53698601 melhores contos jveiga

28
Prof. Carlos Lisboa José J. Veiga

Upload: leonardo-teixeira

Post on 31-Oct-2015

473 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Prof. Carlos Lisboa

José J. Veiga

QUEM É JOSÉ J. VEIGA

José J. Veiga nasceu em 1915, numa fazenda situada entre Corumbá e Pirenópolis, em Goiás. Ainda na infância, perde a mãe e vai morar com parentes na Cidade de Goiás, onde prossegue seus estudos.

Numa cidade com poucas possibilidades de emprego, aceita a ajuda financeira de um amigo e parte aos 20 anos para o Rio de Janeiro, onde cursa Direito e atua como funcionário público e locutor de rádio. Através de concurso, entra para a equipe de locutores da BBC de Londres, indo morar na Inglaterra por cinco anos. Essa experiência no estrangeiro faz com que ele, de volta ao Brasil, passe também a atuar como tradutor.

Retorna ao Rio de Janeiro em 1950, trabalhando no jornalismo (em O Globo e A Tribuna da Imprensa) e na edição de Seleções, revista de muito prestígio à época. É nessa década que se inicia na literatura, criando, entre 57 e 58, os contos de Cavalinhos de Platiplanto (1959), livro com que fez sua estréia literária.

Como ficcionista, publicou contos para adultos (ainda que muitos deles trabalhem com o universo infantil, como veremos) no mencionado livro de estréia, em A estranha máquina extraviada (1968) e Objetos turbulentos (1997). São mais conhecidos, porém, suas novelas, também endereçadas aos adultos: A hora dos ruminantes (1966), Sombras de reis barbudos (1972), Os pecados da tribo (1976), De jogos e festas (1980), Aquele mundo de Vasabarros (1982) e alguns outros títulos.

Um caso especial é A casca da serpente (1989), romance que retoma, de forma crítica e irônica, Os sertões, de Euclides da Cunha.

UM ESTILO DESPOJADO

REGIONALISTA, MAS NEM TANTO

O meu problema como escritor é dizer coisas que têm ou no meu entender parecem ter alguma importância, mas em linguagem não “literária”, o mais perto possível de uma conversa descontraída, e nisto é que está a dificuldade. É quase como um processo de desaprender tudo o que se aprendeu no colégio, leituras, conferências, e criar uma maneira outra que também não deve se cristalizar num “estilo” próprio para não virar macete. Eu acho que a diferença entre linguagem falada e linguagem escrita foi invenção de gramáticos.

A PASSAGEM DA INFÂNCIA PARA A MATURIDADE

Chama a atenção do leitor a freqüência com que Veiga concede de narrador a uma criança, ou a um adulto que relembra um acontecimento de sua infância.

Em todas as culturas, as transições físicas ou psicológicas entre as diversas etapas da vida de um indivíduo são reconhecidas e freqüentemente assinaladas com rituais próprios. São as passagens iniciáticas, ou processos de iniciação.

A iniciação está presente em grande parte dos contos de Veiga e ela pode ser reconhecida através dos seguintes elementos: o protagonista imaturo; o tema mítico da viagem e as imagens simbólicas que sugerem um obstáculo, ou impedimento, à realização de passagem iniciática.

São crianças marcadas pela incerteza, pelo temor ou pela culpa, sentimentos que pouco têm a ver com a imagem dourada que costumamos fazer da infância. São esses personagens inseguros que o leitor acompanha em sue processo de iniciação.

O conto que mais claramente mostra essas etapas é “Fronteira”.

Nesse conto também fica evidente que, em lugar do mito da infância feliz, Veiga postula uma outra noção igualmente mítica, a de que o “menino é o pai do homem”.

O primeiro conto, “A usina atrás do morro”. Este conto parece afinar-se melhor com os produzidos

pelo autor depois de 1964.

As viagens empreendidas pelos meninos narradores nem sempre são longas, nem sempre se fazem no espaço da realidade, como se pode perceber, por exemplo, nos contos “Os cavalinhos de Platiplanto” e “A Invernada do Sossego”. Neles as viagens são fruto do desejo dos menino, que obtêm seus animais de estimação pela via do sonho ou do devaneio.

