, com a facilitação de expansão de

empresas transnacionais atuando em locais antes considerados extremamente

distantes, e hoje acessíveis, o que acarretou, portanto, a utilização de mão de obra

em regiões diversas, com produção de produtos semelhantes, em condições

favoráveis aos interesses dessas empresas, o que, por diversas situações, podem

contrariar os direitos humanos, se delegados a segundo plano frente aos interesses

econômicos.

18 Tradução livre da autora para o trecho: For individuals who lose their jobs, it is not just the loss of income that matters, it is also the individual’s sense of self. Unemployment is associated with a variety of problems and pathologies, from higher divorce rates, higher suicide rates to higher incidences of alcoholism. And the relationship is not just a correlation: there is a casual connection. Some individuals can keep themselves happy and gainfully “employed” without a job. But for many, employment – the fact that someone else recognizes their “contribution” by paying them – is important. (STIGLITZ, 2002, p.9)

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4 EMPRESAS TRANSNACIONAIS E O DIREITO INTERNACIONAL

4.1 Utilização do termo transnacional

Nas civilizações primitivas a produção era conforme a necessidade, se

utilizando, muitas vezes, do que era obtido diretamente da natureza para a

sobrevivência. E, com o tempo, iniciou-se o aproveitamento do que ultrapassava o

necessário, praticando a troca dos bens supérfluos ou excedentes, mas que eram

necessários ou escassos para outros grupos. Posteriormente foi criada então, a

moeda, possibilitando um maior atendimento entre a demanda de um grupo social e

a oferta de outros. Tal surgimento favoreceu a ampliação e desenvolvimento do

comércio, chegando, então, ao comércio internacional.

O comércio além das fronteiras estatais do Estado de origem fez surgir a

figura das empresas transnacionais, as quais se submetem às legislações dos

países em que iniciaram suas atividades e, também, àqueles nos quais passa a

operar, o que leva ao interesse do Direto Internacional. É possível que se aproveitem

da multiplicidade de ordenamentos jurídicos, e se beneficiem do que lhes seja mais

profícuo, diante de um Estado, suas subsidiárias e seus investimentos. São capazes

de mobilizar recursos para campanhas políticas, pesquisas tecnológicas e até

mesmo para a economia das sociedades nas quais pretendem se instalar, de modo

a convencer os mesmos da responsabilidade social e importância da instalação

deste tipo de empresa.

Em 1984, das cem maiores entidades econômicas mundiais, cinqüenta e cinco eram Estados, e quarenta e cinco, empresas transnacionais. São estas últimas as verdadeiras responsáveis pela expressiva maioria das trocas econômicas internacionais, tanto por seu maciço domínio do comércio internacional de bens e serviços quanto pela maior parte dos investimentos internacionais, além de situar-se no centro dos movimentos transfronteiriços de capital. (CARREAU; JULLARD apud CRETELLA NETO, 2007, p.39)

Inicialmente é registrada como pioneira a Companhia das Índias Inglesas,

localizada primeiramente em Londres, e que objetivava a realização do comércio

com países do Oceano Índico.

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Administrada pela matriz em Leadenhall Street, em Londres, a Companhia Inglesa das Índias Orientais surgiu no século XVII como uma empresa de comércio humilde, mas cresceu ao longo do tempo e se tornou um grande poder territorial. No começo do século XVIII, espalhava-se pela Índia, exceto Burma, Cingapura e Hong Kong, abrangendo um quinto da população mundial. Até mesmo hoje, alguns políticos indianos citam a exploração cruel da empresa para justificar a hostilidade da Índia ao investimento estrangeiro. Mas a história da empresa nos fornece mais do que apenas uma forma de entender certas correntes ideológicas na Índia moderna. Também nos dá a dramatização, em uma escala colossal, de um dos principais desafios das multinacionais modernas: como administrar as interações políticas com os governos anfitriões. (LITVIN, 2003, p.30)

Outras criações, posteriores, foram importantes para o desenvolvimento do

comércio internacional, inclusive organizações empresariais que contavam com

subsidiárias, também chamadas de sucursais, em outros países, e visavam, assim,

atender o mercado nacional da matriz. A Companhia das Índias ocidentais foi uma

das primeiras a ultrapassarem uma produção local, ainda no século XIX.

As empresas transnacionais, também conhecidas como empresas

multinacionais, ou até companhias multinacionais, são marcadas pela finalidade

lucrativa, o que as diferencia, inclusive, das organizações não governamentais.

Apesar dos conceitos ainda imprecisos e da falta de consenso, há várias tentativas

de definições, utilizando-se transnacionais ou multinacionais ou internacionais ou

mundiais.

Não há uma definição exata para utilização dos termos, e nem mesmo dos

limites e requisitos, como explica François Chesnais (1996, p.72), “a primeira

definição amplamente utilizada foi a de R. Vernon, para quem uma multinacional

seria uma companhia com filiais industriais em pelo menos, seis países.” Entretanto,

esse número foi posteriormente reduzido a dois o número de países em que a

empresa deveria ter filial.

Já na obra de Allain Pellet, Patrick Dailler e Nguyen Quoc Dinh, assim

definem as transnacionais:

As sociedades multinacionais são empresas que são proprietárias de instalações de produção ou de serviços ou as controlam fora do país no qual elas estão baseadas. Tais empresas não são sempre sociedades anônimas ou sociedades privadas, elas podem ser também cooperativas ou entidades pertencentes ao Estado, que o “G.A.T.T. de 1994” designa por apelo a “empresas comerciais do Estado.(2003, p.662)

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Os mesmos autores apresentam outra definição dessa modalidade de

empresa, sendo a definição adotada pelo I.D.I. (Institut de Droit International), em

1977:

as empresas formadas por um centro de decisão localizado num país e por centros de actividade, dotados ou não de personalidade jurídica própria, situados num ou em vários outros países, deverão ser consideradas como constituindo juridicamente empresas multinacionais. (DINH; PELLET; DAILLIER, 2003, p. 662)

Apesar da dificuldade de conceituação acerca das empresas transnacionais,

alguns elementos são importantes para a caracterização, como o número de

estabelecimentos em diversos países, com uma ligação direta entre eles, bem como

a capacidade de mobilização de capitais e pessoas para investimento em novos

estabelecimentos, muitas vezes se configurando na aquisição de outras empresas e

com alto desenvolvimento dos negócios, sobrepondo, muitas vezes, aos interesses

sociais.

O destaque no cenário nacional é um traço marcante das empresas

multinacionais, que daí partem para a internacionalização. Hoje não se exige mais

que, para ser considerada uma empresa dessa porte tenha implantação de filiais,

pois essas empresas já não são mais tão “estrangeiras”, já que contam inclusive

com vínculos diretos com entidades locais, com relações de subcontratação. A

relação não se dá através de uma propriedade direta da grande multinacional com

as filiais, mas sim com subcontratadas que se predispõem ao pagamento de salários

mais baixos que em outros locais e impõem ainda aos empregados jornadas longas.

Essa rede acaba formando um conglomerado de empresas de pequeno e médio

porte, em diversos países diferentes, com uma concorrência entre eles.

As empresas transnacionais participam diretamente no cenário internacional

com investimentos diretos estrangeiros e do comércio internacional, e totalizam,

aproximadamente, “65.000 unidades no mundo, com 850.000 filiais, um patrimônio

de US$ 25 trilhões, e que são responsáveis por 54 milhões de empregos diretos”19,

geram um “faturamento de US$ 19 trilhões e perfazem 66% das exportações

mundiais”.

19 Tradução da autora para o trecho: A multinational enterprise is a group of companies operating under common ownership or control, whose members are incorporated under the laws of more than one State.(CRETELLA NETO, 2006, p.XIII)

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Verifica-se uma grande dificuldade de conceituar, sob uma perspectiva

jurídica, tal modalidade de empresa, pois a estrutura, as formas de controle, as

atividades, as relações jurídicas envolvem diversas ordens normativas, de diferentes

Estados, o que pode levar a uma lacuna de ordenamentos jurídicos ou até mesmo

conflito entre estes.

Recente definição foi construída a partir de discussões suscitadas no âmbito

do 15° Comitê do Instituto de Direito Internacional (IDI), iniciadas em 1990, na

sessão de Milão, e, na sessão seguinte, realizada em Lisboa, em setembro de 1995,

o Comitê a definição de “empreendimentos multinacionais como grupos de

companhias operando sob o controle de um mesmo grupo, cujos membros são

submetidos a leis de mais de um Estado”20 (CRETELLA NETO, 2006, p.XIII).

Apesar das diferentes conceituações, neste estudo considerar-se-a, de modo

amplo, que as empresas transnacionais são constituídas por empresas nacionais,

que, diante de um controle central unificado, ficam interligadas, e apresentam uma

estratégia única no panorama global.

Uma característica essencial é que a administração das empresas seja

exercida pela matriz, através de controle acionário, direto ou indireto, ou por outros

meios que possibilitem o controle. A maioria das ações de outras companhias que

constituem a empresa transnacional deve ser da matriz, apesar desta não estar,

necessariamente, envolvida na produção e distribuição de bens ou serviços.

Diante da grande importância econômica, e do poder político internacional,

consideradas atores de processo internacional de decisões políticas, sociais e

econômicas, alguns autores chegam até a posicioná-las como sujeitos auxiliares do

Direito Internacional Público, considerando, ainda o poder de barganha de direitos e

tendência flexibilizadora de tais empresas:

As empresas transnacionais são hoje consideradas, por alguns, como sujeitos auxiliares de Direito Internacional Público, interferindo, por sua importância econômica e pelo poder político internacional de fato, no organograma das instituições oficiais e impondo-se, com maior relevância do que a grande maioria dos Estados, como atores de peso no processo internacional de decisões políticas, sociais e econômicas.(SINKONDO apud CRETELLA, 2006, p.28)

20 Annuaire de l’Institut de Droit International, vol.66-II, 1996, Paris: Ed. Pedone, 1996. p.418.

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O sujeito de direito internacional é visto como aquele que tem capacidade

para participar de relações jurídicas em âmbito internacional, podendo assumir

obrigações e lhes serem atribuídos direitos.

Os Estados são reconhecidos como sujeitos de direito internacional, com

personalidade originária, mas a partir do século XX outros sujeitos vêm sendo

reconhecidos, como as organizações internacionais, e, ainda sob discussão e

questionamentos, os indivíduos e as empresas.

Advogados internacionais soviéticos admitiram que os indivíduos podem ser culpados de crimes (por exemplo, crimes de guerra) no Direito Internacional, mas costumam negar que as pessoas e as empresas têm quaisquer direitos ao abrigo do Direito Internacional; provavelmente temiam que tais direitos prejudicariam os poderes dos Estados sobre os seus próprios nacionais. Já nos países ocidentais, escritores e os governos aceitam com maior facilidade que os indivíduos e as empresas têm um certo grau de personalidade jurídica internacional, mas a personalidade é normalmente vista como limitada - muito mais limitada do que a personalidade jurídica das organizações internacionais. Indivíduos e empresas podem ter vários direitos, em especial tratados, por exemplo, mas nunca foi sugerido que elas possam imitar os Estados com aquisição de território, nomeação de embaixadores, ou declaração de guerra. (MALANCZUK, 1997, p.100)21

A Corte Internacional de Justiça (CIJ)22, em 1949, emitiu um parecer no caso

encaminhado pela Assembléia Geral da ONU, no qual solicitavam que a Corte se

manifestasse sobre a possibilidade de reparação de danos sofridos por agentes das

Nações Unidas no desempenho de suas funções, envolvendo a responsabilidade de

um Estado, e, consequentemente, se a Organização das Nações Unidas teria a

capacidade para fazer uma reivindicação internacional contra o governo responsável

almejando a devida reparação.

A Corte fez, então, algumas observações preliminares à questão a ela submetida. Prosseguiu definindo determinados termos da demanda, e analisando o conteúdo da fórmula: “a capacidade para se fazer uma reivindicação internacional”. Um Estado certamente tem essa capacidade. Uma Organização Internacional também a teria? Isto equivale a perguntar

21 Tradução livre da autora para o trecho: Soviet international lawyers admitted that individuals can be guilty of crimes for example, war crimes) against international law, but usually denied that individuals and companies have any rights under international law; they probably feared that such rights would undermine the powers of states over their own nationals. In Western countries writers and governments are usually prepared to admit that individuals and companies have some degree of international legal personality; but the personality is usually seen as something limited – much more limited than the legal personality of international organizations. Individuals and companies may have various rights under special treaties, for instance, but it has never been suggested that they can imitate states acquiring territory, appointing ambassadors, or declaring war. (MALANCZUK, 1997, p.100) 22 http://www.icj-cij.org/

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se a Organização tem personalidade internacional. Para responder a esta questão, que não é solucionada expressamente pela Carta da ONU, a Corte considerou, em seguida, as características que a Carta pretendeu dar à Organização. Neste sentido, a Corte constatou que a Carta conferiu à Organização direitos e deveres distintos daqueles conferidos a seus membros. A Corte salientou, igualmente, as importantes tarefas políticas da Organização: a manutenção da paz e a segurança internacional. Por fim, a Corte concluiu que a Organização, como detentora de direitos e obrigações, tem uma larga medida de personalidade internacional e de capacidade para operar no plano internacional, embora não seja certamente um super-Estado.23

E foi com esse parecer que se confirmou a personalidade jurídica das Nações

Unidas, e por derradeiro das Organizações Internacionais, com capacidade para

demandar reparações e exercer proteção diplomática em favor de seus agentes

perante tribunais internacionais. Representou um grande passo para o Direito

Internacional, assinalando a possibilidade de serem signatárias de tratados e terem

normas direcionadas diretamente a elas.

Mas diante das modificações vivenciadas, e até mesmo aceleradas com a

globalização, já se faz necessária a análise de outros entes, como as empresas

transnacionais, para que seja possível o questionamento de seus direitos e deveres,

bem como da sua responsabilização por condutas inadequadas, tendo em vista a

relevância que representam para os Estados em suas tomadas de decisões, e,

consequentemente, para aprovação ou reprovação de convenções da Organização

Internacional do Trabalho mesmo em âmbito interno, por exemplo, já que utilizam

como elemento de convicção a possibilidade de deslocarem para outros Estados

que atendam melhor os interesses de maximizar os valores.

O Direito Internacional prevê que aos sujeitos, como Estados e organizações

internacionais, é possível imputar um ilícito, em caso de descumprimento de uma

norma internacional estão obrigados a reparar os danos causados, atendendo ao

princípio da responsabilidade dita subjetiva (NASSER, 2005, p.108)

Caso essas empresas fossem reconhecidas como sujeitos de Direito

Internacional, além de serem inseridas no rol dos sujeitos que respondem pelo

descumprimento de normas internacionais, elas próprias seriam signatárias de

23 Parecer Consultivo, proferido pela Corte Internacional de Justiça, em 11 de abril de 1949, no caso de Reparação de danos sofridos a serviço das Nações Unidas. Disponível em <http://www.cedin.com.br/060topic_pdf/pdf_cij/pareceres%20consultivos_1948.pdf>. Acesso em 12 de dezembro de 2008.

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convenções, e em caso de descumprimento responderiam perante tribunais

internacionais pela conduta inadequada.

Um dos grandes argumentos contrários ao reconhecimento de novos atores

no cenário internacional, como os indivíduos, é que esses “não se envolvem, a título

próprio, na produção do acervo normativo internacional, nem guardam qualquer

relação direta e imediata com esse corpo de normas”. (REZEK, 2000, p.146)

Reconhece-se que são vários os textos de cunho internacional voltados à proteção

do indivíduo, como acontece com também com a flora e a fauna, objetos de proteção

do Direito Internacional, mas isso não faz com que seja atribuída a eles

personalidade jurídica.

Outra corrente defende a inclusão dos indivíduos como sujeitos de direito

internacional, por serem esses o fim último de qualquer direito, bem como já serem

detentores de direitos e deveres , dotados inclusive de capacidade processual, o que

revela uma renovação do Direito Internacional, abrindo uma brecha na doutrina

tradicional do domínio antes reservado exclusivamente aos Estados.

Ora, se o direito internacional contemporâneo reconhece aos indivíduos direitos e deveres (como o comprovam os instrumentos internacionais de direitos humanos), não há como negar-lhes personalidade internacional, sem a qual não poderia dar-se aquele reconhecimento. O próprio direito internacional, ao reconhecer direitos inerentes a todo ser humano, desautoriza o arcaico dogma positivista que pretendia autoritariamente reduzir tais direitos aos “concedidos” pelo Estado. O reconhecimento do indivíduo como sujeito tanto de direito interno como do direito internacional, dotado ambos de plena capacidade processual, representa uma verdadeira revolução jurídica, à qual temos o dever de contribuir. Esta revolução vem enfim dar um conteúdo ético às normas tanto de direito público interno como do direito internacional. (CANÇADO TRINDADE, 2002, p.6)

O reconhecimento do indivíduo como sujeito de direito internacional fortalece

a importância das empresas transnacionais também como detentoras da

personalidade jurídica, pois demonstra-se a possibilidade de se levar a tribunais

internacionais os casos de violações de direitos humanos, ou seja,

responsabilização pelas condutas na esfera internacional.

O investimento realizado pelas empresas transnacionais apresenta dois

pontos controversos, sendo que, de um lado, implica em diminuição dos postos de

emprego nos países de origem, geralmente vistos como “desenvolvidos”, e, do outro

lado, é inegável que a maior parte dos investimentos e das divisas são direcionadas

à este país de origem. Tais empresas realizam uma análise acurada dos custos de

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produção e de distribuição de seus produtos e serviços para a escolha do país no

qual se fará a instalação, considerando inclusive a segurança jurídica do país, com

regras contratuais claras. E, quanto aos Estados receptores, há uma concorrência

internacional no que diz respeito aos investimentos estrangeiros, quando, então, são

feitas concessões passíveis de afetar o mercado interno.

Os preconceitos e barreiras envolvendo as atividades das empresas transnacionais não se limitam, no entanto, aos encontrados no Estado de origem e no Estado de territorialidade. Tem sido alegado que, além de colidir com os interesses de um e de outro, podem as operações das empresas vulnerar os interesses da própria ordem econômica internacional. Conforme o caso, a enorme concentração de poder econômico resultante das atividades das empresas encontra resistência nos princípios do liberalismo e da livre concorrência. Esses princípios favorecem a liberdade de escolha de produtos e serviços, conduzem à redução do preço final ao consumidor e minimizam o problema da escassez artificial dos bens, que se reflete em toda a cadeia produtiva.(CRETELLA NETO, 2006, p.95)

Entretanto, o que se verifica é que as multinacionais são pouco mais do que

“empresas nacionais com operações internacionais”, tendo em vista que apresentam

uma base doméstica à qual se mantêm, de alguma maneira, interligada, seja com

envio de dinheiro para aquele país, de onde partem os investimentos, seja por ser o

centro de pesquisa e inteligência da empresa.

Outra situação que se tornou corriqueira no cotidiano das empresas é a

terceirização, uma empresa principal, geralmente o centro de inteligência da

corporação, de onde saem as criações e as normas gerais, contam com

fornecedores em todo o mundo, sendo que estes têm que atender determinados

padrões de produção, que envolve desde qualidade do produto até direitos dos

empregados. Esta modalidade enfrentou algumas críticas como no caso que será

analisado posteriormente neste trabalho, da empresa Nike, famosa por seus

produtos esportivos, que teve uma repercussão negativa na mídia quando foi

descoberto que em fábricas de alguns de seus fornecedores havia utilização de

mão-de-obra infantil, condições degradantes de trabalho e salários baixos.

Apesar da facilidade de de-locação e envolvimento de diversas economias, os

governos, ou pelo menos os mais poderosos, conservam um poder de barganha

com as empresas multinacionais através do controle de acessos a recursos

econômicos nacionais, importantes para essas empresas, que, conforme um exame

sumário da lista das quinhentas maiores empresas mundiais na revista Fortune,

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poucas delas têm suas matrizes fora dos Estados Unidos, do Reino Unido, da

Alemanha ou do Japão.

Desta forma as empresas, apesar da transnacionalização, ainda mantêm

vínculos diretos com os Estados das quais são provenientes.

A empresa multinacional é central na organização dessa nova ordem capitalista global. Em 1998, havia 60.000 multinacionais no mundo inteiro, com 500.000 subsidiárias estrangeiras, vendendo bem mais de 9,5 trilhões de dólares em mercadorias e serviços em todo o planeta (UNCTAD, 1998b, 2000). Hoje em dia, a produção transnacional ultrapassa consideravelmente o nível das exportações globais e se tornou o principal meio para a venda de produtos e serviços no exterior. As empresas multinacionais respondem atualmente, de acordo com algumas estimativas, por pelo menos 20% da produção mundial e 70% do comércio mundial (Perraton et al., 1997). Elas abrangem todos os setores da economia global, desde as matérias-primas até as finanças, a indústria, a integração e a reordenação da atividade econômica, dentro e através das principais regiões econômicas do mundo (Gill, 1995; Castells, 1996; Amin, 1997). No setor financeiro, os bancos multinacionais são, de longe, os atores principais nos mercados financeiros, desempenhando papel crucial na administração e organização da moeda e do crédito na economia global (Walters, 1993; Germain, 1997). Segundo os globalistas, é o capital empresarial global, e não os Estados, que exerce uma influência decisiva na organização, localização e distribuição do poder e dos recursos econômicos na economia global contemporânea. (HELD, 2001, p.63-64)

A importância das empresas transnacionais no cenário internacional é

inquestionável, fator que acaba levando à aceitação de condições impostas por

estas a governos de Estados que se interessam com as instalações em seus

territórios, e a expansão destas não se dá de forma equânime por todas as partes,

mas conforme o interesses dos grandes grupos. E chegam a atingir não apenas a

área comercial, mas muitas vezes chegam a influenciar até na área política, como

instrumento de dominação e imposição de ideologias.

E para esses novos processos a legislação concernente às empresas

transnacionais não acompanharam o desenvolvimentos das mesmas, ficando aquém

da importância devida. Com isso, é necessário que se utilizem institutos

internacionais para a devida regulamentação, com análise de qual a melhor fonte e

meio de aplicação dentro dos possíveis dentro do Direito Internacional.

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4.2 – Empresas transnacionais e os direitos humanos

As empresas transnacionais vêm sendo sujeitos de boicotes de consumidores

sob a alegação de que essas empresas vêm praticando abusos contra os direitos

humanos. As acusações se referem não somente às práticas, mas envolvem

tolerância, financiamento e facilitação para a prática dos abusos de direitos

humanos, o que, recentemente, vem sendo uma importante matéria considerada

pela mídia e pelo interesse público. Esses casos têm sido presenciados

principalmente em países mais pobres, que necessitam da atuação dessas

empresas para emprego da população extremamente carente e com escassos

recursos para alimentação, educação e moradia.

