591654 cicero sobre o destino

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Título Original: De Fato © Copyright, 1993. Editora Nova Alexandria Ltda. Todos os direitos reservados. Editora Nova Alexandria Ltda. Rua Dionísio da Costa, 141 04117-110 — São Paulo — SP Caixa Postal 12.994 04010-970 — Scão Paulo — SP Tel./fax: (11)5571-5637 [email protected] www.novaalexandria.com.br Revisão de tradução: João Câmara Neiva Revisão: Lourenço de Souza Barba Carla CCS. Mello Moreira Composição e filmes: Ensaio Editoração Eletrônica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cícero, Marco Túlio Sobre o destino / Cícero ; tradução e notas de José Ro- drigues Seabra Filho ; posfácio de Zélia de Almeida Cardoso. — São Paulo : Nova Alexandria, 2001. ISBN 85-86075-69-8 Edição bilíngue: latim-português 1. Destino 2. Literatura latina I. Seabra Filho, José Rodrigues II. Cardoso, Zélia de Almeida III. Título 93-2270 CDD-870 índices para catálogo sistemático: 1. Clássicos latinos : Literatura latina 870 2. Literatura latina 870 SUMÁRIO Sobre o Destino Fragmentos Notas De Fato Fragmenta Posfácio Resumo dos Parágrafos

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Título Original: De Fato © Copyright, 1993. Editora Nova Alexandria Ltda.

Todos os direitos reservados. Editora Nova Alexandria Ltda. Rua Dionísio da Costa, 141 04117-110 — São Paulo — SP Caixa Postal 12.994 04010-970 — Scão Paulo — SP Tel./fax: (11)5571-5637 [email protected] www.novaalexandria.com.br

Revisão de tradução: João Câmara Neiva Revisão: Lourenço de Souza Barba

Carla CCS. Mello Moreira Composição e filmes: Ensaio Editoração Eletrônica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cícero, Marco Túlio Sobre o destino / Cícero ; tradução e notas de José Ro­

drigues Seabra Filho ; posfácio de Zélia de Almeida Cardoso. — São Paulo : Nova Alexandria, 2001.

ISBN 85-86075-69-8

Edição bilíngue: latim-português

1. Destino 2. Literatura latina I. Seabra Filho, José Rodrigues II. Cardoso, Zélia de Almeida III. Título

93-2270 CDD-870

índices para catálogo sistemático:

1. Clássicos latinos : Literatura latina 870 2. Literatura latina 870

SUMÁRIO

Sobre o Destino

Fragmentos

Notas

De Fato

Fragmenta

Posfácio

Resumo dos Parágrafos

1 1 ... porque 1 toca aos costumes, que eles (os gre­

gos) chamam de êthos, e nós a essa parte da filoso­

fia c o s t u m a m o s m e n c i o n a r c o m o f i l o s o f i a d o s

costumes, mas convém que a enriquecente língua la­

tina a nomeie de moral 2 , deve também ser explicado

o sentido e a teoria das enunciações que os gregos

chamam de axiomas*; qual significado tenham esses

axiomas, quando alguma coisa dizem sobre o futuro

e sobre aquilo que possa acontecer ou não possa, é

questão obscura, que os filósofos mencionam como

dos possíveis, e é toda a lógica4, palavra que eu cha­

mo de método de argumentar. Nesta disputa Sobre o

destino, certo acaso me impediu de fazer aquilo que

no entanto fiz em outros livros que tratam da Natu­

reza dos deuses, e t ambém naqueles que publ iquei

Sobre a adivinhação: que se desenvolvesse para uma e

outra parte uma l inguagem contínua, a fim de que

mais facilmente fosse aprovado por cada um aquilo

que a cada um parecesse o mais provável 5 .

2 Pois como estivesse eu em Puteolano 6 , e também es­

t i ve s se no m e s m o l o c a l 7 o nosso Hírcio ' s , cônsu l

designado, homem muito meu amigo, e dedicado a

es tes e s tudos nos quais eu tenho v iv ido desde a

infância 9 , ficávamos muito tempo juntos, procurando

sobretudo precisamente aqueles consensos que tocas­

sem à paz e à concórdia dos cidadãos. Com efeito,

como após a morte de César 1 0 todos os motivos de

novas pe r tu rbações pa reces sem ser p rocurados , e

pensássemos que se lhes devia resistir, quase toda a

nossa conversação se consumia nessas deliberações; e

f izemos isso não só f requentemente , mas t a m b é m

num dia mais l ivre do que cos tumava ser e mais

vazio de visitadores, como ele tivesse vindo a minha

casa, c o m e ç a m o s a discutir p r imei ramente aquelas

coisas que eram cotidianas e quase de lei para nós:

sobre a paz e sobre o óc io 1 1 .

II 3 Tra tados esses assuntos, ele diz: "E então? Visto

que tu na verdade não abandonaste , como espero,

os exercícios oratórios, mas certamente antepuseste a

eles a filosofia, acaso posso ouvir algo de t i ? -Ce r t a ­

mente, digo eu, ou ouvir ou dizer, p o i s - e isto é o

que supões cor re tamente-nem abandonei aqueles es­

tudos oratórios com os quais até te inflamei, con­

quanto já houvesse percebido que tu eras ardentís­

s i m o , n e m e s t e s e s t u d o s , d e q u e a g o r a t r a t o ,

d iminuem, mas antes aumentam aquela faculdade.

Efetivamente, com este género de filosofia que nós

s e g u i m o s 1 2 , o orador tem muita afinidade, pois da

Academia ele toma de emprés t imo sutileza, e, por

sua vez, a ela restitui fecundidade de oração e orna­

mentos de l inguagem. Por esse m o t i v o - d i g o e u - ,

visto que nosso domínio é de um e outro estudo,

que seja opção tua de qual dos dois queiras hoje

fruir". Então Hírcio diz: "Isso é muito amável, e se­

melhante a tudo que vem de ti: nada, com efeito, a

tua vontade alguma vez recusou ao meu desejo.

4 Mas, visto que teus preceitos de retórica me são co­

nhec idos , e sobre e les não só te o u v i m o s mui t a s

vezes, como também ouviremos, e como as Disputas

10

tusculanas indicam que tu tens adotado dos académi­

cos este costume de argumentar contra uma propo­

s i ção , q u e r o p r o p o r a lgo em r e l a ç ã o ao qual eu

possa ouvir-te discorrer, se não te é molesto. - Acaso,

digo eu, me pode ser molesto algo que a ti haja de

ser agradável? Mas é assim que me ouvirás: como a

um homem romano, como a um que caminha timi­

damente para este género de discussão, como a um

que depois de longo intervalo retoma estes estudos.

