52 1 · primário em normas constitucionais, em especial nas previstas nos artigos 23. inciso li....

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PODER JUDICIÁRIO 5' VARA CiVEL DE PRESIDENTE PR J)ENTE Processo Il. D 153012010 Vistos. Trata-se de ação civil pública. movida pelo Ministério Público do Estado de São I)aulo contra a Fazenda Pública do Município de Presidente Prudente. Em síntese. alegou que as praças Nove de Julho e das Cerejeiras não estão adaptadas para o uso por pessoas com deficiência. em especial os deficientes cadeirantcs e visuais. Relatou que em ambas é preciso a instalação de piso tátil direcional. piso tátil de alerta. pisos de supcrficie regular, firme. estável e antiderrapante e que não cause trepidação em dispositivos COIll rodas. placas de informação em braile ou sinalização sonora nos ponlos de ônibus e rebaixamento de guias. Assinalou que a primeira também necessita de corrimão nas escadas e a segunda de aumento do espaço livre de circulação para ao mcnos 1.201. Ressaltou a importância das medidas urbanísticas para garantir o bem estar social. o direito social ao lazer. a liberdade de locomoção. a isonomia e acessibilidade para as pessoas portadoras de deficiência. Amparou sua pretensão na Constituição Federal e no art. 2°. da Lei n° 3.298/99. Pediu a condenação da ré a efetuar as melhorias. É o breve relato. Fundamento e decido. -fls.l- 52 1

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PODER JUDICIÁRIO5' VARA CiVEL DE PRESIDENTE PR J)ENTE

Processo Il.D 153012010

Vistos.

Trata-se de ação civil pública. movida pelo Ministério Público do

Estado de São I)aulo contra a Fazenda Pública do Município de Presidente Prudente.

Em síntese. alegou que as praças Nove de Julho e das Cerejeiras não estão adaptadas para

o uso por pessoas com deficiência. em especial os deficientes cadeirantcs e visuais.

Relatou que em ambas é preciso a instalação de piso tátil direcional. piso tátil de alerta.

pisos de supcrficie regular, firme. estável e antiderrapante e que não cause trepidação em

dispositivos COIll rodas. placas de informação em braile ou sinalização sonora nos ponlos

de ônibus e rebaixamento de guias. Assinalou que a primeira também necessita de

corrimão nas escadas e a segunda de aumento do espaço livre de circulação para ao mcnos

1.201. Ressaltou a importância das medidas urbanísticas para garantir o bem estar social. o

direito social ao lazer. a liberdade de locomoção. a isonomia e acessibilidade para as

pessoas portadoras de deficiência. Amparou sua pretensão na Constituição Federal e no

art. 2°. da Lei n° 3.298/99. Pediu a condenação da ré a efetuar as melhorias.

É o breve relato.

Fundamento e decido.

-fls.l-

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1

PODER JUDICIÁRIO5" VARA CíVEL DE PRESIDENTE PRUDENTE

Processo n.o 1530/20 IO

Julgo antecipadamente a lide c o faço com base no art. 330, inc. L do

Código de Processo Civil. pois não há necessidade de produção de provas em audiência.

A fim de se preservar o interesse público indisponível, é vedado o

reconhecimento da revelia em face da Fazenda Pública. conforme previsão contida no art.

320. inc. 11. do CPC. Conseqüentemente. apesar de a requerida não ter contestado. isso

não acarretou a presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial.

No entanto. o ilustre membro do Ministério Público apresentou coesas

provas documentais (05.11/23 e 34/38) de que o Município descumpriu a legislação

pertinente à acessibilidade das praças Nove de Julho e das Cerejeiras aos portadores de

deficiência. Também trouxe ofício contendo informações da municipalidade a respeito das

obras (fls.27 e 39) e relatório indicando que elas não foram efetuadas (fls.29/32 e 42).

Ressalto que a pretensão deduzida nestes autos tem seu fundamento

primário em normas constitucionais, em especial nas previstas nos artigos 23. inciso lI.

227, § 2°. e 244. as quais determinam atenção especial dos entes públicos aos portadores

dc deficiência fisica. inclusive garantindo-lhes o direito à acessibilidade:

An. 23. E competência comum da União. dos Estados. do Distrito Federal e

dos Municipios: ( ... ) 11 - cuidar da saúde e assistência pública. da proteção e

garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Art. 227. ( ... ) § 2° - A lei disporá sobre normas de construção dos

logradouros c dos edifícios de uso público e de fabricação de veiculos de

transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas

portadoras de deficiência. (destaquei)

Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios

de uso público e dos veiculas de transporte coletivo atualmente existentes a

fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

conforme o disposto no art. 227, § To (destaquei)

-(15.2-

5)

(

\

PODER JUDICIÁRIO5" VARA CíVEL DE PRESIDENTE PR DENTE

Processo n,C> 153012010

Não se deve desconsiderar que isso tambêm diz respeito à aplicação

do princípio da igualdade. pois ao Direito. por influência de sua base ética. interessa a

superação da desigualdade. Sem dúvida as pessoas com deficiência devem receber

tratamento especial, para que se tenha realmente assegurada a igualdade perante a lei.

