5492-17457-1-pb.pdf

17
142 SOCIOLOGIAS Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n” 12, jul/dez 2004, p. 142-158 A DOSSIÊ Gestªo de recursos humanos: teorias e prÆticas 1 Introduçªo emergŒncia de uma sociedade do conhecimento, o de- senvolvimento das tecnologias de informaçªo e conheci- mento (TIC) e os processos de globalizaçªo inequivoca- mente alteraram a forma como ao longo de vÆrias dØcadas se exerceu a gestªo empresarial. Em presença de uma economia crescentemente global, em rÆpida mutaçªo e orientada para a especificidade de cada cliente em particular, as empresas tŒm de possuir uma maior flexibilidade e capacidade de inovaçªo como condiçªo sinequanon para se manterem competitivas. Isto leva os agentes económicos a requerer uma maior flexibilizaçªo na gestªo do factor trabalho e dos seus custos e uma maior diversificaçªo das relaçıes intra e interorganizacionais. Com a emergŒncia de uma sociedade do conhecimento, a produçªo de bens nªo tangíveis assume um peso crescente na economia. O conhe- cimento estÆ integrado numa proporçªo crescente em todas as actividades, dado que a produçªo de um bem ou serviço incorpora cada vez mais infor- maçªo e conhecimento. O conhecimento surge assim como um valor económico em si que importa gerir de forma eficiente. * Doutoramento em Sociologia Económica. Professora Auxiliar do Instituto Superior de Economia e Gestªo (ISEG) da Univer- sidade TØcnica de Lisboa (UTL), Portugal. MARIA JOˆO NICOLAU SANTOS*

Upload: lenoxb82

Post on 15-Sep-2015

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 142 SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    A

    DOSSI

    Gesto de recursoshumanos: teorias e prticas

    1 Introduo

    emergncia de uma sociedade do conhecimento, o de-senvolvimento das tecnologias de informao e conheci-mento (TIC) e os processos de globalizao inequivoca-mente alteraram a forma como ao longo de vrias dcadasse exerceu a gesto empresarial.

    Em presena de uma economia crescentemente global, em rpidamutao e orientada para a especificidade de cada cliente em particular, asempresas tm de possuir uma maior flexibilidade e capacidade de inovaocomo condio sinequanon para se manterem competitivas. Isto leva osagentes econmicos a requerer uma maior flexibilizao na gesto do factortrabalho e dos seus custos e uma maior diversificao das relaes intra einterorganizacionais.

    Com a emergncia de uma sociedade do conhecimento, a produode bens no tangveis assume um peso crescente na economia. O conhe-cimento est integrado numa proporo crescente em todas as actividades,dado que a produo de um bem ou servio incorpora cada vez mais infor-mao e conhecimento. O conhecimento surge assim como um valoreconmico em si que importa gerir de forma eficiente.

    * Doutoramento em Sociologia Econmica. Professora Auxiliar do Instituto Superior de Economia e Gesto (ISEG) da Univer-sidade Tcnica de Lisboa (UTL), Portugal.

    MARIA JOO NICOLAU SANTOS*

  • 143SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    Estas alteraes tm tido profundas implicaes no padro decompetitividade. As vantagens competitivas deixam de estar associadas aosfactores tradicionais (preo das matrias-primas, energia, trabalho), paradependerem de um modelo dinmico assente na capacidade de inovao,seja ela dos processos produtivos, produtos/servios, estruturas e redesrelacionais, como tambm do acesso a determinados recursos estratgicoscomo sejam as competncias humanas, sinergias de mudana, a informa-o ou servios de apoio.

    Relativamente s formas de concorrncia, verificou-se que o desen-volvimento das TIC e da globalizao desencadeou no apenas um aumen-to de concorrncia, decorrente do aparecimento de novos pases produto-res e da intensificao da concorrncia entre os pases da trade (EUA,Europa, Japo e outros pases asiticos), mas deu sobretudo origem aosurgimento de novos mecanismos de concorrncia. Com o estabelecimen-to de alianas estratgicas, as empresas deixaram de concorrer isoladamen-te no mercado, mas passaram a faz-lo enquadradas em parcerias, mudan-do significativamente o modo como o mercado funciona. Deste modo, asregras de concorrncia passaram a ser determinadas no contexto de redesprofundamente globalizadas.

