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5 - O Ocidente Carolngio: A Europa nos Sculos VIII e IX(Pg. 140 do livro) A EMERGNCIA DE UMA DINASTIA Na dcada que se seguiu batalha de Tertry em 687, Pepino de Heristal, prefeito do palcio do reino franco, estendeu o domnio at Frsia. Na esperana de consolidar a sua conquista pela extenso da religio crist a esses territrios, Pepino enviou a Roma o monge Willibrord, onde o papa o investiu como metropolita. A abertura de Pepino a Roma iniciou uma nova poltica: a aliana da monarquia franca com o papado. A Pepino sucedeu o seu filho Carlos Martel, que prosseguiu o relacionamento com Roma e as misses como parte de uma poltica de extenso da sua influncia para leste do Reno. O monge beneditino da Saxnia ocidental Wynfrith evangelizou com algum sucesso a Germnia e o papa Gregrio II, que lhe atribuiu o nome de Bonifcio, encarregou-o da converso dos germnicos que viviam a leste do Reno. A misso de Bonifcio seguida, mais tarde, do trabalho de Alcuno na corte de Carlos Magno, seria o culminar dos missionrios do norte da Inglaterra no imprio franco: foi nomeado arcebispo de Mainz e criou alguns mosteiros, o mais famoso dos quais foi o de Fulda na Germnia central. A sua organizao episcopal a leste do Reno precedeu a incorporao formal dessas reas no reino franco, j sob o domnio de Carlos Magno. Carlos Martel no era um instrumento da Igreja e utilizava as terras desta, que tinham sido na sua grande maioria doadas pelos ris, para financiar a sua organizao militar. Os seus filhos Pepino o Breve e Carlomano estavam mais receptivos persuaso de Bonifcio, que se serviu da sua influncia junto destes para reorganizar a Igreja franca, tendo sido fundamental no fortalecimento dos laos francos com Roma.

A REVOLUO DE 751 Em 747 Carlomano retirou-se para um mosteiro, deixando a prefeitura a Pepino, que semelhana dos anteriores prefeitos do palcio, exercia a autoridade de vice-reis sobre o reino. Como o papa Zacarias II defendia que aquele que exercesse o poder de facto deveria ser o soberano, pensa-se que Bonifcio ungiu Pepino como rei em 751. A nova dinastia seria mais tarde chamada carolngia, segundo Carlos Magno, o maior rei que ela produziu. A ajuda do papa teve, porm, um preo, j que Pepino passou a maior parte do seu reinado em Itlia aCaptulo 5 1/160

combater os inimigos do papa, os lombardos, o que Carlos Martel tinha recusado fazer. As suas conquistas foram entregues ao papado pela Doao de Pepino, cujo texto original no sobreviveu; mencionado na Vida do Papa Estvo II, sendo confirmado por Carlos Magno. Inspirou uma das mais notveis falsificaes da Idade Mdia, a Doao de Constantino, que foi escrita na corte papal antes de 800. Este texto alega que o imperador Constantino, antes de partir para Constantinopla, doou Roma, os palcios em Latro e todo o Imprio ocidental ao papa Silvestre I, afirmando que nenhum governante secular era indicado para governar o trono da f crist. A implicao clara era que, atravs da doao do imperador, a Igreja tinha autoridade legtima na Europa ocidental, possuindo o poder de decidir quem exerceria esse cargo. A Doao de Constantino teve pouco impacto a nvel prtico.

A CARREIRA DE CARLOS MAGNO Com a morte de Pepino em 768, o reino foi dividido pelos seus filhos rivais Carlomano e Carlos, que entraram em guerra que s terminou com a morte de Carlomano. O reinado de Carlos Magno estabeleceu padres governativos, relaes polticas e culturais que iriam dominar a Europa durante sculos. Embora a unificao da Europa sob um s rei constitusse um feito pessoal que sobreviveu apenas uma gerao aps a sua morte, a transformao que ele fez das instituies locais permaneceria, sob diferentes formas, ao longo de toda a Idade Mdia. Como ningum conseguia governar contra os nobres, Carlos Magno recompensou-os ricamente com os despojos das conquistas, pois ao longo dos anos 790 efectuou vrias campanhas militares. Normalmente nomeava francos para os cargos elevados, germanizando, a pouco e pouco, a nobreza europeia, mas no fez qualquer tentativa para impor uma lei uniforme e, com excepo para os saxes, respeitou os costumes dos povos que conquistou. Fomentou o estudo e fez que tanto os seus filhos e filhas fossem educados nas artes liberais. Aprendeu a ler e a compreender o latim e o grego, mas nunca aprendeu a escrever. Carlos Magno casou-se quatro vezes e teve numerosas concubinas e filhos ilegtimos. Ele e Carlomano casaram-se com filhas de Desidrio, rei dos lombardos, mas Carlos Magno repudiou a sua mulher quando Desidrio recebeu a viva e os filhos de Carlomano na sua corte. Em 774 Carlos Magno apropriou-se do reino e coroou-se a si prprio rei dos lombardos. As campanhas militares de Carlos Magno tiveram resultados mais duradouros no norte. Como os francos j tinham hegemonia na Germnia, a leste do Reno, desde a poca de Carlos Martel, ele apenas formalizou a conquista, estabelecendo bispados, um ducado e a organizao por condados entre o Reno e o Elba. Carlos estabeleceu uma Linha Militar de Leste na fron2/160 Captulo 5

teira leste da Baviera, que mais tarde seria o ncleo do ducado da ustria e aniquilou o reino dos Avaros no sudeste da Europa. No norte da Germnia os saxes, pagos, tinham sempre resistido aos francos, apesar de Carlos Magno ter realizado contra eles campanhas militares entre 772 e 804. De todas as vezes que regressava, os saxes revoltavam-se e voltavam antiga religio.

A COROAO IMPERIAL DE 800 E A MONARQUIA TEOCRTICA Carlos Magno manifestou uma grande preocupao em proteger as igrejas, os seus funcionrios e as suas propriedades: as igrejas recebiam um dcimo da propriedade, do trabalho e de todos os tributos que chegassem ao tesouro real. Governou uma rea mais vasta do que qualquer prncipe desde os imperadores romanos, mas o imperador bizantino, cuja ortodoxia era suspeita por causa da questo iconoclasta, era o senhor temporal da cidade de Roma. O papa Leo III mostrou-se incapaz de controlar os turbulentos nobres de Roma, acabando por ser preso. Pediu ento a ajuda de Carlos Magno que, como rei dos lombardos, era o mais poderoso prncipe de Itlia. Carlos Magno foi a Roma, onde convocou um snodo que ilibou o papa dos crimes de que o acusavam. Talvez como paga, Leo III coroou Carlos Magno em Roma no dia de Natal de 800: ao erguer-se depois das preces matinais colocou-lhe a coroa sobre a sua cabea, declarando-o imperador e Augusto. Embora existam discrepncias cronolgicas nos registos, nenhuma fonte contempornea declara francamente que Carlos Magno estivesse descontente com a coroao. Nessa altura estava a negociar o casamento com a imperatriz bizantina Irene e provvel que Leo o tenha coroado para os afastar, fortalecendo a sua posio no Ocidente. Na verdade a negociao falharam e as relaes francas com Constantinopla s seriam normalizadas momentos antes da morte de Carlos Magno. A Vida de Einhard, que foi escrita aps a morte de Carlos Magno, alega que o papa surpreendera o rei com a coroao imperial. Carlos aproveitou-se da situao pois, em 802, repetiu a coroao imperial em Aachen, tirando, desta vez, a coroa das mos do sacerdote e colocando-a sobre a sua prpria cabea. Assim, proclamava implicitamente que tinha recebido o poder imperial directamente de Deus e no atravs do papa. Os historiadores tm conferido um considervel significado simblico ao processo da coroao imperial. Quando os seus netos dividiram o reino, a parte do mais velho incluiu Roma e o ttulo imperial, que acabou por se extinguir em 924. O impacto da coroao nos contemporneos de Carlos Magno foi nebuloso: ele no deu a Carlos Magno mais nenhuns direitos. Alguns historiadores fazem notar que os decretos legislativos de Carlos Magno depois de 802Captulo 5 3/160

demonstram maiores preocupaes com os assuntos religiosos do que os anteriores, mas o elemento teocrtico nunca esteve ausente antes, e essa mudana pode reflectir to somente o facto de ele estar a envelhecer e querer, desse modo, assegurar a sua salvao. Embora os governantes francos tenham colaborado com o papa desde o tempo de Pepino de Heristal, o ltimo carolngio com suficiente poder para ser mais do que um mero auxiliar foi Carlos, o Calvo. No sculo XII, os reis capetos iriam reavivar a aliana papal como parte do seu esforo para se ligarem aos lendrios carolngios, mas os protectores dos papas entre meados do sculo IX e meados do sculo XI foram os reis germnicos. Existem razes para apelidar Carlos Magno de rei teocrtico. Ele via-se como um delegado de Deus, com a misso de proteger o povo cristo e de espalhar e salvaguardar a f. Na tradio de Constantino, presidiu aos snodos da Igreja. Em 802, ordenou que cada rapaz com mais de 12 anos de idade jurasse a mesma fidelidade para com ele enquanto imperador que tinham jurado anteriormente enquanto rei. A ordem indica, com alguma extenso, o que essa fidelidade significava: que todos viveriam sob a lei de Deus. Mais de metade das clusulas da directiva dizem respeito disciplina da Igreja e atitude dos laicos para com ela. Enquanto governador nomeado por Deus, Carlos Magno estava profundamente interessado na teologia. Atravs da sua Admonio Geral, Carlos Magno tentou regular normas de comportamento, e muitos das suas capitulares estavam preocupadas tanto com a manuteno das obrigaes para com Deus como para com o rei ou, mais tarde, o imperador. Manifestou grandes preocupaes com a iconoclastia: o snodo de Frankfurt promulgou os Livros Carolngios, contendo o que seria a posio ocidental: as imagens deveriam ser veneradas, mas no adoradas. Este snodo tambm anatematizou o adopcionismo, uma doutrina semelhante heresia nestoriana: os adopcionistas alegavam que Cristo era humano no momento do seu nascimento, mas que fora adoptado por Deus Pai.