- A s s i m te ouvirei argumentar , diz ele, da m e s m a

forma como leio as coisas que escreveste. Começa ,

portanto. Assentemo-nos aqui..." 1 3

III 5 ... em a l g u n s d e s s e s c a s o s , c o m o no p o e t a

Ant ípa t ro 1 4 , como nos nascidos no dia do solst ício

d e i n v e r n o 1 5 , c o m o n o s i r m ã o s q u e a d o e c e m

s imul taneamente 1 6 , como na urina, como nas unhas,

c o m o nas restantes coisas desta espécie , prevalece

uma influência da natureza 1 7 , que eu não suprimo:

mas nenhuma influência é força de um destino. E

em outros casos pode haver certos acasos, como na­

q u e l e n á u f r a g o 1 8 , c o m o e m I c á d i o 1 9 , c o m o e m

Dáfitas 2 0 . Certas coisas também P o s i d ô n i o - e que eu

as tenha dito com a licença do mestre - parece in­

ventar: são na verdade absurdas 2 1 . Pois quê? Se o

des t ino de Dáfi tas era cair de um cavalo e assim

perecer, era acaso de tal "cavalo" que, como cavalo

não fosse, t inha nome i m p r ó p r i o 2 2 ? Ou era Fil ipe

aconselhado a evitar aquelas quadrigas decoradas so­

bre um p u n h o de e s p a d a ? C o m o se na v e r d a d e

houvesse sido morto por esse punho 2 3 ! Que há tam­

b é m de g r a n d i o s o em que a q u e l e náu f r ago sem

nome haja caído num riacho, conquanto na verdade

este (Posidônio) escreve que se lhe tinha sido predi­

to que haveria de na água perecer 2 4 ? E - p o r Hércu­

l e s ! - n e m s e q u e r v e j o a l g u m d e s t i n o d o l a d r ã o

1 I

Icádio 2 5 , pois nada escreve (Posidônio) sobre alguma

predição que lhe tenha sido feita.

6 Que há então de maravilhoso em ter-lhe uma pedra

caído da caverna sobre as pernas? Penso com efeito,

que, mesmo se Icádio não estivesse então na caver­

na, aquela pedra prestes a cair teria lá estado. Por­

que ou não há absolutamente nada fortuito, ou isso

aí pôde ocorrer por casualidade. Pergunto e n t ã o - e

isto se estenderá longamente - se do destino absolu­

tamente nenhum nome, nenhuma natureza, nenhuma

força existisse, e fortuitamente, sem querer, por meio

do acaso, ou a maior parte dos acontecimentos ou

todos acontecessem, ocorreriam porventura diferente­

m e n t e do m o d o c o m o agora o c o r r e m ? Logo, que

importa inculcar aí o destino, quando, sem o desti­

no, à natureza ou à fortuna se consigne a razão de

todas as coisas?

IV 7 Mas deixemos Posidônio com um bom agradeci­

m e n t o - a s s i m é j u s t o - ; v o l t e m o s aos l a ç o s d e

Cr i s ipo 2 6 . A este respondamos primeiro exatamente

sobre essa mesma influência das coisas; perseguire­

mos depois o restante. Vemos quanto se distinguem

entre si as naturezas dos lugares: uns são salubres,

outros pestilentos; aqui, úmidos e quase abundantes

em líquido, acolá, secos e áridos; e mui tas outras

coisas existem que grandemente difiram de lugar pa­

ra lugar. Em Atenas o céu é ténue: daí são conside­

rados então mais perspicazes os áticos; em Tebas é

espesso: pingues e robustos por isso os tebanos. To­

davia nem aquele ténue céu fará que ou a Zenão

ou a Arcésilas ou a Teofrasto alguém ouça 2 7 ; nem o

céu espesso de Tebas fará que alguém aspire à vitó­

ria antes em Neméia que no Is tmo 2 8 .

8 Segue mais adiante: que influência pode então a na­

tureza do lugar trazer, para que passeemos no Pór-

12

tico de Pompeu antes que no Campo 2 9 ? Contigo an­

tes que com outro? Nos idos antes que nas calen­

das? Então, como para certas coisas a natureza do

lugar influi em algo, e para outras em nada influi,

assim dos astros a natureza valha, se queres, para

certos casos; para todos certamente não valerá. "Mas

então, visto que nas naturezas dos homens há desse­

melhanças, de sorte que a uns deleitem os doces, a

outros os um tanto amargos, uns libidinosos sejam,

outros iracundos, ou cruéis, ou soberbos, outros se

apartem de tais vícios; visto portanto q u e " - d i z e l e ­

f a n t a uma natureza dista da outra, que há de ma­

ravilhoso em serem essas dessemelhanças criadas a

partir de diferentes causas?"

V 9 Disser tando sobre isso, (Crisipo) não percebe de

que a s sun to se trate, e em que cons is ta a causa .

Pois se uns são mais propensos a umas coisas, ou­

tros a outras, em virtude de causas naturais e ante­

cedentes , não é por isso que t ambém deva haver

causas naturais e antecedentes para nossas vontades

e desejos. Pois nada dependeria de nós, se a coisa

assim se passasse. Agora, reconhecemos que na ver­

dade isto não depende de nós: que sejamos finos ou

ob tusos , robus tos ou fracos. Q u e m pensa, porém,

que se é coagido por isso, e que nem sequer seja

de nossa vontade o fato de que nos sen temos ou

andemos, esse não vê como uma coisa se segue de

outra 3 0 . Que, com efeito, engenhosos uns e rudes ou­

tros assim nasçam por causas antecedentes, e igual­

men te robustos uns e fracos outros, não se segue

todavia que também estar esses sentados e andar e

fazer a lgo seja definido e es tabe lec ido por causas

principais.

10 Que Esti lpão 3 1 , filósofo de Mégara, foi homem segu­

r a m e n t e f ino e e s t i m a d o n a q u e l e s s eus t e m p o s ,

13

temos ouvido dizer. Os familiares do próprio (Estil-

pão) escrevem haver ele sido não só um ébrio como

também um mulherengo; e não o escrevem vitupe-

rantes, mas antes para louvor: pois dizem haver a

viciosa natureza por ele sido de tal modo domada e

reprimida com a instrução, que ninguém o teria vis­

to alguma vez embriagado, ninguém teria nele visto

vestígio de libido. Que dizer então de Sócrates? Não

temos lido acaso de que modo Z ó p i r o - o fisionomis-

ta que se gabava de reconhecer pe r fe i t amente os

c o s t u m e s e as na tu rezas dos h o m e n s a part i r do

corpo, dos olhos, do vulto, da f ron te -hav ia caracte­

rizado Sócra tes 3 2 ? Disse que Sócrates era estúpido e

retardado, porque não tivesse covinhas no pescoço;

obstruídas e obturadas dizia serem-lhe tais partes;

acrescentou até que ele era mulherengo-sobre o que

se diz ter Alcibíades soltado uma gargalhada 3 3 .