A Constituição do Estado de São Paulo também se preocupou com O

direito à acessibilidade dos portadores de deficiência. em seu art. 280 (É assegurado, na

forma da lei. (lOS portadores de deficiências e idosos, acesso adequado aos logradouros e

edificios de uso público. bem como aos releu/os de transporte colei;\'() urbano).

No plano infraconstitucional. a Lei nO 7.853/89. que estabelece

noml35 gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das

pessoas portadoras de deficiência. traz rele\ antes considerações a respeito do assunto:

Art. 10. § 1°.· a aplicação e interpretação desta lei. serão considerados os

valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade. da justiça social.

do respeito à dignidade de pessoa humana. do bem-estar. e outros. indicados

na Constituição ou justificados pelos principios gerais de direito.

Art. 2°. Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras

de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos

direitos à educaçâo. à saúde. ao trabalho. ao lazer. à previdência social. ao

amparo à infancia e à maternidadc. c de OUlroSque. decorrentes da

Constituição e das leis. propiciem seu bem-estar pessoal. social e econômico.

V - na área das edificações: a) a adoção e a deti,a execução de normas

que gamnlam li runcionalidade das edificaç.ws e ,ias públicas, qu('

e,'item ou r('n10\am os óbices às pessoas portadoras de deficiência.

permitam o acesso destas a edificios. li logradouros e a meios de

transporte. (destaquei)

A acessibilidade também foi objeto da Lei Federal n° 10.098/2000. A

respeito da necessidade de se garantir o acesso e a circulação de portadores de deficiência

nas ruas e calçadas. estabelecem os artigos 3° a 5° que:

-fls.3-

SIf

{

PODER JUDICIÁRIO5' VARA CíVEL DE PRESIDENTE PRUDENTE

Processo 11.° 1530/20 IO

Art. 30. O planejamento li' a urbanização das ,ias publicas. dos parques e

dos demais espaços de uso público deHrão: ser concebidos e necutados

de forma •• torná-los acessi\'eis para as pessoas portadoras de deficií?ncia

ou com mobitidllde reduzida.

Art. 4°. As vias pílblicas, parques c dcnulis espaços de uso público

existentes, assim como as respecti\'as instalações de serviços e

mobiliários urbanos de\'erão ser adaptados, obedeccndo-sc ordem de

prioridade que vise à maior cficicncia das modificações. no sentido de

promo"er mais ampla acessibilidade às pessoas portadoras d('

deficiência ou com mobilidade reduzida.

Art. 5°. O projeto e o traçado dos elementos de urbanização publicos e

privados de uso comunitário. nestes compreendidos os itinerários e passagens

de pedestres. os percursos de entrada c saida de \-eículos. escadas e rampas.

dc\'crão observar os parâmclros eslabelecidos pelas normas lécnicas de

acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas· ABNT.

No mesmo sentido assevera a Lei Estadual nO 9.086/95. em seu art.

1°: "os úrglios da Administraçüo Direta e Indireta do E~tad() del'erüo adequar seus

projetos, suas edificações. suas instalações e seu mobiliário ao uso de pessoas portadoras

de deficiências. obsenadas as normas NBR 90jO da ARNT'.

Em regra não cabe ao Judiciário determinar ao Executivo a realização

de obras e rcfomlas. A implementação de políticas públicas é ato discricionário do

administrador investido de função pública. sobretudo para direcionar os recursos

financeiros a ele conferidos. Entretanto. não há discricionariedade do administrador

público em respeitar ou não a Constituição da República.

Por isso. vem prevalecendo o entendimento de que o Judiciário pode

interferir na formulação de políticas públicas: de modo excepcional. nos casos em que elas

têm assento constitucional. Esse posicionamento prevaleceu em relevante julgado do E.

Supremo Tribunal Federal. adiante colacionado:

- fls. 4-

5Sf

PODER JUDICIÁRIO5' VARA CíVE:L DE: PRESIDE:NTE: PRUDE:NTE:

Processo n,o 1530/2010

o •• 2. "Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias

normas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela

administração publica enseja sua proteçào pelo Poder Judiciário" (AgReg no

RE n° 463210/SP. 2' Turma. ReI. Min. Carlos Velloso. DJ de 03/02/2006).3.

" ... A educação infamil, por qualificar-se como direito fundamental de toda

criança. não se expõe. em seu processo de concretização. a avaliações

meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a

razões de puro pragmatismo governament<ll. (. .. ) Embora resida,

primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de

formular e executar políticas públicas, revela-se possivel, no entanto, ao

Poder Judiciário, determinar, aindu que em bases excepcionais,

especialmente nas hipóteses de politieas públicas definidas pela própria

Constituição, scjam estas implementadas pelos órgãos estatais

inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos

encargos político-juridicos que sobre eles incidem em caráter

mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a intcgridade de

direitos sociais c culturais impregnados de estatura constitucional. A questão

pertinente a reserva do possível'. Doutrina." (STF, AgReg no RE n°

410715/SP, 2' Turma, ReI. Min. Celso de Mello, DJ de 03/02/06. destaquei).

A jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

não destoa deste entendimento. como se observa nos julgados análogos:

REEXAME NECESSARIO - Valor dc alçada - Não conhecimento. AÇÃO

CIVIL PÚBLICA - Obrigação de fazer - Pedido de adequação das

calçadas do Bairro do Embaré, a fim de possibilitar a circulação dc

pessoas portadoras de deficiência Admissibilidade· Programa de reforma

das vias daquela região, que não observou as normas da NBR 9050-ABNT-

Caractcrizada a ofensa aos ditames legais e constitucionais que

garantem ao dcficicnte o direito à acessibilidade - A discricionariedade

da Administração não é absoluta, estando limitada pela lei -Inadmissívcl

se falar cm ingcrência indevida do Poder Judiciário, diante da

ilegalidadc da postura administrativa - Ausência dc violação ao

Principio da Tripartição dos Poderes - Possibilidade de se impor multa

-fI5.5-

SGí

PODER JUDICIÁRIO5" VARA CÍVEL DE PRESIDENTE PRUDENTE

Processo n." 1530/20 IO

diária contra a Administração, em caso de descumprimento da ordem - Ação

julgada procedente em parte na la Instância - Semença mantida· Recurso

improvido. (TJSP. Apelação 0016663·12.2008.8.26.0562, Órgão: 6a Câmara

de Direito Público. reI.: Leme de Campos.j. 14/06/10, destaquei).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PUBLICA DETERMINA-

çÃO PARA A PROMOÇÃO DA ACESSIBILIDADE EM 18 ESCOLAS

ESTADUAIS. DEFERIMENTO DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO

TUTELA. POSSIBILIDADE. Norma constitucional que impõe ao Estado

a assistência ao deficiente físico, independente da burocracia estatal.

Prova de descumprimento das determinações há muito impostas à

Administração. Necessidade de garantia de acesso aos portadores

deficiência física. Norma programática. Irrelevãncia. Violação ao princípio

da separação dos poderes. Inocorrência. Incrcia da Administração

caracterizada. Reforma parcial da decisão. Ampliação dos prazos fixados.

Rcçurso provido em pane. (TJSP: AI 911.420.512; Ac. 4141054; 2' Câmara

de Direito Público; ReI. Des. Samuel Junior:j.29/09/2009, destaquei).

Frise·se que a judicialização das políticas públicas encontra seu

fundamento na supremacia da Constituição, norma de caráter fundamental e superior a

todos os poderes estatais. Ao efetuar o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. o

Judiciário nada mais faz do que garantir a prevalência da Constituição.

Além disso. os o~jetivos e direitos fundamentais que orientam a

Constituição gozam de plena força normativa. vinculando todos os poderes constituídos.

Não podem ser consideradas promessas vazias e inconseqüentes do legislador constituinte.

Portanto. não tendo a parte ré observado as regras da Carta Política e

demais normas acima declinadas. deve ser compelida a rever tal conduta. a fim de garantir

a acessibilidade plena das pessoas portadoras de deficiência aos logradouros públicos.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão veiculada

nesta ação civil pública e extimo o feito com resolução do mérito. com fundamento no

artigo 269. inciso I. do Código de Processo Civil. para o fim dc: a) DETERMINAR ao

- fls. 6-

\.~

PODER JUDICIÁRIO5' VARA CíVEL DE PRESIDENTE PRUDENTE

Processo ".0 153012010

Municipio de Presidente Prudente que efelUe as obras de instalação de piso tátil direcional.

piso tátil de alerta. pisos de superficie regular. firme. estável e antiderrapante e que não

cause trepidação em dispositivos com rodas. placas de informaçào em braile Ou

sinalização sonora nos pontos de ônibus c rebaixamento de guias. nas praças Nove de

Julho c das Cerejeiras. bem como a instalação de corrimão nas escadas da praça Nove de

Julho e o aumento do espaço livre de circulação na praça das Cerejeiras para ao menos

1.201. cujas obras devem obedecer as normas da ABNT e ser efetuadas no prazo

improrrogável de 150 (cento e cinqüenta dias) dias. sob pena de multa diária de R$

1.000.00 (mil reais). a ser revertida ao Fundo Estadual de Reparação dos Interesses

Difusos. limitada ao valor de RS 200.000.00 (duzentos mil reais): b) CONDENAR a parte

requerida ao pagamento das custas. despesas processuais e dos honorários advocatícios. os

quais fixo em R$ 400.00 (quatrocentos reais). atualizados a partir desta data. nos temlOS

do art. 20. §4°. do CPC. em atenção ao principio da causalidade.

Fica a presente sentença sujeita ao reexame necessário. haja vista que

o valor da condenação supera o limite previsto no § 2°. do art. 475. do CPC.

Publique-se. Registre-se. lntime-.y

Após o trânsito em jUlgadOZ ·Ique-se e intimc·se a autora para se

manifestar sobre o prosseguimento. Nada send€l querido. arquivem·se os autos.

Arnaldo Luiz Zasso Valderrama

Juiz Substituto

- fls. 7-