O GOVERNO NA POCA CAROLNGIA Carlos Magno normalizou o Governo franco e efectuou considerveis avanos na Administrao. O Governo estava centrado no palcio do rei, um princpio que acabaria por se tornar o modelo para toda a Europa. O conde do palcio presidia corte e aos outros oficiais, tais como o senescal (que estava encarregue da mesa real) e os vrios camareiros. Alguns oficiais do palcio executavam mais do que os simples deveres domsticos, como era o caso do condestvel (conde do estbulo), que tinha funes militares. Os oficiais da casa real tinham posies de poder pessoal mas ainda no institucional: a figura dominante tanto podia ser o chan4/160 Captulo 5

celer, o senescal ou o conde do palcio, dependendo das suas personalidades e das relaes que mantinham com o rei. O rei era um lder militar itinerante, pelo que pouco sabemos da corte de Carlos Magno para alm dos ttulos dos seus principais oficiais, apesar de este perodo ter assistido a grandes desenvolvimentos na manuteno de registos. A maior parte dos documentos que sobreviveram at aos nossos dias dizem respeito s relaes do governante com os magnatas laicos e eclesisticos. A chancelaria de Carlos Magno emitia ordens administrativas chamadas capitulares (organizados sob capitula). O chanceler era um funcionrio da capela real de Carlos Magno, mas na poca de Lus, o Pio, o sucessor de Carlos Magno, era j uma figura importante. Muito do impulso dado ao aumento de registos escritos deve-se ao facto de Carlos Magno pretender saber qual o servio militar que lhe era devido, pelo que encorajava os abades a fazerem listas das suas terras e das obrigaes dos seus arrendatrios e, destas, obtinha a indicao das somas que estes tinham de pagar para cumprir a sua obrigao militar. As assembleias militares anuais tambm eram ocasies em que o rei consultava os magnatas. Carlos Magno tentou fazer do manso uma unidade de percepo militar e talvez mesmo de percepo fiscal. O manso era um territrio correspondente ao lote ingls e ao germnico Hufe. Era uma unidade de terra de dimenses variveis, cujo jugo era suficiente para sustentar uma famlia. Segundo a legislao de Carlos Magno, cada quatro mansos eram obrigados a fornecer um homem de infantaria ao Exrcito real, enquanto cada doze mansos deveriam dar um homem de cavalaria. A Europa do sculo IX passou a ter registos de posse de terras e de lucros, dos quais sobrevivem apenas fragmentos, que so comparveis ao Livro do Julgamento Final que Guilherme o Conquistador, mandou compilar para Inglaterra. Num perodo de fracas formas de comunicao e de crescentes, mas ainda inadequados, recursos reais, Carlos Magno e os seus sucessores tinham de confiar nos poderosos senhores locais e nas suas redes de clientes. Por volta do sculo VII, o poder temporal da maior parte dos bispos estava confinado s civitas, dentro das muralhas da cidade, enquanto os condes governavam no exterior. No norte, o poder dos condes estava frequentemente centrado no pagus, um territrio mais pequeno do que a civitas. No perodo de Carlos Magno existiam perto de 200 a 250 condados no reino franco. O conde era nomeado pelo rei, convocava a assembleia do condado em nome dele, ficava com uma percentagem das taxas tributadas e controlava os tributos militares do seu condado. Era semelhante ao lorde anglo-saxnico, que aparece pela primeira vez em fontes do sculo IX, apenas para ser substitudo pelo xerife no sculo XI. As assembleias do condado reuniam-se todos os quatro meses no Imprio Carolngio, todos os seis meses na Inglaterra, e deveriam ter a presena de todos os proprietrios do condado. AbaixoCaptulo 5 5/160

da assembleia do condado existia a assembleia do vicariato, que correspondia aos cem em Inglaterra, presidido por um vigrio ou por um homem do cento, e que se reunia de quatro em quatro semanas. Carlos Magno ordenou que pelo menos uma pessoa que soubesse ler e escrever latim estivesse ligada a cada assembleia. Reis anteriores j tinham utilizado missi (emissrios) para supervisionar os seus interesses locais, sobrepondo-se aos condes. Em 802 Carlos Magno regularizou esta prtica na Capitular sobre os Missi e enviou dois, um laico e um clrigo, para verificar as actividades dos condes. O seu nmero aumentou para quatro com o neto de Carlos Magno, Carlos o Calvo. Circulavam apenas nas reas centrais da Austrsia, da Neustria e da Burgndia, que tinham sido francas no perodo merovngio. Na Aquitnia e nas zonas da Germnia recentemente conquistadas os condes eram, em geral, subordinados dos duques, cujas funes eram militares. A propriedade pessoal do governante era o domnio real. Dele o rei retirava rendas em gneros e em dinheiro, servios laborais e os lucros da justia. Pepino e Carlos Magno dispensaram muitos dos seus apoiantes de alguns impostos e ofereceram terras Igreja. O rei tambm obtinha rendimentos ocasionais da oferta pblica dos magnatas e das igrejas, colectas e tributos, portagens, servio militar pblico e impostos de terras e do heribannum, pago por aqueles que no prestavam servio militar. Ao rei tambm se devia hospitalidade, onde quer que a sua corte itinerante aparecesse. Tal como em Inglaterra, era-lhe devido servio laboral de todos os homens livres em pontes, estradas ou fortificaes. O poder do real era ainda essencialmente pessoal, mas j no era somente o primeiro entre iguais no grande conjunto de aristocratas. As estruturas bsicas pelas quais a Europa seria governada durante sculos, tomaram a sua verdadeira forma no perodo de Carlos Magno e, em larga medida, no do seu filho e netos.

A RENASCENA CAROLNGIA A atitude pessoal do governante era de suprema importncia na vida intelectual medieval. pois praticamente toda a actividade criativa desde o sculo XI resultava do apoio e incentivo das autoridades, tanto laicas como clericais. Houve um sbito aumento da actividade criativa nos finais do sculo VIII e princpios do IX, devido, em grande parte, a uma clara transformao de atitude na corte real. Este perodo justamente conhecido como a Renascena Carolngia e foi um genuno renascer, j que Carlos Magno esperava recriar a Roma crist. Uma preocupao de Carlos Magno dizia respeito a um clero letrado, pois, apenas atravs deles podia realizar o seu objectivo de cristianizar a Europa. Embora a pretenso de conseguir6/160 Captulo 5

uma literacia massiva seja exagerada, a verdade que deu ordens a cada bispado e mosteiro para manterem escolas e darem instruo a todos os que a desejassem. Ordenou que os rapazes aprendessem a ler, mas a escrita deveria ser deixada para os homens adultos. Impulsionou a escola palaciana, trazendo o maior intelectual da poca, Alcuno de Iorque, para a dirigir. A influncia de Alcuno transcendeu esta escola, uma vez que outras cedo a imitaram. Alcuno foi, talvez, o responsvel pela sugesto de uma coroao imperial de Carlos Magno, estabeleceu a missa de acordo com o ritual romano, que se tornou a liturgia padro no reino. As regras de ortografia e de gramtica latina foram regularizadas na escola palaciana, aps o declnio na poca merovngia. Nos juramentos de Estrasburgo, os seguidores dos netos de Carlos Magno, Lus o Germano, e Carlos o Calvo, juraram, cada um na lngua verncula do outro, de forma a poderem ser compreendidos; o mais antigo exemplo do francs vernculo. O estudo das sete artes liberais tinha sido proibida nas escolas episcopais desde os finais do sculo VI. Alcuno restituiu-lhes um lugar de honra na escola palaciana. As escolas carolngias ensinavam, sobretudo, Gramtica e Retrica. No incio do sculo IX assistiu-se a uma exploso de escrita epistolar neoclssica. Tambm se comps alguma poesia latina bastante boa, sobretudo no sculo IX, compensando em frescura e originalidade de expresso o que lhe faltava em profundidade: na verdade, dirigia grande parte das energias criativas para o galanteio. Embora as cortes da Europa germnica no fossem reconhecidas por apoiarem a literatura, o panegrico do mecenato constitui uma excepo que foi sempre defendida. A Renascena carolngia est associada tambm reforma do estilo de escrita. Os romanos tinham utilizado maisculas nas suas inscries mais formais e nos manuscritos, e tinham uma meia-uncial, uma mistura de maiscula com minscula, para os outros casos. Na Glia germnica e na Itlia, anteriores ao sculo VIII, houve um declnio catastrfico na qualidade da escrita. As letras eram muitas vezes feitas de linhas separadas, as palavras eram colocadas pegadas umas s outras e as ligaes e abreviaturas eram comuns. No incio do sculo VIII, alguns manuscritos comearam a ser escritos de uma forma mais legvel, sobretudo no norte da Bretanha. Na poca de Carlos Magno comeou a praticar-se um estilo particular na abadia de So Martinho de Tours, que depressa foi imitado pela maioria dos copistas da Europa continental. Conhecido como o carolino minsculo, uma escrita arredondada e legvel, com alguma pontuao, divises claras entre palavras, abreviaturas normalizadas e poucas ligaes. A Idade Mdia Central e a Baixa Idade Mdia deram lugar escrita angular e mais apertada a que os modernos chamam ou gtica. Grande parte das obras romanas que mais tarde se encontraram eram cpias carolngias, o que constitui um tributo aos copistas carolngios. Assumindo que os romanos tinham escrito dessa forma, este modelo foi sendo adoptado e hoje Captulo 5 7/160

conhecida como humanista. Esse estilo foi adoptado pelos tipgrafos italianos e da Europa ocidental, embora a impresso em gtico fosse mais utilizada na Germnia. Carlos Magno compreendeu que as obras escritas podiam vir a servir os propsitos da sua dinastia. Os Anais Reais Francos, juntamente com as crnicas mantidas nas abadias que ele apoiava, constituem um registo inestimvel dos feitos do rei. Os escritos histricos diversificaram-se depois da morte de Carlos Magno e, a partir desta altura, praticamente todos os governantes ordenaram que os seus feitos fossem colocados por escrito. O perodo carolngio tambm testemunhou um renascimento no design da arquitectura romana. Os carolngios utilizavam a forma de baslica, normalmente interseccionada com um transepto e com arcos arredondados. Um aspecto de originalidade era o nfase na forma como as igrejas ocidentais terminavam. Algumas tinham fachadas macias, extremamente adornadas, enquanto outras tinham a nave central flanqueada, no lado oeste, por torres gmeas. Os estilos nas artes plsticas tambm se alteraram. A arte da Alta Idade Mdia, sobretudo em joalharia, tinha enfatizado os desenhos geomtricos abstractos e as iluminuras do sculo VII apresentam desenhos de animais extremamente realistas, nomeadamente o touro, o leo e a guia, como smbolos de trs dos quatro evangelistas (Mateus, simbolizado pelo homem, era a nica concesso Humanidade). Todavia, a partir do perodo carolngio, a arte passou a utilizar cada vez mais figuras humanas, muitas vezes representadas em trajes romanos e sempre de uma forma estilizada e simblica. Os edifcios de estilo romano tambm aparecem nas pinturas carolngias, mas com uma total ausncia de perspectiva; os humanos so muitas vezes vistos em estruturas mais pequenas do que eles, j que o realismo estava confinado mensagem teolgica. A arte carolngia representa um avano substancial, em qualidade e quantidade, em relao aos seus antecessores. O mecenato real das artes continuou depois de Carlos Magno, de tal forma que levou a que alguns falassem de duas renascenas carolngias. O clima intelectual era tambm particularmente benfico na corte do neto de Carlos Magno, Carlos o Calvo (840-877), onde se notabilizou Joo Escoto Ergena, um irlands que era um dos poucos europeus do Ocidente que sabiam grego.