11 Mas esses vícios podem nascer de causas naturais;

serem extirpados, porém, e profundamente suprimi­

dos, de maneira que seja de tantos vícios afastado

aquele m e s m o que a eles propenso haja sido, não

está isso posto em causas naturais, mas em vontade,

aplicação, disciplina. Suprime-se tudo isso, se a for­

ça e a natureza do destino for estabelecida a partir

do argumento da adivinhação 3 4 .

V I C o m efeito, se a adivinhação existe, então de quais

percepções da capacidade técnica provém? - chamo

de "percepções" o que, em grego, se diz teoremas35.

Pois não creio que, sem a lguma percepção, ou os

demais artífices versem seu ofício, ou aqueles que se

servem da adivinhação predigam futuros.

12 Sejam portanto deste modo as percepções dos astró­

logos: "Se alguém, por exemplo, nasceu ao elevar-se

da Canícula 3 6 , esse não morrerá no mar". Vigia, Cri­

sipo, para que não abandones a tua causa, sobre a

14

qual sus tentas contra Diodoro , poderoso dialé t ico,

um grande combate 3 7 . Se efetivamente é verdadeiro

o que assim se concatena: "Se alguém nasceu ao ele­

var-se da Canícula , esse não morrerá no mar", tal

também é verdadeiro: "Se Fábio nasceu ao elevar-se

da Canícula, Fábio não morrerá no mar" 3 8 . Opõem-se

portanto entre si estas coisas: ter Fábio nascido ao

elevar-se da Canícula, e haver Fábio de morrer no

mar; e porque se estabelece como certo, em Fábio,

ter ele nascido ao elevar-se da Canícula, também es­

tas coisas se opõem: que Fábio existe, e que ele há

de morrer no mar. Logo , t ambém esta proposição

composta é estabelecida a partir de coisas contraditó­

rias: "Fábio existe", e "Fábio morrerá no mar", o que,

como foi proposto, nem sequer pode acontecer. Logo,

tal proposição "Fábio morrerá no mar" é deste géne­

ro: que não pode acontecer. Logo, tudo aquilo que

se a f i rma c o m o fa lso , s o b r e o fu turo , não p o d e

acontecer 3 9 .

V I I 13 Mas isso, Cr is ipo , de m o d o a lgum queres , e

p r i nc ipa lmen te a respe i to d isso m e s m o tens uma

disputa com Diodoro. Este, com efeito, diz ser pos­

sível só o que ou seja verdadeiro ou deva ser ver­

dadeiro; e o que quer que deva acontecer, isso ele

diz ser necessário acontecer; e o que quer que não

deva acontecer, isso ele nega ser possível. Quanto a

ti, dizes tanto ser possível o que não deva aconte­

c e r - c o m o quebrar-se esta pedra preciosa, ainda que

isso nunca deva acon t ece r - , como dizes nem ter si­

do necessário que Cípselo reinasse em Corinto, con­

quanto isso houvesse sido anunciado mil anos antes

pelo o rácu lo de A p o l o 4 0 . Mas , se admi t i res c o m o

proféticas essas predições, também as falsas que se­

rão ditas sobre as coisas futuras terás entre aquelas

que não possam ocorrer - como, por exemplo, caso se

15

diga que o Africano haverá de apossar-se de Carta­g o 4 1 - ; e se com verdade se vier a dizer do futuro, e isso assim deva acontecer, dirás que era necessário: o que é a opinião toda de Diodoro, contrária à vos­sa 4 2 .

14 Com efeito, se isto ve rdade i ramente se concatena ,

"Se nasceste ao elevar-se da Canícula, não morrerás

no mar", e o primeiro membro que está na proposi­

ção hipotética, "Nasceste ao elevar-se da Canícula", é

necessário - efetivamente todas as coisas verdadeiras

nos fatos passados são necessárias, como parece bem

a Crisipo, que difere de seu mestre Cleantes 4 3 , por­

que os fatos passados são imutáveis e não podem, a

partir da verdade, converter-se na fals idade-; se en­

tão o primeiro membro que está na proposição hipo­

tética é necessár io , tornar-se t ambém necessár io o

que se lhe segue. Todavia isso não parece a Crisipo

valer em todos os casos; mas entretanto se há uma

causa natural para que Fábio não morra no mar, Fá­

bio não pode morrer no mar.

V I I I 15 Neste passo Crisipo, agitando-se, espera que os

caldeus e também os restantes adivinhos se enganem

e não venham a servir-se de proposições compostas,

de modo a pronunciarem assim suas percepções: "Se

a lguém nasceu ao elevar-se da Canícula , esse não

morrerá no mar", mas antes assim digam: "Não exis­

te a q u e l e que, nasc ido ao e l eva r - se da Can ícu l a ,

morrerá no mar". O licença divertida! Para que ele

próprio não incida em Diodoro, ensina aos caldeus

de que modo convenha que estes exponham as pró­

prias percepções. Pergunto pois: se os caldeus assim

fa l a s sem-de maneira que estabelecessem as negações

das proposições compostas gerais antes que as pro­

posições hipotéticas ge ra i s - , por que os médicos, por

que os geómetras, por que os demais não poderiam

16

fazer o mesmo? O médico em primeiro lugar, o que

houve r s ido por ele obse rvado , em sua ar te , não

proporá assim: "Se a alguém as veias se movem de

tal maneira, esse tem febre", mas antes deste modo:

"Não há alguém a quem as veias se movem de tal

maneira, e ele não tenha febre". E igualmente o geô-

met ra não dirá a s s i m : " N u m a esfera os c í r c u l o s

máximos se dividem iguais entre si", mas antes des­

te modo : "Não há numa esfera c í rculos m á x i m o s

que também não se dividam iguais entre si".

16 Que é que não possa desse modo ser transferido da

proposição hipotética para a negação das proposições

compostas? E na verdade podemos expor de outros

modos as mesmas coisas. Há pouco eu disse: "Nu­

ma esfera os c í rculos m á x i m o s se d iv idem iguais

entre si"; posso dizer: "Se numa esfera houver círcu­

los máximos . . . " posso dizer: "Porque numa esfera

haverá círculos máximos...". Muitas são as maneiras

de enunciar - nenhuma mais torcida que aquela com

a qual Crisipo espera que os caldeus, por interesse

dos estóicos, hajam de ficar contentes 4 4 .

1 X 1 7 Nenhum deles, contudo, fala assim; pois é mais

difícil aprender inteiramente essas confusões de lin­

guagem que os nascimentos e desaparecimentos das

constelações. Mas voltemos àquela discussão de Dio­

doro, que m e n c i o n a m c o m o dos possíveis, na qual

aquilo que prevaleça, porque possa acontecer, se pro­

cura. Agrada então a Diodoro somente poder aconte­

cer aqui lo que ou seja ve rdade i ro ou haja de ser

verdadeiro. Esse ponto atinge esta questão: nada que

não haja s ido neces sá r i o acon tece , e , t udo o que

possa acontecer , isso ou já é ou haverá de ser; e

não mais podem ser a l teradas de verdade i ras em

falsas estas coisas que haverão de ser, tanto quanto

aquelas que foram feitas. Mas a imutabi l idade nos

17

fatos passados é evidente; em certos futuros, porque

não seja evidente, nem sequer parece existir, assim

c o m o em re lação à q u e l e que es te ja a cos sado por

mortífera doença, seja verdade dizer: "Este morrerá

por causa desta doença"; por outro lado, isso mes­

mo, se dito segundo a verdade, em relação àquele

sobre o qual uma tão grande força da doença não

se evidencie, não haverá de realizar-se menos. As­

sim, pois, acontece que nem sequer no futuro possa

acontecer aquela mudança do verdadeiro em falso.

