os melhores contos brasileiros

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Page 1: Os Melhores Contos Brasileiros
Page 2: Os Melhores Contos Brasileiros

FLÁVIO MOREIRA DA COSTA

Organizador

Os melhores

CONTOS BRASILEIROS

de todos os tempos

3a edição

Page 3: Os Melhores Contos Brasileiros

Copyright de Organização © 2009, Flávio Moreira da Costa.

“Seu Magalhães suicidou-se”. In: Rodrigo M. F. de Andrade. Velórios. Cosac Naify, 2004; “Flor, telefone, moça”. In: Contos de Aprendiz, de Carlos Drummond de Andrade, Record, Rio de Janeiro. Carlos Drum-mond de Andrade © Graña Drummond. www.carlosdrummond.com.br; “O moço do saxofone”. In: Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles, Rocco, Rio de Janeiro; “A Caçada”. In: Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles, Rocco, Rio de Janeiro. © by Lygia Fagundes Tel-les; “Pegou o telefone e ligou para a aurora do mundo”. In: Um Ninho de Mafagafes cheio de Mafagafinhos, de José Cândido de Carvalho, Rocco, Rio de Janeiro. © by herdeiros de José Cândido de Carvalho; “As mãos de meu filho”. In: Contos, de Erico Verissimo, Globo, São Paulo. © by herdeiros de Erico Verissimo; “Tangerine-girl”. In: A Casa Morro Branco, Rachel de Queiroz, José Olympio, Rio de Janeiro. © by herdeira de Rachel de Queiroz.

A Ediouro PublicaçõEs ltda. obteve as autorizações para publica-ção dos contos que integram esta antologia junto aos seus respec-tivos titulares dos direitos autorais. Todos os direitos encontram-se devidamente reservados.Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil ad-quiridos pela Ediouro PublicaçõEs ltda. Todos os direitos reser-vados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copirraite.

Ediouro PublicaçõEs ltda.Rua Nova Jerusalém, 345 – Bonsucesso – 21042-235Rio de Janeiro – RJ – BrasilTel.: (21) 3882-8200 – Fax: (21) 3882-8212/8313

Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico. Nos contos “Sorôco, sua mãe, sua filha” e “Desenredo”, de João Guimarães Rosa, apli-camos as novas regras ortográficas quando possível, respeitando a grafia flutuante e o léxico próprio do autor.

CIP-Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

M469 Os melhores contos brasileiros de todos os tempos/ 3.ed. organizador Flávio Moreira da Costa ; apresentação

de Fábio Lucas. - 3.ed. - Rio de Janeiro: Ediouro Publica- ções, 2009.

ISBN 978.85.000.2621-8 1. Antologias (Conto). 2. Literatura brasileira. I.

Costa, Flávio Moreira da, 1942. II. Título.

CDD: 808.83CDU: 82-344

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SUMÁRIO

POntOS de ObSeRvaçãO, FlÁvIO MOReIRa da COSta

COntOS SeleCIOnadOS POR UM MeStRe, FÁbIO lUCaS

1. COntO anteS dO COntO OU a InFânCIa da FICçãO

1. Cunhã Etá Maloca, lenda, Anônimo (Brasil indígena)2. De como Malazarte fez o urubu falar, conto popular,

Anônimo (Brasil português)3. E foi inventado o candomblé..., Anônimo (Brasil africano)

2. COntOS FUndadOReS OU À SOMbRa dO ROMantISMO

4. Bertram, Álvares de Azevedo 5. A dança dos ossos, Bernardo Guimarães 6. Camila: memórias duma viagem, Casimiro de Abreu 7. Encomendas, França Jr.