OS LTIMOS CAROLNGIOS Carlos Magno sobreviveu a todos o filhos excepto a um: Lus, mais conhecido por o Pio. Se bem que certos aspectos do seu reinado possam ser comparados ao do seu pai, Carlos Magno era um modelo difcil de seguir, sobretudo medida que as dificuldades se acumulavam. Em

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793 os escandinavos tinham atacado a costa norte de Inglaterra. Embora antes da morte de Carlos Magno nada sugerisse a magnitude do problema que se seguiu, em 810 a Frsia foi saqueada pelos dinamarqueses. O sul da Glia permaneceu como uma rea de fronteira, sofrendo os ataques muulmanos. Lus o Pio aceitou em 816 a coroa imperial das mos do papa. Em 817 emitiu o Ordenamento do Imprio, no qual dividiu o reino pelos seus trs filhos, deixando o ttulo imperial para o mais velho. No entanto, a sua segunda mulher, Judite, deu luz um filho, Carlos o Calvo, exigindo que ele fosse includo. Em 829, os filhos mais velhos colocaram-se frente de uma coligao de monarcas dissidentes, depuseram Lus e exilaram a madrasta. Quando o rei morreu, o reino foi dividido em trs (um dos filhos tinha, entretanto, morrido). Mais tarde, Carlos e Lus uniram-se contra Lothair, o filho mais velho. No Tratado de Verdun, foraram Lothair quilo que viria a ser o delinear de um acordo duradouro: Lus ficou com a maior parte da Germnia, Carlos com a maior parte da Frana e Lothair com o Reino Central. Este inclua os Pases Baixos, a Burgndia e a Itlia at Roma, e o ttulo imperial. Em 855, o reino de Lothair foi, por sua vez, dividido em trs. A parte norte, constituda pelo noroeste da Germnia e o sul dos Pases Baixos foram para Lothair II; depois da sua morte, em 870, ficou conhecido como Lotarngia, sendo dividido pelos seus tios. O Imprio de Carlos Magno foi brevemente reunificado por Carlos o Calvo e depois por Carlos III o Gordo, filho de Lus o Germano, que sucedeu aos seus irmos na Germnia e na Lotarngia e aos seus primos na Frana. A incapacidade de Carlos o Gordo em proteger o seu reino dos escandinavos levou a que os magnatas francos o depusessem em 888. Durante o sculo IX e incio do sculo X estabeleceram-se os maiores principados territoriais francos. Os ducados da Burgndia e da Aquitnia remontam a unidades polticas existentes no perodo merovngio, enquanto a Flandres e depois a Normandia e a Bretanha eram condados com origem em domnios fronteirios carolngios. A Carlos, o Gordo sucedeu, no reino Franco de leste, o seu sobrinho Arnulfo, que governou at sua morte, sendo o ltimo carolngio a ser coroado imperador. Era um soldado hbil, que teve mais sucesso do que outros reis do seu tempo na luta contra os invasores, derrotando os escandinavos em 891. O seu filho e sucessor, Lus o Menino, o ltimo rei carolngio da Germnia, morreu em 911 sem deixar herdeiros. O Reino Central era uma impossibilidade poltica. Os reis ficavam enredados nas lutas polticas do papa em Roma. Por volta do incio do sculo X, as sucessivas divises e recombinaes tinham feito do sul do Reino Central e de partes do oeste um ducado da Burgndia e reinos separados da Burgndia, Provena e Lombardia.Captulo 5 9/160

AS NOVAS INVASES O desmantelamento do Imprio de Carlos Magno foi intensificado em todo o lado pela crescente presso vinda de fora da Europa ocidental. A actividade muulmana tinha aumentado no Mediterrneo: a Siclia e partes do sul da Itlia foram ocupadas e a costa mediterrnica da Frana foi constantemente atacada. No sculo V os magiares tinham-se deslocado para o sul da Rssia, e no sculo IX foram empurrados para ocidente pelos pechenegas e depois pelos blgaros para a Hungria. Da, os magiares atacaram o norte da Itlia at Burgndia. Depois de o imperador germano Oto I os ter derrotado no rio Lech, retiraram-se e estabeleceram-se permanentemente na Hungria. Os viquingues eram bastante mveis e o facto de atacarem pelo mar fazia que fosse extremamente difcil preparar uma defesa eficaz contra eles. Os suecos tinham fundado o principado de Kiev e os dinamarqueses atacavam a Inglaterra e a costa da Esccia. Os noruegueses atingiram a Islndia, a Irlanda, o Pas de Gales e a Esccia ocidental. No continente, os noruegueses atacaram a Bretanha e os territrios ao longo do rio Loire, enquanto os dinamarqueses concentravam a sua actividade nos Pases Baixos e ao longo do Sena e Somme. Uma segunda vaga de escandinavos dirigiu-se para ocidente nos finais do sculo X. Embora o continente europeu tenha sido poupado a este grupo, eles atacaram a Inglaterra ajudados pela numerosa populao escandinava que j a se encontrava, enquanto outros se estabeleceram na Gronelndia, alcanando a margem leste da Amrica do Norte por volta do ano 1000.

A ISLNDIA O mais duradouro colonato escandinavo alm-mar foi o da Islndia. A costa da Islndia foi colonizada pelos noruegueses a partir dos finais do sculo IX. Por volta de 930 j tinham estabelecido uma assembleia geral, a Althing.

OS ESCANDINAVOS E O IMPRIO CAROLNGIO As lutas internas entre os descendentes de Carlos Magno so por vezes dadas como responsveis pelo sucesso dos ataques viquingues Europa. Mas os factos no so assim to simples. A geografia da Europa do noroeste, com rios facilmente navegveis pelas pequenas embarcaes viquingues, fizeram da regio uma presa fcil para os ataques navais. Os primeiros ataques no tiveram consequncias significativas porque os viquingues se limitavam a atacar, a10/160 Captulo 5

saquear e a partir novamente. O padro alterou-se quando os dinamarqueses saquearam Rouen e Paris e, a pouco e pouco, foram permanecendo ao longo do ano. Passaram ento a atacar deliberadamente os grandes centros, deixando pequenos contingentes de homens para guardar as conquistas enquanto os Exrcitos principais se moviam para o interior. Depois de 880, os Escandinavos permaneceram mais a sul, onde ocuparam gradualmente a rea do noroeste da Frana que, no incio do sculo XI, viria a ser chamada Normandia.

OS ESCANDINAVOS E A EMERGNCIA DE UMA MONARQUIA INGLESA Em 874 os dinamarqueses conquistaram os reinos Anglo-Saxes e s o Wessex de Alfredo o Grande restou como reino ingls independente. No incio de 878 os dinamarqueses derrotaram-no, mas ele conseguiu recuperar, acabando por obter uma vitria decisiva em Edington. Com a paz de Wedmore, o chefe dinamarqus converteu-se ao Cristianismo e os dois reis partilharam a Mrcia: Os dinamarqueses ficaram com o leste que, juntamente com a Nortmbria, viria a ser chamado Danelaw, enquanto Alfredo ficou com a Mrcia ocidental e a rea a sul do rio Tamisa. O seu filho, Eduardo o Mais Velho, conquistou a Mrcia dinamarquesa. Mais tarde, Edgar o Pacificador (944-975) foi o primeiro a intitular-se rei de Inglaterra.

A GNESE DAS RELAES FEUDAIS NA EUROPA DA BAIXA IDADE MDIA O termo feudalismo tem dado origem a grandes controvrsias entre os estudiosos. aplicado pelos marxistas e por alguns polticos capitalistas em relao a um regime econmico ou poltico que considerado aristocrtico ou opressivo. Outros identificam-no com a descentralizao da funo governamental, mas isso ignora o facto de aqueles pases onde os laos feudais estavam mais desenvolvidos, a Frana e a Inglaterra, se terem tornado estados centralizados, enquanto a Germnia no feudal e a Itlia se dividiram em numerosos principados. Alguns definiram o feudalismo de uma forma muito lata, que inclui os laos no honrosos entre o servo e o senhor das terras. Outros preferem evitar completamente o termo, uma vez que feudalismo uma palavra moderna que no era utilizada na Idade Mdia. Muita desta confuso originada pela abordagem tudo ou nada de alguns historiadores. Embora alguns senhores feudais compilassem listas dos seus arrendatrios, nunca existiu um sistema feudal. A utilizao da expresso relaes feudais parece prefervel, pois o feudalismo sugere mais rigidez do que aquela que alguma vez esteve presente. As relaes feudais desenvolveram-se gradualmente desde o final dos perodos merovngio e carolngio, mas as fontes poucoCaptulo 5 11/160

dizem at aos sculos XI e XII. Quando os registos comeam, mostram que os laos feudais tinham vindo a evoluir em muitas partes da Europa. Apesar de a palavra feudalismo no existir, o latim e as lnguas vernculas tinham palavras para vassalo e feudo, os componentes necessrios do vnculo feudal. A vassalagem era um lao pessoal entre um homem e um senhor, que desenvolvia caractersticas particulares diferentes de quaisquer outros compromissos. O vassalo, a parte subordinada, devia obrigaes de honra, nomeadamente servio militar, que no comprometiam o seu estatuto social. Na linguagem dos textos da poca, ele era um homem livre numa relao de dependncia. O feudo era uma relao de propriedade entre o vassalo e o senhor, que obedecia a condies de posse bastante diferentes das propriedades no feudais. Os vassalos que mantinham feudos no eram sustentados directamente pela casa do senhor e deveriam utilizar os lucros das propriedades para pagar os custos das suas obrigaes de vassalagem.

VASSALAGEM H quem encare o sistema romano de clientes como a origem do lao feudal. Embora isto possa ter sido verdade, os clientes romanos no mantinham, em princpio, uma relao militar do estilo dos laos feudais; era antes uma situao onde uma das partes, claramente inferior, se tornou dependente de um senhor nobre, que a protegia e a representava nas relaes com as autoridades mais elevadas, nomeadamente o Estado romano. O sistema de clientes era um sistema de servido, no qual uma pessoa previamente livre se entregava a um senhor, dando-lhe usualmente as suas terras e recebendo-as de volta depois, em troca do pagamento de rendas em dinheiro, em gnero e/ou trabalho por um perodo de anos ou, mais frequentemente, durante toda a sua vida, acrescida dos seus descendentes. A parte menor perdia o seu estatuto com este estado de coisas, o que no se passava com a vassalagem feudal. A palavra latina vassalus uma transliterao do cltico gwas (criado). A utilizao da palavra sugere um elo entre a suserania local galo-romana e a vassalagem medieval, mas a vassalagem desenvolveu-se num lao mais honorfico. Uma vez que o servio honrado era a via mais segura para o avano social, a vassalagem comeou a perder gradualmente o seu cunho de dependncia na Europa, a oeste do Reno, durante os sculos V e VII. Na Germnia, no entanto, continuou a denotar uma pessoa de baixo estatuto. A confuso sobre o estatuto dos vassalos reflecte o facto de, nos finais da Europa romana e germnica, as relaes de dependncia serem normais em todos os nveis sociais. A distino faz parte da natureza das obrigaes em que incorria a parte menor. Os camponeses que se12/160 Captulo 5

entregavam, a si e s suas terras, aos senhores perdiam estatuto, pois as suas obrigaes, sobretudo o servio laboral, no eram honradas de acordo com o sistema de valores da poca. Os seus senhores protegiam-nos e, assim, reforavam o seu prprio estatuto aumentando o nmero dos seus dependentes. Embora tenha havido alguma confuso entre servido e vassalagem, quando os gwas se tornaram vassalos no sculo VIII, isso j no acontecia, pois a vassalagem tinha-se transformado numa relao honrosa.

O FEUDO Os reis merovngios tinham dado terras s igrejas, tendo sido tambm generosos para com os magnatas laicos. A Igreja desempenhava um grande papel no desenvolvimento legal do feudo. O benefcio (que mais tarde foi, geralmente, chamado feudo) era uma propriedade condicional, garantindo direitos, desde que o seu detentor desempenhasse determinados servios. A Igreja no podia, segundo a lei cannica, alienar a sua propriedade sob qualquer razo, por mais vantajosa que fosse, e, como tal, concedia o uso da terra como um favor (beneficium) em resposta s preces (preces) do beneficirio; estas concesses chamavam-se precaria. A igreja continuava, todavia, a deter a posse da propriedade. Para pagar as suas guerras, Carlos Martel comeou a recuperar algumas terras que os reis tinham dado s igrejas, causando a oposio de uma organizao cujo apoio a dinastia no se podia dar ao luxo de perder. Carlos Magno assumiu o compromisso de fazer que as igrejas detivessem precaria pela palavra do rei. Estas terras deviam servio militar ao rei, mas permaneciam como propriedades da Igreja. Atravs da precaria pela palavra do rei, o benefcio ficou associado ao servio militar para com o monarca. A prtica propagou-se ento para terras que no eram propriedade da Igreja. O aldio, que era mantido em propriedade directa, continuou a ser a forma dominante de posse de terra no sul da Europa romana e nas reas do norte que no faziam parte do reino franco antes do tempo de Carlos Magno.