Com efeito, a proposição "Cipião morrerá" tem tal

força que, embora dita a respeito do futuro, não po­

de todavia converter-se em falsa: pois se diz de um

homem, a quem morrer é necessário.

18 Assim, se se dissesse "Cipião morrerá de noite, em

seu leito, assassinado com violência", seria dito se­

gundo a verdade, pois seria dito haver de acontecer

aquilo que havia de acontecer; ora, ter estado para

acontecer deve ser entendido a partir disto: porque

aconteceu. E não era mais verdadeiro dizer "Cipião

morrerá" que "Morrerá de tal modo"; nem mais ne­

cessário, a Cipião, morrer que morrer de tal modo;

nem mais imutável de verdadeiro em falso "Cipião

foi a s s a s s i n a d o " q u e "Cip ião será a s s a s s i n a d o " 4 5 .

Nem, quando essas coisas assim sejam, há mot ivo

para que Epicuro tema o destino e procure apoio da

parte dos átomos, e os desvie do trajeto próprio, e

duma só vez sustente duas coisas insolúveis: uma,

que algo aconteça sem causa - resultará daí que algo

aconteça do nada, o que não parece bem nem a ele

própr io nem a físico a l g u m - ; outra, que, quando

dois indivis íveis 4 6 se dirigem através do vazio, um

se mova em linha reta, outro decl ine 4 7 .

19 Com efeito, é lícito a Epicuro, que concede que todo

enunciado é ou verdadeiro ou falso, não temer que

18

seja necessário que todas as coisas aconteçam pelo

destino, pois não é por causas eternas decorrentes de

uma necessidade da natureza que é verdadeiro isto

que assim se enuncia "Carnéades desce à Academia",

nem todavia sem causas ; mas há diferenças entre

causas fortuitamente anteriores e causas que encer­

ram em si uma eficiência natural 4 8 . Assim, sempre

foi verdadeiro "Morrerá Epicuro quando tiver vivido

setenta e dois anos, sendo arconte Pitarato", e contu­

do não havia causas fatais para que assim chegasse

a acontecer; mas é porque assim tivesse acabado por

acontecer que com certeza teve de acabar acontecen­

do assim como acabou acontecendo 4 9 .

20 E aqueles que dizem ser imutáveis as coisas que es­

tejam para existir, e não poder o verdadeiro futuro

converter-se em falso, não confirmam a necessidade

do d e s t i n o , m a s só i n t e r p r e t a m o s e n t i d o d a s

palavras 5 ". Por outro lado, aqueles que introduzem

uma série sempi terna de causas, esses v inculam a

mente do homem, despojada de uma vontade livre,

à necessidade do dest ino 5 1 .

X Mas essas coisas até aqui; ve jamos outras. Crisipo,

com efeito, conclui deste modo: "Se há um movi ­

mento sem causa, não toda enunciação, que os dia-

léticos mencionam como axioma, será ou verdadeira

ou falsa, pois o que não tiver causas eficientes não

será verdadeiro nem falso; ora, toda enunciação é ou

verdadeira ou falsa; logo, nenhum movimento sem

causa existe.

21 Quanto a isso, se assim é, todas as coisas que acon­

tecem, acon tecem por causas anter iores ; se isso é

assim, todas as coisas acontecem pelo destino: de-

duz-se então que pelo destino acontecem quaisquer

coisas que aconteçam". Aqui pr imei ramente se me

aprouver assentir a Epicuro e negar que toda enun-

19

ciação seja ou verdadeira ou falsa, aceitarei antes es­

se ponto que admitir que todas as coisas aconteçam

p e l o d e s t i n o : p o i s a q u e l a o p i n i ã o t em a l g o d e

disputa; esta, na verdade, não é tolerável. E assim

Crisipo faz todos os esforços para persuadir que to­

do axioma ou é verdade i ro ou falso. Assim como,

com efeito, Epicuro receia, se tiver concedido isso,

que se deva conceder que acontecem pelo des t ino

quaisquer coisas que aconteçam - com efeito, caso um

e outro ponto seja verdadeiro desde toda a eternida­

de, é isso também certo, e, se certo, também neces­

sário: assim ele pensa que se confirmam então tanto

a necessidade como o d e s t i n o - ; deste modo Crisipo

temeu que, se não tivesse obtido ou ser verdadeiro

ou falso tudo que se enuncie, não pudesse sustentar

que todas as coisas acontecem pelo destino e a par­

tir de causas eternas de acontecimentos futuros.

22 Mas pela declinação do átomo Epicuro julga ser evi­

tada a neces s idade do dest ino. E assim um cer to

te rce i ro m o v i m e n t o surge , a lém de peso e go lpe ,

quando o átomo declina num intervalo m í n i m o - e l e

o m e n c i o n a c o m o o menor-; e ele é c o m p e l i d o a

confessar, senão por palavras, por fato, que essa de­

clinação acontece sem causa. Com efeito, um átomo

não declina com impulso da parte de outro átomo.

Pois qual, um por outro, pode ser impelido, se os

corpos indivisíveis são levados pela gravidade, verti­

ca lmente , em linhas retas, como apraz a Epicuro?

Segue-se então que, se um por outro nunca é des­

viado, nem sequer um toque ao outro. Deduz-se daí,

ainda que o átomo exista, e que ele decline, que ele

declina sem causa.

23 E tal raciocínio Epicuro o introduziu por este moti­

vo: porque receou que, se s e m p r e o á tomo fosse

levado por gravidade natural e necessária, nada nos

2 0

seria livre, visto que assim se moveria a alma, con­

forme fosse compelida pelo movimento dos átomos.

Isto, que todas as coisas acontecem pela necessidade,

Demócri to , o autor da teoria dos átomos' 1 2 , preferiu

aceitar a arrancar dos corpos indivisíveis os movi­

mentos naturais.

XI De manei ra ma i s perspicaz procedeu C a r n é a d e s 5 3 ,

que ensinava poderem os epicuristas defender a pró­

pria causa s e m essa i m a g i n a d a d e c l i n a ç ã o . Po is

como ensinassem poder existir algum movimento vo­

luntário da alma, ser isso defendido era melhor que

introduzir uma declinação cuja causa sobretudo não

pudessem descobrir: defendido isso, facilmente pode­

riam resistir a Crisipo. Pois, ainda que tivessem con­

cedido não existir movimento algum sem causa, não

concederiam acontecer por causas antecedentes todas

as coisas que acontecessem: pois para a nossa vonta­

de não há causas externas e antecedentes.