Indústrias têxteis, por exemplo, foram acusadas de abusar fisicamente dos funcionários, dando suporte ativo para campanhas governamentais contra organizações trabalhistas e forçando os trabalhadores a exaustão em condições de semi-escravidão. Empresas de extração mineral e ambiental foram acusadas de prover assistência financeira e logística para forças de repressão nacionais para conquistar confiança, segurança e proteção em países como Birmânia, Colômbia, Nigéria e Sudão. (PEGG, p.1, 2003)24

Alguns críticos colocam a impossibilidade de se conectar o comportamento

das empresas transnacionais a uma estrutura de direitos humanos, chegam a

elencar a impossibilidade na tomada de decisões de se considerar princípios éticos

ou normativos acerca do tema, além de considerarem que os efeitos e os impactos

trazidos pelos direitos humanos como uma força positiva para a mudança.

Apesar da análise crítica, que é feita numa perspectiva pessimista e estreita

do Direito Internacional, a crença na possibilidade de mudança por alguns, apesar

de muitas vezes mudanças limitadas, mas progressivas, podem minimizar os efeitos

dos desrespeitos, se focalizados os direitos humanos na estrutura política. Em

diferentes maneiras há uma preocupação crescente em identificar possíveis fontes

de mudança que poderão afetar o comportamento das empresas transnacionais,

ampliar os efeitos opositivos e diminuir os efeitos negativos.

24 Tradução livre da autora ao trecho: “Textile manufactures have, for example, been accused of physically abusing workers, actively assisting government campaigns against labor organizers and forcing workers to toil in ‘sweatshop’conditions. Resource extraction companies have been accused of providing logistical and financial assistance to repressive state security forces and relying in those forces for protection in countries such as Burma, Colombia, Nigeria and Sudan. (PEGG, p.1, 2003)

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Não são desconsideráveis os problemas vivenciados atualmente e que têm

como “atores” as empresas transnacionais, mas há que se repensar em uma

escolha normativa em favor da ordem política e, principalmente, social em

detrimento da ordem vivenciada atualmente (estritamente capitalista).

As empresas transnacionais não são instituições criadas com propósitos

exclusivamente morais e sociais, têm fortemente um propósito econômico, que

representa, inclusive, o propósito primário. E, enquanto há uma proliferação de

transnacionais com propósitos econômicos, necessário se faz o estabelecimento de

normas acerca do comportamento dessas, apesar do objetivo de maximização do

lucro algumas normas devem ser cumpridas, no sentido de respeito aos direitos

humanos, dentre eles a dignidade do trabalhador, não-utilização de mão de obra

infantil e nem mão de obra escrava. A limitação de atuação dessas empresas

transnacionais, ou seja, limites na exploração podem ser considerados como

responsabilidade social das corporações, ou seja, das empresas transnacionais, o

que difere, inclusive, de filantropia, pois baseia-se na responsabilidade, e não

apenas em generosidade.

A responsabilidade social das empresas (RSE) é reflexo dos últimos quinze anos. Embora debates sobre as regras das corporações na sociedade venham desde o início dessas empresas, foi somente no início dos anos 1990 que a expressão se tornou corriqueira e se desenvolveu como um aspecto importante do debate público sobre as instituições econômicas e sociais. Ela alcançou finalmente o estatuto de um importante movimento social na Europa, Canadá e Austrália, e, mais lentamente e mais ainda embrionariamente, nos Estados Unidos. A Comissão de Cadbury no início de 1991, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a União Européia, entre outros, tiveram a iniciativa de desenvolver códigos de conduta e regras de responsabilidade para corporações, como eles mesmos contam com corporações, investidores institucionais, e uma variedade de organizações não-governamentais (ONGs). (MITCHELL, 2005, p.235)25

A globalização, ao transformar o mundo numa economia única e

interdependente, facilitou a expansão de empresas do tipo transnacionais, o que, em 25 Tradução livre da autora para o trecho: Corporate social responsibility (CSR) is a product of only the last fifteen years. While debates over the role of business corporations in society go back to the beginning of the institution, it is only since the early 1990s that the phrase itself attained currency and has developed as a major aspect of the public debate over social and economic institutions. It has finally reached the status of a major social movement in Europe, Canada, and Australia, and, more slowly and still more embryonically, in the United States. The Cadbury Committee beginning in 1991, the Organization for Economic Cooperation and Development, and the European Union, among others, have gotten into the act of developing codes of conduct and rules of responsibility for corporations, as have corporations themselves, institutional investors, and a variety of nongovernmental organizations (NGOs). (MITCHELL, 2005, p.235)

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decorrência, ampliou a utilização de mão de obra nas mais diversas regiões, em

condições nem sempre desejáveis. O desenvolvimento e expansão da tecnologia da

informação e dos meios de comunicação tornaram as empresas mais expostas e,

portanto, mais suscetíveis às pressões dos consumidores para melhorarem suas

relações ambientais, de direitos humanos e de normas trabalhistas.

Sob pressão, as empresas estão começando a aceitar a responsabilidade por

desrespeito às normas trabalhistas e abusos de direitos humanos praticados

inclusive por empresas estrangeiras subcontratadas. Diante da análise grande parte

das empresas vêm reconhecendo que os benefícios de baixo custo do trabalho, seja

com utilização de mão de obra infantil ou em condições análogas à de escravo, ou

em Estados que não estabelecem normas trabalhistas para atração de empresas,

agora devem ser sopesadas contra a publicidade e descontentamento de

consumidores que se preocupam com os abusos praticados contra os direitos

humanos.

Como um resultado direto da intensificação do ativismo dos direitos humanos, estimulada pela mídia, além do aumento da comunicação facilitada pela Internet, corporações dos E.U.A. estão encontrando dificuldades para sustentar os seus antigos meios de política. Sob pressão, eles estão começando a aceitar a responsabilidade para as práticas trabalhistas e de violações dos direitos humanos dos seus subcontratantes estrangeiros. (SPAR, 1998, p.7)26

Para que se responsabilizem empresas transnacionais por práticas abusivas

contra os direitos humanos Margaret Jungk (JUNGK, 1999, p.175-8) elenca quatro

fatores, sendo os primeiros três fatores essencialmente relacionados com a natureza

do regime de normas do país onde está localizada a operação da empresa

transnacional. O primeiro critério faz alusão ao nível de violação dos direitos

humanos, se são esporádicos, freqüentes ou isolados, e, ainda, se são planejados,

sistemáticos, ou contínuos. O segundo critério lida com a natureza dos direitos

humanos violados, se resultado de atividades governamentais ou se o governo

simplesmente não conseguiu estabelecer um cumprimento efetivo de direitos

humanos em seu território, e já o terceiro critério diz a respeito do tipo de direito

violado, se trata de direito fundamental como o direito à vida ou liberdade, ou tortura.

26 Tradução livre da autora para o trecho: “As a direct result of heightened human rights activism, sharper media scrutiny, and the increased communication facilitated by the Internet, U.S. corporations are finding it difficult to sustain their old hands-off policy. Under pressure, they are beginning to accept responsibility for the labor practices and human rights abuses of their foreign subcontractors.” (SPAR, 1998, p.7)

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Os critérios relacionados a políticas governamentais auxiliam na apuração da

responsabilidade das empresas transnacionais, mas há que se considerar que essas

deveriam, ao presenciar a escassez de normas estatais relacionadas a direitos

humanos em determinados Estados, vetar as decisões de investimentos, e analisar

cuidadosamente se a instalação não beneficiaria ou, de alguma forma contribuiria

para a expansão das violações contra direitos humanos.

Algumas companhias chegam a investir em projetos de desenvolvimento

social para justificar suas presenças em Estados repressivos, ou carentes de normas

de direitos humanos, para, se preparem para as críticas posteriores que podem advir

das atitudes de contratação em condições não consideradas adequadas ou

respeitosas aos direitos humanos, ou até mesmo para trazerem uma imagem

positiva junto aos consumidores e formadores de opinião.

Há empresas transnacionais que alegam não haver conexão entre a sua

operação e os direitos humanos no país, tentam argumentar ainda que o tamanho

de suas operações é ínfimo, o que não acarretaria efeitos na política governamental

e muito menos impacto significante na questão humanitária. Entretanto, a atração

desse tipo de empresa leva os governos inclusive a reformar as normas a serem

cumpridas com o intuito de atração, e, diante de uma concorrência com outros

Estados acabam por tentar oferecer condições mais atrativas sem observar as

normas trabalhistas e sociais dos cidadãos, levando até mesmo a práticas abusivas

de violações aos direitos humanos, se levadas ao extremo.

Entretanto, as práticas são oriundas das estratégias de mercado, que acabam

por ensejar verdadeiros privilégios, outorgados às empresas pelos próprios Estados

hospedeiros, desejosos dos investimentos dessas empresas em seus territórios,

ainda que mediante diversos benefícios fiscais, mão-de-obra barata e reduzida

proteção trabalhista. As medidas fazem que, apesar da dificuldade de

regulamentação, essa seja, ainda que preliminarmente, tomada no sentido de

restringir essas situações com o intuito de proteção dos direitos dos trabalhadores, e

consequentemente, dos direitos humanos.

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4.3 Casos de violações de direitos humanos por empr esas transnacionais

As conseqüências de uma degradação ambiental, ou de uma exploração

infantil são sofridas por populações de regiões onde se instalam algumas empresas

transnacionais que geralmente justificam os investimentos em termos de benefícios

para a população local, embora esses fiquem a mercê das receitas de vendas dos

produtos exportados (PEGG, 2003):

Enquanto as empresas transnacionais geralmente justificam os investimentos em termos de benefícios para a população local, quase todo o gás produzido em Yadana é exportado para países vizinhos. As receitas das vendas vão diretamente para o governo militar e para as companhias petrolíferas. Como explica Jensine Larsen, “na realidade nenhum cidadão burmense ou membro de uma minoria étnica irá lucrar. Ao invés disso, eles irão sofrer as conseqüências de uma degradação ambiental e expansão da opressão política”. 27(PEGG, 2003, p.14)

Além do exemplo de violação vivenciado no exemplo mencionado, outros

exemplos já foram vivenciados, como o ocorrido no Sudão (PEGG, 2003, p.14),

onde, para extrair óleo de uma região conturbada, foi necessário que tropas militares

garantissem a segurança contra forças rebeldes, sendo incumbidas de “limpar” e

assegurar que os campos de exploração de óleo não seriam atingidos. Mas como

exposto pelo autor supramencionado, a infraestrutura dos campos de óleo se

tornaram, de fato, facilidades militares, sendo a região mais militarizada, e a região

da companhia de óleo era vista, e os rebeldes eram considerados, então, uma

ameaça à segurança pelas forças protetoras da propriedade da companhia de óleo.

Há ainda uma tamanha influência das empresas transnacionais no tocante

aos direitos humanos nas comunidades nas quais se instalam:

As empresas podem ter um efeito direto sobre os direitos humanos nas comunidades locais onde estão instaladas. Em fábricas de vestuário ocorreram abusos físicos e os empregados foram até assediados sexualmente. As companhias transportaram tropas militares nos seus helicópteros e barcos na Birmânia, na Indonésia e na Nigéria. Elas também dividiram suas instalações com helicópteros de guerra no Sudão. (...) Estas

27 Tradução livre da autora para o trecho: “While TNCs often justify their investments in terms of benefits to local population, nearly all of the gas produced in the Yadana field is exported to neighboring countries. Revenues accrue directly to the military government and the oil companies themselves. As Jensine Larsen explains, ‘virtually no ordinary Burmese citizen or member of an ethnic minority will profit. Instead they will suffer the consequences of a degraded environment and expanded political oppression’.” (PEGG, 2003, p.14)

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mesmas companhias, entretanto, simultaneamente se eximem de qualquer responsabilidade nas situações nas quais elas requisitaram auxílio militar e que consequentemente resultou em violações dos direitos humanos com o argumento de que eles deveriam pedir auxílio militar em cumprimentos às leis locais. As corporações não são atores sem poderes. Elas tomam decisões que afetam diretamente a segurança e a insegurança das populações locais. As decisões corporativas importam e para esse assunto deve-se exigir justificativas quando as decisões resultem em tortura, prisões arbitrárias, pessoas feridas, mortes e violações dos direitos humanos para os residentes locais. (PEGG, 2003, p.14)28

Os casos de violações vêm acontecendo inclusive em empresas notadamente

conhecidas e respeitadas mundialmente, como Walt Disney, Nike e Reebok,

conforme relatado:

Em 1996 Kathie Lee Gifford foi capa de revista. A bem conceituada personagem da televisão americana emprestou seu nome para uma linha de desconto de roupas femininas, que posteriormente foi descoberto, foram produzidas por trabalhadores da América Central com idade inferior à permitida. No mesmo ano o grupo Walt Disney foi revelado contratando fornecedores haitianos que pagavam seus empregados com salário mínimo inferior a $2,40 por dia. Nike e Reebok, produtoras talvez dos mais populares calçados esportivos do mundo, também foram similar e repetidamente expostas. (SPAR, 1998, p.7)29

O grande desafio do comprometimento das empresas com os direitos

humanos se dá no momento em que são responsabilizadas inclusive por empresas

contratadas, em outros países, como uma terceirização, ou seja, a violação nem

sempre se dá na matriz ou em suas filiais diretas, mas podem ocorrer em empresas

que produzem diretamente para as empresas principais mas são sediadas em

países distintos, por vantagens oferecidas previamente, seja no custo dos produtos

ou da mão-de-obra:

28 Tradução livre da autora para o trecho: “Companies can have a direct effect on the human rights of local host communities. Garment manufactures have physically abused and sexually harassed their employees. Companies have transported military troops in theirs helicopters and boats in Burma, Indonesia and Nigeria. They have also shared their facilities with helicopter gunships in Sudan.(…) These same companies, however, simultaneously disclaim any responsibility for situations where they have requested military assistance which subsequently resulted in human rights violations with the argument that they are required to do so by domestic law. Corporations are not powerless actors. They make choices which directly affect the security or insecurity of local populations. Corporate decisions matter and businesses should expect to be held accountable when their decisions resulte in torture, arbitrary arrest, injuries, deaths and human rights violations for local residents. (PEGG, 2003, p.14)” 29 Tradução livre da autora para o trecho: “In 1996 Kathie Lee Gifford made front-page news. The well-liked television personality had lent her name to a discount line of women’s clothing that, it was discovered, had been made by underage Central American workers. That same year, the Walt Disney Company was exposed contracting with Haitian suppliers who paid their workers less than Haiti’s minimum wage of $2,40 a day. Nike and Reebok, makers perhaps the world’s most popular athletic footwear, were similarly and repeatedly exposed.” (SPAR, 1998, p.7)

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Em todos estes casos, os alvos foram empresas dos Estados Unidos, fabricantes de produtos de consumo. Eles estavam sendo acusados de violações de direitos humanos cometidos no estrangeiro não pelos seus próprios gestores ou em suas próprias instalações, mas através dos seus subcontratados que produziam os seus produtos em fábricas no exterior. Tradicionalmente, a responsabilidade da empresa com o subcontratado tem sido previsível, infrutífera. As empresas americanas alegaram que não podem realisticamente ou financeiramente ser responsabilizada pelas práticas trabalhistas de seus fornecedores estrangeiros. "O problema é que não somos os donos das fábricas", um porta-voz da Disney protestou. "Estamos lidando com um licenciado." (SPAR, 1998, p.7)30

Assim, diante dos casos ainda que superficialmente abordados, é inegável o

poderio das empresas transnacionais diante dos Estados, a pressão e a influência

que exercem sobre esses. E, diante da população apresentam justificativas de

benefícios para a comunidade local, a qual é aceita pacificamente que os bens

extraídos sejam explorados e exportados por essas empresas, sem analisarem

adequadamente e até mesmo socialmente os custos a que são submetidas para tal

exploração31.

Alguns casos foram amplamente divulgados, como em 11 de junho de 2006,

quando o jornal britânico “Mail on Sunday” noticiou que iPods eram produzidos por

trabalhadores que ganhavam menos do que cinqüenta dólares por mês, e

trabalhavam aproximadamente por 15 horas. A Apple, que estava diretamente ligada

aos produtos, tendo em vista que os adquiria, investigou o caso com auditores

independentes. O que foi verificado é que algumas das fábricas agiam de acordo

com o Código de Conduta da Apple nas questões trabalhistas, mas outras o

desrespeitavam. Foi constatado que alguns desses empregados trabalhavam mais

30 Tradução livre da autora para o trecho: In all these cases, the companies accused were U.S. manufacturers of consumer products. They were being targeted for human rights violations committed abroad not by their own managers or in their own plants but by the subcontractors who produced their products in overseas facilities. Traditionally, the corporate response to this subcontractor problem has been predictable, if unfortunate. U.S. firms have argued that they cannot realistically or financially be held responsible for the labor practices of their foreign suppliers. “The problem is, we don’t own the factories,” a Disney spokesperson protested. “We are dealing with a licensee.” (SPAR, 1998, p.7) 31 Os trabalhadores não podem ser considerados atores irracionais, mas como explica Gregory Mankiw (2005, p.6), “a tomada de decisões exige comparar os custos e benefícios de possibilidades alternativas de ação. Em muitos casos, contudo, o custo de uma ação não é tão claro quanto pode parecer à primeira vista.” O mesmo autor prossegue dizendo que “as decisões que tomamos durante a nossa vida raramente são “preto no branco”; elas geralmente envolvem diversos tons de cinza.” Assim, ponderar que trabalhadores são explorados e exportados sem analisarem adequadamente os custos de tal atitude, é considerar que, num primeiro momento, a decisão de trabalhar numa empresa transnacional seria benéfica para se ter um emprego, mas as condições a que esses trabalhadores são, muitas vezes, submetidos acaba por tornar o custo dessa decisão alto, com conseqüências na saúde, no bem-estar e na vida dessas pessoas.

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de sessenta horas por semana, em seis dias consecutivos. A empresa Foxconn,

fornecedora da Apple, chegou a negar os abusos, mas quando foi auditada pela

Apple foi constatado que os empregados trabalhavam mais horas do que o permitido

até no direito chinês, mas eles prometeram proibir as longas jornadas a mais do que

as previstas no Código de Conduta da Apple.

Uma recente criação foi realizada com um tribunal de ética32, por ocasião da

“Cúpula dos Povos: Enlaçando Alternativas III”, realizada em Lima, Peru, em treze

de maio de 2008. A criação do tribunal objetiva a reafirmação dos direitos humanos,

coibindo as empresas transnacionais que, pelo crescimento econômico, chegam aos

Estados “ditando os direitos”. A ocasião foi a III Cúpula dos Povos, que ocorre

simultaneamente à V Cúpula da América Latina, do Caribe e da União Européia, que

aconteceu em 17 de maio de 2008, e, em reuniões preliminares os membros do

Tribunal chegaram inclusive a anunciar que julgarão 20 multinacionais, dentre elas

mineradoras, petrolíferas, elétricas e bancárias que atuam na América Latina, e que

têm desrespeitado os direitos humanos da população, com conivência do Estado, ao

não realizarem uma fiscalização efetiva.

Segundo as notícias veiculadas33 empresas transnacionais que têm a sede

em 10 países europeus, e uma delas com sede no Brasil, a Companhia Vale do Rio

doce, e que operam em países como Brasil, Peru, Argentina, Bolívia, Equador,

Uruguai, Nicarágua, Guatemala, Chile e Colômbia tiveram casos encaminhados ao

tribunal para análise de denúncias de violações a direitos humanos, direitos

trabalhistas e também prejuízos causados ao meio ambiente praticados por essas

empresas.

Um dos pedidos para análise pelo tribunal diz respeito à atuação da

petrolífera Repsol YPF nos Estados da Argentina, da Bolívia, e do Equador, onde

desconfia-se de contaminação ao meio ambiente, o que ocasionou prejuízos à

comunidade. Um outro caso que será submetido é o dos prejuízos afeitos pela

32 O mencionado tribunal não foi aqui analisado tecnicamente, mas segundo notícias divulgadas na mídia, no Brasil, tem como intuito fiscalizar e limitar as empresas transnacionais, vindas para a região, para que não utilizem os benefícios do desenvolvimento econômico como chantagem para poder desrespeitar os direitos humanos da população. 33 Várias notícias a respeito do assunto foram veiculadas pela mídia, como se depreende do site http://74.125.95.132/search?q=cache:U454VgyQPMgJ:www.db.com.br/noticias/%3F82927+C%C3%BApula+dos+Povos+Tribunal+multinacionais&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=2&gl=br , retirado em 25 de novembro de 2008, e também notícias no site http://www.streetnewsservice.org/index.php?page=archive_detail&articleID=2732 , retirado no dia 25 de novembro de 2008.

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exploração de petróleo pela anglo-holandesa Shell na Irlanda, Brasil e Argentina.

Outros casos, como os ocorridos no Peru também foram apresentados, como o da

mineradora Monterrico Metals, que pratica atividades correlacionadas à exploração

de cobre de Rio Blanco na região de Piura, também o caso da empresa de

atividades agro-alimentar Camposol, integrante do grupo norueguês Dyer Coriat, que

demitiu trabalhadores por serem sindicalizados, numa afronta direta aos direitos

sociais, entre outros.

O que se investiga e procura dar visibilidade com o julgamento desses casos

são impactos sociais e ambientais provocados pelas operações das empresas

transnacionais em alguns países, com desrespeito e inobservância dos direitos

humanos, e esses julgamentos têm um efeito moral relevante, pois se constitui num

chamado aos Estados para que respeitem os direitos fundamentais das

comunidades.

A população, juntamente com a mídia, são extremamente importantes nas

denúncias e também no combate a essas violações, como aconteceu em Serra Leoa

e Angola, quando reconheceu-se o papel central do comércio de diamantes no

financiamento dos conflitos sangrentos.

Mais recentemente, De Beers, companhia que faz parte do cartel da indústria de diamantes, entrou em crise com governos locais por comprar diamantes de grupos rebeldes na Angola e Serra Leoa e por conseqüência financiar estes grupos. De Beers tornou-se mais uma das empresas transnacionais a atrair investigações críticas de ONGs e sofrer boicotes de seus produtos por parte dos consumidores. A corporação que sempre se mostrou como tolerante, financeira e beneficiadora de programas contra abusos dos direitos humanos agora faz parte de especulações da imprensa e dos interesses públicos (PEGG, p.1, 2003)34

O Conselho de Segurança, com base no capítulo VII da Carta da ONU, impôs

boicotes35 aos diamantes da UNITA (União Nacional para a Independência Total de

34 Tradução livre da autora para o trecho: More recently, De Beers, the diamond industry cartel, has come under fire for purchasing diamonds from rebel groups in Angola and Sierra Leone and thus providing the bulk of their financing. De Beers has consequently become one of the latest TNCs to attract the critical scrutiny of non-governmental organizations (NGOs) and suffer the threat of consumer boycotts against its products. The corporate role in tolerating, financing, faciliting and benefiting from human rights abuses is now an issue of considerable media and public interest.” 35 Foram impostas um tipo de sanções direcionadas, segundo REID et al.: “Sanções financeiras direcionadas são orientadas no sentido de que sejam aplicadas apenas a um subconjunto da população, normalmente os dirigentes, elites ou pessoas responsáveis pelas operações; aqueles que financiam ou utilizam instrumentos financiados, congela-se ou restringe empréstimos, créditos, ou assistência por instituições financeiras, para infligir algum custo, o que são, portanto, as sanções, na medida em que são aplicadas medidas coercivas para modificar ou constranger algum tipo de ação.”