A ORGANIZAO MILITAR DA EUROPA FRANCA Da mesma forma que no sculo VIII se assistiu na Europa ocidental a uma mudana nas leis da terra, tornando possvel o desenvolvimento do feudo, tambm se testemunhou uma alterao na natureza das guerras e das obrigaes militares. Se, em princpio, todos os homens livres deviam a obrigao militar ao rei, esta estava a tornar-se cada vez mais honorfica. NaCaptulo 5 13/160

poca em que os germnicos eram essencialmente nmadas, a requisio do servio militar atravs de campanhas sazonais de todos os homens livres da tribo, fisicamente hbeis, no constitua um fardo pesado, uma vez que as mulheres e os escravos tratavam da agricultura. Por volta do sculo VIII os homens livres j no podiam deixar as suas quintas durante as campanhas da Primavera e do Vero, que coincidiam com as pocas de plantao, onde era necessria mais mo-de-obra na quinta. Vimos que Carlos Magno ordenou que cada quatro mansos de terra juntassem recursos e fornecessem um homem de infantaria para as hostes reais, enquanto cada doze mansos forneceriam um homem de cavalaria equipado com armas, equipamento de construo e comida para trs meses. O servio militar estava agora para alm das posses da maioria dos agricultores livres. Muitos deles entregavam-se, inevitavelmente, ao servio de senhores nobres que lidariam com as necessidades militares do rei em nome deles. Por volta do sculo IX, o servio do homem livre normal estava, geralmente, limitado defesa do seu territrio natal, muitas vezes definido como o condado. No entanto, a um grupo seleccionado de pessoas, os vassalos, foram concedidos benefcios que garantiam um rendimento em rendas que utilizavam para pagar o servio militar ao rei. Este sistema seria utilizado em guerras defensivas ou ofensivas e era apenas restringido pelos termos do contrato individual entre vassalo e senhor. Atravs dele, os senhores tinham servio militar que, de outra forma, s poderiam obter atravs da contratao de mercenrios. Os vassalos deviam, normalmente, servio de cavalaria e no de infantaria, e isso envolvia armamentos dispendiosos. Embora os exrcitos francos tivessem utilizado a cavalaria antes do sculo VIII, e continuassem a utilizar a infantaria aps isso, a guerra tornou-se mais aristocrtica depois do sculo VIII, promovendo o desenvolvimento dos laos feudais.

A SUSERANIA TERRITORIAL E O LAO FEUDAL O crescimento da suserania territorial e a deteno de cargos reais passaram a ficar associados vassalagem - um lao contratual entre pessoas livres, em que cada um tinha obrigaes limitadas e de honra para com o outro - no sculo VIII e sobretudo no sculo IX. Em 816, uma capitular de Lus, o Pio, proibia os vassalos de deixarem os seus senhores a no ser que estes tivessem tentado reduzir o vassalo servido, conspirado contra a sua vida, cometido adultrio com a sua mulher, atacado com uma espada desembainhada ou recusado defend-lo quando se encontrava fisicamente apto para o fazer. Isto foi confirmado pela Capitular de Meersen, de 847, que foi emitida conjuntamente pelos trs netos de Carlos Magno. Torna os homens de14/160 Captulo 5

cada rei habilitados a prestar servio se se encontrarem nas terras de um dos outros reis. Tambm distingue entre o servio devido ao seu senhor, segundo este sistema, e uma invaso da terra, que necessita do servio militar de toda a populao. As relaes com a suserania territorial tambm envolvem a unio da deteno de cargos com o feudo. Carlos Magno encorajava os grandes homens do seu reino a tornarem-se seus vassalos, fortalecendo, assim, com um vnculo privado de homem para homem a lealdade que os condes, enquanto sbditos e funcionrios reais, deviam ao rei como personificao do Estado. Encorajava os condes, por sua vez, a requisitarem os grandes homens das suas terras como seus vassalos. A vassalagem impregnava, assim, toda a hierarquia de proprietrios de terras at aos mais pequenos. medida que o controlo real enfraquecia, as condies de vassalagem tornaram-se gradualmente hereditrias, uma vez que os homens estavam proibidos de abandonar os seus senhores sem causa aparente. Durante este mesmo perodo, tambm os condes tomaram as suas posies gradualmente hereditrias. Este facto tornou-se um estatuto na Capitular de Kiersey, quando Carlos o Calvo, vinculou os reis subsequentes a respeitarem a posse do cargo do pai pelo filho, enquanto se excluam os parentes colaterais. O mesmo texto tambm reconhece o estatuto hereditrio de ambos os vassalos reais e o dos outros grandes homens, embora existam outras fontes onde se sugere que a vassalagem de retaguarda (um vassalo de retaguarda o vassalo de algum que vassalo em vez de um outro) se tornou hereditria na Frana apenas no sculo XI, e na Germnia apenas no sculo XII. A natureza do feudo tambm conferia, de um modo geral, alguma autoridade governamental. Vimos que, por volta do sculo VII, as terras que no se chamavam benefcios ou feudos, eram concedidas em imunidade, o que conferia o direito de governar o territrio em questo. Foi um passo importante tanto na criao de uma base de propriedade de terras para o poder dos nobres, como tambm na prpria definio do estatuto de nobre. Na verdade, textos posteriores indicam que um nobre tinha de possuir o bannum (poder de mando sobre homens livres). Isto equivale ao direito de governar o territrio. Uma vez que os vassalos que tinham feudos possuam, usualmente, imunidade sobre eles, este facto dava-lhes outro meio de elevarem o seu estatuto, tanto na relao com a nobreza mais antiga ligada terra, cuja posio era fundada na posse da terra e no na especificidade feudal (embora pudessem manter tanto feudos como aldios), como na relao com aqueles vassalos que no possuam terras. medida que os condes e os duques tomavam as suas posies hereditrias, os direitos aliados aos seus cargos comearam a ser associados imunidade que detinham nas suas propriedades feudais e alodiais. Por volta dos finais do sculo IX, muitos condes tornaram-se vassaCaptulo 5 15/160

los reais e, em troca, recebiam tanto feudos como cargos reais, j que a distino entre os dois se tinha distorcido por mais de um sculo de costumes que haviam deixado terras e cargos hereditrios na mesma famlia. Quando isto aconteceu, a relao feudal j tinha assumido uma nova dimenso, uma vez que os cargos territoriais no principado faziam parte do feudo. Os reis do incio do sculo IX esperavam, naturalmente, que cada homem, vassalo ou no, servisse apenas um senhor. O primeiro exemplo registado de um vassalo com mais de um senhor de 895, mas isto quer dizer que provvel que a prtica j existisse em tempos anteriores. Existia, assim, uma considervel mobilidade dentro da relao feudal, que deveria ser encarada como uma forma, mas no a nica, de organizao do poder territorial. Os homens menores, como os vassalos no sentido original do termo, podiam ascender em posio, no apenas por servirem senhores de estatuto elevado como tambm pela obteno de feudos de mais de um senhor. Mesmo se os vrios senhores do vassalo se encontrassem em paz uns com os outros e no houvesse nenhum conflito de lealdades, a vassalagem mltipla enfraquecia o carcter pessoal da mesma, uma vez que o vassalo no podia desempenhar servio militar a mais de um ao mesmo tempo, tendo ento de enviar substitutos. O casamento era um outro meio de ascenso porque, embora as mulheres pudessem herdar feudos, os seus maridos deveriam administr-los desempenhando as obrigaes que lhes estavam incumbidas.

A DIFUSO GEOGRFICA DAS RELAES FEUDAIS As relaes feudais encontram-se, sobretudo, no corao do Imprio carolngio, entre os rios Loire e Reno, uma rea com uma nobreza belicosa, numerosos camponeses e solo suficientemente frtil para sustentar os enormes gastos que o vnculo feudal exigia. Tambm era bastante fortes nos Pases Baixos at ao incio do sculo XII, mas, a partir da, comearam a declinar, medida que as cidades desenvolveram sistemas que revolucionaram tanto as relaes de suserania e de propriedade rurais como urbanas. A Inglaterra anterior conquista normanda conheceu a suserania pessoal e a laenland (terra emprestada). Este termo abarcava tanto os arrendatrios como as terras mantidas segundo acordos semelhantes ao do feudo, uma vez que ambas eram posses precrias. Mas a marca do aristocrata era a sua posse de terra registada num livro ou numa carta e era semelhantes ao alodial do continente. Por estas terras deviam servio militar pblico em defesa da terra (recrutamento geral), mas, por cada cinco reas de terra (de cerca de 120 acres cada uma) eram responsveis pelo fornecimento de um homem de cavalaria. Isto era semelhante s relaes pr-feudais do tempo de Carlos Magno. Apenas depois de 1066 que os normandos in16/160 Captulo 5

troduziram na Inglaterra os laos feudais. A situao da Germnia era muito parecida com a de Inglaterra. At aos finais do sculo VII no se conheciam os laos feudais: a Germnia conhecia a suserania, mas o termo vassalo tinha conotaes de servilismo. A maior parte da terra era alodial e os cargos concedidos pelos reis no eram associados aos feudos. Na Itlia os carolngios introduziram os laos feudais na Lombardia, que mais tarde se tornou o baluarte dos imperadores a sul dos Alpes. Depois de os normandos terem conquistado o sul da Itlia e a Siclia, nos finais do sculo XI, introduziram um feudalismo superficial. Os vnculos feudais tambm se encontram na Espanha e no sudoeste da Frana, mas as semelhanas com o feudalismo da zona do Loire e Reno apenas de terminologia e no institucional.

O perodo de Carlos Magno assistiu, assim, criao de um Governo que, em teoria, era controlado pelo rei e pela sua corte. Todavia, para colocar esta estrutura em prtica, os governantes carolngios tiveram de confiar numa aristocracia cada vez mais poderosa, vinculada aos reis atravs da deteno de cargos e terras. Sobretudo na rea entre os rios Loire e Reno, onde o poder dos reis e dos senhores era mais forte, o elo entre o monarca e os seus sbditos mais poderosos tomou a forma da relao feudal que, por volta do sculo IX, aliava Governo, dependncia militar e propriedade de terras. Durante a confuso das invases do sculo IX, os senhores na Frana e nos Pases Baixos fortaleceram o seu poder atravs do controlo das defesas locais, e entre os finais do sculo IX e o incio do sculo XI dominaram estas reas com quase nenhum envolvimento directo dos reis. O poder dos reis era mais forte na Inglaterra e na Germnia e, pelo menos no caso da Inglaterra, permaneceria como tal ao longo de todo o perodo medieval.