Dois contos fogem ao padrão do herói menino narrador. “Entre irmãos”, o foco narrativo muda da 1ª, para a 3ª

pessoa, conservando, porém, a perspectiva do irmão mais velho.

No outro conto, “A espingarda do Rei da Síria”, a narração se faz em 3ª pessoa, sem um menino a intermediar os fatos, seja como protagonista, seja como testemunha.

Às vezes, as viagens são pequenos deslocamentos, empreendidos por outros personagens que não o narrador, como ocorre em “Professor Pulquério”, que vai para os arredores da cidadezinha cavar seu tesouro e, depois, empreende uma estranha viagem para dentro de um poço. São viagens movidas pelo desejo, como as dos meninos de “Os cavalinhos de Platiplanto” e ele “A Invernada do Sossego”.

Em “Roupa no coradouro”, o primeiro período já traz imagens simbólicas relacionadas ao processo iniciático: “Fui com meu pai até depois da ponte e ajudei-o a tocar os dois cargueiros ladeira acima”. Aqui não é o menino narrador quem empreende a viagem, atravessa a ponte e sobe a ladeira. É o pai, que o incumbe de diversas ações de responsabilidade durante a sua ausência.

ONDE O FANTÁSTICO E O MARAVILHOSO SE CRUZAM

A obra de ficção de José J. Veiga é freqüentemente classificada como fantástica, com o que, segundo José Domingos de Brito, o autor não concordava: “Veiga não gostava desse enquadramento, e com toda razão, pois ele surgiu na literatura antes dessa moda”.

Tzvetan Todorov teorizou sobre essa questão, propondo que o fantástico seja entendido em confronto, por um lado, com o estranho e, por outro, com o maravilhoso. As três modalidades supõem a presença de um fato insólito, e o enquadramento em uma delas vai depender, em grande parte, da reação do protagonista e do leitor diante do acontecimento extraordinário.

O estranho consiste no insólito explicável, como, por exemplo, a justificativa racional (um acidente radioativo) para a cor esverdeada e a força descomunal do incrível Hulk. Não há um pode sobrenatural atuando sobre ele.

O maravilhoso, ao contrário, justifica o acontecimento fora do comum aceitando com naturalidade e intervenção de forças sobrenaturais. As narrativas das Mil e uma noites, os contos de fadas e os relatos míticos são histórias maravilhosas. Não se buscam explicações científicas para a capacidade do lobo de falar, nem para conseguir engolir pessoas inteiras ou para que personagens e leitores jamais questionem isso.

O fantástico, segundo a teoria de Todorov, estaria situado na fronteira entre o estranho e o maravilhoso.

Essas questões aparecem em diversos contos, como em “Os cavalinhos de Platiplanto”, “Tia Zi rezando” e “Entre irmãos”.

São cinco as histórias de meninos: “A viagem de dez léguas”, “Diálogo da relativa grandeza”, “Onde andam os didangos?”, “Na estrada do Amanhece” e “Tarde de Sábado, manhã de domingo”.

Quando sentiu a água fria nas mãos ele pensou na possibilidade de apanhar uma pneumonia e morrer depressa, naquele dia mesmo; podia ser uma boa lição [...] Seria bom se a gente pudesse morrer quando quisesse, só com a força do pensamento, sem fazer nada que doesse. (“A viagem de dez léguas”).

Era difícil tapara a boca de Diana, ô menina renitente. Ele preferiu continuar olhando o louvadeus. Soprou-o de leve, ele encolheu-se e vergou o corpo para o lado do sopro, como faz uma pessoa na ventania. O louvadeus estava no meio de uma tempestade de vento, dessas de derrubavam árvores e telhados e podem até levantar uma pessoa do chão.

Doril era a força que mandava a tempestade e que podia pará-la quando quisesse. Então ele era Deus? Será que as nossas tempestades também são brincadeira? Será que quem manda elas também olha para nós como Doril estava olhando para o louvadeus? (“diálogo da relativa grandeza”).