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Angola). Estas ações foram respostas a relatórios de organizações não-

governamentais, incluindo a Global Witness e Parceria África-Canadá, que relataram

o papel dos “diamantes de sangue”, utilizados para sustentar guerra humanitária e

abusos. A empresa De Beers36, mencionada na citação, era uma das maiores

consumidoras de diamantes dessa região.

Alguns grupos continuam a exigir uma ação mais vigorosa contra os

“diamantes de sangue”, alertando para a possibilidade de boicotes dos

consumidores, mas em resposta a estas e outras pressões crescentes, as empresas

de diamante têm tomado medidas para sanear a sua indústria e criar um sistema de

certificação, demonstrando que a produção não está mais vinculada aos conflitos.

Em grandes conferências internacionais, em Antuérpia, em Pretória, e em Londres no verão e no outono de 2000, líderes da indústria concordaram em exigir certificados de origem para exportações de diamantes, e criar uma vigilância mais rigorosa para controle das importações de diamantes. Essa foi a evolução prometedora que anunciava uma melhor regulamentação do comércio de diamantes, e ofereceu a perspectiva de sanções mais eficazes dos diamantes em Angola e Serra Leoa. Se estas medidas irão fazer a diferença no resultado destes conflitos armados continuará a ser acompanhado. Por agora, fornecem um modelo para a execução dos boicotes. (CORTRIGHT; LOPEZ, 2002, p.12-13,)37

A empresa de artigos esportivos conhecida mundialmente, Nike, também já

se envolveu em um caso que chamou a atenção da mídia e dos defensores dos

direitos humanos, a partir de 1990. A Nike foi criticada por adquirir seus produtos de

fornecedores, terceirizados, que praticavam baixíssimos salários em condições

degradantes de trabalho, numa afronta aos direitos humanos. Estas críticas foram

corroboradas com o envolvimento de trabalhadores mal remunerados na Indonésia,

trabalho infantil no Camboja e no Paquistão, além de péssimas condições de

(p.66). Tradução livre da autora para o trecho: “Targeted financial sanctions are targeted in the sense that they are applied only to a subset of the population, usually the leadership, responsible elites, or individuals responsible for operations; they are financial in that they involve the use of financial instruments, such as assets freezes or restrictions on loans, credits, or assistance by financial institutions, to inflict some cost; and they are sanctions in that they are coercive measures applied to effect change or constrain action.” (REID et al., p.66) 36 Site disponível <http://www.debeersgroup.com/>. Acesso em 12/12/2008. 37 Tradução livre da autora para o trecho: At major international conferences in Antwerp, Pretoria, and London in summer and fall of 2000, industry leaders agreed to require certificates of origin for diamonds exports and to establish tighter monitoring and control of diamonds imports. These were promising developments that heralded better regulation of the diamond trade, and offered the prospect of more effective diamond sanctions in Angola and Sierra Leone. Whether these steps will make a difference in stemming these armed conflicts remains to be seen. For now they provide a model for the enforcement of commodity boycotts. (CORTRIGHT; LOPEZ 2002, p.12-13.)

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trabalho na China e no Vietnã, o que contribuiu então para denegrir a imagem da

empresa. (LOCKE et al., 2007, p.25)

Num primeiro momento, administradores da Nike recusaram aceitar qualquer

responsabilidade pelos problemas acerca das condições de trabalho e do ambiente

insalubre encontrados nas empresas fornecedoras. Alegaram que os empregados

dessas empresas não eram ligados diretamente à Nike, e, então, a empresa não

tinha qualquer responsabilidade sobre eles.

O fato teve uma repercussão tão ruim para a Nike, envolvendo boicotes de

consumidores, ações de indenização questionando o engano sobre as condições de

produção dos artigos da empresa, que foi necessário e imperioso a elaboração de

um código de conduta para melhoria da imagem perante a população. Tal código

abrangeu não só a matriz da empresa, mas também os fornecedores, que têm que

cumprir determinadas regras e atender várias normas de cunho trabalhista e social

para permanecerem no quadro de fornecedores da Nike:

Em 1992, esta imagem negativa da Nike foi modificada, foi formulado um código de conduta que exigiam dos seus fornecedores a observação de algumas normas laborais básicas e normas de saúde e higiene. Os potenciais fornecedores foram obrigados a assinar o código de conduta e de implementá-los em suas fábricas. Os críticos têm apontado que o código de conduta da Nike é minimalista e não é plenamente aplicado, alegam que afixar o código em fábricas onde a maioria dos trabalhadores são analfabetos funcionais e / ou não possuem o poder de insistir na sua implementação, faz com que ele se torne apenas uma “fachada”. No entanto, a evolução deste documento indica que a Nike está buscando resolver alguns dos problemas mais graves encontrados nos seus fornecedores. (LOCKE et al., 2007, p.25)38

São várias as violações ao redor do mundo, e cada dia se faz mais importante

e urgente punições dos que abusam dos direitos humanos dos trabalhadores, com

desrespeito inclusive aos direitos sociais.

38 Tradução livre da autora para o trecho: By 1992, this hands-off approach changed as Nike formulated a code of conduct that required its suppliers to observe some basic labour and environmental/health standards. Potential suppliers were obligated to sign this code of conduct and post it within their factories. Critics have charged that Nike’s code of conduct is minimalist and not fully enforced, claiming that posting the code in factories where most employees are functionally illiterate and/or do not possess the power to insist on its implementation is simply window dressing. Nonetheless, the evolution of this document indicates that Nike is seeking to address several of the most serious problems found in its suppliers. (LOCKE et al., 2007, p.25)

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Em 17 de setembro de 2003, a Corte Interamericana39 emitiu um acórdão

histórico expandindo o âmbito de proteção dos direitos trabalhistas dos

trabalhadores migrantes nas Américas. A decisão reconheceu que as garantias

fundamentais trabalhistas não podem ser arbitrariamente negadas a pessoas

exclusivamente com base no seu status migratório. Depois de meses de revisão e

oitiva de argumentos, a Corte Interamericana determinou que trabalhadores

migrantes também tinham direito à proteção oferecida aos outros trabalhadores, de

acordo com o Direito Internacional.

Na década de 1980 as guerras civis na América Central levaram milhares de

pessoas a abandonarem suas casas na Guatemala, El Salvador e Nicarágua, e

também na Colômbia, e se dirigirem para os Estados vizinhos da América Central,

bem como para o México, Estados Unidos e Canadá. Essa migração não cessou,

mesmo que alguns conflitos já não existam mais, os migrantes ainda atravessam as

fronteiras. Os Estados Unidos se destacaram pelo número de imigrantes recebidos,

estima-se que sejam mais de 31 milhões40, sendo grande parte oriunda do México.

A questão trabalhista de migrantes nas Américas se tornou crucial para o

Direito Internacional por tratar de direitos humanos. Os trabalhadores que se

apresentam nessa condição geralmente sofrem por baixos salários e ocuparem

postos de trabalho que oferecem alto risco. E acabam enfrentando o não

cumprimento do pagamento de salários, discriminação no local de trabalho,

condições degradantes de trabalho, bem como repressão anti-sindical.

As atenções têm, portanto, se voltado, aos direitos trabalhistas dos migrantes,

em primeiro de julho de 2003 entrou em vigor a Convenção sobre a Proteção dos

Direitos de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias. Vários

Estados ratificaram o tratado.

Portanto, a observância dos direitos deve ser observada não apenas pelos

Estados, mas deve-se fiscalizar e atentar para os atos de todos os envolvidos, sejam

migrantes ou nacionais, pois qualquer discriminação ou violação fere o que há de

mais importante, os direitos humanos, e assim a Corte Interamericana já se

manifestou, demonstrando a importância e essencialidade desses direitos. 39 Caso Condição Jurídica e direitos dos migrantes sem documentos, opinião consultiva OC-18/03, de 17 de setembro de 2003, solicitados pelo México. Disponível no site www.cidh.org.br . Acesso em 12 de janeiro de 2009. 40 De acordo com o the U.S. Census Bureau, há mais de 31 milhões de imigrantes vivendo nos Estados Unidos. Estima-se ainda que 8,2 milhões desses imigrantes não têm documentos, e 60 por cento dos imigrantes ilegais são mexicanos.

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5 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

5.1 A formação da Organização Internacional do Trab alho (OIT)

A conscientização de parte da população das possibilidades de exploração

em caso de ausência de normas trabalhistas, concomitantemente com a

necessidade de se regular o desenvolvimento econômico para não se pautar na

produção sem controle e sem direitos, deixando grande parte dos trabalhadores a

mercê de qualquer benefício, num dilema de confrontar com a classe empregadora a

qualquer momento, levou uma conferência realizada em Berlim, em 1890, a encarar

a questão diante da preocupação social emergente à época. Houve a participação

de representantes de 14 Estados, convocados posteriormente para uma segunda

conferência em Bruxelas em 1897 e novamente em Paris, em 1900, quando, então,

deu-se a criação da Associação Internacional para a Proteção dos Trabalhadores,

parte da Repartição Internacional do Trabalho, cujo objetivo era a reunião de

documentação pertinente, para tradução e publicação da legislação social dos

diversos Estados, o que, portanto, levaria a uma possibilidade de comparação e

evolução para os mesmos.

Seguindo a mesma linha de preocupação social, em 1906, numa conferência

em Berna, uma importante Convenção foi aprovada, com proibição do trabalho

feminino noturno. Tal conjuntura refletiu a expectativa da opinião pública, que

contava, ainda, com grande luta de sindicatos, reivindicando diversos direitos:

Em vésperas da I Grande Guerra os esforços da Associação Internacional para a Proteção dos Trabalhadores estavam em vias de concretizar-se mediante a conclusão de diversas convenções de grande alcance social, nomeadamente a relativa à duração máxima do trabalho das mulheres e crianças (que então se pretendia reduzir para 10 horas). (CAMPOS, 199, p.388)

Se antes mesmo da I Guerra Mundial já existia um campo propício à

formação de normas trabalhistas para conter a fúria econômica desejosa de lucros

exorbitantes em detrimento da exploração do trabalho, com o fim do conflito a

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pressão social ganhou mais força, e, num estímulo que mais pareceu, inicialmente,

uma tentativa de purificação moral e mútua compreensão.

Instalou-se em 1919 a Conferência de Paz, no Palácio de Versailles,

composta, inclusive, por uma “Comissão de Legislação Internacional do Trabalho”, à

qual competia o estudo preliminar de uma regulamentação internacional do trabalho,

para criar uma organização que pudesse facilitar a ação conjunta em assuntos

relativos a condições de trabalho. A contribuição dada por tal comissão foi de grande

valia para a conclusão do Tratado de Versailles, que trouxe, na Parte XIII uma

organização permanente, a Organização Internacional do Trabalho, associada à

Sociedade das Nações.

A parte XIII do Tratado supramencionado trouxe uma organização que tem

em vista a promoção e harmonização dos direitos social-trabalhistas, fundada sobre

a base da justiça social, com vista à melhoria das condições concernentes ao

desenvolvimento digno do trabalho, como regulamentação das horas de trabalho,

fixação de uma duração máxima da jornada, luta contra o desemprego, garantia de

um salário que assegure condições dignas de vida, proteção dos trabalhadores

contra enfermidades, bem como proteção das crianças, adolescentes e mulheres e

afirmação da liberdade sindical e outras medidas correlatas. Medidas como

estabelecimento de padrões internacionais de condições de trabalho e bem-estar

figuram nas finalidades da OIT, o que fica expresso em suas convenções, ao

proporem aos Estados, ao aderirem, o compromisso de assegurar um padrão justo e

digno nas condições de trabalho.

Assim, a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919,

foi de fundamental importância à proteção do trabalhador, com diversas convenções

sendo aprovadas por uma centena de Estados, como será analisado posteriormente

neste trabalho.

Cada qual a seu modo, a OIT, a Liga das Nações e o desenvolvimento do

direito humanitário contribuíram para o processo de internacionalização dos direitos

humanos. Desde o estabelecimento de padrões globais mínimos para as condições

de trabalho no plano mundial, até a fixação de objetivos internacionais e

manutenção da paz e segurança internacional, conforme exposto por Flávia

Piovesan (2002).

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Para atingir tal fim utiliza-se de normas internacionais do trabalho, evoluindo,

inclusive, para incluir temas mais amplos de política social e direitos humanos e

civis.

O art. 427 do Tratado relacionou princípios fundamentais do Direito do

Trabalho e reconheceu a importância do bem-estar físico, moral e intelectual dos

trabalhadores industriários. Foi explicitada também a necessidade de não ignorar as

diferenças de clima, usos e costumes, de oportunidade econômica e de tradição

industrial, o que dificulta a instauração de uma ordem mundial uniforme das relações

de trabalho.

Os fatores que levaram a uma criação de tal grandeza representam uma

observância de princípios que foram, numa atitude de aceitação e ratificação da

Organização das Nações Unidas – ONU, consagrados, posteriormente, na Carta das

Nações Unidas, como os direitos fundamentais do homem, dignidade e valor do ser

humano.

Os fatores de internacionalização são de ordem humanitária (de tutela ao trabalho) e econômica, ligadas à necessidade de evitar ou dissuadir as práticas de competição internacional, que impliquem na redução dos patamares mínimos de condição de trabalho, que impeça os países com patamares mais baixos de proteção social de valerem-se dessa circunstância para competirem de forma mais vantajosa. (BARROS, 2007, p.111)

Conforme estatuído no Tratado de Versailles, a organização

intergovernamental foi constituída da seguinte maneira:

Conferência Internacional do Trabalho (Assembléia Geral), Conselho de Administração (direção colegiada) e Repartição (secretaria). O Conselho e a Conferência seriam integrados de representantes governamentais, patronais, e de trabalhadores, na proporção de dois para os primeiros e um para cada um dos demais, estabelecendo-se, assim, igual número de representantes oficiais e das classes produtoras. Competiria à Conferência aprovar projetos de Convenções e de Recomendações, sujeitos à ratificação posterior de cada país. Por outro lado, um sistema especial de controle, de que careciam os demais tratados internacionais, imporia a fiel aplicação dos instrumentos ratificados ou adotados pelos Estados-membros.(SUSSEKIND, 2000, p.105)

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) os trabalhos foram

praticamente suspensos, com transferência da sede temporariamente para Montreal,

no Canadá.

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Quando, em 1944, preparadas as bases da conferência do pós-guerra,

projetou-se a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual contaria em

seu quadro com um Conselho Econômico e Social, competente para buscar a

cooperação econômica e social no âmbito universal. Em tal momento a continuidade

dos trabalhos da OIT foi ameaçada, ante ao desaparecimento da Sociedade das

Nações e instituição de uma nova organização.

Entretanto, na Conferência de São Francisco, aproximadamente em 1945, foi

proposto pelos ingleses emendas às disposições do projeto no tocante à cooperação

econômica e social, com o intuito de admitir que as atribuições da ONU, nesse setor,

fossem executadas em colaboração com a OIT. A proposta culminou no artigo 57 da

Carta das Nações Unidas:

Art. 57 – 1. As várias entidades especializadas, criadas por acordos intergovernamentais e com amplas responsabilidades internacionais, definidas em seus instrumentos básicos, nos campos econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos, serão vinculadas às Nações Unidas, de conformidade com as disposições do artigo 63.(SALIBA, 2008, p.725)

Portanto, a criação da Organização Internacional do Trabalho se deu com o

Tratado de Versailles, também conhecido como Tratado de Paz, em 1919. E, com a

aprovação da Carta das Nações Unidas, em São Francisco, em 1945, a qual

culminou na criação da Organização das Nações Unidas – ONU, foi definitivamente

afirmada a personalidade jurídica própria da OIT, como pessoa jurídica de direito

público internacional, sendo apenas integrada à ONU, e não vinculada.

Diante da competência ratificada pela ONU dos órgãos preexistentes da OIT,

foi convocada pelo Conselho de Administração da Repartição Internacional do

Trabalho, em 1946, a Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho,

que elaborou a Declaração de Filadélfia, responsável pela Constituição da OIT, com

sua organização, funcionamento, atribuições, funções e limites de atuação

pormenorizadas de cada órgão.

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84

5.2 A competência da Organização Internacional do T rabalho

A Constituição da Organização Internacional do Trabalho traz, em seu

preâmbulo, os fins e objetivos da OIT, considerando que as medidas propostas

serviriam ao combate e diminuição do grande número de indivíduos que vivem na

miséria e privações, e que o descontentamento advindo dessa situação acarreta

desarmonia. Essas medidas versariam, então, sobre a regulamentação das horas de

trabalho, fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho,

recrutamento da mão-de-obra, luta contra o desemprego, garantia de um salário que

assegure condições dignas de existência, proteção das crianças, adolescentes e

mulheres, além da proteção quanto às enfermidades e acidentes do trabalho, com

defesa dos interesses dos trabalhadores, sempre respeitando o princípio da

igualdade de salário, liberdade sindical, organização do ensino profissional e técnico,

além de outras medidas que se demonstrem necessárias para a consecução das

explicitadas.

Sendo a OIT uma associação voluntária de Estados, característica essencial

à formação de qualquer organização internacional no direito internacional público,

conta com países signatários. Os critérios para admissões de Estados foram

elencados no art. 1° da Constituição da OIT, revist a em 1946:

Art. 1° - 1.(...) 2. Serão membros do Organização Internacional do Trabalho os Estados que já o eram a 1° de novembro de 1945, assim como quaisquer outros que o venham a ser, de acordo com os dispositivos dos parágrafos 3 e 4 do presente artigo. 3. Todo Estado-Membro das Nações Unidas, desde a criação desta instituição e todo Estado que for a ela admitido, na qualidade de Membro, de acordo com as disposições da Carta, por decisão da Assembléia Geral, podem tornar-se Membros da Organização Internacional do Trabalho, comunicando ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho que aceitou, integralmente as obrigações decorrentes da Constituição da Organização Internacional do Trabalho. (...) (SALIBA, 2008, p.725)

A regulamentação internacional do trabalho e as questões que lhe são

conexas são emanadas da OIT por meio de recomendações e convenções. A

competência para proferir tais normas é da Conferência Internacional do Trabalho,

sendo exigido, para tanto, dois terços de votos dos delegados presentes, conforme

estatui o art. 19, §2°, da Constituição da OIT. São proferidas também as resoluções,

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85

que se limitam a determinar que o tema examinado em primeira discussão seja

inserido na pauta de reunião subseqüente, para amadurecimento em uma segunda

e última discussão, e partindo daí para adoção do instrumento internacional. Para

esse tipo de medida é considerado suficiente para aprovação maioria simples, desde

que o total de votos não seja inferior à metade do número de delegados presentes à

respectiva reunião, previsto no art. 17, §3°, da Co nstituição da OIT.

Os delegados representam o Estado-membro, as organizações sindicais de

trabalhadores e as organizações de empregadores, de forma que os interesses

estatais e profissionais sejam respeitados.

A adoção desses instrumentos normativos está prevista na Constituição da

OIT, e ao aderir à Organização, voluntariamente e de forma soberana, o Estado está

se sujeitando aos efeitos previstos.

As normas consubstanciadas nas convenções e recomendações, quando

reunidas, são editadas e divulgadas num formato popularmente conhecido como

“Código Internacional do Trabalho”, as resoluções e outros documentos pertinentes

vêm como anexos neste instrumento.

É importante ressaltar que não se trata de um “Código” na acepção técnica do

termo, pois suas normas passam a integrar a legislação interna de cada Estado-

membro a partir do momento em que forem ratificadas as convenções e

transformadas em leis as recomendações.

Com a criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, a proteção do trabalhador assalariado passou também a ser objeto de uma regulação convencional entre os diferentes Estados. Até o início da 2ª Guerra Mundial, a OIT havia aprovado nada menos que 67 convenções internacionais, das quais apenas três não contaram com nenhuma ratificação por mais de uma centena de Estados, como a Convenção n.11, de 1921, sobre o direito de associação e de coalizão dos trabalhadores agrícolas (113 ratificações); a Convenção n.14, de 1921, sobre descanso semanal nas empresas industriais (112 ratificações); a Convenção n.19, de 1925, sobre igualdade de tratamento entre trabalhadores estrangeiros e nacionais em matéria de indenização por acidentes do trabalho (113 ratificações); a Convenção n.26, de 1928, sobre métodos para fixação de salários mínimos (101 ratificações); e a Convenção n.29, de 1930, sobre trabalho forçado ou obrigatório (134 ratificações). (COMPARATO, 2003, p.55)

Há uma diferença marcante e de extrema importância para os trabalhadores

de cada Estado-membro entre recomendações e convenções.

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As recomendações, apesar de terem o mesmo quorum de aprovação das

Convenções, se referem aos assuntos que tenham parte ou inteiro conteúdo que

impeçam a adoção imediata de uma convenção, e, por isso, apresentam uma força

de exigência da execução nos Estados bem menor do que as Convenções. Os

temas tratados poderão até chegar a serem tratados em forma de Convenção

posteriormente, mas enquanto mera recomendação somente têm efeito de

inspiração e modelo para a atividade legislativa de cada Estado, podendo ser

utilizadas, caso as partes achem viável, nos atos administrativos de natureza

regulamentar, nos instrumentos da negociação coletiva e nos laudos de arbitragem

voluntária ou compulsória dos conflitos de interesse, inclusive nas decisões dos

tribunais do trabalho dotados de poder normativo.

Quanto à matéria as recomendações e as convenções não ratificadas não se

distinguem das convenções, mas quanto aos efeitos jurídicos apresentam grande

disparidade. As recomendações e as convenções não ratificadas, consideradas

fonte material do direito, devem ser submetidas à autoridade competente para que

possa legislar sobre a matéria tratada, mas cabe a ela decidir a viabilidade de tal

decisão.

Já as convenções, no momento em que são ratificadas, são consideradas

fonte formal de direito, pois a sua ratificação implica na submissão daquele Estado-

membro à matéria tratada naquela determinada convenção. Geram-se direitos

subjetivos individuais.