3. COntOS SeM data OU MaChadO de aSSIS, UM CaPítUlO À PaRte

8. O espelho: esboço de uma nova teoria da alma humana, Machado de Assis

9. Noite de almirante, Machado de Assis10. Um apólogo, Machado de Assis11. Uns braços, Machado de Assis12. Um homem célebre, Machado de Assis13. Missa do galo, Machado de Assis14. Pai contra mãe, Machado de Assis

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4. Contos Pioneiros ou o nome do Conto-menino

15. Redivivo, Domingos Olympio16. O gado do Valha-me-Deus, Inglês de Sousa17. O hóspede, Lúcio de Mendonça18. Os brincos de Sara, Alberto de Oliveira19. O crime do tapuio, José Veríssimo

5. Contos transeuntes (1) ou o Conto-menino vira raPaz

e anda de tílburi

20. O velho Lima, Arthur Azevedo21. Banhos de mar, Arthur Azevedo22. Tílburi de praça, Raul Pompeia23. 50$000 de gratificação, Raul Pompeia24. O madeireiro, Aluísio Azevedo25. Conto de verdade, Domício da Gama26. A noiva do golfinho, Xavier Marques27. A caolha, Júlia Lopes de Almeida

6. Contos regionalistas ou Histórias do brasil Profundo

28. Joaquim Mironga, Afonso Arinos29. Banzo, Coelho Neto30. Fronteira, Roque Callage31. Contrabandista, João Simões Lopes Neto32. Selvagem, Vicente de Carvalho33. Alvos, Alcides Maya34. Contrabando, Darcy Azambuja 35. Tesouros, Cyro Martins

7. Contos transeuntes (2) ou a ColoCação de Pronomes,

nomes e Homens

36. O minuete, Magalhães de Azeredo37. O homem que sabia javanês, Lima Barreto 38. A Nova Califórnia, Lima Barreto 39. O fim de Arsênio Godard, João do Rio

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40. O comprador de fazendas, Monteiro Lobato 41. O colocador de pronomes, Monteiro Lobato43. Um prego! Mais outro prego!..., Adelino Magalhães

8. Contos modernistas ou a virada de 1922 e 1930

44. Gaetaninho, Antonio de Alcântara Machado45. Apólogo brasileiro sem véu de alegoria, Antonio de

Alcântara Machado46. O peru de Natal, Mário de Andrade47. Seu Magalhães suicidou-se, Rodrigo M.F. de Andrade 48. Bapo, Francisco Inácio Peixoto49. O bloco das mimosas borboletas, Ribeiro Couto50. Baleia, Graciliano Ramos 51. História do Carnaval, Jorge Amado52. As mãos de meu filho, Érico Veríssimo 53. Tangerine-Girl, Rachel de Queiroz 54. Ele estava triste..., Dyonélio Machado55. Uma história de amor, Telmo Vergara 56. Alucinação, Dias da Costa

9. Contos modernos ou amor e morte na Cidade grande

57. A morte da porta-estandarte, Aníbal Machado 58. O telegrama de Ataxerxes, Aníbal Machado59. Galinha cega, João Alphonsus60. Eis a noite!, João Alphonsus61. Stela me abriu a porta, Marques Rebelo 62. Acontecimento da noite, Lúcio Cardoso 63. Flor, telefone, moça, Carlos Drummond de Andrade64. A emboscada, Herberto Salles65. Ontem, como hoje, como amanhã, como depois,

Bernardo Élis66. Os anões, Moreira Campos67. Eu e Bebu, na hora neutra da madrugada, Rubem Braga68. Onde andará Esmeralda?, Joel Silveira

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10. Contos Contemporâneos ou A terCeirA mArgem nA horA neutrA dA mAdrugAdA

69. Pegou o telefone e ligou para a aurora do mundo, José

Cândido de Carvalho 70. O ex-mágico da Taberna Minhota, Murilo Rubião 71. Ofélia, meu cachimbo e o mar, Murilo Rubião72. Feliz aniversário, Clarice Lispector 73. Amor, Clarice Lispector 74. Viagem a Petrópolis, Clarice Lispector75. João Urso, Breno Accioly