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6 - Transformaes na Terra(Pg. 174 do livro) VILA E ALDEIA NA ALTA IDADE MDIA A economia do incio da Europa medieval era esmagadoramente agrria. Mesmo aps o enorme crescimento das cidades e do comrcio na Idade Mdia Central, o privilgio politico e os valores sociais continuaram a basear-se na propriedade de terra. Entre 400 e o incio do sculo IX o clima foi frio e hmido; depois surgiu um perodo de temperaturas mais amenas. Por volta de 1150 o frio regressou, e viria a ser mais intenso no final do sculo XIII. Os sculos intercalares, de clima temperado e ameno, favoreceram a expanso demogrfica e econmica. No final do perodo romano, o nvel do mar comeou a subir inundando as costas da Bretanha e dos Pases Baixos nos finais dos sculos IV e V. Ocorreram fomes no incio da Idade Mdia e, em 543, surgiu uma peste semelhante do sculo XIV, que permaneceu endmica at ao sculo VII. Embora os germnicos estivessem em fase de sedentarizao, o que normalmente favorece o crescimento populacional, as escavaes feitas nos locais das aldeias e das cidades e os nomes de vrios locais sugerem que a populao diminuiu at ao incio do sculo VII. Depois houve crescimento, seguido de graves fomes e de declnio populacional a partir dos anos de 790. Os estudiosos distinguem trs tipos de povoaes rurais do incio do perodo medieval. Na bacia do Mediterrneo continuaram a predominar os campos quadrados romanos, com os edifcios no centro. A Germnia a leste do Reno foi pouco afectada pelos romanos, e a, tal como em Inglaterra, os campos tendiam a ser alongados. O resto da Europa, entre o Reno e os Alpes e os Pirinus, sofreu vrios graus de romanizao. O auge dessa influncia na Glia verificou-se no final do sculo II, quando a maioria da populao agrcola do norte da Europa parece ter vivido em vilas. Mesmo nestas, a disperso das povoaes era maior no norte do que no Mediterrneo. Por volta do final do sculo III, as vilas altas comearam a ser abandonadas a favor das terras mais baixas, sobretudo quando prximas de cursos de gua ou de aldeias. Por volta de 700, j s existiam vestgios da organizao de vilas romanas no norte. Os germnicos parecem ter evitado os vales dos rios at ao sculo VIII. Os dados arqueolgicos identificaram campos quadrados utilizados pelas populaes residuais celtas ou romanas perto dos campos rectangulares, preferidos pelos germnicos. Em reas que foram povoadas

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durante as migraes sob o domnio de um senhor, desenvolveram-se povoaes mais estruturadas, com a casa deste situada na melhor terra e rodeada pelas casas dos seus dependentes. A maior parte das comunidades tinha vrios campos, que eram cultivados em esquema rotativo. Os aldees tinham lotes de terra em cada campo, de modo a que ningum ficasse privado de sustento num ano em que um campo permanecesse em pousio. As terras estavam divididas em mansos de vrios tamanhos, que se tornaram a unidade de percepo tributria. excepo das zonas desbravadas, as herdades dos senhores eram formadas pelas doaes e pelas terras que os agricultores anteriormente livres entregavam em troca de proteco. Algumas aldeias germnicas praticavam uma agricultura de trs campos, com dois deles cultivados anualmente enquanto o terceiro ficava em pousio, mas a maioria utilizava apenas dois. Muito se tem dito sobre as vantagens da rotao de trs campos em vez da de dois. O facto de a sementeira da Primavera ser maior do que a do Outono, significava que no poderia haver todos os anos rotao da mesma rea cultivada. Houve constantes mudanas na configurao dos campos durante a Alta Idade Mdia, medida que os agricultores se adaptavam s alteraes climticas e aos recursos e mercados disponveis. No sculo X e sobretudo no sculo XI os crescentes poderes dos senhores permitiram estabelecer uma aldeia nucleada com campos regulares, como o estilo de povoao dominante no corao da Europa do norte. Nas primeiras povoaes germnicas foram encontrados vrios tipos de casas. As cabanas construdas sobre postes eram utilizadas como celeiros. A cabana com o piso escavado abaixo do nvel do cho, para manter o calor, e com um telhado em declive, que no chegava a tocar o solo, era bastante comum at ao ano 1000, mas no aparece depois disso. Na Europa eslava, mas no no oeste, algumas cabanas afundadas tinham lareiras. Os agricultores mais ricos e os senhores das aldeias viviam em casas rectangulares com apenas uma diviso grande. A casaestbulo, na qual viviam humanos e animais, s se encontrava ao longo da costa do mar do Norte e apenas em pocas remotas. No interior, os animais eram alojados em edifcios separados e as casas dos humanos eram mais pequenas. At ao final do sculo XII mesmo as grandes casas do campo, excepo da do senhor, eram construdas com madeira ou barro e com telhados de palha ou colmo. As casas senhoriais eram raras at ao sculo XI.

A ECONOMIA DA PRODUO AGRCOLA Os dados arqueolgicos e toponmicos aprofundaram a nossa compreenso da agricultura do incio da Idade Mdia, mas ainda sabemos pouco sobre ela no perodo anterior ao grande aumento de registos da poca de Carlos Magno. A agricultura na maioria das tribos germnicas,Captulo 6 19/160

ainda que primitiva, era mais sofisticada do que em tempos se julgou. Ainda existia um elemento pastorcio considervel na economia da maior parte das tribos. As florestas eram abundantes e o gado era tido em to elevado preo que muitos valores eram calculados em funo de cabeas de gado. O trabalho artesanal da Alta Idade Mdia era feito sobretudo pelas mulheres, crianas e pessoas que no tinham possibilidade de trabalhar nos campos. Poucos trabalhadores podiam ser dispensados dos campos para os trabalhos artesanais. Os arados com relhas e rodas de ferro eram conhecidos no perodo pr-histrico, tal como a canga para cavalos e bois, mas existem poucas provas de que tenham sido utilizados antes do sculo VIII, sendo o arado de garfos ou de baloio o mais comum. Sem rodas, os arados eram demasiado leves para fazerem um sulco suficientemente fundo de modo a proteger as sementes dos pssaros e da eroso do vento e da gua. Nas melhores condies, a agricultura da Europa germnica podia produzir colheitas de 2 ou 3 partes por 1 parte de semente, mas era frequentemente mais baixa. Um agricultor numa rea pouco frtil poderia ter de guardar cerca de metade da sua colheita para utilizar na sementeira do ano seguinte. Nos sculos VIII e IX ocorreram fomes graves e numerosas, causadas provavelmente pelo agravamento do clima. Na Glia merovngia eram necessrios pelo menos 30 acres de terra para sustentar uma famlia de quatro pessoas, embora essa quantidade tenha diminudo com a evoluo da tecnologia agrcola. As aldeias desenvolviam-se em reas frteis, mas estavam separadas umas das outras por floresta e terras imprprias para cultivo. A maioria das aldeolas possuam casas de camponeses dispersas, geralmente rodeadas por campos e, por vezes, com reas de pasto centrais. Os germanos semeavam aveia, que os romanos consideravam erva daninha mas que se dava bem em solos pouco produtivos. A espelta era provavelmente o cereal mais cultivado. As sementeiras da Primavera da cevada, espelta e aveia davam pouco rendimento, mas portavam-se bem em condies adversas. Os cereais do Inverno eram o trigo e o centeio, que necessitavam de melhores condies para crescer. Uma vez que a sementeira do Inverno era mais pequena do que a da Primavera, estas colheitas eram artigos de luxo, sobretudo a do trigo, que muitas vezes servia de renda para os senhores das propriedades. A partir do sculo X existem cada vez mais indcios de centeio na Europa do norte, medida que a plantao do Outono se tornava mais importante devido ao aquecimento climtico e ao aumento da populao. Os germanos cultivavam essencialmente cereais e poucos pomares ou hortas. Os cereais, que exigiam um trabalho intenso, no podiam ser cultivados com lucro em quintas pequenas. Eram preferidos pelos senhores, pela sua transportabilidade e conservao, e pelos agricultores pela sua capacidade de adaptao aos solos.

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CRESCIMENTO ECONMICO DEPOIS DE 700 A fora dos senhores laicos e eclesisticos proporcionou um regime agrcola mais controlado entre o Loire e o Reno, baseado principalmente em villas. Muitas das terras que tinham voltado a ser parte das florestas durante as invases estavam agora a ser novamente desbravadas. De certa forma, mostram que as propriedades carolngias eram consideravelmente maiores do que as dos seus antecessores merovngios nos mesmos locais. Como resposta ao desejo de Carlos Magno em ter mais informaes sobre a obrigao do imposto militar, as grandes abadias da Glia central compilaram estudos, chamados polpticos, sobre as terras e as obrigaes dos seus rendeiros. Os mais antigos destes registos que sobreviveram remontam ao incio e meados do sculo IX. As propriedades monsticas eram reas de maior densidade populacional, indo de vinte a trinta e cinco habitantes por quilmetro quadrado. Mas as reas de intensa agricultura eram separadas por florestas ou pntanos e as comunicaes difceis. Assim, as estimativas da populao das propriedades das abadias no podem ser representativas da situao no norte da Europa. Na bacia do Mediterrneo, todavia, algumas regies estavam a ficar de tal modo povoadas que, por volta de 900, no podiam ser sustentadas apenas pela tecnologia agrcola existente.

A SOCIEDADE CAMPONESA A sociedade rural na Europa tribal era extremamente mvel. A Lei Slica concedia s aldeias o direito de expulsarem um recm-chegado que considerassem indesejado, um costume que sugeria tanto uma considervel deslocao de pessoas no sculo VI como a existncia de slidas organizaes de aldeia. Temos de considerar a mobilidade vertical ou mudana de estatuto e a mobilidade horizontal, na qual um indivduo muda de residncia. excepo dos escravos que adquiriam terras, grande parte da mobilidade vertical entre os camponeses era para baixo, uma vez que a maioria dos cdigos de leis germnicos conferiam s crianas filhas de pais com diferentes estatutos a condio do progenitor com posio mais baixa. As pessoas livres que no tinham meios de defesa entregavam-se frequentemente aos senhores, tornandose servos em troca de proteco. As propriedades do incio do perodo medieval exigiam bastante trabalho manual. As migraes tambm trouxeram a reanimao da escravatura por toda a Europa: os escravos eram um bem importante, mas os germanos, que precisavam de mode-obra, mantinham-nos em vez de os venderem. A maioria dos escravos estavam ligados propriedade ou reserva (mais ou menos um quarto ou um tero da herdade, deixada de lado