As convenções constituem tratados multilaterais, abertos à ratificação dos Estados-membros, que, uma vez ratificadas, integram a respectiva legislação nacional. Já as recomendações se destinam a sugerir normas que podem ser adotadas por qualquer das fontes diretas ou autônomas do Direito do Trabalho, embora visem, basicamente, ao legislador de cada um dos países vinculados à OIT. Em relação aos dois instrumentos há, contudo, uma obrigação comum: devem ser submetidas à autoridade competente para aprovar a ratificação da convenção ou para adotar as normas constantes da recomendação. A obrigação, no entanto, é de natureza formal, porquanto essa autoridade é soberana na deliberação que julgar conveniente tomar, tendo em vista os interesses do país. (SUSSEKIND, 2000, p.182)

As resoluções já têm um caráter de sugestão para os organismos

internacionais ou governos nacionais adotarem as medidas nelas preconizadas, mas

não criam qualquer obrigação formal.

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A incorporação ao direito interno de cada país é dada de diversas maneiras, a

recepção da norma convencional internacional depende do disposto no

ordenamento jurídico do Estado, como salientado anteriormente, entretanto, todos

devem respeitar o princípio da boa-fé e pacta sunt servanda, independentemente da

prevalência da ordem interna sobre a ordem internacional ou vice-versa.

As Convenções da OIT se materializam na legislação interna de cada Estado,

mas uma vez ratificada deve ser cumprida, com, inclusive, controle por parte da

própria OIT.

A criação de organizações internacionais permanentes é uma forma de

garantir a execução dos tratados, apesar de não ser infalível. Assim sendo, a OIT,

ao demonstrar sua solidez e determinação, é uma das organizações que conseguem

lograr maior êxito no tocante à aplicação e controle das convenções elaboradas em

seu seio:

De todas as organizações universais, a O.I.T. foi certamente, com excepção do caso, muito particular das convenções de desarmamento, a que pôs em acção os processos mais aperfeiçoados de controlo e aplicação das convenções elaboradas sob os seus auspícios.(DINH, PELLET, DAILLIER, 2003, p.231)

São exigidos relatórios anuais sobre a aplicação das convenções, com

exames recorrentes de peritos e também de um comitê. E, ainda, os delegados de

Estados parte da convenção podem apresentar queixa à Conferência geral ou ao

Conselho de Administração, ao qual é permitido solicitar uma comissão de inquérito

que pode estabelecer fatos e fazer recomendações através de um relatório público.

Finda tal medida facultam-se aos governos dos Estados interessados aceitarem ou

recorrerem ao T.J.I., num prazo de três meses. No caso do Estado não cumprir ou

desrespeitar as medidas para execução das convenções, fica sujeito à suspensão

ou expulsão da Organização Internacional do Trabalho.

Os artigos 22 a 28 da Declaração de Filadélfia demonstram o procedimento a

ser utilizado em caso de descumprimento ou desrespeito dos instrumentos.

No Direito Internacional do Trabalho predominam as convenções com normas

mais gerais, com tratamento mais abrangente e abstrata, deixando a cargo da

legislação interna a adoção da norma específica e protetora.

Várias convenções influenciaram diretamente a legislação brasileira,

principalmente no tocante ao trabalho da mulher, do menor, dos descansos e do

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salário, dos direitos sindicais, como se observa quando analisado os textos das

Convenções n° 3 e 103, sobre a proteção à maternida de; Convenção n° 4, 41, e 89,

que tratam do trabalho noturno da mulher; Convenções n° 100 e 111, sobre

igualdade de salário e oportunidades entre homem e mulher; Convenções n° 5, 6, 7

e 16, sobre menores; Convenções n° 11 e 98, sobre l iberdade sindical; Convenções

n° 14 e 106, sobre descanso semanal; Convenções n° 52, 91 e 101, sobre férias e

Convenções n° 26, 95 e 99, sobre métodos de fixação de salário mínimo e proteção

ao salário, entre outras.

Apesar do reconhecimento da importância das convenções na jurisprudência,

ainda é necessária uma maior divulgação da importância da atuação da OIT, e seus

instrumentos normativos, como favorecem os cidadãos dos Estados-membros,

devendo ser observadas com maior freqüência, e vistas como uma possibilidade de

cobrar a utilização e feitura das leis internas para implemento de tais instrumentos

emanados de uma organização da qual o Brasil é parte.

Em 1998, a Conferência Internacional do Trabalho, através da Declaração

dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, enunciou

que todos os Membros da OIT, mesmo que não tenham ratificado as convenções,

pelo simples fato de serem membros, assumiram desde então o compromisso com a

Organização de respeitar, promover e realizar, de boa fé e em conformidade com a

Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas

convenções, enumerando-os como os seguintes:

a) a liberdade de associação e o efetivo reconhecimento do direito de negociação

coletiva;

b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;

c) a abolição efetiva do trabalho infantil;

d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e função.

Anualmente, a OIT apresenta seu Relatório Global como parte dos

mecanismos de seguimento da Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos

fundamentais do trabalho. Cada relatório está dedicado a um dos temas que fazem

parte dessa declaração: liberdade sindical e negociação coletiva, erradicação do

trabalho infantil e do trabalho escravo, e eliminação da discriminação.

Ressalta-se, portanto, que a Organização Internacional do Trabalho é um foro

privilegiado das discussões trabalhistas, uma das instituições internacionais

responsáveis pela internacionalização do sistema de proteção dos direitos humanos,

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no plano internacional, definiu o atual papel das normas internacionais do trabalho, e

propôs, em 1998, uma Declaração relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais

no Trabalho, como uma plataforma social mínima de âmbito mundial. A declaração

vinculou expressamente a discussão das normas trabalhistas aos direitos humanos,

e enfatizou a existência de padrões mínimos de trabalho decente, trabalho digno, no

mundo. Dado seu caráter positivado, a declaração não apresenta apenas exigências

morais, mas reafirma direitos básicos que passam a fazer parte dos ordenamentos

jurídicos nacionais. Isso pelo fato de que os Estados nacionais que participam da

OIT se obrigam a respeitar e seguir os princípios da Constituição da OIT ampliados

ou reformulados em termos de direitos humanos, pela Declaração relativa aos

Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. (BARZOTTO, 2007, p.12)

5.3 A Organização Internacional do Trabalho e as em presas transnacionais

A Organização Internacional do Trabalho realiza um trabalho mundial de

conscientização e normatização no que tange aos direitos humanos, mais

especificamente aos direitos sociais. Agregam-se governos, empregados e

empregadores, entre eles as Empresas Transnacionais, para elaboração e

discussão dos assuntos pertinentes, com estabelecimento de objetivos estratégicos

para a promoção e realização dos padrões normativos e princípios fundamentais

relacionados ao trabalho, com discussão de maiores oportunidades de emprego

decente e com remuneração justa, e visa-se, inclusive, uma ampliação e efetividade

da proteção social para os envolvidos.

A estrutura tripartite da OIT, com empregados, empregadores e governos,

possibilita uma diversificação de visões e discussão de interesses até mesmo

opostos.

Em 1977 foi aprovada na OIT a Declaração Tripartite sobre Princípios

Empresas Multinacionais e a Política Social, a qual foi posteriormente revisada e

adotada pelo Conselho de Administração da Secretaria Internacional do Trabalho, e

cujos propósitos refletiram os anseios da instituição na década de 60, para

coordenar princípios direcionados às empresas transnacionais no que é pertinente

às relações trabalhistas entre empregados e empregadores. De acordo com o

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preâmbulo da própria declaração as medidas adotadas foram feitas após

solicitações das comissões de indústria e conferências regionais, bem como

solicitado pela Conferência Internacional do Trabalho.41

A importância dessa modalidade de empresa nos países é reconhecida no

próprio documento42, tanto na questão econômica interna quanto externa, para

exportação, além do interesse que representa para os governos, pois gera

empregos e renda para o país. Mas não deixa de ser importante para os

trabalhadores, pois no local de instalação dessas empresas, muitas vezes, são elas

responsáveis por políticas de promoção de bem-estar econômico e social,

incremento do nível de vida para satisfação das necessidades básicas, além da

criação de empregos.

41 Conforme exposto no preâmbulo da Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social – OIT (2000), “o Conselho de Administração da Secretaria Internacional do Trabalho, considerando que a Organização Internacional do Trabalho vem, há muitos anos, ocupando-se de questões sociais relacionadas com atividades das empresas transnacionais; considerando, especialmente, que desde os meados dos anos 60, várias comissões de indústria e conferências regionais, como também a Conferência Internacional do Trabalho, vêm solicitando ao Conselho de Administração a adoção de medidas adequadas no âmbito das empresas transnacionais e da política social...” 42 O primeiro parágrafo da Declaração Tripartite de Princípio Sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT coloca o seguinte:“As empresas transnacionais desempenham papel muito importante nas economias da maior parte dos países e nas relações econômicas internacionais, de crescente interesse para os governos, assim como para empregadores e trabalhadores e suas respectivas organizações. Essas empresas, mediante investimentos internacionais diretos e por outros meios, podem carrear vantagens substanciais tanto para os países sede como para os papéis que as acolhem, contribuindo para uma utilização mais eficiente do capital, tecnologia e do trabalho. No âmbito das políticas de desenvolvimento instauradas pelos governos, essas empresas podem, também, contribuir amplamente para a promoção do bem-estar econômico e social; para a melhoria do nível de vida e para a satisfação das necessidades básicas; para a criação direta ou indireta de oportunidades de emprego e para a promoção, em todo o mundo, dos direitos fundamentais do homem, inclusive a liberdade sindical. Por outro lado, porém, os progressos realizados pelas empresas transnacionais de suas operações que transcendem o âmbito nacional, podem conduzir a uma concentração abusiva de poder econômico e conflitar com objetivos da política nacional e com os interesses dos trabalhadores. A complexidade dessas empresas e a dificuldade de se entender claramente suas estruturas, operações e planejamento são também motivo de preocupações para o país que as acolhe, para o país de origem, ou para ambos”

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6 CÓDIGOS DE CONDUTA

À medida que a comunidade internacional amplia o comércio, desenvolve as

relações econômicas e financeiras, vem à tona a necessidade de uma

regulamentação para os problemas comerciais e monetários surgidos para o então

desejado desenvolvimento econômico.

O estabelecimento de uma ordem econômica mundial, com regras e limites,

principalmente a adoção de regras que garantam a concorrência econômica

internacional é essencial até para manutenção da paz, para garantia de uma

segurança internacional.

Os objetivos de um empreendimento vêm se consolidando no sentido de não

apenas lograr êxito nos negócios, mas esses só são considerados quando

analisados um conjunto de fatores, dentre eles a realização do homem nos

empreendimentos. O lucro pode ser considerado a realização material da empresa,

mas princípios que colocam a dignidade humana e a promoção do bem comum vêm

sendo considerados um dos principais focos para que o empreendimento alcance os

objetivos.

A tendência, ou melhor, exigência crescente entre os consumidores é que se

busque um equilíbrio econômico, trabalhista e de relações humanas em geral, com o

intuito de promoção do homem. A manutenção do pleno emprego faz com que a

marca seja respeitada perante consumidores e organizações não-governamentais,

considerado também a importância de não destruir ou prejudicar o meio-ambiente.

As exigências dos compradores, consumidores nacionais e internacionais,

vêm aumentando, chegando a serem exigidos, inclusive, utilização de madeiras

certificadas, se há emprego de mão de obra infantil ou escrava na fabricação, ou se

há dano ou meio-ambiente.

Portanto, com os recentes acontecimentos de violações de direitos humanos,

a facilidade de comunicação e transmissão de dados vindas com a globalização, e a

expansão de empresas transnacionais levou o direito internacional a diversificar os

seus objetivos, colocando em pauta a proteção dos direitos do homem, do ambiente,

dos recursos minerais e também exigências para um desenvolvimento econômico.

Tantas modificações trouxeram a necessidade de um sistema dinâmico e que

concilie interesses antagônicos, como os da sociedade e os das empresas

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transnacionais, e nesse contexto surgem princípios que se aplicam à ordem

econômica, os quais se aplicarão às regulamentações convencionais, mas é

necessário a adaptação à realidade de cada Estado, de cada situação, são normas

maleáveis e mais fluidas, de preferência redigidas no condicional, com descrição de

objetivos desejáveis, e, por isso recorre-se a instrumentos jurídicos que ainda são

considerados pouco vinculativos, como as recomendações das organizações

internacionais, acordos informais, compromissos sob condição e códigos de

conduta, o que leva, então, à possibilidade de cooperação entre os Estados com

manutenção da soberania. (DINH; PELLET; DAILLIER, 2003).

E nessa ausência de um sistema global efetivo de regulamentação das

atividades das empresas, bem como das relações empregatícias nos diversos

Estados, ONG’s, uniões de comércio e até mesmo consumidores têm exigido de

corporações desenvolverem sues próprios códigos de conduta, além de uma

variedade de mecanismos para monitorar e fiscalizar a utilização desses.

Vários organismos internacionais têm se empenhado em firmarem um compromisso, formulando os chamados códigos de conduta, de natureza recomendatória, por exemplo, a Câmara de Comércio Internacional, da Organização Internacional do Trabalho e da OCDE.(MALANCZUK, 1997, p.103)43

Os códigos de conduta devem ser elaborados pelas empresas

voluntariamente, seja por influência de um senso de responsabilidade social seja

para maior efetividade. E, diante de julgamentos nos Estados nacionais onde essas

empresas encontram-se instaladas, se considerados a responsabilidade e

ressarcimento, através de indenização ou até mesmo reabilitação pelo dano

causado, com os códigos de conduta há possibilidade de embasamento e

providências considerados os princípios e atitudes priorizadas pela empresa,

consistindo, então, em julgamentos mais justos e adequados.

Alguns autores chegam inclusive a vislumbrar a obrigatoriedade dos códigos

de conduta, e como salienta NASSER (2005, p.135) eles “podem consistir em

instrumentos concertados diretamente pelos Estados”, mas também podem ser

43 Tradução livre da autora para o trecho: “Various international bodies have been engaged in finding a compromise by forlumating so-called codes of conduct of a recommendatory nature, for example the International Chamber of Commerce, the International Labour Organization and the OECD.” (MALANCZUK, 1997, p.103)

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elaborados nas organizações internacionais, ou seja, “eles podem visar as ações

dos Estados ou tentar tutelar o comportamento econômico de entes privados”.

Diferença marcante entre os códigos de conduta e outros documentos não

obrigatórios consiste em dirigirem-se aqueles tanto aos Estados quanto às

sociedades transnacionais.

Existem duas maneiras que podem levar uma corporação a respeitarem

devidamente os direitos humanos: pela fidelidade com as leis nacionais e

internacionais, e voluntariamente pela adoção de códigos de conduta e auto-

regulação. Existe um grande número de vantagens potenciais com a aproximação

legal.

Esses códigos internacionais podem estabelecer padrões mínimos, mas

fundamentais, coerentes com os princípios universais, como respeito aos direitos

humanos e dignidade humana, sem, entretanto, deixar de permitir a atuação das

empresas transnacionais.

Essas empresas transnacionais não poderiam ser signatárias de um tratado

internacional que as compromissasse ao cumprimento de normas, pois não são

consideradas sujeitos de direito internacional, e não são elencadas como possíveis

partes nas Convenções de Viena, mas tendo em vista a necessidade de evolução do

Direito Internacional dos Direitos Humanos, cria-se a possibilidade de

reconhecimento de novas formas de regulamentação que têm como foco o indivíduo.

6.1 O projeto de Código de Conduta das Nações Unida s para as empresas transnacionais

A necessidade de conciliação de interesses das empresas transnacionais e

dos países, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento, faz com que seja

necessária e até mesmo desejável uma regulamentação internacional.

As carências dos países se diferenciam, enquanto os países desenvolvidos

pleiteiam principalmente o estabelecimento de condições de igualdade de

concorrência e a criação de uma regulamentação específica fundada no Direito

Internacional, em substituição às legislações locais, com estabelecimento de direitos

e deveres, os países ditos em desenvolvimento visam apenas limitar os exageros

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cometidos pelas empresas transnacionais, compensando as desigualdades

existentes entre as empresas locais e aquelas, regulando apenas as obrigações das

empresas.

Os trabalhadores de países desenvolvidos não querem ver seus direitos,

alcançados com lutas sociais que duraram anos, serem derrocados por uma

concorrência desleal, e por isso fazem manifestações e reivindicações para que haja

uma maior exigência quanto às normas trabalhistas e sociais nos países em

desenvolvimento, para evitar que as empresas se desloquem para se beneficiar da

pouca regulamentação em Estados nessa condição.

Quanto às empresas transnacionais, o interesse de uma legislação única se

faz no momento em que, diante de um ambiente competitivo, melhor um sistema

com uniformidade de controles e de regulamentação, para que os concorrentes

sejam submetidos às mesmas condições. Assim, independente da nacionalidade ou

origem da empresa, com regulamentação única e específica a livre concorrência

floresce, com extinção dos privilégios que a viciam.

Além da instabilidade de normas internas dos Estados, que sofrem

modificações mais aceleradamente do que normas internacionais, as empresas,

enquanto em território de um ou outro Estado fica submetida às crises internas,

pressão da população, pressão do governo para vantagens, políticas momentâneas

e lobbies, além da fiscalização levada a efeito por Organizações não

governamentais (ONG’s), que acentuam as condições das relações de trabalho e

questões ambientais.

Assim, apesar das posições diferenciadas de cada setor, foi iniciada a

elaboração de um código de conduta para as empresas transnacionais no seio da

ONU. Os Estados Unidos, atendendo ao apelo dos trabalhadores, apreensivos por

verem que as grandes empresas poderiam deixar o Estado em busca de condições

menos exigentes, com um custo mais baixo de produção, foram os precursores em

tal iniciativa, e seguido por vários outros que demonstraram inicialmente a mesma

vontade. Redigiu-se um documento, através da Comissão das Empresas

Transnacionais das Nações Unidas, que compreende seis partes, e se assemelha

realmente a um código, com preâmbulo e objetivos; definições e campo de

aplicação; atividades das empresas transnacionais; tratamento jurídico das

empresas transnacionais; cooperação intergovernamental; aplicação do código de

conduta (vide anexo).

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O código pede que a empresa dê o mesmo tratamento para seus funcionários

nas filiais que o que recebem os trabalhadores no país de origem da empresa. A

ONU pede que o trabalho forçado ou de crianças seja eliminado e que os

funcionários ganhem um salário digno e que dê garantias de um nível de vida

adequado. No que se refere ao respeito pela soberania de um país, a ONU indica

que as empresas devem respeitar os objetivos de desenvolvimento adotados por um

governo e suas políticas sociais. Segundo o código as empresas devem “ampliar as

oportunidades econômicas” nos países em desenvolvimento onde estejam atuando.

Em assuntos como definição das empresas transnacionais, equilíbrio do

código de conduta quanto aos limites de atuação e regulamentação, enquanto uns

países defendiam que deveriam ser definidos apenas os deveres das empresas,

outros defendiam que melhor era serem especificados os direitos dos Estados

hospedeiros em relação às empresas instaladas, e, ainda, no tocante à referência do

Direito Internacional não há um consenso, pois, alguns dão preferência à soberania

dos Estados para proceder às alterações na legislação quando acharem

convenientes, enquanto outros consideram que melhor seria a utilização de uma

ordem jurídica internacional, que necessita de consentimento dos Estados para se

proceder a qualquer alteração, diferentemente da ordem interna.

Portanto, pontos controversos dificultam as negociações, a diversidade de

interesses fez com que fosse paralisado um projeto de tamanha magnitude, e, não

havendo consentimento dos Estados, se torna quase impossível que esse código se

torne um tratado nos termos da Convenção de Viena de 1969, mas ainda é possível

que, desde que aprovado e ratificado pela Assembléia Geral da ONU, seja

equiparado a uma Recomendação, na categoria de soft law.

A qualificação de determinados instrumentos, que não seriam comumente considerados fontes do direito internacional, como pertencentes ao universo da soft law, indica, sobretudo, que na visão de alguns observadores eles criariam algum quantum de normatividade jurídica. (NASSER, 2005, p.115)

Os “instrumentos de soft law”, concertados ou unilaterais, tais como as

resoluções e também as decisões de organizações internacionais, são normativos

no sentido mais amplo do termo, e influenciam os comportamentos e as condutas

dos elementos da sociedade internacional.

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O caráter normativo,nessa acepção genérica do termo, é dado pelo conteúdo, o qual, através das descrições, princípios, regras ou exortações que carrega, demonstra a pretensão de regular os comportamentos e indica em que sentido e grau se pretende operar essa regulação – apontando os destinatários, objetivos e princípios diretores –, além de revelar os valores que se tem intenção de preservar, proteger ou fazer avançar.(NASSER, 2005, p.115)

Um dos objetivos desses instrumentos é orientar os comportamentos dos

Estados em áreas que ainda contam com incertezas científicas, factuais ou até

mesmo com resistência política. Avança-se numa harmonização dos direitos internos

em determinadas áreas para alcançar o objetivo final que consiste na regulação tão

uniforme quanto possível, através dos direitos internos, dos fenômenos

transnacionais.

Apesar de existirem outras iniciativas sobre o comportamento das empresas

Transnacionais, ou multinacionais, como a da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE), Orientações para as Empresas

Multinacionais, bem como a Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas

Multinacionais e Política Social na Organização Internacional do Trabalho, o projeto

elaborado na ONU foi o mais preciso para regulamentação das relações das

transnacionais.

Um outro programa que também atende a esses propósitos é o Global

Compact44, de estratégia política que visa alinhar dez princípios considerados

universais nas áreas de direitos humanos, desenvolvimento do ambiente de trabalho

e anti-corrupção. E, ao considerarem que, na globalização, os negócios são

importante direcionador, o programa tenta assegurar que os proveitos econômicos, 44 Disponível no site oficial do Programa <http://www.unglobalcompact.org/>. Acesso em dia 25 de novembro de 2008. “On 5 December 2007, the UN General Assembly renewed and expanded the mandate of the Global Compact Office, the UN office that supports the initiative, in its Resolution "Towards Global Partnerships" (A/RES/62/211). Among other things, this Resolution recognized the importance of voluntary initiatives and partnerships toward the achievement of internationally agreed development goals, including the Millennium Development Goals. The Resolution "encourages the activities of the United Nations Global Compact as an innovative public-private partnership to advance United Nations values and responsible business practices within the United Nations system and among the global business community". Tradução livre da autora para o trecho: “Em 5 de dezembro de 2007, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas renovou e expandiu o mandato do programa “Global Compact”, o escritório das Nações Unidas que apóia a iniciativa proferiu através da Resolução “Em rumo a parcerias globais” (A/RES/62/211). Entre outras coisas, a resolução reconheceu a importância das iniciativas voluntárias e parceiros que se direcionem ao alcance e desenvolvimento dos objetivos, incluindo os objetivos de desenvolvimento do milênio. A Resolução encoraja as atividades do programa Global Compact como uma iniciativa inovadora para uma parceria pública-privada para o avanço dos valores das Organizações das Nações Unidas (ONU) e das práticas comerciais responsáveis dentro do sistema das ONU na comunidade comercial global.”