    Foi em presena deste novo quadro competitivo, marcado como foisupra referido, pela alterao das formas de concorrncia, mutabilidade,crescente inovao e importncia do conhecimento, que as empresas tive-ram necessidade de se reestruturar. Neste sentido, as empresas tiveram dealterar as suas formas de organizao produtiva e de desenvolver novosmodelos de gesto interna, assentes numa maior flexibilidade e em estru-turas em rede.

    2 Matriz terica

    Em termos tericos, parte-se do princpio que perante um contextoem que a criao de valor depende sobretudo da capacidade para desen-

  • 144 SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    volver novos produtos/servios com maior valor acrescentado, isto , commaior incorporao de conhecimento, as empresas devem criar condiesinternas que permitam estimular a inovao e a criatividade. atravs dacriatividade, da inovao e da aplicao do conhecimento que se podemcriar, desenvolver e produzir produtos/servios com maior valor acrescenta-do (Silva; Neves 2003). A capacidade de saber produzir conhecimento, desaber geri-lo eficazmente est assim na base da criao de riqueza.

    Saber gerir conhecimento significa concentrar-se nos processos decriao, armazenamento, partilha e distribuio de conhecimento (Bontis,2002; Choo, 2000). Significa criar um conjunto de condies que permitadesenvolver o capital intelectual de uma empresa.

    De que forma que as empresas podem faz-lo? Teoricamente exis-te algum consenso de que o podem fazer essencialmente por trs vias:

    2.1 desenvolvendo o capital humanoIsto significa desenvolver as competncias individuais. Para isso nobasta um acrscimo de formao. necessrio uma mudana de atitu-de no sentido do desenvolvimento de recursos humanos com maiorgrau de responsabilizao, orientados no apenas para o cumprimentode objectivos e ndices de performance, previamente negociados eancorados na orientao estratgica da empresa, mas igualmente comuma crescente autonomia e liberdade de aco, condies indispens-veis para o desenvolvimento de actos criativos.

    2.2 desenvolvendo o capital estruturalPressupe a concepo de estruturas que estimulem a aprendizageminterna ao nvel de toda a empresa. Isto significa, no apenas a capa-cidade para estimular a iniciativa e a criatividade individual, referidaanteriormente, mas o reforo das redes pessoais, relacionais einformacionais que promovam a difuso do conhecimento intraorganizacional, contribuindo para aprendizagem do todo.

  • 145SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    2.3 desenvolvendo capital relacional

    Isto implica desenvolver permutas de informao e conhecimentocom o exterior. O conhecimento mais valioso resulta/depende dainteraco entre diferentes pessoas e organizaes. A inovao umprocesso cumulativo de aprendizagem dependendo cada vez menosde cada empresa isoladamente e mais das interaces que estabele-ce com o exterior.

    A importncia que teoricamente atribuda ao desenvolvimento docapital intelectual (Stewart, 1999 e 2002) requer uma anlise mais detalha-da de cada uma destas trs dimenses que o integram.

    2.1. Capital Humano

    Um dos desafios mais exigentes a que as empresas tm de responder a desenvolver as competncias humanas internas. De que forma podemfaz-lo:

    A) Promovendo recursos humanos qualificadosTradicionalmente as empresas investem em formao como instru-

    mento privilegiado para o desenvolvimento das qualificaes. Todavia, ten-do em conta as exigncias a que as empresas esto submetidas j no porsi s suficiente a existncia de qualificaes relacionadas com o exercciode uma determinada profisso. J no basta ter recursos humanos qualifica-dos. necessrio que estes disponham de um amplo leque de competn-cias que lhes permitam criar e inovar, e que tenham capacidade para apren-der, pensar e saber valorizar as suas contribuies.