24 Portanto abusamos de um comum cos tume de lin­

guagem, quando assim d izemos que a lguém quer

algo ou não quer, sem causa; porque assim dizemos

"sem causa" conforme queremos dizer: sem causa ex­

terna e a n t e c e d e n t e , não sem a l g u m a c a u s a ; do

m e s m o modo, quando d izemos que um vaso está

vazio, não falamos assim como os físicos, aos quais

apraz que o vazio nada seja, mas da mesma forma

que, por força de expressão, queremos dizer estar o

vaso sem água, sem vinho, sem óleo; assim também,

quando d izemos que a a lma se move sem causa ,

queremos dizer que se move sem causa antecedente

e externa, não absolutamente sem causa. Do próprio

átomo, já que se move pela gravidade e peso atra­

vés do vazio, pode-se dizer que se move sem causa,

porque nenhuma causa se lhe acrescenta de fora.

25 Novamente p o r é m - p a r a que todos os físicos não se

21

r iam de nós, se d i sse rmos que a lgo acon tece sem causa - deve-se distinguir e assim dizer que tal é a natureza do próprio indivisível, de maneira que pe­lo peso e gravidade ele se mova, e que essa própria natureza é a causa pela qual ele assim seja transpor­tado. Semelhan temente , não se deve procurar uma causa externa para os movimentos voluntários das almas, pois o próprio movimento voluntário contém em si aquela natureza, de tal forma que esteja em nosso poder e nos obedeça, e isso não sem causa, pois desse fato a causa é a própria natureza.

26 Já que isso assim seja, que há para que toda propo­s i ç ã o n ã o se ja ou v e r d a d e i r a ou fa lsa , s e m q u e tenhamos concedido acontecer pelo destino qualquer coisa que aconteça?

"Porque coisas futuras verdadeiras" - diz ( C r i s i p o ) 5 4 -

não podem ser as que não têm causas pelas quais

devam acontecer; então é necessário que as que são

verdadeiras tenham causas: assim, quando t iverem

ocorrido, terão ocorrido pelo destino".

X I I O assunto está concluído, se por ti deve ser conce­

dido ou que pelo destino todas as coisas aconteçam

ou que algo possa acontecer sem causa.

27 Acaso esta proposição "Cipião tomará Numância" de

outro modo não pode ser verdadeira, a não ser que

desde toda a eternidade uma causa encadeando ou­

tra tiver de produzir isso? Acaso isso teria podido

ser falso se fosse dito seiscentos séculos antes? E se

então não fosse verdadeira esta proposição "Cipião

tomará Numância", nem estoutra sequer seria verda­

deira "Cipião tomou Numância". Pode então haver

sucedido algo que não tenha sido verdade haver de

suceder? Pois como denominamos verdadeiras estas

coisas pretéritas das quais em um tempo ainda ante­

rior verdadeira tenha sido a realização, assim verda-

22

dei ras d e n o m i n a r e m o s aque la s co i sas futuras das

quais em um tempo seguinte verdadeira será a rea­

lização.

28 E se todo enunciado é ou verdadeiro ou falso, não

se s egue imed ia t amen te haver causas imutáve i s e

eternas que proíbam que algo acabe acontecendo de

modo diferente do que venha a acabar acontecendo.

Fortuitas são as causas que estabeleçam que verda­

deiramente se diga o que assim se dirá: "Catão virá

ao senado"; elas não estão incluídas na natureza das

coisas e no mundo, e todavia tanto é imutável "terá

de vir", quando verdadeiro , quanto "ter v i n d o " - e

nem por essa causa o destino ou a necessidade de­

ve ser temida. Porquanto será necessário confessar:

se este enunciado "Hortêncio virá a Tusculano" não

é verdadeiro, segue-se que seja falso. Desses enun­

ciados, esses n 3 nem num nem outro querem, o que é

impossível.

Nem nos embaçará aquele raciocínio que é conside­

rado preguiçoso: com efeito, pelos filósofos é cha­

mado raciocínio preguiçoso um certo raciocínio com o

qual, se o aceitássemos, nada absolutamente faríamos

em vida. Assim pois argúem: "Se o destino para ti é

convalescer desta doença, quer tu tenhas consultado

um médico quer não tenhas consultado, convalescerás;

29 paralelamente, se o destino para ti é não convalescer

desta doença , quer tenhas consu l t ado um m é d i c o

quer não tenhas consultado, não c o v a l e s c e r á s - e um

outro destino existe para ti: logo, consultar um mé­

dico é indiferente".

X I I I Corretamente tal género de argumentação foi de­

n o m i n a d o de p r egu i çoso e iner te , porque , com o

mesmo raciocínio, tolher-se-á toda ação da vida. Pa­

ra não ajuntar o nome de destino e todavia manter

o mesmo sentido, pode-se até modificar a frase, des-

23

te modo: "Se desde toda a eternidade verdadeiro foi

isto 'dessa doença convalescerás', quer tenhas consul­

tado um médico quer não tenhas consultado, conva­

lescerás; e paralelamente, se desde toda a eternidade

falso foi isto 'dessa doença convalescerás ' , quer te­

nhas consultado um médico quer não tenhas consul­

tado, não c o n v a l e s c e r á s " - e assim quanto ao mais .

Esse raciocínio é criticado por Crisipo.

30 "Algumas coisas s ã o " - d i z e l e - " s i m p l e s nos fatos;

outras, associadas . S imples é 'Sócra tes morrerá tal

dia ' ; quanto a isso, quer tenha ele feito algo quer

não tenha feito, o dia de morrer lhe foi determina­

do. M a s se o des t ino é ass im ' É d i p o nasce rá de

La io ' , não se poderá dizer ' Q u e r Laio tenha com

mulher estado quer não tenha estado' , pois é uma

coisa associada e confatnl"*6. Assim, com efeito, (Cri­

sipo) nomeia isso, porque assim o destino seja: que

tanto Laio haverá de ter relações com a esposa, co­

mo, dela, haverá de procriar Édipo; assim como se

houvesse s ido di to "Milão lutará nos jogos ol ímpi­

cos", e alguém respondesse "Logo, quer tenha adver­

sário quer não tenha, ele lutará", erraria, pois "ele

lutará" é fato associado, porque sem adversário ne­

n h u m a luta há. Por tan to todos os sof i smas d e s s e

género são refutados do mesmo modo. "Quer tu te­

nhas consultado um médico quer não tenhas consul­

t ado , c o n v a l e s c e r á s " : s o f i s m a , pois t an to é fatal

consultar um médico como convalescer. Essas coisas,

conforme eu disse, ele (Crisipo) chama de confatais.