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com mercado, comércio, tecnologia e vantagens financeiras, serão aproveitados de

forma a serem revertidos à sociedade, conciliando então os interesses das

empresas com os direitos humanos. O programa, que recebe apoio da Assembléia

Geral das Nações Unidas, e tem o reconhecimento de vários Estados, incluindo os

Estados que integram o G-8 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Canadá, França,

Itália, Reino Unido e Rússia), envolve também governos, organizações

internacionais e empresas, as quais recebem apoio e incumbência de aceitar, apoiar

e seguir, dentro de sua esfera de influência uma série de valores na área de direitos

humanos, critérios trabalhistas e anti-corrupção.

Entre os princípios do programa são elencados45 a proteção e defesa

internacional dos direitos humanos, a certeza da não cumplicidade dessas empresas

em envolvimento de violações de direitos humanos, além dos critérios trabalhistas

como liberdade de associação e efetivo reconhecimento da negociação coletiva,

bem como eliminação de todas as formas forçadas e compulsórias de trabalho,

abolição do trabalho infantil e da discriminação no que diz respeito ao emprego e

ocupação, princípios coincidentes com os da Organização Internacional do Trabalho.

45 Retirado do site http://www.unglobalcompact.org/ , dia 25 de novembro de 2008, o qual elenca como princípios: Human Rights Principle 1: Businesses should support and respect the protection of internationally proclaimed human rights; and Principle 2: make sure that they are not complicit in human rights abuses. Labour Standards Principle 3: Businesses should uphold the freedom of association and the effective recognition of the right to collective bargaining; Principle 4: the elimination of all forms of forced and compulsory labour; Principle 5: the effective abolition of child labour; and Principle 6: the elimination of discrimination in respect of employment and occupation.

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Fonte: http:// www.ethos.org.br/ _Uniethos (2004)

O intuito do programa é a integração e aplicação dos princípios em projetos e

atividades empresariais, pelas empresas, em âmbito mundial, em benefício da

população mundial. Foi uma iniciativa voluntária que reúne empresas, organizações

da sociedade civil e a ONU.

Apesar da importância do Global Compact, o projeto feito na ONU ainda é

considerado o mais completo, com maior riqueza de detalhes. Além do mais, o

Global Compact não esboçou qualquer mecanismo de implementação, sendo

baseado em puro voluntarismo. Alguns observadores acreditam que os projetos

poderiam, de fato, se complementarem-se mutuamente, pois o pacto serviria como

um fórum para o diálogo, experimentação e aprendizagem, até para difundir e

promover eventuais normas de um código de conduta.

Esse projeto constitui, enfim, um útil instrumento, auxiliando inclusive para

consultas e direcionamento no âmbito das Nações Unidas para o campo da

responsabilidade corporativa internacional. Representam ainda um progresso na

resolução do problema da responsabilidade corporativa.

Entretanto, o projeto no âmbito da ONU, com delimitações no tocante à

atuação de empresas transnacionais, com relevância ao atendimento dos direitos

humanos e respeito aos direitos sociais, foi postergado, dando-se preferência a

outros projetos.

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6.2 Importância das ONG’s na elaboração de Códigos de Conduta

A globalização facilitou a difusão de Organizações Não-governamentais

(ONG’s), que apresentam um papel altamente relevante, se ocupando de temas e

objetivos dos mais diversos, como por exemplo, tornar ilegal a bigamia, alterar leis

de sucessão, permitindo que as mulheres herdem, erradicar a circuncisão feminina e

algumas se concentram em questões globais, como a economia.

Entre as ONGs focadas na globalização estão o Instituto de Política Econômica de Washington, que se ocupa das preocupações dos sindicatos trabalhistas americanos e europeus de que o comércio com países pobres esteja causando pobreza nos países ricos por reduzir salários de trabalhadores não-qualificados; a super bem-sucedida Sierra Club, que se concentra nos efeitos da globalização sobre o meio-ambiente; o grupo de Ralph Nader, Public Citizen, que tem sido incansável em seus protestos contra a globalização e denunciou a OMC e o Fórum Internacional sobre Globalização, nos Estados Unidos. (BHAGWATI, 2004, p.40)

Outras ONG’s são fundamentais para exigência de cumprimento de direitos,

respeito à convenções firmadas e direitos humanos, como a Human Watch Rights.

Essas instituições muitas vezes criticam veemente determinadas práticas

econômicas, ressaltando a importância da questão social, e rechaçando o intuito

lucrativo das empresas sem se importarem com as pessoas à sua volta, por isso,

acabam sendo importantes para exigência de condutas éticas e respeito aos direitos

humanos, o que fazem através de protestos, manifestações e campanhas para

sensibilização da opinião pública.

Os anos 1970 também foram uma década em que os direitos humanos das organizações não-governamentais (ONGs), associações privadas que se envolvem na atividade política, emergiram como uma importante força política internacional, como reconhecido pela atribuição do Prêmio Nobel da Paz para a Anistia Internacional, em 1977. Esses grupos normalmente agem como defensores das vítimas de violações dos direitos humanos e fazem lobby para que se modifiquem as práticas dos Estados e das organizações internacionais. (DONNELLY, 1993, p.13)46

46 Tradução livre da autora para o trecho: “The 1970s was also the decade in which human rights nongovernmental organizations (NGOs), private associations that engage in political activity, emerged as a notable international political force, as symbolized by the award of the Nobel Peace Prize to Amnesty International in 1977. Such groups typically act as advocates for victims of human rights violations and lobbying to alter the practices of states and international organizations. (DONNELLY, 1993, p.13)”

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Através das exigências e da sensibilização pública, num exercício de

responsabilidade social, as ONG’s cobram compromissos sobre condições de

trabalho, comercialização de produtos produzidos por crianças e pessoas reduzidas

à condição de escravos, além de demonstrarem as empresas que desrespeitam o

meio ambiente. A ascensão desses grupos sem fins lucrativos reflete o crescimento

do ativismo altruísta em prol de reformas de cunho beneficente ou social, e a

comunicação via e-mail e Internet facilitou muito mais a organização coordenada da

participação civil do que, como antes, nos anos 30 e 40, época em que Mahatma

Gandhi organizou o movimento de participação civil. Mas é importante salientar que

a tecnologia foi apenas um instrumento facilitador, mas a mudança nos valores e

princípios morais que foi o cerne para formação e expansão desse tipo de

organização.

(...) desenvolvimento de movimentos sociais transnacionais com claros objetivos regionais ou globais, como a proteção dos recursos naturais e do meio ambiente e a redução das doenças, da insalubridade, da pobreza (Ekins, 1992). Grupos como os Amigos da Terra e o Greenpeace derivaram parte de seu sucesso, precisamente, de sua capacidade de mostrar a interligação, nas diferentes nações e regiões, dos problemas que procuram abordar. Além disso, a constelação de agentes, órgãos e instituições – desde as organizações políticas locais até a ONU – que se orientam para as questões internacionais e transnacionais é citada como uma prova adicional de uma crescente consciência política global. Por fim, o compromisso com os direitos humanos, como algo indispensável à dignidade e à integridade de todos os povos – direitos enraizados nas leis internacionais e defendidos por grupos transnacionais como a Anistia Internacional – , é tido como uma confirmação adicional da “consciência global” emergente. Esses fatores, afirma-se ainda, representam as bases culturais de uma “sociedade civil global” incipiente (Falk, 1995b; Kaldor, 1998). (HELD, 2001, p.47)

A questão central para atuação dessas organizações é a conciliação entre os

interesses das empresas transnacionais na área econômica e financeira com

respeito aos direitos do homem, e para isso questionam, inclusive, quais os

programas desenvolvidos pelas empresas para garantia dos direitos civis, políticos,

sociais e culturais, que visem à redução da pobreza e respeito aos direitos do

trabalho, de modo a impedir a exploração. A conduta e pressão das ONG’s acaba

levando as empresas transnacionais a adotarem códigos de conduta, ainda que de

modo tímido, nas suas filiais.

Uma das grandes atuações das ONG’s é que conseguem ouvir a população,

conhecer as violações e, então, denunciá-las, seja internamente, buscando a justiça

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estatal, ou nos órgãos internacionais apropriados. Com essa atuação de ouvintes da

população, contribuem na elaboração dos códigos de conduta e também na

fiscalização na aplicação desses.

6.3 Declaração e as decisões da OCDE sobre investim ento internacional e as

empresas multinacionais

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)47,

de 1961, foi a sucessora da Organização para a Cooperação Econômica Européia,

criada após a Segunda Guerra Mundial para organizar a ajuda norte-americana e

canadense na reconstrução da Europa. Trinta membros compõem a OCDE:

Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia, Dinamarca, Espanha,

Estados Unidos, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia,

Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia,

Portugal, República Tcheca, República Eslovaca, Suécia, Suíça e Turquia. Alguns

países são candidatos à adesão: Chile, Estônia, Israel, Rússia e Eslovênia48, e

outros apenas apóiam, como Brasil, China, Índia, Indonésia e África do Sul.

A OCDE, cuja sede fica em Paris, apresenta como missão o fortalecimento

das economias dos países membros, com expansão do livre comércio, melhoria na

eficiência e contribuição para o desenvolvimento nos países industrializados e

naqueles em vias de desenvolvimento.

A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE),

numa tentativa de desenvolver um crescimento econômico com desenvolvimento de

emprego, com elevado nível de vida, além do intuito de auxiliar outros países a

progredirem no setor econômico, tentou regulamentar as empresas multinacionais.

Em 1975 foi criado o Comitê sobre Investimento Internacional e Empresas

Multinacionais para investigar as possibilidades de um código de conduta para as

multinacionais e também analisar os meios de proteger as empresas de

discriminação. Um documento de 21/06/1976, revisado posteriormente em 1979,

47 Retirado do site oficial da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) www.oecd.org , no dia 01/10/2008. 48 Informações retirados do site oficial, www.oecd.org até o dia 20/11/2008.

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revelou um conteúdo com princípios diretivos sobre a intenção das empresas

mencionadas, os estímulos e obstáculos que representavam ao investimento

internacional, bem como o tratamento igualitário que deveria ser conferido às

mesmas, com aplicação da mesma regra jurídica de direito interno às empresas

nacionais e às multinacionais, quando instalados no interior do país. A tentativa

realizada pela OCDE foi uma das pioneiras, o que permitiu que partilhasse sua

experiência com mais de 70 países não membros, desde o Brasil, China, Rússia até

países africanos. A iniciativa revela a preocupação em mobilizar a comunidade

empresarial internacional no sentido de promoverem os valores fundamentais nas

áreas de direitos humanos, relações de trabalho e meio ambiente. O documento foi

parte da Declaração sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais,

que visa à garantia que as atividades das empresas multinacionais se desenvolvam

em harmonia com as políticas nacionais dos países da OCDE, com um

fortalecimento das relações de confiabilidade entre as empresas e as autoridades

governamentais.

Outras diretrizes foram editadas, em 1979, 1982, 1984, 1991 e 2000.

As diretrizes (anexo) são recomendações, dirigidas pelos governos às

empresas multinacionais, com estabelecimento de padrões e princípios de boa

prática, conformes com a legislação aplicável, entretanto, esse tipo de fonte não é

exigível, é apenas recomendável e voluntário para as empresas. O meio para

convencimento para que as empresas sigam essas recomendações é demonstrando

que através do respeito de normas exigentes de conduta empresarial é possível um

crescimento, e que, atualmente, com a facilidade de divulgação dos acontecimentos,

as empresas que tentarem neglicenciar os padrões e princípios de conduta, com o

intuito de obter vantagens concorrenciais, poderão colocar em xeque a sua

reputação perante o público.

Os governos que aderirem às diretrizes devem encorajar as empresas a

respeitarem as Diretrizes, onde quer que exerçam as atividades, mas respeitando o

direito e as normas do país que as hospeda. Diversos assuntos foram tratados,

como emprego, relações empresariais, meio-ambiente, combate à corrupção,

interesses do consumidor, ciência e tecnologia, concorrência e tributação.

Entretanto, apesar das vantagens trazidas, a amplitude e utilização de termos vagos,

tornou difícil a implementação, tendo em vista que não são previstas sanções

eficazes para exigir o cumprimento das empresas ou dos Estados hospedeiros. Não

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há uma garantia por parte da OCDE de verificação do cumprimento ou não das

Diretrizes, e a utilização dos termos “quando for possível”, “quando for apropriado”,

ou até mesmo de “contribuir para a abolição efetiva do trabalho infantil e para a

eliminação de toda e qualquer forma de trabalho forçado ou compulsório”,

demonstrou a pouca exigibilidade deste recurso, colocando apenas à disposição dos

Estados para que, se desejarem, possam seguir, mas caso contrário não serão

impostos a esses nenhum tipo de sanção ou exigência, como se depreende dos

termos e do texto.

A linha de atuação da OCDE também atende aos propósitos do programa

Global Compact, mencionado anteriormente.

Algumas outras instituições se preocupam com a harmonização e até mesmo

modernização das normas nos negócios internacionais, como a UNIDROIT –

International Institute for the Unification of Private Law e a UNCITRAL – United

Nations Commission on International Trade Law. Com a unificação do direito,

nesse caso, pretende-se impedir que haja uma submissão ao sistema legal mais

conveniente e mais favorável às empresas, e, se fosse dado um tratamento similar

no que tange aos ordenamentos, não justificaria a busca pelo ordenamento mais

favorável, pois inexistiria diferença que justificasse a escolha de um país em

detrimento de outro.

No 101° Encontro Anual da Sociedade Americana de D ireito Internacional –

American Society of International Law, que aconteceu em 30 de março de 2007,

Thomas Gottschalk, da General Motors, Alberto Mora do Wal-Mart and Paul Wright

da Exxon Mobil, apresentaram painéis nos quais ressaltaram a importância das

corporações como atores do Direito Internacional atual, e reconheceram a

necessidade de uma unificação desse Direito:

Sr. Gottschalk descreveu a disparidade entre os regimes regulamentares e explicou que a harmonização destes regimes proporcionará benefícios significativos para a indústria automotiva. (Asil Proceedings, 2007, p.403)49

49 Tradução livre da autora para o trecho: Mr. Gottschalk described the disparity between national regulatory regimes and explained that harmonization of those regimes would provide significant benefits to the automotive industry. (Asil Proceedings, 2007, p.403)

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6.4 Código de Conduta elaborado no seio da OIT: uma possível solução para

as empresas transnacionais

O cenário atual, com a globalização e expansão das empresas

transnacionais, demonstra a necessidade de reestruturação do capitalismo mundial,

tendo em vista que difundiu-se a descentralização dos processos produtivos, o que

implicou na expansão da terceirização das empresas usufruindo de mão-de-obra

mais barata e competitividade entre Estados para atração das empresas.

Esta configuração acarretou a fragmentação da força de trabalho, que se

dispersa geograficamente entre as diversas empresas, situadas em territórios

distintos, o que, inclusive, enfraqueceu o sistema sindical e a luta de classes, e

acabou colocando os sistemas jurídicos nacionais em confronto, cada Estado

oferecendo mais vantagens às empresas, em detrimento dos direitos dos

trabalhadores.

Verifica-se que a circulação de capital, além de fácil com os instrumentos

tecnológicos atuais, é um forte componente para maximização do lucro, entretanto,

nessa onda de desregulamentação e guerra para atração do capital, os Estados

acabam cedendo e diminuindo direitos. Assim, enquanto de um lado a globalização

facilita a comunicação, transmissão de dados, conhecimento de direitos e abusos,

de outro se verifica o agravamento da exploração, do desemprego, da

marginalização.

E nessa vertente de desregulamentação, várias fontes privadas foram

adotadas para o setor de empresas transnacionais, diante da pressão de ONG’s e

grupos sociais. A que vem ganhando maior força e se propagando, objeto de estudo

neste trabalho, são os códigos de conduta. Entretanto, algumas dificuldades ainda

são verificadas, como por exemplo, se cada código for elaborado isoladamente em

cada empresa, a diversidade será tamanha que será praticamente impossível a

fiscalização, o conhecimento e a cobrança da aplicação por parte das ONG’s e dos

grupos sociais.

Subjacente aos diferentes códigos e sistemas de implementação, muito diferentes são os princípios e objetivos. Considerando que alguns códigos enfatizam a liberdade de associação e as práticas de discriminações, outros se concentram em salários “para se viver" (em oposição ao salário mínimo), "excessivas" horas de trabalho, saúde e questões de segurança. Alguns

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códigos são monitorados pelo pessoal interno, da empresa, enquanto outros estão sujeitos a auditorias realizadas por terceiros, consultores externos ou ONG's. Dada esta incrível diversidade na inspeção dos protocolos auditores, existe uma enorme margem para controvérsia sobre auditoria cujo controle é mais profundo ou mais precisa, ou mesmo verdadeiramente independente. (LOCKE et al., 2007, p.23)

A variedade de códigos faz com que os objetivos sejam diferentes, dispersos,

sem um foco que facilite o direcionamento para elaboração, implementação e até

mesmo na fase de controle.

A organização internacional mais indicada para exigir, fiscalizar e propor

normas de proteção ao trabalho e aos direitos humanos é a Organização

Internacional do Trabalho, considerando que não basta uma norma, mas é

necessária uma articulação delas para dar dimensão social às regras comerciais.

Uma solução viável e plausível seria a elaboração de um código de conduta

com princípios básicos, fundamentais, com base nos objetivos da Organização

Internacional do Trabalho, como a erradicação do trabalho infantil e do trabalho

escravo, a aceitação da liberdade sindical, a não-discriminação no trabalho, o

respeito aos direitos trabalhistas, com um salário digno para prover as necessidades

para se ter uma vida digna, incluindo lazer, educação especializada, bem como o

limite de jornadas, para que não se tornem exaustivas, com limitação de horas

extras, além de outros a serem discutidos entre os interessados.

A elaboração desse código, com direitos mínimos no seio da OIT, com

participação de representantes dos empregados, orientados e apoiados por ONG’s,

empresas transnacionais e Estados facilitaria a aplicação e manutenção de diretrizes

mínimas nas empresas principais, nas matrizes, e também nas fornecedoras que se

encontrarem em locais distintos, o que não impossibilita, inclusive, que outros

direitos sejam criados e garantidos nos Estados, sempre, no entanto, se respeitando

os princípios e normas dispostas no Código de Conduta.

Através de uma análise de relatórios de inspeção na fábrica da Nike, e uma comparação de estrutura de duas fábricas fornecedoras desta marca global, mostramos que, para além dos códigos de conduta e de vários esforços para controlar o respeito desses, as intervenções destinadas a melhorar a produção, a reorganizar o trabalho, e capacitar os trabalhadores da fábrica complementam os códigos e oferece um meio de melhorar as condições de trabalho. Além disso, mostramos que os códigos são mais eficazes em países com leis nacionais mais rigorosas, e, embora sirvam como

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complemento, não as substitui, uma regulamentação jurídica. (LOCKE et al., 2007, p.24)50

Os códigos de conduta, como verificados por Locke, Kochan, Romis e Qin,

numa pesquisa rigorosa acerca do implemento, dificuldades e benefícios

principalmente nas fornecedoras da empresa Nike51, não substituem a legislação

nacional de cada Estado, mas contribui para respeito a um mínimo, além de

complementar, em alguns casos, trazendo benefícios aos trabalhadores.

A precarização do trabalho e dos direitos sociais implica em fomento das

disparidades sociais, portanto, o mundo do trabalho, para se adequar à globalização

sem que os trabalhadores vejam seus direitos humanos violados, carece de regras e

princípios que direcionem, além dos Estados, as empresas envolvidas, e, no caso,

principalmente as empresas transnacionais, que apresentam grande mobilidade e

facilidade de de-locação. Assim, o meio mais eficaz e possível é um código de

conduta elaborado pela própria OIT, com participação dos representantes dos

empregados, dos governos e dos empregadores, com respeito aos princípios e

convenções da OIT.

Constitui papel fundamental da OIT enfrentar os problemas decorrentes da

descentralização produtiva, considerando como cerne de todo o processo o

indivíduo, com respeito aos seus direitos humanos, principalmente os sociais. A

globalização, inegavelmente facilitou a difusão de idéias e princípios, mas devem ser

divulgados também os prejuízos causados aos empregados em um país que não

ratificou nenhuma convenção para a simples atração de capital estrangeiro, o

cumprimento de códigos de conduta não só pelas empresas que os elabora, mas

50 Tradução livre da autora para o trecho: Through an analysis of Nike’s factory inspection reports and a structure comparison of two factories supplying this global brand, we show that beyond the codes of conduct and various efforts to monitor compliance, interventions aimed at improving production, reorganizing work, and empowering workers on the shop floor complement codes and offer a means of further improving working conditions. Moreover, we show that codes are more effective in countries with stronger national laws and thus serve as complements to, not substitutes for, legal regulation. (LOCKE et al., 2007, p.24) 51 Segundo Locke et al.(2007, p.24), a Nike é a maior companhia de tênis no mundo. Apesar das recentes emergentes no setor, como Reebok e Adidas, a Nike ainda controla mais de 36% do setor de tênis esportivo nos Estados Unidos e mais de 33% do setor de tênis esportivo no mundo. Apesar do artigo principal da empresa serem os tênis, Nike tem investido em equipamentos de esporte. Na realidade, somente 70 dos 830 fornecedores dela produzem tênis. Em 2004, a companhia teve um rendimento em torno de US$12,2 bilhões de dólares, dos quais US$6,5 bilhões foram provenientes dos calçados e US$3,5 bilhões provenientes de vestuário. Em 2004, os produtos da Nike foram produzidos por mais de 800 fornecedores, empregando 600.000 trabalhadores em 51 países. Diretamente a Nike emprega apenas 24.291 empregados, sendo a grande maioria nos Estados Unidos. Todos os outros empregados são de fornecedores independentes.

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também por suas parceiras, contratadas, possibilita a responsabilização desses

contratantes, além da possibilidade de exigência por parte da OIT se foi nessa

organização que a elaboração e depósito do código de conduta.

A responsabilidade primária da promoção e proteção dos direitos humanos é

dos Estados, mas as empresas também têm que agir conjuntamente para respeitar e

valorizar esses direitos. Limitam-se os abusos, mas os códigos de conduta

apresentam uma importante função na valorização do indivíduo.

Algumas empresas já aceitam se submeter aos códigos de conduta, num ato

de respeito não só aos trabalhadores, mas também aos consumidores de seus

produtos, já que, para venderem ou convencerem o consumidor da qualidade de seu

produto não utilizou da exploração da mão de obra ou da condição de uma pessoa

em outro local, submetendo-o a jornadas exaustivas, salários ínfimos ou condições

degradantes. Entretanto, outras empresas, assim como alguns governos, não

acatam qualquer norma relativa à limitação ou regulamentação de sua atuação, ou

que considere que pode prejudica-la no comércio, e acabam menosprezando essas

normas, vendo-as como uma restrição a mais.

