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JORNAL 58º CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DO TRABALHO

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JORNAL

58º CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DO TRABALHO

LTr - Jornal do Congresso 3

ÍNDICE DAS TESES

PAINÉIS DO CONGRESSO

1º PAINEL PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO

DO TRABALHO NA ERA CONTEMPORÂNEA

BARBOSA, Magno Luiz

Os princípios do Direito do Trabalho e al-guns impactos da reforma trabalhista ......... 7

BUENO, Letiane Corrêa

Flexibilização da jornada de trabalho: a “re-forma trabalhista” e o aumento da configura-ção do trabalho escravo contemporâneo ...... 9

O princípio protetor na contemporaneida-de: o empoderamento e a análise da mulher gestante e lactante nas alterações promovi-das pela “reforma trabalhista” .................... 12

DEMORI, Ingrid Barbosa

LIMA, Otávio Augusto Custódio de

Estágio: uma reflexão sobre o ato educativo escolar e a fraude trabalhista para a capta-ção de mão de obra barata .......................... 10

ESTOFALETE, Larissa Pires

Trabalho em condições análogas à de escra-vo: uma reflexão sobre a violação da digni-dade humana e a fragilidade na efetivação de medidas protetivas e preventivas ........... 13

KOBAYASHI, Neuritânia de Souza

LIMA, Otávio Augusto Custódio de

Assédio moral no ambiente de trabalho: uma investigação sobre a violência sofrida pelas mulheres gestantes no ambiente de trabalho ....................................................... 15

LEAL, Luana Angelo

MIRANDA, Renata Ferreira Spíndola de

SANTOS, Nathalia Marbly Miranda

REIS, Tainá

A reforma trabalhista altera o princípio pro-tetor? ........................................................... 17

LINHARES, Roberta Castro Lana

Princípios norteadores do Direito do Traba-lho na era contemporânea .......................... 19

SILVA, Michele Christina Martins da

Assédio moral no ambiente de trabalho: uma reflexão sobre a inserção de novas tec-nologias no ambiente de trabalho e as rela-ções entre os trabalhadores ......................... 23

ZWICKER, Igor de Oliveira

A “reforma trabalhista” não altera o princí-pio protetor ................................................. 21

O princípio da não autoincriminação, do processo penal, versus o princípio da liti-gância ética e responsável, do processo civil trabalhista ................................................... 25

2º PAINEL DILEMAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL

DO TRABALHO

CORREA, Celio Roberto

Quantificação da indenização do dano ex-trapatrimonial: (in)constitucionalidade da nova lei ....................................................... 30

SILVA, Leda Maria Messias da

CATTELAN, Jeferson Luiz

O assédio moral e a inconstitucionalidade da parametrização do “quantum” indeniza-tório na Lei n. 13.467/2017 ........................ 32

ZWICKER, Igor de Oliveira

A incompatibilidade de tarifação da inde-nização por dano extrapatrimonial com o art. 5º, incisos V e X, da Constituição da República .................................................... 28

A inconstitucionalidade do procedimento para a edição de súmulas, estabelecido pela “reforma trabalhista”, em razão das garan-tias institucionais de independência do po-der judiciário .............................................. 34

3º PAINEL REGRAS DE APLICAÇÃO DAS NORMAS

TRABALHISTAS

CARMO, Júlio César Lourenço do

A precarização do acesso à justiça em de-corrência da Lei n. 13.467/2017 ................. 36

4 LTr - Jornal do Congresso

CARNEZI, Carla Labelle Matias

Limitação da jornada de trabalho: uma re-flexão sobre a integridade do trabalhador no regime de teletrabalho ........................... 39

FINCATO, Denise

Tecnologia, crise e reforma trabalhista: o case brasileiro.............................................. 43

MARINHO, Lucas de Sá

Discriminação estética e desemprego: uma investigação sobre a prática discriminatória no processo de admissão de empregados e suas consequências ..................................... 47

SILVA, Leda Maria Messias da

Inconstitucionalidade da sobreposição do negociado em relação ao legislado na Lei n. 13.467/2017 e a dignidade do trabalhador ... 50

SILVA, Wallace Paulo da

Limites jurídicos à terceirização ................. 54

ZWICKER, Igor de Oliveira

A condição de desempregado é suficiente para que ao trabalhador sejam concedidos os benefícios da justiça gratuita .................. 37

A novel figura do grupo econômico, segun-do a reforma trabalhista: por uma leitura humanista ................................................... 41

O exame de norma coletiva pela Justiça do Trabalho e a dupla inconstitucionalidade material do art. 8º, § 3º, da CLT ................. 48

Reforma trabalhista: direito do trabalho e intertemporalidade ..................................... 45

Reforma trabalhista: processo do trabalho e intertemporalidade ..................................... 52

4º PAINEL DIREITO MATERIAL DO TRABALHO

NA ATUALIDADE

ALVES, Amauri Cesar

Grupo econômico: interesse integrado, efe-tiva comunhão de interesses e atuação con-junta ............................................................ 56

AQUINO, João Victor Maciel de Almeida

FÉLIX, Ynes da Silva

Contrato de trabalho intermitente sob a óti-ca do trabalho decente ................................ 59

CARVALHO, Ana Amélia Silva

SALLES, Flávio Bellini de Oliveira

O contrato de trabalho intermitente: a contra-tação limitada à intermitência do serviço ....... 63

DISSENHA, Leila Andressa

VILLATORE, Marco Antônio César

Cooperativas e terceirização: dúvidas e oportunidades pós reforma ......................... 77

SANTOS, Euseli dos

Limites do regime de teletrabalho na Lei n. 13.467/2017 ................................................ 78

VILLATORE, Marco Antônio César

LOPES, João Maciel de Souza Gonçalves

Contrato de trabalho intermitente .............. 67

Experiência normativa em diplomas estran-geiros: zero-hour.......................................... 71

ZWICKER, Igor de Oliveira

A dupla incompatibilidade vertical material do art. 477-A da CLT .................................. 61

A transação, em âmbito coletivo e indivi-dual, na seara do contrato de trabalho in-termitente ................................................. 57

Conceito geral e jurídico de trabalho “in-termitente” .................................................. 65

Há subversão do pressuposto jurídico da não eventualidade no contrato de trabalho intermitente? .............................................. 69

Impossibilidade de celebração do contrato de trabalho intermitente de forma tácita .... 73

Os limites à terceirização sem limites (ou a marchandage brasileira) .............................. 75

5º PAINEL DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

CONTEMPORÂNEO

BITTAR, Moysés André

O ilegal legalizado....................................... 85

O interesse de uma classe transformado em realidade ..................................................... 81

CHAVES, Clarissa Valadares

Execução de ofício – Ponderações sobre a nova redação do art. 878 da CLT após a Lei n. 13.467/17 ................................................ 82

EÇA, Vitor Salino de Moura

Precedentes obrigatórios no processo do trabalho ....................................................... 84

LTr - Jornal do Congresso 5

6º PAINEL O FUTURO DO DIREITO SINDICAL

BOTTONE, Alfredo

Os sindicatos vão sobreviver com o fim do imposto sindical? Qual o reflexo para os empregados? ............................................... 87

FRANÇA, Robson Luiz de

O sindicalismo de conciliação entre capital e trabalho: Um estudo sobre os direitos dos trabalhadores docentes no Brasil – 2010 a 2017 ............................................................ 88

MARQUES, André Luiz

Pedido de renúncia à aposentadoria cumula-do com pedido de novo benefício previden-ciário com incidência da Fórmula 85/95 a partir da publicação da MP n. 676/2018 ...... 90

7º PAINEL TEMAS RELEVANTES DE DIREITO E

PROCESSO DO TRABALHO

ALMEIDA, Ronald Silka de

Prescrição intercorrente – Marco inicial ..... 98

FARIAS, Michelle Cristina

A proteção à jornada de trabalho é tam-bém norma de proteção à saúde do/a trabalhador/a ............................................... 101

SANTOS, Gustavo Abrahão dos

Regulamentação de teletrabalho na CLT: A saúde mental dos profissionais que usam sistemas de tecnologia ................................ 105

SEGNINI, Carolina Cammarosano

A jornada de trabalho e a proteção da saúde do trabalhador ............................................ 112

ZWICKER, Igor de Oliveira

As importâncias habituais pagas a título de prêmios: liberalidade ou salário-condição .... 99

O conceito artificial de “empregado hiper-suficiente” criado pela “reforma trabalhis-ta”: os lírios não nascem das leis ................ 103

O direito comum é fonte subsidiária do di-reito do trabalho, inclusive quanto às hipó-teses de interrupção da prescrição .............. 109

O princípio do juiz natural e a importância do juiz imparcial no procedimento de ho-mologação de acordo extrajudicial na Justi-ça do Trabalho ............................................ 113

LTr - Jornal do Congresso 7

1º PAINEL

OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO E ALGUNS IMPACTOS DA REFORMA TRABALHISTA

Magno Luiz BarbosaDoutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Direito das Relações Econômico-Empresariais pela Universidade de Franca (2005) –

UNIFRAN, especialista em Direito Civil (1999) e Direito Processual Civil (1998) pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU, graduado em

Direito no ano de 1997, sócio do Escritório Barbosa e Araújo Advogados Associados, professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do

Trabalho da Universidade Federal de Uberlândia/MG – UFU.

Os princípios são de importância fundamental para as ciências em geral, para o direito os princípios são proposições básicas que contribuem para sua for-mação, interpretação e aplicação.

No Direito do Trabalho os princípios tem caráter regulamentar e disciplinar, ao passo que norteia o juris-ta na elaboração da norma e contribui de forma subs-tancial na vigência das relações de emprego, bem como no momento da aplicação da norma.

Para Rodrigues (2000, p. 36), autor de clássica obra sobre os Princípios de Direito do Trabalho, os princípios são “linhas diretrizes que informam algumas normas que inspiram direta ou indiretamente uma série de so-luções, pelo que podem servir para promover e emba-sar a aprovação de novas normas, orientar a interpre-tação das existentes e resolver os casos não previstos”.

A relação de emprego por se tratar de um negócio jurídico entre duas partes, empregado e empregador, é norteado por inúmeros princípios, inclusive princípios gerais que são aplicados no Direito do Trabalho, como princípio da boa-fé, inerente a todos os contratos, in-clusive o Contrato Individual de Trabalho; o principio da isonomia o qual determina que todos devem receber tratamento igual, – que no Direito do Trabalho está di-retamente relacionado ao princípio trabalhista da pro-teção; princípio da razoabilidade, no qual se observa que a lei deve ser aplicada com vistas ao bom senso, ou seja, no Direito do Trabalho isto significa agir com cau-tela, principalmente no que tange a aplicação de puni-ção ao trabalhador; o principio da força obrigatória dos contratos, tendo em vista que os contratos devem ser cumpridos, além de outros tantos que cabem aplicação no Direito do Trabalho.

No que tange aos princípios específicos do Direi-to do Trabalho, temos o princípio da irrenunciabilida-de dos direitos trabalhistas, que para Rodrigues (2000, p. 142), consiste na “impossibilidade jurídica de privar--se voluntariamente de uma ou mais vantagens conce-didas pelo direito trabalhista em benefício próprio”.

Há também o princípio da primazia da realidade, no qual a realidade dos fatos vai prevalecer sobre o que emerge de documentos ou acordos, como ocorre nos ca-sos de pagamentos de salários “por fora”, horas extras não computadas na jornada de trabalho, e outras situa-ções onde a realidade fática irá sobrepor a documentos.

Outro princípio específico do Direito do Trabalho é o princípio da continuidade da relação empregatícia, pelo qual observa-se a regra de que os contratos nas re-lações de emprego devem ser vistos como negócios ju-rídicos duradouros, onde se prima pelos contratos por prazo indeterminado.

Por fim o princípio da proteção, que sem dúvi-da orienta o Direito do Trabalho que garante ao em-pregado a superioridade jurídica em contrapartida à superioridade econômica do empregador, garantindo ao primeiro sujeito as regras do in dubio pro operario, da norma mais favorável, desde sua elaboração, aplicação e interpretação e a regra da condição mais benéfica, ou seja, um princípio de fundamental importância para o trabalhador.

Ocorre que a reforma trabalhista trouxe inovações que de certa forma estão indo de encontro com os prin-cípios trabalhistas, tendo em vista que mesmo não fa-zendo menção direta, possibilita interpretações no sen-tido que princípios consagrados do Direito do Trabalho estão sendo violados.

Para efeito de reflexão, considera-se o princípio da primazia da realidade, como aquele que garante ao empregado a realidade fática sobrepondo a documen-tos ou acordos inverídicos, como por exemplo, no caso de salários pagos “por fora”, utilizado pelo emprega-dor para diminuir seus encargos sociais e trabalhistas, como depósitos no FGTS, recolhimentos previdenciá-rios, valores dos repousos semanais remunerados e ho-ras extras.

Com a alteração do § 2º do art. 457 da Consoli-dação das Leis do Trabalho, ficou expresso que os prê-mios não integram a remuneração do empregado, não

8 LTr - Jornal do Congresso

se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de encargo trabalhista e previden-ciário, verifica-se de forma clara que o empregador não terá mais que se valer do famigerado salário pago “por fora” para diminuir seus encargos sociais e trabalhistas, poderá simplesmente nomear o antigo pagamento por fora como prêmio.

Não obstante, o princípio da proteção também pode ser considerado atacado frontalmente pela re-forma trabalhista, ao passo que umas das regras deste princípio é a da norma mais favorável, ou seja, como leciona Rodrigues (2000, p. 123), “não se aplicará a nor-ma correspondente dentro de uma ordem hierárquica predeterminada, mas se aplicará, em cada caso, a nor-ma mais favorável ao trabalhador”.

A nova redação do art. 620 da Consolidação das Leis do Trabalho trouxe expresso que “as condições es-tabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre pre-valecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho”.

Esta alteração indubitavelmente afronta de for-ma letal a regra da norma mais favorável, contida no princípio da proteção, que segundo Delgado (2011, p. 193), “a visão mais ampla do princípio entende que atua, desse modo, em tríplice dimensão no Direito do Trabalho: informadora, interpretativa/normativa e hie-rarquizante”.

A nova regra favorece de forma indiscutível o que for celebrado entre empresa e/ou empresas e sindicato(s) dos empregados, em detrimento do con-vencionado entre sindicato(s) dos empregadores e dos empregados, o que eventualmente pode colocar o em-pregado de determinada(s) empresa(s) em desvanta-gem de direitos que estejam melhor colocados em con-venções coletivas de trabalho.

Quando há conflito de normas referente a direitos trabalhistas, Delgado (2011, p. 194) discorre que “como critério de hierarquia, permite como regra prevalecente, em uma dada situação de conflito de regras, aquela que for mais favorável ao trabalhador, observados certos procedimentos objetivos orientadores evidentemente”.

Com a referida alteração, esta prevalência men-cionada por Delgado deixa de existir nos casos de con-flitos entre cláusulas de acordos e convenções coletivas, prevalecendo sempre os acordos coletivos sobre as convenções coletivas, independentemente da cláusula do acordo ser desfavorável ao trabalhador em relação à cláusula semelhante, porém, mais favorável prevista em convenção coletiva de trabalho.

Observa-se que a intervenção estatal neste caso foi totalmente contrária à regra mais favorável, prevista no princípio da proteção, o que coloca em risco impor-tantes conquistas da classe proletária, a qual normal-mente encontra-se em grande desvantagem neste negó-cio jurídico, que é a relação de emprego.

Neste sentido, alguns pontos da reforma traba-lhista demonstram que a intervenção estatal que ou-trora foi extremamente necessária para construção dos direitos dos trabalhadores, agora vem de certa forma

desconstruir alguns destes direitos, ferindo frontalmen-te princípios basilares do Direito do Trabalho.

A proteção resguardada ao trabalhador, por meio da superioridade jurídica que lhe é garantida face à su-perioridade econômica do empregador, não pode ser elidida em eventual alteração de modelo a ser aplicado na seara trabalhista.

Sem dúvida, a Consolidação das Leis do Trabalho, com setenta e seis anos de idade e inúmeros retoques, carecia de uma reforma mais abrangente, quiçá o pró-prio Direito do Trabalho, merecia uma codificação mais clara, coesa, na qual fossem sintetizadas inúmeras leis esparsas, o que possivelmente facilitaria sua interpreta-ção e aplicação, contudo, esta reforma mais abrangente não pode desconstruir diretos conquistados ao longo do tempo, com muita luta e sacrifício dos trabalhadores.

Os avanços no Direito são imprescindíveis para a sociedade, afinal o direito, uma ciência humana que tem como característica suas transformações periódi-cas, onde está seu maior encanto, contudo, alterações na legislação trabalhista não podem simplesmente des-montar um modelo que apesar de suas falhas, tem ga-rantido um mínimo de dignidade ao trabalhador.

Em países como o Brasil, que enfrentam altos índices de desemprego, não se pode correr o risco de trabalhadores desprotegidos legalmente terem que submeter-se a condições de trabalho sem garantia dos direitos básicos, os quais servem para preservação de sua dignidade enquanto trabalhador.

As considerações aqui expostas decorrem da ob-servação e reflexão teórica do novo texto normativo tra-zido pela reforma trabalhista, sendo necessária para a melhor compreensão da prática nas relações contratuais, uma observação mais profunda das implicações efetivas de tais alterações, bem como observar qual será a respos-ta da jurisprudência às diversas situações novas.

Referências Bibliográficas

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. 5. ed. São Paulo: Boitempo, 2007.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do traba-lho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011.

MASI, Domenico de. O futuro do trabalho. Fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Trad. Yadyr A. Figueiredo. 8. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâ-neo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 53-54.

OLIVEIRA, Christiana D’arc Damasceno. (O) Direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2010.

RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Tra-balho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2000.

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações pri-vadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000.

LTr - Jornal do Congresso 9

FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO: A “REFORMA TRABALHISTA” E O AUMENTO DA CONFIGURAÇÃO DO TRABALHO

ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

Litiane Corrêa BuenoEspecialização em Direito

A historicidade apresenta posteriormente a três séculos de trabalho forçado no Brasil, a abolição da escravidão pela Lei Áurea no dia 13 de maio de 1888, portanto, há mais de um século o objetivo fundamental é claro, a eliminação de qualquer trabalho em condições indignas.

O trabalho escravo contemporâneo é um assunto em evidência, decorrente de regulares constatações das práticas configuradoras do instituto no estado brasilei-ro, inclusive, com penalidades internacionais, intitula um cerne de notável cautela e proteção.

Nessa linha, o Brasil vive uma amnésia sobre a historicidade da eliminação da escravidão, posto que incentiva com a “reforma trabalhista” formas de traba-lho sem quaisquer condições mínimas de proteção, por-tanto, nega direitos fundamentais dos trabalhadores.

Na contemporaneidade se questionam as dicções sobre a futura Revolução Tecnológica, com a disrupção do passado e projeção de um melhor futuro, todavia, auferimos na esfera laboral o oposto.

A nova legislação no tocante a flexibilização da jornada laboral é uma recriação de possibilidades de escravidão, enquadradora na prática factual trabalho escravo contemporâneo.

Para tanto, o trabalho escravo contemporâneo é classificado com maior circunspeção, decorrente da conjunção da legislação nacional e internacional, no Manual de Combate ao Trabalho em Condições Aná-logas à de Escravo desenvolvido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o qual devidamente configura: Qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições ne-cessárias para garantir os direitos do trabalhador, [...] há que ser considerado trabalho em condição análoga à de escravo.

Acentua o combate à escravidão contemporânea ter amparo na vulnerabilidade daqueles que normal-mente, vivem com o mínimo e, ao flexibilizar institutos de conquistas de anos da seara trabalhista, particular-mente a jornada de trabalho, demonstra antinomia ao combate.

O documento citado acima é persuasivo: A degra-dação mencionada vai desde o constrangimento físico e/ou moral a que é submetido o trabalhador [...] até as péssimas condições de trabalho, como jornadas exaustivas [...].

No Brasil a predominância de constatar a prática era nas atividades rurais, consoante ao caso Fazenda Brasil Verde, recentemente julgado pela Corte Intera-mericana de Direitos Humanos, todavia, nas atividades urbanas como construção civil e indústria têxtil, o cená-rio das condutas não é atípico.

A “reforma trabalhista”, materializada pela Lei n. 13.647/2017, atingiu sensivelmente a temática da jornada de trabalho e intervalos, incluindo meios de extensão e, consequentemente prejuízos ao trabalhador.

A redação do art. 611-A pronuncia a prevalência do “negociado sobre o legislado”, com ampla flexibili-zação de direitos com a possibilidade de regular jorna-da de trabalho; banco de horas anual; intervalo intrajor-nada; modalidade de registro de jornada, entre outros assuntos de significância.

Em sequência, o art. 611-B apresenta um rol ta-xativo de hipóteses em que a negociação seria vedada, em particular, no inciso XVII: normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regula-mentadoras do Ministério do Trabalho.

Advém que, o parágrafo único do mesmo artigo tem uma redação desleal: regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, hi-giene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo. Evidencia, assim, a irrestrita possibilidade de ne-gociação, em dissonância com o princípio da proteção e a indisponibilidade absoluta da norma, como ensina o ilustre ministro Maurício Godinho Delgado.

O princípio basilar da proteção é analisado por proporcionar força de lei às convenções e acordos co-letivos benéficos ao trabalhador, conjuntura retirada do caput do art. 7º e inciso XXVI da Constituição Federal. Entretanto, a nova legislação reporta a predominância do negociado sobre o legislado, acentuando o princípio da intervenção mínima pelo poder judiciário ao nego-ciado.

Ademais, é negar a historicidade da importância da duração de trabalho digna, resguardando a saúde do trabalhador, legiferante do art. 7º, XIII e diretamente negar direitos sociais.

No que se refere ao instituo do banco de horas anual a nova redação do art. 59 da CLT foi inovadora possibilitando, inclusive, a compensação de jornada ser regulada pela autonomia individual, na modalidade es-crita e também tácita para a segunda.

Igualmente, regulamenta prática não amparada pela legislação celetista anterior na redação do art. 59-A apresentando jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso a ser realizada por acordo individual escrito, convenção ou acordo coletivo de trabalho.

A prática constante na redação do art. 59-A ape-nas era aceita excepcionalmente pela jurisprudência, em consonância com a Súmula n. 444 do Colendo Tri-bunal Superior do Trabalho e, ainda, com a concessão

10 LTr - Jornal do Congresso

do intervalo intrajornada e gozo dos dias dos feriados, o cenário se altera, com a alternativa de indenização dos referidos intervalos.

No que se refere ainda aos intervalos intrajorna-da, os quais constituíam obrigatoriamente de no míni-mo uma hora para repouso ou alimentação nas jorna-das superior a seis horas, atualmente, poderão ser con-vencionados de no mínimo trinta minutos, atribuindo a natureza indenizatória ao pagamento, estabelece o art. 611-A, III e conjuntura com § 4º do art. 71.

Pela simples elucidação relacionadas a jornada, os questionamentos são latentes: a “reforma trabalhista” altera o princípio protetor em proporcionar uma vida digna ao trabalhador? Haverá aumento da configura-ção do trabalho escravo contemporâneo com base em jornadas exaustivas?

O eixo central do princípio, decorrente do princí-pio constitucional da isonomia material, é compensar a vulnerabilidade do trabalhador em vistas da figura do empregador, propósito gravado no art. 5º, caput, da Constituição Federal.

As jornadas exaustivas, incentivadas pela nova legislação, retiraram o trabalhador do controle de seu destino, atrelando-o à vontade do empregador na ma-nifestação do direito de propriedade, ameaçando o princípio da proteção.

Por fim, a escravidão contemporânea mostra-se de forma refinada na ausência propriamente dita de uma liberdade de alcance de uma vida digna, a qual com a submissão patronal de trabalhadores as jornadas exaustivas na busca pelo lucro, certamente aumenta a configuração da prática arcaica.

ESTÁGIO: UMA REFLEXÃO SOBRE O ATO EDUCATIVO ESCOLAR E A FRAUDE TRABALHISTA PARA A CAPTAÇÃO DE MÃO OBRA BARATA

Ingrid Barbosa Demori9º termo – UNIVEM

Otávio Augusto Custódio de LimaProf. Titular de Direito do Trabalho – UNIVEM

O presente trabalho cuida da arguição de que o estágio profissional nos dias de hoje vem sendo utiliza-do como maneira de captação de mão de obra barata e com certa qualificação superior, por meio de contrata-ções que são verificadas fraudulentas. Há no país uma intensa valorização da projeção dos jovens no mercado de trabalho através dos programas de estágio, os quais são por vezes facultativos, mas em determinado mo-mento da graduação em nível superior se torna obri-gatório, sendo requisito objetivo para que o estudante alcance seus título de bacharel.

Para Pimenta (2005), todos os alunos e professo-res entendem o estágio como uma atividade que traz os elementos da prática para serem objeto de reflexão, de discussão, propiciando um conhecimento da realidade na qual irão atuar, e em tese, formando profissionais mais preparados.

Em 25 de setembro de 2008 foi promulgada e pu-blicada a Lei n. 11.788, conhecida como Lei do Estágio, ainda no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, sendo esta a primeira legislação que tratava do assunto com maior profundidade e coerência. Em seu conteúdo a lei trouxe o conceito, os requisitos, as obrigações e as características do estágio, bem como descreveu os de-veres e direitos do estagiário, permitindo dessa forma, uma maior segurança jurídica para ambos os lados da

relação trabalhista, que seria estabelecida delimitando todos os contornos deste instituto.

Definido e positivado pela Lei n. 11.788/2008, o estágio prático profissional supervisionado surge no país como uma inovação na área trabalhista, e também social, integrando os jovens estudantes no mercado de trabalho inserindo-os em suas áreas de estudo e gradua-ção, afim de que possam estabelecer relações e conexões entre o que é aprendido em âmbito acadêmico, com o mercado de trabalho possibilitando, assim, o crescimen-to intelectual e profissional do estudante, ora estagiário.

A premissa principal do estágio prático profissio-nal é de que haja explícita harmonia entre o âmbito aca-dêmico e o plano prático de trabalho, é, portanto, trazer para a realidade do jovem estudante como se comporta o mercado de trabalho dentro de sua área de escolha, quais as oportunidades de crescimento profissional que ele proporciona, como se dá a atuação do profissional da área e também auxilia na formação e crescimento pessoal do estudante que fica de fato inserido na con-juntura laborativa do mundo, adquirindo responsabili-dades, maturidade e desenvolvendo suas potencialida-des e habilidades.

Assim sendo, o estágio é um meio que pode levar o acadêmico a identificar novas e variadas estratégias para solucionar problemas que muitas vezes ele nem imagina-

LTr - Jornal do Congresso 11

va encontrar na sua área profissional. Ele passa a desen-volver mais o raciocínio, a capacidade e o espírito crítico, além da liberdade do uso da criatividade (ROSSI, 2012).

Fazendo-se valer deste requisito objetivo que as instituições de ensino repassam aos seus alunos (pos-sibilidade de realização de estágios), empresas vêm oferecendo oportunidades de estágio profissional, nas mais diversas áreas sejam elas na atividade fim ou na atividade meio, sem relação com o conteúdo do curso. A partir deste contexto, surge o primeiro ponto a ser analisado: a utilização de mão de obra extremamente barata para obterem trabalhadores como se emprega-dos celetistas fossem, que desempenham suas funções voltadas para o interesse da empresa, seguem ordens e possuem horários fixos e em cosonância com os mol-des da CLT, sem que estas funções estejam relacionadas com a área de estudo do então estagiário.

Há de ser feito um estudo profundo e coeso acer-ca da finalidade do estágio prático profissional para que se possa refletir a atual conjuntura do país e anali-sar se as relações de estágio hoje em dia estão realmente em consonância com os requisitos formais e materiais do instituto.

A crítica que se faz é quanto a essas contratações mascaradas de estágio que na verdade se concretizam como empregos formais, por vezes com a mesma carga horária praticada pelos empregados, mas com o dife-rencial do salário percebido ao final do mês e das garan-tias decorrentes do contrato de trabalho, sendo, portan-to, uma fraude explícita às leis trabalhistas brasileiras com intuito de obtenção de vantagem indevida sobre estudantes que figurariam em tese como estagiários.

Ao estudante existem duas modalidades de está-gio, facultativo ou obrigatório. A modalidade de estágio obrigatória se dá quando a instituição de ensino superior pontua como requisito objetivo de graduação a realização da prática profissional como complemento do que fora aprendido na academia, agregando conhecimentos extra-curriculares para a formação do indivíduo profissional.

Ambas as modalidades exigem que sejam cum-pridas algumas formalidades que são de extrema im-portância e relevância educacional, uma delas é a ne-cessidade de haver um supervisor de estágio, figura ocupada por alguém que fique responsável por orientar e assistir o estagiário em suas atribuições, de modo a ajudá-lo com qualquer adversidade que ocorra dentro do seu local de trabalho, sempre prezando para que sejam realizadas com garbo e excelência, bem como a figura do professor orientador da instituição de ensino que deve fiscalizar que se as funções do estagiário estão sendo exercidas dentro dos limites legais com o deter-minado fim previsto.

Além disso, há também a obrigatoriedade de que seja redigido um contrato entre a instituição de ensino e a empresa cedente do estágio para que sejam reduzi-das a texto as tratativas do estágio a ser cumprido pelo estagiário.

Como parte fundamental desta relação, está a exigência de que sejam compatíveis as atribuições pro-fissionais do estagiário com seu aprendizado curricu-lar, afim de que a prática profissional agregue valores e conhecimentos à sua vida profissional-acadêmica, ou seja, exige-se que haja compatibilidade com as ativida-des descritas no termo de estágio com a realidade do dia a dia do estagiário.

Vale ressaltar que caso as funções exercidas pelo estagiário não guardem relação alguma com sua área de estudo, ou com o seu termo de estágio, en-sejará que os agentes integradores do estágio sejam responsabilizados civilmente como prevê o art. 5º da Lei n. 11.788/2008 em seu § 3º.

Outro ponto a ser rigidamente observado é quanto à carga horária exercida pelo estagiário, a qual não deve exceder 6 horas diárias. É válido destacar que conforme o § 2º do art. 3º da Lei n. 11.788/2008, caso alguma das formalidades sejam descumpridas a relação de estágio, a qual não gera nenhum vínculo empregatício, tornar-se-á relação trabalhista com vínculo de emprego e ensejará todos os direitos trabalhistas ao então estagiário.

O cenário nacional nos mostra a grande incidên-cia de fraudes estagiárias, segundo dados do TST os bancos são os maiores litigantes nestas fraudes, pois fazem uso da contratação de estagiários para que exer-çam funções propriamente ditas de bancários, porém usufruindo de uma situação extremamente confortável onde não há encargos trabalhistas ou se quer um salário compatível, de maneira esta que acaba por usufruir do instituto profissionalizante educacional para fins lucra-tivos em sua empresa por meio dos desvios de função.

Ainda de acordo com o banco de dados do TST que publicou uma matéria em 2012 acerca do tema em questão, tivemos no país dois grandes casos de fraudes estagiárias que ensejaram indenizações monetárias de valores altos como “em setembro de 2011, o Estado da Bahia foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 150 mil reais, pela contratação irregular de 6.480 estagiários. Em sua maioria, menores de idade, estudantes da rede pública, que foram contratados como atendentes e conferentes para trabalhar no processo de matrícula das escolas pú-blicas. O caso foi considerado fraude ao instituto de es-tágio, e a quantia foi revertida para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)”.

O instituto do estágio prático profissional deve ser entendido em lato sensu para que se possam mensurar todos os efeitos que este provoca na sociedade, todo o seu desfecho social e suas implicações na vida laborativa dos jovens ingressantes no mercado de trabalho. O traba-lho é fato social que implica em rotulação e classificação do homem, por conseguinte, ter dignidade e seus direi-tos respeitados é o mínimo que lhe deve ser garantido.

A integridade do estudante deve ser mantida e preservada, além deste dever ser estimulado a novos aprendizados e ao enriquecimento intelectual e acadê-mico, modelo este que é defendido pelo órgão que ge-rencia os estágios, CIEE – Centro de Integração Empre-sa-Escola, razão pela qual se faz de suma importância a fiscalização dos estágios práticos profissionais com a devida sanção aos empregadores que descumprirem as obrigações perante aos estagiários.

Referências bibliográficas

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O PRINCÍPIO PROTETOR NA CONTEMPORANEIDADE: O EMPODERAMENTO E A ANÁLISE DA MULHER GESTANTE E LACTANTE

NAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA “REFORMA TRABALHISTA”

Letiane Corrêa BuenoEspecialização em Direito

A palavra do momento é o empoderamento, de-rivada do inglês empowerment, simboliza fortalecimento, nos movimentos históricos na busca de resguardar os direitos femininos.

Empoderar é sinônimo de enfatizar todas as for-mas de proteção à mulher, em conformidade com a Organização das Nações Unidas na criação da ONU Mulheres, destinada a Igualdade de Gêneros e o Em-poderamento.

Atualmente, as mulheres estão à frente em várias áreas profissionais, no entanto, ainda acumulam o dom de trazer outra vida ao mundo, requerendo proteção a essa fase de vulnerabilidade feminina.

Nesse cenário a antiga legislação trabalhista na proteção das mulheres, dos nascituros e recém-nasci-dos, obrigatoriamente determinava o afastamento da trabalhadora durante toda a sua gestação e lactação de qualquer atividade, operação ou local insalubre.

Advém a Lei n. 13.467 de 13 de julho de 2017, co-nhecida popularmente como “reforma trabalhista”, al-terando esse cenário protetor no tocante ao afastamen-to da mulher das atividades insalubres, modificando consideravelmente as disposições do art. 391-A da CLT sem, contudo, excluir a remuneração do adicional.

Logo, a nova legislação apenas determinou o afastamento das gestantes das atividades insalubres em grau máximo e, consequentemente, aquelas que exer-çam atividades em graus médio ou mínimo, o afasta-mento somente ocorrerá por atestado médico. Já para as lactantes em qualquer atividade insalubre, o afasta-mento apenas ocorre por atestado médico ambos os ca-sos de profissional de confiança da trabalhadora.

Notavelmente a nova legislação apresenta o afas-tamento das atividades insalubres como exceção, de-pendendo da vontade da trabalhadora em não perma-necer no trabalho e atestado médico no mesmo sentido.

Com a finalidade de regulação e abrandar viola-ções ao instituto apenas as gestantes, foi editada a Me-dida Provisória de n. 808 de 14 de novembro de 2017. O cenário se inverte, a regra seria o afastamento da ges-tante dos locais insalubres e não pagamento de adicio-nal de insalubridade.

Desse modo, somente poderia haver o trabalho e, por conseguinte, o pagamento do adicional, nas ativi-dades sobre grau médio ou mínimo desde que a empre-gada apresentasse sua vontade e atestado médico com a respectiva autorização.

A referida Medida Provisória produziu efeitos jurídicos por curto período, diante a ausência de sua

apreciação pelo Congresso Nacional, perdendo sua efi-cácia e sucedendo a vigorar as disposições anteriores.

Nada obstante, seja na redação exposta pela “re-forma trabalhista” ou da tentativa de melhoria introdu-zida pela Medida Provisória, o questionamento inicial surge, haveria incentivo pela nova legislação no traba-lho de gestantes e lactantes em condições insalubres?

Nesse aspecto, o princípio constitucional da iso-nomia material estampado no art. 5º, caput, da Cons-tituição Federal, manifestado na seara trabalhista no Princípio da Proteção na compensação da fragilidade do trabalhador frente à figura do empregador, teria sido considerado e observado atentamente na elaboração das novas disposições de proteção à maternidade?

Ora, é evidente o laboro em condições insalu-bres ser desenvolvido em sua maioria pelas mulheres de baixa renda, analfabetas ou de pouca escolaridade, as quais certamente não irão buscar atestados médicos com receio de perder a remuneração respectiva ao adi-cional de insalubridade.

Desse modo, a situação como posta, configura-se em apenar duplamente a trabalhadora, por sua situa-ção socioeconômica fragilizada e no comprometimento de sua saúde, de seu nascituro ou recém-nascido.

Ademais, ambientes insalubres denotam um ris-co a saúde e possibilidade de fomento a situações de amparo médico, portanto, a “reforma trabalhista” como posta teria respeitado o princípio protetor? Traria avan-ços ou retrocessos? A justiça social estaria sendo respei-tada?

A “reforma trabalhista” desconsidera a trabalha-dora laborar em circunstâncias desiguais com o empre-gador na barganha pelo mínimo essencial para sobre-viver em uma sociedade sensivelmente capitalista. E mais, apresenta aspectos inconstitucionais e até mesmo contrários a todo movimento nacional e internacional de empoderamento, com objetivo de criar uma socie-dade democrática fortalecida, protetiva e igualitária as mulheres.

As disposições ignoram ao referencial constitu-cional de um Estado Democrático de Direito, com real-ces nos arts. 1º, III e IV; 6º; 7º, XX e XXII; 170; 193; 196; 201, II; 203, I e 225, fundamentando a proteção à digni-dade da pessoa humana, maternidade, gestação, saúde, a própria mulher, ao nascituro e recém-nascido, ao tra-balho e o ambiente de trabalho equilibrado.

Vivemos um momento de transição e esses mo-mentos são intimidantes, sensivelmente pela importân-cia do operador de direito ter referências claras de qual

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bem jurídico a ser protegido, em fidelidade ao princípio da isonomia.

A tendência ainda que prematura, por uma dádi-va, é da reprodução de modelos tradicionais de prote-ção em homenagem aos direitos constitucionais.

Nesse sentido, já foi apresentada Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.912/2018 perante o Supremo Tribunal Federal sustentando a inconstitucionalidade da nova redação do art. 384-A da CLT. Nesse seguimen-to é o Enunciado n. 2 da Comissão 4 com aprovação na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho.

Além disso, não é forçoso recordar, a possibili-dade de análise das disposições citadas em controle de convencionalidade, pela afronta direta as previsões das normas ratificadas da Organização Internacional do

Trabalho – OIT, especialmente a Convenção Internacio-nal n. 103 no Amparo à Maternidade e Segurança de Saúde dos Trabalhadores.

Os danos serão irreparáveis, diretamente das pessoas humanas envolvidas, como indiretamente a se-guridade social, demostrando verdadeiro retrocesso e impedimento da fortificação do empoderamento femi-nismo, negando o poder na construção de um projeto de vida respaldado em condições mínimas.

O abandono de toda a matriz civilizatória é retro-ceder a era arcaica de proteção a direitos fundamentais e humanos e, ainda, impactar no objetivo constitucional da erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais estampada nos arts. 1º e 3º da Constituição Fe-deral Brasileira, é assim permitir o retrocesso na prote-ção da mulher.

TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO: UMA REFLEXÃO SOBRE A VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE

HUMANA E A FRAGILIDADE NA EFETIVAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS E PREVENTIVAS

Larissa Pires EstofaleteGraduanda em Direito pela UNIVEM

Dentre as diversas formas de trabalho previstas na evolução histórica da humanidade, a escravidão foi considerada a primeira delas. O modelo escravocrata caracterizava-se pela restrição da liberdade e pela coi-sificação do escravo, que não era considerado sujeito de direitos, e sim propriedade de seus senhores. A abolição da escravidão no Brasil foi um processo lento e tardio, tendo em vista que a economia brasileira estava assen-tada no trabalho escravo, e a partir de 13 de maio de 1888, com o advento da Lei Áurea, a liberdade foi alcan-çada pelos escravos e a escravidão tornou-se, a partir de então, em tese, uma forma de trabalho ultrapassada e proibida por lei.

Anos se passaram, e as bases estruturais da socie-dade são outras, porém o tema escravidão ainda é dis-cutido no país e uma analogia a esta forma de trabalho ainda é feita. Por sua vez, o contexto histórico é muito diferente de antigamente, pois, não apenas negros, mas também brancos, crianças e adolescentes, homens e mulheres, sem distinção de idade e nem força física, es-tão cada vez mais vulneráveis e submetidos a este tipo de trabalho humilhante.

Em contrapartida, é possível reconhecer que, des-de então, há um crescente esforço legislativo e jurídico a fim de abolir definitivamente a escravidão no mundo contemporâneo.

Desta forma, a presente tese visa não apenas estabelecer conceitos sobre o assunto, mas também,

demonstrar a violação dos direitos e garantias funda-mentais, especialmente a dignidade da pessoa huma-na, demonstrando os principais fatores que contribuem para a geração e manutenção desta forma criminosa de trabalho no Brasil e a fragilidade do Estado em seu combate.

Nos dias de hoje milhares de pessoas são reduzi-das a condições análogas à de escravo, sendo tratados como instrumento pelo empregador, o que configura uma ofensa a dignidade da pessoa humana. Segundo os dados do Quadro das Operações de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho e Emprego, de 2016 até 13 de março de 2017 foram feitas 115 operações em todo o território na-cional, com 191 estabelecimentos inspecionados e 885 trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravo; outros dados são da pesquisa do SMARTLAB de Trabalho Decente que consiste em um laboratório multidisciplinar de gestão do conhecimento instituído por meio de um acordo de cooperação técnica interna-cional entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que de 2003 a 2017, 43.696 pessoas foram resgatadas.

O nosso ordenamento jurídico prevê, desde 1940 o crime de redução do homem à condição análoga à de escravo. Em 2003, com o advento da Lei n. 10.803, houve modificação do art. 149 do Código Penal, que passou a especificar quatro hipóteses de trabalho em

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condições análogas à de escravo da seguinte maneira: 1) submissão a trabalhos forçados; 2) submissão a jor-nadas exaustivas; 3) sujeição a condições degradantes de trabalho e/ou 4) restrição da locomoção em razão de dívidas contraídas com o preposto e/ou empregador, ou seja, servidão por dívidas.

Desse modo o trabalho em condições análogas à de escravo se caracteriza quando as pessoas têm sua li-berdade cerceada, seus documentos confiscados, e pela negação da dignidade do trabalhador, fazendo com que ele seja transformado em uma ferramenta descartável de trabalho, violando desta maneira a Constituição e acordos internacionais celebrados pelo Brasil.

No tocante a restrição da liberdade de locomoção, o tipo penal, utilizou de forma alternativa, ou seja, bas-ta que o empregador submeta o trabalhador a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas ou a trabalho degra-dante ou mesmo a uma situação de vínculo obrigatório com o local de trabalho, através do artifício de dívida contraída com o empregador ou preposto, desta maneira estaria configurado o delito do art. 149 do Código Penal.

A Constituição Federal de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa a proteção efetiva dos di-reitos fundamentais. A dignidade da pessoa humana está prevista na Constituição Federal em seu art. 1º, in-ciso III, sendo o alicerce e o fundamento da República Federativa do Brasil constituindo a própria essência dos direitos fundamentais.

Acontece que no trabalho em condições análogas à de escravo ocorre exatamente o contrário a este ideal, pois o ser humano é submetido a diversas condições precárias e degradantes que fazem com que a sua dig-nidade seja equiparada a nada.

A dignidade deve ser vivenciada no ambiente de trabalho, dignidade tanto física quanto psíquica, ofere-cendo ao trabalhador um ambiente adequado para o desempenho de suas funções, afim de se obter um tra-balho decente e que aufira renda suficiente para viver dignamente.

A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature-za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros re-sidentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercí-cio de todos os demais direitos.

A proibição de toda ofensa à dignidade da pessoa é questão de respeito ao ser humano, o que leva o direi-to positivo a protegê-la a garanti-la e a vedar atos que podem de algum modo levar à sua violação.

O trabalhador como ser humano deve ter seus di-reitos mínimos respeitados, uma vez que a garantia a esses direitos se insere na promoção de uma vida digna. Dessa maneira a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos para a promoção de um trabalho decente e para o combate ao trabalho em condições análogas à de escravo, pois a antítese da dignidade do trabalhador é a sua exposição a condições degradantes de trabalho.

O Estado brasileiro tem o compromisso da pro-moção do trabalho decente e o combate às formas de exploração do trabalhador. Brito Filho (apud Bismarck Duarte Diniz e Marina Dorileo Barros, 2016, p. 74) le-

ciona que: “[...] trabalho decente, então, é um conjunto mínimo de direito do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igual-dade no trabalho; ao trabalho com condições justas, in-cluindo a remuneração e que preservem a sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais”. Desta maneira, as principais funções do Direito do Trabalho é estabelecer regras mínimas para o trabalhador e garan-tir a sua condição social com dignidade.

Sendo assim, trabalho decente é aquele que evita a super exploração do empregado, o aviltamento de sua dignidade, um trabalho em condições degradantes com baixíssimos salários e longas jornadas de trabalho.

Destarte, para que se atribua maior efetividade ao conceito de trabalho decente e para que sua aplica-bilidade possa materializar melhorias na condição de labor, faz-se necessário, a aplicação de medidas proteti-vas a todos os trabalhadores, afim de evitar a minimiza-ção de direitos dos trabalhadores e consequentemente evitar o trabalho em condições análogas à de escravo. Desse modo com a aplicação destas medidas protetivas busca-se a igualdade material entre o trabalhador e o empregador, a fim de que o desequilíbrio da relação de trabalho se torne o menor possível e que possibilite a realização de um trabalho decente em que o trabalha-dor aufira renda compatível com a manutenção real de sua vida e de sua família, exercendo a atividade labo-rativa com igualdade, segurança, consciência e digni-dade.

Os motivos que levam o tomador de serviço a su-jeitar os trabalhadores a condições análogas à de escra-vos se funda na obtenção de lucro por parte do empre-gador em detrimento dos trabalhadores hipossuficien-tes, com pouca ou sem nenhuma escolaridade, ou seja, o trabalhador se torna um simples objeto de lucro do empregador, neste ponto cabe salientar que a influência do capitalismo é um dos motivos de aumento do traba-lho em condições análogas à de escravo.

Atualmente há medidas preventivas e punitivas para evitar a existência do trabalho em condições aná-logas à de escravo, como por exemplo a “lista suja” que consiste em uma base de dados mantida pelo Ministé-rio do Trabalho, desde novembro de 2003, com a pu-blicação de atualização do cadastro de empregadores flagrados por mão de obra análoga à de escravo, a “lista suja” foi atualizada até abril de 2018 e conta com 166 nomes, desse modo consiste em uma das mais podero-sas ferramentas na luta pela erradicação do trabalho es-cravo. Outras medidas como fiscalização, expropriação de terras, multas, também são realizadas, mas não são suficientes para a erradicação desta forma de trabalho. No tocante a fiscalização é importante salientar-se a ne-cessidade de uma fiscalização em massa e com regulari-dade para que se tenha um combate efetivo ao trabalho em condições análogas à de escravo.

Desse modo, se observa que uma das maiores dificuldades para o combate ao trabalho escravo estão assentadas na educação das pessoas tendo em vista que os empregadores coisificam os empregados, há nes-te ponto a indiferença diante da subtração de direitos das pessoas mais carentes, necessitando, portanto, de políticas públicas para a conscientização de toda a po-pulação.

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Bem como é necessário a intensificação das fisca-lizações nos ambientes de trabalho a fim de evitar que ocorra a submissão dos trabalhadores às condições aná-logas a escravo, e medida efetiva para o resgate destas pessoas que se encontram nesta situação, devolvendo assim a sua liberdade. Vale ressaltar a atenção especial que esses trabalhadores que são resgatados merecem receber, tendo em vista que uma vez resgatados, não podem voltar à situação indigna que perduraram por algum tempo. Desse modo, afim de quebrar o ciclo cres-cente e vicioso do trabalho em condições análogas ao de escravo, faz-se necessário a criação de programas espe-ciais voltados para a reintegração destes trabalhadores ao mercado de trabalho, dando a eles a oportunidade de especialização e estudo, caso seja necessário, para que então possam conseguir um emprego digno para o seu sustento e de sua família.

Referências Bibliográficas

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SMARTLAB DE TRABALHO DECENTE. Disponível em: <https://observatorioescravo.mpt.mp.br/>. Acesso em: 1 maio 2018.

ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A VIOLÊNCIA SOFRIDA PELAS MULHERES

GESTANTES NO AMBIENTE DE TRABALHO

Neuritânia de Souza KobayashiCursando o 5º ano de Direito no UNIVEM

Otávio Augusto Custódio de LimaProfessor titular de Direito do Trabalho nos cursos de graduação e pós-

-graduação do UNIVEM

O presente trabalho tem por objetivo, expor as condutas caracterizadoras do assédio moral no am-biente de trabalho, especialmente quando sofridos por mulheres em período gestacional, bem como as conse-quências acarretadas por tais condutas.

O assédio moral no ambiente de trabalho é carac-terizado pela exposição à situações humilhantes e cons-trangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jorna-da de trabalho, através da prática de condutas abusivas, normalmente configuradas através de gestos, palavras, comportamentos inadequados e atitudes que ultrapas-sam o limite de uma conduta aceitável, conduta esta que

agride e ofende tanto a dignidade quanto a integridade física e psíquica do ofendido, resultando, resultando nas mais diversas consequências, dentre elas graves enfer-midades e a própria rescisão contratual.

A doutrina divide o assédio moral em vertical, que pode ser descendente (prática considerada a mais comum), caracterizada pela prática abusiva partir do superior hierárquico, ou a ascendente que é aquela pra-ticada pelo subordinado contra o superior hierárquico, também é reconhecida a prática horizontal que ocorre entre colegas no mesmo nível hierárquico e o misto que exige a presença de pelo menos três sujeitos, o assedia-

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dor vertical, o horizontal e a vítima. A situação mais re-corrente é aquela praticada pelo superior hierárquico ou vertical descendente, tal prática se dá pelos mais diver-sos motivos, tais como insegurança, perseguição em ra-zão da vítima possuir desempenho acima ou abaixo da média, em termos de produção, desejo que o funcioná-rio se demita ou por uma condição mesmo que momen-tânea, como é o caso da mulher gestante, entre outros.

Doutrinadores entendem que o assédio moral é tão antigo quanto o próprio trabalho, contudo este as-sunto começou a ser discutido e ganhou força no Brasil, após a divulgação da pesquisa realizada por Dra. Mar-garida Barreto, inclusive tema de sua dissertação de mestrado defendida em 22 de maio de 2000 na PUC sob o título “Uma jornada de humilhações”. Onde analisou a intolerância e suas manifestações nas sociedades mo-dernas, em particular nos espaços de trabalho e propôs uma perspectiva dialética apontando que a intolerância nas relações de trabalho tem se expressado por meio de atitudes violentas, discriminatórias, irônicas, doentias e recorrentes, que configuram o assédio laboral estimu-lado pela forma de o capitalismo organizar o trabalho.

No tocante ao assédio moral praticado contra ges-tante, geralmente é por motivos diferentes dos demais casos. Essa prática, na maioria das vezes se inicia desde a ciência do estado gravídico, pois esta condição traz à mulher uma garantia de empregado, limitando o poder potestativo do empregador em despedi-la sem motivo, iniciando a partir de então uma prática destes abusivos atos, que com a evolução da gestação, ainda mais se for uma gravidez de risco, e aumento das consultas médi-cas, motivando a ausência da gestante do seu posto de trabalho, com a apresentação de atestados com mais frequência.

Esta situação, faz com que a própria gestante passe a adotar uma conduta mais “defensiva”, para evitar o surgimento de conflitos, passando a optar por consultas em horários alternativos mesmo que isso lhe acarrete os mais diversos ônus. Com o passar do tempo, a gestante vai ficando geralmente menos ágil, e depen-dendo do caso diminuindo sua produção, tal limitação é tão evidente a ponto de a gestante ser incluída pelo ordenamento jurídico no rol de pessoas com mobilida-de reduzida, sem se esquecer das necessidades fisioló-gicas, que se alteram, como por exemplo a necessidade de urinar com muita frequência,

O assédio moral contra gestante não deve ser tra-tado como o praticado contra as demais pessoas, tendo em vista que a prática deste, ofende o direito a vida, um dos direitos fundamentais previstos no art. 5º da Cons-tituição Federal, que em seu caput leciona:

“Art. 5 – Todos são iguais perante a lei, sem dis-tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi-leiros e aos estrangeiros residentes no País a inviola-bilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança.”

Há uma violação direta a este artigo, pois depen-dendo da gravidade das agressões e da natureza da ges-tação, não só a vida da mãe está em risco, como também a do nascituro, pois pode chegar ao ponto de desenca-dear alguma pré-disposição, decorrente do ambiente hostil encontrado no trabalho e, consequentemente, levar a gestante a sofrer um aborto, ou ainda, da pró-pria criança apresentar problemas de saúde em razão de todo estresse sofrido pela mãe durante a sua gestação.

Por outro lado, é possível inclusive, citar a ofensa ao princípio da igualdade e o direito à inviolabilidade a sua honra, garantidos constitucionalmente e previstos nos incisos I e X que prevê inclusive indenização:

“I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

A igualdade constitucional prevê o tratamento igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais, nem sempre tratar uma gestante com igualdade aos demais ofende este princípio, pois desde a antiguidade que se ouve a afirmação que “gravidez não é doença” e de fato não é. Contudo dependendo do trabalho que a gestante realize e o seu estado de saúde, a lei lhe asse-gura o direito de ser “poupada”, se for o caso e inclusi-ve, mudando de setor para dar efetividade ao direito à maternidade. Contudo, na maioria dos casos, além da gestante não ter acesso ao direito que a lei lhe confere, ela é submetida a situações precárias, degradantes de trabalho acarretando-lhe as mais diversas consequên-cias.

Em se tratando da inviolabilidade a intimidade e a honra, não há possibilidade de estas agressões não afetarem estes valores, levando em conta que durante toda a gravidez a mulher passa por diversas alterações hormonais, com as mais diversas reações, sendo que, dentre elas, com frequência desenvolve um sentimen-to de ambivalência afetiva, com sobrecarga emocional, onde muitas vezes a gestante passa por momentos de euforia da aceitação e depois a dúvida ou até mesmo a rejeição, geralmente sofrendo também de ansiedade por preocupação com a saúde do feto. Ao se aproxi-mar do fim da gestação, se soma a todos estes fatores, a preocupação com o parto em si, os medos da inca-pacidade com cuidados neonatais. Tradicionalmente se reconhece no pós-parto um quadro de depressão transitório chamado “baby blues” ou um quadro mais intenso que é o caso de uma depressão propriamente dita, o pós-parto acaba sendo um reflexo de todo o pe-ríodo gestacional, de forma que se durante a gestação a mulher sofreu com o assédio moral, em razão desta vulnerabilidade inerente à gestação, a possibilidade de consequências tanto para o bebê quando para mãe por causa do assédio sofrido é significativa.

O Estado impõe a quem agride, o dever de repa-ração, a nova CLT também prevê esta obrigação, que terá sua natureza “medida” pelo juiz de acordo com a extensão do dano.

O fato é que frequentemente se tem o conheci-mento dessa prática abusiva, mas que as consequências sofridas pelo “agressor” ainda que tenha caráter pe-dagógico, não tem sido suficientes para que diminua tal prática. Por se tratar de uma situação transitória, a vítima acaba abrindo mão de seus direitos inclusive na maioria das vezes do próprio trabalho, seja para evitar sofrimentos, pois a busca pelo direito consequentemen-te a levará a reviver esta situação de sofrimento, seja por medo de não conseguir um novo trabalho ou até mesmo por comodismo, de forma que os direitos pre-vistos na legislação estão tendo pouca efetividade.

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Referências bibliográficas

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UCHÔA, Marcelo Ribeiro. Mulher e mercado de trabalho no Brasil: um estudo sobre igualdade efetiva: ba-seado no modelo normativo Espanhol. São Paulo: LTr, 2016.

A REFORMA TRABALHISTA ALTERA O PRINCÍPIO PROTETOR?

Luana Angelo LealNathalia Marbly Miranda Santos

Renata Ferreira Spíndola de MirandaTainá Reis

As autoras são graduandas em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, integrantes do

programa de iniciação científica sob orientação da professora Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva e integrantes do grupo de pesquisa

Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (CIRT/UFRJ).

O Direito do Trabalho nasce como produto das transformações sociais e econômicas experimentadas pelos países capitalistas ocidentais durante os séculos XVIII e XIX, no contexto do que se convencionou cha-mar de “Revolução Industrial”. Este processo histórico significou, em suma, a reconfiguração e reorganização dos modos de produção, dando origem a um modelo produtivo baseado no trabalho livre, subordinado e as-salariado. A relação empregatícia provou-se importante instrumento de incremento da produtividade, permi-tindo aos capitalistas a exploração do trabalhador em todas as suas potencialidades(1).

Este modelo de utilização da mão de obra, no qual o trabalhador vende a sua força de trabalho ao empre-gador, que detém o monopólio dos meios de produção, acabou por impulsionar a superexploração da classe trabalhadora, expondo-a a condições degradantes de trabalho. Nesse contexto é que florescem os primeiros movimentos trabalhistas lutando por garantias e direi-tos para a classe operária, especialmente por meio de grandes greves e participação sindical ativa.

Como consequência da disputa entre capital e trabalho, são editadas as primeiras leis trabalhistas, a garantir direitos aos trabalhadores e mitigar as iniqui-dades estruturais do sistema. Daí se extrai que a ordem jurídica juslaboral, para além de servir como parâmetro normativo organizativo da relação empregatícia, liga-

(1) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 100.

-se, desde seu limiar, à noção de que há um desequilí-brio inerente a esta relação e que, sem uma atuação do Direito no sentido de limitar o avanço do capital com vias a redução do abismo existente entre empregado e empregador, a exploração desenfreada da força de tra-balho humana tende a ser desastrosa. O desequilíbrio do assalariamento na sociedade capitalista é estrutural e exige uma regulação não mercantil da relação laboral na perspectiva de redução das assimetrias existentes no mercado de trabalho, de modo a que a proteção ao trabalhador se constitua em um elemento decisivo para que o direito do trabalho se apresente como instituidor da desmercantilização do trabalho humano.(2)

Nessa perspectiva, desenvolveu-se o princípio protetor, que estabelece que as normas de direito ma-terial e processual do trabalho devem reduzir a subor-dinação estrutural na relação empregatícia, sendo mais favoráveis ao empregado, compreendido como parte hipossuficiente porquanto depende da venda de sua força de trabalho para a sua subsistência. Busca-se, por meio do princípio da proteção, balancear esta correla-ção de forças, salvaguardando direitos e garantias es-senciais à dignidade e sobrevivência dos trabalhadores.

O princípio protetivo do trabalhador não só foi incorporado às normas juslaborais brasileiras, como encontra guarida na Constituição Federal de 1988, que

(2) SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da e HORN, Carlos Henrique. O princípio da proteção e a regulação não-mercantil do mercado e das relações de trabalho. In: Revista de Direito do Trabalho. Ano 34, n. 132, São Paulo: RT, p. 184-205, out./dez. 2008.

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elevou as regras de proteção ao trabalhador à condição de direitos sociais fundamentais, abrigados no rol de seu art. 7º. O art. 1º, por sua vez, põe na centralidade da ordem constitucional a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e a valorização do trabalho (art. 1º, IV. da CF), o que, aliado aos objetivos constitucionais de construir uma sociedade justa, livre e igualitária (art. 3º, I, da CF) e erradicação da pobreza (art. 3º, III, da CF), reforçam o compromisso de garantia de um mínimo ci-vilizatório.

No âmbito do sistema internacional, desde a constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1919, está expressa a compreensão de que tra-balho não deve ser uma mercadoria. Assegurar o traba-lho digno é uma das metas da OIT e emerge em diver-sas convenções internacionais, tais quais a Convenção n. 155, sobre saúde e segurança no trabalho, na Con-venção n. 117, sobre objetivos e normas básicas da polí-tica social, sendo o trabalho decente a diretriz adotada na Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais, adotada pela OIT em 1998. No âmbito do sistema inte-ramericano o princípio da progressividade em matéria de direitos sociais e trabalhistas vincula o Brasil, que ademais incorporou como norma supralegal os pactos dos direitos civis e políticos e de direitos sociais, econô-micos e culturais da ONU.

Entendendo os princípios como fonte do Direito é possível afirmar que os mesmos exercem o papel de norteador do ordenamento jurídico, devendo as regras serem reflexos dos mesmos. Com isso, o princípio pro-tetivo se impõe em a toda ordem jurídica do trabalho garantindo a não mercadorização da mão de obra do trabalhador e promovendo a igualdade material entre atores que ocupam lugares desiguais, conforme previ-são e hermenêutica constitucional.

Na contramão da compreensão constitucional e convencional, com o desenvolvimento do neolibera-lismo, surgem tentativas de flexibilização do princípio protetor, sob o discurso de que o Direito do Trabalho é extremamente rígido e atravanca o desenvolvimento econômico, assim como gera desigualdades que com-prometem a segurança jurídica das relações de trabalho e afetam principalmente o empregador.

É nessa linha argumentativa que se fundamenta a Lei n. 13.467/2017, também conhecida como reforma trabalhista, responsável por uma mudança significativa nas normas trabalhistas brasileiras, que pretende abalar a estrutura do Direito do Trabalho, tendo sido pensada por atores políticos e jurídicos do campo mais conser-vador e neoliberal, e criticada por acadêmicos e juristas que se posicionam em defesa dos mecanismos de pro-teção social.(3) O discurso que sustenta estes propósitos pode ser compreendido a partir das reflexões de Antó-nio Casimiro Ferreira(4) sobre austeridade e do direito

(3) Sobre a reforma trabalhista, consultar dentre outros: SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva. O Brasil das reformas trabalhistas: Insegurança, Instabilidade e Precariedade. In: SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da; EMERIQUE, Lilian Balmant; BARISON, Thiago (Orgs.). Reformas Institucionais de Austeridade, Democracia e Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2018. p. 212-216 e MAIOR, Jorge Luiz Souto. Vamos falar séria e honestamente sobre a reforma trabalhista? In: ANAMATRA. Revista Trabalhista Direito e Processo. Reforma Trabalhista e Previdenciária: a desconstrução dos direitos sociais no Brasil. São Paulo: LTr, ano 15, n. 57, dez. 2017.

(4) FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho da exceção. Porto: Vida econômica, 2012. p. 13.

do trabalho de exceção, no qual as regras do mercado pautam a atuação estatal, culpabilizando a classe traba-lhadora pelas crises econômicas e impondo a restrição de seus direitos como se fosse a única solução possível para os problemas nacionais.