X I V 31 Carnéades não aprovava esse género todo de

argumentação, e julgava ser tal raciocínio concluído

demasiado inconsideradamente. E assim pressionava

(a Crisipo) de outro modo, e não recorria a algum

falso pre tex to 3 7 . A argumentação dele era esta: "Se

todas as coisas acontecem por causas antecedentes,

2 4

todas as coisas acontecem por conexão natural, liga­

da e encadeadamente; se isso é assim, a necessidade

produz todas as coisas; se isso é verdadeiro, nada

está em nosso poder; há porém algo em nosso po­

der; mas se todas as coisas acontecem pelo destino,

todas as coisas acontecem por causas antecedentes;

então não acontecem pelo dest ino quaisquer coisas

que acontecem"^ 8 .

32 A tal ponto um raciocínio não pode ser mais estrei­

tamente espremido. Pois se alguém quisesse replicar

ao mesmo e assim dizer "Se todo futuro desde toda

a eternidade é verdadeiro, de maneira que certamen­

te assim, do mesmo modo que haja de ser, ocorra,

en tão é necessá r io que todas as coisas a c o n t e ç a m

por conexão natural, ligada e encadeadamente", nada

diria. Porquanto é muito diferente: que porventura

uma causa natural desde toda a eternidade produza

futuros verdadeiros, ou que, também sem uma eter­

nidade natura l 3 9 , as coisas que hajam de ser, essas

como verdadeiras possam ser entendidas 6 0 . Por isso

dizia Carnéades que nem mesmo Apolo podia dizer

as coisas futuras, a não ser aquelas cujas causas a

natureza assim contivesse, de maneira que seria ne­

cessário que elas acontecessem.

33 Com efeito, considerando o quê, o próprio deus di­

ria que aque le Marce lo que foi três vezes cônsul

haver ia de pe rece r no m a r 6 1 ? Isso era ce r t amen te

verdadeiro desde toda a eternidade, mas não tinha

em si causas eficientes. Assim, nem sequer estas coi­

sas pretéritas, das quais sinais alguns subsistem tais

quais vestígios, (Carnéades) julgava serem conhecidas

por Apolo: quanto menos as coisas futuras! Pois só

conhecidas as causas eficientes de cada fato, é que

se pode enfim saber o que há de acontecer. Logo,

nem sobre Édipo - nenhuma causa tendo sido pre-

2 5

posta na natureza dos acontecimentos, para que fos­

se necessár io que o pai fosse morto por e l e - t e r i a

Apolo podido predizer, nem teria podido predizer

coisa alguma de tal espécie.

XV Por conseguinte, se aos estóicos, que dizem que to­

das as coisas acontecem pelo destino, é consentâneo

c o m p r o v a r os oráculos dessa espécie e os dema i s

q u e são g u i a d o s a pa r t i r da a d i v i n h a ç ã o , s o b r e

aqueles, porém, que dizem que são verdadeiras des­

de toda a eternidade estas coisas que hão de aconte­

cer, o m e s m o não deve ser d i t o - v ê que não é a

m e s m a a causa deles e a dos estóicos: estes, com

efeito, são pressionados mais l imitadamente; daque­

les, o raciocínio é desembaraçado e livre.

34 Porque se se concede que nada pode ocorrer a não

ser por uma causa antecedente, que se avança, se não

se considera essa causa como ligada a partir de cau­

sas eternas? Ora, a causa é aquela que produz aquilo

de que é causa: como da morte a ferida, da doença a

indigestão, do ardor o fogo. Por conseguinte, não se

deve entender uma causa assim como: aquilo que an­

teceda a cada co isa lhe seja a causa , m a s c o m o :

aquilo que eficientemente anteceda a cada coisa. Por­

que tenha eu descido ao Campo de Marte, isso não

tem servido de causa para que eu jogasse péla; nem

Hécuba, porque a Alexandre tenha gerado, foi a cau­

sa da destruição dos troianos; nem Tíndaro a causa

da destruição de Agamenão, porque a Clitemnestra te­

nha gerado. Pois desse modo dir-se-á haver também o

viajante bem vestido servido de causa a um salteador,

para que por este fosse espoliado.

35 Desse género é isto, de Ênio:

"Oxalá no bosque do monte Pélio, pelos machados Cortadas, não houvessem caído à terra as traves de abeto!"

2 6

Seria lícito até mais profundamente dizer: "Oxalá no

pélio nenhuma árvore houvesse algum dia nascido!"

-e mais ainda: "Oxalá nenhum monte Pélio existis­

se!"; e, da mesma maneira, é possível que o repe­

tente retroceda infinitamente a coisas anteriores.

"E que daquele lugar a base da construção de um

navio

Não se houvera começado!"

A que fim esses pretéritos? É porque se segue isto:

"Pois nunca minha errante senhora levaria para fo­

ra de casa o pé,

Ó Medeia, de espírito triste, ferida por um cruel

amor!"

...não de maneira que esses fatos trouxessem a cau­

sa do amor 6 2 .

XVI 36 No entanto há diferença, dizem, se acaso algu­

ma coisa for de tal modo: sem a qual outra coisa

não possa ser produzida , ou de tal modo: com a

qual outra coisa seja necessário ser produzida. Então

nenhuma dessas coisas acima mencionadas é causa,

porque nenhuma produz por força própria aque le

acontecimento de que se diz ser ela a causa. N e m

isto, sem o que algo não acontece, é causa; mas is­

to que, quando sobrevêm, produz necessar iamente

aquilo de que é causa. Ainda não tendo sido então

ferido Fi locte tes por mordedura de serpente , qual

causa es tava contida na natureza das coisas, para

haver de acontecer que ele fosse abandonado na ilha

de Lemnos? Depois, porém, uma causa houve, mais

próxima e mais ligada a seu efei to 6 3 .

37 Então a razão do evento revela a causa. Mas desde

toda a eternidade esta proposição tem sido verdadei­

ra: "Filoctetes será abandonado numa ilha"; e isso

não podia de verdadeiro em falso converter-se. Com

efeito, é necessário em duas coisas con t rá r ias -e con-

27

trarias digo aqui aquelas das quais uma diz o que a

outra nega- , dessas então é necessário, constrangedo-

ramente a Epicuro, ser uma verdadeira, outra falsa.

Assim "Filoctetes será ferido" tem sido, em todos os

séculos antes, verdadeiro; "Não será ferido" tem sido

falso. A não ser que por acaso queiramos seguir a

opinião dos epicuristas, que dizem não ser nem ver­

dadeiras nem falsas tais proposições, ou, quando isso

envergonha, dizem todavia isto, que é mais impu­

dente: que as alternativas entre as proposições con­

t r á r i a s s ã o v e r d a d e i r a s , m a s , d e s s a s c o i s a s q u e

h o u v e s s e m ne la s s i d o e n u n c i a d a s , n e n h u m a das

duas é verdadeira.