    Um trabalhador do conhecimento aquele que sabeseleccionar, absorver informao e conhecimento ondequer que ele se encontre e com capacidade para aplicareste conhecimento em aces concretas (HBR 2000).

  • 146 SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    Deste modo, a formao tende a ser encarada menos como um con-junto de saberes cristalizados e transmitidos internamente, mas sobretudo,como um amplo conjunto de instrumentos (bases de dados, estudos, rela-trios, informaes diversas, conhecimentos, tcnicas) que a empresa co-loca disposio dos seus recursos humanos, possibilitando a cada um asua ampla utilizao, de acordo com as suas necessidades e segundo umalgica de auto-aprendizagem.

    Significa portanto o proporcionar as ferramentas necessrias e adisponibilizao contedos que sejam adequados a um amplo exerccio dasfunes requeridas. Deve constituir um suporte informacional a partir doqual os recursos humanos podem desenvolver as suas competncias e coloc-las ao servio da organizao.

    Isto pressupe uma alterao significativa no modo como a formao concebida. Esta deixa de ser pensada como algo definido exteriormente,mas passa a estar inscrita num quadro de auto-formao, de auto-desenvol-vimento pessoal. Obviamente que esta alterao requer a existncia deuma grande maturidade racional e emocional, diria antes uma elevada ma-turidade intelectual, que permita que cada um individualmente alargue eaprofunde as suas competncias e as oriente para aces criativas. Acesno espontneas, mas organizadas e inscritas nas orientaes estratgicas(viso, misso, objectivos) das unidades funcionais em que esto inseridase da empresa no seu todo.

    B) Criando ambientes que estimulem a auto-aprendizagemO que foi anteriormente referido s se consegue atravs da criao

    de um ambiente que permita e que estimule auto-aprendizagem. impor-tante que no exerccio das actividades do quotidiano as pessoas tenham,em termos de tempo e de espao, condies que permitam o desenvolvi-mento das suas competncias.

    um facto que o processo de criao de conhecimento requer am-bientes que estimulem a criatividade, a autonomia, a liberdade de pensa-

  • 147SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    mento (Amabile, 1998).O desafio considerar a criatividade como parteintegrante e estratgica da filosofia da prpria empresa. Para isso torna-senecessrio identificar os factores que bloqueiam este acto criativo. Geral-mente esto relacionados com o excesso de rotina, com tarefas rigida-mente estruturadas, com isolamentos interdepartamentais, falhas de co-municao, processos burocrticos e procedimentos demasiado rgidos.O excessivo dirigismo constitui tambm um elemento disfuncional, econjuntamente com os aspectos referidos, impedem uma maiortransversalidade das relaes e ambientes mais fluidos, mais ricos emtermos de troca de informaes. A identificao das barreiras e a suadesobstruo constitui um importante passo para a criao de ambientesmais propcios ao desenvolvimento das competncias humanas e ex-presso da sua criatividade.

    C) Gerindo adequadamente as pessoasTendo em conta que quase todo o conhecimento reside nas pessoas

    ou ainda que a sua potenciao delas depende, urge gerir as pessoas emconformidade com este pressuposto. Esta constatao, por si s evidente,pressupe uma reorganizao no modo de gesto das pessoas.

    Implica pensar as pessoas como geradoras de conhecimento, compotencialidades e competncias que devem ser direccionadas ecolectivamente organizadas. Conduzir as pessoas a realizar o seu potencialsignifica saber gerir os recursos humanos com inteligncia, sensibilidade eflexibilidade e requer a atribuio de uma maior liberdade e responsabilida-de na gesto das pessoas.

    Isto pressupe igualmente uma reorientao nas prticas de gesto.Pressupe a adopo de um estilo de gesto que governa com base nagesto das emoes, na criao de empatia e de estados de sintonia, requi-sitos que vo muito para alm de uma gesto puramente racional (centradaem objectivos), mas pressupe uma capacidade para gerir a componenteemocional das pessoas (Goleman, Boyatzis, Mackee, 2002).