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76. O moço do saxofone, Lygia Fagundes Telles 77. A caçada, Lygia Fagundes Telles78. A velha querida, Dalton Trevisan 79. Penélope, Dalton Trevisan80. O vampiro de Curitiba, Dalton Trevisan81. Os mínimos carapinas do nada, Autran Dourado 82. Sorôco, sua mãe, sua filha, Guimarães Rosa 83. Desenredo, Guimarães Rosa 84. Passeio noturno - Parte I, Rubem Fonseca85. Trem fantasma, Moacyr Scliar86. O arquivo, Victor Giudice87. Guerras greco-pérsicas, Sergio Faraco

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1. sEmPrE imaginEi, ou concEbi, antologias, quando amplas e abrangentes, sus-tentadas por um eixo em forma de cruz: um linha vertical, cronológica ou histórica (a ideia de vir lá de longe, do “início” mesmo) e uma linha hori-zontal, ou “geográfica”, abarcando o maior número de regiões (ou países) e autores possíveis. Cheguei a esta engenharia de sustentação, com mais clare-za, a partir de Os cem melhores contos de humor (Ediouro, 2001) e assim tem sido em quase todas as outras, inclusive estes Os melhores contos brasileiros de todos os tempos.

2. Ouvi de um professor universitário, dublê de escritor, e de um outro antologista, que uma antologia se faz com o gosto pessoal do organizador. Renego essa ideia. Uma antologia feita na base do gosto pessoal é no mínimo incompleta e no máximo tendenciosa (com inclusão de compadrio e não contistas). Com gostos, opiniões e idiossincrasias não se emite sequer um juízo crítico; não se cria uma antologia que seja mais do que um amontoado de textos ou uma simples coletânea. Uma antologia pressupõe leitura, visão ampla e discernimento crítico.

3. Sem contar décadas de leituras, foram necessários mais de três anos para realizar Os melhores contos brasileiros de todos os tempos. Começando nos contos de origem oral (o que não significa que a partir deles, numa continui-dade mecânica, chegou-se ao conto literário), esta antologia percorre todos os tempos e períodos (literários) da literatura brasileira — chegando aos au-tores “contemporâneos”.

4. O critério adotado para a escolha dos contemporâneos, aqui necessaria-mente reduzidos (caso contrário a antologia se estenderia por mais de mil pági-nas, tornando-se inviável), foi o de representatividade: autores inquestionáveis

POntOS de ObSeRvaçãO

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como Murilo Rubião, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca e outros; procurei nomes que já se pode dizer que tenham uma obra contística. Assim, da geração que estreou nos anos 60, 70 (a minha), em diante, muitos tiveram de ficar de fora. São tantos e tão bons contistas que mereceriam, como merecem, uma antologia só deles. Como disse o escritor e antologista Robert Penn Warren, “fazer uma antologia não é só uma questão de seleção, é talvez mais ainda um processo de impor delimitações”.

5. A luta de bastidores para a aquisição de direitos autorais (da qual só participei indiretamente) levou cerca de sete meses. Além de não esquecer, ou “resgatar” contos ausentes em outras obras similares (“50$000 de grati-ficação”, de Raul Pompeia; Dyonélio Machado, Adelino Magalhães, para só citar alguns), conseguimos autores que dificilmente frequentam outras anto-logias (Guimarães Rosa e Drummond, por exemplo). Infelizmente perderam-se outros, selecionados por mim (Orígenes Lessa e José J. Veiga). Foi uma guer-ra, mas entre mortos e feridos, salvaram-se (quase) todos.

6. E o mais que eu teria a dizer, creio que está dito nas introduções a cada conto em separado. Espero que o leitor tenha uma boa leitura de “todos os tempos”, o tempo todo — e para sempre — destes contos que, ao fim e ao cabo, registram e desenham a história do gênero entre nós.

FMC

Copacabana, março de 2009

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COntOS SeleCIOnadOS PORUM MeStRe

Fábio Lucas

Há no brasil uma gama incalculável de contistas. E uma tendência antiga de inventariar a nossa produção do gênero. A tal ponto que a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, em 1977, encarregara Celita Moreira Gomes de proceder a um levantamento exaustivo da contística brasileira, referente ao período de 1841 a 1974. A mais extensa e pormenorizada bibliografia até então processada no Brasil.