Quando a mãe estava muito ocupada [...] ele preferia falar sozinho com seus brinquedos. É bom conversar com brinquedo, eles não falam e a gente tem que responder por eles, às vezes sai cada resposta que até assusta.

Em “Onde andam os didangos?”, aliás, o narrador de 3ª pessoa adere totalmente à consciência do menino, assumindo sua fantasia em relação aos monstros que julga rodearem a casa à noite:

Uma vez ele viu um didango matar uma onça jogando um pé por cima do lombo dela, mergulhando por baixo, saindo por cima novamente, dando nó, e puxando dos dois lados.

A cintura da onça foi afinando, afinando, a língua derramou para fora da boca, as tripas estufaram pelo buraco que todo animal tem debaixo do rabo, e quando o didango afrouxou o nó ela caiu molenga no chão. (“Onde andam os didangos?”).

Em igual número são os contos que têm adultos em primeiro plano, seja como protagonistas, seja como narradores. São eles: “Os noivos”, “O largo do Mestrevinte”, “Os cascamorros”, “O galo impertinente” e “A máquina extraviada”.

Além disso, dois contos destacam-se dos outros por trazerem animais um cão e um galo – no papel de personagens principais. Trata-se de “O cachorro canibal” e “O galo impertinente”.

SÍNTESE ANALÍTICA DAS NARRATIVAS

Os melhores contos, de José J. Veiga, selecionados por J. Aderaldo Castelo, reúne 9 contos de Os cavalinhos de platiplanto (1959) e 11 contos de A máquina extraviada (1967). Na síntese analítica que fazemos abaixo, respeitamos a ordem dos contos na obra indicada.

1. “USINA ATRÁS DO MORRO”

O narrador de primeira pessoa, um menino, lembra

de quando chegou à cidade um casal, com muitos apetrechos,

e se hospedou na pensão. Misterioso, o casal saía pelas

manhãs, passava o dia todo fora e voltava à noitinha. Na

pensão, viviam trancados no quarto, bebendo até altas horas.

Felizmente não passava ninguém por perto. Se alguém soubesse da agressão haveria de querer saber o motivo, e como poderia eu contar tudo e ainda esperar que me dessem razão? Para não chegar em casa com sinais de desordem no corpo e na roupa desci até o rio, lavei o sangue dos ralões do punho e da testa e o sujo do paletó e dos joelhos da calça, enquanto pensava um plano eficiente de vingança. (VEIGA, 2000, p.16)

2. "OS CAVALINHOS DE PLATIPLANTO"Um menino narra sua aventura. Fere o pé, mas não deixa que o

lanceiem.

O meu primeiro contato com essas simpáticas criaturinhas deu-se quando eu era muito criança. O meu avô Rubem havia me prometido um cavalinho de sua fazenda do Chove-Chuva se eu deixasse lancetarem o meu pé, arruinado com uma estrepada no brinquedo do pique. Por duas vezes o farmacêutico Osmúsio estivera lá em casa com sua caixa de ferrinhos para o serviço, mas eu fiz tamanho escarcéu que ele não chegou a passar da porta do quarto. (VEIGA, 2000, p. 27)

3. "FRONTEIRA"Sobrepondo a visão adulta à visão infantil, o narrador sabia que

não se devia prestar atenção aos anãos glimerinos, sabia que não se devia demonstrar medo ouvir passos atrás de si, nem "abaixar onde a mãe-do-ouro aparece à flor da terra". Essa sabedoria fê-lo guia de adultos que lhe pediam para os acompanhar quando viajavam. Isso o tornou um burro-de-carga e ele quis se libertar.