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para o senhor), mas alguns eram escravos domicilirios, ou seja, servos que tinham lotes de terra. Alguns documentos apresentam distines entre mansos livres e servis. Os mansos livres eram, aparentemente, os que eram ocupadas por agricultores livres na altura das partilhas das terras no sculo VII; os mansos servis, que eram normalmente mais pequenos, eram terras dadas a escravos como incentivo para as desbravarem e cultivarem. A maioria dos servos s tinham, em princpio, o usufruto das terras durante a sua vida, mas, por vezes, elas ficavam na famlia durante trs geraes. Essas pessoas no estavam vinculadas terra, mas no era provvel que a abandonassem. Embora muitos servos levassem uma existncia miservel, a servido no era sempre uma consequncia de dificuldades econmicas: sobretudo a partir do sculo VIII, o servio militar se tornou mais oneroso, pelo que alguns agricultores procuravam evit-lo, tornando-se dependentes dos grandes senhores que o fariam por eles. Assim, os homens livres entregavam-se, a si e s suas propriedades, s igrejas, retomando depois a ocupao das terras por uma renda simblica, no propriamente devido a pobreza, mas sim para evitar as obrigaes pblicas. Esta forma de arrendamento rural foi gradualmente convertida num direito hereditrio em ocupar a terra. O servo medieval tinha direitos de posse sobre a terra que ocupava - no podia ser desapossado dela se pagasse a renda e desempenhasse as funes requeridas -, mas estava vinculado pessoa do seu senhor, ao passo que os colonos romanos e os seus descendentes, estavam apenas vinculados terra. Os polpticos carolngios mencionam um numeroso grupo chamado colonos. Ao contrrio dos colonos romanos, os colonos carolngios do norte da Frana eram servos vinculados s pessoas dos seus senhores. Uma outra importante distino entre o colono romano e o servo medieval, mesmo os que nos polpticos so chamados servos, que enquanto os colonos carilngios, como os servos, faziam pagamentos aos senhores, tanto em dinheiro como em gneros, com predominncia nos pagamentos em gneros, os colonos romanos no executavam servios laborais na reserva como parte da renda. Na maior parte do sul da Frana, onde a ocupao romana tinha sido mais forte, sobreviveu, todavia, um colonato neo-romano, legalmente livre, mas impossibilitado de abandonar as terras onde trabalhavam. Os polpticos tambm apresentam registos de descendentes dos laeti, germnicos no livres que os romanos tinham colocado em aldeias em troca de servio militar. A maior parte das aldeias tambm tinha prebendrios, assalariados que podiam ter pequenos lotes de terra mas no o suficiente para sustentarem uma famlia. Com a excepo dos escravos, que estavam vinculados aos seus senhores e no terra, e talvez tambm os laeti, estes eram todos homens livres de deixarem a terra, pelo menos durante o perodo merovngio. Os primeiros mansos, que tinham originalmente sustentado uma s famlia, eram enormes,22/160 Captulo 6

mas, por volta do sculo IX, mencionam-se j vrios mansos fraccionados. Isto sugere que tinha havido algum desenvolvimento nas tecnologias agrcolas (uma vez que uma famlia j no precisava de tanta terra para sobreviver) e que os rendeiros podiam alienar a sua terra desde que, claro, obtivessem a permisso do senhor. Muitos dos mansos tambm eram mantidos por vrias famlias. Algumas delas eram, claramente, famlias que tinham herdado ou comprado direitos no manso mas que no viviam neles. As abadias que compilavam os polpticos tentaram normalizar os servios no manso, de modo a que cada unidade de terra, e no cada famlia, devesse os mesmos servios. Alguns camponeses tambm pagavam um imposto por cabea, cuja obrigatoriedade foi um sinal de servilismo at tarde na Idade Mdia. Os rendeiros deviam pagamentos pela sua terra em gneros e em servios laborais feitos na reserva do senhor e, frequentemente, um pagamento em dinheiro. Os servios laborais significavam que o rendeiro tinha de se colocar disposio do senhor dois ou trs dias por semana (trabalho semanal), juntamente com a execuo de tarefas especficas (trabalho por tarefa). A obrigatoriedade ao trabalho semanal, caracterstica da ambiguidade jurdica que rodeava as posses de terra dos camponeses, era encarada como uma marca de servilismo, enquanto o trabalho por tarefa era sinal de um homem livre; no entanto, muitos rendeiros faziam os dois tipos de trabalho. A totalidade dos servios laborais que eram exigidos aos rendeiros nunca chegava, no entanto, para cultivar toda a reserva do senhor. Torna-se assim evidente que os rendeiros que possuam terras constituam uma classe de elite, porque as herdades tinham numerosos escravos e assalariados. Os camponeses mantinham, frequentemente, terras de vrios senhores e nem sempre na mesma aldeia. Os polpticos apresentam listas de mais pessoas a viverem numa aldeia do que as terras poderiam ter sustentado. Muitas destas pessoas mantinham, sem dvida, outras terras de mais senhores do que aquela cujo registo sobreviveu. A maioria dos agricultores tinha de complementar os seus parcos ganhos com o cultivo de pequenas hortas em volta das suas cabanas - uma fonte principal de colheitas de razes e outros vegetais, que no eram exigidos como renda pelos senhores, nem eram vendidas a dinheiro -, com a prtica da caa, recolha de nozes nas florestas, pesca e criao de pequenos animais e aves de capoeira. A venda de terras e os casamentos conduziram a uma mistura de estatutos sociais nas propriedades carolngias. Alguns escravos tornaram-se servos pela aquisio de terras e de direitos sobre elas, enquanto homens livres se tornaram servos para obterem a proteco de senhores poderosos. Os inventrios mostram casamentos entre pessoas livres e no livres. Em algumas propriedades, sobretudo em zonas recentemente desbravadas, havia uma preponderncia de homens, pelo que nestas zonas muitas mulheres livres casavam-se com homens no livres queCaptulo 6 23/160

possuam terras. As villas tinham supervisores que, geralmente, vinham dos prprios grupos dos camponeses. Estes homens deviam pelas suas terras menos servios onerosos e menos pagamentos. A maioria das propriedades tinha especializados, nomeadamente ferreiros, cujo trabalho era essencial para o cultivo das terras.

A DIFUSO DA VILLA A herdade ou villa refere-se a terras e direitos que eram controlados a partir de um nico centro administrativo. Assim, a propriedade de um senhor podia incluir vrias villas, mas as villas, por sua vez, seriam constitudas por propriedades em vrios locais diferentes que respondiam a uma sede situada numa delas. A villa clssica que descrita nos inventrios carolngios era uma forma de agricultura, invulgarmente centralizada e eficiente. Era possvel apenas em reas de grande densidade populacional e com solos frteis, onde os senhores eram suficientemente fortes para impor uma organizao e controlo centralizado sobre os camponeses. Este gnero de organizao agrcola era raro, excepto na zona entre os rios Loire e Reno e nas zonas centrais da Inglaterra, depois da conquista normanda. Nos Pases Baixos, que tinham grandes quintas, o lao entre a reserva e a terra detida pelo campons era menos forte do que o que acontecia entre o Loire e o Reno; os agricultores pagavam rendas em dinheiro e em gneros, em vez de ser em trabalho. Nas terras altas ou montanhosas, tais como as do sudeste da Frana, do sul da Alemanha e de grande parte da Itlia, a populao era dispersa e a economia permaneceu pastorcia at meados da Idade Mdia. Em regies de solos rochosos e pouco frteis, tal como a Bretanha, a maioria dos camponeses eram livres, mas pobres e confinados s suas casas e a terrenos anexos, com sebes ou rodeados de rochas, criando o campo bocage, que ainda hoje se pode encontrar nessa zona. Os agricultores limitavam-se a pagar renda ou a deter as suas propriedades directamente. A Frana central era uma rea montanhosa e florestal de propriedades fechadas, embora existissem algumas grandes quintas. Os rendeiros pagavam, normalmente, rendas em vez de servios laborais. Na cordilheira do Jura, no sudeste da Frana e na Sua, a agricultura extensiva era impraticvel, pelo que a economia estava dirigida para a criao de animais e a agricultura assentava na tcnica da queimadas e desbastes: a terra era ocupada durante alguns anos e depois o restolho era queimado, permitindo terra voltar ao estado selvagem. A Frana do sul estava familiarizada com a villa clssica, que era a menos ubiquitria do que na regio Loire-Reno. Os rendeiros eram livres, herdeiros dos colonos romanos. O norte da Itlia era demasiado montanhoso para sustentar grandes propriedades. No sul, de24/160 Captulo 6

senvolveram-se algumas villas, sobretudo depois de os normandos terem conquistado essa regio, no sculo XI. O sul da Itlia e as ilhas costeiras eram importantes produtores de cereais, alimentando as grandes cidades do continente. Na Alemanha, a Rhineland e a Baviera estavam fortemente divididas em herdades, mas a servido era desconhecida na Turngia e muito rara na Saxnia. Nas zonas eslavas da Europa de leste, para as quais os germnicos se deslocaram depois do sculo X, os servilismo iniciou-se quando os recm-chegados subjugaram os eslavos nativos e foi depois, ento, estendido aos prprios colonos pelos seus poderosos senhores, numa altura em que a servido j estava a tornar-se rara nas zonas mais a ocidente.

AS MULHERES, AS CRIANAS E A FAMLIA No perodo carolngio o parentesco, na maioria das regies, tinha-se tornado agntico (paterno). A maior parte dos homens aristocrticos mantinham concubinas, sendo o divrcio possvel. excepo de alguns chefes que eram bgamos ainda no sculo VIII, os casamentos eram monogmicos. O dote, a herana, o dote reverso (no qual o marido presenteia a mulher no casamento) e o presente da manh (que o marido oferecia sua mulher na manh seguinte consumao do casamento, como o preo da virgindade) eram todos utilizados. Estes bens pertenciam esposa que os recebia, podendo ser legados aos seus descendentes num casamento posterior. Isto dava s vivas alguma segurana, embora tivessem, de um modo geral, de dividir as suas propriedades com os filhos. Uma mulher estava sob a tutela do seu parente masculino mais prximo, fosse ele o seu pai ou algum dos seus irmos, mesmo aps o casamento, ou ento sob a tutela do seu marido, como era mais usual no norte. Uma vez que as mulheres podiam herdar, tanto segundo a lei romana como segundo o costume germnico, embora existisse uma considervel diferena entre tribos, os casamentos possibilitavam transferncias significativas de bens entre famlias. As mulheres tinham, de um modo geral, uma situao econmica mais prspera segundo os costumes germnicos do que sob a lei romana, pois, segundo regimes de heranas partilhadas, elas podiam herdar nas mesmas condies dos homens. A sociedade aberta da antiga Glia franca permitia que algumas mulheres ascendessem a posies de influncia. As mulheres das classes mais baixas trabalhavam nos campos, mas, em primeiro lugar, eram-lhes dados trabalhos de manufactura, nomeadamente a fiao e a preparao de alimentos e de bebidas. A fiao da l e a fabricao de tecidos de linhos, tanto para uso local como para exportao, eram tarefas das mulheres que trabalhavam em oficinas mantidas em vrias propriedades; s no sculo XI que a tecelagem se tornou principalmente um trabalho dos homens.Captulo 6 25/160

Sabemos pouco sobre a educao das crianas. Todos os cdigos de leis brbaros atribuam um alto valor s crianas, embora o preo de sangue aumentasse medida que iam crescendo, devido s elevadas taxas de mortalidade. At ao sculo XI a prtica da oblao era corrente: os pais entregavam as crianas, normalmente em idades muito tenras, aos mosteiros para a serem criadas. As escolas monsticas parecem ter sido bastante humanas para com as crianas, que eram comparadas aos inocentes das escrituras. Com os adolescentes, cujos desejos sexuais no se enquadravam com a vida monstica, eram mais severos.