Levantamento exaustivo, não seletivo, conforme lembra a autora de O conto brasileiro e sua crítica - bibliografia. Do levantamento — prodigioso — também constam “Antologias nacionais” e “Antologias internacionais, com a inclusão de autores brasileiros”.

Um admirado ficcionista, Graciliano Ramos, em certa ocasião meteu-se a selecionar os contistas do país, segundo um critério geográfico: Contos e novelas (Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, fev. de 1957, 3 vols.). Na sóbria apresentação, informa: “Nada encontrei no Amazonas, no Mato Grosso.”

Vários nomes de escritores se destacaram entre nós na faina de organi-zar amostras expressivas de nossas estórias curtas. Seria o caso de lembrar R. Magalhães Jr. (autor, entre outros, da obra Panorama do conto brasileiro), Aurélio Buarque de Holanda, que, em trabalho conjunto com Paulo Rónai, nos ofereceram peças fundamentais da produção internacional de contos. O mesmo se dirá de Otto Maria Carpeaux, que, associado a Vera Newerowa, produziram a Antologia do conto russo em 2 volumes (Rio de Janeiro: Editora Lux, 1961). Contos traduzidos diretamente da língua original, quando, até então, era costume que os autores russos fossem passados ao português atra-vés de versões francesas.

Em São Paulo, é impossível esquecer o afincado lavor de Edgar Ca-valheiro, prodigioso batalhador, além de Fernando Góes, Almiro Rolmes

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Barbosa, Diaulas Riedel e Leonardo Arroyo, todos eles pesquisadores in-cansáveis.

Um caso singular vem a ser a produção de Goiás, sempre observada atentamente por Gilberto Mendonça Teles e pela notável ensaísta Vera Ma-ria Tietzmann Silva, que, juntamente com Darcy França Denófrio, produ-ziu o 1o volume da Antologia do conto goiano (Goiânia: Cegraf/UFG, 1992) e, associada a Maria Zaíra Turchi, organizaram ambas o volume II da mesma antologia, compreendendo “O conto contemporâneo”, provido de Ane-xo 2: “Cronologia do conto goiano de 1910 a 1993”. No reino do conto, lembre-se Miguel Jorge, ficcionista que mereceu um ensaio de Literatura Comparada: O grotesco em Miguel Jorge e Julio Cortazar (Goiânia: Cânone Editorial, 2002). Miguel Jorge, por sua vez, juntou-se a Anatole Ramos e Luiz Fernando Valladares para produzir uma Antologia do conto goiano (Goiâ-nia: Edição do Departamento Estadual de Cultura, 1969).

Em matéria de curiosidade, permita-nos lembrar Os precursores do conto no Brasil, de Barbosa Lima Sobrinho (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960). Há contistas para todos os gostos.

No Rio Grande do Sul, Antonio Hohlfeldt organizou o precioso ensaio Conto brasileiro contemporâneo (Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981) seguido de um quadro cronológico e de outro quadro onomástico. Obra de consulta imprescindível.

Proliferam, no Brasil, as antologias de diversificada ordem. Temáticas por exemplo, tivemos Os mais belos contos brasileiros de amor, seleção de Frede-rico Reis (Rio: Vecchio, 1945), Vida cachorra (contos de Aguinaldo Silva, João Antônio, Marcos Rey e Mafra Carbonieri, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977), Histórias de amor infeliz (organização de Esdras do Nasci-mento, Rio: Nórdica, 1985) e Este amor catarina (organização de Flávio José Cardoso, Salim Miguel e Silveira de Souza, Florianópolis: Editora da UFSC, 1966). Tudo isso para não falar do famigerado Histórias do amor maldito (Rio de Janeiro: Gráfica Record Editora, 1967), controvertida seleção de Gaspari-no Damata. E contos de humor, histórias de crime e criminosos, de bichos, de loucura, de futebol, de infância, terror, etc. Houve os contos fantásticos, os de ficção científica, os policiais, os trágicos. No âmbito da estilística pe-riodológica, tivemos O conto romântico (seleção de Edgar Cavalheiro, intro-dução e notas de Mário da Silva Brito, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1961). Contos de geração não faltaram. Recordemos a Antologia de contos de escritores novos do Brasil (Rio de Janeiro: Revista Branca, 1949), com prefácio de Otto Maria Carpeaux, que chama a atenção para o mosaico fabuloso ali

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encontrado, num “grão de areia”. Por que num “grão de areia”? Otto Maria Carpeaux iniciara o prefácio lembrando um verso de William Blake: “To hold a world in a grain of sand.”