Minha única esperança de liberdade era crescer depressa para ser como os adultos, completamente incapazes de irem sozinhos daqui ali; mas quando eu baixava os olhos para olhar o meu corpo de menino, e via o quanto eu ainda estava perto do chão, vinha-me um desânimo, um desejo maligno de adoecer e morrer e deixar os adultos entregues aos seu destino. Eu nunca soube há quanto tempo estava naquela vida, nem tinha lembrança de haver conhecido outra. Teria eu nascido com alpercatas nos pés e trouxinha às costas? Era difícil dizer que não, embora a hipótese parecesse inconcebível.(VEIGA, 2000, p.36 )

4. "TIA ZI REZANDO"O narrador, um menino, não entendeu as razões pelas quais seu

tio tocou fogo na casa de Lazio. Intrigado, quis discutir o assunto com Tia Zi. O tio o proibia de falar com Lázio. Desde menino o narrador vive com os tios, que o criaram. Sua vida era repleta de complicações. Neste momento ele não podia voltar para casa. Ao ver o incêndio na casa de Lázio e o tio sair correndo, foi atrás, mas o tio afugentou-lhe com tiros. Tio Firmino não gostava de Lazio, que trabalhou muitos anos para o pai do narrador. As razões pelas quais Lázio deixou o trabalho nunca lhe foram bem explicadas.

O conto tematiza as relações familiares e o processo de crescimento do ser.

5. "PROFESSOR PULQUÉRIO"O narrador, em primeira pessoa, relata um caso de quando

ainda era menino, envolvendo um professor e sua família. O professor era o consultor histórico da vila, escrevia para o jornalzinho de Pouso da Serra Acima.

Certa vez, o narrador o encontra e ele pergunta se conhece a história do tesouro do austríaco. Como o menino diz não, o professor resolveu contá-la. Conseguira o roteiro e queria procurá-lo. Mas o roteiro tinha uma linguagem enigmática, por isso ninguém se interessou.

Decepcionado com a indiferença geral, o professor se joga dentro de um poço. O delegado é chamado e, para tirá-lo de lá, atira no poço uma casa de marimbondos. Mas nem os marimbondos tiraram o professor de lá. Todos ficaram decepcionados e foram para casa.

6. "A INVERNADA DO SOSSEGO"O narrador de primeira pessoa diz que seu cavalo Balão não

aparecia mais na porteira, deixando-o apreensivo. O pai, contudo, o tranqüilizava. A cozinheira lhe diz que, se fizer promessa a São Nunguinho e o animal estiver vivo, ele aparecerá. Mas o animal já estava morto. O corpo foi encontrado tombado no açude.

[...] O ar não alcançava mais o fundo do meu peito, meus olhos doíam para fora, os ouvidos chiavam, e ninguém perto para me dar a mão. Eu estava sozinho no escuro, sozinho, sozinho. (VEIGA, 2000, p. 64)

7."ROUPA NO CORADOURO"O narrador, um menino, diz que seu pai, antes de partir, lhe dá

instruções de como proceder na sua ausência. Pede que seja um menino bom e que não desrespeite a mãe, que andava de choros pelos cantos. O pai deixara o ofício para ser mascate.

Após a partida do pai, o menino esperava a noite chegar para poder brincar na rua sem repreensão. Ele abusava da ausência do pai. Seria difícil acostumar quando o pai retornasse. Quando o circo chegou à cidade ele não teve mais tempo mesmo. Trabalhava para ganhar o ingresso. Com isso, não ajudava mais a mãe. Quis mesmo levá-la ao circo. Quando o circo foi embora, a mãe adoeceu, ao fazer o almoço. Ele foi comprar um remédio, mas se distraiu com um pião e esqueceu de voltar. Ao retornar, foi repreendido por uma amiga da mãe. Outra feita, ao sair para buscar o médico, atrasou-se e, ao chegar lá, o doutor já havia saído. Quando o pai retorna, a mãe está morrendo.

8. "ENTRE IRMÃOS"O narrador diz que ficou dezessete anos solto pelo mundo.

Nesse tempo nasceu um seu irmão, que ele tem agora à sua frente. Através de um exercício interior muito grande, ele tenta estabelecer um diálogo com o irmão, superando as diferenças entre ambos.

9. "A ESPINGARDA DO REI DA SÍRIA"Juventino, numa caçada, sofreu um acidente insólito: caçador de

fama, perdeu a espingarda e a consideração pública. Tomou-se objeto de chacota na vila. Ainda que pedisse uma espingarda emprestada, não a alcançava de ninguém. Certo dia, ao entrar numa loja de cachimbos, experimenta um, e, num átimo, o cachimbo virou espingarda.