  • 148 SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    D) Estimulando o desenvolvimento de comunidades intelectuais

    Outro instrumento importante para o desenvolvimento do capitalhumano o reconhecimento e fortalecimento de comunidades intelec-tuais (Silva; Neves, 2003). As comunidades de prtica no so mais doque grupos informais, frequentemente transversais relativamente es-trutura formal, onde privilegiadamente se trocam e partilham informa-es dando origem a um processo cumulativo de aprendizagem. Importareforar a ideia de que a aprendizagem e sobretudo a inovao no resul-ta de actos individualizados, mas uma actividade socialmente construdae decorre de um processo colectivamente construdo no decursos deinteraces vrias.

    A promoo de comunidades intelectuais, isto , de grupos relacionaisgeralmente de carcter informal (paralelamente aos grupos de trabalho for-malmente institudos) so um instrumento de troca e partilha de experin-cias. Constituem-se como elemento multiplicador de aprendizagens, e comotal o seu desenvolvimento igualmente um acto de gesto fundamental,do qual depende a aprendizagem organizacional.

    O facto destes grupos terem geralmente um carcter informal, difi-cilmente visveis, torna a sua promoo ainda mais difcil no sendo porisso passveis de serem geridos no sentido tradicional. Contudo, mais im-portante do que tentar identific-los ou defini-los, saber criar as condi-es para que se formem e se consolidem. Isto pressupe que em pri-meiro lugar se lhes reconhea importncia que realmente eles possuem eque se disponibilizem os recursos de que necessitam de modo a facilitaro seu desenvolvimento. Criar sistemas de comunicao intra e inter-organizacionais, estimular a mobilidade de trabalhadores para que possamtrocar experincias, so alguns dos mecanismos que podem ter um efeitopotencializador, interferindo-se o menos possvel.

  • 149SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    2.2. Capital Estrutural

    Acresce ainda que apesar do desenvolvimento dos recursos humanosem termos das suas competncias individuais ser fundamental, por si sno suficiente. O importante que as competncias individuais estejamarticuladas e contribuam para o desenvolvimento da organizao enquantoentidade autnoma, isto , que permita a aprendizagem do conjunto dotodo organizacional (Argyris, 1994).

    Visvel atravs do conhecimento acumulado, a competncia que aorganizao no seu conjunto adquiriu no reside na(s) pessoa(as), mas dadinmica que o colectivo consegue imprimir. A produtividade do capitalintelectual depende da partilha e da capacidade da organizao emtransform-lo em projectos, produtos/servios transaccionveis no merca-do. Neste sentido, importa converter o conhecimento especializado docolaborador em performance empresarial.

    Para isso necessrio uma partilha rpida do conhecimento, um cres-cimento do conhecimento colectivo traduzvel numa reduo do tempo deresposta, na capacidade de inovao/desenvolvimento dos produtos ou ser-vios. De que forma podem faz-lo:

    A) Orientao para aces colectivamente enquadradasIsto significa a necessidade de se contextualizar o trabalho entre as

    diversas pessoas e de o articular com a estratgia da organizao. Pressupea promoo do relacionamento entre as pessoas e envolvimento de todosnum projecto comum, devidamente enquadrado na misso e objectivos daorganizao.

    A sua concretizao pressupe a adopo de um conjunto de medi-das, nomeadamente (Stewart, 1999):a) a necessria definio de orientaes estratgicas e difuso das mesmas

    de modo a se conseguir a polarizao de todos em torno de um projectocomum;

  • 150 SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    b) a clara definio de nveis de envolvimento e responsabilidade;c) o estimulo interveno de todos na equao das dificuldades e na

    implementao de solues conjuntas;d) a criao de um ambiente com qualidade em termos de estmulos;e) o envolvimento colectivo, de modo que as pessoas sintam a organizao

    como sua.