O conto, portanto, sempre exerceu uma fascinação para o escritor e para o leitor do Brasil. Daí tantas antologias estaduais, especialmente do Rio Gran-de do Sul, de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, de Goiás, de Santa Catarina, da Bahia, do Nordeste e do Amazonas. Tantas antologias a contemplar tematicamente as profissões: contos de médicos, de advogados, de jornalistas, de militares, funcionários públicos, etc. E os contos cívicos, o das festas de Natal e de Carnaval? Os contos políticos, tantos! Evoquemos os Contos anarquistas (São Paulo: Editora Brasiliense, 1985, organização e notas de Antonio Arnoni Prado e Francisco Hardman). Os “brazilianistas” também nos ofertaram sua colaboração. Mencione-se O novo conto brasileiro (São Paulo: Instituto Nacional do Livro/Editora Nova Fronteira, 1985), de Malcolm Silverman, saudoso estudioso de nossa literatura, lamentavelmente falecido em 2008.

Em São Paulo, publica-se O conto brasileiro hoje, pela RG Editores. São várias séries, a última das quais, a X, corresponde ao ano de 2008. A União Brasileira de Escritores iniciou a sua 1a série com 20 contistas: Antologia de contos da UBE (São Paulo: Global, 2008).

Concentremo-nos na antologia Os melhores contos brasileiros de todos os tempos, selecionados e organizados por Flávio Moreira da Costa, que se tem distinguido como um dos mais notáveis realizadores de antologias em nossa História da Literatura. Igualmente ficcionista, como Graciliano Ramos, ini-ciou a vocação de colecionar contos a partir do seu estado natal. Daí a Anto-logia do conto gaúcho (Rio de Janeiro: Simões, 1969), com prefácio de Carlos Jorge Appel. Em seguida, foi um não parar. Tornou-se selecionador incom-parável, em razão da ciência, do bom gosto, da variedade e da orientação emprestada a cada conjunto. A nosso ver, Flávio Moreira da Costa se tornou o mais importante selecionador de histórias curtas entre nós. Competente, arguto conhecedor da arte de qualificar os contos e reuni-los em conjuntos harmônicos, de certa forma tem sido infatigável e precioso auxiliar do estudo de nossa literatura de ficção.

Sob a epígrafe “a História faz a ficção, a ficção completa a História”, Flá-vio Moreira da Costa empreendeu uma das mais fascinantes coleções que temos conhecido: Os melhores contos que a História escreveu (Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2006), com a colaboração de Celina Portocarrero e prefácio de Mary Del Priore, que assinala: “...não é um livro, mas uma

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pequena biblioteca de conhecimentos e ideias.” Adiante, Mary Del Priore aponta Flávio Moreira da Costa como “verdadeiro arqueólogo do imaginário ocidental e de suas representações literárias”.

Os melhores contos brasileiros de todos os tempos constituem uma seleta par-ticularmente bem-imaginada e superiormente concluída. Presta-se a uma estimativa da evolução do gênero na História da Literatura Brasileira. A fim de melhor situarmos o trabalho de Flávio Moreira da Costa, cumpre assina-lar que a abundância de antologias em nosso corpus literário se explica. Os volumes dedicados aos contos estrangeiros significam a ânsia de comércio intelectual de nossos escritores com as grandes fontes da humanidade. Do mesmo modo, a avalanche de antologias de autores nacionais proclama um vasto programa de comunicação, um imenso apelo artístico em busca do reconhecimento.