Juventino ouviu a história e ficou muito tempo com o cachimbo na mão, os olhos parados longe. Depois, sem perceber que era observado, ergueu o cachimbo à altura do rosto, segurando-o pelo bojo, fechou um olho em pontaria e deu um estalo com a boca. (VEIGA, 2000, p. 81)

10. "A VIAGEM DE DEZ LÉGUAS"O sr. Olímpio, viúvo agora, faz uma viagem de dez léguas com o

filho. No caminho, lembra que, devido à escaramuças com um vizinho, deixara o sido Bom-Tempinho e veio viver com a esposa na vila. O sítio, que era do sogro, foi vendido para uma mineradora que explorou uma mina de cristal até a exaustão e depois abandou o local, deixando tudo esburacado. À medida em que vai ouvindo o pai, o menino tem vontade de estabelecer um diálogo com ele, o que não acontecia.

Tem vontade de compreender as angústias do pai, de ajudá-lo nas suas dificuldades, que não eram poucas. O menino ia para a casa dos padrinhos, onde ficaria um tempo.

11. "DIÁLOGO DA RELATIVA GRANDEZA"Doril, um menino, sentado num monte de lenha, contempla um

louva-deus em sua mão, quando chega sua irmã Diana, comendo marmelo. Concentrado em sua observação, Doril sopra o animalzinho e observa os efeitos desse sopro sobre ele. A partir do efeito do seu sopro no animal, Doril subverte o tamanho das coisas e cria uma nova relação de grandeza entre elas.

Doril pensou, comparando as coisas em sua volta. Seria engraçado se as pessoas fossem criaturinhas miudinhas num mundo miudinho. Alumiado por um sol do tamanho de uma rodela de confete... (VEIGA, 2000, p. 97)

12. "ONDE ANDAM OS DIDANGOS?"Narrado em terceira pessoa, relata história de um menino que

tem visagens. Certo dia, quando as candeias se apagam, ele visualiza um bicho "sem pés nem cabeça" a quem chama de Didango.

Vivendo num rancho envolvido numa atmosfera de assombração e sustos, o menino é surpreendido com o súbito aparecimento de um vulto que ele pensa ser um tapuio, um índio, como os que rondavam o rancho antigamente. Era Venâncio, um "rapazito de 14/15 anos, magro e esmolambado, com cara de medo e doença".

A mãe correu para a porta, o menino atrás agarrado nela. Ao lado do pai estava um rapazito de seus quatorze, quinze anos magro esmolambado, com cara de medo e doença; tinha um pé machucado que não pisava completo no chão. Com muito custo disse que se chamava Venâncio, vinha de longe, passara mais de um mês no mato curtindo fome e frio, comendo passarinho assado, marmelada-de-cachorro, semente de jatobá, o que achasse. Falava baixo e tremia muito (VEIGA, 2000, p. 104).

13. "OS NOIVOS"Este conto narra a história de Vicente e sua noiva, uma

professora. Os dois vivem tomados pelo medo, pela interdição social. Ambos, com receio da opinião alheia, vivem moldados por gestos, atitudes e comportamentos estereotipados, que os impedem de serem seres por inteiro. Sem poderem exteriorizar sentimentos, trocam poucas palavras, receosos das más línguas. Vivem com medo da opinião alheia, formalmente.

14. "O LARGO DO MESTREVINTE"O narrador conta que procurava um largo e pergunta a um

menino onde ficava. O garoto, ao invés de lhe responder, pede-lhe a mão. Ele a nega, corre e o menino vai atrás. Ele faz um gesto, o garoto volta. Pouco depois, um grupo de meninos saem a sua procura. Querem assassiná-lo, são meninos violentos. Ele se esconde em uma casa, os meninos passam e ele fica só, sem saber onde ficava o largo.

Este conto, como "Os noivos" e "A viagem de dez léguas", tematiza a falta de comunicação entre as pessoas, a interdição social.