    Estes so alguns aspectos parcelares que integram um objectivo maisamplo: a capacidade e a responsabilidade para contextualizar o trabalho dasdiferentes pessoas e para as orientar colectivamente para o cumprimentodos objectivos definidos. O que est de facto em causa a capacidade parase estabelecer uma adequada ligao entre o capital intelectual e a estrat-gia organizacional.

    B) Gerindo conhecimentoComo foi anteriormente referido, no contexto de uma economia do

    conhecimento o conhecimento existente e a produzir tem de ser conside-rado como o activo mais importante de uma empresa. Com tal deve serutilizado como um instrumento de gesto estrategicamente relevante.

    A criao de redes a escolha de uma metodologia de intervenoconstituem instrumentos de gesto essenciais (Bontis, 2002). A gesto doconhecimento pressupe a existncia de especialistas que possam identifi-car reas, domnios e actividades a partir do qual se possa fazer uma gestoeficaz de todo este processo. A criao de redes relacionais e informacionaisque permitam estabelecer a ligao entre pessoas, aceder a dados e infor-maes relevantes (de forma a acelerar o fluxo de criao e de difuso doconhecimento), e a criao de stocks de conhecimento, por via da constru-o de bases de dados on-line, com a informao e o conhecimento dispo-nvel para que cada pessoa possa aceder sempre que necessrio, so algu-mas dos instrumentos utilizados (Choo; Bontis, 2000).

  • 151SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    C) Criando estruturas em redePara que exista transferncia de conhecimento de um crebro para

    outro, para que exista um processo organizado e cumulativo de inovaono basta existir bases de dados, sistemas comuns de partilha de informa-o (Clark, 2001). necessrio que a cultura instituda e as estruturas per-mitam a articulao entre as diversas reas departamentais, grupos deprojectos, pessoas, etc. necessrio que se crie uma inteligncia partilha-da, uma rede conjunta de relaes, de fluxos de informaes de trocas deideias e conceitos que promovam o desenvolvimento do colectivo. Nestecontexto, a tradicional estrutura organizacional tende a ser suplantada poruma rede relacional, circuitos transversais, impulsos... Mais importante queter uma estrutura e uma cadeia de comando claramente definida ter umainteligncia partilhada, ancorada em fortes redes relacionais.

    Estas redes so mais amplas do que as redes institucionalizadas muitasvezes apresentadas sob forma de equipas de trabalho transversais. So an-tes ligaes sociais, redes de relacionamento, as quais frequentementeextravasam o prprio espao da empresa.

    2.3. Capital relacional

    Deste modo, a maximizao do capital intelectual resulta igualmenteda capacidade de as empresas absorverem a complexidade externa (Stewart,1999). O exterior particularmente rico em estmulos que devem ser apro-veitados e potencializados. Alm disso, importa estar consciente que noactual enquadramento, o conhecimento mais valioso decorre da interacoentre diferentes pessoas ou organizaes e que o valor econmico se centrana qualidade destas interaces e na operacionalidade das redes construdas.

    Neste sentido, torna-se crucial o estabelecimento de interacesmltiplas. O dilogo com os vrios stakeholders, a realizao de parceriascom outras unidades para desenvolvimento de projectos conjuntos ou o

  • 152 SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    estabelecimento de ligaes estreitas com outros parceiros de negcio,pode desencadear novas oportunidades de negcio, melhoria de serviosou outras aces inovadoras. O importante a capacidade de construirvantagens competitivas a partir de permutas de informao e de conheci-mento com o exterior.

    Para que isso acontea, para que a complexidade se expanda e fruti-fique necessrio viver em rede, assumindo a rede como a uma formaprpria de vida. As redes assumem contornos muitos diversificados, desderelaes marcadas por transaces econmicas, solues partilhadas emtermos de produtos ou negcios, cooperaes, etc. As ligaes externasso particularmente importantes em actividades que requeiram uma fortecomponente de informao/conhecimento.