Uma tentativa de redução do princípio da prote-ção promovida pela reforma trabalhista no âmbito do Direito Processual do Trabalho atrela-se às restrições ao acesso à Justiça, pois viola as garantias fundamentais à isonomia e da inafastabilidade da tutela jurisdicional e, por conseguinte, vão de encontro ao princípio basilar da proteção. O art. 790-B da CLT (caput e § 4º) responsa-biliza a parte sucumbente pelo pagamento de honorá-rios periciais, ainda que beneficiária da justiça gratuita. Por sua vez, o art. 791-A da CLT considera devidos os honorários advocatícios de sucumbência por beneficiá-rio de justiça gratuita que tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa. Nesse diapasão, o art. 844, § 2º da CLT tam-bém autoriza, na hipótese de ausência injustificada do reclamante na audiência de julgamento, a condenação deste ao pagamento das custas ainda que beneficiário da justiça gratuita. Os presentes artigos são objetos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.766 de relato-ria do Min. Luís Roberto Barroso que está pendente de julgamento perante o STF.

Na seara do Direito Coletivo, a Lei n. 13.467/2017, por meio do art. 477-A da CLT, trouxe a equiparação das dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou co-letivas e o afastamento da assistência sindical ou do Mi-nistério do Trabalho para a sua efetivação. Pretendeu-se afastar a intervenção sindical por ocasião da extinção contratual (homologação). Sob o argumento de desbu-rocratização, em realidade a medida promove o afasta-mento do trabalhador de seu sindicato profissional, di-ficulta o acesso por parte da associação sindical acerca das dispensas ocorridas em sua base territorial e obsta sua atuação de conscientização de direitos. Sem prejuí-zo, a falta de assistência administrativa e jurídica colo-ca o empregado em situação de total desconhecimento dos seus direitos individuais e coletivos trabalhistas, visto a sua vulnerabilidade técnico-jurídica.

Com a redução da atuação da assistência sindi-cal e administrativa, o conjunto de garantias mínimas fornecidas pela negociação coletiva e pela intervenção estatal na relação de trabalho é mitigado em nome de uma alegada simplificação do procedimento. Por outro lado, a reforma trabalhista se revela muito incongruen-te, vez que, em sua essência, pugna pelo fortalecimento da solução negociada, mas no momento da dispensa do empregado, deixa-o desprotegido, sem acesso a qual-quer assistência técnico-jurídica.

No âmbito do Direito Individual do Trabalho, um exemplo de afastamento do princípio protetor promo-vido pela Lei n. 13.467/2017 foi a criação da figura do “empregado hiperssuficiente” (art. 444, caput, CLT), que é aquele que, por receber remuneração superior a duas vezes o teto dos benefícios da previdência social(5) e possuir diploma de nível superior, pode negociar di-reta e individualmente diversas cláusulas contratuais e até submeter seu conflito com o empregador a arbi-tragem, como se o valor de seu salário e formação aca-

(5) Equivalente a aproximadamente R$ 11.291,60 no ano de 2018.

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dêmica tivessem a capacidade de deixá-lo em posição igualdade material com seu empregador (que possui o poder de dispensá-lo sem justo motivo).

Todavia, na lógica de que o princípio protetivo é a base do Direito do Trabalho, ele transcende ao texto legal e todas as normas juslaboralistas devem ser in-terpretadas sob seus ditames. Sendo assim, a partir do ponto de vista levantado, a tentativa de mitigação do princípio em questão ou de interpretação das leis labo-rais distante do seu arcabouço principiológico basilar é vedada. Ademais, contido no caput do art. 7º da Cons-tituição, os princípios da proteção e do não retrocesso social informam a interpretação de todas as regras ins-tituídas com a reforma trabalhista, devendo ser afasta-das as regras de desproteção e redução de direitos, e as demais interpretadas em conformidade com a diretriz da proteção.

Sendo assim, todos os exemplos citados devem ser lidos à luz do princípio da proteção e eventuais lesões sofridas pelo empregado devem ser reparadas pelo Poder Judiciário. Neste sentido, dadas as perigo-

sas mudanças promovidas pelo Poder Legislativo, é necessário que os juristas realizem um processo herme-nêutico da Lei n. 13.467/2017 pautado nos princípios basilares do Direito do Trabalho, de modo a interpretar as normas da maneira mais favorável ao trabalhador.(6)

Conclui-se que o princípio da proteção se justifica historicamente como uma forma de tentar manter a pro-messa de modernidade e, por outra via, impor limites à relação de exploração do trabalho pelo capital. Sendo princípio fundante do próprio Direito do Trabalho, dele não é possível se dissociar, independentemente de alte-rações legislativas. Como instrumento de conservação da ordem social, proporciona ao trabalhador a condição de sujeito de direitos, vez que a sua dignidade humana lhe é assegurada.

(6) LIMA, Francisco Gérson Marques de. Convite ao Estudo da Hermenêutica em Direito do Trabalho. Artigos MPT-CE. 23 jul. 2017. Disponível em: <http://www.prt7.mpt.mp.br/images/artigos/2017/Convite_a_Hermeneutica_Trabalhista-Gerson_Marques.pdf&gt>. Acesso em: 23 out. 2017. p. 12-13.

PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DO TRABALHO NA ERA CONTEMPORÂNEA

Roberta Castro Lana LinharesBacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto.

Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto. Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

Após o advento da reforma na legislação traba-lhista (Lei n. 13.467/2017), os princípios norteadores do Direito do Trabalho devem ser lidos, cada vez mais, como uma forma de proteção ao trabalhador emprega-do, evitando assim a precarização de seus direitos.

Por precarização trabalhista, Jair Teixeira Reis en-tende:

“O vocábulo precarização neste ramo do Direito Social (Direito do Trabalho) se justifica quando obser-vamos três fenômenos resultantes da prática interme-diadora da mão de obra: a) a subtração de direitos fun-damentais dos trabalhadores cooptados nas espécies de trabalho flexibilizadoras; b) a fragmentação da classe trabalhadora, devido à perda do poder organizacional coletivo (sindicalização); e c) a degradação do meio am-biente de trabalho, pois os trabalhadores terceirizados trabalham em jornadas maiores, ocupam funções peri-gosas, não são capacitados para o exercício das ativida-des laborais e acabam sofrendo diversos acidentes ou doenças ocupacionais.” (REIS, 2008).

Diante disso, pode-se perceber que a reforma trabalhista implicou na precarização dos direitos dos trabalhadores. Houve a subtração dos direitos funda-

mentais dos trabalhadores ao permitir, por exemplo, o banco de horas mediante acordo individual. Além disso, ao acabar com o imposto sindical obrigatório, ocorreu a fragmentação da classe trabalhadora devido à perda do poder organizacional coletivo. Por fim, ocor-reu a degradação do meio ambiente de trabalho, exem-plificativamente no enquadramento no grau de insalu-bridade pode ocorrer independente do que foi fixado previamente na legislação pelo Ministério do Trabalho. Dada tamanha precarização patrocinada pela reforma trabalhista é cada vez mais importante a análise dos princípios.

Maurício Godinho Delgado entende os princípios como proposições gerais, fundamentais, direcionadas à compreensão, reprodução e até mesmo recriação da realidade. Nas palavras do doutrinador:

“A palavra, desse modo, carrega consigo a força do significado de proposição fundamental. E é nessa acepção que ela foi incorporada por distintas formas de produção cultural dos seres humanos, inclusive o Direi-to. Assim, princípio traduz, de maneira geral, a noção de proposições fundamentais que se formam na cons-ciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa

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realidade, e que, após formadas, direcionam-se à com-preensão, reprodução ou recriação dessa realidade.” (DELGADO, 2016, p. 189)

Dessa forma, não se pode pensar que a reforma na legislação trabalhista altera os princípios que norteiam o Direito do Trabalho. Muito pelo contrário, é o prin-cípio da proteção ao trabalhador que altera e afasta a reforma trabalhista.

Segundo Cléber Lúcio de Almeida e Wânia Gui-marães Rabêllo de Almeida, o Direito do Trabalho ado-ta como seu primeiro princípio, o princípio da proteção:

“A proteção do trabalhador, assegurada por meio do princípio em destaque, não se limita ao contexto res-trito da relação de emprego (proteção frente aos pode-res do empregador), alcançando também a sua proteção no mercado de trabalho (proteção frente aos poderes do capital). Uma das formas de manifestação desta segun-da espécie de proteção é a representada pelo reconheci-mento e a concretização do direito à formação e a capa-citação para o trabalho. A proteção se volta, ainda, con-tra o Estado e os entes sindicais, na forma, por exemplo, da consagração do princípio da vedação de retrocesso social.” (ALMEIDA, ALMEIDA, 2017, p. 139)

Desta forma, deve a classe trabalhadora se va-ler do princípio da proteção como forma de resistên-cia contra a reforma trabalhista, que precarizou vários direitos conquistados ao longo dos anos. Além disso, o art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho esta-belece que “nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade de cláusula infringente desta garan-tia”. Deste modo, a incidência das normas da reforma trabalhista aos contratos em curso fere o princípio da inalterabilidade contratual lesiva previsto no art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho. Mesmo que haja alteração por mútuo consentimento, por ser o trabalha-dor hipossuficiente na relação trabalhista, a alteração é considerada ilícita.

Os princípios norteadores do Direito do Trabalho na era contemporânea são instrumentos de contraposi-ção à reforma trabalhista. Diante disso, Cléber Lúcio de Almeida e Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida des-tacam a importância dos princípios como consolidado-res da democracia bem como da justiça e da equidade:

Como assinala Augusto Conti, “os princípios do direito do trabalho surgem como uma necessidade para harmonizar as relações de produção e consolidar a de-mocracia, que não poderia realizar-se ou que resultaria em simples retórica na ausência de uma fiel balança dis-posta para garantir a coexistência pacífica entre sujeitos desiguais [...]. A ideia de princípio laboral está, pois, estritamente vinculada com as categorias de justiça e equidade. Quando se fala em princípios também se in-voca o conceito de valores fundamentais, isto é, de bens morais e éticos que dão razão de ser a determinada formulação política.” (CONTI, 2008, apud, ALMEIDA, ALMEIDA, 2017, p. 135)

Os princípios de direito individual do trabalho como o princípio da proteção e da inalterabilidade con-tratual lesiva citados acima, da norma mais favorável,

da imperatividade das normas trabalhistas, da indis-ponibilidade dos direitos trabalhistas e da primazia da realidade sobre a forma, entre outros, não permitem que a reforma trabalhista produza efeitos em nosso or-denamento jurídico.

O princípio da norma mais favorável dispõe que ao elaborar e interpretar as normas, bem como quando houver confronto entre normas, o operador do direito deve optar pela norma mais benéfica ao trabalhador empregado.

Além disso, o princípio da imperatividade das normas trabalhistas não permite que uma legislação or-dinária, tampouco uma negociação, afaste do contrato de trabalho as normas trabalhistas previamente estabe-lecidas.

Ademais, o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas não permite que a parte hipossufi-ciente da relação trabalhista disponha de seus direitos mesmo mediante sua manifestação de vontade. Isso ocorre devido à clara discrepância existente nas rela-ções trabalhistas.

Por fim, o princípio da primazia da realidade so-bre a forma estabelece que ao analisar a relação de em-prego, o operador de direito se atente mais à realidade da situação do que às formalidades apresentadas. Esse princípio buscar eliminar as fraudes nas relações tra-balhistas.

De acordo com Amauri Cesar Alves (2013, p. 1076), os princípios devem ser instrumentos de efe-tivação dos direitos fundamentais consagrados consti-tucionalmente:

“O Direito do Trabalho, como conjunto de regras, princípios e institutos voltados à regulamentação das relações de venda de força produtiva, embora tenha também função capitalista, deve ser um instrumento essencial de afirmação fática e jurídica dos preceitos fundamentais consagrados constitucionalmente.”

Diante do exposto, percebe-se que os princípios norteadores de Direito do Trabalho possuem, sim, efi-cácia para afastar a reforma na legislação trabalhista. Deve-se, portanto, colocar em prática os instrumentos à disposição a fim de mudar a realidade vivenciada.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Cleber Lucio de. Direito do Trabalho e Cons-tituição: A constitucionalização do Direito do Tra-balho no Brasil. Cleber Lucio de Almeida, Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida. São Paulo: LTr, 2017. p. 135, 139.

ALVES, Amauri Cesar. Função capitalista do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2013. p. 1.067 a 1.082.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 189.

REIS, Jair Teixeira. Precarização das relações de trabalho no ordenamento brasileiro. Estágio de estudantes. Âmbito Jurídico Rio Grande, XI, n. 52, abr. 2008. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2498&revista_caderno=25>. Acesso em: 29 abr. 2018.

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A “REFORMA TRABALHISTA” NÃO ALTERA O PRINCÍPIO PROTETOR

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado

em 1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar

geral no Processo Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços

Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São

Paulo: LTr, 2015).

fato, houve a intenção, pelo legislador, desde a ementa da Lei, ao supostamente “adequar a legislação às novas relações de trabalho”, de equivaler, no plano material, empregado e empregador. Os exemplos – e certamente elenco aqui, alguns, de forma precária e não exaustiva – são muitos:

– a ampliação desmedida dos poderes de negocia-ção coletiva de trabalho (art. 8º, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho), aparentemente à revelia do fato de que o inciso XXVI do art. 7º da Constituição da Re-pública se subordina ao próprio caput, o que impõe o controle material dos acordos e convenções coletivas de trabalho quanto à efetiva melhoria da condição social dos trabalhadores;

– a ampliação considerável da negociação indivi-dual de trabalho, a exemplo do que ocorre com o con-trato intermitente (art. 452-B da Consolidação das Leis do Trabalho); com ampliação do acordo individual de compensação de jornada para um mês, inclusive taci-tamente (art. 59, § 5º, da Consolidação das Leis do Tra-balho); instituição do banco de horas por acordo indi-vidual (art. 59, §§ 2º e 5º, da Consolidação das Leis do Trabalho); instituição da jornada espanhola na área da saúde, com doze horas diárias de trabalho, seguidas de 36 horas de descanso, por meio de acordo individual escrito (art. 59-A, § 2º, da Consolidação das Leis do Tra-balho); definição dos horários de descansos pela mãe, para amamentação do filho, por acordo individual e não a partir de critérios médicos (art. 396, § 2º, da Con-solidação das Leis do Trabalho) etc.

– a positivação de “perdão” pelo empregado, in-clusive tacitamente, quando for vítima de danos a di-reitos da sua personalidade, mesmo no curso do con-trato de trabalho, onde ainda existe o estado de sujeição (art. 223-G, inciso X, da Consolidação das Leis do Tra-balho);

– a negociação sobre duração do trabalho e inter-valos (art. 611-B, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho), artificialmente afastados, pela “refor-ma”, do espectro de normas de higiene, saúde, seguran-ça e medicina do trabalho;

Começo esse texto do fim. Trago palavras breves – mas profundas – do Ministro Mauricio Godinho Delga-do, do Tribunal Superior do Trabalho, na sessão temá-tica de 11 de maio de 2017, no Senado Federal, onde se discutia o Projeto de Lei da Câmara n. 38/2017, intitula-do de “reforma trabalhista”, posteriormente convertido na Lei n. 13.467/2017, que todos conhecemos(1).

Registre-se:

“A reforma trabalhista, entretanto, retoma um tipo de poder individual do empregador próprio do Código Civil de 1916, o qual este Parlamento já revo-gou, e produziu inclusive um Código Civil diferente, de mais de dois mil artigos, em 2002, que vigora no país, portanto, há cerca de quinze anos, e é também um gran-de diploma normativo.

São três eixos centrais da reforma, do ponto de vista do projeto civilizatório constitucional, humanísti-co, social da Constituição da República e, nessa medi-da, lamentavelmente, a reforma vai de encontro a esse projeto civilizatório.

Em primeiro lugar, como dito, ao exacerbar, alar-gar, retirar amarras jurídico-civilizatórias ao poder in-dividual do empregador. Não se trata mais apenas de permitir a redução de direitos por negociação coletiva, não. Essa é a ideia que tínhamos no segundo semestre do ano passado, quando se falava na reforma trabalhis-ta. Já nos atemorizava, porque a negociação coletiva não foi feita, na história, para isso.

O projeto, no entanto, foi além. Ele se extremou. Ele retomou uma prática do Código Civil de 1916, que considerava a relação de emprego como locação de ser-viços – filosoficamente essa é a lógica do projeto – e deu poderes quase incontrastáveis ao empregador.”(2)

Como magistralmente colocou Sua Excelência, a Lei n. 13.467/2017 intencionou retomar a ideia do Código Civil de 1916 – portanto, em patamar civilizató-rio inferior ao que ostenta, hoje, o próprio direito comum. De

(1) Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129049>. Acesso em: 30 mar. 2018.

(2) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BkSve6Y ReGw>. Acesso em: 30 mar. 2018.

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– a criação, de forma artificial, pela “reforma”, da figura do empregado hipersuficiente (art. 444, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho);

– a mitigação do papel institucional do Tribunal Superior do Trabalho e deterioração de suas funções orgânicas (arts. 8º, § 2º, e 702, inciso I, alínea f, da Con-solidação das Leis do Trabalho) etc.

Porém, embora seja óbvio, os lírios não nascem das leis, já dizia Carlos Drummond de Andrade. A lei não tem como, artificialmente, dizer de forma contrária ao que existe no mundo fenomênico. Não é o fato de se positivar que a Terra é quadrada que lhe fará ser ver-dadeiramente quadrada; se a Terra é redonda, ela será redonda à revelia do que diz a lei.

O direito do trabalho é protetivo, diante da clara hipossuficiência do empregado (que necessita do seu salário para sobreviver) em face do empregador (que detém o uso do poder empregatício e, em seu favor, o pressuposto da subordinação jurídica). Neste sentido, concebe-se o paradigma da essencialidade, segundo cirur-gicamente expõe Negreiros (2006, p. 463): “os contratos que versem sobre a aquisição ou a utilização de bens que, considerando sua destinação, são tidos como essen-ciais estão sujeitos a um regime tutelar, justificado pela necessidade de proteção” – proteção do sujeito hipossu-ficiente, assim entendido aquele que se utiliza do bem – objeto do contrato – para a sua sobrevivência.

Como cediço, no contrato de trabalho, uma das partes (o trabalhador, sujeito hipossuficiente) tem no ob-jeto do contrato (o salário, a paga que recebe em troca da força de trabalho colocada à disposição do emprega-dor) sua única possibilidade de existência digna, o que legi-tima a intervenção estatal na autonomia da vontade privada, dada a assimetria característica da relação contratual.

Embora isso seja óbvio, dada a dinâmica capitalista na qual se assenta a República Federativa do Brasil(3) – de que o salário é o meio de sobrevivência do trabalhador –, a Constituição da República diz isso expressamen-te, consagrando-o como um direito social fundamental (art. 6º), apto a resguardar e a promover outros direitos sociais fundamentais: veja-se que os outros direitos so-ciais fundamentais expressos no art. 6º, em sua maioria, dependem, primariamente, do trabalho humano e do fruto do labor – a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, o transporte, o lazer e a previdência social es-

(3) “O sistema capitalista é geneticamente portado a produzir excluídos. Os desempregados não surpreendem o sistema, por isso a banalização da condição dos trabalhadores, inclusive quando perdem o posto de trabalho. Uma banalização que é capitaneada, dentre tantos exemplos, pela ótica econômica do Direito do Trabalho.” (SEVERO, 2011, p. 43)

tão contidos no conteúdo jurídico-constitucional do salário, que deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do indivíduo e da sua família com o dispên-dio desses direitos sociais fundamentais (art. 7º, inciso IV, da Constituição da República), inclusive para a re-percussão em benefícios previdenciários (art. 201, § 11, da Constituição da República).

A razão de ser do Direito do Trabalho é a proteção da parte hipossuficiente. Nesse sentido, a CLT foi pioneira “na demonstração de preocupação do legislador com os direitos coletivos, ainda que restrita ao âmbito do direito do trabalho, em oposição ao individualismo então predominante” (PAROSKI, 2008, p. 187). Nesse diapasão, a legislação nunca terá o poder de subverter a lógica predominante no mundo fenomênico e, mais que isso, nenhuma lei que ostente posição hierárquico-normativa de mera legalidade, como a “reforma trabalhista”, terá o condão de subverter a ordem jusconstitucional.

Como nos ensinou o saudoso mestre Orlando Tei-xeira da Costa, Ministro paraense que presidiu o Tri-bunal Superior do Trabalho, “o Direito do Trabalho só poderia reconsiderar seus institutos básicos se a eman-cipação do trabalhador fosse uma realidade e não ape-nas uma promessa” (COSTA, 1986, p. 12).

Porém, não há nenhuma emancipação do traba-lhador brasileiro, a cada dia mais vítima de um sistema desigual e insensível à dignidade humana, que ignora a premissa básica de que trabalho não é mercadoria, como proclamou a Organização Internacional do Trabalho em sua constituição (e Constituição).

Portanto, “enquanto o mundo se apresentar com desigualdades profundas, enquanto o homem conti-nuar sendo lobo do homem, as urgências que determi-naram o nascimento do Direito [omissis] do Trabalho persistirão informadas pelos mesmos princípios bási-cos que medraram com ele” (COSTA, 1986, p. 12).

Referências bibliográficas

COSTA, Orlando Teixeira da. Os novos princípios do Direito Coletivo do Trabalho. In: Revista do Tribu-nal Regional do Trabalho da Oitava Região, Belém, v. 19, n. 37, p. 7-12, jul./dez. 1986.

NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradig-mas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à justiça na Constituição. São Paulo: LTr, 2008.

SEVERO, Valdete Souto. O dever de motivação da despedi-da na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

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O amplo processo de mudanças ocorridas no mundo do trabalho, decorrentes do avanço da tecno-logia, do processo de globalização e das exigências aos trabalhadores para se adaptarem à modernidade, permitindo de forma gradativa a substituição do tra-balho de pessoas por máquinas, o que evidentemen-te contribui para uma série de incertezas na vida dos trabalhadores, principalmente, as relacionadas com as transformações e adaptações ocorridas no ambiente de trabalho.

Diante disso, trabalhadores passaram a adotar posturas no ambiente de trabalho, onde as rivalida-des, o menosprezo, a necessidade de cumprimento de metas, o conflito entre superior x inferior, que sempre existiram, passaram a tornar-se mais intensificados, le-vando a uma degradação mais rápida do ambiente de trabalho, tornando-o “frio”, como aquele velho ditado: “olho por olho, dente por dente”, onde ninguém pensa mais no próximo, vendo somente como concorrente ou até mesmo, por não gostar, não simpatizar.

Contudo, ao contrário desse cenário, o meio am-biente de trabalho, deveria ser sadio e com qualidade de vida, pois são reconhecidos como direitos funda-mentais na Constituição Federal, conforme o art. 1º, in-ciso III, que trata da dignidade da pessoa humana, de-corrente inclusive do direito à saúde, conforme dispo-sição do art. 6º, da CF: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à materni-dade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição”.

Nesse contexto, é necessário e fundamental, que a empresa fique atenta ao ambiente de trabalho, para que não seja criado um ambiente favorável à ocorrência do assédio moral, e que produz consequências desastrosas na vida dos trabalhadores vítimas dessa prática conde-nável, produzindo danos à integridade física, psíquica e moral das vítimas, o que pode acarretar na adoção de ajuizamento de ações, buscando a reparação do dano causado.

Necessário pontuar, que a amplitude das hipó-teses possíveis de serem enquadradas como assédio moral, dificulta tanto uma precisão conceitual, como também, a eficácia dos dispositivos legais que podem ser utilizados para coibirem tal prática. É necessário ver o todo da situação, o porquê que ela existe, pois há diversas situações, como: o assédio moral pode ser praticado por um trabalhador hierarquicamente supe-rior ao empregado assediado, como também, um fun-cionário hierarquicamente inferior assedia seu supe-

rior, quando sabe algo sigiloso da empresa ou do seu próprio superior; quando há disputa entre empresas e as mesmas estimulam seus funcionários a disputarem entre si, ocorrendo a rivalidade, causando o medo e in-segurança para eles; por alguma situação pessoal que existe fora da empresa e que acaba acarretando proble-mas dentro da mesma, e por fim, quando funcionários precisam bater metas e um deles acaba conseguindo, debochando do outro, causando raiva, descontenta-mento e inveja. Mas afinal, qual significado encontrado que define assédio moral? – “assédio moral é a exposi-ção de alguém a situações humilhantes e constrange-doras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.”. Ainda não se encontra no dicionário da língua portuguesa ou nos dicionários jurídicos uma definição concreta, mas com a definição acima encontrada, permite-se afirmar que assédio moral trata-se de um conjunto de comporta-mentos que causam constrangimento ao trabalhador, gerando instabilidade emocional, perda da autoestima, descontentamento, ou seja, é uma prática abusiva, que gera transtornos gravíssimos, seja no aspecto físico e/ou emocional. Não há uma característica, palavra, con-ceito específico para explicar e conceituar o assédio moral, pois é toda e qualquer conduta abusiva que se manifesta por comportamentos, palavras, gestos, atos, e até mesmo, escritos, que possam trazer dano à perso-nalidade, à dignidade, à integridade psíquica ou física, ao interior da pessoa, colocando em perigo o emprego, degradando o ambiente de trabalho, e contudo, poden-do gerar sérios problemas à saúde, onde pode ser irre-versível o dano causado. O assédio moral caracteriza-se por inúmeras situações, como: desconforto, vexame, humilhação, ameaças, brincadeiras de mau gosto, ter-ror psicológico no ambiente de trabalho, mas também, existem situações externas ao trabalho, que são proble-mas pessoais entre a vítima e o autor do assédio, que trazem para dentro do dia a dia da empresa. Atualmen-te, tem-se aumentado o número de situações, onde está sendo necessário a empresa voltar a sua preocupação não somente para o lucro, mas sim, visando o funcio-nário e seu comportamento humano dentro da mesma, até porque, esse número é significativo de processos por danos morais devido a perseguição no ambiente de trabalho. Todavia, é notório que o empregador ao identificar situações de assédio moral, entre os próprios colegas de trabalho, deve procurar meios, programas para combater, e principalmente, se partir do mesmo, que abusa do poder com autoritarismo, pois seja pela consequência desagradável que traz ao relacionamen-to pessoal no trabalho, seja pelo comprometimento da

ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO: UMA REFLEXÃO SOBRE A INSERÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS NO AMBIENTE DE

TRABALHO E AS RELAÇÕES ENTRE OS TRABALHADORES

Michele Christina Martins da SilvaAluna do 9º Termo da Graduação em Direito do Centro Universitário

Eurípides de Marília – Univem

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produtividade, pelo desequilíbrio que traz na relação e dos resultados das empresas.

Com as mudanças de comportamentos devido ao fenômeno assédio moral, há uma queda na produtivi-dade, causando insatisfação tanto para o empregador e empregado, pois acaba sendo desmoralizado, sendo motivo de fofocas, vexames, que podem gerar depres-são e perda da sua autoestima. Quando o assunto é trabalho, o ser humano, vai muito além de um simples significado da palavra, pois a maioria trabalha, possuí famílias, pessoas que dependem do seu ganho para ter qualidade de vida ou mesmo suprir só o necessário (ne-cessidades básicas), então muitos aguentam situações conforme citadas acima, como insultos, grosserias de chefias e até mesmo ameaças passam a ser toleradas por medo de ser demitido, onde o desemprego é cada vez maior no Brasil, sem uma visão de melhora. As consequências que o assédio moral traz diante de um ambiente tenso e desfavorável é grande, onde rapida-mente são refletidas na saúde dos trabalhadores, como por exemplo, geram depressão, ansiedade e até mesmo, suicídio, pois o emocional da vítima fica abalado, levan-do a tal prática. O nosso corpo tem comando, que par-te do cérebro, este que controla nossos atos, atitudes, pensamentos no dia a dia vivido, seja no trabalho, na faculdade, na amizade, na família, então é fato que, não conseguimos sozinhos passar por situações sem ajuda de especialista, onde este irá direcionar qual caminho e tratamento a ser seguido. Contudo, o que é mais cabível e necessário, é que as empresas criem espaços, eventos, divulgando informações, medidas de prevenção, para que possam ser úteis para as vítimas, que elas sem medo ou vergonha, busquem a solução para este tipo de situação.

Com as múltiplas exigências, ou seja, as inova-ções, tecnologia, globalização, que andam todas juntas, fazem com que seja oportuno considerar que a intensi-ficação do assédio moral é consequência das mudanças e avanços no ambiente de trabalho. Há um certo abuso de poder, frequentes explicações do trabalho que é para ser desenvolvido sendo feitas de forma confusas, ofen-sas repetitivas, insultos, agressões, maximização de er-ros e culpas para com as vítimas, que se prolongam por toda jornada de trabalho. O ambiente torna-se a cada dia mais degradante, como um “campo minado”, cheio de medos, invejas, disputas, fofocas, e rivalidades entre superiores e os trabalhadores de modo geral. Então, é muito comum que o estresse se instale em um ambiente de trabalho e traga consequências para a vítima, sendo variados os efeitos, ferindo a pessoa, violando seus di-reitos de personalidade, sua essência e tudo o que ela realmente é. Com isso, é nítido e verídico que o assédio moral coloca em prejuízo e risco os trabalhadores, pois passam a desenvolver quadros de comprometimento físico e psíquico, gerando angústia, medo, violência, depressão e dentre outros sentimentos e agravantes à saúde, quanto o ambiente de trabalho, onde é inevitável que a produtividade seja reduzida e, consequentemen-te a rentabilidade das empresas e dos processos de pro-duções. Mas também, ele se apresenta de variadas for-mas, com sintomas diferentes em alguns casos, mas em outros, muito semelhantes aos causados pelo estresse.

Diante da prática do assédio moral dentro das empresas, faz-se necessário que as mesmas juntamente com seus superiores, sejam eles, o dono, gerente, chefe

de algum setor, fiquem atentos ao relacionamento in-terpessoal dentro delas, colocando em prática normas internas, alguma punição, desde que, não seja extrema e com gravidade ao mesmo que praticar o fenômeno, visando coibir as práticas abusivas, estabelecendo as responsabilidades de cada funcionário, como também, a sua função no setor que foi estipulado para o desen-volvimento de sua atividade, na escala hierárquica. Quando superior maltrata seu funcionário ou há ofen-sas de um colega com o outro, seja do mesmo setor ou não, além de causar problemas mentais e físicos, tam-bém se desperdiça talentos, diminuindo os resultados econômicos, forçando a saída dele mostrando que não é suficientemente produtivo, que não tem capacidade, fazendo com que, tenha rotatividade na mão de obra, gastos com rescisão contratual, tendo que, novamente fazer a seleção e treinamento do novo contratado. Pode causar os acidentes de trabalho, em que estes geram um aumento de demandas trabalhistas com pedidos de re-paração, não só o dano moral, como também danos aos equipamentos, pois devido ao estresse e descontenta-mento, não prestam mais atenção e menos ainda, cui-dado no momento de manejar os mesmos. As vítimas acabam sabotando de diversas formas, a criatividade e a motivação acabam sendo perdida, gerando menos iniciativa e clima tenso. Então, mesmo diante da clara preocupação do legislador em artigos da Constituição Federal, que falam da dignidade da pessoa humana do trabalhador e a valorização do trabalho humano-prin-cípios que devem ser assegurados, as situações desfa-voráveis existentes dentro das empresas e a degrada-ção da saúde física e psíquica deles são evidentemente comprovadas que há constantemente violação, fazendo com que, cada dia mais haja destaques ao assédio mo-ral, nas mídias.

Desta forma, com a nova realidade, chamado de “mundo globalizado”, onde a competitividade empre-sarial é grande, muitas vezes não respeitando a ética, marcado pelo excesso de oferta de mão de obra, as má-quinas substituíram a ação humana, ocorrendo a redu-ção de trabalho. Com esse cenário propício para a práti-ca de assédio moral, devido a instabilidade que se insta-la nas empresas, o código penal brasileiro também deve sofrer modificações em alguns de seus dispositivos com a necessidade de tipificar o assédio moral como crime, com previsão no texto legal, sendo elas significativas para atender às exigências sociais que vem surgindo no decorrer dos anos. Mas, ainda não havendo previsão le-gal, que seja específica, como vários artigos que temos que combata os mais diversos crimes, é necessário que medidas e a justiça seja feita, com o objetivo de preve-nir, coibindo e punindo o assediador. Então, diante da leitura, percebe-se que se trata de um tema bastante complexo, que envolve constrangimento, situações de terror psicológico, desrespeito, humilhação e práticas vexatórias no ambiente de trabalho. O assédio moral também é consequência do abuso de poder, brincadei-ras de mau gosto, que acabam depreciando os trabalha-dores, causando consequências com danos extremos, não só para o trabalhador, mas para a família e demais que estão a sua volta, bem como, ao próprio ambiente, pois afeta a estabilidade e causa desordem nas relações, tanto produtivas, com colegas, gerando a queda de pro-dução. Mesmo não sendo um tema novo e inexistindo leis que versem sobre o assunto, há o surgimento de

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questões polêmicas, onde o Conselho de Medicina, por meio da Resolução n. 1.488/98 – que dispõe de normas específicas para médicos que atendem o trabalhador, alertando aos profissionais da saúde – que observem a relação existente; as atividades dos trabalhadores aten-didos; os transtornos de saúde física e mental; quais as consequências já geradas pelo fenômeno; qual grau encontra-se o trabalhador; com intuito de estabelecer e especificar as situações diversas de assédio moral. Con-tudo, o intuito dessa tese é de demonstrar como se deve reparar e prevenir o assédio moral, que prejudica tanto os trabalhadores no seu ambiente de trabalho.

Rferências bibliográficas

HIRIGOYEN, Marie France. Mal estar no trabalho: redefi-nindo o assédio moral. 2006.

HIRIGOYEN, Marie France. Assédio moral – A violência perversa no cotidiano. 2008

ALKIMIN, Maria Aparecida. Violência na relação de tra-balho e a proteção à personalidade do trabalhador. 2008

Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 1488/ 1998. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1998/1488_1998.htm>.

O PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO, DO PROCESSO PENAL, VERSUS O PRINCÍPIO DA LITIGÂNCIA ÉTICA E RESPONSÁVEL, DO

PROCESSO CIVIL-TRABALHISTA

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

A Convenção Americana sobre Direitos Huma-nos, de 22 de novembro de 1969, conhecida como “Pac-to de São José da Costa Rica”, foi decretada no direito brasileiro por intermédio do Decreto n. 678/1992, en-trando em vigor no dia 9 de novembro de 1992. Ainda que não aprovada pelo quórum qualificado do art. 5º, § 3º, da Constituição, é tratado internacional de direitos humanos, de modo que, pela iterativa, atual e notória jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ostenta posição hierárquico-normativa de supralegalidade.

Segundo art. 8º, § 2º, g, da Convenção, uma das garantias judiciais de toda pessoa acusada de delito é o direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, à garantia mínima, entre outras, de não ser obrigada a depor con-tra si mesma nem declarar-se culpada.

Segundo Miguel (2014, p. 195), trata-se do princí-pio da não autoincriminação(1), de modo que “ninguém é obrigado a se autoincriminar ou a produzir prova con-tra si mesmo, seja ele acusado, testemunha, suspeito ou indiciado”.

(1) Do latim, nemo tenetur se detegere ou nemo tenetur se ipsum accusare ou nemo tenetur se ipsum prodere.

Conforme já se manifestou o STF(2), “o direito ao silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qual-quer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (...) – impede, quando concreta-mente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de pri-são, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado”.

Sob o pálio desse princípio, vigorante no proces-so penal, há diversas vozes na Justiça do Trabalho sus-tentando a sua aplicação, no processo civil-trabalhista, especialmente direcionado aos empregadores, que não precisam “dizer a verdade” quando demandados em juízo, no polo passivo, sob pena de serem obrigados a “autoincriminarem-se”.

Nesse sentido, por exemplo, a Terceira Turma do TST(3), citando escólio de Nelson Nery Júnior(4), inclui

(2) Exemplificadamente, HC n. 79.812, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 08.11.2000, DJ de 16.02.2001.

(3) TST-AIRR-1558-86.2010.5.02.0030, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 11.03.2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13.03.2015.

(4) NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 38.

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dentro do conceito jurídico de “devido processo legal” a garantia de “privilégio contra a autoincriminação”.

A meu ver, porém, tal princípio é rigorosamente, fragorosamente inaplicável ao processo civil-trabalhista.

Primeiro, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos trata de “acusação penal”. Não estou aqui dizendo que tais garantias não se aplicam, por si só, aos processos civis-trabalhistas. Há garantias que são, a meu sentir, aplicáveis, como o duplo grau de juris-dição, consubstanciado no “direito de recorrer da sen-tença para juiz ou tribunal superior” (art. 8º, § 2º, h, da Convenção).

Porém, como bem colocam Delgado e Delgado (2017, p. 106, destaques meus):

“(...) não pode haver dúvida de que a regra sub-sidiária somente pode ser importada para o suprimen-to das lacunas nas fontes principais do campo jurídico analisado se realmente for compatível com ele, isto é, compatível com a sua estrutura normativa, com a sua lógica jurídica e com os seus princípios jurídicos essen-ciais. É da natureza, portanto, da integração jurídica que somente se maneje uma fonte subsidiária se, naquele as-pecto de destaque, haja real compatibilidade lógica e prin-cipiológica entre a regra importada e o campo jurídico importador.”

Assim, outras fontes somente poderão atuar sub-sidiária ou supletivamente, dentro do espectro do Di-reito do Trabalho, “quando houver real compatibilida-de” entre essas regras e “os princípios e lógica jurídica estrutural do Direito do Trabalho” (DELGADO; DEL-GADO, 2017, p. 106).

Nesse sentido, o processo civil-trabalhista já res-ponde por si (arts. 769 da CLT e 15 do CPC), não ha-vendo porque importar uma regra de direito processual penal para justificar uma suposta “autoincriminação” – ilação incabível e insustentável na seara processual civil-trabalhista, senão vejamos.

O art. 6º do CPC impõe um ambiente processual de autêntica cooperação, que se espraia a todos os sujei-tos do processo, que devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Outrossim, segundo o art. 5º do CPC, as partes devem comportar-se de boa-fé, assim entendida a “con-fiança na perspectiva da retidão”, mensurável na efeti-va conduta das partes no processo, não nas suas inten-ções. Nesse sentido, “a desconfiança gera burocracia e má vontade e impede o fluxo normal do processo” e “o comportamento em desacordo com regras, que faz nas-cer a presunção da má intenção, do espírito malicioso e da dissimulação, é o que basta para caracterizar a má-fé processual” (WAMBIER et al, 2016, p. 68).

No dever de comportar-se de acordo com a boa--fé, as partes não podem escusar-se de dizer a mais absoluta verdade. Com efeito, é dever das partes expor os fatos em juízo conforme a verdade, segundo literalidade do art. 77, I, do CPC, estando, portanto as partes impedidas, ope legis, de sequer formular pretensão ou apresentar defe-sa quando estiverem cientes de que tais pretensões ou resistências são destituídas de fundamento.

O art. 7º do CPC confere às partes do direito de exercer seus legítimos direitos e faculdades processuais,

porém, à luz da boa-fé processual, em interpretação sis-têmica (Niklas Luhmann) e sistemática (art. 6º do CPC etc.), sob pena de “aplicação de sanções processuais”, conforme se vê, mais adiante, a exemplo dos arts. 79 e 80, I e II, que preveem a obrigação às partes que liti-garem de má-fé de responderem por perdas e danos, sendo considerado litigante de má-fé, v.g., aquele que deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso ou alterar a verdade dos fatos.

Conforme Seção II na qual se inserem os arts. 79 e 80, além do art. 302 do CPC, a conduta estribada em má-fé e inverdades, pela literalidade da lei – mais uma vez, uma ilação ope legis –, é considerada autêntico dano processual. Segundo Schiavi (2017, p. 87), a litigância de má-fé, potencialmente causadora de dano processual, “caracteriza-se como a conduta da parte, tipificada na lei processual, que viola os princípios da lealdade e boa-fé processual, bem como atenta contra a dignidade e seriedade da relação jurídica processual”.

Registre-se que a “reforma trabalhista”, por in-termédio da Lei n. 13.467/2017, reproduziu os termos do Código de Processo Civil em seu conteúdo, crian-do seção específica para a “responsabilidade por dano processual”, na qual se inserem os arts. 793-A a 793-D da CLT.

Por fim, cabe uma última reflexão, advinda do escólio de Wambier et al (2016, p. 173-174, destaques meus), a saber:

“Como se sabe, embora as partes defendam interesses antagônicos, o processo deve ser visto também como instru-mento ético e de cooperação entre os sujeitos envolvidos na busca de uma solução justa do litígio. É reprovável que as partes sirvam-se do processo para faltar com a verdade, agir deslealmente e empregar artifícios fraudulentos. É certo que no processo deve imperar o princípio da boa--fé objetiva (art. 5º) ou, noutras palavras, o princípio da lealdade processual.”

Nesse diapasão, entendo inaplicável ao processo civil-trabalhista o princípio da não autoincriminação, característico do processo penal, diante da existência de um princípio próprio – do processo civil-trabalhista – intitulado princípio processual da litigância ética e respon-sável, facilmente extraível dos arts. 793-A a 793-D da CLT e dos arts. 5º a 7º, 77, 79, 80 e 302 do CPC. Aliás, há diversos doutrinadores que entendem que o princípio da lealdade processual – de onde se extrai o princípio processual da litigância ética e responsável – está in-serido, de forma implícita, na própria Constituição da República.

Concordo com esse entendimento, e basta-me um artigo para chegar a tal conclusão: segundo o art. 3º da Constituição, constituem objetivos fundamentais da Re-pública Federativa do Brasil, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desi-gualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos.

Isso jamais será conquistado se o Estado-Juiz for leniente com um processo mentiroso, ardiloso, artificio-so ou, simplesmente, um processo no qual não se possa extrair da conduta das partes, em cem por cento de seus atos praticados, a boa-fé.

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Referências bibliográficas

MIGUEL, Ricardo Georges Affonso. A aplicação do princípio da não autoincriminação frente à Súmu-la n. 357 do TST. In: BARACAT, Eduardo Milléo; FELICIANO, Guilherme Guimarães (Coords.). Direito penal do trabalho: reflexões atuais. São Pau-lo: LTr, 2014.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os co-

mentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do tra-balho: aspectos processuais da Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comen-tários ao novo Código de Processo Civil artigo por arti-go: de acordo com a Lei n. 13.256/2016. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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2º PAINEL

A INCOMPATIBILIDADE DA TARIFAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL COM O ART. 5º, INCISOS V E X, DA

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado

em 1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar

geral no Processo Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços

Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São

Paulo: LTr, 2015).

O ordenamento deve ser pensado a partir de um regramento de justiça, de natureza valorativa, de modo que o sistema a ele (ao ordenamento) correspondente só pode ser uma ordenação axiológica ou teleológica. De “teleológico” não se extrai apenas a noção básica do significado, isto é, no sentido estrito de pura conexão de meios aos fins, em um raciocínio meramente cartesiano (qual a norma posta e quais os fins da norma). De “te-leológico” se extrai também o seu sentido mais abran-gente, de realização de escopos e de valores (CANARIS, 2008, p. 66-67).

Nesse diapasão, a responsabilidade civil é impor-tante instrumento de realização de escopos e valores, mormente em nosso Estado Democrático de Direito, no qual constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, entre outros, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I, da Constituição da República). Como bem ressalta Stoco (2004, p. 118), a imposição de responsabilizar o ofensor, por seus atos, e do dever de indenizar “traduz a própria noção de justiça existente no grupo social” e se revela “como algo inarredável da natureza humana”.

Para Cretella Júnior apud Stoco (2004, p. 129), os pressupostos da responsabilidade são os seguintes:

“a) aquele que infringe a norma;

b) a vítima da quebra;

c) o nexo causal entre o agente e a irregularidade;

d) o prejuízo ocasionado – o dano – a fim de que se proceda à reparação, ou seja, tanto quanto possível, ao reingresso do prejudicado no status econômico ante-rior ao da produção do desequilíbrio patrimonial.”

Santos (2015, p. 28) registra a responsabilidade civil, sinteticamente, como “a obrigação de responder pelas

consequências jurídicas decorrentes de ato ilícito prati-cado, reparando o prejuízo ou dano causado”.

Nesse diapasão, segundo a Constituição da Repú-blica, “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, mo-ral ou à imagem” (art. 5º, inciso V) e “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, inciso X).

Segundo Gilberto Haddad Jabur apud Stoco (2004, p. 1612), a Constituição da República “redimiu a omissão na nossa legislação e, por primeiro, assegu-rou a inviolabilidade dos direitos da personalidade, acompanhada, muitos anos após, pelo Código Civil de 2002, corrigindo um equívoco e resgatando um atraso secular”.

Para Rubens Limongi França apud Stoco (2004, p. 1613), os direitos da personalidade são “faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da pró-pria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos”. Segundo Aparecida Amarante apud Stoco (2004, p. 1613), “preponderou a opinião de que a personalidade é pré-condição, pressuposto dos direitos e não essencialmente um direito”.

Daí porque tal rol de direitos jamais será nume-rus clausus, ou seja, possível de se inserir em uma lista prévia e taxativa, hermética, como quis fazer o art. 223-C da Consolidação das Leis do Trabalho, por exemplo. Mais que isso, o Poder Judiciário não pode ser tolhido, na entrega da prestação jurisdicional e da ordem jurí-dica justa (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da Re-pública), no exato cumprimento do art. 944 do Código Civil, para o qual a indenização se mede pela extensão

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do dano, de avaliar o caso concreto e definir, para cada caso, conforme suas peculiaridades, o quantum debeatur (o valor da indenização pelos danos morais sofridos pela vítima).

O próprio Supremo Tribunal Federal já se pro-nunciou nesse sentido, de forma clara – e a sociedade espera que a Suprema Corte exerça corretamente seu papel na democracia e mantenha sua jurisprudência es-tável, íntegra e coerente, como determina o art. 926 do Código de Processo Civil –, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130, con-forme excerto que colaciono abaixo:

“Não impressiona, data venia, a objeção de alguns, segundo a qual, se a lei for totalmente retirada do ce-nário jurídico, o direito de resposta ficaria sem parâmetros e a indenização por dano moral e material sem balizas, esta última à falta de tarifação.

É que a Constituição, no art. 5º, V, assegura o “di-reito de resposta, proporcional ao agravo”, vale dizer, trata-se de um direito que não pode ser exercido arbitraria-mente, devendo o seu exercício observar uma estrita corre-lação entre meios e fins. E disso cuidará e tem cuidado o Judiciário.

Ademais, o princípio da proporcionalidade, tal com explicitado no referido dispositivo constitucional, somen-te pode materializar-se em face de um caso concreto. Quer dizer, não enseja uma disciplina legal apriorística, que leve em conta modelos abstratos de conduta, visto que o universo da comunicação social constitui uma reali-dade dinâmica e multifacetada, em constante evolução.

Em outras palavras, penso que não se mostra possível ao legislador ordinário graduar de antemão, de forma minu-dente, os limites materiais do direito de retorção, diante da miríade de expressões que podem apresentar, no dia a dia, os agravos veiculados pela mídia em seus vários aspectos.

A indenização por dano material, como todos sa-bem, é aferida objetivamente, ou seja, o juiz, ao fixá-la, leva em conta o efetivo prejuízo sofrido pela vítima, inclusive mediante avaliação pericial se necessário for.

Já, a indenização por dano moral – depois de uma certa perplexidade inicial por parte dos magistrados – vem sendo normalmente fixada pelos juízes e tribunais, sem quaisquer exageros, aliás, com muita parcimônia, tendo em vista os princípios da equidade e da razoa-bilidade, além de outros critérios como o da gravida-de e a extensão do dano; a reincidência do ofensor; a posição profissional e social do ofendido; e a condição financeira do ofendido e do ofensor. Tais decisões, de resto, podem ser sempre submetidas ao crivo do siste-ma recursal.

Esta Suprema Corte, no tocante à indenização por dano moral, de longa data, cristalizou jurisprudência no sentido de que os arts. 52 e 56 da Lei de Imprensa não foram recepcionados pela Constituição, com o que afastou a possibilidade do estabelecimento de qualquer tari-fação, confirmando, nesse aspecto, a Súmula n. 281 do Superior Tribunal de Justiça.(1)

Cito, nessa linha, dentre outras seguintes deci-sões: o RE 396.386-4/SP, Rel. Min. Carlos Velloso; RE

(1) Súmula n. 281 do STJ: A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.

447.484/SP, Rel. Min. Cezar Peluso; RE 240.450/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa; e AI 496.406/SP, Rel. Min. Celso de Mello.(2)”(destaques meus)

No mesmo sentido caminha o Enunciado n. 550 das Jornadas de Direito Civil, que diz: “A quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve es-tar sujeita a tabelamento ou a valores fixos”. Segundo justificação do enunciado, “cada caso é um caso. Essa fra-se, comumente aplicada na medicina para explicar que o que está descrito nos livros pode diferir da aplicação prática, deve ser trazida para o âmbito jurídico, no to-cante aos danos morais”.

Nesse contexto, pelo poder/dever conferido ao magistrado de entregar a ordem jurídica justa, na pres-tação jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República), além do esforço hermenêutico capaz de extrair o sentido da norma, em seu espectro mais abran-gente, de realização de escopos e de valores, o que de-manda interpretar o art. 944 do Código Civil com má-xima efetividade, devendo o valor da indenização ser exatamente simétrico, tanto quanto possível, ao dano extrapatrimonial sofrido, o que demanda indenização por dano material, moral ou à imagem na violação de direitos da personalidade, tenho que é incompatível a tarifação da indenização por dano extrapatrimonial com o art. 5º, incisos V e X, da Constituição da Repú-blica, de modo que o art. 223-G, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho é inconstitucional.

E digo mais. Façamos um link.

Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 2.382, 2.425 e 2.479, o Ministro Marco Aurélio, ao vo-tar, concluiu pela inconstitucionalidade material do art. 29-B da Lei n. 8.036/1990, que veda a concessão de medida liminar em mandado de segurança, no proce-dimento cautelar ou em quaisquer outras ações de na-tureza cautelar ou preventiva e a concessão de tutela antecipada que impliquem saque ou movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Segundo o Ministro, a cláusula prevista no inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República é abrangente e, por isso, o Judiciário não pode ser tolhido pelo dispositivo em questão.(3)

Aqui, há a mesma razão – onde há a mesma ra-zão, deve prevalecer a mesma disposição. O uso de clas-sificações pela “Reforma Trabalhista”, consubstan-ciada na Lei n. 13.467/2017 e na Medida Provisória n. 808/2017(4), supostamente reduzindo o espectro de direitos da personalidade cuja violação demanda in-denização, e mais, a pré-tarifação da indenização, ser-viu para tolher a jurisdição e, portanto, afronta direta e

(2) Ministro Ricardo Lewandowski, ao votar na ADPF 130/DF, Relator: Ministro Carlos Ayres Britto, Julgamento: 30.04.2009, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe divulg. 05.11.2009 public. 06.11.2009.

(3) Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=372301>. Acesso em: 29 mar. 2018.

(4) A Medida Provisória n. 808/2017 não foi convertida em lei dentro do prazo exigido pelo art. 62, § 3º, da Constituição da República, de modo que perdeu a eficácia, desde a edição, e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23.04.2018 (Ato Declaratório n. 22/2018, do Congresso Nacional). Caberá agora ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, sob pena de as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservarem-se por ela regidas (art. 62, §§ 3º e 11, da Constituição da República).

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literalmente o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, sendo – também por este ângulo – flagran-temente inconstitucional.

Não esqueçamos, jamais: o art. 5º, incisos V e X, da Constituição da República é cláusula pétrea (art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da República); em ra-zão disso, não tendo limitado o rol de direitos da per-sonalidade nem pré-tarifado a indenização, em caso de violação, não cabe ao legislador infraconstitucional, no Estado Democrático de Direito em que repousa a Repú-blica Federativa do Brasil, fazê-lo.

Referências bibliográficas

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STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

QUANTIFICAÇÃO DA INDENIZAÇÃO DO DANO EXTRAPATRIMONIAL: (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA NOVA LEI

Celio Roberto CorreaAdvogado. Pós-graduado em Direito Aplicado pela Escola da

Magistratura do Paraná – EMAP

Como bem ressalta Luiz Antonio Scavone Jr., a vida em sociedade é formada por inúmeras relações ju-rídicas devidamente protegidas pelo direito, e sempre que um é lesado, faz-se necessária a sua reparação(1). No entanto, patente o fato que esta reparação deve obede-cer requisitos mínimos insertos no ordenamento jurídi-co, notadamente no regramento Constitucional.

No que diz respeito ao dano extrapatrimonial, a Lei n. 13.467/2017 buscou inovar o tratamento acerca da matéria implementando a partir do art. 223-G da CLT um sistema de tarifação. Inobstante a tentativa de regulamentação pelo legislador, patente a inconstitu-cionalidade do feito, consoante restará demonstrado nas breves linhas que seguem.

Conforme bem ressalta Delgado, os critérios de fixação para a indenização por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, § 1º e incisos da CLT ignora com-pletamente o fato de que o texto Constitucional rechaça qualquer modelo que considere a tarifação, conforme se extrai do art. 5º, inciso V. Efetivamente, a modalida-de de tarifamento ignora o princípio da proporcionali-dade-razoabilidade, de modo que o resultado atingido com a aplicação pura e simples da nova lei, ou seja, a aplicação literalista, traz resultados absurdos(2). Condi-ção agravada em razão do parâmetro salarial utilizado para a fixação, a saber, o último salário contratual da vítima (§ 1º do art. 223-G).

De fato, o regramento inserido pela nova lei deno-ta evidente violação a isonomia disposta no texto Cons-

(1) SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Assédio sexual – Responsabilidade civil. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p. 84.

(2) DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. Mauricio Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. São Paulo: LTr, 2017. p. 146-147.

titucional em seus arts. 3º, inciso IV, e 5º, caput, vez que implementa injustificado e desproporcional tratamento entre pessoas, acabando por ofender, consequentemen-te, ao maior dos princípios constitucionais, qual seja, à dignidade da pessoa humana, devidamente previsto no art. 1º, inciso III(3).

Não por acaso, em sua mais recente obra, Delgado ressalta que o cenário criado a partir da promulgação da Constituição de 1988 afastou certos critérios até en-tão utilizados para avaliação, tais como aqueles que in-corporassem discriminação ou valoração diferenciada e injustificável entre pessoas humanas, vez que a honra, a dignidade, a higidez física e psíquica, além de outros bens e valores de cunho moral que são inerentes a todo e qualquer ser humano, independente de sua condição social, cultural, política, econômica, de modo que, e não por acaso, o art. 5º, inciso V, do texto Constitucional prevê expressamente que a reparação deve ser propor-cional ao agravo(4). Portanto, em que pese à vã tentativa do legislador de corrigir o equívoco normativo trazido pela Lei n. 13.467/2017 ao implementar a medida Pro-visória n. 808/2017, já excluída do ordenamento, nada fez senão reiterar o erro, vez que o critério utilizado se manteve, mas alterou-se meramente a “base de cálcu-lo”, mas igualmente avesso aos ditames normativos existentes na redação original(5). Neste sentido, aliás, a doutrina mais atualizada assevera que:

(3) DALLEGRAVE NETO, José Affonso; KAJOTA, Ernani. Coordenadores. Reforma trabalhista ponto a ponto: estudos em homenagem ao professor Luiz Eduardo Gunther. Vários Autores. São Paulo: LTr, 2018.

(4) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 17. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018. p. 747.

(5) DALLEGRAVE NETO, José Affonso. KAJOTA, Ernani. Coordenadores. Reforma trabalhista ponto a ponto: estudos em

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“De uma forma ou de outra, os legisladores re-formistas continuam a incorrer no incrível desatino científico de fixar como fato determinante da fixação do quantum indenizatório de danos extrapatrimoniais – logo, violadores de bens jurídicos existenciais – um referencial exclusivamente econômico. Isso significa que a Lei n. 13.467/2017 e depois a própria Medida Provisória n. 808/2017 implementaram paradoxal sis-tema ressarcitório em que a tutela jurídica de interes-ses extrapatrimoniais é prévia e abstratamente tarifada por um inflexível critério patrimonial, independente da concreta extensão dos danos e das particularidades do caso concreto. Nada mais surreal.”(6)

Significa dizer que, em verdade, a insistência legislativa ignora, por exemplo, o fato notório que a tentativa de tarifação do dano já havia sido matéria de incontáveis análises pelo STJ, o que acabou por consoli-dar entendimento pelo Supremo Tribunal de Justiça por meio da Súmula n. 281(7).

De fato, a fixação dos danos de natureza extra-patrimonial não é tarefa fácil de modo que, e não por acaso, considera vários fatores, tais como, v.g., o fato de que a punição deve ser exemplar e promover justa compensação ao ofendido, desmotivando ainda, por consequência, a prática danosa e a reincidência do ato pelo ofensor.

Cássio Colombo Filho aborda com maestria o as-sunto e ressalta a complexidade da matéria, lembran-do que a temática é objeto de incontáveis estudos e de raras conclusões realmente aproveitáveis. Ressalta ain-da Colombo Filho que a doutrina e a jurisprudência consideram de modo geral as circunstâncias do fato, grau da culpa, duração do sofrimento, partes psicoló-gicas atingidas, condições do ofensor e do ofendido e a dimensão da ofensa, caráter punitivo e pedagógico da agressão de modo que o locupletamento da vítima seja evitado, além dos princípios da razoabilidade e pro-porcionalidade(8).

Não é outro o entendimento de Kleber Cazzaro ao afirmar que o parâmetro que balizará e dará condi-ções ideais para a fixação correta de uma indenização é a jurisprudência, que deve ser formada por julga-mentos que considerem a análise efetiva de elementos

homenagem ao professor Luiz Eduardo Gunther. Vários Autores. São Paulo: LTr, 2018. p. 95

(6) FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2015. p. 357.

(7) Súmula n. 281/STJ – 18.12.2017. Responsabilidade civil. Dano moral. Imprensa. Tarifação prevista na lei de imprensa. Inaplicabilidade. Lei n. 5.250/67, arts. 49, 51 e 52. CF/88, art. 5º, V e X. CCB, art. 159. “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.

(8) COLOMBO FILHO, Cássio. Quem paga essa conta? Danos morais, assédio moral e outras encrencas: manual de diretrizes de complance para gerenciamento da ética laboral. Curitiba: Direito Prático, 2016. p. 118.

importantíssimos, como por exemplo, a condição eco-nômica da empresa, tempo de serviço prestado pelo ofensor, cargos dos envolvidos, situação econômica dos envolvidos, a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa, a intensidade do dolo ou o grau de culpa do responsável(9).

Significa dizer que a decisão mais justa só pode nascer após debruçada análise caso a caso, bem como em observância a vasta gama de circunstâncias que envolvem o tema, e jamais se apegando a dispositivos limitadores ou tarifários, o que denota evidente impor-tância do ativismo judicial, conforme tratado por Car-los Henrique Bezerra Leite ao asseverar que:

“Se o princípio do ativismo judicial encontra-se em franca expansão nos sítios do processo civil, salta aos olhos a necessidade de sua urgente aplicação no ter-reno do processo do trabalho. Afinal, neste há, em regra, situações de desigualdades de armas entre os litigantes, sendo o espaço natural para as demandas metaindivi-duais e uma atuação mais ativa do magistrado.”(10)

Em suma, reconhece o doutrinador que o sistema jurídico pátrio impõe ao magistrado atenção especial naquilo que acaba por refletir na tutela efetiva de di-reitos, tal qual aquele que tratamos no particular. Em verdade, ainda que por vezes tenhamos decisões equi-vocadas, certo é que a inconsistência destes julgados guarda relação direta apenas com o “peso” atribuído aos critérios analisados pelo magistrado, mas não em razão de sua ausência.

Portanto, o atual modelo implementado com a Lei n. 13.467/2017 mostra-se notadamente inconstitu-cional, vez que deixa de analisar as diretrizes forjadas ao longo de anos por meio de árduo, incansável e diu-turno estudo, cujo entendimento passou a nortear não apenas o texto Constitucional, mas também o restante do ordenamento jurídico totalmente reformulado de modo a não colidir com a lei maior, ao contrário do que se extrai da redação disposta no art. 223 da regra laboral.

Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, e tam-bém limitado às poucas linhas que nos cabem, possível perceber que quantificar o dano moral é tarefa demasia-damente difícil e passível de discussões infinitas. Toda-via, vê-se que os parâmetros implementados a partir da Lei n. 13.467/2017 não se mostra melhor e mais segura solução quando cotejado ao modelo até então vigente. Ao contrário, acentua a possibilidade de decisões anta-gônicas em condições equivalentes, na medida em que utiliza um único e equivocado critério para fixação da indenização.

(9) CAZZARO, Kleber. Dano moral na relação de emprego. In: Revista Jurídica Faculdade Novo Ateneu de Guarapuava. Ano 2, n. 3, Guarapuava, PR: Novo Ateneu, 2002. p. 91.

(10) LEITE, Antonio Carlos Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 66.

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O ASSÉDIO MORAL E A INCONSTITUCIONALIDADE DA PARAMETRIZAÇÃO DO “QUANTUM” INDENIZATÓRIO NA

LEI N. 13.467/2017

Leda Maria Messias da SilvaPós-doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Lisboa,

Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais, Subárea de Direito do Trabalho, pela PUC-SP, Professora da Graduação e do Mestrado em Ciências Jurídicas e pesquisadora do ICETI, do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR), Professora da Graduação e Pós-graduação

da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Pesquisadora do CNPQ.

Jeferson Luiz CattelanMestrando do Curso de Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR), Graduado em Direito pela Universidade Paranaense (UNIPAR), Pesquisador do Programa de Suporte à Pós-graduação de Instituições de Ensino Particulares CAPES (módulo

Taxas) e Pesquisador do ICETI.