O COMRCIO DE LONGA DISTNCIA NA EUROPA DA ALTA IDADE MDIA As alteraes polticas e climticas, a tecnologia primitiva e o crescimento ou declnio da populao eram factores que criavam oferta e procura de trabalho e de outros servios e bens. Embora no incio da Idade Mdia o comrcio na Europa ocidental fosse menos intenso do que viria a ser depois, no era de negligenciar. Devemos distinguir, ainda que no de uma forma rgida, entre comrcio local e regional, geralmente de bens de primeira necessidade, e o comrcio de longa distncia, que era sobretudo de artigos de luxo. O historiador belga Henri Pirenne sugeriu uma cronologia do desenvolvimento comercial do incio do perodo medieval. Pirenne encarava a economia dos primrdios da Europa tribal como, essencialmente, uma continuao da antiga Roma. A unidade comercial do Mediterrneo permaneceu inquebrantvel e os artigos de luxo, nomeadamente as especiarias, as tmaras, o azeite, o papiro, os metais preciosos e os escravos continuaram a circular de leste para oeste. O comrcio do Mediterrneo s foi interrompido no sculo VII pelos muulmanos e no pelos germnicos. A poca de Carlos Magno assistiu a um mnimo econmico quando o comrcio declinou e a produo se tornou quase totalmente agrria. O Imprio romano do Ocidente sempre importara mais do Leste do que exportara, e as migraes germnicas acentuaram inicialmente este dfice comercial. Escavaes demonstraram que os produtos orientais continuaram a entrar na Itlia, entre 400 e 600, apesar de em quantidades consideravelmente pequenas. A rarefaco da populao rural foi rpida, sobretudo nos sculos III e IV, quando as povoaes das terras baixas se mudaram para os topos das colinas, mais defensveis, tendo as cidades diminudo. Depois de 600, o declnio tornou-se ainda mais rpido. No final do perodo romano assistiu-se ao declnio do uso da moeda, embora na economia europeia nunca tenha sido natural e sempre a tenham evitado. A maioria das operaes de troca, no incio da Idade Mdia, era em gneros, com a moeda a ser utilizada para pagar a diferena entre os dois artigos de troca que se julgava possurem um valor diferente. Os Estados26/160 Captulo 6

sucessores germnicos emitiram uma pequena moeda de prata, mas at mesmo esta deixou de existir no terceiro quartel do sculo VI. As moedas de ouro, que eram utilizadas no comrcio de longa distncia, continuaram a circular durante algum tempo, tanto no Leste como no Oeste, e os reis brbaros emitiram moedas de ouro a partir das cunhagens romanas. Nos finais do sculo VI, a conquista lombarda do norte da Itlia forou os comerciantes gregos a moverem-se para Ocidente, para o territrio controlado pelos franco e colnias de mercadores judeus, gregos e srios estabeleceram-se nos portos da Glia, nomeadamente em Marselha e na Espanha visigoda. As moedas de ouro bizantinas seguiram este movimento at ao incio do reinado de Heraclio (613-29). No Ocidente tambm se reanimou a moeda senhorial nativa. Este crescimento do comrcio entre o Leste e o Oeste foi ameaado quando os bizantinos tiveram de enfrentar vrias ameaas nas suas fronteiras do leste. A actividade econmica deslocou-se abruptamente para norte, onde as moedas de prata passaram a serem cunhadas, pelo que a Provena, que tinha sido a zona intermediria entre o Mediterrneo e as reas comerciais do norte, depois de 600 declinou abruptamente. Apesar das estradas serem poucas e ms, o comrcio por terra era importante mesmo assim, embora se preferissem as rotas fluviais. Do Mediterrnico para o interior, as rotas principais eram as dos rios Rdano e Sane, ao longo dos quais se estabeleceram portagens. Em Chlons, no Sane, uma viagem por terra dava acesso aos rios Sena e Mosa e da para a Inglaterra e para a Frsia. O comrcio continuou activo ao longo do Reno, que tinha sido a fronteira romana at cerca de 600. Declinou, depois em favor dos portos do mar do Norte e do comrcio do Sena para Inglaterra, mas ganharia novamente alguma fora no sculo VIII, sob o estmulo da corte carolngia. Os estabelecimentos comerciais da costa do mar do Norte e o comrcio atravs do canal da Mancha, entre a Inglaterra, a Frsia e a Frana, cresceram bastante durante o sculo VII. Prova desta reanimao a feira de Saint-Denis, nos arredores de Paris, onde todos os anos os comerciantes da Lombardia, da Espanha, da Provena, da Inglaterra e do reino franco podiam trocar a os seus produtos. A Inglaterra tambm foi includa no ncleo comercial bizantino atravs da renovao dos laos com Roma, durante a poca do papa Gregrio o Grande. O comrcio do Mosa tambm era vital, sobretudo para o comrcio de escravos, sendo Verdun era o principal mercado de escravos da Europa. Na poca de Carlos Magno o comrcio de escravos declinou significativamente, sendo depois reavivado com a colonizao do territrio eslavo, nos sculos IX e X.

O COMRCIO INTER-REGIONAL NO SCULO VIII O comrcio oriental reanimou-se no sculo VIII, aps um perodo de estagnao no sculoCaptulo 6 27/160

VII. Os bizantinos recuperaram as rotas do mar Negro, enquanto os islmicos controlavam a frica. Em Itlia, em meados do sculo VII, os reis lombardos cunharam moedas de ouro. O comrcio dos cereais, do sal, do azeite, dos tecidos e das especiarias, efectuado com as zonas do interior, que era controlado pelos lombardos e pelos portos bizantinos, percorria o rio P e os seus afluentes. Veneza, situada em territrio bizantino, tinha surgido de uma aldeia piscatria que crescera quando as pessoas, que fugiam dos Lombardos, se deslocaram para as lagoas do continente. Por volta do incio do sculo VIII estava a tornar-se o principal porto do mar Adritico. No sculo VII a maioria dos mercadores profissionais na Itlia eram judeus e srios, mas no sculo VIII desenvolveu-se um grupo mercantil nativo. A lei de 750 de Aistulf da Lombardia dividiu os mercadores do seu reino em trs grupos, de acordo com a sua riqueza e fez com que o primeiro grupo fosse responsvel pelas mesmas obrigaes militares que os possuidores de sete ou mais mansos de terra. Apenas no sculo X surgiria um estatuto ingls que equiparava as obrigaes militares de um mercador que fazia trs viagens alm-mar s suas prprias custas, com as de um possuidor de cinco lotes de terra (cerca de 600 acres). O crescimento comercial das regies do mar do Norte continuou mesmo depois da reanimao do comrcio do Mediterrneo no sculo VIII. Achados arqueolgicos mostraram que as redes comerciais no eram utilizadas apenas para bens de luxo, mas tambm para artigos de utilidade, tais como cermica. As escavaes de aldeias rurais mostram que, embora a maior parte da cermica fosse feita localmente, tambm se importava uma quantidade considervel. O comrcio de l entre a Frsia e a Inglaterra era to intenso que uma moeda, a sceatta, era cunhada nos dois lugares, e os numismticos no conseguem distinguir uma da outra. A procura nas cortes reais era de importncia crtica no estabelecimento das redes comerciais no incio da Idade Mdia. Dorestad, na Holanda, tornou-se o porto de entrada para o Imprio carolngio, importante no abastecimento de mercadorias inglesas. O comrcio com Inglaterra fazia-se pelo Sena, entre Quentovic e Hamwih, porto localizado perto de Southampton. No sculo VIII, medida que o comrcio local se reanimava, os governantes francos merovngios recomearam a cunhar moeda de prata, sobretudo nos centros comerciais da Frsia e dos vales do Mosa e Reno. A origem desta prata pode ter residido nos contactos frsios com os muulmanos atravs da Rssia. Em 755 o rei Pepino emitiu um novo penny de prata, semelhante aos utilizados pelos omadas em Espanha. Carlos Magno incrementou a cunhagem e normalizou-a por todo o seu reino em unidades de doze pennies. O final do sculo VIII, o perodo de Carlos Magno, foi uma poca de difcil crescimento econmico, apesar do comrcio com o estrangeiro. O agravamento do clima provocou a perda de vrias colheitas e fomes, pelo que, em 794, Carlos Magno ordenou que se vendesse cereais28/160 Captulo 6

dos domnios reais a um preo reduzido. Em 805, tentou fixar os preos dos alimentos, proibiu a exportao de cereais e ordenou que todos aqueles que possussem terras em benefcio do rei alimentassem os necessitados nas suas propriedades. As dificuldades de comunicao e, consequentemente, de comrcio, foraram as comunidades a tentarem ser auto-suficientes; a deficiente tecnologia agrria e as flutuaes do clima impediram-nas de o conseguirem.

O COMRCIO NOS SCULOS IX E X Os muulmanos fizeram uma ofensiva no Mediterrneo ocidental, capturando as Baleares, a Sardenha, a Crsega, Malta, Creta e, finalmente, a Siclia. No conseguiram estabelecer bases permanentes no continente, mas saquearam Roma e ocuparam Bari, o principal porto do Mediterrneo central, durante cerca de trinta anos. Atacaram os portos do sul da Frana, continuando para norte atravs do vale do Rdano, pelo que, em meados do sculo IX, o Imprio franco tinha perdido o seu acesso ao Mediterrneo. Mais a norte, o declnio do poder real carolngio no s deu origem a desordens, que prejudicaram o comrcio local, como tambm diminuiu o mercado de artigos de luxo destinados aos prncipes. Mesmo antes da morte de Carlos Magno, os dinamarqueses saquearam a Frsia e, por volta de 834, controlavam o mar do Norte e o canal da Mancha. O seu mercado de Haithabu competia com os centros francos. Dorestad atingiu o clmax e declinou depois de 830, tendo os dinamarqueses completado a sua runa, saqueando-a. Estes ataques iriam destruir todos os centros de comrcio significativos a norte do Loire, se bem que na maioria dos casos fosse apenas de forma temporria. Apesar da destruio, o impacto dos escandinavos no comrcio difcil de avaliar. Pilharam os mosteiros, mas muitos dos objectos de igreja de ouro e prata roubados acabaram por circular como dinheiro. Grande parte do comrcio com o Leste no incio do sculo IX era conduzido pelos escandinavos: estes eram marinheiros perfeitos e uma mesma expedio podia praticar o saque e, simultaneamente, o comrcio legtimo. A actividade da cunhagem de moeda cresceu durante o reinado de Carlos o Calvo, quando os ataques escandinavos atingiram o auge. O centro de comrcio dos Pases Baixos transitou, durante o sculo IX, do Mosa, que dava acesso s capitais carolngias, para perto do Scheldt, que estava melhor situado para o comrcio com os ingleses e escandinavos. O comrcio sueco era extremamente importante, tal como o dinamarqus. Birka era pouco utilizada pelo mercadores ocidentais, mas tornou-se importante no comrcio de Leste, principalmente com a Rssia. O entesouramento nessa regio, a maioria na primeira metade do sculo X, revelam um contacto considervel com os gregos e com os muulmanos. As frotas viCaptulo 6 29/160

quingues encontravam-se no Mediterrneo por volta de 870, embora a os homens do norte no se tenham envolvido em operaes militares. No sculo X os muulmanos importavam escravos, peles, couros, madeira e outros produtos florestais, assim como ferro do Ocidente, pagando com prata. A descoberta das minas de prata de Rammelsberg, na Alemanha, foi responsvel por grande parte das novas cunhagens, mas os anos de 970 a 980 foram, tambm, um perodo de grande cunhagem na Inglaterra, porque nessa altura o comrcio entre o Ocidente e a Espanha e o norte de frica muulmanos estava activo. O Islo ocidental, ao contrrio do oriental, utilizava tanto a prata como o ouro, trocando-os por escravos eslavos, capturados pelos francos. O comrcio bizantino, que utilizava apenas o ouro, tambm se reanimou com o Ocidente no sculo X. Os gregos vendiam tecidos e outros artigos manufacturados no Ocidente, em troca do ouro adquirido aos muulmanos. As reservas ocidentais de ouro e prata muulmanos cresceram ainda mais no sculo XI, durante as conquistas militares crists.