15. "OS CASCAMORROS"O narrador diz que estava intrigado com uma tabuleta na porta

de uma loja que dizia "compra, troca-se problemas". Certa feita, resolveu entrar e ver do que se tratava. O dono da loja não vendia nada, pois o tempo estava mais para comprar. Chega um caminhão e a mercadoria é descarregada. O narrador pergunta ao lojista o que há naqueles sacos e este apenas diz que se algum daqueles sacos de problemas se romper, só os que tiverem couraça natural invisível, os chamados cascamorros, sobreviveriam.

16. "O GALO IMPERTINENTE"Após uma longa espera, inaugura-se uma estrada, tido como a

pérola da engenharia de construção: asfalto de primeira qualidade, pontes, túneis, canteiro central, arborização, pistas para pedestres e ciclistas etc. A inauguração foi eufórica, mas o entusiasmo durou pouco. Um galo impertinente aparecia na estrada toda vez que alguém a cruzava, provocando desastres, mutilando os veículos, assombrando as pessoas.

Os viajantes contavam que iam indo muito bem pela estrada, embalados pela lisura do asfalto, quando de repente, saído não se sabe de onde, um galo enorme aparecia diante do carro. Não adiantava tocar buzina, ele não se desviava; nem adiantava aumentar a velocidade, ele não se deixava apanhar. Era como se ele fosse puxando o carro para um embasamento de ponte, uma árvore, um marco quilométrico. Quando o motorista conseguia manobrar e escapar do desastre, o galo aplicava outro expediente: saltava para cima do carro e martelava a capota com o bico, e com tanta força que perfurava o aço, deixando o carro como se um malfeitor o tivesse atacada a picareta. (VEIGA, 2000, p. 125)

17. "O CACHORRO CANIBAL”Narra a história de um cachorro que, vindo não se sabe de

onde, chegou ali e se agasalhou debaixo de um jasmineiro. Aos poucos foi conquistando a simpatia da família, que o levou para dentro de casa. Para que ele não ficasse tão só, arranjou-se um cachorrinho para lhe fazer companhia. Os dois brincavam muito. Até que o cachorro irritou-se com o pequeno e o comeu. Após o ato canibalístico, passou a andar pelos cantos. Todos o evitavam, em atitude de repulsa. Ele percebeu a mudança das pessoas. Esta indiferença e rejeição faziam-no sentir como se vivesse entre grades de uma jaula.

18. "A MÁQUINA EXTRAVIADA"O senhor pergunta pelas novidades daqui deste sertão, e

finalmente posso lhe contar uma importante. Fique o compadre sabendo que agora temos aqui uma máquina importante, que está entusiasmando todo o mundo. Desde que ela chegou – não me lembro quando, não sou muito bom em lembrar datas - quase não temos falado em outra coisa; e da maneira que o povo daqui se apaixona até pelos assuntos mais infantis, é de admirar que ninguém tenha brigado ainda por causa dela, a não ser os políticos. (VEIGA, 2000, p. 133)

Nesse clima de encantamento, o narrador conta a um amigo o súbito aparecimento de uma máquina. Chegou sem que ninguém soubesse quem a encomendou ou para que servia. A população foca sua atenção na máquina estranha. As crianças aproveitam para brincar de esconde-esconde entre as peças da máquina, as velhinhas torcem o nariz para aquele objeto estranho, mas todos tratam a máquina com respeito, com reverência. As datas cívicas e os comícios são realizados à sombra dela. O vigário é a única voz dissonante naquele coro: vive lançando imprecações contra aquele estranho objeto.

19. "TARDE DE SÁBADO, MANHA DE DOMINGO"O narrador conta que ele e mais dois amigos foram pescar

em companhia de Josias. Por não estarem pegando nada, Josias convidou-os a ir até o sítio. No caminho, numa parada para beber, Josias foi picado por uma cobra e morreu.

Eles então o colocaram em um saco e o levaram de volta para casa. D. Ritinha, a mãe de Josias, ao ver o filho morto, desesperou-se. Eles saíram correndo, perseguidos pelos gritos de Ritinha. Até hoje.

20. "NA ESTRADA DO AMANHECE"O menino Tubi não acreditava que no mundo houvesse um

lugar melhor que o amanhece. Lá ele nasceu e se julgava feliz. Lá ele sonhava com um bezerro iluminado e conversava com seus brinquedos.