Em momentos de crise econômica as empresas tendem a intensificar os controles para aumentar a pro-dução e reduzir os custos, principalmente com a mão de obra. Neste cenário, com o aumento da concorrência e no afã de reduzir os custos, o ambiente de trabalho, se torna propenso à ocorrência de assédio moral e, por outro lado, surgem leis como a Lei n. 13.467/2017, de-nominada “Reforma Trabalhista” e que mais se parece com uma “Deforma Trabalhista”.

O assédio moral é uma conduta que degrada o meio ambiente de trabalho, e que pode causar danos à integridade física e psíquica do trabalhador. Em casos mais graves pode levar até ao suicídio deste. A ocor-rência do assédio moral no trabalho gera o dano e, consequentemente, o dever de reparação integral pelo empregador. A aplicação de medidas punitivas em face do assediador tem, desse modo, a função de evitar a reiteração da conduta e prevenir o assédio; contudo, a limitação prevista na tarifação do dano, vulnerabiliza, justamente, o caráter punitivo e pedagógico.

O assédio moral pode ser horizontal ou vertical ascendente ou descendente e, também, organizacional, sendo que a forma descendente é a mais comum no am-biente de trabalho, pois é praticada pelo empregador ou por um superior hierárquico contra o subordinado, a fim de atacar a autoestima da vítima, por prazer ou para que ela peça demissão. (GUEDES, 2003, p. 3). O assédio moral organizacional está relacionado à expo-sição excessiva do empregado para cumprir metas e, assim, aumentar a competitividade e o lucro da orga-nização.

Marie-France Hirigoyen leciona que “assédio mo-ral no trabalho é qualquer conduta abusiva (gesto, pa-lavra, comportamento ou atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçan-do o seu emprego ou degradando o clima de trabalho”,

podendo causar dano à pessoa na sua integridade física ou psíquica. A “moral” está vinculada ao sentimento pessoal da vítima em relação à sua autoestima. (HIRI-GOYEN, 2002, p. 15-17).

A Lei n. 13.467/2017, de 13 de julho de 2017, de-nominada reforma trabalhista, tarifa o dano extrapatri-monial em leve, médio, grave e gravíssimo(1), para me-dir a dor e o sofrimento humano decorrente do assédio moral. A Lei estabelece critérios objetivos para cercear condutas subjetivas variadas que causam diferentes da-nos, a intensidade pode variar pela conduta praticada, período de exposição ao assédio e a resistência de cada ser humano.

Partindo da análise específica do art. 223-G, da Lei n. 13.467/2017, há que se fazer algumas inferências, e propor que o artigo é inconstitucional, pois contraria o disposto no inciso V, do art. 5º, da Constituição Fede-ral, o qual prevê indenização por dano material e mo-ral: V – “É assegurado o direito de resposta, proporcio-nal ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;” e no inciso X – “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação”. Obser-va-se a previsão expressa no texto constitucional que o dano gera dever de indenizar proporcionalmente ao agravo, e a pessoa que teve a personalidade lesionada terá direito à reparação integral do dano.

O Supremo Tribunal Federal (STF), já se posicio-nou quanto à impossibilidade de tarifação do dano ex-trapatrimonial, quando julgou improcedente o art. 52,

(1) Art. 223-G, § 1º, I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

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da Lei n. 5.250/1967 – Lei de Imprensa, ou seja, qual-quer lei ordinária que traga previsão expressa da tarifa-ção do dano moral ofende o disposto no art. 5º, V e X.(2)

Portanto, admitir que na seara trabalhista ocorra a tarifação do dano moral é contrariar a Constituição de 1988 e retroceder na proteção dos direitos do trabalha-dor, além de, violar os princípios do não retrocesso so-cial, da dignidade humana, da igualdade e da liberdade do trabalhador.

Ao tarifar o dano moral, na ofensa dos direitos da personalidade, especialmente o assédio moral, ob-jeto desta tese, o legislador reduz a dignidade do tra-balhador e passa a criar critérios de importância hu-mana pelo valor do salário recebido. Immanuel Kant já lecionava que a dignidade é o que não possui preço, quando uma coisa tem preço ela pode ser substituída por outra de mesmo valor, porém quando a coisa está acima de qualquer preço é infungível, nesta hipótese, afirma-se que o ser humano possui dignidade. (KANT, 2007, p. 77). Ingo Wolgang Sarlet complementa que a dignidade é intrínseca ao ser humano, por este motivo este é sujeito de direitos reconhecido pelo Estado e pela sociedade para a proteção de sua dignidade. (SARLET, 2006, p. 10).

A reforma trabalhista subclassifica o trabalhador, reduz a sua condição humana a uma subclasse de ser, pois, tarifa a indenização em 50 vezes o último salário do ofendido. Portanto, um trabalhador que receba um salário mínimo de R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais) terá uma indenização máxima de R$ 47.700,00 enquanto um gerente que recebe R$ 20.000,00 (vinte mil reais) terá uma indenização máxima R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). A vida e a dignidade da pessoa passam a ter um valor monetário quantifica-do e proporcional ao salário recebido, contrariando a Constituição e o conceito de dignidade humana estabe-lecido por Kant.

Por outro lado, ao analisar o porte econômico das empresas classificadas pelo valor do faturamen-to, evidencia-se que a tarifação máxima limitada a 50 vezes o último salário do ofendido continua injusta, pois aplica-se a mesma regra para empresas de grande porte que possuem faturamentos acima de 3,6 milhões anuais, nos mesmos parâmetros da empresa que possui um faturamento de até 360 mil reais, denominadas de empresas de pequeno porte. “A igualdade não deve ser confundida com homogeneidade” (NOVELINO, 2010, p. 392). A homogeneidade entre empresas com capaci-dade econômica diferente torna injusta a aplicação da tarifação, pois todas serão limitadas a 50 salários do tra-balhador. A situação econômica da empresa é motivo para adequação do dano à uma sanção que penalize a empresa e não para dar segurança jurídica limitando o dano. “Se houver uma razão suficiente para o dever de

(2) Não-recepção, pela CF/88, do art. 52 da Lei n. 5.250/67 – Lei de Imprensa. IV – Precedentes do STF relativamente ao art. 56 da Lei n. 5.250/67: RE 348.827/RJ e 420.784/SP, Velloso, 2ª Turma, 1º.6.2004.

um tratamento desigual, então, o tratamento desigual é obrigatório” (ALEXY, 2011 p. 410).

A aplicação subsidiária do Código Civil, de 2002, no tocante à indenização do dano extrapatrimonial é mais adequada para análise do caso concreto do que a Lei n. 13.467/2017, pois a primeira já normatizou no art. 944: “A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva despropor-ção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. José Affonso Dallegrave Neto ratifica a posição adotada pelo legisla-dor civilista, de que a omissão na tarifação dos danos morais é a mais correta, pois, pela “própria natureza dos direitos imateriais de personalidade, não é possível aplicar valores nominais e imutáveis a todas as situa-ções concretas, indiscriminadamente” (DALLEGRAVE, 2015, p. 185).

Conclusões

Conclui-se, pois, que a Lei n. 13.467/2017 cerceia a aplicação da Constituição Federal no tocante ao dano extrapatrimonial e gera flagrante caso de inconstitucio-nalidade de norma inferior. Os critérios de parametri-zação e de tarifação do dano ofendem o princípio da proporcionalidade e a redução do valor indenizado faz com que a norma deixe de ter um caráter punitivo pe-dagógico. Desta forma, o combate ao assédio moral nas empresas será mais efetivo com a declaração de incons-titucionalidade da tarifação do dano extrapatrimonial, para que haja a responsabilidade proporcional ao dano, dado que, não se pode discriminar o ofendido moral-mente, somente porque o seu salário é inferior. Isso cria duas categorias de ser, sendo um deles o que vale mais a ofensa recebida, porque ganha mais, o que fere a dig-nidade humana.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamen-tais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006.

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O poder político-jurídico, em verdade, é uno e in-divisível; porém, dentro desse espectro, subdividem-se funções orgânicas interdependentes e independentes entre si, de modo que um poder está proibido de in-vadir a discricionariedade dos demais poderes consti-tucionalmente instituídos (STRECK; OLIVEIRA, 2013, p. 145).

Nesse diapasão, a Constituição da República ado-tou a separação orgânica tripartida de poderes, segun-do art. 2º, para o qual são Poderes da União, indepen-dentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. É um dos princípios fundamentais (Títu-lo I) pelos quais se ancora o Estado Democrático de Di-reito, razão de ser e de existir da República Federativa do Brasil.

O art. 96, inciso I, da Constituição da Repúbli-ca “dotou os tribunais de um poder de autogoverno” (MENDES; STRECK, 2013, p. 1332) e confere-lhes um rol amplo de competências privativas, ou seja, uma “soma de poderes jurisdicionais outorgados, com ex-clusividade” (DINIZ, 2005, p. 853). Entre elas, compete aos tribunais elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e admi-nistrativos. De outra banda, a cabeça do art. 99 da Cons-tituição da República é categórica em assegurar ao Poder Judiciário autonomia administrativa.

Tais dispositivos compõem “o plexo de disposi-ções constitucionais que tratam das garantias institu-cionais do Poder Judiciário” (MENDES; STRECK, 2013, p. 1338) e representam “garantias institucionais da inde-pendência judicial” (MENDES; STRECK, 2013, p. 1332).

Dito isso, vejamos.

A “Reforma Trabalhista”, por meio da Lei n. 13.467/2017, inseriu o § 2º no art. 8º da Consolida-ção das Leis do Trabalho, segundo o qual as “súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tri-

bunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previs-tas em lei”.

A par dessa questionável limitação material, criou um procedimento formal para a edição de súmulas e ou-tros enunciados de jurisprudência uniforme, segundo art. 702, inciso I, alínea f, da Consolidação das Leis do Trabalho, que diz:

“Art. 702. Ao Tribunal Pleno compete:

I – em única instância:

f) estabelecer ou alterar súmulas e outros enuncia-dos de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo me-nos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimi-dade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas, po-dendo, ainda, por maioria de dois terços de seus mem-bros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial;”

O art. 702, § 3º, ainda determina a publicização das sessões (nesse ponto – corretamente – em consonân-cia com o art. 93, inciso IX, da Constituição da Repúbli-ca)((1)), divulgadas com, no mínimo, trinta dias de ante-cedência, e com a obrigatória oportunização de susten-tação oral em favor da Procuradoria-Geral do Trabalho, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Bra-sil, da Advocacia-Geral da União, confederações sindi-cais ou entidades de classe de âmbito nacional (nesse

(1) Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

A INCONSTITUCIONALIDADE DO PROCEDIMENTO PARA A EDIÇÃO DE SÚMULAS, ESTABELECIDO PELA “REFORMA TRABALHISTA”, EM

RAZÃO DAS GARANTIAS INSTITUCIONAIS DE INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado

em 1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar

geral no Processo Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços

Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São

Paulo: LTr, 2015).

LTr - Jornal do Congresso 35

ponto – acertadamente – em consonância com o art. 927, § 2º, do Código de Processo Civil, embora seja questio-nável a sua obrigatoriedade, quando o processo comum fala em faculdade)(2).

Pois bem. Há, nessa norma procedimental, mor-mente diante do art. 702, inciso I, alínea “f”, da Conso-lidação das Leis do Trabalho – o qual, possivelmente num pré-julgamento ideológico do papel da Justiça do Trabalho, exacerbou consideravelmente o procedimen-to rumo à aprovação de enunciados –, um claro vício for-mal de constitucionalidade.

A Lei n. 13.467/2017 é lei ordinária, fruto do pro-cesso legislativo a cargo do Poder Legislativo (arts. 44 e 59, inciso III, da Constituição da República). A Medida Provisória n. 808/2017, que também compunha a “Re-forma Trabalhista” e teve sua vigência encerrada(3), era igualmente fruto do processo legislativo, a cargo do Presidente da República, na condição de chefe do Poder Executivo, nos casos de relevância e urgência (arts. 59, inciso V, e 62 da Constituição da República).

Porém, como vimos alhures, a Constituição da República confere privativamente ao Poder Judiciário tais atribuições, ao dotar esse poder de funções orgânicas interdependentes, entre elas a de autolegislar quanto ao funcionamento de seus próprios órgãos, seja jurisdi-cionais, seja administrativos, inclusive quanto ao respecti-vo funcionamento desses órgãos, o que, obviamente, inclui a edição de súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme.

O Tribunal Superior do Trabalho está atento a essa flagrante inconstitucionalidade formal, tanto que sus-pendeu, por essa razão (entre outra), sessão do Tribunal Pleno, daquela Corte Máxima da Justiça do Trabalho, que discutiria as propostas de revisão de súmulas e orientações jurisprudenciais em função das mudanças introduzidas pela “Reforma Trabalhista”, outrora de-signada para 6 de fevereiro de 2018. Registre-se:

“(...) A suspensão foi pedida pelo Presidente da Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos, Ministro Walmir Oliveira da Costa, no sentido de espe-rar o julgamento de arguição de inconstitucionalidade do art. 702, inciso I, alínea f da CLT, que estabelece o procedimento para edição e alteração da jurisprudência do Tribunal.

Diante da suspensão, ficou decidido que a Co-missão de Jurisprudência deverá examinar a questão da constitucionalidade do art. 702 e apresentar uma proposta a ser examinada pelo Pleno. Somente a partir desta definição é que deverá ser marcada nova sessão para rediscutir a revisão das súmulas. (...)”(4)

(2) Art. 927 (...) § 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

(3) A Medida Provisória n. 808/2017 não foi convertida em lei dentro do prazo exigido pelo art. 62, § 3º, da Constituição da República, de modo que perdeu a eficácia, desde a edição, e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23.04.2018 (Ato Declaratório n. 22/2018, do Congresso Nacional). Caberá agora ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, sob pena de as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservarem-se por ela regidas (art. 62, §§ 3º e 11, da Constituição da República).

(4) Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/24515894>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Em conclusão, entende-se que, a par do possível vício material de inconstitucionalidade do art. 702 da Consolidação das Leis do Trabalho, com as alterações trazidas pela “Reforma Trabalhista”, pela irrazoabilida-de – possivelmente ideológica – de limitar a produção ju-risprudencial consolidada do Tribunal Superior do Tra-balho, relegando à Justiça do Trabalho – e a seu órgão máximo – um papel menor, diante dos demais ramos do Poder Judiciário, como se o ramo trabalhista suscitasse desconfiança e precisasse de “freios” dos demais Pode-res, em franca violação do pacto constitucional de se-paração das funções orgânicas de cada um, certo é que a constitucionalidade da “Reforma Trabalhista”, nesse ponto, já se desconstrói pelo próprio –, primeiro, grave, flagrante e perigoso – vício formal, ao desrespeitar o dito plexo de disposições constitucionais reservados ao Po-der Judiciário e, por conseguinte, solapar as garantias institucionais de independência garantidas constitucio-nalmente ao Poder Judiciário.

Volta-se ao ponto inicial: o Estado Democrático de Direito é a razão de ser e de existir da República Fede-rativa do Brasil. Sem a separação orgânica tripartida de poderes e sem o respeito às garantias institucionais de cada um, não há República legítima (e legitimada).

E digo mais: mantido o art. 702, inciso I, alínea f, da Consolidação das Leis do Trabalho, tal qual se apresen-ta, caminharemos a um estado de coisas inconstitucional((5)), diante do quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais-sociais, decorrente da descons-trução do papel institucional da Justiça do Trabalho na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, cuja ordem econômica é fundada na valorização do tra-balho humano e no valor social da livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme ditames de justiça social (arts. 1º, III e IV, 3º, inciso I, 114, incisos I e IX, e 170, caput, da Constituição da Re-pública).

Referências bibliográficas

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1, A-C.

MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lenio Luiz. Art. 96 da Constituição da República. In: CANOTI-LHO, José Joaquim Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva/Almedina: São Paulo/Portugal, 2013.

_____. Art. 99 da Constituição da República. In: CA-NOTILHO, José Joaquim Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva/Almedina: São Paulo/Portugal, 2013.

STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Fábio de. Art. 2º da Constituição da República. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. Comentários à Consti-tuição do Brasil. Saraiva/Almedina: São Paulo/Portugal, 2013.

(5) Sobre o estado de coisas inconstitucional, consultar, exemplificadamente, a Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 347 MC/DF, Relator: Ministro Marco Aurélio, Julgamento: 09.09.2015, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe-031 divulg. 18.02.2016 public. 19.02.2016.

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3º PAINEL

A PRECARIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA EM DECORRÊNCIA DA LEI N. 13.467/2017

Júlio César Lourenço do CarmoGraduando em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM. Integrante dos Grupos de Pesquisa NEPI

(Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito e Internet) e CODIP (Constitucionalização do Direito Processual).

Após tempos sóbrios de uma constituição auto-ritária e um regime político arbitrário, onde, por anos, milhares de brasileiros tiveram violadas básicas condi-ções necessárias para que um indivíduo tenha uma vida digna, a Carta Magna de 1988 elencou um extenso rol de direitos e garantias fundamentais que os cidadãos dispõem. Dentre os quais, encontra-se o acesso à Justiça.

O texto constitucional assevera em seu art. 5º, XXXV, que é defeso àquele que tiver direito violado, ou mesmo ameaçado, a garantia de poder requerer junto ao judiciário a tutela deste. Tal dispositivo constitucio-nal está em consonância com o art. 8º da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário, que de outrora traz expressa previsão e diretrizes para sua aplicação.

Moraes (2011, p. 89) explana que o “Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial re-querido (...), pois, a indeclinabilidade da prestação judi-cial é princípio básico que rege a Jurisdição”. O mesmo ainda acrescenta que o escopo da prestação da devida tutela pelo Poder Judiciário é “a busca de qualidade e máxima eficácia de suas decisões” (MORAES, 2011, p. 114), em síntese, a plena consubstanciação do direito pleiteado pela parte.

Nesse sentido, Cappelletti e Garth (1988, p. 8) aduzem que o acesso à Justiça “deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resulta-dos que sejam individual e socialmente justos”.

Tamanha preocupação com a disponibilidade de um acesso à Justiça pleno e indistinto se justifica pelo fato de que sua efetiva aplicação permite que os demais direitos sejam assegurados. Haja vista seu caráter basi-lar e indispensável em países democraticamente esta-belecidos, autores como Silva (2011, p. 431), Cappelletti e Garth (1988, p. 20/21), Santos (1986, p. 125) entre ou-tros, defendem-no como o mais básico dos direitos.

Para assegurar seu cumprimento, mesmo em meio às situações de hipossuficiência, a Constituição Federal [CF] traz expressa previsão no art. 5º, LXXIV, de assistência judiciária integral e gratuita, bastando aos que assim necessitarem, comprovar sua insuficiência de recursos para usufruírem dessa benesse.

Silva (2011, p. 222) dilucida que os desprovidos financeiramente “tem acesso muito precário à Justiça, carecem de recursos para contratar bons advogados”, e custear os encargos processuais, e pontual afirma que “a realização da igualdade perante a Justiça, assim, exi-ge a busca da igualização de condições”.

Deste modo, observa-se como o áureo princípio do acesso à Justiça e o direito de assistência judiciária gratuita, mesmo sendo institutos distintos, estão umbi-licalmente ligados. Assevera-se, portanto, como pon-to indubitável, que para concretização de um pleno acesso à Justiça àqueles que não dispõem de condições financeiras a assistência judiciária gratuita é fator in-dispensável.

No entanto, em descompasso com o estabeleci-do precedentemente, a Lei n. 13.467/2017 (reforma trabalhista) trouxe regras quanto ao estabelecimen-to de um percentual máximo salarial por parte do requerente para a concessão da gratuidade da justi-ça (art. 790, § 3º), previsão de que o trabalhador pa-gue, ainda que beneficiária da gratuidade da justiça, honorários periciais (art. 790-B) e de sucumbência (art. 791-A), bem como considera devidos honorários advocatícios de sucumbência por beneficiário de jus-tiça gratuita, sempre que tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa (art. 791-A, § 4º) e responsabiliza o bene-ficiário da justiça gratuita pelo pagamento de custas caso o processo seja arquivado em razão de sua falta à audiência, até como condição para ajuizar nova de-manda (art. 844, § 2º).

O excesso de judicialização dos conflitos, moro-sidade no trâmite processual, onerosidade exacerbada aos cofres públicos, e consequente ineficácia da presta-ção jurisdicional, foram justificativas levantadas para se embasar e respaldar a implementação dos ditos positi-vos que reformaram a Consolidação das Leis do Traba-lho (CLT).

Todavia, não há como negar a constatação de aberração legislativa, resultante em flagrante contrarie-dade ao dispositivo constitucional, estando em disso-nância com a garantia visceral do acesso à Justiça.

LTr - Jornal do Congresso 37

Nesse diapasão, toda às vezes que uma determi-nada norma infraconstitucional viola um dispositivo constitucional, deve a mesma ser declarada inconsti-tucional. O procedimento pode se dar pelo controle difuso de constitucionalidade, sendo realizado por to-dos os juízes em ações onde estiverem analisando um caso concreto; ou, por meio do controle concentrado de constitucionalidade, sendo feita a provocação, via Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ao Supre-mo Tribunal Federal STF, por um dos legitimados pelo art. 103, CF. No primeiro ensejando efeitos incidentais e no derradeiro ensejando efeitos erga omnes, vincu-lando os demais órgãos do Poder Judiciário e a Admi-nistração direta e indireta das esferas federal, estadual e municipal.

Com esse panorama, mostra-se perfeitamente ca-bível e procedente a ADI n. 5.766 ajuizada pela Procu-radoria-Geral da República, que questiona os disposi-tivos trabalhistas reformados, elencados nesse estudo, por afrontarem claramente garantias constitucionais de efetivo acesso à jurisdição, bem como de integral e gra-tuita assistência judiciária aos que necessitam. Destarte, deve o STF deslindar a questão, de modo a dirimir du-biez, culminando por declarar inconstitucional os dis-positivos elencados.

Em suma: não se pode pensar em reduzir o ex-cesso de litigiosidade e permitir melhor prestação pela Justiça do Trabalho, cerceando e relegando direitos me-dulares do indivíduo. As regras expostas mostram-se absolutamente inconstitucionais, uma vez que ferem frontalmente os ditames do acesso à Justiça da Carta Magna de 1988. Devem ser, portanto, declarados in-constitucionais, salvaguardando a plena manutenção do direito de amplo e efetivo acesso à tutela jurisdicio-nal tempestiva.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.766, de 25 de agosto de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>. Acesso em: 13 maio 2018.

_____. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 11 maio 2018.

_____. Lei n. 13.467, de 13 de julho 2017. Altera a Con-solidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis ns. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas rela-ções de trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>. Acesso em: 11 maio 2018.

CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Ale-gre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção Americana sobre Direi-tos Humanos, 22 de novembro de 1969. Disponí-vel em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 11 de maio de 2018.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução à sociolo-gia da administração da Justiça. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 21, p. 125, nov. 1986.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional po-sitivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

A CONDIÇÃO DE DESEMPREGADO É SUFICIENTE PARA QUE AO TRABALHADOR SEJAM CONCEDIDOS OS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA

GRATUITA

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado

em 1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar

geral no Processo Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços

Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São

Paulo: LTr, 2015).

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Segundo o art. 5º, LXXIV, da Constituição da Re-pública, o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de re-cursos – trata-se de uma garantia fundamental (art. 5º, caput e § 1º, da Constituição) e de aplicação imediata e, ainda, uma cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da Cons-tituição). Conforme bem colocam Delgado e Delgado (2017, p. 324), “para as pessoas economicamente (ou socialmente) vulneráveis, o amplo acesso à jurisdição somente se torna possível e real caso haja, de fato, a efetiva garantia da graciosidade dos atos judiciais – a chamada justiça gratuita”.

Nesse diapasão, o art. 4º da Lei n. 1.060/1950 di-zia que “a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria pe-tição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”. Embora revogado pelo novo CPC, esse último mantém idênticos termos, ao dizer, no art. 99, § 3º, que se presume verdadeira a ale-gação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

De outra banda, o art. 14, § 1º, da Lei n. 5.584/1970 – norma até hoje em vigor e lei especial em relação ao processo judiciário do trabalho, porque nominalmente “dispõe sobre normas de Direito Processual do Traba-lho” (desde a ementa) – diz que “a assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.

O art. 790, § 3º, da CLT, com redação anterior à Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), dizia ser fa-cultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratui-ta, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que percebessem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal ou declarassem, sob as penas da lei, que não estariam em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

A Orientação Jurisprudencial n. 304, da Subse-ção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST, editada em 2003, dizia que, atendidos os requisitos da Lei n. 5.584/1970, para a concessão da assistência ju-diciária, bastava a simples afirmação do declarante ou de seu advogado, na petição inicial, para se considerar configurada a sua situação econômica, segundo art. 4º, § 1º, da Lei n. 1.060/1950.

A Orientação Jurisprudencial foi convertida na Súmula n. 463 do TST, editada em 2017, em razão do novo CPC, a qual passou a dispor que, a partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipos-suficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado (ou seja, manteve o regramento anterior), porém exigindo do advogado, caso declare pela parte, procuração com poderes específicos para esse fim (em razão do art. 105 do CPC).

Registre-se que, na vigência do art. 790, § 3º, da CLT, entendia-se que a declaração de hipossuficiência seria meramente relativa, ou seja, envolvia-se sobre ela o

manto da presunção juris tantum, de modo que se ad-mitia, contra a declaração, prova em sentido contrário.

Pois bem. A “Reforma Trabalhista” alterou pro-fundamente tal panorama. Segundo a atual redação do art. 790, § 3º, da CLT, dada pela Lei n. 13.467/2017, é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conce-der, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a quarenta por cento do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Considerando que o teto previden-ciário, a partir de 1º.01.2018, passou a ser fixado em R$ 5.645,80(1), temos que, numericamente, é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimen-to ou de ofício, o benefício da justiça gratuita a traba-lhadores que perceberem salário igual ou inferior a R$ 2.258,32.

Outrossim, a Lei n. 13.467/2017 incluiu um novel § 4º no art. 790 da CLT, segundo o qual o benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar in-suficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

Segundo Delgado e Delgado (2017, p. 324), o art. 790, § 3º, da CLT “alterou o parâmetro numérico, no tocante à presunção de hipossuficiência econômico-fi-nanceira”, de modo que é presumível a miserabilidade, por si só, quando o trabalhador percebe salário igual ou inferior a R$ 2.258,32. A partir de valor maior, “torna-se necessária a comprovação da hipossuficiência”.

Com relação ao art. 790, § 4º, da CLT, “essa com-provação pode se fazer, em princípio, pela declaração de próprio punho da pessoa natural do autor da ação, bem como pela declaração de seu procurador no pro-cesso [omissis], desde que autorizado por ‘cláusula es-pecífica’ contida no instrumento de mandato” (DEL-GADO; DELGADO, 2017, p. 324).

De fato, permanece a inteligência da Lei n. 5.584/1970, não revogada pela “Reforma Trabalhista”. Assim, mantém--se assegurada, indiscutivelmente, a concessão dos be-nefícios da justiça gratuita ao trabalhador de maior sa-lário. Para a pessoa natural – o que inclui o trabalhador desempregado –, conforme dispõem o art. 105 do CPC e a Súmula n. 463 do TST, a comprovação se dá por mera declaração, que ostenta presunção juris tantum, relativa.

Mas vou além.

Embora isso seja óbvio, dada a dinâmica capitalista na qual se assenta a República Federativa do Brasil(2) – de que o salário é o meio de sobrevivência do trabalhador –, a Constituição de 1988 diz isso expressamente, consa-grando-o como um direito social fundamental (art. 6º), apto a resguardar e a promover outros direitos sociais fundamentais: veja-se que os outros direitos sociais fun-damentais também expressos no mesmo art. 6º, em sua

(1) Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/2018/01/beneficios-indice-de-reajuste-para-segurados-que-recebem-acima-do-minimo-e-de-207-em-2018/>. Acesso em: 30 mar. 2018.

(2) “O sistema capitalista é geneticamente portado a produzir excluídos. Os desempregados não surpreendem o sistema, por isso a banalização da condição dos trabalhadores, inclusive quando perdem o posto de trabalho. Uma banalização que é capitaneada, dentre tantos exemplos, pela ótica econômica do Direito do Trabalho.” (SEVERO, 2011, p. 43)

LTr - Jornal do Congresso 39

maioria, dependem, primariamente, do trabalho huma-no e do fruto do labor – a educação, a saúde, a alimen-tação, a moradia, o transporte, o lazer e a previdência social estão contidos no conteúdo jurídico-constitucional do salário, que deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do indivíduo e da sua família com o dis-pêndio desses direitos sociais fundamentais (art. 7º, IV, da Constituição), inclusive para a repercussão em benefí-cios previdenciários (art. 201, § 11, da Constituição).

O trabalhador desempregado não dispõe mais desse meio de sobrevivência, estando, presumivelmente, em situa-ção de máxima vulnerabilidade, muito mais do que aqueles trabalhadores que ainda dispõem de uma remuneração mensal fixada entre R$ 954,00, atual valor do salário mínimo (Lei n. 13.152/2015 e Decreto n. 9.255/2017), e R$ 2.258,32, que corresponde a quarenta por cento do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Pre-vidência Social.

E não é só.

Um dos desdobramentos do princípio da prote-ção consiste na aplicação do subprincípio do in dubio pro operario (ou in dubio pro misero), devendo-se decidir em favor do empregado quando houver fundada dúvida a respeito do alcance da lei (BARROS; ALENCAR, 2017, p. 125). O art. 790, § 3º, da CLT diz que é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimen-to ou de ofício, o benefício da justiça gratuita àqueles que perceberem salário igual ou inferior a quarenta por

cento do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

A partir dessa conjugação verbal (“perceberem”), por interpretação puramente literal-gramatical, resta ób-vio que a Lei n. 13.467/2017 se referiu a trabalhadores que estejam empregados: os desempregados não “percebem” salário algum (salário zero). E zero, pela clareza da mate-mática, é valor inferior a R$ 2.258,32.

Por todo o exposto, conclui-se que a condição de desempregado é prova suficiente para a concessão pelos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância, inclusive de ofício, da justiça gratuita prevista na Lei n. 13.467/2017. Aqui, há uma presunção juris et de jure, ou seja, absoluta, em razão do diálogo cartesiano que se estabelece entre o Direito e a Matemática.

Referências bibliográficas

BARROS, Alice Monteiro de; ALENCAR, Jessé Clau-dio Franco de. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. atual. São Paulo: LTr, 2017.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comen-tários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

SEVERO, Valdete Souto. O dever de motivação da despedi-da na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

LIMITAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO: UMA REFLEXÃO SOBRE A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR NO REGIME DE TELETRABALHO

Carla Labelle Matias CarneziAdvogada

Introdução

Com as recentes mudanças na Consolidação das Leis Trabalhistas advindas da nova redação dada pela Lei n. 13.467/2017, muitas dúvidas surgiram acerca da situação do trabalhador brasileiro, dentre elas sobre a flexibilização da jornada de trabalho, se esta é benéfica ou maléfica.

Primeiramente é necessária uma reflexão sobre o contexto histórico em que o direito do trabalho nasceu no Brasil. Vignoli pontua que em países em via de de-senvolvimento preponderam governos fortes e sindica-tos fracos, além de criticar os “mecanismos de desregu-lamentação” criados para a diminuição do desemprego atual¹.

Por volta do final da década de 1920, durante o governo de Getúlio Vargas, foi testemunhada a passa-gem do Brasil de um país agrário para um industrial. Contudo, a crise de 1929, gerada pela quebra da bol-sa de Nova York, teve um grave reflexo, resultando na centralização e fechamento da economia brasileira com o fim de desenvolver instituições e mercados. Outros governos vieram e o problema permaneceu, Vignoli de-fende que:

“Com efeito, a baixa taxa de sindicalização no Bra-sil se deve à circunstância de que não existe uma plena liberdade sindical. Temos sindicatos em número exces-sivo e sem nenhuma representatividade. Tal situação é consequência da política sindical que foi implantada no Brasil no Estado Novo de Getúlio Vargas. O resultado esperado não poderia ser outro.”²

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Em 1943 surgiu a Consolidação das Leis Traba-lhistas, nascida no Estado Novo de Getúlio Vargas, como forma de unificar toda a legislação trabalhista vigente.

Durante a década de 1960, o governo de João Goulart procurou a descentralização administrativa e a delegação de competências, contudo, o golpe de 1964 impossibilitou a concretização do projeto de ampla re-forma administrativa. Após vinte anos de ditadura mi-litar, o governo enfrentava dificuldades em se reorga-nizar. Em 22 de setembro 1988, a Constituição Federal, conhecida como lei maior, é aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte e promulgada em 5 de outubro de 1988.

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 7º, incisos VI, XIII e XVI, os direitos dos trabalha-dores, tais como a irredutibilidade do salário mínimo, a duração do trabalho e da remuneração do serviço extraordinário. Ao longo da história, observa-se que os direitos trabalhistas estão vinculados ao desenvol-vimento econômico, quanto melhor a economia, mais direitos adquiridos.

Atualmente, o cenário de trabalho vem se rein-ventando com o surgimento da automação industrial e avanço tecnológico, onde máquinas ganham espaço e os trabalhadores diminuem. Com isso a competitivi-dade é aumentada, elevando o nível não apenas entre seres humanos, mas desta vez entre seres humanos e máquinas.

A flexibilização da jornada de trabalho aparece como meio de melhoria, em tese, no qual o empregado não precisa mais se locomover até o seu local de traba-lho, aumentando sua liberdade e autonomia, podendo exercer a jornada de trabalho em horários diferentes, além de poder negociar sua jornada de trabalho através de convenção coletiva, ainda que o texto de lei não se faça claro sobre a forma da negociação, em contraparti-da o trabalhador deve atingir o resultado da atividade desenvolvida.

Mudanças na CLT

Uma das inovações da nova redação dada a CLT é o art. 62, inciso II, o qual prevê:

“Art. 62. Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

III – os empregados em regime de teletrabalho.”

Segundo o autor Silva, um dos primeiros relatos sabidos sobre o teletrabalho se deu por volta de 1857, quando o proprietário da estrada de ferro Penn Rail-road, J. Edgard Thompson realizou o gerenciamento de divisões remotas através do telégrafo³. Conceitua ainda o teletrabalho como:

“O vocábulo “teletrabalho” vem da união da pa-lavra grega telou, que significa “longe”, e da palavra latina tripaliare, que significa “trabalhar”. Pela origem etimológica, pode-se definir o teletrabalho como uma atividade profissional realizada sem a presença física do trabalhador no local onde está localizada a empresa durante um período de tempo razoável, utilizando um meio de comunicação qualquer para contato.”

Referido enunciado normativo choca-se com o art. 6º da supramencionada lei, pois esta prevê a não

distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracteriza-dos os pressupostos da relação de emprego.

A flexibilização no teletrabalho oferece a vanta-gem de autonomia e independência relativa, ainda que sob o ponto de vista do empregador seja possível um maior controle sistemático das ações praticadas pelo empregado. Sob a perspectiva do empregado, este pode oferecer seu serviço a outras empresas, estabelecendo os melhores horários e ritmos para o cumprimento da atividade.

O ordenamento jurídico possibilitou novas inter-pretações, assim como causou lacunas quanto à ampli-tude da flexibilização da jornada de trabalho e a pro-teção ao trabalhador. Provavelmente, com essa nova realidade o empregado tenha se submetido a satisfazer as demandas apenas do empregador, ignorando suas necessidades essenciais, tais como o lazer, a saúde, o convívio familiar, dentre outras modalidades inerentes à personalidade do ser humano.

Vantagens e desvantagens

Os recentes regimes de trabalho buscam conciliar a qualidade de vida do empregado ao trabalho exerci-do, com isso, a Lei n. 13.467/2017 aparentemente bus-cou uma desburocratização das negociações trabalhis-tas, dando margem à negociação individual e à escolha de atividades até então pouco exercidas ou que care-ciam de uma regulamentação.

Estudos realizados pela Organização Internacio-nal do Trabalho concluíram que as reformas flexibili-zadoras contribuíram para a deterioração da qualidade de emprego.

Os trabalhadores excluídos da proteção da jorna-da de trabalho se veem desprotegidos, ficando expostos a jornadas excessivas que comprometem como exposto no tópico anterior os direitos da pessoa humana, mais especificamente o direito a saúde, ao convívio familiar e ao desenvolvimento social.

O livro Qualidade de vida elaborado na Universi-dade de São Paulo expressa que:

“Hoje, o lazer criou uma dimensão que o senso comum o pensa como algo sem uma ligação direta com as corporações industriais, mas, num passado próximo, o lazer foi parte desse processo de qualidade de vida e preocupação com a saúde do trabalhador ou, como preferirem, da diminuição do estresse físico. Percebeu--se que era necessário repouso e descanso depois de um dia estafante no trabalho.”5

Ainda no supramencionado livro, a saúde do tra-balhador é prejudicada pelo estresse e ansiedade desen-cadeados pelo esforço repetitivo do serviço, gerando corrida contra o tempo, insatisfação salarial, horas tra-balhadas ininterruptas e a procura por um desempenho profissional melhor.

A Organização Internacional da Saúde define que a qualidade de vida é medida pela saúde física, saúde psicológica, nível de independência, relações sociais e meio ambiente. Segundo Goldberg (1988), citado por Silva (2004, p. 36), as mudanças levam a incertezas quanto ao futuro, provocando a ansiedade, pois o ser

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humano tem dificuldade em aceitar mudar para supe-rar constantemente suas limitações e medos, o que cau-saria angústia, ansiedade e estresse.

Reflexão sobre a integridade do trabalhador no regime de teletrabalho

O trabalhador que faz parte do regime de teletra-balho não possui mais limites quanto a sua jornada de trabalho estando à mercê dos mandamentos do empre-gador. A Consolidação das Leis Trabalhistas ao excluí--lo de sua proteção retrocedeu, posto que, o mercado de trabalho evoluiu, a tecnologia nunca se fez tão presente na vida do trabalhador.

O monitoramento contínuo e a possibilidade de um feedback instantâneo é uma vantagem do teletraba-lho, contudo, a maior incerteza é até que ponto o traba-

lhador sob esse regime terá seus direitos assegurados, quais serão os reflexos negativos ao ignorar essa ino-vação crescente no mundo do trabalho e quais os pre-juízos futuros gerados aos demais sistemas públicos. Algumas consequências já são perceptíveis, particular-mente a negociação individual entre o empregador e o empregado, além da possibilidade de alteração entre o regime presencial e de teletrabalho, prevista no § 1º, do art. 75-C, da CLT.

A delimitação da jornada de trabalho é necessária para a integridade física e psíquica do trabalhador, dar ao empregador e ao empregado a liberdade de adotar o regime de teletrabalho implica na insegurança jurídica quanto ao contrato firmado entre as partes e revela a fragilidade da CLT ao permitir a exposição do trabalha-dor a uma jornada de trabalho sem limitações, colocan-do em risco a saúde do trabalhador.

A NOVEL FIGURA DO GRUPO ECONÔMICO, SEGUNDO A REFORMA TRABALHISTA: POR UMA LEITURA HUMANISTA

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado

em 1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar

geral no Processo Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços

Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São

Paulo: LTr, 2015).

Segundo Delgado (2018, p. 495), grupo econômico é a “vinculação justrabalhista que se forma entre dois ou mais entes favorecidos direta ou indiretamente pelo mes-mo contrato de trabalho, em decorrência de existir, entre esses entes, laços de direção ou coordenação em face de atividades (...) de qualquer (...) natureza econômica”.

A CLT, desde sua decretação em 1943, já previra a figura do grupo econômico, positivada no art. 2º, § 2º, que dizia:

“Sempre que uma ou mais empresas, tendo, em-bora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efei-tos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”

Para o trabalhador rural, que ostenta regramento próprio, segundo art. 7º, b, da CLT, há previsão mais alargada do conceito de grupo econômico, conforme

art. 3º, § 2º, da Lei n. 5.889/1973, em plena vigência, que diz o seguinte:

“Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de ou-tra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.”

Conforme Delgado e Delgado (2017, p. 100), ha-via uma vertente hermenêutica restritiva, “que exigia a presença de relação hierárquica, verticalizante, entre as entidades componentes do grupo econômico, sob pena de não considerar caracterizada a figura jurídi-ca especial justrabalhista”. Outra corrente adotava o conceito ampliativo, não apenas pela efervescência de novos conceitos, como o da subordinação estrutural(1),

(1) “Estrutural é, finalmente, a subordinação que se expressa ‘pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços,

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como pela aplicação supletiva (que complementa) da Lei n. 5.889/1973, que evidencia “escolha pela vertente interpretativa da simples coordenação interempresa-rial” (DELGADO; DELGADO, 2017, p. 100).

Lamentavelmente, a Justiça do Trabalho, por seu órgão uniformizador em última instância, qual seja, a Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST, posiciona-se pela “hermenêutica restritiva”, como se vê do recente julgado colacionado a seguir, à luz da CLT sem as modificações promovidas pela “Reforma Trabalhista”:

“(...) GRUPO ECONÔMICO. CARACTERIZA-ÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE DE RELAÇÃO HIE-RÁRQUICA ENTRE AS EMPRESAS. Na hipótese, a Vara do Trabalho de origem indeferiu a produção de prova pericial contábil, requerida pela ora recorrente a fim de comprovar que não exercia controle hierár-quico sobre a primeira reclamada. A Corte Regional, examinando a arguição de cerceamento de defesa, re-putou dispensável a prova que se buscava produzir, porquanto já evidenciadas nos autos “a identidade no objeto social e a existência de sócio em comum” entre as empresas, suficiente a caracterizar a formação de grupo econômico. Todavia, a Subseção I Especializada em Dissí-dios Individuais desta Corte Superior firmou o entendimento de que a configuração de grupo econômico não prescinde da demonstração de relação hierárquica entre as empresas, me-diante controle central exercido por uma delas, revelando-se insuficiente a identidade de sócios, a mera coordenação entre as sociedades e a similaridade do ramo de atuação. Sinale-se que restou reconhecido, desde a sentença, a formação de grupo econômico, tão somente em razão da similari-dade no ramo de atuação e identidade societária entre as empresas. Desse modo, resulta forçoso concluir que o indeferimento de prova pela qual se buscava demons-trar a inexistência de subordinação hierárquica entre as reclamadas, a fim de afastar a responsabilidade da segunda reclamada pelos créditos da reclamante, im-portou em lesão à garantia de ampla defesa, insculpida no art. 5º, LV, da Constituição Federal, que acarreta a nulidade dos atos posteriores. Recurso de revista co-nhecido e provido.” (TST-RR-2260-25.2014.5.05.0251, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 14.03.2018, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16.03.2018) (destaques meus)

A atual redação do art. 2º, § 2º, da CLT, modifica-da pela Lei n. 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”), diz o seguinte:

“Sempre que uma ou mais empresas, tendo, em-bora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua au-tonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.”

independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento’. Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços.” (DELGADO, 2018, p. 352)

Ao prever expressamente que o grupo econômico permanece íntegro e intacto ainda que as pessoas jurídi-cas guardem autonomia, passou a incorporar, claramente, hermenêutica mais alargada em torno da questão jurí-dica, como fizera a Lei n. 5.889/1973 para o trabalhador rural, ou seja, a partir da “Reforma Trabalhista”, o gru-po econômico restará configurado pela mera coordena-ção, não se exigindo mais, como outrora, uma relação verticalizada ou hierárquica entre as pessoas jurídicas envolvidas.

Entrementes, a “Reforma” foi além. Além da mo-dificação do clássico art. 2º, § 2º, da CLT, a Lei n. 13.467/ 2017 incluiu-lhe o § 3º, nesses termos:

“Não caracteriza grupo econômico a mera identi-dade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efe-tiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.”

Mas, afinal, o que a “Reforma Trabalhista” quis dizer com essas expressões – interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta –, para fins de caracterização de grupo econômico?

Franco Filho (2018, p. 218-219), ao intitulá-los de “três requisitos fundamentais para caracterizar a exis-tência de grupo econômico”, afirma que não serão mais suficientes, para essa caracterização, a identidade de sócios, o funcionamento no mesmo local ou a mesma finalidade econômica. Para o autor, interesse integrado equivale a “compartilhado”; comunhão de interesses – um conceito da Contabilidade –, a “unificação de inte-resses”; e atuação conjunta a “simultaneidade”. Apenas “superado esse óbice”, ou seja, presentes conjuntamen-te (cumuladamente) os três requisitos é que teríamos a caracterização do grupo econômico (FRANCO FILHO, 2018, p. 219).

Delgado e Delgado (2017, p. 101, destaques meus), em contundente crítica, têm outra visão:

“Por essa razão, a interpretação lógico-racional, sis-temática e teleológica da regra excetiva lançada no novo § 3º do art. 2º da CLT conduz ao não enquadramento no grupo econômico enunciado no conceito geral exposto no § 2º do mesmo art. 2º apenas [em] situações efetivamen-te artificiais, [nas quais] a participação societária de um ou outro sócio nas empresas envolvidas seja minúscula, irrisória, absolutamente insignificante, inábil a demonstrar a presença ‘do interesse integrado, a efetiva comunhão de in-teresses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes’ (§ 3º, in fine, do art. 2º da CLT). Ou seja: a nova exceção legal tem de ser bem compreendida, a fim de que não produza injustificável regressão jurídica, instigando o esvaziamento do instituto regulado pelo art. 2º, § 2º, da CLT (isto é, o grupo econômico justrabalhista por sim-ples coordenação interempresarial).”

Tenho por mais acertado o segundo posiciona-mento.

Primeiro, porque ainda vige no ordenamento jus-constitucional interno, com status de supralegalidade, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto n. 591/1992), cujo art. 2º, § 1º, im-põe a progressividade dos direitos sociais, mormente no campo da legislação, de modo que é inaceitável regredir nessa matéria.

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Segundo, pela própria técnica legislativa. Segun-do o art. 11, inciso III, alínea c, da Lei Complementar n. 95/1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme deter-mina o parágrafo único do art. 59 da Constituição da República, para a obtenção de ordem lógica, a lei deve expressar, por meio de parágrafos, aspectos complemen-tares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida. Ou seja, a regra reside no caput do art. 2º da CLT, que é a da responsabilização do conglomerado econômico que assume os riscos da atividade econômica.

Terceiro, porque o § 2º do art. 2º traz aspectos com-plementares ao caput, ou seja, explicita em que circuns-tância o conglomerado econômico responderá pelos créditos trabalhistas: a coordenação interempresarial, o que abarca, por certo, a mera identidade de sócios que agem em coordenação.

Quarto, porque o § 3º do art. 2º traz exceção à regra prevista no caput, de modo que, como bem colocaram Delgado e Delgado (2017, p. 101), a exceção – a qual deve ser tida como tal, ou seja, como uma exceção, que demanda interpretação restritiva – apenas afasta o regramento ge-ral, quanto à “mera identidade de sócios”, na hipótese de em que “a participação societária de um ou outro sócio nas empresas envolvidas seja minúscula, irrisória, absolutamente insignificante”. Não o sendo, aplica-se a regra, isto é, o reconhecimento do grupo econômico, na forma do art. 2º, caput e § 2º, da CLT.

Não olvidemos, como brilhantemente expôs Ca-naris (2008, p. 66-67), que o ordenamento jusconstitu-cional deve ser concebido a partir de um regramento de justiça, de natureza valorativa, de modo que o sistema a ele (ao ordenamento) correspondente só pode ser uma ordenação axiológica ou teleológica – na qual o sentido te-leológico não é utilizado no sentido estrito de pura co-nexão de meios aos fins, mas no sentido mais lato de reali-zação de escopos e de valores, que tem seu ápice, no Direito do Trabalho, com a inclusão social dos trabalhadores, de modo que, quando a legislação traz conceitos artificiais com o único objetivo de retirar o manto protetivo da le-gislação, a partir de interesses puramente liberais – em ignorância ao fato de que a livre iniciativa deve também ter um valor social (art. 1º, IV, da Constituição), ela ape-nas positiva o “não direito”, nada mais.

Referências bibliográficas

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e con-ceito de sistema na ciência do direito. Lisboa: Funda-ção Calouste Gulbenkian, 2008.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os co-mentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2018.

TECNOLOGIA, CRISE E REFORMA TRABALHISTA: O CASE BRASILEIRO

Denise FincatoPós-Doutora em Direito do Trabalho pela Universidad Complutense de Madrid (2017). Doutora em Direito pela Universidad de Burgos

(2001). Professora Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-RS. Advogada trabalhista, sócia de Souto Correa, Cesa,

Lummertz e Amaral Advogados.

As crises econômicas em Estados e continentes até então tidos como estáveis e seguros quebraram diversos paradigmas e fizeram ali descontruir-se o Di-reito do Trabalho clássico, eminentemente social e ga-rantista, para erigir-se um novo modelo, pautado na sustentabilidade e na flexisegurança.

Além disto, fenômenos como a automação, ro-botização e Inteligência Artificial têm influenciado os espaços produtivos, transformando os métodos de prestação de serviços e, sobretudo, reduzindo postos de trabalho subordinado. Países desenvolvidos têm constante adaptação de suas legislações trabalhistas, especialmente alterando seu foco de proteção, antes o trabalhador, para, agora, o trabalho.

Globalização, Tecnologia e Crise Econômica têm sido apontados como os grandes vetores das reformas trabalhistas de países como Espanha, França, Itália, Portugal e Inglaterra. No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é documento legislativo da chamada “Era Vargas”, datado de 1943, e que reuniu a legislação trabalhista, então esparsa, em documento único. Sem sombra de dúvidas, tratou-se, para a época, de um tremendo avanço nas relações de trabalho, ali-nhando o Brasil com países como Itália e França. Desde então e mesmo passando pela Constituição Federal de 1988, não se operaram grandes alterações em sua lógi-ca e estrutura, o que ultimamente requeria verdadeiros malabarismos interpretativos a juristas e habilidades técnico-jurídicas aos empregadores.

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A Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) teve origem em proposta do Governo Federal, sofreu alte-rações quanti e qualitativas na Câmara dos Deputados e quando de sua passagem pelo Senado da República gerou intenso debate jurídico e algum desconforto so-cial, o que não impediu sua aprovação também naquela casa. Sua promulgação pelo Presidente da República se deu em 13 de julho de 2017, sem qualquer veto ou alteração, com vacatio legis de 120 dias, alterando cerca de 1/3 dos artigos da CLT, com algumas incursões, ain-da, na Lei de Contratos Temporários. A exposição de motivos do projeto original (PL n. 6.787/2016) indica a intenção de alinhar o país ao cenário internacional no tocante à regulamentação e funcionamento das relações de trabalho (individuais e coletivas), constituindo-se parte importante do documento.

A crise é sempre indicada como impulsionadora de reformas trabalhistas. No entanto, é preciso resga-tar o que, para o trabalho, tomou-se como conceito de crise. Superando-se a compreensão popular, pejora-tiva e carregada de negatividade, a(s) crise(s) é (são) oportunidade(s) de crescimento e transformação, de adaptação das velhas estruturas e modelos aos novos cenários, protagonistas e funções.

No meio trabalhista, é imprescindível observar os efeitos da potencial ausência de limites territoriais (transnacionalização do trabalho) imposta pela globali-zação e a dinamicidade das transformações ditada pelo irrefreável incremento tecnológico, especialmente pela inserção das tecnologias da comunicação e informação no setor dos serviços.

A “Modernização do Direito do Trabalho”, por-tanto, deve atender ao novo trabalho, um trabalho transnacional e tecnológico, por contingência e evolu-ção. De outro lado, o que se observa, é que as reformas, em verdade, respondem às crises econômicas e ajustam os contratos aos fluxos e influxos da economia, pouco importando os fenômenos retro apontados.

Entretanto, este e outros estudos sobre Reformas Trabalhistas devem ser estimulados e levados a cabo, especialmente em caráter comparativo. A realidade é inconteste: os números brasileiros não são bons e, espe-cialmente quando conjugados, revelam cenário de difícil recuperação a curto e médio prazo. Pois, este mesmo ce-nário levou outros países (como Espanha, Portugal, Itália e França, p. ex.) a apressarem suas reformas e, até, a tor-narem-nas mais agudas e rotineiras. Destarte, acredita-se que novas e sucessivas propostas reformistas surgirão no Brasil nos próximos anos e a experiência vivida entre os anos de 2016 e 2017 terá sido valiosa ao debate e amadu-recimento dos envolvidos, sejam integrantes do Estado (executivo, legislativo ou judiciário), representantes de trabalhadores ou de empregadores, quiçá preparando--os para o necessário diálogo social, único caminho para convergências e pacificação de ânimos.

Por certo que a conduta de acomodação e não--atualização da legislação no Brasil leva à sensação de grande impacto nos momentos de reforma, igualmen-te ao que ocorreu diante de outras grandes alterações legislativas deste país, retardadas demasiadamente, geradoras de grande abalo e perda momentânea de re-ferências quando apresentadas à sociedade.

De se destacar igualmente que a hiperatividade do Poder Judiciário em seu ramo especializado do Tra-balho, especialmente nos últimos anos, gerou reações especialmente voltadas a frear a superprodução de verbetes de Súmulas, Orientações e Precedentes, assim como a fazer ponderar sua intervenção em negócios ju-rídicos coletivos legalmente formalizados.

São tempos tumultuados em território brasileiro: vive-se uma crise política sem precedentes e visualiza--se corrupção em todos os níveis de poder, o que, so-mado à reforma trabalhista e previdenciária (ainda em proposta), traz ao povo a sensação (legítima) de que pa-gará a conta sozinho. A resolução deveria ser sistêmi-ca e operar sistemicamente é demasiado complexo em países latinos, com o perdão da generalização. Este é o custo do mau momento da reforma, que deveria servir à revisão e modernização das estruturas da legislação trabalhista e não a jogos de poder ou singela redução de custos. Esta, assim como a consequente melhor dis-tribuição das riquezas geradas de tal austeridade, deve ser resultado de ajustes gerais ou pontuais, mas dinâ-micos e constantes em diversas áreas, não apenas na trabalhista.

No entanto, no tocante às Reformas Trabalhis-tas, demonizar ou endeusar uma ou outra proposta não parece ser a saída. Comportamentos neste sentido (infeliz regra na atualidade brasileira) apenas acirram os ânimos, impedindo as racionalizações necessárias, tornando míopes visões que carecem de amplitude. Se reformar por reformar não é adequado, também não o é impedir a reforma por comportamento reacionário. De fato, a Lei n. 13.467/2017 não é dos melhores textos le-gais, mas há tempos a CLT de 1943 também deixou de sê-lo. Um grande pacto nacional em prol do diálogo e da convergência seria o melhor dos mundos mas, este, também não é habitado por corruptos, coléricos e/ou atécnicos.

De tudo e por fim, um último registro: o Direito (especialmente em sua ramificação laboral) não vive sem a economia, mesmo sendo o trabalho um fenômeno eminentemente social. Enquanto polarizações seguirem buscando fazer valer o viés econômico desvinculado do social e vice-versa, a sociedade não chegará ao ponto de equilíbrio em que haverá suficiente maturidade para flexibilizar relações, na medida do interesse dos grupos ou das pessoas, tomando por lastro protetivo inarredá-vel os direitos fundamentais sociais – base principioló-gico-jurídica de Estados democráticos.

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REFORMA TRABALHISTA: DIREITO DO TRABALHO E INTERTEMPORALIDADE

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado

em 1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar

geral no Processo Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços

Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São

Paulo: LTr, 2015).

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, decretado pelo Decreto n. 591/1992 e que ostenta, no direito interno, posição hierárquico--normativa de supralegalidade, dada a sua natureza de tratado internacional de direitos humanos, estabelece, no art. 2º, § 1º, a progressividade como característica in-trínseca aos direitos econômicos, sociais e culturais – in-clusive através da adoção de medidas legislativas.

O art. 7º, caput, da Constituição, ao estabelecer um rol de direitos mínimos, sem prejuízo de outros que vi-sem à melhoria da condição social dos trabalhadores, persegue a característica intrínseca dos direitos sociais, reconhecida internacionalmente, porém repartida em duas importantes premissas: de um lado, veda o retro-cesso social (à semelhança do efeito cliquet dos direitos humanos); de outro, estabelece cláusula de avanço so-cial, tal qual faz o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ZWICKER, 2015).

O art. 114, § 2º, da Constituição determina o res-peito às disposições mínimas legais de proteção ao trabalho e ao que restou convencionado pelas partes, anteriormente.

Nesse mesmo sentido, o art. 444 da CLT prevê que, embora as relações contratuais de trabalho possam ser objeto de livre estipulação, não podem contravir as dis-posições de proteção ao trabalho, às normas coletivas de trabalho aplicáveis e às decisões das autoridades com-petentes. Já o art. 468 da CLT admite apenas as alterações contratuais por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuí-zos ao empregado, sob pena de nulidade (art. 9º da CLT).

Segundo Delgado (2018, p. 281-282), pelo princí-pio da aderência contratual, “a aderência das normas jurídicas tende a ser relativa, ao passo que a aderência das cláusulas tende a ser absoluta”. Isso porque, com relação à pactuação pelas partes (aderência de cláusulas contratuais), o art. 468 da CLT já é satisfatório em ve-dar, expressamente, o prejuízo ao empregado. Quanto à aderência legislativa, Delgado explicita o seguinte:

“Por outro lado, a aderência contratual tende a ser apenas relativa no tocante às normas jurídicas. É

que as normas não se incrustam nos contratos empre-gatícios de modo permanente, ao menos quando refe-rentes a prestações de trato sucessivo. Ao contrário, tais normas produzem efeitos contratuais essencialmente apenas enquanto vigorantes na ordem jurídica. Extinta a norma, extinguem-se seus efeitos no contexto do con-trato de trabalho. Tem a norma, desse modo, o poder/atributo de revogação, com efeitos imediatos – poder/atributo esse que não se estende às cláusulas contra-tuais.” (DELGADO, 2018, p. 282)

Porém, em que pese a diretriz acima, Delgado e Delgado (2017, p. 371) bem reconhecem a situação de perplexidade em se decidir sobre intertemporalidade diante da “Reforma Trabalhista”, consubstanciada na Lei n. 13.467/2017 e na Medida Provisória n. 808/2017, essa última com a vigência encerrada e perda da eficá-cia(1), a saber:

“No plano do Direito Material do Trabalho, en-tretanto, desponta dúvida com relação aos contratos já vigorantes na data de vigência da nova lei, ou seja, con-tratos precedentes a 13 de novembro de 2017. Há argu-mentos nas duas direções. De um lado, há ponderações no sentido de que a Lei n. 13.467/2017 atinge, a partir de 13.11.2017, todos os contratos de trabalho existentes no País, mesmo os contratos antigos, pois correspon-dem a contratos de trato sucessivo, com parcelas que se vencem reiteradamente ao longo do tempo. Nesse qua-dro, as parcelas antigas estariam preservadas, porém as parcelas subsequentes a 13.11.2017 estariam alcançadas pela lei nova. De outro lado, há ponderações no sentido de que a Lei n. 13.467/2017 teria de respeitar o direito adquirido pelos trabalhadores, em seus contratos de trabalhos antigos, não podendo modificar o conteúdo

(1) A Medida Provisória n. 808/2017 não foi convertida em lei dentro do prazo exigido pelo art. 62, § 3º, da Constituição da República, de modo que perdeu a eficácia, desde a edição, e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23.04.2018 (Ato Declaratório n. 22/2018, do Congresso Nacional). Caberá agora ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, sob pena de as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservarem-se por ela regidas (art. 62, §§ 3º e 11, da Constituição da República).

46 LTr - Jornal do Congresso

de tais contratos, ainda que esse conteúdo tenha sido criado, tempos atrás, por regra legal. Tais ponderações valem-se, como fundamento, de distintas normas da Constituição da República – todas imperativas, a pro-pósito: art. 5º, XXXVI (respeito ao direito adquirido); art. 5º, § 2º (princípio da vedação do retrocesso so-cial); art. 7º, caput (princípio da norma mais favorável); art. 7º, VI (princípio da irredutibilidade salarial).”

Particularmente, entendo que se mantém correta a segunda direção acima descrita, mas não preciso re-correr a tantos argumentos.

Com efeito, a Constituição, nos seus arts. 7º, caput, e 114, § 2º, não admite o retrocesso social, nem em sede de direito individual nem em direito coletivo, de modo que aos trabalhadores é garantida a higidez quanto a direitos já conquistados. Tal higidez se relaciona direta-mente ao equilíbrio do Estado Democrático de Direito, na medida em que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, entre outros, o de cons-truir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da Constituição).

De outra banda, no julgamento dos recursos ex-traordinários ns. 349.703/RS e 466.343/SP e dos habeas corpus ns. 87.585/TO e 92.566/SP (Informativo n. 531 do STF), o Supremo Tribunal Federal pacificou a questão quanto à posição hierárquico-normativa de tratados in-ternacionais, de modo que, se são sobre direitos huma-nos, mas sem a aprovação pelo quórum qualificado do art. 5º, § 3º, da Constituição, inclusive os já ratificados em momento anterior ao advento da Emenda Constitu-cional n. 45/2004, têm natureza e hierarquia supralegal e imprimem à legislação infraconstitucional contraditó-ria eficácia paralisante.

Nesse diapasão, é imposição do Pacto Interna-cional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ao Estado brasileiro o compromisso de adotar medi-das, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas (art. 2º, § 1º).

A “Reforma Trabalhista”, inequivocamente, traz diversos pontos de extrema precarização e retrocesso social. Assim, deve-se avaliar, caso a caso, em que ponto o contrato de trabalho, vigente em momento anterior à “Reforma Trabalhista”, representa retrocesso – ou, em termos mais palpáveis, prejuízo direto ou indireto ao trabalhador. Nesses pontos, a lei não tem o condão de aderir aos contratos de trabalho, ainda que se considere que sejam pactos de trato sucessivo.

Tenha-se em mente que o Pacto Internacional so-bre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, por osten-tar posição hierárquico-normativa de supralegalidade, imprime eficácia paralisante na “Reforma Trabalhista” e em qualquer outra norma infraconstitucional que lhe seja contrário ou desfavorável, em quaisquer de seus termos.