    3 Matriz emprica

    Depois de identificados os principais pressupostos tericos em queassenta o discurso gestionrio dominante, importa fazer uma breve reflexosobre as prticas realmente desenvolvidas pelas empresas. Sendo certo queas estratgias empresariais no pem em causa esta bordagem terica, aanlise da realidade mostra igualmente que estes princpios esto longe deserem generalizados. Pelo contrrio, eles so aplicados a um nmero muitorestrito de pessoas e de situaes concretas.

    A flexibilizao que as empresas imprimiram na sua gesto no segueuma via nica de crescente valorizao e desenvolvimento dos seus recursoshumanos, como fonte de vantagem competitiva. Seguem antes umamultiplicidade de estratgias que incorporam orientaes contrrias, consoan-te a natureza e tipologia das actividades desenvolvidas internamente.

    A necessria flexibilidade procurada internamente tem sido obtidapor via de uma crescente segmentao dos recursos humanos. J nos emmeados dos anos 80 Atkinson referia este movimento, o qual se tem vindoa reforar de forma muito significativa na actualidade.

  • 153SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    Assim sendo, as empresas tendem a estruturarem-se de modo seg-mentado consoante o tipo de flexibilidade de que necessitam. Criam umncleo central que integra as pessoas relacionadas com as actividade coreda empresa. Este composto por trabalhadores altamente qualificados,com maior estabilidade de emprego e so objecto de uma flexibilidadefuncional. Em torno deste grupo formam dois outros grupos perifricos queintegram trabalhadores com competncias diversas consoante as necessi-dades. Estes esto direccionados para actividades no nucleares da empre-sa e constituem um mercado secundrio de emprego permitindo uma fle-xibilidade quantitativa.

    Paralelamente a este tipo de segmentao verifica-se ainda um outromovimento, o da segmentao dos recursos humanos consoante o valoracrescentado que trazem para a empresa e o grau de disponibilidade/aces-sibilidade no mercado de trabalho.

    Quadro 1

    Fonte: Stewart, 1999, p.129

    Neste sentido, poderemos identificar diferentes grupos de pessoas:

    a) trabalhadores facilmente substituveis e com baixo valor acrescentadopara a empresa. Tendo em conta que este grupo no contribui de formadirecta para a actividade nuclear da empresa, encontra-se facilmentedisponvel no mercado de trabalho e o seu tempo de formao curto,ento as empresas procuram, sempre que possvel, automatizar estasactividades ou exterioriz-las.

    D ifc e is d e S u b s t i t u irB a ixo V a lo r A c re s c e n ta d o

    in fo rm a r

    D ifc e is d e S u b s t i t u irA lt o V a lo r A c re s c e n ta d o

    c a p ita l iz a r

    a u to m a t iza r

    F c e is d e S u b s t i tu irB a ixo V a lo r A c re s c e n ta d o

    e n c o m e n d a r d o e x te rio r

    F c e is d e S u b s t i tu irA lt o V a lo r A c re s c e n ta d o

  • 154 SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    b) trabalhadores facilmente substituveis e com elevado valor acrescenta-do. Quando se trata de actividades com um grau de complexidade eespecializao elevado, no directamente relacionado com as actividadescore, as empresas, tendem a recrutar no exterior.

    c) trabalhadores difceis de substituir mas que tm baixo valor acrescentadopara a empresa. Neste caso, como no se podem substituir facilmenteou exteriorizar, tender a haver uma incorporao de novas actividadesparalelas.

    d) trabalhadores com elevado valor acrescentado e difceis de substituir.Considera-se que neste grupo esto integradas as pessoas que acrescen-tam valor por via de uma participao activa no processo de criao oudesenvolvimento de produtos/servios.