O papel da OIT nesse convencimento da importância de adoção de um

código de conduta para execução dos trabalhos não só da empresa, mas também

daquelas que são terceirizadas, ou que trabalhem como parceiras ou fornecedoras,

é extremamente relevante, tendo em vista que possibilita, inclusive, um comércio

justo e de acordo com os princípios da organização.

A OIT, com suas medidas para execução das convenções, como os relatórios

exigidos anualmente sobre a aplicação das convenções, com exames recorrentes de

peritos e de um comitê, ou até mesmo com a possibilidade de apresentação de

queixa à Conferência geral ou ao Conselho de Administração, ao qual é permitido

solicitar uma comissão de inquérito que pode estabelecer fatos e fazer

recomendações através de um relatório público, tem maiores condições de fiscalizar

se os Estados denunciam ou não aceitam uma convenção por pressão de empresas

transnacionais ou para a simples atração de empresas desse porte para

oferecimento de empregos, e, ainda, se os Estados não acabam cedendo e

deixando de fiscalizar empresas em seus territórios, que desrespeitam os direitos

humanos. Apesar da dificuldade de utilização de meios coercitivos em direito

internacional, a Organização Internacional do Trabalho ainda é uma das instituições

que mais têm condições de fiscalizar e “punir” um Estado, pois conta com a

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participação de grupos opostos, ou seja, empregados e empregadores na

composição tripartite, e pode receber e verificar as denúncias feitas por um deles. E,

no caso de verificação de descumprimento ou recusa constante à aceitação de

códigos de conduta, é possível que faça a divulgação para a mobilização das

organizações defensoras dos direitos humanos, que, além de auxiliarem na

divulgação dessas informações ainda contam com grande número de consumidores

conscientes que boicotam o consumo de produtos que não são produzidos em

conformidade com os direitos sociais, ou seja, humanos.

É inegável a dificuldade de aceitação de normas neste sentido, mas a

importância é tamanha que deve sim ser tentada, para evitar o cometimento de

novos abusos, que são freqüentes, em detrimento do lucro.

Não nos enganemos. Chegar a um acordo sobre as Normas não será simples neste difícil período de incerteza econômica e política. Contudo, as empresas não podem evitar a responsabilidade nem serem testemunhas silenciosas de violações generalizadas de direitos humanos. Os direitos humanos não são um luxo para os bons tempos: devem ser respeitados e defendidos a todo momento, em todas as circunstâncias e por todos os agentes, sejam estatais ou empresariais.(KHAN, 2005)52

52 Irene Khan é secretaria-geral da Anistia Internacional.Esta coluna é parte da série sobre Globalização e Direitos Humanos, um esforço conjunto entre a Dignity International (www.dignityinternational.org) e o Serviço de Colunistas da IPS. Extraído do site http://74.125.113.132/search?q=cache:DIVph9rpWF0J:www.mwglobal.org/ipsbrasil.net/nota.php%3Fidnews%3D247+%22Declara%C3%A7%C3%A3o+Tripartite+de+Princ%C3%ADpios+sobre+Empresas+Transnacionais+e+Pol%C3%ADtica+Social%22&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=10&gl=br Acesso em 20/11/2008.

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7 CONCLUSÃO

Os direitos humanos envolvem também a liberdade, a igualdade de direitos, o

reconhecimento dos direitos fundamentais. O direito social, parte essencial desses

direitos, se materializa pelas normas trabalhistas e previdenciárias, mas em

derradeiro, atinge outras esferas, como a educação, a habitação, a alimentação, a

saúde, o lazer, todos com o intuito de fazer valer o direito à vida na sua concepção

mais ampla.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi fundamental para a

difusão dos direitos humanos, mas para que os reconheça no plano interno, muito

há que se fazer, e tudo depende dos Estados, em respeito ao princípio da soberania.

A expansão foi demorada, e ainda hoje não se pode dizer que todos os direitos

foram implementados, em alguns Estados ainda ignoram a importância da

educação, da moradia, da saúde, enfim, do trabalho em condições dignas, com

remuneração justa e suficiente para atender às necessidades humanas. E nessa luta

os sistemas de proteção de direitos humanos, considerando o global e os regionais,

devem ser analisados numa perspectiva de complementação, coexistindo de forma a

suprir as lacunas e fortalecer a proteção às vítimas de violação de direitos humanos.

Num conflito de tensão inerente ao modelo de produção capitalista, na

relação capital e trabalho, difícil se tornou a garantia dos direitos. A globalização

trouxe uma nova configuração da economia internacional, o que antes era um

comércio entre Estados, com interação de processos de produção, com inter-

dependência entre eles, se transformou num desafio para manutenção dos direitos

sociais, tendo em vista a facilidade de de-locação das empresas transnacionais, em

busca de custo mais baixo para a produção.

As distâncias deixaram de ser um empecilho, as peças de um carro podem

ser produzidas em países distintos, com padrões de qualidade semelhantes, em

condições totalmente diferentes no tocante aos direitos, principalmente os

trabalhistas e sociais. Espalhou-se uma competição global, e, na guerra pela atração

das empresas programas de bem-estar social e proteção social acabaram sendo

relegados a segundo plano.

E foi nesse contexto que a OIT, cuja competência foi alargada a partir da

Declaração de Filadélfia de 1944, tornou-se o principal órgão internacional de

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promoção e monitoramento do Direito Internacional no tocante às questões

trabalhistas e sociais. Dentro da perspectiva dos direitos humanos, essa organização

internacional é a que mais atende às expectativas para dar aos trabalhadores

condições mais dignas de trabalho e bem-estar social.

A Organização Internacional do Trabalho realiza um trabalho mundial de

conscientização e normatização no que tange aos direitos humanos, mais

especificamente aos direitos sociais. Agregam-se governos, empregados e

empregadores, entre eles as Empresas Transnacionais, para elaboração e

discussão dos assuntos pertinentes, com estabelecimento de objetivos estratégicos

para a promoção e realização dos padrões normativos e princípios fundamentais

relacionados ao trabalho, com discussão de maiores oportunidades de emprego

decente e com remuneração justa, e visa-se, inclusive, uma ampliação e efetividade

da proteção social para os envolvidos.

E apesar de, em outras organizações, estudarem e analisarem os efeitos da

globalização e das empresas transnacionais, como no caso do código de conduta

elaborado na ONU, bem como o programa Global Compact, é na OIT que se conta

com a participação de diversos setores da economia, desde representante dos

empregados até o representante estatal, no intuito de lograrem êxito numa

negociação para alcançar a dignidade humana com respeito aos direitos humanos,

com erradicação do trabalho escravo, abolição do trabalho infantil, da discriminação,

das jornadas exaustivas e respeito à liberdade sindical.

Numa alternativa progressista e par e passo com o Direito Internacional atual,

os códigos de conduta representam uma alternativa para o desenvolvimento dos

direitos humanos pelas empresas transnacionais, embora seja parte de um sistema

integrado que vai desde gestão, regulação e aplicação de normas laborais em busca

da melhoria das condições de trabalho, é um componente importante e cuja

aceitação vem se expandindo, seja por pressão de organizações não-

governamentais, seja por reconhecimento da necessidade pelas empresas

transnacionais para conquista de consumidores em favor da sua imagem.

À medida que se facilita o comércio na comunidade internacional e

desenvolvem as relações econômicas e financeiras, amplia-se a necessidade de

uma regulamentação, ou seja uma harmonização da legislação em âmbito universal,

para evitar a concorrência desleal ou até mesmo a de-locação das empresas. Ainda

que seja difícil conciliar os interesses e contar com o aceite de todos os Estados,

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deve-se buscar pelo menos o respeito a um padrão mínimo de normas, com direitos

básicos, o que contribuiria até para a manutenção da paz, para garantia de uma

segurança internacional.

Os próprios consumidores, muitas vezes conscientizados pelas organizações

não-governamentais (ONG’s), que desenvolvem papel fundamental no cenário

internacional, já exigem que as empresas atendam aos direitos humanos, produzam

em condições que não degradam a saúde do indivíduo e ofereçam uma

remuneração justa. Não só as matrizes são alvos de fiscalização e questionamento,

mas também os fornecedores, as empresas terceirizadas têm sido verificadas, como

o caso da Nike, que contribuiu, então, para o desenvolvimento de um código de

conduta e padrões mínimos de direitos adotados por todas as empresas ligadas à

ela.

A tendência, ou melhor, exigência crescente entre os consumidores é que se

busque um equilíbrio econômico, trabalhista e de relações humanas em geral, com o

intuito de promoção do homem. A manutenção do pleno emprego faz com que a

marca seja respeitada perante consumidores e organizações não-governamentais,

considerado também a importância de não destruir ou prejudicar o meio-ambiente.

Nessa ausência de um sistema global efetivo de regulamentação das

atividades das empresas, bem como das relações empregatícias nos diversos

Estados, ONG’s, uniões de comércio e até mesmo consumidores têm exigido de

corporações desenvolverem sues próprios códigos de conduta, além de uma

variedade de mecanismos para monitorar e fiscalizar a utilização desses.

Uma solução viável e plausível seria a elaboração de um código de conduta

com princípios básicos, fundamentais, com base nos objetivos da Organização

Internacional do Trabalho, como a erradicação do trabalho infantil e do trabalho

escravo, a aceitação da liberdade sindical, a não-discriminação no trabalho, o

respeito aos direitos trabalhistas, com um salário digno para prover as necessidades

para se ter uma vida digna, incluindo lazer, educação especializada, bem como o

limite de jornadas, para que não se tornem exaustivas, com limitação de horas

extras, além de outros a serem discutidos entre os interessados. E nada mais

sensato que um código de conduta elaborado na própria OIT, com participação de

representantes dos empregados, orientados e apoiados por ONG’s, empresas

transnacionais e Estados, o que facilitaria a aplicação e manutenção das diretrizes

mínimas.

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Conclui-se, portanto, que o bem mais importante do ser humano é a vida, mas

essa entendida no sentido amplo da palavra, com direito à educação, moradia,

saúde, liberdade, e todos os direitos humanos, e sem o trabalho digno, com

remuneração justa, é impossível a concretização desses direitos, e para isso é

necessário regulamentar a atuação das empresas transnacionais, e para isso, neste

momento, reconhece-se o código de conduta, e a OIT é uma organização que pode

contribuir muito nesse sentido, agindo concomitantemente com os consumidores e

as organizações não-governamentais, para se alcançar uma vida digna.

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ANEXO A – DIRETRIZES DA OCDE PARA AS EMPRESAS MULTI NACIONAIS

PRIMEIRA PARTE

AS DIRETRIZES PARA AS EMPRESAS MULTINACIONAIS

Prefácio

1. As Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais (Diretrizes) são recomendações dirigidas pelos Governos às empresas multinacionais. Estabelecem princípios e padrões de cumprimento voluntário, consistentes com a legislação aplicável, com vistas a uma conduta empresarial responsável. As Diretrizes visam a harmonizar as operações das empresas com as políticas governamentais, fortalecer a base da confiança mútua entre as empresas e as sociedades onde operam, melhorar o clima do investimento estrangeiro e aumentar a contribuição das empresas multinacionais para o desenvolvimento sustentado. As Diretrizes são parte integrante da Declaração da OCDE sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais, juntamente com os outros elementos dessa Declaração que se relacionam com o tratamento nacional, obrigações contraditórias impostas às empresas e incentivos e desincentivos ao investimento internacional. 2. O comércio internacional sofreu grandes alterações estruturais e as próprias Diretrizes evoluíram de modo a refletir essas mudanças. Com o crescimento dos setores ligados aos serviços e às tecnologias de informação, assistiu-se à entrada de outro tipo de empresas na cena do mercado internacional. As grandes empresas continuam a contribuir com uma significativa parte do investimento internacional, verificando-se mesmo uma tendência para grandes fusões à escala internacional. Simultaneamente, assiste-se a um incremento do investimento estrangeiro realizado por pequenas e médias empresas, desempenhando estas, atualmente, um papel cada vez mais importante na cena internacional. As empresas multinacionais, à semelhança das que operam no mercado doméstico, têm evoluído no sentido da diversificação das respectivas forma e organização empresarial. As alianças estratégicas e a existência de relações mais estreitas com os fornecedores e demais contratados tendem a diluir os limites da empresa. 3. A rápida evolução na estrutura das empresas multinacionais reflete-se igualmente nas respectivas operações, no mundo em desenvolvimento, onde o investimento direto estrangeiro conheceu um crescimento muito acelerado. Nos países em desenvolvimento, assistiu-se a uma grande diversificação das atividades das empresas multinacionais que, para além das funções típicas de produção primária e extração, passaram a dedicar-se à manufatura e montagem, desenvolvimento do mercado interno e serviços. 4. As atividades das empresas multinacionais permitiram, através do comércio e investimento internacional, fortalecer e aprofundar os laços que ligam as economias dos países da OCDE entre si e o resto do Mundo. Tais atividades implicam consideráveis benefícios quer para os países de origem como para os de destino.

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Estes benefícios aumentam quando uma empresa multinacional consegue fornecer os bens e serviços aos consumidores a preços competitivos e, simultaneamente, proporcionar, a quem investe, um razoável retorno do capital. O comércio e o investimento contribuem para um uso eficiente e racional do capital, da tecnologia e dos recursos humanos e naturais. Promovem ainda a transferência de tecnologia entre as várias regiões do globo e o desenvolvimento de tecnologias que refletem as condições locais. As empresas promovem igualmente o desenvolvimento do capital humano nos países de acolhimento através da formação e de processos de aprendizagem realizados no próprio local de trabalho. 5. A natureza, âmbito e rapidez das mudanças econômicas colocam novos desafios estratégicos às empresas e seus associados. As empresas multinacionais têm agora a oportunidade de levar a efeito políticas de boa prática no domínio do desenvolvimento sustentável que procurem assegurar coerência entre os objetivos sociais, econômicos e ambientais. A capacidade das empresas multinacionais para promover o desenvolvimento sustentável será significativamente reforçada se o comércio e o investimento forem efetuados no quadro de mercados abertos, concorrenciais e adequadamente regulados. 6. Muitas empresas multinacionais têm demonstrado que através do respeito de normas exigentes de conduta empresarial se pode aumentar o crescimento. Atualmente, a concorrência é intensa e as empresas multinacionais atuam em marcos jurídicos, sociais e regulamentares muito variados. Neste contexto, algumas empresas poderão sentir-se tentadas a negligenciar padrões e princípios de conduta, na tentativa de obter vantagens concorrenciais indevidas. A adoção de tais práticas por uma pequena minoria poderá pôr em causa a reputação da maioria, suscitando preocupações da parte do público. 7. Muitas empresas têm procurado ir ao encontro destas preocupações do público, desenvolvendo dispositivos e procedimentos internos de orientação e de gestão que demonstram o seu compromisso em relação às boas práticas e à boa conduta empresarial, assim como no tocante à política de emprego adotada. Algumas empresas recorreram a serviços de consultoria, auditoria e certificação, o que contribuiu para a acumulação de conhecimentos especializados nestes domínios. Estas iniciativas favoreceram igualmente o diálogo social sobre regras de boa conduta das empresas. As Diretrizes contribuem para uma melhor definição das expectativas dos governos aderentes, no que se refere à conduta empresarial e constituem um ponto de referência para as empresas. Por conseguinte, as Diretrizes complementam e reforçam os esforços desenvolvidos pelo setor privado no sentido de definir e pôr em prática regras de conduta empresarial responsável. 8. Os governos têm cooperado entre si e com outros agentes envolvidos, no sentido de reforçar o quadro jurídico e regulamentar internacional no qual as empresas desenvolvem as suas atividades. O período do pós-guerra foi marcado pelo desenvolvimento progressivo desde quadro, logo em 1948 com a adoção da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Entre os instrumentos mais recentes, refiram-se a Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, a Declaração do Rio sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21 e a Declaração de Copenhague sobre Desenvolvimento Social.

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9. A OCDE também tem contribuído para a definição deste quadro internacional de políticas. Desenvolvimentos recentes nesta matéria incluem a adoção da Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais, dos Princípios da OCDE para a Governança Corporativa, as Diretrizes da OCDE para a Proteção do Consumidor no Contexto do Comércio Eletrónico e os trabalhos em curso para preparar as Diretrizes da OCDE sobre Preços de Transferência para as Empresas Multinacionais e as Administrações Fiscais. 10. Os governos que aderem às Diretrizes têm por objetivo comum encorajar as contribuições positivas que as empresas multinacionais podem dar ao progresso econômico, ambiental e social e reduzir ao mínimo os problemas gerados pelas respectivas atividades. Na busca deste objetivo, os governos estabelecem formas de colaboração e parceria com representantes das empresas, sindicatos e organizações não governamentais cujas atividades visam ao mesmo fim. A contribuição dos governos passa pela criação de quadros regulamentares internos eficazes e que incluam políticas macroeconômicas estáveis, tratamento não discriminatório das empresas, regulamentação adequada e supervisão prudencial, um sistema imparcial de administração da justiça e aplicação da lei e uma administração pública eficiente. A contribuição dos governos pode também comportar a manutenção e promoção de normas e políticas adequadas que favoreçam o desenvolvimento sustentável, empenhando-se em garantir que as reformas em curso propiciem uma atividade eficiente e eficaz do setor público. Os governos que aderiram às Diretrizes comprometem-se a melhorar de forma contínua tanto as suas políticas nacionais quanto as internacionais, a fim de aumentar o bem estar e os padrões de vida de toda a população.

I. Conceitos e Princípios 1. As Diretrizes são recomendações dirigidas em conjunto pelos governos às empresas multinacionais. Estabelecem princípios e padrões de boa prática, conformes com a legislação aplicável. O cumprimento das Diretrizes pelas empresas é voluntário e não é legalmente exigível. 2. Dado que as empresas multinacionais desenvolvem as respectivas atividades em nível mundial, a cooperação internacional neste domínio deverá estender-se a todos os países. Os governos aderentes às Diretrizes devem encorajar as respectivas empresas a respeitar as Diretrizes, onde quer que exerçam uma atividade, tendo em conta a situação particular dos países de acolhimento. 3. Uma definição exata de empresa multinacional não é necessária para os efeitos das Diretrizes. Em geral, a expressão compreende empresas ou outro tipo de entidades, estabelecidas em mais de um país e ligadas entre si de forma a coordenarem as suas atividades de diversas maneiras. Podendo uma ou mais destas entidades exercer uma influência significativa sobre as atividades das outras, o grau de autonomia de cada uma dentro da organização pode, no entanto, variar muito consoante a multinacional em questão. O capital social pode ser público, privado ou misto. As Diretrizes dirigem-se a todas as entidades dentro de cada empresa multinacional (matrizes e/ou entidades locais). Em função da repartição efetiva das responsabilidades entre si, espera-se de cada uma dessas entidades a

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colaboração mútua e que contribuam no sentido de promover o cumprimento das Diretrizes. 4. As Diretrizes não têm por objetivo introduzir diferenças de tratamento entre as empresas multinacionais e as nacionais; elas traduzem boas práticas recomendáveis a todas as empresas. Esperase, por conseguinte e sempre que estejam em causa as Diretrizes que as empresas multinacionais e nacionais tenham uma conduta idêntica. 5. Os governos desejam promover o maior respeito possível pelas Diretrizes. Embora se reconheça que as pequenas e médias empresas poderão não dispor de meios idênticos aos das grandes empresas, os governos aderentes às Diretrizes deverão encorajá-las a desenvolver os maiores esforços no sentido de respeitar as recomendações nelas contidas. 6. Os governos signatários das Diretrizes não devem servir-se das mesmas para fins protecionistas, nem aplicá-las de maneira a pôr em questão as vantagens comparativas de qualquer país onde as empresas multinacionais realizem investimentos. 7. Os governos têm o direito de regulamentar as condições de funcionamento das empresas multinacionais dentro de suas jurisdições, observados os limites do direito internacional. As entidades pertencentes a uma empresa multinacional operando em diversos países estão sujeitas às leis aplicáveis nesses países. Sempre que forem impostas obrigações contraditórias às empresas multinacionais por parte de países signatários, os governos em questão cooperarão de boa fé no sentido de resolver os problemas que possam ocorrer. 8. Os governos signatários das Diretrizes implementarão as mesmas no pressuposto de que honrarão o compromisso de tratar as empresas de forma eqüitativa e em conformidade com o direito internacional e as respectivas obrigações contratuais. 9. O recurso a mecanismos internacionais adequados para solução de controvérsias, incluindo a arbitragem, é encorajado como forma de facilitar a resolução dos diferendos legais que possam surgir entre as empresas e os governos dos países de acolhimento. 10. Os governos signatários das Diretrizes promovê-las-ão e fomentarão a sua aplicação. Estabelecerão Pontos de Contato Nacionais incumbidos de promover as Diretrizes e que funcionarão como fórum de debate de todas as matérias que digam respeito às Diretrizes. Os governos signatários participarão igualmente em procedimentos adequados de revisão e consulta relativos a questões respeitantes à interpretação das Diretrizes, num mundo em mutação. II. Princípios Gerais

As empresas devem plenamente ter em conta as políticas em vigor nos

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países onde desenvolvem as respectivas atividades, tendo em consideração os pontos de vista de outros agentes envolvidos. A este respeito, as empresas deverão:

1. Contribuir para o progresso econômico, social e ambiental, de forma a assegurar um desenvolvimento sustentável. 2. Respeitar os direitos humanos que de algum modo possam vir a ser afetados pelas respectivas atividades, em conformidade com as obrigações e compromissos internacionais assumidos pelo governo do país de acolhimento. 3. Encorajar a criação de capacidades em nível local em estreita cooperação com a comunidade local, incluindo os meios empresariais, desenvolvendo, ao mesmo tempo, as atividades da empresa no mercado nacional e internacional, de forma compatível com as boas práticas comerciais. 4. Encorajar a formação de capital humano, nomeadamente criando oportunidades de emprego e facilitando a formação dos trabalhadores. 5. Abster-se de procurar ou aceitar exceções não previstas no quadro legal ou regulamentar, em domínios como o meio-ambiente, a saúde, a segurança, o trabalho, a tributação, os incentivos financeiros, ou outros. 6. Apoiar e defender os princípios da boa gestão empresarial, desenvolvendo e aplicando boas práticas de gestão empresarial. 7. Elaborar e aplicar práticas de auto regulamentação e sistemas de gestão eficazes que promovam uma relação de confiança mútua entre as empresas e as sociedades onde aquelas operem. 8. Promover o conhecimento dos trabalhadores sobre, e fazer que ajam em conformidade com, as políticas da empresa, divulgando adequadamente essas políticas, inclusive através de programas de formação. 9. Abster-se de mover processos discriminatórios ou disciplinares contra trabalhadores que, de boa fé, apresentem relatórios à administração ou, se for o caso, às autoridades competentes, sobre práticas que contrariem a lei, as Diretrizes ou as políticas da empresa. 10. Encorajar, na medida do possível, os parceiros comerciais, incluindo fornecedores e subcontratados, a aplicar princípios de conduta empresarial compatíveis com as Diretrizes. 11. Abster-se de qualquer ingerência indevida em atividades políticas locais.