Desse modo, a fim de manter hígido o compro-misso internacional assumido pelo Brasil, de adotar medidas legislativas que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores, é certo que, pelo menos, man-

tenham-se intactos os contratos de trabalho celebrados em momento anterior ao advento da “Reforma”.

Registre-se que esse entendimento não é novida-de ou algo inovador.

A Lei n. 7.369/1985 garantia aos empregados que exercessem atividade no setor de energia elétrica, em condições de periculosidade, o direito a uma remu-neração adicional de trinta por cento “sobre o salário que perceber”, ou seja, sobre a totalidade dos salários. A Lei n. 12.740/2012, por sua vez, revogou in totum a Lei n. 7.369/1985 e passou a prever, para os emprega-dos eletricitários, a percepção do adicional de pericu-losidade apenas sobre o salário básico, em evidente retrocesso social.

A Súmula n. 191 do Tribunal Superior do Traba-lho previu, porém, que o adicional de periculosidade do empregado eletricitário contratado sob a égide da Lei n. 7.369/1985 ficaria mantido, e a alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade, promovida pela Lei n. 12.740/2012, atingiria somente os contratos de trabalho firmados a partir de sua vigência. Veja-se que, aqui, mitigou-se a aderência relativa da legislação em sentido estrito.

Por fim, registre-se que a Justiça do Trabalho é a “justiça dos desempregados” por falta de compromisso com a legislação. Imagino que uma parcela dos leitores deva estar pensando que, levado a cabo o entendimen-to aqui manifestado, basta ao empregador dispensar seus empregados regidos à luz da legislação anterior e contratar outros à luz da “Reforma Trabalhista”.

Para essas situações, não custa lembrar que a Lei n. 9.029/1995 prevê ser proibida a adoção de qual-quer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho ou de sua manutenção; o rol ali contido é meramente exemplificativo, seja pela forma-ção da jurisprudência, seja pela própria legislação, a partir da Lei n. 13.146/2015, que acrescentou no art. 1º da Lei n. 9.029/1995 a expressão “entre outros”(2).

(2) Dispensa decorrente do ajuizamento de reclamação trabalhista. Prática discriminatória. Art. 1º da Lei n. 9.029/1995. Rol exemplificativo. Reintegração devida. O rol de práticas consideradas discriminatórias previsto no art. 1º da Lei n. 9.029/1995 sempre foi meramente exemplificativo, mesmo antes da alteração introduzida pela Lei n. 12.146/2015, que somente acrescentou a expressão “entre outros”. Ao efetuar a referida modificação, o objetivo do legislador foi apenas deixar evidente o que já estava estabelecido na redação original do dispositivo, ou seja, a vedação a qualquer atitude discriminatória que impeça o acesso ou a manutenção de relação de trabalho. Assim, na hipótese dos autos, em que houve a comprovação da ocorrência de dispensa retaliatória em razão de ajuizamento de reclamatória trabalhista anterior, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, deu-lhes provimento para determinar a reintegração do reclamante ao emprego, com o pagamento de todas as verbas devidas no período de afastamento, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros (art. 4º, I, da Lei n. 9.029/1995). Vencidos os Ministros Guilherme Augusto Caputo Bastos e Renato de Lacerda Paiva, os quais entendiam que, em razão da dispensa do autor ter se dado em julho de 2013, a ele se aplica a redação original do art. 1º da Lei n. 9.029/1995, que não comportava interpretação extensiva, na medida em que apresentava rol taxativo referente a condições pessoais do empregado (sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade), não englobando, portanto, o caso da dispensa em razão de ajuizamento de ação. TST-E-RR–807-35.2013.5.09.0892, SBDI-I, rel. Min. Brito Pereira, 26.10.2017. Informativo n. 168 do TST.

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Referências bibliográficas

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Traba-lho. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os co-

mentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

ZWICKER, Igor de Oliveira. Súmulas, orientações juris-prudenciais e precedentes normativos do TST. São Paulo: LTr, 2015.

DISCRIMINAÇÃO ESTÉTICA E DESEMPREGO: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA NO PROCESSO DE ADMISSÃO

DE EMPREGADOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Lucas de Sá MarinhoGraduando em Direito na Universidade de Marília.

Mesmo com importantes conquistas sociais ocor-ridas ao longo das últimas décadas, a valorização esté-tica nas relações de trabalho vem se tornando cada vez mais comum na sociedade contemporânea. Com efei-to, essa valoração acarreta situações discriminatórias e preconceituosas que afetam a inserção dos indivíduos no mercado de trabalho, violando direitos e garantias fundamentais expressamente previstos nos arts. 1º, in-ciso III; 3º, inciso IV; 5º, caput e inciso I, 7º, inciso XXX; e 170, incisos VII e VIII da Constituição Federal que se destinam a promover o tratamento igualitário e digno aos indivíduos, bem como a redução de desigualdades sociais e a busca do pleno emprego.

No âmbito trabalhista discriminação está asso-ciada a uma conduta praticada com a finalidade de promover distinção, exclusão ou preferência do em-pregado em decorrência de sua raça, cor, sexo, religião, opinião pública, ascendência nacional ou origem social, isto é, destruir ou alterar a igualdade de oportunidades, de tratamento entre empregados ou de profissões com base em critérios injustificados ou injustos.

Por seu turno, o ato discriminatório se torna esté-tico na medida em que o critério utilizado se interliga com a aparência do indivíduo, sendo este diferenciado por algum atributo relacionado à sua imagem que não corresponde a padrões de beleza impostos a época, vez que os padrões estéticos sofrem constantes modifica-ções, sendo variáveis no tempo e no espaço por diver-sos fatores sociais, culturais, políticos e/ou religiosos. Para Aldacy Rachid Coutinho, a discriminação por razões estéticas se relaciona com o ato de preferir ou ofertar oportunidades a pessoas, levando em conta suas características pessoais, sem nenhuma pertinência com as atividades próprias do trabalho prestado.

Essa prática discriminatória está associada, prin-cipalmente, com a liberdade e autonomia do emprega-

dor, detentor do poder de direção e comando da ativi-dade profissional frente à relação contratual.

Por outro lado, a discriminação estética pode se dar antes mesmo da formação do contrato de traba-lho, essa fase também conhecida como pré-contratual caracteriza-se pela ampla liberdade do empregador em decidir a quantidade de empregados que irá contratar, bem como quais os critérios que serão utilizados para o preenchimento das vagas colocadas a disposição.

Durante esse momento é comum que os candida-tos à vaga de emprego passem por testes, entrevistas ou outros métodos utilizados pela empresa para o preen-chimento da oportunidade oferecida, é neste momento que muitas práticas discriminatórias acontecem devido ao excesso do empregador ao estabelecer os critérios a serem utilizados para a admissão do candidato.

Vale ressaltar que a utilização de critérios no pro-cesso de admissão é totalmente permitida no que se refere à qualificação do candidato ou a outra caracte-rística profissional para a contratação, o que não pode ocorrer é a discriminação de um ou alguns dos candida-tos por motivos ilegítimos.

Diz-se que há discriminação estética nessa fase quando o empregador ou entrevistador analisa a apa-rência do candidato considerando suas características físicas, com o objetivo de examinar se o mesmo atende os padrões estéticos exigidos pela empresa, de modo que o indivíduo não é selecionado em decorrência de sua aparência, sem, contudo, ser observado às qualifi-cações profissionais para a oportunidade do emprego. Segundo Christiani Marques é preciso maior cuidado na fase pré-contratual, isto, pois há casos em que o can-didato, embora qualificado, não desperta simpatia no empregador, ora porque é preconceituoso em relação a alguma conduta, ora porque entende que determinada característica estética pode causar maiores custos, ora

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porque seus clientes não aceitariam a pessoa devido a algum aspecto relacionado à sua aparência.

Ademais, a comprovação da discriminação estéti-ca ocorrida durante a fase pré-contratual é dificilmente comprovada, isto, pois aqueles que a praticam defen-dem não estar cometendo ato discriminatório, sob o fundamento de que se trata de requisito necessário para a o preenchimento da vaga ou, ainda, para o exercício da função de forma adequada.

Forçoso é concluir que a discriminação estética acaba contribuindo com o aumento do desemprego, de maneira que ao ser praticada tem por consequência a não inserção do indivíduo no mercado de trabalho.

Por ser o desemprego um dos grandes problemas sociais enfrentados na atualidade, justamente por cor-responder à falta de trabalho que atinge a população ativa, isto é, aqueles que, embora possuam condições e idade para trabalhar, não conseguem se inserir no mer-cado de trabalho por diversos motivos e que, em razão da discriminação estética, ficaria mais acentuado ainda.

Nota-se que apesar do candidato possuir a quali-ficação necessária para a vaga de emprego, o mesmo é eliminado durante a fase admissional em decorrência da adoção de critérios que nada tem haver com sua ca-pacidade profissional, seja porque está acima do peso ideal, seja por usar piercings ou tatuagens, ou ainda, pela forma de cabelo ou barba, entre outros fatores dis-criminatórios, fazendo com que os candidatos vítimas dessa prática permaneçam com o status de desempre-gados.

Por consequência, o Direito do Trabalho visto como direito social fundamental, que visa promover a proteção ao trabalhador em meio a transformações his-tóricas, sociais e econômicas, associadas ao crescimento urbano e desigualdades sociais, não consegue garantir uma eficácia de proteção, pois ainda dependemos da criação de normas que pudessem coibir de forma mais efetiva, todas e quaisquer formas de discriminação.

Nesse sentido, o processo de admissão de empre-gados deve estar em consonância com princípios basi-lares e norteadores do ordenamento jurídico brasileiro, destacando-se o princípio da dignidade da pessoa hu-mana, da isonomia e da não discriminação, sendo proi-bida a utilização de critérios que não estejam relacio-nados com a qualificação do candidato durante a fase admissional.

Por fim, o aumento da discriminação nas relações de trabalho vem promovendo o surgimento de novos dispositivos legais que objetivam evitar e amparar as ví-timas de atos discriminatórios. A Lei n. 9.029/95 proibiu a ocorrência de práticas discriminatórias para efeitos ad-missionais ou de permanência da relação jurídica de tra-balho, ademais, a recente Lei n. 13.467/2017 conhecida como Reforma Trabalhista, inseriu o Título II-A na Con-solidação das Leis do Trabalho, disciplinando os danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho, não sendo mais necessário buscar amparo legal no Có-digo Civil Brasileiro para tratar da matéria, compreen-dendo os danos extrapatrimoniais toda ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, garantido o direito a reparação.

Referências bibliográficas

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. Discriminação por sobrequalificação. Revista da Faculdade de Di-reito/Universidade de São Paulo, 2008.

MARQUES, Christiani. O contrato de trabalho e a discri-minação estética. São Paulo: LTr, 2002.

COUTINHO, Aldacy Rachid. Relação de gênero no mercado de trabalho; uma abordagem da discri-minação positiva e inversa. Revista da Faculdade de Direito UFPR, 2000.

Lei n. 9.029/1995. Disponível em:<http://www.planal-to.gov.br/ccivil_03/leis/l9029.htm> Acesso em: 11 abr. 2018.

O EXAME DE NORMA COLETIVA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO E A DUPLA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ART. 8º, § 3º, DA CLT

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado

em 1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar

geral no Processo Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços

Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São

Paulo: LTr, 2015).

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Na perspectiva humana, a Carta Cidadã foi revolu-cionária(1). Diferentemente das anteriores, a Constituição atual fez uma opção e quis mostrar, desde o início do seu texto, ideais e valores supremos que devem bem delinear e formatar a concepção jurídica de Estado Democrático de Direito, visto “não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social” (STRECK; MORAIS, 2013, p. 113).

A Constituição traz, já no Título I, aqueles que serão seus princípios fundamentais. Desse conteúdo ju-rídico, colhemos premissas norteadoras de toda a pre-missa constitucional pensada pelo Estado Democrático de Direito: a cidadania (art. 1º, II), a dignidade humana (art. 1º, III), os valores sociais do trabalho e os valores sociais da livre iniciativa (art. 1º, IV), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), a er-radicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), a pro-moção do bem de todos (art. 3º, IV) e o reconhecimento, de alcance global, da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II) e do dever de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX).

Os direitos sociais têm relevo, em sua essência, nos arts. 6º e seguintes da Constituição, com registro de que, por fazerem parte do Capítulo II do Título I, são considerados, tal qual os direitos e deveres individuais e coletivos, direitos e garantias fundamentais, de aplicação imediata, na forma do art. 5º, § 1º, que faz referência ao texto expresso no Título I – e não no Capítulo I –, “de tal sorte que todas as categorias de direitos fundamentais estão sujeitas, em princípio, ao mesmo regime jurídi-co” (SARLET, 2013, p. 514-515). Sobre a qualidade do direito social como um direito eminentemente humano, a demandar proteção do Estado, observa Balera (1989, p. 17) que “o constituinte coloca, pois, a proteção social como um dos direitos humanos cuja garantia é a pró-pria Lei Maior”.

Ainda quanto à sua proteção, os direitos sociais têm em seu favor o princípio da vedação ao retrocesso social, bem explicitado na cabeça do art. 7º da Constituição, “a coibir medidas de cunho retrocessivo” que “venham a desconstituir ou afetar gravemente o grau de concreti-zação já atribuído a determinado direito fundamental (e social), o que equivaleria a uma violação à própria Constituição” (SARLET, 2013, p. 542-543).

Porém, a simples vedação ao retrocesso social não satisfaz a Carta Cidadã, considerada a necessidade pre-mente da vida, de se caminhar para frente, de evoluir, de agir, de tornar efetiva a promessa constitucional uma sociedade livre, justa e solidária. Nesse sentido, a Cons-tituição consagra autêntica “cláusula de avanço social” (ZWICKER, 2015, p. 152), quando elenca, no art. 7º, di-reitos mínimos além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

Segundo o STF, “o princípio da proibição do re-trocesso impede, em tema de direitos fundamentais de

(1) Revolucionária, mas tardia, como é a tradição brasileira. Basta lembrar que Georg Jellinek (1851-1911), ao comentar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789), em compasso com outros atos constitucionais da época, disse o seguinte: “Em todas essas Constituições, a declaração de direitos ocupa o primeiro lugar. Somente em segundo lugar vem juntar-se o plano ou o quadro de governo.” (JELLINEK, 2015:95).

caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive”(2). Ainda segundo a Suprema Corte, as normas constitucionais que consagram direitos sociais possuem caráter cogente e vinculante, inclusive aque-las de conteúdo programático, que veiculam diretrizes públicas(3).

Essa também é a ideologia consagrada no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Cul-turais (Decreto n. 591/1992), que ostenta posição hie-rárquico-normativa de supralegalidade no ordenamento jurídico brasileiro e traz a ideia de progressividade dos direitos sociais. Neste sentido, extrai-se da vedação ao retrocesso “um vetor dinâmico e unidirecional positivo, que impede a redução do patamar de tutela já conferido à pessoa humana” (BONNA, 2008, p. 60).

Dito isso, e partindo-se do conteúdo axiológico--teleológico do caput do art. 7º da Constituição, temos que é regra comezinha de leitura e interpretação das leis, conforme Lei Complementar n. 95/1998, a qual dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consoli-dação das leis, conforme determina o art. 59, parágrafo único, da Constituição, que as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica e que, para a obtenção de ordem lógica, entre outros, a norma deve promover as discriminações e enume-rações por meio dos incisos, sendo o caput do artigo o locus da regra geral, de onde se subordinam tais incisos (art. 11, III, c e d, da Lei Complementar n. 95/1998).

Nesse diapasão, o art. 7º, XXVI, da Constituição, ao proclamar o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”, assim o faz, por certo, a partir do núcleo duro positivado no caput do próprio artigo, ou seja, somente é materialmente válida a nor-ma coletiva de trabalho que proporcione a melhoria da condição social dos trabalhadores. Para tanto, a itera-tiva, atual e notória jurisprudência do TST reconhece, como meio de perquirição, a teoria do conglobamento, segundo a qual “devemos utilizar o conjunto normativo mais favorável, examinado na sua integralidade”, em contraponto à teoria da acumulação ou teoria atomista, “segundo a qual a norma mais favorável deve ser en-contrada em dado conjunto normativo aplicando-se as disposições mais favoráveis ao trabalhador” (FRANCO FILHO, 2018, p. 410).

Entrementes, considerada a competência da Jus-tiça do Trabalho processar e julgar ações entre sindica-tos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores e outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma do art. 114, III e IX, da Constituição, por certo é atribuição dessa Justiça Espe-cializada avaliar o conteúdo material das convenções e acordos coletivos de trabalho celebrados entre os sin-dicatos das categorias profissionais e as empresas ou sindicatos das categorias econômicas.

A “Reforma Trabalhista”, ao inserir o § 3º no art. 8º da CLT e dizer que, no exame de convenção co-letiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Tra-balho analisará “exclusivamente” a conformidade dos

(2) STF, ARE n. 639.337 AgR/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 23.08.2011.

(3) STF, RE n. 581.352 AgR/AM, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 29.10.2013.

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elementos essenciais do negócio jurídico (art. 104 do Código Civil), ou seja, conferindo à Justiça do Trabalho apenas a análise formal das normas coletivas de traba-lho, incorre em duas gravíssimas inconstitucionalidades de cunho material.

Primeiro, porque burla e tergiversa uma regra de competência, inserida no art. 114, III e IX, da Constitui-ção. Não cabe à legislação infraconstitucional limitar a competência quando a própria Carta Cidadã não o fez. Segundo, porque afronta direta e literalmente o acesso à jurisdição e à ordem jurídica justa, em afronta direta e literal ao art. 5º, XXXV, da Constituição.

A título comparativo, registre-se que o Ministro Marco Aurélio (STF), ao concluir, nas ADIs ns. 2.382, 2.425 e 2.479, pela inconstitucionalidade do art. 29-B da Lei n. 8.036/1990, que diz não ser cabível medida liminar em mandado de segurança, no procedimen-to cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, nem a tutela antecipada, que impliquem saque ou movimentação da conta vincula-da do trabalhador no FGTS, viola a cláusula prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário le-são ou ameaça a direito, pois tal conteúdo é abrangente e, por isso, o Judiciário não pode ser tolhido pelo dispositivo em questão(1). Há, aqui, a mesma razão, de modo que deve prevalecer a mesma disposição (ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio).

(1) Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticia Detalhe.asp?idConteudo=372301>. Acesso em: 18 mar. 2018.

INCONSTITUCIONALIDADE DA SOBREPOSIÇÃO DO NEGOCIADO EM RELAÇÃO AO LEGISLADO NA LEI N. 13.467/2017 E A DIGNIDADE

DO TRABALHADOR

Leda Maria Messias da Silva

Pós-doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Lisboa, em

Portugal; Doutora e Mestre em Direito do Trabalho, pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo-SP; Ex-professora da Universidade

Cândido Mendes e da Universidade Sreder Bastos, no Rio de

Janeiro-RJ; Professora do Mestrado em Ciências Jurídicas e da

graduação em Direito do Centro Universitário de Maringá-PR;

Professora da Graduação e da Pós-graduação da Universidade

Estadual de Maringá-PR; Pesquisadora do Instituto Cesumar de

Ciência, Tecnologia e Inovação; Bolsista Produtividade em Pesquisa do

ICETI e advogada.

Desse modo, conclui-se, a cláusula de convenção ou acordo coletivo de trabalho pode ser anulada, pela Justiça do Trabalho, tanto sob o prisma formal, quando não estiver em conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico (art. 8º, § 3º, da CLT), quanto sob o prisma material, quando não promover a melhoria da condição social dos trabalhadores (art. 7º, caput e XXVI, da Constituição).

Referências bibliográficas

BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

BONNA, Aline Paula. A vedação do retrocesso social como limite à flexibilização das normas trabalhis-tas brasileiras. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 47, n. 77, p. 51-66, jan./jun. 2008.

FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2018.

SARLET, Ingo Wolfgang. In: CANOTILHO, José Joa-quim Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva/Almedina: São Paulo/Portugal, 2013.

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luis Bolzan de. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. Comen-tários à Constituição do Brasil. Saraiva/Almedina: São Paulo/Portugal, 2013.

ZWICKER, Igor de Oliveira. Súmulas, orientações juris-prudenciais e precedentes normativos do TST. São Paulo: LTr, 2015.

LTr - Jornal do Congresso 51

Introdução

Com o advento da Lei n. 13.467/2017, no mês de novembro de 2017, muitos debates surgiram em relação à constitucionalidade dos seus mais variados pontos. Esta Lei alterou mais de cem artigos da CLT, sem que o houvesse um devido cuidado e debate junto aos envolvidos, especialmente, os representantes dos empregados. O Cerne do debate nesta norma está na sobreposição do negociado ao legislado. Mas será que diante da norma constitucional vigente, isso seria pos-sível de fato? Para responder a esta questão, será neces-sário analisar o art. 7º da Constituição Federal, o qual determina de forma clara que “são direitos dos traba-lhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social” e, a partir daí, elenca uma série de direitos. Quando o legislador constitucio-nal estabelece no caput deste artigo o comando para que apenas outros que possam melhorar a condição social do trabalhador, está estabelecendo a regra da alteração in mellius (para melhor), em todas as situações cabíveis, e aplicando o princípio do “não retrocesso social” (que veda ao legislador suprimir de forma arbitrária direitos fundamentais, constitucionais ou não)?

Certamente, a Lei n. 13.467/2017, com o comando do negociado se sobrepor ao legislado, proporciona um desequilíbrio no meio ambiente de trabalho, pois per-mite que o trabalhador, dependente economicamente do seu empregador e subordinado, com um sindicato enfraquecido pela própria reforma, o represente. Isso porque, o sindicato, sem a sua principal fonte de cus-teio, a contribuição sindical obrigatória, ficou desprovi-do de meios para persuadir os trabalhadores e empre-gadores a participarem do seu quadro como associados, já que a convenção e o acordo coletivo serão aplicados a todos (efeito erga omnes), de qualquer jeito, sem ne-cessidade da associação dos mesmos. Isso implica em ferir a dignidade destes trabalhadores, conforme será demonstrado a seguir, bem como, o remédio para este mal, é a declaração da inconstitucionalidade da sobre-posição do negociado ao legislado.

Utilizar-se-á para responder aos questionamentos desta tese, o método indutivo, que a partir de questões específicas e particulares, gera conclusões.

2. O reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho e as exceções para a nego-ciação in pejus: dignidade do trabalhador

O caput, do art. 7º da Constituição Federal, fun-damenta o Princípio da Norma Mais favorável, o qual estabelece que diante de duas normas a tratar de um mesmo tema, aplicar-se-á, a norma mais favorável ao trabalhador. Neste mesmo artigo há três exceções para a não aplicação da norma mais favorável, as quais estão dispostas nos incisos V, XIII e XIV, ou seja, nos casos de irredutibilidade de salário, “salvo acordo ou convenção coletiva”; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facul-tada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante “acordo ou convenção coletiva de trabalho”; e jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo “negocia-ção coletiva”, respectivamente.

Logo adiante, no inciso XXVI, do mesmo art. 7º, da Constituição Federal, o Legislador estabelece o “re-conhecimento das convenções e acordos coletivos”. Portanto, está claro que as convenções coletivas e os acordos coletivos, reconhecidos sob o mesmo caput, do art. 7º, da Constituição Federal, o qual fundamenta o Princípio da Norma Mais Favorável e ao mesmo tempo retrata com clareza o não retrocesso social, não abriu outras exceções à negociação in pejus, em relação à Lei, a não ser aquelas que já estão expostas no próprio art. 7º, nos incisos já citados, que são exceções. As convenções coletivas, portanto, não poderiam ser instrumento para a negociação aquém do mínimo legal (Princípio das garantias mínimas, que estabelece que o mínimo legal tem que ser respeitado), mesmo que este esteja estabe-lecido numa Lei infraconstitucional. Portanto, quando no art. 611-A, da Lei n. 13.467/2017, conhecida como “Reforma Trabalhista”, o legislador infraconstitucional, estabeleceu que: “A convenção coletiva e o acordo co-letivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre (...)”, foi além de sua possibilidade, legislando norma inconstitucional. Ade-mais, estabeleceu um desequilíbrio na relação emprega-do e empregador, no meio ambiente do trabalho, o qual, conforme preconiza o art. 225 da Constituição Federal, dever ser equilibrado. Os Sindicatos no modelo manti-do pelo Legislador, retirando a sua principal fonte de custeio, mantendo a Unicidade Sindical (um único sin-dicato na mesma base territorial: “Mas, num modelo de liberdade sindical, os empregados têm o direito de es-colher, o que não acontece no sistema de unicidade”(1)) e aplicando a convenção coletiva, de qualquer forma, aos associados e não associados, desestimula a negocia-ção coletiva efetiva, com sindicatos fortes. A tendência é que, sem garantia geral de emprego, o trabalhador, diante da crise e desemprego, se afaste cada vez mais do sindicato, com medo de perder o seu emprego, por participar do sindicato como associado. Isso fica bem evidente, quando o legislador que, supostamente, pre-tendia dar muitos poderes ao sindicato, só lhe dá o que interessa, que é negociar preterindo a lei e para pior, pois em diversos momentos da reforma trabalhista, exclui este mesmo sindicato. Estes casos são evidentes, como na homologação da rescisão contratual, na jor-nada 12x36 (a Medida Provisória n. 808/2017, corrigia isso, mas caducou em 23.4.18) e no banco de horas, se estipulado até seis meses. Apenas onde lhe interessava, deu supostos poderes aos sindicatos, como para quitar os contratos de trabalho anualmente e, principalmente, no caso do negociado se sobrepor ao legislado, que está em discussão. Portanto, ao manter esta possibilidade, fere-se a dignidade do trabalhador, que sequer terá um sindicato forte para defendê-lo, salvo raras exceções.

3. Conclusões

Diante do exposto, conclui-se que é inconstitu-cional a sobreposição do negociado ao legislado, pois o caput, do art. 7º, da Constituição Federal, estabeleceu o Princípio da Aplicação da Norma Mais Favorável e o não retrocesso social e, apenas, nas exceções expos-tas nos incisos VI, XIII e XIV, permite que a negociação

(1) NASCIMENTO, Amauri Mascaro (in memorian); NASCIMENTO, Sônia Mascaro; NASCIMENTO, Marcelo Mascaro. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 210.

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seja in pejus. Se assim não fosse, o Legislador não teria reconhecido as convenções e os acordos, sob a égide do mesmo caput, do art. 7º, da Constituição Federal. Por-tanto, estas não se prestam a causar um desequilíbrio na relação entre empregado e empregador, principal-mente, neste momento em que o modelo sindical ficou mais frágil. Os sindicatos perderam a sua principal fonte de custeio, no entanto, o legislador não condi-cionou a aplicação da convenção e o acordo coletivo, à associação sindical. Diante do elevado desemprego e sem garantia de estabilidade, a tendência é que o traba-lhador se afaste do sindicato e não veja atrativos para associar-se ao mesmo. Este elemento enfraquece, ainda mais, os sindicatos e estabelece, justamente, o contrário do que prega o art. 225 da Constituição Federal, ou seja, cria um ambiente desequilibrado e que fere a dignidade

do trabalhador, podendo trazer prejuízos irreparáveis, em longo prazo. A única forma de evitar estas conse-quências é a declaração de inconstitucionalidade do art. 611-A, da Lei n. 13.467/2017, que estabelece que a convenção coletiva e o acordo coletivo têm prevalência sobre a lei, preservando, pois, o Princípio de Direito do Trabalho, das Garantias Mínimas ao Trabalhador e o não retrocesso social.

Referências bibliográficas

NASCIMENTO, Amauri Mascaro (in memorian); NAS-CIMENTO, Sônia Mascaro; NASCIMENTO, Mar-celo Mascaro. Compêndio de direito sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 210.

REFORMA TRABALHISTA: PROCESSO DO TRABALHO E INTERTEMPORALIDADE

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado

em 1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar

geral no Processo Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito

do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços

Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São

Paulo: LTr, 2015).

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, decretado pelo Decreto n. 591/1992 e que ostenta, no direito interno, posição hierárquico--normativa de supralegalidade, dada a sua natureza de tratado internacional de direitos humanos, estabelece, no art. 2º, § 1º, a progressividade como característica in-trínseca aos direitos econômicos, sociais e culturais – in-clusive através da adoção de medidas legislativas.

A Constituição da República, na cabeça do art. 7º, ao estabelecer um rol de direitos mínimos, sem prejuízo de outros que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores, persegue a característica intrínseca dos direitos sociais, reconhecida internacionalmente, porém repartida em duas importantes premissas: de um lado, veda o retrocesso social (à semelhança do efeito cliquet dos direitos humanos); de outro, estabelece cláusula de avanço social, tal qual faz o Pacto Internacional sobre Di-reitos Econômicos, Sociais e Culturais (ZWICKER, 2015).

Schiavi (2018a, p. 183), com base na doutrina dominante, elenca os seguintes princípios processuais jungidos ao direito intertemporal:

“a) irretroatividade da lei;

b) vigência imediata da lei aos processos em curso;

c) impossibilidade de renovação das fases proces-suais já ultrapassadas pela preclusão ou teoria do isola-mento dos atos processuais já praticados.”

E acrescenta o autor, em outra obra (SCHIAVI, 2018b, p. 62):

“d) a lei vigente à época da interposição regerá o recurso, bem como os pressupostos objetivos e subjeti-vos de recorribilidade;

e) o recurso será processado e julgado à luz da lei vigente à época da interposição, salvo se a lei nova for mais benéfica ao recorrente.”

Estratificam tais princípios, em especial, os arts. 912 e 915 da CLT e os arts. 14 e 1.046 do CPC, a saber:

“Art. 912. Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação.

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Art. 915. Não serão prejudicados os recursos in-terpostos com apoio em dispositivos alterados ou cujo prazo para interposição esteja em curso à data da vi-gência desta Consolidação.

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respei-tados os atos processuais praticados e as situações jurí-dicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pen-dentes, ficando revogada a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.”

Ao comentarem o art. 14 do CPC, Wambier et al (2016, p. 82) bem traçam a distinção entre incidência imediata e retroativa. O efeito retroativo é proibido pela própria Constituição da República, segundo art. 5º, XXXVI, de modo que a lei não prejudicará o direito ad-quirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada – daí a irretroatividade da lei. Por outro lado, o efeito retroativo é proibido, mas não o imediato – daí a vigência imediata da lei aos processos em curso.

E bem concluem os autores: “De rigor, toda nova lei tem vocação de disciplinar o presente, não o passa-do. (...) no processo também existe um passado e um presente. (...) a nova lei, embora se aplique aos proces-sos em curso, não atinge situações consolidadas dentro do processo.” (WAMBIER et al, 2016, p. 82).

Assim, a rigor, a “Reforma Trabalhista” não re-troage, pela obviedade constitucional, e, pela doutrina tradicional, tem vigência imediata aos processos em curso. Porém, penso diferente.

A irretroatividade é incontestável, está na Consti-tuição da República, tem aplicação imediata e é cláusu-la pétrea (arts. 5º, XXXVI e § 1º, e 60, § 4º, IV).

Porém, em relação à vigência imediata aos pro-cessos em curso, não há como se recepcionar tal teoria, diante da “Reforma Trabalhista”, consubstanciada na Lei n. 13.467/2017 e na Medida Provisória n. 808/2017(1).

Registre-se que, em relação especificamente aos honorários advocatícios, o entendimento dominante (inclusive no âmbito dos Tribunais Superiores) é de que o arbitramento dos honorários não configura questão meramente processual, mas sim questão de mérito apta a formar um capítulo da sentença (REsp n. 1.113.175-DF, rel. Min. Castro Meira, DJe 07.08.2012).

Dada a sua natureza híbrida, portanto, há quem entenda que somente há a possibilidade de seu arbitra-mento após a vigência da “Reforma Trabalhista”. É o que diz o Enunciado n. 98 da 2ª Jornada de Direito Ma-terial e Processual do Trabalho (2017):

“HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. INA-PLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM CURSO. Em razão da natureza híbrida das normas que regem ho-norários advocatícios (material e processual), a con-

(1) A Medida Provisória n. 808/2017 não foi convertida em lei dentro do prazo exigido pelo art. 62, § 3º, da Constituição da República, de modo que perdeu a eficácia, desde a edição, e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23.04.2018 (Ato Declaratório n. 22/2018, do Congresso Nacional). Caberá agora ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, sob pena de as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservarem-se por ela regidas (art. 62, §§ 3º e 11, da Constituição da República).

denação à verba sucumbencial só poderá ser imposta nos processos iniciados após a entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017, haja vista a garantia de não surpresa, bem como em razão do princípio da causalidade, uma vez que a expectativa de custos e riscos é aferida no momento da pro-positura da ação.” (destaques meus)

Porém, tais argumentos servem, perfeitamente, para se estender a não aplicação da “Reforma Trabalhis-ta” aos processos já em curso. Como bem coloca Schiavi (2018a, p. 184), os honorários de sucumbência, custas processuais e responsabilidade por honorários periciais serão aplicáveis somente após a vigência da “Reforma Trabalhista”, “pois provocam significativas mudanças nos sistema processual trabalhista e podem provocar um grande prejuízo às partes, além de provocar gran-de insegurança jurídica, pois à época da propositura da ação, não era possível antever que a Lei seria alterada”.

Mas vou além.

Vista sob o aspecto global, a “Reforma Trabalhis-ta” subverte pilares há muito consagrados pelo Direi-to do Trabalho – material e processual, dentre os quais sobreleva a proteção ao trabalhador hipossuficiente e uma Justiça célere, informal e gratuita. A legislação, nesse ponto, ao criar, artificiosamente, trabalhadores “hipersuficientes” e a onerar o acesso à ordem jurídica justa (art. 5º, XXXV, da Constituição da República), re-presenta inequívoco retrocesso social.

Com efeito, a Constituição da República, nos seus arts. 7º, caput, e 114, § 2º, não admite o retrocesso so-cial, nem em sede de direito individual nem em direito coletivo, de modo que aos trabalhadores é garantida a higidez quanto a direitos já conquistados. Tal higidez se relaciona diretamente ao equilíbrio do Estado Demo-crático de Direito, na medida em que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, entre outros, o de construir uma sociedade livre, justa e soli-dária (art. 3º, I, da Constituição da República).

De outra banda, no julgamento dos recursos ex-traordinários ns. 349.703/RS e 466.343/SP e dos habeas corpus ns. 87.585/TO e 92.566/SP (Informativo n. 531 do STF), o Supremo Tribunal Federal pacificou a questão quanto à posição hierárquico-normativa de tratados in-ternacionais, de modo que, se são sobre direitos huma-nos, mas sem a aprovação pelo quórum qualificado do art. 5º, § 3º, da Constituição, inclusive os já ratificados em momento anterior ao advento da Emenda Constitu-cional n. 45/2004, têm natureza e hierarquia supralegal e imprimem à legislação infraconstitucional contraditó-ria eficácia paralisante.

Nesse diapasão, é imposição do Pacto Interna-cional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ao Estado brasileiro o compromisso de adotar medi-das, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas (art. 2º, § 1º).

A “Reforma Trabalhista”, ao precarizar o acesso à jurisdição, a meu ver, não se comunica com os proces-sos em curso. De inconstitucionalidade e inconvencio-nalidade duvidosa, a “Reforma” deve, pelo menos, ser proibida de admoestar processos em curso: seja para manter hígido o compromisso internacional assumido

54 LTr - Jornal do Congresso

pelo Brasil, de adotar medidas legislativas que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores, seja pelo próprio fair play processual disposto no CPC, expli-citado em suas normas fundamentais: boa-fé (art. 5º), cooperação processual (art. 6º), decisão justa (art. 6º), promoção da dignidade humana (art. 8º) e razoabilida-de e proporcionalidade (art. 8º).

Referências bibliográficas

SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do traba-lho: de acordo com a reforma trabalhista. 13. ed. São Paulo: LTr, 2018a.

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comen-tários ao novo Código de Processo Civil artigo por arti-go: de acordo com a Lei n. 13.256/2016. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

ZWICKER, Igor de Oliveira. Súmulas, orientações juris-prudenciais e precedentes normativos do TST. São Paulo: LTr, 2015.

LIMITES JURÍDICOS À TERCEIRIZAÇÃO

Wallace Paulo da SilvaEstudante de Direito e estagiário do MPT-PRM de Juiz de Fora – MG.

Muito tem se falado na então chamada reforma trabalhista, reforma essa que consiste em duas leis, a Lei n. 13.429/2017 alterando dispositivos na então lei de terceirização, Lei n. 6.019/1974, que será objeto do presente estudo, e a Lei n. 13.467/2017 que altera dispo-sitivos da Consolidação das Leis do Trabalho.

A terceirização é fenômeno global nascido do Taylorismo-Fordismo Ianque durante a Segunda Gran-de Guerra e aprimorada pelo Toyotismo Nipônico na década de 1980. No Brasil chegou nos anos 60, mais precisamente nos Decretos-lei ns. 1.212 e 1.216 de 1966 que autorizava a prestação de serviço de segurança bancária por empresa interposta. Nota-se, que mesmo em data tão distante começava a delinear o conceito de atividade fim e atividade meio, uma vez que a seguran-ça é atividade, mesmo que indispensável, acessória a atividade bancária.

Desde então o ordenamento jurídico brasileiro en-riqueceu em decretos, leis e principalmente súmulas. A última, e mais importante construção jurisprudencial, até o presente momento, foi a edição da Súmula n. 331 do TST, que veio a delimitar paradigmas importantes ao sobre o tema. Tal súmula nasceu da necessidade de ampliação do objeto do Enunciado n. 256 do TST que vinha sendo ampliado pela doutrina.

Isso tudo porque o Ministério Público do Traba-lho, com base no art. 83 da Lei Complementar n. 75/83 vinha ajuizando inquéritos civis contra o Banco do Bra-sil e a Caixa Econômica Federal, que para eximir-se de maiores obrigações trabalhistas e de realizarem concur-so público, admitiam estagiários para seu quadro de empregados.

O TST, no entanto, preferiu editar a Súmula n. 331 que revisa a Súmula n. 256, que posteriormente

fora cancelada. O item I da Súmula veda expressamen-te a intermediação de mão de obra, exceto no caso de trabalho temporário, quebrada tal exceção será forma-do vínculo diretamente com o empregador. Já o item III permite a contratação de serviços especializados de forma terceirizada, contando que, não englobem a atividade-fim da empresa tomadora. O item II faz um reforço ao princípio da legalidade nos certames públi-cos previsto no art. 37, II da CF/88, onde versa que, o acesso às funções e empregos públicos se dará somen-te através do concurso de provas e títulos, atendendo também a impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A Súmula n. 331 em seu item IV prevê a respon-sabilidade subsidiária da empresa tomadora em rela-ção à prestadora quando ao inadimplemento de obri-gações trabalhistas. Nesse interim, posteriormente fora acrescentado o item V que fora alvo da ADC 16, um marco importante no tocante à terceirização e respon-sabilidade, onde o STF decidiu que, havendo a culpa in vigilando, é responsabilidade do tomador do serviço responsabilizar-se subsidiariamente pelos débitos tra-balhistas. Significa dizer que, se houver algum desleixo contratual por parte da administração pública (deixar de fiscalizar o adimplemento da terceira ou contratar disforma a Lei n. 8.666/1993) ela passará a responder pelo resultado lesivo ao trabalhador de maneira subsi-diária. Por fim, o item VI ratifica que a responsabilida-de abrange todas as verbas trabalhistas e indenizatórias advindas da prestação laboral.

A Lei n. 13.429 de março de 2017 alterou a Lei n. 6.019/1974, deu a ela nova redação e acrescen-tou dispositivos a essa lei, passando assim a tratar não somente de trabalho temporário, como também tercei-rização.

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É sabido que no Brasil não se pode valer da tercei-rização irrestrita e nem a usar como forma de mascarar a relação de emprego. Assim a terceirização obedece uma “legalidade estrita”, vez que só é lícita a terceiriza-ção com expressa previsão legal. Conforme já abordado acima a Justiça do Trabalho emitiu a Súmula n. 331 (an-tigo Enunciado n. 256), para distinguir a terceirização lícita e ilícita. Além da aludida Súmula, as hipóteses lícitas de terceirização estão previstas no art. 455, CLT (Contrato de Subempreitada), e nas Leis ns. 6.019/74 (Trabalho Temporário) e 7.102/83 (Vigilância Financei-ra e Transporte de Valores).

A Lei n. 13.429/2017 não fez distinção entre ati-vidade-meio e atividade-fim, valendo-se da expressão serviços determinados e serviços específicos, no entan-to, tal expressões podem ter sentido muito amplo que dá ao interprete da norma margem para o subjetivismo. A vedação existente é para a prestação de serviço gené-rico. Assim há uma blindagem, já que não se configura vínculo empregatício entre os sócios ou trabalhadores da prestadora e a tomadora de serviço. Exceção a essa regra é o caso de fraude previsto no art. 9º da CLT, quando ficar provado a subordinação direta ao toma-dor dos serviços (§ 2º do art. 4º-A da Lei n. 6.019/74), incidindo na então chamada “pejotização”.

A Lei n. 13.429/2017 acresceu ao art. 4º-A da Lei n. 6.019/74, promovendo alteração em seu caput, de início, cabe salientar que a denominada “pejotização” consiste em contratação de trabalhador subordinado como sócio ou titular de pessoa jurídica. Tal mecanismo é voltado a mascarar vínculo empregatício por meio da formalização contratual autônoma, em fraude à relação de emprego. Daí se origina o neologismo “pejotização”, no sentido de transformar artificialmente um emprega-do em pessoa jurídica.

As alterações normativas inseridas pela Lei n. 13.429/2017 na Lei n. 6.019/74 não autorizam a pe-jotização, pelo contrário, vedam tal expediente. Dessa forma, esse tipo de simulação não encontra amparo nos contratos de prestação de serviços a terceiros. Nesse

sentido, são nulos os contratos que, apesar de formal-mente ostentar como objeto a prestação de serviços, vi-sam tão somente o fornecimento de mão de obra, figu-rando como mero artifício fraudulento à configuração do emprego, nos termos do art. 9º da CLT.

São características muito comuns da “pejotiza-ção”, indicando a ocorrência de fraude contratual: a) todo o equipamento e instrumentos, incluindo siste-mas e bancos de dados, utilizados pelos profissionais pertencem à contratante; b) a receita obtida com a ati-vidade econômica cabe à contratante; c) os custos da atividade igualmente são suportados pela contratante; d) os profissionais contratados como pessoa jurídica fornecem apenas mão de obra, recebendo remuneração fixa mensal, por horas trabalhadas.

Nesse cotejo, é delineado que no Brasil só é permi-tido a terceirização de atividades suplentes à finalidade da empresa, ou seja, a atividade meio, sendo vedado a terceirização da atividade fim.

Outros limites à terceirização se encontram dis-postos na Constituição, na dignidade da pessoa huma-na (art. 1º, III), na valorização do trabalho (art. 170, ca-put), na busca de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, III) da busca pelo bem-estar de todos (art. 3º, IV). Com isso, conclui-se que uma constituição com for-te apelo humano alicerçada em direitos sociais é contrá-ria a uma terceirização irrestrita.

Por mais que seja um fenômeno global, a tercei-rização como ferramenta jurídico-administrativa, não deve ser usada de maneira irrestrita pelo fato de ocasio-nar uma desvalorização do trabalho e atingir, sobretudo os trabalhadores menos qualificados. Por isso ocorren-do fraudes à relação de emprego por meio da terceiriza-ção ilícita, deve o vínculo de emprego ser reconhecido diretamente com a tomadora, igualando direitos e be-nefícios com os trabalhadores não terceirizados, ainda, deve a tomadora responsabilizar-se subsidiariamente à interposta e solidariamente quando formado o grupo econômico.

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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4º PAINEL

GRUPO ECONÔMICO: INTERESSE INTEGRADO, EFETIVA COMUNHÃO DE INTERESSES E ATUAÇÃO CONJUNTA

Amauri Cesar AlvesDoutor, Mestre e Bacharel em Direito pela PUC-Minas.

Professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Graduação e Mestrado “Novos Direitos e Novos Sujeitos”)

O art. 2º da CLT foi alterado pela Reforma Traba-lhista especificamente no que concerne à nova redação de seu § 2º e à inclusão do § 3º. Mantidas as regras do caput e do § 1º, ainda que suas redações originais se-jam objeto de críticas doutrinárias nas últimas décadas. Mantidas, assim, as atecnias como, exemplificativa-mente, a identificação do empregador com a empresa e a inexistente figura do empregador por equiparação.

Estabelece o art. 2º da CLT as possibilidades de reconhecimento do grupo econômico para fins justra-balhistas. Duas são, nos termos da CLT reformada, as possibilidades de caracterização do grupo econômico: por hierarquia e com autonomia. No primeiro caso, manteve o legislador a identificação do grupo por di-reção, controle ou administração de uma sociedade empresária sobre outra. É possível, entretanto, que haja grupo econômico mesmo sem o vínculo hierárquico, guardando as sociedades autonomia entre si. Em tal situação (autonomia), fixa o legislador que não haverá grupo econômico por “mera identidade de sócios”, sen-do necessária a “demonstração de interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta das empresas integrantes”.

Parece ter fixado o legislador uma relação direta entre as expressões “interesse integrado”, “efetiva co-munhão de interesses” e “atuação conjunta” e o grupo econômico por coordenação. Sendo assim, possível en-tender que não há tais exigências no grupo econômico por hierarquia, mesmo porque, neste caso, já se estabe-lece o nexo relacional mais claramente.

A ideia básica celetista para a fixação da responsa-bilidade solidária no grupo econômico decorre da pos-sibilidade de que todos os seus componentes se benefi-ciem, direta ou indiretamente, dos resultados da explo-ração da força de trabalho colocada à disposição de um deles. Assim, em razão do potencial proveito comum há a responsabilidade solidária. Resulta da solidarieda-de a possibilidade de ampliação do crédito trabalhista do empregado (ou, normalmente, ex-empregado). Se o empregado, em última análise, contribuiu para o lucro de seu empregador e se tal situação acaba por beneficiar todo o grupo, é justo que todas as sociedades empre-sárias componentes garantam a satisfação do crédito trabalhista.

O que a Reforma Trabalhista faz agora é tentar restringir o reconhecimento da responsabilidade soli-dária nos casos em que não há clara hierarquia entre as sociedades empresárias componentes do grupo econô-mico. Não há, então, direção, controle ou administração de uma sociedade em relação às demais componentes do grupo. Em tais casos, nos termos da lei, é necessá-ria demonstração de interesse integrado, comunhão de interesses e atuação conjunta das sociedades empresá-rias, o que não decorre necessariamente de identidade de sócios.

A mudança provocada pela Lei n. 13.467/2017, então, se concentra na impossibilidade de identificação do grupo econômico por mera identidade de sócios e na exigência de demonstração de interesse integrado, comunhão de interesses e atuação conjunta.

O Deputado Rogério Marinho, a quem atribuem a autoria, relatoria e organização da Reforma Trabalhista na Câmara dos Deputados, em sua análise de mérito sobre cada alteração, não cuidou de expressar no que consiste comunhão de interesses, atuação conjunta e nem tampouco interesse integrado. Em sua Emenda 489 o Deputado Daniel Vilela (PMDB/GO) explica que o novo § 3º do art. 2º da CLT pretende exigir “transfe-rência de aproveitamento econômico” de uma socieda-de empresária para outra para que haja a responsabili-dade solidária decorrente do grupo econômico:

“Também não seria possível declarar a existência de grupo econômico nos casos em que não haja transfe-rência de aproveitamento econômico. Isso porque a sis-temática da responsabilidade solidária entre empresas de um mesmo grupo surgiu para evitar fraudes traba-lhistas, impedindo que uma empresa transferisse seus ativos para outras dos mesmos sócios, prejudicando os empregados daquelas empresas. Não havendo transfe-rência de aproveitamento econômico fica excluída essa possibilidade.” (Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 8 jun. 2017).

Assim, mesmo que os sócios comuns se aprovei-tem dos lucros, deveria haver, conforme entende o de-putado propositor, proveito econômico comum entre as sociedades empresárias.

Ocorre que a lei não tratou de “transferência de aproveitamento econômico”, mas, sim, de “demonstra-

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ção de interesse integrado, efetiva comunhão de inte-resses e atuação conjunta das empresas integrantes”. O cerne parece ser o interesse conjunto das sociedades empresárias em sua atuação no mercado, embora, em análise última, possa o aproveitamento econômico co-mum no seio do grupo revelar o interesse integrado.

A primeira aproximação do intérprete com a nor-ma se dá pelo texto. Interesse, segundo HOUAISS (2009, p. 109), é “o que é importante, útil ou vantajoso, moral, social ou materialmente”. Importante, útil e vantajo-so para o empregador e para o grupo é o lucro que se extrai, em síntese, da conjugação de capital e trabalho. Assim, nada mudou na melhor interpretação da figura do grupo econômico. Se o empregado é explorado, lici-tamente, para gerar lucro para seu empregador, para os sócios da sociedade empresária e para aquelas que com ela atuam, então há que se reconhecer o grupo econô-mico por coordenação, com autonomia, e não somente por hierarquia (ALVES; LEITE, 2017).

A Constituição da República reconhece a pro-priedade privada como direito fundamental, mas esta-belece por princípio que ela cumpra sua função social (art. 5º, XXIII e art. 170, III). Sendo assim, se diversas sociedades empresárias atuam coordenadamente, em-bora guardando cada uma sua autonomia, há que se reconhecer o grupo econômico, devendo cada uma delas responder por eventuais dívidas trabalhistas das demais. O interesse a ser demonstrado é qualquer iden-tidade entre as sociedades empresárias na busca pelo lucro por meio da exploração do trabalho. Em síntese o interesse é o lucro obtido pela exploração do trabalho.

Interesse integrado, efetiva comunhão de interes-ses e atuação conjunta das empresas integrantes decor-rem do proveito econômico do trabalho que se expande para além da figura direta do empregador.

O interesse a integrar duas ou mais sociedades empresárias distintas e autônomas só pode ser a obten-ção do lucro e, no que concerne ao tema aqui estudado, com a exploração do trabalho. No mesmo sentido, a comunhão que se espera entre duas sociedades empre-sárias autônomas é, para fins de caracterização do gru-po econômico, união de esforços para reduzir custos, aumentar lucros, otimizar trabalho. Também na mesma linha a atuação conjunta de pessoas jurídicas distintas e autônomas se justifica como regra geral para otimizar trabalho e reduzir custos, tudo isso, sempre, para gerar e aumentar os lucros.

Por fim, qualquer que seja o entendimento juris-prudencial futuro, a ampliação ou restrição do conceito de Grupo Econômico afetará também os interesses pa-tronais expressos na Súmula n. 129 do TST, que não é, obviamente, combatida pela Reforma Trabalhista.

Referências bibliográficas

ALVES, Amauri Cesar; LEITE, Rafaela Fernandes. Re-forma trabalhista: comentários à Lei n. 13.467/2017. 1. ed. Belo Horizonte: Conhecimento Jurídico, 2017.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portu-guesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

A TRANSAÇÃO, EM ÂMBITO COLETIVO E INDIVIDUAL, NA SEARA DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

A “Reforma Trabalhista”, conforme Lei n. 13.467/ 2017, modificou a redação do caput do art. 443 da CLT – historicamente o artigo celetista que trata da pactuação individual de trabalho – e incluiu-lhe o § 3º; ambos tra-tam da figura do trabalho intermitente, agora positiva-do no ordenamento jurídico pátrio.

Segundo o caput do art. 443, o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressa-mente, verbalmente ou por escrito, por prazo deter-minado ou indeterminado; até aqui, nenhuma novida-de. Porém, a partir de agora, o contrato individual de trabalho também servirá “para prestação de trabalho intermitente”. O § 3º considera como intermitente o

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contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com al-ternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, in-dependentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

A transação em âmbito coletivo e individual, na seara do contrato de trabalho intermitente, está, basi-camente, estabelecida nos arts. 611-A e 611-B da CLT.

O art. 611-A traz um rol de direitos em que o ne-gociado prevalecerá sobre o legislado, isto é, no qual a con-venção e o acordo coletivos de trabalho terão prevalên-cia sobre a lei em sentido estrito. Claramente, a mens legislatoris (a intenção do legislador) foi trazer um rol mínimo de direitos em que o negociado prevalecerá sobre o legislado, ao se utilizar da expressão “entre outros”, de-monstrando que tais direitos, ali elencados, consubs-tanciam rol meramente exemplificativo e não exaustivo (numerus apertus).

A intenção do legislador é reforçada no artigo seguinte (art. 611-B), que traz um rol de direitos não passíveis de negociação coletiva, irrenunciáveis inclu-sive nessa esfera (por corolário lógico – dentro da sis-temática protetiva trabalhista –, se não são passíveis de negociação sequer no âmbito coletivo, com assistência sindical, também não serão na esfera individual). Ao elencar tais direitos, no art. 611-B, a Lei n. 13.467/2017 utiliza a palavra “exclusivamente”, a clarificar, de modo incontestável – de discutível constitucionalidade e con-vencionalidade –, que esse segundo rol é taxativo (nu-merus clausus).

Dentre os direitos elencados, de forma não exaus-tiva e meramente exemplificativa, passíveis de negocia-ção coletiva, encontra-se, no art. 611-A, VIII, da CLT, o trabalho intermitente. Segundo o parágrafo único do art. 444 da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/2017, será possível a livre estipulação, igualmente, em âmbi-to individual, diretamente entre as partes contraentes (empregador e empregado), com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso do empregado ser portador de diploma de nível superior e, cumulativamente, perceber salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos be-nefícios do Regime Geral de Previdência Social (“teto previdenciário”).

Penso que, ainda que não seja declarada a incons-titucionalidade material dessa norma, e ainda que não haja o reconhecimento da eficácia paralisante desse conteúdo jurídico pela afronta a tratados internacio-nais de direitos humanos, é certo que, no âmbito da negociação coletiva de trabalho, o ajuste coletivo deverá trazer melhoria para a condição social dos trabalhadores, vedado o retrocesso social, à luz do art. 7º, caput, da Constituição; nesse diapasão, mutatis mutandis, com base na teoria do conglobamento(1) observar-se-á a nor-

(1) “Pela teoria do conglobamento, que é a adotada pela maioria da doutrina e pelos tribunais superiores também, devemos utilizar o conjunto normativo mais favorável, examinado na sua integralidade. Aposta a ela, temos a teoria da acumulação ou atomista, segundo a qual a norma mais favorável deve ser encontrada em dado conjunto normativo aplicando-se as disposições mais favoráveis ao trabalhador.” (FRANCO FILHO, 2018, p. 410)

ma coletiva em seu todo, a fim de se aferir se ela é ou não benéfica aos trabalhadores.

Por outro lado, no seio individual, ainda que se trate de empregado portador de diploma de nível supe-rior que receba salário mensal igual ou superior a duas vezes o valor do teto previdenciário, aplica-se igualmen-te a inteligência do art. 468 da CLT, de modo que é nula (art. 9º da CLT) a alteração das respectivas condições que não ocorram por mútuo consentimento e/ou cau-sem prejuízos diretos ou indiretos ao empregado.

Por fim, traremos aqui um breve enfrentamento sobre os arts. 452-A e 452-B da CLT (esse último sem con-tar mais com eficácia, como veremos a seguir). Segundo o caput do art. 452-A, incluído pela Lei n. 13.467/2017, o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter, especificamente, o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor ho-rário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

A Medida Provisória n. 808/2017 trouxe modifi-cação substancial na matéria. Ao alterar a redação do art. 452-A, caput, e, com isso, impor limites à própria Lei n. 13.467/2017, dizia que o contrato de trabalho intermitente seria celebrado por escrito e registrado na CTPS, ainda que previsto acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e conteria, minimamente: a identifi-cação, assinatura e domicílio ou sede das partes; o va-lor da hora ou do dia de trabalho, que não poderia ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, assegurada a remuneração do trabalho noturno supe-rior à do diurno; e o local e o prazo para o pagamento da remuneração.

Porém, a Medida Provisória n. 808/2017 teve sua vi-gência encerrada e, com isso, perdeu a eficácia(2). A expres-são “ainda que previsto acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva”, incluída outrora no caput, pela Medida Provisória, indicava que o art. 611-A, VIII, da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/2017, quando diz que a convenção coletiva e o acordo coletivo de tra-balho têm prevalência sobre a lei quando dispuserem sobre trabalho intermitente (artigo em plena vigência), não seria aplicável para efeito de registro do contrato de trabalho na CTPS do empregado, valor da hora ou do dia de trabalho, remuneração do trabalho noturno su-perior à do diurno e respeito ao local e prazo para o pagamento da remuneração, sendo que esses direitos não seriam passíveis de transação sequer pela via da negociação coletiva de trabalho.

Porém, com a não conversão da Medida Provisó-ria, dentro do prazo constitucional, parece-se que será possível sustentar, lamentavelmente, uma maior pre-carização a uma modalidade já precarizante – trabalho intermitente –, conferindo-se extensão do art. 611-A, VIII, da CLT a qualquer direito que envolva trabalho intermitente.

(2) A Medida Provisória n. 808/2017 não foi convertida em lei dentro do prazo exigido pelo art. 62, § 3º, da Constituição, de modo que perdeu a eficácia, desde a edição, e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23.04.2018 (Ato Declaratório n. 22/2018, do Congresso Nacional). Caberá agora ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, sob pena de as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservarem-se por ela regidas (art. 62, §§ 3º e 11).

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Quanto ao art. 452-B da CLT, incluído pela Me-dida Provisória n. 808/2017 e já sem eficácia, como dito, dizia-se que seria facultado às partes convencionar, por meio do contrato de trabalho intermitente: os locais de prestação de serviços; os turnos para os quais o empre-gado será convocado para prestar serviços; as formas e instrumentos de convocação e de resposta para a pres-tação de serviços; e o formato de reparação recíproca na hipótese de cancelamento de serviços previamente agendados.

Com a não conversão da Medida Provisória, dentro do prazo constitucional, e sem a parametriza-ção complementar do art. 452-B, repita-se: o espectro de abrangência da negociação coletiva se expande con-sideravelmente e, possivelmente, com a vitória final da mentalidade de mercado (GEERTZ, 2004, p. 325), a todo e qualquer direito envolvido.

Segundo declarou o Governo Federal, quanto ao trabalho intermitente, “a área técnica está em processo de levantar os pontos que podem ser regulamentados por decreto”(1), embora saibamos que o decreto extrapo-la norma legal quando com ela é incompatível (ZWIC-KER, 2015, p. 83), pelo que a regulamentação não pode ser inovatória, sob pena de ilegalidade latente.

(1) Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-abr-21/fim-mp-reforma-trabalhista-altera-regras-clt>. Acesso em: 6 maio 2018.

Entrementes, ainda assim, cabe aqui uma das advertências iniciais: somente se admite qualquer ne-gociação no ato da contratação do trabalhador intermitente; após a contratação, aplicam-se os arts. 9º e 468 da CLT, sendo nulas de pleno direito as alterações das condi-ções contratuais que ocorram unilateralmente ou, ainda que por mútuo consentimento, causem prejuízos dire-tos ou indiretos ao empregado. Por prejuízo indireto – que deve ser visto e sentido de forma ampla –, entenda--se que, ainda que as cláusulas do contrato individual de trabalho permaneçam íntegras, o empregador cria condições exteriores ao contrato que são danosas ao empregado (TEIXEIRA, 2012, p. 67).

Referências Bibliográficas

FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2018.

GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em an-tropologia interpretativa [trad. Vera Mello Jos-celyne]. 7. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.

TEIXEIRA, Marcelo Tolomei. Introdução do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012.

ZWICKER, Igor de Oliveira. Súmulas, orientações juris-prudenciais e precedentes normativos do TST. São Paulo: LTr, 2015.

CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE SOB A ÓTICA DO TRABALHO DECENTE

João Victor Maciel de Almeida AquinoGraduando em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e membro do Grupo de Pesquisa sobre Direitos Humanos

Sociais

Ynes da Silva FélixDoutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (FADIR/UFMS) e docente dos cursos de

graduação e mestrado em Direito)

Em 11 de novembro de 2017 entrou em vigor a Lei n. 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhis-ta. O novo dispositivo legal trouxe uma série de mu-danças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), impactando de forma considerável o direito material e processual do trabalho. A reforma trabalhista foi desen-volvida na esteira de um projeto maior de “moderniza-ção” das normas trabalhistas, este teve como principal catalisador a atual crise econômica brasileira. Os altos índices de desemprego e a grave recessão serviram como justificativa para que o projeto de lei, mesmo cheio de problemas, fosse aprovado.

O Brasil seguiu o padrão de diversos países euro-peus, como Itália e Espanha, que ao enfrentarem graves crises econômicas optaram por realizar mudanças que facilitassem a contratação de empregados, bem como diminuíssem os custos desses para os empregadores. (SUPIOT, 2014).

No mundo capitalista contemporâneo com a eco-nomia cada vez mais dinâmica e globalizada, urge a ne-cessidade do capital em tornar mais fácil a contratação e a dispensa dos empregados. O empregado se torna descartável e o seu trabalho não mais servirá como fer-ramenta para a garantia dos seus direitos fundamen-

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tais, mas sim como simples meio de alcance do lucro. Posicionamentos, ora superados, como o do economis-ta austríaco Friedrich Hayek que, durante a derrocada do modelo capitalista Keynesiano, afirmava que as raí-zes da crise se encontravam no poder excessivo do mo-vimento operário, especialmente o sindicalismo, que havia limitado o avanço da acumulação de capital com seu excesso de reinvindicações e parasitismo, retornam e cada vez mais ganham força. (ANDERSEN, 1995).

Em busca do objetivo de flexibilizar as relações de emprego e diminuir o alto grau de intervenção do Estado, a reforma procurou inserir, bem como suprimir diversos institutos da legislação trabalhista. Conforme bem observa Gabriela Neves Delgado e Mauricio Godi-nho Delgado (2017, p. 73):

A reforma trabalhista prevista na Lei n. 13.467/ 2017 reforça vertente ideológica impulsionada na déca-da de 1990, no Brasil, de desregulamentação dos direi-tos sociais e de flexibilização acentuada das relações de trabalho, ao prever, em diversos de seus dispositivos, mecanismos de supressão ou de redução do patamar de proteção social e de acentuada desarticulação dos direi-tos e garantias fundamentais trabalhistas.