    A procura de uma crescente flexibilidade na gesto dos recursos hu-manos tem conduzido as empresas a segmentar os diferentes tipos de tra-balhadores e a geri-los de forma igualmente diferenciada. Os trabalhadoresde menor valor acrescentado, tendem a ser geridos de modo convencionalou externalizados.

    sobretudo ao nvel do grupo com maior valor acrescentado que asempresas procuram capitalizar e promover. Neste caso, as estratgias dedesenvolvimento do capital intelectual tm sido orientadas fundamental-mente para as actividades e para os recursos directamente relacionadoscom o core business, para as actividades que acrescentam valor.

    Estamos assim perante a existncia de diferentes prticas de gestodos recursos humanos. Se por um lado, tende a haver uma gesto quepotencializa o conhecimento e as competncias individuais ao nvel dosncleos chave, correspondendo aos trabalhadores considerados de eleva-do valor acrescentado, por outro lado, os outros grupos de trabalhadorestendem a ser geridos de modo convencional ou externalizados, ficandoexcludos deste processo, o qual pressupe um desenvolvimento pessoale profissional.

  • 155SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    Podemos afirmar, em sntese, que apesar da existncia de um discur-so dominante, devidamente ancorado em pressupostos tericos, na reali-dade ele ainda tem uma implantao reduzida. Muitos destes pressupostosaplicam-se a um nmero restrito de pessoas tendendo a predominar umagesto muito instrumental do elemento humano.

    Referncias:

    AMABILE, Teresa; BURNSIDE, Robert; GRYSKIEWICZ, Stanley. Users manual forkeys: assessing the climate for creativity. Greensboro, N.C.: Center for CreativeLeadership, 1998.

    ARGYRIS, Chris. On organizational learning. Oxford: Blacwell Business. 1994.

    BARATA, Jos Monteiro. Inovao nos servios: sistemas e tecnologias de informa-o e competitividade no sector bancrio. 1995. Dissertao (Doutoramento) Instituto Superior de Economia e Gesto, Universidade Tcnica de Lisboa, Lisboa.

    BAUMARD, Philippe. Tacit knowledge in organizations. London: SagePublications, 1999. 264 p.

    BONTIS, Nick; CHOO, Wei Chun. The strategic management of intellectualcapital and organizational knowledge. New York: Oxford University Press, 2002.

    BUKOWITZ, Wendi; WILLIAMS, Ruth. The knowledge management fieldbook.London: Financial Times, 2000. 372 p.

    CERDEIRA et al. As novas modalidades de emprego. Lisboa: Ministrio do Traba-lho e da Solidariedade, 2000. 286 p.

    CHOO, Chun Wei. A organizao do conhecimento. So Paulo: Editora Senac,2003. 425 p.

    CHOO, Chun Wei. Gesto de Informao para a organizao inteligente. Lis-boa: Editorial Caminho, 2003. 365 p.

  • 156 SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    CLARKE, Steve. Information systems strategic management. London: Routledge,2001.

    DIEKERS; ANTAL; CHILD; NONAKA. Handbook of organizational learning &knowledge. Oxford: Oxford University Press. 2001.

    EASTERBY-SMITH; LYLES, Majorie (org .). The blackwell handbook oforganizational learning and knowledge managemet. Oxford: BlackwellPublishing, 2003. 676 p.

    FIGALHO, Cliff; RHINE, Nancy. Building the knowledge management network.New York: Jonh Wiley & Sons Inc, 2002. 348 p.

    FILHO, Jaime Teixeira. Gerenciando conhecimento. So Paulo: Editora Senac,2000.

    GOLEMAN, Daniel. Working with emotional intelligence. New York: Batman1998.

    GOLEMAN, Daniel; BOYATSIS, Richard; McKEE, Annie. Os Novos Lderes ainteligncia emocional nas organizaes. Lisboa: Gradiva, 2002. 307 p.

    HARVARD BUSINESS REVIEW. Gesto do conhecimento on knowledgemanagement. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000. 205 p.

    KLUGE, Jurgen; STEIN, Wolfram; LICHT, THOMAS. Gesto do conhecimento.Cascais: Princpia, 2002. 198 p.

    KOV`CS, Ilona. As metamorfoses do emprego. Oeiras: Celta Editora, 2002. 167 p.