II. Divulgação

1. As empresas deverão garantir a divulgação regular e oportuna de informação confiável e pertinente a respeito das suas atividades, estrutura, situação financeira e resultados. A informação fornecida deverá dizer respeito à empresa no seu conjunto

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e distinguir, quando apropriado, setores de atividade ou zonas geográficas. As políticas de divulgação das empresas deverão ser adaptadas à natureza, dimensão e zona de implantação da empresa, tomando sempre em consideração custos, a confidencialidade dos negócios e outras preocupações que digam respeito à competitividade. 2. As empresas deverão aplicar normas exigentes e padrões elevados no que concerne à divulgação de informações, à contabilidade e à revisão de contas. As empresas são igualmente encorajadas a aplicar normas exigentes no que toca à publicação de informações de caráter não financeiro, incluindo, se for o caso, relatórios sobre matérias ambientais e sociais. Deverão ser indicados quais os padrões ou políticas pelos quais se rege a coleta e publicação de informações, financeiras ou não, da empresa. 3. As empresas deverão divulgar dados básicos, relativos à razão social, sede e estrutura, assim como a razão social, endereço e número de telefone tanto da empresa matriz como das principais filiais, bem como a sua participação percentual, direta ou indireta, no capital dessas filiais, incluindo as de participações recíprocas. 4. As empresas deverão igualmente divulgar informação relevante sobre:

a) Resultados financeiros e operacionais da empresa;

b) Objetivos da empresa;

c) Acionistas majoritários e direitos de voto;

d) Membros do conselho de administração e principais diretores, assim como a respectiva remuneração;

e) Fatores de risco relevantes e previsíveis;

f) Questões de relevo concernentes aos trabalhadores e a outros agentes envolvidos na vida da empresa;

g) Estruturas e políticas de gestão da empresa.

5. As empresas são encorajadas a fornecer informações suplementares, entre as quais:

a) Declarações dirigidas ao público enunciando princípios ou regras de conduta, incluindo informações sobre a política social, ética e ambiental da empresa e outros códigos de conduta por ela subscritos. Poderão igualmente ser comunicados a data de adoção dessas declarações, os países ou entidades a que as mesmas se aplicam e o desempenho da empresa em relação a essas declarações;

b) Informações sobre sistemas de gestão de risco e métodos de cumprimento das leis, bem como sobre as declarações de princípios ou códigos de conduta;

c) Informações sobre relacionamento com trabalhadores e outros agentes envolvidos na vida da empresa.

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IV. Emprego e relações empresariais

Em conformidade com o quadro legal e regulamentar aplicável e as práticas vigentes em matéria de emprego e de relações laborais, as empresas deverão:

1. a) Respeitar o direito dos trabalhadores de se fazerem representar por sindicatos e outra organizações legítimas de representação de trabalhadores e conduzir negociações construtivas com esses representantes, quer a título individual quer através de associações patronais, com vistas a alcançar acordos sobre condições de trabalho;

b) Contribuir para a abolição efetiva do trabalho infantil;

c) Contribuir para a eliminação de toda e qualquer forma de trabalho forçado ou compulsório;

d) Não discriminar os trabalhadores, no exercício das suas funções, em razão da raça, cor, sexo, religião, convicções políticas, nacionalidade ou origem social, exceto quanto tais práticas seletivas, tenham por fim dar cumprimento a políticas, estabelecidas pelos poderes públicos, tendentes a promover uma maior igualdade de oportunidades de emprego ou tenham a ver com especificidade de determinado posto de trabalho.

2. a) Proporcionar, aos representantes dos trabalhadores, os meios necessários à elaboração de acordos coletivos de trabalho efetivos;

b) Proporcionar, aos representantes dos trabalhadores, as informações que se afigurem necessárias à condução de negociações construtivas sobre condições de trabalho;

c) Promover consultas e cooperação entre a entidade patronal e os trabalhadores e seus representantes, sobre matérias de interesse mútuo.

3. Fornecer informações aos trabalhadores e seus representantes que lhes permitam ter uma idéia exata e correta sobre a atividade e resultados da entidade ou, onde apropriado, da empresa como um todo. 4. a) Respeitar padrões, em matéria de emprego e de relações empresariais, não menos favoráveis do que os observados por empresas da mesma dimensão e setor, no país de acolhimento; 5. Empregar, nas respectivas atividades e na medida do praticável, o maior número possível de pessoal local, dando-lhes formação, com vistas a aumentar os respectivos níveis de qualificação, em cooperação com os representantes dos trabalhadores e, quando necessário, com as autoridades públicas competentes. 6. Fornecer aos representantes dos trabalhadores e, quando apropriado, às autoridades públicas competentes, com a devida antecedência, todas as

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informações que digam respeito à previsível introdução de alterações na atividade da empresa, suscetíveis de afetar, de modo significativo, os modo de vida dos trabalhadores, em especial, no caso de fechamento de unidades que impliquem demissões coletivas; cooperar com esses representantes e com as autoridades, no sentido de mitigar tanto quanto possível os efeitos adversos das medidas em causa; dependendo das circunstâncias específicas de cada caso e na medida do possível, fornecer tais informações antes mesmo de ser tomada a decisão final; poderão ser ainda empregados outros meios, para proporcionar uma cooperação construtiva com vistas a atenuar, substancialmente, os efeitos de tais decisões. 7. Não influenciar, de modo desleal, negociações conduzidas de boa fé com representantes dos trabalhadores sobre as condições de trabalho ou não prejudicar o exercício do direito de associação dos trabalhadores, por meio de ameaças de transferência total ou parcial, para fora do país, de unidades de produção ou de transferência de trabalhadores, oriundos de entidades pertencentes à empresa localizadas em outro país. 8. Permitir, aos representantes autorizados dos trabalhadores, a condução de negociações relativas a acordos coletivos de trabalho ou a relações entre trabalhadores e empregadores, permitindo às partes realizar consultas sobre matérias de interesse comum, junto dos representantes patronais capacitados para tomar decisões sobre essas matérias.

b) Tomar as medidas necessárias para assegurar saúde e segurança no desempenho das respectivas atividades.

V. Meio-Ambiente

As empresas deverão, dentro do quadro legal, regulamentar e das práticas administrativas em vigor nos países onde desenvolvem as respectivas atividades e atendendo aos acordos, princípios, objetivos e padrões internacionais relevantes, ter em devida consideração a necessidade de proteger o meio-ambiente, a saúde pública e a segurança e, em geral, conduzir as suas atividades de modo a contribuir para o objetivo mais amplo do desenvolvimento sustentável. Em especial, as empresas deverão:

1. Criar e manter um sistema de gestão ambiental apropriado à empresa, que preveja:

a) A coleta e avaliação, em tempo hábil, de informações adequadas, no que concerne ao impacto que as respectivas atividades possam ter sobre o meio-ambiente, a saúde e a segurança;

b) A fixação de objetivos mensuráveis e, quando apropriado, de metas no que se refere à melhoria do seu desempenho ambiental, incluindo a revisão periódica da relevância desses objetivos; e

c) O acompanhamento e a verificação regular dos progressos alcançados no cumprimento dos objetivos ou metas ambientais, de saúde e de

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segurança.

2. Ter em consideração as questões referentes a custos, confidencialidade e proteção dos direitos de propriedade intelectual, nomeadamente:

a) Fornecer ao público e aos trabalhadores, em tempo hábil, informações adequadas sobre o impacto potencial das respectivas atividades sobre o meio-ambiente, a saúde e a segurança, podendo tais informações incluir relatórios sobre progressos alcançados em matéria de melhoria de desempenho ambiental; e

b) Estabelecer diálogo e consultas, em tempo hábil, com as comunidades diretamente afetadas tanto pelas políticas ambientais, de saúde e de segurança da empresa quanto pela respectiva implementação.

3. Avaliar e ter em conta na tomada de decisões o impacto previsível sobre o meio-ambiente, a saúde e a segurança que possa resultar dos procedimentos, bens e serviços da empresa ao longo de todo o seu ciclo de vida. Sempre que as atividades previstas possam ter um impacto significativo sobre o meio-ambiente, a saúde e a segurança e caso as mesmas sejam objeto de decisão por parte de uma autoridade competente, as empresas deverão realizar uma avaliação adequada do impacto ambiental. 4. Sempre que exista uma ameaça de danos graves ao ambiente, em conformidade com o conhecimento científico tecnológico dos riscos envolvidos e tendo em consideração a saúde e segurança humanas, não deverá ser invocada a inexistência de certeza científica absoluta como argumento para adiar a adoção de medidas eficazes e economicamente viáveis que permitam prevenir ou minimizar esses danos. 5. Manter planos de emergência para prevenir, atenuar e controlar danos graves causados pelas respectivas atividades ao meio-ambiente e à saúde, incluindo os acidentes e situações de emergência; estabelecendo igualmente os mecanismos necessários para alertar de imediato as autoridades competentes. 6. Esforçar-se continuamente por melhorar o seu desempenho ambiental, promovendo, quando necessário, a realização de atividades tais como:

a) Adoção, em todas as componentes da empresa, de tecnologias e procedimentos de operação que reflitam os padrões de desempenho ambiental existentes na componente da empresa com o melhor desempenho;

b) Desenvolvimento e fornecimento de produtos ou serviços que não tenham quaisquer efeitos indevidos sobre o meio-ambiente, cuja utilização para os fins previstos não comporte perigos, que tenham um consumo eficiente de energia e de recursos naturais e que possam ser reutilizados, reciclados ou eliminados com toda a segurança;

c) Sensibilizar os consumidores para as conseqüências ambientais da utilização dos produtos e serviços da empresa ; e

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d) Realizar investigação sobre os meios de melhorar o desempenho ambiental da empresa a longo prazo.

7. Proporcionar aos trabalhadores níveis de educação e formação adequados sobre questões ambientais, de saúde e de segurança, assim como quanto ao manuseio de matérias perigosas, à prevenção de acidentes ambientais e ainda sobre aspectos mais gerais da gestão ambiental, tais como procedimentos de avaliação do impacto ambiental, relações públicas e tecnologias ambientais. 8. Contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas significativas do ponto de vista ambiental e economicamente eficientes, através de, por exemplo, parcerias ou iniciativas que permitam melhorar a consciência e proteção ambientais. VI. Combate à corrupção

As empresas não deverão, direta ou indiretamente, oferecer, prometer, dar ou solicitar pagamentos ilícitos ou outras vantagens indevidas, com vistas a obter ou conservar negócios ou outras vantagens ilegítimas. Não deverá igualmente ser solicitado às empresas, nem ser delas esperado, quaisquer pagamentos ilícitos ou outras vantagens indevidas. Em particular, as empresas:

1. Não deverão oferecer nem ceder a pressões para pagar a funcionários públicos ou a trabalhadores dos seus parceiros comerciais, qualquer percentagem sobre um pagamento contratual. Não deverão recorrer à subcontratação, ordens de compra ou contratos de consultoria como meio de canalizar pagamentos a funcionários públicos, parceiros comerciais, respectivos trabalhadores ou familiares. 2. Deverão garantir que a remuneração dos respectivos agentes seja adequada e decorra apenas da prestação de serviços legítimos. Quando relevante, deverá ser elaborada e tornada disponível, às autoridades competentes, uma lista dos agentes que participação de transações com organismos e empresas públicos. 3. Deverão aumentar a transparência relativa às atividades de luta contra a corrupção e a extorsão. Entre tais medidas, poderão incluir-se compromissos assumidos publicamente contra a corrupção e a extorsão, bem como a divulgação dos sistemas de gestão adotados pela empresa para honrar esses compromissos. As empresas deverão igualmente encorajar a abertura e o diálogo com o público, a fim de sensibilizá-lo para o combate contra a corrupção e a extorsão e assegurar a sua cooperação. 4. Deverão sensibilizar os trabalhadores em relação às políticas da empresa contra a corrupção e a extorsão, e promover o cumprimento das mesmas, através da divulgação adequada dessas políticas, bem como de programas de formação e de procedimentos disciplinares. 5. Deverão adotar sistemas de controle de gestão que desencorajem o suborno e outras práticas de corrupção, aplicando princípios financeiros e contábeis, bem como práticas de auditoria, que impeçam a criação de “contabilidades paralelas” ou

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contas secretas ou ainda a elaboração de documentos que não reflitam de forma conveniente e correta as transações a que se reportam. 6. Não deverão dar contribuições ilegais a candidatos a cargos públicos ou a partidos políticos ou outras organizações políticas. As contribuições deverão respeitar inteiramente as normas de divulgação pública de informação e ser declaradas à administração da empresa. VII. Interesses do consumidor

No seu relacionamento com os consumidores, as empresas deverão reger-se por práticas corretas e justas no exercício das suas atividades comerciais, publicitárias e de comercialização, devendo tomar todas as medidas razoáveis para garantir a segurança e qualidade dos bens ou serviços que forneçam. Em particular, deverão:

1. Assegurar que os bens ou serviços que fornecem respeitam todas as normas e padrões legalmente prescritos ou acordados em matéria de saúde e segurança do consumidor, incluindo a rotulagem referente à segurança do produto e informações a esta atinentes. 2. Fornecer, em função de cada bem ou serviço em concreto, informações exatas e claras sobre o respectivo conteúdo, segurança de utilização, manutenção, armazenagem e eliminação, que sejam suficientes para permitir que o consumidor possa tomar decisões esclarecidas. 3. Criar procedimentos transparentes e eficazes que permitam dar resposta às reclamações do consumidor, contribuindo para a resolução justa e rápida dos litígios com consumidores, sem custos ou formalidades excessivos. 4. Abster-se de, através de afirmações ou omissões, incorrer em práticas enganosas, falaciosas, fraudulentas ou desleais. 5. Respeitar a privacidade do consumidor e garantir a proteção de dados pessoais. 6. Trabalhar, de forma empenhada e transparente em cooperação com as autoridades públicas, na prevenção ou eliminação de ameaças sérias para a saúde e segurança públicas que resultem do consumo ou utilização de produtos seus. VIII. Ciência e Tecnologia

As empresas deverão:

1. Esforçar-se para garantir que as respectivas atividades sejam compatíveis

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com as políticas e planos de ciência e tecnologia dos países onde desenvolvem a sua atividade e, quando necessário, contribuir para o desenvolvimento da capacidade de inovação em nível nacional e local. 2. Quando exeqüível no curso de suas atividades comerciais, adotar práticas que permitam a transferência e a difusão rápida de tecnologias e de conhecimentos técnicos, salvaguardando devidamente a proteção dos direitos de propriedade intelectual. 3. Quando apropriado, levar a cabo, nos países de acolhimento, atividades de desenvolvimento científico e tecnológico que permitam satisfazer as necessidades do mercado local, bem como oferecer emprego nesses setores de atividade (C&T) a trabalhadores do país de acolhimento, encorajando a sua formação, tendo em conta as necessidades comerciais existentes. 4. Ao concederem licenças relativas à utilização de direitos de propriedade intelectual ou quando, de outra forma, transfiram tecnologia, fazê-lo em termos e condições razoáveis e de maneira a contribuir para as perspectivas de desenvolvimento de longo prazo do país de acolhimento. 5. Quando tal for pertinente para os objetivos comerciais da empresa, desenvolver relações a nível local com universidades, instituições públicas de pesquisa, e participar em projetos conjuntos de pesquisa com empresas ou associações empresariais locais. VIII. Concorrência

As empresas deverão, dentro do quadro legal e regulamentar aplicável, exercer as suas atividades de forma concorrencial. Em particular, as empresas deverão: 1. Abster-se de subscrever ou executar acordos anti-concorrenciais com os seus concorrentes, com o objetivo de: a) Fixar preços; b) Apresentar propostas concertadas (concorrer em conluio); c) Impor restrições ou quotas de produção; ou d) Proceder à partilha ou divisão dos mercados, repartindo entre si clientes, fornecedores, zonas geográficas ou ramos de atividade; 2. Exercer as respectivas atividades de modo compatível com as leis da concorrência aplicáveis, tendo em consideração a aplicabilidade das leis da concorrência dos países cujas economias poderão ser prejudicadas pelas atividades anti-concorrenciais por si desenvolvidas. 3. Nos termos da legislação aplicável e das salvaguardas relevantes, cooperar com as autoridades que, nesses países, são competentes em matéria de concorrência, através de, entre outras, respostas rápidas e completas a pedidos de informações delas recebidos. 4. Promover a sensibilização dos respectivos trabalhadores para a importância do respeito pela legislação e políticas da concorrência aplicáveis.

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X. Tributação

É importante que as empresas contribuam para as finanças públicas dos países de acolhimento, cumprindo pontualmente as obrigações fiscais que lhes competirem. Em particular, as empresas deverão agir de acordo com o quadro legal e regulamentar fiscal em vigor nos países onde desenvolvem a sua atividade, devendo esforçar-se seriamente por cumprir as obrigações decorrentes tanto da letra quanto do espírito dessas leis e regulamentos. Neste âmbito, as empresas deverão tomar medidas tais como fornecer às autoridades competentes todas as informações necessárias para a determinação correta dos impostos incidentes sobre as suas atividades e sujeitar os “preços de transferência” ao princípio da plena concorrência.

SEGUNDA PARTE

PROCEDIMENTOS DE IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES DA OC DE PARA AS EMPRESAS MULTINACIONAIS

DECISÃO DO CONSELHO DA OCDE

Junho de 2000

O CONSELHO,

Considerando a Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos, de 14 de Dezembro de 1960;

Considerando a Declaração da OCDE sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais (doravante “Declaração”), na qual os governos dos países aderentes (doravante “países aderentes”) recomendam, em conjunto, às empresas que desenvolvem atividades nos seus territórios ou a partir deles, o respeito pelas Diretrizes para as Empresas Multinacionais (doravante “Diretrizes”);

Reconhecendo que, dada a dimensão mundial das atividades das empresas multinacionais, a cooperação internacional nos domínios abrangidos pela Declaração se deverá estender a todos os países;

Considerando os Termos de Referência do Comitê de Investimento Internacional e Empresas Multinacionais, em particular no que se refere às suas responsabilidades em relação à Declaração [C(84)171(Final), renovada em C/M(95)21];

Considerando o Relatório sobre a Primeira Revisão da Declaração de 1976 [C(79)102(Final)], o Relatório sobre a Segunda Revisão da Declaração

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[C/MIN(84)5(Final)], o Relatório sobre a Revisão de 1991 da Declaração [DAFFE/IME(91)23] e o Relatório sobre a Revisão de 2000 das Diretrizes [C(2000)96];

Considerando a Segunda Decisão Revista do Conselho de Junho de 1984 [C(84)90], alterada em Junho de 1991 [C/MIN(91)7/ANN1];

Considerando a importância do reforço dos procedimentos que permitam a realização de consultas sobre matérias abrangidas por estas Diretrizes e a promoção da aplicação eficaz das mesmas;

Sob proposta do Comitê de Investimento Internacional e Empresas Multinacionais:

DECIDE:

Revogar a Segunda Decisão Revista do Conselho de Junho de 1984 [C(84)90], alterada em Junho de 1991 [C/MIN(91)7/ANN1] e substituí-la pela seguinte decisão: I. Pontos de Contato Nacionais

1. Os países aderentes criarão Pontos de Contato Nacionais encarregados de levar a efeito atividades de promoção, responder a pedidos de informações, participar em conversações com as partes envolvidas, sobre todas as matérias abrangidas pelas Diretrizes, a fim de contribuírem para a resolução de questões que possam surgir neste âmbito, tendo em boa conta as Orientações de Procedimento adiante anexas. A comunidade empresarial, as organizações sindicais e outras partes interessadas serão informadas sobre as atividades desenvolvidas. 2. Os Pontos de Contato Nacionais dos diversos países cooperarão entre si, na medida do necessário, em relação a qualquer matéria abrangida nas Diretrizes e que seja relevante para as suas atividades. Regra geral, a discussão em nível nacional deverá preceder os contatos com outros Pontos de Contato Nacionais. 3. Os Pontos de Contato Nacionais reunir-se-ão anualmente para partilhar experiências e elaborar relatório ao Comitê de Investimento Internacional e Empresas Multinacionais.

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II. Comitê de Investimento Internacional e Empresas Multinacionais 1. O Comitê de Investimento Internacional e Empresas Multinacionais (doravante “CIME” ou “Comitê”) procederá periodicamente, ou a pedido de um país aderente, ao intercâmbio de pontos de vista sobre matérias abrangidas pelas Diretrizes e sobre a experiência adquirida com a sua aplicação. 2. O Comitê convidará periodicamente o Comitê Consultivo da OCDE para as Empresas e a Indústria (BIAC), e o Comitê Consultivo da OCDE para os Sindicatos (TUAC) (doravante “órgãos consultivos”), bem como outras organizações não governamentais, para exprimirem os seus pontos de vista a respeito de matérias abrangidas pelas Diretrizes. Poderão ainda ter lugar intercâmbios de pontos de vista sobre essas matérias com os órgãos consultivos, a pedido destes. 3. O Comitê poderá decidir organizar intercâmbios de pontos de vista a respeito de matérias abrangidas pelas Diretrizes com representantes de países não aderentes. 4. O Comitê será responsável pela prestação de esclarecimentos acerca das Diretrizes. Os esclarecimentos serão fornecidos quando requisitados. Se assim o desejar, uma empresa poderá, a título individual, exprimir os seus pontos de vista, oralmente ou por escrito, acerca de matérias abrangidas pelas Diretrizes e que sejam do seu interesse. O Comitê não apresentará quaisquer conclusões sobre a conduta de determinada empresa em particular. 5. O Comitê levará a cabo intercâmbios de pontos de vista acerca das atividades dos Pontos de Contato Nacionais, tendo em vista melhorar a eficácia da aplicabilidade das Diretrizes. 6. No cumprimento das suas responsabilidades relativas ao funcionamento eficaz das Diretrizes, o Comitê terá na devida consideração as Orientações de Procedimento adiante anexas. 7. O Comitê relatará periodicamente ao Conselho acerca das matérias abrangidas pelas Diretrizes. Nos seus relatórios, o Comitê deverá ter em consideração os relatórios apresentados pelos Pontos de Contato Nacionais, os pontos de vista expressos pelos órgãos consultivos e, quando apropriado, os pontos de vista das organizações não governamentais e dos países não aderentes.