A reforma inaugurou alguns institutos dentro das normas trabalhistas brasileiras. Dentre as diversas ino-vações está a inserção de uma modalidade singular de contratação, o contrato de trabalho intermitente. Este tipo de contrato tem como característica principal a eventualidade do trabalho prestado, alternando perío-dos de trabalho com períodos de inatividade, sendo a remuneração paga pelo valor da hora ou do dia traba-lhados.

Embora seja novo no Brasil, o contrato de traba-lho intermitente é muito usual em alguns países. Na Austrália, por exemplo, 24% dos contratos de trabalho são de caráter intermitente.

Em sede internacional a Organização Internacio-nal do Trabalho (OIT) tem desenvolvido de forma ím-par o estudo, bem como a produção de dados sobre a aplicabilidade deste e de outros tipos contratuais diver-sos do contrato de trabalho “comum”, qual seja, aquele com jornada e contraprestação pré-definidas, no qual o empregado consegue mensurar a quantia que perce-berá ao final de cada período de prestação laboral. A OIT os denomina Non-Standart Employment (Formas Atípicas de Emprego) ou NSE na sigla em inglês. Estes incorporam, além do contrato de trabalho intermitente, o trabalho terceirizado e o trabalho por prazo determi-nado, já existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

Ao abordar a conceituação do trabalho intermi-tente, a OIT o caracteriza como aquele trabalho execu-tado de forma eventual, sem que haja estabelecida uma quantidade de horas, dias ou semanas fixos. Embora a Organização delimite o conceito de trabalho intermi-tente, este ganha características particulares a depender do país em que se desenvolve. Segundo dados da OIT, são cerca de 40 países que possuem legislação regula-mentadora no caso do trabalho intermitente.

Em alguns países africanos o trabalho intermiten-te, para fins legais, é definido como aquele no qual o trabalhador recebe exclusivamente por dias ou horas trabalhados. O Employment Act of Kenya, por exemplo, estabelece como trabalho intermitente aquele no qual

o trabalhador recebe ao fim do dia de trabalho ou no qual a relação de trabalho não se estenda por período superior a 24 horas. Em outros casos, como na Libéria, existem ainda critérios que levam em consideração a natureza do trabalho prestado. No caso desse país afri-cano, o trabalho intermitente só pode ser empreendido nos trabalhos exercidos por trabalhadores “unskilled”, não qualificados. (OIT, 2016).

O principal problema relacionado ao contrato de trabalho intermitente encontra-se relacionado a sua instabilidade e falta de clareza quanto ao grau de pro-teção dada ao trabalhador. A situação de insegurança se torna mais latente na medida em que partimos do pressuposto de que tanto a seguridade social quanto a segurança econômica dos trabalhadores estão intima-mente ligadas a noção de um trabalho em tempo inte-gral. Um trabalhador queniano que figure como parte de um contrato, com duração de no máximo

24 horas, terá resguardado, mesmo que de forma mínima, seus direitos humanos sociais?

Nos Estados Unidos, por exemplo, muitos traba-lhadores intermitentes embora contratados por grandes empresas como Walmart e McDonald’s precisam viver com suas famílias em abrigos para sem-teto, visto que a remuneração que percebem não é capaz de, ao mes-mo tempo, cobrir os custos de moradia e alimentação(1). Cabe ressaltar que o salário mínimo federal (USD 7,25) nos EUA é seis vezes maior que o brasileiro, chegando a nove vezes (USD 11,00) em estados como a Califórnia.

No presente momento muito se discute a respeito do trabalho decente. Este ganhou grande repercussão a partir do momento em que a Organização das Na-ções Unidas estabeleceu a sua consecução como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecendo no ODS número 08 a imprescindibilida-de de promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos. O trabalho decen-te, por sua vez, é conceituado pela OIT como aquele trabalho capaz de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo este condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilida-de democrática e o desenvolvimento sustentável.

A Lei n. 13.467/2017 ao inserir o trabalho inter-mitente no sistema jus laboral brasileiro não estaria indo de encontro direto ao que preconiza a OIT quando defende o trabalho decente? A inserção desse institu-to inclui sob a tutela do direito trabalhista o trabalho eventual, principalmente aquele realizado por empre-gados do setor de serviços, quais sejam garçons, moto entregadores, seguranças. Porém, embora garanta a as-sinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social o contrato de trabalho intermitente não vai além, tendo diversas inconsistências e incertezas, por exemplo, no tocante ao pagamento de verbas trabalhistas, tornan-do as fraudes cada vez mais simples. Há alguns anos atrás teve grande repercussão a cláusula contratual que algumas empresas franqueadas estavam inserindo nos

(1) Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/31/internacional/1477872430_055994.html.

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contratos de trabalho. Trata-se da jornada de trabalho móvel ou variável, considerada ilegal pelo Tribunal Su-perior do Trabalho (TST). Esta era bem próxima do con-ceito de trabalho intermitente trazido pela reforma. À época o TST julgou, reiteradamente em diversos recur-sos de revista a ilegalidade de tais cláusulas na medida em que estas violavam, dentre outras coisas, o princípio da proteção. O que há de diferente agora?

Além disso, antes da reforma trabalhista, os tra-balhadores eventuais, quando exerciam seu trabalho de forma intercalada, mas continua, conseguiam ter o pe-dido de reconhecimento do vínculo empregatício aco-lhido, sendo o empregador obrigado a reconhcecer o vínculo empregatício e a pagar a integralidade de suas verbas trabalhista. No entanto, com o novel instituto, essa possibilidade tornar-se-á cada vez mais incomum.

O contrato de trabalho intermitente, embora tra-ga alguns benefícios ao trabalhador eventual reconhe-ce o que, até então, era dito como ilegal dentro do or-denamento jurídico brasileiro. Sob o falso dogma de “facilitação” torna cada vez mais frágeis as relações

de emprego e não proporciona ao empregado o tra-balho decente impedindo, além disso, que o trabalho cumpra sua função social como garantidor da digni-dade da pessoa humana.

Referências bibliográficas

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SA-DER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.). Pós-neolibe-ralismo: as políticas sociais e o Estado democráti-co. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 09-23.

DELGADO, Gabriela Neves; DELGADO, Mauricio Godinho. A Reforma Trabalhista no Brasil: Com os Comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. 381 p.

OIT. Non-Standart Employment Around The World: Un-derstanding Challenges, Shaping Prospects. Ge-nebra, 2016.

SUPIOT, Alain. O Espírito de Filadélfia: A justiça social diante do mercado total. Editora Sulina, 2014.

A DUPLA INCOMPATIBILIDADE VERTICAL MATERIAL DO ART. 477-A DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

Do ponto de vista material, destaca Barretto (2013, p. 88) que os tratados internacionais sobre direitos hu-manos sempre têm natureza constitucional, diante da abertura material da Constituição (art. 5º, § 2º) e da ma-téria envolvida, tipicamente constitucional.

Do ponto de vista formal, Barretto (2013, p. 89) enumera, doutrinariamente, as seguintes naturezas possíveis, em relação a tais tratados: (i) natureza supra-constitucional: por representarem valores transcenden-tais, valem mais do que a própria Constituição e, num eventual conflito, prevalecem; (ii) natureza constitucio-nal: equivalem às normas constitucionais e, em even-tual conflito, considerar-se-á colisão de normas constitu-cionais, devendo as normas se harmonizarem “por meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionais protegi-dos” (FARIAS, 1996, p. 98); (iii) natureza supralegal: va-

lem menos que a Constituição, subordinando-se a ela, mas estão acima da legislação infraconstitucional, pre-valecendo sobre estas e imprimindo-lhes eficácia parali-sante; (iv) natureza legal: valem tanto quanto as leis infra-constitucionais, resolvendo-se os conflitos por meio das regras comuns de antinomia (hierarquia, cronologia ou especificidade).

No julgamento dos recursos extraordinários ns. 349.703/RS e 466.343/SP e dos habeas corpus ns. 87.585/TO e 92.566/SP (Informativo n. 531 do STF), a Suprema Corte pacificou a questão, definindo expressamente a posição hierárquico-normativa dos tratados interna-cionais: (i) se sobre direitos humanos, aprovados pelo quórum qualificado do art. 5º, § 3º, da Constituição, são equivalentes a emendas constitucionais e têm natureza e hierarquia constitucional; (ii) se sobre direitos huma-nos, mas sem a aprovação pelo citado quórum qualifi-

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cado, inclusive os já ratificados em momento anterior ao advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, têm natureza e hierarquia supralegal; (iii) se não tratarem sobre direitos humanos (os ajustes internacionais da OMC em geral, por exemplo), têm natureza legal; (iv) nenhum tratado internacional tem natureza supraconsti-tucional. Nesse diapasão, por tratarem de direitos dos trabalhadores, vistos como pessoas humanas, não como mercadorias(1), todas as Convenções da OIT, sem exce-ção(2), têm natureza supralegal(3).

Assim, por exemplo, deverão ser tomadas me-didas apropriadas para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de em-pregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e condições de emprego (art. 4º da Convenção n. 98 da OIT). Também trazem medidas protetivas e regulatórias as Conven-ções ns. 11, 135, 141 e 151 da OIT.

Todas essas Convenções foram rigorosamente rati-ficadas pelo Brasil. Segundo o Ministro Mauricio Godi-nho Delgado, Relator no “Caso Embraer” (ZWICKER, 2015, p. 425), leading case no âmbito do TST((4)), essas Convenções “contêm garantias democráticas à atuação sindical, que ressaltam a importância do ser coletivo obreiro no âmbito internacional, nacional e local, e de-vem ser observadas na aplicação do Direito do Traba-lho, enquanto instrumento de elevação das condições de pactuação da força do trabalho no universo social, suplementando a ordem jurídica interna juslaboral” (texto extraído da ementa do julgado).

Naquele célebre julgamento, o TST entendeu que dispensas massificadas são questões grupais, massivas, comunitárias, inerentes aos poderes da negociação coleti-va e que, portanto, exigem a necessária participação do sin-dicato da categoria profissional para que tais dispensas sejam válidas, na forma do art. 8º, III e VI, da Constituição – de modo que a questão, além de envolver tratados interna-cionais de direitos humanos, encontra guarida no seio da própria Constituição.

Com efeito, segundo os artigos constitucionais citados, aos sindicatos cabe a defesa dos direitos e in-teresses coletivos ou individuais da categoria; ademais,

(1) Segundo a Declaração referente aos fins e objetivos da Organização Internacional do Trabalho (Declaração de Filadélfia), anexa à Constituição da OIT, “a Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente os seguintes: a) o trabalho não é uma mercadoria; (...)”

(2) Conforme deixei assentado em minha dissertação de Mestrado, para se definir se um tratado internacional é “sobre direitos humanos”, tais instrumentos devem ser considerados a partir do seu objeto, propriamente dito, em sentido estrito: quando o objeto do acordo internacional tratar de matéria que reforce a dignidade de homens e mulheres pelo simples fato de serem seres humanos, outorgando-lhes esse status e consideração, teremos tratados de direitos humanos em sentido estrito. Sucessivamente, caso não seja possível definir a natureza de direito humano apenas pelo objeto do tratado internacional, que se faça uma análise à luz da teoria do conglobamento, ou seja, que se analise o instrumento internacional no seu todo, a fim de perceber se, no seu todo, o acordo internacional milita propriamente em favor de direitos de natureza essencialmente humana.

(3) Conforme entendimento do STF – censurável, em razão do art. 5º, § 2º –, tratados internacionais de direitos humanos ratificados em momento anterior ao advento do art. 5º, § 3º, da Constituição não equivalem a emendas constitucionais.

(4) TST-RODC-30900-12.2009.5.15.0000, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 10.08.2009, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 04.09.2009.

é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Nas dispensas massificadas, a atua-ção obreira está fundamentalmente restrita às entida-des sindicais, que devem representar os trabalhadores, defendendo os seus interesses nas empresas, de modo que a situação se resolva de maneira menos gravosa para os trabalhadores.

Isso porque as dispensas massificadas, substan-cialmente distintas das dispensas individuais, não po-dem ser exercitadas de modo unilateral e potestativo pelo empregador, por se tratarem de matéria afeta ao Direito Coletivo do Trabalho, que exige prévia negocia-ção coletiva trabalhista ou, sendo inviável, ao processo judicial de dissídio coletivo, que regulará seus termos.

Inclusive, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST, no julgamento do “Caso Embraer”, fixou a tese, para casos futuros, de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores.

Segundo o novel art. 477-A da CLT, incluído pela Lei n. 13.467/2017, “as dispensas imotivadas indivi-duais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coleti-va ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

Porém, a CLT, sendo lei ordinária, ostenta posição hierárquico-normativa de mera legalidade, de modo que deve obediência à Constituição e aos tratados interna-cionais de direitos humanos em que a República Fede-rativa do Brasil seja parte. Em outras palavras, a CLT deve dupla compatibilidade vertical material, ou seja, deve ser compatível com a Constituição e tratados de direitos humanos em vigor no país. Se for antagônica à Consti-tuição ou a um tratado, não conta com eficácia prática: a norma superior irradia a eficácia paralisante sobre a norma inferior (ZWICKER, 2015, p. 151).

A meu sentir, trata-se do caso do art. 477-A da CLT, o qual, na tentativa de “equiparar” os efeitos das dispensas massificadas, circunscritas no âmbito do Di-reito Coletivo do Trabalho, às meramente individuais ou plúrimas, afetas ao Direito Individual, é antagônico à Constituição, por seu art. 8º, III e VI, além de riva-lizar com diversas Convenções da OIT, em especial as Convenções ns. 11, 141 e 151 da OIT, todas rigorosamente ratificadas pelo Brasil.

Como dito, não há como existir – nem no mun-do fenomênico nem no mundo do deôntico, do dever--ser – essa pretensa “equiparação”. Carlos Drummond de Andrade dizia que os lírios não nascem das leis, na medida em que a lei não pode prever o indefensável, o impossível, o teratológico. Não há como se desviar da premissa de que as dispensas coletivas ou massifica-das – como o próprio nome já anuncia e antevê – estão adstritas ao Direito Coletivo, ao universo coletivo dos trabalhadores, a uma massa indivisível que sofre, de forma global, os efeitos deletérios do desemprego.

Assim, tais decisões – de dispensa massificada – não podem ocorrer à margem da participação sindical, como bem quis a própria Constituição e como sustentam os diversos tratados internacionais de direitos humanos.

Segundo cirurgicamente frisou Costa (1986, p. 12), “o Direito do Trabalho só poderia reconsiderar seus institutos básicos se a emancipação do trabalhador fosse uma realidade e não apenas uma promessa”, de tal modo que, “enquanto o mundo se apresentar com

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desigualdades profundas, enquanto o homem conti-nuar sendo lobo do homem, as urgências que determi-naram o nascimento do Direito Coletivo do Trabalho persistirão informadas pelos mesmos princípios bási-cos que medraram com ele”.

Em conclusão, entendo que o art. 477-A da CLT não conta com eficácia prática: a Constituição e as Con-venções da OIT irradiam-lhe eficácia paralisante.

Referências bibliográficas

BARRETTO, Rafael. Direitos humanos. 3. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013.

COSTA, Orlando Teixeira da. Os novos princípios do Direito Coletivo do Trabalho. In: Revista do Tribu-nal Regional do Trabalho da Oitava Região, Belém, v. 19, n. 37, p. 7-12, jul./dez. 1986.

FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos. Brasília: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996.

ZWICKER, Igor de Oliveira. Súmulas, orientações juris-prudenciais e precedentes normativos do TST. São Paulo: LTr, 2015.

_____. A responsabilidade objetiva da Administração na ter-ceirização para a efetividade de direitos sociais. Belém: Unama, 2018. [dissertação de mestrado]

O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: A CONTRATAÇÃO LIMI-TADA À INTERMITÊNCIA DO SERVIÇO

Ana Amélia Silva CarvalhoGraduanda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz

de Fora.

Flávio Bellini de Oliveira SallesEspecialista, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP.

Professor Adjunto do Departamento de Direito Público Formal e Ética Profissional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz

de Fora.

O contrato de trabalho, por sua importância no estudo do Direito Individual do Trabalho, é apontado por LEITE (2017) como o núcleo central desse ramo ju-rídico, tendo em vista que, a partir da sua existência, é que decorrem os direitos e garantias previstos na Con-solidação das Leis do Trabalho e nos demais diplomas legais que regem a relação empregatícia. Dessa forma, utilizando-se dos elementos que compõem a relação de emprego e reconhecendo a necessidade da existência de negócio jurídico firmado entre as partes, DELGADO (2018) define o contrato de trabalho como “acordo de vontades, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa físi-ca coloca seus serviços à disposição de outrem, a serem prestados com pessoalidade, não eventualidade, onero-sidade e subordinação ao tomador”.

Com efeito, a aprovação da Lei n. 13.467/2017 trouxe substanciais alterações na legislação e na pró-pria ordem justrabalhista. Merece destaque, no que concerne ao tema deste estudo, a mudança no caput do art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho, que pas-sou a prever, além da possibilidade de contratação me-diante contrato de trabalho por tempo indeterminado e determinado, também mediante contrato de trabalho intermitente.

A Lei n. 13.467/2017 ainda acrescentou o § 3º ao art. 443 da CLT, com seguinte redação:

“Art. 443 (...)

§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com su-bordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independente-mente do tipo de atividade do empregado e do empre-gador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.” (LEI, 1943)

É certo que tal modalidade contratual traz con-sigo inúmeros questionamentos relacionados à sua aplicabilidade, principalmente porque nela se encon-tram incertos dois elementos naturais e extremamente relevantes da relação de emprego: a jornada e o salário (DELGADO, 2017)(1). Nesse sentido, objetivando inter-pretar o novel dispositivo legal de forma sistemática, foram eleitos dois elementos do contrato de trabalho, a alteridade e a não eventualidade na prestação do servi-ço, para terem a sua relação com o contrato de trabalho intermitente melhor aprofundada.

(1) Segundo a Organização Internacional do Trabalho, com exceção do salário, a jornada de trabalho é a condição da relação empregatícia com o maior impacto direto na vida dos trabalhadores, tanto na qualidade da prestação de serviços, como na vida fora do local de trabalho (Conferência Internacional do Trabalho, 107ª reunião, 2018).

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Conforme acima exposto, a não eventualidade é um dos elementos fático-jurídicos da relação de em-prego e, portanto, essencial à sua configuração. Sendo assim, primeiramente deve-se esclarecer que a inter-mitência do serviço prestado, ou seja, a existência dos períodos de inatividade previstos no § 3º do art. 443 da CLT, não pode ser confundida com a eventualidade ca-paz de descaracterizar a relação empregatícia.

DELGADO (2018) afirma que a teoria mais pres-tigiada no Direito brasileiro, no que concerne à concei-tuação de eventualidade, é a teoria dos fins da empre-sa, segundo a qual as atividades não inseridas nos fins normais do empreendimento, por sua natureza, seriam esporádicas e de estreita duração e, portanto, eventuais.

Para CASSAR (2016), não eventuais são os “ser-viços de necessidade permanente para a empresa, se-jam de natureza contínua ou intermitente”. No mesmo sentido, DELGADO (2018) afirma que “a eventualida-de, para fins celetistas, não traduz intermitência [...] se a prestação é descontinua, mas permanente, deixa de haver eventualidade”.

Importante destacar, ainda, que, conforme ensina DELGADO (2018), o contrato de trabalho é dotado de alteridade, na medida em que os riscos inerentes à pres-tação de serviços e aos seus resultados e, ainda, os riscos do empreendimento devem ser alheios ao empregado.

Dessa forma, o trabalhador dispõe da sua força de trabalho de forma patrimonial, conferindo ao em-pregador os resultados obtidos com a sua prestação de serviços, em troca de contraprestação econômica certa e imediata. Entende-se, portanto, que o risco do negócio, compreendido como o risco do resultado do trabalho e o risco do próprio empreendimento, deve pertencer ao empregador, que, por essa razão, deve suportar os prejuízos e auferir os lucros decorrentes da prestação do serviço.

Na esteira deste entendimento, percebe-se que o contrato de trabalho intermitente, como nova moda-lidade contratual prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, não pode ser utilizado sob o argumento de crise econômica ou dificuldade financeira vivenciada pela contratante, tendo como objetivo somente a di-minuição de custos, a partir da redução de jornada e, consequentemente, de salário do empregado. Nesses casos, a justificativa para a contratação por meio do contrato de trabalho intermitente seria tão somente a inversão do risco do empreendimento, o que, confor-me o art. 9º da CLT, configuraria fraude à aplicação dos preceitos da legislação (SOUTO MAIOR, 2017).

Após leitura literal do texto do § 3º do art. 443 do Decreto-Lei n. 5.452/43 (CLT), pode parecer, de início, que o legislador permitiu a contratação de empregado por meio do contrato de trabalho intermitente indepen-dentemente da natureza do serviço prestado. Ocorre que, para interpretar as normas postas, ou o Direito construído, conforme ensina DELGADO (2018), faz-se necessária uma pesquisa de coerência racional e lógica entre o dispositivo legal e o conjunto do sistema jurídi-co pré-existente, assim como entre este e o conjunto do processo sociopolítico que responde por sua criação e interpretação.

Considerando, portanto, a necessidade de verifi-cação dos requisitos da alteridade e da não eventualida-

de para configuração do contrato de trabalho, percebe--se que o serviço prestado por trabalhador contratado na forma do art. 443, § 3º, da CLT deve ter natureza in-termitente. É que, tratando-se de serviço de necessida-de permanente para o empregador, a justificativa para a existência dos períodos de inatividade mencionados no dispositivo legal em comentário deve ser a própria natureza intermitente do serviço, que significa a neces-sária existência de interrupções/intervalos no mesmo.

Destarte, a disposição legal no sentido de que no contrato de trabalho intermitente a prestação de servi-ços deve ocorrer sem continuidade e com alternância entre períodos de atividade e inatividade (art. 443, § 3º, da CLT) deve ser vislumbrada também sob a ótica do empregador. A previsão acerca da intermitência do ser-viço, dessa maneira, não se refere à paralisação da ativi-dade apenas por parte do trabalhador contratado, mas também no âmbito da própria contratante.

Ressalta-se que, diante da subordinação jurídica que pesa sobre o empregado, o legislador editou a nor-ma do art. 9º da CLT presumindo a nulidade de qualquer ato do trabalhador que implique na renúncia aos seus direitos, exceto em casos previstos constitucional e legal-mente (GRANCONATO, 2015). Assim, verificada a con-tratação de trabalhador por meio de contrato de trabalho intermitente para a prestação de serviços de natureza contínua, será constatada fraude à legislação trabalhista, devendo incidir sobre o caso as normas de proteção em favor do empregado, que fará jus a todas as garantias de um contrato por tempo indeterminado clássico.

Referências bibliográficas

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CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: Método, 2016.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018.

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GRANCONATO, Márcio Mendes. Consolidação das Leis do Trabalho: Título I. In: MACHADO, An-tônio Cláudio da Costa; ZAINAGHI, Domingos Sávio. CLT interpretada: artigo por artigo, parágra-fo por parágrafo. 6. ed. São Paulo: Manole, 2015.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Tra-balho. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

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SOUTO MAIOR, Jorge Luis. A CLT de Temer (& Cia. Ltda.). Disponível em: <https://www.jorgesouto-maior.com/blog/a-clt-de-temer-cia-ltda>. Acesso em: 25 abr. 2017.

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CONCEITO GERAL E JURÍDICO DE TRABALHO “INTERMITENTE”

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

balhador portuário avulso, em caráter permanente, ao operador portuário e, no art. 40, temos que o trabalho portuário de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações, nos portos organizados, será realizado por trabalhado-res portuários com vínculo empregatício por prazo indeter-minado e por trabalhadores portuários avulsos.

Porém, como bem lembra Mendes (2017, p. 52), a dita Lei dos Portos (Lei n. 12.815/2013) prevê expressa-mente que no trabalho intermitente, realizado pelo tra-balhador portuário avulso, não há vínculo de emprego (inadmite-se a modalidade de trabalho intermitente aos trabalhadores portuários com vínculo de emprego por prazo indeterminado); ainda, em que pese a Constitui-ção da República reconhecer, no art. 7º, XXXIV, a “igual-dade de direitos entre o trabalhador com vínculo em-pregatício permanente e o trabalhador avulso”, ainda há diferenciação, com relação a certos direitos, aplicada com base na legislação infraconstitucional, mormente no âmbito do TST, vejam:

“(...) RECURSO DE REVISTA DOS AUTORES. TRABALHADOR AVULSO. PAGAMENTO EM DO-BRO DAS FÉRIAS NÃO GOZADAS NO PERÍODO CONCESSIVO. A atual e iterativa jurisprudência des-ta Corte possui o entendimento de que, em que pese à igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso, asse-gurada pelo art. 7º, inciso XXXIV, da Constituição Fede-ral, não se pode conferir ao trabalhador avulso portuá-rio, cujo trabalho, ao contrário dos empregados, não se realiza de forma contínua para o mesmo beneficiário de sua prestação laboral, o mesmo direito do trabalhador com vínculo de emprego com relação à dobra das férias, tendo em vista a peculiaridade do trabalho avulso, que, de regra, não possibilita a sua atuação para um mesmo tomador de seus serviços por todo o período aquisitivo e concessivo. Recurso de revista não conhecido. (...)” (TST--RR-133900-68.2007.5.09.0322, Relator Ministro: José Ro-berto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 11.10.2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20.10.2017)

Carvalho (2016, p. 115), por sua vez, ao recordar os safristas, diz o seguinte:

“Trabalhador intermitente ou adventício é aquele que presta serviço não eventual, mas descontínuo. São

O art. 443, § 3º, da CLT, com a alteração promo-vida pela Lei n. 13.467/2017, traz a definição do que é “intermitente”:

“Considera-se como intermitente o contrato de tra-balho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.”

Com relação ao conceito geral, da Língua Por-tuguesa, temos em Houaiss (2009, p. 1098) a seguinte definição para “intermitente”: “em que ocorrem inter-rupções; que cessa e recomeça por intervalos; interva-lado, descontínuo”. No âmbito jurídico, temos em Di-niz (2005, p. 1030), de forma simplificada, o seguinte: “nas linguagens comum e jurídica, quer dizer: a) não contínuo; b) interrompido a espaços; c) o que para por intervalos”.

Oliveira (2017, p. 37) bem coloca:

“Intermitente constitui adjetivo de dúplice gênero originário do latim intermittente. Intermitência significa que o trabalho cessa e recomeça por intervalos, maio-res ou menores, que se manifestam com intermitências; que não é contínuo, que tem interrupções. O antônimo de intermitente é contínuo. A intermitência poderá ser causada por horas, dias ou mesmo meses. Vai depender do tipo de atividade que será prestada. O parágrafo ex-cepciona os aeronautas, os quais são regidos por legis-lação específica.”

Mendes (2017, p. 54), ao lembrar dos trabalhado-res avulsos, afirma que “o legislador não fez reserva de contratação do empregado por contrato intermitente para contratação por prazo indeterminado e sem inter-mitências, como é o caso dos avulsos”.

De fato, o art. 32, IV, da Lei n. 12.815/2013, que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários, diz que os operadores portuários devem constituir em cada porto organizado um órgão de gestão de mão de obra (OGMO) do trabalho portuário, destinado a, entre outros, selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso. No art. 35, temos que o OGMO pode ceder tra-

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o safrista e o suplente, especialmente. Os trabalhadores safristas ou estacionários são, na lição de Orlando Go-mes e Elson Gottschalk, aqueles “requisitados segun-do as necessidades técnicas do estabelecimento; pela temporada (hotéis de turismo, cassinos, certos tipos de indústria, como a do sal); ou pelas estações do ano (co-lheita dos frutos, preparo e limpeza da terra)”. Os tra-balhadores suplentes, à expressão dos mesmos mestres, são aqueles “que podem ser chamados para substituir o pessoal do quadro efetivo”, ou seja, os que ajustam contratos de substituição, provendo provisoriamente a vaga de empregados que se afastaram em razão de fé-rias ou gozo de licença-gestante, por exemplo.”

A Lei n. 5.889/1973, que estatui normas regula-doras do trabalho rural, prevê, em seu art. 14 que se considera contrato de safra “o que tenha sua duração dependente de variações estacionais da atividade agrá-ria”; expirado normalmente o contrato, o empregador rural pagará ao empregado rural safrista, a título de in-denização do tempo de serviço, importância correspon-dente a um doze avos do salário mensal, por mês de serviço ou fração superior a catorze dias. Temos uma clássica figura que se insere no âmbito do contrato de trabalho por prazo determinado.

Embora os preceitos constantes na CLT não se apliquem aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respec-tivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais, exceto quando, em cada caso, for “expressamente determina-do em contrário”, à luz do art. 7º, b, da CLT, é possível, para fins didáticos, fazer uma analogia do contrato de trabalho rural do safrista com a previsão no art. 443, b, da CLT, considerado o contrato de trabalho por prazo determinado aquele que trate de atividades empresa-riais de caráter transitório, como ocorre nos contratos de safra, por temporada.

Trata o contrato de trabalho intermitente de novel figura jurídica (no que toca à sua positivação, pela CLT, sem precedentes outrora), embora não se trate de prá-tica inovatória no mundo fenomênico – lembre-se do Caso McDonald’s(1).

(1) “Jornada de quatro, seis ou oito horas. Salário mínimo da categoria profissional. Pagamento independente das horas trabalhadas. Impossibilidade. Orientação Jurisprudencial n. 358 da SBDI-I. Princípio da isonomia. É lícito o pagamento de salário proporcional à jornada de trabalho, ainda que inferior ao mínimo legal e/ou convencional, posto que não podem ser remunerados de forma idêntica os trabalhadores que desempenham as mesmas atividades, mas se sujeitam a jornadas distintas. Incidência da Orientação Jurisprudencial n. 358 da SBDI-I e do princípio da isonomia insculpido no art. 5º, caput, da CF. No caso em apreço, a Turma de origem, ao julgar recurso de revista interposto pelo Ministério Público do Trabalho em ação civil pública, entendeu ilícita a adoção de jornada móvel e variável, pois os empregados não sabiam quando seriam ativados, ficando submetidos ao arbítrio da empregadora por 44 horas semanais. Assim, declarou a nulidade de todo o regime de trabalho e determinou à empresa que garantisse o pagamento do salário profissional independentemente do número de horas trabalhadas. Todavia, em virtude de acordo de abrangência nacional firmado nos autos do processo n. 1040-74.2012.5.06.0011, perante a 11ª Vara do Trabalho do Recife/PE, a jornada móvel e variável

Agora, o contrato individual de trabalho poderá servir de instrumento para a prestação de trabalho in-termitente. O conceito trazido pela Lei n. 13.467/2017 é conexo ao conceito etimológico da palavra, consagra-do nos dicionários, na medida em que o art. 443, § 3º, da CLT prevê, para essa modalidade de prestação de trabalho, o labor em que ocorrem interrupções, inter-valado, descontinuado, assim entendido o trabalho não contínuo e não eventual, no qual ocorre alternância entre períodos de plena atividade e de total inativação.

Como dito alhures, se a CLT conceitua o traba-lho intermitente como o que ocorre com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade determinados em horas, dias ou meses, intuitivo concluir que a Lei, ao citar de forma enumerada a fração horária, diária e mensal do tempo, trouxe um rol taxativo, de modo que, se houver inatividade anual, há motivo para o justo rompimento e para a resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do empregado, com base analó-gica no art. 483, g, da própria CLT, que permite ao em-pregado considerar rescindido o contrato de trabalho quando o empregador “reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários”.

Referências bibliográficas

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DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 2, D-I.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRAN-CO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ob-jetiva, 2009.

MENDES, Iratelma Cristiane Martins. Responsabilida-de do empregado pela gestão na intermitência do contrato de trabalho: gestão negociada ou impo-sitiva? In: MARTINS, Juliane Caravieri; BARBO-SA, Magno Luiz; MONTAL, Zélia Maria Cardoso (Orgs.). Reforma trabalhista em debate: direito in-dividual, coletivo e processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2017. p. 49-56.

OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Reforma trabalhista: comentários à Lei n. 13.467, de julho de 2017. São Paulo: LTr, 2017.

foi substituída por jornada fixa de quatro, seis ou oito horas, não mais subsistindo o argumento utilizado pela Turma para determinar o pagamento do piso da categoria de forma indistinta. Assim, a SBDI-I, por maioria, conheceu dos embargos por contrariedade à Orientação Jurisprudencial n. 358 da SBDI-I, vencidos os Ministros Aloysio Corrêa da Veiga, Márcio Eurico Vitral Amaro, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann e Cláudio Mascarenhas Brandão. No mérito, a Subseção deu provimento ao recurso para excluir da condenação a determinação para que a reclamada garanta ‘o pagamento do salário mínimo da categoria profissional, de acordo com a Convenção Coletiva do Trabalho, independentemente do número de horas trabalhadas’, julgando-se improcedente a presente ação no particular. TST-E-ED-RR-9891900-16.2005.5.09.0004, SBDI-I, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 26.11.2015.” – Informativo n. 125 do TST. (os destaques que contêm sublinhado não constam no original)

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CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

Marco Antônio César VillatoreAdvogado. Professor Titular (Graduação, Mestrado e Doutorado), Coordenador do Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Líder do Grupo de Pesquisa do Núcleo

de Estudos Avançados de Direito do Trabalho e Socioeconômico – NEATES, todos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

João Maciel de Souza Gonçalves LopesPós-Graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Integrante do Grupo de Pesquisca do Núcleo de Estudos Avançados de Direito do

Trabalho e Socioeconômico – NEATES – PUC-PR. Especialista em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas Barros Melo. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região.

pode pactuar diretamente com o empregador o labor intermitente, desde que celebrado por escrito.

O art. 611-A, inciso VIII, da CLT, no entanto, auto-riza a flexibilização autônoma, ou seja, aquela oriunda de permissivo negociado (convenção coletiva de traba-lho ou acordo coletivo de trabalho), sem a preocupação de estabelecer limites para mitigar a precarização de direitos trabalhistas.

A jurisprudência da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho(3) impõe limites à criatividade negocial coletiva, reconhecendo a nuli-dade de cláusulas autônomas que afrontam o princípio da adequação setorial negociada, o qual tem o status de norma de ordem pública.

As recentes decisões do Supremo Tribunal Fede-ral acompanham o posicionamento adotado pelo Tribu-nal Superior do Trabalho, no sentido de que as normas coletivas somente poderão prevalecer sobre a norma heterônoma quando implementarem direitos que me-lhorem a condição social dos trabalhadores (art. 7º, caput, da Constituição de 1988) ou quando transacio-narem pontualmente direitos de indisponibilidade re-lativa (STF, 2015).

No que diz respeito ao complexo remuneratório, o art. 452-A da Consolidação das Leis do Trabalho as-segura duas garantias: percepção do valor da hora de trabalho “não inferior ao valor horário do salário míni-mo ou àquele devido aos demais empregados do esta-belecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não”. Essa última parte corporifica o princípio da não discriminação em matéria salarial, há muito agasalhado por normas de direito internacional e interno(4).

(3) Nesse sentido, conferir os seguintes precedentes da Seção de Dissídios Coletivos: RO-8356-31.2012.5.04.0000, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 15.04.2014; RO-3980-02.2012.5.04.0000, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 19.04.2013; e RO-3845-24.2011.5.04.0000, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, DEJT 14.09.2012.

(4) Convenção n. 100, de 1951, da Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto n. 41.721, de 25 de junho de 1957.

A Lei n. 13.467/2017 produziu alteração do caput do art. 443, com a inserção do § 3º no mesmo dispositi-vo e o acréscimo dos arts. 452-A e 611-A, VIII, todos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituindo no ordenamento jurídico o novel instituto do contrato de trabalho intermitente, de certo, um dos pontos mais controvertidos e espinhosos da “Reforma Trabalhista”.

Segundo nos ensina Oliveira(1) “intermitente constitui adjetivo de dúplice gênero originário do latim intermittente. Intermitência significa que o trabalho ces-sa e recomeça por intervalos, maiores ou menores, que se manifestam com intermitências; que não é contínuo, que tem interrupções. O antônimo de intermitente é contínuo”.

A intermitência, portanto, refere-se à atividade, ou seja, qualifica o trabalho subordinado, em que há alternância de períodos de atividade e de inatividade diária, semanal ou mensal.

Nesse prumo, na hipótese de o empregador pro-longar a inatividade por período superior ao taxativa-mente fixado na legislação (diário, semanal ou mensal), enseja a resolução do contrato de trabalho por infração empresarial, a que se denomina dispensa ou despedida indireta, conforme tipificado na alínea g do art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Segundo Delgado(2), “a presente falta abrange empregados cujos contratos tenham previsão de salário variável: ela verificar-se-á caso o empregador reduza, significativamente, as encomendas ou tarefas do obrei-ro, afetando de modo sensível seus ganhos salariais mensais”.

De acordo com o art. 452-A da Consolidação das Leis do Trabalho, a contratação dispensa a participa-ção do ser coletivo obreiro, de modo que o trabalhador

(1) OLIVEIRA, F. A. D. Reforma trabalhista: comentários à Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017 – vigência em 11.11.2017. 2. ed., São Paulo: LTr, 2018. p. 48.

(2) DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 1.455.

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Analisando as disposições, observamos que a le-gislação permite o trabalho intermitente em qualquer ramo da atividade econômica, com a ressalva para os aeronautas, regidos por legislação própria. Esse aspec-to traz um nítido desconforto, quando se observa que, além deles, outras categorias são “regidos por legis-lação própria”. Então, qual o motivo para essa única exceção?

Compartilhamos do entendimento de que ela não se justifica. Dois argumentos são invocados: no relatório apresentado na Comissão Especial, destinada a proferir parecer sobre o projeto de Lei n. 6.787/2016, que resul-tou na Lei n. 13.467/2017, apenas foi proposta a modi-ficação do § 3º do art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho sem apresentar qualquer justificativa(5).

Em segundo, porque o conceito de categoria profissional diferenciada abrange “empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por for-ça de estatuto profissional especial ou em consequên-cia de condições de vida singulares” (art. 511, § 3º, da CLT), isso nos permitindo concluir que: a) a expres-são “regidos por legislação própria” aplica-se a todas as categorias profissionais disciplinadas por estatuto profissional especial, por exemplo, profissionais fisio-terapeuta e terapeuta ocupacional (Lei n. 8.856/1994), médicos (Lei n. 3.999/1961), engenheiro, arquiteto e engenheiro-agrônomo (Lei n. 5.194/1966) e advogado (Lei n. 8.906/1994); b) e, também, para aqueles que, “por condições de vida singulares”, não se sujeitam ao trabalho intermitente, como, por exemplo, para os trabalhadores portuários com vínculo de emprego por prazo indeterminado, vez que a Lei n. 12.815/2013, re-serva essa modalidade de trabalho, especificamente, aos trabalhadores portuários avulsos(6).

De outro vértice, descumpre parâmetros mínimos fixados pela Organização Internacional do Trabalho, porquanto não garante um período mínimo de convo-cações, bem como não assegura uma quantidade míni-ma de horas de efetiva prestação de serviços, a exigir do empregado a gestão da sua disponibilidade perante diversos empregadores, segundo a necessidade desses, como forma de auferir uma maior remuneração, e, con-sequentemente, violando o limite de duração do traba-lho assegurado na Constituição de 1988, no art. 7º, XIII.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d41721.htm>. Acesso em: 30 abr. 2018.

(5) BRASIL. Câmara dos Deputados. Deputado Rogério Marinho. Relatório apresentado à Comissão Especial destinada a proferir parecer ao projeto de Lei n. 6.787, de 2016, do Poder Executivo. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961>. Acesso em: 27 fev. 2018.

(6) ZWICKER, I. D. O. O contrato de trabalho intermitente e seus impactos para o mundo do trabalho. In: MIESSA, E.; CORREIA, H. (org.) A reforma trabalhista e seus impactos. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 157-214.

De clareza fora do comum são as palavras de Bauman(7): “numa vida guiada pelo preceito da flexibi-lidade, as estratégias e planos de vida só podem ser de curto prazo. [...] O trabalho escorregou do universo da construção da ordem e controle do futuro em direção do reino do jogo; atos de trabalho se parecem mais com as estratégias de um jogador que se põe em modestos objetivos de curto prazo, não antecipando mais que um ou dois movimentos. O que conta são os efeitos imedia-tos de cada movimento; os efeitos devem ser passíveis de serem consumidos no ato”.

Submeter o empregado a uma condição mera-mente potestativa significa subverter o caráter tuitivo do Direito do Trabalho e desvirtuar a essencialidade dos pressupostos da relação de emprego, insculpidos nos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho: pessoalidade, subordinação jurídica, onerosidade e não eventualidade.

Além disso, descumpre a norma constitucional expressa de “garantia de salário, nunca inferior ao mí-nimo, para os que percebem remuneração variável” (art. 7º, VII, da Constituição de 1988).

Como afirma Delgado(8), “a ideia de permanên-cia vigora no Direito do Trabalho no próprio instante da configuração do tipo legal relação empregatícia. Por meio do elemento fático-jurídico da não eventualidade, o ramo justrabalhista esclarece que a noção de perma-nência também é relevante à formação sociojurídica da categoria básica [...] para que haja relação empregatícia é necessário que o trabalho prestado tenha caráter de permanência (ainda que por um curto período determi-nado), não se qualificando como trabalho esporádico”.

É por essa razão que a Consolidação das Leis do Trabalho não se aplica para o trabalhador eventual, vez que a prestação de serviço é “esporádica e intermitente-mente vinculada a distintos tomadores de serviços”(9).

Em tempos de modernidade líquida e de esva-ziamento das relações sociais, o trabalho intermitente se caracteriza pela precarização das condições de tra-balho, instalando o medo do fracasso e a insegurança pela perda do emprego, de modo que, no particular, a ideologia da flexibilização atua, segundo Chauí(10), como “um ideário histórico, social e político que oculta a realidade, e esse ocultamento é uma forma de assegu-rar e manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política”.

(7) BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 175.

(8) DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 17ª ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 341.

(9) Ibidem, 2018, p. 341.

(10)CHAUÍ, M. O que é ideologia? 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, v. 13 (Coleção Primeiros Passos), 2001. p. 7.

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HÁ SUBVERSÃO DO PRESSUPOSTO JURÍDICO DA NÃO EVENTUALI-DADE NO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE?

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

ao empregador o poder de fiscalizar o cumprimento do contrato de trabalho pelo empregador; e, finalmente, o poder disciplinar, que confere ao empregado punir o empregado, por advertência, suspensão ou na resolu-ção unilateral do contrato de trabalho em decorrência da prática de falta de grave pelo empregado (art. 482 da CLT).

O art. 443, § 3º, da CLT reconhece, expressamen-te, a presença do pressuposto da subordinação jurídica, que se mantém caracterizado, inclusive, na recusa do empregado ao chamado para a prestação do trabalho intermitente (art. 452-A, § 3º, da CLT).

Quanto à onerosidade, é resultado de três caracte-rísticas básicas do contrato de trabalho – a bilateralida-de, a comutatividade e o sinalagma –, isto é, trata-se de uma relação pactuada entre duas pessoas interessadas, de um lado o empregador, de outro o empregado, na qual os direitos e obrigações se equivalem (o direito de um corresponde à obrigação do outro) e que se faz pre-sente, em resposta à obrigação do empregado de prestar a sua força de trabalho, o direito de receber salário(1).

A cabeça do art. 452-A da CLT traz, expressamen-te, a obrigação de que o contrato de trabalho traga dis-criminado, por escrito, o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo

(1) Inclusive, esse pressuposto – subestimado pela doutrina – traz um dos conteúdos mais importantes do Direito do Trabalho e que faz dele uma ciência particular e especial. O Direito do Trabalho é protetivo, diante da clara hipossuficiência do empregado – que necessita do seu salário para sobreviver – em face do empregador – que detém o uso do poder empregatício e, em seu favor, o pressuposto da subordinação jurídica. Neste sentido, concebe-se o paradigma da essencialidade (NEGREIROS, 2006, p. 463): “os contratos que versem sobre a aquisição ou a utilização de bens que, considerando sua destinação, são tidos como essenciais estão sujeitos a um regime tutelar, justificado pela necessidade de proteção” – proteção do sujeito hipossuficiente, assim entendido aquele que se utiliza do bem – objeto do contrato – para a sua sobrevivência. No contrato de trabalho, uma das partes – o trabalhador, sujeito hipossuficiente – tem no objeto do contrato – o salário, que recebe em troca da sua força de trabalho – sua única possibilidade de existência digna, o que legitima a intervenção estatal na autonomia da vontade privada, dada a assimetria característica da relação contratual. A par disto, não se olvide que o trabalho – e o direito ao trabalho digno – é um direito social fundamental, consagrado no art. 6º da Constituição da República, cujo objeto final, para o trabalhador, é a paga, o salário que recebe pela força de trabalho que coloca à disposição do empregador.

Há quatro pressupostos que se unem, entre si, para a configuração da relação de emprego, especial-mente presentes nos arts. 2º e 3º da CLT: pessoalida-de, subordinação jurídica, onerosidade e não eventua-lidade.

Quanto à pessoalidade, significa dizer que o empre-gado é contratado para prestar a sua força de trabalho, não podendo se fazer substituir por outrem. Entende-mos, como a maioria, que necessariamente o emprega-do deve ser uma pessoa natural, de modo que os servi-ços prestados por pessoas jurídicas não está acobertado pelo manto protetivo do Direito do Trabalho.

O art. 452-A, §§ 1º e 2º, da CLT, em especial, ao delinear as regras da convocação, informando previa-mente ao empregado qual será a jornada de trabalho e cabendo ao empregado aceitá-la (a convocação) ou não, inclusive (na recusa) sem descaracterização da relação de emprego, deixa claro que permanece hígido o pres-suposto da pessoalidade.

Quanto à subordinação jurídica, sabemos que não se trata de dependência técnica ou econômica do em-pregado em relação ao seu empregador: trata-se de dependência jurídica, consubstanciada no poder em-pregatício. Em rápida síntese, tal relação de poder é marcadamente acentuada por sua divisão estrutural em poder diretivo, de modo que cabe ao empregador di-rigir o empreendimento, dando ordens ao empregado e cabendo a este obedecê-las, salvo se forem exigidos ser-viços superiores às suas forças, defesos por lei, contrá-rios aos bons costumes ou alheios ao contrato (art. 483, a, da CLT); no poder regulamentar, que permite ao em-pregador, ainda que unilateralmente, regulamente as condições de trabalho, direitos e deveres dos emprega-dos, com força de lei, salvo aquelas que contravenham disposições de proteção ao trabalho, convenções ou acordos coletivos de trabalho que sejam aplicáveis aos empregados e às decisões das autoridades competentes (art. 444, caput, da CLT) ou as que representem alteração contratual lesiva, assim entendida a alteração das res-pectivas condições que não ocorram por mútuo consen-timento ou que resultem, direta ou indiretamente, pre-juízos aos empregados (art. 468, caput, da CLT); no poder fiscalizatório, típico do empreendimento, conferindo-se

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ou àquele devido aos demais empregados do estabele-cimento que exerçam a mesma função em contrato in-termitente ou não, a revelar a presença do pressuposto da onerosidade. Ainda nesse sentido, o art. 452-A, § 6º, traz um rol de parcelas – todas de natureza remunera-tória – que devem ser pagas ao final de cada período de prestação de serviço.

Por último, quanto à não eventualidade, temos aqui um ponto polêmico, entre os pressupostos da relação de emprego(2) – a meu ver, uma polêmica desnecessária. Ao tratar das principais teorias informadoras da noção de eventualidade (e, consequentemente, da noção de não eventualidade), Delgado (2017, p. 318) já nos adianta que, “em conformidade com a doutrina e jurisprudên-cia dominantes, a primeira de tais teorias (descontinui-dade) seria incompatível com a CLT, mas harmônica à legislação reguladora do trabalho doméstico, ao passo que as três subsequentes teorias seriam ajustadas ao es-pírito do texto celetista”.

Isso porque, para a teoria da descontinuidade, o trabalho eventual “seria o trabalho descontínuo e inin-terrupto com relação ao tomador enfocado” (DELGA-DO, 2017, p. 318), o que se ajusta, como já adiantado, ao trabalhador eventual doméstico, conhecido como diaris-ta, seja na vigência da Lei n. 5.859/1972, que, embora si-lente, já permitia à jurisprudência fixar a eventualidade no trabalho desenvolvido em até dois dias na semana, seja após o advento da Lei Complementar n. 150/2015, a qual, expressamente, consignou isto (art. 1º, caput).

Assim, a partir das teorias informadoras da no-ção de eventualidade e da proposição metodológica de Delgado (2017, p. 320), podemos formular a seguinte caracterização do trabalho de natureza eventual:

“a) descontinuidade da prestação do trabalho, en-tendida como a não permanência em uma organização com ânimo definitivo;

b) não fixação jurídica a uma única fonte de tra-balho, com pluralidade variável de tomadores de ser-viços;

c) curta duração do trabalho prestado;

d) natureza do trabalho tende a ser concernente a evento certo, determinado e episódico no tocante à regular dinâmica do empreendimento tomador dos ser-viços;

e) em consequência, a natureza do trabalho pres-tado tenderá a não corresponder, também, ao padrão dos fins normais do empreendimento.”

(2) Segundo Furtado (2017, p. 111, destaques meus): “Não há como não se espantar com a incoerência estampada logo de início, na tentativa de se lançar uma definição de trabalho intermitente, ao se deparar com um choque com um dos elementos essenciais do contrato de trabalho, a saber, a não eventualidade. Como se dizer não eventual contrato cuja quantidade de horas, dias, semanas, ou meses de trabalho ficam em aberto, de acordo com o risco do empreendimento, que é ínsito ao empregador e que doravante passa a ser incoerentemente dividido com o trabalhador, sem que este galgue a condição de sócio, muito ao reverso, tendo daqui para frente que encarar a chamada jornada zero hora? Assim, ab initio, já se ferem duas balizas da relação de emprego, a não eventualidade e a não participação do empregado nos riscos do empreendimento”.

O art. 443, § 3º, da CLT considera intermitente, expressamente, o contrato de trabalho no qual a pres-tação de serviços não é contínua – como não se aplica ao trabalho com vínculo de emprego a teoria da des-continuidade, o pressuposto da não eventualidade se faz presente –, “ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador”. Segun-do o art. 452-A, § 5º, da CLT, o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do emprega-dor, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.

É interessante ressaltar que se o art. 443, § 3º, da CLT conceitua o trabalho intermitente como aquele que ocorre com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade determinados em horas, dias ou meses, ou seja, a Lei cita, de forma enumerada, a fração horária, diária e mensal do tempo, razoável concluir que se trata de um rol taxativo e que se tal período de inatividade atingir a marca de um ano, há motivo para o justo rompimento e para a resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do empregado, com base analó-gica no art. 483, g, da própria CLT, que permite ao em-pregado considerar rescindido o contrato de trabalho quando o empregador “reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários”.

Nesse contexto de ideias, entendo que a novel figura jurídica não subverteu o pressuposto jurídico da não eventualidade, na subsunção em direção à carac-terização da relação de emprego. Não estou aqui afir-mando que o trabalho intermitente não subverte a lógica protetiva trabalhista ou inúmeras normas-princípios que regem o Direito do Trabalho e até incorra em eventual inconstitucionalidade e/ou inconvencionalidade. Po-rém, a questão é: embora o trabalho intermitente seja um conceito novo (“novo” em se tratando de positiva-ção da norma), sem ressonância na legislação vigente, fato é que, no tocante à análise dos pressupostos da re-lação de emprego, é perfeitamente ajustável o conteúdo jurídico de “trabalho intermitente” à definição jurídica de “não eventualidade” – o que, aliás, já se desenvolve na doutrina e na jurisprudência, muito antes do adven-to dessa novel figura jurídica.

Referências bibliográficas

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017.

FURTADO, Emmanuel Teófilo. A reforma trabalhista e o trabalho intermitente: o tiro de misericórdia na classe trabalhadora. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia; FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho (Orgs.). Re-forma trabalhista: visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017. p. 107-116.

NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradig-mas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

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EXPERIÊNCIA NORMATIVA EM DIPLOMAS ESTRANGEIROS: ZERO-HOUR

Marco Antônio César VillatoreAdvogado. Professor Titular (Graduação, Mestrado e Doutorado), Coordenador do Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Líder do Grupo de Pesquisa do Núcleo

de Estudos Avançados de Direito do Trabalho e Socioeconômico – NEATES, todos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

João Maciel de Souza Gonçalves LopesPós-Graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Integrante do Grupo de Pesquisa do Núcleo de Estudos Avançados de Direito do Trabalho e Socioeconômico – NEATES – PUC-PR. Especialista em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas Barros Melo. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região.

Citando relatório da Office for National Statistics (ONS), ele afirma que, no ano de 2012, cerca de 250 mil trabalhadores foram contratados por essa modalidade.

O aumento é considerável, porquanto, em 2005, o quantitativo era de 50 mil pessoas. Em 2015, segundo estudo da Chartered Institute of Personnel Development, 800 mil pessoas, ou seja, 2,5% da força de trabalho to-tal do Reino Unido laborava como intermitente(1), com predominância em setores de baixa remuneração, como docas, varejo, alimentação e assistência social, onde o trabalho antes protegido está se tornando cada vez mais precário(2).

O ponto de partida do nosso estudo é o protóti-po legislativo baseado no zero-hour contract do direito inglês. A expressão “contrato de zero hora” é obtida a partir da tradução do termo utilizado pelo art. 27A do Employment Rights Act de 1996 (PACHECO, MARTINS, et al., 2017).

Primacialmente, acarretava evidente precariza-ção do trabalho, pois inexistia obrigação de utilização e pagamento mensal de uma carga horária mínima ao trabalhador, exigindo do trabalhador a formalização de diversos vínculos com distintos empregadores, invia-bilizando a fruição de repousos mais prolongados e a desconexão com o trabalho.

Coube a Lei Nacional do Salário Mínimo de 1998 (National Minimum Wage Act 1998) implementar maio-res garantias ao trabalhador, os quais passaram a ter o direito de receber o salário mínimo nacional hora pelo labor efetivamente desempenhado.

Além disso, em 2014, proibiu-se a cláusula de ex-clusividade, de modo a impedir o trabalhador intermi-tente de prestar serviços a mais de um empregador ao mesmo tempo.

(1) Indicadores disponíveis em: <http://www.unitetheunion.org/growing-our-union/about-us/>. Acesso: 30 abr. 2018.

(2) Dados coletados em: Government must act to halt rise in zero hours. <http://www.unitetheunion.org/news/governmentmustacttohaltri seinzerohours/>. Acesso: 30 abr. 2018.

1. Introdução

O presente artigo apresenta um estudo compa-rativo da experiência normativa em diplomas estran-geiros, especialmente, Reino Unido, Itália e Espanha, a respeito de novas formas de contratação disruptivas.

Segundo Alekynska e Berg (2016), invocando da-dos coletados pela Organização Internacional do Traba-lho (OIT), há uma tendência mundial pela criação e im-plementação de diferentes formas de emprego atípico, tal como o modelo britânico do zero-hour contracts, os quais, de um lado, permitem maior acesso ao mercado de trabalho e oferecem instrumento de flexibilização, de outro, geram malefícios, tais como, maior insegu-rança para o trabalhador decorrente da precariedade das disposições normativas a respeito do assunto, das características da contratação e incremento das taxas de acidentes de trabalho e doença ocupacionais.

De acordo com a OIT, a experiência internacional revela a necessidade de assegurar ao empregado, pelo menos, um mínimo de horas a receber por mês, além de fixar com antecipação o período de convocação, os efei-tos jurídicos e econômicos em caso de não convocação nos períodos preestabelecidos e a forma de retribuição pelo trabalho à disposição e pelos momentos de inati-vidade.

Importante, portanto, o estudo dos modelos ado-tados em alguns países, tais como, Reino Unido, Itália e Espanha.

2. Zero-hour contract

Len McCluskey, Secretário Geral da Unite The Union, maior sindicato da Grã-Bretanha que congrega mais de 1,42 milhões de membros em todo o tipo de trabalho, demonstra pessimismo e exorta o governo britânico a adotar ações imediatas para impedir o cres-cimento da cultura do zero-hour contracts.

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3. Contratto di lavoro intermittente ou contratto di lavoro a chiamata

Na Itália, o instituto jurídico equivalente é defini-do como “um contrato que pode ser ativado se houver a necessidade de usar um trabalhador para serviços com uma frequência que não pode ser predeterminada, per-mitindo que o empregador use a atividade do trabalha-dor, chamando-o se necessário”(3).

A regulamentação dessa espécie contratual cou-be, recentemente, a Lei n. 99/2013 e ao Decreto Legis-lativo n. 81/2015. Nesse sentido, é pactuado para situa-ções e necessidades identificadas em acordos coletivos, configurando-se exceção a contratual individual.

É previsto para o desempenho de serviços em períodos pré-determinados durante a semana, mês ou ano. Há limitação etária, porquanto só podem ser cele-brados com trabalhadores com idade inferior a 24 anos ou superior a 55 anos.

Além disso, a legislação impõe duração por, no máximo, 400 dias de trabalho a cada 3 anos, e, caso ultrapasse esses lapsos temporais, o contrato é, auto-maticamente, convalidado na modalidade por prazo indeterminado. Ademais, as hipóteses justificadoras da contratação, bem como as diretrizes salariais devem es-tar expressamente estipuladas no contrato.

Por fim, como limitação material, a legislação ita-liana determina a utilização para determinadas ocupa-ções profissionais, tais como, no mercado de entreteni-mento, guardas, recepcionistas, para o setor de turismo ou para atividades que exigem incremento de mão de obra em determinadas épocas do ano.

4. Contrato fijo-descontinuo

Na Espanha, o Estatuto dos Trabalhadores, no art. 16, disciplina o contrato fijo-descontinuo, modalida-de por prazo indeterminado, pactuado para os serviços sem repetição em datas certas e quando houver maior demanda do mercado.

Exige-se a necessária intervenção dos sindicatos, entabulando-se convenção coletiva de trabalho, a qual deverá prever a forma de convocação dos trabalhado-res. Além disso, o Estatuto restringe a contratação para as hipóteses expressamente tipificadas na lei.

(3) No original: È un contratto che si può attivare qualora si presenti la necessità di utilizzare un lavoratore per prestazioni con una frequenza non predeterminabile, permettendo al datore di lavoro di servirsi dell’attività del lavoratore, chiamandolo all’occorrenza.

De acordo com a legislação espanhola, são pres-supostos de validade: a celebração por escrito, inserin-do-se cláusula contratual de forma expressa, na qual contenha indicação, ainda que por estimativa, do tem-po de duração da atividade, do horário de trabalho e a distribuição do tempo fixo e descontínuo. Ademais, impõe a observância das disposições da autonomia co-letiva para o chamamento dos empregados, e, também, para que conste, de maneira ostensiva, a jornada de tra-balho e sua distribuição horária.

5. Conclusão

Observa-se, com efeito, o nítido viés protetivo das legislações italiana e espanhola, em razão das especifi-cidades e limitações impostas à contratação. De outro lado, o modelo britânico, ao assegurar o pagamento do salário mínimo nacional hora pelo labor efetivamente desempenhado e proibir a cláusula de exclusividade, mitiga o caráter aviltante da normatização originária, sem, todavia, expurgar a matriz precarizante que lhe serviu de inspiração.

6. Referências bibliográficas

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ESPANHA. Real Decreto Legislativo 2/2015, de 23 de octubre, por el que se aprueba el texto refundi-do de la Ley del Estatuto de los Trabajadores. In: Agencia Estatal Boletín Oficial del Estado. Legis-lación consolidada, 24 out. 2015. Disponível em: <https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2015-11430&p=20151024&tn=2>. Acesso em: 30 abr. 2018.

ITÁLIA. Lavoro intermittente e a chiamata. Cliclavoro. Disponível em: <https://www.cliclavoro.gov.it/NormeContratti/Contratti/Pagine/Contratto-di--lavoro-intermittente-o-a-chiamata.aspx>. Acesso em: 30 abr. 2018.

PACHECO, F. et al. Análise comparativa normativa: trabalho intermitente no Brasil e em diplomas estrangeiros. In: Revista Científica Faculdades do Sa-ber, Mogi Guaçu, v. 2(3), p. 204-220, 2017.

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IMPOSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE DE FORMA TÁCITA

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Isso porque a interpretação do Direito do Tra-balho não pode resultar em prejuízo à melhoria da condição social dos trabalhadores. Nesse sentido, por exemplo, mutatis mutandis, a Constituição da Organi-zação Internacional do Trabalho prevê, no seu art. 19, § 8º, que dispõe sobre a figura do favor laboris e diz que, “em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado-Membro, de uma convenção, deverão ser con-sideradas como afetando qualquer lei, sentença, costu-mes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessa-dos condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação”.

Assim, se a Lei prevê a forma escrita, solene, mor-mente em um contrato marcadamente assimétrico, caso não cumprida a forma exigida, sua inobservância não pode ocorrer em prejuízo à melhoria da condição social do empre-gado. Mas, como dito, é possível que a jurisprudência se posicione no sentido de que, mesmo com a exigên-cia legal, em caso de contratação verbal ou tácita, em “prestígio” ao princípio da primazia da realidade sobre a forma.

Cito dois exemplos.

O primeiro trata das atividades dos repre-sentantes comerciais autônomos, reguladas pela Lei n. 4.886/1965. O art. 27, caput e parágrafo único, da Lei previam, expressamente, que a celebração contra-tual por escrito seria uma opção, opção está revogada expressamente pela Lei n. 8.420/1992, que derrogou a Lei n. 4.886/1965, nesse sentido.