Em ambos os movimentos o que se nota é a pulsão da identidade, algo pe-culiar às sociedades florescentes. O vigor da experiência brasileira é captada desde os primórdios. O leitor haverá de orgulhar-se de nossa contística e da paciente organização de Flávio Moreira da Costa.

Com efeito, o autor da antologia cuida de retratar, em primeiro lugar, as narrativas simples, contemporâneas dos relatos orais dos três principais tri-butários culturais da formação da oracionalidade brasileira: indígenas, por-tugueses e africanos. “Conto antes do conto”, no dizer do autor. Portanto, a fase lendária, da infância da ficção, época do conto popular.

Vêm, a seguir, os “Contos fundadores”, aqueles já marcados pela cons-ciência literária, sob o influxo dos autores românticos franceses, que domi-navam a informação culta dos leitores.

Depois, um capítulo especial é dedicado aos “Contos sem data” de nossas Letras. Nada mais, nada menos do que sete obras-primas de Machado de Assis, o escritor-símbolo do Brasil. O nec plus ultra.

Flávio Moreira da Costa intitula o bloco adiante de “Contos pioneiros”. Ar-rola a turma da primeira plana da consciência narrativa do século XIX. Vêm, após, duas seções de “Contos transeuntes”. Bem-lembrada a denominação. Aborrece-nos, às vezes, os prefixos e os sufixos que nada dizem da caminhada literária, como “pré-modernismo” e “pós-modernismo”. Indigência mental, quase sempre. Os contos “transeuntes” indicam a passagem do tempo e dos estilos, agora mais maduros, sólidos e conscientes. O antologista pode, agora, incorporar a primeira mulher de alto nível literário, Júlia Lopes de Almeida. No primeiro bloco “transeunte” predominam a cena urbana e seus relaciona-mentos; no segundo, emergem o regionalismo e a força motriz do campo.

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Surgem, em tópico especial, os “Contos modernos”, uma efusão de expe-rimentalistas de toda ordem, ao lado de textos de densidade dramática, sob os efeitos da modernidade acelerada pela tecnologia, pelas máquinas e pela velocidade da comunicação.

Por fim, os “Contos contemporâneos”, a revelar o altíssimo nível a que chegou o gênero na literatura brasileira. Flávio Moreira da Costa oferece tão somente pequena amostra. O Brasil é muito grande. Com o progresso, mui-tos núcleos culturais se formaram e se fortaleceram; em nossa vastidão terri-torial e cultural, não seria possível, num só volume, englobar todos os gran-des contistas. Mas a seleção é muito boa. Vale a pena conhecê-la, desfrutar de seus valores e instruir-se com os contos meticulosamente organizados. O conjunto dos nossos contistas nos honra e dignifica. O selecionador esteve à altura da temerária e cansativa tarefa.

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COntO anteS dO COntOOU a InFânCIa da FICçãO

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lEnda, mito, conto PoPular. Literatura oral de autoria anônima (e coletiva): “...era o verbo, mas o verbo dito, o verbo falado, contado e compartilhado por todos, e, por meio dele, transmitiam-se e registravam-se as aventuras do ser humano.” (Da introdução a Os grandes contos populares do mundo.) Sim, o que se fala se escreve.

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baRbOSa ROdRIgUeS

Notável botânico brasileiro, João Barbosa Rodrigues (1842-1909) esteve na Ama-zônia com a missão científica imperial de 1872-1875; anos depois organizou e di-rigiu o Jardim Botânico de Manaus, patrocinado pela princesa Isabel e extinto com a proclamação da República. Em 1890, foi nomeado diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde realizou um trabalho notável até sua morte. Além de obras de caráter científico (que inclui extensos tratados sobre orquídeas), Barbosa Rodri-gues deixou um clássico (se não da literatura, com certeza da cultura brasileira), Poranduba amazonense, com traduções livres em português das lendas contadas em Crichaná (Waimiri-Atroari, família Karib), do qual extraímos este conto de expressão oral que antecede nossos contos escritos.

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