38 O admirável licença e miserável insciôncia do disser­

tar! Pois se algo no falar nem verdadeiro nem falso

é, certamente verdadeiro isso não é; ora, o que não

é ve rdade i ro c o m o pode não ser falso? ou o que

não é falso como pode não ser verdadeiro? Ter-se-á

portanto isto, que é defendido por Crisipo: ser toda

enunciação ou verdadeira ou falsa. A própria razão

nos forçará a admitir tanto haver desde toda a eter­

n idade certas coisas verdadei ras , como não se rem

estas ligadas a causas eternas, como também serem

livres de uma necessidade do destino.

XVII 39 E por outro lado a mim na verdade parece -

c o m o de ant igos filósofos duas sentenças t ivessem

existido, uma: desses que julgassem acontecer assim

pelo destino todas as coisas, de modo que esse des­

tino trouxesse a força da necessidade, sentença com

a qual Demócri to , Heráclito, Empédocles, Aristóteles

es teve 6 4 ; a outra: destes para os quais os movimen­

tos vo lun tá r ios das a lmas pa reces sem exis t i r sem

depender de destino a l g u m - t e r Crisipo, tal qual ár­

bitro honorário, querido atingir um meio; mas ele se

a p r o x i m a antes daque l e s que que rem l iber tos de

28

uma necessidade os movimentos das almas; ora, en­

quan to ele se se rve de suas palavras , cai em tais

dificuldades, de modo a confirmar, constrangido, a

necessidade do destino.

40 E isso, se te apraz tal como seja, vejamos nos assen­

t imentos de que na pr imeira o ração t r a t e i 6 3 . C o m

efeito, aqueles antigos, para os quais todas as coisas

pareciam acontecer pelo destino, diziam ser tais as­

sentimentos produzidos por força e necessidade. Os

que entretanto deles dissentiam, liberavam do desti­

no os assentimentos e negavam que, aplicado o des­

tino aos assentimentos, a necessidade pudesse destes

ser removida; e eles assim dissertavam: "Se todas as

coisas acontecem pelo destino, todas as coisas acon­

tecem por uma causa antecedente; e então se a ten­

d ê n c i a é a s s i m , a q u e l a s c o i s a s q u e s e g u e m a

tendência também o são; logo, os assentimentos tam­

bém; mas se a causa da tendência não está situada

em nós, nem sequer a própria tendência está em

nosso poder; se isso é ass im, nem sequer aquelas

coisas que são produzidas pela tendência estão situa­

das em nós; não há então nem assent imentos nem

ações em nosso poder . Deduz - se da í que nem as

louvações sejam justas, nem as vituperações, nem as

honras, nem os suplícios". Como isso seja erróneo 6 6 ,

eles pensam que com probabi l idade deve ser con­

cluído que todas as coisas que acontecem não acon­

tecem pelo destino.

XVIII 41 Crisipo, entretanto, como não só desaprovasse

a necessidade como também quisesse que nada ocor­

resse sem causas prepostas , d i s t ingue géneros de

causas, para tanto evitar a necessidade como conser­

var o destino. "Das causas" -d i z e l e - " u m a s são per­

feitas e principais; outras, auxiliares e próximas. Eis

porque quando dizemos que todas as coisas aconte-

29

cem pelo des t ino a partir de causas an tecedentes ,

não queremos que se entenda isto: a partir de cau­

sas perfei tas e pr incipais , mas : a partir de causas

auxiliares /antecedentes / e próximas." E deste modo,

àque l e rac ioc íc io que pouco antes conclu í , e le se

opõe assim: Se todas as coisas acontecem pelo desti­

no, c e r t a m e n t e tal se s egue : que todas as co i sas

acon tecem a part i r de causas antepostas ; mas em

verdade não de causas principais e perfeitas, mas de

auxiliares e próximas. Se estas mesmas não estão em

nosso poder, não se segue que nem sequer a ten­

dência esteja em nosso poder. Por outro lado, isso

se seguiria, se disséssemos que todas as coisas acon­

tecem a partir de causas perfeitas e principais, de

manei ra que, quando essas causas não es t ivessem

em nosso poder, nem sequer aquela (a tendência)

estaria em nosso poder.

42 Eis porque contra aqueles que assim introduzem o

destino, como para ajuntar a necessidade, valerá tal

argumentação; porém contra estes que não disserem

perfeitas nem principais as causas antecedentes, a ar­

gumentação não terá valor. Quanto na verdade ao

fato de que digam que os assentimentos aconteçam

a part ir de causas antepostas , isso, tal c o m o seja,

(Crisipo) considera fácil ser por ele explicado. Pois,

conquanto não possa acontecer a não ser posto em

movimen to por uma representação 6 7 , todavia c o m o

tenha essa r ep resen tação por causa p róx ima , não

principal, um assentimento tem tal explicação, como

Crisipo quer, conforme dissemos há pouco. Não que

aquele (o assentimento) na verdade possa acontecer

não excitado de fora por alguma f o r ç a - é necessário,

com efeito, que o assentimento seja posto em movi­

men to por uma r e p r e s e n t a ç ã o - , mas ele (Cris ipo)

v o l t a a seu c i l i n d r o e a s u a t u r b i n a , q u e n ã o

3 0

podem, a não ser com um impulso, começa r a se

mover ; porém quando isso chega a acontecer , ele

considera, quanto ao mais, que tanto o cilindro é ro­

lado c o m o a turbina é gi rada pela natureza deles

próprios.

X I X 4 3 "Por tan to" -d iz e l e - " c o m o aquele que empur­

rou o c i l i n d r o lhe deu p r i n c í p i o de m o v i m e n t o

porém não lhe deu rotação, assim aquela representa­

ção ap resen tada impr imi rá ce r t amen te e ma i s ou

m e n o s g rava rá sua i m a g e m em nossa a lma , mas

nosso a s s e n t i m e n t o estará em nosso poder , e , do

mesmo modo que se disse do cilindro, impulsionado

de fora, ele se moverá quanto ao resto por sua pró­

pria força e natureza. Por isso que, se alguma coisa

se produzisse sem causa antecedente, seria falso que

todas as coisas acontecem pelo destino; mas se a to­

das as coisas quaisquer que acontecem é verossímil

que uma causa anteceda, que razão poderá ser adu­

zida para que não se reconheça que todas as coisas

aconteçam pelo dest ino? Somen te se entenda qual

seja das causas a distinção e diferença."