Porém, o TST já decidiu, expressamente, pela “dis-pensabilidade” dos requisitos formais da Lei, vejam:

“RECURSO DE REVISTA. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. REQUISITOS FORMAIS. DISPENSABI-LIDADE. NÃO PROVIMENTO. 1. À luz do princípio da primazia da realidade, a verificação da presença ou não dos elementos configuradores da relação de empre-go, previstos no art. 3º da CLT, deve ser feita a partir da análise da realidade fática havida entre as partes. 2. A simples ausência de registro do reclamante no Conse-

Segundo o art. 443 da CLT, o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressa-mente, verbalmente ou por escrito, por prazo determi-nado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.

Já o § 3º, do mesmo artigo, considera como inter-mitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do emprega-do e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Tenho defendido, há muito (ZWICKER, 2015, p. 107), que o manto protetivo do Direito do Traba-lho, que se dirige à figura sociojurídica do empregado, concentra-se, entre outros, no princípio da continuida-de da relação de emprego (como bem consagra a Súmu-la n. 212 do TST), de modo que a regra – o contrato de trabalho por prazo indeterminado – não necessita de maiores burocracias, podendo ser forjado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, à luz do art. 443 da CLT.

Porém, a todo e qualquer ajuste que fuja da regra geral, por corolário lógico, deve-se exigir a lavratura na forma escrita, como faz exigir, a meu sentir, o art. 29, ca-put, da CLT, para o qual a Carteira de Trabalho e Previ-dência Social (CTPS) será obrigatoriamente apresenta-da, contra recibo, pelo trabalhador ao empregador que o admitir, o qual terá o prazo de quarenta e oito horas para nela anotar, especificamente, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver.

No caso do contrato de trabalho intermitente, ou-trossim, a discussão se torna inócua, porque a própria legislação exige o contrato escrito. Como nem tudo são flores, é possível que a jurisprudência se posicione no sentido de que, mesmo com a exigência legal, em caso de contratação verbal ou tácita, em “prestígio” ao princípio da primazia da realidade sobre a forma, o que, a meu ver, foge por completo à razoabilidade – aqui entendida como um metacritério jurídico, corolário do art. 5º da LINDB – Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, para o qual, na aplicação da lei, o

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lho Regional e/ou a inexistência de um contrato escri-to não tem o condão, por si só, de descaracterizar uma relação de representação comercial, convolando-a em empregatícia, mormente se nos autos existem outros elementos que conduzam à conclusão de que o víncu-lo havido entre as partes tinha aquela natureza, não se fazendo presentes os requisitos previstos pelo referido dispositivo consolidado. 3. Recurso de revista a que se nega provimento.” (TST-RR-602640-74.2001.5.09.0014, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 12.11.2008, 7ª Turma, Data de Pu-blicação: DEJT 14.11.2008)

Outro exemplo é quanto ao pagamento do vale--transporte, instituído pela Lei n. 7.418/1985, para a qual o vale-transporte, concedido nas condições e limi-tes definidos na Lei, no que se refere à contribuição do empregador, não tem natureza salarial nem se incorpo-ra à remuneração para quaisquer efeitos (art. 2º, a).

Nesse diapasão, o Decreto n. 95.247/1987, que re-gulamenta a Lei n. 7.418/1985, taxativamente diz que “é vedado ao empregador substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento”, ressalvado em um único caso, que é na hipótese de falta ou insuficiência de estoque de vale--transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, no que o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na folha de pagamen-to imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado, por conta própria, a despesa para seu deslo-camento.

Em que pese à taxatividade da Lei, o que deman-da concluir que se o empregador incorrer em pagamen-to em pecúnia, empresta a tais valores natureza sala-rial, devendo o valor se incorporar à remuneração do empregado, para todos os fins, o Tribunal Superior do Trabalho mantém posicionamento, há muito, de que o pagamento em dinheiro não transmuda a natureza jurí-dica da parcela, vejam:

“(...) TRANSPORTE DE VALORES. VALE-TRANS-PORTE. PAGAMENTO EM PECÚNIA. NATUREZA IN-DENIZATÓRIA. A Jurisprudência pacífica desta Corte posiciona-se no sentido de que o pagamento em pecúnia do vale-transporte não altera a sua natureza indenizató-ria, ante o que dispõe o art. 2º da Lei n. 7.418/83. Nes-se diapasão, ao concluir pela natureza salarial do vale--transporte, pelo simples fato de ter sido pago ao recla-mante em dinheiro, o Regional contrariou a Jurisprudên-cia deste Tribunal Superior. Recurso de revista conhecido e provido. (...)” (TST-ARR-1190700-37.2009.5.09.0029, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho. Data de Julgamento: 27.09.2017, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29.09.2017)

Tal formação jurisprudencial não atende nem aos fins sociais nem às exigências do bem comum, como exi-ge há muito o citado art. 5º da LINDB, como passa ao largo do art. 8º do CPC, claríssimo em exigir do ma-gistrado, ao aplicar o ordenamento jurídico, que aten-da não apenas aos fins sociais e às exigências do bem comum, mas resguarde e promova a dignidade humana, com observância da proporcionalidade e da razoabili-dade, entre outros.

Como bem coloca Didier (2016, p. 76-77), há, no verbo promover, previsto no citado art. 8º do CPC, “a exigência de um comportamento mais ativo do ma-gistrado”.

Assim, conclui-se que, para a contratação do tra-balho intermitente, é condição sine qua non para a sua formação que tal ajuste seja celebrado por escrito, seja em razão da inteligência do art. 29 da CLT, a exigir do empregador, desde 1967, que anote na CTPS “as condi-ções especiais, se houver”, seja em razão da literalidade do art. 452-A, caput, da CLT, que exige, expressamente, a celebração por escrito e o registro em CTPS.

Não descuramos que o princípio da primazia da realidade sobre a forma constitui “em poderoso ins-trumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista” (DELGADO, 2017, p. 224). Porém, como bem destaca Delgado (2017, p. 224), “desde que a forma não seja da essência do ato (ilus-trativamente, documento escrito para a quitação ou instrumento escrito para contrato temporário), o intér-prete e aplicador do Direito deve investigar e aferir se a substância da regra protetiva trabalhista foi atendida na prática concreta efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente a conduta especificada pela legislação”.

No caso do contrato de trabalho intermitente, a forma escrita é da essência do ato, inclusive para a pro-teção do empregado, a quem milita, favoravelmente, o princípio da continuidade da relação de emprego.

Referências bibliográficas

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017.

DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: intro-dução ao Direito Processual Civil, parte geral e processo de conhecimento. 18. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016.

ZWICKER, Igor de Oliveira. Súmulas, orientações juris-prudenciais e precedentes normativos do TST. São Paulo: LTr, 2015.

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OS LIMITES À TERCEIRIZAÇÃO SEM LIMITES (OU A MARCHANDAGE BRASILEIRA)

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

A Lei n. 13.429/2017 passou a permitir, conforme arts. 4º-A e 5º-A, introduzidos na Lei n. 6.019/1974, a terceirização em serviços “determinados e específicos”. Até então, aqui não houve inovação substancial, pois o conteúdo jurídico seria perfeitamente adaptável ao que, tradicionalmente, já diz o TST: serviços “determinados e específicos” seriam aqueles ligados à atividade-meio do tomador dos serviços, mantendo-se a proibição de terceirizar na atividade-fim.

Porém, com o advento da Lei n. 13.467/2017, os arts. 4º-A e 5º-A passaram a dispor que é permitida a prestação de serviços a terceiros com a transferência de quaisquer das atividades do tomador dos serviços, inclu-sive sua atividade principal. Como se vê, pela interpreta-ção literal da Lei n. 13.467/2017, a prática da intermedia-ção da mão de obra, antes permitida somente para os casos de trabalho temporário, agora será permitida em toda e qualquer atividade possível e imaginável.

Como bem destacam Delgado e Delgado (2017, p. 209), porém, a interpretação literal não sobrevive à “matriz constitucional de 1988 e a matriz internacional imperativa no ordenamento jurídico brasileiro, que fi-xam os parâmetros para a interpretação de regras de legislação ordinária no País” e “não absorvem a ideia de terceirização desenfreada”.

A partir de uma interpretação lógico-sistemático--teleológica, a legislação infraconstitucional deve mol-dar-se “aos princípios constitucionais humanísticos e sociais de 1988”, que repelem, todos – individualmente considerados ou lidos em conjunto –, a terceirização trabalhista sem limites (DELGADO; DELGADO, 2017, p. 200):

“Relembrem-se tais princípios, já exaustivamente estudados no Capítulo I desta obra dual. São os deno-minados princípios constitucionais do trabalho: 1) prin-cípio da dignidade da pessoa humana; 2) princípio da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômi-ca e na ordem jurídica; 3) princípio da valorização do trabalho e do emprego; 4) princípio da inviolabilidade do direito à vida; 5) princípio do bem-estar individual e social; 6) princípio da justiça social; 7) princípio da sub-missão da propriedade à sua função socioambiental; 8) princípio da não discriminação; 9) princípio da igual-

A terceirização, embosta disposta no mundo fe-nomênico, não possuía um marco normativo no país, consideradas as atividades em geral, embora, no âm-bito público, há muito se positivou essa dinâmica, na esteira do Decreto n. 200/1967, ainda em vigor, que dispôs sobre a organização da Administração Federal, estabeleceu diretrizes para a Reforma Administrativa e deu outras providências.

Para as atividades em geral, porém, tínhamos um norte já bem definido, juridicamente, a partir da conso-lidação da Súmula n. 331 do TST, fruto de denso estudo da mais alta Corte trabalhista e até – digamos assim – de evolução em torno da matéria, pois a Súmula n. 256, editada em 1986, cancelada em 2003 pela Súmula n. 331 e a primeira a tratar da matéria, permitia a terceiriza-ção unicamente nos casos de trabalho temporário e da prestação de serviços de vigilância – ou seja, apenas admitia a terceirização nas hipóteses expressamente previstas em lei, quais sejam, a Lei n. 6.019/1974 e a Lei n. 7.102/1983, respectivamente.

Outrossim, com a consolidação da Súmula n. 331, é possível afirmar que, até o advento da “Reforma Tra-balhista” – Leis ns. 13.429/2017 e 13.467/2017 e Medi-da Provisória n. 808/2017(1) –, a terceirização somente é permitida: a) no caso de trabalho temporário, única hipótese até então prevista de contratação por empre-sa interposta; b) serviços de vigilância; c) serviços de conservação e limpeza; d) serviços especializados liga-dos à atividade-meio do tomador dos serviços, desde que inexista a pessoalidade e a subordinação direta, sob pena de formação do vínculo diretamente com o toma-dor dos serviços.

Entrementes, a “Reforma”, inicialmente de forma acertada, imprimiu, em um segundo momento, um giro legislativo-precarizante no tema em questão.

(1) A Medida Provisória n. 808/2017 não foi convertida em lei dentro do prazo exigido pelo art. 62, § 3º, da Constituição da República, de modo que perdeu a eficácia, desde a edição, e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23.04.2018 (Ato Declaratório n. 22/2018, do Congresso Nacional). Caberá agora ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, sob pena de as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservarem-se por ela regidas (art. 62, §§ 3º e 11, da Constituição da República).

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dade em sentido material; 10) princípio da segurança; 11) princípio da proporcionalidade e razoabilidade; 12) princípio da vedação do retrocesso social.” (DELGA-DO; DELGADO, 2017, p. 200)

Mas não é só. Nos idos dos anos 1800, na Fran-ça do Século XIX, era prática comum a contratação do trabalhador por intermédio de outra pessoa – interme-diação de mão de obra. Nessa prática, denominada de marchandage, o intermediador – conhecidamente merca-dor da força de trabalho –, lucrava com o trabalho dos terceiros-trabalhadores que locava a um tomador dos serviços.

Como bem registra a socióloga francesa Thebaud--Mony (2011, p. 24), “a primeira verdadeira conquista operária em matéria de direitos dos trabalhadores no capitalismo do Século XIX é a lei de proibição da mar-chandage de main d’oeuvre, votada pelo parlamento fran-cês em março de 1848”.

Atualmente, o Code du Travail francês (última ver-são datada de 1º.04.2018), por seu art. L8231-1, proíbe essa prática expressamente:

“Le marchandage, défini comme toute opération à but lucratif de fourniture de main-d’oeuvre qui a pour effet de causer un préjudice au salarié qu’elle concerne ou d’éluder l’application de dispositions légales ou de stipulations d’une convention ou d’un accord collectif de travail, est interdit.”

No plano global, a Conferência Geral da Organi-zação Internacional do Trabalho, reunida em Filadélfia, adotou, em 10.05.1944, Declaração quanto aos itens e objetivos da OIT e aos princípios que devem inspirar a política dos seus Membros – dentre os quais se inclui o Estado brasileiro –, reafirmando princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente o de que trabalho não é uma mercadoria.

“Com o surgimento dos direitos humanos no pós--guerra, as garantias mínimas pertinentes ao trabalho passaram a compor o quadro das exigências ético-jurí-dicas próprias da pessoa humana, força da sua excelên-cia, reconhecidas por diversos diplomas internacionais. Sendo peculiar aos direitos humanos em sua dimensão econômica, social e cultural a progressividade, afiançou--se o compromisso internacional de os Estados, em caráter ininterrupto e sem recuos, promoverem a implementa-ção destes direitos, mediante consistentes políticas nor-mativas.” (REIS, 2010, p. 23, destaques meus)

É o que diz, literalmente, o Pacto Internacional so-bre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto n. 591/1992), segundo art. 2º, § 1º, para o qual o Bra-sil deve comprometer-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação in-ternacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconheci-dos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.

O próprio TST vem identificando, reiteradamen-te, a precarização e o retrocesso inseridos nessa prática, a exemplo da ementa abaixo:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM. ILICITUDE. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES DE BAN-CÁRIO. ISONOMIA. 1. Quanto à ilicitude da tercei-

rização, destacou o Tribunal Regional “sobejamente patenteado nos autos que o Autor desempenhava funções de bancário (caixa de retaguarda), impõe-se o reconhecimento da ilicitude da terceirização, uma vez que o labor prestado pelo Reclamante coincidia com a atividade-fim da tomadora do serviço (CEF), espécie de contratação de mão de obra interposta não admitida pelo nosso ordenamento jurídico, a teor do que dispõe a Sú-mula n. 331 do C. TST”, resultando fraudulenta a tercei-rização, e concluindo que “os autos demonstram que os contratos firmados entre as reclamadas, esconderam o verdadeiro sentido da contratação. A hipótese é típica de marchandage, expressamente vedada em lei, cuja inten-ção é, de um lado, lucro fácil na intermediação do trabalho humano sem maiores riscos e, de outro, o barateamento de custos, por parte do tomador, sem que se faça necessário co-locar o obreiro sob proteção da legislação trabalhista”, com responsabilização da CEF na forma do art. 942 do Có-digo Civil. Nesse contexto, diante do quadro fático tra-çado pela Corte de origem, não há falar em mácula ao art. 265 do Código Civil ou às Súmulas ns. 331 e 363/TST. (...)” (TST-AIRR-208500-61.2010.5.17.0151, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julga-mento: 05.08.2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14.08.2015, destaques meus)

Viana (2017, p. 68) bem arremata: “o empregador já não compra ou aluga simplesmente a força de traba-lho, mas o homem por inteiro – ossos, cérebro, múscu-los – e em seguida o subloca a outra empresa, ganhando na diferença de preço. E assim o trabalhador se coisifica da maneira mais completa possível”. De fato, uma interpre-tação literal dos arts. 4º-A e 5º-A da Lei n. 6.019/1974, com as alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017, é inaceitável se considerado o ordenamento jusconsti-tucional no qual o Brasil está inserido.

Não olvidemos o óbvio: a Lei n. 13.429/2017, a Lei n. 13.467/2017 e a Medida Provisória n. 808/2017 (medida provisória com a vigência encerrada, como já destacado) – todas espectros que compõem a “Refor-ma Trabalhista” – ostentam posição hierárquico-normativa de mera legalidade, portanto têm compromisso de dupla compatibilidade vertical material com o sistema, ou seja, devem respeito e obediência tanto à Constituição da República quanto aos tratados internacionais de di-reitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro, o que somente pode ser alcançado, neste caso, a partir da in-terpretação lógico-sistemático-teleológica dos arts. 4º-A e 5º-A da Lei n. 6.019/1974.

Referências bibliográficas

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os co-mentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retro-cesso no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010.

THEBAUD-MONY, Annie. Precarização social do tra-balho e resistências para a (re)conquista dos direi-tos dos trabalhadores na França. In: Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. spe1, p. 23-55, 2011.

VIANA, Márcio Túlio. Para entender a terceirização. 3. ed. São Paulo: LTr, 2017.

LTr - Jornal do Congresso 77

COOPERATIVAS E TERCEIRIZAÇÃO: DÚVIDAS E OPORTUNIDADES PÓS REFORMA

Leila Andressa DissenhaProfessora Titular (Graduação, Especialização e no

Mestrado Profissional em Gestão de Cooperativas PPGCOOP – PUC-PR).

Marco Antônio César VillatoreAdvogado. Professor Titular (Graduação, Mestrado e Doutorado), Coordenador do Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Líder do Grupo de Pesquisa do Núcleo

de Estudos Avançados de Direito do Trabalho e Socioeconômico – NEATES, todos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Ao longo dos séculos, as cooperativas alcançaram prestígio e reconhecimento mundial por seu impecável desempenho social e econômico. (3) Se todas as coope-rativas formassem a economia de um único país, este seria a sexta potência econômica mundial.(4)

No Brasil, a origem do cooperativismo é incer-ta, havendo historiadores que atribuem a inserção de seus princípios pelos jesuítas e outros aos imigrantes europeus que aqui se instalaram em meados de 1800.(5) Fato é que, desde 1907, elas fazem parte de nossa legis-lação (o mesmo Decreto que reconheceu a legalidade dos sindicatos urbanos, por coincidência), e são respon-sáveis por parcela essencial do PIB (Produto Interno Bruto) e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) brasileiros.(6) No Estado do Paraná, por exemplo, dos 399 Municípios, 120 tem cooperativas como principal empreendimento.(7)

Antes da reforma juslaboral de 2017, diversas cooperativas foram condenadas, nos termos da Súmula n. 331, por terceirização ilícita. Um dos casos de con-denação de maior repercussão refere-se à COOPERBA, cooperativa responsável pela atividade de colheita de laranjas para a agroindústria Sucocítrico Cutrale Ltda.(8)

Se as experiências das cooperativas com a terceiri-zação, anteriores à reforma trabalhista, não foram boas, diante das novas regras, apresenta-se uma oportunida-de de reescrever esta história.

(3) Conforme SINGER, Paul. Cooperativas de trabalho. Disponível em: <http://www.mte.gov.br>. Acesso em: 16 abr. 2018.

(4) GERAÇÃO COOPERAÇÃO. Números do cooperativismo no Brasil e no mundo. Geração Cooperação. Disponível em: <http://www.geracaocooperacao.com.br>. Acesso em: 16 abr. 2018.

(5) PORTAL DO COOPERATIVISMO FINANCEIRO. História do cooperativismo. Portal do Cooperativismo Financeiro. Disponível em: <http://cooperativismodecredito.coop.br>. Acesso em: 10 abr. 2018.

(6) GAZETA DO POVO. A locomotiva do Paraná. Gazeta do Povo. Disponível em: http://agro.gazetadopovo.com.br/noticias/agricultura/a-locomotiva-do-parana/. Acesso em: 10 maio 2018.

(7) ANDRADE, Felipe. Presidente da OCEPAR destaca o cooperativismo do estado do Paraná. Cooperativa Bom Jesus. Disponível em: <http://www.bj.coop.br>. Acesso em: 20 abr. 2018.

(8) CONSULTOR JURÍDICO. TST impede terceirização de mão de obra em colheita de laranja. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 20 abr. 2018.

A terceirização foi, durante muito tempo, objeto de profundas discussões nos Tribunais laborais brasi-leiros. A falta de legislação específica aliada à “determi-nação” de alguns setores econômicos em reduzir custos e responsabilidades trabalhistas fraudando direitos tra-balhistas, deram à jurisprudência um papel legislativo e pacificador. Foi desta forma que, durante décadas, a Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho aca-bou por regulamentar o tema, limitando a terceirização às atividades meio, cuja definição nunca foi um fácil conceito nem na doutrina, nem nos julgados e, muito menos, na prática.

Se houve um setor que sofreu enormemente os efeitos da terceirização, este setor foi o cooperativismo. Uma lacuna na redação do art. 442 da CLT, impedindo o reconhecimento de vínculo empregatício entre coope-rados e tomadores dos serviços das cooperativas, fez com que disparassem os números de falsas cooperati-vas de trabalho criadas com a finalidade específica de intermediar mão de obra.

Esta prática ilegal e imoral teve como resposta a Lei n. 12.690/2012, que endureceu as regras para a for-mação de cooperativas de trabalho atribuindo direitos semelhantes aos do empregado aos cooperados, e um enorme preconceito do mundo jurídico em relação às cooperativas, em especial, às cooperativas de trabalho. As novas regras acerca da terceirização, trazidas pela Lei n. 13.467/2017, abrem, todavia, um novo capítulo na relação deste instituto com as cooperativas.

As cooperativas ganharam repercussão, em todo o mundo, a partir da experiência cooperativista dos probos pioneiros de Rochdale, em 1844, experiência esta que lançou as bases axiológicas das cooperativas atuais.(1) Os princípios, criados pelos pioneiros, foram ratificados, em 1995, pela ACI – Associação Internacio-nal das Cooperativas, o órgão máximo de representa-ção internacional destes empreendimentos.(2)

(1) LIMA NETO, Arnor. Cooperativas de trabalho. Curitiba: Juruá, 2004, p. 124.

(2) SICOOB, Traduzindo os sete princípios do cooperativismo. Vantagens da cooperação. Disponível em: <HTTP://www.oseudinheirovalemais.com.br>. Acesso em: 20 abr. 2018.

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A nova lei permite a terceirização de qualquer forma de atividade, independentemente de seu pro-tagonismo. Neste contexto, de forma teórica e ideal, duas possibilidades passam a fazer parte do universo cooperativista: a primeira, por obvio, é a hipótese de terceirizar setores chave da produção destes empreen-dimentos, mantendo um controle rígido sobre obriga-ções trabalhistas e relativas à saúde e à segurança do trabalhador, em razão da responsabilidade subsidiária.

A segunda possibilidade consiste na oportuni-dade de oferecer serviços especializados para terceiri-zação, destacando-se pela qualidade e alto controle no cumprimento das obrigações trabalhistas – o que é ple-namente possível ante o disposto na Lei n. 5.764/1971, que autoriza a formação de cooperativas em qualquer atividade econômica.

Não se pode perder de vista, contudo, que as duas possibilidades acima só se tornariam reais ante o com-promisso das cooperativas de cumprir rigorosamente a legislação pertinente e a vontade de se tornarem refe-renciais no respeito à valorização do trabalho humano.

No mundo real, e não no mundo das hipóteses, as cooperativas somente terão chances de se desta-carem se oferecem serviços a preços competitivos e, ainda, terão barreiras jurídicas a enfrentar, como, por exemplo, a própria lei das cooperativas de trabalho, a Lei n. 12.690/2012, que, como já mencionado, no intuito de colocar um basta das fraudes que marcaram os anos noventa, impôs rígidas obrigações trabalhistas aos pró-prios cooperados, como retiradas não inferiores ao piso salarial, pagamento de adicional noturno e descanso semanal remunerado, por exemplo.

Além disso, uma última barreira terá que ser ven-cida: a da insegurança jurídica. A reforma legislativa de 2017 trouxe mais dúvidas que esclarecimentos acerca da terceirização e ainda é muito cedo para dizer como os Tribunais irão interpretar a amplitude dada pela nova disposição legal ao instituto, exigindo cautela até que haja jurisprudência consolidada a respeito do tema.

Em suma, bom senso, cautela e responsabilidade, continuarão sendo balizas fundamentais para o presen-te e o futuro da terceirização no universo cooperativista.

LIMITES DO REGIME DE TELETRABALHO NA LEI N. 13.467/2017

Euseli dos SantosAdvogado trabalhista militante em Uberaba (MG). Especialista em Direito do Trabalho. Mestrando em Direito pela Universidade de

Ribeirão Preto (UNAERP).

Introdução

A Lei n. 13.467/2017 (reforma trabalhista), publi-cada em 14.07.2017, alterou diversos dispositivos do direito material e processual da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A nova legislação passou a valer a partir de 11 de novembro de 2017.

Dentre inúmeras mudanças ocorridas com a re-forma trabalhista, uma delas foi a implantação do te-letrabalho. Foram inseridos na CLT, os arts. 75-A até o 75-E, criando-se o Capítulo II-A no referido dispo-sitivo.

O objetivo do legislador para a inserção do te-letrabalho na Lei n. 13.467/2017, foi em razão de que estamos vivendo há muito em uma era da informa-ção, na qual o conhecimento é um fator excepcional nas relações humanas, e por que não dizer nas de tra-balho.

O mundo, atualmente em uma constante trans-formação, demonstra que a tecnologia, a globalização há muito é uma realidade. A velocidade das informa-ções, as mudanças de ferramentas de trabalho, fez com que ocorressem mudanças significativas. E, com isso, o direito do trabalho teve e terá de se adaptar.

Desenvolvimento

A criação do regime de teletrabalho, na Lei n. 13.467/2017, ocorreu em razão das situações fáticas em que o trabalhador exerça a atividade fora do âmbito do empregador e utilizando-se tecnologias de informa-ção e comunicação, tendo a necessidade ou não de com-parecimento à sede da empresa/estabelecimento.

Dentre os motivos de o legislador ter incluído a sistemática de teletrabalho na Lei n. 13.467/2017, foram as inovações tecnológicas advindas de inúmeros fato-res, que alteraram de forma drástica a relação de tra-balho clássica, sendo responsáveis por novos tipos de atividades descentralizadas, que reúnem a informação, cumulada com novas formas de comunicação.

Assim, como várias outras ciências tiveram de se adaptar às inovações sociais e econômicas, o direito do trabalho foi obrigado a acompanhar os novos dita-mes da globalização, de forma a impedir que as novas atividades e profissões que surgiram no decorrer dos últimos anos pudessem prejudicar os direitos dos tra-balhadores.

O dispositivo legal menciona que será considera-do teletrabalho a prestação de serviços preponderan-

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temente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comuni-cação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Uma situação que poderá gerar insegurança é o aspecto do termo preponderante. A Lei n. 13.467/2017 (reforma trabalhista), não definiu de forma segura o que vem a ser preponderante. No caso, entendo que poderá haver interpretações diversas.

Algumas situações são importantes nessa sis-temática de trabalho, como por exemplo: poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de tele-trabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

Poderá ocorrer a alteração do regime de teletraba-lho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.

Outra questão interessante diz respeito aos aspec-tos relativos à responsabilidade pela aquisição, manu-tenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despe-sas arcadas pelo empregado, serão previstas em contra-to escrito.

Deverá também conter cláusula no contrato fa-zendo menção ao regime de teletrabalho, como por exemplo: as atividades a serem desenvolvidas pelo em-pregado, a sistemática do trabalho, por servidor ou não, mediante contato telefônico com o(s) cliente(s) ou não, envio de projetos via e-mail, detalhes sobre os equipa-mentos e insumos fornecidos pelo empregador, como indenização pelo pagamento da internet, fornecimento de notebook, materiais de escritório.

Outra situação de extrema importância é aquela envolvendo os riscos ocupacionais. De acordo com o art. 75-E: “O empregador deverá instruir os emprega-dos, de maneira expressa e ostensiva, quanto às pre-cauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”.

Importante frisar que prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressa-mente do contrato individual de trabalho, que especi-ficará as atividades que serão realizadas pelo emprega-do. Não poderá, lógico, conter cláusula mencionando horários e dias de trabalho.

Veja o entendimento dos Professores Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima, sobre a definição de teletrabalho:

“O teletrabalho é uma espécie do gênero traba-lho à distância, cuja espécie mais antiga é o trabalho em domicilio. O conceito de teletrabalho ainda está em construção, visto que a tecnologia avança mais rápido que sua apreensão pelo espirito. Contudo é possível de-limitar-lhe o sentido assim: o teletrabalho é uma forma de trabalho à distância, exercido mediante o emprego de recursos telemáticos em que o trabalhador sofre o controle patronal.”

Muitos doutrinadores entendem que o teletraba-lho viola norma constitucional de proteção da jornada de trabalho, pois inexistirá a contraprestação pelo ex-cesso da referida jornada de trabalho.

Há autores que acreditam que o teletrabalho atin-ge a dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho. Veja o entendimento do Professor Geraldo Magela de Melo:

“É preciso refletir se a reforma atinge os funda-mentos da República Federativa do Brasil de preservar a dignidade da pessoa humana e atribuir valor social ao trabalho, art. 1º, incisos III e IV da CF/88. Na parte do teletrabalho, não se protege o trabalhador como par-te hipossuficiente da relação. Ao contrário, buscou-se livrar o empregador da observância do direito constitu-cional do trabalhador à proteção da jornada, submeten-do-o a uma perigosa hiperconexão digital, sem o corres-pondente pagamento por parte dos donos da produção, o que é preciso ser alertado à sociedade brasileira.”

Considerações finais

Apesar de que estamos a muito vivendo numa era da informação, na qual o conhecimento é de suma importância no convívio humano e de trabalho, bem assim, que as mudanças nas relações de trabalho, por conta das novas ferramentas de trabalho e da tecnolo-gia, não é todo o trabalho externo que poderá ser consi-derado como teletrabalho.

Assim, conclui-se que nem todo trabalho externo poderá ser considerado teletrabalho, mas sim a defini-ção constante na Lei n. 13.467/2017.

Por isso, existem limites para o trabalho na sis-temática do teletrabalho, pois nem todo o todo que exercer a atividade externa, será considerado como tal. Exemplo disso, o vendedor externo que usa o computa-dor, tablet, telefone, para manter contato com a empre-gadora. Ele, de forma alguma, será incluindo na catego-ria do teletrabalhador.

Então, o teletrabalho, somente será considerado aquele no sentido exato e literal do termo, ou, seja, aque-le trabalhador que exerce a sua atividade fora do âmbito do empregador, com a utilização tecnologias de infor-mação e comunicação, tendo a necessidade ou não de comparecimento à sede da empresa/estabelecimento.

A finalidade da lei foi considerar um trabalho ex-terno com usos de sistemas informatizados, com poucas visitas do empregado no estabelecimento para tratar de assuntos pontuais. Outro objetivo foi a possibilidade de não sujeição do teletrabalhador ao controle de jornada, evitando assim, o pagamento de horas extras.

Outro objetivo da Lei n. 13.467/2017, com a cria-ção do sistema de teletrabalho, foi o de fomentar a cria-ção de novos empregos, fato que somente o tempo irá mostrar.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprova-da pelo Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis ns. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas rela-ções do trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 20 maio 2018.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Bra-sil de 1988. Disponível em: <http://www.planal-to.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 maio 2018.

BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 15 maio 2018.

LIMA, Francisco Meton Marques de; LIMA, Francisco Péricles Rodrigues Marques de. A reforma traba-lhista. Entendendo ponto a ponto. São Paulo: LTr, 2018.

MELO, Geraldo Magela. O teletrabalho na nova CLT. 2017. Disponível em: <https://www.anamatra.org.br/artigos/25552-o-teletrabalho-na-nova--clt>. Acesso em: 22 maio 2018.

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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5º PAINEL

O INTERESSE DE UMA CLASSE TRANSFORMADO EM REALIDADE

Moysés André BittarMestre em Direito pela PUC-SP; professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da UNIMETROCAMP – Wyden – Campinas;

Advogado trabalhista.

Desde a publicação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1º de maio de 1943, em seu art. 791 o empregado e o empregador poderiam ajuizar pessoal-mente suas reclamações trabalhistas junto ao Judiciário Trabalhista e acompanha-las até o final. Nessa época, no meu modesto entendimento o empregado poderia levar sua ação até o TST, sem a necessidade do patrono.

O artigo acima dava azo à utilização do “jus pos-tulandi” que é um princípio em sua integralidade em linhas gerais “é o direito que a pessoa tem de ingressar em juízo, praticando pessoalmente todos os atos autori-zados para o exercício do direito de ação, independen-temente do patrocínio de advogado” (MARTINS, 2017, p. 24).

Ao lado de tal princípio caminha o princípio de informalidade gerando ás partes a plena utilização do Princípio do “Jus Postulandi”.

Além destes institutos eminentemente de direito processual do trabalho, como alegação dos advogados adveio o princípio da imprescindibilidade do advoga-do nas demandas judiciais.

Assim, a partir de 1988 a maioria das petições ini-ciais e algumas contestações vinham com o pedido de condenação sucumbencial.

Como ensina o saudoso mestre Campos Batalha: “na Justiça do Trabalho, sendo facultativo o patrocínio por advogado, descabe a condenação do vencido ao pagamento de despesas não obrigatórias assumidas pelo vencedor, mesmo após o Estatuto da Advocacia. (...) Por isso, estabeleceu-se no Enunciado TST n. 11: É inaplicável na Justiça do Trabalho o disposto no art. 64 do CPC (anterior), sendo os honorários de advoga-do somente devidos nos termos do preceituado na Lei n. 1.060/50”.

O enunciado, aliás, foi superado pela Lei n. 5584/70, cujo art. 16 estabeleceu: “os honorários do advogado pagos pelo vencido reverterão em favor do sindicato assistente”. (BATALHA, 1995, LTr, p. 729)

Nos termos da lei acima referida, a condenação em honorários nunca será superior a 15%, decorre da sucumbência, da assistência sindical, bem como com-provar o recebimento de percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal ou situação econômica que não lhe permita demandar em que sua situação seja de miserabilidade jurídica.

Para o deferimento do pedido de condenação, deveria estar expresso e as decisões tratavam do art. 133 da Constituição Federal, expondo que não houvera alteração sistemática do processo do trabalho, deven-do ser assistido pelo sindicato e preencher os demais requisitos da Lei n. 5.584/70 e dos Enunciados ns. 219 e 220 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Na maioria das vezes se negava por não estar o reclamante assistido pelo sindicato da categoria.

O trabalho do advogado trabalhista, assim como de outros ramos do direito, sempre foi árduo. As atua-lizações são diárias, as regras se alteram da noite para o dia.

Como ensina Cláudio Ferraz: “não obstante, as classes representativas dos advogados com o apoio dos novos pensadores da classe dos juízes trabalhistas lutam em prol da regulamentação dos honorários de sucum-bência na Justiça obreira. (...) Na Justiça do Trabalho o advogado deve se reportar ao direito romano em que se recebem honras, honorarius, mas não pagamento”. (FERRAZ, RT, v. IV, p. 394 e 395)

Em 2011 houve uma mobilização nacional, inicial-mente, levantado pela Associação Brasileira de Advo-gados Trabalhistas, que se espalhou por todo o Brasil com o intuito de debater assuntos importantes, dentre eles o fim do jus postulandi. Associações como a Asso-ciação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, As-sociación Latino Americana de Abogados Laboralistas e Ordem dos Advogados do Brasil reivindicavam o fim o instituto em debate. “O juiz Dr. Rui Correa registrou que a valorização da advocacia trabalhista passa pelo fim do jus postulandi.” Eli Alves da Silva foi claro: “não existe nenhuma razão jurídica ou de fato que possa jus-tificar a manutenção do jus postulandi no processo do trabalho”. (FERRAZ, RT, v. IV, p. 396)

Notório é que o advogado trabalhista, na maioria das vezes sustenta o processo, pois somente recebe ao final.

Se o sucumbente fosse beneficiário da justiça gra-tuita o pagamento seria excetuado. Figuras de grande importância são a favor do pagamento dos honorários sucumbenciais, a saber: Procurador do Trabalho da 6ª Região Dr. Renato Saraiva (2006, p. 221 e 222) e a Emi-nente Ministra Do Tribunal Superior do Trabalho Delaí-de Miranda Arantes, em seu voto, muito embora ven-cido, da 7ª Turma do TST. (FERRAZ, RT, v. IV, p. 410)

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EXECUÇÃO DE OFÍCIO – PONDERAÇÕES SOBRE A NOVA REDAÇÃO DO ART. 878 DA CLT APÓS A LEI N. 13.467/2017

Clarissa Valadares ChavesEspecialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela

Faculdade de Direito Milton Campos/MG e em Direito do Trabalho pela UCAM – Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro da Oficina

de Estudos Avançados IPCPT – Interfaces do Processo Civil com o Processo do Trabalho, da FDMC/MG. Advogada.

Assim, até novembro de 2017, a situação se per-maneceu intocável e os honorários sucumbenciais não eram devidos. Advogados de reclamantes requeriam, espernavam e até realizaram atos pela concessão dos honorários sucumbenciais, sendo agora introduzidos na Justiça do Trabalho.

Temos agora a quantificação do trabalho do advo-gado trabalhista feita pelo juiz do trabalho.

A reforma trabalhista, então, trouxe a inovação dos honorários de sucumbência em seu art. 791-A da CLT, que variam de 5% a 15% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obti-do ou sobre o valor da causa atualizado.

A lei apontou os requisitos a serem observados pelo magistrado na concessão dos respectivos hono-rários, a saber: “grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, o tempo expendido para o serviço e o trabalho reali-zado”.

Inovou e trouxe aos causídicos que atuam na Jus-tiça do Trabalho um direito que há muito era reivindi-cado pela classe.

Alegam alguns que agora o direito ação foi cer-ceado, mas o que ocorre é que para se ingressar com uma reclamação trabalhista, por exemplo, o advogado terá que informar o cliente da possibilidade do paga-mento dos honorários sucumbenciais, o mesmo ocor-rendo com a reclamada. Num primeiro momento pode que haja uma diminuição no ajuizamento de reclama-ções trabalhistas, mas haverá uma adequação a situa-ção, como sempre ocorreu em outras reformas da CLT.

O Jus Postulandi se manteve íntegro na CLT, o que houve de inovação foi uma reivindicação antiga dos ad-vogados trabalhistas para a concessão dos honorários, prova disso temos a decisão a seguir, que vinha aponta-da na maioria das sentenças: “o art. 133 da Carta Magna não estabeleceu a sucumbência em honorários no pro-cesso trabalhista, que continua sendo regulada pela Lei

n. 5.584/70, cujos requisitos encontram-se ausentes. In-devidos, inclusive os pleiteados a título de indenização por perdas e danos, tendo em vista que na Justiça do Trabalho a contratação de advogado é mera faculdade do obreiro que detém o “ius postulandi”.

Referências bibliográficas

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COSTA FILHO, Armando Casimiro; COSTA, Manoel Casimiro; MARTINS, Melchiades Rodrigues; CLARO, Sonia Regina da S. Consolidação das Leis do Trabalho. 48. ed. São Paulo: LTr, 2017.

DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Doutrinas essenciais: Direito do trabalho, v. IV, RT, 2012.

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TOSTES MALTA, Christóvão Piragibe. Prática do Pro-cesso Trabalhista. Rio de Janeiro: Ed. Trabalhistas, 1991.

A noção de processo, como instrumento apto a possibilitar a entrega da prestação jurisdicional efetiva, tomou contornos mais concretos com a eclosão do Esta-do Social. O paradigma doutrinário naquele momento,

marcado pelas lições de estudiosos como o italiano Giu-seppe Chiovenda, passou a conceber o processo como ciência capaz de “dar, na medida da possibilidade prá-tica, a quem possui determinado direito, tudo aquilo e

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exatamente aquilo que tem direito de obter”(1) (CAS-TRO, 2018, p. 1293).

A ação, então, passou a ser compreendida não somente como mecanismo de provocação da jurisdição (como pensado à época do Estado Liberal Clássico), mas sim como instrumento necessário para dar concre-tude à pretensão de direito material.

A mudança de paradigma, concebendo-se como ideal um processo jurisdicional democrático, resulta na ressignificação do Estado(2), alinhada aos princípios constitucionais, aos direitos fundamentais e à participa-ção cidadã (ESPINDOLA & CUNHA, 2011, p. 89).

A ideia de efetividade do processo é alicerçada, hoje, no direito fundamental de acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV), consistindo:

“(...) não apenas o direito de provocar a atuação do Estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com o po-tencial de atuar eficazmente no plano dos fatos.” (ZA-VASCKI, 2005, p. 66).

A entrega de resultado ao jurisdicionado, a tempo e modo, é o desdobramento que se espera do processo como caminho para tanto. A execução, como parte des-se itinerário, é o momento em que de fato se procurará entregar o bem da vida desejado, tratando-se, pois, do ponto fulcral de toda a atuação do Estado-Juiz.

O direito processual do trabalho, como via de efe-tivação do direito material do trabalho, deve ser anali-sado em sua conformação. Nessa perspectiva, deve ser instrumento eficaz de concretização de direitos sociais e estar em consonância com o pretendido crédito alimen-tar decorrente de sua violação.

O processo do trabalho sempre teve como carac-terística distintiva a simplicidade procedimental(3) e o amplo poder conferido ao juiz na condução do processo (art. 765, da CLT), inclusive na fase executiva (art. 878, da CLT).

A Lei n. 13.467/2017, no entanto, procurou alte-rar esse paradigma, na tentativa de limitar a atuação de ofício do magistrado, ao modificar a redação do art. 878 da CLT.

A execução do título judicial constituído na fase de conhecimento podia, conforme o texto original do artigo, ocorrer de ofício pelo juiz, independentemente de a parte estar ou não representada por advogado(4).

A nova redação diferencia o procedimento quan-do a parte está representada por advogado, passando a

(1) “(...) dar, en cuanto sea posible prácticamente, a quien tiene um derecho, todo aquello y exactamente aquello que tiene derecho a conseguir”.

(2) Estado Democrático de Direito.

(3) Nesse sentido, Mauro Schiavi (2017, p. 26) ensina acerca do princípio da informalidade: “significa que o sistema processual trabalhista é menos burocrático, mais simples e mais ágil que o sistema do processo comum, com linguagem mais acessível ao cidadão não versado em direito, bem como a prática de atos processuais ocorre de forma mais simples e objetiva, propiciando maior participação das partes, celeridade no procedimento e maiores possibilidades de acesso à justiça ao trabalhador mais simples”

(4) Art. 878. A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior. Parágrafo único. Quando se tratar de decisão dos Tribunais Regionais, a execução poderá ser promovida pela Procuradoria da Justiça do Trabalho.

não mais admitir a iniciativa do julgador na instauração da fase executória.

Além da limitação da atuação oficiosa do Juiz, é pertinente notar, ainda, a revogação do parágrafo úni-co, que possibilitava o início da execução pelo membro do MPT quando a execução se processasse no Tribunal. Percebe-se, ainda mais, um reforço da vontade do le-gislador de construir uma estrutura procedimental fun-dada na autonomia das partes, o que vai de encontro a todo o caminhar evolutivo do processo, inclusive, do processo civil, como se pôde observar com o CPC de 2015.

Além de levar a ineficácia do processo, contra-riando o princípio fundamental do acesso da justiça, a opção legislativa dispensa tratamento discriminatório ao causídico, ferindo o art. 133 da CR/88 e, por conse-guinte, o princípio da isonomia.

Na perspectiva do próprio texto celetista, a falta de congruência do art. 878 é teleológica (não se har-moniza com os objetivos do processo do trabalho) e sistemática (não guarda sintonia com a estrutura do procedimento trabalhista), haja vista a curiosa diferen-ciação de procedimentos previstos pelo legislador re-formista, em que se tem a iniciativa do juiz em alguns pontos e em outros não, quais sejam: a manutenção do impulso oficial; a execução de ofício das contribuições sociais e o pronunciamento de ofício da prescrição in-tercorrente.

A incongruência teleológica e sistêmica da nova redação do art. 878 não se restringe ao âmbito constitu-cional e infraconstitucional.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Po-líticos, em seu art. 3º,(5) prevê como direito humano a garantia de acesso efetivo dos cidadãos aos tribunais, assim como o cumprimento das respectivas decisões. Na mesma linha, a Declaração Americana dos Direi-tos e Deveres do Homem além da garantia do acesso à justiça, por meio de um processo célere, assegura a proteção contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, direito fundamental constitucionalmente as-segurado(6).

Diante da flagrante violação de direitos humanos fundamentais, cabe ao intérprete criar caminhos para aplicação da norma celetista, sob pena de aniquilação de um sistema sólido, alicerçado em valores fundamen-tais internacionalmente edificados ao longo da evolu-ção do Direito e da sociedade.

Nessa esteira, interpretando-se teleológica e sis-tematicamente o novo dispositivo, parece razoável

(5) “(...) Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a: a) Garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Pacto tenham sido violados possa de um recurso efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetra por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais; b) Garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu direito determinado pela competente autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão; e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; c) Garantir o cumprimento, pelas autoridades competentes, de qualquer decisão que julgar procedente tal recurso”.

(6) “Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.” (art. XVIII)

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que o juiz continue dando prosseguimento à execu-ção, de ofício, ainda que a parte esteja representada por advogado.

Além disso, é importante notar que o impulso oficial no curso do processo (art. 765, CLT) permane-ceu inalterado, de modo que os demais atos executivos, como a citação do executado (art. 880, CLT), a penhora de bens (art. 883, CLT), o registro da penhora e avalia-ção (art. 7º, IV e V da Lei n. 6.830) e os atos necessários à expropriação dos bens (art. 888 da CLT c/c art. 523, § 3º, CPC) continuam podendo ser feitos de ofício (Castro, 2018, p. 1290), não havendo qualquer modificação no aspecto.

Na eventualidade de se entender pela aplicação do dispositivo legal já referido, apenas a título de en-frentamento da questão, é certo que a parte poderá de-monstrar seu interesse em ter a tutela executiva a qual-quer tempo e por qualquer meio, seja por mera petição, na petição inicial ou, até mesmo, verbalmente.

Referências bibliográficas

CARDOSO, L. V. O fim da execução de ofício do pro-cesso do trabalho e possíveis conflitos herme-neuticos, de interpretação e integração em um panorama sistemático normativo. In: MIESSA, E.; CORREIA, H. A reforma trabalhista e seus impactos. Salvador: JusPodivm, 2018.

CASTRO, Í. M. D. A duvidosa constitucionalidade do “fim” da execução de ofício do crédito trabalhista. In: CORREIA, H.; MIESSA, E. A reforma trabalhista e seus impactos. Salvador: JusPodivm, 2018.

ESPINDOLA, A. A. D. S.; CUNHA, G. C. A. D. O pro-cesso, os direitos fundamentais e a transição do estado liberal clássico para o estado contemporâ-neo. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêuti-ca e Teoria do Direito (RECHTD), São Leopoldo, RS, p. 84-94, jan.-jun. 2011.

SCHIAVI, M. A reforma trabalhista e o processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2017.

PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS NO PROCESSO DO TRABALHO

Vitor Salino de Moura EçaPós-doutor em Direito Processual Comparado. Doutor em Direito Processual. Mestre em Direito do Trabalho. Especialista em Direito

Empresarial. Professor permanente dos cursos de mestrado e doutorado em Direito no PPGD da PUC-Minas. Membro da Academia

Brasileira de Direito do Trabalho. Juiz do Trabalho em Belho Horizonte.

Introdução

As alterações promovidas no campo processual indicam que o direito brasileiro tem se aproximado de modo veloz do regime de precedentes, que marca o es-tilo anglo-saxão, o qual, por sua vez, tem fitado com entusiasmo o nosso modelo romano-germânico, onde o direito positivado tem valor de grande destaque.

Este acercamento poderá ser benéfico se tivermos a lucidez de buscar o melhor de cada sistema, mas a sua potencialização depende do domínio desse novo regime. E a despeito que já contarmos que a exigência normativa da observância obrigatória dos precedentes em variadas hipóteses, este tema ainda está carente de doutrina.

Os precedentes se classificam em obrigatórios e persuasivos, e buscando suprir esta lacuna vamos nes-ta tese dispor dos precedentes obrigatórios, lembrando que na forma do art. 926/CPC, que cômoda aplicação no processo do trabalho, por força do disposto nos arts. 769/CLT e 15/CPC, e ainda consoante o inciso XIII, do art. 3º, da IN n. 39/TST, os tribunais ficam compromis-sados em uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Vale destacar que a referida uniformização é feita na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixa-dos nos regimentos internos de cada tribunal, e estes têm do dever de editar os enunciados de súmula corres-pondentes à sua jurisprudência dominante. E ao editar enunciados, eles devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Precedentes obrigatórios

Pontue-se que o precedente é uma decisão judi-cial proferida anteriormente, cujos supostos tomados pelo intérprete no caso específico recomendam a sua repetição em casos futuros, desde que mantida iden-tidade fática e que a norma positivada não tenha se alterado.

A opção feita pelo Brasil é tornar algumas deci-sões obrigatórias, pelo que o art. 927/CPC, como dito, de aplicação consagrada em seara trabalhista, exige que os magistrados observem: I – as decisões do Su-premo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repeti-

LTr - Jornal do Congresso 85

tivas(1) e em julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucio-nal e do Tribunal Superior do Trabalho(2) em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Critérios de aplicação

A despeito que ser regra de observância obriga-tória, não pode o magistrado se limitar a reproduzi-la automaticamente, isto é, sem a devida fundamentação, pois não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à pará-frase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo con-creto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão ado-tada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus funda-mentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou pre-cedente invocado pela parte, sem demonstrar a existên-cia de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

(1) Considera-se julgamento de casos repetitivos, de acordo com o art. 928/CPC, a decisão proferida em: I – incidente de resolução de demandas repetitivas; II – recursos especial e extraordinário repetitivos, valendo reprisar que o julgamento de casos repetitivos pode ter por objeto questão de direito material ou processual.

(2) Texto adaptado à realidade trabalhista, eis que a norma original dispõe da observância das decisões do STJ.

No mesmo sentido, nem mesmo obrigatoriedade de acolitar o precedente poderá afastar o magistrado da observância da garantia constitucional do contraditório, materializada no inciso LV, do art. 5º/CF e no art. 10/CPC, pelos quais o Juiz do Trabalho não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportu-nidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Nada obstante, está assentado que eventual alte-ração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos pode ser prece-dida de audiências públicas e da participação de pes-soas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. E ainda, na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Fe-deral e do Tribunal Superior do Trabalho ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

Convém evidenciar que a modificação de enun-ciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos ob-servará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança ju-rídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Conclusão

Os precedentes obrigatórios devem ser seguidos por todos, razão qual devem os tribunais lhes dar total publicidade aos precedentes, organizando-os por ques-tão jurídica decidida e divulgando-os, preferencial-mente, na rede mundial de computadores. Entretanto, o fato de uma matéria estar devidamente pacificada judicialmente não lhe retira a possibilidade de revisão, e tampouco deve ser seguida se no caso em exame não estiverem presentes os mesmos supostos que lhe servi-ram de base.

O ILEGAL LEGALIZADO

Moysés André BittarMestre em Direito pela PUC-SP; professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da UNIMETROCAMP – Wyden – Campinas;

Advogado trabalhista.

Dentre os pontos de maior divergência da Refor-ma Trabalhista está a possibilidade de o Judiciário Tra-balhista homologar judicialmente um acordo feito en-tre empregado e empregador. O legislador acrescentou os arts. 855-B e seguintes que dão a oportunidade de ingressarem, empregado e empregador, em juízo, via petição em conjunto, para a homologação de acordo. O artigo sob análise trata de partes e não somente em-

pregado e empregador, logo pode ser aplicado a outras figuras jurídicas parecidas com as já citadas.

Trata-se de uma inovação no Processo do Traba-lho, pois não tínhamos processo de jurisdição voluntá-ria, sendo esta definida como “administração pública de interesses particulares pelos órgãos jurisdicionais”. (MASCARO NASCIMENTO, Amauri. São Paulo: LTr, 2018)

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Para o ajuizamento desta ação é necessário que as partes tenham seus próprios advogados, via de regra em quem elas confiam, não podendo haver indicação por parte do empregador e não sendo possível o uso do jus postulandi.

Após a distribuição, em um prazo de 15 dias úteis, o juiz analisará o acordo, se entender necessário marcará audiência e prolatará a sentença.

Como se nota a competência é do juiz da vara do trabalho, que deve tomar o maior cuidado ao conduzir este processo, porque deve ter um andamento prioritá-rio, pois na maior parte dos casos tratar-se-á de verbas rescisórias, que possuem natureza alimentar e devem ser pagas em certo lapso.

Como saber se a empresa não foi quem indicou o advogado para o empregado? Como dar tramitação prioritária?

Num primeiro momento, vejo que a Justiça do Trabalho vai parar seu andamento, para incrementar o andamento neste tipo de ação. O juiz do trabalho terá que ser ainda mais cauteloso, criterioso e diligente na tramitação deste processo.

Não custa lembrar que as ações “casadinhas” constituem crime e infração ética.

Apesar de ser um dos princípios basilares do pro-cesso trabalhista, o da conciliação, as partes poderão levar “às barras da Justiça” a homologação judicial de composição extrajudicial, sendo certo que até o presen-te momento não são reclamante nem reclamado.

Além disso, tornou-se desnecessária a homolo-gação da rescisão contratual pelos órgãos competentes, fazendo que a utilização da ação em análise seja o cami-nho mais seguro para a quitação das verbas rescisórias. Os sindicatos terão que atuar de forma ainda mais ativa para a defesa judicial de seus associados.

Entendo que haverá uma sobrecarga de processos para o fim que quitar as verbas rescisórias e o mesmo ocorrendo para a quitação do contrato de trabalho.

A petição do pedido de homologação suspende o prazo prescricional, nos termos do art. 855-E da CLT, sendo que o mesmo volta a fluir no caso de não homo-logação.

Da sentença caberá Recurso Ordinário para o Tribunal Regional do Trabalho, no prazo de 8 dias. A sentença poderá ser impugnada no caso de recusa de homologação (partes), no caso de homologação (Mi-nistério Público do Trabalho ou INSS). (BASILE, César Reinaldo Offa. Processo do Trabalho, p. 183)

Pelo que vemos a ideia do legislador não foi a de diminuir os processos trabalhistas, mas sim o de au-mentar, pois o Judiciário fará às vezes dos Sindicatos ou do Ministério do Trabalho. A multa do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho para o pagamento das verbas rescisórias foi mantida.

Nos termos do art. 625, f da CLT, a competência é do juiz da vara do trabalho, que pode se recusar a homologar o acordo. (SAAD, Eduardo Gabriel. 2018, p. 1.401)

Caso o acordo seja homologado, mas não cum-prido, ele pode ser executado nos próprios autos, pois trata-se de um título executivo judicial, lembrando que é um procedimento não contencioso.

Finalmente, o legislador criou mais uma ação para a Justiça do Trabalho, que servirá de homologado-ra dos contratos de trabalho e de emprego. A ideia não foi única e exclusivamente terminar a relação contra-tual de forma harmônica, muito embora trate a reforma neste caso de um acordo entre amigos e não entre recla-mante e reclamado.

Referências bibliográficas

BASILE, Reinaldo Offa. Processo do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

BARBOSA LIMA, Leonardo Tibo. Lições de Direito Pro-cessual do Trabalho – Teria e prática. 4. ed. São Pau-lo: LTr, 2017.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, So-nia Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2018.

SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad Castelo. CLT Comenta-da. 50. ed. São Paulo: LTr, 2018.

SILVA, Homero Mateus. Comentários à Reforma Traba-lhista. São Paulo: RT, 2017.

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

LTr - Jornal do Congresso 87

6º PAINEL

OS SINDICATOS VÃO SOBREVIVER COM O FIM DO IMPOSTO SINDICAL? QUAL O REFLEXO PARA OS EMPREGADOS?

Alfredo BottoneAdvogado, PHd in Philosophy in Business Administration, autor do

livro Insights de um RH Estratégico

O fim do imposto sindical, previsto no art. 578 da CLT, era esperado há dezenas de anos, pois era um atraso nas relações de trabalho, quando se comparava com o resto do mundo. O imposto sindical estimulou a criação de um exagerado número de sindicatos, sendo que muitos deles já nasceram ou se tornaram obsoletos, pois se acomodaram com esse cheque pré-datado sem qualquer contrapartida.

O Brasil, conforme fonte do Ministério do Tra-balho, tem absurdo número mais de 16.000 sindicatos (mais de 11.000 de empregados e mais de 5.000 de em-presas). Muitos desses sindicatos nunca participaram de uma negociação sindical.

Era preciso mudar, acabando com a compulsorie-dade desse imposto. Avançamos, embora entendo que deveríamos ter um período de transição de dois a três anos para que os sindicatos pudessem se adaptar a essa mudança. Por outro lado, dentro do princípio de “li-berdade sindical”, deve ser facultado que o sindicato e a respectiva categoria se entendam quanto à forma de financiar os custos no cumprimento de seus objetivos.

Um grande ajuste ocorrerá naturalmente com o fim dessa fonte fácil que manteve toda essa enorme e crescente estrutura sindical ao longo de décadas. Mas a essência sindical deve ser mantida e forte, porque os sindicatos, que tiveram um papel relevante na constru-ção de um direito do trabalho no mundo e no Brasil, ainda continuam tendo grande importância no equilí-brio das relações entre o campital e o trabalho.

O fim do imposto sindical, previsto na Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), está alinhado com o princípio da liberdade sindical e isso implica na autonomia para a forma de sustentação financeira dessas entidades. Essa convenção não foi ra-tificada ainda pelo Brasil. Quando isso ocorrer, devere-mos ter o fim também da unicidade sindical, mantida pela Constituição Federal de 1988 (art. 8º, inciso II).

Qual o papel do sindicato? Uma das melhores definições que considero é: “Sindicato é o agrupamento estável de várias pessoas de uma profissão, que convencionam colocar, por meio de uma organização interna, suas atividades e parte de seus recursos em comum, para assegurar a defesa e a representação da respectiva profissão, com vistas a melhorar suas condições de vida e trabalho” (Orlando Gomes e Élson Gottschalk).

O Sindicato precisa de infraestrutura (imóvel, móveis, comunicação, veículos etc.), advogado(s), pes-soal de apoio, presença dos dirigentes na base, etc. Isso tem custo e ninguém pode financiar o sindicato que não sejam os próprios beneficiários. O Sindicato não pode ter caixa 2 para destinação alheia aos interesses da ca-tegoria e nem receber recursos provenientes de fontes estranhas às relações trabalhistas. Até há muito pouco tempo, além da contribuição sindical, alguns sindicatos negociavam com as empresas a liberação de dirigentes sindicais sem ônus para os mesmos, ou seja, as empre-sas arcavam com esses custos. Isso também não é cor-reto e nem ético. A verdadeira independência dos sin-dicatos dos empregados não comporta essa “parceria”.

Os recursos para os sindicatos provêm: a) Contri-buição assistencial, a qual é aplicável somente aos asso-ciados da entidade. Essa contribuição é destinada para programas sociais da entidade. b) Contribuição confede-rativa – prevista na Constituição Federal, para manter o sistema confederativo. Contudo, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, a mesma só pode ser exigida dos trabalhadores sindicalizados, com base no direito de livre associação a entidades de classe. c) Mensalida-de Sindical – paga por aqueles que, voluntariamente, se filiam ao sindicato. Essas três contribuições são pagas pelos associados.

Ora, os Sindicatos não negociam as cláusulas de um acordo somente para os sindicalizados, mas para toda a categoria. Por isso, é necessário que todos os be-neficiados paguem alguma taxa específica pela presta-ção de serviços para toda a categoria, que poderia ser a título de taxa negocial.

Se só os associados contribuírem, mas todos se beneficiarem dos acordos coletivos e outras vantagens e serviços decorrentes da atuação dos sindicatos, tende a ocorrer um esvaziamento dos associados, e teríamos um paradoxo: redução de receita, com a obrigação de continuidade da prestação do serviço, mesmo sem fon-te de receita para tal. Sabemos, também, que as negocia-ções não ocorrem apenas uma vez por ano. O diálogo social nas relações do trabalho exige uma interação sis-temática e contínua, com negociações fora de data base, tais como PLR, plano de demissão voluntária, seguran-ça do trabalho etc., acompanhamento de cumprimento de acordo ou conflitos do cotidiano. A categoria deve se beneficiar de todas as vantagens do alcançado pelos

88 LTr - Jornal do Congresso

entendimentos entre sindicatos e empresas, mas o custo para esse resultado deve ser pago pela mesma.

Sem sindicatos fortes será possível, facticamente, a Prevalência do negociado sobre a lei?

A nova ordem jurídica define que o negociado prevalece sobre o legislado. Ora, será que sindicatos fracos serão capazes de se exercerem esse papel “le-gislativo”? Logicamente que não. Os “verdadeiros sin-dicatos”, que atuam de maneira focada no seu cliente (empregados), terão de ter recursos para essa prestação de serviço. Não devem receber nada compulsoriamen-te, mas docorrente de uma negociação com a categoria, que pode ser na época da negociação anual para reno-vação do Acordo Coletivo.

Conclusão

1. O fim da contribuição sindical é bem vinda, porque a compulsoriedade desse imposto trouxe a cria-ção de muitos sindicatos sem representatividade e, al-gumas vezes, por oportunismo. Haverá uma redução natural e desejada dessas entidades, o que será positivo.

2. Uma vez que o acordo coletivo e outras nego-ciações e demandas fora da data base abrangem não só os associados, mas toda a categoria, para custear esses gastos, deve existir uma fonte de custeio aprovada pela assembleia da categoria.

3. A contribuição aprovada em assembleia (valor e forma) deve ser extensiva a todos. A oposição à con-tribuição deve significar a renúncia dos benefícios de-correntes das negociações, sejam estes de natureza eco-nômica ou não. Nesse caso, os empregados que abrirem mão do acordo coletivo poderão ter alguns benefícios, incluindo-se o reajuste salarial, mas decorrentes da libe-ralidade da empresa, a qual poderá ter uma política de RH para tratar dessa situação.

4. Os sindicatos passarão a ser considerados, nes-se novo cenário, prestadores de serviços e como tal pre-cisam ser remunerados para cobrir seus custos.

5. Sem uma fonte de receita na forma descrita aci-ma, haverá, por falta de recursos, um enfraquecimento e falência de importantes entidades sindicais e isso será prejudicial aos empregados, pois ficarão desassistidos e enfraquecidos em relevantes questões de interesse da categoria. Os verdadeiros sindicatos continuarão tendo um relevante papel em qualquer cenário social e eco-nômico.