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III. Revisão da Decisão

A presente Decisão será periodicamente revista. O Comitê apresentará propostas para este efeito. Orientações de Procedimento

I. Pontos de Contato Nacionais

Os Pontos de Contato Nacionais (PCN) têm como função promover a eficácia das Diretrizes. Os PCN funcionarão em conformidade com critérios essenciais de visibilidade, acessibilidade, transparência e responsabilidade, a fim de alcançarem o objetivo da equivalência funcional.

A. Modalidades Institucionais

Em conformidade com o objetivo da equivalência funcional, os países aderentes têm flexibilidade para organizar os seus PCN, procurando garantir o apoio ativo dos parceiros sociais, incluindo a comunidade empresarial e as organizações sindicais, bem como outras partes interessadas, entre as quais as organizações não governamentais.

Por conseqüência, o Ponto de Contato Nacional:

1. Poderá ser um alto funcionário ou um serviço da administração pública dirigido por um alto funcionário. O PCN pode igualmente ser organizado como entidade coletiva que inclua representantes de outros organismos públicos. Os representantes da comunidade empresarial, das organizações sindicais e de outras partes interessadas poderão ainda participar nesta instância. 2. Estabelecerá e manterá relações com representantes da comunidade empresarial, organizações sindicais e outras partes interessadas que possam contribuir para o funcionamento eficaz das Diretrizes. B. Informação e Promoção

Os Pontos de Contato Nacional:

1. Darão a conhecer as Diretrizes, divulgando-as através dos meios adequados, incluindo a informação digital, e na respectiva língua nacional. Os potenciais investidores (nacionais e estrangeiros) deverão ser informados sobre as Diretrizes, quando necessário. 2. Desenvolverão ações de sensibilização a respeito das Diretrizes, cooperando, quando necessário, com a comunidade empresarial, as organizações sindicais, outras organizações não governamentais e o público interessado.

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3. Responderão a pedidos de informações sobre as Diretrizes, remetidos por: (a) Outros Pontos de Contato Nacionais; (b) A comunidade empresarial, as organizações sindicais, outras organizações não governamentais e o público; e (c) Governos de países não aderentes. C. Implementação em Circunstâncias Específicas

O PCN contribuirá para a resolução de questões concretas que surjam em relação à implementação das Diretrizes. O PCN abrirá espaço para debate e assistirá a comunidade empresarial, as organizações sindicais e outras partes interessadas na resolução dessas questões de maneira rápida e eficaz, em conformidade com o quadro legal aplicável. Ao prestar essa assistência, o PCN:

1. Procederá a uma primeira avaliação, a fim de determinar se as referidas questões merecem um exame mais aprofundado e responderá à parte ou partes que as apresentou. 2. Se as questões levantadas merecerem uma exame mais aprofundado, proporá os seus bons ofícios para ajudar as partes a encontrar uma solução. Para este efeito, o PCN consultará estas partes e, consoante o caso: (a) Solicitará o parecer das autoridades competentes e/ou dos representantes da comunidade empresarial, das organizações sindicais, de outras organizações não governamentais e de peritos; (b) Consultará o Ponto de Contato Nacional do outro país, ou países interessados; (c) Solicitará o parecer do CIME, se existirem dúvidas sobre a interpretação das Diretrizes em circunstâncias concretas; (d) Proporá e, com o acordo das partes interessadas, facilitará o acesso a meios consensuais e não contenciosos, tais como a conciliação ou mediação, para ajudar a dar solução às questões. 3. Se as partes interessadas não chegarem a acordo entre si em relação às questões levantadas, emitirá um comunicado e fará as recomendações apropriadas no tocante à aplicação das Diretrizes. 4. (a) A fim de facilitar a resolução das questões levantadas, tomará as medidas adequadas para proteger as informações sensíveis assim como outras informações das empresas. No decorrer do processo previsto no parágrafo 2, supra, manter-se-á a confidencialidade dos procedimentos. No final destes procedimentos, se as partes interessadas não tiverem chegado a acordo em relação à resolução das questões em exame, terão o direito de se exprimir sobre as mesmas e discuti-las. Todas as informações e os pareceres fornecidos durante os procedimentos por outra parte interessada, todavia, permanecerão confidenciais, a não ser que essa outra parte autorize a respectiva divulgação. (b) Após consulta das partes envolvidas, tornará públicos os resultados do processo, salvo se a manutenção da confidencialidade for entendida como mais útil para a implementação eficaz das Diretrizes.

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5. Se as questões forem suscitadas em países não aderentes, tomará medidas no sentido de se alcançar um entendimento sobre as questões envolvidas, seguindo os presentes procedimentos onde seja relevante e praticável.

D. Elaboração de relatórios

1. Cada Ponto de Contato Nacional relatará suas atividades anualmente ao Comitê. 2. Os relatórios deverão conter informação relativa à natureza e aos resultados das atividades dos Pontos de Contato Nacional, incluindo as atividades referentes à sua implementação em circunstâncias específicas. II. Comitê de Investimento Internacional e Empresas Multinacionais

1. O Comitê cumprirá as suas responsabilidades eficientemente e no devido tempo. 2. O Comitê analisará os pedidos de assistência apresentados pelos PCN, no quadro das suas atividades, incluindo os que forem apresentados em relação à interpretação das Diretrizes em circunstâncias concretas. 3. O Comitê: (a) Analisará os relatórios apresentados pelos PCN. (b) Analisará os pedidos fundamentados apresentados por um país aderente ou por órgão consultivo, para determinar se um PCN está ou não cumprindo as suas obrigações no que se refere à resolução de questões concretas. (c) Ponderará a prestação de esclarecimentos, sempre que um país aderente ou um órgão consultivo apresentar um pedido fundamentado referente à correta interpretação das Diretrizes por parte de um PCN em circunstâncias concretas. (d) Fará recomendações, quando necessário, para melhorar o funcionamento dos PCN e a aplicação eficaz das Diretrizes. 4. O Comitê poderá solicitar e analisar pareceres de peritos relativos a quaisquer matérias abrangidas pelas Diretrizes. Para este efeito, o Comitê decidirá sobre quais os procedimentos adequados.

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ANEXO B – RESOLUÇÃO 62.211 – REFERENTE AO GLOBAL CO MPACT

United Nations

A/RES/62/211

General Assembly

11 March 2008 Sixty-second session Agenda item 61

Resolution adopted by the General Assembly [on the report of the Second Committee (A/62/426)]

62/211. Towards global partnerships

The General Assembly,

Recalling its resolutions 55/215 of 21 December 2000, 56/76 of 11 December 2001, 58/129 of 19 December 2003 and 60/215 of 22 December 2005,

Reaffirming the vital role of the United Nations, including the General Assembly and the Economic and Social Council, in the promotion of partnerships in the context of globalization,

Underlining the intergovernmental nature of the United Nations, and the central role and responsibility of Governments in national and international policymaking,

Reaffirming its resolve to create an environment, at the national and global levels alike, that is conducive to sustainable economic growth, poverty alleviation and environmental sustainability,

Taking note of the increasing number of public-private partnerships worldwide,

Recalling the objectives formulated in the United Nations Millennium Declaration, notably the Millennium Development Goals, and the reaffirmation they have received

in the 2005 World Summit Outcome, 2

particularly in regard to developing partnerships through the provision of greater opportunities to the private sector, non-governmental organizations and civil society in general so as to enable them to contribute to the realization of the goals and programmes of the Organization, in particular in the pursuit of development and the eradication of poverty,

Recalling also that the 2005 World Summit encouraged the pursuit of responsible business practices,

Underlining the fact that cooperation between the United Nations and all relevant partners, including the private sector, shall serve the purposes and principles embodied in the Charter of the United Nations, can make concrete contributions to the realization of the internationally agreed development goals, including the Millennium Development Goals, as well as the outcomes of major United Nations conferences and summits and their reviews, in particular in the area of development and the eradication of poverty, and shall be undertaken in a manner that maintains

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the integrity, impartiality and independence of the Organization, Underlining also the importance of the contribution of the private sector, non-

governmental organizations and civil society to the implementation of the outcomes of United Nations conferences in the economic, social and related fields,

Welcoming, in this regard, the participation of civil society and private-sector entities in the multi-stakeholder consultations on financing for development, whose findings were presented at the High-level Dialogue on Financing for Development held in New York on 23 and 24 October 2007,

Recognizing the need, where appropriate, to enhance the capacity of Member States to participate effectively in partnerships, at all levels, in accordance with national priorities and national legislation, and encouraging international support for such efforts in developing countries,

Emphasizing that all relevant partners, including the private sector, can contribute in several ways to addressing the obstacles confronted by developing countries in mobilizing the resources needed to finance their sustainable development and to the realization of the development goals of the United Nations through, inter alia, financial resources, access to technology, management expertise and support for programmes, including through the reduced pricing of drugs, where appropriate, for the prevention, care and treatment of HIV/AIDS, malaria, tuberculosis and other diseases,

Welcoming the efforts and encouraging further efforts by all relevant partners, including the private sector, to engage as reliable and consistent partners in the development process and to take into account not only the economic and financial, but also the developmental, social, human rights, gender and environmental implications of their undertakings and, in general, to accept and to implement corporate social and environmental responsibility, that is, bringing such values and responsibilities to bear on their conduct and policy premised on profit incentives, in conformity with national laws and regulations,

Welcoming also the continuous efforts by the Commission on Sustainable Development through its secretariat to promote partnerships for sustainable development, inter alia, through the implementation and expansion of an interactive online database as a platform to provide access to information on partnerships and to facilitate the exchange of experiences and best practices and through the regular holding of partnership fairs at the sessions of the Commission,

Taking note with appreciation of the progress achieved in the work of the United Nations on partnerships, notably in the framework of various United Nations organizations, agencies, funds, programmes, task forces, commissions and initiatives, such as the Global Compact, launched by the Secretary-General, the

Global Alliance for Information and Communication Technologies and Development 3

and the United Nations Fund for International Partnerships, and welcoming the establishment of a multitude of partnerships at the field level, entered into by various United Nations agencies, non-public partners and Member States, such as the United Nations Public-Private Alliance for Rural Development, 1. Takes note of the report of the Secretary-General on enhanced cooperation

between the United Nations and all relevant partners, in particular the private sector;4

2. Stresses that partnerships are voluntary and collaborative relationships between

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various parties, both public and non-public, in which all participants agree to work together to achieve a common purpose or undertake a specific task and, as mutually agreed, to share risks and responsibilities, resources and benefits; 3. Also stresses the importance of the contribution of voluntary partnerships to the achievement of the internationally agreed development goals, including the Millennium Development Goals, while reiterating that they are a complement to, but not intended to substitute for, the commitment made by Governments with a view to achieving these goals; 4. Further stresses that partnerships should be consistent with national laws and national development strategies and plans, as well as the priorities of countries where their implementation takes place, bearing in mind the relevant guidance provided by Governments; 5. Recalls that the 2005 World Summit welcomed the positive contributions of the private sector and civil society, including non-governmental organizations, in the promotion and implementation of development and human rights programmes, and also recalls that the 2005 World Summit resolved to enhance the contribution of non-governmental organizations, civil society, the private sector and other stakeholders in national development efforts, as well as in the promotion of the global partnership for development, and encouraged public-private partnerships in the following areas: the generation of new investments and employment, financing for development, health, agriculture, conservation, sustainable use of natural resources and environmental management, energy, forestry and the impact of climate change; 6. Recognizes the role that public-private partnerships can play in efforts to eradicate poverty and hunger, also recognizes the need to ensure that their activities conform fully with the principle of national ownership of development strategies, and further recognizes the need for effective accountability and transparency in their implementation; 7. Calls upon the international community to continue to promote multi-stakeholder approaches in addressing the challenges of development in the context of globalization; 8. Encourages the United Nations system to continue to develop, for those partnerships in which it participates, a common and systemic approach, which places greater emphasis on impact, transparency, accountability and sustainability, without imposing undue rigidity in partnership agreements, and with due consideration being given to the following partnership principles: common purpose, transparency, bestowing no unfair advantages upon any partner of the United Nations, mutual benefit and mutual respect, accountability, respect for the modalities of the United Nations, striving for balanced representation of relevant partners from developed and developing countries and countries with economies in transition, sectoral and geographic balance, and not compromising the independence and neutrality of the United Nations; 9. Also encourages the activities of the United Nations Global Compact as an innovative public-private partnership to advance United Nations values and responsible business practices within the United Nations system and among the global business community, including through an increased number of local networks, acknowledges the special management, support, funding structure and position of the Global Compact within the United Nations system, which are specifically designed to reflect the diversity of its stakeholders, notes the activities of the Global Compact Office in this regard, and encourages it to continue its efforts, in particular in continuing to share relevant lessons learned and positive experiences

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from partnerships; 10. Takes note with interest of the second United Nations Global Compact Leaders Summit, held at the United Nations Office at Geneva on 5 and 6 July 2007, and of the partnerships launched; 11. Acknowledges the ongoing work of the United Nations on partnerships, notably in the framework of various United Nations organizations, agencies, funds, programmes, task forces and commissions, within their respective mandates, and in this regard encourages the provision of adequate training, as appropriate; 12. Encourages the relevant United Nations organizations and agencies to share relevant lessons learned and positive experiences from partnerships, including with the business community, as a contribution to the development of more effective United Nations partnerships; 13. Takes note with appreciation of the efforts of the Secretary-General to enhance partnership management through the promotion of adequate training at all concerned levels, institutional capacity in country offices, strategic focus and local ownership, the sharing of best practices, the improvement of partner selection processes and the streamlining of United Nations guidelines for partnerships between the United Nations and all relevant partners, including the private sector, and requests that such activities be continued, as appropriate; 14. Requests the Secretary-General, in consultation with Member States, to promote, within existing resources, impact-assessment mechanisms of partnerships, taking into account best tools available, in order to enable effective management, ensure accountability and facilitate effective learning from both successes and failures; 15. Welcomes innovative approaches to use partnerships as a means to better implement goals and programmes, in particular in support of the pursuit of development and the eradication of poverty, and encourages relevant United Nations bodies and agencies and invites the Bretton Woods institutions and the World Trade Organization to further explore such possibilities, bearing in mind their different mandates, modes of operation and objectives, as well as the particular roles of the non-public partners involved; 16. Recommends, in this context, that partnerships should also foster the elimination of all forms of discrimination, including on gender grounds, in respect of employment and occupation; 17. Reiterates its call upon:

(a) All bodies within the United Nations system that engage in partnerships to ensure the integrity and independence of the Organization and to include information on partnerships in their regular reporting, as appropriate, on their websites and through other means; (b) Partners to provide to and exchange relevant information with Governments, other stakeholders and the relevant United Nations agencies and bodies and other international organizations with which they engage, in an appropriate way, including through reports, with particular attention to the importance of sharing among partnerships information on their practical experience; 18. Requests the Secretary-General to report to the General Assembly at its sixty-fourth session on the implementation of the present resolution.

78th plenary meeting 19 December 2007

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ANEXO C – PARECER CONSULTIVO DA ONU

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REPARAÇÃO DE DANOS SOFRIDOS A SERVIÇO DAS NAÇÕES UNIDAS (1948-1949)

2. Parecer Consultivo de 11 de abril de 1949 A questão sobre a reparação dos danos sofridos por Agentes a serviço das Nações Unidas foi levada à Corte pela Assembléia Geral das Nações Unidas (Resolução da Assembléia Geral datada de 3 de dezembro de 1948) nos seguintes termos:

“I. No caso de um Agente das Nações Unidas, no desempenho de suas funções, sofrer um dano envolvendo a responsabilidade de um Estado, tem a Organização das Nações Unidas a capacidade para fazer uma reivindicação internacional contra o governo responsável de jure ou de facto, a fim de obter a devida reparação dos danos causados: (a) às Nações Unidas, (b) à vítima ou às pessoas sucessoras de seus direitos? II – No caso de uma resposta afirmativa à questão I (b), como a ação das Nações Unidas deve se conciliar com os direitos que o Estado a que pertence À vítima poderia ter?” Em relação às perguntas I (a) e I (b), a Corte estabeleceu uma distinção de acordo com o fato do Estado responsável ser ou não um membro das Nações Unidas. A Corte respondeu unanimemente à questão I (a) de maneira afirmativa. Na questão I (b), por onze votos a quatro, a Corte entendeu que a Organização tem capacidade para fazer uma reivindicação internacional, sendo ou não o Estado responsável um membro das Nações Unidas. Finalmente, no ponto II, por dez votos a cinco, a Corte opinou que, quando a Organização reclama a reparação de danos causados a seu Agente, ela somente pode fazê-lo baseando sua reivindicação sobre uma ruptura das obrigações que lhe eram devidas. Geralmente, o respeito a esta regra impedirá um conflito entre a ação das Nações Unidas e os direitos que o Estado nacional do Agente possa possuir. Além disso, a conciliação dependerá de considerações próprias a cada caso em particular, e dos acordos a serem feitos entre a Organização e os Estados individualmente. Os juízes dissidentes anexaram ao parecer uma declaração indicando as razões pelas quais eles não partilhavam da mesma opinião da Corte. Dois outros membros da Corte, concordando com o parecer, anexaram uma declaração complementar. Em seu parecer consultivo, a Corte, inicialmente, relatou como seria o procedimento. A demanda por um parecer foi notificada a todos os Estados capazes de agir perante a Corte, que também foram informados de que a Corte estava disposta a receber suas informações. Assim, declarações escritas foram enviadas

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pelos seguintes Estados: Índia, China, Estados Unidos da América, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, e França. Ademais, exposições orais foram apresentadas perante a Corte por um representante do Secretário Geral das Nações Unidas, assistido de um conselho, e pelos representantes dos governos belga, francês e do Reino Unido. A Corte fez, então, algumas observações preliminares à questão a ela submetida. Prosseguiu definindo determinados termos da demanda, e analisando o conteúdo da fórmula: “a capacidade para se fazer uma reivindicação internacional”. Um Estado certamente tem esta capacidade. Uma Organização Internacional também a teria? Isto equivale a perguntar se a Organização tem personalidade internacional. Para responder a esta questão, que não é solucionada expressamente pela Carta da ONU, a Corte considerou, em seguida, as características que a Carta pretendeu dar à Organização. Neste sentido, a Corte constatou que a Carta conferiu à Organização direitos e deveres distintos daqueles conferidos a seus membros. A Corte salientou, igualmente, as importantes tarefas políticas da Organização: a manutenção da paz e a segurança internacional. Por fim, a Corte concluiu que a Organização, como detentora de direitos e obrigações, tem uma larga medida de personalidade internacional e de capacidade para operar no plano internacional, embora não seja certamente um super-Estado. A Corte examinou, então, o cerne da questão, a saber, se entre os direitos internacionais da Organização está o direito de fazer uma reivindicação internacional a fim de obter a reparação de um Estado em razão de um dano causado a um Agente da Organização no exercício de suas funções. No primeiro ponto, I (a), da demanda, a Corte chegou à conclusão unânime de que a Organização tem a capacidade para apresentar uma reclamação internacional contra um Estado (membro ou não) que, por uma violação de suas obrigações para com a Organização, tenha-lhe causado um dano. A Corte lembrou que não foi acionada para determinar a extensão precisa da reparação que a Organização teria direito de receber. A medida da reparação deve depender de diversos fatores que a Corte enuncia a título exemplificativo. A Corte passou, em seguida, ao exame da questão I (b), a saber, se as Nações Unidas, como uma organização, têm a capacidade de apresentar uma reivindicação internacional com vista a obter reparação por danos causados não à própria Organização, mas à vítima ou às pessoas sucessoras de seus direitos. Ao tratar deste ponto, a Corte analisou a questão da proteção diplomática de nacionais. A Corte indicou que somente a Organização tem capacidade para apresentar uma reivindicação nestas circunstâncias, visto que a base de toda reivindicação internacional se sustenta sobre um descumprimento, pelo Estado demandado, de uma obrigação para com a Organização. No caso atual, o Estado cuja vítima é um nacional não poderia queixar-se do descumprimento de uma obrigação para com ele. A obrigação é posta aqui a favor da Organização. Entretanto, a Corte admite que a analogia da tradicional regra da proteção diplomática dos nacionais no exterior, por si própria, não justifica uma resposta afirmativa. De fato, não existe nenhuma ligação de nacionalidade entre a Organização e seus Agentes. Esta é uma situação nova e deve ser analisada. As

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disposições da Carta que se relacionam às funções da Organização implicam que esta tem poder para assegurar a seus Agentes uma proteção limitada? Estes poderes, que são essenciais ao desempenho das funções da Organização, devem ser considerados como uma implicação necessária da Carta. No cumprimento de suas funções, a Organização pode achar serem tais poderes necessários para confiar a seus Agentes as missões importantes a serem executadas em regiões turbulentas do mundo. Estes Agentes devem dispor de proteção eficaz. Somente desta maneira poderá o Agente realizar satisfatoriamente seus deveres. Conseqüentemente, a Corte chegou à conclusão de que a Organização tem capacidade para exercer uma proteção funcional de seus Agentes. A situação é relativamente simples no caso de Estados-membros, porque estes assumiram várias obrigações para com a Organização. Mas qual é a situação quando uma reivindicação é trazida contra um Estado que não seja um membro da Organização? A Corte entendeu que os membros das Nações Unidas criaram uma entidade que possui personalidade internacional objetiva e não meramente personalidade reconhecida somente por eles. Conseqüentemente, a exemplo da pergunta I (a), a Corte responde à questão I (b) afirmativamente. A questão nº II da Assembléia Geral referiu-se à conciliação da ação pelas Nações Unidas com os direitos que o Estado a que pertence a vítima possa possuir, ou seja, o que estava envolvido é a possível concorrência entre os direitos diplomáticos de proteção deveria ter prioridade e, no caso de Estados-membros, salientou seu dever de prestar todo o auxílio estipulado pelo artigo 2º da Carta da ONU. A Corte acrescentou que o risco de concorrência entre a Organização e o Estado nacional pode ser reduzido ou eliminado por uma convenção geral ou particular, e referiu-se a casos nos quais uma solução prática foi encontrada para este problema. Finalmente, a Corte examinou o caso em que o Agente possuiria a nacionalidade do Estado demandado. Desde que a reivindicação trazida pela Organização não fosse baseada na nacionalidade da vítima, mas sim em sua qualidade de Agente da Organização, é indiferente que o Estado a que a reivindicação é dirigida seja o mesmo Estado da vítima. A situação jurídica não é modificada desse modo. Parecer Consultivo, proferido pela Corte Internacional de Justiça, em 11 de abril de 1949, no caso de Reparação de danos sofridos a serviço das Nações Unidas. Disponível em <http://www.cedin.com.br/060topic_pdf/pdf_cij/pareceres%20consultivos_1948.pdf>. Acesso em 12 de dezembro de 2008.