44 Logo que essas coisas assim tenham sido explicadas

por Crisipo, se aqueles que negam que os assenti­

mentos aconteçam pelo destino reconhecem todavia

que os mesmos não acontecem sem uma representa­

ção antecedente , outro lhes é o tipo de raciocínio;

mas se eles concedem que as represen tações v êm

antes, e que os assentimentos todavia não acontecem

pelo dest ino - porque não provoque nosso assent i­

mento aquela causa próxima e suf ic ien te - , vê bem

que não estejam eles dizendo o mesmo. E Crisipo,

então, ao não conceder que a causa próxima e sufi­

ciente do assentimento esteja posta na representação,

t ampouco concederá que essa causa seja necessária

para o assentir, de maneira que, se todas as coisas

31

acontecem pelo destino, todas aconteçam a partir de

causas antecedentes e necessárias; e igualmente aque­

les que diferem disso, confessando que os assenti­

mentos não acontecem sem a precedência das repre­

sentações, dirão que, se todas as coisas acontecessem

pelo des t ino des te m o d o - admi t indo-se que nada

acon teces se a não ser com a precedênc ia de uma

c a u s a - , dever-se- ia confessar que todas as coisas

acontecem pelo destino; daí é fácil de e n t e n d e r - p o r

chegarem, desvendada e expl icada de um e outro

sua sentença, à mesma c o n c l u s ã o - q u e eles dissidem

em palavras, não em concei to 6 8 .

45 E de modo geral , c o m o esta seja a d is t inção: que

em cer tos casos v e r d a d e i r a m e n t e se possa dizer,!

quando tais causas tenham precedido, não estar em

nosso poder impedir que não ocorram aqueles fatos 1

cujas causas tenham existido; porém em outros ca­

sos, sendo antegressas as causas, estar todavia em

nosso poder que aquilo de outro modo ocorra - essa

d i s t inção uns e outros ap rovam; mas uns ju lgam

que em tais casos, quando as causas tenham antece-;

dido, não esteja em nosso poder que de outro modo

aqueles fatos ocorram, eles acontecem pelo destino,

porém as coisas que estejam em nosso poder, dessas

o destino está afastado... 6 9 .

XX 46 Deste modo convém discutir esta questão, não

convém procurar apoio a partir de átomos errantes e

declinantes do trajeto. "O á tomo" -d i z (Epicuro) - "de­

clina". Primeiramente, por quê? Da parte de Demó­

crito eles tinham já uma outra certa força motriz de

impu l são , que e le chama de go lpe ; da tua par te , j

Epicuro, de gravidade e peso. Qual é então na natu­

reza a nova causa que decl ine o á tomo? Ou acaso*

sorteiam-se entre si: aquele que decline, aquele que]

não? Ou por que declinariam num intervalo muito pe-

32

queno, não num maior? Ou por que declinariam num

só muito pequeno intervalo, e não declinariam em dois,

ou três? Isso na verdade é optar, não discutir.

47 Pois nem dizes que o á tomo se desloca e decl ina

impulsionado de fora; nem que, naquele vazio pelo

qual o átomo é transportado, tenha havido qualquer

coisa de causa para que ele não fosse transportado

em linha reta, nem que aconteceu algo de mutação

no próprio átomo para que assim ele não conservas­

se o movimento natural de seu peso.

Assim, embora (Epicuro) não houvesse trazido causa

a lguma que produzisse essa decl inação, parece-lhe

todavia dizer a lgo de impor tante , a inda que diga

aquilo que as mentes de todos desprezem e rejeitem.

48 Em verdade, ninguém me parece confirmar mais não

só o destino mas também a necessidade e força de

todas as coisas, e ninguém me parece ter mais su­

pr imido os m o v i m e n t o s voluntár ios da a lma, que

este (Epicuro), que reconhece que não teria podido

de outro modo resistir ao destino, se não houvesse

recorrido a essas inventadas declinações. Pois ainda

que os átomos existissem - os quais de nenhum mo­

do me pode ser provado que verdadeiramente exis­

t e m - , todavia nunca se expl icar iam essas decl ina­

ções. Com efeito, se aos átomos foi pela necessidade

da natureza atribuído que sejam transportados pela

g r av idade -po rque é necessário que todo peso, coisa

nenhuma impedindo, se movimen te - , também a cer­

tos átomos ou, se (os epicuristas) querem, a todos,

conforme a natureza, tal é necessário: que eles decli­

nem.. . 7 0 .

33

I

GÉLIO™, (fragmento) das Noites áticas VII (VI), 2, 1 5 7 2 .

E assim Marco Cícero no livro que compôs Sobre o des­

tino, quando disse que essa questão era mui to obscura

e intrincada, que Crisipo, também filósofo, não havia ti­

do bom êxito nela, disse com estas palavras: Crisipo,

agitando-se e laborando então para que explique deste

modo tanto acontecerem pelo dest ino todas as coisas

como estar algo em nosso poder, fica embaraçado.

II

SÉRVIO, Acerca da Eneida de Virgílio [11,37o73.

E (o deus) faz rolar as sortes: definição do destino se­

gundo Túlio, que diz: O destino é a conexão das coisas

entre si através da eternidade, mantendo-se alternativa­

mente , que varia pela sua ordem e lei, de tal modo

porém que a própria variedade possua a eternidade.

Ill

AGOSTINHO, A Cidade de Deus V, 8.

T a m b é m dão apoio a esta sentença aqueles versos de

Homero (cf. V.pistolae, 107, 9, de Séneca) , que Cícero

verte para o latim:

As mentes dos homens são tais como a luz com a

qual o próprio pai

Júpiter iluminou as fecundas terras.

37

Nem nesta questão a sentença poética teria autoridade

mas porque (Cícero) diz que os estóicos, reivindicando |

força do destino, costumam apropriar-se desses versos d

Homero, não se trata da opinião daquele poeta, mas d

desses filósofos, visto que através desses versos que leva

a uma discussão que eles têm sobre o destino, muit

abertamente é declarado o que eles sentem que é o desti

no, porque proc lamam Júpi ter , a quem consideram

sumo deus, do qual dizem pender a conexão dos destinos

IV

AGOSTINHO, A Cidade de Deus V, 2 7 4 .

V

MACRÓBIO, Saturnais III, 16, 3 7 5 .

E para que o poeta não seja testemunha de menor valor

ouve, segundo afirma Cícero, em qual honra tenha estad

este peixe junto a Públio Cipião, aquele de Africa e Nu-f

maneia. Estas são no diálogo Sobre o destino as palavras de

Cícero: Pois como Cipião estivesse em sua casa em Lavér-

nio e juntamente com Pôncio, foi trazido por acaso a

Cipião um esturjão, que muito raramente se apanha, mas

é peixe, como dizem, sobremaneira fino. Como pois Cipião

houvesse convidado a um ou dois daqueles que tinham

vindo para saudá-lo, e parecesse ainda estar para convidar

a muitos, Pôncio lhe disse ao ouvido: "Cipião, vê o que

fazes; esse esturjão é para poucos homens".

VI

NÓNIO, pág. 35/\

Diminuir um dito é não restringir nem elogiar excessiva­

mente...

Cícero, nos tratados Sobre o destino e Sobre os li>nites dos

bens e dos inales, livro IV, diz: Com o esplendor da virtu­

de diminuis a penetração de nossas almas.

38