O SINDICALISMO DE CONCILIAÇÃO ENTRE CAPITAL E TRABALHO: UM ESTUDO SOBRE OS DIREITOS DOS TRABALHADORES

DOCENTES NO BRASIL – 2010 A 2017

Robson Luiz de FrançaProfessor da Universidade Federal de Uberlândia. Pós- Doutor em Política Educacional pela Universidade Federal da Paraíba (2010) e

Universidade da Madeira, Funchal, Portugal. Doutor em Educação – UNESP/Araraquara (2002). Mestre em Educação – UFU (1997). Bacharel em Direito. Especialista em Direito Educacional (2010).

Professor Associado da Universidade Federal de Uberlândia. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação – Linha de Pesquisa em Trabalho, Sociedade e Educação – TSE. Membro do Grupo de Pesquisa em Trabalho, Educação e Formação Humana. Pesquisador do Centro de Investigação da Universidade da Madeira – Funchal – Portugal.

Esta proposta de pesquisa encontra-se vinculada ao Grupo de Pesquisa “Trabalho, educação e forma-ção do trabalhador” no contexto da Linha de Pesquisa Trabalho, Sociedade e Educação do Programa de Pós--Graduação em Educação – PPGED da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia.

Parte-se da importância de um olhar apurado na tentativa de relacionar as questões colocadas para a educação provenientes das mudanças no mundo do trabalho e o impacto dessas questões no processo de formação do cidadão tendo em vista que a construção

de um conceito de cidadania coerente com a sociedade que se deseja pautado nos princípios gerais do exercício da cidadania.

Desta feita percebe-se que a crise do capitalismo tem afetado diretamente os trabalhadores dos diversos setores produtivos, por um lado e por outro se apre-senta de forma inexorável a criação e reprodução dos mecanismos de controle próprios do capital pelos sin-dicatos que por sua vez possuem a responsabilidade de organizar e reordenar as forças dos trabalhadores em prol do desenvolvimento social. Percebe-se também

LTr - Jornal do Congresso 89

que os movimentos sociais, figurados neste trabalho como agentes sociais, parecem funcionar atualmente como um auxílio do capital na precarização e desarticu-lação dos trabalhadores tendo em vista as contradições e determinações do capital que parecem interferir na ação dos movimentos desses agentes.

O Estado ao seu modo tem subordinado as forças sindicais e cooptado seus agentes no processo reducio-nista dos direitos dos trabalhadores, da formação pro-fissional destes por meio de apropriação do discurso de que o desemprego é por falta de qualificação do traba-lhador ou ainda o processo de qualificação por meio de a educação consistir como o principal meio de forma-ção profissional do trabalhador e como meio de manter seu emprego.

Desta forma há um discurso que precisa ser des-velado a partir do conhecimento das propostas dos sindicatos sobre a qualificação profissional e formação profissional a partir da apropriação de um fundo públi-co bem como essa apropriação podem significar resis-tência ou adaptação às exigências do capital.

Nesse sentido é que o envolvimento dos sindica-tos na busca de maior financiamento público para a for-mação profissional se recoloca, sobretudo na lógica da administração dos fundos públicos destinados à qua-lificação da força de trabalho, apreendendo as contra-dições dessas parcerias e o enfraquecimento das lutas sindicais. A questão referente à qualificação e a posição assumida pela ação sindical, diante do contexto da for-mação profissional; se esta comunga, de forma ilusória, com a ideia de que a educação é caminho para que os trabalhadores escapem do desemprego.

Pretende-se contribuir para o debate, mostrando as principais intervenções da ação sindical para formar o trabalhador para o emprego, num quadro em que cresce o desemprego e onde a situação do trabalho é cada vez mais incerta.

É neste contexto que se apresentam os sindicatos dos trabalhadores como os representantes dos interes-ses e poderão estabelecer equilíbrio entre o capital e o trabalho. Porém percebe-se uma alteração profunda nas linhas de atuação dos Sindicatos no Brasil. Parece acen-tuar-se uma tendência de consistir em um aparelho do Estado e do Capital e a defesa dos afiliados nesta força de poder apresentar-se como causa segunda.

Entende-se que o desemprego pode ser aponta-do como um fator estrutural importante para explicar uma alteração de linha de atuação do sindicalismo em direção a fórmulas pactuadas de relacionamento com o capital, em contraposição aos caminhos mais comba-tivos de atuação experimentados na década anterior. Mas se o desemprego criou o ambiente, não pode ser considerada a única causa da mudança de postura dos sindicatos. Em especial porque as lideranças continuam a apresentar suas posturas, muitas de resultados duvi-dosos, como avanços e conquistas.

Diversos acordos têm sido feitos em nome dos trabalhadores, diversas propostas de formação e qua-lificação dos trabalhadores tem sido implementadas e entendidas como modelos de solução positiva pelos di-rigentes dos Sindicatos. No entanto, vale observar que a chave dos acordos, reside, na maioria das vezes, na par-ticipação do Estado (nas esferas federal e estadual), que

assume a responsabilidade de financiamento do Sindi-cato e dos Projetos de Qualificação dos Trabalhadores.

Essas experiências têm sido intensamente deba-tidas nos meios sindicais, político e acadêmico. Para os seus defensores, capitaneados pelo Sindicato, trata-se de acordos buscam garantir a ampliação da oferta de empregos com trabalhadores melhor qualificados. Os empresários defendem o acordo como um instrumen-to de ampliação da oferta de mão de obra qualificada. Analistas acadêmicos vislumbraram na iniciativa um novo patamar nas relações de trabalho no Brasil, com um recuo no papel arbitral do Estado e um reconheci-mento mútuo entre empresários e trabalhadores como atores legítimos no processo de negociação, através da criação de um espaço democrático de resolução do con-flito capital-trabalho.

É visível, porém, que no campo das negociações diretas entre empresários e sindicatos, a situação tem sido extremamente desfavorável para os trabalhadores e as estratégias sindicais não têm conseguido formular respostas que fujam à lógica desta fase do processo de expansão capitalista. Poderíamos supor que, diante desse quadro, respostas mais consequente à ofensiva empresarial pudessem ser construídas na arena pública da sociedade política, ou seja, através da ação sobre o núcleo dirigente do aparelho de Estado, em busca de garantias gerais que impedissem as perdas sucessivas nas negociações específicas. Esse trabalho busca res-ponder a questão sobre em que medida o Estado subor-dina a educação profissional à lógica do capital e quais as respostas dadas pela Ação Sindical organizada? E até que ponto a formação profissional propostas e apregoa-da no discurso dos sindicatos são efetivas e garantem empregabilidade?

É nesse sentido que o trabalho se configura como o produtor e reprodutor das relações sociais no capita-lismo. E ainda como o “divisor de águas” das classes sociais. A subordinação do Trabalho pelo Capital levou a concentração do trabalho e do capital no processo produtivo. Os trabalhadores são sujeitos cooperativos com o resultando, fazem parte de um organismo, é uma modalidade de existência do Capital o qual estão su-jeitos, sua força produtiva tem caráter social e consiste na própria força produtiva do capital. Transmutam-se para uma força produtiva gratuita assim que são sub-metidas às condições impostas pelo capital. Essa força de trabalho só tem sentido no contexto do processo pro-dutivo, pois, fora dele ela não existe. (Marx, 1972:269).

O que se quer são formas mais democráticas, po-líticas sociais que reduzam o espectro da desigualdade e da desconcentração de renda e poder. O Estado pode ser um equalizador de oportunidades, desde que defi-na não o seu tamanho ou presença, mas a quem serve.

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PEDIDO DE RENÚNCIA À APOSENTADORIA CUMULADO COM PEDIDO DE NOVO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COM INCIDÊNCIA DA FÓRMULA 85/95 A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA MP N. 676/2018

André Luiz MarquesMestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo; Professor de pós-graduação em Direito Previdenciário; Professor Palestrante do Departamento de Cultura da OAB/SP; Recebeu Diploma de Mérito Acadêmico do Centro de Estudos de Direito Europeu por reconhecimento do Conselho de

Mestres em Sintra – Portugal/2007; Presidente de Honra do IAPE – Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal; Membro titular do Conselho Deliberativo da OABPrev/SP – Fundo de Pensão

Instituído pela OAB/SP; Autor de obras e artigos previdenciários; Sócio fundador da banca advocatícia Expósito e Marques Advogados

Associados sediada em São Paulo.

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Ementa – não se trata de desaposentação – (não haverá incidência de contribuições pós-aposenta-doria!)

A presente tese visa apenas e tão somente, com fulcro no princípio da isonomia constitucional, permi-tir que o segurado, renunciando à atual aposentadoria, obtenha novo benefício sob os auspícios do art. 29-C da Lei n. 8.213/91, à semelhança de seus pares que pedi-

ram o mesmo benefício pós-edição da regra 85/95, por meio da Lei n. 13.183/2015.

I. Da problemática

Nos últimos anos no Brasil, os governantes, na ânsia de efetivar as reformas pretendidas na Previdên-cia Social, trataram de cortar caminhos, deixando de lado os preceitos republicanos inerentes aos Estados

LTr - Jornal do Congresso 91

Democráticos de Direito e resolveram efetivar as tais reformas por meio de Medidas Provisórias, instrumen-to este previsto constitucionalmente para ser utilizado pelos governantes em assuntos críticos de relevância e urgência.

Não restam dúvidas que este procedimento equi-vocado deixou marcas indeléveis no sistema previ-denciário brasileiro, causando aos segurados, que são a razão da existência do sistema de danos igualmente indeléveis.

De modo que este artigo visa de alguma for-ma oferecer alternativa para aqueles segurados que, temerosos com as constantes ameaças de reformas, sempre restritivas de direito, se aposentaram sofren-do os percalços do Fator Previdenciário trazido pela Lei n. 9.876 de novembro de 1999 e após alguns pou-cos meses, em alguns casos dias, fora promulgada a Medida Provisória n. 676 de 2015, trazendo a Fórmula 85/95 como marco divisor para aqueles que deverão ou não sofrer o redutor Fator Previdenciário em seus benefícios.

A disparidade é tanta, que em alguns casos, aque-les que se aposentaram um dia depois da edição da MP n. 676/2015, se considerarmos os mesmos parâmetros de tempo de contribuição, valor e expectativa de vida, utilizados com base para cálculo do Fator Previdenciá-rio, receberam praticamente o dobro do valor dos bene-fícios daqueles que inadvertidamente se aposentaram antes da publicação da referida Medida Provisória.

Assim, por este insignificante lapso temporal, o segurado que antecipou sua aposentadoria foi pena-lizado a receber vitaliciamente um benefício cerca de 40% (quarenta por cento) menor que outro segurado, nascido na mesma data e que tivesse contribuído com os mesmos valores, pelo mesmo tempo(1) e que fora be-neficiado pela novel legislação por ter postergado em alguns meses ou dias seu pedido de benefício.

Tal fato jurídico viola expressamente o princípio constitucional da isonomia que determina o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di-reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – (...) omissis;

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” (grifamos)

Para melhor compreender este fenômeno, fa-remos uma análise dos fatos jurídicos presentes pelo método histórico de interpretação defendido pelo mes-tre Wagner Balera em sua obra Sistema de Seguridade Social(2), pelo qual chegaremos à causa jurídica original desta odiosa discriminação.

(1) Hipótese acadêmica dos irmãos gêmeos, utilizada costumeiramente para demonstrar o tratamento desigual aos iguais.

(2) BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 3. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 138. “Com uso do método histórico, o intérprete confere especial solicitude ao curso dos sucessos históricos que levaram à construtura atual do instituto sub examine. Também chamado de método evolutivo, o método histórico quer perquire os momentos que levaram a história “mestra da vida” a configurar determinada categoria jurídica daquela e não de outra maneira.

Como é sabido e consabido, neste país, os traba-lhadores viveram há décadas, como de fato ainda vi-vem atualmente, sob o temor constante das malfadadas “Reformas previdenciárias” sempre redutoras de bene-fícios, haja vista a longa discussão atual no Congresso Nacional sobre o atual Projeto de Emenda Constitucio-nal que visa reformar a Previdência Social.

Veja, por mais angustiante que seja e sofra a crí-tica de alguns, especialmente daqueles empossados no Poder Executivo, este longo período de discussões é saudável e na verdade, é a mola mestra do Estado De-mocrático de Direito, pois se trata do efetivo exercício democrático do direito, onde os Poderes constitucional-mente erigidos, no caso Poder Executivo e Legislativo, exercem seus misteres com a independência inerente a cada Poder.

E mais, por esta via constitucional, o texto da Emenda Constitucional é publicitado, sofre emendas dos parlamentares, e todo cidadão tem conhecimento precocemente das alterações que se pretendem implan-tar no sistema previdenciário pátrio.

Mais do que justo, é necessário, é constitucional e assim deve proceder toda República democraticamente instituída.

No entanto, em nosso país nem sempre o óbvio é ululante, nem sempre a constitucionalidade faz parte do agir das autoridades de plantão nos poderes cons-tituídos e, em assim sendo, muitas leis são criadas à revelia dos preceitos constitucionais, à revelia da trans-parência que deve viger na coisa pública.

E por mero casuísmo ou interesses escusos e não republicanos, estranhos ao interesse público, algumas leis são implantadas por Medidas Provisórias, medida esta excepcional, criada pelo legislador constituinte, apenas e tão somente para questões URGENTES E RE-LEVANTES, que, no entanto, tem sido utilizadas useira e vezeira pelos governantes como medida de força para impor suas vontades.

E com isto, muitas vezes, cidadãos são desrespei-tados em seus direitos constitucionais fundamentais, como de fato é o direito a uma aposentadoria digna após décadas de efetiva contribuição, conforme vere-mos a seguir.

1.1. Da ilegitimidade da Medida Provisória para re-gular ou modificar o sistema pervidenciário e do prejuízo causado a milhares de segurados

A Constituição Federal de 1988 regulamenta o instituto da Medida Provisória outorgada pelo legisla-dor constituinte para o presidente da República o poder de editá-la sempre que houver “urgência e relevância”, a saber:

Esse interessante recurso atende antes ao conhecimento do direito do que à exegese.No Direito Previdenciário, cumpre perquirir a respeito das diferentes etapas evolutivas da proteção social, que são bem definidas ao longo da história legislativa do fenômeno, iniciado com a assistência privada, reafirmado com a assistência pública, estruturado com a previdência social e que acaba culminando, com o advento da Constituição de 1988, com a seguridade social.O método histórico, em nossa disciplina, reafirma a identificação clara e constante qual a Lei Magna atual designa como valor social.” (destacamos).

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“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Pre-sidente da República poderá adotar medidas provisó-rias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.” (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 32, de 2001)

Fato que é que o temário “Reforma da Previdên-cia” não é caso de relevância e urgência, vez que se trata de assunto que já era discutido em sede de projeto de lei no Congresso Nacional, inclusive por anos sucessivos.

Pelo termo relevância devemos conceber aquela medida que sobressai entre as demais, e como urgência, podemos entender aquilo que é inadiável ou indispen-sável, sob a iminência de ocorrência de determinado risco.

Ora a previdência social é um pacto de longa du-ração e de trato sucessivo, e toda reforma deve ser feita de modo a buscar seus efeitos não imediatamente, mas sim em longo prazo.

Posto essas considerações iniciais, passaremos a analisar se o objeto da Medida Provisória n. 676/2015, de fato era relevante e urgente.

Para tanto, faremos uma análise cronológica dos fatos anteriores à edição da referida Medida Provisória publicada em 18 de junho de 2015, a Medida Provisó-ria n. 676/2015, posteriormente convertida em lei de n. 13.183/2015, que alterou a fórmula do Fator Previ-denciário, fazendo viger a Fórmula 85/95.

A MP em questão foi editada revogando a Medi-da Provisória n. 664/14 editada na calada da noite de 30 de dezembro de 2014, sob o argumento de necessi-dade de adequação do sistema previdenciário diante da alegação de déficit.

Primeiro é de se observar que há décadas tem sido reiteradamente veiculado na imprensa pelos governos que a Previdência Social é refém de um déficit bilioná-rio, o que não é verdade, já que estudos, da ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais(3), bem como o relatório final da CPI da Previdência realizado pelo Congresso Nacional, apontam que os recursos arreca-dados pela Previdência Social e Seguridade Social são bem superiores aos valores pagos a título de benefícios.

E, é nesse sentido que por anos a fio, os sucessi-vos governos vêm ensaiando por meio de projetos de lei, verdadeiros “sacos de maldades” como têm sido popularmente chamadas as referidas medidas, pois sempre objetivam reformar para reduzir ou suprimir benefícios.

Por óbvio que milhares de segurados, num instin-to de defesa, trataram de pedir sua aposentadoria antes que a legislação mudasse e com certeza, mudasse para pior.

1.2. Vejamos as discussões sobre a constituciona-lidade do ato de realizar reformas no sistema previdenciário via Medidas Provisórias

Certo é que, não bastasse o art. 62 da CF/88 a restringir taxativamente os casos em que o governante poderá se utilizar do referido instituto, temos também um vício formal pelo qual a referida MP pode ser com-

(3) Disponível em: >www.anfip.org.br>.

batida por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade como diversas outras o foram.

Pois, certo é que o art. 246 da Carta Magna veda a edição de Medida Provisória na regulamentação de artigo da constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até 11 de setembro de 2001.

Ora, a referida MP n. 676/15 visa, a bem da ver-dade, regulamentar o caput do art. 201 da Constitui-ção Federal, com redação da Emenda Constitucional n. 20/1998 que trouxe em seu bojo o princípio do Equi-líbrio Financeiro e Atuarial em função do qual se criou o Fator Previdenciário, como se denota pelo parágrafo abaixo transcrito, retirado da exposição de motivos da MP em testilha, a saber:

“(...) A urgência se justifica para garantir vigência imediata desta proposta, porque o Congresso Nacional, ao aprovar o Projeto de Lei de Conversão n. 4, de 2015, no âmbito da discussão de uma Medida Provisória, ge-rou uma expectativa de direito que está sendo assegu-rada por essa iniciativa. A relevância é inquestionável porque diz respeito ao cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição da população brasileira e procu-ra garantir a sustentabilidade financeira da Previdên-cia Social, assegurando os direitos previdenciários com maior benefício e equilíbrio atuarial(4).”

Certo é que a MP n. 664 de 30 de dezembro de 2014, editada na calada da noite sem a devida obediên-cia aos ditames constitucionais do art. 62, uma vez que não demonstrada a relevância e urgência e conhecida popularmente como “saco de maldades”, na época con-vertida em Lei n. 13.135 de 2015, fora revogada em menos de seis meses pela MP n. 676/2015 diante da Emenda apresentada pelo Deputado Arnaldo Faria de Sá que inseriu a Regra 85/95 no Fator Previdenciária.

Esta verdadeira confusão legislativa, trouxe insegu-rança jurídica para o segurado que, debaixo desta chuva de leis não sabiam como agir para preservar o nível de suas futu-ras aposentadorias e correram para se aposentar sob a égide da legislação da época.

A exemplo do ora alegado segue trecho transcri-to do Ministro Marco Aurélio ao julgar a ADIN 3.467/DF tratou de afastar os efeitos da Medida Provisória de n. 242 editada em 2005 pelo então Presidente da Re-pública Luiz Inácio da Silva que alterava o cálculo do auxílio-doença e auxílio-acidente, a saber:

“Relativamente, ao auxílio-doença, o sistema consagrado pela Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, foi alterado, com restrição ao benefício, mediante me-dida provisória. Está-se diante do trato de matéria em sentido contrário aos avanços que se quer havidos no campo social. Os preceitos constantes da medida pro-visória são conducentes a concluir-se pela modificação dos parâmetros alusivos à aquisição do benefício auxí-lio-doença. Em síntese, acionou-se permissivo, a encer-rar exceção, da Lei Fundamental – o instrumento, ao primeiro passo e sem prejuízo da normatividade, mo-nocrático da Medida Provisória – para mudar as bali-zas do sistema de benefício. Vislumbrou-se relevância e urgência na restrição do auxílio-doença. Desprezou-se

(4) Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Exm/Exm-MP%20676-15.pdf>.

LTr - Jornal do Congresso 93

a necessidade de as alterações, antes de surtirem efeito, passarem pelo crivo dos representantes do povo – de-putados federais – e dos representantes dos Estados – senadores da República. Entendeu-se possível prescin-dir da lei em sentido formal e material, olvidando-se, até mesmo, a possibilidade de se encaminhar projeto de lei, requerendo, Excelentíssimo Senhor Presidente da República, a urgência disciplinada no art. 64 da Consti-tuição Federal. Tudo foi feito considerada a quadra de-ficitária da Previdência Social – que não é de hoje e que tem origem não na outorga do benefício auxílio-doença a trabalhadores que a ele tivessem jus, de acordo com a Lei n. 8.213/91, mas em distorções de toda a ordem, sem levar em conta as fraudes que custam a ser coibi-das. Vejo a situação revelada por estas ações diretas de in-constitucionalidade como emblemática, a demonstrar, a mais não poder, o uso abusivo da medida provisória”, considerando ainda que a MP representou “violência ao art. 246 da Consti-tuição Federal”. (destacamos)

O que se pretende com esta exposição não é anu-lar os efeitos da referida Medida Provisória n. 676 de 2015, que trouxe a Fórmula 85/95, mas, demonstrar que o uso ilegítimo desta medida constitucional extrema, privou milhares de segurados aposentados que pode-riam optar por esta Fórmula mais benéfica de cálculo para seus benefícios, se a mesma tivesse sido discutida preliminar e regularmente em projeto de lei no Con-gresso Nacional.

Ou seja, faltou a inafastável transparência, pela qual a coisa pública deve ser gerida.

Segundo o professor Wagner Balera, a previdên-cia Social visa implantar no seio da sociedade a ordem social e a justiça social.

Não é concebível a justiça social bem como a iso-nomia pugnada no art. 5º da nossa Constituição Fede-ral, aceitando esta odiosa diferença de tratamento de iguais, no caso em tela podemos vislumbrar dois tra-balhadores que igualmente dedicaram trinta e cinco anos de suas vidas sendo que um fora agraciado com sua aposen-tadoria integral e outro em virtude de inadvertidamente ter solicitado sua aposentadoria alguns dias antes sofrer de 35% a 50% (trinta e cinco a cinquenta por cento) de redução em seu benefício.

Vide:

“Art. 193, CF/88. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”

Nossa constituição fala em ordem social, protege o primado do trabalho e a justiça social, no entanto, gra-ças à desordem governamental, se implantou no seio da sociedade a injustiça social com este tratamento desi-gual que vilipendia a dignidade do trabalhador no final de sua jornada laboral.

O Direito Social, assim como todos os direitos fundamentais, trata-se de um direito conquistado a longas e duras penas, por tanto não é justo tampouco digno que um trabalhador que tenha gastos suas ener-gias físicas por trinta e cinco anos, ou trinta, se mulher, igualmente ao seu colega, seja condenado a receber a metade do benefício de seu colega paradigma, apenas por um casuísmo e desgoverno do Estado brasileiro.

No entanto, é sabido que diante do sistema nor-mativo vigente e do princípio do teorema: “tempus re-

git actum”, resta a tormentosa questão: Como aplicar a nova legislação em um ato jurídico já consumado? Seria este ato jurídico intocável?

Deveremos, portanto, diante destas aparentes barreiras legais, nos acomodar a esta aviltante realidade fática que atingiu igualmente a milhares de segurados que se aposentaram alguns dias antes da edição da re-ferida Medida Provisória? E por conta dela foram pena-lizados com uma aposentadoria que varia entre 35% e 50% (trinta e cinco e cinquenta por cento) menor que a de seus pares?

Deveremos fechar os olhos para esta patente in-justiça implantada pelo império das leis transitórias? Muitas vezes injustas, ineficazes e inconstitucionais?

Num país que desde 1964 a 2000, segundo o Pro-fessor Manoel Gonçalves Ferreira filho(5), se publicou mais de 7.000 leis e 2.000 Decretos-leis e, até a data de hoje cerca de uma centena de Emendas Constitucionais, onde encontrar o porto seguro, a segurança jurídica e a perenidade da Justiça e do Direito?

Cabe aqui, para responder a estas tormentosas questões, as palavras do Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao abordar em sua obra supracitada a “Crise da lei e a crise legislativa”, data vênia, a seguir transcrito:

“Crise da lei e crise legislativa

Crise da lei? Crise legislativa? A referência a essas crises poderá talvez intrigar o leigo, ou o observador desatento e superficial.

Como falar em crise da lei, em crise legislativa, quando são tantas as leis, quando a cada instante novas leis se promulgam em toda parte?

(...)

Contudo, essa multiplicação é, antes de mais nada, fruto de sua transitoriedade. A maioria das leis que aos jorros são editadas destina-se a durar como a rosa de Malherbe l’espace d’um matin.

Em vez de esperar a maturação da regra para promul-ga-la, o legislador edita-a para, da prática, extrair a lição sobre seus defeitos ou inconvenientes. Daí decorre que quanto mais numerosas são as leis tanto maior número de outras exigem para completá-las, explicá-las, remendá-las, consertá-las... Feitas às pressas para atender a contingências de momento, trazem essas leis o estigma da leviandade.

Essa mudança incessante das leis repercute sobre to-das as relações sociais e afeta todas as existências individuais. Ela as afeta tanto mais quanto nelas se põe mais arrojo, quanto a elas mais se dá ambição, quanto se pensa fazê--las mais livremente. O cidadão, aí, já não está protegido por um direito certo, pois a justiça segue as leis cambiantes.

Não mais está ele garantido contra os governantes cuja audácia lhes permite legislar segundo seu capricho. As des-vantagens ou vantagens que uma lei nova pode produzir ou trazer são tais que o cidadão aprende a tudo temer ou a tudo esperar de uma alteração legislativa.

Com isso, o mundo jurídico se torna uma babel. A mul-tidão de leis afoga o jurista, esmaga o advogado, estonteia o cidadão, desnorteia o juiz. A fronteira entre o lícito e o ilícito

(5) FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, p. 12.

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fica incerta. A segurança das relações sociais, principal mérito do direito escrito, se evapora.”

Estaria então o mestre Gonçalves Filho a pregar o caos, o vazio completo para os juristas e operadores do direito na busca da efetividade da justiça, posto que nega a máxima dos positivistas que asseveram: “Fora da lei não há salvação”?

Absolutamente não, o Mestre traz a solução ao in-vocar a Teoria Tridimensional do Direito tão decantada nos bancos acadêmicos e pouco utilizada pelos práticos do direito, senão vejamos:

“No campo do Direito houve sempre e ainda há a tentação de resumir todo o estudo ao sistema norma-tivo, considerando- se meta-jurídico e, portanto, estra-nho à ciência tudo o que diga respeito aos valores que inspiram a norma, ou aos fatos que a fundamentam.

Assim, o único método empregado é o dedutivo, exercitando-se muita vez os juristas em tirar de pala-vras obscuras significados dúbios, dedicando-se com empenho a explicar o incerto com o vazio.

Todavia, o Direito não é só norma. É também, como ensina mestre Miguel Reale, fato e valor. Destarte, um estudo jurídico não se completa se ficar na exegese das nor-mas, se não integrar nessa tarefa primordial a verificação da realidade e a identificação dos valores a inscrever. Sem dúvi-da, o exame dos valores pertence precipuamente ao campo da Filosofia, sem dúvida, o estudo da realidade social é objeto de ciência específica, mas a interpretação de qualquer norma pressupõe um e outro, devendo o jurista, para ser verdadei-ramente um cultor da ciência, saber integrar na exegese das normas a apreciação dos fatos e o julgamento dos valores.”(6) (destacamos).

Esses valores são perenes, ao contrário das leis que hoje dizem sim e amanhã dizem não, com efeito, o Código Civil brasileiro, da mesma forma, no art. 5º de sua Lei de Introdução prescreve: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Nosso “novo” Código de Processo Civil, por sua vez, também ressuscitou a Teoria Tridimensional do Di-reito do Mestre Miguel Reale ao exortar que o processo civil pátrio será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e normas fundamentais estatuídas na Constituição da República, a saber:

“Art. 1º, do CPC. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposi-ções deste Código.”

O legislador infraconstitucional vai mais longe ainda ao exortar os magistrados ao aplicarem a lei se preocupar quanto à sua decisão, se esta efetivamente atenderá aos fins sociais e à exigência do bem comum e promovendo a dignidade da pessoa humana, con-forme:

“Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, res-guardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” (destacamos)

(6) Op. Cit. p. 1.

Ora, quais são os valores protegidos pela Consti-tuição pátria senão a Dignidade Humana, o valor social do trabalho, a aposentadoria digna, todos são valores e princípios fundamentais protegidos pela Constituição da República em cláusulas pétreas.

De maneira que o magistrado ao apreciar deter-minado fato jurídico, deverá não fazê-lo apenas e tão somente sob a ótica do sistema normativo puro, muitas vezes míope e obsoleto ou mesmo inconstitucional, de-verá também e principalmente analisar o fato como um fenômeno axiológico da sociedade.

Com o novo conceito de processo civil temos que os operadores do direito deverão trabalhar com o tri-pé: fato, valor e norma, ou seja, o Código processual de 2015 resgatou a teoria de Miguel Reale(7): Fato, Valor Norma.

Segundo sua teoria, o Substrato do Direito é com-posto por três aspectos:

o normativo – que é o direito positivado;

o fático, que deverá sempre ser acompanhado de seu ni-cho social ou histórico;

o axiológico que são os valores buscados pela sociedade, tais como a verdade, a justiça etc.

O novo Código de Processo Civil se reveste de maneira cabal destes conceitos históricos e valorativos dos fatos, subsungindo a norma aos valores axiológicos buscados pela sociedade, que é a efetiva satisfação do direito.

Conclui-se, portanto que, diante da perplexida-de da problemática apresentada, e do inconformismo causado pela INJUSTIÇA posta, existe a solução deste odioso e injusto resultado, fruto de administração de-sastrosa e irresponsável de sucessivos governos brasi-leiros, a qual se apresenta a frente:

Senão vejamos:

1.3. Da Solução Jurídica para o Problema Proposto

Posta a tormentosa problemática, a qual vitimou milhares de segurados aposentados, cabe a nós, opera-dores do Direito, abraçados ao verdadeiro senso de jus-tiça, revestidos pelos preceitos constitucionais e legais, buscar a corrigenda deste mal, deste flagelo que atinge a milhões de segurados da Previdência Social brasi-leira, que são vitimados dia a dia pelo descaso, pelos desmandos que nossa previdência social sofre, para não dizer propriamente pela incompetência dos gestores, e políticos que se digladiam entre governo e oposição, tendo a Previdência Social brasileira, como bandeira e escudo para inconfessáveis conquistas políticas.

E, por conta desta insana disputa, rasgam a cons-tituição, vilipendiam a Previdência Social que passa a ser gerida por “Decretos”, “Medidas Provisórias”, “Emendas Constitucionais” que vem e vão de acordo com a “mera” vontade política do “gestor de plantão”, que desconsidera todo e qualquer critério técnico para implantar as novas medida, que serão a seguir derru-badas, quer por ações diretas de inconstitucionalidade, quer por falta de vontade política do Congresso Nacio-nal que não votará a Medida Provisória, numa ciranda

(7) REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

LTr - Jornal do Congresso 95

insana, de normas e comandos cujos reflexos recaem na ponta final do Sistema: O SEGURADO.

De modo que, resta a nós operadores do Direi-to, impedir que os milhões de segurados, trabalhado-res que são os verdadeiros “donos” deste importante “Patrimônio Cívico Social” que é a Previdência Social brasileira, sejam e continuem a ser vítimas destes des-mandos da incompetência administrativa.

Assim, o remédio jurídico para o caso em con-creto e que servirá, com certeza, para os milhares de segurados aposentados prejudicados, será o CAN-CELAMENTO DO ATUAL BENEFÍCIO, E IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DE NOVA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, medida que se requer no presente ato e que este novo benefício seja concedido sob os auspícios do art. 29-C da Lei n. 8.213/91, à semelhança de seus pares que pediram o mesmo benefício pós-edição da Regra 85/95, por meio da Lei n. 13.183/2015.

Importa esclarecer que o argumento supramen-cionado NADA TEM A VER COM O INSTITUTO DA DESAPOSENTAÇÃO, julgada recentemente pela Su-prema Corte Pátria.

Senão vejamos:

1.4. Do Conceito de Desaposentação julgado pelo STF

Em 26.10.2016, o pleno do Supremo Tribunal Fe-deral deu orientação definitiva acerca matéria, decidin-do, por maioria dos votos, pela impossibilidade da apli-cação do instituto da desaposentação sob o entendimento firmado foi de que somente por meio de lei é possível fixar critérios para o recálculo de benefícios com base nas contri-buições posteriores à aposentação, sendo constitucional, por-tanto, a regra do § 2º do art. 18 da Lei n. 8.213/91 informa-tivo n. 845 do STF.

A saber:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO(8)

Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO

Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI

Julgamento: 27.10.2016

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-221 DIVULG 27.09.2017 PUBLIC 28.09.2017

Parte(s)

RECTE(S): INSTITUTO NACIONAL DO SEGU-RO SOCIAL – INSS

PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL FE-DERAL RECDO.(A/S): VALDEMAR RONCAGLIO

ADV.(A/S): ADILSON VIEIRA MACABU E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE: INSTITUTO BRASILEIRO DE DI-REITO PREVIDENCIÁRIO – IBDP

ADV.(A/S): GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE.: UNIÃO

(8) DJe-221 DIVULG 27.09.2017 PUBLIC 28.09.2017.

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIAO

AM. CURIAE: CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS – COBAP

ADV.(A/S): GABRIEL DORNELLES MARCOLIN

Ementa

EMENTA: Constitucional. Previdenciário. § 2º do art. 18 da Lei n. 8.213/91. Desaposentação. Renúncia a anterior benefício de aposentadoria. Utilização do tem-po de serviço/contribuição que fundamentou a pres-tação previdenciária originária. Obtenção de benefício mais vantajoso. Julgamento em conjunto dos RE ns. 661.256/SC (em que reconhecida a repercussão geral) e 827.833/SC. Recursos extraordinários providos. 1. Nos RE ns. 661.256 e 827.833, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, interpostos pelo INSS e pela União, pugna-se pela reforma dos julgados dos Tribunais de origem, que reconheceram o direito de segurados à renúncia à aposentadoria, para, aproveitando-se das contribuições vertidas após a concessão desse benefí-cio pelo RGPS, obter junto ao INSS regime de benefício posterior, mais vantajoso. 2. A Constituição de 1988 de-senhou um sistema previdenciário de teor solidário e distributivo. Inexistindo inconstitucionalidade na alu-dida norma do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/91, a qual veda aos aposentados que permaneçam em atividade, ou a essa retornem, o recebimento de qualquer presta-ção adicional em razão disso, exceto salário-família e reabilitação profissional. 3. Fixada a seguinte tese de repercussão geral no RE n. 661.256/SC: “[no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘de-saposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/91”. 4. Providos ambos os recursos extraordinários (RE ns. 661.256/SC e 827.833/SC).

Decisão

Retirado de pauta em face da aposentadoria do Relator. Presidência do Senhor Ministro Joaquim Bar-bosa. Plenário, 26.11.2012. Decisão: Após o relatório, o julgamento foi suspenso. Ausentes a Ministra Cármen Lúcia, representando o Tribunal na Viagem de Estudos sobre Justiça Transicional, organizada pela Fundação Konrad Adenauer, em Berlim, entre os dias 5 e 9 de ou-tubro de 2014, e na 100ª Sessão Plenária da Comissão Europeia para a Democracia pelo Direito (Comissão de Veneza), em Roma, nos dias 10 e 11 subsequentes, e o Ministro Dias Toffoli que, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, participa do VII Fórum da Democracia de Bali, na Indonésia, no período de 8 a 13 de outubro de 2014. Presidência do Ministro Ricar-do Lewandowski. Plenário, 08.10.2014. Decisão: Após o voto do Ministro Roberto Barroso (Relator), dando par-cial provimento ao recurso, o julgamento foi suspen-so. Ausentes a Ministra Cármen Lúcia, representando Plenário, 29.10.2014. Decisão: O Tribunal, apreciando o tema 503 da repercussão geral, por maioria, deu provi-mento ao recurso extraordinário, vencidos, em parte, os Ministros Roberto Barroso (Relator), Rosa Weber, Ricar-do Lewandowski e Marco Aurélio. Redigirá o acórdão o Ministro Dias Toffoli. Em seguida, o Tribunal delibe-rou adiar a fixação da tese. Presidiu o julgamento a Mi-nistra Cármen Lúcia. Plenário, 26.10.2016. Decisão: O Tribunal fixou tese nos seguintes termos: “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somen-

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te lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘de-saposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/91”. O Ministro Marco Aurélio não participou da fixação da tese. Ausentes, justificadamen-te, o Ministro Celso de Mello, e, nesta assentada, o Mi-nistro Gilmar Mendes. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 27.10.2016.”

À vista disso, torna-se clara a distinção entre as matérias, pois no presente caso discute-se a possibi-lidade de cancelamento total de benefício previden-ciário, não havendo qualquer ofensa ao § 2º do art. 18 da Lei n. 8.213/91, o qual deve ser interpretado no sentido de impossibilitar o recálculo de benefício considerando as contribuições posteriores à aposentação, conforme a decisão supra do Supremo Tribunal Federal, bem como de impossibilitar a percepção conjunta de mais de um benefício. Inteligência diversa implicaria em descon-siderar diversos princípios jurídicos e constitucionais, consoante será demonstrado no presente petitório.

1.5. Dos Princípios Constitucionais violados

Na presente tese, a pretensão não infringe o § 2º do art. 18 da Lei n. 8.213/91, pois, não visa acrescentar nos cál-culos da nova aposentadoria contribuições posteriores à sua primeira aposentadoria.

Na verdade o que se pretende unicamente é a concessão de nova aposentadoria e que esta seja con-cedida sob a égide da atual legislação, corrigindo assim o desequilíbrio financeiro e atuarial que sofreu o benefício pre-videnciário do requerente.

Nossa Previdência Social é regida pelo princí-pio constitucional do EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL, ou seja, o benefício apurado deve ser de acordo com o tempo e o valor das contribuições do se-gurado, considerando sua expectativa de sobrevida.

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filia-ção obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Reda-ção dada pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998)

I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada.” (destacamos)

Portanto, os cálculos da aposentadoria dos se-gurados devem seguir ou mesmo buscar o “equilíbrio financeiro e atuarial” do benefício calculado visando cobrir o rico “idade avançada”, mas sempre cuidando da dignidade do aposentado e da valorização do valor social do trabalho, preceitos estes constitucionais que no presente caso estão sendo indiretamente violados.

Não bastasse isto, que por si, já seria suficiente para conceber o ora proposto, o fato em tela fere dire-tamente o texto constitucional que no § 1º do art. 201 veda expressamente tratamentos distintos entre os se-gurados, senão vejamos:

“Art. 201, CF/88

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferen-ciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que preju-diquem a saúde ou a integridade física e quando se tra-tar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.” (destacamos).

Veja, o presente caso, além de infringir o princípio constitucional do Equilíbrio Financeiro e Atuarial acima exposto, da isonomia constitucional prescrito no art. 5º, da dignidade humana, fere diretamente o art. 201, quan-do este veda expressamente adoção de requisitos e critérios di-ferenciados para concessão de aposentadorias no Regime Geral.

De modo que, por todos os ângulos que se apre-cia o presente caso, denota-se que os segurados sofreram injustamente a penalidade (castigo) de receber vitaliciamen-te um benefício 35% a 50% (trinta e cinco a cinquenta por cento) menor que seus pares que contribuíram pelo mesmo tempo, pelo mesmo valor e que possuem a mesma idade.

A mais injusta das penas é aquela que se aplica, sem o direito de defesa e sem saber qual o crime que se cometeu.

Cabe aqui a transcrição do magnífico preambulo da nossa Constituição da República que traduz os prin-cípios máximos do direito social pelo legislador consti-tuinte buscado e aqui suplicado:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Es-tado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direi-tos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem--estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valo-res supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERA-TIVA DO BRASIL. (destacamos)

II. Da incidência da Fórmula 85/95 a partir da vi-gência da regra trazida pela Medida Provisória n. 676/2015

Vencida esta primeira suposta barreira ao provi-mento total da propositura, considerando assim, desde já, o CANCELAMENTO DO ATUAL benefício previ-denciário e CONCESSÃO DE NOVO BENEFÍCIO, pas-saremos agora a tratar do direito da incidência da Fór-mula 85/95 a partir da Lei n. 13.183/2015.

Assim, possuindo o segurado ora “desaposenta-do”, todos os requisitos de elegibilidade para fruir do direito à concessão do Benefício Aposentadoria por Tempo de Contribuição na forma da atual legislação (sem a aplicação do Fator), qual seja: os referidos 95 pontos se homem e 85 pontos se mulher, fará jus ao direito à aposentadoria de acordo com a atual redação da Lei n. 13.183/2015, que legitimou os termos da MP n. 676/2015, publicada em 18 de junho de 2015.

E, consolidando esta nova aposentadoria, caberá ainda a discussão se haverá devolução ou não dos va-lores recebidos em virtude da aposentadoria cancelada, assunto que enfrentaremos a seguir.

III. Do direito de não devolver a pecúnia percebi-da pelo benefício a ser revisto

Mister se faz apresentar as razões de direito que resguardam o direito do segurado reaposentado em não precisar devolver os valores recebidos no benefício pelo qual se pleiteia sua revisão:

1 – Os recursos auferidos pelo(a) autor(a) atinen-tes ao benefício objeto de revisão era direito adquirido,

LTr - Jornal do Congresso 97

portanto atuarialmente legítimo e como tal deve ser tra-tado, em que pese a posterior revisão do mesmo.

2 – Os alimentos são irrepetíveis – O benefício concedido até a presente data foi legitimo e como tal pertence ao patrimônio previdenciário do(a) autor(a);

3 – O reflexo do pedido de revisão tem o efeito ex nunc, ou seja, daqui para frente e não ofende o ato legal da concessão do benefício que se pretende rever;

4 – O Superior Tribunal de Justiça no Julgamento do RESP n. 1.334.488-SC decidiu em sede de Recurso Repetitivo que os recursos percebidos legalmente não devem ser devolvidos no ato da revisão do benefício que lhes deu causa.

De modo que, por todas as razões de fato e de direito acima expostos, não há falar em devolução dos recursos percebidos pelo(a) autor(a) durante a vigência do benefício ora revisto.

IV. Conclusões finais

Diante do exposto, verificando que não há im-pedimento legal, tampouco jurisprudencial(9) de efeti-vação de renúncia por parte do segurado aposentado à sua aposentadoria e considerando ainda, que a pre-sente proposta de reaposentação não viola o disposto no § 2º do art. 18 da Lei n. 8.213/91 convalidado pelo

(9) Nota do autor: O STF no julgamento da desaposentação nos RE ns. 661.256/SC e 827.833/SC). Não vedou a possibilidade de renúncia à aposentadoria por parte do segurado, apenas validou o disposto no § 2º do art. 18 da Lei n. 8.213/91.

STF, vez que não visa computar qualquer contribuição efetivada pós aposentadoria, mas apenas e tão somente aquelas já pertencentes ao Período Básico de Cálculo.

Considerando ainda, que o segurado que já tinha direito a aposentar na regra anterior mais gravosa, so-frendo, no entanto, uma redução severa em seu bene-fício por força da aplicação em seu salário base de be-nefício do Fator Previdenciário, e que, obviamente terá todos os requisitos de exigibilidade para se aposentar sob a égide da atual legislação, se beneficiando assim, do art. 29-C da Lei n. 8.213/91, não há razão fática, qui-çá jurídica para que o Poder Judiciário, bastião da Justi-ça, vede a pretensão de qualquer segurado aposentado que vendo-se atingido pela injustiça perante seus pares aposentados, busque a tutela jurisdicional do Estado visando a renúncia de seu benefício com a automática concessão de outro mais vantajoso em face do Princípio inexorável “tempus regit actum”.

Consolidando esta tese perante o Supremo Tribu-nal Federal, estar-se-á distribuindo a justiça social pre-conizada em nossa Constituição Federal.

VII. Referências bibliográficas

BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 3. ed. São Paulo: LTr.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legis-lativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

LTr - Jornal do Congresso 97

O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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7º PAINEL

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – MARCO INICIAL

Ronald Silka de AlmeidaMestre em Direito pela Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil

(2013). Pós-graduação em Formação Pedagógica do Professor Universitário pela PUC-PR (2006). Pós-graduação em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC-PR (2005). Graduado em Direito

pela Faculdade de Direito de Curitiba (1986). Professor convidado dos cursos: Pós-graduação em Direito Material e Processual do Trabalho PUC-PR. Pós-graduação em Direito Previdenciário e do Trabalho da Faculdade Estácio e MBA em Legislação Trabalhista e Previdenciária

na FACET-PR. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e Coordenador de Prática Jurídica Trabalhista e Criminal

no Centro Universitário Internacional de Curitiba – UNINTER. Pesquisador do Grupo de Pesquisa PÁTRIAS da UniBrasil-PR. Ex-

-Diretor da Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná (2009 a 2015). Membro do Instituto dos Advogados do Paraná – IAP.

O instituto da prescrição tem sua origem no direi-to romano como mecanismo de defesa, era colocado na fórmula expedida pelo pretor, através do qual se insti-gava o magistrado a não examinar o mérito da lide, tan-to é que o termo prescrição tem sua origem etimológica da palavra praescriptio(1) que significa literalmente um escrito posto antes.

A figura inicial da prescrição tão somente envol-via a espécie aquisitiva, porém com Justiniano é que surge a espécie extintiva, o sistema jurídico pátrio prevê as duas modalidades: a “aquisitiva, que constitui um dos meios de aquisição da propriedade, porquanto, fa-zendo extinguir o direito de outrem, o transfere à pes-soa que mantém a posse da coisa”, e a “extintiva, que implica a perda do direito de ação em virtude da inér-cia do seu titular; dela também se diz, por isso mesmo, liberatória”.(2)

Enquadra-se no conceito de prescrição extintiva a figura da prescrição intercorrente, ou seja, “relaciona-se com a expressão “último ato do processo”, a qual pode ser vista de duas formas, o último ato processual dentro de uma série ou, considerando-se o processo como um todo harmônico, o último ato reflete uma causa inter-ruptiva única”(3), para Manoel Antonio Teixeira Filho “é a que ocorre no curso da ação, forma-se, portanto, de permeio”.(4)

(1) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. v. 1, Parte geral, 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 285.

(2) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2009. v. III, p. 2020.

(3) JORGE NETO, Francisco Ferreira. CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito Processual do Trabalho. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 327.

(4) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no processo do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 288.

A prescrição intercorrente em suma, tem sua aplicação no curso do processo, mais especificamente na fase de execução no processo do trabalho e tem por fundamento em primeiro lugar a segurança jurídica proporcionada às relações jurídicas, fulminando a pre-tensão pelo transcurso do tempo associado à inércia do credor, e em segundo a aplicação do objetivo da pacifi-cação social evitando-se o prolongamento indefinido de pretensões executórias ao longo do tempo.

Ocorre, que a priori a prescrição intercorrente era inaplicável ao Processo do Trabalho antes da vigência da Lei n. 13.467/2017, mesmo porque sempre se tratou de: a) atentado a princípios do Direito do Trabalho e da própria Constituição Federal (especialidade, efeti-vidade dos direitos do trabalhador, proteção, autono-mia privada, liberdade, imparcialidade do magistrado, contraditório, isonomia); b) não se trata de matéria de ordem pública, quanto aos seus efeitos; e c) evidencia--se como forma de limitar, no tempo, o direito consti-tucional da ação, tanto é que referido entendimento estava solidificado no Tribunal Superior do Trabalho, através do Enunciado n. 114: “Prescrição intercorren-te – É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”.

Ainda, em período anterior à vigência da Lei n. 13.467/2017, não havia o que se falar em inércia do credor, mormente quando cabia ao Estado, o dever de impulsionar a execução de ofício, conforme previsto na antiga redação do art. 878 da CLT.

De acordo com o texto do § 1º, do art. 11-A, da CLT, o marco inicial para a fluência do prazo prescri-cional intercorrente ocorre, quando o credor deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução, entretanto, neste ponto devem ser observados dois re-quisitos essenciais, quais sejam o da aplicação da lei no tempo e o do contraditório e da ampla defesa.

LTr - Jornal do Congresso 99

Em relação à aplicação da lei no tempo, o art. 6º da Lei n. 13.467/2017 traz disposição expressa de di-reito intertemporal, no sentido de que as normas insti-tuídas pela Reforma Trabalhista entram em vigor após período de 120 (cento e vinte) dias, contados de sua pu-blicação oficial, ou seja, não há o que se falar de aplica-ção da lei em atos praticados no passado.

Portanto, neste contexto, destaca-se o princípio do tempus regit actum (o tempo rege o ato), segundo o qual os atos jurídicos se regem pela lei da época em que ocor-reram, tanto é que tal princípio encontra-se positivado no art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657/1942): “Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato ju-rídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

Da leitura do dispositivo legal, observa-se que a norma, assim que entra em vigor, adquire eficácia imediata sobre toda a matéria por ela regulada, desta forma os fatos geradores de infrações praticadas sob a égide da lei vigente são por esta regidos, porém, a lei nova respeita os atos jurídicos consolidados na vigência da lei anterior, ou seja, a Lei n. 13.467/2017 tem efeito imediato, entretanto prospectivo, trata-se efetivamente de aplicação do retro citado princípio do tempus regit actum.

Outro requisito que deve ser observado é o do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, inserto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Fe-deral de 1988 e refletido através do disposto nos arts. 9º e 10º do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo

do trabalho nos termos dos arts. 769, da CLT e 15 do CPC, segundo o qual o juiz “não proferirá decisão con-tra uma das partes sem que ela seja previamente ouvi-da” (caput, art. 9º), e também “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportu-nidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício” (art. 10º), ou seja, tratam-se de dispositivos decorrentes do “princípio do contraditório efetivo e do princípio democrático na es-truturação do processo”, haja vista que a “democracia e a participação no processo opera-se pela efetivação da garantia do contraditório”.(5)

Em sendo observados estes dois requisitos, o da aplicação da lei no tempo e o do contraditório e da ampla defesa, mediante simples intimação estar-se--á oportunizando ao interessado in casu, o credor a se manifestar e principalmente, se estará apresentando a determinação para o cumprimento de um ato e que se descumprido fixará o marco inicial para o fluxo da prescrição intercorrente, e como se trata de instituto a ser aplicado em virtude do transcurso de um prazo, também se estará delimitando o termo fatal, ou seja, na ocorrência desses pressupostos sem dúvida não incor-rerá o judiciário em erro, nem tampouco o processo será obstado em arguições de possíveis nulidades sob o ar-gumento de violação aos direitos de ampla defesa e do devido processo legal.

(5) SILVA, Bruno Freire e. O novo CPC e o processo do trabalho I: parte geral. São Paulo: LTr, 2015. p. 33.

AS IMPORTÂNCIAS HABITUAIS PAGAS A TÍTULO DE PRÊMIOS: LIBERALIDADE OU SALÁRIO-CONDIÇÃO?

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

Os prêmios são “modalidade de salário vincula-do a fatores de ordem pessoal do trabalhador, como produtividade e eficiência” e “caracterizam-se por seu aspecto condicional”, não se confundindo “com a par-ticipação nos lucros, uma vez que sua causa não é a percepção de lucros pela empresa, mas o cumprimento, pelo empregado, de uma condição predeterminada”,

daí seu aspecto condicional (BARROS; ALENCAR, 2017, p. 510).

Não equivalem às gratificações, pois essas “de-pendem de fatos ou acontecimentos objetivos e exter-nos à vontade do empregado” e os prêmios “têm como causa o aumento da produção ou a eficiência do tra-balhador” (BARROS; ALENCAR, 2017, p. 510); por sua

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própria natureza contraprestativa – como forma de contra-prestação pela produtividade do empregado”(1) –, paga “em decorrência do contrato de trabalho e/ou de um fator eleito pelo empregador ou pelo dispositivo jurí-dico instituidor das verbas”, ostentam “nítido caráter salarial” (DELGADO; DELGADO, 2017, p. 167).

Ou seja, o prêmio, por sua própria natureza, é parce-la que consubstancia, nitidamente, um salário-condição, não podendo ser considerada uma parcela de natureza indenizatória, paga por “mera liberalidade” pelo em-pregador, sob pena de se negar inclusão social aos tra-balhadores, à revelia do art. 201, § 11, da Constituição, para o qual os ganhos habituais do empregado, a qual-quer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios (MORAIS, 2015).

Tal perspectiva, até então, era aquela sustenta-da pela CLT, inclusive na alteração promovida pela Lei n. 1.999/1953: segundo a cabeça do art. 457, com-preendem-se na remuneração do empregado, para to-dos os efeitos legais, além do salário devido e pago di-retamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

“Salário é a retribuição dos serviços prestados pelo empregado, por força do contrato de trabalho, sendo devido e pago diretamente pelo empregador que dele se utiliza para a realização dos fins colimados pela empresa; remuneração é a resultante da soma do salá-rio percebido em virtude do contrato de trabalho e dos proventos auferidos de terceiros, habitualmente, pelos serviços executados por força do mesmo contrato.” (SÜSSEKIND, 2002, p. 339)

É regra comezinha de hermenêutica que, para a obtenção de ordem lógica, a norma deve expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à nor-ma enunciada no caput e as exceções à regra estabeleci-da (art. 11, III, c, da Lei Complementar n. 95/1998). É o que faz o § 2º do art. 457, ao elencar parcelas pagas ao empregado, mas que não integram o salário – típica exceção, considerada a regra de imprimir típica natureza salarial a parcelas pagas por força do contrato de traba-lho, dado o caráter expansionista do salário.

Em 2017, porém, a Lei n. 13.467/2017 alterou a redação do art. 457, §§ 2º e 4º, passando a dispor que importâncias pagas a título de prêmios, ainda que habi-tuais, não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de encargo trabalhista e previden-ciário; são liberalidades concedidas em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a um empregado ou a um grupo de empregados, em razão do desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.

A Medida Provisória n. 808/2017, com o prazo de vigência já encerrado(2), incluíra o § 22 no artigo e

(1) TST-RR-1190-98.2012.5.03.0153, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 7.3.2018, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09.03.2018.

(2) A Medida Provisória n. 808/2017 não foi convertida em lei dentro do prazo exigido pelo art. 62, § 3º, da Constituição, de modo que perdeu a eficácia, desde a edição, e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23.04.2018 (Ato Declaratório n. 22/2018, do Congresso Nacional). Caberá agora ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, sob pena de as relações jurídicas

considerava prêmios as liberalidades concedidas até duas vezes ao ano.

A “reforma trabalhista”, ao que me parece, tentou transmudar, artificialmente, a natureza jurídica da par-cela prêmios, de remuneratória (salário-condição) para indenizatória (“mera liberalidade”). Segundo Delgado e Delgado (2017, p. 262-263), essa descaracterização sa-larial foi “uma das mudanças mais graves feitas pela Lei da Reforma Trabalhista”.

Porém, registro que, ao redigir esse artigo, ainda na vigência da Medida Provisória n. 808/2017, escre-via eu que o art. 457, § 22, estabelecia limitação temporal ao pagamento, como já ocorre com a parcela participação nos lucros ou resultados (PLR), à luz do art. 3º, § 2º, da Lei n. 10.101/2000, para o qual é vedado o pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores a título de participação nos lucros ou resultados da em-presa em mais de duas vezes no mesmo ano civil e em periodicidade inferior a um trimestre.

Nesse diapasão, dizia eu que, com o advento da Medida Provisória n. 808/2017, a “reforma” perderia o caráter eminentemente precarizante, especificamente quanto aos prêmios, pois a “habitualidade” prevista no art. 457, § 2º, da CLT encontraria limite expresso no § 22 do artigo, o que tornaria o conteúdo legal razoável, dada a similitude com o art. 7º, XI, da Constituição (a PLR é desvinculada da remuneração) – onde há a mes-ma razão, deve prevalecer a mesma disposição (ubi ea-dem legis ratio ibi eadem dispositio).

Porém, como dito alhures, a Medida Provisória n. 808/2017 teve sua vigência encerrada, restando em aberto à interpretação o vácuo deixado pela expurga-ção do § 22 do art. 457, isto é, em até que frequência determinados pagamentos considerar-se-ão “prêmios”. A fim de adequar a novel legislação a um patamar civilizató-rio mínimo, consideremos, primariamente, os seguintes aspectos:

— as metas são estabelecidas considerando a exigência de desempenho superior ao ordinariamen-te esperado no exercício do trabalho pelo empregado, conclusão que chego, inclusive, estribado pelo que or-dinariamente acontece (art. 375 do CPC), pois todos sa-bem que a meta procura elevar o padrão dos serviços a um patamar superior, que gere mais lucros à empresa, dentro do sistema capitalista;

— a meta é um fator eleito/fixado pelo emprega-dor, para o pagamento de prêmios;

— o prêmio é vinculado a fatores de ordem pes-soal do trabalhador, como produtividade e eficiência, substrato no qual se encaixam os prêmios;

— as metas têm aspecto condicional, tal qual os prêmios, pois o pagamento somente é devido se cum-prida a condição;

— por se tratar de uma condição predeterminada ao empregado, ainda que os prêmios, mutatis mutandis, gerem lucro à empresa, sua causa não é a percepção de lucros, como essencialmente se dá na PLR, mas o cum-primento, pelo empregado, da citada condição prede-terminada.

constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservarem-se por ela regidas (art. 62, §§ 3º e 11, da Constituição).

LTr - Jornal do Congresso 101

A PROTEÇÃO À JORNADA DE TRABALHO É TAMBÉM NORMA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DO/A TRABALHADOR/A

Michelle Cristina FariasAdvogada. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da

Universidade Federal de Ouro Preto. Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da Universidade Federal de Ouro Preto.

Dito isso, posso concluir sob dois prismas – consi-derando-se que o valor pago na forma de cumprimento de metas é considerado prêmio, segundo o art. 457, § 2º, da CLT: de um lado, se considerarmos apenas a atual redação literal do art. 457, § 2º, sem a devida interpreta-ção conforme, tal comando é inconstitucional, por mal-ferir o art. 201, § 11, da Constituição; de outra banda, para se reconhecer a constitucionalidade da norma, de-ve-se interpretá-la a partir de parâmetros estabelecidos pela própria Constituição (art. 7º, XI), utilizando-se, por analogia (art. 8º, caput, da CLT), a PLR, devendo a par-cela prêmio se limitar a dois pagamentos no mesmo ano civil e em periodicidade igual ou superior a um trimes-tre civil, conforme art. 3º, § 2º, da Lei n. 10.101/2000, com redação dada pela Lei n. 12.832/2013.

A partir da “Reforma Trabalhista”, a identificação da natureza jurídica da parcela paga será casuística: se no caso concreto o valor pago a título de “prêmios” ocorrer dentro dos parâmetros conferidos pelo art. 3º, § 2º, da Lei n. 10.101/2000, por analogia, trata-se de uma liberalidade concedida pelo empregador, de na-tureza indenizatória(3). Se o pagamento não se nesses parâmetros, a habitualidade faz caracterizar a natureza jurídica salarial (salário-condição), como forma de con-traprestação pela produtividade do empregado.

(3) “(...) o prêmio-liberalidade não integra a remuneração do empregado, pois é concedido esporadicamente” (BARROS; ALENCAR, 2017, p. 511).

Por fim, independentemente da natureza jurídi-ca sustentada, entendo que o cancelamento do prêmio pago com habitualidade – seja o prêmio-liberalidade, seja o prêmio salário-condição – importa em alteração contra-tual lesiva. Não me convence o argumento de que isso somente ocorre quando se suprimem parcelas de cunho estritamente salarial. Isso porque o art. 468 da CLT con-sidera ilícita – e nula – qualquer alteração que resulte em prejuízo direto ou indireto ao empregado. Por certo, a retirada do prêmio-liberalidade (segundo o art. 457, § 2º, da CLT, pago com habitualidade) equivale retirar evidente condição mais benéfica conferida ao obreiro.

Referências bibliográficas

BARROS, Alice Monteiro de; ALENCAR, Jessé Claudio Franco de. Curso de direito do trabalho. 11. ed. atual. São Paulo: LTr, 2017.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os co-mentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

MORAIS, Océlio de Jesús Carneiro de. Inclusão previ-denciária: uma questão de justiça social. São Paulo: LTr, 2015.

SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Tra-balho. 20. ed. atual. São Paulo: LTr, 2002. v. I.

A proteção à jornada de trabalho no Brasil inicia--se com um Decreto de 1891, que ao que tudo indica, vigorou apenas no Distrito Federal, “dispondo que a jornada de trabalho dos meninos era de nove horas e das meninas, de oito horas” (BARROS, 2011, p. 522). Em 1932 decretos foram editados com o intuito de limitar a jornada dos comerciários e industriários em oito horas diárias. E, em 1933, essa jornada estendeu-se ao demais trabalhadores/as.

A jornada de oito horas de trabalho foi unificada no país em 1940 e mantida na Constituição de 1988, que inovou ao reduzir a disponibilidade de trabalho de 48 para 44 horas semanais e, também, ao majorar o adicio-nal de horas extras para 50% (BARROS, 2011, p. 522). Ressalta-se que os limites constitucionais da jornada de trabalho previstos no art. 7º, XII, da CR/88, não são apenas quanto à extensão de 08 horas máximas por dia

de trabalho e 44 horas por semana, mas também quan-to ao pagamento integral do que excede esse limite, no que diz respeito à realização de horas extras, e sua inci-dência nos repousos, intervalos e férias.

O Direito do Trabalho, enquanto ramo do Direito, tem por objetivo principal concretizar a proteção ao tra-balhador e seus direitos fundamentais; possuindo, assim, relação direta com a limitação da jornada de trabalho, em decorrência do direito fundamental à saúde. De acordo com Maurício Godinho Delgado, a jornada de trabalho é também associada a políticas de saúde no trabalho:

“Efetivamente, os avanços dos estudos e pesqui-sas sobre a saúde e segurança laborais têm ensinado que a extensão do contato do indivíduo com certas ati-vidades ou ambientes é elemento decisivo à configura-ção do potencial efeito insalubre de tais ambientes ou atividades.” (DELGADO, 2012, p. 863).