    KRUGLIANSKAS, TERRA. Gesto do conhecimento em pequenas e mdias em-presas. So Paulo: Negcio Editora, 2003. 375 p.

    LAUDON, Kenneth C; Laudon, Jane P. Management information systems organization and technology in the networked enterprise. New Jersey: PrenticeHall Internacional, Inc., 2000.

    LEIBOLD; PROBST; GIBBERT. Strategic management in the knowledge economy.London: Willey, 2002.

  • 157SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    McELROY, Mark. The new knowledge management: complexity, learning andsustentable innovation. London: Butterworth Heinemann, 2003.

    McELROY, Mark; FIRESTONE, Jos. Key issues in the new knowledge management.London: Butterword Heinemann, 2003. 350 p.

    PROBBST; RAUB; ROMBARDT. Managing knowledge. New York: John Willey &Sons Lda., 1999. 360 p.

    RASCO, Jos. Sistemas de informao para as organizaes. Lisboa: EdiesSlabo, 2001.

    SILVA, Ricardo; NEVES, Ana. Gesto de empresas na era do conhecimento. Lis-boa: Edies Slabo, 2003. 551 p.

    STEWART, Thomas. A riqueza do conhecimento. Rio de Janeiro: Editora Campus,2002. 517 p.

    STEWART, Thomas. Capital intelectual. Lisboa: Edies Slabo, 1999. 311 p.

    STEWART, Thomas. The wealth of knowledge. London: Brealey Publishing,Bookwell, 2002. 379 p.

    SYDANMAANLAKKA. An intelligent organization. Oxford: Capstone, 2002. 234 p.

    TIWANA, Amrit. The knowledge management: toolkit. London: Ptrentice Hall,2000.

    ZORRINHO, Carlos. Gesto da informao condio para vencer. Lisboa:Instituto de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas (IAPMEI), 1995.

    Recebido: 18/06/2004Revisado: 23/06/2004

    Aceite final: 25/06/2004

  • 158 SOCIOLOGIAS

    Sociologias, Porto Alegre, ano 6, n 12, jul/dez 2004, p. 142-158

    Resumo

    um facto que perante as actuais transformaes scio-econmicasas empresas tm alterado significativamente o modo como gerem os recur-sos humanos. Todavia, ainda persiste um profundo hiato entre um discursode gesto muito centrado na valorizao do factor humano e as prticasefectivamente desenvolvidas pelas empresas.

    Ao nvel terico e conceptual tem havido uma redobrada ateno quanto importncia do potencial criativo das pessoas como estratgia crucial deadaptao das empresas mudana. Este factor surge como condio bsicade sobrevivncia das empresas face a um contexto altamente competitivo eprofundamente incerto. A actual difuso de conceitos e teorias sobre capitalintelectual, gesto do conhecimento, inteligncia emocional so um exem-plo claro desta redobrada importncia atribuda ao elemento humano.

    Contudo o funcionamento do sistema econmico e social bastantemais complexo. Evidencia uma realidade multifacetada que nem sempre seenquadra nesta abordagem conceptual, nem corresponde efectivamentes polticas empresariais veiculadas.

    Em vez da to generalizada valorizao do potencial humano, verifica-se antes a emergncia de prticas dualistas e uma segmentao dos recur-sos humanos no interior das empresas. Relativamente ao mercado de tra-balho, apesar de frequentemente se defender uma progressivadesregulamentao, geralmente em nome de uma maior flexibilizaoeconmica e criao de emprego, o facto que esta diversificao dasrelaes contratuais, tem estado frequentemente associada uma crescenteprecarizao das relaes de trabalho e de emprego.

    A reflexo sobre estes mltiplos movimentos e contradies entrepressupostos tericos e as prticas concretas desenvolvidas pelas empresassero objecto da nossa anlise.

    Palavras-chave: Gesto de Recursos Humanos, Capital intelectual, Gestodo conhecimento, Redes e Mercado de trabalho.