AS ORIGENS DA VIDA URBANA Grande parte do comrcio estava centrado nas igrejas e nas cortes dos prncipes. Na maioria dos locais era este comrcio local, e no o de longa distncia de artigos de luxo, que providenciava a base populacional necessria para o desenvolvimento urbano. Com a excepo, talvez, de Roma, as cidades do Ocidente cristo anteriores ao sculo XI eram verdadeiros ncleos pr-urbanos, em que os centros de comrcio no se diferenciados das reas circundantes. Muitos eram wike, povoaes com apenas uma rua ao longo de uma estrada ou curso de gua, ou portus, se se situavam em rios. Alguns wike e portus desenvolveram-se como subrbios no exterior de fortificaes, tais como bispados ou mosteiros. Outros, como Dorestad e Quentovic, eram abertos e sem fortificaes. O ncleo pr-urbano tinha alguma indstria, mas a maior parte dos produtos eram manufacturados nas propriedades rurais. A maioria das cidades at ao sculo XI tinha uma funo largamente distributiva. A maioria das civitates da Glia estiveram desprovidas de habitantes laicos aps terem cado nas mos dos invasores. O termo civitas sofreu uma alterao de significado: enquanto para os romanos designava uma subdiviso administrativa de uma provncia, na Alta Idade Mdia passou a significar apenas a rea de uma antiga cidade romana dentro dos limites das muralhas, onde o bispo exercia o controlo secular. A Histria dos Francos de Gregrio de Tours sugere que os bispados recuperaram rapidamente no sculo VI. Os ricos e eruditos bispos constituam o principal mercado para os produtos de luxo do Leste, mas as civitates tambm30/160 Captulo 6

precisavam de bens utilitrios. Tours tinha, pelo menos, uma populao dependente dos mercadores de cereais e o mecanismo de mercado era suficientemente sofisticado para permitir que estes, durante a fome de 585, amealhassem e especulassem. Uma vez que as igrejas e abadias recebiam pagamentos em gneros das suas propriedades, que eram mais vastas do que seria necessrio para alimentar o clero e os monges, o excedente permitia que os mercados se desenvolvessem em povoaes controladas pelas igrejas. Em 744, Pepino ordenou que os bispos se assegurassem de que cada diocese tinha um mercado e que os preos estavam de acordo com a colheita. Isto sugere que nem todas as dioceses possuam mercados agrcolas, que o comrcio estava em expanso e que o rei receava a explorao ilcita do mesmo. Os primeiros locais na Gr-Bretanha reconhecveis como cidades situavam-se na costa e estavam orientados para o comrcio continental. Nenhum deles parece ter sido realmente grande antes do sculo VII, mas o crescimento foi rpido da em diante. Os reis da Anglia de Leste no sculo VII podero ter-se servido de Ipswich como porto de entrada, da mesma forma que os carolngios utilizavam Dorestad. A maior cidade saxnica era Hamwih, no Wessex, que tinha indstrias, nomeadamente ferro, bronze, chumbo, prata, cermica, madeira e trabalhos em osso e marfim. Hamwih e Winchester complementava-se: esta era a civitas onde o rei, o bispo e os aristocratas ficavam, enquanto Hamwih era o centro de comrcio que servia o mercado aristocrtico. Como no era fortificada, sucumbiu facilmente aos ataques. No sculo X as suas funes foram assumidas por Southampton, que se situava mais para oeste e para o interior. No reino franco e na Itlia, nas povoaes que no estavam associadas a bispados, a populao estabelecia-se, inicialmente, perto de uma fortificao ou de uma abadia. Tendia, ento, a espalhar-se na direco de onde recebia os mantimentos. Um bom exemplo a cidade de Huy, no leste dos Pases Baixos, que ilustra o facto de que, mesmo nas cidades perto dos grandes rios, as povoaes se desenvolverem primeiro ao longo dos pequenos cursos de gua ou das estradas que conduziam ao interior. A rea nos rios maiores permanecia suburbana ou era utilizada apenas como distrito de armazenamento. A maioria dos ncleos pr-urbanos tinham, assim, origem em mercados agrcolas e em centros de distribuio entre as reas que tinham excedentes e faltas de alimentos, de matrias primas ou de trabalho. O regresso a condies mais estveis no sculo X, juntamente com o influxo de metais preciosos do Oriente, alimentou o comrcio e a concentrao de populaes no agrcolas em centros fortificados. As cidades italianas de Pisa e Gnova cresceram com o comrcio com os muulmanos, mesmo quando estes comearam a expulsar os seus habitantes das ilhas costeiras. Com a excepo do caso peculiar da Itlia, a maior parte das cidades do continente desenvolveram-se em locais que tinham, pelo menos, uma runa de uma muralha ou de um edifcioCaptulo 6 31/160

pblico romano Na Inglaterra, no entanto, o desenvolvimento das cidades ocorreu precocemente e sob iniciativa real, uma vez que as povoaes civis se deslocaram para as fortalezas estabelecidas por Alfredo o Grande e seus sucessores. Embora a inteno dos reis em fundar as cidades fosse a de providenciar fortalezas defensveis, os reis do sculo X tambm tentaram centralizar a as actividades comerciais, exigindo que as grandes transaces fossem autorizadas perante um corregedor real dos portos. Os escandinavos rapidamente se adaptaram vida nas cidades. Iorque, tinha uma populao multinacional e at mesmo uma colnia frsia no tempo de Carlos Magno. Durante o sculo X, os dinamarqueses restauraram e aumentaram a muralha romana de Iorque, construindo um palcio real na cidade central. Era, provavelmente, o maior porto do mundo viquingue. A maioria das cidades que se desenvolveram entre 950 e 1050 no fundaes planeadas, respondendo a condies econmicas em constante mutao. Em Inglaterra, no eram normalmente fortificadas e no revelam um grande planeamento das ruas, ao contrrio das povoaes do sculo IX e incio do sculo X. A Alemanha foi a primeira rea a recuperar dos ataques do sculo IX e incio do sculo X. Os reis concediam alvars de mercados s cidades mais importantes, sobretudo s que tinham bispados, colocando mercadores e mercados sob a sua proteco. Alguns mercados foram criados com o objectivo de incentivar o comrcio de longa distncia, tal como Tiel no Waal, para o comrcio ingls, e Bremen para o comrcio escandinavo. O comrcio germano nos finais do sculo X dirigia-se cada vez mais para o sul e leste. A converso ao Cristianismo oriental do prncipe Vladimir de Kiev e a conquista bizantina dos blgaros removeu as ltimas barreiras ao comrcio terrestre entre o Ocidente e Constantinopla. Os produtos muulmanos podiam encontrar-se novamente na Germnia por volta do final do sculo X. O rei Oto I preferia a cidade de Magdeburgo, na fronteira com a Saxnia, estabelecendo a um arcebispado e construindo um novo mercado para os judeus administrarem o comrcio. Os reis germanos, que eram os primeiros beneficirios do crescente fornecimento de metais preciosos orientais, comearam a incentivar, no final do sculo IX, os judeus do Mediterrneo a estabelecerem-se nas suas cidades episcopais. Os judeus rapidamente se espalharam pela Frana e, por volta do ano 1000, existiam comunidades judaicas na maior parte das cidades do norte da Europa, mantendo estreitas relaes religiosas e econmicas umas com as outras.

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TERCEIRA PARTE

A maturidade de uma civilizao: A Europa na Idade Mdia Central c. 920-1270

INTRODUO

No sculo X iniciou-se um perodo de recuperao das invases e dos desastres climticos. Na Alemanha e na Inglaterra e, um pouco mais tarde, na Frana, criaram-se, entre os sculos X e XIII, instituies governativas que iram constituir a fundao institucional do Estado, tal como o conhecemos hoje. A populao aumentou e a produo agrcola intensificou-se de modo a poder responder ao maior nmero de bocas que era necessrio alimentar. A crescente procura de alimentos, juntamente com o aumento do fornecimento de ouro e prata, conduziram a uma inflao monetria que contribuiu para a emancipao dos servos na maior parte da Europa ocidental. Desenvolveram-se verdadeiras cidades que fomentavam o comrcio e a interdependncia regional, fornecendo a mo-de-obra necessria para o primeiro desenvolvimento industrial significativo da Europa. Os curricula e as instituies escolares, nomeadamente as instituies mais medievais de ensino, a Universidade, foram transformadas de modo a corresponder s necessidades desta sociedade e economia cada vez mais complexas. Paralelamente estruturada cultura Latina das Universidades, desenvolveu-se uma vibrante cultura verncula. A Igreja transformou-se numa formidvel mquina administrativa mas tambm encorajava um vasto leque de expresso espiritual, desde a simples religiosidade de um monaquismo reavivado s sofisticadas especulaes dos telogos sobre a natureza da divindade e do cosmo. Os desenvolvimentos, cujas origens explormos em captulos anteriores, atingiram a sua plenitude de crescimento durante a Idade Mdia Central.

Captulo 7

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7 - Governo e Poltica: Imperadores e Papas(Pg. 202 do livro) Os prncipes mais ricos e poderosos da Europa do sculo X e incio do sculo XI eram os da zona mais a Leste do reino franco, o que hoje corresponde Alemanha e ao norte de Itlia. Os ataques escandinavos no foi o nico problema dos carolngios. Estes tinham concedido a maior parte das suas terras s igrejas e aos senhores temporais da aristocracia, que deveriam controlar as populaes; no entanto, nenhum monarca poderia governar efectivamente sem controlar directamente um vasto domnio. Por volta de 911, quando a dinastia franco-carolngia de leste se extinguiu, a grande maioria das suas terras encontrava-se em Lorraine. O poder do rei franco do Ocidente continuou a declinar ao longo do sculo X, mas o advento de uma nova dinastia na Germnia levou recuperao do poder da monarquia. A Germnia era composta por cinco ducados: Turngia, Saxnia, Baviera, Francnia e a Subia, esta incluindo partes do Reino Central e a Burgndia. Enquanto os ducados e os condados eram hereditrios e mantidos como feudos no ocidente, os reis germanos tinham o direito de nomear duques. Os subordinados dos duques eram os condes; mas enquanto o condado era uma subdiviso local do ducado tanto na Germnia como na Frana, o conde germano no obtinha qualquer jurisdio territorial em funo do seu cargo, que era puramente honorrio. Os carolngios tinham tentado, sem sucesso, passar por cima dos poderosos duques na Germnia e governar localmente atravs dos condes, que eram mais fracos, ao passo que os reis germanos fizeram tudo o que estava ao seu alcance para impedir que tanto os condes como os duques solidificassem as suas posies associando terras aos cargos oficiais. Em 911 os duques escolheram Conrado de Francnia como rei, e este, no leito da morte, designou para seu sucessor o seu mais importante rival, o duque da Saxnia, Henrique o Passarinheiro. Este fez campanhas contra os magiares e contra os eslavos e acabou com a antiga tradio de dividir o reino entre pelos filhos do rei, designando um deles como monarca. Isto fez da Coroa uma instituio pblica em vez de uma propriedade da famlia passvel de ser repartida. Compensou os seus outros filhos tornando-os duques. O seu sucessor, Oto I o Grande (936-973) enfrentou vrios problemas. O seu irmo Henrique, duque da Baviera, reclamou o trono com base no facto de ter sido o primeiro filho de Henrique o Passarinheiro a nascer depois de o pai se ter tornado rei. As incurses dos magiares ensombraram os primeiros anos do se