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, dispõe em seu art. XXIV que “todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias remuneradas periódicas” (ONU, 1948). Nesse mesmo sentido, a Organização Mundial da Saúde – OMS define a saúde como “um es-tado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afeções e enfermidades” (OMS, 2006).

O Brasil é signatário do Pacto Internacional Rela-tivo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais(1), de 1966, que em seu art. 7º, d, aduz que:

“Os Estados-Signatários no presente Pacto reco-nhecem o direito de toda a pessoa gozar de condições de trabalho equitativas e satisfatórias que assegurem, em especial:

(...)

d) o descanso, usufruir do tempo livre, a limita-ção razoável das horas de trabalho e férias periódicas pagas, assim como a remuneração dos dias feriados.” (BRASIL, 1992).

A Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, de que o Brasil também é signatário, aduz em seu art. 3º, que a política nacional em matéria de segurança e saúde, deve, entre outras coisas, primar pelas capacidades físicas e mentais dos/as trabalhado-res/as:

“(…)

e) o termo saúde, com relação ao trabalho, abran-ge não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a seguran-ça e a higiene no trabalho.” (BRASIL, 1994).

Com o advento da Lei n. 13.467 de 13 de julho de 2017 – “Lei da Reforma Trabalhista”, a nova sistema-tização da jornada de trabalho trouxe a flexibilização compensatória; que, de modo descomunal, flexibiliza o direito à limitação da jornada de trabalho no Brasil, em evidente desrespeito à saúde e segurança dos/as traba-lhadores/as, violando, inclusive, os acordos e tratados internacionais de proteção ao trabalho humano já cita-dos, e dos quais o país é signatário.

No bojo dessas violações, citam-se, também, o art. 611-A, I, II e III e o parágrafo único do art. 611-B, inseridos na referida lei, e que desvinculam totalmen-te “a jornada de trabalho das medidas de saúde e se-gurança do trabalhador, com o objetivo de autorizar a livre negociação de jornada e intervalo para descanso” (DELGADO, 2017, p. 79). De acordo com Amauri César Alves:

“No plano constitucional, por regra que revela direito fundamental do cidadão trabalhador, o direito é ao ambiente de trabalho seguro, sendo obrigação ina-fastável do empregador, independentemente do paga-mento do adicional, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segu-rança” (Constituição da República, art. 7º, inciso XXII) (ALVES, 2014).

(1) Adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.

Na mesma seara de violações oriundas da flexibi-lização da jornada de trabalho está o art. 611-A, XII, da CLT, que autoriza o grau de insalubridade a ser enqua-drado por instrumento coletivo negociado. O inciso XIII do referido artigo prevê a possibilidade de prorrogação de jornada de trabalho em ambiente insalubre por mera negociação coletiva, dispensando a licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho.

Para Maurício Godinho Delgado:

“A análise técnica, científica e objetiva do meio ambiente do trabalho, por intermédio da autoridade administrativa do Ministério do Trabalho, com o fito de permitir (ou não) a extrapolação da duração normal do trabalho, consiste em medida prudente, sensata, ra-zoável e proporcional, explicitamente enfatizada pela ordem jurídica (art. 60 da CLT), não podendo – e nem devendo – ser afastada por cláusula de negociação cole-tiva trabalhista” (DELGADO, 2017, p. 264).

Infere-se que de acordo com os vários princípios e regras de viés humanístico e social contidos na Cons-tituição da República Federativa do Brasil (CR/88), a saúde humana não pode ser tratada como negociação bilateral ou coletiva, tendo em vista que a proteção à jornada de trabalho é também norma de proteção à saú-de do/a trabalhador/a. Destarte que a CR/88, em seus artigos e preceitos, confere proteção à saúde física e mental da pessoa humana, inclusive dentro do ambien-te laboral, a exemplo, tem-se o princípio da dignidade humana, expresso no inciso III, art. 1º, da CR/88.

O desrespeito à limitação da jornada de trabalho e ao período de descanso, bem como a permissão de prorrogação de jornada de trabalho em ambiente in-salubre, viola também o direito do/a trabalhador/a à convivência social e familiar no âmbito do convívio com seus filhos/as (art. 227, CR/88), ao direito ao lazer (art. 6º, CR/88), e, principalmente, ao direito à saúde (art. 6º c/c art. 196, CR/88). Além disso, a flexibiliza-ção da jornada de trabalho pode acentuar considera-velmente as já numerosas ocorrências de acidentes de trabalho(2), de doenças profissionais, de mortes e, até mesmo, de suicídios relacionados ao estresse laboral.

Há de se considerar, inclusive, que para as traba-lhadoras (mulheres) o desrespeito à limitação de jorna-da, ao período de descanso e a permissão da prorro-gação de jornada de trabalho em ambiente insalubre, podem trazer consequências muito mais severas. Histo-ricamente, no âmbito familiar e doméstico, as mulheres estão inseridas em um contexto de tripla e até mesmo de quádrupla jornada, pois além das questões que alu-dem ao trabalho externo, as mulheres ainda precisam conciliar os cuidados com a casa, com os/as filhos/as, e com os estudos.

Nesta seara, a Organização Internacional do Tra-balho – OIT tratou de tutelar o ciclo gravídico-puerpe-ral(3), o trabalho da mulher, especialmente no que con-cernem às atividades insalubres, perigosas e penosas, em que se inclui o trabalho noturno nas indústrias(4),

(2) “No Brasil, 700 mil pessoas sofrem acidente de trabalho a cada ano. De 2012 a 2016, houve 3,5 milhões de casos, com 13,3 mil mortes” (BRAZILIENSE, 2017).

(3) Convenções ns. 3, 103 e 183 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

(4) Convenções ns. 45 e 89 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

LTr - Jornal do Congresso 103

trabalhos subterrâneos nas minas de qualquer catego-ria, em regime de horas extras e com pesos.

Visando a restaurar os limites da jornada de tra-balho no país e o reestabelecimento do respeito aos di-reitos fundamentais dos/as trabalhadores/as, o ideal é que a Lei n. 13.467/2017 seja revogada. Além de colidir frontalmente com as regras e princípios da Constitui-ção da República, especialmente no que diz respeito à saúde e à dignidade da pessoa humana, a referida lei traz implicações ao bem estar e à segurança dos/as trabalhadores/s; tende a precarizar as relações de tra-balho e a retirar dos/as trabalhadores/as direitos histó-ricos conquistados.

Referências bibliográficas

ALVES, Amauri Cesar. Cumulação de adicionais de insa-lubridade e periculosidade. Disponível em: <http://www.direitodotrabalhoessencial.com.br/arti-gos/cumulacao-de-adicionais-de-insalubridade--e-periculosidade/>. Acesso em: 30 abr. 2018.

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O CONCEITO ARTIFICIAL DE “EMPREGADO HIPERSUFICIENTE” CRIADO PELA “REFORMA TRABALHISTA”: OS LÍRIOS NÃO NASCEM DAS LEIS

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

O Ministro Mauricio Godinho Delgado, do TST, na sessão temática de 11 de maio de 2017, no Senado Federal, onde se discutia o Projeto de Lei da Câmara n. 38/2017, intitulado de “reforma trabalhista”, posteriormente con-vertido na Lei n. 13.467/2017, que todos conhecemos(1), trouxe importantes reflexões ao que se avizinhava:

(1) Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129049>. Acesso em: 30 mar. 2018.

“A reforma trabalhista, entretanto, retoma um tipo de poder individual do empregador próprio do Código Civil de 1916, o qual este Parlamento já revo-gou, e produziu inclusive um Código Civil diferente, de mais de dois mil artigos, em 2002, que vigora no país, portanto, há cerca de quinze anos, e é também um gran-de diploma normativo.

São três eixos centrais da Reforma, do ponto de vista do projeto civilizatório constitucional, humanísti-

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co, social da Constituição da República e, nessa medi-da, lamentavelmente, a Reforma vai de encontro a esse projeto civilizatório.

Em primeiro lugar, como dito, ao exacerbar, alar-gar, retirar amarras jurídico-civilizatórias ao poder in-dividual do empregador. Não se trata mais apenas de permitir a redução de direitos por negociação coletiva, não. Essa é a ideia que tínhamos no segundo semestre do ano passado, quando se falava na Reforma Traba-lhista. Já nos atemorizava, porque a negociação coletiva não foi feita, na história, para isso.

O projeto, no entanto, foi além. Ele se extremou. Ele retomou uma prática do Código Civil de 1916, que considerava a relação de emprego como locação de ser-viços – filosoficamente essa é a lógica do projeto – e deu poderes quase incontrastáveis ao empregador.”(2)

De fato, a Lei n. 13.467/2017 intencionou retomar a ideia do Código Civil de 1916, o Código que utiliza a palavra “amor” uma única vez, atrelada à ideia de bens materiais (art. 1.338) – portanto, em patamar civilizatório inferior ao que ostenta, hoje, o próprio direito comum. Real-mente, houve essa intenção deliberada, pelo legislador ordinário, de equivaler, no plano material, empregado e empregador.

Máxime dessa constatação reside no art. 444 da CLT, a cujo caput se acresceu um parágrafo único, nes-ses termos:

“Art. 444. As relações contratuais de trabalho po-dem ser objeto de livre estipulação das partes interessa-das em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades compe-tentes.

Parágrafo único. A livre estipulação a que se re-fere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”

Considerando que o teto previdenciário, a par-tir de 1º.01.2018, passou a ser fixado em R$ 5.645,80(3), temos que, numericamente, o empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a R$ 11.291,60. Nada mais esdrúxulo.

Os lírios não nascem das leis, dizia Carlos Drum-mond de Andrade. A lei não tem como, artificialmente, dizer de forma contrária ao que existe no mundo feno-mênico. Não é o fato de se positivar que a Terra é qua-drada que lhe fará ser verdadeiramente quadrada; se a Terra é redonda, ela será redonda, ainda que à revelia do que diz a lei.

O direito do trabalho é protetivo, diante da clara hipossuficiência do empregado (que necessita do seu salário para sobreviver) em face do empregador (que detém o uso do poder empregatício e, em seu favor, o

(2) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BkSve6Y ReGw>. Acesso em: 30 mar. 2018.

(3) Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/2018/01/beneficios- indice-de-reajuste-para-segurados-que-recebem-acima-do-minimo-e-de-207-em-2018/>. Acesso em: 30 mar. 2018.

pressuposto da subordinação jurídica). Neste sentido, concebe-se o paradigma da essencialidade, segundo cirur-gicamente expõe Negreiros (2006, p. 463): “os contratos que versem sobre a aquisição ou a utilização de bens que, considerando sua destinação, são tidos como essen-ciais estão sujeitos a um regime tutelar, justificado pela necessidade de proteção” – proteção do sujeito hipossu-ficiente, assim entendido aquele que se utiliza do bem – objeto do contrato – para a sua sobrevivência.

Como cediço, no contrato de trabalho, uma das partes (o trabalhador, sujeito hipossuficiente) tem no objeto do contrato (o salário, a paga que recebe em troca da força de trabalho colocada à disposição do empre-gador) sua única possibilidade de existência digna, o que legitima a intervenção estatal na autonomia da vonta-de privada, dada a assimetria característica da relação contratual.

Embora isso seja óbvio, dada a dinâmica capitalis-ta na qual se assenta a República Federativa do Brasil(4) – de que o salário é o meio de sobrevivência do trabalha-dor –, a Constituição de 1988 diz isso expressamente, consagrando-o como um direito social fundamental (art. 6º), apto a resguardar e a promover outros direitos sociais fundamentais: veja-se que os outros direitos so-ciais fundamentais expressos no art. 6º, em sua maioria, dependem, primariamente, do trabalho humano e do fruto do labor – a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, o transporte, o lazer e a previdência social es-tão contidos no conteúdo jurídico-constitucional do salário, que deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do indivíduo e da sua família com o dispêndio desses direitos sociais fundamentais (art. 7º, inciso IV, da Constituição), inclusive para a repercussão em benefí-cios previdenciários (art. 201, § 11, da Constituição).

A razão de ser do Direito do Trabalho é a prote-ção da parte hipossuficiente. Nesse diapasão, a legislação nunca terá o poder de subverter a lógica predominante no mundo fenomênico e, mais que isso, nenhuma lei que ostente posição hierárquico-normativa de mera le-galidade, como a “Reforma Trabalhista”, terá o condão de subverter a ordem jusconstitucional.

Ademais, o próprio Supremo Tribunal Federal, mutatis mutandis, já decidiu nesse sentido, deixe-se bem claro. No julgamento do Recurso Extraordinário n. 590.415/SC, Relator: Ministro Luís Roberto Barroso, Julgamento: 30.4.2015, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe-101 divulgado em 28.5.2015 e publica-do em 29.5.2015, com repercussão geral reconhecida (julga-mento do mérito), a Suprema Corte consolidou a seguinte tese jurídica:

“A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha cons-tado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado.”

(4) “O sistema capitalista é geneticamente portado a produzir excluídos. Os desempregados não surpreendem o sistema, por isso a banalização da condição dos trabalhadores, inclusive quando perdem o posto de trabalho. Uma banalização que é capitaneada, dentre tantos exemplos, pela ótica econômica do Direito do Trabalho.” (SEVERO, 2011, p. 43)

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Mas foi além.

Nos debates, algo soou unânime entre os minis-tros: no plano coletivo, não há uma parte hipossuficien-te, na medida em que é o sindicato da categoria profis-sional quem representa os trabalhadores e, necessaria-mente, encontra-se em um dos polos da relação jurídica subjacente (art. 8º, inciso VI, da Constituição). Isso não ocorre no plano individual, independentemente do nível inte-lectual do empregado ou da remuneração percebida.

Segundo o Ministro Luís Roberto Barroso, Relator, “no direito individual do trabalho o trabalhador fica à mercê de proteção estatal até contra sua própria neces-sidade ou ganância”. Essa proteção tem sentido, “uma vez que empregado e empregador têm peso econômico e político diversos”. Segundo disse, “a incidência da proteção às relações individuais de trabalho é diversa da sua incidência nas negociações coletivas”, pois apenas na negociação coletiva “o poder econômico do empre-gador é contrabalançado pelo poder dos sindicatos que representam os empregados”, pois tais entidades “têm poder social, político e de barganha”.

O Ministro Ricardo Lewandowski, nesse mesmo julgamento, ressaltou que, no plano individual, “o tra-balhador precisa ser protegido, uma vez que a empresa possui força para compeli-lo a agir até contra sua própria vontade”, o que não ocorre no plano coletivo, onde “existe pari-dade de armas” e o sindicato da categoria profissional está “em igualdade de condições” com a empresa ou o sindicato da categoria econômica.(5)

(5) Para o recorte dos votos, acessar a notícia “STF reconhece validade de cláusula de renúncia em plano de dispensa incentivada”. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?id Conteudo=290618>. Acesso em: 4 abr. 2018.

Como nos ensinou o saudoso mestre Orlando Tei-xeira da Costa, Ministro paraense que presidiu o Tri-bunal Superior do Trabalho, “o Direito do Trabalho só poderia reconsiderar seus institutos básicos se a eman-cipação do trabalhador fosse uma realidade e não ape-nas uma promessa” (COSTA, 1986, p. 12).

Porém, não há nenhuma emancipação do traba-lhador brasileiro, a cada dia mais vítima de um sistema desigual e insensível à dignidade humana, que ignora a premissa básica de que trabalho não é mercadoria, como proclamou a Organização Internacional do Trabalho em sua constituição (e Constituição).

Portanto, “enquanto o mundo se apresentar com desigualdades profundas, enquanto o homem continuar sendo lobo do homem, as urgências que determinaram o nascimento do Direito [omissis] do Trabalho persistirão informadas pelos mesmos prin-cípios básicos que medraram com ele” (COSTA, 1986, p. 12).

Referências bibliográficas

COSTA, Orlando Teixeira da. Os novos princípios do Direito Coletivo do Trabalho. In: Revista do Tribu-nal Regional do Trabalho da Oitava Região, Belém, v. 19, n. 37, p. 7-12, jul./dez. 1986.

NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradig-mas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

SEVERO, Valdete Souto. O dever de motivação da despedi-da na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

REGULAMENTAÇÃO DO TELETRABALHO NA CLT: A SAÚDE MENTAL DOS PROFISSIONAIS QUE USAM SISTEMAS DE TECNOLOGIA

Gustavo Abrahão dos SantosMestre em Direito e especialista em Direito Empresarial pela

Universidade Católica de Santos. Pós-Graduação em Ética, Valores e Cidadania na Educação pela USP. Professor de Direito da Faculdade do Guarujá/UNIESP desde 2010, Professor de Legislação Aplicada a Internet e Ética e Responsabilidade Profissional na FATEC Rubens Lara Baixada Santista desde 2017. Professor de Direito e Legislação

na Faculdade Don Domênico (Guarujá), desde 2012. Docente de 2005 a 2010 no SENAC/Santos. Advogado desde 2001. Autor do Livro:

“Direito Ambiental do Trabalho: A Saúde do Trabalhador a Céu Aberto e na Construção Civil Exposto ao Sol’, Multifoco, 2018. Coautor do

Livro: “Direito Ambiental – Temas Polêmicos”, Juruá, 2015.

Introdução

Aqui, nesta tese, se elucidam as relações de traba-lho contemporâneas com o uso de tecnologias de siste-

mas, surgindo o espaço laboral denominado teletraba-lho, local em que os profissionais de diversas atividades econômicas, entre eles, os analistas e desenvolvedores de sistemas, operadores de telemarketing, operadores

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de checkout, bem como profissionais educadores, efeti-vam as jornadas de trabalho a distância do empregador e com o uso de sistemas e internet.

Neste passo, a tese é no sentido de abordar a saúde do teletrabalhador no contingente das novas re-lações trabalhistas que se apresentam no século XXI e que se encontram regulamentadas, após a Reforma Da Consolidação das Leis Trabalhistas, mais precisamente, nos arts. 75-A, 75-B, 75-C, 75-D e 75-E, ao especificar o contrato de trabalho do teletrabalhador com direitos e deveres.

A metodologia da pesquisa é a revisão bibliográ-fica, bem como a descrição sobre a atualização da le-gislação trabalhista no que se refere ao teletrabalho e, por fim, os efeitos desta atividade laboral na saúde dos profissionais de sistemas de tecnologia, enfatizando--se a saúde mental e a perda de energia do corpo do trabalhador.

1. A organização do trabalho e a tecnologia

A organização do trabalho no sentido de estudar as adaptações das máquinas a estrutura do corpo e mente humana, remete ao conceito da ergonomia.

A ergonomia desenvolveu-se durante a II Guerra Mundial (1939-45). Pela primeira vez, houve uma conju-gação sistemática de esforços entre a tecnologia, ciências humanas e biológicas para resolver problemas de pro-jeto. Médicos, psicólogos, antropólogos e engenheiros trabalharam juntos para resolver os problemas causados pela operação de equipamentos militares complexos. Os resultados desse esforço interdisciplinar foram gratifi-cantes, a ponto de serem aproveitados pela indústria, no pós-guerra. (Dul e Weerdmeester, 2004, p. 1)

E nesta organização dos fatores tecnológicos, hu-manos e biológicos, surgem os computadores nas dé-cadas de 1960 e 1970 do século XX, e a adaptação ergo-nômica do corpo e mente humana aos computadores.

Com a evolução do conceito de ergonomia e a evolução tecnológica, surge a definição de Luciene de Barros Rodrigues Silveira e Eleine de Oliveira Salustia-no (2012, p. 75), que “o posto de trabalho nada mais é do que a junção do sistema homem-máquina-ambiente”.

Este sistema homem-máquina-ambiente, segun-do Luciene de Barros Rodrigues Silveira e Eleine de Oliveira Salustiano (2012, p. 75), “é uma unidade envol-vendo um homem e o equipamento que ele utiliza para realizar seu trabalho, como também o ambiente que o trabalhador se encontra”.

No cotidiano das relações de trabalho e emprego, a unidade acima mencionada se faz necessária para a execução de tarefas e cumprimento de jornadas labo-rais de vários profissionais, entre eles os profissionais de sistemas, mas também profissionais advogados que dependem dos sistemas para protocolizar petições ini-ciais, intermediárias e recursos nos processos judiciais pelos Tribunais deste país.

E nesta unidade entre homem e equipamento, existe a fadiga. Na era industrial, os trabalhadores fi-cam tão envolvidos nos ritmos da máquina mecânica que, frequentemente, descreviam sua própria fadi-ga em termos de máquina – queixando-se de estarem

“desgastados” ou passando por um “esgotamento”. Agora, um número crescente de trabalhadores está se tornando tão integrado aos ritmos da nova cultura do computador que, quando se sentem estressados, sen-tem “sobrecarga” e, quando se sentem incapazes de enfrentar a situação, “se apagam” e “dão uma parada”, palavras que refletem a proximidade dos trabalhadores com o ritmo imposto pela tecnologia do computador (CATALDI, 2015, p. 37).

Ressalta-se que a tecnologia envolve a existência de uma condição laboral atual, e que por este prisma devem estar adequadas ao trabalhador, zelando pela saúde, integridade física e qualidade de vida no meio ambiente do trabalho como espaço ocupacional.

Neste sentido, o pensamento de Júlia Issy Abrahão e Diana Lucia Moura Pinho (2002, p. 48) que “o computador, como um instrumento de trabalho, é um mediador entre a ação e o objeto de trabalho”.

Neste passo, as profissões em geral se utilizam do computador como mediador entre a ação e o objeto do trabalho, em especial, o teletrabalho(1) e os profissionais de análise e desenvolvimento de sistemas, e ainda, mo-dernamente, operadores de checkout, operadores de te-lemarketing, bem como os profissionais advogados que protocolizam petições digitais em Tribunais, e ainda, profissionais da educação em ensino a distância.

2. Teletrabalho e a regularização na nova CLT

Com a modernização da legislação trabalhista no Brasil, editou-se a Lei n. 13.467/2017, texto legal que atribui à nova Consolidação das Leis Trabalhistas, regularização do teletrabalho, como se preceitua nos arts. 75-A a 75-E.

O novo texto da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT foi publicado no Diário Oficial da União em 14 de julho de 2017, e segundo o art. 6º da Lei n. 13.467/2017 com vigência em 11 de novembro de 2017(2), alterado foi pela Medida Provisória n. 808/2017(3).

Primeiramente, preconiza o art. 75-A da Lei n. 13.467/2017 que: “A prestação de serviços pelo em-pregado em regime de teletrabalho observará o dispos-to neste Capítulo”.

O conceito legal do teletrabalho no Brasil está ao art. 75-B da Lei n. 13.467/2017 (nova CLT): “Considera--se teletrabalho a prestação de serviços preponderan-temente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comuni-

(1) O teletrabalho é o trabalho com uso do computador e tecnologia de transmissão de dados do computador para o empregador que está à distância da sede física ou filial da empresa. Neste sentido, o dicionário Aurélio conceitua “Teletrabalho” como sendo “atividade profissional realizada fora do espaço físico da entidade empregadora, com auxílio de tecnologias de comunicação à distância e de transmissão de dados”. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/teletrabalho>. Acesso em: 21 set. 2017.

(2) Vigência da nova consolidação da Leis Trabalhistas – CLT. Art. 6º Esta Lei entra em vigor após decorridos cento e vinte dias de sua publicação oficial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 21 set. 2017.

(3) Medida Provisória n. 808/2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Mpv/mpv808.htm>. Acesso em: 18 mar. 2018.

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cação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Neste sentido, o teletrabalhador poderá execu-tar suas atividades em local fora da empresa, poden-do ser na residência ou em outro local assertivo, ten-do suas atividades laborais anotadas em contrato de trabalho individual, conforme preceitua o art. 75-C da Lei n. 13.467/2017: “A prestação de serviços na modali-dade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as ati-vidades que serão realizadas pelo empregado”.

O teletrabalhador poderá ser convocado para ati-vidades presenciais na empresa, o que não descaracte-rizará o teletrabalho, diz o art. 75-B, parágrafo único da nova CLT.

Neste ponto, salienta-se que o regime jurídico do teletrabalho, na maior parte do tempo, terá como ativi-dades laborais não presenciais, mas, via de regra, em um local específico, sem a necessidade de se locomover para exercer suas atividades na empresa. Por exemplo, residência própria ou biblioteca, mas desde que utili-zando das tecnologias da informação e telecomunica-ção, especialmente por meio da internet, como e-mail, WhatsApp, Facebook, para recebimento e envio das atribuições ao empregado.

Em algum momento do teletrabalho, o emprega-do deverá comparecer às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, tais como, subtendem-se: reuniões, treinamentos ou qualquer ou-tra instrução ou diálogo que o empregador almeja rea-lizar com o empregado, inclusive diálogos e instruções sobre a prevenção à saúde do trabalhador, nesta moda-lidade de contrato de teletrabalho.

O regime de contrato de trabalho intermitente(4), se apresenta como possível utilização no teletrabalho, tendo em vista o que diz o art. 75, § 1º da nova CLT al-terada pela Lei n. 13.467/2017: “Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho des-de que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual”.

O aditivo contratual vinculado à anotação do re-gistro do teletrabalhador na carteira de Trabalho e Pre-vidência Social – CTPS é que especificará todas as ativi-dades do teletrabalhador, bem como o uso dos insumos e da tecnologia para a transmissão de dados para o em-pregador, conforme o art. 75-D do novo texto da CLT(5).

(4) No que se refere ao contrato de trabalho intermitente e sua remuneração, a Lei n. 13.467/2017 (nova CLT) preceitua no art. 443, § 3º cumulado com art. 452-A. “Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. (...) § 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 21 set. 2017.

(5) O art. 75-D da nova CLT, alterada pela Lei n. 13.467/2017, trata de todas as condições do teletrabalho como prestação de serviço remoto.

O profissional de tecnologia muitas vezes executa o trabalho remoto, sendo inerente ao teletrabalho, bem como na interpretação da lei, o que se compreende ser necessário para a aquisição, manutenção ou forneci-mento dos equipamentos tecnológicos e da infraestru-tura do trabalho, e que restarão no aditivo contratual, quando se expressa “previstas em contrato escrito”, in-clusive o reembolso.

E mais, despesas com a aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura básica não integram a remuneração do teletrabalhador.

Diante disso, necessária é uma reflexão sobre os aspectos protetivos do teletrabalhador, nesta relação de trabalho a distância com uso de tecnologia.

E mais, se não houver a preservação dos princí-pios constitucionais da dignidade da pessoa humana e valorização social do trabalho, restará ineficaz o texto do art. 75-E da nova CLT, e inoperante para a saúde do trabalhador. Ilustra-se o texto: “Art. 75-E. O emprega-dor deverá instruir os empregados, de maneira expres-sa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilida-de comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador”.

Enfim, percebe-se que na interpretação do art. 75-E da CLT, existe a necessidade da construção de uma política pública que balize o dever do empregador em instruir os empregados sobre a prevenção da saúde no teletrabalho.

3. A saúde mental do teletrabalhador profissional dos sistemas de tecnologia

A Constituição Federal de 1988, estatuiu como um direito fundamental a saúde no meio ambiente do trabalho(6), sendo aquele direito que deve priorizar os princípios da dignidade humana e do valor social do trabalho(7), elencando na regra constitucional, o cum-primento das normas de higiene, segurança e saúde no trabalho(8), para efetivar o meio ambiente do trabalho humanizado dentro do contexto da ordem econômica de transformação dos recursos naturais e defesa do meio ambiente(9).

“Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito”.

(6) BRASIL. Constituição Federal de 1988. “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...) VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

(7) BRASIL. Constituição Federal de 1988. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”.

(8) BRASIL. Constituição Federal de 1988. “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;”.

(9) BRASIL. Constituição Federal de 1988. “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

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Elucida o doutrinador Raimundo Simão de Melo (2013, p. 66) que “a dignidade humana é um valor mo-ral e espiritual inerente à pessoa humana, o qual se ma-nifesta na autodeterminação consciente e responsável da própria vida”.

A saúde é um direito fundamental constitucional nas relações sociais(10) basilar para a vida do trabalhador. E as mudanças no mundo do trabalho estão tornando o profissional de desenvolvimento de sistemas de tec-nologia como essencial para dar efetividade à unidade homem-máquina-ambiente. Mas existe a necessidade de se preocupar com a saúde humana.

É neste ponto que surge, a prevenção da saúde do teletrabalhador, como uma preocupação necessária e que se sugere construção, sob a égide do conceito da ergonomia no meio ambiente do teletrabalho, princi-palmente, no que se refere à prevenção às doenças psi-cofísiológicas nos teletrabalhadores. Já existe a Norma Regulamentadora (NR) n. 17 do Ministério do Trabalho e emprego (MTE), sendo necessária uma ampliação dos itens desta NR-17 para o teletrabalho.

Salienta-se que as pausas para descanso de forma ampla e geral para atividades de digitação com uso da tecnologia dos computadores estão previstas no texto da Norma Regulamentadora (NR) n. 17, precisamente no item 17.6.3 do MTE(11). E mais, estas pausas são ne-cessárias, tendo em vista a postura do trabalhador e os distúrbios no corpo e mente.

As novas tecnologias baseadas no computador aceleram tanto o volume, o fluxo e o ritmo da informa-ção que milhões de trabalhadores estão passando por “sobrecarga” mental e “fundindo-se”. O cansaço físico gerado pelo ritmo acelerado da antiga economia indus-trial está sendo superado pela fadiga mental provocada pelo ritmo do nano segundo da nova economia da in-formação. (CATALDI, 2015, p. 39)

Uma prevenção necessária à saúde mental dos teletrabalhadores é evitar a Síndrome de Burnout(12), componente do trabalho estressante que pode levar a Depressão como doença no estágio mais avançado.

Segundo Bruno Farah (2016, p. 19), “desde a dé-cada de 90, as empresas começam a se deparar com o

justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”

(10) Brasil. Constituição Federal de 1988. “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

(11) Ergonomia. Norma Regulamentadora n. 17. “Item 17.6.3 do MTE. Nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores, e a partir da análise ergonômica do trabalho, deve ser observado o seguinte: (...). b) devem ser incluídas pausas para descanso”. Disponível em: http://trabalho.gov.br/seguranca-e-saude-no-trabalho/normatizacao/normas-regulamentadoras/norma-regulamentadora-n-17-ergonomia. Acesso em: 21 set. 2017.

(12) Segundo Maria José Giannella Cataldi em “Stress no Meio Ambiente do Trabalho” (3. ed. LTr, 2015. p. 60), Burnout surgiu em 1974, com o psicólogo Fregenbauer, que constatou esta síndrome em um paciente que trazia consigo energias negativas, impotência relacionada ao desgaste profissional. O termo Burnout é uma composição de burn (queimar) e out (fora), ou seja, traduzindo para o português “perda de energia” ou “queimar” para fora, fazendo a pessoa que adquiriu esse tipo de estresse, tendo reações físicas e emocionais, passando a apresentar um tipo de comportamento agressivo.

aumento vertiginoso de quadros de depressão, sem dispositivos nem políticas claras para combater o novo panorama”. E ainda, entende Bruno Farah (2016, p. 20), que “a depressão caracteriza um tipo de sofrimento com perfil emocional próprio”.

Neste passo, diversos estudiosos mencionam a preocupação recente o estresse, cuja incidência aumen-ta progressivamente no mundo, tanto nos países in-dustrializados quanto naqueles em desenvolvimento. Gerando uma epidemia de transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (DE OLI-VEIRA, 2011, p. 210).

Evidencia-se tal fato, quando WAKEFIELD E HORWITH (2010) afirmam que “segundo estimativas da OMS, em 2020, a depressão será a maior causa de afastamento nas empresas do mundo inteiro, chegando a 20% do quadro”.

Neste diapasão, em decorrência dessas mudanças, já se começa a discutir como necessário para a saúde e bem-estar do trabalhador o “direito à desconexão”, ou seja, deve-se estipular normas jurídicas impedindo que o poder diretivo patronal invada, abusivamente, a vida particular do empregado (DE OLIVEIRA, 2011, p. 213).

O direito a desconexão também é prevenção à saúde do teletrabalhador e que Salomão Rosedá afirma em sua obra “O direito à desconexão – uma realidade no teletrabalho” (2007, p. 829) que “o direito à descone-xão, à primeira vista, nada mais é do que o direito ao descanso no século XXI”.

Salienta-se a necessidade de uma eficaz gestão da saúde ocupacional nas empresas que contenham profis-sionais que usam sistemas de tecnologia (teletrabalha-dores), baseadas em tomadas de decisão com sustenta-bilidade corporativa. E neste ponto, resta o pensamento de Gustavo Abrahão dos Santos (2018, p. 181) que “a sustentabilidade corporativa leva em consideração que as atividades produtivas ou prestadoras de serviços ge-ram externalidades positivas e negativas”.

E ainda, Gustavo Abrahão dos Santos (2018, p. 181) continua o pensamento a seguir: “o contexto das externalidades positivas ou negativas denota um lia-me com a força de trabalho de uma instituição, sendo relevante reconhecer o modo como se desenvolvem as tomadas de decisão no direito ambiental do trabalho”.

A nova Consolidação das Leis Trabalhistas de-termina que os empregadores terão o dever de instruir os seus teletrabalhadores, quanto aos riscos das doen-ças do trabalho, entre elas, a Síndrome de Burnout e a Depressão que podem ser atribuídas ao isolamento do profissional da convivência com os colegas nas relações de trabalho e emprego, como por exemplo, profissio-nais de sistemas de tecnologia.

Enfim, neste passo, as tomadas de decisão dos em-pregadores devem possuir contextos de externalidades positivas, referentes a minimizar os riscos à saúde mental do profissional que se utiliza dos sistemas de tecnologia, por meio das instruções à saúde dos teletrabalhadores, no sentido de conscientizá-los do direito à desconexão.

Considerações finais

A prevenção da saúde no teletrabalho passa a ser regularizada no art. 75-E do novo texto da CLT, sendo a

LTr - Jornal do Congresso 109

O DIREITO COMUM É FONTE SUBSIDIÁRIA DO DIREITO DO TRABALHO, INCLUSIVE QUANTO ÀS HIPÓTESES

DE INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela

ergonomia essencial para o teletrabalho e a saúde men-tal dos profissionais que usam tecnologia no cotidiano das relações de trabalho e emprego.

Considerando que a ergonomia está regularizada de forma específica na Norma Regulamentadora n. 17 e os 2 (dois) anexos do MTE, referentes ao trabalho dos operadores de checkout e operadores de teleatendimen-to/telemarketing, sugestiona-se como prevenção para saúde ocupacional no teletrabalho, a discussão pública através das comissões tripartites (Governo, Emprega-dores e Empregados), acerca da construção do anexo n. III na Norma Regulamentadora n. 17, contendo con-dições específicas para a prevenção de doenças mentais e fisiológicas no teletrabalho, dando-se direção para as instruções dos empregadores aos teletrabalhadores, neste sentido.

E mais, com vistas a tabular dados estatísticos de doenças mentais em profissionais que usam a tecnolo-gia nas relações cotidianas de trabalho, necessário se faz um cadastro das instruções dos empregadores aos empregados sobre as condições específicas de preven-ção a saúde ocupacional no teletrabalho, vinculativo ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) que já é obrigatório para o registro dos benefícios inerentes aos acidentes e doenças do trabalho, bem como para obten-ção da aposentadoria especial, conforme a Instrução Normativa n. 85 do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) de 18 de fevereiro de 2016.

Enfim, o cruzamento dos dados, poderá elucidar uma melhoria contínua ao controle estatístico do cená-rio ocupacional do teletrabalho no Brasil, bem como ações corretivas para dar efetividade a qualidade de vida no teletrabalho, bem como minimizar afastamen-tos por afetações a saúde mental dos profissionais tele-trabalhadores.

Referências bibliográficas

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WAKEFIELD, J; HORWITH, A. A tristeza perdida. Como a psiquiatria transformou a depressão em moda. São Paulo: Summus, 2010.

110 LTr - Jornal do Congresso

No direito comum, o art. 189 do Código Civil diz que, violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição. Segundo Chapper (2013, p. 21), “no Brasil, o legislador escolheu determi-nar no art. 189 do Código Civil de 2002 que a prescrição acarreta a perda da pretensão, aproximando-se da ideia de actio romana”.

Matiello (2017, p. 129) diferencia duas formas bá-sicas de prescrição: a extintiva ou liberatória e a aquisitiva, sendo a primeira delas aquela “cujo advento retira do titular a pretensão nascida com a violação do direito” e a última “quando torna inderrogável e definitiva a si-tuação jurídica mantida pelo indivíduo durante deter-minado espaço de tempo, contanto que cumpridos os demais pressupostos legais”. E prossegue:

“O conceito que se pode dar à denominada pres-crição extintiva é o seguinte: perda da pretensão decor-rente de um direito, e, por conseguinte, do próprio di-reito e de todo o seu aparato defensivo, em consequên-cia do seu não exercício ou uso durante determinado espaço de tempo previsto em lei. Considerando que com o advento da prescrição a pretensão desaparece, o titular deixa de ter à sua disposição a ação que o guar-necia, sendo imperioso dizer que o próprio direito aca-ba por fenecer como faculdade, não mais mostrando--se possível o exercício coercitivo dos atributos de que era dotado. O cumprimento voluntário do conteúdo da pretensão, depois de prescrita, pelo sujeito que estava obrigado a isso antes de a pretensão prescrever, não al-tera a realidade acima colocada, pois embora o direito tenha desaparecido, a causa moral do cumprimento subsiste, motivo pelo qual uma vez satisfeito o teor da pretensão, ainda que já prescrita, não poderá o solvens reclamar a reposição das partes ao estado anterior ao advento do dies ad quem prescricional.” (MATIELLO, 2017, p. 129)

O art. 202 do Código Civil traz as hipóteses de in-terrupção da prescrição, que só pode ocorrer uma vez, a saber: (i) por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; (ii) por protesto, nas condições do inciso antecedente; (iii) por protesto cam-bial; (iv) pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; (v) por qual-quer ato judicial que constitua em mora o devedor; (vi) por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.

“Interrompe-se a prescrição quando ocorrer fato, previsto em lei, capaz de tornar inútil o prazo de conta-gem já transcorrido até o momento da sua verificação, fazendo com que a partir de então se reinicie do marco zero. Disso se infere que o lapso temporal já transcor-

rido fica inutilizado, voltando o curso da prescrição a fluir por inteiro a contar do evento interruptivo. A di-ferença básica em relação à suspensão consiste, portan-to, em que nesta a contagem é apenas retomada desde quando cessada a causa suspensiva, enquanto na in-terrupção todo o tempo escoado se torna imprestável. (MATIELLO, 2017, p. 137)

O fundamento pelo qual o legislador inutiliza o tempo já decorrido no rumo da prescrição reside na circunstância de que esta tem sua razão de ser na inér-cia do indivíduo quanto à prerrogativa de fazer valer a pretensão de que é titular. Destarte, se demonstra vivo interesse em conservá-la intacta, por uma das formas preconizadas, considera-se que continua a merecer o resguardo da lei e poderá exercer a faculdade durante a fluência de novo período igual àquele que havia origi-nalmente recebido do ordenamento.”

No Direito do Trabalho, segundo o art. 7º, inciso XXIX, da Constituição da República, é direito que visa a melhoria da condição social dos trabalhadores o direito de ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

O art. 11 da Consolidação das Leis do Trabalho, que cuida da prescrição, desde sua decretação, em 1943, não previa qualquer hipótese de interrupção da prescri-ção, porém, como já alertava o saudoso Arnaldo Lopes Süssekind, um de seus protagonistas (em entrevistas e palestras que vi, ouvi e presenciei), a norma foi pensada a partir desse silêncio eloquente: a Consolidação das Leis do Trabalho, nascida na vigência do Código de Proces-so Civil de 1939 e do Código Civil de 1916, buscou col-matação de suas lacunas nesses últimos, expressamente (além da Lei n. 6.830/1980, conforme arts. 8º, parágrafo único, 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho).

O art. 8º, parágrafo único, em sua redação origi-nária, de 1943 a 2017, dizia que “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”. A partir da Lei n. 13.467/2017, o parágrafo úni-co, que se tornou § 1º, passou a dizer o mesmo, porém com a exclusão expressa da parte final (“...naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamen-tais deste”).

Entretanto, a Consolidação das Leis do Tra-balho, com a “reforma trabalhista”, consubstancia-da na Lei n. 13.467/2017 e na Medida Provisória n. 808/2017(1), deixou de ser lacunosa (omissão legisla-

(1) A Medida Provisória n. 808/2017 não foi convertida em lei dentro do prazo exigido pelo art. 62, § 3º, da Constituição da República,

Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

LTr - Jornal do Congresso 111

tiva) quanto à interrupção da prescrição. A partir da vigência da Lei n. 13.467/2017, o art. 11 ganhou dois parágrafos, sendo que o § 3º passou a dizer, expressa-mente, o seguinte: “A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista, mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos”.

Há quem entenda, ingenuamente, que o legisla-dor ordinário pretendeu “apenas” deixar claro que a interrupção da prescrição ocorre pelo ajuizamento da ação trabalhista. Não foi o que ocorreu, lamentavel-mente.

O novo preceito quis introduzir, sim, uma res-trição. Quando se utilizou a expressão “somente”, o legislador ordinário, claramente, pretendeu induzir a autêntica interpretação literalista do comando legal. Ou seja, a interrupção da prescrição, na Justiça do Traba-lho, somente ocorreria pelo ajuizamento de reclamação trabalhista, não se admitindo a aplicação supletiva do Código Civil.

Porém, a manobra legislativa não tem o condão de desnaturar ou desfigurar o instituto da prescrição. Os lírios não nascem das leis, já dizia Carlos Drummond de An-drade. Nesse sentido, as precisas (preciosas) palavras de Larenz (2009, p. 446):

“(...) uma lei, logo que seja aplicada, irradia uma ação que lhe é peculiar, que transcende aquilo que o le-gislador tinha intentado. A lei intervém em relações da vida diversas e em mutação, cujo conjunto o legislador não podia ter abrangido, e dá resposta a questões que o legislador ainda não tinha colocado a si próprio. Adqui-re, com o decurso do tempo, cada vez mais como que uma vida própria e afasta-se, deste modo, das ideias dos seus autores.”

Outrossim, bem colocam Delgado e Delgado (2017, p. 113, destaques meus):

“(...) a interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica do referido preceito legal (novo § 3º do art. 11 da CLT) não permite chegar a semelhante e injustifi-cável interpretação restritiva. Os temas prescricionais são, sim, regidos, regra geral, pelo Código Civil Brasileiro, não havendo qualquer razão minimamente razoável, proporcional e consistente para que, apenas na Justiça do Trabalho, não incidam os fatores interruptivos com-patíveis que são aventados por determinados incisos do art. 202 do CCB.”

Ora, se o fundamento da interrupção da pres-crição é a de conservar a pretensão de alguém, não há como se entender que, apenas na Justiça do Trabalho,

de modo que perdeu a eficácia, desde a edição, e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 23.04.2018 (Ato Declaratório n. 22/2018, do Congresso Nacional). Caberá agora ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, sob pena de as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservarem-se por ela regidas (art. 62, §§ 3º e 11, da Constituição da República).

cujo processo do trabalho tem natureza civil-especial, essa proteção seria negada. Tal proteção, há de se con-vir, está intrinsecamente jungida e ligada à entrega da ordem jurídica justa, sustentada pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República (o Código de Pro-cesso Civil, igualmente, impõe ao juízo a prolatação de uma decisão de mérito justa, conforme art. 6º, in fine).

De outra banda, segundo o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, decre-tado pelo Decreto n. 591/1992, ostenta no sistema jurí-dico interno posição hierárquico-normativa de suprale-galidade, dada a sua natureza de tratado internacional de direitos humanos(2), e estabelece, no art. 2º, § 1º, a progressividade como característica intrínseca aos direi-tos econômicos, sociais e culturais, inclusive – e espe-cialmente – através da adoção de medidas legislativas.

Ora, admitir uma legislação que possa tolher o acesso à jurisdição justa e que represente retrocesso le-gislativo é admitir flagrante inconstitucionalidade e in-convencionalidade do sistema.

Desse modo, a fim de que o art. 11, § 3º, da Conso-lidação das Leis do Trabalho possa ter dupla compatibi-lidade vertical material – coerente com a Constituição da República e o Pacto Internacional sobre Direitos Econô-micos, Sociais e Culturais –, é necessário sustentar que não há uma hipótese taxativa e única ali representada, de interrupção da prescrição, cabendo a aplicação su-pletiva do Código Civil no direito material do trabalho.

Referências bibliográficas

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DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os co-mentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do Direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.

MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil comenta-do: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. 7. ed. São Paulo: LTr, 2017.

(2) No julgamento dos recursos extraordinários ns. 349.703/RS e 466.343/SP e dos habeas corpus n. 87.585/TO e 92.566/SP (Informativo n. 531 do STF), a Suprema Corte pacificou a questão, definindo expressamente a posição hierárquico-normativa dos tratados internacionais: (i) se sobre direitos humanos, aprovados pelo quórum qualificado do art. 5º, § 3º, da Constituição, são equivalentes a emendas constitucionais e têm natureza e hierarquia constitucional; (ii) se sobre direitos humanos, mas sem a aprovação pelo citado quórum qualificado, inclusive os já ratificados em momento anterior ao advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, têm natureza e hierarquia supralegal; (iii) se não tratarem sobre direitos humanos (os ajustes internacionais da OMC em geral, por exemplo), têm natureza legal; (iv) nenhum tratado internacional tem natureza supraconstitucional. Nesse diapasão, por tratarem de direitos dos trabalhadores, vistos como pessoas humanas, não como mercadorias, todas as Convenções da OIT, sem exceção, têm natureza supralegal.

112 LTr - Jornal do Congresso

A JORNADA DE TRABALHO E A PROTEÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR

Carolina Cammarosano SegniniAdvogada trabalhista, graduada em Direito pela Universidade

Católica de Santos, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, Mestranda em Direito Ambiental pela

Universidade Católica de Santos.

Ao longo dos anos, através de estudos e jurispru-dências foi verificado que longas jornadas de trabalho são prejudiciais à saúde do trabalhador, tendo como principal fator negativo o estresse gerado, resultando um grande desgaste ao organismo humano. É certo que o estresse pode ocasionar enfermidades mentais e físi-cas, relacionando-se também com a natureza da ativi-dade exercida, o meio ambiente de trabalho e os fatores genéticos do trabalhador. Esse desgaste também afeta diretamente o absenteísmo, sendo pela rotatividade de mão de obra ou pela ocorrência de acidentes de traba-lho. No âmbito psíquico, as jornadas extenuantes po-dem causar danos à saúde mental, diminuindo a capa-cidade de concentração ou até mesmo, num nível mais crônico, gerar a chamada síndrome do esgotamento profissional (burnot). Na questão física, a fadiga somá-tica e o cansaço excessivo podem gerar grandes riscos à vida do trabalhador. Na visão social, verifica-se que é necessário que o trabalhador exerça outras atividades na comunidade, inclusive no seio familiar, enquanto no âmbito econômico, verifica-se que as jornadas com elevadas durações podem fazer com que a empresa deixe de contratar outros empregados, exigindo traba-lho somente daqueles contratados, gerando crises na economia. Por esse rol de motivos expostos, observa-se que o rendimento do trabalhador descansado é muito maior, tornando a produção muito mais significativa ao empregador, além de preservar a saúde do trabalhador.

Entretanto, no Brasil, é notório que, na maioria das vezes, não são prestadas horas extraordinárias e sim ordinárias, interferindo diretamente na saúde dos trabalhadores, bem como no mercado de trabalho. O fato é que a exigência de uma empresa na realização de horas extras sem o devido pagamento do adicional, não é só uma grande agressão aos direitos individuais de seus empregados, mas também à ordem jurídica, vez que a prática de tal irregularidade visa os lucros ime-diatos do empregador, considerando os altos custos de produção e da concorrência desleal que o mercado em-presarial possui. Esse problema é tão antigo e habitual que, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em 2006, 77% dos acidentes com moto-ciclistas, incluindo motoboys, ocorriam a caminho do trabalho ou na volta para casa e são atribuídos a dois fa-tores: pressa e cansaço. Os gastos da previdência social com benefícios acidentários pulou de R$ 9,38 bilhões em 2006 para R$ 10,72 bilhões em 2007, o que represen-ta incremento da ordem de 9,2%. As lesões por esforço repetitivo são responsáveis por 37,77% dos afastamen-tos acidentários e 65% das licenças médicas solicitadas

Para iniciarmos uma reflexão, é preciso destacar que o tema jornada de trabalho é um dos pontos cen-trais da relação de trabalho, com nítido destaque na história da hermenêutica trabalhista, pois figurou como um tema de grandes lutas dos trabalhadores e levou à construção e desenvolvimento desse ramo do Direito. A jornada de trabalho não trata somente do lapso tem-poral diário em que o empregado se coloca à disposi-ção do empregador ou a mensuração do recebimento de horas extras, já que ela abrange também a tutela da integridade física do trabalhador.

Num contexto histórico, é necessário destacar que antes da era industrial não havia regulamentação sis-temática sobre a duração do trabalho, já que no Brasil, somente em 1932 editaram-se decretos sobre a limitação de jornada em oito horas para comerciário e industriá-rios, estendendo-se a outros trabalhadores em 1933. A Constituição Federal de 1967, por sua vez, reconheceu os direitos dos trabalhadores à higiene e medicina do trabalho. No entanto, somente na Constituição de 1988 foi esmiuçada a orientação das normas de saúde, higie-ne e segurança, bem como foi ratificada a jornada de tra-balho de oito horas, unificada anteriormente em 1940. A Carta Magna trouxe ainda a redução do número de horas semanais para 44, em seu art. 7º, inciso XIII, bem como majorou o adicional de horas extras para 50%.

Em conformidade com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a Constituição Federal de 1988 es-tabeleceu como direito fundamental de todo ser huma-no a vivência em meio ambiente equilibrado e saudá-vel, incluindo nesse contexto o ser humano trabalhador. Nesse raciocínio, ao longo dos anos, muitos estudos foram realizados acerca da saúde e segurança laborais, abrindo espaço para a realização de consistente política da saúde no trabalho. Tais ponderações contribuíram para o estabelecimento de jornadas reduzidas em deter-minadas profissões, em virtude de potencial efeito insa-lubre ou periculoso em alguns ambientes de trabalho. Ou seja, a duração do trabalho ultrapassou a questão econômica e passou a alcançar, em muitos casos, a fun-ção prioritária das normas de saúde e segurança labo-ral, assumindo o caráter de normas de saúde pública.

Desta forma, percebe-se que a principal função do legislador quanto à jornada foi a de impor limites de ex-ploração do empregador sobre o empregado, mas caso isso ocorra, haverá a compensação financeira através do adicional. No entanto, nota-se que a preocupação é tão considerável que mesmo a jornada extraordinária possui limites legais quanto à sua extensão, ou seja, não pode ocorrer de forma inobservada.

LTr - Jornal do Congresso 113

por trabalhadores. Ademais, durante o período de 2012 a 2016, foram totalizados cerca de 13,3 mil acidentes de trabalho seguidos de morte no Brasil, valendo sa-lientar que esses dados não levam em consideração os trabalhadores do mercado informal e o índice de sub-notificação chega a alcançar até 80% em determinadas atividades.

Outrossim, a existência do adicional de 50%, para o pagamento das horas extras, somente tem sentido quando as horas extras são, efetivamente, horas ex-tras, isto é, prestadas de forma extraordinária. Em caso negativo, adentra-se no campo da ilegalidade e, neste sentido, o pagamento do adicional não é suficiente para corrigir o desrespeito à ordem jurídica. A inibição dessa terrível prática pode se dar por ação individual propos-ta na vara do trabalho, intervenção do Sindicato ou até mesmo denúncia ofertada ao Ministério Público do Tra-balho, que poderá através do ingresso da ação civil pú-blica, pleitear indenizações e obrigações de não fazer ou fazer, como por exemplo, a paralização das atividades.

Por fim, observa-se que a realidade impõe uma tomada de atitude que produza um ritmo decisivo em torno da erradicação da realização de jornada excessi-va e do combate implacável ao adoecimento provoca-do pelo trabalho, aqui incluído, em um conceito mais amplo, o próprio acidente típico. A implementação de políticas de gestão empresarial voltadas a assegurar, de modo efetivo, a concessão do descanso e minimizar a realização de jornada extraordinária deve ultrapassar os umbrais da empresa e ser vista como política de saú-

de pública. Além disso, a regra do art. 157, I, da CLT, impõe ao empregador o dever de cumprir e fazer cum-prir as normas de segurança e medicina do trabalho, o que inclui, sem dúvida, a preservação da saúde dos trabalhadores. Afinal, nas palavras de Juan Somavia, Ex-Diretor Geral da OIT, “trabalho sem segurança é uma tragédia”.

Referências bibliográficas

BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Tra-balho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2010.

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O PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E A IMPORTÂNCIA DO JUIZ IMPARCIAL NO PROCEDIMENTO DE HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO

EXTRAJUDICIAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Igor de Oliveira ZwickerDoutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (aprovado em

1º lugar geral no Processo Seletivo); Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia (aprovado em 1º lugar geral no Processo

Seletivo); Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-

-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito; Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e

precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

O princípio do juiz natural está formalmente pre-visto, no seio constitucional, no art. 5º, incisos XXXVII e LII, quando a Constituição da República proclama, como sendo garantias fundamentais do cidadão, que não haverá juízo ou tribunal de exceção e que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autorida-

de competente, sendo tais vetores consubstanciados em cláusula pétreas (art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição) e de aplicação imediata (art. 5º, § 1º, da Constituição).

Ao abordar o conceito de juiz natural e a impor-tância do juiz imparcial, o Supremo Tribunal Federal (2017, p. 121-123) registrou o seguinte:

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“(...) entende-se que o juiz natural é aquele regu-lar e legitimamente investido de poderes de jurisdição, munido de todas as garantias inerentes ao exercício do cargo (vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilida-de de vencimentos — CF, art. 95, I, II, III), que decide consoante regras de competência fixadas com base em critérios gerais vigentes ao tempo do fato. O sentido maior da existência desse princípio é o da negação da constitucionalidade de juízos ou tribunais de exceção, impedindo que cortes sejam formadas ex post facto, ou que juízes específicos sejam designados para processa-mento e julgamento de casos específicos, sem que as normas que disciplinam o exercício da jurisdição assim determinem. O que se propugna com a constituciona-lização do princípio é a determinação da existência de um juiz constitucionalmente indicado para processa-mento e julgamento de cada ato/fato que venha a ser apreciado pelo Poder Judiciário. Em outras palavras, o mandamento constitucional impõe a existência de um juiz com jurisdição, competente e prévio. Por outro lado, também, é conteúdo do princípio do juiz natural a própria imparcialidade do juiz, isto é, a concepção de neutralidade e distância entre as partes, haja vista que sua inexistência acarreta a própria desconstrução do conceito de justiça. Tal a importância do processa-mento e julgamento da causa por um juiz imparcial que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 8, 1, assenta essa garantia judicial de forma ex-pressa (...).” (HC n. 114.523, voto do Relator, Min. Gil-mar Mendes, j. 21.05.2013, 2ª Turma, DJE de 05.06.2013)

Nesse diapasão, o art. 652, alínea f, da CLT, intro-duzido pela Lei n. 13.467/2017, diz competir às Varas do Trabalho decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho.

Já o Capítulo III-A da CLT, introduzido igualmen-te pela Lei n. 13.467/2017, traz em seu bojo os arts. 855-B a 855-E, relacionados ao processo de jurisdição vo-luntária para homologação de acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho.

Segundo o art. 855-B da CLT, o processo de homo-logação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado, que não pode ser comum às partes, fa-cultando-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato da categoria profissional.

Muito tem se questionado sobre a competência para a homologação do acordo judicial. Tenho visto vá-rios juízes, em palestras Brasil afora, sustentado a pre-missa de que a escolha do magistrado dar-se-á por ato volitivo das partes, isto é, o empregado pode ter sido contratado em Xinguara, para prestar serviços em Re-denção, e após ser dispensado, desempregado, residir em Castanhal, todas cidades do interior do Pará, cada uma com uma Vara do Trabalho própria, mas podem “escolher” a Vara do Trabalho que quiserem, inclusive uma das Varas de Belém, a capital, em que pese o recla-mante não ter sido contratado em Belém, não ter existi-do nenhuma tratativa pré-contratual em Belém, nunca ter prestado serviços em Belém, não residir atualmente em Belém.

A meu sentir, essa é uma premissa absolutamen-te violadora do princípio do juiz natural e da premissa maior do juiz imparcial, base de sustentáculo do art. 5º,

inciso XXXV, da Constituição da República, já inafasta-bilidade da jurisdição e da entrega da ordem jurídica justa, senão vejamos.

A importância do elemento trabalho – e sua ne-cessidade de valorização, proteção e salvaguarda – é premissa universal. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos – maior documento histórico do pós-guerra –, “todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favo-ráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego” (art. XXIII, § 1º).

Nesse diapasão, o direito do trabalho é protetivo, diante da clara hipossuficiência do empregado (que ne-cessita do seu salário para sobreviver) em face do em-pregador (que detém o uso do poder empregatício e, em seu favor, o pressuposto da subordinação jurídica). Neste sentido, concebe-se o paradigma da essencialidade, segundo cirurgicamente expõe Negreiros (2006, p. 463): “os contratos que versem sobre a aquisição ou a utiliza-ção de bens que, considerando sua destinação, são tidos como essenciais estão sujeitos a um regime tutelar, justifi-cado pela necessidade de proteção” – proteção do sujeito hipossuficiente, assim entendido aquele que se utiliza do bem – objeto do contrato – para a sua sobrevivência.

Como cediço, no contrato de trabalho, uma das partes (o trabalhador, sujeito hipossuficiente) tem no ob-jeto do contrato (o salário, a paga que recebe em troca da força de trabalho colocada à disposição do emprega-dor) sua única possibilidade de existência digna, o que legi-tima a intervenção estatal na autonomia da vontade privada, dada a assimetria característica da relação contratual.

Em situação de desemprego, muito mais hipossu-ficiente se torna o trabalhador – a chamada hipervulnera-bilidade ou vulnerabilidade agravada (MARQUES; MIRA-GEM, 2014, p. 187-188) –, dada a situação de insubsis-tência que passa a enfrentar o ex-empregado.

Tal situação nos leva à reflexão de que o recla-mante – e isso se torna óbvio quando o observador se volta às audiências diárias na Justiça do Trabalho, na observação do que ordinariamente acontece (art. 375 do Código de Processo Civil) –, pelo estado de vulne-rabilidade agravada, volta a sua preocupação muito mais para o dinheiro da “indenização” do que, propria-mente, com os seus direitos trabalhistas, muitas vezes num atentado à sua própria inclusão social, à revelia do art. 201, § 11, da Constituição da República, para o qual os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribui-ção previdenciária e consequente repercussão em bene-fícios (MORAIS, 2015).

Dinheiro é necessidade, lembrava-me a brilhante desembargadora do trabalho aposentada Odete de Al-meida Alves, da qual fui, por muitos anos, assistente e, posteriormente, assessor. Tal cuidado com essa realida-de (de necessidade) permanece absolutamente relevan-te ainda que a parte esteja assistida por um advogado, pois há profissionais que não estão com olhos voltados à inclusão social dos trabalhadores que assistem e sim aos honorários advocatícios que efetivamente recebe-rão – preferencialmente, em menor tempo possível. A par disso, lamentavelmente, muitos juízes não têm a firmeza necessária ao analisarem os acordos propostos, pois a homologação representa “um processo a menos” para sentenciar.

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Desse modo, e com base no próprio mundo feno-mênico – em que orbitam trabalhadores, advogados e juízes, cada um com sua necessidade própria e pecu-liar –, muitas empresas e conglomerados, que detêm o poderio econômico, terão à sua disposição o juiz à sua escolha, caso se entenda que o procedimento de homo-logação de acordo extrajudicial, na Justiça do Trabalho, pode ser feito por qualquer magistrado do Tribunal Re-gional do Trabalho.

Em termos práticos, imagine-se, naquele mes-mo exemplo que dei alhures, que os magistrados de Xinguara, Redenção e Castanhal têm sérias restrições à Lei n. 13.467/2017, reputando diversos dispositivos inconstitucionais, por malferimento do texto constitu-cional, ou inconvencionais, por violação a tratados in-ternacionais de direitos humanos. Porém, há um juiz do trabalho, em Belém, tido com “viés liberal”. Pelo entendimento mais alargado da competência, a empre-sa poderá “escolher”, ex post facto, esse juiz de Belém, por já conhecer o entendimento dos magistrados, em casos anteriores, sobre os assuntos em discussão. Nes-sas circunstâncias, o ex-empregado estará em condições materiais de se opor? Certamente não.

Em razão disso, em conclusão, e a fim de fazer uma interpretação conforme dos arts. 652, alínea f, e 855-B a 855-E da CLT, proponho uma interpretação con-forme, à luz dos arts. 5º, incisos XXXVII e LII e § 1º, e 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da República: que a com-

petência no procedimento de homologação de acordo extrajudicial, na Justiça do Trabalho, restrinja-se: (i) à localidade onde o empregado prestou os respectivos serviços ao empregador (art. 651, caput, da CLT); (ii) ao foro da celebração do contrato, em se tratando de em-pregador que promovera a realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho (art. 651, § 3º, da CLT); (iii) ao foro do domicílio do empregado, em situações excepcionais devidamente comprovadas, em razão do acesso à jurisdição e à ordem jurídica justa, como tem entendido a iterativa, atual e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, dado o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República.

Referências bibliográficas

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

MORAIS, Océlio de Jesús Carneiro de. Inclusão previ-denciária: uma questão de justiça social. São Paulo: LTr, 2015.

NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradig-mas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Coletânea temática de jurisprudência: direitos humanos. Brasília: STF, Se-cretaria de Documentação, 2017.

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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